dinossauros e outros bichos do brasil

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Pesquisa FAPESP - Ed. 115

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Page 3: Dinossauros e outros bichos do Brasil

PESQUISA FAPESP 115 ■ SETEMBRO DE 2005 ■ 3

E O DISCOVERY POUSOU...

O ônibus espacial Discovery pousou na base aérea Edwards, na Califórnia, às 5h15 da manhã do dia 9 de agosto, encerrando um período de apreensão que durou os 15 dias de missão. Danos na fuselagem produzidos durante a decolagem obrigaram dois astronautas a realizar um inédito conserto em órbita. Problema semelhante havia causado a explosão da nave Columbia na reentrada da atmosfera em fevereiro de 2003, que matou sete astronautas e paralisou por dois anos e meio as missões dos ônibus espaciais.

A IMAGEM DO MÊS

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Page 4: Dinossauros e outros bichos do Brasil

34 CAPAAves, répteis e mamíferos recém-descobertos ampliam a diversidade da fauna do Brasil e da América do Sul de milhões de anos atrás

24 INFORMÁTICAMicrosoft amplia cooperação compesquisadores brasileiros e já se fala até na criação de um grande laboratório no país

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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www.revistapesquisa.fapesp.br

REPORTAGENS

Estados da Região Sudestearticulam agenda comumpara o desenvolvimento

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10 ENTREVISTA

José Murilo de Carvalho fala sobre os dilemas antigos e atuais do Estado brasileiro

46 MEDICINAAção de genes esclarecea origem e indicaa evolução de tumores

50 ONCOLOGIAPesquisadores brasileiros criam no Texas tecnologia para matar células de tumores

54 NEUROLOGIAEquipe de Minas Geraisobserva como proteínas defeituosas atacam neurônios

56 VIROLOGIAPesquisadores descobrem como o agente causador da febre amarela destrói as células do fígado

42 BOTÂNICA

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CIÊNCIA

28 INOVAÇÃO

4 ■ SETEMBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 115

Diferença de tamanho entre os genomas de cem árvores brasileirasvaria até 20 vezes

45 FÍSICAElétrons podem mudarde comportamento emconexões de nanofios

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Page 5: Dinossauros e outros bichos do Brasil

40 ZOOLOGIAComportamento de macacos brasileiros indica a existência de quatro padrões de visão das cores

64 IMUNOLOGIAInstituto Butantan desenvolve vacina contra a raiva humana, mais segura e eficaz 78 ECONOMIA

Estudos buscamentender o que fazum rico ser rico no Brasil

Capa: Hélio de AlmeidaImagem: Obra de artesão do Centro de Cultura Popular do Mestre Noza reproduzida do livro Ciências da terra, Ciência da vida – Chapada do Araripe/FAAP

SEÇÕES

Móveis e resinas derivadas de pínus conquistam mercado externo graças atécnicas de plantio

72 ENGENHARIA DE ALIMENTOSPequena empresa desenvolvecomplexo mineral orgânico usando proteínas presentes em levedura

68 ENGENHARIA FLORESTAL

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A IMAGEM DO MÊS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6CARTA DO EDITOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8ESTRATÉGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30SCIELO NOTÍCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58LINHA DE PRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . 60RESENHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92LIVROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93FICÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94CLASSIFICADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

76 QUÍMICANovo aditivo misturado à borracha sintética melhora a aparência dos solados de calçados

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HUMANIDADES

TECNOLOGIA

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84 CINEMAComo o filme O triunfoda vontade ajudou a construir o imaginário nazista

88 LITERATURAO livro das 1001 noitesganha traduçãodireta do árabe

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6 ■ SETEMBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 115

Frota-Pessoa

O professor Oswaldo Frota-Pessoacometeu tremenda injustiça no de-correr da entrevista à Pesquisa FA-PESP (edição 114).Contra ele mesmo.Luminoso como sempre, esparramoumerecidas cita-ções,contou de-liciosas aventurase desenhou umdos melhores qua-dros que já vi dabiologia no Brasilnos últimos 80anos. Única coisaque não fez –olharno espelhoe contar o que ti-vesse visto:ele,omestre cativante.Tudo aquilo queatribuiu à ciên-cia,ao m étodocientífico etc.e talé conversa mole:pode ser encontrado na maioria daspublicações e falações sobre a dita-cuja.Sem a introdu ção à entrevista,que funcionou como retrato muitobom,ela ficaria capenga.Mesmo as-sim,quem n ão conhece Frota-Pessoanem imagina o que está perdendo.Revi prazerosamente minhas coisasde ciências e de ensino de ciênciasdesde os tempos do ginásio. À auto-ra da entrevista,Mariluce Moura,parabéns.Ao professor,minha eternaadmiração,respeito e gratid ão.

LUIZ ALBERTO DE LIMA NASSIF

São Paulo

Divulgação científica

Em esclarecimento à carta sob otítulo “Divulgação científica”, publi-cada em Pesquisa FAPESP (edição113),informamos que o Instituto deBotânica é uma instituição de pes-quisas científicas na área da botânica.Sua missão institucional compreendeo desenvolvimento de pesquisas inse-

[email protected]

CARTAS

ridas no conhecimento de biodiver-sidade vegetal para a conservação erecuperação do meio ambiente,vi-sando subsidiar a política ambientaldo Estado de São Paulo.Esta insti-tuição sempre incentivou e irá incen-tivar a participação de pesquisadores

em congressos,simpósios etc.pois reconhecesua importânciapara a elevaçãodo nível das pes-quisas realizadase divulgação dosresultados obti-dos dentro das li-nhas de pesquisaem que atua.En-tretanto, sendosubordinado àSecretaria de Es-tado do MeioAmbiente, segueas “normas paraa candidatura a

bolsas e afastamentos do país”, conti-das na resolução SMA nº 10/97,de 23de janeiro de 1997,e,entre as exig ên-cias para pleitear o afastamento,ocandidato deverá ser funcionário dosistema há mais de dois anos,condi-ção não preenchida pelo pesquisadorMilton Groppo.Como a FAPESP exi-ge carta comprovando o afastamentooficial do candidato para a liberaçãodos recursos,seria l ógico que ele seinformasse previamente sobre as nor-mas que regem seu vínculo emprega-tício para só então pleitear um auxí-lio para afastamento do país. Dessaforma,causa estranheza o tratamen-to do assunto pelo pesquisador.

LUIZ MAURO BARBOSA

Diretor técnico de departamentoInstituto de Botânica

São Paulo,SP

Oque a ciência brasileira produzvocê encontraaqui.

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As reportagens de PesquisaFAPESP retratam a construção do conhecimentoque será fundamental para o desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

■ Números atrasadosPreço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem.Tel. (11) 3038-1438

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereçoLigue: (11) 3038-1434Mande um fax: (11) 3038-1418Ou envie um e-mail: [email protected]

■ Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redação de Pesquisa FAPESPRua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

■ Site da revistaNo endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

■ Para anunciarLigue para: (11) 3838-4008

EMPRESA QUE APóIA A PESQUISA BRASILEIRA

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

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Page 7: Dinossauros e outros bichos do Brasil

PESQUISA FAPESP 115 ■ SETEMBRO DE 2005 ■ 7

inossauros,com as fantasiasque imediatamente suscitamde um mundo inteiramente

outro,primitivo e selvagem,vazio dehomens e pensamentos na mesma ter-ra que hoje povoamos,são extrema-mente excitantes para a imaginação –Steven Spielberg e seu insuportávelParque dos dinossaurosà parte.Semprequeremos saber mais e mais sobre elese sobre o passado remoto desse lugaronde só chegamos uns 60 milhões deanos depois.No Brasil,infelizmente,os rastros da passagem dos dinossau-ros são um tanto escassos,pr incipal-mente se comparados à abundânciade fósseis desses animais encontradosnos Estados Unidos.Por uma raz ãoque até pode parecer um pouco estra-nha,lembra o editor de ci ência, Car-los Fioravanti,na reportagem de capadesta edição,a partir da p ágina 34,ouseja, não há desertos no território bra-sileiro.E f ósseis de todo tipo conser-vam-se muito melhor na aridez do de-serto do que sob florestas que,ali ás,ainda cobrem a maior parte do terri-tório nacional – acreditem,cerca de60% do total,segundo o Minist ério doMeio Ambiente.Mesmo assim,maisde uma dezena de novas espécies deanimais que viveram milhões ou mi-lhares de anos atrás em terras do paísforam apresentadas no mês passadono II Congresso Latino-Americano dePaleontologia de Vertebrados,o quemostra,no m ínimo,que como ativi-dade científica a paleontologia brasi-leira está bastante viva,apesar de seumodesto acervo de mais ou menos 250espécies de fósseisde vertebrados des-cobertos até hoje.

Mas passemos ao mundo contem-porâneo.E se nele a raiva que umimenso número de brasileiros vem

Dinossauros, raiva e ricos

sentindo nos dois ou três últimos me-ses se mistura a um doloroso senti-mento de impotência,porque contraela não se vislumbra remédio a curtoprazo,contra uma outra raiva,viroseque atinge o homem mais freqüente-mente através de cães,gatos e morce-gos infectados,logo estar á disponívelno país uma nova vacina,segura,efi-caz e barata,desenvolvida pelo Insti-tuto Butantan.A produ ção em escalacomercial desta vacina muito pura,conforme relata o editor especial Mar-cos Pivetta a partir da página 64,deveter início ainda no final deste ano oucomeço do próximo,o que é uma boanotícia neste momento.

eja como for,uma perguntasimples e persistente se reapre-senta com força a cada nova cri-

se política que o país enfrenta:porque,afinal,o Brasil é como é? Trata-seem certa medida de um claro enigma.E uma das vias possíveis para decifrá-lo,sem a menor pretensão de esgotar aquestão, é claro, é o estudo sistemáti-co das elites deste país.Nesse campo éque se desenrola a reportagem do edi-tor de humanidades,Carlos Haag,apartir da página 78,sobre novos estu-dos que procuram entender por quesão ricos os brasileiros ricos.A prop ó-sito,na bela entrevista pingue-ponguedesta edição (página 10) com o histo-riador José Murilo de Carvalho,quetambém lança luzes sobre a crise domomento,ele observa que falar emelites no Brasil dos anos 1970 não lheangariou grande popularidade entreos meios acadêmicos,mais envolvidosem discussões sobre as classes popu-lares.Boa leitura!

CARTA DO EDITOR

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

FAPESP

CARLOS VOGTPRESIDENTE

MARCOS MACARIVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS VOGT, CELSO LAFER,

HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, HUGO AGUIRRE ARMELIN,JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI,

NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESPCONSELHO EDITORIAL

LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ,

FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER,

LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,RICARDO RENZO BRENTANI,

WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG( HUMANIDADES),

CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T), HEITOR SHIMIZU( VERSÃO ON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA( TECNOLOGIA)

EDITORES ESPECIAISFABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA

EDITORES ASSISTENTESDINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃOJOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUELBOYAYAN

COLABORADORESANA LIMA,

ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, DANIELA MACIELPINTO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), EVANDROAFFONSO FERREIRA, GONÇALO JUNIOR, LAURABEATRIZ, MARCELO

LEITE, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, MAYRA LAMY,THIAGO ROMERO (ON-LINE) E YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418e-mail: [email protected]

APOIO DE MARKETINGSINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA

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PUBLICIDADETEL: (11) 3838-4008

e-mail: [email protected] (PAULA ILIADIS)

IMPRESSÃOPLURALEDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.700 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃODINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIROLMX (ALESSANDRA MACHADO)

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GESTÃO ADMINISTRATIVAINSTITUTO UNIEMP

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http://[email protected]

NÚMEROS ATRASADOSTEL. (11) 3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTALOU PARCIALDE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

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MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

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Para alegria de historiadores,manuscritos de Isaac Newtonsobre alquimia são redescobertos

NELDSON MARCOLIN

Aquímica esotéricaegistros contábeis dofísico e matemáticoinglês Isaac Newton (1642-1727)indicavam, em 1669,compras emCambridge e Londresde alguns produtosinusitados: aqua fortis(ácido nítrico), óleo,prata pura,

antimônio, branco de chumbo, nitro, sal de tártaro e mercúrio. Também adquiriu duasfornalhas, cola de madeira e uma grande compilação de tratados de alquimia chamada Theatrum chemicum.Para alguém que tinha quase toda espécie de aptidão intelectual, como escreveu o economista John Maynard Keynes, estudiosoda vida e da obra do físico, esse interesse não causa estranheza. Além das especialidades

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já mencionadas, Newtonconhecia em profundidadedireito, história, teologia e astronomia. Tambémdebruçou sobre a químicaquando essa área doconhecimento, de certaforma, confundia-se com a alquimia no século 17.Em julho deste ano,a academia nacional deciência da Grã-Bretanha,The Royal Society,anunciou a descoberta deuma coleção de papéis dofísico inglês sobre alquimiadados como perdidosdesde 1936. Naquele ano,a casa de leilão Sotheby’svendeu esse material e por69 anos não se soube onde

Textos de Newton em latim e inglês (à dir.):idéias próprias sobre alquimia

estava. Agora, durante uma ampla catalogação de manuscritos feita pelaRoyal Society em seusarquivos, os papéis foramredescobertos. Muitos delessão notas sobre o trabalhode um outro alquimista do século 17, o francêsPierre Jean Fabre.Mas há uma parte, escritaem inglês, com idéiaspróprias de Newton sobrealquimia. “É um achadoimensamente importantepara os estudiosos da obrado cientista e historiadoresda ciência em geral”, disseo secretário executivo daacademia, Stephen Cox.A alquimia era uma espécie

de química da IdadeMédia, que combinavaelementos de química,física, astrologia,metalurgia, medicina e também misticismo.Entre seus objetivos estava obter a pedrafilosofal, uma substânciamítica que permitiria a transmutação dos metaisinferiores em ouro,e a panacéia universal,remédio contra todos os males físicos e morais.Richard S. Westfall (1924-1996), autor de umadas melhores biografias do físico inglês, A vida de Isaac Newton (NovaFronteira, 328 páginas),

afirmava que ele “cortejoua alquimia ardorosamentepor 30 anos” e, ao que se sabe, a produção de ouro jamais dominouseu interesse. “A tradiçãofilosófica da alquimiasempre encarou seu sabercomo uma propriedadesecreta de um seleto grupoque se distinguia da hordacomum por sua sabedoriae pureza de coração”,escreveu Westfall. Para ele, as motivações dogrande cientista passarampela busca da “verdade”de todas as coisas.Algo que Newton, um dia, acreditou poder alcançar pela alquimia.

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Um antídoto contra a bestialização

republicanaCARLOS HAAG

ranqüilo com sua imortalidade (ele foi eleitono ano passado para a Academia Brasileira deLetras), José Murilo de Carvalho, que completa66 anos neste mês, é um historiador com tem-po e energia para escarafunchar o passado, ana-lisar o presente e pensar o futuro. Como bom

mineiro, tem até uma anedota verídica para explicar a sua profissão defé acadêmica, cuja ambição é a produção de conhecimento novo. Eleconta que, numa palestra em São João del Rei, alguns morcegos se pu-seram a dar rasantes sobre o conferencista e seu público.“Só mais tar-de, revivendo a emoção com calma, como aconselhava Wordsworthaos poetas, conselho extensível aos historiadores, é que me dei contaque se tratava de gentileza da cidade colonial”, lembra. “Os morcegosqueriam ilustrar minha palestra. O historiador tem que possuir a agili-dade, a leveza e a sensibilidade ultra-sônica dos morcegos para detec-tar, configurar e decifrar seu objeto.”

Professor titular de História do Brasil, ligado ao Núcleo de Pesqui-sas e Estudos Históricos da UFRJ, José Murilo começou seus estudosna Universidade Federal de Minas Gerais, mas como economista. Foi,longe do Brasil, nos Estados Unidos, quando foi tirar o seu Ph.D. naUniversidade de Stanford, que se descobriu um apaixonado pelasevoluções políticas e sociais de seu país. “Chegando lá, passei a mepreocupar com o Brasil como um todo. Foi lá que enfrentei o meuprimeiro tema maior: como se construiu o Estado nacional do pontode vista da estratégia dos grupos no poder.” Daí resultaram os livros Aconstrução da ordem (1980) e Teatro de sombras (1990). Mas falar emelites no Brasil dos anos 1970 não angariou a ele grande popularida-

ENTREVISTA: JOSÉ MURILO DE CARVALHO

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‘ ‘A reforma política não é panacéia e não pode ser feita à custa da participação democrática

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nha geração sofreu em 1964 com ogolpe e o estabelecimento do governomilitar se devia, em parte pelo menos,ao descuido dos intelectuais no estudode um ator político muito relevantedesde 1889. Agora tivemos outra gran-de surpresa desagradável, também paradizer o mínimo, relativa às denúnciasde corrupção no governo do PT. Mashoje não se pode atribuir a causa dasurpresa à ausência de estudos sobreesse ator, pois há muitos deles. A per-gunta perturbadora para cientistas so-ciais é se sua pesquisa é inútil, se nãoserve para fazer previsões. Em outrostermos, se sua pesquisa não é ciência.Uma coisa é certa, nos domínios dohumano, onde reina a liberdade, a pre-visão é, de fato, sempre precária. Com-te considerava as leis sociais equiva-lentes às da astronomia no poder deprevisão. Um positivista, claro. As pre-visões no campo das ciências sociaissão no máximo probabilísticas, sempresujeitas a surpresas, agradáveis ou não.No caso atual, operaram outros fatoresperturbadores da análise. Os alertas emrelação ao que se passava dentro do PTnão faltaram. Críticos pertencentes acorrentes discordantes do Campo Ma-joritário já tinham alertado para osdescaminhos em curso, tanto os refe-rentes à política econômica como à po-lítica de alianças. Mas os alertas eramatribuídos à disputa ideológica e blo-queados, também ideologicamente, pe-lo campo hegemônico. Observadoresexternos deixaram-se levar. Quanto aosriscos atuais para a manutenção do go-verno civil, mencionei alguns em meulivro, mas não me ocorreu o que desa-bou sobre nossas cabeças, mesmo ten-do escrito a conclusão há meses. Há,sem dúvida, inquietação entre os co-mandantes das Forças Armadas comrelação ao que se passa. Mas não creioque a inquietação evolua para qualquerinclinação à intervenção, a não ser quea crise assuma dimensões catastróficas,o que é pouco provável.

■ O senhor já afirmou que houve umaestranha evolução no Brasil e, até 1881,o país estava à frente mesmo da Inglater-ra em termos de direito de voto. Ao lon-go do tempo, as massas foram incorpora-das ao processo. Por que, então, temosessa cidadania tão incipiente, sempreameaçada ou não totalmente exercida?

— O Brasil, de 1881 a 1945, deu paratrás em matéria de incorporação po-lítica da população via processo elei-toral. A Primeira República foi, lite-ralmente, um regime sem povo, poisvotava menos de 5% da população. Pa-ralelamente, a educação fundamentalcontinuou a ser negligenciada. Incor-poração significativa só começou em1945. A partir daí, seu ritmo foi inten-so. Em 1930 votou 5,6% da população,a metade de 1881. Em 1945 já votou13% e, em 1960, 18%. O ritmo de cres-cimento, peculiaridade brasileira, não seabateu durante o regime militar, quan-do cerca de 60 milhões de cidadãos co-meçaram a votar, número maior doque a população total do país em 1950.Ao mesmo tempo, a educação funda-mental cresceu, mas em ritmo muitomais lento. Só no final do século 20 éque ela se generalizou, mesmo assimpadecendo de má qualidade. Tivemosassim três fatores negativos: entradatardia do povo no processo eleitoral;entrada em boa parte sob regime de di-tadura, quando o sentido do voto eradeturpado pelo estupro de outras insti-tuições democráticas; lento avanço daeducação fundamental. Até hoje 60%dos eleitores não completaram o pri-meiro grau.

■ A incorporação das massas, com maio-res demandas, algumas quase impossí-veis de ser atendidas, é vista por algunscomo fonte de problemas para a chama-da governabilidade nacional. Daí o dese-jo de uma reforma política, que deixe par-tidos mais fortes etc. mas que, no fundo,deixa o eleitor mais distante do processodecisório. Como o senhor vê essa situaçãoe qual a sua compreensão de uma refor-ma política: precisamos de uma e de quetipo, em especial diante do contexto atual,em que ela é vista como panacéia paraqualquer crise?— O sistema político entrou em colap-so em 1964 porque não foi capaz de ab-sorver o rápido crescimento da partici-pação, eleitoral e não-eleitoral. Culpada participação ou do sistema que só aadmitiu tão tarde? No debate de 1881, areforma apresentada pelos liberais pre-tendia combater a manipulação doeleitor pelo governo. A solução adotadafoi reduzir drasticamente o número dosque podiam votar. Os críticos diziamque se cometia um erro de sintaxe polí-

de entre os meios acadêmicos, envolvi-dos em discussões sobre as classes po-pulares. Para os colegas, tinha virado“elitista”.

Mas o engano era só de desafetosdesinformados. Num tempo em quenão se pensava nas elites, José Muriloteve coragem de estudar aqueles quemais influenciavam a vida das massasempobrecidas. Depois da tese, mudouseu foco de atuação. “Em Os bestializa-dos (1987), à preocupação com a cons-trução do Estado agregou-se o proble-ma da construção da nação. Quando sepercebeu, com a mudança de regime,que não houve muitas alterações naspráticas políticas e eleitorais, muitosautores começaram a trabalhar comuma idéia mais ampla de construção danação”, explica. Em Os bestializados, ohistoriador dissecou a atitude da popu-lação diante do poder, enfocando a per-plexidade geral com o advento, da noi-te para o dia, da República. A partir deA formação das almas, a inflexão se res-salta: “Nele, falo sobre a tentativa donovo governo de recriar o imaginárionacional e da reação popular à tentati-va”. Inquieto, agora não é mais a idéiade nação ou Estado que mobiliza seusneurônios, mas a construção do cida-dão, da cidadania. “Meus trabalhos co-meçaram com a questão da construçãodo Estado e passou para a construçãodo Estado-nação”, diz. Como os quiróp-teros, José Murilo está atento a qual-quer novo movimento. Daí os comen-tários preciosos sobre o momento atual,suas raízes e conseqüências, expostosna entrevista a seguir.

■ Na apresentação e na conclusão de seuúltimo livro, Forças Armadas e políticano Brasil, percebe-se que o senhor vê nadesigualdade social nacional a grandeameaça para a democracia. No últimoparágrafo, aliás, o senhor observa que“corremos o risco de ser surpreendidos co-mo em 1964”. A situação atual de pro-funda crise o surpreendeu? Como avaliaos desdobramentos dessa nova surpresa,seja em termos do que esperar no futuro,seja na incapacidade de prever que issopoderia ocorrer? Como entender que,apesar de tão estudado, o PT ainda pôdesurpreender a sociedade?— Touché! Comecei a estudar os mili-tares porque achei que a surpresa desa-gradável, para dizer o mínimo, que mi-

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digo persistirem até hoje as conseqüên-cias da experiência colonial e escravista.Não gosto de jogar a culpa nas elites ex-clusivamente. Essa atitude equivale adesqualificar o povo, pois o coloca emposição de vítima indefesa. Como já di-zia Nabuco, o grande mal da escravidãono Brasil foi que seus valores permea-ram a sociedade de alto a baixo e que ocidadão brasileiro traz dentro de si a dia-lética do senhor e do escravo.

■ O povo sempre parece acalentar, porum lado, a esperança de um líder mes-siânico que resolva todos os problemas danação, ao mesmo tempo que tende a sertomado por um pessimismo em temposde crise, achando que estamos “num marde lama”. Como o senhor vê essa “pai-xão” de extremos e quais os fatores posi-tivos e negativos que decorrem desse sen-timento “edênico” do Brasil (o país vistocomo Éden)?— A expectativa do messias e a frustra-ção são lados da mesma moeda. Reve-lam ambas a ausência de um senso deeficácia política, isto é, a ausência daconvicção da capacidade do cidadão dese autogovernar. Espera-se a salvaçãode fora, do messias, chame-se ele Antô-nio Conselheiro, Padre Cícero, GetúlioVargas, Fernando Collor, Lula. Diantedo inevitável fracasso do esperado, so-brevém a frustração. Escapam da con-denação histórica apenas os messias queexpiam seu fracasso com um destinotrágico, destino esse que lhes é impostoou que elegem por vontade própria. Foio caso de Tiradentes, do Conselheiro,de Getúlio. Não vejo nada positivo nes-sa tradição messiânica. Até hoje ela re-

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isolou geograficamente o governo, Exe-cutivo e Legislativo. O controle diretoque sobre ambos era exercido pela po-pulação da antiga capital, com passea-tas, vaias e aplausos nos plenários daCâmara e Senado, desapareceu na soli-dão do Planalto, onde o povo políticose reduziu ao empregado público e seuestreito horizonte corporativo. Esseambiente é terreno fértil para o cultivode intrigas de corte, conchavos, expec-tativas de impunidade. É terreno fértil,em resumo, para medrar a bandalheirado andar de cima, para usar expressãode Elio Gaspari.

■ O senhor já afirmou que temos grandesdificuldades em acertar contas com opassado escravista e colonial. De que for-ma as mazelas do presente têm a ver comesse não enfrentamento do nosso passa-do? Sentimos que o povo brasileiro mu-dou ao longo do processo histórico. Omesmo pode ser dito das chamadas elites:elas mudaram na sua essência?— Quatro séculos de prática escravistae três séculos de colônia não passamem vão. Não se trata de dizer que so-mos prisioneiros do passado, que opassado nos condena e que, portanto,não temos responsabilidade pelo pre-sente. Trata-se de reconhecer a força detradições, a persistência de valores, a re-produção de práticas de sociabilidade.Essas tradições, valores e práticas so-brevivem até mesmo a mudanças es-truturais na demografia, na economia,na educação. Ou, o que é mais grave,afetam a natureza mesma dessas mu-danças no sentido de desvirtuar seu efei-to transformador. É nesse sentido que

tica, criava-se uma oração sem sujeito,isto é, um regime representativo sempovo. A conseqüência do erro foi dura-doura e desastrosa. A engenharia políti-ca deve cuidar sem dúvida da governa-bilidade, mas não o pode fazer à custada democracia política. Esta só se con-solida na prática. Nenhum eleitoradoamadurece na exclusão. Não posso dis-cutir aqui as reformas que seriam, ameu ver, necessárias e adequadas. É te-ma muito controvertido. Proponhoapenas dois parâmetros: a reforma po-lítica não é panacéia; a reforma políticanão pode ser feita à custa da participa-ção democrática.

■ Toda a crise de hoje parece passar aolargo da população, vista, como no artigorecente do professor Bresser Pereira, emoposição à chamada sociedade civil, essa,sim, que leva o país. Como o senhor ava-lia essa dicotomia e esse distanciamentodo povo? Antes, com a capital no Rio deJaneiro, as massas podiam mobilizar-sediante do poder, mas Brasília parece es-tar “fora do Brasil”e dessa forma o povoparece ainda mais alijado da participa-ção e do poder de pressão junto aos gover-nantes e aos políticos. Como vê isso?— São dois pontos relacionados, o dadistinção entre sociedade civil e povo eo do efeito Brasília. Acho correta a dis-tinção. Em artigo sobre a Primeira Re-pública, falei sobre a existência, então,de três povos, o povo do Censo, o povodas eleições e o povo da rua. Os doisúltimos povos constituíam parcela mí-nima do primeiro. Apesar de todos osavanços na urbanização, na educação,nos meios de comunicação de massa,ainda temos hoje a distinção entre umpovo político, que se pode pedante-mente chamar de pólis, organizado ounão, mas bem-informado e alerta, e ou-tro povo que, com o mesmo pedantis-mo, se pode chamar de demos, ou, sempedantismo, de povão. O povão aindatem baixa escolaridade e sobrevive nomundo da necessidade. Para ele, demo-cracia política ainda é um luxo. A criseatual revela os dois povos. A pólis ficaindignada e se revolta com as denúnciasde corrupção. O demos talvez o faça emmenor escala, pois tem que se preocu-par com o destino do Bolsa Escola.Brasília trouxe benefícios, sobretudo oda ocupação efetiva do território nacio-nal. Mas gerou um grande mal político:

‘O povão aindasobrevive no mundoda necessidades, e democracia política, para ele, ainda é um luxo

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duz os recursos do Estado; ao ter os re-cursos reduzidos, o Estado aumenta osimpostos; ao ver os impostos aumen-tados, o contribuinte sonega mais.

■ Qual a percepção que o brasileiro temdas leis? Aqui tudo parece querer ser re-solvido com uma nova lei, como se bas-tasse legislar no papel para o problemaacabar na realidade. Quais as origensdesse bacharelismo e quais os problemasque ele traz? Pode-se mudar essa culturaancestral?— Já no século 19 foi feito o diagnósti-co da distância entre o Brasil legal e oBrasil real. Guerreiro Ramos achavaque no Brasil a função da lei é pedagó-gica, e não coercitiva. Ela é inaplicável,mas aponta para um ideal de civiliza-ção. Oliveira Viana achava o contrário.A distância entre a lei e a realidade era,segundo ele, a própria corrupção dosistema. Análises mais recentes, comoas de Roberto da Matta, mostram o jei-to como estratégia brasileira de aceitara lei sem cumpri-la. Seja como for, nos-so bacharelismo vem de longa data.Nosso sistema jurídico é tributário datradição romano-germânica do direitocodificado, e não da tradição do direitocostumeiro anglo-saxônico. Nossa elitepolítica, desde a independência, é com-posta predominantemente de bacharéis.São os bacharéis que fazem as leis comoparlamentares e as aplicam como dele-gados, advogados, juízes. A conseqüên-cia disso é a convicção de que tudo sepode resolver a golpes de leis, sem preo-cupação com as condições de sua apli-cação. Dois exemplos recentes foram ocódigo de trânsito e a lei de doação deórgãos. No primeiro caso, fez-se uma leipara cidadãos e estradas da Suécia. Ofracasso era previsível. No segundo, alei previa o transplante de órgãos semconsulta à família. Desrespeitou-se umadas poucas instituições ainda respeita-das no país. A reação foi imediata e pelomenos houve bom senso suficiente pa-ra se fazer a correção. Outro exemploclássico foi a lei da vacinação obrigató-ria que provocou uma das maiores re-voltas urbanas do país. Aqui também segera um círculo vicioso: o Estado faz leisrigorosas; o cidadão desrespeita as leis;o Estado faz leis mais rigorosas para evi-tar o desrespeito; o cidadão desrespeitamais as leis mais rigorosas (ou aperfei-çoa o jeito de burlá-las).

presenta um obstáculo à democracia.Um dos bons resultados que podem so-brevir da crise atual será exatamente de-sacreditar os salvadores da pátria e re-forçar a convicção de que só a ação docidadão constrói a cidadania. Edenis-mo é outra coisa. Ele não atribui à na-tureza o papel de salvador. Mas é tam-bém uma forma de escapismo porquecoloca fora do âmbito da construçãohumana os motivos de orgulho nacio-nal. Ele tem a mesma origem do mes-sianismo: a ausência do sentido do in-divíduo como agente da sociedade e docidadão como construtor da política.

■ A corrupção parece ser vista no Brasilcomo parte de nossa cultura e não erra-dicável. O próprio presidente afirmou nacelebrada entrevista parisiense que “issode caixa dois sempre houve”, com totalnormalidade? Quais as origens dessa cor-rupção endêmica e quando e por que elase transforma, como o senhor preconizouem uma entrevista, em corrupção epidê-mica? Como mudar esse quadro desola-dor que traz tanto cinismo político àpopulação?— A corrupção está enraizada e não éerradicável. Mas é redutível a níveiscompatíveis com a prática de países de-mocráticos. Ela atinge altos níveis noBrasil (e em outros países) em boa par-te devido a nossas origens patrimoniais.O patrimonialismo significa pelo me-nos três coisas: a predominância do Es-tado e de sua burocracia; a tendênciadas pessoas de buscar o Estado comofonte de emprego (nepotismo, cliente-lismo) e de favorecimentos (contratos,benesses, mensalões), o que uma vezchamei de estadania; e a indistinção en-tre o público e o privado, isto é, a au-sência da noção da coisa pública, subs-tituída pela da coisa estatal. A endemiapode transformar-se em epidemia porcircunstâncias fortuitas, como a açãode pessoas e grupos mais afoitos. Masnão estamos condenados à corrupção.A história não condena nenhum país apenas perpétuas. Ela é dinamismo. As-sim é que a intolerância à corrupçãotem crescido muito à medida que o ca-ráter injusto da distribuição ilegal debenefícios públicos se torna óbvia paraos muitos que são dela excluídos. Rea-ções como a que se dá hoje, mudançasnas leis e em sua aplicação, alteraçõesnas instituições, podem, e creio que

irão, aos poucos reduzir o nível escan-daloso da corrupção, embora não aca-bem com ela.

■ Quais as origens históricas dessa pro-miscuidade entre público e privado nogoverno brasileiro e quais as conseqüên-cias disso? Como mudar? O governo “rou-ba” e a população também não obedece àsleis. Ou, nas palavras do presidente Lula:“O brasileiro quer cadeia para os outros,não para ele. Quer que todos sejam hones-tos, não ele”, e assim por diante. De queforma esse mal institucional também serepete na esfera individual, no cotidianonacional, e de que forma uma corrupçãose liga à outra?— As origens e possíveis remédios fo-ram discutidos acima. O problema darelação entre o comportamento indi-vidual e o público é complexo. Em pri-meiro lugar, é preciso distinguir a moralprivada da ética pública. O comporta-mento privado não precisa necessaria-mente, certamente não em nosso mundoliberal, condicionar o comportamentona arena pública. Um cafajeste na vidaprivada pode ser um bom estadista. Háexemplos abundantes. Pode acontecertambém que o que é positivo na moralprivada se torne negativo quandotransferido para o mundo público. Porexemplo, ajudar parentes e amigos énorma básica de nossa moral privada.Quando aplicada essa norma ao mun-do público, transforma-se em cliente-lismo e nepotismo. Pesquisa que fize-mos no Rio de Janeiro há algum temporevelou que muitos entrevistadosachavam que deputados tinham queajudar parentes e amigos. Outra coisaé o comportamento individual dianteda lei. Aqui funciona entre nós o mes-mo mecanismo do patrimonialismo,da indistinção entre o estatal, o públi-co e o privado. Se não existe o público,se o estatal é da sogra, não há obriga-ções cívicas. Paga-se imposto a contra-gosto, quando não se pode sonegar, eaproveita-se o quanto possível do Esta-do. Outra pesquisa no Rio de Janeiro,feita em 1997, mostrou que 41% dosentrevistados achavam que em algunscasos era justificável sonegar imposto.O que é mais grave é que a porcenta-gem crescia com o aumento da escola-ridade. Gera-se aí um círculo vicioso: ocontribuinte sonega porque não vê oEstado como público; ao sonegar, re-

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de e da exclusão e que seria necessária aparticipação das elites num processo dedistribuição de riquezas. As elites, porsua vez, colocam todo o ônus do processono Estado e não querem modelos em quepercam sua soberania. Como resolveresse dilema da desigualdade nesses ter-mos? Qual a real parte que cabe ao Esta-do e qual cabe às elites? As elites de outrospaíses desenvolvidos perceberam no pas-sado que era necessário reformas: agrá-ria, distributiva etc. para a implementa-ção de um Estado de bem-estar social. Anossa elite ainda não percebeu isso e vivecom medo da violência: como entenderesse caráter “suicida” ou “predatório” daselites? O que esperar no futuro?— Pesquisas indicam que a educação éo fator que mais afeta positivamente aconsciência cívica e a mobilização polí-tica. Enquanto a escolaridade no Brasilnão atingir níveis decentes (universali-zação do ensino médio e uns 30% dapopulação com educação superior),não cabe falar em insuficiência da edu-cação. Não cabe também, creio eu, es-perar das elites a solução do problemada desigualdade. Nos países que o re-solveram houve algum tipo de revolu-

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■ Desde 1985 houve um incremento nasliberdades individuais e na participaçãopolítica da sociedade. Esperava-se queisso fosse ajudar a acabar com as desi-gualdades sociais, o que não ocorreu. Oque houve e as razões históricas para is-so? Qual é o nível atual de nossa demo-cracia? Ela é resolução de problemas? Osenhor já sugeriu em um de seus livrosque é preciso encontrar um outro cami-nho para a cidadania no Brasil. Qual se-ria esse novo caminho e as razões dessapeculiaridade nacional?— A cidadania política não produziuaté agora cidadania social, a liberdadenão produziu igualdade. Isso significaque o sistema representativo não temfuncionado adequadamente. Algumasrazões do mau funcionamento já foramapontadas: entrada recente do povo napolítica, curto período de prática re-presentativa, interrupções autoritárias,baixa escolaridade, altos níveis de po-breza. A tentação é dizer que o modelofaliu e que se devem buscar alternati-vas. De fato, cheguei a mencionar a ne-cessidade de se pensar em alternativas.Mas nunca tentei formulá-las porqueno fundo não tinha e não tenho certezasobre se é o modelo que não presta ouse não tivemos tempo de colocá-lo ade-quadamente em prática. Lembre-se deque ele demandou séculos para se im-plantar no Ocidente. Daí que talvez fos-se mais eficaz fazer ajustes tópicos emvez de tentar mudanças radicais. Douum exemplo simples, tendo em vista acrise atual. Acabar com o privilégio deprisão especial para portadores de di-plomas universitários levaria os senhoresdoutores a pensarem duas vezes antesde praticar qualquer crime. No campopolítico, a introdução da possibilidadede revogação de mandatos pelos eleito-res, na vigência do mandato, tambémpoderia melhorar o comportamento deparlamentares. Pode-se também, e deve-se, ampliar a participação política paraalém do ato de votar. Há dispositivosconstitucionais importantes que sãopouco usados, como a ação civil públi-ca, a ação popular, o mandado de in-junção. São armas poderosas que, semobilizadas, aperfeiçoariam o sistemarepresentativo.

