dimensao humano afetiva na vida do padre

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13º ENCONTRO NACIONAL DE PRESBÍTEROS 03 a 09 de fevereiro de 2010, Itaici, Indaiatuba - SP ENPs, 25 anos celebrando e fortalecendo a comunhão presbiteral “Eu me consagro por eles” (Jo 17,19a) Prot. 07/2010 13º ENP DIMENSÃO HUMANO AFETIVA NA VIDA DO PRESBITERO Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS “Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” Lc. 2,52. INTRODUÇÃO: Inicio com um pensamento do Pe. Manuel Godoy 1 , referindo-se à maturidade humana e ministerial afirma: ”É bom lembrar que antes de ser padre, é preciso ser cristão e antes de ser cristão, é ser humano. Somente sobre fundamentos sólidos humanos se pode edificar o verdadeiro presbítero, pois este deverá ter condições de colocar a totalidade de sua vida sob o dinamismo do Espírito. É claro que por maturidade entendemos hoje mais claramente que se trata de um processo, que nos acompanha a vida inteira, desde “la cuna hasta el ataud”. Refletir sobre a dimensão humana afetiva na vida do presbítero é falar de alguém humano que tem uma opção de vida definida por uma vocação! Trata-se de uma experiência única vivida por um sujeito que define seu agir humano movido por uma escolha vocacional definida que contem pressupostos que fazem parte da perspectiva da vida tomada como um todo. No tema proposto temos elementos importantes que o compõem e se completam. 1) dimensão humano afetiva; 2) na vida do presbítero. 1) Dimensão Humana afetiva: Por definição compreendemos que a dimensão humano afetiva é algo que pertence a todos os humanos, independente de sua opção de vida. Ela faz parte do ser gente. É uma dimensão estrutural da pessoa, faz parte da sua constituição. Ela envolve o modo de ser e de se relacionar de cada um consigo, com as outras pessoas, com as coisas e com o mundo. No âmbito dos afetos estão envolvidas as emoções, os sentimentos, a racionalidade. 1 http://br.celam.info Fornecido por Joomla! Produzido em: 3 May, 2007, 00:22. 1

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Page 1: Dimensao Humano Afetiva Na Vida Do Padre

13º ENCONTRO NACIONAL DE PRESBÍTEROS

03 a 09 de fevereiro de 2010, Itaici, Indaiatuba - SPENPs, 25 anos celebrando e fortalecendo a comunhão presbiteral

“Eu me consagro por eles” (Jo 17,19a)

Prot. 07/201013º ENP

DIMENSÃO HUMANO AFETIVA NA VIDA DO PRESBITERO

Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS

“Jesus crescia em sabedoria, estatura e graçadiante de Deus e dos homens” Lc. 2,52.

INTRODUÇÃO:

Inicio com um pensamento do Pe. Manuel Godoy1, referindo-se à maturidade humana e ministerial afirma:

”É bom lembrar que antes de ser padre, é preciso ser cristão e antes de ser cristão, é ser humano. Somente sobre fundamentos sólidos humanos se pode edificar o verdadeiro presbítero, pois este deverá ter condições de colocar a totalidade de sua vida sob o dinamismo do Espírito. É claro que por maturidade entendemos hoje mais claramente que se trata de um processo, que nos acompanha a vida inteira, desde “la cuna hasta el ataud”.

Refletir sobre a dimensão humana afetiva na vida do presbítero é falar de alguém humano que tem uma opção de vida definida por uma vocação! Trata-se de uma experiência única vivida por um sujeito que define seu agir humano movido por uma escolha vocacional definida que contem pressupostos que fazem parte da perspectiva da vida tomada como um todo. No tema proposto temos elementos importantes que o compõem e se completam. 1) dimensão humano afetiva; 2) na vida do presbítero.

1) Dimensão Humana afetiva: Por definição compreendemos que a dimensão humano afetiva é algo que pertence a todos os humanos, independente de sua opção de vida. Ela faz parte do ser gente. É uma dimensão estrutural da pessoa, faz parte da sua constituição. Ela envolve o modo de ser e de se relacionar de cada um consigo, com as outras pessoas, com as coisas e com o mundo. No âmbito dos afetos estão envolvidas as emoções, os sentimentos, a racionalidade.

2) Na vida do presbítero (um modo específico de vivenciar a dimensão afetiva) é o outro elemento importante relacionado ao tema. Aqui a dimensão humana afetiva ganha uma conotação própria específica, vinculada a uma opção, uma escolha feita cuja razão de ser é a entrega total e incondicional a Deus e ao seu Reino. Essa escolha “afetiva” é dom e implica a aceitação de caminhos definidos na maneira de viver o humano afetivo, que exige um alto grau de maturidade e capacidade de gestir a

