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DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO D IREITO A MBIENTAL DO T RABALHO Apontamentos para uma Teoria Geral Saúde, Ambiente e Trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho Volume I

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DirEiTo AmBiENTAL Do TrABALHoDirEiTo AmBiENTAL Do TrABALHo

Apontamentos para uma Teoria Geral

Saúde, Ambiente e Trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho

Volume I

DirEiTo AmBiENTAL Do TrABALHo

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANOJOÃO URIASCoordenadores

DirEiTo AmBiENTAL Do TrABALHo

Apontamentos para uma Teoria Geral

Saúde, Ambiente e Trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho

Volume I

EDITORA LTDA.

© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Junho, 2013

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Direito ambiental do trabalho; v. 1: Apontamentos para uma teoria geral : saúde, ambiente e trabalho : novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho / Guilherme Guimarães Feliciano, João Urias (coord.). — São Paulo : LTr, 2013.

Vários autores.Bibliografia.

1. Ambiente de trabalho 2. Direito ambiental 3. Direito do trabalho I. Feliciano, Guilherme Guimarães. II. Urias, João. III. Série.

12-15272 CDU-34:331.042

Índice para catálogo sistemático:1. Direito ambiental do trabalho 34:331.042

Versão Impressa - LTr 4780.8 - ISBN 978-85-361-2555-8

Versão Digital - LTr 7592.4 - ISBN 978-85-361-2636-4

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Sumário

Apresentação................................................................................................................... 7

O meio ambiente do trabalho e a responsabilidade civil patronal: reco-nhecendo a danosidade sistêmica

Guilherme Guimarães Feliciano......................................................................................................... 11

Indivíduo ou ambiente? Para um novo caminho de enfrentamento da infor-tunística no trabalho

João Urias.......... ................................................................................................................................. 27

Danos labor-ambientais na jurisprudência brasileira: o caso Recanto dos Pássaros (Paulínia)

Fabíola Miotto Maeda, Rita de Cássia de Lima Franco ..................................................................... 43

O direito dos não fumantes no ambiente de trabalho

Ana Luísa Leitão Martins, Juliana Ramalho Lousas, Taissa Luizari Fontoura da Silva de Almeida 59

Algumas medidas legislativas, técnicas e médicas no combate da poluição labor-ambiental visando ao meio ambiente de trabalho hígido e equi-librado

Claudia Regina Salomão, Ricardo Trajano Valente, Sandra Donatelli ............................................ 73

Direitos fundamentais e boas práticas corporativas: combate e prevenção à discriminação indireta no trabalho e preservação do meio ambiente do trabalho

Denise Vital e Silva, Silvia Sampaio Valverde .................................................................................. 85

Gestão democrática da empresa, novas formas de organização do traba-lho e meio ambiente do trabalho

Angelo Antonio Cabral, Mariana Del Monaco, Paulo Roberto Lemgruber Ebert ............................. 107

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Meio ambiente do trabalho e proteção jurídica do trabalhador: (re) sig-nificando paradigmas sob a perspectiva constitucional

Aline Moreira da Costa, Leandro Krebs Gonçalves, Victor Hugo de Almeida ................................... 123

Meio ambiente de trabalho e o setor canavieiro

Márcia Cunha Teixeira, Tadeu Henrique Lopes da Cunha ............................................................. 143

Prescrição da pretensão de indenização por danos morais decorrentes do acidente de trabalho e da doença profissional no direito do trabalho

Renato Ornellas Baldini, Sandra Regina Cavalcante, Tabajara Medeiros de Rezende Filho ............ 167

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APrESENTAÇÃo

Este livro é o resultado compendiado do que de melhor se produziu no primeiro semestre de 2011, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, durante os seminários da disciplina “Saúde, Ambiente e Trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho I”, que desenvolvemos a seis mãos (comigo o Professor Associado Antonio Rodrigues de Freitas Júnior e o Professor Doutor Homero Batista Mateus da Silva), e que esteve sob a minha responsabilidade naquele semestre.

