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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CAMPUS UNIVERSITÁTIO DE VACARIA - CAMVA CURSO DE DIREITO DIREITO DO TRABALHO I 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DO TRABALHO: 1.1 História do Direito do Trabalho. 1 1.2 Conceitos 1.3 Fontes 1.4 Relação do Direito do Trabalho com outras ciências 1.5 Direito Internacional do Trabalho 1.5.1 Organização Internacional do Trabalho OIT 1.6 Transação de Direitos 1.7 Princípios do Direito do Trabalho 1.2 CONCEITO DE DIREITO DO TRABALHO Conforme Mozart Vitor Russomano o “Direito do Trabalho é um conjunto de princípios e normas tutelares que disciplinam as relações entre empresários e trabalhadores ou entre as entidades sindicais que se representam assim como outros fatos jurídicos resultantes do trabalho.” ( 2000 : p. 29) Em primeiro lugar, essa definição põe em relevo a circunstância de que o Direito do Trabalho, como todas as ciências jurídicas, é constituído de princípios doutrinários e normas de direito positivo, estas, quase sempre, derivadas daqueles e, portanto, atuando, na ordem social, como conseqüência ou aplicação do Direito em sua forma científica. Em segundo lugar, o uso do vocábulo «tutelares» serve para assinalar, de um lado, a natureza íntima do Direito do Trabalho e, por outro lado, o alvo a que ele se destina = a idéia de Justiça. No caso, a idéia de Justiça conduz à necessidade de se proteger o trabalhador, assegurando-lhe, na ordem social contemporânea, um regime de defesa contra a prepotência ou o desmando do empresário, que detém os meios de produção e, por isso, conserva o controle da vida econômica nacional. Em terceiro lugar, nossa definição revela, à primeira vista, a grande divisão interna do Direito do Trabalho: direito individual e direito coletivo. No primeiro hemisfério, estão os princípios e as normas pertinentes à relação de emprego, que nasce do contrato individual de trabalho; no segundo, encontramos os princípios e as normas que disciplinam a vida sindical do país. É desnecessário acentuar, certamente, que esses dois hemisférios estão ligados de modo muito íntimo. Por isso aludimos à divisão interna do Direito do Trabalho. Ninguém contesta, modernamente, a justaposição das duas metades do Direito do Trabalho e, em conseqüência, sua rígida e harmônica unidade externa, como ciência jurídica. O conceito de Direito do Trabalho, contemporaneamente, não se limita a disciplinar, estritamente, relações de emprego. O conceito apresentado, num quarto momento, se refere às relações entre empresários e trabalhadores. E o faz pela convicção de que o Direito do Trabalho está submetido, nos dias que correm, a um processo de rápida expansão. Muito embora a lei brasileira restrinja a aplicação das normas trabalhistas a empregados e empregadores (sujeitos, portanto, da relação jurídica de emprego), não é menos certo que a Constituição Federal alude, também, aos direitos uniformes dos trabalhadores avulsos em relação aos empregados - art. 7°, inc. XXXIV, e, ao fixar a competência da Justiça do Trabalho, a outras relações jurídicas, que não são estritamente de emprego, e, sim, relações de trabalho - art. 114, caput conforme EC 45/05. Na verdade, partindo, historicamente, da 1 O tópico a respeito da História do Direito do Trabalho fora disponibilizado na primeira aula.

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CAMPUS UNIVERSITÁTIO DE VACARIA - CAMVA

CURSO DE DIREITO DIREITO DO TRABALHO I

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DO TRABALHO:

1.1 História do Direito do Trabalho.1 1.2 Conceitos 1.3 Fontes 1.4 Relação do Direito do Trabalho com outras ciências 1.5 Direito Internacional do Trabalho

1.5.1 Organização Internacional do Trabalho – OIT 1.6 Transação de Direitos 1.7 Princípios do Direito do Trabalho

1.2 CONCEITO DE DIREITO DO TRABALHO

Conforme Mozart Vitor Russomano o “Direito do Trabalho é um conjunto de princípios e normas tutelares que disciplinam as relações entre empresários e trabalhadores ou entre as entidades sindicais que se representam assim como outros fatos jurídicos resultantes do trabalho.” ( 2000 : p. 29)

Em primeiro lugar, essa definição põe em relevo a circunstância de que o Direito do Trabalho, como todas as ciências jurídicas, é constituído de princípios doutrinários e normas de direito positivo, estas, quase sempre, derivadas daqueles e, portanto, atuando, na ordem social, como conseqüência ou aplicação do Direito em sua forma científica.

Em segundo lugar, o uso do vocábulo «tutelares» serve para assinalar, de um lado, a natureza íntima do Direito do Trabalho e, por outro lado, o alvo a que ele se destina = a idéia de Justiça. No caso, a idéia de Justiça conduz à necessidade de se proteger o trabalhador, assegurando-lhe, na ordem social contemporânea, um regime de defesa contra a prepotência ou o desmando do empresário, que detém os meios de produção e, por isso, conserva o controle da vida econômica nacional.

Em terceiro lugar, nossa definição revela, à primeira vista, a grande divisão interna do Direito do Trabalho: direito individual e direito coletivo. No primeiro hemisfério, estão os princípios e as normas pertinentes à relação de emprego, que nasce do contrato individual de trabalho; no segundo, encontramos os princípios e as normas que disciplinam a vida sindical do país. É desnecessário acentuar, certamente, que esses dois hemisférios estão ligados de modo muito íntimo. Por isso aludimos à divisão interna do Direito do Trabalho. Ninguém contesta, modernamente, a justaposição das duas metades do Direito do Trabalho e, em conseqüência, sua rígida e harmônica unidade externa, como ciência jurídica.

O conceito de Direito do Trabalho, contemporaneamente, não se limita a disciplinar, estritamente, relações de emprego. O conceito apresentado, num quarto momento, se refere às relações entre empresários e trabalhadores. E o faz pela convicção de que o Direito do Trabalho está submetido, nos dias que correm, a um processo de rápida expansão. Muito embora a lei brasileira restrinja a aplicação das normas trabalhistas a empregados e empregadores (sujeitos, portanto, da relação jurídica de emprego), não é menos certo que a Constituição Federal alude, também, aos direitos uniformes dos trabalhadores avulsos em relação aos empregados - art. 7°, inc. XXXIV, e, ao fixar a competência da Justiça do Trabalho, a outras relações jurídicas, que não são estritamente de emprego, e, sim, relações de trabalho - art. 114, caput – conforme EC 45/05. Na verdade, partindo, historicamente, da

1 O tópico a respeito da História do Direito do Trabalho fora disponibilizado na primeira aula.

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2 relação de emprego, o Direito do Trabalho vem abarcando, sob seu manto protetor, não, apenas, os trabalhadores subordinados (empregados, segundo a técnica da legislação nacional), mas, igualmente, todos aqueles que - mesmo autônomos e mesmo eventuais - sejam carentes de proteção social.

Logo, esse conceito contemporâneo de Direito do Trabalho superou as perspectivas – de uma relação individual de emprego, ampliando-a, abarcando as relações coletivas, que se estabelecem entre sindicatos e ou grupos de trabalhadores. Esse novo tipo de relação jurídica, que transcende a relação individual de empregadoempregador instaura uma nova percepção de Direito do Trabalho, que mesmo mais ampla não poderá perder jamais seu caráter protecionista, que é o fulcro – histórico-sociológico de suas normas

2.

1.3 Fontes

A divisão tradicional das fontes do Direito classifica-as em fontes materiais e formais3.

Fontes materiais são, em última análise, as necessidades coletivas, que conduzem o legislador a imprimir a determinada norma determinado conteúdo. Elas criam a matéria que forma o comando da norma jurídica.

Fontes formais, ao contrário, como o nome indica, são os modos de revelação do Direito, se preferirmos, as roupagens ou formas de que o Direito se reveste para se impor, coercitivamente, à vida social.

As fontes materiais, por sua natureza, não podem ser relacionadas, porque são necessidades coletivas e, por definição, as necessidades econômicas são ilimitadas. A tentativa de quantificação fará com que o jurista ultrapasse as fronteiras da Sociologia do Direito e atinja Sociologia Geral.

Embora não seja possível enumerar as fontes materiais do Direito, é possível, no entanto, indicar quais sejam as fontes materiais de maior relevância no estudo do Direito do Trabalho, como fez KROTOSCHIN, nas Instituciones de Derecho del Trabajo.

Seguindo os preceitos adotados por aquele autor, poderemos fazer uma enumeração, essencialmente exemplificativa, das fontes materiais do Direito do Trabalho, ou seja, daquelas que, de modo mais específico, contribuem para a formação normativa de nossa disciplina e inclusive para sua formação científica ou doutrinária: a) necessidade de proteção tutelar; b) fato social da organização das profissões; c) fato social da colaboração.

O princípio de proteção tutelar, que marca o Direito do Trabalho e ainda hoje o inspira, resulta de uma realidade social contundente: a necessidade que sente o trabalhador de ser protegido em face do empresário. O trabalhador se reuniu em sindicatos para autodefender-se do empregador, mas utilizou o sindicato como grupo de pressão tanto contra o Estado, para dele exigir proteção efetiva, através da elaboração de leis trabalhistas ou previdenciárias. E ante a insuficiência da autodefesa do trabalhador, através de sua atividade individual ou sindical, o Estado ditou normas que, limitando o comportamento do empregador, asseguram direitos aos trabalhadores.

É claro que, à medida que o sindicalismo se desenvolve e se torna mais autêntico, ele dispensa a proteção tutelar do Estado na elaboração das leis e, por sentir-se forte, capaz de negociar com os empresários, tenta criar, através de um sistema de convenções coletivas, as normas que disciplinam as condições de trabalho de cada categoria profissional.

2 Fonte: RUSSOMANO, Mozart V. Curso de Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá.

3 É possível adotar outra forma de classificação apresentada por Miguel Reale, que estabelece como fontes Heterônomas as que são impostas por terceiro como a lei, sentenças normativas, etc. E as fontes Autônomas que são elaboradas pelos interessados como os acordos, convenções, etc.

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3 Isso, porém, embora reduza a importância da presença do Estado na elaboração das

leis trabalhistas, não diminui a necessidade de proteção tutelar do Estado, quanto à vigilância do exato cumprimento das normas legais ou derivadas de convenções coletivas.

Esse processo se opera em dois planos sucessivos: No primeiro o Estado exerce a Fiscalização ou Inspeção do Trabalho, através do corpo de seus funcionários administrativos, que desempenham, nesse ensejo, papel de vigilância para efetiva aplicação do direito em vigor e, dessa forma, preventivamente, impedem a violação da norma exigível e, portanto, a criação de conflitos de trabalho. Mas, em momento subseqüente, surgido o conflito - porque os fatos escapam, muitas vezes, entre as malhas da Inspeção do Trabalho - compete, ainda, ao Estado dar solução a esse conflito, no exercício do seu poder jurisdicional. A terapêutica, agora, é aplicada a posteriori. E, em última análise, a solução do conflito do trabalho pelo Estado,através do Poder Judiciário.