1 http://br.celam.info Fornecido por Joomla! Produzido em: 3 May, 2007, 00:22.1

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própria vida diante dos apelos da própria afetividade. Quatro elementos2 significativos compõem o horizonte da afetividade na vida do presbítero: a) o amor é o “coração” da escolha da vida do presbítero. b) Deus é a razão do amor presbiteral e por conseqüência o amor às criaturas, de modo particular os destinatários do apostolado. c) a totalidade. Deus é amado de todo o coração, de toda a mente e com toda a vontade. Deus é amado de coração e por um coração totalmente humano, enquanto a criatura humana é amada com afeição divina. Isto é, sempre por um coração de carne, mas educado pela liberdade de Deus amar com a sua largura, altura e intensidade... d) a renúncia. Qualquer escolha envolve uma renúncia. No caso do presbítero renuncia aos laços definitivos e exclusivos por uma pessoa, por exemplo, ao matrimonio. Paradoxalmente ele escolhe não excluir ninguém! Em síntese, ele renuncia a amar com os critérios puramente humanos de simpatia, benevolência que prefere um e exclui outro, com base no instinto, na atração espontânea ou no interesse pessoal. O presbítero deve viver muitas relações, mas com um estilo particular, cuja centralidade é sua relação com Deus e a paixão por cada irmão, irmã. Como diz Cencini3 ‘E isto para além de qualquer postura unilateral e extrema: nem urso, nem borboleta; nem fechado em si mesmo, nem na perpétua busca de apoios e compensações variadas; nem supermoralista a ponto de ver o mal por toda parte, mas tampouco ingênuo ou esperto! a ponto de se permitir tudo ou quase tudo”!

Muitas vezes nossa presunção nos leva a compactuar com auto enganos, como o de julgarmos saber e compreender tudo (já fizemos tantos cursos sobre isso), ou pensamos que com o passar dos anos entramos na fase da “paz dos sentidos” ou ainda somos sábios e realistas a ponto de nos dispensar uma grande paixão no coração. Se nos esquecemos das razões fundantes de nossa opção e elas não permanecerem como objeto de atenção constante (formação permanente) a vida transforma-se em cansaço impossível de viver e/ou frustração permanente. Apropriando-me do pensamento de Cencini e aplicando ao presbítero podemos dizer a opção presbiteral solidifica-se num “estilo de vida que envolve o modo de pensar e desejar, de dar sentido à vida e à morte, de viver a relação e a solidão, de estar com Deus e com o próximo, de crer e esperar, de sofrer e ter compaixão, de fazer festa e trabalhar...”4

Depois dessa introdução vamos detalhar melhor os dois aspectos acima acenados da dimensão humano afetiva na vida do presbítero. Não se pretende com isso abordar todas as facetas relacionadas ao tema e muito menos esgotar o assunto relativo a esses dois aspectos.

Vamos refletir por partes:

1. DIMENSÃO HUMANO AFETIVA.

Refletir sobre a dimensão humano afetiva implica desde o inicio, ter consciência de que se trata de assunto complexo que envolve a biologia (desenvolvimento físico, instintivo), a psicologia (desenvolvimento emocional - emoções e sentimentos), a antropologia (compreensão de quem é o ser humano), a sociologia (o mundo das relações sociais), a teologia (as relações com o transcendente), a filosofia (perguntas a respeito do ser). E assim poderíamos listar ainda outros componentes.

2 CENCINI, Amedeo, Virgindade e celibato hoje – para uma sexualidade pascal. São Paulo: Paulinas, 2009, PP.21-28.

3 Ibidem. p. 26.4 Ibidem. p.28

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Em nossa reflexão vamos acenar apenas para alguns componentes biológicos, psicológicos. Os demais somente de quando necessários para ampliar a compreensão.

1.1. Dimensão humano afetiva biológica.

O ser humano desde o ventre materno se desenvolve seguindo leis próprias da natureza humana. Vai se formando corpo que interage com outro corpo que o sustenta e nutre: a mãe. Até seu nascimento o seu meio ambiente é o ventre materno. Já aí suas características genéticas definidas (DNA) e o meio ambiente começam a interagir. Ao mesmo tempo em que as células se multiplicam e formam os diferentes órgãos o feto começa um “aprendizado” que passa pela sua sensibilidade em captar através dos estímulos orgânicos da mãe “mensagens” emocionais vividas por ela e que passam a afetá-lo. As tensões, ansiedades, angústias humano afetivas da mãe são captados pelo nascituro e desde já pode sofrer condicionamentos que podem repercutir no seu futuro.

Com o parto inicia-se uma nova fase de desenvolvimento biológico e experiencial. Inicia agora uma busca por alimento ainda suprido pelo seio materno. Este não é apenas “instrumento”, canal para obter o alimento, mas se torna meio para a formação de novos vínculos afetivos, extremamente importante para o processo de desenvolvimento tanto biológico como afetivo5. Sabe-se hoje que o afeto na vida do bebê é tão importante (ou mais) quanto à alimentação. O bebê recém nascido deve se adaptar as novas condições de temperatura, entrar em contato comas outras pessoas a sua volta e outros objetos. Estabelece-se aí um processo relacional que passa por fazes distintas, como do autismo (ou indiferenciação), da simbiose (ou diferenciação), da individuação e da integração objetal6. Nem sempre esse processo é contínuo e complementar. Podem ocorrer fixações com as conseqüências relativas a cada fase. O desenvolvimento biológico segue pelas etapas da infância, da adolescência até chegar ao corpo adulto em torno dos 21-25 anos. Em cada uma dessas fases do crescimento biológico há também o amadurecimento emocional envolvido com características próprias em cada fase.7 Não havendo doenças ou outros fatores impeditivos, o aspecto biológico segue um ciclo que a própria natureza determina. Cresce, fica adulto, envelhece e morre.

1.2. Dimensão humano afetiva psicológica.

Nessa dimensão vamos considerar dois elementos que se interpenetram quando se fala da afetividade. Um elemento é a própria afetividade distinta da sexualidade, o segundo elemento é a sexualidade enquanto fonte de energia biológica cuja ação também envolve o emocional e afetivo. Examinemos por partes para facilitar a compreensão, isto mais por necessidade didática do que por separação, pois ambas se implicam mutuamente.

