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  • DIEGO VINICIUS PACHECO DE ARAUJO

    A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios do

    Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo: recomendaes para a redao

    do termo de consentimento livre e esclarecido.

    Dissertao apresentada Escola de

    Enfermagem da Universidade de So

    Paulo para obteno do ttulo de

    Mestre em Cincias.

    rea de Concentrao: Cuidado em

    Sade.

    Orientadora: Professora Doutora Elma

    Zoboli

    So Paulo

    2009

  • Autorizo a reproduo total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada

    a fonte.

    Assinatura: _________________________Data:___/___/______

    Catalogao na Publicao (CIP)

    Biblioteca Wanda de Aguiar Horta

    Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo

    Araujo, Diego Vinicius Pacheco de A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo: recomendaes para a redao do termo de consentimento livre e esclarecido. / Diego Vinicius Pacheco de Araujo. So Paulo, 2009. 122 p. Dissertao (Mestrado) Escola de Enfermagem da Universidade de

    So Paulo. Orientadora: Prof Dr Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli. 1. tica em Pesquisa 2. Biotica 3. Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido 4. Escolaridade I. Ttulo

  • Nome: Diego Vinicius Pacheco de Araujo

    Ttulo: A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios do Hospital das

    Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo:

    recomendaes para a redao do termo de consentimento livre e

    esclarecido.

    Dissertao apresentada Escola de

    Enfermagem da Universidade de So

    Paulo para obteno do ttulo de Mestre

    em Cincias.

    Aprovado em: ___/___/______

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ________________________ Instituio: _______________

    Julgamento: ______________________ Assinatura: _____________

    Prof. Dr. __________________________ Instituio: _____________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: ____________

    Prof. Dr. __________________________ Instituio: _____________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: ____________

  • DEDICATRIA

    Ao meu querido av, Pacheco, que partiu antes do incio desta jornada, mas que sempre estar presente no meu corao.

    minha me, Crmen, que foi fundamental para esta conquista, mesmo distante, nunca deixou de participar de todos os momentos.

    Ao amor da minha vida, Rossana, foi quem vivenciou todos os momentos desta fase da minha vida.

    Vocs so muito importantes na minha vida e representaram uma motivao essencial para o desenvolvimento deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    A elaborao de uma Dissertao envolve, alm de tempo e dedicao, a

    colaborao de algumas pessoas. Estes agradecimentos destacam algumas

    destas pessoas que merecem meu prestgio.

    Ao Prof. Dr. Jos Roberto Goldim, responsvel direto pelo meu interesse

    pela biotica e pela tica em pesquisa. Foi quem possibilitou, desde a minha

    graduao, experincias de iniciao cientfica e de monitoria nas disciplinas

    de Biotica. Foi quem idealizou o estudo que deu origem a esta pesquisa.

    Prof Dr. Elma Zoboli, orientadora deste estudo que, por muitas vezes, foi

    mais do que orientadora acadmica. Agradeo por compartilhar seu saber,

    pela orientao neste estudo e pelos ensinamentos que levarei comigo nas

    prximas etapas da minha formao acadmica e por toda minha vida.

    Ao Prof. Dr. Eduardo Massad, por viabilizar a realizao deste estudo no

    HCFMUSP, alm disso, contribuiu muito para o desenvolvimento da primeira

    verso deste trabalho durante o exame de qualificao.

    Prof Dr. Ana Luiza Vilela Borges, pelas contribuies para o

    desenvolvimento da primeira verso do trabalho durante o exame de

    qualificao.

    Ao programa de ps-graduao em enfermagem da Escola de Enfermagem

    da USP, agradeo a oportunidade concedida e aceitao da minha proposta

    de estudo.

    minha famlia, meu pai, Edelberto, minha me, Crmen, seus

    companheiros, minhas irms, Paola, Pmela e Pietra, aos meus tios, tias e

    primos, principalmente ao Tio Dinho que sempre esteve presente na minha

    vida. Quero que saibam que vocs foram muito importantes para a

    realizao desta conquista, obrigado pela ateno, carinho e pela

    compreenso por ter ficado to distante.

  • famlia da Rossana, e por que no minha famlia, aos meus sogros, que

    me acolheram e me ajudaram a amenizar a dor de estar longe dos meus

    pais.

    Aos meus queridos colegas e amigos da ps-graduao, com quem dividi

    momentos importantes desta conquista. Obrigado, Adriana Avanzi, Adriana

    Jimenez, Angela Maricondi, Heitor Pasquim, Marcel Bataiero, Rebeca

    Guedes, Sheila Lachtim, Tatiane Moreira e Tiago Braga.

    Aos colegas da Famlia Zoboli, Aline, Dani, Elton, Ftima, Ftima, Gabi,

    Janina, Luana, Natlia e Virgnia que sempre se mostraram dispostos a

    ajudar e contribuir com a pesquisa.

    A todos os amigos que, perto ou longe, sempre demonstraram carinho e

    ateno.

    A todos os funcionrios e docentes do Departamento ENS que foram muito

    importantes para a concretizao deste trabalho.

    Enfim, agradeo a todos que me ajudaram em mais uma conquista to

    importante na minha vida.

  • Angustiado diante do possvel uso

    dos avanos da revoluo

    molecular contra a humanidade,

    meu criador juntou duas palavras,

    bio (vida) e tica (conduta humana

    ideal), e, ento, nasci.

    Fui, naquele momento, apenas um

    neologismo, tradutor, porm, de uma

    problemtica muito profunda.

    Deram-me a incumbncia de ser

    uma ponte para o futuro...........eu

    representaria um elo entre as

    cincias biolgicas e as cincias

    humanas, olhando para o futuro da

    humanidade.

    (Hossne, 2006 - p.144)

  • Araujo DVP. A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios

    do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So

    Paulo: recomendaes para a redao do termo de consentimento livre e

    esclarecido. [Dissertao]. So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade

    de So Paulo; 2009.

    Resumo

    Os objetivos deste estudo so: descrever o nvel de alfabetismo

    funcional dos usurios do ambulatrio do Hospital das Clnicas da Faculdade

    de Medicina da Universidade de So Paulo; comparar o nvel de alfabetismo

    funcional dos usurios ambulatoriais do Hospital das Clnicas da Faculdade

    de Medicina da Universidade de So Paulo (HCFMUSP) com os do Hospital

    de Clnicas de Porto Alegre (HCPA); identificar recomendaes para

    adequar a redao do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido utilizado

    nas pesquisas do HCFMUSP ao nvel de alfabetismo de seus usurios.

    Trata-se de um estudo transversal quantitativo com 399 sujeitos, a amostra

    foi intencional, selecionada entre usurios dos ambulatrios do HCFMUSP.

    A coleta de dados utilizou um instrumento que continha um texto em prosa

    compatvel para a avaliao das habilidades de leitura necessrias para a

    compreenso de um TCLE. Os dados apontam que mais de 46,6% dos

    entrevistados foram classificados como analfabetos funcionais, desses,

    12,7% sequer foram capazes de entender a tarefa proposta no texto lido.

    Apesar disto, quase 50% dos entrevistados declararam ter ao menos

    iniciado o ensino mdio. Os resultados e as orientaes para a redao de

    texto centrada no leitor permitiu que elaborssemos recomendaes para

    tornar os termos de consentimento mais fceis de ler. Recomendamos que o

    pesquisador elabore o TCLE como um texto em estrutura narrativa, dirigido

    ao leitor, usando palavras e termos familiares aos sujeitos, ou seja, termos

    comuns linguagem dos sujeitos e linguagem mdica. Alm de contribuir

    para melhorar a relao entre o sujeito e o pesquisador, acredita-se que

    estas recomendaes possam contribuir para a diminuio do tempo de

    tramitao de projetos de pesquisa, j que os problemas na redao do

    TCLE motivam boa parte das pendncias que retardam este andamento.

    PALAVRAS-CHAVE: tica em Pesquisa, Biotica, Termo de

    Consentimento, Escolaridade

  • Araujo DVP. The functional literacy characterization among users of

    the Hospital das Clinicas, Faculty of Medicine, University of So Paulo:

    recommendations for the wording of informed consent form. [Dissertation].

    So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2009.

    Abstract

    This study aimed to describe the literacy of the patients at the Hospital das

    Clinicas, Faculty of Medicine, University of Sao Paulo; compare literacy

    between the patients at the Faculty of Medicine, University of Sao Paulo

    (HCFMUSP) and those at the Hospital de Clnicas de Porto Alegre (HCPA);

    and recommend how to suit the Consent Form in research protocols to

    HCFMUSP patients literacy .This is a quantitative cross-sectional study with

    399 subjects. Sample was intentionally selected among users of ambulatory

    HCFMUSP. Data collection used a narrative text compatible for assessing

    the reading skills needed for understanding consent forms. Results point out

    that 46.6% of the respondents were funcionally illiterate, and 12.7% of them

    were not even able to understand the task presented in the questions.

    Despite this, almost 50% of the respondents declared that they had, at least,

    started the high school. Based on the results and guidelines for writing texts

    centered on subjects literacy we recommend how to make consent forms

    easier for reading. We recommend that researchers write consent forms as a

    narrative texts addressed to the research subject reader; use words and

    expressions suitable to subjects culture and literacy. In other words,

    researchers should use words common to both languages: the popular

    language spoken by the patients and the medical language. We believe that

    these recommendations might improve the relationship between researchers

    and subjects and, as well, reduce the time taken to obtain the ethical

    approval of research projects.

