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Diego José de Calazans Tempo ou Não-Tempo? Um estudo acerca da experiência de tempo e o não-tempo da experiência Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Filosofia da PUC-Rio. Orientador: Sérgio Luiz de Castilho Fernandes

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Diego José de Calazans

Tempo ou Não-Tempo?

Um estudo acerca da experiência de tempo e o não-tempo da

experiência

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-Rio.

Orientador: Sérgio Luiz de Castilho Fernandes

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Rio de Janeiro, dezembro de 2006

Diego José de Calazans

Tempo ou Não-Tempo?

Um estudo acerca da experiência de tempo e o não-tempo da

experiência

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Sérgio Luiz de Castilho Fernandes Orientador

PUC-Rio

Carlos Alberto Gomes dos Santos PUC-Rio

Elena Moraes Garcia UERJ

Paulo Fernando C. de Andrade Coordenador(a) Setorial do Centro

de Teologia e Ciências Humanas - PUC-Rio

Rio de Janeiro, 5 de Fevereiro de 2007

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Diego José de Calazans

Graduado em Filosofia (bacharelado e licenciatura) pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 2004, tendo ingressado em seguida no programa de pós-graduação da PUC-Rio para obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Ficha Catalográfica

CDD: 100

Calazans, Diego José de Tempo ou não-tempo? : um estudo acerca

da experiência de tempo e o não-tempo da experiência. / Diego José de Calazans ; orientador: Sérgio Luiz de Castilho Fernandes. – 2007.

89 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Filosofia)–

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Inclui bibliografia 1. Filosofia – Teses. 2. Tempo. 3.

Experiência. 4. Metafísica. 5. Física. I. Fernandes, Sérgio Luiz de Castilho. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Filosofia. III. Título.

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Dedico este trabalho a memória de meus avós, José Dílson Freire de Calazans e Dolores Ester de Calazans

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer a meus pais Gerson de Calazans e Elza Maria de Oliveira

Calazans pela oportunidade de estar aqui, fazendo o que estou fazendo, vivendo e

cumprindo minha missão em vida. Gostaria de agradecê-los também pelo esforço

dedicado a minha formação, esforço este que possibilitou que eu me tornasse esta

pessoa que sou – com orgulho! – hoje; É claro que Deus também tem participação

nesta história, mas onde é que ele não tem?

Gostaria de agradecer aos meus familiares Luana Santos Calazans, José Dílson

Freire de Calazans, Dolores Ester de Calazans, Jaqueline de Calazans, André

Calazans Gonzales Gil e Amanda Calazans Gonzales Gil por terem me dado algo

muito especial, uma família de verdade com a qual eu sempre pude contar nas

melhores e piores horas. É muito bom olhar ao seu redor e ver que você tem

pessoas tão especiais ao seu lado.

Agradecimentos sinceros também vão para Sophia Luciana de Oliveira Lang,

Marina Pinto Lima e Sérgio Almeida Firmino, pela amizade e incentivo que

sempre me deram nos estudos, para o Dr. Cláudio Henrique de Mattos Braga, por

ter me criado como um verdadeiro filho, e para a família Braga, por todo o

carinho dedicado a minha pessoa ao longo de tantos anos.

Não posso deixar de agradecer também aos amigos pelos bons tempos, bons

papos, bons jogos... bons tudo! Agradeço a Michael Wiling Plapler, Artur Araújo

Portugal, Eduardo Stefani Massa, Christiano Morize, Bernardo Bluhm Alves,

Clarissa Alves Wyler, Sabryna Stelita Destefani e Andressa Gonçalves Ferrari

pela companhia; Dentre todos, vocês foram aqueles a quem entreguei abertamente

minha vida, minhas virtudes e fraquezas, meus erros e meus acertos, minhas

verdades e minhas mentiras e, por terem, ainda assim, ficado ao meu lado, eu os

agradeço.

Agradeço aos colegas do curso de Filosofia aqui da PUC e da UERJ, a Profa. Dr.

Márcia Cristina Ferreira Gonçalves, que gentilmente orientou minha monografia

da graduação, a Profa. Dr. Vera Cristina Bueno, que sempre tratou a mim e aos

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meus trabalhos com muito carinho e atenção, e ao Prof. Dr. Sérgio Luiz de

Castilho Fernandes, por ter me “despertado do sono dogmático” com suas aulas

performáticas e sua maneira empolgante de fazer filosofia.

Por último, agradeço a Danielle Fabiana dos Santos – a quem dedico em tom

especial este trabalho – por ser minha companheira, por ser a pessoa que

compartilha comigo os sonhos e as agruras, por ser a pessoa que batalha

diariamente ao meu lado para construir, ao menos no interior de nosso espírito, o

mundo ideal que tanto me falta lá fora.

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Resumo

de Calazans, Diego José. Fernandes, Sérgio L. de C. Tempo ou Não-

Tempo? Rio de Janeiro, 2006. 89p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Este é um estudo acerca da natureza ontológica do tempo, ou seja, um

estudo que visa distinguir, no âmbito da experiência, o tempo subjetivo do tempo

em si mesmo, tentando delimitá-los por critérios de necessidade lógica e

adequação formal as criticas e descobertas da filosofia e da ciência moderna e

contemporânea. O trabalho consta também de um apanhado historiográfico das

principais abstrações da ciência, bem como, das principais contribuições de

filósofos, como, p.ex., Santo Agostinho e Kant, para a questão do tempo,

abarcando também as criticas da física contemporânea ao paradigma clássico do

tempo e as novas tendências de abordagem e pesquisa da questão do tempo no

século XXI.

Palavras-chave

Tempo; Experiência; Metafísica; Física.

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Abstract

de Calazans, Diego José. Fernandes, Sérgio L. de C. Time or Non-Time?

Rio de Janeiro, 2006. 89p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This is an essay on the ontologic nature of time, so to say, a study that

intends to distinguish, inside the realm of experience, the subjective time from

time itself, trying to bound both of them by logical necessity and formal

adequation to the critics and discoveries from modern and contemporary

philosophy and science. This essay also provides an historiographic resume of the

main abstractions from sciense, as well as, the main contributions from

philosophers, like Saint Augustine and Kant, for example, to the problem of time,

approaching also the critics of contemporay physics to the classical time paradigm

and the new trends of approach and research of time in the XXI century.

Keywords

Time; Experience; Metaphysics; Physics.

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Sumário

1 Introdução 11

2 A formulação da questão do tempo

2.1 A temática do tempo na filosofia grega 22

2.2 A concepção medieval do tempo e sua presença na obra de

Agostinho 27

2.3 O conceito de tempo e sua relação com a idéia de criação e de

eternidade 30

3 O tempo na modernidade filosófica 39

4 A ciência do tempo e o século XX 56

5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 72

6 Bibliografia 86

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“Time flies like an arrow; fruit flies like a banana”

Julius Henry Marx – comediante, ator e cantor americano.

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1 Introdução 11 11

1 Introdução

Conta-se que o poeta russo Samuel Marshak, quando esteve em Londres pela primeira vez, antes de 1914, e não conhecia bem o idioma inglês, perguntou a um homem na rua: “Por favor, O que é o tempo?” O homem olhou-o muito surpreso e respondeu: “Mas essa é uma questão filosófica. Por que está perguntando para mim?” Muitos séculos atrás, um famoso padre preocupou-se com a mesma indagação e confessou que, se ninguém perguntasse, ele sabia o que era o tempo, mas se tentasse explicar teria que admitir que não sabia. Embora haja muitas idéias importantes com as quais a maior parte das pessoas concorda sem entender, só o tempo tem essa qualidade peculiar de nos fazer sentir por intuição que o compreendemos perfeitamente, desde que ninguém nos peça para explicá-lo1.

São com estas palavras que Whitrow, um dos grandes pesquisadores da

questão do tempo, inicia seu livro O quê é o Tempo?. Nesta passagem já fica

indicada a relevância, dentro daquele escopo de questões concernentes ao que

chamamos de Experiência Humana, de uma boa compreensão do tempo, de sua

natureza intrínseca, e da ligação (relação) deste com a nossa experiência temporal,

pois embora seja um fato que temos uma experiência temporal é igualmente fato

que não temos a menor idéia de como ela se origina em nós, certamente não é da

mesma forma que qualquer um dos outros sentidos.

Dentre tantas as questões que a filosofia tem para investigar pouquíssimas, a

exemplo do tempo, nos dão essa sensação paradoxal de que já o conhecemos o

bastante para vivê-lo de maneira plena e ao mesmo de tempo de que, a respeito

dele, nada sabemos.

“De fato o tempo é uma das questões mais enigmáticas do saber humano2”

e, portanto, uma das que mais carece de estudo e pesquisa, uma vez que

compreender o tempo é compreender uma vertente daquilo que nós mesmos

somos, criaturas temporais.

1 Cf. Whitrow G.J. 2005: O quê é o Tempo?; p. 15. 2 Cf. Davies, P. 1999: O Enigma do Tempo; p. 7.

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1 Introdução 12 12

De imediato, quando nos propomos a empreender uma pesquisa sobre a

natureza do tempo, dentro dos diversos modos como essa expressão pode ser

concebida, diversos impasses se colocam no caminho, como obstáculos do

pensamento, e podemos resumir a essência do problema no fato de que, apesar do

problema do tempo ser um dos mais fundamentais da filosofia e da ciência e

permear toda a história do pensamento humano, ele raramente é um problema para

a maiorias das pessoas do senso-comum, justamente porque este nos causa a

impressão primária de que já o compreendemos muito bem e, desde que não

sejamos forçados a nos confrontar com a explicação de sua existência, vivemos

nossas vidas tranqüilamente sem se preocupar muito com isso.

Ou seja, muito embora a Experiência Humana (temporal ou não) seja de

complexidade consideravelmente maior, nós, usualmente, seguimos nossos

calendários e agendas sem nos perguntar muito pelo sentido daquilo que fazemos,

ou melhor, sem nos questionar muito acerca da verdadeira natureza daquilo que

está acontecendo “agora”. Uma vez que intuitivamente adotamos e manifestamos

uma vivência cronológica de tempo, admitimos que o tempo flui em uma direção

específica e isso constitui o paradigma máximo e absoluto da nossa experiência

segundo o senso-comum e, portanto, a questão nos parece ser, desde sempre,

bastante clara e simples, fato reconhecido por Santo Agostinho numa de suas

famosas passagens onde se lê:

Que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam3.

Entretanto, uma breve reflexão sobre essa noção do tempo que flui nos leva

a constatar que, apesar de aparentemente não-problemático, esse fluir do tempo é

extremamente instável do ponto de vista conceitual uma vez que se comece a

formular perguntas do tipo: - O que é em si mesmo este tempo que flui?

Isto pois, uma vez que o tempo flui, ele deve, segundo nos esclarece Huw

Price, logicamente ser um “ente” que tem com uma de suas capacidades

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1 Introdução 13 13

(propriedades, atributos) a capacidade de fluir e mais, ter a capacidade de fluir

significa fluir com uma determinada velocidade e numa determinada direção, mas

com que velocidade fluiria o tempo? E em que direção?4

Alguns dirão que o tempo flui lenta e densamente, outros dirão que o tempo

flui em velocidade acelerada e ocorrerá ainda que uma mesma pessoa,

dependendo do momento e das circunstâncias, pode ter a primeira ou a segunda

impressão a respeito do fluir do tempo. Dependendo até mesmo de agentes

externos, como das substâncias que estiverem circulando na corrente sangüínea,

por exemplo, a pessoa pode até mesmo dizer que o tempo flui no sentido

contrário. Disso segue-se que nossa compreensão da nossa experiência temporal

está fortemente atrelada a figura do sujeito dessa experiência, pois é ele, e não o

próprio tempo, quem vai definir internamente (em concordância com seus

sentidos e sua racionalidade) com que velocidade e em que direção flui o tempo,

e, justamente por conseqüência disso, seria impossível determinar, para efeito de

conhecimento, a verdadeira velocidade e direção do fluir do tempo.

O fato mais surpreendente disso tudo é que, mesmo não tendo todas as

explicações ou comprovações, mesmo não sabendo o estatuto ontológico dessa

experiência cronológica do tempo que “temos”, nos tornamos seres

obsessivamente cronológicos, nossos calendários e agendas não são apenas

orientações, eles tornaram-se ditadores da própria cadência de nossas vidas5, e a

grande prova disso é o fato de que a grande maioria das pessoas não come porque

tem fome, ou dorme porque tem sono, mas sim porque “está na hora”. Nas

sociedades modernas, esse conceito de tempo domina de tal forma nossas

atividades que fica a impressão de que essa linearidade cronológica é uma

necessidade do pensamento, o que está longe de ser verdade; segundo a própria

história humana nos demonstra, civilizações primitivas tinham uma noção muito

vaga sobre relógios e calendários e mesmo civilizações mais próximas a nós

tendiam a considerar o tempo como algo essencialmente cíclico na natureza. À luz

3 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões; XI 14, 17. 4 Várias passagens do livro de Price, Times Arrow and Archimedes´ Point, são dedicadas a mostrar a impossibilidade de determinação da velocidade e da direção do tal “fluir do tempo” pois toda mecânica física é reversível temporalmente. 5 Cf. Whitrow, G. J. 1993: O Tempo na História ; p. 31.

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1 Introdução 14 14

da história, nossa concepção de tempo é tão excepcional quanto nossa rejeição ao

místico6.

Como já adiantei, a origem do nosso sentido de tempo é uma questão difícil

de resolver, não somente pelo fato do tempo já ter sido considerado algo a priori,

inato, intuitivo, empírico, mecânico, deduzido científica e filosoficamente, mas

também porque as teorias que pretendem explicá-lo, dada a multiplicidade de

maneiras através das quais concebemos o tempo, nem sempre são claras quanto à

maneira de viver a experiência do tempo a que elas estão se referindo7. Definir a

existência de nosso sentido de tempo não é tão simples como definir a de qualquer

outro de nossos cinco sentidos, pois não existe um órgão específico ao qual

possamos atribuir a sensação do tempo, muito pelo contrário, pode-se observar ao

longo da história do pensamento que a intuição do tempo tem muito mais a ver

com a razão (com a mente) do que com qualquer órgão do corpo humano, e,

portanto, o próprio tempo tem sido considerado de diversas formas pelos

estudiosos, ora ele aparecerá como uma grandeza absoluta da natureza, como p.ex.

na filosofia natural e na física de Newton, ora como um sentido interno, uma

realidade subjetiva, como p. ex. na filosofia de Kant e nas propostas teóricas de

defensores de uma física atemporal como Barbour e Price, e outras tantas vezes, o

tempo aparece como uma aparentemente contraditória conjunção desses dois

aspectos, como p.ex. na filosofia de Bergson.

Ou seja, conforme define Whitrow, “embora tenhamos a sensação de

duração como a relação de continuidade entre nossos “agoras” com experiências

passadas ou expectativas futuras, não há evidência de que nascemos com qualquer

sentido de consciência temporal8” e, portanto, nossa intuição do tempo deve ser

conseqüência de um enorme esforço de superar (encarar) uma existência

animalesca num agora contínuo. Pouco importa sob qual aspecto estamos

considerando o tempo, sobressai sempre, de alguma forma, a afirmação do

instante, do presente, do “agora” – já muito bem definido por Santo Agostinho, na

Idade Média, como sendo o mais real e, no entanto, o mais efêmero dos tempos e,

portanto, de início e mais seguidamente tudo que temos de mais certo é a

6 Cf. Whitrow, G. J. 2005: O quê é o Tempo?; p. 16. 7 Cf. Ornstein, E. R. 1969: On the Experience of Time; p. 101. 8 Cf. Whitrow, G. J. 1993: O Tempo na História ; p. 17.

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1 Introdução 15 15

brevidade instantânea do agora9. O agora contínuo é, por definição, a condição

primária do homem nos moldes do bom selvagem10 e a superação desta condição

se dá, como nos esclarece Ivan Domingues, através da reflexão acerca de dois

operadores hermenêuticos fundamentais: a intuição do efêmero e o desejo de

eternidade11. Domingues esclarece que de início e mais seguidamente, o homem

sucumbiu à sua própria natureza perceptiva que não consegue lidar

satisfatoriamente com a idéia de finitude associada ao tempo e buscou negar ou

esvaziar-se desse tempo, ou seja, desta percepção sensível ligada ao efêmero, à

decadência e à morte. O homem tentou sempre refugiar-se deste existir provisório

agarrando-se ao sentimento existencial de estar ligado à algo fixo na eternidade

dentro ou fora do tempo.

Como conseqüência disso temos a certeza de que, não importa qual seja a

maneira que percebemos o tempo, essa nossa percepção do tempo é construída

culturalmente a partir da caducidade das coisas que vem a consciência através do

instinto, do hábito e da memória e tem variado consideravelmente ao longo da

história. Ou seja, mesmo hoje no mundo dominado pela ciência ocidental, onde o

tempo é um aspecto determinante da nossa visão de verdade e de realidade, é

compreensível que se suponha, de um modo geral, que ele – o tempo - seja

intuitivamente óbvio e real. Mas, como se pode comprovar na história, isso está

longe de ser verdade.

Mais do que investigar a nossa percepção do tempo é necessário para uma

análise filosófica do tempo investigar também as condições a priori da nossa

experiência do tempo e, nesse ponto, o pensamento cientifico ocidental se torna

um grande obstáculo e, portanto, é tarefa da filosofia formular os problemas

ontológicos que o modelo estrito da ciência “ignora12”.

Essa doutrina subjetiva ligada ao tempo cria no modelo cientifico um

obstáculo intransponível ao acesso da realidade e, portanto, a ciência se viu

forçada a colapsar essas duas noções – tempo e experiência de tempo – sob

ameaça de perder seu título de “portadora da verdade”. A ciência descaracteriza

9 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões; Livro XI, Cap. 20. pág 322-328.. 10 É significativo o fato de Rousseau, que exaltava a figura do bom selvagem, ter detestado o tempo e jogado fora seus relógios. Cf. Whitrow G.J. 2005: O quê é o Tempo?; p. 19. 11 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); Cap 1 pág. 19 12 Cf. Alquié, F. 1970: L’Expérience; p. 6.

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1 Introdução 16 16

totalmente em sua abstração temporal o papel do experienciador, ou seja, do

sujeito das experiências. Dentro do modelo científico a realidade circunscreve-se

no reino das aparências, das experiências e projetar qualquer coisa para fora destes

limites é rebaixá-la imediatamente ao nível de mera especulação mística ou

religiosa e/ou experiências induzidas por drogas.

O problema das condições a priori da experiência, tampouco da experiência

do tempo, obviamente, não é formulado pela ciência, e não poderia sê-lo, sem que

ela pagasse o preço da estagnação de seus próprios projetos13. Mais além do

meramente “transcendental”, o problema do caráter ontológico do que quer que se

considere como constitutivo da Experiência Humana, não pode ser endereçado à

ciência. Hoje, segundo observam alguns cientistas, a Física “suspende”

notoriamente a questão ontológica, comportando-se como deve se comportar toda

ciência, ou seja, como a arte de fingir que aquilo sobre o quê versam suas teorias

não faria diferença para as previsões e os resultados obtidos14.

É notório que cada campo do saber atribui a termos como “experiência” e

“tempo” concepções que muitas vezes são divergentes entre si; na própria ciência

o termos “experiência” e “tempo” são utilizados em larga escala. O termo

experiência é geralmente utilizado como sendo aquilo que fornece um testemunho

empírico de uma teoria, muito diferente da complexa noção de experiência da qual

trata a filosofia, por exemplo. Como dito anteriormente, a ciência, ao ignorar os

aspectos metafísicos da experiência, abre mão de grande parte dos problemas e

reduz sua tarefa a mera replicação dos experimentos, deixando boa parte do

trabalho conceitual para a filosofia.

No âmbito acadêmico, a questão sempre esteve, e ainda está,

permanentemente em pauta e ambos, filósofos e cientistas, como p.ex. Huw Price,

no seu livro Time´s Arrow and Arquimedes´s Point, vem salientando a delicada e,

por vezes, ingrata tarefa que é conceituar corretamente o tempo, e a experiência

que deriva dele em si mesma, já que somos todos criaturas no tempo e, justamente

por estarmos dentro - sermos parte integrante dessa experiência temporal15

que

13 Cf. Alquié, F. 1970: L’Expérience; p. 6. 14 Cf. Bell, J. S. 1987: Speakable and Unspeakable in Quantum Mechanics; p. 30. 15 Essa mesma que dizemos “ter” ou “experimentar”.

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1 Introdução 17 17

tentamos conceituar - do tempo, não temos exatamente um ponto de vista

privilegiado para tal empresa16.

Esse trabalho se sustenta, portanto, principalmente acerca de dois conceitos

fundamentais: tempo e experiência. Tempo, na medida em que visa responder a

pergunta: - Qual a verdadeira natureza do tempo? Ou seja, o quê vem a ser o

tempo em si mesmo, fora do âmbito da subjetividade, e experiência, na medida

em que visa responder a pergunta: - O quê é a nossa experiência do tempo? E,

subseqüentemente, a pergunta a respeito de em que tempo se dá nossa

experiência, se é que ela se dá efetivamente em algum tempo17.

Deste modo, não podemos deixar de nos perguntar pela natureza de algo tão

determinante para vida humana: a experiência de tempo e fazê-lo é,

necessariamente, abordar também e os dois principais termos que a definem, o

instante, como o momento atual, e a duração, como testemunho do passado e

expectativa temporal do futuro.