A afetividade e sexualidade são dois termos que indicam em si aspectos diferentes da experiência humana, porém muitos interligados. São aspectos complexos da vida humana porque envolvem tanto a racionalidade como a emocionalidade. Por afetividade podemos entender tudo o que envolve sentimentos, emoções, que são os canais pelos quais a afetividade se manifesta ou se move. A afetividade abrange desde as emoções “positivas”, que

5 A intensidade da relação, quando a mãe amamente o seu bebê, proporciona uma unidade tal que entre eles não há espaço para mais ninguém!

6 Fases do desenvolvimento objetal segundo Otto Kernberg.7 Podemos distinguir para cada fase pelo menos um aprendizado afetivo, ou melhor, dizendo uma forma de

“amor”. Na primeira infância o “amor filial”, na puberdade “o amor de companheiros”, na adolescência “o amor paixão”, na juventude “o amor responsável”, na vida adulta o “amor oblativo”.

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trazem satisfação, prazer, bem estar, até aquelas “negativas” que causam sofrimento, dificuldades, desprazer, agressividade.

A afetividade faz parte do cotidiano humano como o comer, beber, vestir, trabalhar. É uma realidade que acorda conosco, nos acompanha durante o dia e vai dormir conosco. Ela é uma característica humana (e animal, ela existe também nos animais, embora desprovida da racionalidade) que envolve todo o ser da pessoa. A grande questão está no reconhecimento de sua presença e aceitação, como nas dificuldades que se apresentam em suas formas de expressão.

Quais maneiras de expressar são aceitas, queridas, aprovadas, e quais não são aceitas, são reprovadas nas condutas humanas. Muitas formas são aceitas em uma cultura e em outras não. Há também maneiras próprias de se manifestarem e serem entendidas nas diferentes etapas da vida (desenvolvimento). Há diferentes formas de expressões da afetividade: por gestos, por manifestações silenciosas, por impulsividades, por afagos, por abraços, por beijos, por cumprimentos, por sorrisos, por posturas corporais, por olhares, por escritos, por imagens etc. Uma outra forma mais contundente é pela sexualidade, pelo intercurso sexual, pela simulação, pela sedução. Por expressões normais e sadias, por expressões anormais, patológicas.

Diante dessa gama de situações poderíamos tentar, a título de compreensão, delinear alguns aspectos que nos ajudem a entender a afetividade bem como a sexualidade. Vejamos:

2. AFETIVIDADE

A afetividade está ligada ao Eros (deus do amor - afeto) e ao pathos (“sentimento”)8 na nomenclatura grega.

Segundo a definição do dicionário “Aurélio” afetividade é o: “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza”.

Pela definição acima já podemos perceber que se trata de algo complexo, “é um conjunto de fenômenos psíquicos”, portanto, se trata de algo que envolve individualidade, subjetividade e relações. Ela é expressão de um mundo interno da pessoa, do indivíduo, que vem associado com suas experiências pessoais, suas percepções, suas interpretações, suas simbolizações etc.

Não se pode, portanto, simplificá-la demais, sem correr o risco de esvaziá-la. Vamos vê-la por partes:

2.1. Afetividade como expressão de emoções

8 “Há três estágios cerebrais, surgidos ao longo da evolução [...] O primeiro é o cérebro reptiliano, surgido há 200 milhões de anos, quando do aparecimento dos répteis. Esse cérebro ancestral responde pela fisiologia da subsistência, pois organiza as reações mais espontâneas da nossa vida, sempre instintivas e pré-reflexas, desde a sexualidade reprodutiva até os movimentos digestivos e nervosos de defesa diante da ameaças. O segundo é o cérebro límbico, surgido há 125 milhões de anos, com os mamíferos. É o cérebro dos sentimentos, da relação afetiva, do cuidado com a prole, da comunicação oral. Esse teve a mais longa duração temporal e estrutura fundamentalmente a profundidade humana, feita de pathos (“sentimento”) e Eros (“afeto”). É o cérebro da dimensão de anima em todos os seres superiores. Por fim, há o cérebro neocortical que irrompeu com a consciência reflexa há três milhões de anos. Este é o mais recente e o que menos memória genética possui, quando comparado com os seu predecessores. Ele responde pelo pensamento, pela fala e pela capacidade de abstração e de ordenação do ser humano. É fundamentalmente responsável pela dimensão de animus nos seres humanos, homens e mulheres. A sexualidade e o amor têm as suas raízes profundas no cérebro límbico” – (MURARO, Rose Marie e BOFF, Leonardo, Feminino e Masculino, Rio de Janeiro: Sextante, 2002 p.47-48)

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Enquanto expressão de emoções, a afetividade se caracteriza por sentimentos que se manifestam fisicamente, elas aparecem em manifestações físicas em formas de expressões de alegria, contentamento, tristeza, abatimento, rubor, palpitações, arrepios, hilaridade, taquicardia etc. A afetividade enquanto emoção é visível, detectável, perceptível. É fenomenológica.

2.2. Afetividade como expressão de percepções

Enquanto percepção ela é um modo como o mundo entra em nós e como nós o acolhemos dentro de nós como o experimentamos e o manifestamos em nossas reações. A percepção se dá normalmente através dos cinco sentidos. Eles são os canais pelos quais entramos em contato com o mundo e o mundo entra em contato conosco e desperta nossos espaços interiores ou os esconde mais. Nossa percepção pode ser influenciada por diversos fatores, entre eles: o significado emotivo que o objeto percebido tem para nós; a intensidade (quanto forte é o estimulo); a familiaridade (quanto mais familiar um objeto, mais rapidamente ele é percebido); traços de personalidade; necessidade que sentimos e valores que cultivamos, também podem incidir fatores inconscientes e diferenças culturais. Etc.