Os artigos reproduzem basicamente as ideias debatidas ao ensejo de cada tema nuclear, sempre com tomadas de posição e encaminhamentos metodológicos, teoréticos ou mesmo pragmáticos. Cada texto representa, ademais, as conclusões extraídas por seus próprios autores, nem sempre unânimes entre os membros de um grupo tão seleto e heterogêneo (entre os quais tivemos juízes, membros do Ministério Público, advogados, servidores federais, engenheiros e profissionais da saúde). Mas é essa, afinal, a beleza do Direito.

O compêndio é tão rico quanto pôde ser. Encontraremos temas os mais variados — e, nada obstante, todos basilares para a construção científica de um Direito Ambiental do Trabalho, notadamente pelos princípios que envergam —, tais como (i) o conceito de meio ambiente do trabalho e os equacionamentos possíveis para as eternas tensões entre o interesse público, o interesse coletivo e o interesse privado; (ii) o meio ambiente do trabalho no contexto dos direitos humanos fundamentais (continências, conexões e coli-sões); (iii) o novo paradigma labor-ambiental ditado pela Constituição de 5.10.88; (iv) o meio ambiente do trabalho e as liberdades individuais: o direito dos não fumantes a um ambiente hígido; (v) o meio ambiente do trabalho e a gestão da empresa: democratização gerencial e novas formas de organização do trabalho; (vi) a tutela preventiva e repressiva do meio ambiente do trabalho; (vii) desequilíbrio labor-ambiental: a poluição química (caso Recanto dos Pássaros); (viii) desequilíbrio labor-ambiental: o setor canavieiro; (ix) a responsabilidade civil do empregador por danos de origem labor-ambiental; e (x) a prescrição nas pretensões indenitárias decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Não mantivemos ri-gorosamente essa ordem temática, apenas porque optamos por respeitar a ordem histórica dos seminários apresentados, até mesmo para que o leitor consiga perceber o quanto cada estudo comunicou-se com os demais estudos que lhe foram posteriores. No entanto, a mera leitura do sumário já permitirá identificar, nos tópicos, cada um desses temas.

Com tais contributos, ademais, acreditamos apresentar ao público estudos consistentes sobre os sete grandes eixos temáticos do Direito Ambiental do Trabalho, ínsitos à sua teoria geral, assim entendidos: (a) o conceito de meio ambiente do trabalho (aqui compreendidos os aspectos filosóficos, sociológicos, econômicos, políticos e jurídicos, assim como as questões epistemológica e taxonômica); (b) o meio am-biente do trabalho em sua dimensão jusfundamental (identificando e revelando a inescapável remissão

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constitucional que o assunto engendra e a sua respectiva malha principiológica); (c) o meio ambiente do trabalho em sua dimensão preventiva (na concreção do princípio da precaução/prevenção); (d) o meio ambiente do trabalho em sua dimensão repressiva (na concreção dos comandos constitucionais que exi-gem respostas administrativas e penais — faltando-nos, neste volume, um capítulo sobre o Direito Penal do Trabalho em sede labor-ambiental, que todavia deverá compor o segundo volume); (e) o meio ambiente do trabalho em sua dimensão reparatória (na concreção do princípio do poluidor-pagador, desaguando na responsabilidade civil do empregador por lesões decorrentes do desequilíbrio labor-ambiental); (f) a poluição ou desequilíbrio labor-ambiental (nas suas mais variadas manifestações, como as de cariz físico, químico, biológico, ergonômico, psicológico etc.); e (g) as conexões do Direito Ambiental do Trabalho com as ciências afins (a Física, a Química, a Biologia, a Psicologia, a Ecologia etc.).

Não nos ateremos, porém, ao que está aqui. Voltaremos à carga com ao menos um segundo volume, programado para 2013, abordando aqueles mesmos eixos temáticos propedêuticos. E, para o mais, dir-nos- -á a receptividade editorial destes escritos.