■ Alguns estudos sugerem que crescimen-to e melhor educação não são suficientespara resolver o problema da desigualda-

ção, seja econômica (Inglaterra), sejapolítica (França), seja social (Rússia).Revoluções não são feitas por elites.Nós não tivemos revolução alguma enão creio que a culpa seja apenas daselites que, obviamente, em todos ospaíses defendem seus interesses. Trata-se de um processo histórico em que oEstado nacional que aqui se construiu– liberal, note-se – não cumpriu a tare-fa executada por outros Estados nacio-nais de reduzir a desigualdade a níveistoleráveis. Não me parece realista espe-rar que, no mundo de hoje, ainda pos-samos fazer a mudança por métodosrevolucionários. Tampouco é realista es-perar que as elites o façam espontanea-mente. Ela só pode ser realizada porpressão de baixo sobre o Estado no sen-tido de forçá-lo a alterar políticas pú-blicas, usando, se necessário, seu poderconstitucional e legal de coerção, inclu-sive sobre as elites.

■ Vivemos na chamada “Estadodania”: oEstado é visto como fonte de tudo. Porquê? Qual a história disso e os enganosdessa visão? Ao mesmo tempo que as eli-tes exigem que o Estado controle a desi-gualdade e a violência, quer o Estadolonge da economia: essa dicotomia temsolução? O povo sabe o que é e como fun-ciona o Estado: é comum se reclamar dogoverno federal a falta de polícia nasruas, atributos dos governos estaduais oumunicipais, só para citar um exemplo. Sepode ser cidadão se não se conhece o Es-tado?— A pergunta me permite ampliar aresposta anterior sobre patrimonialis-mo. O impacto do patrimonialismo nasociedade não se limita à visão do Esta-do como alheio ao cidadão. Em nossatradição ibérica há uma justificativamais elaborada do papel do Estado. Elese justificaria como promotor da felici-dade dos súditos e seria visto pelos súdi-tos como um benfeitor. Nosso patrimo-nialismo é também um paternalismo.Exame de dezenas de cartas enviadas agovernantes em vários momentos denossa história, desde o Império até osgovernos militares, confirma esse ponto.A concepção de contrato social embu-tida nessas cartas é a seguinte: o cidadão(na realidade, o súdito) deve cumprirsua obrigação de trabalhar e cuidar dafamília. Em contrapartida, o Estado de-ve cuidar do cidadão (ou do súdito).

‘ ‘A cidadania políticanão produziu atéagora cidadaniasocial e a liberdadeainda não produziuigualdade

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Não há direitos políticos e civis envolvi-dos nesse pacto, apenas direitos sociais,que são passivos. Essa visão é tambémcorroborada por pesquisas de opiniãopública que indicam o predomínio to-tal dos direitos sociais na percepçãoque os brasileiros possuem de direitos.O lado paternalista da ação do Estado ébem conhecido pelo público. A grandebusca da Justiça do trabalho, dos postosdo INSS e de saúde é uma prova disso.Ficam de fora do pacto os direitos debriga, os civis e políticos que definem ocidadão ativo. A grande pergunta queme faço é se o ingresso no sistema pelaporta do direito social fortalece ou en-fraquece ainda mais os direitos civis epolíticos.

■ O senhor defendeu em artigo recente,escrito para o jornal O Globo, a univer-sidade pública das acusações de elitismo.Como é isso? O que acha da situaçãoatual da universidade? Qual sua opiniãosobre a polêmica reforma universitáriaproposta? Concorda com o sistema de co-tas para minorias?— Chamei a atenção para simplifica-ções na condenação da universidadepública como elitista. Creio ter ficadodemonstrado com estatísticas que o eli-tismo se prende, sobretudo, a certoscursos e à ausência de horário noturno.Na maioria dos cursos, sobretudo noturno da noite, a população universitá-ria corresponde razoavelmente ao tododa população. O que me preocupa nodebate são posições demagógicas quequerem abrir indiscriminadamente auniversidade passando por cima dequalquer preocupação com qualidade.A universidade pública – falo, sobretu-do, das federais – está cheia de mazelas,e, entre outras coisas, tem a obrigaçãode fazer um grande esforço para incor-porar alunos pobres. Trata-se de açãoafirmativa legítima e necessária. Mas aincorporação não pode ser demagógi-ca, nem comprometer a qualidade doensino. Para incorporar corretamentealunos pobres, a universidade deve in-vestir pesadamente na preparação doscandidatos para que não entrem àcusta de rebaixamento dos critériosde qualificação. Além disso, terá queacompanhá-los e lhes dar assistênciadurante todo o curso, inclusive auxíliofinanceiro. Do contrário, teremos de-sistências, frustrações, ou formação de

profissionais de baixa qualidade. Nesseúltimo caso, apenas se adiará a discri-minação para o momento de entradano mercado de trabalho. As cotas sãomodalidade inadequada de ação afir-mativa. Elas são rígidas, artificiais, ame-açam a qualidade do ensino, e são equi-vocadas quando adotam classificaçõesraciais que equiparam o Brasil à Áfricado Sul.

■ Como o senhor vê a atuação da mídia,em especial a política e a econômica.Após o affair Collor, a imprensa passou aser vista como fonte de revelações e umaespécie de mecanismo de controle da Re-pública. Por um lado, isso é bom, porqueé uma das funções sociais da mídia. Poroutro, há o problema do “believe ineverything you read in papers”: o queestá escrito é verdadeiro. Há, no momen-to, uma onda de denuncismo, parte real,mas parte sem fundamentos, para ven-der jornal ou atacar o governo. Como vêisso? A mídia não é diferente de uma em-presa qualquer, no geral, e “vende” umproduto chamado notícia. Qual o perigodisso num país em que se tem pouca re-flexão crítica sobre o que se é divulgado?— Admitindo todos os problemas cita-dos, que são reais, creio que o balançoda atuação da mídia tem sido positivo.A análise de seu impacto, no entanto,deve distinguir os tipos de mídia. Devi-do ao grande número de semi-analfa-betos, a televisão possui um peso ex-traordinário sobre as classes D e E, parausar a classificação das pesquisas demarketing. Por outro lado, há um enor-me avanço na comunicação via inter-net nas classes A e B. A internet é umdomínio livre do controle dos donos damídia. O estudo de sua influência napresente crise está por ser feito.

■ O país, em especial as elites, rejeita areforma agrária e demoniza o MST. Co-mo entender um país em que os pobrestoleram a desigualdade? Qual a origemhistórica disso e o que se pode esperar nofuturo: uma onda de violência ou apenasmais tolerância com a miséria crescente?— Por que a tolerância dos pobres àdesigualdade? Por que os pobres brasi-leiros não se revoltam? O verdadeiromilagre brasileiro não seria a honesti-dade dos pobres? São questões pertur-badoras, que não podem ser respon-didas apenas pelo recurso a teorias de

conspiração das elites. Em nossa histó-ria, quando o pobre se revoltou, ele ofez fora do sistema político, sem gerarmudanças institucionais. Voltamos aoproblema da representatividade do sis-tema. Perspectivas? O único movimen-to popular eficaz que temos hoje é oMST. Mas o MST mobiliza uma parce-la da população cujo peso demográficodecresce sistematicamente. A populaçãopobre das cidades, em constante cresci-mento, continua politicamente desmo-bilizada. Pior ainda. Em cidades como oRio de Janeiro, sua mobilização se vêbloqueada pela ação dos traficantes dedrogas. Nem mesmo as associações demoradores podem funcionar sem o be-neplácito dos traficantes. Por outro la-do, se é verdade que a desigualdade,medida pela renda, não se tem reduzidode maneira significativa, há outras mu-danças em curso. Os indicadores so-ciais como escolaridade, esperança devida, mortalidade infantil, coleta de li-xo, abastecimento de água e outros têmmelhorado muito nos últimos dez anos.Está havendo, por assim dizer, uma dis-tribuição indireta de renda. É aí queestá, creio, parte da explicação da tole-rância dos pobres: a renda não aumenta,mas a vida melhora. Isso é positivo, in-dica adequada ação social do Estado.Mas veja nosso dilema: a ação social re-força a visão paternalista do Estado,além de alimentar o clientelismo.

■ Numa entrevista à Folha, logo após aeleição de Lula, o senhor afirmou: “As di-ficuldades são proporcionais às esperançasque sua candidatura despertou. Terá queevitar o perigo do abraço mortal do apoioconservador que, ao lhe dar base de go-verno, pode lhe descaracterizar o progra-ma. Terá que lidar com a cobrança de se-tores mais militantes que o apóiam, queexigirão mudanças rápidas. Terá que ha-ver-se com armadilha criada pela grandeexpectativa de mudança que gerou na po-pulação, desproporcional em relação àspossibilidades de atendimento. Esses se-rão os fantasmas a perseguir o governo”.O senhor foi preciso no diagnóstico. Comoavalia essa percepção diante do desenvol-vimento real do governo Lula? Havia ou-tro caminho a ser seguido? O que ele ain-da pode fazer para mudar a situação?Lula é, palavras suas, ainda o “estranhono ninho da elite” e vítima dessa situa-ção, como ele mesmo quer fazer crer?

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— Eu disse isso? Não está mal, aindaque a avaliação fosse evidente paraquem, embora simpático aos resultadoseleitorais, não se tivesse deixado levarpor romantismos. Creio que a previsãose realizou. Acuado pela necessidade denão causar pânico na economia e nosmercados internacionais, o governomanteve religiosamente a política eco-nômica anterior, alienando boa partede seu partido e de seus eleitores. Nãotenho competência para dizer se haviaalternativa viável. Mas creio que o cál-culo dos estrategistas do governo erafazer mudanças no segundo mandato,quando a confiança do mercado se ti-vesse consolidado. Aí veio o que nemeu nem ninguém mais previu: a emer-gência dos fantasmas do Marcos Valé-rio e do Delúbio Soares. Ironicamente,Fernando Henrique parece ter feito omesmo cálculo e foi atropelado entreum mandato e outro por uma crise vin-da de fora. Lula foi atropelado por umacrise interna, quando o cenário externoé muito amigável. Uma crise causadapela cúpula do partido e na qual ele nãoé exatamente uma vítima. É artificial einútil buscar culpados em outro lugar.A elite social deve ter ficado feliz com adesgraça do presidente-operário, um es-tranho no ninho. Mas a elite econômi-ca, sobretudo seu setor financeiro, estáfeliz com os lucros propiciados pelaspolíticas ortodoxas do Banco Central.Perspectivas? Minha hipótese otimistanão é muito otimista. O presidente que,em suas reações, não se mostrou à altu-ra da crise conseguirá levar o governoaté o final do mandato e transmitir ocargo ao sucessor, seja ele quem for.

■ O que restará da esquerda após essacrise do PT, que, deixando de lado o exa-gero, parece o desalento que tomou contados admiradores de Stalin após a Prima-vera de Praga? Como vê o papel dos inte-lectuais nessa situação de crise: os inte-lectuais de esquerda sumiram do cenáriodo PT com corrupção. É o fim de um ci-clo de esquerdas no Brasil? O desmontedo PT: como ficará o cenário com o par-tido enfraquecido? — A esquerda irá se reconstituir de al-gum modo. O PT também, de algummodo, se refará. Ele se partiu em doisgrupos, o dos que quiseram fazer dopartido um instrumento de governo ecaíram na armadilha, não dos adver-

sários ou da elite, mas do próprio po-der, e outro que, em parte já fora dopartido, quer manter a pureza dos prin-cípios, ao custo de renunciar ao poder.O primeiro grupo, enfraquecido, po-derá recompor-se reconstruindo o par-tido sem a arrogância de antes, em ba-ses mais próximas do estilo dos outrospartidos. O segundo continuará repre-sentando a consciência cívica, sem alter-nativa de poder. O dano para a demo-cracia brasileira foi grande, sobretudopelo desencanto provocado pelo este-lionato eleitoral do PT no que se refereà moralidade pública, vendida comoproduto de campanha. A frustração dos53 milhões de eleitores entusiastas foigrande e poderá estender-se ao sistemarepresentativo como um todo. O papeldos intelectuais nessa conjuntura é, ameu ver, não se acovardar e enfrentaros fatos, por mais desconcertantes econstrangedores que sejam. Para algunsa tarefa poderá ser mais dolorosa e écompreensível que prefiram o silêncio.Mas se alguém tem obrigação profis-sional de falar, sobretudo em momen-tos de crise, são os intelectuais. Muitosdeles são pagos pelos cofres públicospara isso.

■ Lula vem falando muito em Vargas,em elites etc. Essa retomada de um es-pírito nacionalista, desenvolvimentista,clientelista, é bom ou necessário? Queoutro modelo seria melhor ao Brasil?— Há várias coisas envolvidas aí. Co-meçaria substituindo clientelista porpopulista, para dar mais coerência à lis-ta de adjetivos. Lula quer recuperar oVargas do segundo governo, o Vargas

que interpelava o povo, que dizia defen-der os interesses do povo contra os inte-resses das elites, brasileiras e estrangeiras.É uma recuperação arriscada porqueVargas, com a tática da confrontação,cavou sua própria ruína política e, namedida em que levada à frente, a com-paração poderá dar de cara com o marde lama que jorrou de dentro do Palá-cio do Catete. É também uma recupe-ração infeliz, pois retoma uma posturapopulista contra a qual o PT se insurgiudesde o início. Equivale a uma renúnciaa outro marco do PT, é outro passoatrás. A tentativa só se justifica pela per-sistência no país das amplas camadaspopulares mencionadas acima, aindaprisioneiras do reino da necessidade.

■ A corrupção pode provocar rupturasreais? Pode ser benéfica ao ser reveladaem sua extensão? Qual é a relação entrecorrupção e desigualdade?— Não creio que corrupção provoqueruptura. A ser assim o Brasil seria umpaís de rupturas, quando é um país decontinuidades, um país sem revolução.De positivo, o que crises como a atual,gerada pela revelação de um esquemaamplo e elaborado de práticas ilegais,podem fazer é provocar reações que le-vem ao amadurecimento cívico da so-ciedade e ao aperfeiçoamento institu-cional de mecanismos de controle e deredução da impunidade. Assim comonunca acreditei na eleição de Lula co-mo possibilidade de recriação do país,também não vejo a crise atual como ca-tástrofe, como o fim do mundo. O mun-do continuará, o Brasil continuará, tal-vez mais sábio e mais maduro. •

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‘O papel dos intelectuais nessaconjuntura é não se acovardar eenfrentar os fatos, por mais desconcertantes que eles possam ser

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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ESTRATÉGIAS MUNDO

Universos paralelosinvestimentos de fora. Des-de 1999 Yeo é o responsávelpela Agência para Ciência,Tecnologia e Pesquisa, prin-cipal organização de fo-mento do país. Nos últimosanos, a agência investiu US$300 milhões construindo aBiópolis, complexo futuris-ta que abriga institutos es-pecializados em genômica,bioinformática e bioenge-nharia. O complexo faz par-te de um multibilionárioinvestimento em biomedi-cina. Yeo é famoso pela pa-ciência que emprega paracontratar nomes das me-lhores universidades domundo. “É um homem de

tanta energia que poderiailuminar uma pequena ci-dade”, diz o biólogo alemãoAxel Ullrich, recrutado doInstituto Max Planck deBioquímica. “Ele tem umapersonalidade magnética”,diz David Lane, novo chefedo Instituto de Biologia Ce-lular e Molecular de Biópo-lis, recrutado na Escócia. Oêxito de Cingapura residena estratégia de oferecer ge-nerosos contratos de traba-lho de cinco anos e dar li-berdade de trabalho. “Nãodigo aos cientistas o que elesdevem fazer. Ninguém me-lhor do que eles para deci-dir”, afirma. Já os esforços

da Malásia, mais calcados naconstrução de laboratóriosdo que no investimento emrecursos humanos, rende-ram recompensas escassas.O país fracassou na tentati-va de criar um pólo de pes-quisa biotecnológica pertode Kuala Lumpur e, emboratenha fundado novas univer-sidades, não conseguiu tor-ná-las competitivas. Em par-te o problema é atribuído àspolíticas que favorecem umgrupo majoritário da popu-lação, os malaios. Esse favo-recimento, dizem os críticos,tornou o ambiente acadêmi-co do país pouco meritocrá-tico. (Nature, 11 de agosto) •

Quando Cingapura e Malá-sia separaram-se politica-mente, em 1965, um fossologo se abriu entre os indi-cadores científicos dos doispaíses. Esse fosso nunca pa-rou de crescer. Nas últimasduas décadas, Cingapuraestabeleceu-se como im-portante centro regional debiomedicina, com destaquepara a genômica e a pesqui-sa do câncer. Mais recente-mente, sob o hábil coman-do de Philip Yeo, um mistode engenheiro e superexe-cutivo, o país criou um dosmais dinâmicos ambientespara pesquisa do mundo,capaz de atrair cientistas e

Cingapura: dinheiro e liberdade para os pesquisadores fazem a diferença

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■ Esforço parareduzir a desnutrição

É necessário um investimentode US$ 15 bilhões em pesqui-sa agrícola na África para queo combate à desnutrição seja

bem-sucedido nos próximos20 anos, diz um estudo do In-ternational Food Policy Rese-arch Institute (IFPRI). O ins-tituto baseado nos EstadosUnidos recomendou uma sé-rie de políticas para melhorara segurança alimentar nocontinente. É preciso atacarsimultaneamente várias fren-tes de pesquisa, apostando nomelhoramento das culturasconvencionais e em biotecno-logia. Como alguns países re-lutam em plantar transgêni-cos, valeria a pena investir,por exemplo, no uso de técni-cas moleculares para aceleraro crescimento das plantas.Para calcular como o númerode crianças malnutridas podeevoluir até 2025, o IFPRI pro-jetou diferentes cenários. Nomais pessimista, com investi-mento em declínio, o númerode crianças afetadas subiriapara 55,1 milhões, em com-paração aos 32,7 milhões de1997. Num outro cenário, queprevê a manutenção das po-líticas atuais, o número decrianças desnutridas subiriapara 39,3 milhões. Num qua-dro mais otimista, a desnutri-ção poderia cair para 9,4 mi-lhões de crianças. Isso se osUS$ 15 bilhões em pesquisaestiverem disponíveis. (Sci-Dev.Net, 12 de agosto) •

■ As origens, segundo Harvard

Num momento em que o de-bate entre evolucionistas ecriacionistas ganha novoscontornos nos Estados Uni-dos, a Universidade Harvarddecidiu investir US$ 1 milhãonuma grande pesquisa em

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busca de respostas científicassobre as origens da vida.“Conseguiremos reduzir essetema a uma seqüência deeventos lógicos que podemter ocorrido sem intervençãodivina”, disse David Liu, pro-fessor de química de Har-vard. O porta-voz da univer-sidade, B.D. Colen, negou queo projeto seja uma respostaao fôlego político conquista-do por uma variante da teo-ria criacionista. Segundo aTeoria do Design Inteligente,a natureza é tão complexa quenão pode ser o resultado daseleção natural, como propõeo darwinismo, mas o trabalhode uma “força inteligente”. Opresidente norte-americanoGeorge W. Bush entrou na po-lêmica, ao dizer que concordaque o “design inteligente” sejaensinado nas escolas, para queos estudantes possam inteirar-se do debate. •Campo na Etiópia: África precisa de US$ 15 bilhões em pesquisa agrícola

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Adão e Eva, de Albrecht Dürer: criacionistas têm nova tese

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A Comissão Nacional de Pes-quisa Científica e Tecnológicado Chile (Conicyt) vai ampliarseu programa de subsídiospara empresas que contratampesquisadores. No ano passa-do, a parceria entre governo einiciativa privada atingiu 17empresas das áreas de biotec-nologia e de computação. Osucesso da iniciativa levou acomissão a expandir o subsí-dio para outros setores, comoa criação de salmão e a indús-tria florestal. O Conicyt agoraestá oferecendo ajuda a ou-tras 25 companhias, que se-rão selecionadas em setem-bro. Cada empresa recebeajuda por até três anos e éobrigada a contratar pelomenos um pesquisador. Du-rante o primeiro ano o gover-no banca 80% do salário dopesquisador. A participação éreduzida para 50% no segun-do ano e para 30% no tercei-ro. Podem concorrer pesqui-sadores que concluíram odoutoramento nos últimoscinco anos. Rodrigo Vidal,biólogo da Universidade deSantiago, é um dos 17 pesqui-sadores que participaram dainiciativa em 2004. Desde fe-

ESTRATÉGIAS MUNDO

vereiro, trabalha na compa-nhia biotecnológica Diagno-tec. “Para mim, é mais fácildesenvolver um produto tec-nológico com a retaguarda deuma empresa”, afirma. (Sci-Dev.Net, 19 de agosto) •

■ Para conter afuga de cérebros

Os salários de 10 mil pesqui-sadores e técnicos que traba-lham em instituições do go-verno argentino receberamum aumento de 23%, numesforço para reduzir a fuga decérebros que afeta mais osportenhos do que qualqueroutro país latino-americano.“Estamos criando condiçõespara impedir que nossos me-lhores profissionais deixem opaís”, disse Daniel Filmus, se-cretário de Educação, Ciênciae Tecnologia do governo. Osalário de um cientista sêniorvai subir de 3.649 pesos men-sais (US$ 1.263) para 4.497pesos (US$ 1.559). “A inicia-tiva faz crer que será possívelvoltar a fazer pesquisa naArgentina”, diz o pesquisadorOsvaldo Podhajcer. (SciDev.-Net, 19 de agosto) •

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

http://www.microbeworld.org/O site da Sociedade Americana de Microbiologiapõe no ar um programa de rádio diário de 90 segundoscom as novidades desse campo do conhecimento.

http://www.cea.inpe.br/webdge/elat/A novidade no site do Elat, Grupo de EletricidadeAtmosférica do INPE, é um mapa dos raios que caíramno Brasil nos últimos 60 minutos.

http://www.ivdn.ufrj.brO site do Instituto Virtual de Doenças Neurovegetativasreúne referências de pesquisadores na área, de trabalhos científicos e de grupos de apoio.

Cada empresa, um pesquisador

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Ciência na web

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IL Aposta na nanotecnologia

■ Professoremérito

O médico e pesquisador Er-ney Plessmann Camargo, de70 anos, recebeu no dia 22 deagosto o título de professoremérito do Instituto de Ciên-cias Biomédicas da Universi-dade de São Paulo. Atual pre-sidente do Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científi-co e Tecnológico (CNPq), Er-ney tem forte atuação na áreade biologia molecular de pa-rasitas e epidemiologia damalária.“Entendo que o títulode professor emérito reflete aapreciação que uma institui-ção tem sobre o desempenhoacadêmico de um docente/pesquisador ao longo de suacarreira”, disse Erney. “Alémdisso, o título reflete sobretu-do a generosidade de meuscolegas”,afirmou.Seu primeirotrabalho independente, publi-cado em 1964 sobre o cresci-mento e diferenciação do Try-panosoma cruzi, ainda hoje ébastante citado na literaturacientífica internacional. For-mado em 1959 na Faculdadede Medicina da Universidadede São Paulo (USP), incorpo-

cional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológi-co (CNPq). O anúncio foifeito pelo presidente LuizInácio Lula da Silva em visi-ta ao Laboratório Nacionalde Luz Síncrotron (LNLS),em Campinas. O laborató-rio receberá R$ 12 milhõesdo total e vai abrigar partedos projetos. Também par-ticipam o Centro Brasileiro

Erney: biologia de parasitas eepidemiologiada malária

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de Pesquisas Físicas, o Cen-tro de Pesquisas Renato Ar-cher, o Instituto Nacionalde Pesquisas Espaciais, oLaboratório Nacional deComputação Científica, 70universidades e dezenas deempresas. O programa foicriado em 2003 com dota-ção mais modesta. Previainvestimentos de R$ 70 mi-lhões em quatro anos •

O governo federal anun-ciou a destinação de R$ 71milhões ainda em 2005 pa-ra o Programa Nacional deNanotecnologia. Os recur-sos serão aplicados em pro-jetos, na implantação de la-boratórios e na criação deredes de pesquisa nos mol-des das quatro que já estãoem funcionamento, sob ocomando do Conselho Na-

Preto. Em 1985 retornou àUSP como professor titulardo Departamento de Parasi-tologia do Instituto de Ciên-cias Biomédicas, onde perma-neceu até a aposentadoria, emabril deste ano. Erney Camar-go foi também presidente daSociedade Brasileira de Pro-tozoologia e é membro dasSociedades Brasileiras de Bio-química e Parasitologia, daLinnean Society of Londone da Academia Brasileira deCiências. Antes de ser con-vidado a presidir o CNPq,em 2003, ele era diretor doInstituto Butantan, em SãoPaulo. •

rou-se, dois anos mais tarde,ao quadro docente da insti-tuição. Em 1964 foi demitidopor razões políticas e emigroupara os Estados Unidos, onde

permaneceu por cinco anos,retornando em seguida aoBrasil, quando apresentou suatese de doutorado à Faculda-de de Medicina de Ribeirão

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■ Projetosinterdisciplinares

O Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico eTecnológico (CNPq) e Agên-cia Nacional de Vigilância Sa-nitária (Anvisa) lançaram umedital de R$ 500 mil para se-leção de projetos de pesquisainterdisciplinares. As propos-tas devem envolver estudossobre ações capazes de redu-zir a contaminação microbio-lógica e química de alimentose promover a informação aoconsumidor sobre rotulagemnutricional. O edital está dis-ponível no site www.cnpq.br.As inscrições podem ser en-caminhadas até o dia 30 desetembro. •

■ Brasil e Cuba se entendem

O programa de cooperaçãoentre universidades brasi-leiras e cubanas começou adeslanchar. Organizada pelaCoordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de NívelSuperior (Capes), órgão vin-culado ao Ministério da Edu-cação, a iniciativa encerrou

diárias e outros gastos dospesquisadores. As propostasobrigatoriamente são vincu-ladas a um programa de pós-graduação brasileiro avalia-do pela Capes com conceitosentre 5 e 7. •

as inscrições no final de ju-lho com a apresentação de29 propostas. Em 2004, ape-nas quatro grupos chegarama se candidatar. Os selecio-nados serão conhecidos emnovembro. A parceria entre a

Capes e o Ministério da Edu-cação Superior (MES), deCuba, financia projetos dedois anos de duração, compagamento de bolsas de es-tudo e missões de trabalho,incluindo passagens aéreas,

Transparência premiada

Foi uma rara ocasião emque o crescente avanço dasqueimadas na Amazôniavinculou-se a uma boa no-tícia para a tecnologia bra-sileira. O trabalho de mo-nitoramento de queimadase incêndios florestais pormeio de imagens de satéli-tes, promovido pelo Insti-tuto Nacional de PesquisasEspaciais (Inpe) e pelo Ins-tituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Iba-ma) foi incluído em agostoentre os Global 100 Eco-Tech Awards, num evento

organizado pela Associa-ção Japonesa para a Expo2005, em Nagoya, Japão. Oprograma venceu na cate-goria Tecnologias para no-vos desenvolvimentos emuma sociedade sustentá-vel. Além de acompanharas queimadas, o trabalhofaz estimativas de risco dequeima da vegetação e dotransporte de fumaça. Ma-pas diários de previsão deperigo de fogo são geradospelos modelos de previsãonumérica de tempo. Mo-delos numéricos calculamas trajetórias das emissões

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das queimadas e permitemantever as regiões onde apoluição será intensa. Oitovezes por dia as unidadesde conservação federaisrecebem informação sobreos focos de calor e poten-ciais incêndios florestais.“É o reconhecimento deque o Brasil está utilizan-do tecnologia de ponta,que permite o monitora-mento do desmatamentopelo governo, comunida-de científica e organiza-ções ambientais”, disse opresidente do Ibama, Mar-cus Barros. •

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■ Acesso sementraves

O seminário de Consórciosde Bibliotecas Ítalo-Ibero-La-tino-Americanas (SCBIILA),realizado na sede da FAPESPem meados de agosto, reuniurepresentantes da Argentina,Chile, Colômbia, Venezuela,México, Espanha e Portugal.Um dos desafios levantadosno encontro foi a necessidadede democratizar o acesso àsinformações científicas dosacervos on-line. Segundo osparticipantes, trata-se de umproblema que aparece, emgraus variáveis, em diversospaíses. “As instituições envol-vidas em consórcios de bi-bliotecas precisam ter comoobjetivo final a adoção demetodologias eficazes queconsigam levar o conheci-mento produzido pela eliteintelectual ao domínio dogrande público”, disse Âmbarde Barros, representante daOrganização das Nações Uni-das para a Educação, Ciênciae Cultura (Unesco). RosalyKrzyzanowski, coordenadorada Biblioteca Virtual do Cen-tro de Documentação e In-formação da FAPESP (BV-CDi), acredita que não bastaapenas garantir o acesso àsinformações. Também é pre-ciso torná-lo mais dinâmico.Ela destacou a importânciados repositórios de acesso li-vre, que permitem aos pes-quisadores divulgar seus tra-balhos ao grande público deforma gratuita. •

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Getúlio por inteiro na internet

Os arquivos pessoais do ex-presidente Getúlio Vargas(1883-1954) foram digita-lizados e estão disponíveispara consulta pela internetno portal do Centro de Pes-quisa e Documentação deHistória Contemporânea doBrasil, da Fundação Getú-lio Vargas (CPDOC/FGV).Os documentos foram doa-dos pela família Vargas aoCPDOC e há tempos vêmabastecendo a pesquisa his-toriográfica sobre o ex-

presidente. Uma pequenaparte estava disponível noportal, criado há quatroanos. Em 2004, na celebra-ção dos 50 anos da mortedo ex-presidente, surgiu aidéia de digitalizar o acer-vo. São 55 mil páginas dedocumentos, entre os quaisos 13 cadernos que com-põem os diários do presi-dente entre 1930 e 1942,discursos de campanha,além de 60 mil fotografias.“Os documentos de Vargas

ainda hoje são os maisprocurados em nossos ar-quivos”, diz Suely Braga,coordenadora do setor dedocumentação do CPDOC,que mantém acervos dedezenas de personalidadeshistóricas, entre elas ospresidentes Juscelino Ku-bitschek, João Goulart eErnesto Geisel. Os interes-sados em fazer pesquisasdevem primeiro obter umsoftware disponível no por-tal www.cpdoc.fgv.br. •

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Getúlio na campanhapresidencial de 1950, que o levaria de voltaao poder

■ Na fronteirado terawatt

O Instituto de Pesquisas Ener-géticas e Nucleares (Ipen)inaugurou um laboratório deraios laser único no hemisfé-rio Sul, capaz de obter potên-cia de 1 trilhão de watts, o te-rawatt. O Laboratório deLasers Compactos de Altíssi-ma Potência abre espaço pa-ra novas pesquisas com apli-cações práticas nas áreas dasaúde, meio ambiente e na-notecnologia. “Uma das pro-messas é na área de abrasão

de tecidos biológicos, como odente”, diz Nilson Dias VieiraJúnior, gerente do Centro deLasers e Aplicações (CLA) doIpen. O laser na potência te-rawatt também pode conse-guir identificar, entre outrascoisas, a constituição de po-luentes atmosféricos presen-tes seja a 1, 2 ou 10 quilôme-tros de altura. A Financiadorade Estudos e Projetos (Finep)destinou R$ 1,25 milhão aolaboratório. E mais R$ 1 mi-lhão foi investido pela FA-PESP, por meio de um proje-to temático. •Laboratório do Ipen: laser

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ete pesquisadores brasileirosparticiparam, entre os dias 18 e19 de julho, em Redmond, noEstado norte-americano de Wa-shington, de um grande fórumacadêmico promovido pela Mi-crosoft, o maior fabricante desoftwares do planeta. O Micro-soft Research Faculty Summitreuniu estudiosos de várias par-tes do mundo para discutir o

futuro da computação, conhecer as linhas de pesqui-sa desenvolvidas pela empresa, assistir a palestras emesas-redondas com autoridades mundiais em di-versos campos da informática e tomar contato como trabalho de colegas de outros países. “Fiz pelo me-nos três contatos com professores interessados emreceber alunos de pós-graduação meus”, diz ClaudiaBauzer Medeiros, professora do Instituto de Computa-ção da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)e presidente da Sociedade Brasileira de Computação.“Num evento paralelo participei de um encontro com30 dos principais pesquisadores em bancos de dadosdo mundo, onde cada um pôde relatar o que anda fa-zendo. Foi uma oportunidade rara”, afirma Claudia.

O diretor científico da FAPESP, Carlos Henriquede Brito Cruz, fez uma apresentação sobre o Brasilnum painel oficial no Summit e participou de umamesa-redonda de cooperação entre a América Latina

INFORMÁTICA

Microsoft amplia cooperação com pesquisadores brasileiros e já se fala até na criação de um grande laboratório no país

FABRÍCIO MARQUES

SLaços estreitos

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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e a Índia. Max Costa, da Unicamp, Ju-nior Barrera, Flávio Soares Correa daSilva e Carlos Morimoto, ambos da USP,e Roberto Ierusalimschy, da PUC doRio, também estiveram em Redmond.

Embora o objetivo primordial daMicrosoft seja criar e vender produtos– e, para isso, ela investe US$ 5,2 bilhõesem pesquisa e desenvolvimento a cadaano –, a empresa tradicionalmentemantém colaborações com universida-des mesmo em temas que não prome-tem inovações num curto prazo. Rezauma das máximas da companhia que,se 90% de determinada linha de pes-quisa é incorporada a um produto, éporque a empresa parou de pensar nofuturo. O ideal é investir também empesquisa pura, que tem potencial paramanter a empresa oxigenada e ajudá-laa permanecer na vanguarda do merca-do. É por isso que ela patrocina eventoscomo o Faculty Summit, onde trata aacademia como aliada estratégica. Tam-bém é por isso que criou o MicrosoftResearch, seu braço de pesquisas, quemantém um orçamento independenteda área de desenvolvimento de produ-tos e cooperação com estudiosos de vá-

rias instituições. Ao investir em pesqui-sa científica em mais de 55 áreas da in-formática, a Microsoft é hoje um raroexemplo de empresa que promove pes-quisa básica, espaço que no passadopertenceu à IBM e aos laboratóriosBell. Emprega mais de 700 pessoas emseis grandes laboratórios: três nos Esta-dos Unidos e os outros três no ReinoUnido, na China e na Índia.

Resposta diplomática - Num evento doSummit que reuniu pesquisadores daAmérica Latina, a pesquisa brasileiraem computação teve destaque. A pro-dutividade dos programas de pós-gra-duação do país nessa área, que no anopassado formaram cem doutores e milmestres, foi elogiada numa mesa-redon-da que reuniu professores de outrospaíses. Ricardo Baeza Yates, diretor doCentro de Pesquisa da Web da Univer-sidade do Chile, admitiu que a pesqui-sa no Chile tem outra escala: para com-petir com um programa brasileiro deprimeira linha, precisaria unir-se a ou-tro importante grupo de pesquisa deseu país. Coube a Max Costa, professorda Faculdade de Engenharia Elétrica e

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de Computação da Unicamp, fazer umapergunta que já passara pela cabeça demuitos brasileiros. Por que a Microsoftnão abre na América Latina um centrode pesquisas nos moldes dos que criourecentemente na China e na Índia?

O diretor da Microsoft Research emRedmond, o brasileiro Henrique Mal-var, a quem a pergunta foi endereçada,deu uma resposta diplomática. Disseque a instalação de um laboratório des-se tipo seria conseqüência natural dopeso que a pesquisa da América Latinaacumula, mas ressalvou que não há pla-nos concretos nesse sentido. Malvar res-salta que o Brasil teria credenciais parasediar esse laboratório. “Não acreditoque haja nenhum requerimento adicio-nal. A comunidade acadêmica brasilei-ra é muito boa, especialmente em esco-las de topo como a Universidade de SãoPaulo (USP) e a Universidade Estadualde Campinas (Unicamp). Há vários in-dicadores que comprovam isso, comolivros técnicos de nível internacionalcujos autores são brasileiros, qualidadedos artigos publicados etc.”, afirmaMalvar, que completa: “À medida que oecossistema de tecnologia de informa-

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ção, com o envolvimento da Microsoft,empresas brasileiras e a comunidadeacadêmica, continuar a crescer, e natu-ralmente levar a um crescimento dosnegócios da Microsoft no Brasil, au-mentará a probabilidade de que um diapossamos abrir um laboratório no Bra-sil. Mas é bom ressaltar que não há pla-nos concretos”.