    DESCRIPTORS: Ethics, Research; Bioethics; Consent Forms; Educational

    Status

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Representao dos sujeitos com relao ao sexo ........................... 84

    Figura 2 - Classificao dos sujeitos da pesquisa de acordo com o nvel de alfabetismo caracterizado ................................................................................. 88

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Estatstica descritiva: idade, Brasil - 2009 ....................................... 83

    Tabela 2 - Estatstica descritiva: escolaridade em anos de estudo, Brasil -

    2009 .................................................................................................................. 83

    Tabela 3 - Caracterizao dos sujeitos da pesquisa quanto a Regio do

    Brasil onde nasceu, Brasil - 2009 ..................................................................... 83

    Tabela 4 - Frequencia de nveis de escolaridade, Brasil - 2009 ....................... 85

    Tabela 5 - Grande Grupo de ocupaes segundo classificao brasileira de

    ocupaes de 2002, Brasil - 2009 ..................................................................... 85

    Tabela 6 - Situao atual da atividade profissional, Brasil - 2009 ..................... 86

    Tabela 7 - Compreenso de leitura por nmero de consequncias citadas,

    Brasil - 2009 ...................................................................................................... 87

    Tabela 8 - Caracterizao da amostra com o agrupamento entre

    analfabetos funcionais e funcionalmente alfabetizados, Brasil - 2009 ........... 87

    Tabela 9 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS, Nvel de

    Escolaridade, Brasil - 2009 ............................................................................... 89

    Tabela 10 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS. Sexo, Brasil

    - 2009 ................................................................................................................ 90

    Tabela 11 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS. Regies do

    Brasil, Brasil - 2009 ........................................................................................... 90

    Tabela 12 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS. Anos de

    Estudo, Brasil - 2009 ......................................................................................... 91

    Tabela 13 - Nveis de alfabetismo nos estudos HCFMUSP, HCPA e INAF

    2007, nas Regies em que os hospitais esto localizados (%), Brasil - 2009 .. 92

  • LISTA DE SIGLAS

    CAPPESQ - Comisso de tica para Anlise de Projetos de Pesquisa

    CEP Comit de tica em Pesquisa

    CIOMS - Council for International Organizations of Medical Sciences

    CNS Conselho Nacional de Sade

    CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa

    EF Ensino Fundamental

    EM Ensino Mdio

    ES Ensino Superior

    HCFMUSP Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo

    HCPA Hospital de Clnicas de Porto Alegre

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica

    ICHC Instituto Central do Hospital das Clnicas

    INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

    IPM Instituto Paulo Montenegro

    MS Ministrio da Sade

    OMS - Organizao Mundial de Sade

    ONG Organizao No-Governamental

    OREALC - Oficina Regional de Educacin para America Latina y Caribe

    PAMB Prdio dos Ambulatrios

  • SBB Sociedade Brasileira de Biotica

    SISNEP Sistema Nacional de Informaes sobre tica em Pesquisa

    SPSS - Statistical Package for the Social Sciences

    SUS Sistema nico de Sade

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a

    Cultura

    USP Universidade de So Paulo

    UTI Unidade de Tratamento Intensivo

  • LISTA DE SMBOLOS

    2 Chi-quadrado

    - menor ou igual

    - maior ou igual

    - menor

    - maior

  • Sumrio

    1 INTRODUO...................................................................................... 17

    1.1 A TICA EM PESQUISA E A BIOTICA .................................................. 17

    1.1.1 tica em pesquisa no Brasil e o Termo de Consentimento

    Livre e Esclarecido .................................................................................. 22

    1.2 O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................................. 32

    1.3 O SUJEITO DE PESQUISA E O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

    ESCLARECIDO ................................................................................................. 45

    1.3.1 Autonomia e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...... 45

    1.3.2 Vulnerabilidade e Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido ............................................................................................... 56

    1.3.3 Analfabetismo funcional e Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido ............................................................................................... 60

    2 MARCO-REFERENCIAL ..................................................................... 66

    3 OBJETIVOS ......................................................................................... 70

    4 METODOLOGIA ................................................................................... 71

    4.1 TIPO DE PESQUISA ..................................................................................... 71

    4.2 LOCAL DA PESQUISA .................................................................................. 71

    4.3 SUJEITOS DA PESQUISA .............................................................................. 73

    4.4 COLETA DE DADOS ..................................................................................... 74

    4.5 ASPECTOS TICOS ..................................................................................... 81

    5 RESULTADOS ..................................................................................... 82

    5.1 PERFIL SCIO-DEMOGRFICO DA AMOSTRA .................................................. 82

    5.2 LETRAMENTO DA AMOSTRA ......................................................................... 86

    5.3 TESTES PARA VERIFICAO DE ASSOCIAO ENTRE VARIVEIS ...................... 88

    5.4 COMPARAO DOS RESULTADOS DE ESTUDOS SIMILARES (HCFMUSP E

    HCPA) ........................................................................................................... 92

  • 6 DISCUSSO ......................................................................................... 94

    6.1 CARACTERSTICAS DA POPULAO ESTUDADA .............................................. 94

    6.2 REDAO DE TEXTO CENTRADA NO LEITOR E TERMO DE CONSENTIMENTO

    LIVRE E ESCLARECIDO ..................................................................................... 98

    7 CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 107

    REFERNCIAS ..................................................................................... 110

  • 17

    1 INTRODUO

    1.1 A TICA EM PESQUISA E A BIOTICA

    A tica um ramo da Filosofia que estuda sistemas de pensamento,

    propiciando uma reflexo sobre a conduta moral. As palavras tica e

    moralidade no devem ser confinadas a contextos tericos. Teoria tica e

    filosofia moral so os termos apropriados para se referir reflexo filosfica

    sobre a natureza e funo da moralidade. A teoria tem o fundamento de

    aumentar a clareza ordem sistemtica e a preciso dos argumentos nas

    reflexes sobre moralidade. J a moralidade refere-se a convenes sociais

    sobre comportamento humano certo ou errado, ou seja, uma instituio

    social com um cdigo de normas aprendido1.

    A estratgia de organizar o pensamento sobre a adequao do viver

    humano alavancou o surgimento da tica na histria da humanidade. A

    faculdade de questionamento da prpria existncia uma das

    caractersticas que permite identificar a pessoa humana como tal. A tica de

    forma sistematizada e crtica reflete sobre as intuies morais, buscando as

    justificativas que servem de embasamento para as escolhas morais que as

    pessoas fazem. Saber reconhecer os limites da pesquisa, identificando a sua

    adequao tica e metodolgica, a existncia de grupos e pessoas

    vulnerveis, so temas fundamentais. Isso levou necessidade de propor

    uma ampliao da discusso tica, que acabou sendo denominada de

    biotica2.

    O sculo XX foi um marco importante para o aprofundamento do

    estudo sobre a tica, at ento havia a preocupao das questes

  • 18

    envolvendo, principalmente, vida, suicdio, nascimento e morte, o

    amadurecimento da reflexo props a ampliao dos questionamentos sobre

    a vida e sobre o papel do ser humano e suas relaes. Esta ampliao da

    noo dos deveres dos seres humanos em suas relaes, inclusive com

    outros seres vivos, passa a ser abordada com a denominao de biotica

    em 1926, por Fritz Jahr. Portanto, a Biotica prioriza as discusses ticas

    referentes vida humana e a todos os fatores de envolvimento do homem

    com o meio2.

    A Biotica pode ser entendida como uma atividade filosfica, enquanto

    a tica um ramo da Filosofia. Este carter reflexivo h de estar sempre

    presente ao se falar em desenvolvimento da Biotica que necessita de

    reflexes mais profundas para ganhar definio e estabilidade frente aos

    desafios e fatores adversos3.

    A grande maioria das regulamentaes nacionais est neste escopo,

    entretanto, alguns pases se destacam por exemplo a Dinamarca, que

    tem uma proporo de leigos maior nos comits, eles devem ser compostos

    por metade mais um de membros leigos. A participao das pessoas em

    pesquisas e como elas devem ser informadas para que possam dar seu

    consentimento so implicaes envolvidas no projeto de pesquisa e na sua

    anlise. Em 1900, nos Estados Unidos, o Senador Jacob H. Gallinger fez

    uma proposta de lei a ser aplicada no Distrito de Columbia, regulamentando

    as pesquisas cientficas, contudo, essa proposta de lei no foi aceita pelo

    Senado. Tal proposta sugeria, entre outras coisas, que o projeto fosse

    avaliado por uma comisso, que o possvel participante fosse informado

    sobre a pesquisa, autorizasse expressamente, ou seja, por escrito, na

    presena de duas testemunhas. Por mais que esta lei no tenha entrado em

    vigor, a sua proposta foi a precursora dos atuais documentos que

    regulamentam as pesquisas em seres humanos4,5.

    O Relatrio Belmont elaborado em 1979 por uma comisso do

    Senado Norte Americano tem o intuito de sistematizar a aplicao da

    biotica em pesquisa com seres humanos - mas no reconhece o mal

    isoladamente, apenas a ausncia do mal como parte do bem (The Belmont

  • 19

    Report, 1979). Isso se d, pois o relatrio parte de trs princpios bioticos:

    beneficncia, autonomia e justia. J no Brasil, em 1996, atravs da

    Resoluo CNS 196/96 desconsidera esta contradio e reconhece o

    Princpio da No-Maleficncia como um princpio biotico, devendo ser

    aplicado tanto s pessoas isoladamente, como tambm na coletividade. A

    pesquisa com seres humanos emana algumas questes ticas,

    principalmente originadas pela adeso consciente ou no do provvel sujeito

    de pesquisa. Em todos os grupos sociais existe a necessidade da criao de

    vrias normatizaes para regulamentar a convivncia social6.

    Na rea da sade, podemos destacar o incio da criao dessas

    normas atravs do Cdigo de Nuremberg, onde foram definidos os

    princpios para a experimentao mdica, no cdigo so descritos alguns

    elementos importantssimos para a pesquisa, utilizados at hoje. Foi onde

    surgiu o conceito de consentimento voluntrio, deu-se incio a anlise dos

    riscos e dos benefcios e desde j apareceu o direito do sujeito de rejeitar ou

    retirar seu consentimento sem repercusses7.

    O Cdigo de Nuremberg tornou-se essencial para a criao dos

    cdigos ticos subsequentes e aos regulamentos para execuo de

    pesquisas. A Declarao de Helsinque (1964) ratificou o Cdigo de

    Nuremberg quanto s premissas de risco e benefcio e foi acrescentada a

    ideia do representante legal pessoa que poderia vir a fornecer o

    consentimento caso o sujeito ou paciente estivesse incapaz de consentir.

    Entre 1950 e 1974, muitas pesquisas foram realizadas de maneira imprpria,

    com isso, originou, nos Estados Unidos, a discusso sobre a participao de

    seres humanos em pesquisas7,8,9.

    Entretanto, a regulamentao da pesquisa com seres humanos foi

    inserida no bojo do desenvolvimento das polticas pblicas sociais com a

    finalidade de ampliar e garantir os direitos dos cidados4,8,9,10.

    Portanto se apresenta como consequncia das importantes

    transformaes nos servios de sade, na prtica mdica e na pesquisa em

    diversas reas.