Ao envolver-se com uma análise filosófica sobre a natureza do tempo e da

experiência que lhe compete é inevitável que nos depararemos com esses

conceitos - instante e duração - a todo momento, uma vez que são eles a referência

primária a toda e qualquer tentativa de discurso acerca da experiência temporal e a

prova disso é o fato de que, para nós ocidentais, as descrições das experiências

temporais se dão de maneira radicalmente dual, onde a palavra instante remete

necessariamente a intensidade de uma sensação e a duração remete

necessariamente a multiplicidade de sensações. Com isso renovou-se também,

principalmente nos séculos XIX e XX, o interesse pela natureza da memória,

caracterizada como instrumento que possibilitaria essa constante sensação da

duração e sucessão do tempo e no tempo. O século XIX deu à idéia de sucessão

temporal uma importância inédita jamais vista na vida e no pensamento

humano18. No decorrer deste século, pode-se observar que a própria noção de

16 Cf. Price, H. 1996: Time´s Arrow & Archimedes´ Point. p. 4 17 Pois, como se verá adiante, essa não é bem a posição que tentarei defender aqui; em oposição a isso tentarei mostrar como essa nossa experiência temporal é, em si mesma, atemporal, ou seja, não se dá em tempo nenhum. 18 Cf. Whitrow, G. J. 1980: The Natural Philosophy of Time; pp. 190-191.

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1 Introdução 18 18

verdade tendeu a ser considerada dependente do tempo, ao contrário da antiga

visão em que era considerada imutável e eterna19.

Quando questões como verdade e memória se apresentam como possíveis

pistas ou soluções para os dilemas do tempo, percebemos o quanto a cultura, a

moral, a religião e os hábitos nos separaram, principalmente em ocidentais e

orientais, no que se refere ao tipo de abordagem que temos com relação a estas

questões.

No oriente temos toda a tradição budista e hinduísta que carrega consigo

concepções como a da Momentaneidade de Todas as Coisas, que, conforme a

apresentação de Whitrow, postula que tudo existe num único instante de tal modo

que qualquer forma existente é igualmente uma forma momentânea. Esse conceito

budista de “entidades que aparecem por apenas um instante e depois

desaparecem” era usado para provar que tudo é mera aparência e que a realidade

absoluta escapa ao domínio do intelecto20. Vê-se nas doutrinas religiosas do

oriente um claro privilégio da vertente instantânea da experiência temporal.

No ocidente, ao contrário do que se vê no oriente, houve um privilégio da

vertente duradoura da experiência temporal e as ciências, a filosofia e as religiões

desenvolveram-se com base nessa suposta durabilidade e irreversibilidade do

tempo, as ciências experimentais, no entanto, preferiram ignorar os problemas do

tempo e concentrar-se apenas na suposta “ordem eterna que rege a natureza21

” e,

usando para isso, o tempo apenas como a referência, a escala para marcar

diferentes posições ou alternações de movimento22.

E é justamente pelo fato de ter predominado nas nossas sociedades essa

vertente experimental do conhecimento, ou seja, do tempo em função de um

movimento físico de um corpo, que qualquer definição de “eu”, dada por qualquer

individuo – um “eu” qualquer –, em função de sua própria experiência do tempo,

será imediatamente associada por ele a existência física de seu corpo e as

diferentes posições que este corpo ocupará em movimento ou repouso. Este é o

19 Cf. Whitrow, G. J. 1993: O Tempo na História; p. 190-196. 20 Cf. Whitrow, G. J. 1993: O Tempo na História; p. 104. 21 Como mais tarde explicaria Hume, os hábitos que depositamos na natureza na forma de Lei. 22 Cf. Piettre, B. 1994: Filosofia e Ciência do Tempo; p. 11.

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1 Introdução 19 19

fundamento por trás da leitura darwiniana23 da relação entre um organismo vivo –

entendido como uma máquina de sobrevivência com funcionamento integrado – e

o meio ambiente.

Os adeptos contemporâneos deste tipo de teoria definem o Ser Humano

como esta “máquina viva” dotada de uma capacidade sofisticada de

processamento de dados que lhe confere a capacidade de conhecer o mundo e o

seu papel nele; e não é difícil perceber qual o papel que ocupa o tempo numa

teoria focada num processo de evolução em decorrência. Como demonstrado

anteriormente, para a ciência, existe uma adequação tal que a minha experiência

de tempo é estritamente aquilo mesmo que o tempo é, excluindo-se, é claro,

quaisquer condições particulares às quais o observador em questão possa estar

sujeito no momento da experiência e que possam ser determinantes para que haja

uma discrepância entre a descrição do tempo e o tempo medido no relógio.

Segue-se disso que a verdadeira questão sobre o quê é realmente (em si

mesmo) o tempo escapa, ou melhor, fica presa na figura de um “eu” que não se

distingue dessa entidade evolutiva física, cultural e psicológica. É igualmente

impensável para o modelo clássico de ciência dimensionar a natureza humana

para algo além dessa entidade evolutiva, mas como nos mostra Whitrow, essa é

apenas uma das possíveis maneiras de encarar a questão. Dentro desta perspectiva

poderíamos dizer algo como: Dentro da sucessão temporal eu sou aquilo mesmo

que permanece o mesmo em todos os tempos somado-se a esta mente que se

reidentifica como sendo ela mesma a cada tempo.

Por outro lado há algo manifesto na vida humana que indica que há mais

coisas por trás daquilo que podemos experimentar, a lista das coisas que são reais

ainda que delas não possamos ter experiência direta é extensa (campos

eletromagnéticos, energias...) e o próprio fato da nossa idéia de tempo ser um

construto cultural mutável ao longo da história já é um bom indício de que a

realidade sobre o que quer que seja o tempo não se restringe àquilo que chamamos

de experiência temporal.

23 A teoria da Evolução das Espécies por meio da Seleção Natural, apresentada por Darwin no século XIX, é considerada uma revolução filosófica no conceito de “vida”, principalmente, no que diz respeito ao tempo necessário para a sobrevivência das espécies.

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1 Introdução 20 20

Algumas ciências ocidentais, como a psicanálise p.ex., reconhecem que essa

experiência temporal consciente descreve apenas uma parcela daquilo que nós

somos verdadeiramente e, em vista disso, projetam, para além do consciente, uma

esfera complementar de nossa natureza, que é imutável e atemporal; o dito

inconsciente, seja este inconsciente individual ou coletivo, como afirmaram Freud

e Jung, respectivamente.

A própria reflexão lógica consciente parece indicar que o tempo não pode

se comportar exatamente como nós o percebemos. Em primeiro lugar, nós

percebemos o tempo como algo contínuo e logicamente isso é complicado de se

justificar uma vez que em qualquer intervalo finito de tempo deve poder haver um

infinito de momentos, dependendo apenas da velocidade de captura destes

momentos; quanto mais veloz a captura, mais momentos teremos dentro do

mesmo intervalo e, por menor que seja a distância entre dois destes momentos,

entre eles sempre deverá poder haver uma infinidade de outros momentos, ou seja,

por menor que seja o intervalo entre dois momentos de tempo eles nunca se

tocam, nunca são contínuos entre si. Como poderia um tempo realmente contínuo

ser composto de momentos (instantes) discretos entre si? Outro impasse lógico é a

própria definição de instante, se imaginamos que instante é algo que tem duração

unitária, então qual seria a duração do real de um instante: 1 segundo, 0,1

segundo, 0,01 segundo? E se imaginarmos que o instante é algo que não tem

duração, então como imaginar uma linha duradoura de tempo formada da

justaposição de instantes que em si mesmos não tem duração alguma?

O fato é que nem a ciência e nem as concepções místicas e religiosas nos

fornecem respostas definitivas para esse tipo de questionamento e nós, Seres

Humanos, nos encontramos bem no meio deste embate entre forças, estamos

presos entre a cruz e a espada, entre o céu e o inferno, entre o eterno e o temporal.

Nós, enquanto Seres Humanos, sentimos, frente à caducidade de todas as

coisas, que nossa permanência a curto prazo está atrelada a reidentificação de nós

mesmos na realidade objetiva (experiência de tempo), mas só a eternidade (não-

tempo) pode nos garantir uma permanência a longo prazo.

Não podemos esperar que o homem ocidental renegue sua maneira própria

de conhecer o mundo em favor de concepções místicas do oriente, mas, de igual

maneira, não podemos entregar, sem pedir em troca satisfações, nossas certezas

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1 Introdução 21 21

àquela parcela da ciência ocidental, que mesmo após a relatividade24, ignora uma

vertente fundamental do nosso Ser. Mas será que é possível de fato ao homem

transpassar o seu ponto de vista temporal e vislumbrar o eterno?

Não importando qual seja a resposta desta pergunta, parece-me que é

objetivo comum da filosofia e das ciências, que estejam comprometidas com a

verdade, romper com a esfera do “parece Ser”, ou simplesmente falando, com as

esferas de compreensão parcial do “Ser”, para entrar na esfera do “Ser” e parece-

me que o caminho para isso é compreender qual é a relação fundamental entre o

temporal e o eterno e qual a verdadeira natureza do Ser do humano dentro destas

perspectivas dicotômicas que o constituem.

24 Pois embora a relatividade coloque o tempo dentro de uma perspectiva relativa a um observador (tempo relativo), o universo continua sendo determinado por uma rede de causa e efeitos específicos e independentes de qualquer ponto de vista.

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2 A formulação da questão do tempo

2.1. A temática do tempo na Filosofia Grega

Segundo observado anteriormente, é notória a percepção de que a

humanidade tem vivido há séculos imersa numa constante tensão entre o temporal

e o eterno, uma batalha que é travada secretamente nos mais escuros e nebulosos

cantos do espírito humano, se por um lado a permanência a curto prazo pode ser

garantida pela simples reidentificação primária na experiência, a experiência de

decadência e morte das coisas remete o espírito a sua própria finitude e o faz

pensar no eterno, como a única instância capaz de livrá-lo da extinção. O eterno

aparece então fortalecido pelo fato de que, por mais concreta que possa nos

parecer uma percepção, ela é sempre uma impressão gravada em nós pelos nossos

sentidos e, portanto, é passível de falha e pelo fato de que a própria lógica racional

vê falhas irreconciliáveis entre a maneira como as coisas deveriam ser idealmente

e a forma como nós as percebemos quando fazemos nossas reflexões a respeito da

natureza e propósito de nossas vidas.

É interessante perceber que esta tensão esteve sempre presente nas mais

distintas culturas humanas e, até mesmo em sociedades que não tinham uma idéia

sólida de tempo, havia uma preocupação intrínseca do homem em preservar a si

próprio, e ao seu semelhante, frente à morte, o que é um sinal claro do conflito

temporal (talvez ainda inconsciente) que já existia, e existe, dentro de cada Ser

Humano.

Há evidência de que mesmo o homem de Neanderthal, precursor do Homo Sapiens, enterrava seus mortos e talvez até enterrasse junto aos corpos aquilo de que eles possivelmente precisariam no futuro. Quanto à nossa própria espécie, a evidência mais antiga, de aproximadamente 35 mil a.C., revela que o ritual de sepultamento já era um ritual estabelecido. Os mortos não só eram enterrados com armas, ferramentas e ornamentos, mas também com comida, que muitas vezes faria falta aos vivos. Em alguns túmulos encontrados, o corpo estava coberto com um pigmento vermelho, sem dúvida uma tentativa mágica de dotar o morto com a cor sanguínea da vida, na esperança de evitar sua extinção física. Em geral enterrava-se o corpo agachado, talvez inspirando-se na idéia de que o morto estava sendo

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2 A formulação da questão do tempo 23 23

colocado no ventre da Mãe Terra para um renascimento futuro. Essa explicação do sepultamento de nossos ancestrais remotos é questionável, mas pode ser uma indicação das origens da concepção cíclica da vida25.

Em linhas gerais esse conflito interno humano foi o motor da história do

tempo no pensamento humano e até os próprios Deuses foram criados para

preencher as lacunas deixadas em aberto pelos limites do nosso entendimento. O

Tempo foi interpretado de tal forma que os homens submetidos a essa atmosfera

de temporalidade foram levados a formular explicações que dessem conta desta

experiência, sem que, todavia, a questão metafísica a priori da experiência do

tempo fosse decifrada ou resolvida, de fato ela não era sequer proposta neste

momento da história humana.

Foram necessárias décadas de luta contra esse mal temporal para que a

humanidade atingisse uma maturidade filosófica capaz de formular o problema do

tempo em moldes mais precisos. É perceptível que, ao longo da história, os

homens fizeram de tudo para pôr-se à margem do tempo e olharam sempre para

história com ar de desconfiança. Nas sociedades primitivas, nos grandes impérios

do oriente, na antiguidade clássica, no ocidente cristão e no mundo islâmico o

tempo e a história foram muitas vezes vistos como potências demoníacas com

todas as guerras, doenças, sofrimento e morte. A extensão desse sentimento

negativo nos sugere mais do que uma mera resistência ao tempo, revela também

uma disposição profunda da natureza humana para barrar o tempo e subtrair-se

dele, sob pena de nele desintegrar-se por completo.

É fundamental ressaltar que a idéia arcaica de tempo não é necessariamente

uma noção de um tempo irreversível, pelo contrário, nas civilizações antigas e, até

mesmo, na Grécia vigoravam idéias de um tempo cíclico, o eterno retorno do qual

nos fala Mircea na sua obra O Mito do Eterno Retorno26.

25 Whitrow, G. J. 2005: O quê é o Tempo?; p. 18, 19. 26 Cf. Mircea, E. 1992: O mito do eterno retorno; p. 6.

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2 A formulação da questão do tempo 24 24

É na Grécia que o pensamento acerca do tempo começa a ganhar dimensão

maior e que a experiência do tempo é modalizada para atender os mais

diversificados ramos da experiência temporal, aquele conflito fundamental entre o

temporal e o eterno se fazia presente na forma de que tínhamos, de um lado, o

ponto de vista de Zeus, a ordem lógica, reversível e eterna das coisas; do outro

lado tínhamos o ponto de vista de Cronos, na sua ordem temporal, irreversível e

efêmera. A partir desses dois protótipos mitológicos, o homem grego

fundamentou suas ontologias e criou modelos interpretativos de sua circunstância,

deles extraindo diretrizes para a compreensão do sentido último de sua própria

presença no universo.

O grego, não satisfeito com sua condição, tratou de ampliar o léxico do

tempo, com a introdução de termos que traduzem novos aspectos da experiência

da temporalidade, ou seja, modalizam o tempo.

A primeira, e mais importante, modalidade de tempo grega explicitada por

Ivan Domingues, ainda bastante familiar a nós modernos, é krónos. Essa

modalidade de tempo foi introduzida por Hesíodo nas suas principais obras,

intituladas Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, nas quais krónos é descrito como

“o deus de pensamentos funestos”, “a divindade que devora seus próprios filhos”,

“o mais temível filho dos céus”. Sobre esta designação, Ivan Domingues afirma

ter-se instalado uma polêmica27, não se sabe ao certo se krónos era o deus do

tempo efetivamente, ou apenas uma aplicação da terminologia chrónos (grifada

com chi) de Homero, que significava, segundo a interpretação de Lloyd, intervalo

de tempo28. A tradição religiosa da Grécia se encarregou de dar livre curso à

divinização do tempo.

Outra concepção de tempo antiga, aparentemente sem relação com as

concepções presentes nas obras de Hesíodo e Homero, é o chrónos da teologia

órfica, este sim, um deus, que deu origem à noção de um tempo que não

envelhece, imortal, imperecível e eterno29.

As modalidades de tempo gregas são, quanto ao seu caráter qualitativo,

baseadas em termos de ressonância mitológica, essa influência mítica na

27 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 29. 28 Cf. Lloyd. 1975: Le temps dans la penseé grecque; pág. 136. 29 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 30.

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2 A formulação da questão do tempo 25 25

experiência da temporalidade resulta na formação de um núcleo semântico

primitivo e um tanto confuso, capaz de reunir visões aparentemente distintas

como o krónos homérico-hesiódico e o chrónos órfico30.

Outra figura mitológica que se junta a este núcleo semântico é okéanos, o

rio do tempo que escoa sem cessar e arrasta tudo em seu leito insaciável de morte.

Tais tradições foram sintetizadas por Cícero numa máxima famosa: “o deus que

engole seus próprios filhos é o próprio tempo, o tempo insaciável de anos, que

consome todos que nele se escoam31”.

Além destes, temos ainda o termo aión, palavra que designa “a duração da

vida32”, a idade ou a geração. Este termo viria mais tarde, em Platão e outros

pensadores, a adquirir certa carga ontológica ao designar “eternidade” enquanto

duração de vida da phýsis33. Dois outros termos Homéricos merecem destaque no

que diz respeito ao tempo, êmar, utilizada para designar a duração do dia, e hóra,

usada para designar as estações do ano e o momento correto para realizar uma

ação, uma atividade. Semelhante a este último, temos o termo kairós, de uso

corrente entre os sofistas, que designa o momento oportuno para tomada de

decisão.

Estas modalidades gregas do tempo, além de nos ajudarem a compreender o

aprofundamento da experiência da temporalidade, permitem-nos esclarecer

também o sentido da evasão do tempo empreendida pelos gregos. É perceptível a

ligação entre o pensamento grego e o arcaico no que diz respeito à temporalidade.

A idéia de efêmero, por exemplo, também existe na Grécia: ephemérios e

epheméros - o que dura um dia34 -, são termos que podem ser aplicadas a homens

ou coisas. Além disso, os gregos, bem como os arcaicos, puseram-se em busca de

um plano superior de realidade para onde pudessem escapar da cruel sensação de

finitude: a ordem da eternidade35.

A primeira, e mais eficaz, forma de evasão grega é a religiosidade fundada

na crença da transmigração da alma, alma que depois da morte renasceria em

outro homem, animal ou vegetal. Poderemos ver também em Platão, por exemplo,

30 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 30. 31 Cf. Attali, J. 1982: Histoires du temps; p. 33. 32 Cf. Lloyd. 1975: Le temps dans la penseé grecque; pág. 136. 33 Cf. Lloyd. 1975: Le temps dans la penseé grecque; pág. 136. 34 Cf. Lloyd. 1975: Le temps dans la penseé grecque; pág. 136.

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2 A formulação da questão do tempo 26 26

que os gregos esperavam que, como recompensa por uma série de existências

santas, esse ciclo de reencarnações tivesse um fim onde as almas pudessem

usufruir de uma imortalidade imóvel36. É interessante perceber aqui nessa evasão

religiosa, uma semente do que virá a ser o pensamento medieval acerca da questão

do tempo e da imortalidade da alma. No pensamento medieval a ascensão à ordem

da eternidade também se dá através da alma após a morte.

Outras formas de evasão do tempo que podem ser destacadas são as evasões

na obra e na ação, a dedicação à obra de arte, a ação moral e a política. Todas

estas baseadas na crença de que o homem passa, mas a obra fica; a reputação ou

excelência de uma obra ou ação pode resistir ao tempo e durar infinitamente37.

Temos, portanto, formado o solo onde a mentalidade do homem medieval

vai florescer. Desde as sociedades arcaicas, passando pela Grécia e chegando

finalmente à Idade Média, onde, com o advento do cristianismo, as discussões

intelectuais ficam, de início, a cargo dos Padres da Igreja Católica, questões como

tempo, eternidade e finitude formavam o foco dos debates e das construções

mitológicas e estas mesmas questões serão novamente colocadas em pauta à luz

da cultura judaico-cristã e, embora seja possível constatar uma certa continuidade

das idéias gregas de tempo cíclico até uma data bastante avançada da Idade

Média, a experiência da temporalidade vai ganhar, de vez, um caráter linear e

irreversível. É só no pensamento medieval, na figura de Santo Agostinho, que a

questão do tempo virá a ter sua formulação definitiva.

Sobre o tempo, concluía Platão com a afirmação que se segue, deixando

como seu legado para o pensamento medieval o destaque radical entre a

eternidade (imóvel, atemporal, uno, discreto) e o tempo (móvel, cronológico,

plural, sucessivo).

Ora, a physis do modelo vivo era eterna, e adaptar inteiramente essa eternidade a um mundo engendrado, era impossível. Eis porquê o seu autor preocupou-se em artefazer uma certa imitação móvel da eternidade e, organizando o céu, fez da eternidade imóvel e uma, esta imagem eterna que progride segundo a lei dos números, esta coisa que chamamos o Tempo38.

35 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 32. 36 Cf. Lloyd. 1975: Le temps dans la penseé grecque; pág. 138. 37 Cf. Lloyd. 1975: Le temps dans la penseé grecque; pág. 143. 38 Cf. Platão. Timeu; 37d.

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2 A formulação da questão do tempo 27 27

2.2 A concepção medieval do tempo e a sua presença da obra de Agostinho

Ao longo de todo o período medieval, os conceitos de tempo cíclico e linear existiram em conflito. Os cientistas e eruditos, influenciados pela astronomia e pela astrologia, tendiam a enfatizar o conceito cíclico. A concepção linear era promovida pela classe mercantil e pela ascensão de uma economia monetária. Pois enquanto o poder se concentrava na propriedade da terra, o tempo era considerado abundante e associado ao ciclo imutável do solo. Mas com a circulação da moeda deu-se ênfase à mobilidade. O ritmo de vida aumentou, e o tempo passou a ser considerado algo valioso que parecia escapar continuamente39; A tradição judaico-cristã foi efetivamente a responsável pela solidificação

de um caráter linear e irreversível na noção ocidental de tempo ao marcar o

nascimento e a morte de Cristo como eventos irrepetíveis em seu caráter divino.

Antes desta, somente os Hebreus e os Zoroastras da Pérsia adotavam essa visão

progressiva de tempo. E mesmo quando comparada com essas duas linhas de

pensamento, vemos que a linearidade do tempo cristão é muito mais livre das

influências cíclicas, pois a ênfase na não-repetição dos eventos citados acima era a

própria essência do cristianismo.

O cristão, portanto, crê que o mundo foi criado, uma idéia alheia ao

pensamento grego. Os gregos contemplavam a natureza, a physis, e procuram

explicá-la. Sua cosmogonia serviu, sobretudo, para explicar a origem do mundo,

sem, entretanto, necessitar recorrer à idéia de criação.

Plotino, o grande pensador neoplatônico, pensou algo que tem certa

analogia com a idéia de criação: trata-se do que ele chamará de emanação. O

princípio capital de Uno - mais ou menos o equivalente à divindade – produz,

segundo Plotino, todo o restante por emanação.