É de NIETZSCHE o reconhecimento de que a objeção, o desvio, a desconfiança e a vontade de troçar são sinais de saúde; ao revés, “tudo o que é absoluto pertence à patologia”. Se é mesmo assim, exercer o legítimo direito de desconfiança científica é um sinal veemente de saúde e vigor intelectual, sobretudo em searas ainda mal estribadas, como é esta que agora nos toca. E, caminhando do (anti)niilismo nietzschiano para a fenomenologia husserliana (das propriedades que se transferem pelo processo cognitivo), bem poderemos prescrever que, com boa saúde na atitude cognoscitiva, perseguiremos mais eficazmente os predicamentos da saúde no objeto fenomenológico a conhecer. Porque é disso, afinal, que se trata: resgatar, no caldo de incertezas da pós-modernidade, os paradigmas de saúde laboral e de autorrealização pelo trabalho que se perderam nos três séculos que nos separam da Primeira Revolução Industrial. Repensar, de modo sistemá-tico e pós-positivista, as grandes questões do Direito Ambiental do Trabalho. E resgatá-lo, afinal, do seu calabouço discursivo: o trabalho, antes de ser fator de produção, é projeção da pessoa.

Boa leitura!

São Paulo, 10 de setembro de 2012.

Guilherme Guimarães FelicianoProfessor Associado do Departamento de Direito do Trabalho

e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário.

E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

Bertolt Brecht (1898-1956)

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o mEio AmBiENTE Do TrABALHo E A rESPoNSABiLiDADE CiViL PATroNAL:

RECONHECENDO A DANOSIDADE SISTÊMICA

guilherme guimarães Feliciano(*)

1 INTRODuçÃO

Muito se tem discutido as questões de meio ambiente do trabalho na doutrina trabalhista recente. Páginas e páginas de estudos, entre livros, artigos e ensaios. Pode-se mesmo asseverar ser esse, hoje, um dos “temas da moda” do Direito do Trabalho. Se não o mais momentoso, decerto um dos que ocupa o topo da respectiva lista(1). Alguns autores já chegam a referir o Direito Ambiental do Trabalho, pretendendo recon-duzir as questões de segurança, saúde e higiene no trabalho a uma das camadas deontológicas do próprio Direito Ambiental, dada a sua natural e histórica transversalidade epistemológica.

O curioso, porém, é que muito pouco se tem conectado em termos principiológicos. Se aquelas ques-tões delimitam zonas de intersecção entre o Direito do Trabalho e o Direito Ambiental, é de se esperar que os próprios princípios normativos que regem esses dois ramos da enciclopédia jurídica comuniquem-se for-temente. E, na realidade, isso é de simples demonstração: princípios jurídico-ambientais clássicos como o da prevenção, o da precaução, o do poluidor-pagador, o da informação e o da participação são facilmente iden-tificáveis na própria legislação trabalhista e previdenciária, como valores-conceitos entremeados, a despeito de maior ou menor antiguidade daquela legislação. Reservaremos esse estudo, porém, para outro momento.

Neste capítulo, queremos apenas demonstrar como — e quando — o princípio do poluidor-pagador manifesta-se e opera no imo das relações de trabalho (conquanto alguns outros princípios terminem tam-bém alcançados a latere). E, para isso, é fundamental partirmos de uma premissa conceitual bem posta: o que é o meio ambiente do trabalho e quais dimensões da realidade ele alcança?

Começemos com isso.

(*) Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Professor Assistente Doutor (licenciado) do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté (UNITAU). Doutor e Livre-Docente em Direito (FDUSP). Vice-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (AMATRA XV).(1) A própria grade temática dos eventos científicos bem o demonstra. Recentemente, no curto espaço de três meses, este Autor teve ocasião de participar de dois deles (como presidente de mesa e como palestrante, respectivamente): o III Seminário Internacional da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região, que reuniu cerca de 120 participantes em Montevideo, entre os dias 9 e 10 de setembro de 2010, com o mote “Meio Ambiente do Trabalho”; e a 2ª Semana Jurídica do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, realizada em Cuiabá entre os dias 22 e 23 de novembro de 2010, para desenvolver o tema “Meio Ambiente do Trabalho: aspectos gerais”. Uma busca na rede mundial de computadores revelará, ademais, como pululam por todo o território nacional eventos de igual interesse.