Henrique Malvar é um dos artífi-ces do estreitamento de laços entre a Mi-crosoft e a academia brasileira. Em maio,esteve no Brasil participando do primei-ro Congresso de Pesquisa Acadêmica naAmérica Latina do Microsoft Research,que reuniu dezenas de pesquisadores nacidade de Embu, na Região Metropolita-na de São Paulo. As colaborações andam

cada vez mais freqüentes. Junior Barre-ra, professor do Instituto de Matemáti-ca e Estatística da USP, foi convidado air ao Microsoft Research Faculty Sum-mit depois que um grupo da Microsofto visitou na USP e se interessou por seutrabalho na área de processamento digi-tal de imagens. Também foi estimuladoa apresentar um projeto no próximo edi-

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Ponta-de-lança na América LatinaO Google, líder mundial em tec-

nologia de sites de busca, comprou aempresa mineira Akwan InformationTechnologies, criada por um grupode professores do Departamento deCiência da Computação da Univer-sidade Federal de Minas Gerais(UFMG). Com a aquisição, a Akwantransforma-se no Centro de Pesquisae Desenvolvimento do Google naAmérica Latina, ponta-de-lança daempresa norte-americana no conti-nente. A Akwan foi criada em 2000,fornecia serviços para empresas e

portais da internet e era responsávelpelo site de busca todobr.com.br. “Asnegociações permitem que a empre-sa norte-americana incorpore todosos engenheiros e as tecnologias debusca desenvolvidas pela Akwan”,disse Nívio Ziviani, um dos funda-dores da empresa mineira. Os outrosdois criadores são Alberto Laender eBerthier Ribeiro Neto. Caberá a Ri-beiro Neto a direção executiva do cen-tro de pesquisa brasileiro. O Google,sediado no Vale do Silício, na Cali-fórnia, tem ampliado o número de

centros de pesquisa espalhados pelomundo. Além de Belo Horizonte, es-tabeleceu-se em Tóquio (Japão), Zu-rique (Suíça), Bangalore (Índia), No-va York e Mountain View (EstadosUnidos). Com a criação da filial bra-sileira, a expectativa é que sejam ge-rados novos empregos com as con-tratações de técnicos brasileiros. “Oscentros internacionais do Google têmuma meta de contratação que inclui200 pessoas. Creio que o centro depesquisa brasileiro não será muitodiferente”, disse Ziviani.

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tal de parcerias com a Microsoft. “Meutrabalho e o de pesquisadores da Micro-soft têm pontos em comum”, afirma Bar-rera. Em 2003, o professor Max Costa,da Unicamp, passou um período de trêsmeses no Centro de Pesquisas de Red-mond como pesquisador visitante e fi-cou impressionado. “Era possível assis-tir a três palestras por dia com expoentesda matemática ou da engenharia. Era atédifícil administrar a agenda”, lembra.

Há dois anos, a Microsoft celebrouconvênios com a Escola Politécnica daUSP e a Unicamp, que resultaram nacriação, em ambas as instituições, de la-boratórios com equipamentos doadospela empresa.“Eles vieram conhecer nos-so trabalho e nos ofereceram essa opor-tunidade”, diz Rodolfo Azevedo, profes-sor do Instituto de Computação daUnicamp e coordenador do laborató-rio, abastecido com mais de 13 máqui-nas, 1 servidor e 15 Tablet PC (compu-tador pessoal em forma de prancheta).“O laboratório serve de plataforma depesquisa na área de computação. E tam-bém é usado por estudantes de gradua-ção que vêm ter contato com novas tec-nologias”, afirma Azevedo.

Existem outras iniciativas, como osCentros de Tecnologia XML em cidadescomo São Paulo, Curitiba, Petrópolis,Recife, Fortaleza e Porto Alegre. Essesnúcleos buscam capacitar profissionaisde tecnologia para a realidade proporcio-nada pelo padrão aberto XML (eXten-sible Markup Language), que permite acomunicação entre diferentes computa-dores e aparelhos portáteis. “Há espa-ço para expandirmos o relacionamentocom a comunidade acadêmica no Bra-sil. A Microsoft deverá abrir mais cen-tros de tecnologia, que incluem bolsaspara estudantes”, diz Henrique Malvar.

Campeonato mundial - Em 2005 teveinício o primeiro programa de estágiosna Microsoft Research para alunos depós-graduação da América Latina. Dosquatro candidatos selecionados, doissão do Brasil. A participação brasileirana Imagine Cup, campeonato mundialde soluções para softwares promovidopela Microsoft e disputado por 17 milestudantes de graduação de 90 países, éoutro exemplo de cooperação. Além dehaverem participado com o maior nú-mero de equipes, venceram na catego-

ria Solução para Microsoft Office, comum grupo da Universidade Federal dePernambuco (UFPE).

Um recente protocolo de intençõesfirmado entre a Unicamp e o Massachu-setts Institute of Technology (MIT) temcerta inspiração do Microsoft Research.O protocolo busca aprofundar colabo-rações entre as duas instituições para ouso de tecnologias em educação. O acor-do foi assinado por Phillip Long, coor-denador dos i-Labs do MIT – projetoque inspirou a idéia dos WebLabs (la-boratórios interligados pela web) do pro-jeto KyaTera, que conecta dezenas deinstituições de pesquisa do Estado deSão Paulo por meio de fibras ópticas. Asplataformas e os softwares que abaste-cem o MIT foram criados pelos pesqui-sadores do Microsoft Research. O Kya-Tera faz parte do programa Tidia(Tecnologia da Informação no Desen-volvimento da Internet Avançada) daFAPESP. “Ainda não há uma parceria,mas as ferramentas desenvolvidas pelaMicrosoft para o MIT poderão nosajudar nas pesquisas do Tidia”, dizHugo Fragnito, professor da Unicamp ecoordenador do projeto KyaTera. •

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28 ■ SETEMBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 115

ão Paulo,MinasGerais,Rio de Ja-neiro e EspíritoSanto vão elabo-rar um plano uni-ficado de inves-

timentos em ciência,tecnologia einovação (C,T&I) para a região.A idéiaé firmar acordos de cooperação entreas secretarias de Ciência e Tecnologiapara fomentar a pesquisa e o desenvol-vimento de novos produtos em áreasconsideradas estratégicas,como a debiotecnologia e de agronegócios.

A idéia de unificação da agendapara o desenvolvimento tecnológicocomeçou a ser arquitetada durante aConferência Sudeste de C,T&I realiza-da entre os dias 3 e 4 de agosto em BeloHorizonte,quando cerca de 400 repre-sentantes dos quatro estados elabora-ram propostas para a 3ª ConferênciaNacional de Ciência,Tecnologia e Ino-vação agendada para o mês de novem-bro,em Brasília.A idéia foi defendidapor Lourival Carmo Mônaco,secretá-rio executivo da Secretaria de Ciência,Tecnologia e Desenvolvimento Econô-mico de São Paulo,encampada pelos

INOVAÇÃO

Estados da Região Sudeste articulam agenda comum para o desenvolvimento

Ensaiode orquestra

secretários de Ciência e Tecnologia doRio de Janeiro,Minas Gerais e Esp íri-to Santo e apoiada pelo secretário exe-cutivo da 3ª Conferência Nacional,Carlos Aragão.A expectativa é que,at éoutubro,a proposta da Regi ão Sudesteesteja detalhada e chancelada pelos go-vernos estaduais.

Os quatro estados do Sudeste regis-tram,em conjunto,os maiores porcen-tuais de gastos em C&T entre as demaisregiões do país.Em 2002,por exemplo,os dispêndios dos governos estaduais –ainda que fortemente concentrados emSão Paulo – somaram R$ 937 milhões,sem contar o R$ 1,3 bilhão repassadopor meio dos diversos programas doMinistério da Ciência e Tecnologia(MCT).A regi ão reúne mais da metadedos grupos de pesquisa em atuação nopaís e é responsável por 65% dos pedi-dos de patentes depositados no InstitutoNacional de Propriedade Industrial(INPI) entre 2000 e 2002.

Agenda para o desenvolvimento - A 3ªConferência Nacional de C,T&I tem co-mo tema central o desenvolvimento dopaís subdividido em cinco grandes áreas:

geração de riqueza,inclus ão social, áreasde interesse nacional,presen ça interna-cional e gestão e regulamentação do co-nhecimento.Esse tem ário pautou osdebates dos encontros regionais.

Em Belo Horizonte,as estrat égiaspara o desenvolvimento tecnológico ti-veram lugar de destaque.Houve con-senso de que a Lei de Inovação, quandoregulamentada, deverá contribuir paraa criação de um ambiente cooperativoentre as universidades,os institutos depesquisa e as empresas – preservadas asvocações distintas – e resultar no de-senvolvimento de novos produtos.En-tre os participantes do encontro tam-bém eram positivas as expectativas emrelação aos incentivos previstos na Me-dida Provisória nº 252,conhecida co-mo MP do Bem,que desonerou,pormeio de subvenção,a contrata ção depesquisadores por empresa e que entraem vigor no próximo ano.

O baixo nível de investimentos dasempresas em pesquisa e desenvolvimen-to (P&D),no entanto,poder á restringiro impacto da Lei de Inovação e da MPdo Bem a alguns setores da atividadeeconômica.“É mais fácil a universidade

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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CLAUDIA IZIQUE

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ajudar a empresa que já desenvolveP&D do que aquela que não o faz”, afir-mou Carlos Henrique de Brito Cruz,diretor científico da FAPESP.

Avaliado dessa perspectiva,o agro-negócio deverá ser um dos maiores be-neficiários da Lei de Inovação, consta-tou Alberto Portugal,ex-presidente daEmpresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa). Nessa área, o Bra-sil tem liderança internacional,mas,para manter a posição de destaque,ter áque consolidar a P&D. “O desafio se-rá enorme”,lembrou Evaldo Vilela,reitor da Universidade Federal de Viço-sa (UFV). “Hoje temos a melhor tecno-logia de agricultura tropical,mas no fu-turo teremos uma brutal competiçãono mercado mundial de fibras,alimen-tos e madeiras,isso sem falar nas pers-pectivas de barreiras crescentes para osprodutores.”

O sucesso de qualquer parceria en-tre as universidades e o setor privadoexigirá que as escolas reavaliem o cur-rículo e incentivem o empreendedoris-mo. “Formamos doutores para seremprofessores, não formamos pesquisa-dores com a visão de tecnologia e,so-

bretudo, não protegemos o nosso co-nhecimento.Precisamos de uma mu-dança radical”,diagnosticou Jos é AranaVarela, pró-reitor de pesquisa da Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp).

Ainda no âmbito acadêmico, foiapontada a necessidade de uma maiorintegração entre as universidades e asescolas técnicas,a redefini ção do traba-lho do tecnólogo,cujo papel é conside-rado primordial na produção e difusãode tecnologias,e a libera ção de verbasespecíficas para o aparelhamento de la-boratórios para aprimorar a formaçãode profissionais nas áreas tecnológicas.

Institutos de pesquisa - No encontro deBelo Horizonte,foi sugerida tamb ém a“rediscussão e reavaliação” do papel dosinstitutos de pesquisas tecnológicas. Oobjetivo é buscar novas formas de fi-nanciamento para modernizar a infra-estrutura,criar alternativas para a “re-posição” dos recursos humanos e alocarverbas para a cooperação internacio-nal. “Precisamos,ainda,de apoio jur í-dico para negociar contratos e de avalia-ção econômica e tecnologias”, afirmouSergio Almeida Cunha Filgueiras,di-

retor do Centro de Desenvolvimento deTecnologia Nuclear (CDTN),institutovinculado ao MCT.

Para as universidades e institutosde pesquisa,a aproxima ção com o se-tor privado colocará novos temas paraa pesquisa e,para as empresas,ajuda-rá na inovação. “Mas,para a inova çãocrescer,ainda falta estimular a parceriacom investidores,a associa ção comempreendedores e o apoio do Estado”,lembrou Brito Cruz.

Evando Mirra,presidente do Cen-tro de Gestão de Estudos Estratégicos(CGEE), anunciou que o MCT preparao lançamento do portal Inovação parafacilitar a relação entre universidades eempresas.O portal vai operar com omesmo modelo da Plataforma Lattes –um sistema de informações,bases de da-dos e portais web voltados para a gestãode Ciência e Tecnologia (C&T) – e terácomo objetivo ampliar a adesão de maisempresas ao processo de inovação.“Dos4 milhões de pequenas e médias em-presas no país, só 5 mil têm esforço ino-vador”,contabilizou Mirra. •

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■ Um cérebrona barriga

Um cérebro no alto da medu-la espinhal e outro, o sistemanervoso entérico, escondidoentre as vísceras. Por que não?Segundo Michael Gershon,coordenador do departamen-to de anatomia da Universi-dade de Columbia, EstadosUnidos, a conexão entre osdois é bastante clara (New YorkTimes, 23 de agosto). Quem jásentiu um frio na barriga an-tes de falar em público ou ointestino solto antes de umaprova difícil concordará comele. Sinais de ansiedade, de-pressão, úlceras e mal de Par-kinson surgem tanto na mentequanto no intestino. Medica-mentos para um dos cérebrospodem atingir o outro: anti-depressivos, por exemplo, cau-sam problemas gástricos emum quarto das pessoas trata-das. O também chamado pe-queno cérebro também se va-le, como o grande, de uma redeprópria de circuitos neurais,neurotransmissores e proteí-nas para cumprir seu papel:administrar a digestão, do esô-fago até o intestino. •

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Em junho e julho, auge doverão europeu, quem bus-cou o sol nas praias do Me-diterrâneo teve de se preo-cupar em evitar as medusas.Levadas pelas correntes ma-rinhas, chegam ao litoral ecausam problemas: em dezdias, em Costa Brava, no li-toral da Espanha, houve 11mil banhistas com queima-duras, que causam ardên-cia, enjôos e febre. Medusascomo a Pelagia noctilucaproliferam em razão do au-mento da temperatura daságuas ou da escassez depredadores como peixes etartarugas. “Há explosões

populacionais de medusastambém no litoral do Bra-sil, com a agravante de quealgumas espécies daqui sãomais perigosas”, comenta obiólogo Antonio Marques,da Universidade de SãoPaulo (USP), que teste-munhou a aflição dos mo-radores da Catalunha como ataque desses inverte-brados de corpo gelatino-so. Segundo ele, a hipóte-se de que a pesca excessivacause um aumento da po-pulação de medusas deveservir como alerta. “Em-presas pesqueiras de ou-tros países gostariam de

atuar em nossas águas,alegando que o Brasil pescapouco, mas uma expansãosem planejamento poderiater altos custos ambientais,ainda que traga algumasdivisas imediatas.” Entre-vistada pelo El Periódicode Catalunya, a bióloga Sa-rah Frías-Torres apontaduas saídas. A primeira éreduzir a pesca e adotaroutras formas de exploraros recursos marinhos. A se-gunda: “Começar a comersopa de medusas”, graceja.São um tanto insípidas,mas tostadas passam co-mo um bom petisco. •

Elas também vão à praia

Uma medusa do gênero Pelagia: perigo flutuanteno Mediterrâneo

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nefrina, e aumenta a de oxi-tocina, o hormônio associadoao amor maternal, concluiu apsiquiatra Karen Grewen, daUniversidade de Carolina doNorte, Estados Unidos. Parti-ciparam desse estudo 28 ca-sais, dos quais foram medi-

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dos a pressão sangüínea e osníveis de oxitocina e cortisolantes e depois de conversa-rem sobre momentos felizesque viveram juntos, de assis-tirem a cinco minutos de umfilme romântico e de se abra-çarem por 20 segundos. Es-ses achados, publicados naPsychosomatic Medicine, aju-dam a explicar por que aspessoas casadas geralmentetêm uma vida mais saudávelque as solteiras. Outros estu-dos já haviam sugerido queo divórcio, a perda dos paisou do parceiro e o isolamen-

to social prejudicam a saú-de, mas só agora se consegueexplicar os efeitos benéficosdo casamento: o toque dis-para a produção de oxitoci-na, que acalma e alivia o es-tresse e, por sua vez, alimentao desejo de tocar e ser toca-do. Mas a qualidade do con-tato é crucial. Abraços comtapas fortes realizados sobholofotes, como os vistosentre os políticos de Brasília,não valem; para alimentar obem-estar, têm de expressarcarinho e apoio. •

■ Quanto maior, maior o risco de extinção

Atenção, grandalhões, nãoconfiem tanto na sorte. Bió-logos ingleses e norte-ameri-canos demonstraram em umestudo publicado na Science(19 de agosto) que o risco deextinção depende essencial-mente da massa corporal:quanto maior, maior a chan-ce de os herdeiros não veremmais a luz do sol. Uma equi-pe coordenada por MarcelCardillo, do Imperial CollegeLondon, examinou 4 mil es-pécies de mamíferos terres-tres, cuja massa corporal va-riava de 2 g de uma espécie demorcego até os 400 kg do ele-fante africano. O risco de ex-tinção mostrou-se maior en-tre os animais de maior porteporque a densidade popula-cional é menor – e a taxa decrescimento populacional caià medida que cresce a massacorporal. Esse trabalho ajudaa identificar as espécies maissuscetíveis ao declínio, po-dendo levar a planos de con-servação mais efetivos. Deacordo com o modelo pro-posto nesse estudo, a taxa derisco de extinção para umaespécie de 300 kg seria de 1,00,comparado com uma de 0,38para espécies de 300 g. •

■ Antidepressivo esuicídio de adultos

Adultos que tomavam anti-depressivos à base de paroxe-tina apresentaram um riscomaior de tentar suicídio doque aqueles que não toma-vam esse fármaco, atualmen-te indicado para cerca de 20milhões de pessoas no mundotodo. Com base nessa conclu-são, pesquisadores noruegue-ses sugerem que a recomen-dação de restringir o uso dessefármaco em crianças e adoles-centes inclua também adul-tos. Ivar Aursnes e sua equipeda Universidade de Oslo ana-lisaram os testes feitos comparoxetina e encontraramsete tentativas de suicídio nogrupo de 916 adultos que to-mavam esse antidepressivo euma entre os 550 que haviamtomado placebo. Em feve-reiro, David Grunnell, daUniversidade de Bristol,Inglaterra, havia alertadosobre o risco mais elevadode comportamento suicidaentre as pessoas que toma-vam antidepressivos inibido-res de recaptação de serotoni-na (SSRIs), o mesmo grupoda fluoxetina, do Prozac, massem avaliar especificamente aparoxetina. O grupo de Osloconfirmou: todos os antide-pressivos do tipo SSRI aumen-tam as tentativas de suicídioem adultos deprimidos. •

■ Os benefícios deum longo abraço

O segredo da longevidade eda boa saúde pode estar emalgo que vem naturalmente àsmães de todo o mundo, masque geralmente os filhos re-negam: um caloroso abraço.Ser acolhido entre os braçosde outra pessoa reduz a quan-tidade de dois hormônios doestresse, o cortisol e a norepi-

Esbelta, sim, mas com quase 1 tonelada: perigo de extinção nas alturas

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■ O preço da pressa

Um estudo do InternationalStress Management (Isma)com mil brasileiros economi-camente ativos revelou que30% sofriam da doença dapressa. Tinham sintomas físi-cos como hipertensão e pro-blemas vasculares ou com-portamentais, como o abusode álcool. Só 8% dos entrevis-tados tinham consciência deque deveriam reduzir o ritmode vida e 13% achavam quedeveriam ir mais devagar,mesmo sem saber como. “Nacultura da velocidade, quemdecide que precisa negociarhorários no trabalho para termais tempo livre esbarra emresistência”, diz Ana MariaRossi, presidente da Isma noBrasil. Ela espera que o movi-mento de desaceleração con-tamine as corporações. “Asempresas já notaram que amargem de erro de quem faztudo ao mesmo tempo émaior. Isso poderá valorizar otrabalho feito com calma.” •

Não reclame do vizinhoque liga o aspirador de póou toca bateria à noite.Pelo menos, não só dele. Oruído que vem de fora e in-comoda tanto deve-se prin-cipalmente à densidade domaterial e à espessura daparede, atestam as arquite-tas Elvira Medeiros da Sil-va e Elisabeth CavalcantiDuarte, da UniversidadeFederal de Santa Catarina(UFSC). Durante três anoselas estudaram as plantasde casas brasileiras cons-truídas desde o século 16para avaliar a capacidadeque elas tinham de filtrar obarulho da rua. A respostaestava nas paredes, que setornavam – e se tornam –cada vez mais estreitas eleves. Nesses 500 anos, deacordo com as duas arqui-tetas, houve duas fases dis-tintas na construção das

paredes das casas. Do sécu-lo 16 ao 19 eram bem maisespessas – com até 70 cen-tímetros de largura. Eramfeitas geralmente com tai-pa de pilão, pau-a-piqueou alvenaria de pedras,como em Parati, no Riode Janeiro. Já no Nordes-te havia quase exclusiva-mente casas com paredesfeitas de tijolos maciços.Com a expansão e o aden-samento das cidades, astécnicas de construção eos materiais foram sendosubstituídos. A maior partedas paredes atuais têm emtorno de 11 centímetrosde espessura e são feitas deblocos cerâmicos – os tijo-los furados. Em conse-qüência, perdeu-se a capa-cidade de isolar o som. Asparedes antigas retinhamcerca de 35 decibéis a maisque as de hoje, equivalente à

diferença entre o nível deruído de uma avenida comtrânsito intenso e o do somde duas pessoas conversan-do. Como as próprias cida-des se tornaram mais ba-rulhentas, gerou-se o queElvira chama de “incoerên-cia absoluta”. “Quando oruído externo não era umagressor, as residências ti-nham um ótimo desempe-nho acústico”, comenta ela.Paradoxalmente, chegamais barulho da rua, cau-sando irritação e às vezestirando o sono, mas nãohá uma legislação nacio-nal que regule o confortoacústico das residências.De acordo com esse estudodas arquitetas, nenhumaresidência brasileira cons-truída no século 20 atingeo padrão mínimo de con-forto acústico exigido pelasleis européias. •

Entre paredes mais estreitas

LABORATÓRIO BRASIL

Mauritsstad e Recife, de Frans Post, 1653: quando casas e ruas eram mais silenciosas

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Em extinção, sim, mas nem tanto

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■ A enzima dos cabelos brancos

Está um pouco mais clarocomo o corpo envelhece. Nãoé só porque as células se tor-nam incapazes de se multi-plicar, fazendo os cabelos em-branquecerem e a memóriase esvanecer. O geneticistabrasileiro Tomás Prolla, atual-mente na Universidade deWisconsin, Estados Unidos,descobriu que o acúmulo delesões no DNA faz as célulasacionarem o processo deapoptose ou morte progra-mada. Ele criou camundon-

Biólogos brasileiros estãocontestando o levanta-mento mundial sobre odeclínio e a extinção deanfíbios, realizado por es-pecialistas pela União In-ternacional de Conserva-ção da Natureza (IUCN)com a Conservation In-ternational. De acordocom esse estudo, publica-

do em outubro de 2004na Science, estariam noBrasil 110 das 1.856 espé-cies de sapos, pererecas erãs sob o risco de desapa-recer. Especialistas doMuseu Nacional do Rio deJaneiro, da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp)e da Pontifícia Universi-dade Católica (PUC) deMinas Gerais examina-ram a metodologia ado-tada e concluíram que noBrasil não haveria 110 es-pécies ameaçadas de anfí-bios, mas apenas 24. Umartigo com esses novosresultados saiu neste mêstambém na Science.“Con-sideramos os critérios daIUCN inadequados aosanfíbios brasileiros”, diz

Célio Haddad, da Unesp.“Isso não se deve aos cri-térios em si, mas a decor-rências de nossa ignorân-cia sobre a distribuiçãogeográfica e tamanhosdas populações de anfí-bios brasileiros.” Segundoele, o Global AmphibianAssessment (AvaliaçãoGlobal de Anfíbios ou

GAA) teria aplicado fria-mente os critérios daIUCN, sem levar em con-ta que a falta de dados ge-raria uma distorção nosresultados. “Além de con-siderar espécies deficien-tes em dados (DD) comoameaçadas, o GAA incluiuespécies amplamente dis-tribuídas e abundantescomo ameaçadas”, diz ele.Em alto risco de extinçãohaveria nove espécies deanfíbios brasileiros deacordo com uma lista dogoverno federal, seis deacordo com um levanta-mento feito por especia-listas e 20 segundo oGAA; como ameaçadoshaveria, respectivamen-te, 3, 6 e 38. •

Contrastes: tão diferentes, mas com a mesma idade

A Scinax trapicheiroi: abundante ou ameaçada?

gos com uma versão defei-tuosa da enzima polimerasegama, que repara as lesões noDNA das mitocôndrias, asusinas de força das células.Surgiram sinais de envelheci-mento (queda de pêlos, cur-vamento da coluna ou perdade audição) por volta dos 9meses de idade – e aos 14esses roedores já estavammortos. Imaginava-se queesses danos fossem causadospor moléculas chamadas ra-dicais livres, mas Prolla rela-tou algo diferente na Science.Quando lesadas, as mitocôn-drias liberam um sinal quí-mico que indica à célula que éhora de morrer. •

■ Muito acima do horizonte

Dois livros escritos por jor-nalistas demonstram que émesmo possível falar de ciên-cia em linguagem simples.Em Rumo ao infinito – Passa-do e futuro da aventura huma-na na conquista do espaço(Ed. Globo, 448 págs.), Salva-dor Nogueira relata os esfor-ços dos norte-americanos,principalmente, em chegarcada vez mais longe. Em Noreino dos astrônomos cegos –uma história da radioastrono-mia (Ed. Record, 336 págs.),Ulisses Capozzoli conta co-mo a radioastronomia se de-senvolveu no país. •

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PALEONTOLOGIA

Aves, répteis e mamíferos recém-descobertos ampliam a diversidade da fauna da América do Sul de milhões de anos atrás

Bichos antigosda

Terra Brasilis

CARLOS FIORAVANTI,DO RIO DE JANEIRO

CAPA

Feras de madeira: nesta e nas próximas páginas, obras dos artesãos do Centro de Cultura Popular do Mestre Noza, de Juazeiro do Norte, Ceará

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Page 35: Dinossauros e outros bichos do Brasil

ificilmente o acervo de es-pécies da fauna brasileira demilhões ou de milhares deanos atrás será maior que odos Estados Unidos. Não setrata apenas de uma conse-

qüência do orçamento para pesquisa – em nossocaso, 22 vezes menor. A principal razão, que podesoar um pouco estranha, é outra: o Brasil nãotem desertos, nos quais os fósseis se conservammuito mais facilmente do que sob as florestas quecobrem a maior parte das terras do país. Os pa-leontólogos brasileiros não têm muito onde ca-var, embora não percam a oportunidade de pôr ochapéu com a surrada roupa de trabalho de cam-po e de mais uma vez arriscar a sorte em algumponto da Bacia Bauru ou da Chapada do Araripe.

A Bacia Bauru, vasto campo de sedimentosque se espraia pelos estados de São Paulo, MinasGerais, Paraná, Goiás e Mato Grosso, abriga res-quícios de animais que viveram há 80 milhões deanos, no final do tempo dos dinossauros. O pro-blema é que nem sempre estão acessíveis. Regiõescomo o noroeste paulista, comprovadamente ri-

co em diversidade de espécies de milhões deanos atrás, quase não podem mais ser remexi-

das: estão tomadas por plantações de cana-de-açúcar. Uma das poucas outras alterna-tivas de regressar com algo valioso namochila é a Chapada do Araripe, um dosmais férteis territórios de fósseis de pei-

xes e répteis do país, que se estende pelosestados do Ceará, de Pernambuco e do Piauí.

Por ali, fósseis de 110 milhões de anos são co-muns a ponto de inspirarem até mesmo o ar-

tesanato local, resultando em peças comoas que ilustram estas páginas.

Já os paleontólogos argentinos nãoescondem mais o orgulho ao contaremque no país deles foram identificadascerca de mil espécies de fósseis de ver-tebrados, o equivalente a pelo menosquatro vezes o acervo brasileiro. O jú-bilo se deve, em parte, aos benefícios

do clima seco, que ajuda a preservaros restos de animais que antes ocupa-

vam o atual deserto da Patagônia. Mas háoutro motivo: “A paleontologia na Argen-

tina tem uma tradição de 150 anos”, explica azoóloga Zulma Gasparini, professora da Uni-

versidade de La Plata que trabalha nessa área háquase 35 anos. “Começou antes da física e da me-dicina e há 40 anos é considerada uma profissão.”

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Mesmo com essas desvantagens, apaleontologia nacional está viva. No IICongresso Latino-Americano de Pale-ontologia de Vertebrados, realizado nomês passado no Rio de Janeiro, foramapresentadas cerca de 30 novas espéciesde fósseis de animais da América do Sul– pelo menos metade do Brasil. Aindaque sujeitas à confirmação por meio dapublicação de artigos em revistas espe-cializadas, tais descobertas atestam amaturidade dessa área no país e acen-tuam a importância da América Latinacomo um centro de irradiação de novasespécies de animais. Por sinal, uma dasespécies mais antigas de dinossauros, oStaurikosaurus pricei, foi encontrada noRio Grande do Sul, onde viveu há 230milhões de anos, evidentemente semsuspeitar de que, do alto de seu 1,8 me-tro e dos modestos 30 quilogramas,milhões de anos mais tarde sairiamgrandalhões como o Tyrannossaurusrex, um dos símbolos da paleontologiano hemisfério Norte.

Sobre a mesma Terra - Embora imbatí-veis em popularidade, provavelmentepor atiçarem nossos medos atávicos demonstros, os dinossauros não viveramsozinhos sobre a Terra antiga. Foram, éverdade, os maiores, mais abundantes emais bem-sucedidos animais durantea maior parte do tempo em que vi-veram, entre 230 milhões e 65 mi-lhões de anos atrás. Mas haviaoutros répteis, aves e mamífe-ros, cujos fósseis, à medida quesaem das rochas, não só re-velam uma diversidade e umadistribuição geográfica além doimaginado, como também evi-denciam as transformações porque passou a paisagem brasileira.

Um milhão de anos atrás, nasterras então ocupadas apenas poruma vegetação rala entremeada por pe-quenos bosques, vagavam mamíferossemelhantes aos elefantes. Eram os mas-todontes, pelo menos três vezes maio-res que as antas, os maiores mamíferosterrestres brasileiros de hoje, com qua-se 2 metros de comprimento. Espalha-vam-se de norte a sul, mas não se sabiaque poderiam ter ocupado também oque seria o Estado de Rondônia, co-mo indica a descoberta de dois crâ-nios quase completos de mastodontes.Havia também outros mamíferos tão

grandes quanto os mastodontes – osPirotheria. Na região de Taubaté, entreas cidades de São Paulo e Rio, viveu oprimeiro Pirotheria brasileiro, com umfocinho mais comprido que o dos ele-fantes, ainda que as trombas sejam me-nores. O animal desenterrado por pau-listas e cariocas impressiona pelo jeitão,pelo tamanho e pela época em que vi-veu: cerca de 30 milhões de anos atrás.

Já nas pequenas cavernas do oeste doRio Grande do Norte vivia um réptil se-melhante ao atual jacaré-de-papo-ama-relo, numa indicação de que o clima erabastante diferente e provavelmente ha-via muito mais água nessa região hojetão seca. “Havia um mosaico de vege-tações diferentes no atual semi-áridobrasileiro”, atesta Gisele Lessa, pesqui-sadora da Universidade Federal de Vi-çosa (UFV), após estudar outro grupode animais: os morcegos. Com imensadificuldade, lidando com ossos extre-mamente frágeis de 1 ou 2 centímetrose dentes de 1,5 milímetro, os especialis-

tas identificaram 27 espécies de morce-gos de até 20 mil anos atrás, principal-mente na Bahia, Minas e Goiás.

A mais recente foi encontrada porPatrícia Hadler Rodrigues, doutorandada Universidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS), em um sítio arqueoló-gico a nordeste do Rio Grande do Sul. Éo primeiro exemplar de um morcego decerca de 30 centímetros de envergadura,o Eptesicus fuscus, que hoje vive em umvasto território, do sul do Canadá até aAmazônia, mas há mais ou menos 9 milanos viveu também nas terras do Sul – eninguém arrisca dizer por que as dei-xou. Também no Rio Grande do Sul foiencontrado pela primeira vez nesse es-tado o fóssil de um lagarto conhecidocomo teiú ou Tupinambis sp., o maiordo continente, com uma cauda de 60centímetros que toma metade da exten-são de seu corpo. Há 1,5 milhão de anosera pelo menos um palmo maior.

As dúvidas emergiram com a mes-ma generosidade que os achados. Ain-

Com as mãos no passado:a paleontologia reinterpretada pelo imaginário popular

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competição, é certo, semprefoi intensa, embora aindanão seja o bastante para ex-plicar por que algumas es-pécies deram certo e ou-tras não – ou por que

algumas só evoluíram depois que outrasse apagaram. “Os mamíferos ficaramobscurecidos pelos dinossauros, embo-ra os dois grupos tenham surgido apro-ximadamente na mesma época”, exem-plifica Lílian Bergqvist, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ), umadas descobridoras do primeiro Pirothe-ria brasileiro, ao lado de seu aluno Leo-nardo Avilla, de Herculano Alvarenga,do Museu de História Natural de Tau-baté, e de Ricardo Mendonça, da Uni-versidade de São Paulo (USP).

“Foi a extinção dos dinossauros queabriu caminho para a irradiação dosmamíferos”, diz Lílian. Antes escondi-

dos, pequenos e noturnos, os mamífe-ros então saíram das tocas e ganharama luz do dia. Não há muitas notícias des-sa época, mas Marcelo Tejedor, da Uni-versidade Nacional da Patagônia SanJuan Bosco, apresentou o dente molarde um pequeno marsupial herbívoroque deve ser o mamífero cenozóico maisantigo da América do Sul, com 65 mi-lhões de anos. É uma indicação de quenessa época houve uma intensa substi-tuição das espécies de animais.

“A América do Sul teve uma faunaprópria, já que muitos fósseis daqui nãosão encontrados nos Estados Unidosou no Canadá”, diz Marcelo Reguero,do Museo de La Plata, Argentina. Mas asorte não durou muito. Por meio do ist-mo do Panamá, que há 2,5 milhões deanos uniu as duas Américas, chegarammuitas espécies do norte, em um núme-ro provavelmente superior ao das espé-cies que saíram do sul. Resultado: a lutapor abrigo e alimento eliminou a maio-ria dos grandes mamíferos da América

da não se sabe ao certo comosurgiu a maioria dos grupos deanimais nem como alguns sesobrepunham a outros, às ve-zes bastante próximos. Entre57 milhões e 38 milhões deanos atrás, lagartos dogrupo das atuais iguanasocupavam sozinhos duasilhas Seichelles e Reunião, do sudesteda África, enquanto outro grupo, oslacertídeos, era exclusivo da quase vizi-nha Madagascar. Em tempos interca-lados, segundo Marc Auge, do MuseuNacional de História Natural da Fran-ça, esses dois grupos desaparecem, rea-parecem e tornam a desaparecer – umfenômeno conhecido como substitui-ção competitiva que provavelmentedeve ter ocorrido também deste ladodo Atlântico, já que a América do Sulestava unida à África, à Europa e àÍndia há cerca de 100 milhões de anos.Formavam então um só superconti-nente, o chamado Gondwana.

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do Sul. Um dos grupos que não ganhouum pingo de compaixão foram os no-toungulados, alguns deles semelhantesaos atuais hipopótamos, com um ossonasal curto e levantado para cima. Sur-giram há 65 milhões, mas 10 mil anosatrás não havia mais sinal de nenhumadas dezenas de espécies de no-toungulados já descritas. Pro-vavelmente esses animais vi-viam parte do tempo na águae parte na terra, como os hi-popótamos, de acordo com osestudos conduzidos por AnaMaria Ribeiro, da FundaçãoZoobotânica de Porto Alegre.

Durante os três dias dedebates realizados em umhotel em frente à praia deCopacabana, não faltaramempolgantes relatos de prováveis no-vas espécies de animais que viveram hámuitos milhões de anos, embora aindasujeitas à tradicional confirmação cien-tífica, por meio de artigos a serempublicados em revistas especializadas.Alvarenga, do Museu de História Na-tural de Taubaté, apresentou o quedevem ser os fósseis de duas ou trêsprováveis novas espécies de aves, estu-dadas em conjunto com William Nava,do Museu de Paleontologia de Marília.Encontradas há dois meses em Presi-dente Prudente, no oeste paulista, osossos – alguns menores que o diâmetrode uma moeda de 10 centavos – indi-

cam que essas aves do tamanho apro-ximado de um pardal teriam vividoentre 70 milhões e 80 milhões de anosatrás. Antes dessa descoberta, as espé-cies mais antigas, também descritaspor Alvarenga, tinham cerca de 50 mi-lhões de anos.

sses novos exemplaresrepresentam os enan-tiornites, um grupo-irmão das aves moder-nas. Dessas linhagensjá extintas, que prova-

velmente tinham um bico cheio de den-tes, algo estranhíssimo se comparadocom uma galinha, havia apenas regis-tros de penas na Chapada do Araripe.Enantiornites pequenos como os doBrasil viveram também na China, masno norte da Argentina eram pelo me-nos três vezes maiores, do tamanho deum gavião atual.

Em alguns momentos, a sucessão derelatos científicos parecia um torneio,ainda que elegante, para ver quem exi-bia o fóssil mais antigo, mais completoou mais surpreendente. Jorge Calvo eJuan Porfiri, da Universidade Nacionalde Conahue,Argentina, anunciaram um

dinossauro herbívoro de 35 metros decomprimento, que teria vivido entre125 milhões e 130 milhões de anosatrás e talvez seja o maior representan-te da família dos saurópodes já encon-trados no mundo. Mas um dos lancesmais altos – ou mais antigos – partiu deMax Langer, pesquisador da Universi-dade de São Paulo (USP) em RibeirãoPreto, com um dinossauro do grupodos ornitísquios, que viveu há cerca de230 milhões de anos. Seria, portanto,um dos mais primitivos da América doSul. Se confirmado, essa será a décimaterceira espécie de dinossauro encon-trada no país, que lentamente reforça oacervo mundial, já por volta de mil es-pécies descritas. O problema é que, àmedida que os paleontólogos tiram dasrochas o que devem ser as espécies maisantigas, torna-se mais difícil diferenciaros verdadeiros dinossauros dos demaisrépteis: esse novo dinossauro herbívorode 1,5 metro de altura, por exemplo, ti-nha bico. O próprio Langer mostrou-sesurpreso, ao expor o conjunto de ossosque escavou em Agudo, no Rio Grandedo Sul, e, diante de uma platéia de cer-ca de 300 pessoas, indagar-se: “Que dia-bos é isso?”