  • 20

    A discusso a respeito da regulamentao de pesquisa ampliada sobre

    a proteo dos envolvidos participantes pesquisados deu-se atravs da

    difuso das terrveis experincias a que foram submetidos prisioneiros,

    principalmente dos alemes, em nome da cincia, durante a II Guerra

    Mundial. O impacto internacional no Perodo Ps-guerra contribuiu de forma

    decisiva para a elaborao, em 1948, do Cdigo de Nuremberg, com

    diretrizes para as pesquisas na rea mdica4.

    A discusso sobre a tica em pesquisa mdica originou a elaborao

    da Declarao de Helsinque, em 1964, durante a 18 Assembleia da

    Associao Mdica Mundial, que passou a ser aceita como uma referncia

    internacional sobre a tica em pesquisa mdica. A Associao Mdica

    Mundial, em 1964, props a Declarao de Helsinque, visando provocar uma

    reflexo sobre os aspectos ticos envolvidos na pesquisa em seres

    humanos. Esta Declarao reforou os termos do Cdigo de Nuremberg,

    devido a sua origem como parte da sentena do Tribunal de Nuremberg, a

    qual, em 1947, havia tido uma repercusso prtica limitada. A Declarao de

    Helsinque iniciou uma discusso mundial sobre adequao das formas de

    participao de seres humanos em pesquisa.2

    J em 1974, o Congresso dos Estados Unidos criou a Comisso

    Nacional para Proteo de Participantes em Pesquisa, rgo que veio a

    elaborar o relatrio de Belmont, que recomendaria a adoo de trs

    princpios ticos nas pesquisas biomdicas e comportamentais com seres

    humanos, os princpios eram: respeito pelas pessoas, beneficncia e justia.

    O respeito pelas pessoas exige que essas possam escolher o que

    acontecer ou no com elas, de acordo com sua capacidade de

    compreenso. Isso demanda no processo para obter o consentimento de

    possveis voluntrios, o fornecimento de informao, a permisso da

    compreenso e da voluntariedade. O princpio da beneficncia o

    compromisso do pesquisador de assegurar o bem-estar das pessoas que

    participam da pesquisa. O terceiro princpio a justia estabelece, por

    exemplo, que devemos proteger as pessoas vulnerveis, nesse caso,

    associa-se o princpio ao direito transpessoal de solidariedade Algumas

  • 21

    concepes de justia so relevantes para a pesquisa envolvendo seres

    humanos, por exemplo, na seleo dos sujeitos, levando em considerao a

    sade, a etnia, e as limitaes das pessoas relacionadas s instituies11.

    Ao aplicar esses trs princpios como referenciais das diretrizes para a

    pesquisa em seres humanos nas reas de sade e comportamental, este

    documento oficial do governo norte-americano consolidou a proposta terica

    predominante no Instituto Kennedy de tica2.

    Com isso, foi definido que um grupo independente dos pesquisadores,

    instituies e patrocinadores realizasse a avaliao prvia dos protocolos de

    pesquisa, baseando-se em referncias ticas. Este grupo avaliaria os

    protocolos sempre visando ponderao de riscos e benefcios e a proteo

    de sujeitos de pesquisa contra possveis danos. O requisito foi includo na

    reviso da Declarao de Helsinque feita na Assembleia da Associao

    Mdica Mundial de 1975, deixando-se de aceitar a ponderao exclusiva do

    pesquisador, em uma tica baseada essencialmente nas virtudes dos

    cientistas4.

    Na reviso da Declarao de Helsinque de 1975, foi includo o requisito

    de avaliao de projetos de pesquisa por comit independente tal requisito

    , desde ento, elementar em todos os documentos internacionais sobre

    tica em pesquisa. As Diretrizes Internacionais para Pesquisas Biomdicas

    envolvendo Seres Humanos tambm referencia aos comits independentes

    para reviso dos protocolos. As Diretrizes referem ainda, que os comits

    locais ou nacionais devem ser compostos de mdicos, cientistas e outros

    profissionais, como enfermeiros, advogados, religiosos e representantes da

    comunidade (leigos)4,5.

    O modelo principialista um paradigma de origem Norte Americana,

    tributria do Relatrio Belmont, divulgado em 1978, e das ideias de

    Beauchamp e Childress, contidas na obra Principles of Biomedical Ethics,

    editada pela primeira vez em 1979. Um ano aps a publicao do Relatrio

    Belmont, Beauchamp (que fez parte da comisso) e Childress lanaram a

    citada obra cujo enfoque so os quatro princpios morais que, segundo os

  • 22

    autores, deveriam ser aplicados na rea biomdica, so eles: Autonomia

    (Respeito pelas pessoas), Justia, Beneficncia e No-maleficncia6,7,12.

    Tais princpios no so absolutos e no so hierarquizveis, so

    vlidos prima facie. Isto , em caso de conflitos entre si, a situao em

    questo e suas circunstncias indicaro aquele que deve ganhar

    precedncia sobre os demais1. Esses quatro princpios so adotados pela

    Resoluo 196/96 CNS, resoluo esta que regulamenta as pesquisas com

    seres humanos no Brasil e, por isso, foi elencado o principialismo como

    referencial terico do presente estudo.

    1.1.1 tica em pesquisa no Brasil e o Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido

    Na dcada de 70 o Brasil vivia um perodo de regime poltico de

    exceo, ou seja, o perodo de ditadura, sem liberdade democrtica,

    sofrendo com guerrilhas, torturas e amarguras. Essas restries abrangiam

    diversas reas, inclusive a acadmica e a comunidade cientfico-cultural, no

    havendo, portanto, espao para discusses e debates. Por isso,

    compreensvel que todas as questes de cunho humanstico no tinham

    espao na sociedade. Todavia, embora o perodo fosse de exceo, a rea

    mdica e, por extenso, a rea biomdica, trazia os desafios ticos3.

    Em 1985, o Ministrio da Sade transcreveu as diretrizes internacionais

    para a investigao biotica em seres humanos preparada pelo Council for

    International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) em colaborao

    com a Organizao Mundial de Sade. (OMS)4.

    Neste mesmo ano, com adoo da Resoluo do Conselho Federal de

    Medicina n 1.215/85 foi determinada a criao de Comisses de tica

  • 23

    Mdica em todos os servios de sade. Estas comisses atuavam

    fiscalizando o exerccio profissional da Medicina e, tambm, como revisoras

    dos aspectos ticos dos projetos de investigao realizados nas

    instituies5.

    Em 1988 surge a 1. Resoluo do Conselho Nacional de Sade (CNS)

    do Ministrio da Sade (MS) que versava, exatamente, sobre diretrizes

    ticas na pesquisa em seres humanos. Tratava-se de norma relacionada

    tica mdica, que embora sem caractersticas aparentes de Biotica,

    propiciou um ambiente favorvel ao seu surgimento no Brasil 4,5.

    A Resoluo 01/88 ressaltava a relevncia do tema dentro dos

    paradigmas do controle social e da participao da comunidade, continha as

    Normas para Pesquisa em Sade e estabelecia que o possvel participante

    deveria dar seu consentimento por escrito, aps as informaes sobre o

    estudo serem transmitidas e determinava a criao de comits de tica para

    a avaliao dos projetos da rea da sade.

    Esta disposio normativa definiu as regras para a criao, a

    constituio e o funcionamento dos Comits de tica em Investigao em

    todas as instituies mdicas do pas. Determinou a obrigatoriedade da

    reviso, por estes comits, dos aspectos ticos e cientficos de toda

    investigao biomdica anterior a sua realizao.

    No entanto, a Resoluo CNS/MS 01/88 no causou o efeito positivo

    esperado. Uma pesquisa em 26 hospitais universitrios e uma amostra de

    37 pesquisadores, realizada por Francisconi et al. (1995), com o objetivo de

    armazenar dados acerca dos Comits de tica em Pesquisa em atividade no

    Brasil, encontrou sua ocorrncia somente em 57,7% das Instituies. Assim,

    s em 15 dos hospitais envolvidos na pesquisa havia um comit criado e

    funcionando. Desses comits, sete no observavam as diretrizes ticas da

    Resoluo para a sua estrutura. Nos 11 hospitais onde no havia comit, a

    evoluo dos projetos de investigao em sade era realizada por

    Comisses de tica Mdica ou pela Comisso Cientfica13.

  • 24

    Em dois hospitais a reviso era realizada pelos colegas ou pela direo

    da instituio. Entre os pesquisadores, 26 deles (70,3%) informaram a

    existncia de comit de tica em pesquisa em suas instituies, oito

    disseram que no havia comit e trs no responderam pergunta. Estes

    resultados, segundo os autores, constatavam a lamentvel situao do

    cumprimento das diretrizes ticas para a investigao na sade e indicavam

    a necessidade de divulgar cortes normativos junto aos pesquisadores e os

    dirigentes dos servios de sade13.

    A Sociedade Brasileira de Biotica (SBB) criada pelo professor William

    Saad Hossne, professor titular da Faculdade de Medicina de Botucatu-SP

    em 1992, inicialmente contava com a participao de sete pessoas as quais

    foram se juntando a outras e, no incio de 1995 j contava com 29 membros.

    Nesse perodo foram aprovados os estatutos e eleita a primeira Diretoria.

    Em 1996, realizou-se o primeiro Congresso Brasileiro de Biotica, em So

    Paulo, contando somente com estudiosos brasileiros; nessa ocasio, a SBB

    foi solicitada para realizar uma discusso sobre o que viria ser a Resoluo

    196/96, a qual criou um sistema de avaliao tica dos projetos que

    envolvem seres humanos. O objetivo principal foi o de defender os

    interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para

    contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padres ticos.

    Identificar situaes ou momentos de risco nos protocolos apresentados e

    avaliar se so eticamente aceitveis em vista dos benefcios esperados com

    a pesquisa, se h transparncia quanto aos objetivos e aos procedimentos

    da pesquisa, se h adequao da distribuio desses riscos e benefcios e

    das formas de obteno da adeso das pessoas3,4.

    Em 1995, o Conselho Nacional de Sade do Ministrio de Sade, com

    a inteno de corrigir a situao vigente e de se fazer cumprir as normas

    ticas do Sistema nico de Sade (SUS), determinou a reviso da

    Resoluo 01/88. Para fazer parte desta tarefa formou um grupo de

    trabalho com investigadores e profissionais de sade, advogados, telogos,

    religiosos e representantes de diversos setores da sociedade civil, incluindo

    todos os envolvidos nas pesquisas desde a indstria farmacutica at os

  • 25

    sujeitos. Depois de um amplo processo democrtico de consulta, no s aos

    interessados como tambm a sociedade em geral, o grupo elaborou

    diretrizes ticas para regulamentar a pesquisa em seres humanos. Estas

    diretrizes foram includas numa nova disposio normativa promulgada pelo

    Ministrio da Sade em outubro de 1996 e que hoje conhecida como

    Resoluo 196/96.