Outra fonte material relevante do Direito do Trabalho é o fato histórico e social da organização das profissões. Esse movimento sindical, por um lado, foi fator decisivo para que o Estado tivesse sua atenção voltada para a necessidade de proteção tutelar do trabalhador. Mas, o fato da organização das profissões - que culminou no sindicalismo - além de intensificar as relações individuais de trabalho e de valorizá-las, criou novas relações jurídicas, exigindo do jurista outras concepções e, do legislador, normas jurídicas adequadas.

As relações jurídicas intersindicais ou, mais genericamente, as relações jurídicas coletivas exigiram do Estado posturas historicamente inéditas e, em conseqüência, a elaboração de princípios doutrinários e normas cogentes originais, que podem ser exemplificados pela greve, pela estrutura sindical, as convenções coletivas de trabalho etc..

Uma terceira fonte material do Direito do Trabalho está no princípio da colaboração. Essa colaboração se processa em três níveis: Em primeiro lugar, há colaboração entre empresários e trabalhadores, dentro da empresa, em nível individual. Muito embora as posições antípodas que empregado e empregador ocupam na relação de emprego, conduzidos por interesses opostos e quase inconciliáveis, a verdade é que a empresa moderna - como área comunitária do encontro de interesses opostos mas justapostos - é a negação frontal do princípio marxista da luta de classes permanente, na medida em que a empresa capitalista modifica sua estrutura interna. E nesse sentido que se apura a existência de uma colaboração cada vez mais intensa, na empresa, para obtenção de resultados úteis a trabalhadores e empresários e que vai, pouco a pouco, conduzindo os fatos e as leis aos sistemas conhecidos de participação do trabalhador nos lucros, no capital e na gestão do empreendimento econômico.

Em segundo lugar, como decorrência da organização das profissões, nasce a idéia de colaboração entre os sindicatos, isto é, em nível coletivo. Essa necessária colaboração entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores ultrapassa os limites da solidariedade natural, ao passo de estabelecer uns em face dos outros, como expressões sociais e jurídicas de categorias que se constituem em razão de interesses historicamente opostos e, no dia de hoje, como acentuado, harmonizados na concepção da nova empresa. Nesse sentido, exercem papel saliente os acordos intersindicais e as convenções coletivas de trabalho, bem como os grandes pactos que nascem da concentração social.

Em terceiro lugar, finalmente, agora em nível político, há a colaboração devida pelos sindicatos, coletivamente, ou pelos trabalhadores e empresários, individualmente considerados, aos Poderes do Estado. E uma colaboração horizontal, em que o sindicato se situa ao lado do Poder Público, embora em degraus distintos da organização política nacional, de modo a não perder sua autonomia e, dessa forma, sua autenticidade.

Quanto às fontes formais, são elas tradicionalmente classificadas em fontes formais principais ou diretas e fontes formais secundárias ou indiretas.

As primeiras, as fontes formais principais, são assim denominadas por que constituem a forma através da qual, habitualmente, o Direito se revela e impõe, na ordem social. Nos períodos remotos da história do Direito, as fontes principais eram os costumes, pois as normas em vigor eram exclusivamente ou quase exclusivamente consuetudinárias. Hoje, a

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4 contrário, as fontes principais do Direito são as leis, no sentido amplo da expressão, isto é, as normas jurídicas escritas.

As fontes formais secundárias exercem, em relação às fontes principais papel subsidiário e supletivo, possuindo duplo efeito: auxiliam a interpretação das leis e, por outro lado, integram as eventuais lacunas do direito positivo, no julgamento dos casos não previstos pelo legislador. Elas são numerosas e, embora existam, em relação a algumas, dúvidas quanto a seu papel de fonte de Direito, podemos indicá-las consoante este elenco: costume, jurisprudência, doutrina, eqüidade, Direito Comparado, princípios gerais ao Direito e analogia.

Se atentarmos para a legislação brasileira sobre fontes formais secundárias do Direito do Trabalho, encontraremos um dispositivo que chama a atenção por sua admirável (e por que não excessiva) amplitude, no sentido de nele abarcar - como não ocorreu em nenhum outro momento legislativo, em nosso país - quase todas as modalidades de fontes formais indiretas – trata-se do art. 8° da Consolidação.

Em sua estrutura mais profunda, esse dispositivo estabelece norma de Direito Hermenêutico, fixando critério para a conduta do Juiz do Trabalho e, inclusive, das autoridades administrativas encarregadas de assuntos trabalhistas. Dois pontos devem ser, desde logo, assinalados:

a) - Em primeiro lugar, o preceito citado indica as fontes a que deve recorrer o intérprete (juiz ou autoridade administrativa) sempre que se encontrar ante casos não previsto pelo legislador, nem na convenção coletiva ou no contrato celebrado entre as partes. Isso significa dizer que o art. 8° da Consolidação, oferece os meios para que o intérprete supra a lacuna da lei, da convenção ou do contrato, na apreciação do caso concreto.

Nesses termos, em tais casos, diz aquele artigo, a autoridade competente recorrerá à jurisprudência, à analogia, à eqüidade, aos princípios gerais do Direito (principalmente do Direito do Trabalho), aos usos e costumes; finalmente, ao Direito Comparado. Se confrontarmos, agora, o elenco das fontes formais secundárias - articulado pela doutrina - e as fontes indicadas pelo art. 8°, da Consolidação, notaremos que o texto estudado alcança, de modo muito lato, quase todas as modalidades de fontes formais indiretas. E se dizemos quase todas é apenas porque o consolidador não indicou, entre elas, a doutrina dos jurisconsultos, tão largamente usada pelos juízes.

b) - Em segundo lugar, porém, ainda no plano específico Direito Hermenêutico, o art. 8°, na parte final, lança regra importantíssima que sublinha e condiciona o comportamento do aplicador da lei trabalhista: na lacuna da lei ou na omissão contratual, o caso não previsto, não pode ser resolvido, pelo emprego das fontes formais secundárias, de modo a que o interesse particular (do empresário ou do trabalhador) e o interesse de classe (das categorias profissionais ou econômicas) prevaleçam sobre o interesse público.

Tendo o Direito do Trabalho a flagrante finalidade de dar proteção social ao trabalhador, aquela norma exerce papel de freio, impedindo que esse justo espírito de proteção social desborde seus limites e permita julgamentos contrários ao interesse público, pois, na verdade, esse público é que inspira e justifica - sociológica e juridicamente - a existência do Direito do Trabalho.

As fontes formais secundárias enumeradas no art. 8° da Consolidação, às quais se acrescenta a doutrina dos juristas, porém, são fontes comuns a todos os ramos do Direito. Ao lado delas, podemos acrescentar, ainda, outras fontes formais secundárias peculiares ao Direito do Trabalho, e que, como as anteriores, desempenham papel, ao mesmo tempo, supletivo e interpretativo.

Todas as fontes do Direito, em particular do Direito do Trabalho, envolvidas ou inspiradas pela idéia de «fonte perene da Justiça», são esforços da inteligência humana para o alcance do ideal de uma aplicação equânime de todas as fontes tradicionais do Direito. Tais fontes, podem ser assim classificadas:

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5 a) - O Direito Comum, por força do parágrafo único, do próprio art. 8° da

Consolidação, é fonte subsidiária do Direito do Trabalho. A justaposição desse preceito ao art. 769, também da Consolidação, nos mostra que, igualmente, o Direito Processual Civil é fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho.

A aplicação do direito comum na área trabalhista (material ou processual) pressupõe, segundo os textos nacionais, sempre (a) a omissão da lei especial (b) e que a norma civil aplicada não seja incompatível com a norma especial e com o espírito do Direito do Trabalho. Note-se bem, não apenas, incompatível com as normas em vigor, como diz o art. 769, mas, igualmente, incompatível com os princípios do Direito do Trabalho (isto é, com a estrutura científica e ideológica do Direito do Trabalho), como dispõe, com maior sabedoria, o parágrafo único, do art. 8°.

b) - O consolidador, por outro lado, não se apercebeu de que existem fontes formais secundárias que são peculiares - em termos absolutos - ao Direito do Trabalho. São elas: as convenções coletivas de trabalho, as sentenças normativas e os regulamentos de empresa.

As convenções (bem como os acordos coletivos), as sentenças que julgam os conflitos intersindicais e os regulamentos internos das empresas são, realmente, fontes criadoras de normas.

No caso de convenções ou acordos coletivos, essa criação se faz pela livre pactuação dos sindicatos, das empresas ou de grupos de trabalhadores. Essa contratação sui generis nem sempre cria cláusulas que regem os fatos concretos da prestação do trabalho. Ao contrário, pode criar normas abstratas e gerais (no âmbito de sua destinação específica), a que se subordinam trabalhadores e empresários, na celebração dos contratos individuais de trabalho, e até mesmo, as categorias econômicas e profissionais, pois estas estão jungidas aos compromissos assumidos, através dos sindicatos, mediante convenções ou acordos coletivos.

Merece destaque também a circunstância de que, embora as convenções e acordos coletivos de trabalho sejam, realmente, fontes formais secundárias, o mesmo não ocorre quanto aos contratos individuais de trabalho.

É verdade que o mencionado art. 8°, da Consolidação, na sua primeira parte, refere-se a lacunas da lei ou dos contratos, para admitir a remissão às fontes formais secundárias. Mas, evidentemente, a intenção do legislador foi assegurar a fiel interpretação e execução dos contratos individuais e, não, transformá-los em fonte formal do direito objetivo.

Estes, os contratos individuais de trabalho, não criam normas: estabelecem, apenas, condições concretas de trabalho e, nesse sentido, são fontes de direitos subjetivos. Enquanto as cláusulas normativas da convenção são genéricas, as cláusulas do contrato individual são destinadas à relação jurídica que dele nasce e que se estabelece entre determinado trabalhador e determinado empregador. Por outro lado, as cláusulas da convenção coletiva não se aplicam, diretamente, a fatos concretos e, sim, a atos jurídicos que são, no caso, exatamente, os contratos individuais de trabalho.

As sentenças normativas, por seu turno, tanto quanto as convenções coletivas de trabalho, são típicas fontes do Direito do Trabalho e, como aquelas convenções, constituem uma criação peculiar a esse ramo do Direito. A sentença normativa decide, como o nome indica, conflitos coletivos, estabelecendo normas que disciplinam as condições de trabalho. É a jurisprudência atingindo, no Direito moderno, seu ponto de culminação criadora. O juiz, normalmente, parte da lei (premissa maior), examina o fato que nela se vai enquadrar (premissa menor) e profere a sentença (conclusão). Exerce trabalho mental é um silogismo elementar. No exercício da competência normativa, a posição do juiz é diferente. Ele não tem, ante si, como premissa maior, a norma legal que vai aplicar. Tem, como ponto de apoio, apenas, os fatos que lhe apresentam. Toma-os e, em tarefa que se assemelha à do legislador, formula determinadas normas que vão manter, modificar ou extinguir condições de trabalho. Essa é a razão pela qual a sentença normativa é fonte típica de Direito. Como nenhum outro ramo jurídico a conhece, é, ao mesmo tempo, fonte peculiar ao Direito do Trabalho.

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6 Papel análogo exerce, na formulação normativa do Direito do Trabalho, o regulamento

de empresa, que contém normas aplicáveis, subsidiariamente, para solução das dúvidas que possam surgir na execução do contrato ou na aplicação da lei.