Os momentos mais emocionantesdo congresso foram justamente aquelesem que as idéias antigas ruíram, desar-vorando até mesmo os especialistas.“Estamos em um momento de profun-das revisões conceituais”, comenta Sér-

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Dinossauros com penas e asas? Enquanto os cientistas debatem, os artesãos criam

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gio Azevedo, diretor do Museu Nacio-nal. Ele atribui a abundância dos acha-dos e a empolgação dos debates ao tra-balho intensivo de lideranças científicasrelativamente jovens – com idade pró-xima dos 40 anos – que vão a campoatrás de fósseis, defendem propostasousadas e formam alunos, principal-mente no Rio de Janeiro, São Paulo,Minas e Rio Grande do Sul.

Ter penas, por exemplo, deixou deser um privilégio das aves: dinossaurostambém podiam ter penas e asas – etambém voavam. Logo no primeiro diado congresso, Alexander Kellner, pa-leontólogo do Museu Nacional da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro quedescobriu cinco das 12 espécies de di-nossauros brasileiros, apresentou duasréplicas, ambas produzidas no próprioMuseu Nacional. Uma delas, feita porMaurílio Oliveira, era de um Archaeop-teryx, uma das aves mais primitivas jáencontradas. Com cerca de 40 centíme-tros de comprimento, está deixando deser vista como um animal de transiçãoentre as aves e os dinossauros. A outraréplica, exibida pela primeira vez noBrasil, é uma obra de Orlando Grillo: oMicroraptor gui, uma espécie de dinos-sauro da China. Com quase 60 centí-metros de comprimento, parece umaave: tinha penas nos braços e nas per-nas, embora não voasse.

O Microraptor reacende uma polê-mica: as aves seriam realmente descen-

dentes dos dinossauros? Terry Jones,da Universidade Estadual da Califór-nia, nos Estados Unidos, não acreditaque possa existir uma relação diretaentre os dois grupos. Segundo ele, terpenas não é, necessariamente, um si-nal de parentesco. “Pouquíssimos di-nossauros, se é que algum, têm penas”,afirma. “O que parece penas na maio-ria dos casos não são penas, que nãoquebram quando fossilizam, mas for-mas de bactérias fossilizadas.” Alexan-der Vargas, da Universidade do Chile,obteve algumas evidências para defen-der a hipótese oposta: as aves descen-dem especificamente, segundo ele, dedinossauros carnívoros como o tira-nossauro.

Serpentes - Lidando com um grupo deanimais que literalmente rastejavamaos pés dos dinossauros, Hussam Za-her, do Museu de Zoologia da USP, tal-vez desfaça outra idéia, um tanto maissutil: com base na análise molecular decinco genes de espécies atuais, as co-bras macrostomatas, como a jibóia,que formam o grupo das que se ali-mentam de presas grandes, não teriamsurgido apenas uma vez, mas pelo me-nos duas, ao longo da evolução das ser-pentes, surgidas há ao menos 110 mi-lhões de anos. “Esse estudo alerta parao fato de que os dados moleculares de-vem ser interpretados com cautela ereforça a importância da inclusão dos

fósseis e de dados morfológicos, crian-do assim análises mais completas”,comenta ele. O caos da história evolu-tiva das cobras vem da base: ainda nãose sabe de qual grupo de lagartos elasteriam se originado. “Se encontrar-mos, poderemos resolver as dúvidasessenciais a respeito da origem das co-bras”, acredita Zaher.

Mas há dois problemas que atrapa-lham bastante essa busca: as cobras sãomuito diferentes entre si, sem apresen-tarem transições, que facilitariam bas-tante essa intrincada reconstituiçãohistórica, e as espécies atuais represen-tam só uma amostra pequena dos gru-pos que surgiram praticamente na épo-ca dos dinossauros. Também não sesabe se teriam uma origem terrestre, naqual Zaher aposta, ou marinha. Nessecaso, teriam derivado dos lagartos ma-rinhos, chamados mosassauros, comopretende provar Michael Caldwell, daUniversidade de Alberta, noCanadá, ao revirar o lito-ral do mar Adriáticoem busca de fósseisque comprovemsua idéia. Talvezseja possível sa-ber em dez anosquem está com arazão, diante dasevidências quecada um tenha asorte de encontar. •

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m estudo rea-lizado duranteos últimos trêsanos no Centrode Primatologiada Universidade

de Brasília (UnB)com 15 sagüis e micosbrasileiros sugere que esses primatasapresentam pelo menos quatro formasdistintas de perceber as cores.Duas fê-meas conseguiram discriminar todas ascores,mais ou menos como um ser hu-mano normal.Outros dois animais dosexo feminino tinham limitada capa-cidade de distinguir os tons de verde,como se tivessem um tipo de daltonis-mo.Uma terceira fêmea exibiu proble-mas no reconhecimento dos matizes devermelho,como se sofresse de outraforma de daltonismo.Umquarto con-junto de dez bichos,que incluía oitomachos e duas fêmeas,falhou em di-visar o espectro visível de cores entre overmelho e o verde,que ainda insere olaranja e o amarelo.“Imaginamos que,em seu ambiente natural,os animaisdesse último grupo tenham dificuldadede reconhecer um fruto vermelho oualaranjado entre folhagens verdes”,dizValdir Pessoa,da UnB,coordenador doexperimento,que envolveu seis micos-leão-da-cara-dourada (Leontopithecuschrysomelas),cinco sag üis-dos-tufos-pretos (Callithrix penicillata) e quatrosagüis-una (Saguinus midas niger).

A maior parte dos trabalhos sobre avisão dos chamados macacos do NovoMundo,grupo de primatas superiores

ZOOLOGIA

Comportamento de macacos brasileiros indica a existência de quatro padrões de visão das cores

O arco-íris dosmicos e sagüis

CIÊNCIA

Mico-leão-da-cara-dourada:fêmeas e machos podem ver de forma distinta

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ARcom nariz achatado que surgiu na Amé-

rica do Sul e Central aproximadamente30 milhões de anos atrás, parte do estu-do da biologia de micos e sagüis. Nessestrabalhos, medem-se, em geral, quantostipos de células receptoras de cor (oscones) existem na retina dos animais.Se, como um homem normal, o micoou sagüi dispõe de três fotopigmentos(um para o azul, outro para o verde eoutro para o vermelho), esse animal échamado tricromata. Quando apresen-ta células receptoras de somente duasdas cores fundamentais, é denominadodicromata. Às vezes, as pesquisas tam-bém incluem a análise do DNA dosmacacos, onde podem ser encontradasmutações que levam a distintas formasde tricromatismo ou dicromatismo. Aoestudar a visão dos pequenos primatasbrasileiros, Pessoa e seus colegas esco-lheram outro caminho: ancoraram seutrabalho na análise do comportamentodos animais.“Esse é o nosso diferencial”,afirma o pesquisador da UnB.

Como os cientistas brasileiros dedu-ziram que um animal era capaz de re-conhecer uma cor e não outra? Foram,literalmente, observar os micos e os sa-güis nas matas para ver se eles comiamfrutas dos mais variados matizes? Nadadisso. Primeiro, os cientistas ensinaramos primatas, que são mantidos em vi-veiros integrados à paisagem natural daFazenda Água Limpa, onde fica o Cen-tro de Primatologia, a associar uma corà presença de um alimento. Toda vezque retiravam uma ficha laranja, que

tampava um orifício, encontravam umpedaço de fruta escondido no buraco.Uma vez aprendido esse padrão de com-portamento, os bichinhos eram subme-tidos a uma escolha: tinham de optarentre duas fichas, uma sempre em tonslaranja e a outra de uma cor distinta.Era de esperar que, se o mico ou o sa-güi conseguisse diferenciar as duas co-res, ele optaria, na maioria das vezes,por mover a ficha laranja, e não a outra,a fim de obter o prêmio. No total, osprimatas foram apresentados a 96 dis-tintos pares de fichas, cada uma delascom cor, brilho e saturação específicos.

Vantagem adaptativa - Discriminar oazul do laranja foi uma barbada. Todosos primatas, independentemente do se-xo e da espécie a que pertenciam, con-seguiram diferenciar as duas cores empelo menos 65% dos casos, grau míni-mo de acerto considerado suficientepara validar o reconhecimento de umatonalidade. “Um valor menor do queesse pode derivar de uma escolha decor aleatória por parte dos animais”,afirma o biólogo Daniel Pessoa, outroautor do trabalho com as três espéciesde símios brasileiros, que vai ser publi-cado em breve na revista científicaAmerican Journal of Primatology. Comoera esperado, nenhum dos bichinhosobteve sucesso em distinguir pares defichas que opunham dois tons distintosde laranja. No final do experimento, ospesquisadores concluíram que o com-portamento dos micos e sagüis eviden-

ciava quatro padrões distintos de per-cepção de cores. “Mas ainda não sabe-mos precisar quais vantagens adapta-tivas esses padrões de visão podemproporcionar aos animais no meio na-tural”, pondera Daniel.

Estudos de biologia molecular fei-tos no exterior com outras espécies desagüis e micos chegaram a encontraraté seis padrões de visão derivados dealterações genéticas. Os pesquisadoresbrasileiros não analisaram o DNA dosanimais do Centro de Primatologia.Por isso não sabem dizer se essas muta-ções estão relacionadas a alguma dasquatro formas de reconhecimento decores que identificaram no comporta-mento dos primatas. Há 20 anos a ciên-cia coleciona evidências de que os ma-cacos do Novo Mundo, grupo desímios que, evolutivamente, está maisdistante do homem e dos grandes pri-matas antropóides, apresentam algunspadrões de visão de cores muito parti-culares. A maioria dos primatas, inclu-sive o homem, é sempre tricromata –ou seja, enxerga todas as misturas detonalidades em torno das três cores pri-márias (verde, azul e vermelho). Já ossagüis e os micos sul e centro-america-nos podem ser tricromatas ou dicro-matas. Em geral, os machos percebemapenas os matizes ao redor de duas co-res. As fêmeas podem ser tricromatasou dicromatas, com aparente predomi-nância da primeira situação. •

MARCOS PIVETTA

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ue tal seqüenciar o genomade uma árvore brasileira? Aidéia era boa, ainda maisnum país que costuma serapontado como o campeãomundial da biodiversidade.

Só havia um problema: ninguém sabia qual era o ta-manho aproximado de todo o material genético pre-sente nos cromossomos de uma espécie arbórea. Sefosse muito grande, o genoma de uma árvore seriaum desestímulo a um projeto de seqüenciamento in-tegral. Essa era a situação em 2001, quando a propos-ta surgiu e, por falta de informação, não foi adiante.Agora o quadro mudou – e muito. O tamanho do ge-noma de mais de uma centena de árvores nativas doBrasil acaba de ser determinado pelo engenheiroagrônomo Marcelo Carnier Dornelas, um dos pes-quisadores que participaram das discussões quatroanos atrás. Os resultados do trabalho indicam quenão há um tamanho padrão para o genoma de umaárvore. A quantidade de pares de bases no DNA deuma espécie pode ser até 20 vezes maior do que emoutra. O genoma compreende o conjunto de genesde um organismo e as informações moleculares quecontrolam o funcionamento desses genes.

Com suas típicas flores roxas, que colorem as ci-dades entre o Carnaval e a Páscoa, a quaresmeira (Thi-bouchina granulosa) apresenta o menor genoma. Tem340 milhões de pares de bases nitrogenadas, as uni-dades químicas do DNA. O maior é o do jerivá (Sya-grus romanzoffiana), um tipo de palmeira, tambémfacilmente encontrada no meio urbano, cujo frutocarnoso e alaranjado serve de repasto para animaisem áreas silvestres. O material genético dessa plantaexibe 6,2 bilhões de pares de bases, o dobro da quan-tidade de “letras químicas” encontradas no DNA hu-mano. O estudo, que será publicado em breve na re-vista Annals of Botany, também sugere que não existe

uma relação clara entre o porte de uma árvore e o doseu genoma, a exemplo do que já foi demonstradoem espécies animais e em outros tipos de vegetais.Originários da Mata Atlântica, a quaresmeira e o je-rivá exibem copas de altura mais ou menos equiva-lente, cerca de 10 metros, e o diâmetro de seu troncogira em torno de 40 centímetros. Apesar do talhe bio-lógico semelhante, ambas as árvores apresentam ma-terial genético de tamanho pra lá de distinto. Paradar maior segurança a seus dados, Dornelas determi-nou o tamanho dos genomas presentes no núcleodas células das árvores por dois métodos distintos, acitometria de fluxo e a microdensitometria de ima-gem. Ambas as técnicas foram originalmente conce-bidas para o diagnóstico de câncer.

Letras químicas - Não se deve confundir o estudo doengenheiro agrônomo, que mediu o tamanho do ge-noma de 118 espécies de árvores, com o trabalho deseqüenciamento do material genético dessas plantas,tarefa ainda mais complexa. São duas coisas diferen-tes. O pesquisador estimou quantas “letras quími-cas” existem no DNA de cada uma das espécies, masnão determinou em que ordem essas bases nitroge-nadas aparecem em cada um dos genomas. As infor-mações produzidas servem de referência para even-tuais projetos de seqüenciamento. Mostram queárvores apresentam DNA de menor tamanho e, por-tanto, mais fácil de ser seqüenciado. Esse não é o casodo famoso e hoje pouco abundante pau-brasil (Cae-salpinia echinata), que exibe um DNA enorme, com3,8 bilhões de pares de bases. “Se um dia quisermosseqüenciar o genoma completo de uma árvore, opau-brasil não seria uma das mais indicadas”, afirmaDornelas, que terminou o pós-doutorado no Centrode Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Univer-sidade de São Paulo, em Piracicaba, e assumiu em ju-lho o cargo de professor no Departamento de Fisio-

CIÊNCIA

Tamanho do genoma de 100 árvores brasileiras varia até 20 vezes

Da quaresmeiraao jerivá

BOTÂNICA

MARCOS PIVETTAQ

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Palmeira jerivá: o maior genoma, com6,2 bilhões de pares

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logia Vegetal do Instituto de Biologia daUniversidade Estadual de Campinas(Unicamp). “Já o do mogno, quem sa-be?” Das árvores com madeira nobre, aSwietenia macrophyla, nome científicodo mogno, é uma das que têm um dosmenores genomas. Seu material genéti-co é composto de 513 milhões de pares

de bases.Até agora, o genoma de apenas

uma árvore, a Populus trichocarpa,um álamo (ou choupo) típico dohemisfério Norte e de grande im-portância econômica, foi total-

mente seqüenciado. Um consórciointernacional terminou esse trabalho

em setembro do ano passado. O mate-rial genético dessa forma de álamo é li-geiramente maior que o do mogno e dis-põe de cerca de 50 mil genes, um quintodeles provavelmente típicos das árvorese não encontrados em outros tipos devegetais, como a Arabidopsis thaliana,uma erva daninha de clima temperado,parente da mostarda, que funciona co-mo planta-modelo para a biologia.

Confrontar o tamanho de genomasde distintas espécies ajuda a desmisti-ficar a idéia de que seres com maiorquantidade de DNA são sempre maiscomplexos que organismos dotados dematerial genético de dimensões reduzi-das. Se isso fosse verdade, algumas ame-bas, que têm centenas de bilhões de pa-res de bases em seu genona, seriam aforma de vida mais sofisticada da Terra.“Ter um genoma grande não é sinô-nimo de maior complexidade para um

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O PROJETO

Perfil genômico de árvores brasileiras – da biodiversidade à genômica: Uma ponte entre o Biota e o AEG

MODALIDADEAuxílio à Pesquisa

COORDENADORMARCELO CARNIER DORNELAS – Cena/USP

INVESTIMENTOR$ 3.000,00 e US$ 32.033,00 (FAPESP)

organismo”, diz o biólogo Fer-nando Reinach, presidente daempresa de biotecnologia Alellyxe diretor-executivo da VotorantimNovos Negócios. “É como acharque a complexidade de um paístem alguma relação com seu nú-mero de habitantes.” Do mesmomodo, seria incorreto pensar quea palmeira jerivá é mais comple-xa que a quaresmeira só porquetem um DNA 20 vezes maior.

Genoma encolhido - Em algunsgrupos de árvores com caracte-rísticas comuns, o tamanho dogenoma parece ser mais ou me-nos similar, embora seja arrisca-do fazer generalizações a partirde dados de apenas uma centenade espécies. O genoma de quatroespécies arbóreas da família dasAnacardiaceae, cuja marca regis-trada é possuir frutos com for-mato de coração, não apresentagrande variação de tamanho: omenor, da aroeira-salsa (Shinus molle),conta com 410 milhões de pares de ba-ses; o maior, do cajueiro (Anacardiumoccidentale), tem 50% a mais de “letrasquímicas”. Em outros casos, talvez devi-do ao maior número de espécies analisa-das, as discrepâncias aparentementesão mais gritantes. Duas espécies da fa-mília das Annonaceae exibem genomasde tamanho bem distinto: o materialgenético da pimenta-de-macaco (Xylo-pia aromatica) é cinco vez menor que odo araticum (Annona coriacea).

Do ponto de vista evolutivo, algu-mas teses circulam no meio acadêmicosobre o possível significado do tama-nho de um genoma. Uma delas é a deque o material genético de plantas an-giospermas (que produzem flores)com origem mais remota no tempo se-ria menor que o de vegetais mais novosdesse mesmo grupo. Se isso fizer senti-do, o pesquisador paulista pode ter en-contrado uma exceção à regra entre asMyrtoidae, ramo da família das Myr-taceae que compreende as árvores comfrutos carnosos, como a goiabeira (Psi-dium guajava) e a jabuticabeira (Myr-ciaria cauliflora). Dornelas estimou otamanho do DNA de 20 espécies deMyrtoidae e percebeu que todos erammenores que os de plantas da subfamí-lia Leptospermoideae, outro ramo da

família das Myrtaceae, composto porárvores que dão frutos secos, cujo apa-recimento na natureza é consideradoanterior ao de suas congêneres de fru-to carnoso. “Parece que no interior dasMyrtaceae houve, ao longo do proces-so evolutivo, um encolhimento no ta-manho dos genomas, afirma o pesqui-sador paulista.

Outro dado comparativo interessan-te: árvores do gênero Tabebuia, popu-larmente conhecidas como ipês, comflores amarelas, tendem a apresentar umgenoma maior que as com flores roxasou brancas. Pelo menos é o que se de-preende da análise do tamanho do ge-

noma de dez espécies do gênero.Os ipês-amarelos exibem DNAcom mais de 2 bilhões de pares debases; os roxos, com mais de 1 bi-lhão de pares de bases; e os bran-cos, em torno dos 900 milhões depares de bases. Uma possível ex-plicação para esse fenômeno seriao maior número de cromosso-mos nos ipês-amarelos. Essas ár-vores apresentam dois pares de40 cromossomos, 80 no total, odobro do encontrado nas espé-cies de ipê-roxo e branco. Por essalinha de raciocínio, ao longo degerações, o aumento (ou a dimi-nuição) no número de cromos-somos levaria a alterações em tra-ços externos das várias espéciesconhecidas de ipês, provocando atroca de cor em suas flores.

Estudos comparativos - Como sevê, conhecer o tamanho do ge-noma de um organismo não ser-ve apenas para apontar eventuais

candidatos à fila do seqüenciamento. Étambém um dado importante para fu-turos estudos comparativos na área dabotânica. Segundo um trabalho de ja-neiro deste ano feito pelos pesquisado-res Michael Bennett e Ilia Leitch, dosJardins Botânicos Reais de Kew, Ingla-terra, existem dados sobre o tamanhodo genoma de cerca de 4.100 plantasdo grupo das angiospermas, que incluias ervas, os arbustos e as árvores queproduzem flores. “Com algumas exce-ções, essa amostra é dominada porplantas de importância comercial eseus parentes selvagens, espécies-mo-delos cultivadas para uso experimen-tal, e outras espécies que crescem pertodos laboratórios de regiões tempera-das, sobretudo da Europa Ocidental eAmérica do Norte”, escreveu a duplanum artigo publicado na Annals of Bo-tany. O estudo de Dornelas é o primei-ro registro sobre o tamanho do mate-rial genético de plantas pertencentes a60 gêneros e nove famílias de árvores.“É um trabalho importante, aindamais porque enfoca espécies brasilei-ras”, opina Carlos Alberto Labate, doDepartamento de Genética da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Quei-roz (Esalq) da USP. “E deve atrair o in-teresse de outros pesquisadores da áreade conservação e evolução.” •

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Quaresmeira: o menor genoma, com 340 milhões de pares de bases

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Elétrons podem mudarde comportamento em conexões de nanofios

Ponte delicadaFÍSICA

CIÊNCIA

em que a existência de um estreitamen-to ou confinamento – caso típico dananojunção – pode afetar a passagemde corrente.Esses metais estão na basede muitas propostas para eletrônica mo-lecular.O trabalho levou em conta umananojunção de platina,metal com elé-trons muito localizados numa mesmasubcamada atômica.Na falta de espa-ço,os elétrons conduzidos são obriga-dos a evitar os elétrons hospedados noátomo.Em vez do efeito médio,domi-na a repulsão entre cada par de elétrons,fenômeno conhecido como “correlaçãoeletrônica”.

“Ou esse efeito é considerado,ou sevai calcular tudo errado”,diz MaríliaCaldas,professora do Instituto de Físi-ca da Universidade de São Paulo,queassina o artigo em parceria com AndreaFerretti,Arrigo Calzolari,Rosa Di Fe-lice,Franca Manghi e Elisa Molinari,daUniversidade de Modena,na Itália,eMarco Buongiorno Nardelli,da Uni-versidade da Carolina do Norte.No ar-tigo,os autores propuseram uma ma-

neira matemática de incluir a correla-ção eletrônica no cálculo do transporteeletrônico e a aplicaram à nanojunçãode platina.A representação da passagemdos elétrons pela junção (condutânciaou transmitância) é diferente quandose utiliza o novo cálculo.O diagramaapresenta formas de patamares largosno caso do campo médio,o que indica-ria boa condutância.Mas quando a re-pulsão de cada par de elétrons é incluídaos patamares se deformam,com perdadrástica da condutância.

O trabalho de Marília Caldas é umexemplo entre vários da expertise doInstituto de Física na pesquisa teóricasobre as propriedades de novos mate-riais.No final de 2001,estudo lideradopor outro professor da instituição, Adal-berto Fazzio,estampou a capa da mes-ma Physical Review Letters.O artigodescrevia descobertas sobre o compor-tamento dos átomos de nanofios deouro,material estrat égico para a fabri-cação de componentes para futuras ge-rações de computadores.O desafio é

transformar os achados eminovações práticas, missãopara a qual outros países es-tão mais preparados que oBrasil. “Nossa pesquisa temimportância teórica e na for-mação de recursos humanos,mas é preocupante que nãohaja uma política industrialcapaz de garantir a transfor-mação da riqueza em pro-dutos”,diz Fazzio. •

ão basta pro-duzir fios dedimensões ín-fimas,com aespessura de 1milionésimo

de milímetro,para pavimentar a pro-messa da nanotecnologia de miniaturi-zar dispositivos eletrônicos. Também épreciso aprender a emendar esses fioscom conexões do tamanho de uma sim-ples molécula,tarefa que come ça a sercompreendida pelos físicos.Um artigorecente da revista Physical Review Let-ters lançou luzes sobre um fenômenoessencial no comportamento dos elé-trons nessas emendas,as nanojun ções.O trabalho,assinado por pesquisadoresdo Brasil,da It ália e dos Estados Uni-dos,mostra que as leis que regem ocomportamento do transporte de elé-trons em circuitos,mesmo nos da mi-croeletrônica,podem n ão se aplicar anovos problemas da nanoeletrônica.Como exemplo,uma nanojun ção, sis-tema metálico estreitíssimo, até da lar-gura de um átomo,que co-necte dois condutores,temcaracterísticas novas.

Tanto em materiais de di-mensões normais quanto emfios nanoscópicos pode-seconsiderar que o comporta-mento de um elétron trans-portado na corrente sofre in-fluência do “efeito médio” detodos os elétrons nos arredo-res.Mas h á metais especiais,

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Nanojunção: uma molécula liga dois fios de ouro

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primeira vista as lâminas de vi-dro cuidadosamente guardadasem uma sala do Instituto Lud-wig para a Pesquisa do Cân-cer, em São Paulo, parecemiguais a quaisquer outraslâminas de microscópio,como as usadas por alu-nos de colégio à procurade micróbios em umagota d’água. Mas, ob-

servadas com o auxílio de um laser ou uma luzultravioleta, essas placas de vidro retangularesum pouco maiores que uma pedra de dominó re-velam informações preciosas que estão aprimo-rando a compreensão e o tratamento do câncer.É que essas pequenas lâminas conhecidas comomicroarranjos de DNA, ou DNA microarrays,permitem identificar a um só tempo quais dosquase 30 mil genes humanos encontram-se ativosem determinado grupo de células ou tecido docorpo. Essa é uma propriedade essencial na inves-tigação de doenças complexas como o câncer,porque permite comparar os genes em funcio-namento nas células sadias com os acionados nascélulas cancerosas, revelando uma espécie de im-pressão digital do tumor.

Usando microarranjos de DNA desenvolvi-dos nos laboratórios do Instituto Ludwig e da

Os primeirossinais

de alertaAção de genes esclarecea origem e indicaa evolução de tumores

RICARDO ZORZETTO

CIÊNCIA

MEDICINA

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Universidade de São Paulo (USP), pes-quisadores paulistas analisaram a ativi-dade dos genes em quatro tipos de cân-cer – mama, próstata, estômago eesôfago – e fizeram descobertas capazesde alterar o tratamento de alguns tu-mores. Em uma das pesquisas, identifi-caram uma combinação de três genesque permite saber com antecedência seo medicamento doxorrubicina, o qui-mioterápico mais usado na rede públi-ca de saúde contra o câncer de mama,surtirá ou não o efeito desejado. Comrelação ao câncer de próstata, o segun-do que mais mata homens no país,constataram que há uma relação entreo funcionamento de certos grupos degenes e a gravidade do tumor.

Essa mesma técnica permitiu aindaentender melhor como se origina o ade-nocarcinoma de esôfago, o tipo de cân-cer que mais cresceu no Ocidente nasúltimas três décadas e hoje atinge cercade 1% da população dos países desen-volvidos. Esse tumor parece surgir ini-cialmente no estômago e só depois in-vade o esôfago, e não o contrário, comose acreditava. A partir da comparaçãoda atividade gênica de células do estô-

mago, também foi possível distinguir asque originarão um câncer daquelas quedevem permanecer saudáveis ou da-quelas que são características de quemsofre de gastrite. São resultados promis-sores porque podem auxiliar na detec-ção precoce desses tumores, geralmentedescobertos em estágio avançado.

Benefícios às mulheres - Dessas quatrodescobertas, a que ajuda a redirecionaro tratamento do câncer de mama é a demaior impacto sobre a saúde das pes-soas. Principal causa de morte por cân-cer entre as mulheres, o tumor de mamadeve atingir 467 mil brasileiras – e ma-tar quase 50 mil – apenas neste ano, se-gundo estimativas do Instituto Nacio-nal de Câncer (Inca). Na tentativa deminimizar as marcas físicas e psicológi-cas provocadas pela doença, os médicosindicam um tratamento à base de me-dicamentos para reduzir o tamanho dotumor – e, conseqüentemente, o volu-me da mama a ser retirado. O proble-ma é que nem sempre o tratamentopré-operatório mais adotado no Siste-ma Único de Saúde funciona. Em apro-ximadamente 20% das mulheres, a ad-

ministração endovenosa dos medica-mentos doxorrubicina e ciclofosfamidanão produz o efeito desejado de reduziro tamanho do tumor, algo que só sedescobre depois que as pacientes já pas-saram pelo tratamento, que em geralprovoca queda de cabelo, além de in-tensas náuseas e mal-estar geral.

Diante dessa situação, Maria MitziBrentani e Maria Aparecida Koike Fol-gueira, professoras associadas da On-cologia da Faculdade de Medicina daUSP, decidiram buscar um teste que re-velasse para quais mulheres esses medi-camentos funcionariam, antes que elasrecebessem a medicação. Assim, ga-nha-se tempo, poupa-se dinheiro pú-blico e reduz-se o desconforto para aspessoas.“Se a doxorrubicina não funcio-na para uma mulher, o médico podetentar outros medicamentos ou anteci-par a realização da cirurgia”, explicaMaria Mitzi.

Em colaboração com equipes doInstituto Brasileiro de Controle doCâncer, Hospital das Clínicas e do Hos-pital do Câncer, em São Paulo, e doHospital Amaral Carvalho, em Jaú, in-terior do estado, Maria Mitzi e Maria

Pontos preciosos:chip de DNA revela os genesmais ativos (em vermelho) e os menos ativos(em verde) em células de câncerde mama

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Aparecida coletaram amostras de tu-mor de mama de 51 mulheres com ida-de entre 31 e 67 anos, extraíram o ma-terial genético das células e analisarama expressão gênica com microarranjoscedidos pelo Instituto Ludwig. Tam-bém conhecidos como chips de DNA,esses microarranjos – lâminas de vidrotratadas quimicamente sobre as quaisum robô deposita um gene em cadaponto – foram elaborados com 4.608genes identificados no Genoma Huma-no do Câncer, projeto financiado pelaFAPESP e pelo Instituto Ludwig que se-qüenciou genes de 20 tipos de tumor.

De todos os genes avaliados, 228 secomportavam de maneira diferente –alguns estavam mais expressos que ou-tros – nas mulheres em que o tratamen-to havia sido eficaz e reduzido o volu-me do tumor em pelo menos 30%. Emparceria com Dirce Carraro, do Labo-ratório de Análise de Expressão Gênicado Ludwig, Helena Brentani, do Labora-tório de Bioinformática do Hospital doCâncer, e de Paulo José da Silva e Silva,do Instituto de Matemática e Estatística(IME) da USP, as pesquisadoras identi-ficaram um trio de genes – PRSS11,CLPTM1 e MTSS1 – capaz de apontarem quem o tratamento seria eficaz.

Para saber se essa combinação degenes funcionaria na prática como umteste preditivo, utilizaram-no na ava-liação de amostras de câncer de outras14 mulheres. O trio de genes permitiuseparar com 85% de acerto aquelasmulheres em que a doxorrubicina e aciclofosfamida funcionariam das quenão se beneficiariam da terapia, deacordo com os resultados do estudo aser publicado em breve na ClinicalCancer Research. Atualmente a equipeda Faculdade de Medicina da USP testaum número maior de amostras de tu-mor de mama na tentativa de compro-var a eficácia desse método.“Aproximaro resultado das pesquisas científicas daatividade clínica diária é o que busco há20 anos”, afirma Ricardo Renzo Brenta-ni, professor titular de Oncologia daFaculdade de Medicina da USP e dire-tor do Instituto Ludwig. Consideradouma das maiores autoridades nacionaisno estudo de câncer, Brentani tambémé diretor presidente da FAPESP e coor-denador do Centro Antônio Prudentepara a Pesquisa e o Tratamento do Cân-cer, financiado pela FAPESP.

se tubo muscular que conduz o alimen-to da boca ao estômago. Em geral essetumor se desenvolve na região em queo esôfago se conecta ao estômago, acárdia, e afeta os dois órgãos. Até a pu-blicação desse artigo, acreditava-se queas células cancerosas surgissem no esô-fago – em decorrência do refluxo dassecreções ácidas do estômago, que cau-sa irritação crônica das células – e emseguida se espalhasse em direção à en-trada do estômago.

Os resultados colocaram essa idéiaem xeque. Lima Reis descobriu que opadrão de expressão dos genes no ade-nocarcinoma de esôfago é muito seme-lhante ao do adenocarcinoma de estô-mago, a forma mais comum de câncergástrico.“É um sinal de que, na realida-de, esse câncer deve surgir no estômagoe, nas fases mais avançadas, subir para oesôfago”, explica o pesquisador. Podeparecer óbvio, uma vez que a classifica-ção do tumor é a mesma – adenocarci-noma, tumor maligno no tecido de re-vestimento de uma glândula ou cujaforma se assemelha à de uma glândula– e provoca alterações semelhantes naforma das células. Mas a indicação de

Não foi a primeira vez que os mi-croarranjos desenvolvidos no InstitutoLudwig mostraram sua utilidade. Des-de 2001, a equipe do bioquímico LuizFernando Lima Reis, também do Lud-wig, adota essa ferramenta no estudoda origem e evolução de tumores deesôfago e estômago. Em um artigo quemereceu a capa da edição de agosto daCancer Research, Lima Reis e LucianaGomes apresentam a mais provável ori-gem do adenocarcinoma de esôfago,um dos dois tipos de câncer típicos des-

O PROJETO

Marcadores Marcadores Molecularesda Resposta à QuimioterapiaNeoadjuvante do Câncer de Mama

MODALIDADELinha Regular de Auxílio à Pesquisa

COORDENADORAMARIA MITZI BRENTANI – Faculdade de Medicina da USP

INVESTIMENTOR$ 515.088,21 (FAPESP)

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que a origem pode estar em outro ór-gão faz toda a diferença quando o obje-tivo é detectar precocemente o tumorno esôfago, em geral identificado nosestágios mais avançados, quando a úni-ca saída é a extração completa do órgão.“Passamos muito tempo procurando oadenocarcinoma de esôfago em está-gios iniciais no lugar errado”,diz Lima Reis. “Talvez se devabuscar os sinais precoces dessetumor também no estômago,próximo à cárdia.”

Em fevereiro do ano passa-do, outro estudo da equipe deLima Reis já havia conquistadoa capa dessa mesma revista, umadas mais importantes publica-ções sobre câncer. Os pesquisa-dores investigaram a expressãode 376 genes em 99 amostras damucosa do estômago – havia tecidosaudável, de gastrite, de um estágio pré-tumoral e de adenocarcinoma – e en-contraram cem trios de genes que, commaior ou menor precisão, prediziam aque tipo de tecido a amostra pertencia.Se esses resultados forem confirmadosem estudos de longa duração, nos quais

se acompanham as pessoas desde as pri-meiras alterações na mucosa gástrica atéo surgimento do tumor, essas combina-ções de genes poderão ser usadas em tes-tes para predizer a evolução dos tumo-res gástricos que, supõe-se, surgem apartir de inflamações crônicas provo-cadas pela bactéria Helicobacter pylori.

ergio Verjovski-Almeida,do Instituto de Químicada USP, optou por umaestratégia diferente. Aosmicroarranjos comuns –que contêm apenas ge-

nes ou trechos de genes, os chamadoséxons, segmentos da molécula de DNAque armazenam informação para aprodução de proteínas –, o pesquisadorincorporou novos elementos: adicio-nou os chamados íntrons, trechos doDNA que não orientam a fabricação deproteínas, mas geram outra forma de

material genético, um tipo de RNA ca-paz de controlar a atividade de outrosgenes. Usando um chip de DNA com-posto por 2 mil íntrons e 2 mil éxons,Verjovski-Almeida e sua equipe avalia-ram a expressão gênica de 27 amostrasde câncer de próstata e constataramque os íntrons foram capazes de predi-zer o grau de malignidade do tumormelhor que os éxons, de acordo comestudo publicado no ano passado narevista Oncogene.

Somados aos de outros países, essesresultados começam a aproximar osmicroarranjos do tratamento clínicodas pessoas. Ainda que de modo tími-do, empresas farmacêuticas iniciam aprodução dos primeiros testes labora-toriais usando a tecnologia dos chips deDNA. Nos Estados Unidos, seis testesde microarranjos destinados a identifi-car cânceres de mama, ovário e leuce-mia – ou predizer como esses tumoresdevem evoluir – ainda aguardam aaprovação da FDA, a agência regulado-ra de alimentos e medicamentos. Antesque cheguem ao mercado, porém, essestestes terão de mostrar que realmentesão confiáveis. •

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Visão de conjunto:análise emcomputador compara a atividade de 66genes em 14amostras detecidos com esem tumor

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dificuldade vivida por pesquisa-dores como Renata Pasqualinie Wadih Arap, que investigamnovos medicamentos contrao câncer, pode ser compa-rada com a de alguém que

precisa enviar uma carta, mas desconhece o nome darua e o código de endereçamento postal (CEP) dodestinatário. Para ter certeza de que a droga alcança-rá as células tumorais, eles poderiam remeter milha-res de cartas para todos os habitantes da cidade – opaciente, pela analogia –, na esperança de que algu-ma delas chegasse às mãos de fulano, quer dizer, dotecido canceroso. O que no universo postal represen-taria um desperdício de papel, ou o precursor dospam no correio eletrônico, na fisiologia do doente semanifesta como toxicidade, o dano causado pelo re-médio em células e tecidos que nada têm a ver com amoléstia. Em seu trabalho no Centro de Câncer M.D.Anderson da Universidade do Texas, porém, Renata eArap acreditam ter descoberto o CEP de alguns fula-nos que rondam a próstata, as mamas e os pulmões,e se preparam agora para combatê-los com... cartas-bomba.