    Hoje esta a norma que regulamenta a pesquisa em seres humanos

    no Brasil. A Resoluo afirma que toda pesquisa, envolvendo seres

    humanos, implica em risco. O prejuzo iminente poder ser imediato ou

    tardio, comprometendo o indivduo ou a coletividade. A Resoluo aludi,

    como risco da pesquisa, a possibilidade de danos dimenso fsica,

    psquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em

    qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente4.

    As diretrizes ticas abrangem qualquer pesquisa que envolve seres

    humanos. Sua aplicabilidade no se restringe apenas a rea da sade,

    abarca todas as reas do conhecimento. Estabelece as exigncias ticas e

    cientficas fundamentais para garantir os direitos do sujeito, com o objetivo

    de preservao da sade fsica, mental e social. Por isso, toda pesquisa

    deve ser aprovada por um Comit de tica em Pesquisa (CEP) antes de ser

    iniciada, orientando para reflexes de riscos e benefcios 4,14.

    A Resoluo 196/96 estabelece um sistema interligado de CEPs, que

    devem ser informados em todas as instituies que desenvolvem pesquisas

    em seres humanos; uma Comisso Nacional de tica em Pesquisa

    (CONEP), que pertena ao Ministrio de Sade como uma comisso

    assessora do Conselho Nacional de Sade. Esta rede CEP / CONEP

    responsvel pela reviso e o segmento dos aspectos ticos de projetos de

    pesquisa em seres humanos. A avaliao deve ocorrer antes do incio da

    pesquisa e um protocolo pode ser aprovado, contestado ou devolvido ao

    pesquisador para correes. Neste caso, depois das correes, o protocolo

    deve retornar ao comit para reavaliao 15.

  • 26

    A Resoluo 196/96 atinge as exigncias comuns a todos os projetos

    e a base de todo o sistema para reviso tica das pesquisas em seres

    humanos no Brasil.

    Os aspectos ticos a serem observados nos projetos fazem parte do

    captulo III da Resoluo 196/96. Para facilitar o entendimento destes

    aspectos, eles foram descritos em tpicos:

    a) Relevncia Social: a pesquisa deve ser importante para o local onde

    ser realizada, ou seja, deve investigar problemas de transcendncia

    segundo a realidade da sade local. Assim, difcil justificar a realizao de

    pesquisas cuja relevncia local seja pequena. A estimativa desta diretriz

    tica essencial nas pesquisas coordenadas ou patrocinadas por um pas

    estrangeiro e naquelas que envolvem comunidades especficas, como

    indgenas 16.

    b) Correo metodolgica: um projeto de pesquisa mal fundamentado

    em seus aspectos cientficos ou metodolgicos no est eticamente correto,

    pois expe os sujeitos a riscos e incmodos sem resultar em algo vlido.

    Todo estudo deve fundamentar-se em experimentos prvios. Quando se

    pesquisa novos medicamentos, os resultados obtidos nas fases anteriores

    devem ser descritos em detalhes, sendo o uso em modelos animais ou em

    laboratrio. Nas pesquisas coordenadas em pases estrangeiros, o

    pesquisador brasileiro deve participar da elaborao do projeto e deve

    garantir formas de transferncias de tecnologia brasileira a fim de possibilitar

    a realizao independente de pesquisas futuras 16.

    c) Competncia da equipe pesquisadora: os pesquisadores envolvidos

    no projeto devem ser idneos e competentes para investigar no campo de

    estudo. A instituio pesquisadora deve dispor de recursos e condies para

    realizar a pesquisa e assistir os sujeitos, especialmente no caso de danos e

    ocorrncias adversas. A segurana e a proteo da equipe de pesquisa

    quanto aos riscos fsicos, qumicos e biolgicos tambm devem ser

    valorizadas 16.

  • 27

    d) Seleo equilibrada dos sujeitos: essa uma das diretrizes mais

    difcilde ser respeitada, pois comum que uns sejam sempre selecionados

    para o crculo de sujeitos e outros se beneficiem dos resultados e avanos

    resultantes das pesquisas. Por exemplo, os pacientes de hospitais

    universitrios de pases pobres, com frequncia, so sujeitos de ensaios

    clnicos para medicamentos e, uma boa parte deles no dispor dos meios

    para adquirir tal tratamento aps a comercializao 16.

    e) Balano de riscos e benefcios: segundo as diretrizes ticas

    brasileiras, risco a possibilidade de danos aos sujeitos e/ou sua

    comunidade, seja em nvel fsico, psquico, moral, intelectual, social, cultural

    ou espiritual, desde que causados ou associados aos procedimentos em

    qualquer fase da pesquisa. Os benefcios resultantes de uma pesquisa

    devem ser proporcionais ou superiores aos riscos. No caso em que o

    medicamento ou procedimento em experincia se mostre superior ou ocorra

    incidentes graves, o procedimento deve ser interrompido, com a notificao

    do ocorrido ao CEP. O balano de riscos e benefcios especialmente difcil

    nas pesquisas sem benefcio direto aos sujeitos envolvidos. A segurana do

    sujeito deve prevalecer sobre os interesses da cincia, pois h preos, como

    o ultraje dignidade e liberdade humana que no podem ser pagos na

    busca da evoluo cientfica 16.

    f) Equivalncia teraputica: o benefcio oferecido pelo medicamento ou

    procedimento em experimento deve ser igual ao melhor segundo as

    evidncias. As diretrizes brasileiras admitem o uso do placebo somente em

    situaes nas quais no haja meios conhecidos para o tratamento16.

    g) Compensao por danos: segundo as diretrizes ticas brasileiras,

    dano o agravo ao indivduo ou a coletividade, seja imediato ou tardio,

    desde que resultante dos procedimentos prprios da pesquisa. Os danos

    previsveis devem ser evitados. O patrocinador e o pesquisador devem

    indenizar os sujeitos em caso de dano resultante da pesquisa. Em nenhum

    caso o sujeito pode eximir esta responsabilidade do investigador ou do

    patrocinador16.

  • 28

    h) Conflito de interesses: as diretrizes determinam que se deva

    assegurar a inexistncia de conflitos de interesses entre investigador e

    sujeitos ou entre patrocinador e investigador16.

    i) Continuidade da assistncia: A assistncia mdica-sanitria

    necessria deve ser continuada mesmo depois de terminada a pesquisa,

    assim como o abastecimento de medicaes em experincia em caso de

    benefcio ao sujeito16.

    j) Publicao de resultados: os resultados devem ser relatados com

    honestidade e devem ser encaminhados publicao, sendo ou no

    favorveis. importante que os pesquisadores, ao elaborarem o Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido, deem ateno publicao dos

    resultados16.

    k) Consentimento livre e esclarecido: a ajuda desta expresso nas

    diretrizes brasileiras em lugar de consentimento informado, como ocorre

    nas diretrizes internacionais, objetiva destacar dois pontos: a importncia da

    liberdade do sujeito para aceitar ou recusar a participao da pesquisa, ou

    seja, insere-se nesse aspecto a condio de voluntariedade, e a maneira

    como o sujeito deve ser informado. imprescindvel que contenha no corpo

    do documento, as formas de contato com o pesquisador responsvel e com

    o CEP16.

    l) Proteo aos vulnerveis: as diretrizes afirmam que prefervel

    envolver sujeitos de pesquisa capazes de consentir. Pessoas em situao

    vulnervel podem ser envolvidas se a investigao resultar em seu prprio

    benefcio direto16.

    m) Confidencialidade: o projeto deve descrever os procedimentos para

    garantir a preservao da confidencialidade dos sujeitos. O consentimento

    deve assegurar ao sujeito que sua privacidade e a confidencialidade de suas

    informaes e de sua identidade sero protegidas por toda a equipe

    pesquisadora e pelos patrocinadores16.

  • 29

    n) Compensao por gastos: as diretrizes ticas brasileiras probem o

    pagamento ao sujeito, porm determinam que ele deva ser indenizado pelos

    seus gastos e/ou pelas perdas de rendimentos resultantes de sua

    participao na pesquisa. O ajuste desta compensao no deve ser tal que

    induza o sujeito a participar da pesquisa16.

    Entretanto, para algumas das chamadas reas temticas especiais

    foram promulgadas disposies normativas complementares Resoluo

    CNS/MS 196/96.

    A rede de Comits de tica em Pesquisa formada pelos comits

    institucionais e pela Comisso Nacional de tica em Pesquisa. O Comit de

    tica em Pesquisa um colegiado interdisciplinar e independente criado

    para defender os interesses, a integridade e a dignidade dos sujeitos. Os

    comits, que so de carter consultivo, deliberativo e educativo, devem

    contribuir para que as pesquisas se realizem de maneira a respeitar as

    diretrizes ticas. Deste modo, devem revisar os aspectos ticos de todas as

    pesquisas em seres humanos antes de seu incio.

    O CEP formado, no mnimo, por sete membros, entre homens e

    mulheres, e possui mandato de trs anos. Em sua constituio, participam

    profissionais de sade, cincias exatas e humanas, como juristas, telogos,

    filsofos, socilogos, estatsticos, bioeticistas e, ao menos, um representante

    dos usurios da instituio de onde esteja este comit. Ao menos a metade

    dos membros do CEP deve ser de especializados em pesquisas, eleitos por

    seus colegas. Devido ao carter multidisciplinar do CEP no pode haver

    mais da metade de seus membros pertencentes a uma mesma profisso.

    Est prevista a consulta a consultores ad hoc em caso de necessidade,

    como exemplo, quando se envolvem comunidades indgenas, devido s

    peculiaridades de suas diferentes tradies culturais. O trabalho nestes

    comits no remunerado. As direes das instituies devem garantir a

    independncia e os recursos necessrios para o bom trabalho do CEP.17

    A CONEP deve ser formada tanto por homens quanto por mulheres,

    tendo mandato de quatro anos. Para a formao da CONEP, cada CEP

  • 30

    indica dois nomes que compem uma lista de candidatos. O Conselho

    Nacional de Sade do Ministrio da Sade (CNS/MS) elege sete candidatos

    por indicao e seis por sorteio. A CONEP coordena esta rede de Comits

    de tica em Pesquisa, que s pode funcionar para reviso e para aprovao

    de projetos depois de autorizados. A cada renovao do CEP, deve-se

    tambm renovar a autorizao para seu funcionamento.