Exploremos um pouco alguns deles, por exemplo:

a) O significado emotivo do objeto.

Se um dado objeto (pessoa ou coisa) estiver relacionado com alguma experiência significativa para a pessoa, este objeto mais facilmente tomará conta da mente e sentimentos do individuo. Dependendo da carga emotiva envolvida o objeto é avaliado como atraente ou repulsivo, dai decorre um desejo de aproximar-se ou afastar-se do objeto. Essa avaliação pode ser contracenada pela avaliação racional, porém, dependendo da intensidade, é difícil para o indivíduo submeter-se àquilo que sua razão aponta como mais razoável, a tendência é usar a razão para justificar a aproximação ou afastamento do objeto (mecanismo de defesa da racionalização). Em outras palavras, o emotivo tende a prevalecer sobre o racional. (em termos religiosos diríamos, há uma propensão a ceder à tentação).

b) A intensidade

Um estímulo pode ser forte ou fraco, variar sua intensidade, contudo em se tratando de emoções nós somos capazes de perceber os objetos até um limiar, esta percepção mesmo em nível subliminar é capaz de influenciar comportamentos e formar, com o passar do tempo, atitudes emocionais e transformar-se em hábitos. A tendência é de quanto mais forte for um estímulo haverá mais facilidade de percepção e mais facilidade de razão. Se isto vale de modo geral, não se aplica necessariamente às percepções que envolvem cargas afetivas. Tendemos a ver os objetos de nossos desejos com mais sutileza e nos aproximarmos dele com menos estímulos, isto é, não é necessária muita intensidade de estímulo se o objeto em si já vem carregado de significado desejado. Basta uma pequena faísca.

c) A familiaridade

Quanto mais eu convivo com o objeto, mais presente ele está, mais facilmente eu o detecto no meio de outros objetos. E assim poderíamos ir descrevendo os demais aspectos da percepção. Por hora nos baste estes para constatar sua capacidade de influenciar nosso agir (comportamentos).

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2.3. Afetividade como simbolização:

Nossa capacidade de simbolizar é muito grande e a usamos com muita freqüência. A linguagem dos símbolos nos lança para dentro de aspectos indecifráveis pela razão, bem como nos põe em contato com realidades que fogem às análises objetivas. O símbolo envolve o subjetivo da pessoa e os objetos tornados símbolos ganham significados afetivos particulares, próprios para cada pessoa. Nosso inconsciente usa da linguagem simbólica para se manifestar. Nós o percebemos pelos sintomas que aparecem. Como todo símbolo vem carregado de significados afetivos e cada pessoa atribui aos seus símbolos seus próprios significados, então o grande desafio é a decodificação dos símbolos, ou melhor, sua interpretação. E para interpretá-los corretamente é necessário conhecer um pouco a que coisas eles estão associados ou ligados.

Em nosso inconsciente há muitas memórias afetivas9 que são atingidas pelos símbolos. Elas podem ser evocadas sem que conheçamos os fatos a elas relacionados, ou melhor, aos fatos que as geraram. Muitos fatos estão esquecidos, mas nossa memória afetiva retém a experiência emocional vivida em relação a eles. Estas podem ser evocadas por pequenos estímulos que percebidos como simbólico dos fatos esquecidos, acionam as disposições internas para reagir conforme o significado simbólico a eles conectados.

2.4. Como expressão da individualidade pessoal

A afetividade enquanto expressão da individualidade pessoal está ligada ao desenvolvimento psico afetivo do sujeito. Cada um de nós, no processo de desenvolvimento para a maturidade afetiva passa por estágios de amadurecimento que se diferenciam em cada um deles pelas características próprias que marca cada uma de suas fases. Mesmo vivendo no mesmo ambiente sócio cultural e familiar, dois irmãos assimilam de modo diferente a educação que recebem dos pais. O grau de afetividade que marca as relações é um fator preponderante para o amadurecimento sadio ou para fixações infantilizantes que podem se perpetuar na vida adulta. O aumento da idade cronológica não é sinônimo de amadurecimento afetivo. Embora um indivíduo biologicamente falando possa completar sua fase de crescimento em torno dos 25 anos, isto não é garantia de que da mesma forma se dá seu amadurecimento psico afetivo. O indivíduo precisa encontrar no ambiente onde se desenvolve um clima afetivo favorável, com dosagem optimal de frustrações e afetos para aprender amar-se sadiamente e amar os outros e a Deus. Esse processo passa necessariamente pela experiência que faz no convívio com os outros com quem interage, de modo especial, os “outros” significativos afetivamente, que normalmente são os próprios pais e pessoas próximas. O modo como alguém se sente amado, vai permitir ou não que adquira a certeza interna de se sentir amado e aceito ou rejeitado. O sujeito expressa através de sua individualidade aquilo que acumulou nos anos em que viveu e como os internalizou dentro de si. Seu estilo de personalidade vai mostrar como vive, como se protege, como defende seu eu. Sua afetividade vai estar marcada por essas nuances todas.