A analogia com o CEP não é nova e vem sendoempregada pelo menos desde 2002 para descrever otrabalho pioneiro desse casal de brasileiros que só foise conhecer nos Estados Unidos, mesmo tendo ambosestudado em São Paulo com o oncologista RicardoBrentani. Como estratégia, também, a idéia de mirarno tumor (targeted therapy) vem sendo empregadaem vários laboratórios do mundo, com diversas ar-mas, munições e calibres. A inovação de Arap e Rena-ta está na carta-bomba que confeccionaram e ga-nhou destaque no periódico Cancer Cell em setembrode 2004, uma junção engenhosa de duas moléculas

Pesquisadores brasileiros criam no Texas tecnologia para matar células de tumores de próstata, mama e pulmão

Endereço exatoONCOLOGIA

CIÊNCIA

capaz de reconhecer e de matar preferencialmente ascélulas tumorais. Se alguma coisa produzida no Texasmerecer de fato o nome de “arma inteligente”, estatecnologia deverá estar entre elas, caso os resultadosobtidos até agora nas células em cultura e em mode-los animais se repitam com pacientes humanos. Aequipe tem esperança, se tudo continuar dando cer-to, de iniciar no final de 2006 um teste clínico de faseI, tipo de estudo em que participam poucos pacien-tes, apenas para definir se a nova droga pode ser usa-da com segurança em seres humanos.

Estresse tumoral - Na base do componente principaldo artefato está a proteína 78 regulada por glucose, ouGRP-78 (abreviação derivada do nome em inglês).Esta molécula é produzida em grandes quantidadesnas células que se encontram sob estresse, como aque-las que por qualquer motivo ficam privadas de oxigê-nio (hipóxia) ou de glucose. Tal é o caso das células tu-morais, que proliferam em ambientes hipóxicos – daía importância da vascularização para sustentar seucrescimento desenfreado – e apresentam montes deGRP-78. Segundo Renata, essa relação específica en-tre níveis da proteína e tumores foi demonstrada pri-meiramente por Amy Lee, da Universidade da Cali-fórnia em Davis. Lee marcou uma seqüência de DNAque atua como promotora da expressão (leitura) dogene correspondente à proteína GRP-78 com outrogene que, lido em conjunto, produz uma proteínaazul (lacZ), tingindo e denunciando, assim, tecidoscom níveis altos de expressão da GRP-78. Verificou-se que só tumores ficavam azuis, com níveis baixos deexpressão em tecidos normais.

Além da alta especificidade para delatar célulascancerosas, a GRP-78 tem uma característica que serevelou de grande interesse para o desenvolvimento

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de uma terapia teleguiada: produzida na célula sobestresse, ela não fica confinada ao seu interior, massim ancorada na membrana. Em outras palavras, elaestá visível para reconhecimento de outras moléculasno meio extracelular. “Essa foi uma descoberta im-portante, porque significava que a proteína poderiaestar acessível a um medicamento projetado para segrudar nela”, afirmou Arap num comunicado doM.D. Anderson.“É muito mais fácil mirar numa pro-teína no exterior da célula do que enviar medicamen-tos para dentro dela.” Não se sabe ainda ao certo quala função exata da GRP-78 na célula sob estresse, masuma das hipóteses é que ela cumpra o papel de aler-tar o sistema imune do organismo sobre a necessida-de de socorro, provavelmente como integrante deuma maquinaria encarregada de levar antígenos(partículas capazes de deflagrar a produção de anti-corpos) até a superfície da célula.

Parentesco fatal - O outro componente do dispositi-vo aniquilador de células tumorais é uma molécula emforma de saca-rolhas batizada como klaklak, que faz opapel de carga explosiva. Ela foi descoberta vários anosatrás como um antibiótico, graças à sua capacidadede demolir membranas de bactérias. Quando Renatae Arap ainda se encontravam na Califórnia, no Insti-tuto Burnham (a mudança para o Texas se deu em1999), outros pesquisadores lhes sugeriram a possibi-lidade de que o veneno fosse eficaz também em tecidoshumanos, atacando mitocôndrias, as organelas celu-lares envolvidas na geração de energia e por isso fre-qüentemente descritas como “usinas” das células. Naexplicação de Renata, a hipótese surgiu porque asmembranas de bactérias e de mitocôndrias têm algu-ma semelhança – um provável resquício da origemdessas organelas. Segundo a teoria da endossimbiose

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(proposta no início do século 20 e considerada umaespécie de desvario mesmo depois de revivida e po-pularizada por Lynn Margulis, nos anos 1980), mito-côndrias são bactérias ancestrais que em algum pon-to da evolução teriam sido incorporadas por célulasmais complexas.

klaklak revelou-se fatal para asmitocôndrias. E, quando al-guém perturba as usinas deuma célula, o resultado cos-tuma ser catastrófico: de-sencadeia-se uma sucessão

de eventos programados conhecida como apoptose,que resulta na morte celular. “Então nos ocorreu aidéia de teleguiar a klaklak usando um CEP que eranão só específico como ainda poderia transportá-lapara dentro da célula-alvo”, explicou Renata em en-trevista por e-mail. “Ganhamos assim dois níveis deespecificidade. O primeiro é o CEP e o segundo é ofato de que a klaklak não fará nada a não ser que che-gue a uma mitocôndria, e para isso ela precisa ser in-ternalizada.” Se você pensou na GRP-78 como o zipcode – Renata costuma responder questões sobre seutrabalho em inglês, seu idioma de pesquisa – entro-nizador, acertou na mosca.

Nesse ponto, porém, a analogia postal se tornamenos frutífera, por dificultar a visualização de umelemento importante da estratégia, que é a interaçãoentre as moléculas. Enquanto os algarismos de umCEP e as letras de um endereço são símbolos associa-dos por convenção com uma rua ou um prédio, o en-dereço que consta da carta-bomba antitumoral pre-cisa encaixar-se, literalmente, no destinatário, ouseja, na parte da proteína GRP-78 que se projeta pelasuperfície da célula. A metáfora clássica desse tipo dereconhecimento molecular é a da chave na fechadu-ra, mas uma fechadura que tem a peculiaridade desugar a chave e quem a estiver segurando para o ou-tro lado da porta em que está fixada, quando a chavecorreta se encaixa nela. Dito de outro modo, quandoa molécula complementar da GRP-78 acoplada à kla-klak se engata no receptor exposto pela célula estres-sada (ou tumoral), a GRP-78 move as engrenagensmoleculares que efetuam a internalização da klaklak,que por sua vez ataca as membranas das mitocôn-drias e com isso deslancha a apoptose.

Catálogo molecular - O grupo de Arap e Renata temgrande reputação como chaveiros celulares. Em 2002eles publicaram na revista Nature Medicine um tra-balho de repercussão, fruto de uma parceria com oInstituto Max Planck de Genética Molecular de Ber-

lim. Era uma espécie de microcatálogo com CEPsmoleculares de cinco tecidos: medula óssea, gordura(tecido adiposo), músculo esqueletal, próstata e pele.Ele foi compilado com auxílio de uma técnica cha-mada de phage display (algo como exibição por fa-gos), na qual vírus bacteriófagos – parasitas de bac-térias muito usados em experimentos de biologiamolecular – são induzidos a exibir na sua capa peda-ços de proteínas da escolha do pesquisador. O grupode Renata e Arap trabalhou com tripeptídeos, que sãogrupos de três aminoácidos, as unidades estruturaisdas proteínas. Criou uma biblioteca – ou virusteca –com 47.160 tipos de fagos, cada um deles ostentandona carapaça um tripeptídeo diferente, que no experi-mento fariam as vezes de batedores, bilhões deles.

O território cujos CEPs seriam recenseados pelosbatedores eram os vasos sangüíneos de um homemde 48 anos com câncer terminal e em coma, após he-morragia cerebral, cuja família concordou em colabo-rar com o teste antes de ser desligada a aparelhagemque o mantinha vivo. A legião de fagos recenseadoresfoi injetada no paciente e, 15 minutos após a morte,iniciou-se a análise das amostras colhidas de seus te-cidos, para determinar a distribuição dos tripeptídeos(aqueles que se encaixassem nas fechaduras expostaspelas células dos vasos sangüíneos apareceriam emmaior número no órgão irrigado pelos vasos emquestão). Assim foram descobertos os cinco conjuntosde CEPs.

Uma prova de princípio de que esses CEPs mole-culares de tecidos poderiam ser usados em terapiasteleguiadas foi obtida em 2004, num trabalho com ca-mundongos publicado na Nature. Usando os códigosde endereçamento moleculares para tecido adiposo,os pesquisadores brasileiros dispararam a klaklak so-bre ele, matando as células dos vasos sangüíneos queo irrigavam. Sem essa fonte de suprimento, as célulasde gordura começaram a morrer e a ser reabsorvidas.As fotos dos camundongos antes e depois do trata-mento milagroso contra obesidade ganharam desta-que em publicações dos EUA e do Brasil. Como a idéiaoriginal era aplicar a arma contra tumores, as aten-ções recaíram a seguir sobre o CEP GRP-78, que ou-tro trabalho do grupo – este publicado em 2003 naNature Biotechnology – indicou ser não só altamenteespecífico para tumores de próstata como ainda alta-mente correlacionado com casos avançados e de pro-gnóstico ruim. O alvo da carta-bomba estava eleito.

Os resultados do ataque são os que saíram naCancer Cell. Arap e Renata não só reconfirmaram aGRP-78 como um CEP válido para localizar tumorescomo o fizeram usando três tipos de vítimas amos-trais: linhagens de células de tumores de próstata emama, amostras de tumores retirados de pacientes emodelos animais de tumores humanos (camundon-gos transplantados com células tumorais humanas).“Foi muito eficaz até agora e achamos que mirar nes-sa proteína poderia também funcionar em outros ti-pos de tumores”, disse Renata em comunicado do

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M.D. Anderson divulgado na época. Desde então, elaconfirma que resultados similares foram obtidoscom amostras de câncer de pulmão.

No caminho da pureza - Há um longo percurso pelafrente antes de chegar à fase de testes clínicos com se-res humanos, com autorização da FDA, a agência dealimentos e fármacos dos Estados Unidos. Primeiro,o grupo tem de obter amostras puríssimas da carta-bomba, quer dizer, dos compostos que acoplarão osgrupos de peptídeos capazes de reconhecer a GRP-78com o indutor de apoptose klaklak. Com essas subs-tâncias no grau de pureza exigido, eles poderão entãoiniciar outros testes pré-clínicos requeridos pelaFDA. “Se tudo correr muito bem e nós dermos sorte,2006 será o ano em que veremos a chegada disso aum ensaio de fase 1”, afirma Pasqualini. “Certamenteo [centro] M.D. Anderson, os médicos e os cientistasenvolvidos estão fazendo todo o possível para queisso aconteça logo.”

Um obstáculo para essa estratégia alcançar a con-dição de terapia inteligente contra o câncer é a ques-tão da toxicidade, ou seja, a possibilidade de que aklaklak detone também as mitocôndrias de célulasestranhas aos tumores. Apesar da especificidade altada GRP-78 e da necessidade de ela estar projetada nasuperfície da célula (o que só ocorre sob estresse),nada garante que as cartas-bomba nunca chegarão àscélulas de tecidos inocentes e vitais. Nos experimen-tos, elas aniquilaram células cultivadas de tecidosnormais. Renata ressalva que, nesse tipo de cultura invitro, as células se encontram num estado de estressecrônico, enquanto no corpo haveria muito poucaGRP-78 exposta para os peptídeos batedores em cir-culação. “Não prevemos toxicidade significativa comessa abordagem. Não saberemos, no entanto, até queampliemos nossos estudos pré-clínicos além do quefoi feito com camundongos e com doses terapêuticas,que não parecem ser tóxicas.”

Renata e Arap mantêm uma ativa colaboraçãocom pesquisadores do Brasil. Dos sete autores do ar-tigo na Cancer Cell, quatro são brasileiros: além docasal, contribuíram Marco Arap, primo de Wadih in-corporado ao time do M.D. Anderson, e Álvaro Sar-kis, da Faculdade de Medicina da USP (FMU/USP),que providenciou “amostras humanas valiosas para avalidação da expressão de GRP-78”, nas palavras deRenata. A pesquisadora brasileira radicada no Texasdiz também que está entusiasmada com o reforçoque vai receber do CEP 05403-010, da FM/USP: Em-manuel Dias-Neto, do Laboratório de Neurociênciasdo Instituto de Psiquiatria, acompanhado da mulher,Diana Nunes, ela também especialista em genômica.A partir de janeiro, o inventor da metodologia Ores-tes – principal inovação técnica surgida com os pro-jetos genoma da FAPESP – poderá ser encontrado nozip code 77030 de Houston, Texas. •

MARCELO LEITE

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omo se sou-bessem que sóunidas conse-guirão sobre-viver, versõesdefeituosas de

uma proteína conhecida como príon –abreviação de partícula infecciosa pro-teinácea – formam aglomerados se-melhantes a um novelo de lã e se ins-talam em neurônios que formam océrebro e os nervos que se estendempor todo o corpo.Lá dentro seqües-tram as moléculas conhecidas comoproteínas príon celular – a forma nor-mal dos príons –,fazendo-as aderir aobloco.Escapam das enzimas que as des-truiriam se estivessem sozinhas,acu-mulam-se e são enfim liberadas.Come-çam então a infectar outras células e,emcada uma delas,mudam a estrutura daproteína príon celular.E até morreremas células produzem esses príons altera-dos,que assim se propagam continua-mente,como se fossem vírus.

O passo-a-passo desse processo deinfecção foi agora descrito pela primei-ra vez por uma equipe da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG),em um estudo realizado com um gru-po de uma das unidades dos InstitutosNacionais de Saúde (NIH) dos EstadosUnidos.Os resultados,publicados noJournal ofNeuroscience ,ajudam a enten-der melhor,a detectar e talvez a deter asdoenças causadas por essas proteínasdefeituosas,cujos movimentos dentroda célula permaneciam desconhecidos.

Anos atrás,milhares de bois foramsacrificados na Europa por terem con-

NEUROLOGIA

C traído uma doença transmissível,a en-cefalopatia espongiforme bovina,oumalda vaca louca.S ó foi controlada apartir do momento em que se desco-briu que era causada por variantes depríons.Em ovelhas,essas part ículas cau-sam uma doença similar,que tamb émdeixa o cérebro semelhante a uma es-ponja,conhecida como scrapie. Umaversão próxima em seres humanos cha-ma-se doença de Creutzfeldt-Jakob,en-fermidade neurodegenerativa rara,masigualmente fatal.

Os pesquisadores trabalharam comlinhagens de células derivadas de neu-rônios de camundongo,escolhidas porresistirem à invasão e acumulação dospríons – nos experimentos foram acom-panhadas por duas semanas,mas po-dem sobreviver muito mais.Os neur ô-nios são bem mais frágeis e morreriamlogo no início do processo de infecção,acredita Marco Antonio Prado,biólogocelular da UFMG e um dos coordena-dores desse trabalho. “Além dos danosda própria infecção”,diz ele, “a proteínapríon celular pode se tornar tóxica oudeixar de exercer tarefas importantespara a célula quando é convertida empríons”.Acredita-se que as formas sau-dáveis dessas proteínas estejam ligadasà manutenção da memória e ao cresci-mento das células nervosas,de acordocom estudos recentes conduzidos porum grupo do Instituto Ludwig de Pes-quisas sobre o Câncer,de S ão Paulo.

Na fronteira com o Canadá - Ana Cris-tina Magalhães,que desenvolveu seudoutoramento sob a orientação de Pra-

Equipe de Minas Gerais observa como príons infectam neurônios

Ocupar, resistir e conquistar

CIÊNCIA

do,trabalhou por um ano com bolsa-sanduíche da Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Superior(Capes) no Laboratório das Monta-nhas Rochosas,uma das unidades NIH,até desvendar os movimentos do príondentro da célula.Ana Cristina foi paralá convidada por Byron Caughey,o l í-der de um grupo que se especializarana pesquisa desse tipo de proteína, pa-ra pilotar um equipamento diante doqual já se sentia à vontade:um micros-cópio confocal,que permite a observa-ção do movimento de proteínas em cé-lulas vivas.Ela j á havia trabalhado emBelo Horizonte em um desses apare-lhos para descrever o comportamentoda proteína príon celular nas células.

Ana Cristina teve,antes de apren-der a conviver comos caprichos dascélulas de camundongo,que nem sem-pre cresciam como ela esperava,al émde se adaptar ao frio e à calma de Ha-milton,uma cidade de 3 mil habitan-tes próxima à divisa com o Canadá.Em paralelo,ela tratava dos príons al-terados, adicionando-lhes um corantefluorescente,para que depois pudes-sem ser identificadossob o microsc ó-pio. Após meses de preparativos,sen-tou-se à frente do microscópio e se pôsa examinar as finas camadas de célulasatravessadas por um feixe de laser.Fezcerca de mil imagens tridimensionaise, analisando-as, pôde reconstituir osmovimentos do príon no interior dacélula nervosa.

Forma-se inicialmente um aglome-rado de príons fluorescentes sobre a su-perfície das células.Em seguida,cada

CARLOS FIORAVANTI

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célula incorpora as proteí-nas anormais como umminúsculo peixe mordis-cando uma bolota de pão.“Os detalhes ainda não es-tão muito claros”, diz Pra-do. Não se sabe ao certo quais molécu-las conduzem os príons para o interiorda célula nervosa, mas é certo: lá den-tro, essas proteínas começam a se unir ea constituir aglomerados que circulamde um lado a outro – e assim podemchegar aos dois tipos de prolongamen-to dos neurônios, tanto os mais curtos,os dendritos, quanto os mais longos, osaxônios, responsáveis pela comunica-ção entre as células.

Os príons encontram as proteínaspríon celular e as convertem em anor-mais, fazendo-as aderir ao bloco quecresce como uma bola de neve. Pouco apouco, porém, os aglomerados são reti-dos em dois tipos de compartimentoespecializados na destruição de proteí-nas, conhecidos como endossomos tar-dios e lisossomos. É onde deveriam serdestruídos, por causa do ataque das en-zimas. No entanto, os príons sobrevi-vem, possivelmente porque as enzimasnão conseguem penetrar a massa deproteína e ligar-se aos possíveis pontosde ruptura, que as desmontariam.

A célula trata então de eliminar acarga indesejada que, por não ser de-gradada pelas enzimas, vai se acumu-lando. “Provavelmente os lisossomos sefundem com a membrana externa e li-beram os agregados no meio extrace-lular, permitindo assim a infecção deoutras células”, cogita Prado. Mas as cé-

lulas nervosas não encontram a pazmesmo depois de expelirem os blocosde proteínas defeituosas. Antes de par-tir, os príons deixam algo que pode servisto como suas sementes – por meiodelas é que modificam a arquitetura depríon celular. Em conseqüência, as cé-lulas que haviam sido infectadas conti-nuam a fabricar proteínas alteradas apartir de suas versões saudáveis, até queseu funcionamento seja alterado a pon-to de perder por completo a habilidadede sobrevivência.

Discreta e bem-comportada - A proteí-na príon celular – a forma normal dopríon – costuma se comportar de mo-do diferente. Em vez de formar blo-cos, vive ancorada na superfície celu-lar. É uma proteína abundante, que semovimenta da superfície para o inte-rior da célula, cumpre suas tarefas esai sem causar problemas, como AnaCristina havia verificado antes, tam-bém por meio da microscopia confo-cal, em um estudo feito com Kil SueLee, aluna de doutoramento de VilmaMartins, do Instituto Ludwig, e publi-cado no Journal of Neurochemistry eno Journal of Biological Chemistry.

Essas pesquisas estão gerandotambém ganhos indiretos, à medidaque se descrevem processos de aden-samento de aglomerados de proteínas

semelhantes aos que se for-mam no cérebro de porta-dores do mal de Alzheimer– mesmo que neste caso asproteínas sejam outras e osblocos que formam não

sejam infecciosos, o resultado é o mes-mo: a morte dos neurônios. Em junho,outra equipe do Laboratório das Mon-tanhas Rochosas publicou na Scienceum estudo com camundongos altera-dos geneticamente capazes de produzirvariantes da proteína príon celular quesão liberados para fora da célula, emvez de ficarem presos a ela. Quando es-ses animais foram infectados com príon,formaram-se aglomerados e lesões ce-rebrais similares às vistas no Alzheimer.No entanto, apesar de infectados, os ca-mundongos não manifestaram os sin-tomas esperados, como os tremores e aperda de coordenação motora, obser-vados no outro grupo de camundon-gos sem alteração genética, nos quaistambém se aplicaram os príons.

A partir desses indícios, começa-sea repensar as formas de tratar as doen-ças causadas por príons, não mais com-batendo os aglomerados, mas bloquean-do os príons, retendo-se, por exemplo,a produção de príon celular. Está emer-gindo também um novo paradigma detransmissão de informações, não maispor meio do material genético, o DNA,mas através da habilidade de uma pro-teína defeituosa em tornar também de-feituosas suas versões normais, comoum mau aluno que chega em uma clas-se e corrompe o comportamento de to-dos os outros. •

Em ação: príons (em vermelho) invadem células neuronais

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o interior daF l o r e s t aAmazônica,um mosqui-to azul-es-curo de 4 mi-

límetros mantém em circulação umvírus bastante letal:o da febre amarela,infecção que a cada ano atinge cerca de200 mil pessoas nos países tropicais emata em 10% dos casos.Inofensivo aesse inseto,o Haemagogus janthinomys,esse vírus é capaz de matar em poucosdias os seres humanos que se aventu-ram pela mata.

Há tempos se sabe que esse vírusdanifica gravemente o fígado,que p árade funcionar.Um achado recente,po-rém,abre caminho para terapias capa-zes de evitar essa situação.Ao analisaramostras de fígado de 53 pessoas quemorreram em conseqüência da febreamarela,pesquisadores do Par á e deSão Paulo identificaram e contabili-zaram o tipo de dano que o vírus cau-sador dessa enfermidade provoca nascélulas do fígado.Acreditava-se que so-fressem necrose,um proc esso violentoem que a célula se rompe e libera com-

VIROLOGIA

N postos tóxicos que matam suas vizi-nhas,numa rea ção que se amplia emcadeia.Agora uma equipe da Universi-dade Federal do Pará (UFPA),do Insti-tuto Evandro Chagas (IEC) e Universi-dade de São Paulo (USP) mostrou quea necrose não é o fenômeno mais im-portante.O v írus da febre amarela atéproduz necrose no fígado,mas muitopouco.

Pode parecer excesso de detalhe,mas entre as células também há mortese mortes.Exames bioqu ímicos e a análi-se por microscópio eletrônico revelaramque o vírus libera sinalizadores quími-cos que causam morte por apoptose,descrevem Juarez Quaresma,da UFPA,e Maria Irma Seixas Duarte,da USP,em dois estudos recentes,um delespublicado em maio na Acta Tropica. Aapoptose – ou morte celular programa-da – é um processo natural de elimina-ção de células velhas ou doentes.Emvez de provocar um desequilíbrio quí-mico que faz as células incharem até ex-plodir,a apoptose leva as células a mur-charem sem liberar seu conteúdo, antesde serem digeridas por células do siste-ma de defesa.O problema no caso da

Virologistas descobrem como o agente causador da febre amarela destrói as células do fígado

Morte antecipada

CIÊNCIA

febre amarela é que a apoptose ocor-re numa proporção exagerada,como seo vírus fizesse os ponteiros do relógioavançarem rapidamente,antecipando amorte das células do fígado.

Bloqueios - Com essas descobertas,sur-ge a possibilidade de se testarem com-postos capazes de frear a apoptose eproteger o fígado nos casos graves defebre amarela,cuja taxa de mortalida-de chega a 50%.“Agora se pode pensarem mecanismos que protejam o fíga-do”,diz Maria Irma,que coordenouesse estudo,realizado em colabora çãocom Pedro da Costa Vasconcelos e Ve-ra Barros,ambos do Evandro Chagas,em Belém.

A importância desse resultado émaior do que se pode supor.Desde1942 a febre amarela está restrita àsáreas de floresta dos 11 estados doNorte e do Centro-Oeste,al ém do Ma-ranhão,onde vivem 30 milh ões de pes-soas.Mesmo assim,n ão se pode descar-tar o risco de que a infecção volte a seespalhar pelo país. Nos últimos dezanos cresceu o número de casos regis-trados em seres humanos,atingindo

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um pico de 85 casos apenas em 2000. Ovírus da febre amarela passou a ser en-contrado também em parte do Piauí,da Bahia, de Minas Gerais, de São Pau-lo e dos estados da Região Sul. Caso ovírus continue a se dispersar rumo aosestados mais a leste, pode alcançar umaárea habitada por 120 milhões de pes-soas, na qual a taxa de vacinação contraa febre amarela é praticamente nula.

Há outro motivo de preocupação.Nas áreas urbanas, o vírus da febreamarela não é transmitido pelos mos-quitos do gênero Haemagogus, de hábi-tos silvestres, e sim pelo Aedes aegypti,o mosquito urbano que também trans-mite o vírus da dengue e é encontradode norte a sul do país. Uma agravante:muitos casos de febre amarela só sãoconfirmados depois da morte do doen-te. Como os sintomas – febre, doresmusculares, sangramentos, vômitos eamarelamento da pele – são comuns aoutras doenças virais que afetam o fíga-do, muitas vezes a febre amarela passadespercebida mesmo nas áreas em quea infecção é endêmica. Como o orga-nismo se encarrega de combater o vírusna forma branda da doença, há o risco

de a disseminação ser sorrateira, auxi-liada pelo próprio ser humano. “É pro-vável que as formas leves sejam maiscomuns do que se imagina e passemdespercebidas dos médicos e das auto-ridades de saúde”, diz Vasconcelos.

Recentemente ele estudou comoevoluiu no Brasil e na América Latinaesse vírus originário da África. Compa-rou 117 amostras coletadas em sete paí-ses latinos com 19 de países africanos.Apresentados em março deste ano noJournal of Virology, os resultados mos-tram que o vírus da febre amarela evo-luiu desde que chegou à América háquase quatro séculos. Mas não se tor-nou mais agressivo nem perdeu a capa-cidade de infectar mosquitos e causardoença, segundo esse estudo, financia-do pelo Lancet International Fellows-hip Award.

Em outro trabalho, Vasconcelosavaliou as características genéticas de79 amostras do vírus coletadas em 12estados entre 1935 e 2001. Conclusão: ovírus em circulação no país pertence aum único tipo, o América do Sul 1, for-mado por cinco grupos (A, B, C, D eVelho Pará). Os vírus detectados nosúltimos sete anos são do grupo D, quevêm se dispersando rumo ao sul: em1998 foram encontrados no Pará; em1999 e em 2000, na Bahia, em Tocan-tins e em Goiás; e em 2001, em MinasGerais. Vasconcelos atribui essa disse-minação em parte à migração de porta-dores assintomáticos do vírus para oSudeste e o Sul. Ele desconfia tambémde outro fator: o tráfico de animais sil-vestres, em especial de macacos. •

O vírus da febreamarela e o Aedesaegypti, seu transmissor nas áreas urbanas: rumoao sul do país

RICARDO ZORZETTO

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■ Divulgação científica

Papel social dos museus

Refletir sobre como o fazer científico e tec-nológico,as demandas da sociedade e as ques-tões educacionais influem no papel social dosmuseus de ciência,sobretudo na negociaçãocom seus públicos,é o objetivo do artigo “Mu-seus,ciência e educação:novos desafios”,assi-nado por Maria Valente,Sibele Cazelli e FátimaAlves,pesquisadoras do Museu de Astronomiae Ciências Afins (Mast).O estudo analisa a tra-jetória de consolidação dos museus de ciênciano Brasil e as modificações dessas instituiçõesimpostas pela sociedade atual.“Os museus deciência acompanham a sociedade por mais detrês séculos e,ultimamente,vêm sofrendo mu-danças marcantes e profundas na suaconcep-ção de acessibilidade pública:anteriormentemeros armazéns de objetos,são considera-dos hoje lugares de aprendizagem ativa”,di-zem as pesquisadoras.No Brasil,o movimentode criação dos museus de ciência não tem sidoo foco de investigações de historiadores daárea,apesar de os estudos evidenciarem a ricacontribuição dos museus para a consolidaçãodas ciências naturais no país.Os primeirosmuseus brasileiros possuíam temática científi-ca,uma decorrência da exuberância da natu-reza brasileira.O Museu Nacional do Rio deJaneiro,criado em 1818,foi a primeira institui-ção brasileira dedicada primordialmente à his-tória natural.O Museu Paraense Emílio Goel-di,em Belém,no Pará,criado em 1866,e oMuseu Paulista,de São Paulo (1894),são exem-plos de instituições dedicadas às ciências natu-rais e consolidadas no século 19.“Ao longo dosanos intensificam-se pesquisas e práticas co-municacionais relacionadas às atividades emmuseus,configurando cada vez mais um cam-po específico de produção de conhecimento”,ressaltam.“Estudos e estratégias são emprega-dos para disponibilizar aos visitantes conheci-mento científico de qualidade e de forma aces-sível”, concluem.

HISTÓRIA, CIÊNCIAS, SAÚDE-MANGUINHOS –VOL. 12 – SUPLEMENTO 0 – RIO DE JANEIRO 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000400010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Duas revistas latino-americanas indexadas na SciELOforam recentemente selecionadas para catalogação nas bases dedados do Institute forScientific Information (ISI).A Revista Brasileira dePsiquiatria, da coleçãoSciELO Brasil, e aChungara: Revista de Antropología Chilena,da SciELO Chile, acabamde ser selecionadas para o Social ScienceCitation Index.O aumento da visibilidadedas revistaslatino-americanas proporcionado pela SciELOtem se refletido na ampliação de citações, permitindo que cada vezmais essas revistaspossam ser submetidas a processos de seleção de bases de dados internacionais. Atualmente são 26 revistas brasileiras e 11chilenas que estão representadas nosScience Citation Index do ISI, das quais 14 são das áreas de ciênciasbiológicas e da saúde (11 brasileiras e 3 chilenas).

Notícias■ Agricultura

Impulso para o tomate

Discutir meiospara melhorar emmuito a eficiên-cia técnica e eco-nômica da pro-dução de tomatepara a indústriaé a proposta doestudo “Desafiose perspectivas para a cadeia brasileira do to-mate para processamento industrial”.O artigofoi escrito por Paulo César de Melo,da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Queiroz(Esalq),e Nirlene Junqueira Vilela,da Empre-sa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em-brapa Hortaliças).A pesquisa est á baseada emuma série de visitas técnicas às áreas de pro-dução de tomate para processamento indus-trial e às agroindústrias de processamento lo-calizadas no Estado de Goiás. Além dasentrevistas com produtoras e observações inloco,foram feitas infer ências a partir de mate-rial fornecido pelas agroindústrias processa-doras e artigos técnico-científicos registradossobre o assunto em publicações de referência.“Na América do Sul,o Brasil lidera a produ çãode tomate para processamento industrial,sen-do o maior mercado consumidor de seus deri-vados industrializados”,dizem os autores. “En-tretanto,no contexto mundial,o pa ís tem umaparticipação de apenas 5,5% da produção totalde tomate para processamento industrial e aexportação de derivados industrializados nãoé significativa”,acrescentam.O estudo mostraque,na d écada de 1990,observou-se um ex-pressivo desempenho do setor.Entretanto,noâmbito dos sistemas de produção, notou-seuma série de fatores limitantes à otimização daprodução. “Dentre esses limitantes estão cul-tivares inadequadas à colheita mecanizada esuscetíveis às doenças e pragas que depreciama qualidade industrial dos frutos.”

HORTICULTURA BRASILEIRA – VOL. 23 – Nº 1 –BRASÍLIA – JAN./MAR. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-05362005000100032&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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■ Construção civil

Trabalho arriscado

Apesar dos es-forços governamen-tais, empresariais esindicais, a indús-tria da construçãocivil é uma das queapresentam as pio-res condições desegurança, em ní-vel mundial. Essa éa premissa que sustenta o estudo realizado por quatropesquisadoras da Escola de Enfermagem da Universi-dade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto:Cristiane Aparecida Silveira, Maria Lúcia do CarmoCruz Robazzi, Elisabeth Valle Walter e Maria HelenaPalucci Marziale. Elas decidiram fazer um levanta-mento no Hospital Universitário de Ribeirão Preto, nointerior de São Paulo, sobre os acidentes ocorridos en-tre os operários do setor. Para isso, analisaram pron-tuários hospitalares e anotações de profissionais dasaúde. Os resultados da pesquisa estão no artigo “Aci-dentes de trabalho na construção civil identificadospor meio de prontuários hospitalares”. Foram analisa-das 6.122 fichas com características pessoais dos aci-dentados, causas do acidente e partes do corpo atingi-das. Do total de prontuários hospitalares em questão,150 referiam-se aos trabalhadores da indústria daconstrução civil. A faixa etária predominante foi acompreendida entre 31 e 40 anos e todos eram do se-xo masculino. As causas predominantes foram as que-das (37%) e as partes do corpo mais lesadas foramos membros superiores (30%). “Os trabalhadores daconstrução civil constituem um grupo de pessoas querealiza sua atividade profissional em ambiente insalu-bre e de modo arriscado”, apontam as pesquisadorasno artigo. “Geralmente são atendidos inadequada-mente em relação aos salários, alimentação e transpor-te, possuem pequena capacidade reivindicatória e,possivelmente, reduzida conscientização sobre os ris-cos aos quais estão submetidos”, afirmam. O estudosugere um maior esforço coletivo tanto das empresascomo dos sindicatos e do estado, que garanta umaumento dos investimentos no setor visando diminuiros acidentes no trabalho. “Recomenda-se também àsequipes do serviço público de atenção à saúde quequestionem os pacientes sobre a sua ocupação, procu-rando-se estabelecer nexo entre o acidente ocorrido eo trabalho realizado pelos acidentados”, dizem as pes-quisadoras. Dessa forma, conforme o artigo, os aci-dentes poderiam ser notificados à Previdência Social,o que colaboraria para a diminuição da subnotificaçãoacidentária no país.

REVISTA ESCOLA DE MINAS – VOL. 58 – Nº 1 – OURO PRE-TO – JAN./MAR. 2005

www.scie lo.br/scie lo.php?scr ipt=sci_ar t text&pid=S0370-44672005000100007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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■ Saúde

Descompasso sanitário

No artigo “Vigilância sanitária: uma proposta deanálise dos contextos locais” foram publicados os re-sultados de uma pesquisa realizada em oito municí-pios do Estado da Paraíba. Os autores analisaram a re-lação entre os serviços de vigilância da área de saúde eos contextos sanitário, epidemiológico, político, sociale econômico desses territórios. O estudo foi desenvol-vido pela Assessoria de Descentralização da AgênciaNacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e integra aRede Descentralizada de Vigilância Sanitária (ProjetoRedevisa), que tem como missão identificar as priori-dades sanitárias e epidemiológicas locais para o repas-se de recursos financeiros pela Anvisa. As informaçõessobre os municípios foram analisadas visando ao de-sempenho dos Serviços de Vigilância Sanitária sob osaspectos relacionados à estrutura, processos de traba-lho, gestão, contexto político e recursos financeiros. Ospesquisadores constataram a deficiente articulação en-tre o trabalho das vigilâncias pesquisadas e o espaçoonde eles atuam, além de identificar fatores restritivospara a ação de controle sanitário local. “Entre os fato-res que reduzem a efetividade das ações de controle sa-nitário são citados, com freqüência: atribuições poucodefinidas das instâncias de governo, abordagem frag-mentada do campo de atuação, pouca articulação in-tra e interinstitucional, insuficiência de recursos hu-manos, baixa qualificação técnica dos profissionais,sistema de informações insuficiente e despreparo paraa utilização dos dados existentes.” Outro dado reforçaa tese do descompasso entre os atores do processo.“Em 100% das equipes havia um desconhecimentodos dados socioeconômicos e epidemiológicos dosseus municípios e, por conseguinte, os fatores de riscopor eles delineados”, mostram os autores do trabalhoMárcia Franke Piovesan, da diretoria de Desen-volvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Su-plementar, Maria Valéria Vasconcelos Padrão, MariaUmbelina Dumont e Luiz Felipe Moreira Lima, da An-visa, Gracia Maria Gondim, da Universidade Federaldo Rio Grande do Norte (UFRN), Oviromar Flores, daFaculdade de Ciências da Saúde da Universidade deBrasília (UnB), e José Ivo Pedrosa, da Secretaria doTrabalho e da Educação na Saúde do Ministério daSaúde. Os pesquisadores propõem um método de re-conhecimento e sistematização das informações queconsideram indispensáveis para o planejamento emvigilância sanitária. O artigo apresenta também, comoconclusão, um conjunto de necessidades específicas,estruturadas a partir da própria população em con-junto com técnicos e gestores de saúde, com a intençãode propor a intervenção crítica sobre o território pormeio do planejamento participativo.