Para entender as teorias filosóficas de Santo Agostinho acerca do tempo é

preciso, além de estabelecer os nexos de significado com a filosofia grega,

entender o campo semântico e as novas modalidades de tempo que pensa o

homem medieval dos primeiros séculos da era cristã.

O primeiro conceito medieval de tempo é expresso através do termo latino

tempus, que designa duração, ou seja, uma noção de tempo genérico que apenas

39 Cf. Whitrow, G.J. 2005: O quê é o tempo?; p. 25.

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2 A formulação da questão do tempo 28 28

delimita espaços de tempo. Esse termo se assemelha também às noções de época,

era, período, hora, instante, estação do ano, mas sobretudo esse termo tempus se

assemelha ao kairós grego, pois também indica o momento oportuno ou

favorável40. Essa reafirmação do kairós grego desempenha papel importante na

teologia cristã dos primeiros séculos; São João usara este termo para designar o

instante primordial de uma decisão divina, por exemplo, o kairós do nascimento,

morte e ressurreição de Cristo41.

O segundo conceito de tempo pensado pelos medievais é expresso através

dos termos aeternitas (subst.) e aeternus (adj.), os quais designam eternidade,

uma dimensão de contraste ao tempo. É interessante perceber que os pensadores

cristãos, inclusive Santo Agostinho, interpretam esta expressão como designando

uma ordem eterna transcendente ao tempo, uma ordem divina42.

Existe ainda a expressão aevum, cujo significado se aproxima do de tempus.

Os romanos empregavam esta expressão para designar desde o “tempo em sua

duração contínua e ilimitada”, como em Horácio, passando por “duração da vida”,

como em Cícero, até virar, na teologia cristã, uma ordem intermediária entre o

tempo e a eternidade43.

Estes três termos correspondem às três modalizações de tempo que Santo

Agostinho desenvolve em suas obras, dentre as quais Confissões é a mais

significativa e conhecida. Esta obra foi escrita dez anos depois da conversão de

Santo Agostinho ao cristianismo e compõe-se de 13 livros. Inicialmente estava

composta somente dos nove primeiros livros, que compreendem sua

autobiografia, depois foram acrescentados o livro X, no qual Agostinho faz uma

análise psicológica de seu estado de espírito no momento em que escrevia, e os

livros XI, XII e XIII, onde ele faz comentários sobre os primeiros versículos do

livro do Gênesis.

40 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 36. 41 O momento primordial para o homem que quebra a singularidade, que junta o tempo e a eternidade, numa abertura para o futuro já decidido no presente e uma espera já realizada no presente, na presença de Cristo. Cf. Pattaro,G. 1975: La conception chrétienne du temps; p. 196-203. e Cf. Le Goff, J. 1984 : Passado/presente. Pág 302 42 Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 36. 43 Ivan Domingues aponta o exemplo de que em São Tomás de Aquino, aevum aparece como a dimensão temporal dos Anjos. Cf. Domingues, I. 1996: O fio e a trama (reflexões sobre o Tempo e a História); p. 36.

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2 A formulação da questão do tempo 29 29

A questão acerca do tempo está colocada de maneira brilhante no décimo

primeiro livro das Confissões, Agostinho, ainda seguindo uma linha de análise

psicológica, coloca a questão do tempo da forma que o pensamento cristão tende a

colocá-la, associada às idéias de criação e de eternidade, dando assim a

formatação definitiva ao questionamento acerca da natureza do tempo.

É a partir da compreensão e análise desta trindade “tempo, criação e

eternidade” que podemos entender a importância filosófica dos últimos livros

desta obra de Agostinho, pois são eles que nos colocam mais diretamente em

contato com o lado psicológico do autor, e são eles também que deixam

transparecer melhor os conceitos filosóficos que regem a experiência sensível da

temporalidade, bem como os pressupostos metafísicos envolvidos, os quais

pretendo analisar à seguir.

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2 A formulação da questão do tempo 30 30

2.3 O conceito de tempo e a sua relação com as idéias de criação e de eternidade

O principal pressuposto para a compreensão da questão do tempo exposto

nos nove primeiros capítulos do livro XI das Confissões consiste na compreensão

da concepção agostiniana de Deus, como criador de tudo, inclusive do próprio

tempo. Santo Agostinho enfatiza, em sua interpretação do Gênesis, a proposição:

“No princípio criou Deus o céu e a terra44”.

Esse versículo bíblico trata, fundamentalmente, da existência da matéria

informe ou matéria prima aristotélica. Santo Agostinho esclarece que, por céu

deve-se entender alegoricamente os seres espirituais que gozam da vista de Deus;

por Terra a matéria ainda privada de forma e de onde vieram os seres corpóreos

dotados de formas várias45. Além disso, baseando-se na afirmação de que no

segundo dia da criação se fez o firmamento Agostinho conclui que “Céu” no

versículo primeiro refere-se ao céu intelectual, onde esta situada a inteligência e

onde há possibilidade de conhecimento46.

O problema gnosiológico é profundamente presente nesta análise de

Agostinho, que o resolve, superando o seu ceticismo acadêmico mediante o

iluminismo platônico. Inicialmente, ele conquista uma certeza: a certeza da

própria existência espiritual, e daí tira uma verdade superior, imutável, condição e

origem de toda verdade particular. Embora desvalorizando, platonicamente, o

conhecimento sensível em relação ao conhecimento intelectual, admite Agostinho

que os sentidos, tal qual o intelecto, é fonte de conhecimento. E como para a visão

sensível, além do olho e da coisa, é necessária a luz física, do mesmo modo, para

o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta vem de Deus,

é a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias

platônicas. No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idéias, as espécies,

os princípios formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e

conhecemos as verdades eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz

intelectual a nós participada pelo Verbo de Deus. Como se vê, é a transformação

do inatismo, da reminiscência platônica, em sentido teísta e cristão. Permanece,

44 Gênesis 1, 1. 45 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XII p. 351, 352. 46 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XII p. 351, 352.

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2 A formulação da questão do tempo 31 31

porém, a característica fundamental que distingue a gnosiologia platônica da

aristotélica e tomista, segundo a gnosiologia platônica-agostiniana, não bastam,

para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais do

espírito, mas é absolutamente necessária em qualquer tentativa de conhecimento

intelectual uma particular e direta iluminação de Deus. Esse processo de

iluminação é amplamente citado ao longo das Confissões, uma das primeiras

questões filosóficas que aparecem no livro X das Confissões é a da iluminação,

que aparece em Agostinho como aquilo que possibilita ao homem o bem: “As

obras boas são tuas obras e teus dons; as más são delitos meus e juízos vossos47”

No capítulo três do livro onze das Confissões, ao tratar da compreensão da

mensagem de Moisés aos cristãos, Santo Agostinho deixa transparecer novamente

a idéia de iluminação divina do conhecimento, como o canal de comunicação

direta entre a divindade e o domínio do pensamento:

A mesma verdade, que não é hebraica nem grega, nem latina, nem bárbara, dir-me-ia interiormente, dentro do domicilio do meu pensamento, sem o auxilio dos órgãos da boca e da língua, e sem o ruído de sílabas: “Moisés fala a verdade”. E eu, imediatamente, com toda a certeza e confiança, diria aquele vosso servo: “Dizeis a verdade”48.

Em seguida Agostinho desenvolve a questão da criação com o argumento de

que todas as coisas “dizem-nos” que foram criadas porque estão sujeitas a

mudanças e vicissitudes (um modelo ou regra de existência). Em outras palavras,

tudo o que hoje existe, independentemente do caráter de sua criação49, existe pois

sofreu e vem sofrendo, desde sempre, mudanças e vicissitudes. Estas coisas são

proclamadas ‘criadas’, pois não podem ser, elas mesmas, a causa primeira do seu

modo de existência. Esse argumento se firma no impasse lógico de que não

poderíamos existir antes de existir, para que nos pudéssemos criar a nós

mesmos50, conforme esclarece o professor doutor Sérgio Castilho Fernandes em

seu ensaio sobre Antropologia Filosófica, o estatuto ontológico de todas as coisas

47 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro X Cap. 4 p. 262. 48 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 3 p. 313. 49 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 3 p. 314. nota.

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2 A formulação da questão do tempo 32 32

existentes é sempre o de criatura, entendido como a extensão do Ser enquanto

experiência51.

Existencialmente o Ser Humano ocupa o lugar de “criatura”, não somos os

responsáveis pela existência do universo e nem de nós mesmos. Nossa relação

com o mundo é sempre de “transformação”, de “artesanato” e nunca de “criação”.

Não podemos dizer, definir, ou conhecer, estritamente falando, o que a verdade é,

precisamente porque não somos os criadores da mesma, somos “criaturas”

advindas da mesma verdade que buscamos dizer (conhecer)52.

Para o Santo Doutor, as criaturas foram tiradas do nada num só momento,

ainda que algumas tenham sido criadas em sua forma perfeita e outras apenas em

potência. E o instrumento que aparece, mais uma vez, como a possibilidade dessa

criação do nada é o Verbo de Deus, a dimensão das idéias perfeitas platônicas.

“Portanto, é necessário concluir que falastes, e os seres foram criados. Vós os

criastes pela vossa palavra!53”, nas palavras do próprio Santo Agostinho.

Quanto à natureza de Deus e do Verbo divino, Agostinho possui uma noção

ortodoxa cristã: Deus é poder racional infinito, eterno, imutável, simples, espírito,

pessoa, consciência, o que era excluído pelo platonismo. Deus é ainda ser, saber,

amor. Quanto, enfim, às relações com o mundo, Deus é concebido exatamente

como a figura do livre criador. No pensamento clássico grego, existe um dualismo

metafísico; no pensamento cristão - agostiniano – há ainda um dualismo, porém

moral, no cristianismo, o mal é, metafisicamente, negação, privação; ou seja, se a

figura de um Deus bom está associada ao Ser, o mal seria a esfera do Não-Ser.

Esse Verbo divino que deflagra a criação é, segundo Santo Agostinho, co-

eterno com o próprio Deus. Deus e o seu Verbo criador são simultâneos e eternos,

e tudo que o Verbo diz, leia-se cria, ele o faz eternamente e simultaneamente à

existência do próprio Deus, ou seja, Deus desde sempre quis, e ainda hoje quer,

50 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 4 p. 314. 51 Cf. Fernandes, S. L. de C. 2005: Ser Humano – Um Ensaio em Antropologia Filosófica. p. 37, 38. 52 É interessante perceber que esta tese vista de uma perspectiva ontológico-existencial, dá suporte a tese defendida pelo professor Sérgio L. de Castilho Fernandes, que ao tratar da criação, a posiciona numa esfera atemporal, onde o ato de criar, nada mais é do que uma extensão do Ser enquanto experiência. O próprio Santo Agostinho virá a concluir, mais tarde, que o tempo não pode preceder à criação e que mesmo o tempo “pós-criação” não passa de uma ilusão categorial da mente, do pensamento e da linguagem. Cf. Idem. 53 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 5 p. 315.

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2 A formulação da questão do tempo 33 33

realizar a obra da criação e é esse desejo de criação que o seu Verbo manifesta

através de nós, discípulos do Verbo, experiência viva da criação. É justamente

essa relação eterna e simultânea entre Deus e o Verbo da criação que tira o sentido

de perguntas como: Mas o que seria então esse instante “antes” da criação e o que

fazia Deus nesse momento “anterior” à criação? E se a vontade de Deus é eterna e

imutável, por que as criaturas não são eternas?

Santo Agostinho, ao propor as supostas perguntas citadas acima, visa

mostrar que não faz sentido falar de um instante antes da criação, ou o que fazia

Deus antes da criação. Falar de instante anterior, momento antes da criação

pressupõe uma noção de tempo que pudesse medir a eternidade da graça do

próprio Deus, coisa que para Santo Agostinho é inviável. Na concepção do Santo

Doutor, só Deus e sua vontade de criar, que faz parte de sua substância, existem

eternamente, e Deus nenhuma criatura criava antes de criar o tempo em que criava

alguma criatura, ou seja, antes do tempo da criação não havia tempo, não havia

nada que pudesse qualificar-se como anterior. Logo, Deus nada fazia antes do

Verbo se tornar matéria, da criação se consumar54.

Efetivamente fostes Vós que criastes esse mesmo tempo, nem ele podia decorrer antes de o criardes! Porém, se antes da criação do céu e da terra não havia tempo, pra que perguntar o que fazíeis então? Não podia haver “então” onde não havia tempo55.

Seguindo as modalizações cristãs de tempo, como foram apresentadas

anteriormente, Santo Agostinho posiciona a divindade na ordem da aeternitas, ou

seja, o eterno “hoje”, a ordem absoluta da eternidade fora do tempo. Santo

Agostinho, bem como os Escolásticos, procuraram refutar o averroísmo e a tese

de Aristóteles que propunha a eternidade do mundo recorrendo a uma modalidade

cíclica do tempo. Aristóteles outrora afirmou que existe um ciclo em todas as

54 Santo Agostinho trata deste mesmo tema no De Genesi contra Manichaeos, liv. 1, cap. 2. A criação não foi ab aeterno. Deus criou livremente, por um ato eterno de volição. As idéias das coisas existem na Inteligência Divina desde toda a eternidade. Porém, os termos ou objetos que Deus quer produzir só aparecem no momento determinado pela sua volição. 55 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 13 p. 321.

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2 A formulação da questão do tempo 34 34

coisas que possuem o movimento natural de ser e deixar de ser56. Isso se dá pois

todas estas coisas são regidas pelo tempo em começo, fim e recomeço, tudo isso

em conformidade com um ciclo; porque o próprio tempo, que rege esse

movimento, é pensado como um ciclo. Como podemos já antever, o modelo

agostiniano metafísico do tempo é claramente uma reconstrução da linha

parmenídica-platônica e, por conseqüência, uma refutação ao tempo aristotélico.

Mas o que seria então, segundo Santo Agostinho, o tempo do qual temos

experiência? O que seria para Santo Agostinho essa “imitação móvel da

eternidade” a que se referia Platão no Timeu.

Nós, enquanto criaturas, não podemos experimentar sensivelmente esta

dimensão eterna fora do tempo, esse instante eterno da graça divina. Ainda assim,

temos indubitavelmente uma experiência sensível da temporalidade, uma

experiência mais elementar e ainda ligada à intuição da finitude, a uma

modalidade de tempo que está ligada a duração, de uma vida, de uma ação, de

uma história, ou seja, uma noção próxima do tempo cronológico ou do tempus

latino:

O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente57.

A nossa experiência da temporalidade é precisamente aquela impressão que

fica gravada no espírito como sendo a “presença do tempo”. É, portanto, algo

intimamente ligado ao caráter subjetivo e psicológico do tempo.

O tempo psicológico é a impressão do antes e depois que as coisas gravam

no espírito. É o sentimento de presença das imagens que se sucedem, sucederam

ou hão de se suceder, referidas a uma anterioridade. Enquanto percepção sensível,

temos, ou pensamos ter, experiência de três tempos: passado, presente e futuro.

56 Cf. Tomás de Aquino, Sto. 1982: Comentário à metafísica de Aristóteles. Trad. Francisco Benjamin de Souza Netto e Carlos Arthur R. do Nascimento. Cf. Mansion, A. 1987: Introduction a la Physique Aristotélicienne. 57 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 14 p. 322.

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2 A formulação da questão do tempo 35 35

Mas será que estes tempos realmente existem?

Para o Santo Doutor, o tempo é um ser da razão com fundamento na

realidade da experiência. Mesmo que nada possamos dizer do tempo presente que

vira pretérito e se perde no Não-Ser ou do tempo futuro que ainda está preso a um

Vir-a-Ser, podemos afirmar que realmente experimentamos brevemente algo no

presente que chamamos de tempo presente, o agora.

Essa brevidade do presente é extraída por Santo Agostinho da tentativa de

determinar a extensão do passado, do presente e do futuro. O passado não pode

ser dito “longo” ou “breve” pois já não existe, o futuro não pode ser dito “longo”

ou “breve” pois ainda não existe e o presente não pode ser dito “longo” pois se

determinamos uma certa duração do tempo presente automaticamente nos

perderemos numa nova sucessão de instantes; passado, presente e futuro, o que

nos coloca novamente frente à frente com esta brevidade do presente. Um instante

que parece ir tão rápido do futuro ao passado que não tem duração. Se a tivesse,

dividir-se-ia novamente em passado, presente e futuro.

Embora a experiência do tempo passado e futuro não seja nada senão a

memória presente das coisas passadas e esperança presente das coisas futuras58,

existem indubitavelmente as coisas passadas e futuras, a memória histórica serve

como prova de que podemos veridicamente remontar acontecimentos e fatos

passados e a razão serve como prova de que é possível antever um acontecimento

ou fato no futuro. E é justamente da análise da forma como intuímos tais coisas

passadas e futuras que Santo Agostinho extrai a nova terminologia exibida acima.

O resgate, através da memória, de eventos passados não é senão uma

remontagem presente de um fato no passado, pois o passado em si mesmo já não

mais existe. E a intuição, através da razão, de eventos futuros não é senão um

prognóstico presente baseado em possíveis desdobramentos de experiências no

presente:

O que agora claramente transparece é que nem há tempos futuros nem pretéritos. É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez

58 Terminologia sugerida por Santo Agostinho nas Confissões, Livro XI, Cap. 20 pág 328.

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2 A formulação da questão do tempo 36 36

fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes e presentes das futuras59.

Permanece, ainda, uma questão: Como é que medimos este tempo do qual

temos experiência?

É óbvio que usamos algum tipo de critério para avaliar e medir diferentes

espaços de tempo, mas que critério seria esse? Se o tempo futuro ainda não existe,

o presente não tem dimensão e o passado já não existe, de onde pode partir essa

medição de tempo que usamos? Seria o critério para medição de tempo o

movimento do Sol, da Lua e dos astros como diria possivelmente Aristóteles?

Santo Agostinho pretende distinguir o tempo psicológico do tempo

metafísico e do tempo astronômico ao refutar esta tese platônica de que o tempo é

o movimento dos astros. Tampouco poderíamos dizer, segundo o Santo Doutor,

que o critério de medição e determinação do tempo é o movimento de qualquer

outro corpo, pois podemos facilmente medir também o tempo de ausência de

movimento dos corpos.

Ainda que nenhum desses critérios tenha sido suficiente “Em ti, ó meu

Espírito, meço os tempos” diz Santo Agostinho, e continua “Meço a impressão

que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece, ainda

depois de elas terem passado. Meço-a a ela enquanto é presente, e não àquelas

coisas que se sucederam para impressão ser produzida. É a essa impressão ou

percepção que eu meço, quando meço os tempos.”, por fim conclui “Portanto, ou

esta impressão é os tempos ou eu não meço os tempos60”.

Essa é uma afirmação importantíssima dentro do conteúdo do Livro XI e da

temática do tempo como um todo, ela demonstra que, em última análise, esse

tempo que meço, mesmo sem um critério efetivo para tanto, não passa de um

reflexo gerado no espírito pela experiência da temporalidade a que somos

submetidos sempre, o tempo, nesse sentido, não passa de uma ilusão categorial do

espírito humano, uma extensão – uma distensão61 - da consciência62, uma

projeção no real da própria alma humana.

59 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 20 p. 327. 60 Cf. Agostinho, Sto. 1996: Confissões, Livro XI Cap. 20 p. 336. 61 Termo usado por Santo Agostinho em Confissões, Livro XI, Cap. 23-26 pág 330-334

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2 A formulação da questão do tempo 37 37

Metafisicamente falando, podemos tomar a observação de Piettre com uma

boa indicação de qual era o alcance ontológico dessa noção de “distensão da

alma”:

O tempo é uma distentio animi, uma distensão, um repouso da alma. Distensão se opõe a tensão: o eterno presente é como apanhado, estendido em um único ponto único e imutável (Deus)63.

Conclusivamente podemos observar que, ao contrário de Aristóteles, Santo

Agostinho indicava que o que medimos não é o movimento das coisas no real,

mas sim a duração vivida pela consciência e, ao fazê-lo, projetava a natureza da

experiência temporal como sendo algo estritamente subjetivo e dissociado,

portanto, da realidade última do mundo. Desta maneira, Agostinho destaca o

antagonismo metafísico e teológico radical entre o eterno, entendido como o

sempre presente sem duração, e o temporal, entendido com esse tempo que flui do

futuro ao passado segundo uma lei numérica.

Quando se pergunta “o que é o tempo?” portanto, Santo Agostinho remonta

uma tradição platônica e parmenídica, que afirma o caráter eterno e imutável da

verdade64, para afirmar que o fluir do tempo, na forma de passado, presente e

futuro, não “é” nada, no sentido forte de “Ser”. Apenas o eterno presente sem

duração efetivamente “é”, ou seja, apenas a eternidade imóvel “é” e constitui, ela

mesma, a natureza do próprio “Ser” do tempo.

A visão de Santo Agostinho está de pleno acordo com uma noção de

história, como a realização da graça ou do projeto eterno de Deus, corrente na

Idade Média, mas seria conflitante com as construções modernas do tempo.

62 É mérito de Santo Agostinho “ter posto em relevo, de maneira definitiva, o caráter psicológico do tempo, e o seu pertencer a consciência.” Cf. J. M. Lê Blond, S. J., Lês Conversions de Saint Augustin. p. 256. 63 Cf. Piettre, B. 1994: Filosofia e Ciência do Tempo; p. 32. 64 Pamênides dizia que “o Ser é e não é possível que ele não seja” e assim afirmava que a verdade sobre a natureza do “Ser” é eterna e imutável.

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2 A formulação da questão do tempo 38 38

A Idade Moderna, também muito marcada pelo divórcio entre a filosofia e

a ciência, traria consigo uma nova maneira de pensar o tempo conforme

poderemos observar no capítulo que se segue.