O regulamento existe em toda e qualquer empresa, pois esta como unidade de produção, atua estruturada em uma ordem interna distribuída em planos funcionais, de hierarquias diversas. Por isso, quer do ponto de vista estático da sua organização, quer do ponto de vista dinâmico de seu funcionamento, está subordinada a normas regulamentares, nem sempre escritas. Aos contratos individuais aderem - salvo restrição expressa dos contratantes - essas normas regulamentares, que são, por isso, abstratas e genéricas. O regulamento interno da empresa, pois, é fonte criadora de normas trabalhistas.

O regulamento pode ser escrito, ou não. Em nossa legislação pátria, não há nenhuma exigência feita quanto à homologação ou não do regulamento para adquirir eficácia e validade, a lei ignora a questão e, por isso, não exigindo nenhuma formalidade, implicitamente, admite que o regulamento seja elaborado, com plena liberdade, pelo empresário.

É importante assinalar-se que o regulamento de empresa é ato unilateral, ao contrário do que ocorre nas convenções ou acordos coletivo e sentenças normativas. No entanto, e esse ponto é relevante, enquanto, na sentença normativa, ela é lançada, ouvida a defesa das partes, pelo tribunal competente - portanto pelo Poder Judiciário, em nome do Estado - o regulamento da empresa adotado pelo empregador, isto é, por uma das partes do contrato individual de trabalho é, por isso, indispensável que a norma regulamentar fique condicionada aos termos da lei (princípio da legalidade do regulamento de empresa). A adesão do trabalhador admitido na empresa, através desse contrato, às normas regulamentares, não é absolutamente necessária (como no caso dos técnicos de alto gabarito), o que não desfigura sua natureza jurídica. Tal circunstância nos permite exigir, para validade do regulamento, mesmo quando a lei (como é o caso do Brasil) não impõe formalidades para sua elaboração, dois requisitos, que resultam do espírito tutelar do Direito do Trabalho:

- Publicidade do regulamento, porque não se pode admitir que o trabalhador adira, submetendo-se, a cláusulas ou normas que ele ignora;

- Legalidade de seus dispositivos.

A publicidade deve ser tomada em sentido estrito. Não é necessário que o regulamento seja impresso e divulgado entre o grande público, pois o regulamento, inclusive, pode não ser escrito. O essencial, apenas, é que ele seja notório no círculo da própria empresa e, como tal, conhecido da generalidade dos trabalhadores. Nem é indispensável que o trabalhador conheça o regulamento. É suficiente que tenha oportunidade de conhecê-lo, oferecida pelo empregador, no ato de admissão ou, até mesmo, posteriormente, através da prática do trabalho, na comunidade empresarial, ao lado de seus companheiros de serviço, hipótese em que só a partir desse momento as normas regulamentares poderão ser exigidas.

A legalidade de todas as cláusulas do regulamento da empresa, ao contrário, deve ser absoluta, por não se poder aplicar norma regulamentar que esteja em atrito, direta ou indiretamente, com a lei em vigor. Isso, porém, não quer dizer que a ilegalidade de determinada norma (que a invalida) contamine a totalidade do regulamento. As demais regras continuam plenamente aplicáveis.

Essa observação nos conduz, inevitavelmente, ao último aspecto essencial no estudo das fontes do Direito do Trabalho: é a hierarquia que existe entre elas.

Não nos referimos, novamente, à distinção clássica entre fontes formais principais (lei) e fontes formais secundárias (costume, analogia, etc.). Entre essas duas categorias de fontes formais, é óbvio, existe distinção hierárquica, que justifica a classificação e impede que qualquer fonte formal secundária tenha efeito contra legem.

Referimo-nos, sim, à possível existência de uma hierarquia entre as fontes formais secundárias. E temos para nós, quanto a essa hierarquia, que é impossível fixá-la,

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7 dogmaticamente, através da adoção de princípios certos. Essa hierarquia terá que ser encontrada pelo intérprete, com inteligência, caso a caso.

Há, porém, certas idéias que nos parecem tranqüilas. Por exemplo: o regulamento de empresa, que não é eficaz quando dispõe contra legem, como também ocorre com todas as outras fontes formais, é, igualmente, ineficaz quando contiver normas em atrito com cláusula de convenção coletiva de trabalho ou de sentença normativa. A sentença normativa, criadora de novas condições de trabalho, pode, inclusive, modificar o regulamento interno da empresa, entre outras circunstâncias.

No impasse criado na aplicação das fontes o que deverá prevalecer é a essência do Direito do Trabalho em seu princípio transcendental que: é a prevalência da fonte mais favorável ao trabalhador, sem qualquer efeito contra legem, porém, esse nos parece ser o princípio solar do Direito do Trabalho contemporâneo, capaz de pôr em movimento a imensa estrutura social que se arrasta, através dos séculos, penosamente, tendo por norte até agora inatingido, um mundo organizado segundo os princípios de Justiça, que, em si mesma, é perenemente idêntica a si própria, mas que se apresenta, ante nossa época, com as roupagens que a definem com Justiça renovadora de valores e niveladora dos homens e das classes.

4

1.4RELAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO COM OUTRAS CIÊNCIAS.

A dinamicidade do direito impõe a necessidade de uma análise transdisciplinar das relações jurídicas, quer seja sob a ótica do direito trabalhista quer seja sob a perspectiva de qualquer ramo do direito. Logo torna-se imprescindível analisarmos as inter-relações que se estabelecem nas mais variadas ciências jurídicas e o objeto de discussão – o direito do trabalho.

Relações com o direito constitucional

O conceito central do direito constitucional é o de Constituição e de movimentos constitucionalistas. Assim, são muito próximas as relações entre o direito do trabalho e o direito constitucional, especialmente quanto à constitucionalização do direito do trabalho e à implicação recíproca de um em outro.

O fenômeno da constitucionalização do direito do trabalho, isto é, da sua inserção nos quadros constitucionais, está comprovado pela, simples enumeração de algumas das muitas Constituições que tratam da matéria jurídica trabalhista. Em nossa realidade constitucional, os textos legais a partir de 1934, passaram a dedicar um capítulo específico à ordem econômica e social. Na Constituição encontram-se fixados os princípios fundamentais que inspiram a ordem trabalhista. Normas de caráter programático e ideológico, a estrutura básica dos órgãos estatais destinados ao problema do trabalho e a ação sindical são linhas de ação que se acham traçadas nas normas constitucionais.

A ciência política atua e influi na elaboração do direito do trabalho. Pode-se, mesmo, dizer que conforme a estrutura política vigente há a influência de determinadas condicionantes sociológicas sobre o direito positivo do trabalho. De outro lado, o problema do trabalho, também chamado de questão social, atua sobre as estruturas constitucionais, o que pode ser facilmente demonstrado pela verificação de que hoje o Estado intervencionista é o fruto direto das necessidades de solução dos problemas do trabalho. Assim, se os rumos da ciência política nos levam atualmente para o neoliberalismo, tal se dá em face do problema trabalhista, causa eficiente dessa alteração fundamental. Portanto, há um fluxo e refluxo entre o direito trabalhista e o direito constitucional.

4Fonte: RUSSOMANO, Mozart V. Curso de Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá.

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8 Frente a esse movimento contínuo - direito do trabalho fatores sócio-econômico-

culturais - cabe fazer uma observação. A análise dos modelos constitucionais mostra que são três as ordens de valorações que se desenvolvem no plano das Constituições: a do trabalho, a dos direitos sociais e dos direitos trabalhistas. Não se confundem, conquanto apresentem relações pela proximidade em que se situam, daí por que há disposições constitucionais sobre uma, algumas ou essas três importantes ordens constitucionais.

O trabalho, no nível constitucional, é um direito, um dever ou um direito-dever, situando-se as declarações constitucionais nessas diretrizes programáticas, que se condicionam a diversos fatores, dentre os quais o tipo de concepção política em que se funda uma determinada ordem constitucional.

A Constituição do Brasil de 1988 trata do trabalho como um dos princípios gerais da atividade econômica, declarando como tais à valorização do trabalho humano e da livre iniciativa - art. 170 da CF/88 e a busca do pleno emprego - art. 170, VIII da CF/88. Entre os direitos e garantias fundamentais incluiu o direito ao livre exercício do trabalho, ofício e profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer - art. 5

o, XIII.

Direitos sociais são garantias, asseguradas pelos ordenamentos jurídicos, destinadas à proteção das necessidades básicas do ser humano, para que viva com um mínimo de dignidade e com direito de acesso aos bens materiais e morais condicionantes da sua realização como cidadão – art. 6º CF/88

O direito do trabalho nas Constituições é um ramo com princípios e normas próprias, tendo por objeto disciplinar o trabalho profissional, suas garantias consideradas fundamentais, as regras de organização e os direitos e deveres básicos que devem presidir as relações de trabalho.

Relações com o direito administrativo

O problema trabalhista não prescinde de uma infra-estrutura de órgãos estatais voltados para a proteção do trabalho, regulados pelo direito administrativo, visto que pertencentes à Administração Pública.

Em nossa realidade brasileira, dispomos dos Ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência e Assistência Social, das Delegacias Regionais do Trabalho, do Instituto Nacional de Seguridade Social etc., órgãos do Poder Executivo destinados à proteção do trabalho.

Administração, legislação e jurisdição são funções estatais absolutamente distintas segundo a perspectiva da clássica separação de Poderes, que definiu como independentes e inconfundíveis as atribuições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário; porém, a concepção contemporânea admite que tal separação não deve ser considerada em termos absolutos, mas relativos, porque o funcionamento do Estado mostra que não há uma rigidez como a que propunha inicialmente a teoria clássica sem perda das funções precípuas pertinentes é cada órgão.

As mesmas observações são pertinentes na esfera das relações de trabalho quando se vê que há casos em que a Administração e o Legislativo julgam e o Judiciário legisla. A Administração Pública tem como atribuição central organizar manter e executar a inspeção do trabalho – CF/88, art. 21, XXIV, organizar o sistema nacional de empregos e condições para o exercício das profissões – CF/88, art. 22, XVI e desenvolver, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, inúmeras atribuições relacionadas com colocação de desempregados, mediação de conflitos, etc., sendo atualmente vedada a sua intervenção ou interferência na organização sindical – CF/88, art. 8

o, I.

A Justiça do Trabalho, como o nome mostra, julga dissídios individuais e coletivos, mas também profere sentenças normativas, que são, para alguns, um misto de decisão judicial e atividade legislativa, no exercício do poder normativo conferido pela lei - CF/88, art. 114.

Tanto o Ministério do Trabalho e Emprego como a Justiça do Trabalho aprovam instruções normativas, das quais são exemplos as do Ministério do Trabalho e Emprego sobre

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9 registro de entidades sindicais no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais e as do Tribunal Superior do Trabalho sobre dissídios coletivos. Quanto ao Legislativo, a sua função principal é a elaboração de leis trabalhistas, e, para esse fim, a competência é exclusiva do Congresso Nacional – CF/88, art. 22, I.

Como há relações de trabalho tanto no setor privado como no público, nosso sistema distingue o pessoal estatutário, cujo trabalho prestado para a Administração Pública, direta, autárquica e fundacional, é regido pelo direito administrativo

5, do celetista, do setor privado,

incluindo empresas públicas e sociedades de economia mista – CF/88, art. 173, § 1o.