REVISTA BRASILEIRA DE EPIDEMIOLOGIA – VOL. 8 – Nº 1 –SÃO PAULO – MAR. 2005

www.sc ie lo.br/sc ie lo.php?scr ipt=sc i_ar t text&pid=S1415-790X2005000100010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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■ Sensor ópticoavalia estruturas

Usando peças de vidro e umlaser de femtossegundo – me-dida que equivale a 1 segun-do dividido por 1 quatrilhãode vezes –, pesquisadores daUniversidade de Keio, no Ja-pão, e Harvard, nos EstadosUnidos, fizeram um sensorque poderá detectar vibraçõesestruturais em máquinas, veí-culos e edifícios, mesmo emcondições extremas encontra-das em satélites, reatores atô-

preservando as células sadias.Pesquisadores do Instituto deTecnologia de Massachusetts(MIT) desenvolveram umananopartícula que faz isso.Uma nanocélula com câmaradupla, que empacota a droga,mostrou-se efetiva e segura,com prolongamento da so-brevida, contra câncer depulmão e de pele (melano-ma). “Nós juntamos três ele-mentos: biologia do câncer,farmacologia e engenharia”,disse Ram Sasisekharan, pro-fessor da Divisão de Enge-

que interrompe a continui-dade da guia de onda. Ao aco-plar o aparelho a uma fontede luz, como um diodo de la-ser, os pesquisadores podemmonitorar a vibração por meioda perda de transmissão. •

■ Bomba inteligentecontra o câncer

Imagine uma droga para com-bater o câncer que pode se in-filtrar dentro do tumor, vedaras saídas e detonar uma do-se letal de toxinas anticâncer,

micos e usinas elétricas. Oaparelho é imune à interfe-rência eletromagnética, e asmedições são insensíveis àsvariações de temperatura. Osensor possui uma única guiade onda de luz que atravessaas três peças de vidro. Monta-do sobre um feixe de vigas, ovidro central se move em res-posta à vibração mecânica,

L INHA DE PRODUÇÃO MUNDO

TECNOLOGIA

Bionanotubo entrega remédios e genes

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Pesquisadores da Universi-dade da Califórnia, em SantaBárbara, nos Estados Unidos,desenvolveram um “biona-notubo inteligente”: umainédita estrutura que pode-rá se tornar um veículo paratransportar uma droga ul-traprecisa ou inserir genesterapêuticos no organismo.Os nanotubos são “inteli-gentes” porque eles podem

abrir ou fechar portas, de-pendendo de como os pes-quisadores manipulam acarga elétrica dos dois com-ponentes. Em princípio, onanotubo poderá encapsu-lar a droga ou o gene, queseriam transportados até olocal onde teriam melhorefeito no organismo. Oscomponentes do tubo têmpapel semelhante ao da pele

e do osso. A “pele” é um ar-ranjo de moléculas, parecidocom uma bolha de sabão,conhecido como bicamadade lipídios, similar à duplacamada que forma a mem-brana externa de proteçãoda célula. O “osso” é uma es-trutura cilíndrica, oca, pare-cida com os microtubos pre-sentes na membrana de umacélula – o sistema formado

por uma rede de fibras de su-porte em nanoescala usadopara transporte interno, es-tabilidade estrutural e mui-tas outras finalidades. Os pes-quisadores descobriram que,quando eles combinam osdois componentes e contro-lam as condições de manei-ra propícia, os bionanotubosabertos ou fechados se jun-tam espontaneamente. •

Lipídios e proteínascontroladosabrem e fecham asportas paraos nanotubos

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Um novo reagente à base deferro consegue acelerar em até50 vezes a destruição dos pro-dutos tóxicos derivados dagasolina. O produto, que re-cebeu o nome de Fentox, foidesenvolvido no Instituto deQuímica da Universidade Es-tadual de Campinas (Uni-camp) para ser usado juntocom o peróxido de hidrogê-nio, substância mais conhe-cida como água oxigenada,na descontaminação de áreasatingidas por derivados depetróleo, como postos de ga-solina. Desde o início da dé-cada de 1990, o peróxido dehidrogênio tem sido bastanteutilizado na indústria brasi-leira por atender a demandasdiversificadas. Na indústria depapel e celulose, por exemplo,é usado como branqueador.Nas áreas contaminadas, o pe-róxido associa-se ao reagentetradicional chamado Fenton,também à base de ferro, masque tem como desvantagem ofato de só funcionar em meioácido. “A adição de substân-cias ácidas à mistura acaba

gerando muito calor e, porisso, é preciso ter um contro-le rígido da reação química”,diz o professor Wilson Jardim,um dos autores da invenção,já patenteada, que teve a par-ticipação do mestrando Julia-no Andrade. “A eficácia doperóxido de hidrogênio nadestruição de derivados depetróleo deve-se ao fato deque no final do processo sósobra água e oxigênio.” Agrande vantagem do Fentoxem substituição ao reagentetradicional, além da rapidezcom que destrói os principaisprodutos tóxicos derivados dagasolina, é que ele não precisade pH ácido para funcionarnem libera calor quando rea-ge com os contaminantes deinteresse. O nome do novoproduto também é uma ho-menagem ao químico Fenton,pioneiro na publicação de tra-balhos que tratavam do usodo peróxido de hidrogêniocomo oxidante em 1894. Nadécada de 1980, os estudos fo-ram retomados e deram ori-gem a novas tecnologias. •

Limpeza em área contaminada

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quimioterápicos. As nanocé-lulas são pequenas para pas-sar pelas veias do tumor, masgrandes para romper os po-ros nos vasos. Uma vez dentrodo tumor, a membrana exter-na se desintegra, soltando adroga antiangiogênica. •

■ Técnicas combinadaspara combater vírus

Uma combinação de modi-ficação genética e técnicas deenxerto tradicional de plan-tas pode ajudar culturas demelancia a resistir a um po-tente vírus que provoca adoença chamada de mosaico.Isso sem introduzir genes es-tranhos dentro da fruta. Emvez de modificar a planta in-teira, uma equipe formadapor pesquisadores do Centrode Biotecnologia da Coréiado Sul e da Universidade deSeul modificou somente o ri-zoma, uma espécie de troncosubterrâneo em que as mudasde variedades comerciais demelancia são modificadas.Para criar uma planta resis-tente, eles inseriram um ge-ne viral no rizoma. Os pesqui-sadores disseram que nãoestá claro como a inserção dogene viral protege a melancia.Um potencial mecanismo éo “silenciamento do gene”, noqual a produção de uma pro-teína vital para o vírus se re-produzir é eliminada. •

nharia Biológica do MIT ecoordenador do grupo de pes-quisa, em comunicado do ins-tituto. O desafio na quimiote-rapia usada para combater ocâncer é sua toxicidade para ascélulas sadias. A saída encon-trada foi juntar a quimiotera-pia à antiangiogênese, o méto-do que corta o suprimento desangue e pode matar as célu-las de fome. As duas drogascomportam-se de forma dife-rente e em horários distintos:os antiangiogênicos atuam so-bre um período prolongadoe a quimioterapia em ciclos.Usando drogas prontas e ou-tras substâncias, os pesquisa-dores criaram um balão den-tro de um balão, que lembrauma célula verdadeira. Amembrana externa da nano-molécula foi carregada comuma droga antiangiogênica eo balão inteiro com agentes

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Melancia modificada fica mais resistente a doenças

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■ Nanotecnologia para produtos cosméticos

A empresa KosmoScience,que trabalha com foco na na-notecnologia para desenvol-ver metodologias para avalia-ção de produtos cosméticos,foi convidada a apresentar emsetembro um trabalho em umdos principais eventos inter-nacionais da área, um con-gresso anual realizado pelaFederação Internacional dasSociedades de Químicos Cos-méticos (IFSCC, da sigla eminglês). O estudo “Alteraçõesna densidade de carga superfi-cial em fibras de cabelo huma-no: uma investigação usandomicroscopia de força atômi-ca” será apresentado em Flo-rença, na Itália, por AdrianoPinheiro, um dos sócios daempresa e ex-aluno do Labo-ratório Interdisciplinar de Ele-troquímica e Cerâmica (Liec),que integra o Centro Multi-disciplinar para o Desenvol-vimento de Materiais Cerâ-micos, um dos Centros dePesquisa, Inovação e Difusão

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■ Aço resistenteà corrosão

Uma nova liga de aço comadição de nióbio, que pode-rá ser utilizada em carcaçasde bombas d’água, caixas de

câmbio e de motores, peçasfabricadas pela indústria demáquinas e motores, mostrouem testes ser mais resistente àtração, ao desgaste e à corro-são que o aço fundido nodu-lar, empregado tradicional-mente para essas aplicações.Chamado de aço fundido gra-fítico ao nióbio, o novo mate-rial resulta de uma tese dedoutorado do professor Car-los Alberto Soufen, do De-partamento de EngenhariaMecânica da Faculdade deEngenharia da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp) deBauru. “Quando surgiu aidéia de produzir aço, procu-ramos uma empresa que fi-zesse a fundição”, conta Sou-

Parceria para fornecer embriõesA rede criada para produ-zir embriões de bovinos invitro, coordenada pela Em-brapa Recursos Genéticose Biotecnologia, em Bra-sília, ganhou a adesão daGênesis Biotecnologia eReprodução Animal, doDistrito Federal. Agora são

14 empresas, nos estadosde Mato Grosso, MatoGrosso do Sul, Rondônia,Paraná, Bahia, Minas Ge-rais, São Paulo e DistritoFederal, que participam daRede de Produção in Vitrode Embriões (Pive). Asparcerias são firmadas por

meio de contratos em quea Embrapa oferece assis-tência técnica, com infra-estrutura e recursos hu-manos preparados paradesenvolver as tecnologias,e as empresas pagam taxaspelos embriões produzi-dos e transferidos. •

Rebanho: tecnologia para produzir embriões será repassada a empresas

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(Cepid) da FAPESP. “Comessa técnica é possível selecio-nar componentes químicos,como silicones, polímeros eproteínas, mais eficazes paratratamento de cabelos”, dizPinheiro. •

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fen. A KSB Bombas fez a fun-dição dos lingotes. E a VillaresMetals os testes para avaliarquanto o material contrai oudilata. Os ensaios apontaramque a nova liga possui maiorresistência porque apresentamenor quantidade de grafitalivre, responsável pelo desgas-te do material. Outra vanta-gem é que, como o processode adição do nióbio tem me-nor temperatura de fusão, ogasto energético para produziro aço é menor que o atual. •

■ Embalagem plásticacomo isolante térmico

Um material composto porbandejas plásticas utilizadaspara conservar alimentos eembalagens para ovos mos-trou em testes ser um bomisolante térmico para paredese tetos.“Dessa forma, aprovei-ta-se um material descartadopara reduzir a troca de calorentre o interior de edificaçõese o ambiente externo, contri-buindo para diminuir os gas-tos com energia elétrica uti-lizada pelos condicionadoresde ar”, diz a pesquisadora Do-rivalda Medeiros Neira, doDepartamento de EngenhariaMecânica da UniversidadeFederal do Rio Grande doNorte (UFRN), autora do pro-jeto coordenado pelo profes-

sor George Marinho. O estu-do avaliou o uso de embala-gens de poliestireno expandi-do (EPS) pós-consumo comoisolantes. Para testar a eficá-cia das placas foram realizadostestes em duas câmaras. As câ-maras foram cobertas por cha-pas de aço pintadas de preto,apoiadas sobre um painel demadeira compensada. Emuma delas, a placa foi coloca-da entre a chapa de aço e ocompensado. A outra câmarafoi utilizada como referência.O uso da placa reciclada resul-tou em uma redução médiade 5,9°C no interior do cô-modo, em comparação com acâmara sem isolamento. •

■ Produção nacionalpara máquina braille

A máquina braille será total-mente fabricada no Brasil. AFederação das Indústrias doEstado de São Paulo (Fiesp) eo Serviço Nacional de Apren-dizagem Industrial (Senai) fir-maram parceria com a Lara-mara – Associação Brasileirade Assistência ao DeficienteVisual para produzir o apa-relho que atualmente é feitoapenas nos Estados Unidos.A associação pretende distri-buir pelo menos uma máqui-na a cada um dos 654 muni-cípios paulistas. •

Fundiçãode lingotes

de açografítico

para testesde resistência

e corrosão

PatentesInovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento

e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Luz ultravioleta para curativo

Gel para lesões na pele feito com água oxigenada

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Novo processo utiliza a ra-diação ultravioleta e águaoxigenada para produzirmembranas de hidrogeldestinadas a curativos pa-ra lesões de pele, comoqueimaduras e úlceras.Pelo sistema convencio-nal, a solução formadapor polímeros em estadolíquido, usada para pro-duzir as membranas, pre-cisa ser exposta a umaradiação de alta energia,por feixe de elétrons ouradiação gama, para ad-quirir a consistência de gel.Esse método é altamenteeficaz porque promove areticulação – formação dereações cruzadas entre ascadeias poliméricas quetransformam a soluçãoaquosa em gel – e a este-rilização do curativo si-multaneamente. Mas sãopoucas as empresas quepossuem os equipamen-tos necessários para exe-cutar essa tarefa. O novoprocesso é bem mais ba-

rato, simples e acessível,porque o uso da luz ul-travioleta diminui o cus-to da produção. O uso daágua oxigenada acelera oprocesso e o torna viável.Além disso, permite queos hidrogéis sejam produ-zidos sem necessidade deequipamentos de grandeporte e alto custo. Todasas características originaisdo gel produzido atual-mente, como maciez, não-toxicidade, permeabili-dade a líquidos e gases ebarreira contra microorga-nismos, são preservadas.

Título: Processo de obtenção

de gel hidrofílico por reticulação

de solução aquosa de um

ou mais polímeros hidrofílicos,

gel hidrofílico, curativo,

microesfera, método

de tratamento de queimaduras,

método de tratamento de pele,

método de embolização e uso

do gel hidrofílico ou curativo

Inventor: Luiz Henrique Catalani

Titularidade: USP e FAPESP

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egura, eficaz e ba-rata, uma nova va-cina contra a raivahumana deverá serlançada pelo Insti-tuto Butantan nos

próximos meses. Totalmente desenvol-vido na instituição paulista, o produto,que já tinha sido testado com sucessoem camundongos e macacos, passoupor sua prova final: foi injetado emmais de 200 seres humanos num estu-do feito pelo Instituto Pasteur de SãoPaulo e os resultados, ainda prelimina-res, foram bons. Não houve reações sig-nificativas de ordem alérgica ou nervo-sa e, na média dos pacientes, a vacinaestimulou níveis de anticorpos 30 vezesmaiores que os considerados suficien-tes pela Organização Mundial da Saúde(OMS) para neutralizar a ação do vírusda raiva. A quantidade de resíduos ce-lulares encontrados nas doses do imu-nizante foi muito baixa, cerca de cincovezes menor que a recomendada. A rai-va é uma doença fatal ao homem quan-do não tratada logo após ter ocorrido ainfecção pelo patógeno.

A autorização para a venda da vaci-na, cuja propriedade intelectual está pro-tegida por patentes desde o ano 2000,

Nova vacinacontra a raiva Instituto Butantan cria alternativa mais segura, barata e eficaz para uso em seres humanos

MARCOS PIVETTA

IMUNOLOGIA

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TECNOLOGIA

vai ser pedida neste mês à Agência Na-cional de Vigilância Sanitária (Anvi-sa). Nos próximos meses, toda a docu-mentação necessária para a aprovaçãodo medicamento será enviada paraBrasília. “Até o final do ano, ou no iní-cio de 2006, vamos começar a produçãoda vacina em escala comercial”, afirmaNeuza Maria Frazatti Gallina, chefe daseção de raiva do Butantan, responsávelpelo desenvolvimento do produto. Ini-cialmente, a meta é fabricar cerca de 3milhões de doses anuais da vacina, su-ficientes para atender a demanda nacio-nal. Num segundo momento, o volumede produção poderá ser elevado, comvistas à exportação. O custo estimadode cada dose é de US$ 5, dois dólares amenos que o preço pago pelo governofederal pela vacina de raiva usada atual-mente no país, importada da França eaqui rotulada e testada pelo Butantan.

A qualidade do produto deriva dodomínio de uma forma inédita de cul-tivo do vírus da raiva, agente infeccio-so do gênero Lyssavirus. Matéria-primapara a confecção da vacina, onde estápresente numa forma inativada, o víruscresce num substrato composto pelaschamadas células Vero, retiradas dos rinsdo macaco-verde-africano Cercopithecus

Ampolas do imunizante:mais anticorpos e menos reações alérgicas e nervosas

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de produção é cinco vezes mais eficien-te que os demais, o caro se tornou ba-rato.” Feita no exterior, a vacina de rai-va humana hoje disponível no Brasiltambém usa células Vero em seu méto-do de produção, mas é obtida a partirdo cultivo do vírus da raiva em meioque ainda necessita de soro animal.

adoção da vacina importadafoi uma solução-tampão pa-

ra remediar a situação emque o país se encontravano fim da década de 1990.Na época havia uma ver-

são nacional da vacina de raiva, feitapelo Butantan e pelo Instituto de Tec-nologia do Paraná (Tecpar), só que de-rivada de uma tecnologia de produçãomais antiga. Era uma vacina cujo pro-cesso de fabricação utilizava o cérebrode camundongos recém-nascidos. Cer-ca de 2% de seucontéudo final eratecido cerebral deroedores.“A anti-ga formulação da

vacina nacional era boa e conferiaimunidade, mas o risco de efeitos ad-versos não era desprezível”, comentaNeuza.

No fim dos anos 1990, uma pessoano país apresentou reações neurológi-cas graves e morreu depois de tomar aantiga vacina. No ano 2000, o Estado deSão Paulo proibiu a fabricação do pro-duto a partir de tecido nervoso de ca-mundongos. Dois anos mais tarde, ogoverno federal fez o mesmo. Comoninguém no Brasil dispunha então detecnologia para fazer vacinas mais pu-ras contra a raiva, a saída foi trazer doexterior um medicamento mais seguro.A nova vacina do Butantan, ainda maissegura que a atual, deverá pôr fim à ne-cessidade temporária de importar oimunizante, garantindo de novo inde-pendência tecnológica ao país nessaárea. De quebra, os estudos de mais deuma década que levaram à nova vacinaanti-rábica de uso humano tambémpermitiram o desenvolvimento de umalinhagem mais moderna de imunizan-tes contra a raiva destinada a cães, gatose bovinos (veja quadro abaixo).

aethiops. Trata-se de um tipo de mate-rial biológico muito estável, sem riscode provocar problemas de saúde no ho-mem, que pode ser obtido num bancointernacional de células Vero. Em ra-zão dessas características, e também dapossibilidade de crescerem em altas con-centrações no interior de grandes bior-reatores, essas células são altamente re-comendadas pela OMS na produçãode vacinas. Elas são capazes de se mul-tiplicar em meios de cultura paracrescimento de células que dispen-sam a necessidade de soros deorigem bovina ou humana. Por-tanto, há menos traços de DNAanimal na composição finalda vacina.

Por esse processo, a chan-ce de se fabricar uma va-cina contaminada, porexemplo, com a forma degenerada dopríon, uma proteína bovina que causao mal da vaca louca, é nula. “Somos osprimeiros no mundo a fazer uma vaci-na contra a raiva com células Vero nummeio livre de soro, uma técnica nor-malmente muito cara”, assegura Neuza,que, em seu trabalho, contou com fi-nanciamentos da FAPESP, da FundaçãoButantan e do Conselho Nacional dePesquisa e Desenvolvimento Tecnológi-co (CNPq). “Mas, como nosso método

Para cães e gatosA nova vacina anti-rábica de uso

veterinário desenvolvida pelo Insti-tuto Butantan não é tão purificadaquanto a versão humana do produto.Mas será mais eficaz e custará menosque o produto hoje usado no progra-ma público de imunização de cães egatos, feita com cérebro de camun-dongos lactentes. A nova vacina, cujoprocesso de produção será transferi-do para uma empresa paulista, é ela-borada num tipo de célula renal dehamster denominada BHK, que ne-cessita de um meio de cultura comsoro para crescer. Porém, esse mate-rial de cultivo provém de linhagenscelulares estabelecidas há anos e seuprocesso de reprodução em labora-tório já é dominado pelo Butantan.Ou seja, não é necessário matar no-

vos animais pa-ra obter mais cé-lulas BHK.

Para confec-cionar os 33 mi-lhões de dosesanuais de vacinaanti-rábica deuso animal quefornece para oPrograma Na-cional de Profilaxia da Raiva, do Mi-nistério da Saúde, o Instituto de Tec-nologia do Paraná (Tecpar) sacrificatoda semana 120 mil camundongoslactentes. Isso porque a empresa ne-cessita de tecido nervoso dos roedo-res para ser usado na fabricação desua formulação da vacina. “A vacinaem células BHK vai evitar a morte de

todos esses animais”, afirma NeuzaMaria Frazatti Gallina, do Butantan.Testes feitos em cães e gatos na Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp),de Araçatuba, e em bovinos na Uni-versidade do Oeste Paulista (Unoes-te), de Presidente Prudente, mostramque a vacina do Butantan é eficaz emconferir imunidade aos animais.

Vacina de usoveterinário: sem cérebro decamundongo

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raiva e passar, por meio da saliva con-taminada pelo patógeno, a enfermida-de ao ser humano. Não é necessárioque a pessoa tenha sido mordida porum bicho doente. Às vezes, basta terhavido contato da pele ou mucosa doindivíduo com a saliva do animal en-fermo. “Mas o risco de se adquirir araiva é 50 vezes maior por meio deuma mordida do que por uma arra-nhão”, diz Neuza. Na prática, os princi-pais propagadores da raiva no meio

O Tecpar também preten-de desenvolver uma vacinaanti-rábica humana a partir deum meio de cultivo com célu-las Vero, mas as pesquisas es-tão num estágio mais atrasadoque as do Butantan.“Ainda nãoconseguimos produzir a vaci-na no meio livre de soro emescala industrial”, diz o bio-químico Renato Rau, diretorde produção do Tecpar, que seassociou recentemente a umaempresa argentina na esperan-ça de dominar o processo. Ocontrole da tecnologia de cul-tivo de meios celulares livresde soro também será útil aoButantan na criação de outrosprodutos farmacêuticos, comouma versão nacional da vacinacontra o rotavírus, causa co-mum de diarréia em crianças.“Esse é o nosso próximo desa-fio”, diz Neuza.

O processo de produção deum lote industrial com 120mil doses da vacina anti-rábicado Butantan é rápido: conso-me nove dias. Num biorreatorcom capacidade para abrigar 30 litros,que agita seu conteúdo líquido a umavelocidade de 60 rotações por minuto,o vírus da raiva se reproduz em conta-to com as células Vero cultivadas emmeio livre de soro em condições con-troladas para uma série de parâmetros,como temperatura, quantidade de oxi-gênio e acidez (pH). Periodicamente,coletas são feitas: retira-se um pouco desolução rica em vírus da raiva do bior-reator, ao qual se adiciona mais meiode cultura. Tal procedimento é repetidoseis vezes até o final do processo de fa-bricação de um lote da vacina. Por fim,a suspensão viral é concentrada, puri-ficada e o patógeno nela presente é ina-tivado. Depois de pronta, a nova vaci-na pode ser estocada por 14 meses atemperaturas entre 2º e 8ºC. Mais de-talhes sobre o novo imunizante podemser obtidos num artigo publicado pe-los pesquisadores do Butantan em de-zembro passado na revista científicaVaccine.

A raiva é uma zoonose, doençatransmitida por animais ao homem (ea outros animais). Qualquer mamíferopode carregar uma cepa do vírus da

urbano são cães e gatos e, emzonas rurais, os morcegos quese alimentam de sangue.

Como o vírus da raiva apre-senta um longo período de in-cubação no ser humano, emgeral de um ou dois meses, avacina anti-rábica deve ser apli-cada assim que houver contatocom um animal potencialmen-te infectado. Funciona como sefosse um remédio após ter ha-vido a contaminação. O esque-ma mais comum de imuniza-ção prescreve cinco doses davacina, aplicadas ao longo deum período de 28 dias. Alémde pessoas que entraram emcontato com animais com sus-peita de infecção, profissionaisque apresentam risco maior decontrair a raiva, como veteri-nários e zootecnistas, tomam avacina de forma preventiva.

Responsável por até 70 milmortes por ano no mundo, araiva humana está sob contro-le no Brasil, em especial noscentros urbanos. Historica-mente, o número de casos da

doença apresenta tendência de queda.No início dos anos 1980, a raiva mata-va no país anualmente mais de 160 pes-soas. Vinte anos mais tarde, o númerode óbitos girava em torno de dez pes-soas ao ano.“Mas, como se trata de umazoonose, é impossível erradicá-la porcompleto”, comenta o médico WagnerAugusto Costa, do Instituto Pasteur,que coordenou os testes em seres hu-manos com a nova vacina do Butantan.No ano passado, a quantidade de mor-tes voltou a aumentar, embora em ní-veis menos alarmantes que os do pas-sado. Houve cerca de 30 mortes, doisterços das quais decorrentes de doissurtos no Pará de raiva contraída demorcegos. Esses mamíferos voadorestomaram o lugar dos cães e gatos comoo principal vetor da doença entre osbrasileiros. Neste ano, a situação se re-pete. De janeiro a julho de 2005, a doen-ça matou 15 pessoas no Pará e três noMaranhão. Todas pegaram a raiva demorcegos. “O desmatamento está em-purrando os morcegos silvestres para aspequenas cidades, aumentando o riscode transmissão da doença ao homem”,afirma Neuza. •

Estudo da imunidade humoral e celular induzida pela vacina contraraiva em células Vero

MODALIDADELinha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa

COORDENADORANEUZA MARIA FRAZATTI GALLINA – Instituto Butantan

INVESTIMENTOUS$ 85 000,00 (FAPESP)

O PROJETO

Biorreator onde é feita a vacina:120 mil doses a cada nove dias

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m 1990, os móveis produzidoscom a madeira extraída das es-pécies de pinheiro conhecidascomo pínus renderam ao paísUS$ 40 milhões em exportações.No ano passado, esses mesmos

produtos atingiram a marca de US$ 1 bilhão de ven-das ao mercado externo. Florestas cultivadas com es-pécies do gênero botânico Pinus também são respon-sáveis por colocar o Brasil no segundo lugar, atrás daChina, na produção da resina extraída do tronco des-sas árvores. Essa goma ao ser processada industrial-mente resulta num resíduo sólido, chamado de breu, enum líquido, a terebintina, matérias-primas usadas nafabricação de solventes, tintas, colas, adesivos, cosmé-ticos e perfumes. Até 1989 o Brasil era importador daresina de pínus, hoje a situação é outra. Agora, ao pro-duzir para o mercado interno e para exportação, essesetor fatura US$ 30 milhões por ano. São conquistasem grande parte obtidas com a pesquisa de técnicasde plantio e adaptação ao clima e solo brasileiros, naseleção de sementes e na obtenção de mudas. Muitosdesses avanços surgiram no Instituto Florestal (IF) deSão Paulo, ligado à Secretaria de Estado do Meio Am-biente. Desde 1936, o instituto realiza estudos para aadaptação e formas de cultivo comercial das espéciesde pínus originárias dos Estados Unidos e da AméricaCentral. Um dos registros primordiais desse tipo de ár-vore no Brasil foi feito em 1906 quando o primeiro di-retor do IF, o sueco Albert Löfgren, publicou um tra-balho em que relacionava a introdução de algumasespécies de pínus no Horto Florestal de São Paulo.

“No início, a introdução de espécies exóticas comfins comerciais”, diz o engenheiro agrônomo Fran-cisco José do Nascimento Kronka, pesquisador do IF,“aconteceu pelo aumento da demanda de celulose para

a fabricação de papel e de madeira para serraria, emrazão da diminuição de espécies nativas no Estado deSão Paulo e no sul do país”. Kronka e os engenheirosflorestais Francisco Bertolani, consultor e empresárioflorestal, e Reinaldo Herrero Ponce, diretor da Funda-ção para a Conservação e a Produção Florestal do Es-tado de São Paulo, são autores do livro A cultura do pí-nus no Brasil, editado pela Sociedade Brasileira deSilvicultura (SBS) e lançado em março deste ano. Nes-se trabalho são mostrados de forma didática as carac-terísticas das espécies e os atuais sistemas de produçãoagrícola e industrial adotados no Brasil.

Devastação da araucária - O incremento da industria-lização no início do século 20 exigia muita madeira. Apreferência naquela época recaía sobre uma árvore daMata Atlântica, a araucária (Araucaria angustifolia).Presente do Paraná até o Rio Grande do Sul e em áreasmais altas e frias de São Paulo e Minas Gerais, as arau-cárias quase foram erradicadas, sobrando hoje cercade 2% da população original. Da mesma ordem botâ-nica das coníferas, o pínus substituiu com vantagens ochamado pinheiro-brasileiro ou pinheiro-do-paraná.“Cultivar a araucária é muito difícil porque ela exigesolo bom em nutrientes, precisa de bastante chuva eumidade, além de crescer muito devagar”, diz Kronka.“O pínus, ao contrário, cresce rápido em solos pobrese com pouca chuva, embora a maior parte das espé-cies exija épocas bem definidas de frio.” São árvoresque atingem o tamanho para o corte final aos 25 anos,mas é possível utilizá-las para a produção de madeirae de celulose com 12 ou 15 anos, na forma de desbas-te, com a retirada de árvores menores.

Até o final da década de 1950, 55 espécies de pínus,das 111 catalogadas no mundo, foram plantadas emextensas áreas administradas pelo IF. Vários outros

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ENGENHARIA FLORESTAL

Plantio e exploração do pínus abrenovos mercados e reduz a extração de espécies nativas

Madeira valiosa

TECNOLOGIA

EMARCOS DE OLIVEIRA

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A escolha dos melhoresespécimes de pínuslevou à formação de pomares produtoresde sementes comárvores selecionadas e clonadas

plantios empresariais, ainda pequenos,e de órgãos de pesquisa estatais foramrealizados em São Paulo, no Paraná e noRio Grande do Sul.Apenas nove se adap-taram bem ao clima e ao solo brasilei-ro. Duas espécies são norte-americanas,Pinus elliottii e Pinus taeda, ainda hoje asprincipais representantes desse gênerocultivadas comercialmente no sul e emparte do sudeste do país. As outras sãoos pinheiros P. caribaea, P. oocarpa, P.kesiya, P. pseudostrobus, P. strobus e P. te-cunumanii, originários de países comoNicarágua, Honduras, Bahamas, Cuba,Guatemala e El Salvador, na AméricaCentral. Chamados de pínus tropicais,alguns podem ser plantados no Brasildesde o norte do Paraná até a Amazônia.

Mas as plantações comerciais sófloresceram como negócio a partir de1966, quando o governo federal insti-tuiu incentivos fiscais para refloresta-mento com bons descontos no impostode renda. Nessa época, além do Pinus,também começou no Brasil a plantaçãomassiva de eucalipto (Eucalyptus sp.).Assim, pínus e eucalipto se transforma-ram nas madeiras principais de reflo-restamento do país, abrangendo 99%da área plantada. São duas espécies derápido crescimento para fornecimentode madeira e celulose.“Elas tiveram duasgrandes funções para o país. A primei-ra foi evitar o corte de mais árvores na-tivas e a segunda, a criação de uma baseflorestal que permitiu a exportação de

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chapas, aglomerados, compensados emóveis”, diz Francisco Bertolani. Se-gundo dados da SBS, dos US$ 21 bi-lhões referentes à produção de madeira,celulose e carvão no Brasil, em 2004,US$ 17,5 bilhões são de florestas planta-das – 61% de eucalipto e 39% de pí-nus –, os restantes US$ 3,5 bilhões sãooriundos do extrativismo legal. Nessesnúmeros não estão incluídas, é claro, asárvores retiradas irregularmente daAmazônia, por exemplo. As exporta-ções do setor florestal foram, em 2004,de US$ 5,8 bilhões, a segunda receitaagrícola atrás apenas da soja, com US$10 bilhões. Do total produzido no paísno setor de reflorestamento, 45% (US$9,4 bilhões) são relativos à madeira emóveis, 35% (US$ 7,3 bilhões) a papele celulose e 20% (US$ 4,2 bilhões) àmadeira que é transformada em carvãopara uso nos fornos das siderúrgicas.

Na área de papel e celulose, que sótrabalha com árvores de refloresta-mento, o pínus representa 30% dasplantações. Ele é importante por-que contribui com as fibras lon-gas, imprescindíveis na fabricaçãode papéis, que exigem mais re-sistência e melhor absorção detinta. Em relação aos móveis,a madeira de pínus dominaa preferência das indústrias.

Florestas plantadas - O plantio emlarga escala aconteceu entre 1970 e 80.Nessa década que se caracterizou pelaformação da base florestal, também seintensificaram as parcerias entre empre-sas, universidades e institutos de pesqui-sa para aprimorar a adaptação das espé-cies de reflorestamento. “Os incentivosfiscais distorceram um pouco a culturado pínus porque começou uma corridaempresarial para iniciar as plantações eimportar sementes de vários pontos domundo. Começaram a plantar pínussubtropical em áreas quentes e pínustropicais em áreas frias, por exemplo.Aí os pesquisadores tiveram que correratrás dos problemas”, diz Bertolani, queem 1967 foi contratado como engenhei-ro florestal pelo grupo Freudenberg,para fazer estudos de manejo e melho-ramento de árvores de pínus na planta-ção que a empresa iniciava em Agudos(SP), uma das primeiras do país.

Sob a coordenação do engenheiroflorestal Horst Schuckar, que havia tra-

balhado no IF, Bertolani começou a fa-zer experimentos com manejo, princi-palmente de pínus tropicais, inclusivepara produção de sementes seleciona-das. Em meados dos anos 1970, o IFiniciou um trabalho pioneiro de me-lhoramento. “Foi um grupo que reuniuagrônomos, engenheiros florestais e bió-logos para desenvolver técnicas de me-lhoramento da qualidade de espéciesprodutivas voltadas para o aproveita-mento de madeira para serraria e pro-dução de resina”, lembra Araci Apareci-da da Silva, pesquisadora do IF desde1977, na Estação Experimental de Tupi,no município de Piracicaba. “Começa-mos pela seleção dos melhores indiví-duos pelo volume, forma, resistência apragas e doenças, dentro das técnicasde selecionamento clássico.”

seleção dos melhores espé-cimes chegou na escolhade uma em cada 10 milárvores. “Mesmo árvoresretas, sem bifurcação,mas que apresentavam

crescimento lento, foram eliminadas”,conta Alexandre Magno Sebbenn, pes-quisador e coordenador do programade melhoramento florestal do IF. “Fize-mos um levantamento climático e im-plantamos testes de progênies e pomaresclonais”, diz Araci. Teste de progênies é oque avalia se a constituição genética dospais é boa ou ruim, a partir das carac-terísticas dos filhos. No pínus essas ca-racterísticas são conhecidas quando eleatinge os 10 anos de vida. Já pomares clo-nais são usados para produzir semen-tes melhoradas de árvores selecionadasaprovadas nos testes de progênies.

Desde os anos 1980 os pesquisado-res utilizam a clonagem em laboratóriopara implantação de pomares. “Nóstemos pomares com 3.590 clones paraprodução de sementes”, diz Araci. “Elasestão agora na segunda geração, coleta-das de plantas que já vieram de semen-tes de pomares selecionados”, diz Seb-benn. Num pomar clonal evita-seplantar clones idênticos próximos paraque não ocorra a polinização entre in-

divíduos iguais, o que causaria uma de-generação dos descendentes.

Os reflexos da evolução comercialda cultura de pínus começaram a apa-recer no final dos anos 1970, quandoaconteceram os primeiros cortes. Em-bora o plantio ainda se aprimorasse, jáexistia a preocupação em melhorar osprodutos resultantes do pinheiro exóti-co. O principal problema era com a ma-deira ainda juvenil. Os móveis feitos comesses pínus eram considerados ruins.Um trabalho realizado nessa época pe-lo IF e pelo Instituto de Pesquisas Tec-nológicas (IPT) desenvolveu váriosestudos para a melhora do processa-mento da madeira com tecnologia paraa fabricação de painéis recobertos comresinas usados em móveis e tambémpara a construção de casas. Na décadade 1980 várias empresas, tanto reflores-tadoras como moveleiras, se estabelece-ram em vários pontos da Região Sul,formando pólos industriais importan-tes em São Bento do Sul (SC) e BentoGonçalves (RS). O domínio da tecnolo-gia na produção de aglomerados, cha-pas e painéis de madeira de pínus levouo Brasil a iniciar as exportações de mó-veis nas décadas de 1990 e 2000. Essafoi a época em que as empresas passa-ram a utilizar a madeira de melhor qua-lidade oriunda das árvores que estavamcompletando 20 anos de cultivo.

Breu da resina - Outro ganho econômi-co, que aconteceu no final dos anos1980, foi o aumento da produção e a ex-portação de resina. Atualmente o paísproduz 95 mil toneladas de resina porano, segundo a Associação dos Resina-dores do Brasil (Aresb), que congrega60 produtores. Do faturamento de US$30 milhões previsto para este ano estãoinclusos tanto o produto in natura co-mo os derivados originários da destila-ção da resina, o breu e a terebintina.

O maior produtor brasileiro de resi-na é o Instituto Florestal, que possuiuma área total de 25 mil hectares (ha)com pínus espalhados por várias uni-dades do estado. Todo ano o institutofaz uma concorrência por meio de edi-tal e vende a resina. A produção na sa-fra 2004-2005 foi de 18 mil toneladas.“Cada árvore dá cerca de 3 quilos de re-sina por ano”, diz Kronka. “Mas nós te-mos árvores que produzem até 12 qui-los.” Esses exemplares são clonados, mas

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nem sempre são garantia de perpetua-ção das mesmas qualidades. “Sempreaparecem grandes variações nos des-cendentes, porque a constituição gené-tica é responsável por apenas uma par-te da produção de resina, a outra parteé o resultado de aspectos ambientais co-mo temperatura, solo, umidade e alti-tude”, diz Sebbenn. “Nessa segunda ge-ração já conseguimos ganhos de até40% em relação à produção original deresina.” Os resultados levaram a umaparceria entre o IF, a Aresb e a Escola Su-perior de Agricultura Luiz de Queiroz(Esalq) da Universidade de São Paulo(USP) em um projeto para a sistemati-zação da clonagem de pínus para resina.“O objetivo é a formulação de um pro-tocolo que possa ser usado pelos pro-dutores para produção e uso do mate-

rial clonado”, diz Eduardo MonteiroFagundes, diretor executivo da Aresb.