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3 O tempo na modernidade filosófica

A Idade Moderna é um período específico da História do Ocidente compreendido entre a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453) e a eclosão da Revolução Francesa (1789). Neste período a importância do indivíduo, e menos da Igreja foi reconhecida pela sociedade ocidental e por seus líderes. O descobrimento das Américas também tem sua parte nesta mudança progressiva. Na Europa Ocidental, esta é uma época marcada pelas viagens das Descobertas, pelo Renascimento, pela Reforma, pela afirmação do poder centralizador das monarquias, pelos avanços do espírito científico, do racionalismo e também pela histeria de caça às bruxas (antes atribuída ao período medieval). Tem sido propostas outras datas para o início deste período, como a conquista de Ceuta pelos portugueses em 1415, a viagem de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492 ou a viagem à Índia de Vasco da Gama em 1497. Algumas correntes historiográficas anglo-saxônicas preferem trabalhar com o conceito de "Tempos Modernos", entendido como um período não acabado, introduzindo nele subdivisões entre Early Modern Times (mais antiga) e Later Modern Times (mais recente), ou então procedem a uma divisão entre sociedades pré-industriais e sociedades industriais. A noção de Idade Moderna tende a ser desvalorizada pela historiografia marxista, que prolonga a Idade Média até ao advento das revoluções liberais e ao fim do regime senhorial na Europa65.

Não importa que marco histórico seja utilizado para definir a modernidade é

nítido que o que separara filosoficamente a Idade Média do período que se segue é

o divórcio definitivo entre fé e razão.

Durante alguns séculos a patristica e a escolástica da Igreja tentaram dar

conta de conciliar essas duas esferas e, por mais sofisticadas que tenham se

tornado as prova ontológicas para fundamentar a existência de Deus e a natureza

metafísica de todas as coisas, os tempos eram outros e o desenvolvimento

tecnológico das ciências marítimas e industrial, bem como o resgate do projeto

aristotélico de ciência universal no pensamento de Francis Bacon, exigiam que o

homem cada vez mais se voltasse para sua existência pragmática, para as

necessidades do seu dia-a-dia e, nesse contexto, a racionalidade emergia,

suplantando a fé, como aquela que poderia levar o homem a resposta para suas

questões.

65 “Idade Moderna” In: Wikipédia (http://pt.wikipedia.org)

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3 O tempo na modernidade filosófica 40 40

Aqui e ali, em universidades, mosteiros e retiros escondidos, homens deixaram de disputar e começaram a investigar; por via indireta, graças aos esforços no sentido de transformar metais inferiores em ouro, a alquimia foi transformada em química; da astrologia, os homens foram tateando com tímida ousadia para a astronomia; e das fábulas dos animais que falavam veio a ciência da zoologia. O despertar começou com Roger Bacon (m. 1294); aumentou com o ilimitado Leonardo (1452-1519); alcançou sua plenitude na astronomia de Copérnico (1473-1543) e Galileu (1564-1642), nas pesquisas de Gilbert (1544-1603) sobre magnetismo e eletricidade, de Vesálio (1514-1564) em anatomia, e de Harvey (1578-1657) sobre a circulação do sangue. À medida que aumentava o conhecimento, diminuía o medo; os homens pensavam menos em adorar o desconhecido, e mais em dominá-lo (...) Não havia limites, agora, para o que o homem poderia fazer66.

O início da modernidade, e a gênese da maneira moderna de pensar, retrata

uma época de total deslumbre com a razão e com a ciência. Essa postura

caracteristicamente moderna, se por um lado foi muito positiva, pois abriu

caminho para o avanço cavalar das ciências nos séculos que se seguem, foi

negativa na medida em que levou gradualmente a filosofia a cientifizar seus

modelos, de modo que, a filosofia moderna, sem fazer exceção ao padrão de sua

época seguiu essa tendência e acabou fazendo uma espécie de redução

programática de sua agenda, indo da ontologia a uma epistemologia, afastando-se,

por conseguinte, do fator ontológico subjacente à experiência, o transcendental.

Correntes empiristas pouco a pouco ganhariam força frente a decadente

metafísica medieval e, do outro lado, os metafísicos da modernidade ao defrontar-

se com uma época tão anti-metafisica foram obrigados a refugiar-se na doutrina

do subjetivismo, por vezes, radical67 e foi então que, mesmo na filosofia, a

ontologia e a metafísica deram lugar à epistemologia e a teoria do conhecimento.

Na modernidade passou-se a delinear melhor [talvez fosse mais apropriado dizer “de maneira diferente”68] os limites do estudo filosófico. Inicialmente, como atestam os subtítulos de obras tais como as Meditações de René Descartes e o Tratado de George Berkeley, ainda se fazia referência a questões tais como a da prova da existência de Deus e da existência e imortalidade alma. Do mesmo modo, os filósofos do início da modernidade ainda pareciam conceber suas teorias filosóficas ou como fornecendo algum tipo de fundamento para uma determinada

66 Cf. Durant, W. 2000: A História da Filosofia. p. 117. 67 A doutrina subjetivista pode atingir vertentes tão radicais que se considera p.ex., dentro de uma certa linha de pensamento, que Kant matou a metafísica em suas Críticas; Eu, penso justamente o contrário, conforme pretendo demonstrar mais adiante neste trabalho. 68 Observação minha.

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3 O tempo na modernidade filosófica 41 41

concepção científica (caso de Descartes), ou bem como um trabalho de "faxina” necessário para preparar o terreno para a ciência tomar seu rumo (caso de John Locke), ou ainda como competindo com determinada conclusão ou método científico (caso de Berkeley, em The Analyst, no qual ele criticou o cálculo newtoniano-leibniziano – mais especificamente, à noção de infinitesimal – e de David Hume com o tratamento matemático do espaço e do tempo). Gradualmente, contudo, a filosofia moderna foi deixando de se voltar ao objetivo de aumentar o conhecimento material, i.e., de buscar a descoberta de novas verdades – isso é assunto para a ciência – bem como de justificar as crenças religiosas racionalmente. Em obras posteriores, especialmente a de Immanuel Kant, a filosofia claramente passa a ser encarada antes como uma atividade de clarificação das próprias condições do conhecimento humano: começava assim a chamada virada epistemológica69.

No que se refere ao tempo, o caminho de Agostinho a Leibniz, não foi dos

mais lineares. Conforme esclarecido no capitulo anterior, Santo Agostinho, ao

perguntar-se “O quê é o tempo?”, postula que o tempo não é passado, presente e

futuro, mas sim uma brevidade instantânea, sem duração e imóvel; Já a nossa

experiência cronológica do tempo é, segundo o Santo Doutor, uma distentio animi

(distensão do espírito).

O Ser do tempo estava, portanto, ligado premissa fundamental de

Parmênides de que “o Ser é, e o Não-Ser não é”; O Ser do tempo não era,

portanto, identificável com a nossa experiência do tempo. Ou seja, embora sua

visão de tempo esteja em concordância com uma visão teleológica da história,

entendida como realização plena da vontade de Deus, a cronologia do tempo

estava dada primariamente no espírito, ou seja, como um sentido interno atrelado

as nossas percepções, e não necessariamente na realidade física.

A resposta de Agostinho aparentemente deixou em aberto uma importante

questão já outrora formulada por Aristóteles na Física e que o pensamento

moderno se encarregou de trazer à tona: “Será que o tempo existe fisicamente?”

A problemática do tempo físico ganhou outra dimensão dentro do

pensamento cientificista da modernidade, a revolução copernicana e a física

matemática de Galileu trouxeram para própria filosofia uma nova concepção de

espaço e, com ela, uma nova descrição do tempo.

É bastante conhecido, na história da física, o papel preponderante de Galileu

na defesa da teoria heliocêntrica de Copérnico, assim como no estabelecimento de

69 “Filosofia Moderna” In: Wikipédia (http://pt.wikipedia.org)

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3 O tempo na modernidade filosófica 42 42

uma nova teoria do movimento compatível com ela. O cientista italiano foi

decisivo na superação da física aristotélica, inaugurando a descrição dos

movimentos terrestres a partir das idéias de relatividade dos movimentos,

movimento compartilhado e composição de movimentos.

Galileu foi o responsável pelo estabelecimento da lei da queda dos corpos,

segundo a qual os incrementos de velocidade de um corpo em queda, próximo a

superfície da Terra, são diretamente proporcionais ao tempo transcorrido. Ao

compreender essa “dependência temporal” – e não espacial – da velocidade de

queda, ele introduz de modo definitivo o tempo no estudo dos movimentos70.

O tempo é, portanto, entendido com uma quantidade mensurável no estudo

dos movimentos. Galileu preocupou-se com esse aspecto, buscando relatar a

maneira pela qual media o tempo em suas experiências. Ansiava-se, pois se

conhecia a importância, por se ter uma maneira de medição mais precisa do

tempo, e seus estudos com o pêndulo refletem tal necessidade.

A origem da exata contagem moderna do tempo foi descoberta por Galileu a partir de um processo periódico natural que pode ser repetido infinitamente e contado: a oscilação do pêndulo. Seu interesse pelo pêndulo remonta a época em que, como estudante de medicina em Pisa, ele o aplicou a descrição diagnóstica do pulso de um paciente. A aplicação consistia em uma tábua com uma cavilha a qual se prendia um cordão com um peso que oscilava. Em certos lugares da tábua estavam registradas várias descrições diagnósticas, como “febril” e “vagaroso”. O médico tinha apenas de controlar o cordão oscilante com o dedo para fazer as oscilações entrarem em sincronia com o pulso do paciente e ler o diagnóstico indicado. Mais tarde, depois de muitos cálculos matemáticos nas experiências com pêndulos oscilantes, Galileu concluiu que cada pêndulo simples tinha seu próprio período de oscilação, dependendo do comprimento; já na velhice, pensou em usar o pêndulo no relógio para registrar mecanicamente o número de oscilações. Esse passo foi dado com sucesso anos depois, em 1656, pelo cientista holandês Christian Huygens, cujo relógio de pêndulo inaugurou a era da medida física do tempo com uma exatidão de cerca de segundos por dia. Essa medição podia ser considerada simplesmente uma repetição numérica, mas foi também um meio de dividir de modo uniforme um dado intervalo de tempo – por exemplo, uma hora em 60 minutos – e, assim, era análoga à divisão de uma linha continua de duração finita em um número de segmentos iguais. Conseqüentemente, a invenção do relógio mecânico que, se bem regulado, podia bater continuamente por anos a fio, influenciou muito a crença na homogeneidade e continuidade quase geométrica do tempo71.

70 Cf. Martins, A.F.P. & Zanetic, J. 2001: Acerca de um erro de Galileu (e Descartes): a

introdução do conceito de tempo na análise dos movimentos. 71 Cf. Whitrow G. J. 2005: O quê é o Tempo? p. 78, 79.

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3 O tempo na modernidade filosófica 43 43

Um último ponto que merece destaque dentre as considerações de Galileu é

a representação do tempo que o autor define em seus teoremas e proposições

utilizando-se de um segmento de reta. Em sintonia com essa representação, ele

acreditava que o tempo era contínuo, com infinitos instantes. Mas sua visão

afastava-se da de Aristóteles. Enquanto esse último não acreditava que o contínuo

pudesse ser composto de indivisíveis, para Galileu uma grandeza contínua seria

constituída por uma infinidade de elementos “infinitamente pequenos”

(indivisíveis, sem duração), ou seja, o divisível seria composto por indivisíveis.

Essa visão de Galileu, que parte da própria idéia de continuo em Aristóteles

para dela tirar conclusões bastante diversas, é discutida por Gandt72. Segundo o

pensador italiano, para que uma linha possa ser subdividida ao infinito, as “partes”

devem ser em número infinito – caso contrário a divisão terminaria – e devem ser,

cada um e todos eles, sem grandeza (e, portanto, indivisíveis) – caso contrário

formariam, em número infinito, uma extensão infinita. Em suma: o contínuo

divisível é formado por indivisíveis.

É interessante perceber a consistência dos vários paradoxos temporais que

essa linha de análise lógica pode nos levar a concluir, conforme apontei na

introdução deste trabalho (p. 20), a tomada do tempo com um fluxo contínuo nos

leva paralelamente à duas conclusões análogas: ou o tempo é contínuo e, para

isso, todas as sua partes (instantes, momentos...) são sem grandeza e duração, ou o

tempo não pode realmente ser um fluxo contínuo. E a grande polêmica acerca da

primeira hipótese é justamente como seria possível que o conjunto do tempo seja

contínuo e tenha duração sendo todas as suas partes discretas e sem duração.

Como conclusão dos estudos de Galileu temos que o espaço, anteriormente

visto como uma limitação do cosmo ou o lugar dos corpos, passou a ser visto com

uma grandeza matemática, livre de limites e sem direção específica, ou seja, um

espaço vazio e infinito em todas as direções possíveis. De maneira semelhante, as

noções de tempo e eternidade foram sistematizadas e passaram de ritmo do

movimento e instante imóvel sem duração a sucessão infinita e duração infinita,

respectivamente.

72

Cf. Gandt, F de. 1986: Nascimento e Metamorfose de uma Teoria Matemática: a Geometria

dos Indivisíveis na Itália (Galileo, Cavalieri, Torricelli). p. 27-59.

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3 O tempo na modernidade filosófica 44 44

É interessante perceber que justamente no pensamento moderno,

notadamente reconhecido por seu direcionamento humanista e racionalista, houve

uma inversão completa na conceituação de eternidade – a esfera do tempo a que,

por definição, não se tem acesso perceptual, o que antes era imóvel e sem duração

era agora é compreendido como duração infinita.

Precisamente num momento da história humana, em que todos os holofotes

estavam virados para o tempo físico, parece que a outra face da moeda do tempo

teve sua natureza mal compreendida e custaram algumas décadas para que se

resgatasse, por exemplo, nas figuras de Kant e Bergson, alguma atenção e

preocupação com esta idéia daquilo que é transcendente a experiência humana,

mas, ainda assim, componente do Ser, conforme definido na introdução deste

trabalho.

O grande marco do conhecimento na modernidade, se é que é possível

estabelecer um só, é o advento da física newtoniana, que solidificou as novas

noções de espaço, tempo e eternidade na mentalidade moderna.

Com as idéias modernas, extinguiu-se a referência ao movimento privilegiado do céu, que regularia o tempo, afinal não existe mais a esfera das coisas fixas e a aparência da revolução regular das estrelas é somente efeito do movimento de rotação terrestre. A partir desse momento, então, o relógio que nos serve de referência do tempo somente existe por e para o nosso espírito. O aparecimento da idéia de que a medida do tempo poderia ser estabelecida pelo espírito sem se referir a um movimento privilegiado existente na natureza foi contemporânea, ao aperfeiçoamento do relógio (séculos XV, XVI, XVII), e o seu funcionamento mecânico cada vez mais preciso, assegurava a contagem do tempo. O tempo, nesse momento, praticamente se torna uma questão de medida e precisão técnica, tornando a questão de sua essência assunto relegado à poucos. O mundo atravessa uma grande revolução do pensamento, na medida em que vislumbra a paisagem de ordem e precisão, possibilitada pela grande janela do mecanicismo nascente73.

Desde 1686, com a publicação de Philosophie naturalis principia

mathematica, Isaac Newton anuncia categoricamente a modernidade filosófica e

cientifica a existência física do espaço e do tempo;

Na verdade, ele inicia sua obra com um conjunto de definições – quantidade

de matéria, quantidade de movimento, força centrípeta – nas quais o tempo já é

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3 O tempo na modernidade filosófica 45 45

pressuposto e aparece com uma das variáveis. No escólio da primeira da primeira

parte, Newton afirma não haver definido certas grandezas (entre elas o tempo) por

serem bem conhecidas de todos, mas acrescenta:

Contudo, observo que o leigo não concebe estas quantidades sob outras noções exceto a partir das relações que elas guardam com os objetos perceptíveis. Daí surgem certos preconceitos, para a remoção dos quais será conveniente distingui-las entre absolutas e relativas, verdadeiras e aparentes, matemáticas e comuns. I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e de sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração; o tempo relativo, aparente e comum é alguma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou não uniforme) que é obtida através do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano74.

O tempo “flui” por “direito próprio”, desvinculado de qualquer outra coisa,

enquanto que o tempo relativo é uma medida do primeiro. Diferentemente do que

faz Descartes, Newton atribui uma realidade ontológica ao tempo absoluto (que

chama de duração), uma realidade independente dos corpos.

Não é estranho que Newton tenha feito, como todo bom pensador inserido

na tradição filosófica ocidental, uma distinção entre o tempo verdadeiro e o tempo

aparente, o que surpreende verdadeiramente aqui é o fato de Newton ter definido

o comportamento do primeiro de maneira exatamente igual ao do segundo,

mesmo quando a lógica subjacente às idéias p.ex. de continuidade e mudança

parecem indicar justamente o contrário.

Conforme foi indicado na introdução deste trabalho (p. 20), conceitos como

continuidade e mudança nos dão a indicação de que o tempo verdadeiro não

deveria e nem poderia se comportar da mesma maneira que o tempo aparente. A

idéia de mudança p.ex. – entendida como aquilo que acontece quando algo

assume uma nova forma ou uma nova aparência – logicamente nos leva a

73 Cf. Silva, N. F. R. da. 2003: Tempo e Experiência: Um estudo filosófico acerca da natureza do

instante e da duração. p. 147, 148. 74 Cf. Newton, I. 1990: Principia: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. p. 7.

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3 O tempo na modernidade filosófica 46 46

inevitável conclusão de que para que algo possa mudar é preciso que ele não

mude75.

Retomando a argumentação, vemos que após prolongado debate onde os

conceitos defendidos pelos atomistas da antiguidade reganharam espaço na

ciência, principalmente após a descoberta do vácuo no século XVII, quando então,

eles passaram a ter cada vez mais defensores. Newton considerou o espaço como

sendo uma arena desprovida de coisas e fenômenos. Para ele o espaço era tri-

dimensional, contínuo, estático (não variava com o tempo), infinito, uniforme e

isotrópico (possuía as mesmas propriedades independentemente da direção

considerada). Ele acreditava que o espaço absoluto, por sua própria natureza e em

relação a qualquer coisa externa, sempre permanecia similar e imóvel. O tempo

para Newton era também absoluto e independente. Ele o considerava como sendo

o "receptáculo de eventos" e supunha que o passar dos eventos não afetava o fluxo

do tempo. O tempo era assim unidimensional, contínuo, homogêneo (possuía as

mesmas propriedades em todos os locais do universo) e infinito.

Para Newton, tempo e espaço são os sentidos de Deus. Se o espaço absoluto

é o “sensório de Deus”, conforme é descrito no Opticks, é a intervenção de Deus

na natureza que permite o ajuste de seu funcionamento, como um relojoeiro que

dá corda em seu relógio e o mantém ajustado e com bom funcionamento. Assim, o

tempo absoluto passa a ser concomitante com a própria noção da eternidade de

Deus.

Essas foram as influências que ficaram gravadas na modernidade e que

emergiram na filosofia de maneira significante na metafísica de Descartes e

Leibniz, sendo também criticada de forma consistente pelo empirismo de Hume.

A física e a cosmologia de Descartes eram essencialmente qualitativas.

Ainda assim, ele foi o responsável pela formulação precisa do princípio da inércia

e elaborou também uma teoria bastante complexa para explicar o surgimento e a

evolução do universo. Nela, admite um início temporal do mundo, a partir do qual

um conjunto de “leis naturais” – determinadas pela vontade divina – explicariam

seu desenvolvimento posterior.

75 Para que um objeto qualquer possa, num momento x do tempo, assumir uma forma A, num momento y do tempo, assumir uma forma B e, num momento z do tempo, a forma C, é preciso que o objeto em si mesmo não tenha jamais mudado naquilo que ele verdadeiramente é, ou seja, um objeto capaz de assumir formas A, B e C em diferentes momentos percebidos de tempo.

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3 O tempo na modernidade filosófica 47 47

Para Descartes, a permanência do mundo – sua duração – depende da

vontade de Deus, e ele destaca esse fato em suas Meditações ao enunciar:

... disto que há pouco eu fui, não significa que eu deva agora ser, se neste momento alguma causa não me gere ou crie, ou por assim dizer, de novo, ou seja, me conserve76.

Descartes, portanto, aponta ainda que essa duração é “um modo sob o qual

fazemos idéia desta coisa enquanto ela continuar a existir77”. No entanto, essa

duração não existe independentemente das coisas que duram. Ele fazia uma

distinção entre o tempo como duração das coisas que duram e se conservam

(concreto e real) e o tempo como número ou medida, que existe de modo ideal em

nosso espírito, independentemente das coisas que duram78.

Apesar do imenso esforço cartesiano de lidar satisfatoriamente com a

dualidade do tempo – tempo / eternidade, duração / medida – vemos que o próprio

vocabulário cartesiano, ao definir essa duração, como p.ex. na passagem em

destaque acima, está impregnado de linguagem e de pressuposição temporal,

quando transparece claramente que a intenção do autor é justamente a oposta.

Persiste, portanto, insolúvel a questão aristotélica acerca da existência física

do tempo. Segundo estas concepções, o universo flui idêntico a si mesmo segundo

uma mecânica divina, rígida e feita parar durar eternamente. As mudanças, de

maneira antagônica, são consideradas anteriores ou posteriores uma as outras

segundo uma regra matemática – a saber, o tempo – determinando aquilo que se

chama de experiência. Essa ordem de sucessão experienciável é, em última

análise, a própria “realidade” medida pela ciência, mas será que esta ordem

pertence a própria natureza do mundo? Ou é somente um distentio animi?

Contemporâneo de Newton, Leibniz é autor de um dos três grandes sistemas

racionalistas do século XVII e é considerado por muitos como o grande filósofo

erudito da modernidade, o quê torna sua literatura ainda mais intrincada e

singular.

76 Cf. Descartes, R. 2000: Meditações Metafísicas. meditação terceira. 77 Cf. Descartes, R. 1989: Priciples de la philosophie. p. 24.