Assim é possível afirmar que o direito administrativo do trabalho se compõe de princípios, instituições, normas, assim como leis e regulamentos que estabelecem as atividades sociais da Administração Pública e da Administração Social do trabalho.

Relações com o direito processual

O direito do trabalho e o direito processual do trabalho relacionam-se, porém são ramos autônomos. O primeiro é ramo do direito material, o segundo, do direito processual. Este compreende, em linhas gerais, o estudo das figuras da ação, jurisdição e do processo. O direito do trabalho surgiu antes. Da necessidade de disciplinar a solução dos conflitos trabalhistas, perante órgãos judiciais, nasceu o direito processual do trabalho, cujo fim é atuar o direito do trabalho.

Diante dos conflitos entre o capital e o trabalho que surgem em toda sociedade, cujas causas são múltiplas, como a questão social, o problema econômico, a desigual distribuição de riquezas, o descumprimento das obrigações legais e contratuais pelo empregador e os pleitos fundados ou infundados dos trabalhadores, que se desenvolvem em dois planos, os conflitos coletivos e os conflitos individuais, os ordenamentos jurídicos são instrumentalizados no sentido de absorvê-los por meio de três principais técnicas de composição: a autodefesa, a autocomposição e a heterocomposição. Todas as demais enquadram-se nessas duas grandes categorias.

A autocomposição é a técnica de solução dos conflitos coletivos pelas próprias partes, sem emprego de violência, mediante ajustes de vontade. Na autocomposição, um dos litigantes ou ambos consentem no sacrifício do próprio interesse, daí a sua classificação em unilateral e bilateral. A renúncia é um exemplo de direito comum autocompositivo com sacrifício do interesse de uma das partes, e a transação exemplifica o sacrifício do interesse das duas partes. Na ordem trabalhista, a forma autocompositiva clássica é a convenção coletiva de trabalho, decorrente de negociações coletivas, das quais resultam, mediante o acerto dos interesses, as normas que, instituídas de comum acordo pelos sindicatos e empresas, vigorarão por um certo prazo, disciplinando as suas relações e os contratos individuais de trabalho. Há variações de figuras que pertencem ao gênero convenção coletiva,

5 Os princípios que presidem as relações estatutárias estão na Constituição Federal de 1988, na parte em que dispõe sobre a Administração Pública - arts. 37 e ss. , os servidores públicos civis - art. 39 e militares - art. 42. Esses servidores têm regime jurídico único – CF/88, art. 39, e em seus aspectos gerais, é peculiar: a necessidade de concurso público para ingresso em cargo ou emprego público – CF/88, art. 37, II, salvo cargos que a lei declarar de livre nomeação ou exoneração, exigência inexistente no setor privado; limite máximo e relação de valores entre a maior e a menor remuneração deles – CF/88, art. 37, XI; proibição de equiparação de vencimentos - art. 37, XIII; estabilidade dos concursados após três anos de efetivo exercício, com a perda do cargo condicionada a sentença judicial ou mediante processo administrativo - CF/88, art. 41. As questões desses servidores não são julgadas pela Justiça do Trabalho, mas pela Justiça Federal ou dos Estados. Além dos princípios e regras próprias de direito administrativo, há princípios comuns ao setor privado e ao regime celetista aplicáveis, por força da Constituição Federal, aos servidores públicos tais como: direito à livre associação sindical –CF/88, art. 37, VI; direito de greve nos termos de lei complementar - art. 37, VII, ressalvados os militares, para os quais são proibidas a sindicalização e a greve – CF/88, art. 42, § 5o; contratação por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público – CF/88, art. 37, IX; salário mínimo, décimo terceiro salário, entre outros direitos.

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10 como os acordos coletivos, os acordos intra-empresariais etc.

A autocomposição não se confunde com a autodefesa, que é uma forma de solução do conflito que ocorre quando alguém faz sua defesa por si próprio. É a forma mais primitiva de solução dos conflitos. Conforme doutrinadores, a autodefesa consiste na imposição a alguém do sacrifício do seu interesse não consentido. Não há uma solução consensual, mas sim direta e coativa.

A greve é um exemplo de autodefesa, uma vez que não se constitui num ato decisório, mas sim num ato de encaminhamento a decisão, através da pressão sobre a vontade para levá-Ia à autocomposição.

A heterocomposição é a forma de composição do conflito por meio de uma fonte ou de um poder suprapartes, isto é, de um terceiro agente que admitido pelos interessados, ou até imposto pela ordem jurídica, busca solucionar o conflito. São formas heterocompositivas a arbitragem e a jurisdição. A arbitragem é a atividade desenvolvida por uma pessoa ou um órgão supraparte destinada a proferir uma decisão que será acatada pelos litigantes. A jurisdição é o poder do Estado de decidir os conflitos.

Assim os meios de solução dos conflitos são:

. Mediação: Conforme Ruprecht "mediação é um meio de solução dos conflitos coletivos do trabalho pelo qual as partes comparecem perante um órgão designado por elas ou instituído oficialmente, o qual propõe uma solução que pode ou não ser por elas acolhida".

A mediação no Brasil é exercida pelo Ministério do Trabalho e Emprego através dos delegados ou inspetores do trabalho, que, atuando como mediadores na mesa-redonda, tentam acordos entre as partes conflitantes. Há mediações nos conflitos, especialmente quando os trabalhadores fazem greve, caso em que qualquer dos interessados poderá comunicar a existência do conflito ao Ministério, que convidará a parte contrária para uma reunião.

Se as partes chegarem a um entendimento, será formalizado o acordo coletivo de convenção coletiva, findando-se a controvérsia. Em caso contrário, o Ministério enviará os autos para o Tribunal Regional do Trabalho, perante o qual será processado o dissídio coletivo. As normas sobre o procedimento observado pelo Ministério nas mediações estão previstas na CLT, art.616, e pela Portaria n. 3.097, de 17/05/1988.

. Arbitragem: A CF/88 no seu art. 114,§ 2° permite a arbitragem dos conflitos coletivos. E conforme Russomano "os conflitos coletivos de trabalho de natureza jurídica ou de natureza econômica poderão ser resolvidos através do juízo arbitra!", justificando sua utilização como um meio hábil e célere para a solução de conflitos que pela morosidade judicial acarretariam grandes prejuízos aos reais interessados: empregado empregador.

A teoria apresenta, como componentes do sistema da arbitragem, a figura central, que é o árbitro, singular ou colegiado, as partes, o procedimento, o laudo arbitral e os meios de impugnação. Convém ao analisarmos este sistema traçar um paralelo com a prestação jurisdicional. O árbitro, se particular, é um profissional que vai onerar as partes, enquanto o juiz é remunerado pelo Estado, o que permite o atendimento ao princípio da gratuidade. Não poderia equiparar o valor das custas que o Estado cobra pelo processo com os honorários que seriam devidos ao profissional, especialmente com um escritório e diversos auxiliares. Se o árbitro é oficial, o juiz, com as garantias do poder judiciário, terá maior independência, podendo agir segundo critérios de justiça, sem o perigo da solução política a que não escapa o funcionário do Executivo. Se a arbitragem é colegiada e particular, as mesmas razões já apontadas a põem em desvantagem perante um colegiado de magistrados.

O procedimento na arbitragem facultativa inicia-se em decorrência da cláusula de compromisso, desenvolvendo-se com maior flexibilidade e sem os formalismos do processo jurisdicional, porém não diferem as garantias das partes na apresentação de provas e de argumentos. Quanto à celeridade, é sabido que no Brasil os conflitos coletivos são resolvidos com rapidez, mas é possível que a arbitragem permita uma solução em menor tempo. As queixas dos sindicatos trabalhistas entre nós não se referem à celeridade do dissídio coletivo,

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11 mas à necessidade de maior poder normativo da Justiça do Trabalho, que consideram reduzido ou, mesmo, suprimido, com a centralização salarial nas mãos do Executivo Federal.

A comparação entre o laudo arbitral e a sentença pode ser feita em dois pontos: a qualidade e a força. Pode, em princípio, parecer que o laudo permite uma análise mais ampla do conflito, nos seus aspectos jurídicos e econômicos,. Não se deve olvidar, no entanto, que, no processo jurisdicional, o juiz pode determinar a elaboração de um laudo pericial, contendo os mesmo elementos. É o que já se tem feito nos dissídios coletivos perante nossos tribunais. Quanto à força, o laudo, por si, não obriga, a não ser que as partes espontaneamente o queiram. Se descumprido, o árbitro não tem meios de impor a sua execução, e o laudo acabará sendo levado ao órgão jurisdicional, para que o vitalize, dando-lhe força coercitiva.

A sentença está sujeita aos meios impugnatórios que garantem a sua apreciação em mais de um grau de jurisdição, para que menor venha a ser a possibilidade de erros. Os meios impugnatórios dos laudos são incertos e variados, desembocando, também, na esfera jurisdicional.

. Jurisdição: Representa a principal forma de heterocomposição, pois socorre-se do judiciário para a solução não só dos dissídios individuais nas Varas do Trabalho quanto os dissídios coletivos julgados em um órgão especializado para relações de trabalho, como nas questões trabalhistas de greve que são apreciadas pelos Tribunais.

Há uma peculiaridade no Brasil, no que tange ao poder normativo atribuído pela Constituição à Justiça do Trabalho para decidir dissídios coletivos de natureza jurídica quanto econômica.

6 – ver art. 114 da CF/88.

Inovações recentes também reformularam a forma de solução dos conflitos trabalhistas no Brasil, é possível apontar como primeira alteração significativa à aprovação da Emenda Constitucional n. 24 de 9/12/1999, que modificou a redação dos arts. 111 a 113 e 115 a 117 da Constituição Federal, extinguindo a representação classista. As Juntas de Conciliação e Julgamento passaram a ser Varas do Trabalho coordenadas por um juiz do trabalho concursado. Nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho foram extintos os cargos de juízes e ministros classistas, permanecendo nesses órgãos somente os togados de carreira e do quinto constitucional. Foram preservados os mandatos em curso, garantida a permanência dos seus ocupantes até o término do primeiro

6 Poder normativo da Justiça do Trabalho é o exercício dessa competência de proferir sentenças em dissídios coletivos no que tange as questões de natureza econômica é controvertida, basta acompanhar a análise apresentada por Valdir Carrion acostada ao art. 856 da CLT.

O poder normativo judicial nos dissídios coletivos de natureza econômica é uma antigüidade do fascismo, já abolida nos países democráticos, inclusive na Itália. Neles, os dissídios coletivos simplesmente não existem (só havendo lugar para a autocomposição plena ou estimulada pela mediação ou a arbitragem, todas voluntárias). Na Espanha, o Poder Normativo da época franquista, que restaria apenas para a competência do Executivo, foi condenado pelo Tribunal Constitucional. O Poder Judiciário só conhece os dissídios coletivos jurídicos (Montoya Melgar, Derecho dei Trabajo ).