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2 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: CONCEITO E CONSECTÁRIOS

Os autores definem o meio ambiente do trabalho com os mais variados matizes. Há quem prefira definições mais simples, entendendo como meio ambiente do trabalho “o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente”(2). Em definição menos empírica, diz-se ainda que é “o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa”(3). Essa última definição adapta à espécie o preceito do art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81, que define meio ambiente em geral (“conjunto das condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”).

Doutrinariamente, o meio ambiente do trabalho aparece ao lado do meio ambiente natural (consti-tuído pelos elementos físicos e biológicos nativos do entorno: solo, água, ar atmosférico, flora, fauna e suas interações entre si e com o meio); do meio ambiente artificial (constituído pelo espaço urbano construído, que compreende o conjunto de edificações — espaço urbano fechado — e o dos equipamentos públicos — espaço urbano aberto; alguns autores referem, ainda, o meio ambiente rural, relativo ao espaço rural construído); e do meio ambiente cultural (constituído pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico, que agregou valor especial pela inspiração de identidade junto aos povos)(4), sendo todos manifestações particulares da entidade meio ambiente, que temos de conceber como Gestalt. Assim:

MEIO AMBIENTE HuMANO

MEIO AMBIENTE NATuRAL

MEIO AMBIENTE ARTIfICIAL

MEIO AMBIENTE uRBANO

MEIO AMBIENTE RuRAL

ESpAçO uRBANO fECHADO

(= edificações)

ESpAçO uRBANO ABERTO

(= equipamentos públicos)

MEIO AMBIENTE CuLTuRAL

MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

(art. 200, vIII, Cf)

(2) SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 5.(3) SANTOS, Antônio Silveira R. dos. Meio ambiente do trabalho: considerações. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1202>. Acesso em: 7.12.10.(4) Cfr., por todos, José Afonso da Silva, op. cit., p. 3. Sobre meio ambiente rural, cfr. Michel Prieur, Droit de l’environnement, 3. ed., Paris, Dalloz, 1996. p. 721-731.

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Os conceitos correntes de meio ambiente do trabalho tendem a pecar em dois aspectos cruciais. A uma, porque não esclarecem a que “trabalhador” se referem (e bem se sabe que, no Direito do Trabalho, saber a sua qualificação — se subordinado, autônomo, eventual, avulso, voluntário etc. — pode ser a pedra de toque para reconhecer-lhe todos ou nenhum direito). A duas, porque olvidam uma dimensão própria e inerente ao meio ambiente de trabalho, que nas demais manifestações da Gestalt ambiental (natural, artifi-cial, cultural) não tem relevância: a dimensão psicológica.

Assim, para albergar esses dois aspectos e responder à crítica, preferimos assim conceituar o meio am-biente do trabalho (partindo da descrição legal do art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81): é o conjunto (= sistema) de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica e psicológica que incidem sobre o homem em sua atividade laboral, esteja ou não submetido ao poder hierárquico de outrem.

Em termos puramente empíricos, não é difícil focalizar as manifestações mais pungentes de litigio-sidade em torno do meio ambiente do trabalho. Discute-se o meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado quando se debate o problema do trabalho perverso(5) (periculosidade, insalubridade e penosi-dade — art. 7º, XXIII, da CRFB; arts. 189 usque 197 da CLT; Lei n. 7.369/85), como também em tema de acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, da CRFB; arts. 19 e 21 da Lei n. 8.213/91) e entidades mórbidas equivalentes (moléstias profissionais e doenças do trabalho — art. 20, I e II, da Lei n. 8.213/91) e, em geral, riscos inerentes ao trabalho e tutela da saúde, da higiene e da segurança no trabalho (art. 7º, XXII, da CRFB; arts. 154 usque 201 da CLT).