3. SEXUALIDADE

A sexualidade impregna todo o ser pessoal do homem e da mulher. Somos sexuados dos pés à cabeça. “O ser humano não tem sexo, é um ser sexuado da cabeça a ponta dos pés. 9 “Memória afetiva” conceito cunhado por Magda Arnold e significa as memórias emocionais guardadas dentro

de nós (inconsciente) de experiências vividas cujos fatos foram esquecidos. Contudo a experiência emocional pode retornar diante de um símbolo que evoque a experiência

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Sendo sexuado, sente-se para além de si, dimensionado para o outro até nas determinações corporais. A anatomia dos sexos possui uma indicação: a mulher é aquela que recebe acolhe e interioriza; o homem, aquele que emite, projeta, exterioriza. Estas características incidem sobre a autocompreensão, sobre a psicologia diferencial e sobre a construção do estar-no-mundo com os outros10”. Tudo em nós tem a marca de nossa sexualidade, nosso ser homem, ser mulher é definido pela sexualidade. A sexualidade possui dentro de nós uma força vital muito intensa, ela está ligada à possibilidade de gerar novas vidas, ela está ligada ao prazer, está ligada ao instinto conservador da vida, está impregnada de afetos. A sexualidade é ao mesmo tempo um dom e uma preocupação. É dom enquanto originária do próprio criador que nos fez sexuados como obra muito boa saída de suas mãos! Ela é preocupação porque gera em nós tensões que precisam ser canalizadas de forma consciente e livre para não se tornarem repressões impulsivas que podem trair belos projetos e boas intenções. Ninguém pode menosprezar a força da sexualidade sem correr o risco de sucumbir diante de suas artimanhas.

Há em torno da sexualidade muitos mistérios, preconceitos, vícios, mal versões, que deturpam o sentido dela em nossa vida. Vejamos algumas formas de sua expressão.

3.1. Sexualidade como genitalidade.

A sexualidade pode ser vista como genitalidade. Nesse sentido é a atração física que sentimos por alguém com quem desejamos estabelecer intercurso sexual. Enquanto genitalidade ela possui um poder de estímulo e sedução grande que mexe com a imaginação e fantasia. A libido sexual estimula a busca do prazer físico que é direcionado para outra pessoa do outro sexo para os heterossexuais e para outra pessoa do mesmo sexo para os homossexuais. O prazer pode ser buscado também solitariamente através da masturbação ou de fantasias ou formas mais aberrantes (doentias). A genitalidade enquanto força, erotiza as relações com os outros. Se não for sadiamente controlada pelo indivíduo ela vai se tornando impulso que é capaz de cometer aberrações de diferentes tipos: Pode ir da pedofilia (problema bastante atual – que envolveu membros da Igreja recentemente com grande escândalos explorados exaustivamente pela mídia), ao exibicionismo, ao fetichismo, ao masoquismo sexual, ao sadismo sexual, ao fetichismo transvéstico, ao voyeurismo, etc.

Hoje a genitalidade é vista pela Mídia, exceto as aberrações, como normal e legítima, e fortemente estimulada com apelos cada vez mais excitantes, chegando à banalização. Os jovens se iniciam precocemente na genitalidade facilmente consentida quando não estimulada pelos próprios pais. A única preocupação que os acompanha é a de prevenir-se contra a gravidez e a contração de doenças tipo AIDS.

A moral como força controladora da iniciação sexual, é de pouca valia, por ser considerada a esse respeito como coisa do passado. Poucos jovens levam em consideração ensinamentos morais a respeito da sexualidade, muito raros são aqueles que se guardam castos até o casamento. Nesse sentido o discurso religioso produz pouco resultado.

Nós, enquanto educadores da fé, dos valores cristãos, da castidade, do celibato precisamos ser mais convincentes com o nosso testemunho pessoal se queremos ajudar os jovens a entender com mais profundidade o sentido da sexualidade e genitalidade como expressão do amor e comunhão de vida. Para isso é necessário que avaliemos há quantas anda a integração de nossa própria sexualidade e seu lugar em nosso projeto de vida.

10 MURARO, Rose Marie e BOFF, Leonardo, Feminino e Masculino, Rio de Janeiro: Sextante, 2002, 3ª. Edição, p.627

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3.2. A sexualidade como expressão de um amor amadurecido

A sexualidade integrada na vida é expressão do amor amadurecido. Para que ela se torne expressão disso se faz necessário uma integração de toda a personalidade. A sexualidade é parte de um todo que se integra em um indivíduo que se conhece em seus aspectos humanos e afetivos, que tem consciência clara de sua opção vocacional, que tem internalizado os valores nos quais acredita, que expressa suas convicções pelo seu modo de viver. A sexualidade integrada perpassa todas as atitudes do indivíduo. Nelas ele se expressa enquanto pessoa e enquanto vocacionado. A sexualidade integrada se manifesta também como afetividade madura, equilibrada, alegre, vivaz e criativa. Pessoas, às vezes mal humoradas freqüentemente ressentem-se de uma integração sexual satisfatória. Isto vale para pessoas casadas, solteiras, celibatárias... A sexualidade tanto pode se refletir em diferentes sintomas aparentemente não sexuais, assim como problemas afetivos, podem se manifestar em conflitos sexuais ou manifestações eróticas tipo masturbação. 11

3.3. Sexualidade vs dependência afetiva

Um dos aspectos mais em evidência hoje nas relações interpessoais são as carências ou dependências afetivas. É comum se ouvir expressões “hoje estou carente” como indicações de vazios ou de situações que não sabe bem definir o que é ou como lidar ou se livrar delas. A carência afetiva (dependência) está presente em cerca de 60% das pessoas adultas normais. A busca da gratificação da carência afetiva se dá por diferentes formas, desde as abertas, conscientes, deliberadas até as mais sofisticadas que se escondem em nível inconsciente atrás de comportamentos e atitudes, vistos externamente como virtudes. Por exemplo, gestos (aparentemente) de generosidade, muitas formas de altruísmo, (falsa) humildade etc. podem mascarar tal carência Essa carência afetiva outras vezes busca sua satisfação através da sexualidade em relacionamentos escusos. A fome de afeto, às vezes é tanta que se devora o outro, a outra com os pensamentos, com a fantasia, com imaginação. Freqüentemente a carência pode se tornar também agressividade, que aparece no azedume com que se atende as pessoas, ou no mau humor com que se vive o dia-dia.