    Uma das funes da rede CEP-CONEP estabelecer um meio de

    comunicao entre a sociedade, os pesquisadores e os sujeitos, facilitando

    denncias, reclamaes e notificaes.

    Em 1997, um ano depois da promulgao da Resoluo CNS/MS

    196/96, o nmero de comits autorizados para funcionar era 112. Em maio

    de 2007, eram 546 comits registrados, hoje so 602 CEPs no pas, sendo

    que destes, apenas 400 esto registrados no (SISNEP) Sistema Nacional de

    Informaes sobre tica em Pesquisa18,19.

    A distribuio dos comits no igual em todo Brasil. As regies Sul e

    Sudeste registram uma quantidade maior de CEPs, pois onde se encontra

    a maioria das Universidades e dos Centros de Pesquisas do pas19.

    Em Junho de 2003, havia 4.611 profissionais nos comits, com uma

    mdia de 12 participantes em cada um. A maioria destes profissionais eram

    mdicos (30%). Em segundo lugar estavam os representantes das humanas,

    com 15% do total. Havia a participao de enfermeiros, advogados,

    farmacuticos, telogos, matemticos, estatsticos, fsicos, bilogos,

    pedagogos, filsofos, etc20.

    No incio do processo de implementao das diretrizes ticas, havia

    uma grande parte de projetos (70%) devolvidos ao pesquisador para

    correo, devido a problemas ticos. No entanto, este quadro pouco a pouco

    vem mudando e hoje em dia mais de 70% dos projetos so aprovados no

    primeiro parecer. Isso mostra o empenho dos pesquisadores, membros de

    comits e da CONEP para se fazer observar as diretrizes ticas para

    pesquisa em seres humanos 20.

  • 31

    As causas para devoluo so: formulrio de consentimento livre e

    esclarecido mal elaborado; ausncia de certos documentos do projeto;

    ausncia de retorno de benefcios aos sujeitos envolvidos; erros na

    metodologia; inexistncia de anlises custo-benefcio; suspenso da

    assistncia mdica aos sujeitos de pesquisa depois do fim do projeto;

    problemas nos clculos.20

    Os problemas no consentimento livre e esclarecido so: linguagem de

    difcil compreenso para o sujeito, existncia de clusulas de restrio da

    indenizao; ausncia de informaes completas sobre a pesquisa;

    ausncia de informaes sobre os meios para contatar com o pesquisador

    em caso de necessidade do sujeito; ausncia de informaes completas

    sobre os riscos; ausncia de informao sobre a indenizao por gastos

    resultantes da participao do sujeito na pesquisa20.

    O que nos fica claro, que a pesquisa em seres humanos tem o

    compromisso de resguardar a integralidade dos envolvidos. Uma das

    estratgias que tem sido utilizada para proteger as pessoas, ora

    identificadas como sujeitos de pesquisa, o consentimento livre e

    esclarecido 21.

    A Resoluo 196/96 normatiza que a pesquisa deve ter um Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e este deve ser redigido em

    linguagem acessvel, deve detalhar as informaes que necessariamente

    devem fazer parte deste documento. O Brasil, atravs da Resoluo utiliza a

    nomenclatura Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ao invs de

    Consentimento Informado, indicando que o possvel voluntrio, alm de

    informado sobre a pesquisa, tambm deve ser esclarecido, e que tambm

    livre para aceitar participar ou no do estudo, bem como suspender sua

    participao quando quiser, sem qualquer tipo de coero e

    constrangimento3,5.

    Entretanto, o CEP deve realar a importncia do processo de

    consentimento livre e esclarecido e no s a assinatura do Termo de

  • 32

    Consentimento. Nos casos em que pacientes internados so sujeitos de

    pesquisa convm registrar em seus pronturios os procedimentos para a

    implementao do processo de consentimento livre e esclarecido, quando

    possvel. Assim, o protocolo de pesquisa deve conter a descrio dos

    procedimentos para esclarecimento do sujeito (informao individual, em

    grupos, palestras, vdeos) e por quem ser feito15.

    1.2 O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

    O consentimento um elemento do atual exerccio da medicina e de

    toda rea da sade, tanto na prtica assistencial quanto na pesquisa. O

    Consentimento Livre e Esclarecido no apenas uma doutrina legal, mas

    um direito moral dos sujeitos, que gera obrigaes morais para os

    profissionais.22 entendido como a autorizao dada de forma livre para a

    realizao de um procedimento clnico, cirrgico ou de pesquisa, aps terem

    sido fornecidas todas as informaes necessrias plena compreenso dos

    riscos, desconfortos e benefcios associados23.

    O Consentimento Livre e Esclarecido a liberdade de expresso que o

    sujeito de pesquisa tem ao servir de instrumento para assegurar e

    comprovar sua autonomia. Toda e qualquer pesquisa requer o

    consentimento do provvel sujeito quanto a sua participao ou no.

    importante que a pessoa tenha conscincia que est sendo convidada a

    participar da pesquisa, no acarretando, portanto, qualquer constrangimento

    ou danos no caso da no aceitao. Essa exigncia baseada no dever

    moral de no se agir contra a vontade de um indivduo e no respeito

    dignidade da pessoa humana. Portanto, o consentimento livre e esclarecido

    parte de uma deciso compartilhada entre o participante do estudo e o

    pesquisador. Como citado anteriormente, a tica em pesquisa exige que o

  • 33

    pesquisador obtenha o consentimento de acordo com as diretrizes nacionais

    e internacionais. A declarao de Helsinque, da Associao Mdica

    Mundial, e nas diretrizes ticas Internacionais para a Pesquisa Biomdica

    em Seres Humanos, elaboradas pelo Conselho de Organizaes

    Internacionais de Cincias Mdicas (CIOMS) em colaborao com a

    Organizao Mundial da Sade (OMS) estabelece as diretrizes

    internacionais sobre consentimento livre e esclarecido. A declarao de

    Helsinque e as diretrizes do CIOMS estipulam que as informaes

    essenciais devem ser fornecidas de forma clara e objetiva aos possveis

    participantes da pesquisa24.

    H uma diferena muito importante entre uma interveno mdica

    assistencial e uma interveno no mbito de um protocolo de pesquisa. A

    principal diferena o interesse primrio entre as duas aes, na primeira, a

    ao visa um benefcio direto pessoa em questo, j na segunda, o bem

    buscado para a sociedade em geral e para o conhecimento tcnico, com

    possveis benefcios aos participantes. Esta diferena essencial refora a

    exigncia de que a participao em um estudo seja voluntria. O

    consentimento livre e esclarecido assegura que as pessoas participantes

    sejam tratadas dignamente24.

    O fundamento tico do consentimento livre e esclarecido o princpio

    moral do respeito autonomia do participante, ou seja, a capacidade das

    pessoas de tomarem decises apropriadas referentes aos procedimentos

    envolvidos em uma interveno clnica. Este princpio derivado da difuso

    e aceitao amplas da propriedade moral do respeito autonomia dos

    participantes em todas as circunstncias24.

    A mais concisa definio de consentimento livre e esclarecido a

    citada nas diretrizes do CIOMS, trata-se de uma deciso manifestada quanto

    participao em uma pesquisa por uma pessoa plenamente capaz que,

    aps ter recebido as informaes necessrias, tenha entendido-as

    adequadamente e considerado-as, decide a participao ou no no estudo

    sem ter havido uma coero, influncia indevida, induo ou intimidao24.

  • 34

    Os pesquisadores devem obter o consentimento livre e esclarecido dos

    provveis sujeitos, para tanto necessrio o fornecimento apropriado de

    informaes, contendo os detalhes do experimento em uma linguagem

    adequada ao nvel de compreenso dos sujeitos; importante tambm

    salientar que o consentimento baseado na confiana mtua entre os

    envolvidos24.

    A validade tica do consentimento no depende apenas do termo,

    todavia da qualidade da interao entre um leigo e um especialista. Em

    alguns tipos de pesquisa, como por exemplo, aquelas em que so aplicados

    questionrios respondidos pelo participante e devolvidos ao pesquisador h

    a dispensa do termo em si, pois, nesses casos, o participante demonstra

    ipso facto ter consentido em participar do estudo. O consentimento no

    deve ser visto como o evento em que a pessoa d anuncia ou no quanto a

    sua participao em uma pesquisa, mas um processo que visa,

    fundamentalmente, resguardar a autonomia da pessoa, no sentido de

    garantir a sua livre escolha aps ter sido convenientemente esclarecido

    sobre todas as questes pertinentes. Um pressuposto deste processo o de

    que a pessoa tenha capacidade para tomar decises que resultem no seu

    melhor interesse23. Formalizar o registro, portanto, apenas uma etapa do

    processo. Tal processo inicia com o primeiro contato que o pesquisador faz

    com os possveis participantes e continua at que o estudo se complete, por

    isso, diz-se que a obteno do consentimento no finda na assinatura do

    formulrio. Ressalta-se a importncia de que o surgimento de qualquer

    informao que possa afetar o consentimento obtido previamente durante o

    andamento da pesquisa devem ser comunicados aos sujeitos, com a

    finalidade de rever a manuteno deste consentimento, levando em

    considerao tais fatores24.

    Um dos aspectos essenciais para nortear a deciso do participante

    conhecer a metodologia e os riscos da pesquisa na qual ele est sendo

    convidado a participar voluntariamente e essa uma das grandes

    responsabilidades do TCLE. So caracterizadas como duas violaes

  • 35

    bsicas ao processo de consentimento: a falta de informaes adequadas e

    a falha na obteno do consentimento (anuncia). Esta caracterizao indica

    dois componentes fundamentais e interdependentes do Consentimento

    Informado, so eles o de informao e o de consentimento 23,25.

    O primeiro deles, o componente de informao, deve garantir ao

    provvel sujeito de pesquisa, no caso de uma investigao cientfica, o

    acesso aos dados sobre a pesquisa e procedimentos utilizados, sua

    participao como voluntrio, os riscos submetidos e os possveis benefcios

    envolvidos, a confidencialidade das informaes e que ser atualizado sobre

    as novas informaes geradas ao longo do projeto. O meio para transmitir a

    informao deve ser adequado ao estgio de desenvolvimento da pessoa e

    ao seu grau de compreenso22,23.