Já a natureza jurídica desses litígios traduz, não raro, vexata quaestio entre os estudiosos. Ora persegue--se a tutela de um interesse difuso (assim, e. g., na cessação de atividade poluente que afetava os trabalhadores e a própria comunidade do entorno), ora um interesse coletivo (e. g., na tutela da higidez dos trabalhadores, atuais e futuros, em uma dada fase do processo produtivo de determinada empresa), ora, ainda, um interesse individual homogêneo (p. ex., na ação plúrima movida por grupo certo de trabalhadores que, críticos da política de segu-rança e de salários da empresa, foram relegados a atividade insalubre). Nada obstante, é forçoso admitir que os aspectos negativos do meio ambiente de trabalho podem ser também objeto de tutela exclusivamente individual, ao critério do juiz, mediante provocação do interessado. É conhecida, aliás, a passagem em que Mozart Victor Russomano, então juiz do Trabalho, apreciou reclamação trabalhista em que o trabalhador, ronda noturno de certa empresa (a quem competia fazer a vigilância externa dos pátios e adjacências do estabelecimento), pleiteou em juízo a alteração das condições de trabalho, vez que idoso e acometido por dores reumáticas e nevrálgicas, para não mais ficar exposto à umidade, à chuva, ao sereno e ao frio. Esse conflito, observa Russomano, “tinha em vista alterar as condições de trabalho, não com fundamento em norma jurídica anterior e vigente, mas, apenas, com ampa-ro em princípios de equidade, que sempre ou quase sempre inspiram a solução dos conflitos de natureza econômica”, donde concluir ter julgado, na espécie, um conflito individual de natureza econômica, por visar à criação de novas condições de trabalho(6).

O juiz Russomano não fazia mais do que ajustar o ambiente de trabalho à capacidade física do traba-lhador, em condições hígidas e equilibradas: houve, indubitavelmente, um provimento jurisdicional de tutela do meio ambiente do trabalho, com predominância de carga condenatória e mandamental (e, por outro lado, sem a carga criativa geral que poderia de fato se traduzir em exercício individual de poder normativo...). Não o disse, é claro, porque à época o conceito ainda não estava sedimentado. Pode-se afirmar, já por isso,

(5) A expressão, vazada para o gênero de que são espécies a periculosidade, a insalubridade e a penosidade, emprestamo-la de José Luiz Ferreira Prunes (cfr. Trabalho Perverso. Curitiba: Juruá, 2000, v. I e II, passim).(6) RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios Gerais de Direito Sindical. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 232-233. O autor sustenta, assim, que tanto os conflitos individuais como os coletivos podem ser de natureza jurídica (cujas pretensões baseiam-se em norma jurídica vigente, no sentido de dar-lhe execução) ou de natureza econômica (de pretensões consistentes na criação de normas que revisam ou criam condições de trabalho, à míngua de norma concreta de conduta, ainda se — como pensamos — amparada em princípios gerais ou regras programáticas). No mesmo ensejo, refere escólio de Américo Plá Rodriguez em igual sentido (admissão de conflitos individuais de natureza econômica), com alguma crítica (op. cit., p. 233, nota n. 9).

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que o juiz do Trabalho, ao dispor sobre condições de trabalho e dimanar mandados proibitivos (= não fazer), permissivos (= deixar fazer) ou coercitivos (= fazer), pode exercitar — no âmbito individual (caso citado) ou coletivo (ações civis públicas em geral) — autêntico poder criativo, com menor ou maior índice de generalidade.