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3 O tempo na modernidade filosófica 48 48

O sistema filosófico leibniziano é bastante complexo e está baseado

principalmente na crença de que cada ser corresponde a uma totalidade fechada

em si mesma - conhecida apenas por Deus – e da qual podem ser deduzidas todas

as propriedades fenomênicas do indivíduo, isto porque, em última análise, estes

não são fenômeno, mas sim noumenon, coisa em si ou ainda, nas palavras de

Leibniz, mônadas.

Ao definir as mônadas, Leibniz as coloca como sendo “substâncias

elementares”, fechadas em si-mesmas, sem partes e, portanto, indivisíveis. Para

Leibniz as mônadas, e não os átomos, são a verdadeira singularidade da natureza,

existindo, cada uma delas, como uma realidade fechada. O autor segue

esclarecendo que as mônadas não possuem “janelas”, ou seja, não podem

interferir umas nas outras, mas são dotadas de percepção e, portanto – quase que

funcionam como um espelho –, podem perceber (refletir) as coisas externas79. O

autor ainda acrescenta que, segundo um princípio que denomina, principio dos

indiscerníveis, toda mônada, fechada em si mesma, deve distinguir-se das demais

por alguma qualidade própria, pois, caso contrário, suas noções colapsariam e

tornar-se-iam uma única e mesma mônada80.

Crítico de Newton e hostil ao atomismo do século XVII, como pode-se

observar nas suas Correspondências a Clarke, de 1715, e na sua doutrina da

Monadologia, de 1713, Leibniz acreditava que o tempo não poderia existir sem os

fenômenos. É a tal “ordem sucessiva das coisas” que nos dá a noção de tempo,

sendo ele, pois, relativo. Ele corresponde à ordem que relaciona os corpos em suas

sucessivas posições e possui, portanto, algum valor lógico, mas não ontológico.

Quanto a mim, deixarei assentado mais de uma vez que, a meu ver, o espaço é algo puramente relativo, como o tempo; a saber, na ordem das coexistências, como o tempo na ordem das sucessões81.

78 Cf. Piettre, B. 1994: Filosofia e Ciência do Tempo; p. 92. e Cf. Descartes, R. 1989: Principles

de la philosophie. I & 55-57. 79 Cf. Leibniz, G.W. 1714: Principes de la Nature et de la Grâce fondés en raison (parágrafo IV). In: Principes de la Nature et de la Grâce, Monadologie et Autres Textes (1703-1716); p. 225. 80 Cf. Leibniz, G.W. 1983: Os Princípios da Filosofia ditos a Monadologia; parágrafo 1, p. 63. 81 Cf. Leibniz, G.W. 1983: Correspondência com Clarke; p. 177 – terceira carta.

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3 O tempo na modernidade filosófica 49 49

Segundo Leibniz, se não houvesse fenômenos nem criaturas, não haveria

tempo e, para atingir esta conclusão, ele recorre ao argumento de que a

causalidade entre indivíduos são phenomena bene fundata, que para mente

parecem fatos relacionais, mas, no fundo, não passam de reflexos monádicos

integralmente não-relacionais. Ou seja, em certa medida Leibniz antecipou aquela

que viria a ser a tese fundamental do empirismo de Hume, a de que as relações

entre as coisas não estão dadas na natureza, mas sim na mente. Logo, o tempo,

enquanto essa relação de sucessão entre coisas, parece estar limitado a realidade

interna da existência de uma mônada. Ou seja, os acontecimentos, do ponto de

vista dos elementos intrínsecos à uma mônada, parecem ocorrer numa certa ordem

cronológica, enquanto que, de um ponto de vista exterior – “divino” – tudo já está

dado em perfeita harmonia de coexistência, inclusive aquilo que parecem ser os

diferentes momentos do tempo.

Quanto a questão de saber se Deus podia criar o mundo mais cedo, é preciso entender bem os termos. Como demonstrei que o tempo sem as coisas não passa de uma simples possibilidade ideal, é manifesto que, se alguém dissesse que este mesmo mundo que foi criado teria podido, sem nenhuma outra mudança, ter sido criado mais cedo, não diria nada de inteligível, pois não há nenhum sinal ou diferença pela qual seria possível conhecer que ele tivesse sido criado mais cedo. Assim, como já deixei dito, supor que Deus tenha criado o mesmo mundo mais cedo é supor algo de quimérico. É fazer do tempo uma coisa absoluta, independente de Deus, ao passo que o tempo deve coexistir com as criaturas, e não se concebe senão pela ordem e quantidade de mudanças82.

Aproveitando-se das definições newtonianas de espaço e tempo (p. 46),

Leibniz se utiliza do seu principio dos indiscerníveis para mostrar que, se o

espaço e o tempo são idênticos em todas as suas partes, todas elas são na verdade

uma mesma e única coisa, derivando disso que quaisquer dois instantes de tempo

são, na verdade, indiscerníveis e, portanto, o mesmo instante de tempo. Ao

contrário de Descartes e Newton, Leibniz pensava no tempo cronológico como

mera representação relativa. Tanto a idéia da idealidade quanto a da relatividade

do tempo parecem ter prosperado após Leibniz. A primeira, na filosofia de Hume

e Kant; A segunda, mais tarde, na física relativista de Einstein.

82 Cf. Leibniz, G.W. 1983: Correspondência com Clarke; p. 205 – quinta carta.

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3 O tempo na modernidade filosófica 50 50

É interessante que essa idéia de “tempo relativo”, concebida por Leibniz, passou de algum modo, a fazer parte da física, ou seja, da concepção científica de tempo, quando Einstein apresentou ao mundo científico sua idéia de tempo relativo, dependente do observador. A teoria da relatividade de Einstein nos fez abandonar definitivamente a noção de um tempo absoluto e idêntico para todos, como anteviu Leibniz83.

A filosofia de Kant, seguidor e crítico de Leibniz, chega num momento

histórico onde predominam as idéias de Descartes, Newton e Leibniz, porém o

mundo acabara de levar um choque empirista advindo da filosofia de David

Hume.

Hume acabara de mostrar ao mundo que a postura metafísica tradicional

ignorava uma série de condições a priori humanas de percepção e de imaginação

ao definir como reais certas relações entre coisas que só se dão na mente humana.

Frente a este quadro, o filósofo Immanuel Kant se viu forçado a abrir um pequeno

parêntese em sua sistematização metafísica, já exposta de forma completa p.ex. na

Dissertação Inaugural de 1770, para tentar responder de forma satisfatória as

críticas empiristas no âmbito da Teoria do Conhecimento.

Hume foi o representante do empirismo radical. Radicalmente crítico, na medida em que buscava solucionar o problema da causalidade, da liberdade e da necessidade, tinha a intenção de criar, com sua doutrina cujo modelo é a filosofia natural de Newton, uma ciência nova que aplicasse o método científico ao estudo da moral e da natureza humana. O empirismo humiano foi o de uma ciência cética que queria se oferecer como solo seguro contra os devaneios da teologia e da metafísica escolástica. Hume quis ser o Newton da ciência da natureza humana, daí sua preocupação em garantir para a filosofia um apoio na experiência primeira. Por experiência, Hume entende algo marcadamente distinto da qualidade sensível enquanto dado da consciência psicológica; é, na verdade, a regra fundadora do conhecimento e que, por isso, não pode ser encontrada nas idéias com que a imaginação opera. Aproximando a natureza humana do artifício, Hume considerava toda a produção cognoscente como ficcional ou ilusória e é contra à recusa empirista de qualquer essência do conhecimento, contra os perigos do ceticismo, que Kant se insurge, na medida em que vai sustentar na Crítica, que os juízos científicos são sustentados por a priori metafísicos84.

83 Cf. Silva, N. F. R. da. 2003: Tempo e Experiência: Um estudo filosófico acerca da natureza do

instante e da duração. p. 156. 84 Cf. Malherb. 1984: La philosophie empiriste de David Hume; p. 23-59.

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3 O tempo na modernidade filosófica 51 51

Kant inaugura assim, na filosofia, a postura crítica, voltada para investigar

as condições de possibilidade do conhecimento humano, pois segundo ele: “Não

resta dúvida de que todo conhecimento começa pela experiência (...) Se, porém,

todo conhecimento se inicia com experiência, isso não prova que todo ele derive

da experiência85”.

Kant jamais deixou de lado a sua metafísica, no fim se sua vida, terminado o

trabalho nas Críticas, Kant voltou-se novamente para problemas como o “mal” e o

“livre-arbítrio”, tópicos, por assim dizer, metafísicos por excelência. No entanto, a

virada epistemológica se deu diante da percepção de Kant de que a metafísica

havia se tornado uma disputa de partidos, idealista e naturalista (empirista),

respectivamente, onde nada mais poderia ser dito caso não se chegasse a um lugar

comum quanto às condições subjetivas necessárias a todo e qualquer

conhecimento racional, sobre qualquer coisa que seja.

De acordo com Erdmann, a trajetória intelectual de Kant rumo à formulação do idealismo transcendental, como apresentado em 1781, é marcada pela consciência progressiva de que a metafísica, enquanto saber positivo sobre o supra-sensível, representa um problema cujo exame requer o recuo a um nível de análise preliminar, incumbido de examinar as condições que decidem sobre sua possibilidade em geral. De inicio, essa consciência manifesta-se pela intenção de conciliar, nos textos da década de 1750, as posições metafísicas de Leibniz com a filosofia da natureza de Newton. Em seguida, manifesta-se como constatação de que a metafísica se tornou um campo de batalhas entre partidos cuja disputa só encontrará termo após o estabelecimento das condições subjetivas requeridas por todo o conhecimento racional. Pouco a pouco, essa pauta inflecte na investigação metódica da razão, de seus conceitos e princípios, até apresentar-se como descoberta de sua contradição interna, representada pela formulação da antitética da razão pura, que será a base da doutrina das antinomias de 1781. No idealismo transcendental residirá, enfim, a solução da contradição da razão consigo mesma86. No que diz respeito ao tempo, a concepção kantiana pouco variou ao longo

de sua filosofia, os fundamentos do que Kant entende por tempo podem ser

encontrados tanto na sua Estética Transcendental como na Dissertação de 1770,

com formulações bem próximas. E a grande novidade na filosofia de Kant é a

superação da dicotomia entre o tempo como realidade (Descartes, Newton) e o

85 Cf. Kant, I. 1980: Crítica da Razão Pura; Introdução [B1] 86 Cf. Figueiredo, V. de. 2005: Apresentação. In: Kant, I. 2005: Escritos Pré-Criticos. p. 16.

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3 O tempo na modernidade filosófica 52 52

tempo como idealidade (Leibniz, Wolff). A filosofia moderna concebia, até então,

o tempo ora como realidade física, ora como idéia, conceito. A filosofia kantiana

supera essa dicotomia na medida em que estabelece que o tempo, tal qual o

espaço, não é nem realidade e nem conceito. Muito antes de poder ser um ou

outro, o tempo é uma forma da percepção sensível e, portanto, qualquer

conferência de realidade ao tempo ou conceituação racional do mesmo já

pressupõe uma intuição pura do tempo.

Conforme define Kant, “tudo o que se relaciona como objeto com os nossos

sentidos é fenômeno, mas o que, sem que toque os sentidos, contém apenas a

forma singular da sensibilidade é pertinente à intuição pura (isto é, uma intuição

vazia de sensações, mas não por isso intelectual)87”, e este é precisamente o caso

do tempo, uma vez que, ainda nas palavras de Kant, “a idéia de tempo não se

origina dos sentidos, mas é suposta por eles88”, ou seja, muito se enganam,

segundo Kant, aqueles que definem a idéia de tempo como sendo abstraída da

experiência da sucessão de diferentes instantes, uma vez que a própria asserção de

que um instante se dá após outro pressupõe um certo tipo de compreensão prévia

(não no sentido temporal, mas sim no sentido a prioristico) do tempo. De maneira

semelhante aquela pela qual, ao estabelecer a relação 4 > 2, pressupõe-se que,

além de ter experiência de 2 e de 4, eu tenha uma idéia prévia do que é ser maior

que, ao definir a experiência objetiva há um apelo a uma intuição pura de tempo e

é precisamente esta intuição que me permite reconhecer que na série sucessiva um

instante vem após o outro em tempos diversos e na série simultânea todos vêm ao

mesmo tempo. Essa necessidade faz com que Kant deduza que tempo e espaço não

são conteúdos da experiência ou conceitos empíricos, mas sim as formas puras da

sensibilidade, ou seja, mesmo subtraindo toda a representação empírica da

experiência me sobraria a representação de um tempo e um espaço vazios, dos

quais não é possível prescindir. Ambos não se tratam, portanto, de algo que é

abstraído da experiência, mas sim algo que é dado a priori nas leis fixas da mente;

seria como dizer que espaço e tempo são a nossa forma, nossa única forma, de

experienciar o mundo.

87 Cf. Kant, I. 2005: Escritos Pré-Críticos. p. 245. 88 Cf. Kant, I. 2005: Escritos Pré-Críticos. p. 247.

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3 O tempo na modernidade filosófica 53 53

Assim sendo, Kant recusa as possibilidades de compreensão do tempo até

então formuladas, o tempo não é realidade uma vez que não está dado nas

próprias coisas, mas sim é condição subjetiva de qualquer experiência de coisas e,

simultaneamente, o tempo não é conceito, uma vez que não é uma idéia

totalmente abstraída da experiência, pois embora o conceito racional de tempo

seja formulado com base nas sensações experimentadas, a própria coordenação

das sensações depende de uma idéia a priori de tempo.

O tempo é uma representação necessária subjacente a todas intuições. Com respeito aos fenômenos em geral, não se pode suprimir o próprio tempo, não obstante se possa do tempo muito bem eliminar os fenômenos. O tempo é, portanto, dado a

priori89

.

O tempo nada mais é que a forma da nossa intuição interna. Se a condição particular da nossa sensibilidade lhe for suprimida, desaparece também o conceito do tempo, que não adere aos próprios objetos, mas apenas ao sujeito que os intui90.

De acordo com as bases da teoria do conhecimento de Kant, não podemos

ter experiência das coisas “em si”, mas somente de suas aparências, ou seja, na

nomenclatura dos antigos, de seus fenômenos (phenomenon) – enquanto as coisas

em si são chamadas de númeno (noumenon). O tempo, enquanto forma de

percepção, não é fenômeno – o correto seria afirmar que nossa percepção das

demais coisas, quaisquer coisas, é feita de forma temporal, onde o tempo funciona

como um molde por onde tudo que passa sai do outro lado formatado segundo

aquela forma pré-existente, dada a priori.

Ou seja, o mundo sensível, portanto, já surge para o intelecto formatado

dentro das formas primárias, espaço e tempo. O espaço é entendido por Kant

como a forma do “sentido externo”, o modo como o mundo parece (aparência)

existir fora do sujeito, e o tempo como a forma do “sentido interno”, o modo pelo

qual o sujeito tem consciência da existência de seus estados internos.

89 Cf. Kant, I. 1980: Crítica da Razão Pura. p. 44. 90 Cf. Kant, I. 1980: Crítica da Razão Pura. p. 45.

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3 O tempo na modernidade filosófica 54 54

Quando, todavia, nos esquecemos de fazer este distanciamento entre

noumenon e phenomenon, entre a coisa em si e a aparência, somos levados,

segundo indica Kant, a certas “antinomias da razão pura”, conflitos paradoxais

insolúveis, dentre os quais Kant destaca aquele em que tanto o tempo como o

espaço, se pensados com conteúdos objetivos, nos levam a conclusão paradoxal de

que tanto a tese de um início temporal do mundo como a da eternidade temporal

do mundo, no caso do tempo, e tanto a tese da finitude como a da infinitude, no

caso do espaço, são absurdas91. Numa segunda antinomia, Kant tenta ainda dar

conta da questão já discutida por Galileu e Newton (p. 43 – 45) de se o tempo-

espaço é composto de partes singulares e indivisíveis, ou o contrário, se ele é

divisível ao infinito92. Kant indica que, em ambas as antinomias, nem a primeira

nem a segunda hipótese poderão jamais ser demonstradas empiricamente, uma vez

que, pressupõe a tomada de algo que é meramente formal e subjaz a própria noção

de experiência como objeto dessa experiência93.

É em Kant que a noção de eternidade, bastante modificada pela

modernidade cientificista, readquire o seu significado originário - grego e

medieval, uma vez que, se o tempo só é dado como condição subjetiva do sujeito

da experiência na medida em que sensibilidade e entendimento colapsam na

unidade transcendental da apercepção94, a própria experiência é em si mesma e

em sua totalidade “instantânea”, ou seja, atemporal, ou ainda, resgatando a

terminologia antiga e medieval, eterna.

Isso significa precisamente que o tempo, para Kant, é uma idealidade

transcendental, ou seja, que a experiência, que é percebida em termos temporais

de sucessão, devir, mudanças e etc, tem sua substância articulada aquilo que é

ontologicamente permanente (idêntico a si-mesmo, imutável, atemporal...) e,

portanto, a estrutura da experiência, que é dada na unidade transcendental da

apercepção, só pode ser atemporal, tal qual a própria unidade, pois só pode ser

sujeito e/ou causa das mudanças aquilo que permanece idêntico a si mesmo. Ou

seja, o tempo, tomado em si-mesmo, como condição de possibilidade do

91 Cf. Kant, I. 1980: Crítica da Razão Pura. A 426 B 454. 92 Cf. Kant, I. 1980: Crítica da Razão Pura. A 434 B 462. 93 Cf. Piettre, B. 1994: Filosofia e Ciência do Tempo. p. 103, 104. 94 A meu ver Kant, talvez seja possível inferir disso que Kant, ao tratar da unidade transcendental, utiliza-se aqui desse prefixo “a-“ antes de “-percepção” justamente para diferenciá-la da percepção

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3 O tempo na modernidade filosófica 55 55

movimento fenomênico e da temporalidade empírica é, por necessidade lógica e

ontológica, imóvel e atemporal95.

Feitas estas considerações, podemos observar como a filosofia kantiana se

distanciou das de seus antecessores e ampliou os horizontes conceituais sob os

quais as questões pertinentes ao tempo são formuladas. A crítica kantiana, em

certa medida, caminha paralelamente ao desenvolvimento científico da física

clássica e a tomada do tempo, no âmbito da ciência, com uma medida em função

de uma posição no espaço (p. 42).

Já no século XX, a ciência testemunha o nascimento da física relativista e da

mecânica quântica enquanto a filosofia tem, em Henri Bergson, talvez o primeiro

filósofo desde Kant a rever novamente as questões metafísicas e os conceitos

tradicionais de tempo e eternidade.

O próximo capítulo se propõe a acompanhar de forma um pouco mais detida

estes processos, que marcaram o século XX e dão um parecer importante acerca

de em que ponto nos encontramos hoje em ciência e filosofia do tempo.

empírica e, portanto, temporal e indicar que: A percepção é temporal enquanto a apercepção é atemporal. 95

Cf. Decker, K. S. 2000: Kant’s two erfahrungen: An equivocation of ‘experience’ in the first

Critique.

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4 A ciência do tempo e o século XX

O conceito de “tempo” tem uma longa e inacabada história no pensamento filosófico-científico, e as abstrações científicas acerca do tempo e do espaço foram, à princípio, “aterrorizantes”. Na medida em que a ciência tirou do espaço e do tempo valores subjetivos, criou a primeira visão de mundo humana que era indiferente não apenas aos temores e esperanças triviais, mas também, à própria existência da raça humana. Por outro lado, muitos pensadores acreditavam que o sucesso da ciência era a prova reconfortante de que o universo era racional e não-caótico, submetido à leis e não arbitrário. Na civilização ocidental, do pensamento medieval em diante, a necessidade dessa crença originou-se na doutrina judaico-cristã de um único Criador cujas leis eram racionais e, assim, acessíveis à razão humana1.

Como pode ser observado no capítulo passado do presente trabalho, a

modernidade é marcada pela separação metodológica entre a ciência e a filosofia,

o que antes era uma forma comum de saber natural originou, de um lado, a

filosofia natural e a metafísica e, de outro lado, a ciência natural e a física clássica.

A partir dos esforços filosóficos de Galileu e Newton, da articulação do

relógio pendular de Huygens e, principalmente, em virtude das necessidades da

sociedade comercial moderna, o tempo ficou caracterizado na ciência com uma

certa quantidade mensurável associada ao movimento dos corpos.

Embora Newton fizesse uma distinção metafísica entre o tempo e a sua

medida relativa, o fato dele ter atribuído a ambos um fluxo fez com que

prevalecesse na modernidade a idéia de um tempo móvel (com cadência própria) e

infinito (não limitado em ambos os sentidos). Em virtude deste fato, os princípios

metafísicos de Newton acabaram sendo deixados de lado, nos séculos que se

seguiram a publicação dos Principia..., no desenvolvimento do formalismo

matemático da mecânica.

Tempo absoluto, em astronomia, é distinguido do tempo relativo, pela equação ou correção do tempo aparente. Porque os dias naturais são de fato desiguais, apesar de serem comumente considerados como iguais e usados como medida de tempo;

1 Cf. Silva, N. F. R. da. 2003: Tempo e Experiência: Um estudo filosófico acerca da natureza do

instante e da duração. p. 84 / 85.

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4 A ciência do tempo e o século XX 57

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os astrônomos corrigem essa desigualdade, para que possam medir os movimentos celestes por um tempo mais rigoroso. Pode ser que não haja algo como movimento uniforme, onde o tempo possa ser rigorosamente medido. Todos os movimentos podem ser acelerados e retardados, mas o fluxo de tempo absoluto não é passível de mudanças. A duração ou perseverança da existência das coisas permanece a mesma, sejam os movimentos rápidos ou lentos, ou até completamente nulos. E, portanto, essa duração deve ser distinguida daquelas que são apenas suas medidas perceptíveis, a partir das quais aquela é deduzida através da equação astronômica2.