    J o componente de consentimento deve basear-se no respeito

    capacidade de livre deciso das pessoas. Segundo Kesselring T (1993),

    Jean Piaget descreveu a noo de autonomia como a capacidade do

    indivduo coordenar diferentes perspectivas sociais com o pressuposto do

    respeito recproco26.

    Alm dos dois componentes apresentados, segundo English DC

    (1993), alguns autores como Judith C. Ahronheim e colaboradores

    caracterizaram trs elementos bsicos para o consentimento informado:

    capacidade, informao e consentimento. Porm, para que o consentimento

    seja considerado vlido, Dan English ampliou para quatro o nmero de

    elementos: fornecimento de informaes; compreenso; voluntariedade e o

    consentimento propriamente dito27.

    O componente de consentimento baseado na autonomia e essa

    autodeterminao uma condio necessria ao Consentimento Informado,

    cuja validade moral e legal depende da capacidade da pessoa. Esta

    capacidade de deciso autnoma individual, alm das caractersticas de

    desenvolvimento psicolgico, baseia-se em diversas habilidades, entre as

    quais o envolvimento com o assunto, a compreenso das alternativas e a

  • 36

    possibilidade de comunicao de uma preferncia, que nos remetem ao

    outro componente que o da informao23.

    Comumente os pesquisadores em sade elaboram o TCLE com se

    estivessem dirigindo-se a um colega da rea, com estrutura, contedo e

    linguagem tcnico-cientfica. O projeto de pesquisa tem que ser

    apresentado ao CEP desta forma, contudo nunca o TCLE, pois este visa o

    fornecimento de informaes aos sujeitos em pesquisa e aquele visa

    explicitao aos membros de um CEP25.

    O TCLE um documento destinado ao potencial sujeito da pesquisa e

    precisa ser autoexplicativo, pois, como j mencionado, o instrumento em si

    dever ser claro e objetivo sem qualquer interferncia do pesquisador no

    que diz respeito interpretao do documento. Alm de claro, o TCLE deve

    ser o mais sucinto possvel, sendo composto apenas daquelas informaes

    indispensveis, em linguagem leiga e simples. No carecendo de inferncias

    do pesquisador, porm no privando o direito do sujeito solicitao de

    explicaes, bem como a participao da leitura e interpretao do

    instrumento junto a outra pessoa (familiares, amigos) para que assim possa

    tomar uma deciso. O sujeito de pesquisa tem o direito de acessar os

    resultados da pesquisa e ter conhecimento dos meios de divulgao e das

    estratgias que sero usadas para preservar sua identidade25.

    Esta simplicidade textual necessria para a elaborao do TCLE pode

    ser exemplificada at mesmo atravs da palavra consentimento, uma vez

    que ela pode no ser compreendida pelo voluntrio. Na Lngua Portuguesa

    h vrios nveis de linguagem, distanciam-se, portanto, a lngua falada

    lngua escrita, a popular norma culta, dificultando com isso a compreenso

    de determinados vocbulos utilizados. O principal objetivo destacar a

    clareza da linguagem na Elocuo de Aquiescncia Alumiada e Autocfala

    imprescindvel, ou seja, fundamental que o Termo de Consentimento Livre

    e Esclarecido tenha linguagem clara. No exemplo acima, nota-se a diferena

    na seleo dos vocbulos a despeito da rea de atuao dos interlocutores,

    esta se mostra clara e objetiva para os agentes familiarizados com a

  • 37

    pesquisa e aquela demonstra uma quantidade de palavras mais complexas,

    de difcil compreenso25.

    Veatch (1995) defende que o Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido deveria ser abandonado ao menos da maneira com que

    entendido hoje, isso porque, impossvel o mdico ou o pesquisador terem

    a exata noo do repasse adequado das informaes ao sujeito de

    pesquisa. A pessoa que elabora o TCLE, sendo mdico ou pesquisador, no

    tem condies de estabelecer o que o melhor interesse do interlocutor 28.

    Pode-se dizer que existem dois tipos de modelos de obteno de

    consentimento: como evento e como processo. O consentimento como

    evento no permite que sejam dadas todas as informaes necessrias para

    uma tomada de deciso adequada. J o modelo tipo processo, permite que,

    no caso de uma pesquisa, os envolvidos possam trocar informaes e

    questionamentos23,29.

    Quadro 1 - Comparao entre as caractersticas do Consentimento

    como evento e como processo.

    Caracterstica Consentimento como evento

    Consentimento como processo

    Capacidade Suposta Avaliada

    Explicao Repasse de informaes Troca de informaes Recomendao Comunicada Discutida Compreenso Possvel Buscada

    Deciso Rpida e simples Demorada e refletida Autorizao Burocrtica Humanizada

    nfase Legal Moral

    Fonte: Goldim JR23, 1999; p.54.

    O modelo tipo evento torna-se predominante, at pelo ponto de vista

    prtico, pois ele acarreta menos envolvimento, conhecimento e,

    principalmente, tempo para obter a anuncia da pessoa. O Termo de

    consentimento, como elaborado atualmente, no evidencia uma

    preocupao moral do pesquisador com o participante. Esta situao

    ressalta que, infelizmente, este termo de consentimento , na verdade,

    pretendido como um termo de iseno de responsabilidade23.

  • 38

    Vale ressaltar que a relao entre o possvel sujeito de pesquisa e o

    pesquisador pode ser dividida e caracterizada em diferentes modelos.

    Robert Veatch props quatro modelos para caracterizar esta relao: o

    paternalista; o informativo; o igualitrio e o contratualista.

    Em 1992, Ezequiel Emanuel e Linda Emanuel propuseram uma outra

    classificao. Nesta abordagem incluram o modelo instrumental, dividiram o

    contratualista em interpretativo e deliberativo e por fim, excluram o modelo

    igualitrio23.

    Dos modelos propostos por Emanuel e Emanuel alguns no so

    aconselhveis para a pesquisa, por exemplo, o instrumental que utiliza o

    participante da pesquisa como um meio, e h uma relao de poder implcita

    ou explcita entre o pesquisador e o sujeito de pesquisa. Para facilitar a

    compreenso desta relao, necessrio verificar os conceitos de poder e

    de autoridade, propostos por Bertrand de Jouvenal. Autoridade, segundo

    este autor, no tem vinculao com a utilizao de coero ou fora, na

    verdade ela a caracterstica que uma pessoa tem de induzir ao

    assentimento, aceitao de sua proposta. Seguir uma autoridade um ato

    voluntrio, logo, a autoridade termina quando a aceitao voluntria cessa.

    J o poder, por seu lado, a habilidade de dirigir a ao de outras pessoas

    atravs da fora implcita ou explcita30.

    O modelo instrumental caracterizaria uma relao claramente abusiva,

    pois o poder estaria concentrado no pesquisador. De acordo com este

    modelo, o participante da pesquisa seria utilizado apenas como um meio

    para atingir outra finalidade, sem que merecesse considerao pela sua

    participao. Nesta relao, o Consentimento Livre e Esclarecido inexiste do

    ponto de vista moral, pois os participantes da pesquisa no recebem

    informaes adequadas nem tem a possibilidade de exercerem o seu direito

    de deciso voluntria23.

    No modelo paternalista o componente de voluntariedade do

    Consentimento Livre e Esclarecido ainda est ausente, visto que o

  • 39

    pesquisador exerce o seu poder frente ao sujeito de forma mais implcita.

    Pode-se utilizar da relao de dependncia de um paciente com relao ao

    atendimento de suas necessidades de sade ou de posies hierrquicas

    com relao a alunos ou funcionrios23.

    O modelo informativo baseia-se na premissa de que o pesquisador no

    deve exercer a sua autoridade frente aos indivduos convidados a

    participarem da pesquisa, e sim manter-se isento. Toda a responsabilidade

    pela deciso recai sobre o indivduo pesquisado. Esta posio pode,

    contraditoriamente, reduzir a qualidade das informaes prestadas. O

    pesquisador, ao no assumir a defesa de sua proposta, pode deixar o

    eventual participante em uma situao de insegurana23.

    O modelo igualitrio, no qual o pesquisador e o participante decidem

    com igualdade de papis, tem algumas dificuldades para ser transposto para

    a pesquisa. Nesta proposta o pesquisador no teria qualquer influncia, nem

    por poder nem por autoridade, frente ao participante. A nica possibilidade

    seria a verificada em estudos que se utilizam de mtodos de pesquisa

    participante, no qual o pesquisador se iguala aos indivduos pesquisados.

    Mesmo assim, esta relao desigual, uma vez que o pesquisador se

    agrega a este grupo de pessoas com um objetivo ou questes de pesquisa

    previamente definidos. O Consentimento Livre e Esclarecido, nestas

    situaes, seria difcil de ser compreendido: no haveria a clara

    diferenciao de papis entre pesquisador e indivduos pesquisados23.

    O modelo contratualista se caracteriza pelo exerccio da autoridade por

    parte do pesquisador. O processo de tomada de deciso, contudo,

    compartilhado entre pesquisador e pesquisado. Ocorre uma troca de

    informaes, com o reconhecimento de valores individuais que podem

    influenciar na deciso. O pesquisador assume a defesa da alternativa

    proposta pela pesquisa, mas o pesquisado tem liberdade para argumentar e

    decidir. Este seria o modelo ideal para a obteno de um Consentimento

    Livre e Esclarecido23.

  • 40

    A anlise dos diferentes modelos de obteno do Consentimento Livre

    e Esclarecido e da relao entre pesquisador e pesquisado, indica algumas

    inadequaes na transposio do consentimento, habitualmente utilizado em

    situaes assistenciais para as de pesquisa23.

    Na situao assistencial, o paciente quem, habitualmente, busca o

    contato com o mdico. Este tem por objetivo atender aos melhores

    interesses de seu paciente. Na pesquisa, ao contrrio, o pesquisador recruta

    pessoas que preencham seus critrios de incluso, previamente

    estabelecidos, visando gerar novos conhecimentos. Em muitos projetos, a

    pesquisa tambm pode atender a interesses dos participantes, porm em

    outros eles no tero qualquer benefcio direto23.