São muitas as razões porque alguém é carente afetivo. Freqüentemente são casos que tem uma longa história vinda da infância, da adolescência e que nunca foi tratada adequadamente. A carência afetiva com o passar do tempo mina as boas intenções, tira o elã por tudo aquilo que não gratifica e esvazia a vocação a ponto de torná-la infrutífera ou levar ao abandono dela.

Alguém pode ser carente ou dependente afetivo por razões opostas. Explicando melhor. É carente por falta ou dependente por excesso. Na infância, quando a criança não recebe os afetos devidos, necessários para desenvolver-se afetivamente bem, pode ficar um carente por toda a vida. Em sua atitude frente ao mundo agir como alguém que se sente injustiçado e reclamar porque “tinha um direito de origem que lhe foi negado” e agora vive cobrando esse direito das pessoas. Há aqueles que quando pequenos foram super mimados, em casa não

11 A masturbação pode ser expressão de problemas de outra ordem, tipo relações interpessoais conflitivas, insucessos, frustrações no campo profissional etc. Descarga de tensão biológica, carência afetiva, situação penosa, alivio de solidão, complexo de inferioridade, sentimento de culpabilidade etc. Cfr. O enigma da esfinge, Antonio Moser, vozes, pp.187ss.,- De acordo com o estudo de Friedrich, M.A. Motivations for coitus, Clinical Obstetric Gynecology, 3. ed. 1970, pode-se procurar o relacionamento sexual pelos seguintes motivos: 1) para atenuar a ansiedade e a tensão; 2) para engravidar e/ou para ter um filho; 3) como afirmação da própria identidade; 4) como comprovação do valor pessoal; 5) como defesa contra desejosos homossexuais; 6) como fuga de uma solidão ou da aflição; 7) como demonstração de poder sobre outra pessoa; 8) como uma expressão de raiva e de destruição; 9) como um meio de satisfazer um desejo de amor infantil.

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conheceram a frustração, foram sempre atendidos de modo até exagerado em suas demandas afetivas, não aprenderam a suportar frustrações dela. Quando foram para a escola e lá não obtinham a mesma atenção da professora e dos colegas, começaram a experimentar a frustração e então também eles se julgaram injustiçados, pois “tinham um direito adquirido e agora lhes é negado”, por isso reclamam (choramingam) com os outros o afeto que precisam para sentir-se amados ou mesmo valorizados. Apoiam-se nisso inclusive para sustentar uma auto estima frágil.

Como se vê a questão afetiva e sexual são realidades humanas complexas. Na verdade elas estão ligadas ao amor12 ou desamor.

4. INTIMIDADE E CELIBATO

“Não há caminho para o amor divinoque não seja pela descoberta

da intimidade e da comunidade humanas” (Thomas Moore em Cuide de sua alma)

Já discutimos sobre sexualidade e afetividade, convém agora refletir um pouco sobre intimidade e celibato. Como podemos entender a intimidade? É um tipo especial de relação que reflete uma necessidade fundamental de apego. O apego é um vínculo emocional que se desenvolve entre o bebê e mãe ou pessoa que cuida dela. Interrupções ou falhas nesse processo acarretam graves conseqüências a curto ou longo prazo. A curto prazo a criança sem vínculo de apego não se desenvolve bem e pode até morrer. A longo prazo pode afetar a questão da intimidade nos diversos tipos de relacionamentos que vão desde dificuldades de manter relações de amizades duradouras ou de relações matrimonias conflitivas até causar transtornos psiquiátricos graves. A necessidade da intimidade do ponto de vista do desenvolvimento deve ser “uma manifestação mais madura, diferenciada e avançada da necessidade biológica universal de proximidade, conexão e contato físico como outro ser humano”13. A intimidade implica tanto promover uma proximidade ou a conexão como ter a experiência de calor ou afeto em uma relação humana. O sentido de proximidade pode incluir vínculos emocionais, intelectuais, sociais e espirituais. A intimidade madura se caracteriza por uma relação pessoal de proximidade, familiar e afetuosa com outra pessoa que implica conhecimento profundo dela bem como expressão recíproca dos próprios pensamentos, emoções e sentimentos. Podemos distinguir diferentes tipos de intimidade. Há ao menos oito tipos de intimidade14.

4.1. Intimidade

Há ao menos oito tipos de intimidade15.

1. Intimidade sexual: Comunicam-se, compartilham sentimentos, pensamentos, fantasias e desejos de natureza sexual com uma pessoa significativa. Inclui a proximidade física, o contato e interações destinadas a excitar, estimular e satisfazer sexualmente; porém pode levar ou não à relação sexual e ou ao orgasmo para uma das partes ou para os dois.

12 Eros, filia, ágape: três maneiras distintas, mas complementares do grego referir-se aquilo que denominamos “amor”. Eros = amor sensibilidade, sensualidade, filia = amor relações de amizade, ágape = amor entrega, comunhão.