Apesar de atrativa para os leigos, a idéia de Newton de tempo absoluto

fluindo em um ritmo uniforme sejam quaisquer forem os acontecimentos do

mundo, de forma que continuaria igual mesmo que o universo estivesse

completamente vazio, foi muitas vezes criticada pelos filósofos, conforme se pode

observar no capítulo anterior do presente trabalho. Essa idéia supõe que o tempo é

um tipo de coisa e atribui a ele a função de fluir. Se o tempo fosse uma coisa que

fluísse, ele próprio consistiria em uma série de eventos no tempo, mas isso não

faria sentido algum. Além disso, se o tempo pode ser considerado isolado, “sem

relação com qualquer fator externo”, como dizia Newton, o que significaria dizer

que seu fluxo não é uniforme? E se não há significado nem mesmo para a

possibilidade de um fluxo não-uniforme, de que adianta dizer que o tempo “flui

uniformemente”? Uniformemente como relação a que, se ele independe de todo e

qualquer fator externo? Pode-se observar que, apesar de procedentes, estas críticas

não levam em consideração o fato de Newton não ser um filósofo, num sentido

mais apurado do termo, mas um cientista basicamente preocupado com o uso

prático de suas idéias fundamentais. Porém, infelizmente, sua definição de tempo

absoluto não tem uso prático! Nós podemos apenas observar os eventos e

processos da natureza e neles basear nossas medidas de tempo. Com efeito, essa

ciência, a fim de privilegiar a consideração sobre essa suposta “ordem eterna” que

rege a natureza, concedeu ao tempo, a partir desta visão inaugural, o estatuto de

“tempo real” ou “tempo físico”, definido basicamente em termos de conceituação

e medida. O tempo na ciência adquire um “parâmetro matemático abstrato”,

presente nas leis e equações ( t ) tão familiares aos estudantes de física.

Essa idéia de um tempo absoluto foi rejeitada por Leibniz, que argumentava

que os eventos têm estatuto ontológico mais fundamental do que os instantes e

que, portanto, seria absurdo imaginar instantes quando não existem coisas, e por

2 Cf. Newton, I. 1990: Principia: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. p. 8 - 9.

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4 A ciência do tempo e o século XX 58

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Kant, que ao postular que o tempo é uma forma da percepção humana define, por

extensão, que a totalidade da experiência e a sua possibilidade em geral – o

númeno – é atemporal. Apesar de hoje já se saber que estas teorias estão muito

mais próximas das tendências contemporâneas da física, o modelo científico

clássico ignora estes aspectos e funda seus modelos na idéia de tempo que

prevalece no senso-comum.

Nós séculos XVIII e XIX, porém, o ponto de vista de Newton era dominante, de modo que no início do século XX admitia-se genericamente que havia apenas um sistema universal de tempo e que ele existia por si só. Essa crença não se limitava aos cientistas: foi alimentada pela tendência crescente na civilização industrial para que a vida dos homens fosse regulada pelo relógio, particularmente depois da produção em massa de relógios baratos. Mesmo a divisão da superfície da Terra em fusos horários separados não minou muito a crença da natureza absoluta e universal do tempo. A introdução da “economia de luz” (horário de verão) no Reino Unido, em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, foi recebida com fortes protestos, não só daqueles que o consideravam inconveniente, mas também dos que achavam um ultraje interferir com “O Próprio Tempo de Deus!”. As pessoas mais sofisticadas percebiam que a escolha da hora zero e das unidades de tempo podia ser alterada para atender às conveniências do homem, mas acreditavam que esses eram os únicos aspectos arbitrários na concepção de tempo, tudo o mais nele era único e inalterável. Na verdade via-se o tempo como uma espécie de lâmina em movimento, que cobria todos os pontos do universo simultaneamente3.

Portanto, foi um grande choque quando, em 1905, Einstein descobriu uma

lacuna que tinha passado despercebida na teoria da medida do tempo e que o fez

rejeitar suas suposições e toda a filosofia do tempo a elas associadas, mas voltarei

a este ponto mais adiante, após uma breve exposição dos meandros da teoria

clássica do tempo físico.

Sinteticamente, pode-se dizer que este tempo estudado pela mecânica é

linear, contínuo, homogêneo e independente do referencial e da presença de

campo ou matéria. Além disso, ele compõe, junto com o espaço, o “palco” onde

se dão os eventos (fenômenos) físicos. Apesar dessa vinculação teleológica,

tempo e espaço são, dentro desta perspectiva clássica de ciência do tempo,

entidades distintas, independente de qualquer referencial. Segundo a metáfora

anteriormente empregada, espaço e tempo são o “palco” cuja existência independe

da presença dos “atores”, neste caso, os eventos.

3 Cf. Whitrow, G.J. 2005: O quê é o Tempo? p. 105

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Dizer que o tempo independe do referencial é aceitar que, tanto a variação

do tempo (∆t) quanto a simultaneidade entre eventos, é a mesma para quaisquer

observadores inerciais entre si. Assim como o ∆t, a simultaneidade de eventos é

também uma noção absoluta, independente do referencial.

O tempo e a simultaneidade absolutos, compartilhados por todos os

referenciais inerciais, são necessários para dar significado às leis mecânicas. A

terceira lei de Newton argumenta que se A exerce uma força sobre B, B exerce

instantaneamente uma força igual e contrária sobre A, estando a simultaneidade

das medidas já aí implicada. A noção de simultaneidade absoluta dá um

significado inequívoco à esta terceira lei de Newton e se insere naquele quadro de

“ação instantânea à distância” tão característico desta teria e, sem o qual, essa

teoria simplesmente não funcionaria4.

O tempo, diferentemente do espaço, é unidimensional. É ainda contínuo, no

sentido de que entre dois instantes quaisquer existem infinitos outros. Esse caráter

linear e contínuo do tempo clássico faz com que uma boa representação para ele

seja a reta dos números reais, no entanto, esta ainda seria uma representação

estática, o aspecto dinâmico, próprio do tempo, começa a aparecer quando

consideramos outra de suas propriedades, a sua homogeneidade.

Por homogeneidade entende-se, grosso modo, que todas as “partes” do

tempo são idênticas entre si. Isso assegura que quaisquer dois experimentos

independentes que tenham hoje um resultado X podem ser repetidos no futuro

com mesmo resultado5. Dito e outra forma, é isso que garante que o resultado dos

experimentos não dependa do momento em que os experimentos são realizados,

os resultado permanecem idênticos preservando-se as mesmas condições iniciais.

Essa propriedade encontra-se relacionada, pelo formalismo matemático desta

teoria, a um dos mais importantes princípios da conservação da física: o da

energia. Poderia-se dizer que a homogeneidade corresponde a uma certa simetria

do tempo que se reflete na lei de conservação da energia.

É possível ainda pensar essa homogeneidade como fundamento da

afirmação newtoniana do fluir uniforme do tempo. Dizer que o transcurso do

tempo é uniforme significa algo como afirmar que ele “passa” sempre da mesma

maneira, sem acelerações ou retardamentos com relação a um determinado

4 Cf. Rindler, W. 2001: Time from Newton to Einstein to Friedman. p. 65 5 Cf. Rindler, W. 2001: Time from Newton to Einstein to Friedman. p. 64.

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referencial, o que, na verdade, não constitui, conforme observado anteriormente

(p. 57), uma definição muito precisa, pois o que significaria dizer que o tempo não

é uniforme com relação a seu referencial? Que o tempo passa mais rápido, ou mais

devagar, com relação ao... tempo? De todo modo, podemos conceber, meramente

por hipótese, que o fluir não-uniforme do tempo corresponderia, na prática, a algo

como o passar desigual de minutos, aos movimentos aritmados de astros em suas

órbitas, quase como ver um filme apertando aleatoriamente as teclas “fast foward”

e “play” do dispositivo de vídeo. Em um mundo de tempo não-uniforme, a energia

pareceria não se conservar, “surgir do nada” ou simplesmente “desaparecer”.

Não obstante, é necessário observar que afirmar que o tempo é linear,

contínuo e homogêneo (uniforme) não significa dizer que ele flui em um sentido

determinado. Tanto é possível percorrer uma “linha reta” num sentido como no

outro. Portanto, a homogeneidade do tempo não implica na sua irreversibilidade,

pois um mundo que funcionasse no sentido oposto obedeceria todas as mesmas

leis de conservação de energia necessárias a mecânica. Ainda não é aqui que

aparece uma justificação estritamente científica para nossa intuição dinâmica e

irreversível do tempo. Para elucidar a relação entre a nossa percepção e esse

“tempo físico” é necessário observar, portanto, os processos onde a energia se

conserva (conservativos) e os processos onde isso não acontece (dissipativos).

É importante reafirmar, primeiramente, que a mecânica clássica é uma

teoria temporalmente reversível, ou seja, é invariante por reversão temporal

(qualquer transformação que troque t por –t). Pode-se compreender essa

invariância por reversão temporal como a afirmação de que, nesses moldes, uma

seqüência qualquer de estados é dinamicamente possível se e somente se o seu

reverso temporal também é possível.

Como uma teoria reversível acomoda então a irreversibilidade do tempo?

Na verdade, ela não acomoda. Consideremos o caso dos sistemas conservativos.

Um sistema desse tipo, como o pêndulo que oscila sem atrito ou qualquer

resistência, é idêntico a um outro que seja sua reversão temporal. Na prática, não

conseguiríamos distinguir, numa filmagem de ambos, qual deles “avança” e qual

“retrocede”. A formulação mecânica assegura, nestes casos, que haja

homogeneidade do tempo, conservação de energia e, portanto, reversibilidade

dinâmica. Mas sistemas assim representam sempre uma aproximação, pois a

energia mecânica nunca se conserva, estritamente.

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A quebra da simetria de inversão temporal parece, portanto, estar vinculada

a não-conservação de energia. Nos sistema desse tipo, ditos dissipativos, há

transformação da energia mecânica em formas mais “desorganizadas” de energia,

principalmente a energia térmica. Um sistema dessa natureza é considerado

irreversível, mas apenas no sentido de que sua reversão temporal nunca é

observada. Dessa maneira, somos capazes de distinguir entre um pêndulo

(dissipativo) que oscila até parar de um que milagrosamente parte do repouso e

oscila com amplitude cada vez maior. A não-conservação da energia mecânica

acrescenta ao “tempo físico” uma de suas características mais fundamentais, sua

irreversibilidade.

Mas a relação entre a não-conservação da energia mecânica e a

irreversibilidade do tempo não é tão imediata, pois embora as inversões temporais

dos sistemas dissipativos nunca sejam observadas espontaneamente, elas são

dinamicamente possíveis. Digo, não há nada nas leis da mecânica que impeça o

milagre do pêndulo começara oscilar, a partir do repouso, com amplitude cada vez

maior6.

Strictu sensu a irreversibilidade do tempo foge ao escopo da mecânica exata

e recai numa esfera puramente estatística, onde o aumento do grau de entropia

(desorganização energética) do sistema determina sua probabilística

irreversibilidade. O caráter estatístico da lei do aumento da entropia faz com que

a reversão do tempo seja simplesmente um processo pouco provável, o suficiente

para que os cientistas o considerem, na prática, impossível (de fato). No entanto, é

necessário observar que ao tentar vincular a mecânica e a termodinâmica a um

tempo realmente irreversível, o fazemos mediante uma acepção probabilística, e

não absoluta7.

Filosoficamente, a questão da irreversibilidade do tempo no âmbito da

mecânica está em aberto. O estudo de sistemas dissipativos tem procurado mostrar

a existência de uma “seta do tempo” mais fundamental, ligada a equações não-

lineares que descrevem de modo assimétrico os sistemas mais elementares da

mecânica estatística (Prigogine & Stengers, 1992). Para outros, no entanto, a

6 Essa discussão sobre a possibilidade de explicação da irreversibilidade do tempo através da mecânica clássica, apesar de datar do final do século 19, permanece atual. Ela ficou conhecida como “paradoxo da reversibilidade” e a idéia central é justamente a de como é possível explicar a irreversibilidade macroscópica (observada) se, microscopicamente, as leis mecânicas que movem as partículas são reversíveis temporalmente.

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termodinâmica não-linear irreversível não revolucionou a visão tradicional sobre o

sentido do tempo, pois continua apoiando suas conclusões sobre condições

subjetivas e não leis fundamentais realmente irreversíveis (Von Borzeszkowski &

Washner, 1984). Daí que se busque ainda hoje, na mecânica quântica e na física

relativística, argumentos tanto em prol de uma irreversibilidade real quanto de

sua aparência ilusória.

A física relativista, apesar de ter causado uma revolução na maneira de se

compreender o tempo, não surgiu com este intuito. O problema originário de

Einstein era tentar conciliar o eletromagnetismo clássico, na formulação de

Maxwell-Lorentz, com o “princípio da relatividade” da mecânica newtoniana,

enunciado, num dos corolários do Prinicipia..., desta forma: “Os movimentos dos

corpos incluídos em um dado espaço são os mesmos entre si, esteja este espaço

em repouso ou seguindo uniformemente em linha reta”.

Embora esse princípio de relatividade fosse considerado universalmente

válido para corpos materiais, ele parecia divergir da teoria de Maxwell. Ao buscar

uma solução para essa incompatibilidade, Einstein estabeleceu como postulado

básico a constância de c (300.000 km/s), conforme medida por qualquer sistema

referencial inercial. E foi isso que o levou, em última análise, a tocar nos

conceitos de espaço e tempo, tomando como premissa as equações de Maxwell,

nas quais a luz está contida.

O fato da luz ter uma velocidade propagação finita insere um novo dado na

formulação mecânica. Antes era possível considerar, p.ex., a interação entre os

centros gravitacionais da Terra e da Lua dentro de um contexto de ação

simultânea à distância, onde justamente as astronômicas distâncias eram

ignoradas ao assumir-se que a interação se propagava com velocidade infinita e,

por isso, instantaneamente. Dentro desta perspectiva, o par ação-reação que

descreve a interação gravitacional entre esses corpos e se encontra

imaginariamente representado por uma linha reta que liga seus centros de massa,

seria deslocado simultaneamente a qualquer alteração na posição desses corpos.

Einstein constatou também que, segundo sua teoria, as leis de movimento de Newton – antes consideradas o fundamento de grande parte da física – tinham que

7 Cf. Martins, P. F. A. & Zanetic, J. 2002: Tempo: esse velho estranho conhecido. In: Ciência e Cultura ; pp. 41-42.

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ser modificadas, particularmente para corpos com movimentos rápidos. Por exemplo, a massa inerte de um corpo, anteriormente considerada independente de seu movimento, passou a ser vista aumentando indefinidamente, à medida que sua velocidade se aproxima da velocidade da luz. Conseqüentemente, quanto mais rápido esse corpo se mover, sua velocidade se alterará cada vez menos, pela ação de uma certa força. Disso resulta que nenhuma partícula de matéria pode jamais atingir a velocidade da luz8.

O estabelecimento da velocidade finita de propagação da luz fixou uma

espécie de limite superior para essa transmissão de informação. No entanto, o seu

valor absurdamente elevado faz com que as conseqüências dessa finitude não

sejam perceptíveis em nosso cotidiano. Porém, a grandes distâncias, o conceito de

simultaneidade entre eventos se torna relativo. Um observador a meio caminho

ente a Terra e o Sol demoraria cerca de 4 minutos para perceber uma anomalia no

Sol e esta mesma anomalia só seria detectada pelos demais observadores terrestres

outros quatro minutos depois. Dois eventos, um na Terra e outro no Sol, que para

esse observador fossem simultâneos, não o seriam para um outro observador

lunar.

No entanto, a ruptura com o modelo clássico de tempo, na teoria da

relatividade, vai mais além. A teoria de Einstein da relatividade especial é

incompatível com o conceito de Newton de tempo absoluto, mas poderia, por

outro lado, ser vista como um desenvolvimento da teoria de Leibniz do tempo

relativo. A idéia de que o tempo deriva dos eventos é compatível com a existência

de uma multiplicidade de sistemas de tempo associados com diferentes

observadores. Dentro do escopo da relatividade especial o tempo passa a ser

considerado, como esclarece Whitrow, “um aspecto da relação entre o observador

e o Universo”. Ou seja, tempo e espaço já não podem mais ser analisados

desconectados entre si, como argumentou Minkovski: “Ninguém jamais percebeu

um lugar a não ser em um tempo, ou um tempo a não ser em um lugar”. Segundo

as transformações de Lorentz, espaço e tempo formam uma única entidade tetra-

dimensional e todos os eventos passam a ser descritos segundo quatro

coordenadas, três espaciais e uma temporal.

A crítica de Einstein ao conceito clássico de simultaneidade, anteriormente

citado, parece descartar a possibilidade de uma seqüência objetiva de estados

8 Cf. Whitrow, G.J. 2005: O quê é o Tempo? p. 111.

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temporais do universo, pois cada observador tem sua própria seqüência desses

estados, e nenhum pareceria ser de alguma forma especialmente privilegiado.

Neste novo “palco” da relatividade, embora não haja um observador

privilegiado, existe uma classe de observador privilegiado, o observador inercial.

E com relação a estes observadores inerciais, a realidade relativística prevê um

efeito bastante curioso no que diz respeito ao tempo. Uma vez que se toma o

“espaço-tempo” como uma só realidade, a alteração da velocidade de um objeto

gera um fenômeno chamado de dilatação do tempo com relação a um observador

inercial em relação a este objeto. É justamente em virtude desse fenômeno que

pode-se observar o “paradoxo do relógio”, como é hoje chamado, que descreve a

diferente passagem do tempo em dois relógios viajando a diferentes velocidades,

o efeito é maior quanto mais próximo da velocidade da luz for o deslocamento.

Embora os intervalos de tempo e a simultaneidade dependam dos sistemas

de referência adotado, isso não significa que “tudo é relativo”. A relatividade

especial incorporou novos absolutos, como a velocidade da luz e o “intervalo

relativístico”, que é uma espécie de “distância generalizada” no espaço-tempo9.

Também a causalidade foi preservada, uma vez que dois eventos conectados entre

causalmente entre si (separados por uma distância d tal que d<ct) mantêm o seu

nexo causal independentemente do referencial. Isso significa que, embora a

observação dos eventos temporais possa ser observada na ordem inversa

dependendo da posição do observador, está preservada dentro do escopo desta

teoria uma certa ordem determinada de eventos, segundo uma linha encadeada de

causa-efeito10.

Se a homogeneidade do tempo encontrava-se, classicamente, associada a

conservação de energia, na teoria da relatividade existe uma dependência do

transcurso do tempo com relação ao estado de movimento do observador e isso

insere um novo elemento a teorização do tempo da mecânica: Do mesmo modo

que tempo e espaço perdem sua autonomia, energia e movimento também formam

um composto de tal maneira que o espaço-tempo corresponde a conservação da

energia-movimento.

O último golpe na maneira clássica de se pensar o tempo se dá com o

advento da “relatividade geral”.

9 Cf. Szamozi, G. 1988: Tempo e Espaço: as dimensões gêmeas; p. 150. 10 Cf. Davies, P. 1999: O Enigma do Tempo; p. 25-32 – 370.

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Em física, a relatividade geral é a generalização da teoria da gravitação de Newton, publicada em 1915 por Albert Einstein. A nova teoria leva em consideração as idéias descobertas na relatividade restrita sobre o espaço e o tempo e propõe a generalização do princípio da relatividade do movimento de referenciais em movimento uniforme para a relatividade do movimento mesmo entre referenciais em movimento acelerado. Esta generalização tem implicações profundas no nosso conhecimento do espaço-tempo, levando, entre outras conclusões, à de que a matéria (energia) curva o espaço e o tempo à sua volta. Isto é, a gravitação é um efeito da geometria do espaço-tempo11.

Com esta teoria, Einstein incorpora a gravitação no âmbito da relatividade,

tomando como princípio fundamental dessa teoria a equivalência entre sistemas

acelerados e sistemas submetidos a campo gravitacional12

. O princípio da

relatividade passa a ter validade universal, e não apenas em sistemas inerciais de

referência. O espaço-tempo, nesse novo contexto, é afetado pela própria presença

da matéria, a própria noção de massa (matéria) é reeditada e, pela primeira vez, há

a identificação, como conseqüência do princípio de equivalência supracitado,

entre massa inercial e massa gravitacional. É como se o “palco”, até então não

dependente da presença dos “atores”, passasse a depender disso para existir. A

métrica do espaço-tempo, determinada numa geometria generalizada (não-

euclidiana), é afetada pelo conteúdo material do Universo.

A relatividade geral prevê o evento da dilatação do tempo na presença de

um campo gravitacional. Relógios próximos a superfícies da Terra, p.ex., andam

mais lentamente do que seus semelhantes colocados em grandes altitudes. O

fenômeno da dilatação do tempo é maior quanto maior for a intensidade do campo

gravitacional13. Logo, o fluir do tempo, além de depender da velocidade relativa

entre seus observadores, é afetado pela presença da matéria do Universo.

No século XX, as teorias da relatividade, aliadas à mecânica quântica,

levaram a um desenvolvimento sem precedentes na área da cosmologia. Surgiram

diversos modelos teórico-experimentais, sempre acompanhados de afirmações e,

principalmente, de questões nas quais o tempo desempenha papel central; o tempo

é hoje uma das questões, se não “a questão”, mais fundamental dentre aquelas

11 “Relatividade Geral” In: Wikipédia (http://pt.wikipedia.org) 12 Idem 13 Cf. Davies, P. 2002: Como construir uma máquina do tempo. p. 62-67.

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sobre as quais conjectura a física. Ainda atualmente, admitindo-se o “modelo

padrão” aceito atualmente, que prevê a ocorrência do Big Bang e uma posterior

expansão cósmica, a “origem do tempo” e a idade do cosmo são temas

controversos.

Para entender o modo como a física quântica lida com a questão do tempo, é

necessário entender que tipo de brecha aparece na relatividade geral para que uma

nova linha de questionamento pudesse ser desenvolvida.

A teoria da relatividade, conforme mencionado anteriormente, se baseia

conceitualmente em alguns fatores absolutos, o mais importante deles sendo a

velocidade da luz ( c ). A tese fundamental levantada por esta teoria, e apoiada

nesse absoluto, é a de que nenhuma partícula (parte de matéria) pode viajar a uma

velocidade maior do que a da luz, tomando a luz como a coisa movente mais

veloz no universo.