    A relao entre mdico e paciente, excetuando-se talvez o modelo

    instrumental, sempre personalizada. uma relao entre duas pessoas

    claramente identificadas, pelo menos no momento do atendimento. Na

    pesquisa, a relao do pesquisador com a amostra de indivduos, com o

    conjunto de dados que esto sendo gerados, uma relao genrica e,

    muitas vezes, difusa. O pesquisador pode, inclusive, nunca ter contato

    pessoal com os indivduos pesquisados, e at mesmo no ter acesso,

    sequer, a dados que permitam identific-los23.

    Em um grande nmero de situaes de pesquisa com seres humanos,

    independentemente do pas onde ocorra, o modelo clssico de obteno de

    Consentimento Livre e Esclarecido, especialmente o desenvolvido como

    processo, tem indicao e uso apropriado. Existem, contudo, situaes

    especiais, que poderiam merecer tratamento diferenciado, inclusive com a

    dispensa da aplicao do TCLE. Podem ser includas nesta categoria as

    pesquisas em bancos de dados, as pesquisas realizadas em situaes de

    emergncia, as pesquisas com preservao plena de anonimato23.

    O TCLE evoluiu nos ltimos anos e hoje visto como um elemento

    fundamental na relao mdico-paciente e na relao pesquisador-sujeito de

  • 41

    pesquisa. Esta evoluo parte da tradio hipocrtica, em que, no princpio,

    o que vigorava era a beneficncia paternalista31,32.

    Com os ltimos anos, tem sido buscada a participao dos sujeitos

    envolvidos nas relaes para uma participao mais ativa nas decises, com

    isso, o protagonismo dos pacientes e sujeitos de pesquisa tem sido mais

    solicitado, consequentemente, o profissional, que na tradio hipocrtica era

    o detentor do saber, hoje passa a no mais decidir pela pessoa. Contudo,

    devido aos seus conhecimentos e competncias tcnicas so participantes,

    pois ajudam as pessoas a compreender a situao, tornando a deciso do

    sujeito mais autnoma 31.

    Para que uma ao seja considerada autnoma, ela deve cumprir trs

    condies: intencionalidade (capacidade de ao intencional), conhecimento

    (compreenso) e ausncia de controles externos (coero)32,33.

    O TCLE se responsabiliza na investigao com seres humanos atravs

    da aplicao do princpio tico da autonomia. A definio do Consentimento

    Livre e Esclarecido, difundida no Brasil atravs da Resoluo 196/96 CNS,

    dispe que15:

    Consentimento livre e esclarecido - anuncia do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vcios (simulao, fraude ou erro), dependncia, subordinao ou intimidao, aps explicao completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, mtodos, benefcios previstos, potenciais riscos e o incmodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participao voluntria na pesquisa.

    Portanto, o TCLE deve garantir que a pessoa, sendo um sujeito de

    pesquisa ou paciente, aps ter sido devidamente informado e com suas

    dvidas esclarecidas, livre de qualquer tipo de presso ou coero, d ou

    no sua anuncia sobre participar de uma pesquisa de forma voluntria.

    importante ressaltar que a liberdade da pessoa, em retirar o seu

    consentimento, nunca poder oner-la quanto ao seu tratamento na

    instituio, bem como, em casos especficos, a continuao do tratamento

    aps o encerramento do estudo. Nesse caso, trata-se de pesquisas com

  • 42

    medicamentos em fases de testes, em que o sujeito de pesquisa

    beneficiado com a utilizao da medicao em teste, junto com a equipe

    responsvel ser realizada a avaliao da continuidade deste tratamento.

    Outra questo importante, que o responsvel por esse tratamento dever

    ser o responsvel pelo financiamento da pesquisa, no caso de pesquisas da

    indstria farmacutica. Fica evidente que o Sistema nico de Sade SUS

    nunca poder ser onerado de tratamentos ou fornecimentos de materiais ou

    medicamentos para fins de pesquisas 15,19.

    Pode-se dizer que o TCLE constitudo de dois componentes, o

    informativo e o consentimento. O componente informativo consiste na

    exposio da informao passvel de compreenso pelo sujeito. J o

    consentimento remete deciso voluntria do sujeito de submeter-se ou no

    a uma interveno proposta 23,32.

    Em todos os casos os elementos normativos do consentimento

    compreendem 32:

    1. Um processo contnuo de dilogo, que envolve uma tomada de

    deciso baseada na reflexo, trata-se de uma ao prudencial e que, em

    todas as ocasies, requer apoio escrito e deve ser registrado de maneira

    adequada, isso torna mais fcil a manuteno do consentimento, pois a

    pessoa pode, a qualquer momento, retomar sua deciso baseada no TCLE.

    Por isso, a simplificao do consentimento como um evento fere do ponto de

    vista tico a aplicao do princpio da autonomia32.

    2. Voluntariedade expressa pela confirmao de um processo de

    consentimento livre de coaes, de manipulaes e de excesso de

    persuaso por parte do profissional/pesquisador, por isso apontada como

    condio necessria e suficiente para que os atos possam ser considerados

    autnomos1.

    3. Informao suficiente: a adequao da informao deve ser

    especfica, de acordo com as necessidades de cada pessoa para que ela

    possa tomar uma deciso. Esse um dos motivos pelos quais o

    consentimento no deve estar ligado apenas ao TCLE, mas as

    especificidades e necessidades de cada indivduo1,32.

  • 43

    4. Informao compreensvel, esse um ponto crucial no TCLE, e faz

    parte da reflexo deste trabalho, pois a informao deve ser adaptada e

    dirigida para o pblico no qual o pesquisador est interagindo. Os

    pesquisadores em geral e, principalmente, as equipes de sade geralmente

    utilizam uma linguagem altamente tcnica, distante da realidade dessas

    pessoas, atravs de textos pouco acessveis32.

    5. Capacidade por parte do paciente para compreender a informao,

    avali-la e comunicar sua deciso. A exposio de informao no to

    eficiente na maioria das vezes; estimular questionamentos e procurar

    conhecer os interesses e preocupaes dos provveis sujeitos de pesquisa

    auxiliam na compreenso32.

    A competncia para tomar decises requer exatamente isso, que a

    pessoa tenha a capacidade para entender a informao, portanto, julga-se

    que a pessoa tenha o direito de conhecer a pesquisa para sua tomada de

    deciso em participar ou no.

    6. O Processo de tomada de deciso consiste na aceitao ou recusa

    da participao como voluntrio na pesquisa32.

    Podemos dizer que o consentimento composto por quatro elementos

    bsicos: a capacidade de consentir; a exposio total de informaes

    importantes; a compreenso adequada destas informaes e a deciso

    voluntria em participar ou no da pesquisa em qualquer momento sem

    prejuzo para este sujeito.

    Logo, no podemos afirmar que o consentimento consista apenas na

    assinatura do TCLE, mas sim num processo que perpasse pela informao,

    compreenso e voluntariedade do provvel sujeito de pesquisa, logicamente,

    o TCLE faz parte desse processo e tem grande importncia no

    consentimento.

    O Consentimento livre e esclarecido apontado como parte essencial

    na afirmao tica de uma pesquisa. No Brasil, o respeito dignidade

    humana expresso pelo consentimento livre e esclarecido dos sujeitos de

  • 44

    pesquisa, por isso, de forma geral, toda pesquisa que evolva seres humanos

    deve conter o consentimento15.

    Alm de ser elaborado em linguagem acessvel aos provveis sujeitos,

    o TCLE deve conter a justificativa, os objetivos e os procedimentos aos

    quais o sujeito poder ser submetido. Devem ser apontados os desconfortos

    e riscos possveis bem como os benefcios esperados, os mtodos

    alternativos pesquisa; a forma de acompanhamento e assistncia; deve

    ser garantido o direito de esclarecimentos antes e durante o curso da

    pesquisa, sobre a metodologia, incluindo a informao da possibilidade de

    incluso em grupo controle ou placebo. garantida ao provvel sujeito de

    pesquisa a possibilidade de recusar a sua participao na pesquisa bem

    como, retirar o seu consentimento em qualquer momento, sem sofrer

    nenhum tipo de penalidade. Deve-se ainda, garantir o sigilo, a privacidade

    dos sujeitos e a confidencialidade dos dados que possam identificar as

    pessoas. Caso haja alguma forma de ressarcimento de despesas

    decorrentes da pesquisa, essas devem ser apontadas no TCLE, bem como

    as formas de indenizao diante de eventuais danos decorrentes da

    pesquisa15.

    O TCLE deve ser elaborado pelo pesquisador responsvel, deve ser

    aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa que referenda a investigao e

    deve ser elaborado em duas vias, garantindo ao sujeito de pesquisa, o

    direito de guardar uma das vias para posterior avaliao sobre sua

    participao e com isso, podendo manifestar seu interesse em retirar seu

    consentimento15.

    Caso haja necessidade de restrio de informaes aos sujeitos de

    pesquisa, a depender do mrito da pesquisa, o fato deve ser explicitado e

    justificado pelo pesquisador responsvel ao CEP15.

  • 45

    1.3 O SUJEITO DE PESQUISA E O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE

    E ESCLARECIDO

    1.3.1 Autonomia e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    O princpio do respeito pessoa ou princpio da autonomia

    expresso pela anuncia ou no da pessoa para o uso do seu corpo ou de

    qualquer informao dela coletada. O instrumento mais utilizado que tem

    como principal funo o respeito pela autonomia da pessoa o

    consentimento livre e esclarecido, sendo em sua forma mais conhecida

    como um TERMO ou em outras formas como a verbal. O consentimento

    livre e esclarecido envolve uma relao de dilogo, respeito mtuo,

    tolerncia ativa, vnculo e acolhimento, com isso, deveriam ser eliminadas as

    atitudes arbitrrias ou prepotentes por parte do profissional da sade ou

    pesquisador, sendo o potencial sujeito de pesquisa um ser autnomo, livre e

    merecedor de respeito34,35. Este princpio est pautado na tica

    principialista que teve ampla utilizao na Amrica do Norte e no mundo,

    apesar das limitaes impostas pelas dificuldades prticas de sua aplicao

    nas decises, uma vez que no se prope a uma hierarquia pr-definida

    entre os valores, e pelos questionamentos de sua adequao dentro da

    diversidade cultural e social dos pases.