13 Bagarozzi, D. Enhancing Intimacy in marriage: A Clinican’s Guide, Brunner/Routlege, New York, 2002 p. 714 SPERRY, L., Sexo, sacerdócio e Iglesia, Santander: Sal Terrae, 2004 pp.82-83.15 SPERRY, L., Sexo, sacerdócio e Iglesia, Santander: Sal Terrae, 2004 pp.82-83.

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2. Intimidade física não sexual: Proximidade física e contato corporal com uma pessoa significativa que consiste, por exemplo, em um abraço, uma massagem no ombro ou outras formas de contato não sexual, que não são prelúdio para a atividade sexual genital.

3. Intimidade Psicológica: Comunicam-se, compartilham e revelam informações e sentimentos pessoais sobre si mesmo com uma pessoa significativa. Pode incluir a comunicação das esperanças e dos sonhos pessoais e também dos próprios temores, preocupações e inseguranças. A verdadeira intimidade psicológica supõe uma base segura de confiança na relação.

4. Intimidade Intelectual: Comunicam-se e compartilham idéias, pensamentos e crenças importantes com uma pessoa significativa. Supõe a capacidade de “por-se no papel” do outro, isto é, de compreender o mundo a partir do marco de referência do outro.

5. Intimidade emocional: Comunicam-se e compartilham todos os sentimentos pessoais, positivos e negativos, com uma pessoa significativa. Supõe a empatia, isto é, a capacidade de pôr-se no lugar do outro e sentir o que o outro está sentindo, sem identificar-se ou sentir-se anulado por ele (o que chamamos de simpatia).

6. Intimidade social: Participa-se de atividades e experiências agradáveis ou lúdicas com uma pessoa significativa; por exemplo, se compartilha as experiências diárias, se fala sobre acontecimentos atuais, se compartilha refeições etc.

7. Intimidade espiritual: Compartilham-se os próprios pensamentos, sentimentos, crenças e experiências sobre questões ou assuntos espirituais com uma pessoa significativa, e com Deus; por exemplo: práticas religiosas, rituais, experiências da natureza ou profundas experiências espirituais pessoais.

8. Intimidade celibatária: Compartilha-se uma amizade profunda sem estar casado e sem violar a castidade nem física nem psicologicamente. Alguns pensam que, para um sacerdote, religioso, esta forma de intimidade é um dom e uma graça.

Como se vê a intimidade pode se expressar de diferentes maneiras. Em cada uma delas há um espaço e um limite que sempre implica em um grau de maturidade.

“O que a gente retém só para si é o que se corrompe dentro de nós como água-parada. O que a gente deixa passar para os outros é o que lava nossa intimidade como água que corre. Tudo o que é retido se deteriora até desintegrar-se, e o próprio coração se converte em carcereiro. Tudo o que é presenteado cresce sem fim com vida própria, e o nosso coração se converte em criador. Guardar-se inteiramente para si é a única forma de perder-se eternamente na esterilidade da morte.”16.

4.2. Celibato

O celibato sacerdotal é um modo de vida caracterizado pela continência ou renúncia ao matrimônio pelo Reino de Deus. Relacionado ao celibato está a castidade. A castidade não é só continência, ela tem como horizonte a integração do verdadeiro significado da sexualidade e intimidade, tanto para as pessoas casadas como solteiras. Podemos compreendê-lo dentro de um quadro de referência por etapas de desenvolvimento

16 P.. Manoel Godoy in: http://br.celam.info Fornecido por Joomla! Produzido em: 3 May, 2007, 00:2210

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Bonnot17 propõe uma compreensão do celibato dentro diferentes momentos da vida. Norteia-se pelos estágios de desenvolvimento afetivo de Erik Erikson. Parecem úteis para nós enquanto mostram seu dinamismo e significados nas diferentes fases da vida.Vejamos:

1. Adolescente: Esta etapa se estende desde a puberdade até o final da segunda década de vida, e se pode considerar como o estado de celibato físico. Por celibato físico se entende a capacidade de ser plenamente humano sem ser sexualmente ativo nem se sentir frustrado e preocupado. A resolução desta etapa supõe que a pessoa tenha forjado uma visão do celibato como opção de estilo de vida que vale a pena. Esta etapa se assemelha a etapa da identidade de Erikson.

2. Generativa: Esta etapa se estende desde o final da segunda década de vida até os 35 anos, aproximadamente, e se pode denominar celibato generativo. Celibato generativo se refere à capacidade de ser produtivo e responsável sem ser pai/mãe nem se sentir incompleto e com carências. A resolução desta etapa requer assumir a responsabilidade da comunidade como um todo, da vida e bem estar da próxima geração. Esta etapa se assemelha à etapa da generatividade de Erikson.

3. Intima: Esta etapa se estende entre os 35 e os 60 anos, aproximadamente, e se denomina celibato íntimo. Celibato íntimo designa a capacidade de ser amigo que compartilha a vida sem estar casado, assim como de não violar a castidade física e psicologicamente. Esta é a etapa mais difícil de percorrer dentro das atuais estruturas da igreja. A resolução desta etapa supõe a aceitação da intimidade do companheirismo como realidade que fortalece a vida e o ministério. Esta etapa se assemelha à etapa da intimidade de Erikson.