Ao longo do século XX, Plank, Rutherford e, por final, Bohr, trabalharam

no sentido de obter um conhecimento mais refinado acerca das estruturas

fundamentais da matéria, chegando finalmente a um conhecimento acerca da

natureza do átomo, e, paralelamente a isso, Einstein trabalhava no sentido de

tornar mais coesa a fundamentação de suas equações da luz que, muito embora a

teoria da relatividade tenha sido muito bem aceita, de maneira geral, foram

bastante contestadas, pois pareciam, em certa medida, insustentáveis, segundo

esclarece Szamosi14, e justamente o que a tornava tão difícil de ser assimilada era

a hipótese levantada por Einstein de haver um caráter dual na existência da luz.

Como se poderia supor a época que algo não era nem onda e nem partícula, mas

que, dependendo da situação, poderia ser uma coisa ou a outra? Foi precisamente

esta idéia que impulsionou uma grande revolução no ramo das ciências físicas e

que gerou, mais tarde, a física quântica.

Um dado interessante a respeito da física quântica é que, diferentemente das

teorias físicas apresentadas até aqui, a teoria quântica não surge como resultado do

trabalho de um autor especifico, mas sim de várias pesquisas paralelas que vieram

a concluir, por fim, aquilo que hoje se chama de mecânica quântica15. Conforme

mencionado anteriormente, a origem do questionamento acerca na natureza

quântica do átomo ganha relevância na ciência após essa confluência teórica,

14 Cf. Szamozi, G. 1988: Tempo e Espaço: as dimensões gêmeas. p. 184. 15 Cf. Szamozi, G. 1988: Tempo e Espaço: as dimensões gêmeas. p. 187.

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4 A ciência do tempo e o século XX 67

67

Einstein e o caráter dual da luz e Plank, Rutherford e Bohr com a descoberta do

núcleo e a fundação dos primeiros modelos atômicos.

Em 1913, o modelo atômico de Bohr surge como o primeiro capaz de

explicar a estabilidade atômica prevendo uma série de órbitas elétricas ao redor do

núcleo carregado. No contexto desta teoria, um átomo absorveria a luz ou a

emitiria em virtude do posicionamento desses elétrons nessas diferentes órbitas.

Bohr criou as condições matemáticas para determinar essas órbitas e explicar esse

mecanismo sem, no entanto, conseguir justificar o porquê destas órbitas e o que

exatamente manteria os elétrons dentro destes perímetros determinados.

Na década seguinte experimentos foram empreendidos por diversos

estudiosos no sentido de tentar viabilizar a hipótese de Louis de Broglie (1923),

de que o caráter dual da luz poderia ser também atribuído as demais entidades

físicas16. Como resultado desse grande empreendimento encontramos o

surgimento, principalmente, da mecânica ondulatória de Schroedinger e dos

princípios atômicos de Heisenberg.

A partir de 1926 a mecânica quântica evoluiu através de duas vertentes distintas: uma delas ocupou-se em responder várias perguntas relacionadas com os átomos, com as moléculas, com a física nuclear, com a química e com os problemas do estado sólido; a outra vertente (1927), se voltará para o desconhecido mundo do eletromagnetismo e das partículas elementares, estendendo a mecânica quântica ao domínio dos campos eletromagnéticos. Desse modo passou a apresentar resultados muito satisfatórios que envolviam, ao mesmo tempo e, de forma inusitada, a luz e os átomos17.

Há diversas questões envolvendo a noção de tempo na mecânica quântica,

quase todas sendo bastante polêmicas – como é característico dessa teoria. Para

compreender então o que diz a física quântica a respeito do tempo, é necessário

compreender esse duplo aspecto do enfoque da teoria quântica.

Conforme citado anteriormente, a física do átomo e a física da luz atingem

um patamar comum e, ao longo da década de vinte, constituem então a mecânica

quântica em cima de duas hipóteses fundamentais. A primeira delas sendo, a

16 Cf. Szamozi, G. 1988: Tempo e Espaço: as dimensões gêmeas. p. 187. 17 Cf. Silva, N. F. R. da. 2003: Tempo e Experiência: Um estudo filosófico acerca da natureza do

instante e da duração. p. 107.

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4 A ciência do tempo e o século XX 68

68

dualidade onda-partícula, derivada das pesquisas de Einstein sobre a luz e

estendida para todos os componentes subatômicos da matéria, e a segunda, o

principio de incerteza, atribuído a Heisenberg.

A dualidade onda-partícula postula que, tal como a luz, toda substância

subatômica constituinte da matéria não é onda nem partícula isoladamente, mas

constitui uma existência dual que pode comportar-se como onda ou como

partícula em virtude da situação (do experimento), o que leva a conclusão –

aparentemente contraditória - de que ontologicamente são as duas coisas, onda e

partícula, ou seja, uma outra coisa que não é nenhuma destas duas tomadas

isoladamente.

Isso, por si só, já causa uma grande alteração no pano de fundo sob o qual

trabalhava a física até então, a relatividade geral, p.ex., ao postular a velocidade

da luz (onda e partícula) como um limite superior inigualável de velocidade, trata

tudo o mais no universo com sendo ontologicamente partícula, e deriva daí,

segundo a lei fundamental de Newton (F = m . a), que nenhuma partícula poderia

atingir velocidade igual ou superior a da luz.

Mas e agora que isso que era entendido meramente como partícula adquire o

caráter dual de, tal com ao luz, ser onda e partícula simultaneamente?

Classicamente falando, conhecendo-se certos dados a respeito de uma partícula

(velocidade, aceleração, posição em um dado momento) é possível determinar

outros dados e rever ou prever seu movimento com precisão. Uma vez que o

conceito fundamental desse elemento subatômico é refeito, ora um elétron, p.ex.,

pode se comportar como uma partícula elementar localizada numa posição do

espaço ora como uma onda estendida espacialmente. Isso significa que, dentro do

contexto quântico, o cálculo dos dados instanciais desse elemento são incertos,

não podem ser aferidos com precisão, ou ainda, numa perspectiva mais

abrangente, não são observáveis. Esse fato foi descoberto por Heisenberg e ficou

conhecido com o “princípio de incerteza”.

Esse “princípio de incerteza” de Heisenberg “fixa limites rigorosos ao grau

de precisão com que podemos determinar as propriedades de uma partícula18”.

Conforme explica Davies, segundo esse princípio, quanto mais se conhece sobre

um determinado atributo do elemento, mais incerto se tornam os demais atributos,

18 Cf. Davies, P. 1999: O Enigma do Tempo; p. 117.

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4 A ciência do tempo e o século XX 69

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quanto melhor se mede o deslocamento desse elemento, mais incerta se torna sua

posição e vice-versa, foi antecipando algo desta natureza incerta das partículas

subatômicas que Schroedinger, em 1926, obteve sua fórmula segundo a qual uma

mesma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo com 50% de chance

de estar no primeiro e 50% de chance de estar no último. Outro destaque é a

presença do tempo numa das relações de incerteza de Heinsenberg, conjugado a

grandeza E (energia), evidenciando que ambos não podem ser simultaneamente

conhecidos com precisão. Ou seja, quando o tempo é tomado como efetivamente

definido (existente), a própria partícula, sua constituição energética, se torna “mal

definida” e vice-versa, se a partícula é energeticamente bem definida, o tempo,

por sua vez, é incerto, não pode ser determinado com precisão ou, dependendo da

interpretação, não existe. Essa relação entre energia e tempo é historicamente

polêmica e ainda hoje parece não haver consenso sobre qual a melhor maneira de

interpretá-la19.

O tempo reaparece como problema no contexto dos efeitos “não-locais”,

onde sistemas com distância (d) superior a ct são capazes de interagir entre si

instantaneamente. A explicação da interação não-local desta natureza,

confirmadas por experimentos recentes, sugere a possibilidade da transmissão de

algum tipo de “informação” a uma velocidade maior que c, o limite fixado pela

teoria da relatividade.

O problema da irreversibilidade também é formulado pela mecânica

quântica e, sendo a mecânica uma teoria reversível temporalmente, o privilégio de

um certo sentido do tempo nos sistemas de “onda-partícula” carece de explicação.

Muitos argumentam que o próprio processo de medição do sistema (o colapso da

função “onda” dos sistemas) altera a simetria e introduz o caráter irreversível nos

sistemas quânticos.

Price, p.ex., argumenta que a assimetria observada não deve ser aplicada ao

mundo quântico e que, no entanto, esta mesma crença está pressuposta

tacitamente em todas as interpretações quânticas. Price conclui, portanto, que essa

crença na “seta do tempo”, longe de ser justificável pela mecânica, é uma

característica elementar da experiência humana que não deve ser transposta para o

micro-mundo. Esse tipo de leitura da mecânica quântica reacende a possibilidade

19 Cf. Pessoa Jr, O. 1995: Uma incerta história do observável tempo na física quântica. p. 207-246.

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4 A ciência do tempo e o século XX 70

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de compreensão da mecânica baseada na idéia de simetria e da simultaneidade (da

possibilidade da perfeita reversão temporal), o que eliminaria inclusive a

problemática dos efeitos “não-locais”, citada anteriormente.

Na contra-mão deste tipo de leitura, os defensores de uma irreversibilidade

real buscam no eletromagnetismo quântico a solução para este problema. Nesse

contexto, as anti-partículas podem ser entendidas como partículas que andam

“para trás” no tempo e os experimentos recentes com o káon (partícula gerada em

colisões nucleares) tentam demonstrar o modo pelo qual o káon se transforma

espontaneamente no seu anti-káon e vice-versa. Embora esses processos também

sejam simétricos, os estudos indicam que há um sentido privilegiado nessa

relação, uma vez que a partícula parece “permanecer mais tempo” enquanto anti-

káon do que enquanto káon, o quê daria pistas de uma “irreversibilidade

elementar”.

Também ligados a esta questão estão os estudos com a anti-matéria, que

prevêem um universo paralelo ao nosso (um anti-Universo) em que o tempo p.ex.

anda para trás. O aprofundamento destas questões foge ao objetivo deste trabalho,

mas só para situar o nível de complexidade dos temas tratados em micro-física

atualmente podemos observar as palavras de Daniel Greenberger, conforme

citadas por Davies em O enigma do Tempo: “Einstein afirmou que se a física

quântica estiver certa, o mundo é louco. Bem, Einstein estava certo. O mundo é

louco20”.

Talvez já seja hora de considerarmos tal possibilidade, ou melhor, talvez

seja a hora de considerarmos a possibilidade de que o conhecimento da verdade

escape aos limites da simples razão e exija de nós algum outro tipo de intuição a

respeito do mundo. De qualquer maneira esse tipo de questionamento foge ao

limites estritos do método científico e, portanto, não são sequer formulados pela

ciência.

20 Cf. Davies, P. 1999: O Enigma do Tempo; p. 217.

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4 A ciência do tempo e o século XX 71

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Os problemas aqui tratados não transcendem, e nem podem, e esfera dos

fenômenos e, no que diz respeito a fenômenos, o “tempo está em apuros”. Todas

as “mecânicas” brevemente apresentadas aqui são teorias reversíveis

temporalmente e nenhuma delas parece ser capaz de confirmar nossa experiência

ordinária de que o tempo passa, de que o tempo flui e de que ele não volta atrás.

Se existe uma palavra que pode definir o conceito de tempo na ciência

contemporânea, essa palavra é incerteza. O tempo, tal qual toda e qualquer outra

medida precisa como posição, aceleração ou trajetória, simplesmente desaparecem

na física contemporânea enquanto instâncias objetivamente determináveis. A

cosmologia quântica simplesmente aboliu o tempo. Do ponto de vista puramente

quântico o tempo não passa de uma noção aproximada e derivada e supor a

realidade de uma “seta do tempo” simplesmente não faz sentido21. Do ponto de

vista quântico a única certeza é de que não há nenhum tempo bem definido em

que os processos quânticos se dêem. Logo, conclui Davies, parece que Wheeler

está certo ao dizer que o tempo tende a desaparecer como alicerce da física

contemporânea22.

21 Cf. Davies, P. 1999: O Enigma do Tempo; p. 239. 22 Cf. Davies, P. 1999: O Enigma do Tempo; p. 239.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo

Conforme se pôde observar neste trabalho, a ciência se oferece,

principalmente ao longo do século XX, como um método de análise profunda dos

fenômenos físicos. Circunscritos nessa definição estão diversos tipos de

fenômenos que geraram, dentro da metodologia científica, diversas áreas de

estudo e equações e teoremas específicos para cada um destes tipos de fenômeno.

Embora se tenha obtido desta forma grande conhecimento específico acerca

desses fenômenos, a necessidade de explicar a realidade como um todo fez com

que a ciência sempre tivesse, como uma espécie de “objetivo velado”, criar um

tipo de teoria geral de tudo. Que, como diz a própria nomenclatura, seria uma

espécie de teoria que pudesse explicar tudo no universo, desde o seu

funcionamento microscópico até a experiência ordinária do mundo macroscópico.

E foi justamente a busca dessa teoria que levou ao grande desenvolvimento da

área da cosmologia.

Hoje podemos dizer que permeia o pensamento científico, e, por extensão, o

imaginário social, a idéia de que todos os eventos atualmente manifestos em nosso

universo são conseqüências de um único evento, uma espécie de singularidade

inicial, que deu início à expansão da matéria e, conforme estabelecem os

princípios da relatividade, “deu o ponta-pé inicial” do próprio espaço-tempo.

Um dos problemas epistemológicos mais graves com o qual a ciência

inevitavelmente se depara ao acatar essa visão acerca da criação do Universo está

justamente associada a essa origem do tempo do universo. Medindo o

deslocamento das galáxias chegou-se a um número aproximado de 15 bilhões de

anos, o que corresponderia ao tempo que decorreu desde a singularidade até hoje.

Ao datar o universo desta maneira surge uma inevitável pergunta a respeito do

tempo: O que se passava “antes” desse momento?

Essa pergunta é exigida pelo nosso pensamento causal e por um certo

determinismo físico que sugere que tudo está retroativamente ligado a sua causa,

que ocorre num momento anterior do tempo. Nesse sentido, é inevitável se

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 73 73

perguntar a respeito da causa desta singularidade primária do universo e em que

tempo ela se dá.

Conforme já afirmava Santo Agostinho, ainda na Idade Média, formular a

pergunta acerca do que viria “antes” da criação é formular um questionamento

absurdo, pois o tempo não poderia preceder a própria criação para que algo a

causasse e lhe fosse anterior. Asserava o Santo Doutor, dentro do seu vocabulário

teológico, que “Deus nada fazia antes de criar o mundo1” pois o próprio tempo,

enquanto uma das possíveis criaturas de Deus, não poderia ser criado antes, mas

sim concomitantemente a tudo o mais que é criado por Deus2.

Esse questionamento permanece até hoje extremamente atual e pertinente, a

própria ciência física se mostrou bastante embaraçada ao tentar lidar com esta

questão. Se o espaço-tempo é uma propriedade intrínseca a constituição do

universo e não o contrário, então é impossível, mesmo para ciência, pensar o que

veio “antes” do universo, o que põe em cheque o determinismo causal que

sugestiona que “algo deve ter causado” a singularidade. Por outro lado,

igualmente problemático é tentar situar o universo num tempo que lhe seja

radicalmente exterior, pois isso seria afirmar a existência de um outro tempo que

não o tempo do universo e, nesse sentido, o quê significaria situar o nosso tempo

dentro de um outro tempo do qual nada podemos saber simplesmente porque ele

nos é ontologicamente distinto.

O Big Bang, considerado uma singularidade, assinala uma quebra na descrição clássica do espaço e do tempo, baseada nas leis da relatividade geral. Se imaginássemos, à título de ilustração, o filme cósmico de trás para frente, veríamos que a matéria será cada vez mais comprimida à densidades enormes, como no estágio final de uma estrela; nossas noções de espaço e tempo, portanto, se desintegrariam em uma sopa quântica em que todos os tempos e geometrias são possíveis, todas as histórias coexistem, todas relevantes. Não podemos, a partir dessas considerações, pensar em tempo “antes” do Big Bang, pois não existe um fluxo de tempo definindo “antes” e “depois”3.

1 Notas 53, 54 e 55 do presente trabalho. Páginas 32 e 33. 2 Idem. 3 Cf. Silva, N. F. R. da. 2003: Tempo e Experiência: Um estudo filosófico acerca da natureza do

instante e da duração. p. 122.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 74 74

Muito embora o século XX tenha sido um século de predominância

científica na pesquisa do tempo, isso não significa que não houve pesquisa

filosófica nesta área. Inserido na tradição filosófica, Henri Bergson (1859-1942)

contribuiu significativamente para o desenvolvimento filosófico da idéia de

tempo. A filosofia de Bergson está centrada na idéia de devir, o processo de

contínua mudança, e não na idéia de ser, como é característico das metafísicas

modernas. Para Bergson, a consciência desprendida do presente da ação, é capaz

de perceber uma certa “duração pura” do tempo.

A duração não consiste em instantes justapostos, em um fluxo temporal, ela

é a própria matéria do tempo e corresponde ao transcurso do tempo conforme

experimentado pela consciência4. Logo, podemos observar que Bergson separa

essa “duração pura” do tempo abstrato e científico, que é apenas número e

medida.

Essa distinção feita por Bergson entre o tempo vivido pela consciência e a

medida objetiva chamada “tempo” não é meramente epistemológica, mas sim

ontológica. O tempo abstrato e matemático deixa de ser tempo na medida em que

perde seu caráter de “devir da consciência”, ou seja, quando se vincula aos

movimentos e eventos espaciais (objetivos) e deixa de acompanhar o movimento

da consciência (subjetivo). A verdadeira duração – a duração pura da consciência

- “constitui uma realidade absoluta além de toda medida5”. Essa duração pura

estaria, segundo explica Piettre, para além da possibilidade de compreensão

científica, permanecendo objeto de uma intuição metafísica6.

Para Bergson, duração implica a consciência, pois só podemos falar em

duração se introduzirmos a memória e, por extensão, a consciência. Logo,

retomando um pouco a tradição moderna, podemos comparar essa distinção feita

por Bergson àquela feita por Kant, que toma a consciência (unidade

transcendental da apercepção) como referencial para definir duas realidades

distintas de experiência, o mundo objetivo (fenomênico), de onde, segundo a

própria forma da percepção – o espaço e o tempo -, se abstrai o tempo

matemático, e o mundo subjetivo da própria consciência, onde a consciência

experimenta uma duração-em-si-mesma de-si-mesma, ou seja, uma experiência de

4 Cf. Piettre, B. 1994: Filosofia e Ciência do Tempo; p. 45 - 46. 5 Cf. Piettre, B. 1994: Filosofia e Ciência do Tempo; p. 48. 6 Idem

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 75 75

duração (transcendental) distinta daquela abstraída da experiência objetiva

(empírica)7.

Essa experiência da duração pura forneceria ainda, segundo Bergson, uma

intuição singular acerca do “impulso vital” que anima a vida em geral, e que

talvez possa ser identificado, a título de uma melhor compreensão, com aquilo que

Schopenhauer (que, dentre estes três, é o que mais explicitamente denuncia sua

inclinação metafísica) chamava de “vontade”. Ambas designações delimitam uma

instância metafísica ahistórica e atemporal, ou, como tenho defendido ao longo

desse trabalho, eterna, no sentido clássico da palavra.

Ao definir “o mundo como idéia” e “o mundo como vontade”,

Schopenhauer claramente coloca, de um lado, a experiência do mundo

fenomênico, conforme definida por Kant, onde só se apreendem aparências e

jamais a verdadeira natureza das coisas, e, de outro lado, uma noção mais

abrangente de experiência, a experiência-em-si-mesma, definida por ele pela

palavra “vontade”, sendo o mundo fenomênico a objetivação da vontade que é o

próprio númeno, a coisa-em-si, que é aespacial, atemporal, imóvel e una.

Nesse sentido, os seguidores da tradição filosófica moderna além de

reconhecerem o tempo dos fenômenos de maneira quase que kantiana, mantém

em suas filosofias essa preocupação com o desdobramento metafísico da questão

da temporalidade, a tentativa de comunicar “algo” a respeito da natureza do tempo

e da experiência que, uma vez intuído, se torna quase, em virtude das limitações

da mente, do pensamento e da linguagem, impossível de ser conhecido.

E não seria um completo absurdo dizer que, desse problema – a

impossibilidade de se conhecer as coisas com elas são -, se alimenta quase toda a

filosofia do século XX, a distinção ontológica kantiana entre númeno e fenômeno

estabeleceu um veto definitivo ao acesso racional a Verdade e isso fez com que o

interesse de muitos filósofos se voltasse justamente para esses limites do

conhecimento humano; Durante o último século questões relativas a lógica do

pensamento e da linguagem abundaram de tal maneira na filosofia que pode-se

dizer que grande parte da filosofia do século XX seguiu o conselho de

Wittgenstein e, ao defrontar-se com “algo” de que não poderia falar, ela

simplesmente se calou.

7 Nota 95 do presente trabalho e Cf. Fernandes, S. L. de C. 1985: Foundations of Objective

Knowledge: The Relations of Popper’s Theory of Knowledge to that of Kant. p. 135-136.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 76 76

E o que nos reserva o futuro da pesquisa do tempo? Parece que o grande

problema em lidar com a questão do tempo atualmente é justamente o fato de que

filósofos e cientistas ainda não aprenderam a lidar com as implicações dos novos

paradigmas do tempo produzidos ao longo deste último século. Embora o tempo

sempre tenha sido tema de debate filosófico, nossa própria pré-concepção do

tempo, baseada em nossa própria experiência subjetiva da temporalidade, sempre

obstruiu o caminho para uma compreensão mais precisa do tempo. Essa é a

opinião explicitamente defendida pelo físico Huw Price no seu livro Time´s Arrow

and Archimedes Point.