    Historicamente, o bem pessoa foi uma meta obrigatria,

    entretanto, devido s vrias nuances do bem, com o tempo, esse

    entendimento foi se perdendo e, com isso, na rea da sade, o

    paternalismo. Esta rejeio ao paternalismo oriunda do Iluminismo que fez

    aflorar o princpio da autonomia como reconhecimento de que os afetados

    pela ao mdica no so seres heternimos, mas autnomos e, sendo

  • 46

    assim, possuem o direito de ser consultados em muitos momentos para que

    assim possam dar seus consentimentos livres e esclarecidos36.

    A palavra autonomia, derivada do grego autos (prprio) e nomos

    (regra, governo ou lei), significa, etimologicamente, autoimposio de

    leis. Segundo Beauchamp e Childress (2002), a autonomia adquiriu

    significados diversos, como autogoverno, direitos de liberdade, privacidade,

    escolha individual, liberdade de vontade, ser o motor do prprio

    comportamento e pertencer a si mesmo. a capacidade da pessoa de

    escolha independente e livre. Respeitar a autonomia aceitar as opinies

    dos outros, suas escolhas, desde que essas no prejudiquem a terceiros,

    assim, a reduo da autonomia individual caso esta expusesse a

    coletividade seria justificvel37. Respeitar a autonomia , ainda, garantir o

    direito informao para que a pessoa possa ter a liberdade de agir com

    base em seus julgamentos, livre de coaes1.

    O respeito pela autonomia implica em as pessoas serem capazes de

    deliberar sobre suas decises e, sendo assim, devem ser tratadas com

    respeito pela sua capacidade de autodeterminao. Caso a pessoa esteja

    em situao que diminua sua autonomia, ela dever ser protegida contra

    prejuzos ou abusos38.

    A autonomia deve ser considerada como um exerccio da

    subjetividade, cada pessoa estabelece sua prpria escala de valores,

    podendo, diante de determinada circunstncia, ter condies de decidir de

    acordo com esses valores.

    Charlesworth (1996) apud Seaone e Fortes (2007), traz uma

    perspectiva social para a autonomia da pessoa, podendo conduzir noo

    de cidadania. Ningum est capacitado para desenvolver a liberdade

    pessoal e sentir-se autnomo se est angustiado pela pobreza, privado de

    educao bsica ou se vive desprovido da ordem pblica39.

    Pelez (2005) indica que a informao em sade, bem como outros

    fatores protetores relacionados com a comunicao so fundamentais para o

  • 47

    aumento das condies que favoream a sade das pessoas, e com isso,

    est intrinsecamente ligado promoo da sade, pois relaciona-se com a

    autonomia destas pessoas. necessrio que, na ateno sade, uma

    comunicao consciente, com informaes oportunas, sensveis e precisas

    seja realizada. Outras caractersticas do consentimento livre e esclarecido

    que reconhecem a dignidade humana so a empatia e o respeito40. A

    relao da autonomia pessoal na dimenso social de extrema relevncia

    para o terceiro mundo, onde as sociedades mantm equilbrios instveis,

    desigualdades persistentes, dependncias restritivas que devem ser

    agravadas por tenses indevidas ao exerccio da autonomia41.

    Beauchamp e Childress (2002) caracterizam a pessoa autnoma

    como a que age livremente de acordo com um plano escolhido por ela

    mesma, da mesma forma como um governo administra seu territrio e

    define suas polticas, ou seja, o consentimento dado por uma pessoa

    consciente de sua autonomia40. A pessoa com autonomia reduzida , em

    algum aspecto, ao menos controlada por outros ou incapaz de deliberar ou

    agir com base em seus desejos e planos1.

    O termo de consentimento livre e esclarecido TCLE, como mais

    comumente chamado o consentimento informado, no Brasil, tem sido

    discutido em seus aspectos legais, reduzindo a complexidade da questo,

    ao acatamento ou no de regras jurdicas. O consentimento informado no

    apenas uma doutrina legal, mas direito moral das pessoas e gera

    obrigaes ticas para os profissionais envolvidos na assistncia ou na

    pesquisa22.

    A necessidade da autorizao da prpria pessoa para que seu corpo

    possa ser tocado, violado ou manipulado, est na tradio anglosax desde

    a outorga da Magna Charta Libertatum, em 1215. Posteriormente, em 1859,

    John Stuart Mill22, em sua obra On Liberty, props que "Sobre si mesmo, seu

    prprio corpo e mente, o indivduo soberano". Foi nesta perspectiva

    cultural que se formou a noo de consentimento informado.

  • 48

    A primeira utilizao de um documento que pode ser equiparado a um

    TCLE em pesquisa que data de 1833 e ocorreu quando foi estabelecido um

    contrato entre um mdico e um paciente para que esse estivesse disponvel

    por um ano para todos os experimentos que fossem realizados pelo

    profissional42.

    A denominao Consentimento Informado foi criada em 1957 em

    uma sentena judicial no Estado da Califrnia/EUA, no julgamento do caso

    Salgo v. Leland Stanford Jr University Board of Trustees. O caso envolvia a

    necessidade de informar adequada e previamente ao paciente a realizao

    de um procedimento, possibilitando o consentimento racional do paciente43.

    No Brasil, a utilizao do Termo de Consentimento Informado em

    atividades de pesquisa foi efetivamente regulamentada em 1988 pela

    Resoluo 01/88 do Conselho Nacional de Sade (CNS). Nesta ocasio, o

    documento foi denominado de Termo de Consentimento Ps-Informao.

    Em 1996, esta norma foi substituda pela Resoluo 196/9623. O documento

    passou a ter a denominao oficial de Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido. No item IV.2 da Resoluo esto estabelecidos os requisitos

    para que o documento seja considerado eticamente vlido.

    Em linhas gerais, o TCLE deve ser elaborado pelo pesquisador

    responsvel em linguagem compatvel com o nvel de compreenso

    intelectual, psicolgica, cultural, emocional e etria do possvel sujeito de

    pesquisa, devendo ser feito em duas vias que sero assinadas por todos os

    envolvidos. Destas vias, uma fica em poder do sujeito e a outra deve ser

    arquivada pelo pesquisador responsvel. Segundo a resoluo, o Comit de

    tica em Pesquisa deve aprovar o texto do TCLE.

    Entretanto, o consentimento livre e esclarecido no se restringe ao

    evento da anuncia em participar de uma pesquisa ou submeter-se a um

    procedimento com a assinatura do termo de consentimento, mas um

    processo que envolve respeito mtuo, dilogo, tolerncia ativa, vnculo e

    acolhimento na relao sujeito de pesquisa-pesquisador35. Como essa

  • 49

    relao demanda segurana, necessrio que haja o respeito pela

    autonomia do sujeito37.

    Tom L. Beauchamp e Ruth Faden1, propuseram como componentes

    do processo de consentimento: condies prvias da pessoa que ir

    consentir, elementos de informao e consentimento propriamente dito:

    I) Pr-condies:

    1.Capacidade para entender e decidir;

    2.Voluntariedade no processo de tomada de deciso.

    II) Elementos da informao:

    3.Explicao sobre riscos e benefcios;

    4.Recomendao de uma alternativa mais adequada;

    5.Compreenso dos riscos, benefcios e alternativas.

    III) Elementos de consentimento:

    6.Deciso em favor de uma opo, dentre no mnimo duas

    propostas;

    7.Autorizao para a realizao dos procedimentos propostos.

    A competncia ou a capacidade de deciso baseia-se em diversas

    habilidades. A capacidade moral e legal do consentimento livre e

    esclarecido dependem da capacidade da pessoa44.

  • 50

    Para Beauchamp e Childress (2002), a capacidade mais uma

    pressuposio ou condio da prtica da obteno do consentimento do

    que um elemento, por isso tomada como pr-condio. A capacidade para

    deciso est ligada s condies cognitivas, psicolgicas, legais e

    emocionais para a deciso autnoma e, assim, s questes sobre a

    validade do consentimento1.

    A capacidade possui um significado fundamental que a habilidade

    de realizar uma tarefa. A tomada de deciso uma tarefa. A capacidade

    para decidir relativa, ou seja, o nvel de capacidade exigido de cada um

    depende da deciso particular a ser tomada, por isso, raramente, se julga

    uma pessoa incapaz com respeito a todas as tarefas da vida. A capacidade,

    portanto, deve ser entendida como algo especfico e no global1.

    Uma deciso substancialmente autnoma aquela tomada por uma

    pessoa considerada responsvel, Beauchamp e Childress (2002) partem do

    pressuposto de que, em geral, adultos so capazes de tomar decises1, ou

    seja, a capacidade para entender e decidir, usualmente, vista como

    dependente da idade.

    Entretanto, a capacidade de uma pessoa se baseia em diversas

    habilidades necessrias ao processo de tomada de deciso, tais como: a

    possibilidade de envolver-se com o assunto, de compreender ou avaliar o

    tipo de alternativas e a possibilidade de comunicar a sua preferncia45. A

    capacidade individual de compreender uma informao relacionada com a

    liberdade. Esta compreenso vista como uma base necessria para que se

    possam realizar juzos de valores40.

    Estas caractersticas e habilidades no so unicamente dependentes

    da idade cronolgica do indivduo. O fato de a pessoa ter atingido uma

    determinada idade legal no garante que ela j tenha capacidade para tomar

    decises, tampouco, os limites inferiores da maioridade civil ou o contrrio, a

    senilidade so impedimentos para que a criana, o adolescente ou o idoso

    participem do processo de consentimento46. A capacidade deve ser vista

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    como uma funo contnua e no pontual, como uma caracterstica rotular.

    Uma criana j pode ter capacidade para lidar com determinadas situaes

    assim como os adolescentes. Um idoso, pelo simples fato de ter uma idade

    avanada, no tem obrigatoriamente perda de capacidade para tomar

    decises, ao contrrio, pode ter uma melhor compreenso do processo

    como um todo, devido a sua experincia adquirida ao longo da vida. Mesmo

    um idoso com a Doena de Alzheimer pode ter capacidade para tomar

    decises sobre a sua sade, dependendo do estgio em que a doena se

    encontra e da deciso a ser tomada47.

    Pode-se dizer que autonomia a capacidade que a pessoa tem de

    deliberar sobre suas metas e finalidades pessoais. Entretanto, o seu

    exerccio possui limitaes manifestadas por alteraes de conscincia

    consequentes de enfermidades mentais, efeitos de drogas e at mesmo

    quando uma pessoa est submetida coao ou ameaa. Outra

    incapacidade reconhecida a que limita por idade, entretanto, hoje as

    crianas so muit