A produção de resina começa quan-do as árvores atingem a idade de 10 anose seguem até os 30. É feita uma espéciede raspagem, chamada de face, que reti-ra uma parte da casca da árvore. No lo-cal é aplicada uma substância ácida quedesencadeia uma série de estímulos nasparedes da árvore facilitando o escorri-mento da resina.

Resina, madeira e celulose fizeram ademanda de pínus crescer 10% ao ano.É 1,8 milhão de ha plantados, sendo oParaná o maior produtor com um ter-ço do total. Mas ainda é pouco. No iní-cio dos anos 2000 já aconteceram osprimeiros sinais de escassez de madeirade pínus. “É o começo de um possívelapagão florestal”, diz Kronka. Como é

um produto agrícola que precisa demuitos anos para ser explorado, os espe-cialistas já projetam cenários futurospara o país. Eles indicam que até 2020deverá estar plantado mais 1,9 milhãode ha de pínus para não faltar essa ma-deira no país. No Brasil, apenas 0,6% doterritório é usado hoje para refloresta-mento comercial, totalizando 5 milhõesde ha. O Chile tem 2,6% e a China, 4,7%de florestas plantadas. Dados da Secre-taria da Agricultura e Abastecimentodo Estado de São Paulo indicam quecerca de 10 milhões de ha são oriun-dos de pastagens e podem ser usadospara reflorestamento. É uma forma deaproveitamento que vai causar menosimpacto nas florestas nativas e outrasculturas agrícolas, que, ao contrário dopínus, exigem solos bem férteis. •

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Plantação de Pinus elliottii do InstitutoFlorestal no municípiode Itapetininga,acima. Ao lado,extração da resina do tronco do pínus

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roduzir suplementos mineraisorgânicos que podem ser maisbem absorvidos pelo organismohumano é a perspectiva para2006 de uma pequena indústriafarmacêutica da cidade paulista

de Jaboticabal, a Biofarm Química e Farmacêutica.Ao desenvolver os suplementos, ela deverá ser a pri-meira fabricante nacional desses produtos usados naformulação de medicamentos e na preparação dealimentos industrializados como leite, iogurte, fari-nha e biscoitos. Atualmente no Brasil são fabrica-dos apenas os suplementos inorgânicos, como sul-fato de ferro, cloreto de zinco e sulfato de cobre. Osnovos produtos que a Biofarm vai tornar disponí-vel para as indústrias serão produzidos por meiode uma substância chamada quelato, nome dado aum complexo orgânico formado pela reação quími-ca entre moléculas, como os aminoácidos de proteí-nas provenientes da levedura Saccharomyces cerevi-siae, e metais, como ferro, cromo, magnésio, cobre,zinco e cálcio. “Acredito que conseguiremos comer-cializar nosso produto por um preço cerca de 30%mais barato do que os quelatos importados”, diz oquímico Ricardo da Silva Sercheli, responsável pelaspesquisas que resultaram no desenvolvimento donovo produto na Biofarm. “No primeiro ano, que-remos conquistar 25% do mercado e no segundo,30%.” O preço do quilo do quelato importado variade R$ 40 a R$ 100 conforme o mineral utilizado.

A fabricação dos inorgânicos é feita no Brasil há

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Empresa desenvolvecomplexo mineral orgânico usando proteínas presentes em levedura

TECNOLOGIA

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YURI VASCONCELOS

ENGENHARIA DE ALIMENTOS

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Ao lado, preparaçãode quelato de cobrepara ser utilizado na forma de pó (acima), na formulaçãode medicamentos e na preparação de alimentos industrializados

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muitos anos, misturando-se simplesmente o mineralcom alguns ácidos. A pro-dução de quelatos, por suavez, é bem mais complexa.É um sistema que obtémos aminoácidos da proteí-na e provoca uma reaçãocom os minerais metálicosem reatores. “Até concluir-mos nossas pesquisas, nãoexistia tecnologia nacionalpara produção industrialde quelatos de mineraiscom as especificações exi-gidas para uso na indústriafarmacêutica e na alimen-tícia”, diz Sercheli. Para ele,os quelatos apresentamduas grandes vantagens so-bre seus similares inorgâ-nicos. A primeira é que abiodisponibilidade de ummineral na forma de que-lato é muito maior, atéquatro vezes mais. Isso sig-nifica que o nosso orga-nismo absorve melhor essetipo de suplemento do queos metais na forma de sais inorgânicos.A segunda é a redução dos efeitos cola-terais causados em algumas pessoaspela ingestão dos suplementos tradicio-nais, como diarréia, constipação, proble-mas gástricos e intestinais.

Entre os benefícios dos minerais,por exemplo, o cálcio combate a osteo-porose, o ferro previne quadros de ane-mia, o zinco atua como agente antio-xidante e o cromo modula a atividadeda insulina produzida pelo pâncreas. Oproblema é que nem sempre se obtéma dose necessária desses minerais nosalimentos consumidos diariamente. Asolução são os suplementos minerais,que podem ser administrados comose fossem um remédio. É o caso, porexemplo, das crianças recém-nascidasque possuem um quadro de anemia eprecisam tomar doses diárias de ferro.

No Brasil existe desde 2002 a obriga-toriedade de adição de ferro biodispo-nível em farinhas de trigo e de milho.Dessa forma, os produtos derivados co-mo macarrão, pão, doces e bolos pos-suem suplemento de ferro.

“Os suplementos minerais à base dequelatos são evidentemente mais van-tajosos, mas a importação tem impedi-

do que eles sejam consumidos pela in-dústria farmacêutica nacional”, diz Ser-cheli. Com mestrado e doutorado noInstituto de Química da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp), elefez pós-doutorado na Universidade daCalifórnia, em Berkeley, nos EstadosUnidos, onde dedicou sua pesquisa àprodução de compostos organometáli-cos, exatamente a classificação na qualse enquadram os quelatos. De acordocom o pesquisador, não existem estatís-ticas seguras sobre o volume de suple-mentos minerais consumidos no país,mas estima-se que apenas uma peque-na parcela, da ordem de 15 toneladaspor mês – menos de 20% do total –, éorgânica e importada.

Para o desenvolvimento dos quela-tos de aminoácidos provenientes de le-vedura, a Biofarm contou com o auxí-lio financeiro da FAPESP, por meio doPrograma Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE). No final doano passado, a empresa foi uma das 20selecionadas para receber recursos doPrograma de Apoio à Pesquisa em Em-presas (Pappe), implantado em váriosestados pela Financiadora de Estudose Projetos (Finep) do Ministério da

Ciência e Tecnologia (MCT).Em São Paulo, o programa fe-deral está sendo implementa-do de forma cooperada com oPIPE, visando ao financia-mento a partir da terceira fase,quando o protótipo está pres-tes a entrar em linha de pro-dução. Nos outros estados, oinvestimento é usado desde aformulação do produto. NoPIPE, a primeira fase é desti-nada ao desenvolvimento daidéia e a segunda à sua com-provação em laboratório.“Com os recursos do Pappe, deR$ 430 mil, iremos adquirirequipamentos, como reatoresindustriais vitrificados e cons-truídos com aço inox, para

montar uma nova linha de produção”,afirma Naur Bellusci Filho, sócio dire-tor da Biofarm. “Estamos ampliando afábrica e construindo uma unidade ex-clusiva para a produção de quelatosminerais de aminoácidos de levedura.Esse novo setor ficará pronto no iníciode 2006 e terá capacidade para produ-zir 11,5 toneladas por mês.”

Levedura da cana - Um dos fatores dopreço baixo dos quelatos que serãoproduzidos pela Biofarm é a facilidadena obtenção da matéria-prima para afabricação do suplemento: a leveduraSaccharomyces cerevisiae. Ela é muitoutilizada em outros processos indus-triais, como uma espécie de fermento,como acontece na fabricação de cer-veja. A Biofarm vai aproveitar o preçobaixo que essa levedura possui quan-do se torna um resíduo da produçãode álcool e açúcar. Em diversos países,como Estados Unidos e China, osmaiores fabricantes mundiais de que-lato, a produção da levedura é normal-mente feita em unidades industriaisconstruídas exclusivamente para essepropósito, o que faz o preço do produ-to final ser muito mais elevado.

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Preparo de complexo mineral orgânico de ferro e aminoácidos de levedura. Útil na prevenção de anemia

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Produção de quelatos de aminoácidos a partir de hidrolisado protéico de Saccharomyces cerevisiae para serem utilizados como suplementos alimentares minerais de alta biodisponibilidade

MODALIDADE1. Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)2. Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe)

COORDENADORRICARDO DA SILVA SERCHELI – Biofarm

INVESTIMENTOR$ 272.395,68 (FAPESP)R$ 430.000,00 (Finep)

O PROJETO

“Nossa fábrica está situada na re-gião sucroalcooleira paulista, ondeexiste abundância da Saccharomycescerevisiae. Essa é uma importante van-tagem competitiva para nós”, diz Ser-cheli. Segundo o pesquisador, a primei-ra etapa de produção do quelato dessesaminoácidos consiste em fazer o isola-mento da proteína, uma vez que a leve-dura apresenta em torno de 40% dematerial protéico. Depois que a proteí-na é separada, ela passa por um proces-so de hidrólise (quebra pela água), quetem como objetivo romper a cadeia deaminoácidos presente na sua molécula.A hidrólise é feita por meio de reaçõesquímicas e enzimáticas, cujos detalhesnão são revelados pelo pesquisadorpor se tratarem de segredo industrial.Com a “sopa” de aminoácidos resultan-te da hidrólise, chamado de hidrolisadoprotéico, são preparados os diferentesquelatos de minerais.

“Já conseguimos fazer quelatos decálcio, zinco, cobre, magnésio, ferro,manganês e selênio. Esse último foipreparado na forma de complexo, por-que não é um metal”, afirma Sercheli.As moléculas do suplemento têm, emmédia, 80% de aminoácido e 20% demineral. Todos os quelatos desenvolvi-dos na Biofarm foram caracterizadosem laboratórios da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp), da Uni-versidade de São Paulo (USP), em Ri-beirão Preto, da Universidade EstadualPaulista (Unesp), de Jaboticabal, e naBioagri Laboratórios, um centro de re-

ferência privado em análises químicase toxicológicas, com sede em Piracica-ba. Os testes comprovaram que o que-lato de aminoácido, cuja forma final éum pó, está dentro das especificaçõesexigidas pela legislação e desejadas pe-lo mercado.

Divisor de águas - O início de produ-ção dos quelatos de aminoácidos deri-vado de levedura são um divisor deáguas na história da Biofarm. Criadahá dez anos, até então ela se dedicavaexclusivamente à produção e comer-cialização de suplementos minerais emedicamentos para a área de saúdeanimal e à prestação de serviço paraoutras companhias do setor. A empre-sa fabrica produtos farmacêuticos emvários formatos: líquido, pó, pomadae injetáveis. São, ao todo, cerca de 50produtos, como vermífugos, larvicidas,anti-helmínticos, promotores de cres-cimento e suplementos minerais, des-tinados a animais de grande porte, co-mo bovinos, caprinos, suínos, eqüinos,e de companhia, gatos e cachorros. Osprodutos são vendidos para distribui-dores de medicamentos veterinários ediretamente para criadores. A partir doprimeiro semestre de 2006, a empresatambém vai iniciar a venda de produ-tos veterinários para países da AméricaLatina.

Com uma estrutura empresarialenxuta e um quadro de colaboradoresqualificados, com 18 funcionários, aempresa projeta um crescimento decerca de 40% neste ano. Em 2004 seufaturamento aumentou 33%, mas, seconsideradas apenas as vendas dos pro-dutos fabricados, a evolução das recei-tas foi de 70%. “Estamos muito otimis-tas com o início de operação da novaunidade de fabricação de quelatos delevedura. Quando ela estiver funcio-nando para valer, acreditamos que se-rá o nosso carro-chefe. Isso porque osquelatos têm valor agregado mais altodo que os produtos que fabricamosatualmente e nós não teremos concor-rentes nacionais”, diz Bellusci Filho, só-cio diretor da empresa. Segundo o exe-cutivo, já existem negociações comindústrias farmacêuticas e alimentíciasnacionais visando ao fornecimento dequelatos minerais de aminoácidos de-rivados de proteína a partir do primei-ro semestre de 2006. •

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xclusivo decalçados rús-ticos usadospara tarefaspesadas,o so-lado de bor-

racha ganhou as ruas há alguns anosem modelos masculinos e femininossofisticados,de conhecidas marcas nacio-nais e internacionais.Se inicialmente eleera muito brilhante,e identificado commateriais sintéticos como o plástico,hojeé fosco e confunde-se com o couro,umamatéria-prima mais nobre.Para chegara esse quase mimetismo,um aditivo mis-turado ao elastômero,também conhe-cido como borracha sintética,tem pa-pel fundamental.O produto fornecidoao mercado brasileiro provém basica-mente de duas empresas,uma norte-americana e outra japonesa.Isso aconte-ce por enquanto,porque a Rhodia Brasilplaneja lançar até 2007 um novo aditivopara concorrer com os importados,re-sultante de um projeto de pesquisaapoiado pela FAPESP na modalidadeParceria para Inovação Tecnológica(PITE) junto com a Faculdade de En-genharia Química de Lorena (Faenquil).

O produto está sendo fabricado emescala piloto e testado por empresasclientes da Rhodia,sob a condição deconfidencialidade.“Alguns clientesaprovaram o produto e querem saberquando estará no mercado”,relata o quí-mico Leo dos Santos,que participou do

projeto com bolsa de pós-doutorado daFAPESP e hoje,contratado pela empre-sa,cuida dos ajustes finais da formu-lação.O interesse pelo novo aditivo sejustifica.Afinal,como o produto seráfabricado aqui,terá um preço competi-tivo em relação aos importados.

Gasto energético - A idéia de desenvol-ver um aditivo para ser misturado aelastômeros surgiu na própria Rhodiapara dar um destino mais nobre a umsubproduto do fenol,o mon ômero al-fametilestireno,uma das moléculas queformam o polímero do qual se fazemas solas de tênis e sapatos.O fenol é umcomposto químico que dá início à ca-deia da produção da poliamida,mais

QUÍMICA

Novo aditivo misturado àborracha sintética garante soladosde calçados mais bonitos

DINORAH ERENO

Beleza fosca

TECNOLOGIA

conhecida como náilon,aplicada emcarpetes, roupas íntimas femininas,roupas esportivas,gabinetes de apare-lhos eletroeletrônicos e vários outrosprodutos.Uma parte do alfametilesti-reno é vendida pura para ser aplicadaem adesivos e resinas.O que sobra,eisso representa uma grande quantidade,volta como matéria-prima para a pro-dução do fenol,depois de passar porumprocesso de reciclagem que envolveum grande gasto energético.

Além do fenol,a Rhodia tamb émproduz a sílica que é utilizada pela in-dústria de elastômero como reforço pa-ra melhorar as propriedades mecânicasda borracha,garantir a resist ência àabrasão, à tração e ao rasgamento.“Mas,ao incorporar a s ílica à borrachasintética,ocorre um aumento elevadona viscosidade do material,o que difi-culta o seu processamento.Por isso énecessário colocar um aditivo para me-lhorar a fluidez do elastômero”,diz oprofessor Amilton Martins dos Santos,da Faenquil e coordenador do projeto.Como alguns desses aditivos têm em suacomposição o alfametilestireno,Ken-neth Wong,um qu ímico que trabalha-va na Rhodia em 2001, época em que oprojeto começou a tomar forma,suge-riu o aproveitamento integral do sub-produto do fenol.

Martins dos Santos foi escolhidocomo coordenador do projeto na facul-dade porque,al ém de atuar como con-

Síntese e caracterização de copolímeros de metil-estireno-estireno visando à sua aplicação no encapsulamento de partículas de sílica

MODALIDADEParceria para Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADORAMILTON MARTINS DOS SANTOS – Faenquil

INVESTIMENTOR$ 35.850,00 e US$ 1.120,00 (FAPESP) e R$ 64.997,00 (Rhodia)

O PROJETO

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pendendo do mercado a que se destina– solas de calçados, pneus para bicicle-tas e empilhadeiras, esteiras, correias eoutras aplicações ainda em estudo –, aformulação tem uma composição dife-rente. “Temos que ver o impacto dessesprodutos nos vários mercados”, dizMacret. “E esse é um trabalho relativa-mente longo.”

O setor calçadista é o primeiro dalista. “Já temos a formulação apropria-da e agora estamos pesquisando parasaber qual o processo mais vantajosoeconomicamente”, diz Leo dos Santos.A escolha justifica-se porque para aRhodia esse é um mercado para o qualela fornece uma gama variada de pro-dutos, que vão desde o tratamento decouro, cola para sapatos, até a sílicapara a borracha. No ano passado, asvendas da empresa para o setor chega-ram a cerca de US$ 60 milhões, corres-pondendo a 8% do faturamento totalda Rhodia Brasil no ano, que foi deUS$ 750 milhões. A meta é crescer 10%nas vendas nos próximos dois anos.

A aposta da empresa é que o aditivopoderá ajudar a aumentar ainda mais aparticipação nesse mercado. Sem con-tar que o subproduto da produção defenol, reciclado com um grande gastoenergético ou enviado para descartedentro das normas ambientais, mos-trou que pode transformar-se em umnovo produto comercial à altura dosimportados. •

sultor da empresa, é especialista em umatécnica chamada polimerização ememulsão, a mais indicada para incor-porar o monômero alfametilestireno àcadeia de polímero. “O processo depolimerização por emulsão foi origi-nalmente desenvolvido como uma ten-tativa do homem de imitar o látex deborracha natural”, diz Martins dosSantos. O látex sintético, resultante dadispersão aquosa de partículas de polí-mero estabilizadas por surfactantes,substâncias químicas que atuam comodetergentes, é empregado em diversossetores industriais para fabricar tintas,adesivos, aditivos e outros produtos.

No início a proposta era fazer umapartícula de sílica recoberta com o alfa-metilestireno. Como esse é um estudoque demanda um longo tempo, os pes-quisadores decidiram em um primeiro

momento concentrar-se em determi-nar uma formulação para o aditivo e asmelhores proporções das matérias-pri-mas que entram em sua composição.“Na formulação, além das condiçõesde processo, como temperatura e por-centagem da matéria-prima, são ossurfactantes corretos, responsáveis porestabilizar o polímero, que fazem a di-ferença”, diz Richard Macret, diretor dePesquisa e Desenvolvimento da Rhodiapara a América Latina.

Escala piloto - Inicialmente, em escalade laboratório, foram produzidos al-guns gramas do aditivo. Hoje, eleitas al-gumas formulações mais indicadas, es-tão sendo fornecidas para os clientesamostras com 20 quilos do produto,que pode ser misturado a vários tiposde borracha e outros polímeros. De-

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Testes avaliam a resistência da borracha doscorpos-de-prova(acima), feitoscom um novo

aditivo (à esq.)

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m um de seus contos de juventude, The rich boy,o escritor americano F. Scott Fitzgerald escreveuque “os ricos são diferentes de mim e de você”.“São mesmo”, alfinetou numa carta seu amigo, otambém romancista Ernest Hemingway,“eles têmmais dinheiro”. Esses dois “predicados”dão a elesum terceiro privilégio: os ricos “se escondem” esão muito pouco pesquisados. “Há uma extensaliteratura sobre a pobreza no Brasil, mas existempoucos estudos sobre os ricos. Estudá-los é rele-vante porque eles detêm poder e suas ações afe-

tam uma grande massa de pessoas, inclusive os pobres; por outro lado, elespossuem a maior parte da riqueza do país e uma das formas de melhoraras condições de vida da população mais pobre é a redistribuição das rique-zas na sociedade”, explica Marcelo Medeiros, coordenador de pesquisa apli-cada do Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) no InternationalPoverty Centre da ONU e autor da tese de doutorado O que faz os Ricos ri-cos: um estudo sobre os fatores que determinam a pobreza.A pesquisa será pu-blicada em livro em outubro pela Editora UnB.Para o autor, se conhecemoso grupo que deve receber recursos, pouco sabemos dos que vão cedê-los.

Não faltam, no entanto, estatísticas para mostrar que, como diz Me-deiros, a pobreza de muitos está diretamente conectada à riqueza depoucos. Basta ler o estudo Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos, fei-to por professores da USP, Unicamp e PUC-SP, que revela que a rendados 10% mais ricos corresponde a 45% do PIB nacional. A situação piora

ECONOMIA

Estudos tentam entender o que faz um rico ser rico

REVERSODA FORTUNA

CARLOS HAAG

HUMANIDADES

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se incluímos nesse cálculo dados sobre o patrimônio: nesse caso o por-centual chega a 75,4% da riqueza total brasileira. Em outros parâme-tros, 5 mil famílias (ou seja, 0,001% do total) detêm 3% da renda na-cional. Entre os anos 1980 e 1990, o Brasil registrou um aumento nonúmero de ricos, embora tenha havido uma redução no crescimentodo país: de 1,8% da população eles saltaram para 2,4%. Mas quem sãoos ricos? Em seu estudo, Medeiros criou uma linha de riqueza, defini-da a partir da pobreza e da desigualdade, que estaria em torno de R$3,5 mil per capita. Uma família típica de quatro pessoas teria uma ren-da total de R$ 14 mil. Leve-se em consideração que esses não são os“muito ricos”, mas compõem o grupo de 1% da população que detém11% da renda. Detalhe terrível: o pobre gasta 32,79% da sua rendacom comida e o rico apenas 10,26%, o que mostra que ele paga maistributos proporcionalmente do que os ricos que vivem com conforto.

Milagre - Os dados assustam qualquer corrente econômica.“A péssimadistribuição de renda parece ser uma praga perpétua no Brasil. Ela re-sistiu aos surtos de crescimento do ‘milagre brasileiro’ e aos efeitos po-sitivos da queda drástica da inflação desde o Plano Real”, observou oex-ministro e professor da USP Delfim Netto em artigo recente. Os ju-ros altos castigam ainda mais os pobres: toda vez que a taxa se eleva em1%, a renda do trabalhador cai 1,09%, enquanto os ricos perdem0,72% dos seus rendimentos. “A política de juros altos tem um efeitodevastador sobre a distribuição de renda, mas é menos visível do queos provocados pela inflação”, analisa Márcio Pochmann, economista

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da Unicamp. Além disso, ele avisa que o pagamentode juros elevados da dívida pública compromete osinvestimentos na economia real, gerando desempre-go e afetando ainda mais os pobres. O dinheiro, en-tão, mais uma vez migra para os ricos. “É importan-te lembrar que há uma clara interseção entre aselites econômicas e as elites de poder: dessa forma,além de orientar os destinos da economia, eles tam-bém influenciam as decisões de Estado e a formaçãoda opinião pública”, nota Medeiros.

elfim foi preciso: essa éuma “praga” perene. “Mu-danças de regime político,fases de euforia e depressãoda economia, moderniza-ção de valores e costumes,nada disso foi capaz de al-terar expressivamente essasegmentação entre umamassa grande de pobres euma pequena, porém rica,

elite”, avalia Medeiros. Em seu trabalho, o pesquisa-dor do Ipea, baseado em dados do IBGE, põe abaixoantigas e arraigadas explicações para a desigualdadesocial. Algumas dentre elas, inclusive, são aventadascomo hipóteses para se acabar com a pobreza. Co-mo o controle da população, a idéia de que os pobressó são pobres porque têm mais filhos do que os ricos.“Apenas 3% das famílias brasileiras têm mais do quetrês filhos com menos de 10 anos. As taxas de fecun-didade estão em patamares baixos. Dizer que o con-trole da população é solução da pobreza é jogar paraos menos privilegiados a culpa por sua situação.”

Medeiros observou em suas simulações o queocorreria se os ricos tivessem mais filhos e os pobres,menos.“O fato de uma família ser metade da famíliado outro não explica o fato de os ricos terem uma ren-da 27 vezes maior do que a dos pobres”, alerta. “Nãoexiste nenhuma razão para crer que o tamanho das fa-mílias é o que faz as pessoas serem ricas.A riqueza nãoé o resultado de um maior controle do número de fi-lhos dos ricos. Justificar a desigualdade nesses termosé dizer que pobre é irresponsável, rico é disciplinado eisso explica toda a diferença entre eles.” Outro mitorecorrente, segundo Medeiros, seria o ideal do cresci-mento econômico puro (ou seja, aquele que aumentao nível do produto da economia sem mudar sua dis-tribuição) como panacéia para a desigualdade.“Mes-mo que o país fosse capaz de manter,por duas décadas,taxas estáveis de crescimento de 4% ao ano, isto é, cres-cer em mais do que o dobro da velocidade das duasúltimas décadas e duplicando o PIB atual, a pobrezaainda incidiria sobre 12% da população.”Assim, para opesquisador, o crescimento pode ser bom, mas é insu-ficiente para reduzir a desigualdade entre ricos e pobres.

O que os diferencia então? “A forma desigual co-mo os trabalhadores de cada grupo são remunera-

dos. A média da remuneração por hora trabalhadados ricos é 9,2 vezes maior que a dos não-ricos. Issoindica que, mesmo que os não-ricos tivessem a mes-ma composição e organização familiar dos ricos, asdesigualdades entre os estratos persistiriam”, diz Me-deiros. “Também carece de fundamento a idéia deque muito da riqueza pode ser explicada por jorna-das de trabalho mais extensas. Mesmo que os traba-lhadores não-ricos aumentassem suas jornadas detrabalho para o nível médio dos ricos, pouquíssimosse tornariam ricos.” Outro mito a ser derrubado é oda educação como forma de abrir as oportunidadesde ser rico para todos por meio do trabalho. “As si-mulações mostram que um nível elevado de edu-cação dos trabalhadores, um alto investimento e delongo prazo, é condição necessária, mas não sufi-ciente para que uma família seja rica”, diz. “Mesmosupondo um aumento significativo do nível educa-cional dos trabalhadores, não é de esperar grandemobilidade ascendente para o estrato rico.”

Relações - Em sua tese, Medeiros ressalta a impor-tância de se levar em consideração fatores externoscomo a inserção em redes de relações sociais, a pos-se de capital cultural e a propriedade de recursosprodutivos, todos elementos que elevam a remune-ração de seu trabalho. Medeiros lembra que, parapobres ou ricos, a renda provém mesmo do traba-lho, embora “trabalho” signifique coisas diversas paraos dois grupos. Dessa forma, afirma, os ricos têm ca-racterísticas que os fazem ser ricos por terem nasci-do ricos e, com boa chance, continuarem ricos. Elessão mesmo diferentes.“Ainda assim, não devemos serpessimistas em relação ao futuro, mas enfrentar ofato de que a erradicação da pobreza e a redução dadesigualdade só ocorrerão com a redistribuição darenda, ou seja, da transferência de recursos dos maisricos aos mais pobres”, afirma o pesquisador. “Mui-tas das pessoas que vão ler esta reportagem fazemparte da elite do 1%, mesmo que não gostem de ad-mitir a idéia.Quase todos os leitores vão fazer parte dos10% mais ricos. Isso não é um julgamento de valor,mas um fato da nossa distribuição de renda”, avalia.

“Medeiros argumenta com razão que para enten-der a pobreza é indispensável analisar a ponta da pi-râmide, os ricos, uma vez que a pobreza no país é re-sultado da péssima distribuição de renda”, observaCeli Scalon, do Instituto Universitário de Pesquisasdo Rio de Janeiro (Iuperj), em comentário ao traba-lho do pesquisador.“Rejeitando alternativas mais ‘fá-ceis’ e ‘digestivas’, como controle populacional e cres-cimento econômico, o autor escolhe um caminhoárduo e pouco simpático à elite,que detém não só o po-der econômico como o político e o simbólico.” RafaelGuerreiro Osório, do Centro Internacional de Pobrezado Programa da ONU para o Desenvolvimento, con-corda. “As soluções viáveis para a redução da pobre-za terão que envolver alguma forma de deixar os ricosmenos ricos”, nota em análise às hipóteses de Medei-

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Os ricos não se vêem comoparte de um todo social’

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ros. Flavio Comim, da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Cam-bridge, outro analista da tese do pesquisador, ressaltaa idéia de que “o envolvimento dos ricos é engrenagemfundamental para a harmonização de interesses sociaise provisão de um Estado de bem-estar social mínimo.Dependemos tanto do Estado quanto do ‘sentimentomoral’dos ricos para progredir na direção de uma so-ciedade menos injusta e moralmente mais aceitável”.

Ameaça - No mesmo conto em que mostra como osricos são diversos, Scott Fitzgerald revela o reversoda fortuna: “Eles acreditam, no fundo de seus cora-ções, que são melhores do que os outros, justamen-te porque as compensações e refúgios da vida foramcoisas que nós descobrimos por nós mesmos. Mes-mo quando chegam a penetrar em nosso mundo,continuam a pensar que são melhores que o resto domundo”. Assim, a tarefa proposta por Medeiros nãoé fácil de ser alcançada. “As elites acreditam que osproblemas sociais são as maiores ameaças à democra-cia brasileira”, observou Elisa Reis em sua pesquisaPercepções da elite sobre pobreza e desigualdade. Fru-to de várias entrevistas, o survey de Elisa, feito parao Iuperj, revelou que a educação é apontada pelosricos como o caminho mais adequado para dotar osdesprivilegiados de recursos. Com melhor educa-ção, os pobres teriam chances de competir por umlugar melhor na estrutura social, sem que houvessenecessidade de custos para os não-pobres. O traba-lho de Medeiros já mostrou a falácia dessa idéia.

Seja como for, para os ricos, a culpa da miséria édo Estado. Segundo o estudo de Elisa, as elites “acre-

ditam que as coisas poderiam mudar se houvessevontade política e se o Estado cumprisse o seu papel”.A pesquisadora ressalta que os resultados poderiamfazer crer numa consciência social elevada dos ricos,já que os problemas sociais estariam no topo de suaspreocupações. O que poderia, segundo ela, levar auma avaliação errônea de que a nossa elite desejariarepetir aqui o que os ricos dos países desenvolvidosfizeram na forma de soluções coletivas públicas (re-forma agrária, educacional etc.) para a resolução dapobreza na Europa e a consolidação do Welfare State.“No entanto, isso não procede. Falta uma noção deresponsabilidade social entre os ricos. Aparente-mente, eles não se vêem como parte de um todo enem percebem o Estado como parte da sociedade,pois, ao responsabilizá-lo pela pobreza, as elites seeximem da responsabilidade coletiva”, avalia.“É qua-se um consenso entre os ricos que o Estado é e deveser o responsável pelo combate à pobreza. Essa per-cepção é tão difundida nesses grupos quanto a idéiade que a liberação do comércio, a privatização dasempresas estatais e o encolhimento do Estado sãotransformações extremamente positivas”, conclui oestudo de Elisa.

Os pobres brasileiros, por sua vez, reforçam a“boa vida” dos ricos e a consideram justa, comonota o estudo de Celi Scalon sobre o “jeitinho brasi-leiro” de conviver com as desigualdades de renda.“Os brasileiros têm grande apreço pelas credenciaise atribuem um peso importante às qualificaçõesprofissionais como recurso para aquisição de status”,analisa a professora. “Nesse sentido, altos saláriossão justificáveis quando vinculados ao mérito indi-

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vidual (esforço, qualificação, inteli-gência, educação) e, portanto, a desi-gualdade de renda é moralmente oueticamente legitimada”, observa Celi.Na mesma pesquisa, a autora desco-briu que os brasileiros justificam asdesigualdades de renda quando as reconhecemcomo necessárias para a prosperidade do país. “Essetipo de legitimação das desigualdades faz lembrar alógica que imperou no Brasil no período da ditadu-ra militar, quando se afirmava que era necessárioprimeiro fazer o ‘bolo’ crescer para depois dividi-lo.Tudo indica que essa crença permanece ainda nosdias atuais.” Os mitos descritos por Medeiros aindasobrevivem.

Declínio - Nem todos, porém, concordam com opesquisador. Cláudio Dedecca, economista do Cen-tro de Estudos Sindicais e de Economia do trabalho(Cesit) e professor livre-docente do Instituto deEconomia da Unicamp, em comentário ao estudodos ricos, argumenta que nos últimos 25 anos a eco-nomia nacional vem sofrendo um declínio do pro-duto per capita gerado pelos trabalhadores brasilei-ros economicamente ativos, ou seja, há uma quedana produtividade social média. “Portanto, distribuirrenda nas condições atuais da economia brasileirapermitirá, no máximo, reduzir o grau de pobreza ediminuir a defasagem em termos de bem-estar dapopulação pobre brasileira, mas não permitirá o seuingresso no padrão de bem-estar que a populaçãode menor renda de outros países alcançou, como,por exemplo, na Coréia, Cingapura, Taiwan ou Tai-

lândia”, afirma. Para Dedecca, é pre-ciso reconhecer que o Brasil de ho-je é um país pobre e que se houveum tempo em que podíamos falarem distribuição de renda essa dis-cussão ficou nos anos 1970, quan-

do a economia brasileira vivia um momento decrescimento econômico e de elevação da produtivi-dade. “Mesmo considerando a relevância das polí-ticas distributivas por ele mencionadas, elas tende-riam à inviabilidade em um contexto de queda deprodutividade média social como do Brasil de ho-je”, nota o economista.

Mas há ressalvas, mesmo para quem também pre-coniza a importância do “aumento do bolo”. Para LuizGonzaga Belluzzo, titular do Departamento de Econo-mia da Unicamp e vencedor do Prêmio Juca Pato des-te ano, é preciso tomar cuidado com o tipo de cresci-mento por que se vai optar. “Em toda a sua história,o Brasil cresceu com aumento de desigualdade social.Isso não é tolerável hoje. Se o país vai crescer, há aexigência de que esse padrão não se repita”, alerta. Le-vando-se ou não em conta o crescimento, a distribui-ção de renda, para além dos mecanismos tributários,precisa de mudanças não apenas entre as elites, mas,principalmente, entre a massa trabalhadora.“Mudan-ças ocorrem como fruto de pressão. Trata-se tambémde pensar como estimular a organização política dapopulação mais pobre para que ela exija as alteraçõesque julgar necessárias”, avisa Medeiros.“Um governoque se interessa por ações distributivas é um gover-no pressionado para isso, um governo que sabe que,sem isso, não existirá um próximo mandato.” •

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Na sua história o Brasil sócresceu comdesigualdadesocial’ ‘

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Filme de Leni Riefenstahlajudou a construir imaginário nazista com suasimagens de felicidade

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az parte do mecanismo de do-minação impedir o conheci-mento dos sofrimentos que elaacarreta, e há uma linha retaque conduz do evangelho daalegria da vida à construção de

matadouros humanos tão longínquos na Polôniaque qualquer Volksgenosse pode se persuadir de quenão ouve os gritos de dor das vítimas”, escreveu o fi-lósofo alemão Adorno em Mínima moralia. Nin-guém rezou melhor por esse evangelho do que a ci-neasta Leni Riefenstahl (1902-2003), em especial emO triunfo da vontade (1935),“documentário” sobre oVI Congresso do Partido Nacional-Socialista, de1934. Nele, Hitler é o grande “ator”, o herói de umamassa agora disciplinada e feliz, renascida das cinzas,“16 anos após o início do nosso sofrimento, 19 me-ses após o início do renascimento alemão (Hitler as-cendeu ao poder em 1933)”, como escreve a cineastanos créditos iniciais do filme, dedicados por Leni Rie-fenstahl “ao meu amado Führer, com grande admi-ração e devoção”.

“O que chamou minha atenção nas imagens de Otriunfo da vontade foi a íntima relação que se podiaestabelecer entre certos aspectos do mundo moder-no (a produção em larga escala de imagens), entreuma concepção de beleza (em que ordem, harmoniae falta de conflito se misturam), entre o desejo de re-torno ao passado (como uma busca de certo senti-mento de pertencimento a um todo) e, por fim, en-tre tudo isso com a barbárie”, explica Mauro Rovaiem Imagem, tempo e movimento: os afetos alegres nofilme O triunfo da vontade, uma notável análise daobra de Riefensthal pelo prisma da geração incessan-te de clichês de felicidade e alegria, em que Hitleraparece como o líder político transmutado, pelaslentes da cineasta, em ator no papel de herói. “O ci-nema será o mais forte pioneiro e o mais modernoporta-voz de nossa era, capaz de capturar o espíritoda época e levar a Alemanha a tomar consciência desua identidade”, disse Goebbels, o ministro da Propa-ganda do Reich, em discurso em 1933.

Dançarina, atriz de poucos dotes (além dos físicos,é claro), diretora de seis filmes e, no fim da vida, fo-tógrafa de comunidades africanas (que mostrou coma mesma estética fascista de Olympia, seu filme sobreas Olimpíadas de 1936, em Berlim), mergulhadora,Riefensthal, como ela mesma se proclamou em sua

F autobiografia, foi mulher de várias vidas. Mas, infe-lizmente, de uma coerência notável. “A realidade nãome interessa. Sou espontaneamente atraída pelo que ébelo, harmônico, forte, saudável, vivo. Eu busco a har-monia sempre e quando a encontro fico feliz”, afirma-va. Não foi por acaso que o próprio Hitler a escolheupara filmar o VI Congresso do partido na cidade me-dieval, cara aos nazistas, de Nuremberg, berço da“verdadeira cultura germânica”. E dos seus piores va-lores: foi lá que foram proclamadas as infames leisraciais contra os judeus. É num dia ensolarado que oavião do Führer chega à cidade, após furar as nuvense descer como um deux ex machina. “Riefensthalapresenta o VI Congresso como uma fábula, em queo herói, após ter triunfado sobre os inimigos, vempara relembrar e festejar a vitória no local sagradoem que ficaram preservadas as tradições”, diz Rovai.