Daí a dúvida: o direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado é um direito (= inte-resse) individual, individual homogêneo(7), coletivo(8) ou difuso(9)? A resposta é tão multifacetada quanto a pergunta, relativizando a sua própria circunstância: a sua qualificação jurídica depende do contexto de conflito em que se insere a pretensão — se individual, individual homogêneo, coletivo ou difuso. É o que decorre, mutatis mutandi, do magistério de Nelson Nery Junior, já no âmbito do processo: o direito não se classifica segundo a matéria genérica in abstracto, mas segundo o tipo de tutela jurisdicional que se pretende com a ação judicial. Não se pode dizer, aprioristicamente, que o direito ao meio ambiente seja um direito difuso, ou que o direito do consumidor seja coletivo; antes, um mesmo evento — o autor cita o acidente com o Bateau Mouche IV em 1988 — pode ensejar interesse individual (pretensão de indenização de uma das vítimas, em ação ordinária de perdas e danos), individual homogêneo (pretensão de indenização a favor de todas as vítimas, em ação ajuizada por entidade associativa), coletivo (pretensão de obrigação de fazer, em ação coletiva movida por associação das empresas de turismo, com vistas à manutenção da boa imagem do segmento econômico local) ou difuso (tutela da vida e da segurança das pessoas em geral, mediante ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público para interditar a embarcação e evitar novos acidentes)(10).

Assim, no campo do Direito do Trabalho, Nery Junior refere o interesse em obrigar a empresa a colocar dispositivos de segurança em suas máquinas, para evitar acidentes do trabalho, que é, a depender do enfoque, difuso (reduz-se o custo do produto final para o consumidor e — acrescentamos — a incidência de sequelados na comunidade local, desonerando o INSS) ou coletivo (por beneficiar diretamente todo o grupo de trabalhadores da empresa); refere, ainda, o interesse em obter reajuste salarial legal, que é, a depender da circunstância, coletivo (todos os membros da categoria profissional, naquela base territorial, fazem jus ao reajuste, que não será pago, indiscriminadamente, a empregados atuais e futuros) ou individual homogêneo (a omissão ilegal da empresa faz nascer, para cada trabalhador em atividade, o direito a certa parcela em atraso)(11).

Convém reconhecer, todavia, que em termos conceituais (sem a minúcia da circunstância), o direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado é um direito difuso, como é, de resto e in genere, o direito geral ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, designado constitucionalmente como “bem de uso comum do povo” e destinado às “presentes e futuras gerações” (i. e., titulares indeterminados ligados pela condição mesma de ser humano). Em igual sentido, USSIER reconhece o interesse social — diríamos mais, interesse público primário — em reprimir a espoliação e o aviltamento das forças de trabalho, a cres-cente legião de mutilados e a sangria paulatina dos cofres da Previdência Social(12).

(7) Interesses individuais autônomos, determinados ou determináveis, porém enfeixados por uma origem comum (art. 81, parágrafo único, III, da Lei n. 8.078/90).(8) Interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte con-trária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, II, da Lei n. 8.078/90).(9) Interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I, da Lei n. 8.078/90).(10) Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 55-56. No mesmo sentido, cfr. ainda NEL-SON NERY JUNIOR, O Processo do Trabalho e os Direitos Individuais Homogêneos — Um Estudo sobre a Ação Civil Pública Trabalhista, in Revista LTr 64-02/151-160, e NORMA SUELI PADILHA, Do Meio Ambiente do Trabalho Equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 51. No artigo, Nery Junior aduz que a pedra de toque que identifica um direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo não é propriamente a matéria, [...] mas o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial, redimensionando os exemplos com a hipótese de um acidente nuclear: cabem, em tese, ações para tutela de interesses difusos (interdição da usina), coletivos (ação dos trabalhadores para impedir o fechamento da usina, com vistas à preservação dos empregados) e individuais homogêneos (indenização aos proprietários da região, prejudicados com a perda de lavouras e propriedades), às vezes com objetos contrapostos (e. g., primeira e segunda hipóteses).(11) “O Processo do Trabalho [...]”, p. 155.(12) USSIER, Jorge Luiz. A defesa do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador pelo Ministério Público estadual, in Justitia 171/45-48.