Price, ao aferir que o nosso ponto de vista temporal, obstrui o caminho para

uma correta compreensão da verdadeira natureza do tempo sugere que adotemos o

referencial que ele chama de “Archimedes point8” ou ainda “View point of

nowhen9” e ele o faz numa alusão a história de Arquimedes que, uma vez

questionado sobre mover a Terra, afirmou que o faria tal como se faz com uma

rocha qualquer desde que lhe fornecessem um apoio e o ponto de vista adequado

para que ele pudesse ver a Terra de fora, deixando claro que o que lhe impedia de

realizar tal procedimento era, em princípio, a ausência de um ponto de vista

privilegiado. Price estende esse raciocínio para a questão do tempo e conclui que

para compreender o tempo é necessário analisá-lo do ponto de vista “de fora” do

tempo, de fora das implicações subjetivas da experiência temporal.

Na Idade Moderna já era possível perceber, p.ex., que o vínculo de

causalidade observado entre os eventos é próprio da realidade subjetiva e não um

fato da natureza como anteriormente se previa. A descoberta do espaço-tempo

quadridimensional, maleável e sensível à presença da matéria, da dualidade

“onda-partícula” e dos princípios de incerteza da mecânica quântica trazem

implicações tão novas e tão incompatíveis com nossa percepção do tempo que

mesmo os especialistas da área não chegaram a uma conclusão sobre qual a

melhor maneira de entender esses novos fatos da ciência10, o fato é que todos estes

novos paradigmas vêm alterando drasticamente a concepção do que vem a ser

realidade.

8 Ponto [de vista] de Arquimedes. 9 Ponto de vista de nenhum-quando (momento nenhum), tradução minha. 10 Nota 114 do presente trabalho.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 77 77

Embora estes novos paradigmas não tenham uma penetração no senso-

comum, rigorosamente não podemos mais dizer que a realidade é aquilo que

pensamos que ela é, uma vez que, conforme foi observado nos capítulos deste

trabalho, nossa percepção tem pouco ou nada a ver com a verdadeira natureza das

coisas, é mais o caso de que nossa percepção impõe sua “maneira própria” de

perceber as coisas e formata a realidade segundo seu propósito fornecendo-nos

uma segunda instância que é a aparência da primeira11.

A descrição do real continua a ser a preocupação primária tanto da ciência

como da filosofia, mas ao longo do desenvolvimento destas disciplinas ficou claro

que o tempo, enquanto objeto de estudo de uma e outra, assume formato

absolutamente distinto. É conceito base das cosmologias contemporâneas o fato

de que o Universo (como se apresenta hoje) é uma conseqüência de uma série de

processos físicos em decorrência retroativa ao infinito, como se “tudo” tivesse

surgido do “nada”, um “nada” que, ao mesmo tempo que é “nada”, guarda as

possibilidades de existência de “tudo”; tal raciocínio inevitavelmente nos leva a

uma série de antinomias que, tal como afirmava Kant, sugerem hipóteses absurdas

e contraditórias. Logo, peço licença para me intrometer na pergunta de Hamlet e

modificá-la no formato “Tempo ou Não-Tempo? Eis a questão!”

Essa é a pergunta que realmente deve nortear o futuro das pesquisas acerca

do tempo e, se a Idade Moderna marcou o divórcio entre a filosofia e a ciência, o

século XXI nos mostra a possibilidade de que este possa ser o século da

reconciliação entre elas. Hoje testemunhamos o surgimento de um grande número

de filósofos-cientistas, cientistas-místicos, místicos-filósofos e os especialistas de

todas estas áreas parecem já ter tomado consciência de que o progresso delas deve

ser observado em conjunto, e não separadamente, por qualquer um que se

proponha a lidar com esse problema; o filósofo que não acompanha a ciência está

datado e vice-versa. Conforme levantado ainda na introdução deste trabalho (p.

20, 21), é preciso respeitar o “duplo aspecto” do tempo para compreendê-lo em

sua totalidade.

Essa é a tendência que se apresenta com maior força neste século, a tentativa

de aliar a capacidade de dissecar o fenômeno da ciência com a capacidade da

filosofia de pensar questões que fogem aos limites da simples razão. Dentro desta

11 Não no sentido objetivo, mas no sentido teleológico.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 78 78

postura encontram-se muitos dos autores que utilizei com referência na construção

deste trabalho, como p.ex., Paul Davies, Huw Price e Julian Barbour.

Em 1999, Julian Barbour publicou The End of Time: The Next Revolution in

Physics12, uma obra que vem tendo grande reconhecimento e que torna - talvez

pela primeira vez - explícita na ciência a proposta que já vinha pairando solta na

incerteza gerada pelas tentativas de unificar a teoria da relatividade geral com a

mecânica quântica, a de que o tempo simplesmente não existe.

Essa proposta é enunciada ainda no prefácio da obra onde o autor declara:

“eu agora acredito que o tempo definitivamente não existe e que o movimento é

em-si-mesmo pura ilusão (...) eu acredito que existe forte fundamentação para

esta visão na física13”.

Em 1979, quando, tal como Newton e Dirac antes dele, Stephen Hawking tornou-se professor Lucasiano em Cambridge, ele anunciou em sua comunicação inaugural o iminente fim da física. Dentro de vinte anos físicos possuiriam uma teoria de tudo, criada a partir de uma dupla unificação: de todas as forças da natureza, e da teoria da relatividade geral de Einstein com a mecânica quântica. Os físicos saberiam então todos os segredos profundos da existência, e restaria apenas o trabalho de derivar disso conseqüências14.

Barbour aposta nessa perspectiva atemporal do universo como sendo a

próxima grande revolução da física, que permitirá finalmente a união da teoria

geral da relatividade com a mecânica quântica criando a tão sonhada “teoria geral

de tudo”. E, conforme elucida o próprio Barbour, o nascimento desta teoria não

representa necessariamente o fim da física, mas sim o fim do tempo.

12 O fim do tempo: A próxima revolução na física. (tradução minha) 13 I now believe that time does not exist at all, and that motion itself is pure illusion (...) I believe there is quite strong support in physics for this view. Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The

Next Revolution in Physics; p. 4. 14 In 1979, when, like Newton and Dirac before him, Stephen Hawking became the Lucasian Professor at Cambridge, he announced in his inaugural address the imminent end of physics. Within twenty years physicists would possess a theory of everything, created by a double unification: of all the forces of nture, and of Einstein´s general theory of relativity with quantum mechanics. Physicists would then know all the inner secrets of existence, and it would merely remain to work out the consequences. Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next

Revolution in Physics; p. 13.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 79 79

Nenhuma unificação já aconteceu, embora uma ou ambas pudessem certamente ter. (Hawking recentemente disse que sua previsão ainda vale, mas que “os vinte anos começam agora”.) No que se refere a mim, eu duvido que isso signifique o fim da física. Mas a unificação da relatividade geral com a mecânica quântica pode muito bem significar o fim do tempo

15.

Com esta asserção ele sugere a idéia de que o tempo deixa de ser um

fundamento base da física. De maneira nenhuma Barbour tenta negar o fenômeno

do tempo do qual temos experiência. Na perspectiva dele, é uma questão de se

perguntar se o tempo deve necessariamente ser aquilo que parece ser.

Segundo ele, tanto a relatividade geral quanto a mecânica quântica tomam o

tempo, a partir da percepção cotidiana, como algo dado na natureza e, justamente

por isso, ao tentar justificar a realidade desse tempo físico, acabam incorrendo em

embaraços. Daí o fato de Einstein ter tido que embutir o tempo no espaço criando

uma única grandeza, numa tentativa quase que desesperada de manter o tempo lá,

no conjunto das coisas que compõe o real. Igual embaraço pode ser observado na

mecânica quântica ao lidar com a dualidade energia-tempo, onde a definição do

estado energético do universo gera a total indefinição do tempo neste mesmo

universo, ou ainda, como seria possível interpretar, a inexistência do tempo neste

universo definido. O autor acrescenta que esse tipo de impasse vem correndo

como pano de fundo da física nos últimos 30 anos, sem nunca, no entanto, ter

ganho a devida atenção por parte dos especialistas dessa área. Barbour dá um

tratamento a todos esses “buracos” e inconsistências das recentes teorias da física

com o objetivo de demonstrar como essa impressão do tempo pode derivar de

uma natureza atemporal16.

Nessa empresa, acaba adotando certos conceitos que, embora nem sempre

explicitamente, parecem derivar de algumas das resoluções filosóficas da

modernidade. Ao adotar uma perspectiva atemporal do mundo, p.ex., Barbour se

15 Neither unification has yet happened, though one or both certainly could. (Hawking has recently said that his prediction still stands but that “the twenty years starts now”.) For myself, I doubt that would spell the end of physics. But the unification of general relativity and quantum mechanics may well spell the end of time. Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in

Physics; p. 14. 16 Analisar detidamente cada um desses argumentos científicos em favor desta teoria seria objetivo para um outro trabalho inteiro de filosofia e, portanto, me limitarei a captar as principais intuições filosóficas expostas pelo autor. Os principais problemas científicos tratados – simetria mecânica, dualidade onda-partícula, causalidade, movimento, entropia, irreversibilidade temporal – já foram todos eles citados no capitulo anterior.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 80 80

apropria do argumento kantiano para determinar que isso não significaria, e não

significa, que todos passaremos a perceber o mundo de forma atemporal, que

sentiremos de alguma forma que o fluxo do tempo parou de fluir. Lembremos que

as formas do entendimento formatam os dados da experiência de maneira peculiar

e que uma das grandes revoluções da ciência se deu justamente no momento em

que descobriu-se que a Terra era que se movia enquanto os céus permaneciam

fixos e não o contrário, conforme indica nossa percepção ao olhar para o céu.

Contrariando a hipótese anterior, indica Barbour que a adoção de princípios

atemporais quânticos não alteraria a forma de perceber o mundo, mas explicaria o

porquê de sentirmos (segundo nossa percepção) que o tempo flui, embora, em

realidade, o universo quântico seja representado por uma imagem estática e eterna

(não-temporal). Seria como um passo a mais na revolução copernicana, um passo

que definiria uma realidade mais profunda, na qual nada, nem a Terra e nem os

céus se movem, a permanência reina absoluta17. Parece, no final das contas, que

também não estamos muito distantes, ao instanciar de um lado “a experiência de

tempo” e de outro “o não-tempo da experiência18”, do ponto de vista de

Parmênides, que considerava o Ser imóvel e eterno e o movimento como mera

ilusão.

Dentro deste novo quadro de realidade, Barbour entende a substância do

universo à maneira Lebiniziana, entidades muito fundamentais que guardam em

si-mesmas todos os seus atributos, inclusive os temporais e espaciais e constituem

aquilo que chamamos de instantes de tempo ou, como define o autor, “agoras19” e,

ao contrário do que convencionalmente se imagina - que o mundo contém todos

os instantes de tempo –, o mundo não os contém, ele os é20. O mundo é todos

esses instantes de tempo ao mesmo tempo, ou melhor, segundo o propósito desta

teoria, ele os é em tempo nenhum e eternamente21. Sendo que o autor ainda

17 Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 14. 18 Pois, nesse sentido empreendido por Baubour, a consideração de Decker e Fernandes sobre as duas possibilidades de compreensão do termo “experiência” em Kant se faz extremamente pertinente. Aqui o “não-tempo da experiência” se refere simplesmente ao fato de que a possibilidade em geral da experiência em geral não se dá em tempo algum, a experiência em-si-mesma é atemporal. 19 Nows 20 Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 16. 21 Como esclarece o autor no prefácio da obra, o vocabulário envolvido nesse tipo de estudo, se usado com precisão gera um desconforto tremendo na linguagem e, por isso, nem sempre é possível dizer o que é preciso dizer com a precisão que se precisa dizer, sob pena de não ser

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 81 81

esclarece que sua proposta vai ainda um pouco mais além do que simplesmente

afirmar a existência desses “agoras” na eternidade, na eternidade estão todos os

“agoras” possivelmente concebíveis e suas respectivas possibilidades.

Esses “agoras” são únicos, infinitos e discretos entre si. E,

surpreendentemente, esse tipo de visão da realidade resolve também alguns dos

enigmas do tempo que permaneceram em aberto durante toda a história do

pensamento. O problema da duração p.ex. é resolvido na medida em que a

eliminação da seta do tempo dilui o problema da duração dos instantes, aqui os

instantes atemporais não compõem uma seta de tempo duradoura, mas sim uma

totalidade que em-si-mesma também não tem duração.

Nessa esfera atemporal a consciência surge como o grande mecanismo pelo

qual o que é atemporal passa a parecer temporal. O cérebro, entendido como a

consciência objetivada, é uma espécie de processador de informação que, tal como

um sistema na mecânica, é bidirecional, ou seja, pode reescrever seu passado e

predizer seu futuro simplesmente através da aplicação de leis fundamentais ao

estado atual do sistema, numa tomada instantânea, formando o que o autor define

como sendo “cápsulas de tempo22” – o conjunto da tomada instantânea mais a sua

história correspondente. É justamente porque a história e o futuro são totalmente

reescritos a cada tomada instantânea que jamais existe um conflito entre a

observação atual e a história, jamais pensaremos estar diante de um objeto que

não é fruto de um devir histórico, pois esse próprio objeto tem sua história

retroativamente escrita pela consciência, a cada tomada instantânea, de acordo

com a percepção atual23. Um objeto e sua história vão ser sempre compatíveis, o

mesmo pode-se dizer de um objeto e os prognósticos para seu futuro.

Logo, segundo Barbour, a consciência decodifica desses “agoras” tudo

aquilo que precisa para gerar uma ilusão temporal, como uma espécie de luz

estroboscópica que capta diferentes “agoras” com tamanha rapidez que parece

“fluir de um agora para o outro”, daí deriva a ilusão da continuidade temporal.

compreendido. [mas mesmo quando parece impossível dizer o que precisa ser dito, é preciso, no mínimo, tentar indicar o que se está dizendo, esse é o dever da filosofia.] 22 Time-capsule. Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 30.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 82 82

Essa idéia não foge ao padrão estabelecido por Agostinho ao tratar da questão da

memória aplicada a noção de tempo, de onde ele conclui que o passado nada mais

é do que a memória presente do tempo passado24.

Conclusivamente pode-se dizer que o autor chega a duas conclusões

definitivas acerca do problema do tempo. A primeira sendo o fato de que,

retirando-se a percepção direta e subjetiva do movimento na consciência, toda a

abundância de evidência para justificar o tempo e a história ficam “codificadas”

em formas estáticas de configuração, isto é, estruturas que permanecem

eternamente idênticas a si mesmas25.

Logicamente parece ser mesmo essa a verdade subjacente a própria noção

de mudança; O conceito de “mudança”, do ponto de vista lógico, é de tal maneira

compreendido que significa precisamente que, quando dizemos que “algo sofre

mudança”, é o mesmo que dizer que este “algo assume novas formas ou

aparências”. De posse desta definição, podemos imaginar, p.ex., qualquer objeto

que sofra mudanças e num momento “a” do tempo apareça na cor vermelha e, já

num momento “b” assuma a forma azul para, finalmente, num momento “c”

tomar a forma verde. De acordo com a nossa percepção sensível mais direta

acreditaríamos estar diante de três objetos. Isto justamente porque a nossa

percepção sensível é, como diria Kant, formada espaço-temporalmente, ou seja,

temos uma formação biológica e estrutural para captar as mudanças tal como

temos uma tendência natural, p.ex., para encontrar ordem até mesmo no caos26.

De forma semelhante àquela pela qual somos capazes de ver ordem até no

caos (leia-se, na ausência de ordem), temos essa capacidade de ver a mudança até

onde não há. Perceba que no próprio exemplo acima, do ponto de vista lógico e

ontológico, não estamos diante de três objetos, como nossa percepção nos leva a

crer, mas sim de um único objeto que permanece imutável em sua essência (em

seu Ser), que o delimita como um objeto que pode assumir três formas diferentes,

ou seja, logicamente falando, para que algo possa mudar é absolutamente

indispensável que esse mesmo algo, em sua natureza mais própria (ontológica),

23 Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 33. 24 Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 33. 25 Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 34. 26 Refiro-me p.ex. a capacidade de reconhecer rostos ou feições humanas em obras de arte, relevos e formações naturais.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 83 83

não mude, permaneça o mesmo. Essa é basicamente a mesma história, que

descreve o Ser de Parmênides, a Vontade de Schopenhauer e até, quem sabe, a

duração pura de Bergson.

A segunda, e ainda mais intrigante, consideração pode ser expressa pela

frase “o instante não está no tempo – o tempo está no instante27”, que retrata, do

ponto de vista do autor, o estatuto ontológico de cada uma destas “cápsulas do

tempo”. Logo, como fica a metáfora do “palco28” da vida com relação aos atores e

aos eventos que decorrem? Será que ela é mesmo formada pelo espaço-tempo, ou

seria algo mais?

Conforme pudemos acompanhar ao longo deste trabalho a estrutura do

palco, o próprio fundamento da realidade, vem sendo alterado a cada nova

revolução nos paradigmas de conhecimento do universo. Newton definira o palco

como uma arena de espaço e tempo absolutos e, no entanto, o advento da

relatividade fez com que, não só essas duas dimensões absolutas colapsassem,

mas também que a própria estrutura do “palco” passasse a depender da presença

dos “atores”. Ao que tudo indica, dentro desta perspectiva atemporal, o palco

simplesmente deixa de ser “palco” e passa a ser “atores”.

Barbour entende esse “palco” como o desdobramento de uma série de

combinações entre todas as partículas do universo, conforme descritas pelas

relações quânticas que estabelecem entre si. Dentre todas as combinações

possíveis, existe uma privilegiada a qual o autor atribui o nome de “configuração

alpha” e a ocorrência dessa configuração significa basicamente que as partículas

envolvidas compõem o mesmo lugar, ou seja, fazem parte do mesmo universo.

Uma forma bem mais abstrata de se entender o espaço, tomando cada possível

combinação entre partículas como um dos possíveis “agoras” do universo

composto por elas.

Esta totalidade das configurações da matéria e, por conseguinte, de todos os

“agoras”, é chamada por Barbour de Platonia, numa alusão ao filósofo Platão que

asserava que as únicas coisas reais são formas perfeitas ou idéias, que existiam

27 The instant is not in time – Time is in the instant. Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The

Next Revolution in Physics; p. 34. 28 The ultimate arena. Cf. Barbour, J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics; p. 39.

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 84 84

num reino eterno e atemporal. A existência como um todo seria uma mera cópia

dessas formas perfeitas.

E até mesmo para o número estupendo de partículas que compõem o nosso universo, nós podemos vislumbrar uma vasta estrutura multidimensional representando sua configuração. Em colaboração com Bruno Bertotti da Universidade de Pavia da Itália, eu mostrei que a física convencional ainda trabalha neste estranho mundo. Tal como Platão pensou que a realidade existe enquanto formas perfeitas, eu penso neste padrão das partículas como formas platônicas, e chamo a sua totalidade Platonia

29.

Platonia permanece ainda como um grande mistério, uma hipótese

controversa na ciência contemporânea. Conforme admite o próprio autor,

Barbour, muitas pessoas irão simplesmente rejeitar essa hipótese de que o tempo

não exista a título de um completo absurdo, mesmo quando, paralelamente à

hipótese, é fornecido todo o aparato técnico-matemático e filosófico que a

sustenta. Podemos concluir então que, embora não haja ainda consenso sobre a

melhor maneira de transpor os impasses das teorias físicas modernas, novas

pesquisas como, por exemplo, a de Barbour, parecem sugerir um bom caminho

para que se consiga superar estes obstáculos buscando de fato uma compreensão

mais refinada da realidade e respeitando o duplo-aspecto da questão do tempo.

Reeditando então a pergunta proposta ainda na introdução do trabalho sobre

a possibilidade de que um ser humano consiga ascender de sua percepção

cotidiana e temporal do mundo para contemplá-lo de um ponto de vista eterno,

observamos que a resposta à pergunta proposta permanece igualmente incógnita.

Ao longo deste trabalho foram levantados alguns aspectos teóricos e científicos

que parecem indicar que a nossa maneira de ser-no-mundo está de fato atrelada à

experiência temporal (do tempo).

Logo, a superação desse estado não pode simplesmente estar ligada à

aplicação da razão ao mundo dos fenômenos, fica bastante claro que essa

29 Cf. Barbour, J. 1999: Does time really exist? p. 2 In: New Scientist

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5 Conclusão: Perspectivas futuras de pesquisa do tempo 85 85

ascensão, caso ela seja realmente possível, depende de algum outro tipo de

intuição a respeito do mundo, possivelmente de ordem religiosa30.

Outra questão que igualmente vem levantando polêmica nos círculos

acadêmicos é a questão da consciência-em-si, como é possível que a matéria

inanimada do universo se torne consciente, ou ainda, como é possível que uma

parte específica desta matéria se torne auto-consciente? Mais chocante ainda do

que a formulação dessas perguntas é a resposta de Barbour a elas: “Ninguém tem

a menor idéia. Consciência e matéria são tão diferentes quanto giz e queijo. Nada

no mundo material nos dá pistas de como partes dele (nossos cérebros) se tornam

conscientes31”. Logo, a própria noção de consciência-em-si, define um outro

problema inteiramente em aberto, “O quê é a consciência?” é apenas uma das

inúmeras questões que permeiam a atual pauta da filosofia da mente. O futuro das

pesquisas nessa área podem, e certamente vão, determinar de modo significativo o

futuro do tempo.

30 No sentido definido pelo Prof. Sérgio Fernandes, ou seja, uma intuição capaz de religar algo com sua verdadeira natureza. Cf. Fernandes, S. L. de C. 2005: Ser Humano – Um ensaio em

antropologia filosófica. p. 324-351. 31 No one has any idea. Consciousness and matter are as different as chalk and cheese. Nothing in the material world gives a clue as to how parts of it (our brains) become conscious. Cf. Barbour,

J. 1999: The End of Time: The Next Revolution in Physics. p. 26.

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