O filme mostra a chegada de Hitler a Nuremberg,saudado por multidões sorridentes e gratas, os desfi-les noturnos com tochas das tropas SA, o cotidianode união das multidões que acorreram para a reunião,os discursos sobre “paz” e “ordem” do ditador paraoperários, soldados e a Juventude Hitlerista. O talentode Riefensthal, intuitivo (ao contrário, por exemplo,do teórico contraponto socialista Eisenstein, lembraRovai), foi justamente transformar um encontro po-lítico em espetáculo.“O filme é um marco cinemato-gráfico de outra ordem. Por meio de O triunfo davontade é possível ver a incômoda aproximação en-tre, de um lado, a celebração da força de liderança deHitler e a lealdade de seus seguidores, elementos queremetem ao período histórico marcado pelo ódio aodiferente e pelo genocídio, e, de outro, a felicidade deuma população que o recebe em festa”, nota o autor.

“Não há uma cena ensaiada. Tudo é verdadeiro. Éa história pura”, dizia Riefenstahl de seu “documen-tário”. “O triunfo representa em si uma transforma-ção radical da realidade: a história se transforma emteatro. O Congresso de 1934 foi organizado em partepela decisão de se filmar O triunfo e, assim, o eventohistórico passou a servir como um set da filmagemde algo que assumiria o caráter de um documentárioautêntico. O filme não documenta o real, mas é a ra-zão pela qual a realidade foi construída e, eventual-mente, a supera”, observou Susan Sontag em artigosobre a cineasta. Nesse contexto, a cidade de Nurem-berg pode ser vista como a cidade ideal de um contode fadas.“Pode-se assistir ao filme de Riefensthal como

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a parte final de uma históriainfantil em que o príncipe vemselar a sua aliança com a tradi-ção numa cidade protegida pornuvens e repleta de torres”, con-corda Rovai. “A forma como acidade é filmada daria a Nu-remberg, na tela do cinema,uma atmosfera de celebraçãoda harmonia e da ordem,diver-sa da arquitetura assustadorasugerida por alguns filmes dasdécadas passadas, como oschamados “expressionistas”.

Em lugar de Caligari, Hitler.“As reuniões com massas cau-savam forte impressão sobreas pessoas, pois a visão de ho-mens uniformizados marchan-do disciplinadamente poderiaoferecer o refúgio no grupo an-te as ameaças de instabilidadesocial e insegurança. Naquelemomento, o que interessava eradivulgar a ‘mensagem’ da Ale-manha pacífica e pacificada sobHitler”, explica o pesquisador. Segundoele, nesse mundo criado por Riefens-tahl, bem a gosto do nazismo, tudo erainocência e não havia conflitos (afinal,o herói já triunfara), numa combinaçãoperfeita com “a visão de mundo antica-pitalista romântica, que investia as con-cepções nacional-socialistas.”O caráter ésempre reacionário e regressivo, comoum conto de fadas em que a aposta era:com Hitler os problemas e conflitos daRepública de Weimar terminariam.

“O Triunfo é um evento encenadocomo espetáculo e com uma drama-turgia que promete um final feliz. Afi-nal, era a celebração da negação daprópria subjetividade em troca da se-gurança oferecida pela obediência”,nota o autor. “Além disso, o filme tocatambém na incapacidade de as pessoaslidarem com a própria angústia, emboa medida relacionada ao fato de a so-

ciedade produzir riqueza, mas igual-mente desigualdade e exclusão. Sem fa-lar nas explicações simplificadas queapontam no outro, na diferença, a ra-zão das mazelas do presente e na apos-ta no entretenimento como substitutodo sonho de felicidade ou no compro-metimento com a participação doseventos de massa como sinônimo dealegria.” Nisso, aliás, se pode ver o ta-lento estético e nada ético de Riefens-thal. Suas filmagens das massas, unifor-mes, formando figuras geométricas degrande precisão e em profusão, nuncadeixam de lado o rosto anônimo, en-quadrado em close. “Dessa maneira, o‘anônimo’, no cinema, poderia observara si mesmo em meio à multidão”, ana-lisa Rovai. Para ele, é impressionantecomo a cineasta conseguiu, ao contra-por a massa e o rosto de Hitler, destacara nação que a ele se entrega.

Para tanto, foram 30 câmeras e 120assistentes, entre eles 16 cinegrafistas,muitos vestidos em uniformes das SApara “desaparecer” em meio à multi-dão. Além disso, Riefensthal contoucom a ajuda do arquiteto favorito deHitler, Albert Speer, que não apenasconstruiu cenários e armações para queela pudesse filmar (como, por exemplo,uma enorme edificação vertical quepermitiu a ela retratar o desfile das tro-pas diante de Hitler no Luitpoldsta-dium), como também participou daencenação de vários dos desfiles, in-cluindo-se a célebre “catedral de luz”,de onde o Führer faz seu discurso maisimportante para os membros do parti-do. “Nesse ponto percebe-se como Hi-tler deixou nas mãos de Riefensthal atarefa de adequar a sua imagem ao apa-relho e à tela. Os planos em que ele apa-rece só vieram a ganhar significado no

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muitos ainda hoje, pois, como nota Son-tag, há nas obras de Riefensthal menosgênio e mais a presença desses elemen-tos”, avalia Rovai. O outro ingredien-te nesse caldeirão de bruxas é a mistu-ra imagem, movimento e tempo.“Nummomento do filme, a câmera passeia

pela cidade, mostrando torres,velhos telhados, chaminés fu-megantes, construindo umaidéia de calma e felicidade ime-moriais”, lembra o autor. Noplano final, continua, duas tor-res vão sendo substituídas, aospoucos, por imagens de umacampamento de militantesque suscita a idéia de precarie-dade, de algo a ainda ser cons-truído e acabado. “Na junçãodesses dois planos, Riefensthalmostra uma concepção de fu-turo em que o tempo presen-te, marcado pela precarieda-de, mas também pelo triunfodo líder, está justaposto à ima-gem do passado imemorial,um passado sem história quese localiza em Nuremberg.”

“Ao fundir as imagens dopassado imemorial e o presen-te em construção, o filme pa-rece atualizar uma imagem naqual o futuro, que não se co-

nhece, mas se espera, é produto de umpretérito seguro justaposto ao presenteno qual as pessoas estão inseridas e doqual nada esperam, pois ele é assusta-doramente precário e incerto”, analisa opesquisador. Se essa é a imagem do futu-ro ideal, Hitler é o guia para ele. “No ci-nema, esse vínculo é construído pelaimagem, tempo e movimento”, diz Ro-vai. Como diz um personagem de Par-sifal, ópera de Wagner, tão amado peloFührer, “o tempo se transforma em es-paço”. Pouco anos mais tarde, o espa-ço gerado por esse tempo teria outrosnome e objetivo: o lebensraum, o “espa-ço vital” que, dizia o ditador, os arianosgermânicos necessitavam. Para conquis-tá-lo era preciso a guerra. Basta dostempos de paz. A vontade que triunfoufoi outra. Muito mais funesta. •

CARLOS HAAG

momento da montagem, tarefa exclusi-va de Riefenstahl. Daí, então, a onipre-sença da diretora.” Ou, nas palavras dacineasta: “Fascinava-me que eu podiatudo com a edição. A sala de montagemse transformou para mim num labora-tório mágico”, escreveu em sua auto-biografia.

Sontag alerta para o fato, terrível, decomo O triunfo ainda conserva a suamagia negra em funcionamento, pormais que se abominem os resultados dotrabalho dos que estão em cena na tela.“Não se trata apenas da brutalidade e doterror, mas de ideais que persistem ain-da hoje sob outras bandeiras, como o devida como arte, culto à beleza, fetichis-mo da coragem, dissolução da alienaçãoem sentimentos extáticos de comuni-dade, repúdio ao intelecto e amor à fa-mília do homem.” Fascinante fascismo.“Tais valores são capazes de comover

O PROJETO

Imagem, tempo e movimento: os afetos alegres no filme O triunfo da vontade

MODALIDADEAuxílio-Publicação

PESQUISADOR MAURO ROVAI – USP

INVESTIMENTOR$ 5.000,00 (FAPESP)

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unca será contada provavelmenteuma das mais incríveis histórias domundo da literatura. E, se isso acon-tecer, não passará de mera criação ouinvenção. Trata-se de relatar qual aorigem, o(s) autor(es) e quando exa-

tamente foi escrito O livro das mil e uma noites, a mais populare influente obra de ficção da humanidade em todos os tempos.E uma das mais antigas – os registros mais distantes no temposão do século 3 d.C. Quase da mesma idade do Novo Testamen-to da Bíblia. A verdade se perdeu no tempo. A curiosidade, noentanto, não se restringe à autoria e ao contexto de sua criação.

Ao longo de mais de um século, somente no Brasil forameditadas próximo de cem edições diferentes do livro das maisdiversas formas: mutiladas, censuradas, resumidas, modifica-das ou adaptadas, por exemplo, para o universo infantil. Semcontar os problemas mais ou menos graves de tradução. Umacuriosidade data de 1882, quando Machado de Assis prefa-ciou uma edição de Contos seletos das mil e uma noites, com tra-dução de Carlos Jansen, a partir da edição em alemão de FranzHoffmann. Nunca, entretanto, a obra foi traduzida diretamen-te do árabe no Brasil.

Problemas que acontecem em todo o Ocidente por causa deinúmeras dificuldades – culturais, históricas etc. Nos últimosanos, porém, tem ocorrido na Europa um esforço para buscar ostextos mais antigos e originais possíveis. Nesse sentido, o leitor

LITERATURA

HUMANIDADES

O livro das mil e uma noites ganha traduçãodireta do árabe

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brasileiro pode se sentir um privilegiado.Graças ao empenho pessoal do tradu-tor Mamede Mustafa Jarouche, acaba desair em português (Ed. Globo, 424 págs.,R$ 55,00) o primeiro de cinco volumestraduzidos a partir dos três tomos domanuscrito árabe arquivado na Biblio-teca Nacional de Paris, considerada afonte mais valiosa para a edição do livro.

À semelhança dos contos de fadaspara crianças, com o O livro das mil euma noites o leitor adulto aprende o ca-minho exemplar da vida por meio doterror, da piedade, do amor e do ódio.Como todo mundo sabe, trata-se dahistória do rei Shahriyár que, depois dedescobrir que sua mulher o traía comum escravo, decidiu casar toda noitecom uma nova mulher e matá-la no diaseguinte. O terrível ritual só é inter-rompido com a chegada de Shahrazád,filha do vizir mais importante do reino.Culta e inteligente, ela passa a contarcentenas de histórias que prendem aatenção do marido até a noite seguinte,o que evita sua morte. Faz isso durante1.001 noites. Nesse período, seduz o so-berano até que ele se apaixona por ela.

O primeiro volume reúne as 170primeiras noites. Jarouche comparouos manuscritos usados com quatro dasprincipais edições árabes do livro, como propósito de suprimir lacunas dostextos originais e apontar variantes deinteresse para a história das modifica-ções operadas no livro. São elas: a deBreislau (1825-1843), de Bulaq (1835),a segunda edição de Calcutá (1839-1842) e a de Leiden (1984). Utilizouainda quatro manuscritos do chama-do ramo egípcio antigo. Se não bastas-se, escreveu uma saborosa e detalhadaintrodução que conduz o leitor à fasci-nante história do livro.

Um trabalho de paixão, empenho ecompetência que bem poderia ser ex-portado para outras línguas ocidentais.A intrincada história das supostas fon-tes em persa e sânscrito que teriam sidoa base para o livro é tratada no ensaiotambém. O tradutor teve o cuidado defazer centenas de notas com aspectoslingüísticos, referências aos manuscri-tos e edições árabes e anexos com tra-duções de passagens que possuem maisde uma redação.

Influência - Tudo isso ajuda a compreen-der melhor a influência do livro na lite-

ratura popular ao longo dos séculostanto no Oriente quanto no Ocidente,cuja dimensão ainda espera voluntári-os para ser iniciada. “Isso se deve tam-bém às limitações de conhecimento,pois um tal repertório exigiria um sa-ber muito vasto, que certamente pou-cos detêm, de muitas literaturas emmuitas épocas”, avalia Jarouche. Algu-mas pistas podem ser apontadas nessesentido.

Leon Kossovitch, professor do cur-so de filosofia da USP, observa que, naficção dos iluministas, por exemplo,muitas coisas que parecem ser apropria-ção de As mil e uma noites podem serefeito da leitura de textos mais antigosque circulavam naquela época. “Eis aíum assunto que exigiria formação deequipes”, acrescenta Jarouche. Apesarde ressaltar que a expressão “influên-cia” pode ser entendida como uma rei-vindicação de precedência, de priorida-de, que seria difícil sustentar, a arte decontar histórias tem relações diretas

com o O livro das mil e uma noites.“Não saberia, contudo, precisar tais re-lações ou se suas histórias são resultadodessa habilidade ou se contribuírampara desenvolvê-la.”

Pela pesquisa de Jarouche, existemem inglês quatro traduções do livro –Lane, Payne, Burton e Haddawi. E pelomenos duas em espanhol – Vernet eCansinos-Aséns. Foi a partir do século18 que as histórias do livro começarama ser traduzidas para inúmeros idio-mas e se tornaram tão populares queJorge Luis Borges as considerava ‘‘parteprévia de nossa memória’’. “E com ra-zão, pois quem não conhece Ali Babá,Aladim, ou Sindbad (melhor transcri-ção do que Simbad), o marujo, perso-nagens da memória de todas as crian-ças?”, pergunta o tradutor.

Desde o século 18, vários escritoresimportantes e distintos entre si inspira-ram-se no O livro das mil e uma noites.Como Voltaire, Macaulay, Edgar AllanPoe, Marcel Proust, Borges, JonathanSwift e Naguib Mahfuz. “É difícil en-contrar boas narrativas que não te-nham, de um modo ou outro, sofrido ainfluência dessa obra.”

Embora Machado de Assis tenha sau-dado o livro, sabe-se que letrados brasi-leiros consumiram a obra desde muitoantes, a partir da tradução de Galland.Circulou em português inicialmente aversão do texto de Mardrus, do final doséculo 19, publicada na década de 1960pela Saraiva, com ilustrações de Alde-mir Martins. Outra que se tornou po-pular foi a do Clube do Livro na déca-da de 1950. Por fim, saiu a do arabistaRené Khawam, pela Brasiliense, em 1990.Pela sua pesquisa, entre as versões in-fantis, algumas são assinadas por escri-tores como Ferreira Gullar, Carlos Hei-

A retórica nas transformações narrativas do Livro das mil e uma noites

MODALIDADEBolsa no Exterior

COORDENADORMAMEDE MUSTAFA JAROUCHE – USP

INVESTIMENTOR$ 71.366,00 (FAPESP)

O PROJETO

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Paulo (USP). Estudou e trabalhou naArábia Saudita, Iraque, Líbia e Egito,onde fez pós-doutorado. Do árabe, alémde textos esparsos, já traduziu As cento euma noites e O livro de Kalila e Dimna.

Somente os dois primeiros volumesde O livro das mil e uma noites consu-miram dois anos de intensa dedicação.A expectativa é de que os outros três se-jam concluídos até 2007. Embora a tra-dução de fato tenha começado em2003, faz já alguns anos que ele pesqui-sava sobre o livro. Em 2000 passoutemporada de um ano no Cairo comobolsista de pós-doutorado da FAPESP.“Acho importante destacar isso paranão parecer que se trata somente deuma tradução a seco.” Durante essa ex-periência encontrou um manuscrito,cuja data corresponde ao ano de 1808,que tinha 1007 noites. •

tor Cony e Sabá Gervásio. As “adultas”,sem exceção, foram feitas do francês.

É fácil perceber essa influência ain-da em Raduan Nassar, Milton Hatoum,Nélida Piñon, Lima Barreto etc. Issosem falar do “efeito dominó”, como nocaso de Machado de Assis, que teria ti-rado a idéia inicial de Dom Casmurrode uma obra do abade Prevost, a qualpor sua vez lhe fora sugerida pela tra-dução de Galland de As mil e uma noi-tes – que, por sua vez, não existiria semo original árabe, como observa Gilber-to Pinheiro Passos, professor do cursode francês da USP.

O tradutor lembra que a versão deGalland não esclarece qual o texto ser-viu de base, uma vez que o trabalho,datado do início do século 18, foi so-frendo modificações perpetradas poreditores. “A de Mardrus nem se dá otrabalho de esclarecer qual a sua fonte.E na de R. Khawam faltam trechos,como pude comprovar, e as notas, pou-cas, foram eliminadas, numa mesqui-nharia característica de certa espécie deeditor brasileiro, que felizmente está fa-dada ao desaparecimento.”

Problemas - Até então a edição maispróxima do original tinha oito volu-mes. Era a da Brasiliense, baseada naversão francesa de Khawam, sírio deAlepo. Jarouche considera esse um tra-balho meritório, mas incompleto echeio de problemas. Como ter suprimi-do a divisão do livro em noites. “Aindaque a partir de certo ponto as falas des-sa divisão se tornem absolutamente es-tereotipadas, quase mecânicas, e mes-mo que se leve em consideração quealguns manuscritos apresentam nume-ração caótica, não me parece corretosuprimir uma das principais caracterís-ticas do livro.” Não se trata, porém, deum procedimento inovador, pois o pri-meiro tradutor do francês, Galland, jáhavia adotado tal critério.

Outra deficiência de Khawam teriasido a adoção de critérios temáticos umtanto quanto discutíveis. Em francês,seu trabalho foi organizado em quatrovolumes e os três primeiros correspon-dem ao manuscrito mais antigo e o úl-timo inclui histórias de fonte diversa,que ele decidiu que constituem as noi-tes “originais”. Além disso, o leitor nãoencontra na coleção as histórias de AliBabá, Aladim e Sindbad.

Jarouche explica que os dois pri-meiros heróis não possuem original ára-be anterior ao texto de Galland. E nãoconstam de nenhuma edição árabe dasNoites. Galland os teria ouvido de umsírio, fez a tradução e os incorporou aseu trabalho. A história de Sindbad estápresente nos manuscritos tardios dasNoites e foi acrescentada às edições im-pressas. Faz parte hoje do cânone do li-vro. “Não direi que a tradução de Kha-wam é incompleta, porque isso seriainjusto. Lembro apenas que, de acordocom os critérios que ele estabeleceu, so-mente entraram ali os textos ‘mais anti-gos’, os do ramo sírio, mais três ou qua-tro outras histórias que ele considerouserem também antigas.”

Além de tradutor, Jarouche é dou-tor em letras e professor de língua e li-teratura árabes da Universidade de São

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ichard Dawkins não é,de fato,advogado.Nemmesmo parece ter apre-

ço pela profissão,como dá aentender em uma coletânea deensaios escritos por ele nos úl-timos 25 anos e recém-publi-cada no Brasil sob o título deO capelão do Diabo.Mas elepróprio se denomina advoga-do da verdade desinteressada quando define seu papel deprofessor de Compreensão Pública da Ciência,a c áte-dra que assumiu em 1995 na Universidade de Oxford,Inglaterra,como resultado da carreira de divulgador deciência erigida em paralelo à de biólogo evolucionista.

E a defesa da verdade científica e racional é o que Daw-kins faz com estilo mordaz,quase agressivo,em seus co-mentários sobre temas da atualidade. É assim quandotrata da polêmica sobre os organismos geneticamentemodificados ou quando justifica a ineficiência e a cruel-dade da seleção natural no capítulo que dá nome ao li-vro,uma express ão que tomou emprestada do próprionaturalista inglês Charles Darwin,autor da Teoria daEvolução das Espécies.

Em uma carta escrita em 1856 a um amigo próximo,o botânico Joseph Hooker,Darwin afirma: “Um livro etanto escreveria um capelão do Diabo sobre os trabalhosdesastrados,esbanjadores,ineficientes e terrivelmentecruéis da natureza!” Para Dawkins, é compreensível queseja mesmo assim quando se leva em consideração o gi-gantesco processo de tentativa e erro da seleção naturalque levou à existência dos seres vivos atuais.Mas,cr ê, háuma compensação.A felicidade da seguran ça do mun-do proposto pelas diferentes religiões é substituída pelafelicidade de saber que a existência é “temporária e,poressa razão,ainda mais preciosa ”.

Na vasta gama de assuntos que aborda no livro – dasterapias alternativas à influência obscurantista das reli-giões ou o especiecismo,atribui ção de status diferentesàs diferentes espécies animais do planeta –,Dawkins che-ga a ser ainda mais ácido em textos, às vezes,tortuosos.Mas esse tom não prevalece nos 32 ensaios do livro.Osartigos da seção “Toda a África e seus prodígios estãodentro de nós”,em que comenta livros sobre comunida-des no continente africano e relembra sua própria infân-cia no Quênia, são mais delicados e contemplativos.Seuestilo provocativo é aplacado também no texto em que

relata a troca de correspondênciascom o biólogo evolucionista nor-te-americano Stephen Jay Gould,da Universidade Harvard.

Apesar da rivalidade entre osdois evolucionistas,motivada porinterpretações diferentes da Teo-ria da Evolução,Dawkins escre-veu a Gould em 2001 propondoque assinassem em conjunto umacarta destinada ao editor da NewYork Review ofBooks na qual ex-

plicariam por que se recusavam a participar de debatescom os defensores do criacionismo,a doutrina segundoa qual o mundo e seus seres vivos foram criados do nadapor um Deus.Nessa carta – que não chegou a ser concluí-da nem publicada,em conseq üência da morte de Gouldem 2002 –,eles justificavam:a presen ça de cientistas sé-rios nesses debates seria explorada como uma forma dereconhecimento à importância das idéias criacionistas.

A filosofia que acompanha o biólogo de Oxford nabusca da verdade científica torna-se evidente no últimoensaio do livro,“Boas e más razões para acreditar”, car-ta que o biólogo endereça a sua filha,Juliet,na data deseu décimo aniversário,em 1995.Em uma exposi ção derara clareza,ele apresenta o m étodo científico e o prin-cipal aspecto que o distingue do que considera obscuran-tismo religioso:a observa ção de evidências que qual-quer pessoa tem a liberdade de examinar e reexaminarsempre que o desejar.

Na mensagem de tom paternal e delicado,Dawkinsindaga a sua Juliet: “Você já se perguntou alguma vezcomo é que sabemos as coisas que sabemos? Como éque sabemos,por exemplo,que as estrelas,que parecemminúsculos furinhos de alfinete no céu, são na verdadeenormes bolas de fogo como o Sol e se encontram mui-to,muito distantes? ” E afirma: “A resposta a essas per-guntas se dá ‘pelas evidências’”. Após breve detalhamen-to sobre o que são evidências e como os pesquisadoreschegam a elas,Dawkins adverte a filha: “Mas agora quejá lhe falei das evidências,que s ão uma boa razão paraacreditarmos em alguma coisa,quero alert á-la contra trêsrazões indevidas para acreditar no que quer que seja.Elas são chamadas de ‘tradição’, ‘autoridade’ e ‘revela-ção’”.Esses tr ês elementos encontrados em toda e qual-quer religião contribuem para a doutrinação do pensa-mento que se inicia na infância e,segundo o bi ólogo deOxford, é “responsável,no final das contas,por boa par-te dos males que há no mundo”.

O advogado da verdade desinteressadaEm coletânea de ensaios, biólogo da Universidade de Oxford analisa temas da atualidade sob o ponto de vista científico

O capelão do Diabo

Richard Dawkins

Cia. das Letras464 páginas / R$ 53,00

RESENHA

RICARDO ZORZETTO

R

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Estado e oposição no Brasil(1964-1984)Maria Helena Moreira AlvesEdusc424 páginas, R$ 53,00

O estudo,denso e bem documentado,analisa o desenvolvimento da democracia brasileira entre os

períodos críticos de 1964,ano do golpe,e 1984,quandose encerrou o ciclo do regime militar.A pergunta que a pesquisadora responde,a partir da perspectiva do momento presente,é “o que conseguimos,o quantoavançamos,quais são as seqüelas que permaneceramem nossa sociedade desse longo período de ditadura”.No centro da análise de Maria Helena,a Doutrina de Segurança Nacional.

Edusc (14) 3235-7111www.edusc.com.br

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MemóriasVisconde de TaunayIluminuras592 páginas, R$ 62,00

Um panorama esplendoroso e preciso do Império,escrito pelo autor de Inocência.Destaque para aedição caprichada de Sergio Medeiros,

um especialista em Visconde de Taunay.Escritas entre1890 e 1899,anos que antecederam sua morte,t êm ofrescor de um diário,onde n ão faltam “fofocas” elegantessobre a Corte.Mas as mem órias são mesmo uma históriado incipiente Exército brasileiro e de seus comandantes.

Iluminuras (11) 3068-9433www.iluminuras.com.br

Nem do morro nem da cidade:as transformações do samba ea indústria cultural (1920-1945)José Adriano FenerickAnnablume/FAPESP282 páginas, R$ 35,00

Apesar do molejo e da alegria,o samba precisou lutar para se estabelecer como música comercial no Brasil.Oestudo mostracomo se deu essa passagem,do morro para o Municipal,e de como,aos poucos,ele deixou as fronteiras locais para virar uma paixão nacional,usada mesmopor Vargas em sua propaganda do Estado Novo.

Editora Annablume (11) 33812-6764www.annablume.com.br

A civilização do OcidentemedievalJacques Le GoffEdusc400 páginas, R$ 55,00

Um dos mais notáveis medievalistasainda em atividade,o franc ês JacquesLe Goffmostra como a Idade M édia,

“período em que nosso tempo prefere reconhecer nossainfância,foi o verdadeiro come ço do Ocidente atual,qualquer que tenha sido a importância da herançajudaico-cristã, greco-romana, bárbara e tradicional que a sociedade medieval escolheu”,numa mistura de rara intelectualidade e sabor literário.Edusc (14) 3235-7111www.edusc.com.br

O Museu PaulistaAna Claudia Fonseca BrefeUnesp336 páginas, R$ 48,00

Situado próximo do lugar onde teriase dado o celebrado grito da Independência,o MuseuPaulista,conhecido como Museu do Ipiranga,

nasceu para ser um marco da importância paulista na história brasileira.Mas,muito mais do que um monumento,ele é um grande museu e sua atual conformação se deve ao trabalho de Affonsod’Escragnolle Taunay,que foi diretor da instituiçãoentre 1917 e 1945.Foi durante a sua gest ão que o lugarpassou de museu naturalista a museu histórico.

Editora Unesp (11) 3242-7171www.edutoraunesp.com.br

LIVROS

Joaquim Nabuco:diários (volumes 1 e 2)

Prefácio e notas de Evaldo Cabral de MelloBem-Te-Vi Produções Literárias e EditoraMassangana872 páginas, R$ 185,00

Um tesouro que esteve “escondido”por várias décadas,os di ários trazem

as impressões e a intimidade de um de nossos maisnotáveis pensadores,o diplomata Joaquim Nabuco.Seja falando da política,de livros,de costumes ou denações estrangeiras,como os Estados Unidos, é leituraobrigatória para quem quiser entender melhor o Brasil.Editora Bem-te-vi (21) 3804-8678www.editorabemtevi.com.br

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pre dane-se o misticismo aritmológico do pensamento pitagórico hã estou preo-cupado coisa nenhuma se Bentinho sambanga brocoió aquele tem a fronte guar-necida por chavelos chifres que tais eh-eh dane-se Esaú alambazado que renun-

ciou à primogenitura por um prato de lentilha ou Simão que quis comprar de São Pedroo dom de fazer milagres fiau! dane-se Prometeu lavadraz encavacado enconchado olím-pico que roubou para os homens o fogo do céu hã punfas! pouco se me dá as teorias mo-dernas da expansão e da contração do universo ixe dane-se a tese da origem lógica das fi-guras abstratas e da geração física das realidades concretas de Filolau canzoal coisa-e-talpuh dane-se a violação dos direitos de hospitalidade dele papangu pastrana Páris arre lá!estou me lixando para o astucioso Hamlet que se faz de zuruó-zoropitó pra garantir aprópria segurança hã idem pra ele o zabaneiro-zamboa Édipo que é assassino do homemcujo assassino procura ixe apre aie flat ubi vult danem-se as cinco virtudes as cinco fa-culdades as dez forças as dezoito substâncias dele bocório boleima Buda ufa xô Salambôaquela que cresceu em abstinências jejuns purificações cousalousa hã interessa nada necaneres saber que o nome do desmangolado David aparece mais de mil vezes na Bíblia eh-eh que o Evangelho dele labrusco lambaio Lucas tem o maior número de parábolas deJesus pufdanem-se as revelações apocalípticas fiau se as coisas da criação são contráriasao homem e vice-versa arre lá! agüento mais não senhor ouvir que a teoria da relativida-de de Einstein se formula num âmbito de uma geometria não-euclidiana pois descrevemelhor o universo em que vivemos ixe xô seres brocoiós duma figa tartamudeando adnauseam sons ininteligíveis apre dane-se a sabedoria campesina dos Erga de Hesíodo hãdanem-se os mistérios da transubstanciação arre estou interessado coisa nenhuma nelaverdadeira significação da isotopia xô inúteis escaramuças xô sacerdotes sem deus xô se-res arrepanhados arreminados fiau jamais souberam abstrair eh-eh xô idéias abstrusas xôesperanças que se esvaem no nada xô a acídia o tédio o torpor aie xô dias frios pobres en-fadonhos pufquero saber neca neres de jeito nenhum se a alma é um sopro de Deus seo amor mantém unido os quatro elementos se os anjos são criaturas incorpóreas se a se-mente vem antes da planta se obliterar significa extinguir apagar fazer desaparecer cou-salousa se Hiroxima a propósito não deixa obliterar o poder destrutivo do homem se épossível explicar uma cor a um cego se vale a pena o recolhimento em si mesmo aconse-lhado pelos estóicos se nada pode ser e não ser simultaneamente se a morte apre arre lá!é tão certa como a bílis é produto do fígado se o crítico é de fato aquele que aprendeu anadar fora da água eh-eh se o homem de espírito aberto é mesmo livre apre ixe puh seique ela paixão é uma excogitação diabólica hã estou me lixando pra ela soma dos ângu-los dele triângulo que é igual a dois retos oxe xô povaréu cheio dele chove-não-molhafobó quejandos hã xô lucubrações metafísicas apre xô memória razão imaginação aie seique o ser humano é sim senhor uma só massa condenada eh-eh sabichões aí (pasme) di-zem que qualquer coisa que realmente exista existe por absoluta necessidade apre o ho-mem é mesmo um junco pensante quá quá quá humanos todos carecem dela humilda-de aquela que tempera e freia o ânimo aie pena ixe duas coisas no universo não podemser absolutamente iguais hã catrâmbias! entendo jeito nenhum linguagem apofântica de-les doutores todos aí aie meu Deus ele sim que é a substância das substâncias a idéia das

Arre lá!

EVANDRO AFFONSO FERREIRA

FICÇÃO

A

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idéias huifa livre-me deles brocoiós todos querido Âmico inventor mítico do pugilato ixeoxe apre acho que não convém viver outra vida que não esta a-hã tudo o que se move émovido por alguma coisa oigalê! ah todos eles aí chibantes cochambrosos chinchorrosserão certamente condenados ao nada eterno eh-eh ufa calor dantesco senegalesco cou-salousa apre sim senhor sei a-hã os corpos se atraem proporcionalmente ao produto dasmassas a-hã lei newtoniana a-hã entendi ufa apre xô arre lá! cansei deles enigmas e que-bra-cabeças joycianos hã há alguém que está vivendo minha vida diacho e nada sei sobreele ixe refunfunou o zaragateiro Pirandello eh-eh mestres todos aí modo geral puh ecto-plasmáticos fiau não temos claro a alma seráfica dela huifa santa Teresa de Ávila ixe aprepuh careca ali eh-eh leitor de Platão Políbio Tácito huummm plus ça change plus cest lamême chose eh-eh curioso lembrar agora dele Lichtenberg: um dia será tão ridículo crerem Deus como hoje acreditar em fantasmas aie cruz-credo doutorzinho ali parece eh-ehdecorou todos eles 250 mil versos dele Mahabharata hã tudo é um ui calor dantesco ixeimpossível alcançar neste forno a ataraxia hã esse est percipere et percipi puf doutorazi-nha aquela de rabiosque enxundioso hã delírios persecutórios rousseaunianos talvez apreufa chega dela dialética hegeliana do senhor e do escravo fiau quero imitar nunca-jamaisEmpédocles aquele que se atirou ao vulcão Etna ixe é o jogo de oferta e procura que equi-libra a economia sim senhor hã dane-se a exploração do homem pelo homem quá quáquá estou pouco me lixando para as inquietações e angústias kierkegardianas puf douto-ra cambanganza ali desde sempre um ser aforismático eh-eh outro ali sim moço cando-roso como ele só huifa tempo todo flertando com idealismos delirantes apre xô quero sa-ber neca neres coisa nenhuma se o homem nada é enquanto não fizer de si alguma coisase Schlemihl perdeu mesmo a própria sombra se in nid beguzarad ou trocando em miú-dos se isto também passará se Catão aquecia sua virtude no vinho se a vespa ao picar per-de realmente o ferrão para sempre se jamais acorda quem uma vez adormeceu no frio re-pouso da morte se o polvo colora-se de fato da cor que bem entende segundo ascircunstâncias se o homem foi mesmo de forma esférica e logo dividido em duas partese desde sempre tentando se tornar outra vez redondo e perfeito se devemos acreditar ne-las utopias satíricas de Aristófanes se vale a pena viver nas regiões crepusculares do ano-nimato se eles homens são (au fond) fracos pecaminosos insensatos demais se a varieda-de é mesmo sintoma de vitalidade se devemos ficar entre a luz de Voltaire e as trevas deDe Maistre se Confúcio e Lao-Tsé nasceram na China e Upanishad e Buda na Índia e Za-ratustra na Pérsia ixe quero não senhor ver as trevas ouvir o silêncio hã tudo sofismas eilusões que tais mas diacho convenhamos a vida tem lá o seu não-sei-quê eh-eh mas sejacomo for danem-se as moléculas os átomos os prótons os nêutrons os elétrons os quarkstudo todos inclusive este revestimento interno calorífico sobre esta sala de reunião deprofessores desta universidade chavascal em que me encontro purutacotataco preso hámais de um mês diacho.

EVANDRO AFFONSO FERREIRA é livreiro e escritor, autor dos livros Grogotó! (Top Books), Arãa!(Hedra), Erefuê! e Zaratempô! (Editora 34).

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Pesquisa Brasil

Apresentação Tatiana FerrazComentários Mariluce Moura

Diretora de redação de Pesquisa fapesp

Sábados, às 12h30Reprise aos sábados às 19h30 e aos domingos às 14h

Ciência e Tecnologia no Brasil

■ Novidades de ciência e tecnologia

■ Entrevistas com pesquisadores

■ Profissão Pesquisa

■ Memória dos grandes momentos da ciência

E o que não poderia faltar: sua participação nas seções

■ Pesquisa Responde

■ Promoção da Semana

A ciência está no arRádio Eldorado AM

Sintonize 700 kHz

Toda semana,em meia hora, você tem:

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CLASSIFICADOS

• Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008 www.revistapesquisa.fapesp.br

Processo Seletivo para Docentes

Área: Urologia Feminina Faculdade de Ciências Médicas Departamento de CirurgiaInscrições: 25/8/2005 a 16/11/2005, publicação DOE,24/8/2005, pág. 72Disciplinas: Clínica Cirúrgica Cargo: Prof. Titular Regime RTPEdital: Arquivo em PDF Processo: 01-P-27209/2004 Contato: Carmen Sílvia do Santos - ATUTelefone: 19-3788-8933

Área: Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Faculdade de Odontologia de Piracicaba Departamento de Ciências FisiológicasInscrições: 18/7/2005 a 17/10/2005, publicação DOE,15/7/2005, pág. 109 Disciplinas: Farmacologia, Pré-Clínica IV, Pré-Clínica VI Cargo: Prof. Titular Regime RTPEdital: Arquivo em PDF Processo: 01-P-13883/2005 Informações: Patrícia Aparecida Tomaz: [email protected] e (19) 3412-5204

CONCURSO/PROFESSORES

Escola de Engenharia de São Carlos - [email protected]

01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Geotecnia, para a Área de Conhecimento “Geologia de Engenharia e Meio Ambiente”.Inscrições abertas no período de 07/04 a 03/10/2005. Diário Oficial de 06/04/2005.

(Publicação na íntegra)01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística, Área de Conhecimento Engenharia de Materiais.Inscrições abertas no período de 16/06 a 12/12/2005. Diário Oficial de 15/06/2005.

(Publicação na íntegra)01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Geotecnia, para a Área de Conhecimento “Geossintéticos”.Inscrições abertas no período de 11/07/2005 a 06/01/2006. Diário Oficial de 06/07/2005.

(Publicação na íntegra)

Universidade Federal do ParáConcurso público para professor adjunto I Universidade Federal do Pará São duas vagas para fisiologia/farmacologiaRegime de trabalho: Dedicação ExclusivaInscrições até 13/9, de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h naSecretaria do Centro de Ciências Biológicas. Fone: (91) 3183-1102

Ligue 3838-4008 ou acessewww.revistapesquisa.fapesp.br

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Classificados

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