A CF brasileira de 1988 manteve o poder normativo da Justiça do Trabalho, pois, "frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitro", e, se recusadas as vias do entendimento, "é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo..." (CF de 1988, art. 114, § 2o). É a intromissão do Estado no livre jogo da negociação. A negociação coletiva é inconcebível sem a pressão da greve ou de sua ameaça, como o mostra o Direito Comparado nas democracias. E a greve só deve terminar com a vitória ou a derrota das pretensões, pela negociação ("tratado de paz", como disse Planiol). O recurso ao Poder Judiciário contraria a doutrina e a experiência internacionais. Em nosso país, só se justifica pela existência de comunidades sem qualquer tradição gregária trabalhista e sem poder de negociação. O Poder Normativo, como hoje existe, é uma dura provocação que as Constituições têm imposto à Justiça do Trabalho. Os dissídios coletivos são julgados sem que se ofereça, aos seus Juízes, qualquer conhecimento objetivo da realidade fática referente à categoria interessada. A lei ou a jurisprudência terão de exigir nos autos laudo circunstanciado quanto à realidade setorial da categoria profissional que está litigando.

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12 deles, o que provoca, automaticamente, o fim do mandato do outro classista, para evitar disparidade.

Além da alteração produzida pela Emenda Constitucional n. 24, merece destaque a Emenda Constitucional n. 45/04 que ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho, estendendo-a as relações de trabalho, bem como criando meios mais ágeis de acesso ao judiciário como as Varas e Tribunais itinerantes.

Em nível infra-constitucional e possível destacar modificações que introduziram em nosso ordenamento jurídico tendo por fim imprimir maior celeridade à solução dos processos trabalhistas.

A primeira foi à alteração do art. 625 da CLT, com a redação da Lei n. 9.958, de 2000, que entrou em vigor em 12 de abril, prevendo criação de Comissões de Conciliação Prévia como um primeiro degrau, extrajudicial, dos dissídios individuais trabalhistas onde existentes esses órgãos, órgãos que, embora facultativos, onde instituídos poderão colaborar, pela conciliação, para a autocomposição desses conflitos.

Outra iniciativa está em vigor desde 13 de março de 2000: o procedimento sumaríssimo – Lei 9.957, para questões de até 40 vezes o salário mínimo na data do ajuizamento do processo judicial, um rito simplificado com maior liberdade do juiz para determinar as provas a serem produzidas, considerando o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica, com redução das formalidades das decisões e do trâmite dos recursos. Pretende-se, com essa inovação reduzir a duração de processos de pequeno valor.

Relações com o direito civil

As relações entre o direito do trabalho e o direito civil são, inicialmente, de ordem histórica, pois o direito do trabalho provém do direito civil; depois, de ordem doutrinária, porque não são poucas as teses e as figuras do direito civil desenvolvidas e adaptadas pelo direito do trabalho, como ocorre na parte geral, nas obrigações, nas coisas etc.; a seguir, de ordem legislativa, porque o direito civil é fonte subsidiária do direito do trabalho, existindo no Brasil, inclusive, expressa determinação legal nesse sentido.

O direito civil é aplicável subsidiariamente às relações de trabalho por força da própria lei trabalhista, que assim dispõe - CLT, art. 8

o, parágrafo único, ao declarar que o direito

comum será fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste, preceito que tem aberto larga porta, necessária para cobrir as lacunas da lei trabalhista e promover a integração do ordenamento jurídico.

Essa aplicação é ampla e vedada apenas quando a lei trabalhista dispuser sobre a mesma regra, caso em que terá prioridade, afastando a aplicação do direito civil, como também desautorizado será o uso deste nas relações de trabalho quando, ainda que havendo lacunas, as suas normas mostrarem-se incompatíveis com os princípios do direito do trabalho.

Do direito civil, socorre-se o direito do trabalho, sem perda da prioridade das regras específicas que tem, quanto a alguns princípios que o completam, exemplificando-se com o pacta sunt servanda, porque também no âmbito trabalhista o contrato faz lei entre as partes; a cláusula rebus sic stantibus, que serve de base para a revisão periódica dos salários por meio de negociações anuais; a exceptio non adimpleti contractus, que justifica a greve por falta de pagamento de salários; a proibição do enriquecimento ilícito, fundamento de algumas decisões judiciais; a teoria do abuso de direito, para dar suporte à proibição de greves abusivas, número elevado de diretores eleitos por um sindicato para favorecer a estabilidade e atos patronais de desvirtuamento dos fins da lei.

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13

Relações com o direito comercial - empresarial

As relações entre o direito do trabalho e o direito comercial são, também, de natureza histórica, porque muitas das primeiras leis trabalhistas surgiram nos códigos comerciais, como também de natureza legislativa, porque o direito comercial é subsidiariamente aplicado na solução dos problemas trabalhistas; como, ainda, de natureza doutrinária, porque existem pontos comuns e figuras estudadas tanto num como noutro ramo do direito, como a falência e a recuperação judicial etc. De outro lado, verifica-se a força expansiva do direito do trabalho sobre o direito comercial, no sentido de regulamentar figuras antes exclusivas do direito comercial. É o que ocorre com os vendedores, viajantes e pracistas, assunto que hoje não mais pertence exclusivamente ao direito comercial, pois há representantes comerciais autônomos, como existem os vendedores subordinados, estes últimos considerados empregados protegidos pelas normas trabalhistas. A mesma situação se verifica quanto ao trabalho marítimo e portuário, isto é, a influência do direito trabalhista num campo pertencente ao direito comercial.

Relações com o direito tributário

As relações entre o direito do trabalho e o direito fiscal levaram alguns autores a falar em direito tributário trabalhista. Isto porque existem no direito do trabalho determinadas instituições, como a contribuição sindical (antes chamada imposto sindical), o FGTS, IR , etc., típicas imposições tributárias sobre as empresas e os empregadores.

Relações com o direito penal

As principais relações entre o direito do trabalho e o direito penal residem na inclusão entre as infrações penais de matéria trabalhista e na unidade de figuras e conseqüente o problema das relações entre o ilícito penal e o ilícito trabalhista.

No Brasil, um capítulo do Código Penal é destinado aos "Crimes contra a Organização do Trabalho" – arts. 197 – 207. Proíbe a lei penal o atentado contra a liberdade de trabalho, de contrato de trabalho, a boicotagem violenta, o atentado contra a liberdade de associação, a frustração de direito assegurado por lei trabalhista, a frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho, o exercício de atividade com infração de decisão administrativa e o aliciamento para o fim de emigração.

Há uma discussão sobre a natureza do denominado direito disciplinar do trabalho, se penal ou não. A empresa, por lei, pode aplicar determinadas sanções ao empregado (advertência, suspensão etc.) que passam a assumir um caráter de direito repressivo das instituições, regrando e protegendo um sociedade sui generis, como é a empresa-econômica. Contudo, não pode haver, é claro, confusão entre o poder disciplinar dos grupos particulares com o poder punitivo geral do Estado".

Em princípio, o ilícito penal e o ilícito trabalhista são autônomos e sujeitos a tratamento jurídico próprio. No entanto, muitas vezes o mesmo fato apresenta um ilícito penal e um ilícito trabalhista. É o caso do furto. O empregado que furta incorre em justa causa de improbidade. O empregado que rouba também. O mesmo ocorre quanto à apropriação indébita. Justa causa para o despedimento do trabalhador será igualmente a prática de ofensas físicas a superior hierárquico, colega ou terceiro, e o conceito trabalhista de ofensas físicas outro não é senão o de vias de fato ou lesões corporais. A prática constante de jogos de azar também configura a justa causa trabalhista. Portanto existem relações entre o problema trabalhista e o penal.

Relações com o direito internacional

O direito internacional público destina-se a regular os diversos ordenamentos jurídicos nacionais nas relações entre si. Mais precisamente, as relações entre os países considerados

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14 sujeitos de uma comunidade internacional. Assim, no direito do trabalho, um dos seus setores destina-se à regulamentação internacional do trabalho e às relações estatais voltadas para esse objetivo.

Não só a elaboração normativa da OIT, mediante convenções internacionais do trabalho, como também as Declarações Internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Social Européia, a Carta Interamericana de Direitos Sociais etc. constituem o objeto de uma abertura internacional do direito do trabalho

7.

1.5 DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO

Os precursores da idéia de uma Legislação Internacional do Trabalho, são dois industriais, o inglês Robert Owen e o francês Daniel Le Grand, no começo do século XIX. O primeiro devido aos escritos que dirigiu em 1818 aos soberanos dos Estados da Santa Aliança, reunidos em Aix-Ia-Chapelle, para que tomassem medidas destinadas a melhorar a sorte dos trabalhadores, preconizando uma ação internacional, interessado em difundir as experiências que praticou em sua empresa. O segundo, entre 1840 e 1855, dirigiu-se aos governantes franceses e aos dos principais países da Europa, propondo a adoção de uma lei internacional do trabalho. A primeira Conferência Internacional do Trabalho foi convocada em Berlim, em 1890, presentes representantes da França, Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Inglaterra, Itália, Dinamarca, Portugal, Suécia, Noruega, Suíça, Espanha e Luxemburgo. Houve sugestões para a criação de uma Repartição Internacional para estudos e estatísticas de trabalho. Na época, Guilherme II solicitou o apoio do Papa Leão XIII, e este, no ano seguinte, promulgaria a Encíclica Rerum Novarum.

Em 1901 foi constituída a Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores, em Bruxelas, e quinze Estados participaram da Conferência de Berna, convocada para maio de 1905, seguida de conferência diplomática em setembro de 1906, com a presença de diversas nações, resultando em duas convenções, uma sobre a proteção dos trabalhadores nas atividades em contato com fósforo branco e a segunda sobre a proibição do trabalho noturno das mulheres.

ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO INTERNACIONAIS

Institucionalizaram-se organizações de trabalho no plano internacional com mais de uma finalidade, uma vez que há instituições que desenvolvem uma atividade que, além de científica e de estudos, é também, e de certo modo, regulamentar e normativa, subdividindo-se em três tipos.

Primeiro, as organizações gerais ou regionais, que têm por finalidade atuar no âmbito de todos os países, em sentido geral, e fixar princípios programáticos ou regras imperativas para eles voltadas. Dividem-se, por sua vez, em especializadas, como é o caso da Organização Internacional do Trabalho - OIT, ou genéricas, como parte da sua atividade voltada para o trabalho, sendo esse o caso da Organização das Nações Unidas - ONU. Organizações regionais são aquelas que têm esfera de atuação em um determinado território, incluindo alguns países nele situados, e que resolveram, como expressão da sua soberania, unir-se, formando uma Comunidade, uma União ou, simplesmente, pactuando normas comuns aduaneiras, migratórias ou econômicas destinadas a agilizar o processo produtivo e a facilitar a circulação de mercadorias entre as fronteiras dos respectivos países. É o caso da União Européia e do Mercosul.

7 Fonte: NASCIMENTO, Amauri M.. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva.

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15 Segundo, as organizações que não têm finalidade normativa ou regulamentar, como

as primeiras, mas uma função do tipo arbitral ou jurisdicional, para conhecer e decidir conflitos que surjam envolvendo aquelas organizações ou pessoas, físicas ou jurídicas, que estabeleçam relações jurídicas internacionais. É o caso do Tribunal de Justiça da Comunidade Européia.