4. Integral: Esta etapa se estende desde os 60 anos aproximadamente, até a aposentadoria e a morte e se pode denominar celibato integral. Celibato integral designa a capacidade de manter o sentido e a esperança da aportação pessoal para a vida diante da aposentadoria e a perda da saúde, a capacidade de encontrar razões para seguir adiante quando os amigos e iguais se jubilam ou morrem. A resolução desta etapa supõe a aceitação das decisões e experiências da vida passada sem desespero nem amargura. Esta etapa se assemelha à etapa da sabedoria de Erikson.

Como se vê o celibato, embora envolva sempre um componente sexual, a forma de vivê-lo e a modo de se expressar tem características próprias para cada faixa etária. Isto significa dizer que ele é possível de ser vivido de forma sadia, cujo testemunho edifica quem o vive e quem se relaciona com o celibatário. O celibato requer determinado compromisso e empenho no âmbito espiritual, relacionado com a experiência do amor de Deus, com uma adesão de fé que crê, com uma fidelidade à oração, com exercícios de contemplação. É também em relação à maturidade humana, uma abertura ao outro e à relação com ele, uma autonomia afetiva e uma capacidade de solidão, uma relação de calor humano e afeto desinteressado.

4.3 A Solidão

Ainda uma breve reflexão sobre a solidão18 na vida do presbítero. Ela é necessária à vida para que a vida seja penetrada e fecunda. Ela faz parte intrínseca da vida do presbítero em sua missão. É na solidão que podemos nos encontrar profundamente conosco e com Deus. Ela contribui para o conhecimento e crescimento pessoal. O Papa João Paulo II afirmava que a solidão oferece oportunidades positivas para a vida sacerdotal. Se aceita com espírito de oferta 17 Bonnot, B. (1995) Stages in a Celibate’s Life: Human Development 16 (3) pp. 18-2218 Solidão não deve ser confundida com vida solitária.

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e procurada na intimidade com Jesus Cristo Senhor, a solidão pode ser uma oportunidade para a oração e o estudo, como também uma ajuda para a santificação e o crescimento humano. Foi bastante enfático ao afirmar: “não é capaz de verdadeira e fraterna comunhão, quem não sabe viver bem a própria solidão”. Henry J. M. Nouwen traduziu de forma límpida a importância da solidão na vida do presbítero, ao referir-se a ela diz: estou seriamente convencido de que a delicadeza, a ternura, a tranqüilidade e a liberdade interior de aproximar-nos uns dos outros ou de afastar-nos uns dos outros são alimentadas na solidão. Sem a solidão, começamos a apegar-nos uns aos outros; começamos a preocupar-nos com o que pensamos e sentimos a respeito uns dos outros; rapidamente ficamos desconfiados uns dos outros ou irritados uns com os outros; e começamos muitas vezes de maneira inconsciente, a esmiuçar uns aos outros com uma hipersensibilidade fatigante. Sem a solidão, conflitos superficiais facilmente tornam-se sérios e causam dolorosas feridas.19

CONCLUSÃO

Diante do acima exposto, podem-se inferir algumas conclusões para a nossa vida presbiteral. Antes de tudo ressaltamos a importância de sermos conscientes da complexidade da dimensão humano afetiva na vida do ser humano, mormente no presbítero. Destacamos alguns aspectos relacionados à afetividade, à sexualidade, à intimidade e o celibato. Todos eles inerentes à condição humana presbiteral e merecedoras de atenções para um crescimento sadio e fecundo em uma maturidade integradora. Resta-nos aceitar o desafio de aprofundar sempre mais nosso auto conhecimento . Esses aspectos abordados não são os únicos, mas certamente são base para uma espiritualidade fértil e uma eficácia apostólica da vida do presbítero.

Conhecer a própria afetividade, como ela se desenvolveu, que aspectos ficaram imaturos pode ajudar muito para prevenir neuroses, aflições, depressões. Conhecer e integrar a própria sexualidade é fator indispensável para a saúde psíquica e harmonia na e da personalidade. Cultivar uma espiritualidade verdadeira é é condição sine qua non para o crescimento e perseverança num ministério eficaz. Manter amizades sadias e tempo para si mesmos são fatores que contribuem para o equilíbrio psicológico e o esvaziamento depressivo.

A exemplo de Jesus, saibamos também nós “crescer em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens”.

ALGUMAS REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

A.A. Afetividade e vida religiosa, Publicações CRB 1989

CENCINI, A. Por amor, São Paulo: Paulinas, 1997

________ Com amor, São Paulo: Paulinas, 1997

________ Virgindade e celibato hoje. São Paulo: Paulinas, 2009

DAL MOLIN, N. Itinerário para o amor. São Paulo:, Paulinas, 1996

IMODA F. (Org). Olhou para ele com amor. São Paulo, Paulinas

IOBATA, P. Saber amar-se. São Paulo: Paulinas

LUCISANO, A. DI PIETRO, M. L. Sexualidade Humana. São Paulo: Paulinas.

19 Referido por P. Manoel Godoy in: http://br.celam.info. Fornecido por Joomla Produzido em: 3 May, 2007, 00:22

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HERERRO, J.C. Encontrar-se consigo mesmo. São Paulo: Paulinas.

MURARO, Rose Marie e BOFF, Leonardo, Feminino e Masculino, Rio de Janeiro: Sextante, 2002, 3ª. Edição.

NOUWEN, H.J.M. A voz íntima do amor, São Paulo: Paulinas.

POROLARI, F. Um mergulho em si. São Paulo: Paulinas.

SPERRY, L., Sexo, sacerdócio e Iglesia, Santander: Sal Terrae, 2004.

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