Terceiro, instituições meramente consultivas, existentes para debater as diretrizes maiores que devem ser observadas, como o Foro Consultivo Econômico-Social, previsto nos arts. 28 a 30 do Protocolo de Ouro Preto para o Mercosul, cuja função, como o nome indica, é consultiva e não executiva ou decisória, podendo fazer recomendações para o Mercosul e seus integrantes.

1.5.1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT

Para o direito do trabalho, o Tratado de Versalhes - 1919 assumiu especial importância, pois dele surgiu o projeto de Organização Internacional do Trabalho. A Parte XIII desse tratado é considerada a constituição jurídica da Organização Internacional do Trabalho - OIT, e foi complementada pela Declaração de Filadélfia de 1944 e pelas reformas da Reunião de Paris em 1945 da OIT.

As Nações Unidas, pelo acordo de 30 de maio de 1946, reconheceram a OIT como "organismo especializado competente para empreender a ação que considere apropriada, de conformidade com o seu instrumento constitutivo básico, para cumprimento dos propósitos nele expostos". Os ideais que a inspiraram e os fins a que se destina estão expostos na Parte XIII do Tratado de Versalhes, que buscavam em síntese, garantir medidas para a proteção e amparo aos trabalhadores, ao longo da relação de emprego como também em sua aposentadoria.

A OIT é composta de três órgãos: a Conferência ou Assembléia Geral, o Conselho de Administração e a Repartição Internacional do Trabalho.

A Conferência é órgão deliberativo e se reúne sempre que necessário em local designado pelo Conselho de Administração. Este exerce função executiva e é composto de representantes governamentais, de empregadores e de empregados. A Repartição Internacional do Trabalho é a secretaria permanente e centro de documentação, dedicando-se, especialmente, à divulgação de atividades da OIT e publicação das Convenções e Recomendações, da Revista Internacional do Trabalho e da Série Legislativa, exposição das leis trabalhistas dos países-membros.

A atividade normativa da OIT consta de Convenções, Recomendações e Resoluções. Dependem ou não de ratificação dos Estados soberanos.

A Conferência da Organização Internacional do Trabalho reúne-se periodicamente, votando decisões que podem obrigar os Estados-membros. Essas deliberações revestem-se da forma de convenções internacionais. Diferem, portanto, dos tratados internacionais porque, ao contrário destes, não resultam de entendimentos diretos entre os países interessados, mas sim de discussões ocorridas nos quadros da OIT, em cujo seio é processada a sua elaboração e posterior aprovação de caráter oficial.

A Repartição Internacional do Trabalho organiza um boletim, levado pelo Diretor Geral à Conferência Geral. Existe uma Comissão de Aplicação das Convenções, encarregada de estudar essas informações. Uma outra forma de controle é a reclamação, formulada por uma associação profissional, nacional ou internacional, apreciada por um Conselho de Administração com poderes para ouvir o governo interessado e solicitar-lhe informações. Se não houver resposta ou no caso de explicações não satisfatórias, a reclamação é tomada pública por meio do Boletim Oficial da Repartição Internacional do Trabalho.

Também os Estados podem apresentar queixas. Em casos especiais, exerce-se a intervenção da Corte Internacional de Justiça. A Conferência poderá eventualmente invocar a atuação do Conselho de Segurança da ONU sobre a recusa de um Estado em executar

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16 decisão dessa Corte. Para os assuntos de liberdade sindical, existe uma comissão especial constituída pela OIT.

É possível – conforme Fabra Rivas, resumir assim as atribuições da OIT: "Em primeiro lugar, deve realizar todos os trabalhos relativos à preparação, à organização e à execução dos acordos da Conferência Internacional do Trabalho, que se reúne ao menos uma vez ao ano e à qual cada um dos Estados-membros da Organização tem direito de enviar quatro delegados. Incumbe à Repartição o trabalho de preparação e de secretaria das comissões internacionais estabelecidas pelo Conselho de Administração; por último deve cumprir todos os trabalhos que se impõem, em matéria de conflitos internacionais, pelos Estados da OIT. A Repartição exerce, em segundo lugar, importantes funções de informação e de investigação. Essas funções compreendem a centralização e a distribuição de informes sobre as questões relativas à regulamentação internacional das condições de vida industrial e do regime de trabalho. A distribuição das informações realiza-se de duas maneiras: por um lado, respondendo petições dos governos, das associações patronais e de empregados e demais organizações, assim como os pedidos individuais; por outro, publicando periódicos e estudos assegurando-lhes grande difusão.”

O Conselho de Administração é o órgão diretivo da OIT, verdadeiro ministério integrado pelos delegados representantes dos governos, das entidades de empregados e de empregadores de cada país-membro. Geralmente, reúne-se quatro vezes ao ano. O número de seus integrantes tem aumentado. Era 24 em princípio, depois 32 e 48. Renovam-se, a cada três anos, os quadros do Conselho de Administração. Sua principal função consiste em orientar e fiscalizar a atividade da Repartição, fixar a ordem do dia para as reuniões da Conferência e observar o processo de ratificação das convenções pelos Estados, além de organizar orçamentos e fiscalizar gastos da OIT.

Convenções internacionais da OIT

Convenções internacionais são normas jurídicas emanadas da Conferência Internacional da 0IT; destinadas a constituir regras gerais e obrigatórias para os Estados deliberantes, que as incluem no seu ordenamento interno, observadas as respectivas prescrições constitucionais.

A iniciativa de propor uma convenção internacional pode partir do governo de um Estado-membro da OIT, de uma organização sindical, de uma Conferência Regional etc. Em virtude de acordo, a OIT deve incluir na ordem do dia do Conselho de Administração as questões propostas pela ONU, da qual é um órgão subsidiário. Geralmente, cabe ao Conselho de Administração preparar os projetos de convenções a serem submetidos à discussão, o que pode ser precedido de estudos por parte de uma comissão técnica que examinará as leis nacionais em vigor sobre a questão em foco. As matérias levadas à ordem do dia passam por uma ou duas discussões na Conferência. Se rejeitada, a proposição poderá ser renovada em sessão posterior. Se aprovada, o comitê de redação redige um texto definitivo que é distribuído aos delegados. O quorum de votação é de dois terços de votos dos delegados presentes. São membros da OIT os Estados, muito embora as representações dos Estados sejam compostas não só de membros do governo, mas também de empregados e empregadores indicados pelos organismos sindicais.

Jean Rivero e Jean Savatier entendem que as convenções não se incorporam ipso facto ao ordenamento jurídico de cada Estado, devendo ser submetidas aos órgãos competentes de cada Estado para ratificação. Na verdade, a solução depende das disposições internas do direito constitucional de cada país. O mais freqüente é a necessidade de ratificação. A OIT não é um parlamento internacional ou uma organização supranacional com total força de determinação sobre os Estados-membros. Aproxima-se mais de uma conferência diplomática em matéria de direito do trabalho, e, nessas condições, do assentimento dos participantes depende a força das suas decisões.

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17 Ratificação é o ato formal de um Estado-membro da OIT pelo qual decide adotar

uma convenção internacional incorporando-a ao seu direito interno. Os Estados não são obrigados a ratificar as convenções. No entanto, precisam submetê-las às autoridades competentes no prazo de um ano ou, excepcionalmente, em dezoito meses. O processo de ratificação é variável, dependendo das normas constitucionais particulares. O instrumento de ratificação deve ser comunicado ao Diretor Geral da Repartição Internacional do Trabalho - RIT, que a transmitirá ao Secretário Geral da ONU. A partir da ratificação, o Estado deve determinar todas as medidas necessárias ao fiel cumprimento das disposições contidas na convenção.

As convenções internacionais revogam as leis internas com as quais se atritem?. Levando em consideração o princípio da hierarquia é o da predominância da norma favorável. Assim, uma convenção internacional favorável ao trabalhador preferirá à lei interna. Se, no entanto, as disposições desta forem mais benéficas, a convenção não prevalecerá, observadas certas particularidades que serão estudadas no capítulo próprio..

A OIT exerce controle sobre o cumprimento das convenções. Cada ano os Estados devem apresentar um relatório sobre as medidas adotadas no sentido de executar as disposições da convenção. Os Estados podem denunciar uma convenção adotada. Findo o prazo de duração da vigência, uma convenção pode ser denunciada por um Estado. Se não o fizer, opera-se a sua prorrogação automática, passando a vigorar por tempo indeterminado. A denúncia é o aviso prévio pelo qual o Estado comunica à OIT a sua disposição de não continuar aplicando as normas contidas na convenção.

Revisão é o processo pelo qual a convenção é adaptada à realidade econômica e social. O regulamento da Conferência Internacional contém regras que permitem aos Estados demandar modificações totais ou parciais das convenções. Cabe ao Conselho decidir sobre essa pretensão, depois do que a matéria é incluída na ordem do dia da Conferência, à qual compete deliberar.

A interpretação das convenções internacionais, em virtude do art. 37 da Constituição da OIT, é confiada à Corte Internacional de Justiça. Praticamente, no entanto, sendo a convenção uma norma jurídica, os Tribunais de cada Estado

8 poderão interpretá-la no

exercício das suas atribuições jurisdicionais normais.

A Convenção n. 87 da OIT, de 1948, foi em parte seguida pela Constituição de 1988, que assegurou a livre criação de sindicatos. Nela encontram-se os princípios que, de acordo com o consenso dos povos, devem ser observados para que o Brasil seja incluído entre os países não autoritaristas e que respeitam a autonomia privada coletiva na ordem trabalhista.

As disposições aprovadas pela Conferência da OIT, quando não contam com número suficiente de adesões para que se transformem em convenções, são promulgadas como simples Recomendações. Valem, apenas, como sugestão destinada a orientar o direito interno de cada Estado

9.

1.6 DA TRANSAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

Distinção entre renúncia, transação, composição, prescrição e decadência. O ato unilateral da renúncia se distingue nitidamente do ato bilateral da transação, e, bem assim, do ato de composição e da extinção de direitos decorrentes da prescrição ou da decadência. Conforme assinala Dorval Lacerda, a renúncia, no Direito do Trabalho, corresponde "ao ato voluntário do empregado (ou do empregador), pelo qual desiste de um direito a ele assegurado pelas fontes criadoras de direitos dentro dos limites de atuação". Já a transação "é um ato jurídico pelo qual as partes, fazendo-se concessões recíprocas, extinguem

8 Fontes:NASCIMENTO, Amauri M.. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva.

9 No Brasil, compete à União celebrar tratados e convenções e participar de organizações internacionais, e ao Presidente, a celebração e ratificação de tratados, ad referendum do Congresso Nacional. – art. 49 da CF/88.

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18 obrigações litigiosas ou duvidosas". Assim a renúncia - "é um ato unilateral, enquanto que o contrato e a transação são, imprescindivelmente, bilaterais. Mas não é só, a renúncia, tal como doutrina Paolo Greco, pressupõe a certeza, pelo menos subjetiva, do direito de que é objeto, enquanto a transação, ao contrário, pressupõe uma incerteza, sempre do ponto de vista subjetivo, sobre o direito ou a situação jurídica, que lhe diz respeito, no que concerne à existência, limites ou modalidades: é uma res dubia, segundo a doutrina tradicional, entendendo-se a dúvida num sentido subjetivo, porém tal que possa ser reconhecida como possível e razoável, segundo as contingências comuns da vida, tendo-se em conta as circunstâncias do caso". Já os atos de composição se distinguem da renúncia ou da transação porque neles as partes, sem nenhuma intenção transacional, visam somente a constatar a existência, a natureza ou os limites de um direito ou de uma situação jurídica que se apresenta subjetiva ou objetivamente incerta. Finalmente, na prescrição ou na decadência, a extinção do direito de ação ou do próprio direito resulta, por motivos de ordem pública, da inércia do respectivo titular, que não o exercita dentro do prazo que a lei lhe confere.

A inderrogabilidade no Direito do Trabalho. Desde logo cumpre distinguir entre a alteração de condições de trabalho, sob tutela sindical, nas hipóteses de flexibilização previstas no art. 7

o, VI, XIII e XIV, da Constituição, e a renúncia ou a transação de direitos

individuais nos demais casos, ainda que os respectivos empregos concordem explicitamente com a modificação in pejus dos seus contratos de trabalho.

A inderrogabilidade de um direito pode resultar, como adverte Egon Gottschalk da posição do seu objeto, não se incorporando o bem, juridicamente por ele protegido, ao patrimônio exclusivo de seu titular, por ser da família, do grupo, da comunidade. São direitos que, simultaneamente, encerram deveres, como assinala Coviello, apresentando-se, por isso, sob o aspecto de uma função social.

Em algumas legislações vigoram preceitos expressos proibindo a renúncia e à transação atinentes a direitos relativos a normas de ordem pública. É o que acontece, por exemplo, na Colômbia, no Código do México. Em outros países as respectivas leis se limitam a declarar a nulidade de pleno direito de qualquer ato que contrarie as normas jurídicas de ordem pública. No Brasil, o assunto é focalizado pelos arts. 9

o,444, 468 da CLT ".

Como se verifica, o legislador brasileiro, visando proteger o trabalhador contra os atos, geralmente de má-fé, que tenham em mira evitar a aplicação dos preceitos adotados em seu favor, bem como a alteração de condições ajustadas no contrato de emprego, quando lhe acarretem prejuízos diretos ou indiretos, declara a inexistência de tais atos, presumindo que, se praticados com a concordância do empregado, viciado foi o seu consentimento pela coação econômica ou hierárquica advinda da subordinação em que se encontra frente ao respectivo empregador.

Pressupostos da validade da renúncia e da transação. A validade da renúncia e da transação, nas relações individuais de trabalho, depende da configuração de alguns elementos, dentre os quais cumpre destacar os seguintes, previstos na legislação brasileira:

1o) natureza do direito sobre o qual versam: Segundo estabelece o Código Civil

brasileiro, "é nulo o ato jurídico, quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito". Daí por que será nulo o ato que tiver por fim obstar a aplicação de direito cogente (arts. 9º e 444 da CLT) ou do qual resultar alteração das condições pactuadas no campo do direito dispositivo, quando a modificação contratual implicar prejuízo direto ou indireto para o trabalhador (art. 468), salvo nos casos expressamente previstos pela própria lei trabalhista;

2o) capacidade para renunciar ou transacionar, em face do estatuído no Código Civil, "é

nulo o ato jurídico praticado por pessoa absolutamente incapaz" e "anulável quando se tratar de incapacidade relativa do agente". No que se refere aos menores, a legislação civil não se sintoniza perfeitamente com a Consolidação das Leis do Trabalho, motivo por que as disposições desta, com legislação especial, devem prevalecer no pertinente aos casos que regula.

3º) livre manifestação do agente. Ainda que se trate de direito renunciável ou transacionável, é imprescindível para a validade do respectivo ato a inexistência de vício de

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19 consentimento na manifestação da vontade daquele que renuncia ou dos que participam da transação. O art. 9

o da CLT estabelece que são nulos de pleno direito os atos praticados com

o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos seus preceitos. Tanto a doutrina como a jurisprudência têm manifestado a tendência de invalidar o ato pelo qual o trabalhador abre mão de direito, presumindo a existência de coação oriunda da dependência econômica, da subordinação hierárquica ou do temor reverencial em relação ao correspondente empregador. No direito positivo brasileiro, quando o ato visa a desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da lei de proteção ao trabalho (art. 9

o) ou se ajusta condição que contravenha

norma legal de amparo ao trabalhador, de convenção coletiva ou de decisão de autoridade competente (art. 444), a presunção de coação é absoluta e a nulidade do ato ou do ajuste é inquestionável; na alteração bilateral do contrato de trabalho. sem infringência de regra de caráter imperativo, sua nulidade dependerá da prova atinente ao prejuízo, direto ou indireto, que acarretar ao empregado (art. 468); nos casos raríssimos, que não se incluírem nas duas hipóteses precitadas, a presunção de coação não poderá ser enquadrada senão na categoria das presunções comuns (praesumptio hominis), que não decorrem da lei, mas, como assinala Chiovenda, "da ordem normal das coisas";

4º) forma prescrita em lei. Dispõe o CC que é nulo o ato jurídico quando "não revestir a forma prescrita em lei" ou "for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial a sua validade". Assim, o empregado não poderá renunciar à estabilidade, seja por ato unilateral (aviso prévio para dissolução do contrato), seja por acordo com o empregador (a indenização, neste caso, terá de ser igual ou superior a 60% da maior remuneração mensal multiplicada pelos anos de serviços - art. 14, § 2

o da Lei n. 8.036, de 1990), sem que seja

assistido na forma do art. 500 da CLT. Por sua vez, o pedido de demissão ou o recibo de quitação de empregado com mais de um ano de serviço dependem, para sua validade, da assistência do respectivo sindicato ou da autoridade do Ministério do Trabalho, consoante o disposto nos parágrafos do art. 477 da CLT. A inocorrência da solenidade prescrita em lei - assistência ao trabalhador - torna nulo o ato jurídico;

5º) ato explícito, de interpretação restritiva. Em virtude dos princípios que norteiam o Direito do Trabalho, a renúncia e a transação de direitos devem ser admitidos como exceção. Por isto mesmo, não se deve falar em renúncia ou em transação tacitamente manifestadas, nem interpretar extensivamente o ato pelo qual o trabalhador se despoja de direitos que lhe são assegurados ou transaciona sobre eles. Neste sentido, o Tribunal Superior do Trabalho adotou o Enunciado n. 330, sendo que as Leis ns. 5.562, de 1968, e 5.584, de 1970 (o art. 10 deu nova redação aos parágrafos do art. 477 da CLT), explicitaram esse entendimento, que os tribunais adotaram com esteio no art. 1.027 do velho Código Civil. A renúncia e a transação devem, portanto, corresponder a atos explícitos, não podendo ser presumidas.

Configuração e validade da transação. A transação, é um ato jurídico bilateral, em virtude do qual, mediante concessões recíprocas, as partes interessadas extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. Para que haja transação, é imprescindível que: a) duas pessoas, pelo menos, estejam vinculadas entre si, por força da relação jurídica da qual decorrem direitos e obrigações; b) haja incerteza no pertinente a determinado ou determinados direitos ou obrigações; c) a dúvida se refira a direitos patrimoniais, isto é, direitos incorporados ao patrimônio de uma das partes do contrato; d) a controvérsia seja extinta mediante concessões recíprocas.

Para a validade da renúncia, conforme procuramos demonstrar, "mister se faz que diga respeito a um direito certo e existente ou, pelo menos, futuro, porém certo, e que não seja um direito contestado, porque ninguém pode renunciar a uma coisa cuja propriedade não é reconhecida amplamente. A transação, inversamente, diz respeito, sempre, a duas prestações opostas (uma do empregado, outra do empregador) que se reduzem, por mútuo acordo, a uma só, por cessão mútua; donde se deduz a existência, quanto a tais prestações respectivas, de direitos incertos, ou direitos que se chocam, o que pressupõe litígio". A res dubia - elemento essencial à transação - deve ser entendida num sentido subjetivo, isto é, incerteza razoável sobre a situação jurídica objeto do precitado acordo. E a incerteza subjetiva deve concernir às duas partes que realizam a transação. Daí por que, conforme

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20 ensina Carnelutti, "o pressuposto da transação é constituído, não tanto da res litigiosa, mas das res dubia". Segundo Prosperetti, "tem a doutrina demonstrado uma decisiva repugnância ao admitir a transação no caso de má-fé de uma das partes". É que, se um dos contratantes está certo da obrigação que lhe cabe solver, age, obviamente, de má-fé, ao transacionar com a outra parte, beneficiando-se das recíprocas concessões então ajustadas.

Conciliação judicial. Conforme já acentuamos, as transações ocorridas na Justiça do Trabalho, sob a forma de conciliação dos dissídios individuais, são consideradas sempre válidas, uma vez que operadas sob a vigilância e a tutela da própria Magistratura especializada. O ajuizamento do dissídio individual revela a configuração, não só da res dubia, mas também da res litigiosa, sendo legítima assim a composição das partes mediante recíproca transação de questionados direitos. Aliás, o parágrafo único do art. 831 da CLT prescreve que, "no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível", o que significa que somente poderá ser anulada por meio de ação rescisória. Neste sentido decidiu o Tribunal Superior do Trabalho, ao salientar que a transação, "quando operada em Juízo, sob a forma de conciliação, é válida mesmo que não haja a estrita reciprocidade". E, mais recentemente, acentuou que "são intrínsecas do acordo as concessões recíprocas. Se nele ficou estabelecida a quitação das parcelas, não vemos por que perquirir sobre diferenças que se presumem absorvidas no ato conciliatório".Mas o termo da conciliação deve referir os direitos e obrigações objeto da transação.

Acordo na Comissão de Conciliação Prévia - Em face do estatuído na Lei n. 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que deu nova redação ao art. 625 da CLT, sempre que uma Comissão de Conciliação Prévia funcionar na empresa a que pertence, ou pertenceu, o empregado ou no sindicato representativo da sua categoria, ele não poderá ajuizar ação na Justiça do Trabalho sem submeter o litígio, previamente, ao referido órgão paritário. Esclarece o art. 625-E.

A quitação resultante do acordo, salvo no que tange às parcelas expressamente ressalvadas, liberará, portanto, o empregador de satisfazer ou complementar, posteriormente, verbas que foram objeto da conciliação celebrada perante a Comissão. Tal como na conciliação judicial, a lei presume que a submissão da controvérsia à Comissão evidencia a res dubia caracterizadora da transação, o que nem sempre corresponde à realidade

10.

1.7 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

Conceito de Princípio

Como é um ramo específico do Direito, o Direito do Trabalho também tem princípios próprios. Antes de se examinarem os princípios propriamente ditos do Direito do Trabalho,cabe dar uma breve noção sobre o conceito de princípio é onde começa algo. É o início, a origem, o começo, a causa. Todavia, não é esse conceito geral do princípio que precisamos conhecer, mas seu significado perante o Direito.

José Cretella Jr. Afirma que “princípios de uma ciência são as proposições básicas fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios nesse sentido, são os alicerces da ciência.”

São, portanto, os princípios as proposições básicas que fundamentam as ciências. Para o Direito, o princípio é seu fundamento, a base que irá informar e inspirar as normas jurídicas.

O princípio é o primeiro passo na consecução de uma regulação, passo ao qual devem seguir-se outros. O princípio alberga uma diretriz ou norte magnético, muito mais abrangente que uma simples regra; além de estabelecer certas limitações, fornece diretrizes que embasam uma ciência e visam à sua correta compreensão e interpretação. Violar um

10

SÜSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1 vol.

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21 princípio é muito mais grave do que violar uma regra. A não observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.

Diferenciam-se os princípios das peculiaridades. Princípios são gerais, enquanto as peculiaridades são restritas. Princípios informam, orientam e inspiram regras legais. Das peculiaridades não são extraídos princípios, nem derivam outras normas. Os princípios sistematizam e dão organicidade a institutos. As peculiaridades esgotam-se num âmbito restrito.

Funções dos Princípios

Os princípios têm várias funções: informadora, normativa e interpretativa. A função informadora serve de inspiração ao legislador e de fundamento para as normas jurídicas. A função normativa atua como uma fonte supletiva, nas lacunas ou omissões da lei. A função interpretativa serve de critério orientador para os intérpretes e aplicadores da lei.

A CLT, no art. 8°, determina claramente que na falta de disposições legais ou contratuais o intérprete pode socorrer-se dos princípios de Direito do Trabalho, mostrando que esses princípios são fontes supletivas da referida matéria. Evidencia-se, portanto, o caráter informador dos princípios, de orientar o legislador na fundamentação das normas jurídicas, assim como o de fonte normativa, de suprir as lacunas e omissões da lei.

Princípios Gerais

Existem princípios que são comuns ao Direito em geral. É de se destacar, por exemplo. que ninguém poderá alegar a ignorância do Direito. Deve-se respeitar a dignidade da pessoa humana; é proibido o abuso de direito, o enriquecimento sem causa etc.

O princípio da boa-fé nos contratos é aplicável em qualquer contrato, em qualquer esfera do Direito, incluindo-se também o Direito do Trabalho. Assim, não se pode dizer que se trata de um princípio específico de Direito do Trabalho, como quer Américo Plá Rodriguez. Todo e qualquer contrato deve ter por base a boa-fé. O empregado deve cumprir sua parte no contrato de trabalho, desempenhando normalmente suas atividades, enquanto o empregador também deve cumprir com suas obrigações, daí se falar numa lealdade recíproca.

Certos princípios de Direito Civil, principalmente de contratos, são aplicáveis ao Direito do Trabalho. Podemos lembrar os princípios de que o contrato faz lei entre as partes, ou da força obrigatória dos contratos. Disso decorre o pacta sunt servanda: os acordos devem ser cumpridos. Lembre-se, ainda, do princípio da exceptio non adimpleti contractus: nenhum dos contraentes pode exigir o implemento de sua obrigação antes de cumprir sua parte no pactuado. Existe, também, os preceitos sinalagmáticos inerentes a qualquer contrato, em que há uma reciprocidade de direitos e obrigações.

Princípios de Direito do Trabalho

Devemos trazer à lembrança, em primeiro lugar, que hoje existe liberdade de trabalho, pois não impera a escravidão ou a servidão, sendo as partes livres para contratar, salvo em relação a disposições de ordem pública. No âmbito doutrinário, porém, são poucos os autores que tratam dos princípios do Direito do Trabalho. Mesmo entre os poucos autores que versam sobre o tema não há unanimidade sobre quais seriam os princípios de nossa disciplina, dependendo da ótica de cada autor.

O autor que melhor estudou o assunto foi o uruguaio Américo Plá Rodriguez. Elenca o citado autor seis princípios como do Direito do Trabalho: (a) princípio da proteção; (b) princípio da irrenunciabilidade de direitos; (c) princípio da continuidade da relação de emprego; (d) princípio da primazia da realidade; (e) princípio da razoabilidade; (f) princípio da

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22 boa-fé.

O princípio da razoabilidade esclarece que o ser humano deve proceder conforme a razão, de acordo como procederia qualquer homem médio ou comum. Estabelece-se, assim, um padrão comum que o homem médio teria em qualquer situação.

O empregador é que deve fazer a prova de que a despedida foi por justa causa, pois normalmente o empregado não iria dar causa à extinção do contrato de trabalho, justamente porque é a forma de obter o sustento de sua família.

Da mesma forma, o empregador é que deve fazer a prova de que o empregado presta serviços embriagado, pois o homem comum não se apresenta nessas condições. O mesmo se pode dizer do abandono de emprego. O empregado, por presunção, não tem interesse em abandonar o emprego, visto que é dele que irá conseguir seus proventos, com os quais sobreviverá. Assim, cabe ao empregador provar que o empregado abandonou o emprego, pois o homem médio não abandonaria o emprego sem nenhum fundamento.

Entretanto, essa regra da razoabilidade diz respeito à interpretação de qualquer ramo do Direito, e não apenas do Direito do Trabalho. Lógico que é aplicada ao Direito do Trabalho, mas não se pode dizer que se trata de um princípio do Direito Laboral, pois é aplicada à generalidade dos casos, como regra de conduta humana.

Assim, excluímos os princípios da razoabilidade e da boa-fé em relação àqueles que entendemos ser os específicos do Direito do Trabalho.

1. Princípio da Proteção

Temos como regra que se deve proporcionar uma forma de compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando a este último uma superioridade jurídica. Esta é conferida ao empregado no momento em que se dá ao trabalhador a proteção que lhe é dispensada por meio da lei. Pode-se dizer que o princípio da proteção pode ser desmembrado em três: (a) o in dubio pro operario; (b) o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador; c) o da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador.

Na dúvida, deve-se aplicar a regra mais favorável ao trabalhador ao se analisar um preceito que encerra regra trabalhista, o in dubio pro operario.

A aplicação da norma mais favorável pode ser dividida de três maneiras: (a) a elaboração da norma mais favorável, em que as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador. Com isso se quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador; (b) a hierarquia das normas jurídicas; havendo várias normas a serem aplicadas numa escala hierárquica, deve-se observar a que for mais favorável ao trabalhador. Assim, se o adicional de horas extras previsto em norma coletiva for superior ao previsto na lei ou na Constituição, deve-se aplicar o adicional da primeira. A exceção à regra diz respeito a normas de caráter proibitivo; (c) a interpretação da norma mais favorável: da mesma forma, havendo várias normas a observar, deve-se aplicar a regra mais benéfica ao trabalhador. O art. 620 da CLT prescreve que "as condições estabelecidas em convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo". A contrario sensu, as normas estabelecidas em acordo coletivo, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva.

A condição mais benéfica ao trabalhador deve ser entendida como o fato de que vantagens já conquistadas, que são mais benéficas ao trabalhador, não podem ser modificadas para pior. É a aplicação da regra do direito adquirido (art. 5°, XXXVI, da CF/88), do fato de o trabalhador já ter conquistado certo direito, que não pode ser modificado, no sentido de se outorgar uma condição desfavorável ao obreiro.

O Enunciado 51 do TST bem estampa essa orientação: "as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento". Assim, uma cláusula menos favorável aos trabalhadores só tem validade em relação aos novos obreiros admitidos na

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23 empresa e não quanto aos antigos, aos quais essa cláusula não se aplica.

O in dubio pro operario não se aplica integralmente ao processo do trabalho, pois, havendo dúvida, à primeira vista, não se poderia decidir a favor do trabalhador, mas verificar quem tem o ônus da prova no caso concreto, de acordo com as especificações dos arts. 333, do CPC, e 818, da CLT.

2. Princípio da irrenunciabilidade de direitos

Temos como regra que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis pelo trabalhador. Não se admite, por exemplo, que o trabalhador renuncie a suas férias. Se tal fato ocorrer, não terá qualquer validade o ato do operário, podendo o obreiro reclamá-las na Justiça do Trabalho

Dispõe o art. 3° da lei do Trabalho da Venezuela que "em nenhum caso serão renunciáveis as normas e disposições que favoreçam os trabalhadores". O parágrafo único prevê que "a irrenunciabilidade não exclui a possibilidade de conciliação ou transação sempre que se realize por escrito e contenha unia relação circunstanciada dos fatos que a motivem e os direitos nela compreendidos". O art. 9° da CLT é claro no sentido de que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas" .

Poderá, entretanto, o trabalhador renunciar a seus direitos se estiver em juízo, diante do juiz do trabalho, pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo. Estando o trabalhador ainda na empresa é que não se poderá falar em renúncia a direitos trabalhistas, pois poderia dar ensejo a fraudes. É possível, também, ao trabalhador transigir, fazendo concessões recíprocas, o que importa um ato bilateral.

Feita a transação em juízo, haverá validade em tal ato de vontade, que não poderá ocorrer apenas na empresa, pois, da mesma forma, há a possibilidade da ocorrência de fraudes. Em determinados casos, a lei autoriza a transação de certos direitos com a assistência de um terceiro.

3. Princípio da continuidade da relação de emprego

Presume-se que o contrato de trabalho terá validade por tempo indeterminado, ou seja, haverá a continuidade da relação de sempre. A exceção à regra são os contratos por prazo determinado, inclusive o contrato de trabalho temporário. A idéia, geral e a de que se deve preservar o contrato de trabalho do trabalhador com a empresa, proibindo-se, por exemplo, uma sucessão de contratos de trabalho por prazo determinado.

O Enunciado 212 do TST adota essa idéia ao dizer que "o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado". Enunciado que é corroborado com os preceitos constitucionais do artigo 7°, I, da CF/88.

4. Princípio da primazia da realidade

No Direito do Trabalho os fatos são muito mais importantes do que os documentos. Por exemplo, se um empregado é rotulado de autônomo pelo empregador, possuindo contrato escrito de representação comercial com o último, o que deve ser observado realmente são as condições fáticas que demonstrem a existência do contrato de trabalho. Muitas vezes, o empregado assina documentos sem saber o que está assinando. Em sua admissão, pode assinar todos os papéis possíveis, desde o contrato de trabalho até seu pedido de demissão, daí a possibilidade de serem feitas provas para contrariar os documentos apresentados, que irão evidenciar realmente os fatos ocorridos na relação entre as partes. São privilegiados,

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24 portanto, a realidade, sobre a forma ou a estrutura empregada.

5. Outros Princípios:

Além dos quatro princípios gerais básicos do Direito do Trabalho, a doutrina costuma citar vários outros:

1) principio da razoabilidade (deve o aplicador da lei se nortear pelo bom senso, tendo por base a conduta esperada do homem médio);

2) princípio da não-discriminação (em razão de sexo, idade, cor, estado civil ou deficiência -art. 7°, XXX e XXXI, da CF);

3) princípio da integralidade e intangibilidade do salário (o salário é, em princípio, imune a descontos e impenhorável);

4) princípio da irredutibilidade do salário (art. 7°, VI, da CF);

5) princípio da autonomia da vontade (a vontade dos contratantes é livre, desde que não haja ofensa à ordem jurídica ou ao interesse público);

6) princípio da força obrigatória dos contratos, ou pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos), etc

11.

11 Conferir: MARTINS, Sérgio. Dirieto do Trabalho. São Paulo: Atlas, e FÜRER, Maximilianus. Resumo de Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros.