diálogos sobre o tempo

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local i, global #1) Diálogos Sobre o Tempo

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Francisco Caruso (editor)

DIÁLOGOS SOBRE O TEMPO

Maluhy&Co.São Paulo – 2010

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Copyright © 2010 Academia Paraense de Ciências

1a. Edição

Editor: Francisco Caruso

Projeto gráfico e diagramação: Casa Editorial Maluhy & Co.

Capa: Malu Vallim

Impressão: Polo Printer

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Diálogos sobre o tempo / Francisco Caruso (editor). –São Paulo : Casa Editorial Maluhy & Co, 2011.

BibliografiaISBN 978-85-61516-06-2

1. Espaço e tempo 2. Física I. Caruso, Francisco.

10-12897 CDD-530.11

Índices para catálogo sistemático:1. Espaço e tempo : Física 530.11

ISBN 978-85-61516-06-2

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, sejam quais foremos meios empregados, sem a permissão da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstasnos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Maluhy&Co.Casa Editorial Maluhy & Co.Tel.: +55 11 3733-8956www.maluhy.com.br

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Prefácio

Opresente livro faz parte de um projeto de longo prazo da Academia Paraense deCiências, voltado para a integração dos saberes e para a divulgação científica. É

nosso desejo, a cada ano, escolher um tema ligado aos fundamentos da Ciência ou a algumtema de relevância atual para a sociedade ou ainda para a região amazônica, que se prestea múltiplos olhares. Assim, inicialmente, optamos pelo que talvez seja o conceito maisbasilar de toda a Ciência – o tempo – para ser o tema abordado no primeiro livro dessa série,Diálogos sobre o Tempo, editado por meu amigo Francisco Caruso.

Cada membro da Academia receberá seu exemplar gratuitamente e, desde já, solicitamossugestões de temas e pessoas que possam ser convidadas para os futuros livros temáticos.

Gostaria de agradecer a todos os autores e a todos aqueles que trabalharam para queesta obra viesse à luz ainda em 2010.

Cordialmente,José Maria Filardo Bassalo

Presidente-Executivo da APC

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Apresentação da Academia

Academia Paraense de Ciências (APC)

Fundação

Em agosto de 1982, os professores da Universidade Federal do Pará, o falecido químicoWaterloo Napoleão de Lima, os geofísicos Herberto Gomes Tocantins Maltez e sua mulherMaria Gil Lopes Maltez, e os físicos José Maria Filardo Bassalo e Paulo de Tarso SantosAlencar se reuniram para fundar a Academia Paraense de Ciências (APACi), com o objetivode congregar pessoas de qualquer área do conhecimento humano, que tivessem como metao desenvolvimento científico básico e aplicado, visando o desenvolvimento do Estadodo Pará.

Para tornar realidade a APACi, no dia 26 de agosto de 1982, os professores referidosacima se reuniram na residência de um deles (Bassalo), na Avenida Governador JoséMalcher 629, em Belém do Pará e, em conjunto, redigiram um documento detalhando asfinalidades da APACi anotadas acima, documento esse que constitui a ATA de Fundaçãoda APACi. Em seguida, esses professores elaboram o ESTATUTO DA APACi, que foidevidamente Registrado, no dia 30 de agosto de 1982, no Cartório Valle Chermont, com asseguintes anotações: Número de Ordem: 1860; Protocolo Livro A, Nº 1; Registro Livro A,Nº 4. A Fundação da APACi foi publicada do Diário Oficial do Pará, no dia 06 de outubrode 1982, páginas 18 e 19.

Recriação

No começo de 2009, os professores da Universidade Federal do Pará, José Maria FilardoBassalo, Célia Coelho Bassalo, Maria Helena Bentes e Paulo de Tarso Santos Alencar,agora com a participação dos professores Francisco Caruso Neto, do Centro Brasileiro dePesquisas Físicas (CBPF) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e RobsonFernandes de Farias, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) resolveram

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Academia Paraense de Ciências (APC)

recriar a Academia Paraense de Ciências (agora, APC), com um novo Estatuto. Depoisde prepararem um site (http://aparaciencias.org), esses professores passaram a escolheros Membros da APC, tendo em vista uma nova dinâmica de atuação da APC. Dessemodo, em uma reunião realizada na sede da APC (Governador José Malcher 629), nodia 31 de dezembro de 2009, prepararam um documento no qual reformularam o antigoESTATUTO da então APACi, documento esse que constitui a ATA DE RECRIAÇÃODA ACADEMIA PARENSE DE CIÊNCIAS (APC).

Estatuto da Academia Paraense de Ciências

CAP. I – DA DEFINIÇÃO DA ENTIDADE E SEUS OBJETIVOS

Art. 1º – A Academia Paraense de Ciências, de agora em diante, designada pela sigla APC,entidade civil, de direito privado, sem fins lucrativos e sem conotação políticas ou religiosas,reger-se-á pelo seu próprio Estatuto, tendo como finalidade contribuir para o desenvolvimento dasciências básicas e aplicadas, particularmente na Região Amazônica.

Par. 1º – A APC terá sede e foro na cidade de Belém, do Estado do Pará, e funcionará à Av.Governador José Malcher, 629.

Par. 2º – A APC terá autonomia financeira e administrativa nos termos da Lei e deste Estatuto.

Par. 3º – Será indeterminado o tempo de existência da Entidade.

Art. 2º – Constituem os objetivos da APC:

1. Congregar pessoas (cientistas ou não) do Estado do Pará e demais estados brasileiros e,também, estrangeiros, que estejam voltados para o desenvolvimentocientífico-tecnológico-cultural do Brasil, particularmente do Estado do Pará;

2. Promover reuniões, palestras, simpósios, e conferências de caráter geral do conhecimento emnível estadual, nacional e internacional;

3. Prestar auxílio, na medida das possibilidades da APC, aos seus membros para odesenvolvimento de trabalhos científicos;

4. Promover ou colaborar com a instalação de laboratórios ou pesquisa que visem estudar asinfluências nefastas da poluição ambiental que comprometam o equilíbrio ecológico daRegião Amazônica;

5. Realizar ou estimular estudos que visem manter atualizado o progresso das Ciências Básicas eAplicadas, tendo em vista o desenvolvimento do Estado do Pará;

6. Organizar, desenvolver ou auxiliar cursos de especialização, extensão ou divulgação científica,podendo para isso manter intercâmbio com órgãos de educação e cultura e órgãos decomunicação;

7. Organizar, desenvolver ou prestar auxílio, na forma de assessoria ou consultoria a projetos deinvestigação científica ou de caráter cultural quando demonstrada sua importância para odesenvolvimento científico-tecnológico-cultural;

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Apresentação da Academia

8. Promover, em caráter permanente, premiação a jovens estudantes, cientistas, laboratórios,grupos de pesquisa e instituições de atividade de divulgação das ciências e das artes.

Art. 3º – A APC não realizará, nem se associará a atividades científicas ou tecnológicas de caráterbélico ou que venha a destruir o equilíbrio ecológico ou reservas naturais biológicas.

Art. 4º – A APC poderá realizar convênios, contratos ou acordos com instituições públicas ouprivadas, de caráter estadual, nacional ou internacional para a realização de projetos, estudos eoutras atividades de natureza técnico-científica ou cultural.

Par. 1º – A APC procurará manter estreitos vínculos com entidades científicas, educacionais eculturais do País e do Exterior, e com pesquisadores relacionados com os interesses de seusmembros.

Par. 2º – A APC procurará manter estreitos vínculos com o Governo do Estado do Pará, assimcomo com órgãos públicos e privados que operam na região e demais entidades encarregadas deplanejar, orientar, avaliar, executar e financiar pesquisas de caráter científico-tecnológico-culturalde forma a levar às autoridades públicas a opinião dos Membros da APC.

CAP. II – DAS PUBLICAÇÕES

Art. 5º – A APC terá uma Revista on line – CIÊNCIA NORTE – em seu site na qual publicaráartigos (científicos e de caráter geral) de seus Membros ou de outras pessoas que manifesteminteresse em divulgar opiniões sobre qualquer assunto que tenham como objetivo odesenvolvimento científico-tecnológico-cultural do Brasil, em particular do Estado do Pará.

Par. 1º – As publicações serão remetidas à Comissão Editorial da APC que fará uma análise daviabilidade de sua publicação;

Par. 2º As publicações da APC serão co-editadas pela Fundação Minerva (CNPJ:11.046.967/0001-97).

CAP. III – DOS BENS, PATRIMÔNIO E RENDAS

Art. 6º – Constituirão patrimônio e renda da APC:

1. Doações e subvenções de particulares, instituições públicas ou privadas, nacionais ouestrangeiras, cuja aceitação dependerá da aprovação do Conselho Diretor;

2. Dotações orçamentárias consignadas à APC no orçamento da União, dos Estados, dosTerritórios Federais ou Municípios, em cada ano;

3. Taxas, anuidades e demais contribuições estatutária, regimental ou voluntária de seusMembros;

4. Recursos obtidos a partir de contratos, convênios ou acordos com instituições públicas ouparticulares, nacionais ou estrangeiras para o desenvolvimento das atividades da APC;

5. Bens móveis e imóveis adquiridos pela APC pela movimentação de seus diferentes recursos,ou doados por qualquer instituição pública, privada ou individual;

6. As rendas resultantes da prestação de serviços e de outras fontes, de qualquer natureza, quevenha a auferir.

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Academia Paraense de Ciências (APC)

Art. 7º – Os bens, direitos e rendas da APC só poderão ser utilizados na realização de suasfinalidades, permitida, porém, vinculação, arrendamento, alienação ou vendas observadas asexigências legais e as deste Estatuto para obtenção de outros rendimentos aplicáveis ao mesmo fim.

Art. 8º – No caso de uma eventual extinção da APC, seus dirigentes de então decidirão o que fazercom o patrimônio.

CAP. IV – DOS MEMBROS

Art. 9º – A APC terá as seguintes categorias de membros:

1. Membros Fundadores;2. Membros Titulares;3. Membros Associados;4. Membros Correspondentes;5. Membros Eméritos;6. Membros Beneméritos.

Par. 1º – São considerados Membros Fundadores da APC as seguintes pessoas: José Maria FilardoBassalo, Célia Coelho Bassalo, Maria Helena Bentes, Paulo de Tarso Santos Alencar, FranciscoCaruso Neto, Robson Fernandes de Farias e Waterloo Napoleão de Lima (In Memoriam);

Par. 2º – Não haverá limitação de número de Membros Titulares, Associados, Correspondentes,Eméritos e Beneméritos;

Par. 3º – Os Membros Titulares, Associados, Correspondentes, Eméritos e Beneméritosintegrarão uma das seguintes áreas:

1. Exatas, Naturais e Agrárias;2. Informática;3. Geociências;4. Biociências;5. Ciências Humanas do Direito e do Jornalismo, Filosofia, Letras e Artes;6. Ciências Tecnológicas.

Art. 10º – Os Membros Titulares e Associados serão pessoas radicadas no Estado do Pará.

Par. único – Os Membros Correspondentes serão radicados fora Estado do Pará, no Brasil ou noExterior.

Art. 11º – Os Membros Eméritos serão aqueles que tenham prestado relevantes contribuições àCiência regional, nacional ou internacional.

Art. 12º – Os Membros Beneméritos serão aquelas pessoas que realizaram relevantes contribuiçõespara o desenvolvimento do Pará, em todos os seus aspectos: Científico, Técnico, Cultural eArtístico.

CAP. V – DOS DIREITOS E DEVERES DOS MEMBROS

Art. 13º – Os membros da APC terão o direito de saber, por intermédio do site da APC, tudo oque a APC realizará, em seus aspectos técnico-científico-cultural, bem como financeiro eadministrativo.

Art. 14º – São deveres dos membros da APC:

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Apresentação da Academia

1. Cumprir as disposições estatutárias e regimentais;2. Acatar e prestigiar os atos e decisões da direção da APC;3. Contribuir com as anuidades estipuladas pelo Conselho Diretor por proposta da Diretoria

Executiva.

Par. 1º – A anuidade será de cinquenta reais (R$50,00), nos cinco (5) primeiros anos, e serádepositada na Conta da Fundação Minerva (CNPJ = 11.046.964/0001-97) do Banco do Brasil,Agência 3702-8, Conta Corrente: 28.041-0.

Par. 2º – Os Membros Eméritos estão isentos das anuidades.

CAP. VI – DA DIREÇÃO

Art. 15º – A APC será constituída de quatro Presidências: EXECUTIVA, ADMINISTRATIVA,EDITORIAL, e CULTURAL.

Art. 16º – A Presidência Executiva será composta de um Conselho Diretor, composto dosPresidentes Executivo e Administrativo e de quatro Representantes: dois dos Membros Titulares edois dos Associados.

Par. 1º – Os Presidentes da APC serão eleitos pelos seus Membros, em eleição especialmenteconvocada, via Internet, para esse fim. Eles terão mandato de cinco anos, não podendo ser reeleitoconsecutivamente.

Par. 2º – Os membros do Conselho Diretor serão escolhidos por um consulta via Internet entreseus Membros Titulares e Associados.

Art. 17º – Compete ao Conselho Diretor:

1. Escolher o Secretário Geral e o Tesoureiro;2. Traçar as diretrizes gerais de atuação da APC;3. Elaborar e modificar o Regimento Interno e resolver os casos omissos do mesmo;4. Elaborar programas de atividades anuais e plurianuais;5. Realizar o orçamento anual e plurianual.

Art. 18º – Compete aos Presidentes da APC:

1. Cumprir e fazer cumprir o Estatuto e o Regimento Interno da APC;2. Representar a APC pessoalmente ou por mandato seu, em juízo ou fora dele.

Art. 19º – Os Presidentes serão substituídos em seus impedimentos pelo Secretário Geral.

Art. 20º – Compete ao Secretário Geral:

1. Manter atualizado o nome e o endereço de entidades científicas, educacionais e culturais doPaís e do Exterior, assim como de pesquisadores que trabalhem em assuntos relacionados ao sinteresses científicos de seus membros;

2. Receber, distribuir, enviar toda correspondência, encomenda, processos etc., relacionadoscom a APC mantendo o devido controle protocolar;

3. Prestar informação e divulgação aos órgãos de comunicação e ao público em geral dasatividades da APC;

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Academia Paraense de Ciências (APC)

4. Organizar eleições, preparar salas, aparelhos etc, para as reuniões e demais necessidades davida da APC, de conformidade com o estabelecido pelo Conselho Diretor.

Art. 21º – Compete à Presidência Executiva:

1. Dirigir o Conselho Diretor com o apoio administrativo do Secretário e Tesoureiro e outrosauxiliares que se tornarem necessários, podendo para isso, admitir pessoas para os diferentesserviços e atividades, dentro dos limites orçamentários autorizados pelo Conselho Diretor;

2. Executar a política de ação traçada pelo Estatuto e Regimento Interno em geral e peloConselho Diretor em particular, consubstanciadas pelo programa anual e plurianual;

3. Estabelecer contratos, convênios, acordos e demais instrumentos necessários à execução doprograma anual e plurianual elaborados pelo Conselho Diretor;

4. Movimentar, através da Tesouraria, contas bancárias, assinar recibos e demais instrumentosnecessários à vida financeira da APC;

5. Orientar todo o trabalho da Tesouraria;

6. Apresentar ao Conselho Diretor, para fins de aprovação, o relatório anual de atividades eprestações de contas;

7. Submeter ao juízo e à decisão do Conselho Diretor os casos excepcionais ou não previstos noEstatuto e Regimento da APC.

CAP. VII – DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 22º – Os casos de maior relevância omissos nesse Estatuto e resolvidos pelas Presidências oupelo Conselho Diretor deverão ser discutidos com os demais Membros via Internet.

Art. 23º – O presente Estatuto poderá ser modificado a qualquer tempo, desde que se julguenecessário para se adaptar às mudanças locais e nacionais que envolvam os objetivos da APCindicados no Art. 2º do presente Estatuto, depois de uma consulta feita aos seus Membros, viaInternet.

CAP. VIII – DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 24º – Ficam homologados os seguintes nomes que compõem as quatro Presidências da APC:

PRESIDENTE EXECUTIVO: José Maria Filardo Bassalo (físico)

PRESIDENTE ADMINISTRATIVO: Marcelo Costa de Lima (físico)

PRESIDENTE EDITORIAL: Francisco Caruso (físico)

PRESIDENTE CULTURAL: Robson Fernandes de Farias (químico).

Art. 25º – O primeiro Conselho Diretor da APC será excepcionalmente constituído pelasseguintes pessoas, obedecendo ao Art. 16º:

PRESIDENTE EXECUTIVO: José Maria Filardo Bassalo

PRESIDENTE ADMINISTRATIVO: Marcelo Costa de Lima

PRESIDENTE EDITORIAL: Francisco Caruso

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Apresentação da Academia

PRESIDENTE CULTURAL: Robson Fernandes de Farias

SECRETÁRIO: José Jerônimo de Alencar Alves

TESOUREIRO: Pedro Leon da Rosa Filho

REPRESENTANTE DOS MEMBROS FUNDADORES: Célia Coelho Bassalo

REPRESENTANTES DOS MEMBROS TITULARES: Luís Carlos Bassalo Crispino (físico) eRaymundo Netuno Nobre Villas (geólogo)

REPRESENTANTES DOS MEMBROS ASSOCIADOS: José Edison Ferreira (filósofo) e JussaraDerenji (arquiteta).

Art. 29º – Até a aprovação do Regimento Interno, todas as normas de funcionamento dos váriosórgãos da APC, eleições e outras atividades previstas no Estatuto, obedecerão às decisões doConselho Diretor.

Art. 30º – O presente Estatuto entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial doEstado do Pará e previamente aprovado pelo Ministério Público do Estado do Pará e cominscrição de Registro Civil de Pessoas Jurídicas no Cartório de Registro de Títulos e Documentosda Comarca de Belém-Pará.

Nessa data estará recriada a ACADEMIA PARAENSE DE CIÊNCIAS (APC) pela ComissãoOrganizadora (escolhida em reunião datada de 30 de dezembro de 2009), constituída pelasseguintes pessoas:

JOSÉ MARIA FILARDO BASSALO; CÉLIA COELHO BASSALO; LUÍS CARLOSBASSALO CRISPINO; ROBSON FERNANDES DE FARIAS; JOSÉ JERÔNIMO DEALENCAR ALVES; MARCELO COSTA DE LIMA; JOSÉ EDISON FERREIRA; PEDROLEON DA ROSA FILHO e JOSÉ PERILO DA ROSA NETO.

Documento assinado por:

JOSÉ MARIA FILARDO BASSALO,

Presidente Executivo da Academia Paraense de Ciências

Membros da APC

Membros fundadores

Célia Coelho Bassalo (Escritora/PA) – [email protected]

Francisco Caruso (Físico/RJ) – [email protected]

Herberto Gomes Tocantins Maltez (Geofísico/SP) – [email protected]

José Maria Filardo Bassalo (Físico/PA) – [email protected]

Maria Gil Maltez (Geofísica/SP) – [email protected]

Maria Helena Bentes (Química/PA) – [email protected]

Paulo de Tarso Santos Alencar (Físico/PA) – [email protected]

Robson Fernandes de Farias (Químico/ RN) – [email protected]

Waterloo Napoleão de Lima (Químico/in memoriam)

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Academia Paraense de Ciências (APC)

Membros titulares

Aldebaro Barreto da Rocha Klautau Junior (Engenheiro/PA) – [email protected]

Alexandre Guimarães Rodrigues (Físico/PA) – [email protected]

Alfredo Kingo Oyama Homma (Agrônomo/PA) – [email protected]

Ana Rosa Baganha Barp (Engenheira/PA) – [email protected]

Ândrea Kely Campos Ribeiro Santos (Biomédica/PA) – [email protected]

Andrey Gomes Martins (Físico/PA) – [email protected]

Ângela Burlamaqui Klautau (Física/PA) – [email protected]

Antonio Carlos Rosário Vallinoto (Biomédico/PA) – [email protected]

Antonio Gomes de Oliveira (Físico/PA) – [email protected]

Antonio Maia de Jesus Chaves Neto (Físico/PA) – [email protected]

Antonio Tobias Silveira (Informático/PA) – [email protected]

Arnaldo Prado Junior (Informático/PA) – [email protected]

Archimino Cardoso Atahyde Neto (Engenheiro/PA) – [email protected]

Aurélio Leal Alves do Ó (Biofísico/PA) – [email protected]

Benedito Lobato (Físico/PA) – [email protected]

Benedito Tadeu Ferreira de Moraes (Físico/PA) – [email protected]

Brígida Ramati Pereira da Rocha (Engenheira /PA) – [email protected]

Candido Augusto Veloso Moura (Geólogo/PA) – [email protected]

Carlos Edílson de Almeida Manesky (Engenheiro/PA) – [email protected]

Carlos José Freire Machado (Físico/PA) – [email protected]

Carlos Leonidas da S. S. Sobrinho (Engenheiro /PA) – [email protected]

Carolina Matos Affonso (Engenheira /PA) – [email protected]

Cláudio Nahum Alves (Químico/PA) – [email protected]

Cristovam Wanderley Picanço Diniz (Biomédico/PA) – [email protected]

Daniel Onofre de Almeida Cruz (Engenheiro/PA) – [email protected]

Danilo Teixeira Alves (Físico/PA) – [email protected]

Ducival Carvalho Pereira (Matemático/PA) – [email protected]

Edinaldo Teixeira (Físico/PA) – [email protected]

Edson Akira Asano (Físico/PA) – [email protected]

Eduardo Coelho Cerqueira (Informático/PA) – [email protected]

Elinei Pinto dos Santos (Físico/PA) – [email protected]

Elói Favero (Informático/PA) – [email protected]

Emanoel Adilson de Souza Serrão (Agrônomo/PA) – [email protected]

Emanuel Negrão Macedo (Engenheiro/PA) – [email protected]

Fátima Nazaré Baraúna Magno (Engenheira-Física/PA)[email protected]

Flávio Francisco Dulcetti Filho (Engenheiro/PA) – [email protected]

Francisco Pereira Assunção (Químico/PA) – [email protected]

Geraldo Narciso da Rocha Filho (Químico/PA) – [email protected]

Gervásio Protázio dos Santos Cavalcante (Engenheiro/PA) – [email protected]

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Apresentação da Academia

Habib Fraiha Neto (Médico-Pesquisador/PA) – [email protected]

Horácio Schneider (Biomédico/PA) – [email protected]

Inocêncio de Souza Gorayeb (Biólogo/PA) – [email protected]

Jessé Carvalho Costa (Geofísico/PA) – [email protected]

João Crisostomo Weyl Albuquerque Costa (Engenheiro/PA) – [email protected]

João Farias Guerreiro (Biomédico/PA) – [email protected]

João Felipe de Medeiros (Físico/PA) – [email protected]

João Furtado de Souza (Engenheiro-Físico/PA) – [email protected]

Jorge Castiñeiras Rodrigues (Físico/PA) – [email protected]

José Augusto Lima Barreiros (Engenheiro/PA) – [email protected]

José Augusto Soares Affonso (Engenheiro/in memoriam)

José Ciríaco Pinheiro (Químico/PA) – [email protected]

José Felipe de Almeida (Engenheiro-Físico/PA) – [email protected]

José Guilherme Soares Maia (Químico/PA) – [email protected]

José Jerônimo de Alencar Alves (Historiador da Ciência/PA) – [email protected]

José Luiz Magalhães Lopes (Físico/PA) – [email protected]

José Miguel Martins Veloso (Matemático/PA) – [email protected]

José Perilo da Rosa Neto (Engenheiro/PA) – [email protected]

José Raimundo Ribeiro Serra (Químico/PA) – [email protected]

Júlio de Alencar Júnior (Engenheiro/PA) – [email protected]

Jurandyr Nascimento Garcez (Engenheiro/PA) – [email protected]

Karlúcio Castello-Branco (Físico/PA) – [email protected]

Klaus Cozzolino (Físico/PA) – [email protected]

Leonardo Deane de Abreu Sá (Geofísico/PA) – [email protected]

Licurgo Peixoto de Brito (Físico/PA) – [email protected]

Luci Cajueiro Carneiro Pereira (Bióloga/PA) – [email protected]

Luís Carlos Bassalo Crispino (Físico/PA) – [email protected]

Luiz Sérgio Guimarães Cancela (Físico/PA) – [email protected]

Luiz Carlos de Lima Silveira (Biomédico/PA) – [email protected]

Manoel Gabriel Siqueira Guerreiro (Geólogo/PA) – [email protected]

Manoel Januário da Silva Neto (Físico/PA) – [email protected]

Manoel Malheiros Tourinho (Agrônomo/PA) – [email protected]

Manoel Viégas Campbell Moutinho (Matemático/PA) – [email protected]

Marcelo Costa de Lima (Físico/PA) – [email protected]

Marcio Roberto Teixeira Nunes (Biomédico/PA) – [email protected]

Marco Antonio Cunha Machado (Físico/PA) – [email protected]

Marcondes Lima da Costa (Geólogo/PA) – [email protected]

Marcos Ximenes Ponte (Engenheiro/PA) – [email protected]

Maria Iracilda da Cunha Sampaio (Biomédica/PA) – [email protected]

Maria Paula Cruz Schneider (Biomédica/PA) – [email protected]

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Academia Paraense de Ciências (APC)

Miguel Ayan Gaia (Astrônomo/PA) – [email protected]

Milton Matta (Geólogo/PA) – [email protected]

Nagib Charone Filho (Engenheiro/PA) – [email protected]

Nelson Pinheiro Coelho de Souza (Físico/PA) – [email protected]

Nilson Pinto de Oliveira (Geofísico/PA) – [email protected]

Orlando José Carvalho de Moura (Físico/PA) – [email protected]

Paulo Moura Barroso (Engenheiro/PA) – [email protected]

Paulo Sérgio de Souza Gorayeb (Geólogo/PA) – [email protected]

Pedro Leon da Rosa Filho (Informático/PA) – [email protected]

Pedro Walfir Martins e Souza Filho (Geólogo/PA) – [email protected]

Petrus Agrippino de Alcântara Junior (Físico/PA) – [email protected]

Raimundo Netuno Nobre Villas (Geólogo/PA) – [email protected]

Ricardo Ishak (Biomédico/PA) – [email protected]

Roberto Dal’Agnoll (Geofísico/PA) – [email protected]

Rômulo Simões Angelica (Geólogo/PA) – [email protected]

Rubens Rodrigues Lima (Agrônomo/PA)

Rui dos Santos Barbosa (Matemático/PA) – [email protected]

Sanclayton Geraldo Carneiro Moreira (Físico/PA) – [email protected]

Sérgio Vizeu Lima Pinheiro (Físico/PA) – [email protected]

Sidney Emanuel Batista dos Santos (Biólogo/UFPA) – [email protected]

Silvana Perez (Física/UFPA) – [email protected]

Sueo Numazawa (Agrônomo/PA) – [email protected]

Ubiratan Holanda Bezerra (Engenheiro/PA) – [email protected]

Van Sérgio da Silva Alves (Físico/UFPA) – [email protected]

Victor Dimitriev (Engenheiro/PA) – [email protected]

Victor Serra Façanha (Físico/PA) – [email protected]

Zínia de Aquino Valente (Física/PA) – [email protected]

Membros associados

Alcyr Boris Meira (Arquiteto/PA) – [email protected]

Aloísio Augusto Lopes Chaves (Advogado/PA) – [email protected]

Amarílis Tupiassú (Escritora/PA) – [email protected]

Aurélio Augusto Freitas de Meira (Arquiteto/PA) – [email protected]

Antéro Duarte Dias Pires Lopes (Economista/PA) – [email protected]

Avertano Rocha (Advogado/PA) – [email protected]

Carlos Berbary (Médico/PA) – [email protected]

Carlos Botelho da Costa (Advogado/PA) – [email protected]

Cicerino Cabral do Nascimento (Arquiteto/PA) – [email protected]

Cláudio Walter Cativo Rosa (Arquiteto/PA) – [email protected]

Clóvis Mácola (Financista/PA)

[ xvi ]

Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xvii, global #17)ii

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Apresentação da Academia

Christine Pacheco (Professora/PA) – [email protected]

Dina Oliveira (Artista Plástica/PA) – [email protected]

Egydio Salles Filho (Advogado/PA) – [email protected]

Elias Ribeiro Pinto ( Jornalista/PA) – [email protected]

Emmanuel Nassar (Artista Plástico/PA) – [email protected]

Emmanuel Zagury Tourinho (Psicólogo/PA) – [email protected]

Ernani Pinheiro Chaves (Filósofo/PA) – [email protected]

Flávio Campos do Nascimento (Arquiteto/PA) – [email protected]

Frederico Andrade (Economista/PA) – [email protected]

Frederico Coelho de Souza (Advogado/PA) – [email protected]

Geraldo Mártires Coelho (Historiador/PA) – [email protected]

Gisa Helena Melo Bassalo (Arquiteta/PA) – [email protected]

Guilherme Guimarães (Médico/PA)

Irapuan Salles Filho (Advogado/PA) – [email protected]

Jarbas Vasconcelos (Advogado/PA) – [email protected]

João Carlos Pereira ( Jornalista/PA) – [email protected]

João de Jesus Paes Loureiro (Poeta/PA) – [email protected]

João Pinto de Castro Filho (Arquiteto/PA) – [email protected]

Jorge Derenji (Arquiteto/PA) – [email protected]

José Edison Ferreira (Filósofo/PA) – [email protected]

José Marcelino Monteiro da Costa (Economista/PA) – [email protected]

José Maria Coelho Bassalo (Arquiteto/PA) – [email protected]

José Paulo de Oliveira Filho (Médico/PA)

Jussara Derenji (Arquiteta/PA) – [email protected]

Maurílio de Abreu Monteiro (Historiador) – [email protected]

Milton Nobre ( Jurista/PA) – [email protected]

Nelson Souza Junior (Filósofo/PA) – [email protected]

Olavo de Farias Galvão (Psicólogo/PA) – [email protected]

Ophir Cavalcante (Advogado/PA) – [email protected]

Ophir Cavalcante Jr. (Advogado/PA) – [email protected]

Oswaldo Coimbra de Oliveira ( Jornalista-Historiador/PA) – [email protected]

Paulo Elcídio Nogueira (Arquiteto/PA) – [email protected]

Paulo Roberto Chaves Fernandes (Arquiteto/PA) – [email protected]

Paulo Rúbio de Souza Meira (Advogado/PA) – [email protected]

Paulo Sérgio Rodrigues Cal (Arquiteto/PA) – [email protected]

Paulo Toscano (Médico/PA) – [email protected]

Pedro Galvão (Publicitário/PA) – [email protected]

Pedro Paulo Conduru (Artista Plástico/PA) – [email protected]

Pedro Pinho de Assis (Escritor/PA)

Pedro Rosário Crispino (Procurador/PA) – [email protected]

[ xvii ]

Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xviii, global #18)ii

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Academia Paraense de Ciências (APC)

Raymundo Heraldo Maués (Historiador-Antropólogo/PA) – [email protected]

Regina Alves ( Jornalista/PA) – [email protected]

Renato Mindello (Advogado/PA) – [email protected]

Ronaldo Passarinho Pinto de Souza (Advogado/PA) – [email protected]

Rosa Egídia Crispino Calheiros Lopes (Procuradora/PA) – [email protected]

Rosa Maria Coelho de Assis (Escritora/PA) – [email protected]

Ruy Agostinho Otoni Vieira (Arquiteto/PA) – [email protected]

Ruy Guilherme Castro de Almeida (Educador/PA) – [email protected]

Sílvio Gusmão (Médico/PA) – [email protected]

Simão Jatene (Economista/PA) – [email protected]

Teresa Mártires Coelho Cativo Rosa (Economista/PA) – [email protected]

Ubirajara Imbiriba Salgado (Médico/PA) – [email protected]

Violeta Loureiro (Economista/PA) – [email protected]

Wilton de Queiroz Moreira (Historiador/PA) – [email protected]

Zeno Veloso ( Jurista/PA) – [email protected]

Membros correspondentes

Adauto José Gonçalves de Araújo (Pesquisador/RJ) – [email protected]

Adílio Jorge Marques (Historiador da Ciência/RJ) – [email protected]

Alberto Franco de Sá Santoro (Físico/RJ) – [email protected]

Alberto Gabbay Canen (Engenheiro/RJ) – [email protected]

Alexandre Cherman (Astrônomo/RJ) – [email protected]

Alfredo Marques (Físico/RJ) – [email protected]

Amós Troper (Físico/RJ) – [email protected]

Ana Maria Jansen (Médica Veterinária/RJ) – [email protected]

André Koch Torres de Assis (Físico/SP) – [email protected]

Antônio Boulhosa Nassar (Físico/USA) – [email protected]

Antonio José Silva Oliveira (Físico/MA) – [email protected]

Armando de Castro Cerqueira Arosa (Pedagogo/RJ) – [email protected]

Arnaldo Homobono Paes de Andrade (Físico/SP) – [email protected]

Bernardino Ribeiro Figueiredo (Geólogo/SP) – [email protected]

Breno Oliveira Imbiriba (Físico/USA) – [email protected]

Bruno Rainho Mendonça (Astrônomo/RJ) – [email protected]

Carlos Alberto da Silva Lima (Físico/SP)

Carlos Alberto Dias (Geofísico/RJ) – [email protected]

Carlos Alberto dos Santos (Físico/RS) – [email protected]

Carlos Augusto Sarmento Ferreira – [email protected]

Carlos Benevenuto Grisard Koehler (Historiador da Ciência/RJ) – [email protected]

Carlos Gianotti (Físico/RS) – [email protected]

Cláudio Tavares Alencar (Engenheiro/SP) – clá[email protected]

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xix, global #19)ii

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Apresentação da Academia

Daniel Gemaque da Silva (Físico/AP) – [email protected]

Dionizio Bazeia (Físico/PB) – [email protected]

Edgard Thomas Martins (Engenheiro/Economista)/PE) – [email protected]

Édison Shybuia (Físico/SP) – [email protected]

Fausi Said Sanjad (Engenheiro/SP) – [email protected]

Gilvan Augusto Alves (Físico/RJ) – [email protected]

Hélio da Motta Filho (Físico/RJ) – [email protected]

Henrique Fleming (Físico/SP) – [email protected]

Iberê Luiz Caldas (Físico/SP) – [email protected]

Inocêncio Mártires Coelho ( Jurista/BR) – [email protected]

Jenner Barretto Bastos Filho (Físico/AL) – [email protected]

João Bosco da Mota Alves (Engenheiro/SC) – [email protected]

João Mendes da Silva (Poeta/RJ) – [email protected]

João Zanetic (Físico/SP) – [email protected]

Joaquim Francisco de Carvalho (Engenheiro/RJ) – [email protected]

Joaquim-Francisco Mártires Coelho (Escritor/USA) – [email protected]

Jorge Henrique de O. Sales (Físico/SP) – [email protected]

José Abdalla Helayël Neto (Físico/RJ) – [email protected]

José Airton Cavalcante de Paiva (Físico/CE) – [email protected]

José Alexandre da Silva (Filósofo/RJ) – [email protected]

José Augusto Messias (Médico/RJ) – [email protected]

José da Silva Seráfico de Assis Carvalho (Escritor/AM) – [email protected]

José Evangelista de Carvalho Moreira (Físico/CE) – [email protected]

José Guilherme Rocha Lima (Físico/USA) – [email protected]

José Luís Córdova Frunz (Químico/MX) – [email protected]

José Maria Borborema (Engenheiro/RJ) – [email protected]

José Pedro Cordeiro (Físico/AM) – [email protected]

José Roberto Pinheiro Mahon (Físico/RJ) – [email protected]

José Seixas Lourenço (Geofísico/BR) – [email protected]

Lauro Euclides Soares Barata (Químico/SP) – [email protected]

Lauro Morhy (Químico/BR) – [email protected]

Liacir dos Santos Lucena (Físico/RN) – [email protected]

Lindalva do Carmo Ferreira (Geofísica/RJ) – [email protected]

Luciano Rodrigues da Silva (Físico/RN) – [email protected]

Luís Carlos de Menezes (Físico/SP) – [email protected]

Luís Antonio de Oliveira Nunes (Físico/SP) – [email protected]

Luiz Davidovich (Físico/RJ) – [email protected]

Luiz Carlos Lobato Botelho (Físico/RJ) – [email protected]

Luiz Fernando de Almeida Freitas (Arquiteto/RJ) – [email protected].

Luiz Fernando Ferreira (Médico e Paleoparasitologista/RJ) – [email protected]

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xx, global #20)ii

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Academia Paraense de Ciências (APC)

Luiz Orlando de Quadro Peduzzi (Físico/SC) – [email protected]

Marcelo Otávio Caminha Gomes (Físico/SP) – [email protected]

Márcia Chame dos Santos (Zoóloga/RJ) – [email protected]

Marco Antonio Moreira (Físico/RS) – [email protected]

Marco Antônio Raupp (Matemático/RJ) – [email protected]

Marcos Duarte Maia (Físico/BR) – [email protected]

Maria Beatriz Breves Ramos (Física e Psicóloga/RJ) – [email protected]

Maria Cristina Silveira (Educadora/RJ) – [email protected]

Mario Filardo Bassalo (Médico/RJ) – [email protected]

Mário Terezo Lopes (Engenheiro/RJ) – [email protected]

Mauro Sérgio Dorsa Cattani (Físico/SP) – [email protected]

Michel Paty (Filósofo da Ciência/FR) – [email protected]

Mirian de Carvalho (Filósofa/RJ) – [email protected]

Moacyr Henrique Gomes e Souza (Físico/RJ) – [email protected]

Nicim Zagury (Físico/RJ) – [email protected]

Nicolau Eládio Bassalo Crispino ( Jurista/AP) – [email protected]

Olival Freire Junior (Filósofo da Ciência/BA) – [email protected]

Olivar Antonio Lima e Lima (Geofísico/BA) – [email protected]

Paulo Buarque de Macedo Guimarães (Geofísico/RJ) – [email protected]

Paulo Emílio Matos Martins (Engenheiro/RJ) – [email protected]

Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Físico/MG) – [email protected]

Pedro Paulo Chieffi (Médico/SP) – [email protected]

Raimundo Medeiros Lobato (Educador/MA) – [email protected]

Roberto Hugo da Costa Lins (Médico/RJ) – [email protected]

Rubério Prado Britto (Geofísico/BE)

Ruynet Lima de Mattos Filho (Físico/RJ) – [email protected]

Sara de Araújo Brito (Linguísta/RJ) – [email protected]

Sérgio Joffily (Físico/RJ) – [email protected]

Sérgio Guerreiro (Geofísico/BA) – [email protected]

Sérgio Machado Rezende (Físico/BR) – [email protected]

Shozo Motoyama (Físico/SP) – [email protected]

Sílvio Roberto de Azevedo Salinas (Físico/SP) – [email protected]

Sônia Peduzzi (Física/ SC) – [email protected]

Tatiana Deane de Abreu Sá (Engenheira Agrônoma/BR) – [email protected]

Vanderlei Salvador Bagnato (Físico/SP) – [email protected]

Virgínia de Paiva Franceschelli (Biblioteconomista/SP) – [email protected]

Vítor Oguri (Físico/RJ) – [email protected]

Walton Vieira de Nóvoa (Engenheiro/RJ) – [email protected]

Wilson Oliveira (Físico/MG) – [email protected]

Yashiro Yamamoto (Físico/SP) – [email protected]

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxi, global #21)ii

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Apresentação da Academia

Membros eméritos

Adriano Di Giacomo (Físico/IT) – [email protected]

Almir José Oliveira Gabriel (Médico/PA)

Armando Dias Mendes (Economista/BR) – [email protected]

Artemidoro Cabral de Melo (Matemático/PA)

Carlos Garcia Canal (Físico/ARG) – [email protected]

Elisa Frota Pessoa (Física/RJ) – [email protected]

Fernando Medeiros Vieira (Físico/PA)

Jader Benuzzi Martins (Historiador da Ciência/RJ) – [email protected]

Jayme Tiomno (Físico/RJ) – [email protected]

Juarez Pascoal de Azevedo (Físico/RN) (in memoriam)

Lourival de Barros Barbalho (Médico/PA) – [email protected]

Manuel Ayres (Médico/PA)

Miguel Paulo Rodrigues Bitar (Engenheiro/PA)

Milton José Pinheiro Monte (Arquiteto/PA)

Omir Correa Alves (Engenheiro/PA)

Ricardo de Carvalho Ferreira (Químico/PE) – [email protected]

Roberto Aureliano Salmeron (Físico/FR) –[email protected]

Roberto de Oliveira Santos ( Jurista/PA)

Sérgio Mascarenhas (Físico/SP) – [email protected]

Membros beneméritos

Alberto Coutinho do Amaral (Engenheiro/PA) – [email protected]

Alfredo Naziazeno Ferreira Cordeiro (Engenheiro/PA) – [email protected]

Antonio Diogo Couceiro (Engenheiro/PA) – [email protected]

Antonio do Nascimento Pinho (Engenheiro/PA) – [email protected]

Carlos Amilcar Pinheiro (Engenheiro/PA) – [email protected]

Carlos Mattos Serruya (Engenheiro/PA) – [email protected]

Dacyr Botelho dos Santos (Engenheiro/PA) – [email protected]

Dirceu Raimundo da Rocha Pinto Marques (Engenheiro/PA) – [email protected]

Evando Simões Bonna (Engenheiro/PA) (in memoriam)

Fernando de Aguiar Oliveira (Químico/PA) – [email protected]

Fernando de Souza Monteiro (Engenheiro/PA) – [email protected]

Hélio Figueiredo da Serra (Engenheiro/MA) – [email protected]

Heronides Gomes Moura (Engenheiro/PA) (in memoriam)

Ivens Coimbra Brandão (Engenheiro/PA) – [email protected]

Jacy Gonzaga da Igreja (Engenheiro/PA) – [email protected]

João Messias dos Santos Filho (Educador/PA) – [email protected]

José da Silva Machado (Engenheiro/PA) – [email protected]

José do Egypto Soares Filho (Economista/PA) – [email protected]

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxii, global #22)ii

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Academia Paraense de Ciências (APC)

José Maria Mendonça (Engenheiro/PA) – [email protected]

José Maria Pinheiro de Souza (Engenheiro/PA) – [email protected]

Loriwal Rei de Magalhães (Engenheiro/PA) – [email protected]

Lutfala de Castro Bitar (Engenheiro/PA) – [email protected]

Manoel Francisco Dias Pantoja (Engenheiro/PA) – [email protected]

Manoel Leite Carneiro (Educador/PA) – [email protected]

Omar Said Sanjad (Engenheiro/PA) – [email protected]

Pedro Paulo de Lima Dourado (Engenheiro/PA) – [email protected]

Rodolpho Pereira Dourado Neto (Engenheiro/PA) – [email protected]

Samir Said Sanjad (Engenheiro/PA) – [email protected]

Sílvio Samuel Moreira Aflalo (Engenheiro/PA) – [email protected]

Wlademir da Silva Miranda (Engenheiro/PA) – [email protected]

Direção da APC

PRESIDENTE EXECUTIVO: José Maria Filardo Bassalo

PRESIDENTE ADMINISTRATIVO: Marcelo Costa de Lima

PRESIDENTE EDITORIAL: Francisco Caruso

PRESIDENTE CULTURAL: Robson Fernandes de Farias

SECRETÁRIO: José Jerônimo de Alencar Alves

TESOUREIRO: Pedro Leon da Rosa Filho

REPRESENTANTE DOS MEMBROS FUNDADORES: Célia Coelho Bassalo

REPRESENTANTES DOS MEMBROS TITULARES: Luís Carlos Bassalo Crispino eRaymundo Netuno Nobre Villas

REPRESENTANTES DOS MEMBROS ASSOCIADOS: José Edison Ferreira e Jussara Derenji.

site: http://aparaciencias.orgCNPJ: 04.367.371/0001-67

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxiii, global #23)ii

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Sumário

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v

Apresentação da Academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viiAcademia Paraense de Ciências (APC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii

Fundação, viiRecriação, vii

Estatuto da Academia Paraense de Ciências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii

Membros da APC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xiii

Membros fundadores, xiiiMembros titulares, xivMembros associados, xviMembros correspondentes, xviiiMembros eméritos, xxiMembros beneméritos, xxi

Direção da APC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xxii

Capítulo INota Sobre a Dimensionalidade do Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Francisco Caruso

Capítulo IIA Medida do Tempo e sua Evolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9Orlando Moura1 – O Planeta Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2 – Os movimentos da Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3 – A percepção da mudança e o conceito de tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

3.1 – O moderno conceito de tempo, 123.2 – As escalas de tempo, 123.3 – O calendário, 15

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxiv, global #24)ii

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Diálogos Sobre o Tempo

4 – Invariância da reversão do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

5 – Primórdios do relógio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

5.1 – O Sol, 175.2 – O Gnômon, 175.3 – O relógio solar, 175.4 – O Quadrante Solar, 185.5 – A Clepsidra, 185.6 – As rodas dentadas, 195.7 – A Ampulheta, 205.8 – O relógio de Azeite, 205.9 – O relógio de Vela, 205.10 – Os relógios de Fogo, 215.11 – O relógio de Corda com Nós, 215.12 – O relógio de Fogo Despertador, 21

6 – Aperfeiçoamentos dos relógios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

6.1 – O relógio mecânico primitivo, 226.2 – O Foliot, 226.3 – O relógio de pêndulo, 23

7 – Os relógios precisos:

Escapamento Viga e Foliot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

7.1 – O relógio de pêndulo de Huygens, 247.2 – O escape de âncora, 257.3 – Os relógios de mola, 267.4 – O compensador de Graham, 267.5 – Os relógios mestres-secundários, 277.6 – O relógio elétrico (Corda Elétrica), 277.7 – Os relógios síncronos, 277.8 – O relógio de Quartzo, 287.9 – O relógio atômico, 28

8 – A evolução do relógio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Capítulo IIIDa transmissão da força à geometrização da força . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31Marcelo Costa de Lima

Capítulo IVO Tempo na Física . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47José Maria Filardo Bassalo1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

2 – O Tempo na Mecânica Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

3 – O Tempo na Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4 – O Tempo na Mecânica Relativística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

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Diálogos Sobre o Tempo — Prova 2 — 30/11/2010 — Maluhy&Co. — página (local xxv, global #25)ii

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Sumário

5 – O Tempo na Mecânica Quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

6 – O Tempo na Cosmologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

7 – Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

Capítulo VTempo e Geologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65Raimundo Netuno Villas1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

2 – A Geologia e as Outras Ciências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

3 – O Princípio do Uniformitarianismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

4 – O Tempo Geológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

5 – O Tempo Relativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

6 – O Tempo Absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

Métodos Radiométricos, 727 – A Idade da Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

8 – Escala do Tempo Geológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

Capítulo VITempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75José Jerônimo de Alencar Alves1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

2 – Belle Époque Amazônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

3 – Notas Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

Capítulo VIIO Tempo e o Espaço na Informática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho1 – Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

2 – Tempo e Espaço / Espaço-Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

3 – Recursividade, Algoritmos e Processamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

4 – Armazenamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

5 – Velocidade de Transmisão e Atrasos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

6 – Construção do Conhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

7 – Trabalho Colaborativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

8 – Telemedicina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

9 – Vulnerabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

10 – Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Capítulo VIIIO Tempo e a Arquitetura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103Jussara da Silveira Derenji

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Diálogos Sobre o Tempo

Capítulo IXTempo e História na Grécia Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Geraldo Mártires Coelho

Capítulo XO Sentir e o Pensar o Tempo em Três Poemas Líricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131Celia Coelho Bassalo

Capítulo XISós, Livro de Valdir Rocha: O Tempo e a Poética da Reprodutibilidade . . . . . . . . . 137Mirian de Carvalho1 – Do tempo que não corre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

2 – Da reprodutibilidade na arte de Valdir Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

3 – A poética do velamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

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INota Sobre a

Dimensionalidade do Tempo

Francisco Caruso¹

À memória de Juan José Giambiagi

Desde 1983, tenho me dedicado ao estudo de aspectos históricos e filosóficos do

conceito de espaço e, em particular, venho procurando compreender as origens de suadimensionalidade, assim como este seu atributo topológico relaciona-se à estrutura de váriasleis físicas [1-10]. Dentre tantas análises que fiz, com diversos colaboradores, posso citaralguns exemplos de fenômenos físicos que dependem do número de dimensões do espaçono qual eles têm lugar: a atração regida pelo potencial 1/r (na gravitação clássica ou naeletrostática) [11-14], a difração de nêutrons [1], o efeito Casimir [2,7], o espectro estelar[5] e a radiação de fundo [9]. Em todos estes trabalhos – como em todos os trabalhos queconheço que tratam do problema da dimensionalidade do espaço – o tempo é pressupostoser unidimensional. Assim, mesmo quando se admite que um particular evento físico, narealidade, ocorre no espaço-tempo, se está, na verdade, discutindo e impondo limites ouvínculos sobre a dimensionalidade apenas do espaço, como é feito, por exemplo, em [15].

1. Físico, Pesquisador titular do CBPF, Professor Associado da UERJ e Professor Colaborador do Programa deHistória das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ. Membro das Academias Paraense e Roraimensede Ciências e do PEN Club do Brasil.

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Na verdade, esta limitação não me causa espanto, uma vez que discutir a dimensionali-dade do espaço ou do tempo a partir de singularidades que as leis físicas possam apresentarem relação a um particular número de dimensões esbarra sempre no fato de que tais leis sãosempre determinadas teórica ou empiricamente sem qualquer tipo de questionamento apriori da dimensionalidade de ambos. É como se esta fosse um dado de fato da Natureza,uma verdade inquestionável. No caso do tempo, esta espécie de preconceito parece estarainda mais arraigada na comunidade científica. A experiência sensível de ordenaçãotemporal e a unidimensionalidade do tempo parecem tão imbricadas que, de fato, aliteratura sobre o problema da dimensionalidade do tempo é muito reduzida comparadaàquela que trata do problema análogo para o espaço. Pode-se, inclusive, questionar se opróprio conceito de causalidade que herdamos não depende de se ter tais relações comoverdadeiras. Sendo assim, em que fatos experimentais ou em que outros conceitos basilarespoderia se basear quem estiver interessado em justificar que o tempo é unidimensional oumesmo provar que pode ser multidimensional?

Acho que podemos afirmar que a origem do caráter unidimensional do tempo remontaao abandono do tempo cíclico difundido no pensamento grego clássico, a partir dosurgimento do cristianismo. Mais especificamente com Santo Agostinho, que apesar desua consagrada resposta à questão do que é o tempo – “Se ninguém mo perguntar eu sei; se oquiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.” [16] – foi quem apresentou a primeirateoria filosófica do tempo, baseada numa origem (a crucificação de Cristo) e na convicçãode que o tempo é a medida, pela consciência humana, do movimento “retilíneo” da história,irreversível e que não se repete [17].

Antes de esboçar algumas contribuições no sentido de rever brevemente o que foi feitobuscando compreender a dimensionalidade do tempo, gostaria de destacar o fato de queuma parte significativa dos argumentos que concernem à dimensionalidade do espaçodepende da existência de um espaço métrico [1]. Tal fato nos remete à noção de distânciaem uma variedade n dimensional, a qual se baseia tradicionalmente na forma diferencialhomogênea quadrática

ds2 = gµνdxµdxν

na qual os índices assumem os valores µ, ν = 0, 1, 2, . . . (n− 1). Esta fórmula, em últimaanálise, é uma escolha arbitrária, pois, de fato, não há argumentos lógicos que excluama priori outras formas do tipo ds4, ds6, ds8, . . .. Neste ponto é importante lembrar que,em 1920, Ehrenfest apresentou a conjectura de que o expoente 2 da forma quadrática naequação anterior para o elemento de linha poderia estar relacionado com a dimensionalidadedo espaço [12] mas, até onde sei, tal conjectura ainda não foi demonstrada. Algumasconsequências, como uma possível relação desta conjectura com o teorema de Fermat,foram discutidas em [1]. Além disto, o fato de muitas das equações fundamentais da Físicaenvolverem derivadas espaciais de segunda ordem (a equação de Newton, a equação deonda de d’Alembert, a equação de Schrödinger etc.) pode também estar relacionado àtridimensionalidade do espaço. Voltarei a este ponto mais adiante.

Na realidade, foi o desenvolvimento das Geometrias não Euclidianas no século XIX [18]que permitiu as primeiras especulações a cerca de uma quarta dimensão e o que ela seria,

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I Nota Sobre a Dimensionalidade do Tempo

bem antes da Teoria da Relatividade, dentre as quais posso citar a de Hinton [19]. Outrosaspectos do problema da realidade ou não de uma quarta dimensão, ligados à percepçãoe à filosofia foram tratados por Whitrow [20]. De qualquer forma, do ponto de vista daFísica, é a métrica da Geometria de Minkowski que pode ser facilmente generalizada paraum número qualquer de dimensões espaciais e temporais. Para µ e ν variando de 0 a 3(n = 4), tem-se a métrica

gµν =

+ 0 0 00 − 0 00 0 − 00 0 0 −

Para um número qualquer n de dimensões do espaço-tempo, a nova matriz gµν terádimensões n× n. Em seu famoso livro The Mathematical Theory of Relativity, Eddingtonpondera que tal escolha (um sinal + e três −) “particulariza o mundo de um modo quedificilmente poderíamos ter predito a partir de primeiros princípios” [21]. Por que o espaço--tempo tem uma e não outra assinatura? Lembra, então, o astrofísico inglês, sem citar areferência, que Weyl expressa este caráter “especial” afirmando que o espaço tem 3 + 1dimensões [22]. Entretanto, uma leitura atenta de seus trabalhos mostra que este seriao número total de dimensões espaço-temporais que assegura a invariância de escala doEletromagnetismo Clássico de Maxwell, mas com a dimensionalidade do tempo pré-fixadaem 1.

Voltando ao livro de Eddington, ele examina outra questão interessante: se o universopode mudar sua geometria. Em particular, se pergunta se em alguma região remota doespaço ou do tempo se poderia ter uma métrica do tipo

gµν =

− 0 0 00 − 0 00 0 − 00 0 0 −

Sua resposta é negativa e o argumento é que, se tal região existe, ela deve estar separada poruma superfície da região em que a assinatura da métrica é (+,−,−,−), de tal forma que,para um lado da superfície de separação, tem-se

ds2 = c21dt2 − dx2 − dy2 − dz2

enquanto que, do outro lado,

ds2 = −c22dt2 − dx2 − dy2 − dz2

A transição, neste caso, só poderia ocorrer através de uma superfície na qual

ds2 = 0dt2 − dx2 − dy2 − dz2

Portanto, a velocidade (fundamental) c da luz seria nula, donde

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Francisco Caruso

“Nada poderia se mover na superfície de separação entre as duas regiões e nenhumainfluência pode passar de um lado para outro. A suposta ulterior região não está emqualquer relação espaço-temporal com nosso universo – o que é um modo de certa formapedante de dizer que ela não existe” [21].

Hoje se sabe que nas teorias clássicas da Gravitação não pode haver alterações locais natopologia do espaço-tempo sem que se considerem flutuações quânticas [23]. O caso deum mundo hipotético de dimensões 2 + 2 é também brevemente discutido pelo autor. Apossibilidade de um universo no qual o tempo possa ser bidimensional é tratada ainda emoutro livro de Eddington publicado postumamente [24].

Em 1970, Dorling desenvolveu um argumento essencialmente cinemático e mostrou que

“a propriedade extrema [máxima] de geodésicas do tipo tempo em um espaço-tempoordinário é uma condição necessária para a existência de partículas estáveis. Estapropriedade de máximo falharia se o tempo fosse multidimensional” [25].

Segundo este autor, para um tempo multidimensional o próton e o elétron não seriamestáveis. Nem mesmo o fóton! Além disto, propõe que as objeções que se apresentampara velocidades maiores do que a da luz e para um tempo multidimensional podem estarrelacionadas. Abre-se, assim, uma possibilidade de estudo dos tachyons em universos comum número maior de coordenadas do tipo tempo. Isto porque a única diferença essencialentre tempo e espaço (e entre as correspondentes geodésicas do tipo tempo ou do tipoespaço) em uma Geometria de Minkowski é a diferença na dimensionalidade.

É também digno de nota o trabalho de Mirman [26], no qual ele defende a tese de quea assinatura do espaço-tempo parece estar relacionada ao processo de medida e, se houvermais de uma dimensão do tipo tempo, as dimensões extras não seriam observáveis. Aquestão da medida me parece ser um ponto central em toda essa discussão sobre o númerode dimensões, seja do espaço, seja do tempo.

Qualquer processo de medida depende não só da definição de um observador comotambém de algumas leis físicas. Frequentemente, o que é feito para se discutir o problemada dimensionalidade do espaço é generalizar a forma funcional de uma equação diferencialque descreve uma lei da Física em um espaço R3 (que – é sempre preciso lembrar – foiestabelecida sem qualquer tipo de questionamento sobre a tridimensionalidade do espaço)para um espaço Rn, mas mantendo-se a ordem da equação diferencial. Assim, quando sediscute a estabilidade planetária baseada na gravitação newtoniana em espaços de dimensõesarbitrárias o que se faz é generalizar a equação de Poisson do seguinte modo:

∇2(3)φ =

∂2φ

∂x21

+∂2φ

∂x22

+∂2φ

∂x23

= 4πρ ⇒ ∇2(n)φ =

∂2φ

∂x21

+∂2φ

∂x22

+ · · ·+ ∂2φ

∂x2n

= 4πρ

A partir daí acha-se a solução geral de equação generalizada e, admitindo por hipótese (nofundo justificada apenas por argumentos de natureza antrópica) que ela descreva igualmentebem o mesmo fenômeno físico do caso n = 3, discute-se a estabilidade mecânica desta

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I Nota Sobre a Dimensionalidade do Tempo

nova solução. As limitações epistemológicas deste método foram amplamente discutidasem [1].

Neste ponto quero recordar alguns trabalhos do caro e saudoso amigo J.J. Giambiagi,que com G. Bollini desenvolveu, em 1972, o famoso método de regularização dimensional[27-28] admitindo que a dimensionalidade do espaço-tempo seja um número real dado porν = (3 + 1)− ε. Bocha (como era conhecido entre os amigos) trabalhou com diferentescolaboradores sobre o problema da dimensionalidade do espaço e do tempo de uma formamuito aberta, sem qualquer tipo de preconceito [29-39]. Nestes trabalhos seminais de1972, Bollini & Giambiagi mostraram, pela primeira vez (até onde sei), que uma pequenaflutuação imposta ad hoc à dimensionalidade do espaço-tempo está na base de um métodocapaz de controlar divergências que surgem no cálculo de certas quantidades físicas emteorias de campo de calibre. Portanto, mostraram que a dinâmica em uma teoria de campostambém pode depender crucialmente do número de dimensões do espaço-tempo. Nosartigos seguintes, em linhas muito gerais, Giambiagi e colaboradores dão particular ênfaseao estudo da equação de onda de d’Alembert generalizada e sua relação com o princípio deHuygens. O que é importante para o escopo desta nota é chamar atenção para o fato de queeles o fazem de uma maneira bem mais geral do que a generalização da equação de Poissonanteriormente mencionada, com sofisticações crescentes a cada artigo, permitindo inclusivenovas potências para o operador d’alembertiano . O fato de que as propriedades dasequações de onda dependem fortemente das dimensões espaciais não é novo e já havia sidonotado por Ehrenfest [12], Poincaré [40] e Hadamard [41]. O argumento de que mundostridimensionais parecem ter uma combinação única e muito peculiar de propriedadesque garantam o processamento e propagação de sinais via fenômenos eletromagnéticospode ser encontrado em [42], mas não é demais frisar que ele é construído apoiado naunidimensionalidade do tempo. Motivado por novos desenvolvimentos na Gravitação e emTeorias Supersimétricas, Giambiagi busca se libertar deste “preconceito” e vai estudar emvários dos artigos já citados aqui, do ponto de vista da Física Matemática, soluções paradiferentes dimensões de equações envolvendo os operadores , 1/2, 2, 3, . . . α,para uma coordenada temporal, inicialmente [35], e depois em um espaço-tempo com(p + q) dimensões [37, 39], onde

=∂2

∂t21

+∂2

∂t22

+ · · ·+ ∂2

∂t2q− ∂2

∂x21− ∂2

∂x22

+ · · ·+ ∂2

∂x2p

E as soluções analisadas são aquelas que dependem somente das variáveis

t =√

t21 + t2

2 + · · ·+ t2q, e r =

√x2

1 + x22 + · · ·+ x2

p

No que se refere à natureza epistemológica de uma eventual demonstração de queapenas a potência α = 1 do operador e um espaço-tempo quadridimensional garantiriama propagação de ondas eletromagnéticas sem problemas de perda de informação e semreverberações [42], é fácil perceber o quanto o vínculo assim obtido seria qualitativamentediferente daquele já conhecido. Outras contribuições mais recentes neste campo da FísicaMatemática podem ser encontradas em [43, 44].

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Francisco Caruso

Todos esses trabalhos oferecem uma gama substancial de resultados que merecemser analisados de um ponto de vista epistemológico e não apenas do ponto de vistaformal, segundo o qual a multiplicidade de dimensões espaciais é apenas uma possibilidadematemática a ser explorada e investigada. Talvez este tipo de investigação sobre algunsdestes resultados possa lançar uma luz sobre o quanto nossa percepção e a adoção formal deum tempo unidimensional, por um lado, e as leis físicas, por outro, estão imbricadas. Outalvez, como disse Weinstein, “[teorias com múltiplas dimensões espaciais] servem paraalargar nossas mentes no sentido do que pode ser fisicamente possível”.

Referências bibliográficas

[1] F. Caruso & R. Moreira, “On the physical problem of spatial dimensions: an alternativeprocedure to stability arguments”, Fundamenta Scientiae 8, p. 73-91 (1987).

[2] F. Caruso, N.P. Neto, B.F. Svaiter & N.F. Svaiter, “Attractive or repulsive nature of Casimirforce in D-dimensional Mikowski spacetime”, Physical Review D 43, n. 4, p. 1300-1306(1991).

[3] F. Caruso & R. Moreira, “Causa efficiens versus causa formalis: origens da discussão modernasobre a dimensionalidade do espaço”, Scientia (Unisinos) 4, n. 2, p. 43-64 (1994).

[4] F. Caruso & R. Moreira, “Notas sobre o problema da dimensionalidade do espaço e daextensão no primeiro texto do jovem Kant”, Scientia (Unisinos) 7, n. 2, p. 13-22 (1996).

[5] F. Caruso & R. Moreira, “Space dimensionality: what can we learn from stellar spectra andfrom the Mössbauer effect”, in: R.B. Scorzelli, I. Souza Azevedo & E. Baggio Saitovitch(Eds.), Essays on Interdisciplinary Topics in Natural Sciences Memorabilia: Jacques A. Danon,Gif-sur-Yvette/Singapore: Éditions Frontières, p. 73-84 (1997).

[6] F. Caruso & R. Moreira, “Sull’influenza di Cartesio, Leibniz e Newton nel primo approcciodi Kant al problema dello spazio e della sua dimensionalità”, Epistemologia (Genova, Italia)XXI, n. 2, p. 211-224 (1998).

[7] F. Caruso, R. De Paola & N.F. Svaiter, “Zero point energy of massless scalar field in thepresence of soft and semihard boundary in D dimensions”, International Journal of ModernPhysics A 14, n. 13, p. 2077-2089 (1999).

[8] F. Caruso, “A note on space dimensionality constraints relied on anthropic arguments:Methane structure and the origin of life”, In M.S.D. Cattani; L.C.B. Crispino; M.O.C.Gomes & A.F.S. Santoro (Eds.) Trends in Physics: Festschrift in homage to Prof. José MariaFilardo Bassalo, São Paulo: Livraria da Física, p. 95-106 (2009).

[9] F. Caruso & V. Oguri, “The Cosmic Microwave Background Spectrum and a Determinationof Fractal Space Dimensionality”, Astrophysical Journal 694, p. 151-153 (2009).

[10] F. Caruso & R. Moreira, “On Kant’s first insight into the problem of space dimensionalityand its physical foundations”, arXiv:0907.3531v1, submetido a Kant Studien (2010).

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[11] I. Kant, in J Handyside (ed.), Kant’s inaugural dissertation and the early writings on space,Chicago: Open Court, 1929, reimpresso por Hyperion Press (1979).

[12] P. Ehrenfest, “In what way does it become manifest in the fundamental laws of physics thatspace has three-dimensions?”, Koninklijke Nederlandsche Akademie van WetenschappenProceedings 20, n. 1, p. 200-209 (1918), reimpresso em M.J. Klein (ed.), Paul Ehrenfest –Collected Scientific Papers, Amsterdam: North-Holland Publ. Co. (1959), p. 400-409. Umacópia completa digitalizada está disponível emhttp://adsabs.harvard.edu/abs/1918KNAB...20..200E (acessado em 17 de outubro de 2010).Veja também, do mesmo autor, “Welche Rolle spielt die Dreidimensionalität des Raumes inden Grundgesetzen der Physik?”, Annalen der Physik 61, p. 440-446 (1920).

[13] F.R. Tangherlini, “Schwarzschild field in n dimensions and the dimensionality of spaceproblem”, Nuovo Cimento 27, p. 636-651 (1963).

[14] F. Caruso, V. Oguri & L. Perlingeiro, “The relativistic hydrogen atom and thedimensionality of space”, em fase de conclusão.

[15] B. Müller & A. Schäfer, “Improved bounds on the dimension of space-time”, PhysicalReview Letters 56, n. 12, p. 1215-1218 (1986).

[16] Santo Agostinho, Confissões, Livro XI.

[17] Ibid.

[18] M. Jammer, Conceitos de Espaço: A história das teorias do espaço na física. Rio de Janeiro:Contraponto e Ed. PUC Rio (2010).

[19] C.H. Hinton, What is the fourth dimension?, London: Allen und Unwin (1887). Veja tambémSpeculations on the Fourth Dimension: Selected Writings of Charles. H. Hinton, New York:Dover (1980).

[20] G.J. Whitrow, The Natural Philosophy of Time. Oxford: University Press, second edition(1980).

[21] A.S. Eddington, The Mathematical Theory of Relativity. Cambridge: University Press (1923),p. 25.

[22] H. Weyl, “Gravitation und Elektrizität”, Sitzungsberichte der Königlich Preußischen Akademieder Wissenschaften zu Berlin, p. 465-480 (1918). “Eine neue Erweiterung derRelativitätstheorie”, Annalen der Physik 59, p. 101-133 (1919). Veja também seu Space,Time, Matter. New York : Dover (1952), p. 282-825.

[23] Veja, por exemplo, J. Martin, N. Pinto-Neto & I. Damião Soares, “Green functions fortopology change”, Journal of High Energy Physics 3, p. 060 (2005) e referências lá citadas.

[24] A.S. Eddington, Fundamental Theory. Cambridge: University Press (1946), p. 126.

[25] J. Darling, “The dimensionality of time”, American Journal of Physics 38, p. 539-540 (1970).

[26] R. Mirman, “Comments on the dimensionality of time”, Foundations of Physics 3, p. 321-333(1973).

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[27] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Dimensional Regularization: The Number of Dimensions asa Regularizing Parameter”, Nuovo Cimento B 12, p. 20-26 (1972).

[28] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Lowest order ‘divergent’ graphs in ν-dimensional space”,Physics Letters B 40, n. 5, p. 566-568 (1972).

[29] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Supersymmetric Klein-Gordon equation in d-dimensions”,Physical Review D 32, n. 12, p. 3316-3318 (1985).

[30] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Lagrangian Procedures for Higher order field equation”,Revista Brasileira de Física 17, n. 1, p. 14-30 (1987).

[31] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Higher order equations of Motion”, Revista Mexicana deFísica 36, n. 1, p. 23-29 (1990).

[32] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Huyghens’ Principle in Dimensions for NonlocalPseudodifferential Operator of the Type α”, Nuovo Cimento A 104, n. 12, p. 1841-1844(1991).

[33] C.G. Bollini, J.J. Giambiagi & O. Obregón, “Are some physical theories related with aspecific number of dimensions?”, in A. Feinstein & J. Ibáñez (Eds.), Recent Developments inGravitation (Proceedings of Spanish Conference on Gravitation), Singapore: World Scientific(1992), p. 103.

[34] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Criteria to Fix the Dimensionality Corresponding to SomeHigher Derivative Lagrangians”, Modern Physics Letters A7, n. 7, p. 593-599 (1992).

[35] C.G. Bollini & J.J. Giambiagi, “Arbitrary Powers of d’Alembertians and the Huygens’Principle”, Journal of Mathematical Physics 34, n. 2, p. 610-621 (1993).

[36] J.J. Giambiagi, “Relations Among Solutions for Wave and Klein-Gordon Equations forDifferent Dimensions”, Nuovo Cimento B 109, n. 6, p. 635-644 (1994).

[37] W. Bietenholz & J.J. Giambiagi, “Solutions of the Spherically Symmetric Wave Equation in(p+q) dimensions”, Journal of Mathematical Physics 36, n. 1, p. 383-397 (1995).

[38] C.G. Bollini, J.J. Giambiagi, J. Benitez & O. Obregón, “Which is the Dimension of Space ifHuygens’ Principle and Newtonian Potential are Simultaneously Satisfied?”, RevistaMexicana de Física 39, suplemento n. 1, p. S1-S6 (1993).

[39] J.J. Giambiagi, “Wave Equations with multiple times: Classical and Quantum Solutions”,CBPF-NF-055 (1995).

[40] H. Poincaré, Dernières Pensées. Paris: Flammarion (1917).

[41] J. Hadamard, Lectures on Cauchy’s problem in linear partial differential equations. New Haven:Yale University Press (1923).

[42] J.D. Barrow, “Dimensionality”, Philosophical Transactions of the Royal Society of London A 310,p. 337-346 (1983).

[43] W. Craig & S. Weinstein, “On determinism and well-posedness in multiple timedimensions”, arXiv:0812.0210v3 (2009). Proceedings of the Royal Society A (online;forthcoming in print).

[44] S. Weinstein, “Multiple time dimensions”, arXiv:0812.3869v1 (2008).

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IIA Medida do Tempo e sua Evolução

Orlando Moura¹[email protected]

“O tempo é a variável independente nas Leis da Mecânica”

Esta é a melhor definição que pode ser dada para o Tempo e, ainda assim, não definea ideia completamente de Tempo. Como devemos escrever as Leis da Mecânica?

Elas não são formuladas de acordo com uma experiência que já pressupõe o Tempo? Estasinter-relações do conhecimento, a rede de postulados e observações encontradas aqui,exigem para que haja uma razoável compreensão, e devido a sua própria natureza, umaseparação entre tipos de Tempo.

Nosso entendimento imediato do Tempo está ligado ao tempo conceitual através de umaescolha de unidades de tempo natural e por processos bem selecionados que nos permitesubdividir essas unidades. As mais importantes entre as unidades de tempo natural são oano e o dia. Embora o seu significado raramente seja contestado, na prática, pelo julgamentode uma pessoa comum, essas simples unidades, no entanto, revelam-se problemáticas paraos cientistas. A breve exposição desses problemas irá mostrar exatamente em que sentidoeles são “colocados”.

Também mostramos uma diferença interessante entre a unidade de distância e unidadede tempo: as experiências enquanto nos fornecem inúmeros padrões para distâncias,facilmente reproduzíveis e constantemente confiáveis, os padrões naturais para o tempo sãoem número reduzido e de difícil comprovação.

1. Físico, Professor Aposentado da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências.

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Orlando Moura

1 O Planeta Terra

Fig. 1 O Planeta Terra

A Terra é um planeta; um corpo celeste que gira em torno de uma estrela central. É umdos nove planetas conhecidos que giram em torno de sua estrela, chamada sol, junto com

uma multidão de pequenos objetos. O sistema como um todo éconhecido como o sistema solar.

Entre os planetas, a Terra é o terceiro na ordem crescente dedistância ao sol, cerca de 149.600.000 quilômetros em média,que é utilizada como uma unidade de medida pelos astrônomosconhecida como a unidade astronômica. Como todos os objetoscelestes, a Terra tem um campo gravitacional, e como a maioriados outros planetas também exibe um campo magnético.

A Terra é acompanhada por uma companheira em órbita, aLua, que é menor do que ela, mas é grande o suficiente para

que muitos astrônomos considerem a Terra e a Lua como um sistema de planeta duplo.O diâmetro da Terra no equador é de cerca de 12800 quilômetros; Isto faz com queseja colocada em quinto lugar em ordem de tamanho entre os planetas. É o maior dosplanetas interiores.

2 Os movimentos da Terra

O planeta Terra apresenta uma série de movimentos diferentes. Os mais conhecidos destessão: a sua rotação, ou giro em torno de um eixo, e sua revolução, ou a passagem ao redordo Sol. O tempo que a Terra leva para girar uma vez em seu eixo é chamado um dia, e otempo que leva para completar uma órbita em volta do Sol é chamado um ano.

A órbita terrestre, em um plano chamado a eclíptica, é uma elipse quase circular, depouca excentricidade, com o Sol situado em um dos focos. A Terra está mais próxima doSol (periélio) em 3 de janeiro e mais distante (afélio) em 4 de julho. A velocidade orbitalmédia é 30 km/s. A velocidade orbital é maior no periélio e menor no afélio. O eixo derotação intercepta a superfície da Terra, no polo norte e polo sul. O grande círculo de 90graus nos polos é o equador. Ela intercepta a eclíptica num ângulo de 23,5 graus, em pontoschamados de equinócio vernal e equinócio outonal. O Sol aparentemente passa por essespontos no intervalo de um dia de 20 de março e 23 de setembro, respectivamente. O Solestá mais ao norte no dia 21 de junho e mais a sul no dia 22 de dezembro, no hemisférionorte; esses eventos são os chamados Solstícios de Verão e de Inverno, respectivamente.

Por causa de sua rotação, a Terra tem um achatamento nos polos norte e sul. Assim, aolongo do equador as atrações gravitacionais do Sol e da Lua atuam mais fortemente. ATerra, como resultado, se move como um pião. O eixo de rotação mantém uma inclinaçãopraticamente constante em relação à eclíptica, mas descreve um cone no espaço em umperíodo de cerca de 25.800 anos. Este movimento é conhecido como a precessão dosequinócios. Sobrepondo-se a este movimento existem pequenos efeitos periódicos (causadospela atração da Lua) chamado Nutação. O efeito mais relevante tem amplitude de 9segundos de arco (0,0025 graus) e um período de 18,6 anos.

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Precessão e Nutação são movimentos do eixo de rotação no espaço. A própria Terrase move (além da rotação pura) com relação ao eixo de rotação devido a uma distribuiçãodesigual de massa sobre o eixo. Este movimento, chamado movimento polar, tem duascomponentes, com períodos de 12 e 14,2 meses.

A Terra, juntamente com o Sol e do resto do sistema solar, move-se a 19 km/s comrelação às estrelas vizinhas. Ele também participa do movimento do Sol como um membroda nossa galáxia. O Sol gira em torno do centro da galáxia a uma velocidade de cerca de250 km/s.

O Tempo sideral, ou estelar, é um sistema de contagem de tempo baseado na rotaçãoda Terra em relação à esfera celeste, a imaginária esfera dos céus que nos cercam. Comoa Terra gira, um dia sideral é o tempo que leva uma estrela para passar acima de umdeterminado ponto de observação. O tempo sideral é usado em Astronomia. O dia sideralé aproximadamente quatro minutos mais curto do que o dia solar. Mais precisamente, umdia solar médio é igual a 1,0027379093 dias siderais.

Grosseiramente falando, o ano é o período de revolução da Terra em torno do Sol.Mas a sua duração depende do evento que é escolhido como referência para o período emquestão. Esses eventos são mal definidos em um universo onde todos os corpos se movem.Assim, quando especificamos o ano como sendo o intervalo entre uma passagem aparentedo Sol através de um ponto no céu, fixado com relação às estrelas, e outra passagem similar,o chamamos de ano sideral. Seu tamanho é de 365 dias 6 horas 9 minutos 9 segundos. Osdias, horas, minutos e segundos aqui estão em unidades solares (definidas abaixo).

O chamado ano tropical, por sua vez, é o intervalo entre dois sucessivos equinóciosvernais, que é igual a 365 dias 5 horas 48 minutos 46 segundos. É a unidade importanteem nossa vida diária, porque se mantém em contínua sintonia com as estações do ano.

A diferença entre o ano tropical e o ano sideral foi descoberta, para glória eterna daciência grega, por Hiparco em 130 AC. Se o período da revolução de Terra for medidoa partir do momento em que a Terra está mais próxima do Sol (periélio), e o momentoanálogo seguinte, o intervalo assim obtido é o ano Anomalístico, e seu comprimento é 365dias 6 horas 13 minutos 48 segundos.

Finalmente, o tempo decorrido entre nodos lunares é chamado o ano nodal e tema duração de 346 dias 7 horas 53 minutos. Apesar de muito diferente dos outros, é ovalor usado como base para a previsão de eclipses solares e lunares. Seria ingênuo mesmoperguntar: Qual é o ano verdadeiro?

3 A percepção da mudança e o conceito de tempo

A percepção do tempo, ou conceito de tempo tem recebido grande atenção na literaturae filosofia. A experiência do tempo varia entre os indivíduos e, devido à sua naturezasubjetiva, pode parecer incompatível, mesmo para um indivíduo comum. Em trabalhoscientíficos, uma medida numérica é usada para ordenar as observações dos eventos. Seo “agora” é atribuído o valor numérico zero, então é usual atribuir valores negativos aostempos passados (ontem) e valores positivos aos tempos futuros (amanhã). Posteriormente,

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para obter uma escala de tempo, devemos utilizar algum fenômeno periódico que ocorra auma velocidade uniforme e que possa ser subdividido.

3.1 O moderno conceito de tempo

Antes do século XX, foi admitida como se fosse autoevidente que uma única e universalescala de tempo uniforme deveria existir. Para dois eventos amplamente separados noespaço, não há dificuldade em definir o significado do conceito de simultaneidade – ou seja,se a um observador dos acontecimentos esses pareciam ocorrer simultaneamente, entãotodos os outros observadores concordariam que os eventos foram realmente simultâneos.Albert Einstein (1879-1955), no entanto, no início do século XX, concluiu que, devido àconstância universal da velocidade da luz, a medida do tempo dependia do movimento doobservador.

Considere os eventos A e B separados no espaço, que parecem simultâneos a umobservador, e a outro observador, então, para quem está em movimento em relação aoprimeiro, o evento A pode ocorrer antes ou depois do B, dependendo da direção domovimento relativo entre os dois observadores. Assim, na visão moderna do tempo, elejá não é absoluto, mas dependente do movimento relativo dos observadores que fazemas medições do tempo. Segundo a Teoria da Relatividade, o tempo é apenas um aspectode uma forma mais geral do espaço tetradimensional (continuum espaço-tempo), que é aarena na qual os eventos ocorrem no universo. O tempo e o espaço são diferentes aspectosdeste continuum de quatro dimensões subjacentes.

3.2 As escalas de tempo

Inicialmente, a rotação da Terra (ou a localização aparente do Sol no céu) foi usada paraestabelecer uma escala de tempo uniforme. Para especificar uma data, utilizando o mo-vimento aparente do Sol como uma escala de tempo, os dias devem ser contados a partir deuma data de referência (Calendário). Além disso, um relógio é usado para medir frações dodia. O tempo deriva da posição aparente do Sol no céu que é chamado tempo solar aparente.Devido à excentricidade da órbita da Terra em torno do Sol e a inclinação do eixo de rotaçãoda Terra em relação ao plano orbital, o tempo solar aparente, não é uma escala de tempouniforme. Esses efeitos podem, entretanto, ser calculados e, assim, aplicadas as necessáriascorreções para obter uma escala de tempo mais uniforme chamado tempo solar médio.

O tempo universal (UT0) é equivalente ao tempo solar médio no meridiano deGreenwich (“Greenwich Mean Time” ou GMT). As observações do movimento aparentede uma estrela distante podem ser usadas para obter outra escala de tempo na astronomia,o chamado tempo sideral.

Os desvios adicionais na uniformidade de UT0 podem ser atribuídos a pequenos efeitos,como o eixo polar errante da Terra e outras flutuações periódicas na rotação da Terra.Assim, levando em consideração esses efeitos, temos as escalas de tempo, mais uniformes(UT1 e UT2).

O tempo das efemérides é determinado pelo movimento orbital da Terra em volta doSol e não é afetado por flutuações na rotação da Terra. As observações astronômicas podem

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ser usadas para determinar o tempo das efemérides, com uma precisão de apenas 0,05segundo, em média, durante um período de nove anos.

Definindo o segundoO avanço da precisão de medição do tempo resultou na adoção de novas e mais precisasdefinições do segundo. Antes de 1956, um segundo foi definido como sendo a fração de1/86400 do dia solar médio. De 1956 a 1967, deu-se a segunda efemérides, definida comoa fração 1/31556925,9747 do ano tropical em 00 hora 00 minuto 00 segundo do dia 31 dedezembro de 1899. O segundo é, atualmente, definido como a duração de 9.192.631.770períodos da radiação correspondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estadofundamental do átomo de Césio-133. O segundo também corresponde, aproximadamente,ao tempo dos batimentos cardíacos de uma pessoa saudável.

Definindo o diaUm dia é um período de 24 horas. A duração da hora é determinada pela duração do dia ea duração do dia é definida em termos astronômicos. Ou seja, o intervalo de tempo a partirde quando o Sol (ou outra estrela escolhida) passa por um ponto no céu, sucessivamente ediretamente acima de nossas cabeças, ou a pino, é definido como dia solar ou dia sideral,respectivamente. Por causa do movimento orbital da Terra, o Sol parece mover-se para oleste quase 1 grau (ou mais precisamente 0,986 graus) a cada dia, em média, com relação àsestrelas. Isto significa que o dia solar médio aparente é maior 3 minutos 56 segundos doque o dia sideral.

Os dias solares aparentes não são de comprimento igual na Terra, no entanto, devido àinclinação do eixo da Terra e à aceleração variável de sua órbita. Dois dias solares aparentese sucessivos podem variar em até 30 segundos. Por essa razão, quando os relógios passarama ter uso geral, o tempo médio solar foi introduzido para fins civis. Um dia solar médiotem a duração média de todos os dias solares aparentes que compõem um ano. A diferençaentre tempo aparente e o tempo solar médio, é conhecida como a Equação do Tempo, elaatinge um valor máximo (16 minutos e 48 segundos) no dia 1 de Novembro.

As observações astronômicas precisas indicam variações no comprimento do dia siderale do dia solar médio. Estas variações foram encontradas por comparação entre o tempo derotação com algum outro tipo de tempo. As comparações com as observações de antigoseclipses com as mais recentes observações telescópicas do movimento orbital da Lua têmindicado uma contínua diminuição na taxa de rotação da Terra, devido às marés. A duraçãode um dia solar médio, medida pelo moderno relógio atômico de Césio, aumenta cerca de0,0015 segundos a cada século. As observações também indicaram um aumento irregularou diminuição da velocidade de rotação da Terra em intervalos de vários anos. Os relógioscontrolados a cristal de Quartzo indicaram variações anuais de até 0,03 segundos devido amudanças sazonais de ventos e marés.

Em 1955, o relógio atômico de Césio foi aperfeiçoado. Ele superou todas as medi-das por comparação anteriores que visavam determinar as variações na velocidade derotação da Terra.

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Definindo a semanaOs babilônios usaram um intervalo, não astronômico, de sete dias para a semana, quefoi adotado, mais tarde, pelos judeus. Ao sétimo dia, o Sábado, foi dado um significadoreligioso. Independentemente disso, os romanos associaram um ciclo de sete dias com oSol, a Lua e os cinco planetas conhecidos. Seus nomes se tornaram os dias da semana: ODomingo (dies solis, “dia do Sol”), a Segunda-feira (dies Lunae, “dia da Lua”), e o Sábado(dies Saturni, “dia de Saturno”) mantêm os seus nomes derivados diretamente da culturaromana, a Terça-feira (“dia de Tiw”), a Quarta-feira (“dia de Woden”), a Quinta-feira (“diade Thor”), e a Sexta-feira (“dia de Frigga”) são derivados dos equivalentes germânicos paraos planetas Marte, Mercúrio, Júpiter, e Vênus, respectivamente.

Definindo os mesesEm todas as línguas da Europa ocidental, os nomes dos meses conservam a sua origemromana. Os nomes: Janeiro, devido a Janus, o deus do início e do fim; Fevereiro derivadode Februalia, um momento de culto religioso; Março, para Marte, o deus da guerra; Abril,de “aperire”, em Latim para “aberto” (como, as flores da primavera); Maio, para Maia, adeusa do crescimento das plantas; Junho, a partir de “juvenis”, a Juventude; Julho, devido aJúlio César; Agosto, em homenagem a Augusto, primeiro imperador romano; Setembro, apartir de “septem”, o sétimo mês; Outubro, novembro e dezembro, de “octo”, “novem”, e“decem”, oito, nove e dez (O mais antigo calendário latino tinha apenas 10 meses).

Definindo o anoUm ano é uma divisão de tempo definido basicamente pelo período de revolução da Terraao redor do Sol. Foram definidos vários tipos de anos de calendário astronômico. O anoastronômico de maior importância é o ano tropical porque é o intervalo de tempo entreocorrências sucessivas do equinócio da primavera. Seu comprimento é de 365,2422 diassolares médios, ou ano civil. O ano sideral, determinado pela posição da Terra com relaçãoàs estrelas, é 365,25636 dias solares médios. É maior do que o ano tropical porque não estásujeito aos efeitos de encurtamento devido à precessão da Terra.

O calendário gregoriano solar contém 365 dias num ano comum e 366 em um anobissexto, a média é de 365,2425. As tentativas de estabelecer uma regra para o ano bissextoque seja melhor do que aquela aplicada ao calendário gregoriano é de pouco valor por causadas incertezas das variações na velocidade de rotação da Terra.

O número de dias do ano em um calendário religioso pode variar bastante. O calendáriojudaico lunar-solar tem 353 a 355 em um ano comum e 383 a 385 em um ano bissextoem um ciclo de 19 anos. O calendário lunar muçulmano, que não têm os anos bissextos,tem ou 354 ou 355 dias em um ano. Assim, temos 33,5 anos do calendário muçulmanoequivalente a 32,5 anos do calendário gregoriano.

Nos calendários antigos, os anos eram numerados de acordo com o reinado de umgovernante. No ano 525, um monge chamado Dionísio Exiguus sugeriu que ano fossecontado a partir do nascimento de Cristo, o qual foi designado 1 AD (“Anno Domini”, oano do Senhor). Esta proposta passou a ser adotada em toda a cristandade durante 500 anos.

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O ano antes de 1 AD é designado 1 AC (antes de Cristo). A cronologia moderna, porém,afirma que Cristo nasceu, de fato, em 4 AC.

3.3 O calendário

Um calendário é um sistema, definido por regras, para designar o ano, e dividi-lo emunidades menores, os dias, e atribuir a essas unidades, também, a determinação dasdatas dos feriados civis e religiosos. Os fundamentos do sistema de calendário podem tersido desenvolvidos já em 2000 AC, quando eram utilizados os alinhamentos de pedra,acredita-se, para determinar a duração do ano solar, marcando a evolução do Sol ao longodo horizonte.

A sociedade internacional moderna exige que o mesmo calendário civil deva ser usadoem todo o mundo. O calendário civil utilizado é o calendário gregoriano, que foi introduzidoem 1582. A duração média de um ano gregoriano é próximo ao do ano solar, ou anotropical, de 365,2422 dias solares médios, de modo que as estações do ano começamaproximadamente na mesma data a cada ano. O calendário gregoriano, que é derivado decalendários antigos, é um calendário determinado, ou seja, ele é definido exclusivamentepor regras numéricas e pode ser calculado para qualquer ano. Isso não era verdadeiro, emgeral para calendários antigos, que dependiam de regras de observação.

Os calendários antigosOs primeiros calendários completos eram provavelmente baseados em observações lunares.As fases da Lua ocorrem durante um intervalo facilmente observado no mês, assim asautoridades religiosas admitiam o começo de um mês após a primeira a Lua nova. Duranteo tempo nublado, quando era impossível ver a Lua, o início do mês era determinado pelocálculo. O intervalo de Lua nova é o chamado mês sinódico, que tem 29,53 Dias. Assim, osmeses do calendário continham ou 29 ou 30 Dias. Doze meses lunares, que somam 354,36dias, forma um ano lunar, que é quase 11 dias mais curto que um ano tropical.

Um ano lunar não é adequado para fins agrícolas. Para se manter em sintonia com o Sol,foi concebido o calendário lunar-solar fazendo-se a adição do salto de um mês, quandoa observação tornou isso necessário. Centenas de tais calendários, com variações, forampropostos por diversas vezes em diferentes áreas como a Mesopotâmia, Grécia, Roma,Índia e China. O mês nem sempre foi baseado nas fases da lua, o calendário maia dividiu oano em 18 meses de 20 dias, com um acréscimo de um período de 5 dias no final.

O calendário gregorianoNa regra do ano bissexto do calendário Juliano, há três anos bissextos a mais em cadaperíodo de 385 anos. Como resultado, a ocorrência dos equinócios e solstícios afastou-sede suas datas atribuídas. Como a data do equinócio da primavera determina a Páscoa,a Igreja ficou preocupada, e o Papa Gregório XIII (1502-1585), com a ajuda de umastrônomo, Christopher Clavius (1537-1612), introduziu o que agora é chamado decalendário gregoriano. A Quinta-feira, 4 de outubro de 1582 (calendário juliano), foiseguida por Sexta-feira, 15 de outubro de 1582 (calendário gregoriano). Os anos bissextos

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passaram a ocorrer nos Anos exatamente divisíveis por quatro, salvo os anos que terminamem 00, que devem ser divisíveis por 400 para que também sejam anos bissextos. Assim,1600, 1984 e 2000 são anos bissextos, mas 1800 e 1900 não são.

O calendário gregoriano civil é um calendário solar, calculado sem referência à Lua. Noentanto, o calendário gregoriano também inclui regras para determinar a data da Páscoae outros feriados religiosos, que são baseados em ambos o Sol e a Lua. O calendáriogregoriano foi rapidamente adotado pelos países católicos e, eventualmente, por todos ospaíses ocidentais e ainda, o Japão, o Egito e a China.

4 Invariância da reversão do tempo

Um movimento em que os acontecimentos aparecem na ordem inversa é conhecido comotendo o tempo reverso em relação ao acontecimento original. Se algum movimento épossível de acordo com Leis da Física conhecidas, então o movimento em tempo reverso équase sempre possível. Esta possibilidade é verdadeira para os movimentos causados porforças gravitacionais e eletromagnéticas, e é dito que essas leis apresentam invariância dereversão temporal ou têm a reversão no tempo como uma simetria básica. Por exemplo, seriaincomum observar um processo real em que um ovo quebrado no chão, recolhe-se e voapara cima intacto como um todo para a mão de uma pessoa, como em um filme correndopara trás. No entanto, de acordo com as Leis da Física tal processo não é impossível,embora seja muito improvável esperar que ele realmente aconteça. Filmes dos processosmais simples, entretanto, como um pião ou um sino vibrando, parecem quase normaisquando correm para trás.

As leis básicas que regem a maioria dos processos naturais elementares são invariantessob reversão temporal, no entanto, a maioria dos processos naturais em si não parecem sersimétricos com relação à reversão do tempo. Este resultado é devido à complexidade dossistemas macroscópicos com muitas partículas. Por exemplo, considere um vaso divididoem duas partes por uma divisória estanque, uma parte contendo ar e a outra está vazia. Se apartição é removida, o ar se expandirá até que ambas as partes do vaso estejam repletas. Paraobter o movimento em tempo reverso em que todo o ar flua para um dos compartimentosdo reservatório, as velocidades de todas as moléculas teriam de ser revertidas, uma tarefacertamente impossível. A complexidade deste sistema resulta em uma probabilidademuito pequena de que o movimento em tempo reverso possa ocorrer. Sistemas complexosgeralmente se desenvolvem no tempo em direção a um estado mais provável, este aumentona probabilidade está relacionado ao aumento da entropia do sistema.

No nível subatômico há forças adicionais a serem considerados em relação à invariânciada reversão do tempo – a força nuclear forte responsável pela ligação dos núcleos atômicose da força fraca responsável pelo decaimento radioativo de partículas como o nêutron. Odecaimento de nêutron dá-se em um próton, um elétron e um antineutrino. O movimentoque é o tempo reverso em relação ao decaimento de nêutrons é representado por umafórmula em que um antineutrino, um elétron e um próton se juntam para formar umnêutron. Para que haja o tempo de reação reversa, ele deve corresponder ao decaimento

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original, e as energias iniciais das partículas devem ser as mesmas energias finais daspartículas, bem como as velocidades e rotações das partículas devem estar em sentidosreversos. Este processo é possível, embora improvável.

As experiências com partículas elementares sobre a invariância da reversão temporal têmsido realizadas observando os processos em que as partículas elementares são produzidas,na interação e no decaimento. A invariância da reversão temporal parece ser uma simetriaválida para todos os processos, exceto no caso do decaimento fraco de mésons K (kaons).

5 Primórdios do relógio

Fig. 2 Relógio primitivo de pedras etroncos de árvores

Acredita-se que o homem começou a medir o tempohá cerca de 5000 anos; provavelmente utilizando umbastão fincado no solo, ou mesmo um tronco de árvore,iluminado pela luz do Sol, projetando suas sombrasno solo, permitindo constatar que o movimento dessassombras estava relacionado ao transcorrer do tempo,tendo sido esse o primeiro instrumento de medida dotempo de que o homem lançou mão.

5.1 O Sol

O tempo foi, pela primeira vez, medido com o auxílio do Sol. Os “instrumentos” funda-mentais eram, de fato, o olho e o cérebro humano. A observação do percurso do Sol pelaabóbada celeste proporcionou ao homem a noção do tempo em relação ao espaço, estando,portanto a Arte da Relojoaria diretamente ligada ao estudo da Mecânica Celeste, com osseus fenômenos naturais; repetindo-se em ciclos mais ou menos constantes.

5.2 O Gnômon

De acordo com os estudiosos da História Antiga, os primeiros relógios construídos e usadospelo homem foram os Gnômons.

Fig. 3 Relógio solar

O Gnômon consistia de um obelisco que, ilumi-nado pelo Sol ou pela Lua, projetava sua sombra,que se movia com o passar das horas e entre o seuponto inicial e seu ponto final havia um espaço quepodia ser fracionado e, assim, criando a primeiradivisão do tempo.

5.3 O relógio solar

Fig. 4 Relógio solar

Embora saibamos que o relógio solar foi utilizadoem épocas bem remotas, a História registra o seuaparecimento na Judeia, por volta de 600 AC. No Egito, o relógio solar passou a serconhecido em 400 AC.

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5.4 O Quadrante Solar

Com o aperfeiçoamento do relógio solar, chegamos ao quadrante solar, inventado porAnaximandro de Mileto (610 – 555) em 380 AC, constituído geralmente de uma placacom um marco em uma lateral que, iluminado pelo Sol, projeta sua sombra sobre oquadrante convenientemente dividido; com esse relógio tornou-se possível, então, a mediçãorelativamente precisa do tempo, porém a contagem de pequenas frações era praticamenteimpossível.

Os relógios usados pelos babilônios e pelos egípcios foram os relógios solares ou relógiosde sombra, que funcionavam à luz do dia. Os egípcios usavam o relógio de água ouClepsidra, para medir o tempo durante a noite.

5.5 A Clepsidra

Fig. 4 Clepsidra de Amenófis III

A necessidade de possuir um meio de medir o tempo em intervalos menores e independentedas condições atmosféricas, o que o sol não permitia, levou o homem a idealizar a Clepsidra,também chamado de relógio d’água, sendo considerado seu inventor, Platão (427 – 347),discípulo de Sócrates (469 – 399).

A palavra “clepsidra” vem do grego κλεψυδρα (klepsydra), retomado no Latim clepsy-dra. Sua formação vem de duas palavras gregas, κλεπτειν (kleptein), “ocultar, roubar”, euδωρ, uδατoς (hydôr, hydatos), “água”.

Nas clepsidras de recipientes cilíndricos ou em formade paralelepípedo, com o passar do tempo, à medida queo nível caía, a pressão também se reduzia, reduzindo avazão da água, prejudicando a linearidade da medição. Osantigos egípcios graduaram os recipientes fonte e receptorpara compensar essas diferenças e também implementaramos recipientes em forma de cones, visando a atenuar osproblemas da pressão. Ainda assim, uma precisão muitomelhor não era obtida.

Na Grécia antiga a precisão da Clepsidra foi bastantemelhorada por volta de 270 AC. Para que a variação de

nível no recipiente fonte, o superior, não causasse variação na vazão de saída, o inventorgrego Ctésibios (285 – 247) desenvolveu um sistema que mantinha o nível constante pelométodo de vasos comunicantes com um dreno superior. Sua precisão era da ordem de 5 a10 minutos.

Muitos tipos de Clepsidras se basearam nesta primeira ideia. Ctésibios de Alexandria(285 – 247) fez uma Clepsidra em que uma figura flutuando na superfície da água apontavapara uma escala de tempo. Em outro tipo, gotas de água giravam uma roda que estavaconectada aos ponteiros de um mostrador semelhante a um relógio moderno. Antesdo século III a Clepsidra era usada pelos gregos para indicar os intervalos de tempo,especialmente na Corte, e mais tarde ela passou a funcionar como um relógio. As Clepsidrasforam usadas mais tarde em Roma, no Mundo Árabe e na China.

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Fig. 5 A Clepsidra de rodas dentadas deCtésibio

Há informações acerca de dispositivos que podem ser considerados como clepsidrasdesde 2679 AC., na China. Em 721, o astrônomo Y. Hang inventou uma clepsidra so-fisticada que indicava os movimentos dos planetas.No ano 1088, o engenheiro chinês Su Song (1020– 1101) projetou e construiu uma clepsidra commais de 10 metros de altura, em Kaifeng.

A Clepsidra é um relógio de água, que segu-ramente já era conhecido por volta de 1600 AC,no Egito. O mais antigo tipo de clepsidra foidescoberto em Karnak em 1904. O medidor detempo é da era de Amenófis III (1402 – 1364),aproximadamente de 1400 AC. e está exposta noMuseu Egípcio do Cairo. Tratava-se de um únicorecipiente com um orifício na base, pelo qual saíaa água. A medição dos intervalos de tempo erafeita por marcas nas paredes do recipiente. Estasmarcas eram espaçadas igualmente para indicar osperíodos de tempo fixo.

Este foi o primeiro relógio criado pelo homem,de maneira a lhe permitir a medição do tempo aqualquer hora do dia ou da noite, sem depender daluz dos astros. A contagem do tempo, nestes relógios, também era relativa uma vez queestava diretamente condicionada à influência de diversos fatores, como: pressão atmosférica,temperatura, limpidez da água empregada etc. A Clepsidra foi muito difundida, sofrendosua construção muitos aperfeiçoamentos, sendo que, na sua fase mais avançada foi conjugadaa um sistema de engrenagens.

5.6 As rodas dentadas

A História dá a primazia da construção das rodas dentadas a Arquimedes de Siracusa (287– 212) em 250 AC. A marcação do tempo, na Clepsidra de rodas dentadas, apresentadaspela primeira vez por Ctésibios de Alexandria, em 100 AC, era feita por intermédio deuma boia, que, acompanhando a subida do nível da água no recipiente, elevava consigouma barra dentada; esta, por sua vez, movia uma engrenagem em cujo eixo situava-se oponteiro indicador; é curioso notar-se que o mostrador desse relógio já possuía uma grandesemelhança com os mostradores atuais.

Conforme o projeto desenvolvido por Ctésibios (285 – 247), são utilizados trêsreservatórios (A, B, C). O reservatório A contém uma maior quantidade de água e seuobjetivo é alimentar água ao reservatório B, cujo nível é mantido fixo por meio de um“ladrão”, ou dreno quase no topo do mesmo. A água em B flui continuamente por meio deum orifício em sua base, indo para o recipiente C, o qual é graduado para indicar o tempodecorrido. Essa vazão é constante, pois o nível do recipiente B permanece constante. Estetipo de instrumento evoluiu tecnicamente de forma a permitir uma medição do tempo commaior exatidão.

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5.7 A Ampulheta

Fig. 6 Ampulheta

A Ampulheta, ou relógio de areia, surgiu na mesma época da Clepsidra, tendo com estacerta analogia, sendo que, ao invés de água, era areia que se escoava de um recipiente.Constitui-se a Ampulheta em dois bojos cônicos de vidro ligados pelos vértices, havendo

entre ambos um pequeno orifício de comunicação, pelo qual a areiaescoa devido à ação da força da gravidade, do recipiente superior para oinferior; uma vez transferida toda a areia para o bojo inferior, terminaa medição do tempo; a Ampulheta então é virada, iniciando-se novociclo de medição.

A Ampulheta, durante certa época, foi o relógio mais difundido,pois era simples de transportar e oferecia grande facilidade no seuuso; porém destinada principalmente à contagem de períodos curtosde tempo.

O Relógio de Areia passou por grandes aperfeiçoamentos. Seusfabricantes se esmeraram na sua apresentação, criando verdadeiras

obras de arte. O principal trabalho era executado nos suportes dos bojos de vidro, os quaiseram meticulosamente trabalhados e fabricados com os mais variados metais, inclusivemetais nobres, como o ouro e a prata, havendo também muitos com suportes feitos demadeira entalhada.

5.8 O relógio de Azeite

Fig. 7 Relógiode azeite

Praticamente no mesmo período das Clepsidras, tivemos os relógiosincandescentes, cujo elemento combustível era o azeite.

Funcionava sob o princípio parecido com o da Clepsidra, pois eraconstituído de um recipiente de vidro com uma escala horária, o qualera cheio de azeite cuja parte inferior possuía uma saliência ou bico; este,uma vez aceso, ia consumindo o azeite e, seu nível ao descer, marcava ashoras. Era um relógio que servia para marcar as horas, e ao mesmo tempo,iluminar os ambientes. Tinha, portanto, duas utilidades. Foi muito usadona Europa, principalmente na Alemanha.

5.9 O relógio de Vela

Compreendia uma vela normal, demarcada com uma escala horária, servindo também parailuminação. Dependendo do tamanho da vela, era possível aplicá-la na medição de grandesintervalos de tempo, por várias horas e até mesmo dias. Foi bastante usado nas CortesEuropeias.

As chamadas velas de cera, parafina ou sebo, além das funções religiosas ou, simples-mente, para clarear os ambientes, serviam também, de marcadores do tempo.

Ao longo do corpo das velas, eram colocadas marcas, perfeitamente calibradas com aação de queima, que determinavam o tempo decorrido, ou traços coloridos que iam sendoconsumidos pela ação das chamas.

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Fig. 8 Relógio de vela

Evidentemente, esse processo só podia ser utilizado por cas-tas abastadas, pois eram muito caros e, além disso, de precisãoquestionável, pois deveriam ser utilizadas em ambientes fecha-dos, sem correnteza de ar e outras intempéries que influenciavamsua precisão.

Na Idade Média, utilizavam-se dessas velas especiais para mar-car o período noturno. Admitia-se o consumo de três velas, numequivalente a uma noite. A precisão era evidentemente, duvidosa.

Nos registros históricos consta que esse processo teve maior di-fusão na Inglaterra. Na fabricação dessas velas havia a dependênciade uma “mistura” operacional e da matéria prima empregada. Omaterial utilizado, além dos componentes químicos, necessitava deuma compactação para dar a dureza adequada às velas, para seremconsumidas no decorrer do dia, proporcionalmente.

Elas foram padronizadas, sendo confeccionadas com 12 polegadas ou 1 pé, de compri-mento (cerca de 304,80 milímetros), para um consumo de 3 polegadas a cada hora, ou seja,uma vela a cada 4 horas, ou 6 velas durante o dia.

5.10 Os relógios de Fogo

Outro fenômeno que o homem lançou mão foi o da combustão. Com efeito, o fogo levaum tempo para consumir um material combustível. Uma fogueira suficientemente grandepoderia funcionar como um relógio, ao longo de vários dias.

5.11 O relógio de Corda com Nós

Uma corda com nós dispostos a distâncias determinadas sendo consumida pela ação de umachama, até chegar ao primeiro nó, depois ao segundo etc. Foi usado nas antigas cidadesmedievais para determinar o tempo da mudança da guarda.

5.12 O relógio de Fogo Despertador

Surgiu na China, consistia de uma vareta colocada horizontalmente em cima de fios dearame. Sua extremidade era acesa em certo ponto de seu comprimento. Passava-se por cimada vareta um fio de seda com duas esferas metálicas. O suporte do conjunto, geralmente emforma de um barco com cabeça de dragão, era colocado sobre um prato também metálico.Com o transcorrer das horas, o fogo avançava pela vareta lentamente, até alcançar o fio deseda, queimava-o, soltando as duas esferas que caíam sobre o prato metálico produzindo umruído suficientemente forte para acordar uma pessoa. Era um relógio engenhoso, emboraque não fosse capaz de despertar tão precisamente, como os atuais.

6 Aperfeiçoamentos dos relógios

Os relógios são dispositivos mecânicos, elétricos ou atômicos que medem a passagem dotempo. Na busca de formas mais precisas de medir o tempo, os seres humanos evoluíram a

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partir de observação do sol, da lua e das estrelas, que se movem pelo céu, para a construção deengenhosos dispositivos mecânicos e eletrônicos que permitem medir pequenas oscilaçõesde energia nos átomos.

6.1 O relógio mecânico primitivo

Durante muitos anos o homem utilizou como principais medidores de tempo os relógiosde sol, a Clepsidra, a Ampulheta e os relógios de Fogo. Somente por volta de 850 DC,foi construído por Pacífico, arcebispo de Verona, um relógio puramente mecânico, queconsistia de um conjunto de engrenagens movido por peso. Apesar da invenção desserelógio mecânico, ainda por muitos anos o homem continuou a usar os relógios antigos, osquais só aos poucos foram cedendo terreno aos relógios mecânicos.

Nesses primitivos relógios mecânicos, não se sabe qual foi o sistema de escape usado.Sobre a prioridade da construção do primeiro relógio mecânico, há algumas controvérsiasentre os historiadores. Alguns consideram Gerbert d’Aurillac (950 – 1003) em 990 DC,monge francês, que foi Papa sob o nome de Silvestre II, o inventor desse relógio.

No final da Idade Média foram desenvolvidos os relógios mecânicos. Todos os relógiostêm uma fonte de energia – a queda de um peso, uma mola etc – que deve ser cuidadosa-mente regulado para que o relógio possa funcionar com precisão. O peso, a mola, ou osgiros de uma roda de um sistema de engrenagens que movem os ponteiros do relógio sãocontrolados por um mecanismo chamado Escape.

Os exemplares mais antigos que se conhecem, de mosteiros italianos e ingleses, datam de1290 e eram bastante sofisticados. Funcionavam por meio de uma série de rodas acionadaspor um peso que pendia de uma corda. A velocidade com que as rodas giravam era limitadapor um mecanismo, designado por escape, que durante 550 anos foi utilizado nos relógios.O peso, ao descer, e o escape produziam o “tique” – um salto para frente na roda de escape,dentada. Este era transmitido a um ponteiro que indicava o tempo.

A velocidade com que a roda dentada girava podia ser regulada deslocando pesosdispostos em uma travessa; quanto mais afastados estivessem os pesos, mais lento era obalanço dessa travessa e, consequentemente, o giro das rodas.

Estes relógios atrasavam ou adiantavam cerca de uma hora por dia. Além disso,eram tão grandes e pesados que praticamente só fosse possível utilizá-los como relógiosde torre.

6.2 O Foliot

Com a descoberta do Foliot, o primeiro escapamento relativamente confiável aplicado aosrelógios mecânicos – época e autor desconhecidos – os aperfeiçoamentos na construçãodos relógios sucederam-se de maneira notável, desde os grandes e monumentais a seremdiminuídos, chegando aos de parede, posteriormente aos de mesa; em 1510 surge oprimeiro relógio de bolso (“O ovo de Nuremberg”), inventado por Peter Henlein, deNuremberg.

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6.3 O relógio de pêndulo

No ano de 1595, Galileu Galilei (1564 – 1642) observando o movimento de oscilação deum lustre na Catedral de Pisa, descobriu e aplicou a Lei do Pêndulo. Galileu descobriu que,independentemente da amplitude das oscilações, todas elas demoravam o mesmo períodode tempo. Com base neste fato, formulou a Teoria do Isocronismo, ou ações que decorremem tempos iguais. Entretanto, só em 1641, um ano antes de sua morte, começou a aplicaresta teoria aos relógios.

Um pêndulo é constituído por um peso que é suspenso por um fio a partir de um pontoe está livre para balançar para trás e para frente. As propriedades interessantes de umpêndulo (que só se aplicam se o ângulo de oscilação é inferior a cerca de 6 graus) são de queo pêndulo executa um movimento harmônico simples, e que o período de cada oscilação éconstante, independente da massa do peso e da amplitude do deslocamento, assim, dependeapenas do comprimento do pêndulo. Essas propriedades eram conhecidas Ibn Yunis (1200DC), mas foi introduzida na Ciência Europeia, por Galileu. Assim, a relojoaria recebeuuma das mais importantes contribuições.

A descoberta das Leis do Pêndulo permitiu a medição mais precisa do tempo. Comos relógios mecânicos surge uma grande variedade de técnicas de registro da passagemdo tempo. O Relógio de pêndulo é um mecanismo para medida do tempo baseado naregularidade da oscilação (isocronismo) de um pêndulo.

Para um relógio de pêndulo ser um medidor de tempo preciso, a amplitude domovimento deve ser mantida constante apesar de as perdas por atrito afetarem todo osistema mecânico. Variações na amplitude, tão pequenas quanto 4˚ ou 5˚, fazem um relógioadiantar cerca de 15 segundos por dia, o que não é tolerável mesmo num relógio caseiro.Para manter constante a amplitude das oscilações é necessário compensar com um peso oumola, fornecendo energia automaticamente, corrigindo as perdas devidas ao atrito.

Fig. 9 Escapamento Viga e Foliot

A regularidade no movimento de um pêndulo foi estudada por Galileu Galilei no séculoXVI, mas a invenção do relógio de pêndulo é atribuída a Christiaan Huygens (1629 – 1695)em 1656, na cidade de Haia, Holanda. A fabricaçãocomeçou em 1657 por obra de artesãos holandeses eteve rápida difusão.

7 Os relógios precisos

Escapamento Viga e Foliot

Fig. 9 Escapamento Viga e Foliot

O primeiro grande avanço na construção do relógioocorreu na Europa no século XIV. Foi descoberto quea velocidade de queda de um peso pode ser controladaatravés de uma barra de oscilação horizontal (foliot)acoplado a um eixo vertical (viga), com duas saliências(paletas) como um escape. Uma paleta interrompeo giro de uma roda de engrenagem movida por umpeso. Os mais antigos exemplares existentes, que são

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conhecidos como tendo mecanismo de escape, são os relógios ornamentais em Rouen, naFrança (1379), e em Salisbury (1396), na Inglaterra.

7.1 O relógio de pêndulo de Huygens

Christiaan Huygens abordou o problema de que um relógio de pêndulo cujo prumofaz um movimento de arco circular tem uma frequência de movimento que depende daamplitude do movimento. Quanto mais amplo o movimento, mais tempo é necessário paraque o prumo retorne ao centro. Isso não acontece se o prumo for construído para fazerum movimento cicloidal. Movido pela necessidade de realizar determinações precisas dalongitude no mar, Huygens projetou um relógio de pêndulo que seguia esse movimento.O prumo foi preso por um arame fino, restrito por proteções que faziam com que subisseconforme se movimentava.

A uniformidade do tempo marcado por um pêndulo levou o filósofo natural ChristiaanHuygens em 1657 a incorporar de maneira prática esse princípio ao relógio de pêndulo.Em cada um desses relógios a oscilação do pêndulo libera um mecanismo de escape depalheta, permitindo ao relógio avançar a uma taxa adequada. A energia perdida por atrito érestaurada por intermédio de um peso decrescente ou por uma mola.

Este mecanismo foi fabricado pelo relojoeiro local Salomon Coster (1620 – 1659), etinha uma precisão de até cinco minutos por dia. Huygens inventou mais tarde a mola debalanço. Esta mola substituía a travessa nos relógios domésticos e de bolso, que, até então,

Fig. 10 O pêndulo de apoio cicliodal de Chirstiaan Huygens (Patente de 1657)

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eram muito pouco exatos. A mola de balanço foi incorporada a um relógio construído emParís, em 1675, por Isaac Thuret (1630 – 1706), seguindo instruções de Huygens. Esterelógio tinha uma precisão de dois minutos por dia, para mais ou para menos.

Christiaan Huygens patenteou em 1657, o primeiro relógio de pêndulo, que aumentoumuito a precisão da medição do tempo. Posteriormente, Huygens aplicou as propriedadesda cicloide ao ponto de apoio de um pêndulo. Assim, construiu um Pêndulo Cicloidal queé Isócrono, ou seja, o período das oscilações é independente da amplitude.

O holandês Christiaan Huygens é mais conhecido por sua invenção do relógio depêndulo, pela sua teoria ondulatória da luz, e ainda pela descoberta dos anéis de Saturno.Huygens mais tarde estudou Direito e Matemática na Universidade de Leiden e naFaculdade de Orange, em Breda. O período mais produtivo (1650-1666) de sua carreiracientífica foi gasto em Haia, em relativa solidão, em contraste com a sua permanênciaprolongada (1666-1681) em Paris, onde se encontrava com alguns dos maiores cientistasda época.

7.2 O escape de âncora

O escape de palheta foi substituído pelo escape de âncora, por William Clement, relojoeirode Londres, que reduziu a oscilação do pêndulo a um pequeno arco. Conseguiu assim umrelógio bastante preciso com um pêndulo de 1 metro de comprimento, cujo arco descritotinha apenas quatro graus. Este mecanismo longo e estreito deu origem ao relógio de caixatipo inglês.

Fig. 11 O escape de âncora

A exatidão foi melhorada consideravelmente quando o cientista holandês ChristiaanHuygens introduziu o pêndulo do relógio movido por um peso. As oscilações do pêndulogarantiam que o mecanismo de escape movesse a roda da engrenagem dente por dente,

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enquanto os impulsos do escapamento mantinham o pêndulo em movimento. A utilizaçãodo escape clássico em combinação com um pêndulo, no entanto, causou problemas. Em1660, o inglês Robert Hooke (1635 – 1703) inventou a âncora, ou escape de âncora, o quemelhorou o funcionamento do conjunto de engrenagens.

Esta inovação, que é ainda hoje utilizada em muitos relógios, também permitiu o uso depêndulos com um período de um segundo. Isso levou à construção de relógios de parede,no qual o pêndulo e os pesos estão completamente embutidos em uma caixa hermética.Em 1715, George Graham (1673 – 1751) apresentou um novo tipo de escapamento, cujoobjetivo era permitir que o pêndulo oscilasse com a menor interferência possível. Ele aindaé utilizado em relógios de precisão.

7.3 Os relógios de mola

Fig. 12 A mola mestra eo fuso

Até o final do século XV a mola havia substituído o peso em alguns relógios, permitindoque eles fossem construídos pequenos o suficiente para serem transportados. Uma vez queo mecanismo de escape poderia operar apenas com uma força constante, foi necessário para

compensar a perda de força com a mola mestra desenrolada. Elafoi mais tarde substituída por um fuso, em que o motor puxavauma corrente enrolada em torno de um cilindro cônico (Fuso)ou um conjunto de polias de diâmetros diferentes. O diâmetrovariado do Fuso equilibrava a força da mola.

O cronômetro de John Harrison (1693-1776) número 4,que contém uma mola de equilíbrio, é composto de uma tirabi-metálica servindo para diminuir os efeitos da temperatura.Com essa técnica aplicada, o cronômetro de Harrison, em umaviagem marítima de 156 dias, acumulou um erro de apenas54 segundos.

7.4 O compensador de Graham

Fig. 13 O compensadorde Graham

Com a finalidade de corrigir os pequenos desvios na medição do tempo, devido às variaçõesda temperatura ao longo do ano, George Graham inventou, em 1711, um dispositivocompensador –“The Mercurial Compensation Pendulum”. Ele Consistia de dois pequenos

frascos cilíndricos de vidro contendo certa quantidade de Mercúrio,que estavam dispostos ao longo do comprimento da haste metálicado pêndulo do relógio. Quando a haste metálica sofria uma dilataçãotérmica, o Mercúrio contido nos frascos de vidro também sofria umadilatação correspondente. O resultado dessas expansões térmicasde sentidos opostos faz com que o centro de massa do conjuntopermaneça inalterado. Assim, o período do pêndulo do relógio émantido constante, restando apenas corrigir os desvios na mediçãodo tempo causados pela variação da aceleração da gravidade aolongo de todo o planeta.

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O volante, mola e o escapamento de âncora, ou escapamento melhorado, com rodade balanço ou balancim, constituem a essência do relógio mecânico moderno. A partirdo século XVIII o atrito nas engrenagens foi bastante reduzido quando pedras preciosas– Rubis – foram usadas nos mancais de atrito dos eixos das engrenagens; um recursoincorporado em todos os relógios modernos.

Atualmente, a partir do século XX, este instrumento foi superado em precisão pelorelógio a quartzo e depois pelo relógio atômico, mas continua a ter certo emprego pelo seuvalor estético e artístico.

7.5 Os relógios mestres-secundários

Até certa época a relojoaria teve na mecânica a sua base extraordinária de desenvolvimento.Em princípios do século passado, começou a ligar-se em alguns setores à eletricidade,iniciando-se, então, por volta de 1820, a construção dos primeiros relógios elétricoschamados mestres-secundários, que consistem em um relógio central de funcionamentoautônomo, cuja função é comandar, por meio de impulsos elétricos enviados por fios,geralmente cada 1/2 ou 1 minuto outros relógios denominados secundários, constituídos deum sistema eletromagnético que transforma o impulso elétrico em movimento mecânico,fazendo avançar os ponteiros do relógio. Os relógios mestres, como os demais, sofreramgrandes aperfeiçoamentos, e podem comandar muitas centenas de relógios secundáriossendo especialmente destinados a locais onde se torna importante a hora unificada, comoestações, escritórios, indústrias, edifícios, escolas, etc.

7.6 O relógio elétrico (Corda Elétrica)

Os relógios alimentados por pequenas baterias foram introduzidas na década de 1950. Esserelógio elétrico é mantido em movimento por uma bobina eletromagnética que é energizadapor um circuito eletrônico. Algum tempo após a invenção dos relógios mestres-secundários,ou seja, por meados do século passado, surgiram os relógios cujas cordas se carregamautomaticamente pela eletricidade.

7.7 Os relógios síncronos

Só no princípio do século XX, com a evolução da distribuição da eletricidade pelas redespúblicas, é que apareceram os relógios elétricos síncronos, para serem ligados diretamenteà corrente elétrica cuja frequência depende para funcionar com precisão. Estes relógiosnada mais são, em sua essência, pequenos motores elétricos que giram rigorosamentesincronizados com os geradores de energia elétrica.

O relógio elétrico utiliza corrente elétrica como fonte de energia, em vez de um peso oumola. Em essência, o relógio é um motor elétrico sincronizado com a corrente alternada(AC) na linha de alimentação, a frequência que nos Estados Unidos e no Brasil é de 60hertz (ciclos por segundo). A velocidade de rotação do motor é reduzida por engrenagenspara as velocidades de rotação adequadas das horas, minutos e segundos. A precisão dosrelógios depende inteiramente da estabilidade da frequência de AC.

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7.8 O relógio de Quartzo

Fig. 14 O relógio de Quartzo

A evolução da humanidade exige maior precisão no controle do tempo, no entanto, aindahoje é comum ser necessário acertarem-se os relógios uma ou mais vezes por mês. Poreste motivo, nos anos mais recentes a indústria relojoeira tem mostrado profundo interesse

na obtenção de novos meios de melhorar aprecisão na marcação do tempo, e encontrouno cristal de Quartzo um padrão excepcionalpara essa finalidade.

O desempenho dos relógios mecânicosmodernos foi ultrapassado pelos controladospor osciladores de cristal de quartzo, desen-volvidos na década de 1920 em diante que,finalmente, melhorou a cronometragem quechega muito além alcançada utilizando pên-dulos, escapamentos, e rodas de equilíbrio.

O funcionamento do relógio de quartzose baseia na propriedade piezo elétrica dos cristais de quartzo. A piezo eletricidade foiestudada por Pierre Curie (1859 – 1906) nos finais do Século XIX. O fenômeno da piezoeletricidade é explicado do seguinte modo: se for aplicado um campo elétrico a um cristal,ele muda sua forma; se for pressionado ou dobrado, ele gera um campo elétrico.

Quando colocado em um circuito eletrônico adequado, essa interação entre o esforçomecânico e campo elétrico faz o cristal vibrar e, assim, gerar um sinal elétrico de frequênciarelativamente constante que pode ser usado para operar um relógio eletrônico. Nos atuaisrelógios digitais de quartzo o tempo é mostrado em números, utilizando LEDs (diodosemissores de luz) ou um LCD (display de cristal líquido). Todos os relógios digitais atuaisusam estes métodos de exibição.

O cristal de Quartzo começou então a ser adotado também na produção de relógios depulso. Pelos progressos tecnológicos alcançados neste campo, os relógios com cristais deQuartzo dominaram uma parte considerável do mercado.

7.9 O relógio atômico

Mais preciso que o relógio a cristal de Quartzo, o relógio atômico, é muito caro e deprodução extremamente limitada. É especialmente destinado a observatórios astronômicos,com a finalidade de marcação do tempo de extrema precisão. A evolução do relógio atômico,no futuro, é ainda, de alguma forma especulativa, embora não seja ousadia prever-se apossibilidade de que venha a tornar-se, com o tempo, um relógio também de uso geral.

A precisão da cronometragem hoje melhorou em dez ou mais ordens de grandeza, desdeo tempo dos gregos. A invenção do oscilador a cristal de quartzo e do relógio atômicotornou possível a medição do tempo e da frequência com mais precisão do que qualqueroutra quantidade física. Assim, além das escalas de tempo astronômico, há escalas detempo, tais como tempo atômico (TA), com base nas ressonâncias de microondas de certosátomos em um campo magnético (MASER), que fornecem os relógios mais precisos e

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II A Medida do Tempo e sua Evolução

estáveis conhecidos. As escalas de tempo atômico são obtidas através da contagem deciclos de um sinal eletromagnético em ressonância com átomos de Césio e têm umaprecisão de um bilionésimo de segundo ao longo de curtos intervalos de um minutomais ou menos.

Fig. 15 O relógio atômico

Desde 1960, um grande número de laboratóriosem todo o mundo tem comparado suas escalas detempo atômico, levando à formação de uma médiaponderada das diversas escalas de tempo atômico, queé divulgada ao público com o nome, “CoordinatedUniversal Time” (UTC). A fim de manter UTC deacordo com o comprimento do dia, alguns segundosocasionalmente são adicionados ou excluídos da escalade tempo atômico (um “salto segundo”). Devido a umacordo internacional, a UTC é mantida dentro de 0,7segundos da escala de tempo, UT1.

Os relógios mais precisos ainda são os relógios atô-micos, que medem o tempo em termos das oscilaçõesdo Césio, Rubídio, Hidrogênio e outros elementos.Esses relógios podem ser extremamente precisos po-dendo sofrer variações de apenas 1(um) segundo emmilhares ou mesmo milhões de anos.

Em 1997, no Observatório Nacional do Riode Janeiro, foram instalados dois padrões de CésioHP5071A.

8 A evolução do relógio

Através dos registros da História, observamos que o homem precisou que passassem 2200anos para chegar a construir um relógio que funcionasse com precisão (600 AC a 1600DC). No entanto, em pouco mais de 300 anos, deu um passo gigantesco nesse setor,chegando a construir relógios que, pelo seu trabalho mecânico e por sua elevada precisão,nos deixaram estasiados, como os relógios que recebem corda pela variação da temperatura;os que se movimentam pela energia acumulada, ao receberem luz natural ou artificial emuma fotocélula; os finíssimos relógios de pulso ou os microscópicos relógios de anéis; osmodernos relógios automáticos de pulso e os relógios elétricos de pulso a cristal de quartzoque permitem a medição do tempo com precisão até então desconhecida para essa classe derelógios. Não há a menor dúvida de que são inúmeros os aperfeiçoamentos que se podemesperar neste ramo da ciência, uma vez a relojoaria se libertou do artesanato e na atualidadejá nem sempre é exclusivamente mecânica. Cremos mesmo que a sua evolução seguirá umalinha, cuja tendência é afastar-se progressivamente da mecânica e megulhar-se em outrosramos da Física, notadamente a Eletrônica e a Óptica (uso das fibras ópticas, lasers etc.).

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Fig. 16 A evolução dos relógios durante os três últimos séculos

Referências Bibliográficas

[1] História dos Grandes Inventos, Ed. (1983), Seleções do Reader’s Digest.

[2] Encyclopaedia Britannica, 15th Ed. (1978), Micropaedia, vol IX – “Time Measurements –General Concepts”.

[3] Great Books of the Western World, 22 th. Ed. (1978), vol 34 – Isaac Newton & ChristiaanHuygens.

[4] Henry Margenau, “The Nature of Physical Reality”, Ed. (1977) Chapter 07 – “Space andTime”.

[5] P.C.W. Davies, “The Physics of Time Asymmetry”, 2d ed. (1977).

[6] Kenneth Welch, “The History of Clocks and Watches”, Ed. (1972).

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IIIDa transmissão da força à

geometrização da força

Marcelo Costa de Lima¹[email protected]

Parece natural, mesmo ao leigo, ordenar tudo o que ocorre ao seu redor atribuindo-lheum lugar e um momento, isto é, um “onde” e um “quando”. A extrapolação de que

há um conjunto de todos estes “onde”, preenchendo tudo a nossa volta, nos dá a ideiade espaço. Este nos parece ser tridimensional, havendo a necessidade de se especificar –digamos – altura, largura e profundidade, para identificar de maneira não ambígua umlugar. De modo semelhante extrapolamos que há um fluxo contínuo e ordenado de todosos “quando”, de modo que há um tempo, em que é possível identificar tudo o que ocorreantes e depois de uma dada ocorrência particular. No espaço se pode avançar ou retroceder.No tempo o retrocesso parece inadmissível. Na descrição dos processos físicos é necessárioidentificar cada ocorrência, o evento físico, com quatro números, sendo três para a posição,no espaço, e um para o instante de ocorrência, no tempo. Este continuum é o palco no qualformulamos a descrição das leis físicas: o espaço-tempo. O modo pelo qual o entendemos,isto é, o conjunto de atributos que lhe imputamos, sofreu modificações radicais ao longo dahistória da Física. A mais radical delas, certamente, é a de que é ele próprio quem impõeaos corpos materiais estados de movimento ou tensão aos quais, em nosso entendimentocomum, dizemos ser de origem gravitacional. São, em verdade, manifestações cotidianasda geometria do mundo. Iremos aqui esboçar o modo como se deu tal construção, com oadvento da Teoria da Relatividade Geral, de Einstein, a partir das conquistas da Física naobra de Newton, em diante.

1. Físico, Professor da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências

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Duas vertentes de pensamento se confrontaram acerca da natureza do espaço, na históriada Física, a partir do século XVII: a que pretendia dotá-lo de uma realidade independente,imparcial, um receptáculo vazio e inerte para nele acomodar conteúdo material do mundo;em oposição a que via o mundo como um sistema completamente cheio, sem lugaresvazios, a união de todos os lugares, sempre ocupados pela matéria, fosse ela ponderávelou etérea. Uma terceira vertente, que jamais chegou a se materializar completamente nocorpo dos fundamentos da Física, embora tenha certamente lhe servido de inspiração eguia, pretendia entender o espaço como mera relação entre as partes materiais do mundo,expressão da relação que as mesmas guardam entre si, sem uma realidade em si mesmo.O único aspecto relevante à descrição dos sistemas físicos seria a configuração relativa, deposição, velocidade etc. entre as partes de um sistema.

O primeiro ponto de vista está diretamente ligado ao advento da mecânica, nos termosformulados por Newton nos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Principia), em1687. Aí Newton postulou o espaço absoluto², como receptáculo do mundo material, cujarealidade física seria manifestada pelo absolutismo da aceleração. Em seu clássico exemplodo balde de água³ afirmou o caráter absoluto do movimento da água em rotação dentrodo balde, por tratar-se de um movimento no espaço absoluto, bem como a evidênciada existência deste último. Na verdade, toda força de natureza inercial revelaria, naconcepção newtoniana, o caráter absoluto do movimento em questão, bem como o estadode movimento relativamente ao espaço absoluto e inerte. Na formulação de Newton, avalidade das leis da mecânica somente seria verificada por uma classe de observadoresprivilegiados, os observadores inerciais, os quais constatariam a validade da primeira lei: ada inércia. Dado um observador inercial temos infinitos outros, todos se movendo emtranslação uniforme, sem movimento de rotação, relativamente ao primeiro. Mas comoexibir o primeiro? Impossível, posto que inercial é qualquer observador em repouso oumovimento uniforme com relação ao espaço absoluto. Assim sistemas inerciais não noshabilitam a identificar o sistema de referência do espaço absoluto e inerte, mas sabemos queele existe através da manifestação das forças inerciais, também ditas fictícias, associadas aosmovimentos acelerados. Os sucessores de Newton, assim como ele próprio, reconheceram aimportância do espaço absoluto para se dar sentido a lei da inércia. Euler tentou inclusivedemonstrar a necessidade lógica da lei da inércia, para então haver uma necessidade lógicado espaço absoluto⁴. No terceiro volume dos Principia formulou sua teoria gravitaçãouniversal, aí introduzindo a ideia de que se tratava de uma ação mútua, comunicadainstantaneamente à distância, através do vazio.

O segundo ponto de vista é, na verdade, anterior aos Principia, associando-se, nostempos modernos, a Descartes⁵. Ele publicara os seus Princípios da Filosofia, em 1644, no

2. Newton, I., Principia, Livro I, p. 45., 2008, op. cit.

3. Newton, I., Principia, Livro I, p. 49., 2008, op. cit.

4. in Jammer, M, p.172, 2010, op. cit.

5. in Whittaker, E., 1951, op. cit.

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qual descartava a possibilidade de haver o vazio. Concebia a ação entre corpos que não estão,aparentemente, em contato através de seu modelo dos vórtices ou turbilhões do meio etéreoque a tudo permeia, explicando nestes termos tanto o comportamento dos ímãs quanto agravitação. Embora o jovem Newton tenha nesta mesma época publicado Algumas questõesfilosóficas, fazendo uso de um éter mecânico para explicar as ações à distância, este sofreriavárias modificações ao longo da profícua carreira científica de Newton, sendo finalmentesepultado em sua teoria da gravitação fundada na ação à distância.

A noção de ação instantânea à distância permitiu harmonizar, dentro do quadro daMecânica, os movimentos terrestres e celestes em um só conjunto de leis. Mas sua aceitaçãocomo hipótese de trabalho não era sinônimo de explicação satisfatória. É bem disseminadaa posição pragmática de Newton quanto a não devermos nos ocupar com a “explicação”da ação à distância, explicitada em sua máxima hypotesis non fingo. A realidade, porém,é que a noção de ação instantânea a distância jamais gozou de pleno prestígio entre osfilósofos naturais, e isto se aplica até mesmo ao próprio Newton, conforme se vê em suacorrespondência a Bentley, de 1693:

“É inconcebível que a matéria bruta e inanimada possa, sem a mediação de nada mais,o qual é não material, operar e afetar outra matéria sem contato mútuo, como deveriaser se a gravidade, tomada no sentido de Epicuro, for dela essencial e inerente... Agravidade deve ser causada por um agente que atua constantemente de acordo comcertas leis; mas se esse agente é material ou imaterial é uma consideração que deixo paraos meus leitores” ⁶.

Maxwell comentaria mais tarde que⁷:

“Quando Newton demonstrou que a força atuante em cada corpo celeste dependiadas posições relativas de uns em relação aos outros, a nova teoria encontrou oposiçãoviolenta da parte de avançados filósofos de então, que descreveram a doutrina dagravitação como um retrocesso ao método de explicar tudo por causas ocultas, virtudesatrativas, e similares.”

Deveriam os filósofos naturais considerar as causas da interação à distância parte de suasatribuições ou deixá-las à metafísica? Entre aqueles que acreditavam ser necessário propormecanismos através dos quais a interação à distância era comunicada, por uma sucessãocontígua de ação e reação através de um éter, encontram-se aqueles que fundaram, sempropriamente pretender fazê-lo, a teoria do campo.

O grande palco de batalha entre a ação à distância e a ação contígua – ou entre oque lhes era subjacente, o espaço absoluto e vazio e o espaço etéreo e cheio – deu-se nodesenvolvimento da teoria eletromagnética. Os primeiros avanços significativos deram-seatravés de “newtonianos” como Coulomb (1785) e Ampère (1821), que descreveram

6. in Cohen, B. I. & Westfall, R. S., p. 408, 2002, op. cit.

7. Maxwell, J.C., On the action at a distance, in Niven, W.D., 1965b, op. cit.

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a interação entre cargas e correntes elétricas através de ações instantâneas à distância,dependentes das posições relativas entre os objetos em interação, agindo em linha reta,isto é, na forma de forças centrais. Em 1846 Wilhelm Weber publicaria o primeiro deseus Medidas Eletrodinâmicas (Elektrodynamische Maassbestimmungen), no qual assumia ahipótese da natureza atomística da eletricidade, aí formulando a primeira eletrodinâmicade partícula. Sua lei unificada para a ação entre duas partículas (átomos) de eletricidade emmovimento relativo qualquer permitia obter tanto a lei de Coulomb, para repouso relativo;quanto à lei de força proposta por Ampère em seu “Mémoire sur la théorie mathématiquedes phénomènes électrodynamiques uniquement déduite de l’expérience”, de 1827⁸, caso osátomos possuíssem velocidades relativas. Em havendo aceleração relativa tinha-se a induçãoeletromagnética, que havia sido descoberta por Faraday e Lenz em 1831. Weber introduziuem sua expressão de força a constante que era, em sua essência, a razão entre o padrãoeletrostático e eletrodinâmico de carga elétrica. Tal constante, com dimensão de velocidade,estaria – ironicamente – destinada a desempenhar um papel central na teoria da açãocontígua e, posteriormente, na relatividade einsteiniana. Sua primeira medida, realizadapelo próprio Weber (em 1856), em colaboração com R. Kohlrausch⁹, revelaria o valor3,10× 108 m/s, espantosamente próximo do valor da velocidade da luz, c = 3,15× 108 m/s,que fora obtido por Fizeau, em 1849.

Em oposição à concepção de ação à distância eletrodinâmica, Faraday a via comocontígua, comunicada ao longo de suas linhas de força que preenchiam todo o espaço.Em 1846 “Thoughts on Ray Vibrations”¹⁰ especularia acerca das possíveis relações entrevibrações nas linhas de força e as vibrações do éter luminífero. Sugeria-se então um éterque era o meio pelo qual se comunicava a ação eletrodinâmica: um éter eletromagnético.Vários éteres coexistiam em diversos campos da Física, sendo o éter luminífero, introduzidopor Descartes em 1638, para explicar a propagação da luz, o mais antigo dentre os éteresmodernos¹¹. No início do século XIX, o éter fluido de Descartes dera lugar ao éter tiposólido elástico de Fresnel, em 1818, que permitia explicar o fenômeno da polarização daluz, descoberto por Huygens em 1690, a partir da ideia de que a luz era uma onda dedeformação transversal no éter, diferentemente da onda longitudinal de Descartes. A partirde 1821, após Fresnel propor seu modelo de éter luminífero, numerosas teorias em que oéter seria um sólido elástico surgiriam, por Chauchy, Grenn, Stokes, MacCullagh, WilliamThomson (futuro lorde Kelvin) e outros¹². A proliferação de éteres não era, evidentemente,festejada pelos adeptos da ação contígua. Assim sendo, quando da obtenção, por Weber, deum número virtualmente idêntico ao da velocidade da luz, por medidas puramente elétricas,

8. A lei de Ampère aí referida não deve ser confundida com lei de força entre elementos de corrente que se obtémda teoria eletromagnética clássica, de Maxwell-Lorentz. Para maiores detalhes ver Assis, A. K., 1995, op. cit.

9. Weber W. & Kohlrausch, R.H.A., Annales der Physik und Chimie, 99, 1856.

10. Faraday, M., Philosophical Magazine, S.3, v. 28, N. 188, 1846.

11. Whittaker, E., 1951, op. cit.

12. Whittaker, E., 1951, op. cit.

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uma espécie de alarme soou. Quase imediatamente, e independentemente, BernhardRiemann¹³ (1858), Ludwig Lorenz¹⁴ (1867) e James Clerk Maxwell (1862) perceberamque isto era um indicativo de que a interação eletromagnética deveria, de fato, ser umaação contígua comunicada com velocidade de propagação c. Maxwell seria o primeiroa ter sucesso em implementar tal ideia, descrevendo no mesmo conjunto de equaçõestantos os fenômenos eletromagnéticos como ópticos. Os fenômenos eletromagnéticosda luz e radiação térmica seriam assim, decorrências do estado de tensão e movimentoem um só éter.

Maxwell obtivera o grau de matemático em 1854, pelo Trinity College, na Universidadede Cambridge, havendo se interessado pela teoria eletromagnética a partir do trabalhoque Thomson publicara em 1851, “On a Mechanical Representation of Electic, Magnectic,and Galvanic Force”. Em 1856 iniciou sua trilogia de artigos em Eletromagnetismo. NoTransactions of the Cambridge Philosophical Society, publicou “On Faraday’s Lines of Force”. Aíexplorou a analogia entre as linhas de força, introduzidas por Faraday, e as linhas de fluxoem um fluido incompressível. Enviou-o pessoalmente a Faraday – que se aposentara noano anterior – que se surpreendeu ao ver suas ideias formuladas matematicamente. Em1861 “On Physical Lines of Force” ¹⁵ (partes I e II) introduziu seu modelo do mar de vórticesmoleculares para o éter, onde surgiu sua famosa corrente de deslocamento. Em 1862, naparte III¹⁶ de “On Physical Lines” analisou a propagação de um distúrbio magnéticoatravés do mar de vórtices, mostrando tratar-se de uma onda transversal, que se propagacom velocidade igual a constante de Weber. Em suas palavras, hoje célebres:

“A velocidade das ondulações transversais em nosso meio hipotético, calculada a partir dosexperimentos eletromagnéticos de MM. Kohlrausch e Weber, concorda tão exatamentecom a velocidade da luz, calculada a partir dos experimentos ópticos de M. Fizeau,que dificilmente podemos evitar a inferência de que a luz consiste em uma ondulaçãotransversal no mesmo meio que é a causa dos fenômenos elétricos e magnéticos.” ¹⁷

Completando sua trilogia¹⁸, Maxwell publicou em 1864 seu “Dynamical Theory ofthe Electromagnetic Field” ¹⁹, abandonando, desta vez, os vórtices moleculares. Embora

13. Riemann, B., “A contribution to electrodynamics”, Philosophical Magazine, S.4, 34, p. 368, 1867. Edição inglesa de“Ein Beitrag zur Elektrodynamik”, publicado no Annalen der Physik und Chemie, 131, p. 237, 1867. Ambos forampublicados postumamente.

14. Lorenz, L.V., “On the identity of the vibrations of light with electrical currents”, Philosophical Magazine, S. 4, 1867.

15. Maxwell, J.C., Philosophical Magazine, S. 4, 21, p. 161, 1861.

16. Maxwell, J.C., Philosophical Magazine, S. 4, 23, p. 12, 1862.

17. N.A.: o grifo é do próprio Maxwell.

18. N.A.: Segundo Everitt, op. cit., 2007, o artigo “On the elementary Relations of Electrical Quantities”, de 1863,teve também um papel vital no amadurecimento das ideias de Maxwell. Visto desta perspectiva o “DynamicalTheory” completaria uma tetralogia.

19. Maxwell, J.C., Royal Society Transactions, 155, 1864, e Philosophical Magazine, S. 4, 29, p. 152, 1865.

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ainda sustentasse a ideia de que tanto os fenômenos eletromagnéticos quanto luminososfossem evidência indireta de processos ocorrendo em um mesmo éter universal, sua atitudefilosófica em relação às equações que afinal levaram o seu nome começaria a mudar. Ele asapresenta não mais como uma decorrência de algum modelo particular de éter, mas simcomo relações às quais qualquer modelo de éter devesse produzir. Na nova concepção, a luzjá não era remetida a alguma propriedade específica do éter, mas uma consequência diretada dinâmica do campo eletromagnético, daí ter-se dito que a teoria de Maxwell era a teoriaeletromagnética da luz. As equações do eletromagnetismo, que Maxwell apresentou emseu “Dynamical Theory”, não seriam, no entanto, aquelas hoje consagradas em qualquertexto didático de Eletrodinâmica Clássica como “Equações de Maxwell”, havendo nelasmisturas de relações entre os campos e entre estes e os potenciais. Os potenciais, por suavez, remetidos a propriedades mecânicas do éter, ainda obscuras.

O laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge, foi criado em 1871. Maxwellfoi indicado para ser seu primeiro “Cavendish Professor”. Ainda se passariam vinte e oitoanos até que J. J. Thomson, o terceiro “Cavendish Professor”, aí descobrisse o elétron.Em 1873, Maxwell publicou então a primeira edição de seu “A Treatise on Electricityand Magnetism”. O “treatise” reuniria na forma de livro todo seu legado em teoriaeletromagnética. Este não era, contudo, uma obra fechada. Pelo contrário, Maxwell estavaciente da necessidade de expurgar de sua teoria seus aspectos não essenciais, de modo que aredação do “treatise” refletia esse espírito de “obra em construção”.

Na Alemanha, Helmholtz voltara sua atenção para a Eletrodinâmica em 1870, campoo qual ele então considerava “uma mata sem veredas”. Publicaria “Über die Theorie derElektrodynamik” ²⁰ onde discutia os cenários teóricos concorrentes da Eletrodinâmica,atacando tanto a eletrodinâmica de Weber quanto a de Maxwell. Foi, no entanto, este artigoque abriu caminho para a disseminação da Eletrodinâmica de Maxwell no continente.

A morte prematura de Maxwell, em 1879, enquanto preparava a segunda edição do“treatise”, deixaria aos seus sucessores a realização desta tarefa de conclusão de sua obraeletromagnética. Já se haviam passado 18 anos desde “On Physical Lines of Force” e físicoalgum conseguira produzir ondas eletromagnéticas em laboratório. Não era nem mesmoóbvio que se devesse buscá-las, já que os fenômenos eletrodinâmicos eram bem explicadospela teoria de ação à distância, amplamente disseminada entre os físicos continentais,que eram comumente Weberianos. Entre os da comunidade britânica, George FrancisFitzGerald escreveria “On the Possibility of Originating Wave Disturbances in the Ether byMean of Electric Forces”, lido perante a Royal Dublin Society, no qual defendia, diferentementedo que sugere o título, a impossibilidade de se produzir ondas eletromagnéticas por meioselétricos e magnéticos, erro no qual ele insistiria pelos próximos dois anos e meio²¹.

Neste mesmo ano, por sugestão de Helmholtz, a Academia de Ciências de Berlim haviaoferecido um prêmio a quem promovesse uma comparação experimental que pudesse dar

20. Helmholtz, H., Philosophical Magazine, S. 4, 44, p. 530, 1872, na versão inglesa de mesmo título.

21. Hunt, B. J., 1991, op. cit.

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prioridade a alguma das duas abordagens da Eletrodinâmica: a de ação à distância (Weber)e a da ação contígua (Maxwell). Ele tinha uma pessoa em mente para enfrentar esta tarefa:seu estudante Heinrich Rudolph Hertz. Hertz, que ingressara em 1878 na universidadede Berlim, foi contemporâneo de Max Karl Ernst Ludwig Planck, que ingressara em1877, a quem o futuro também guardaria glória imorredoura. Em 1879, Hertz havia sidovencedor do prêmio da Faculdade de Filosofia de Berlim, oferecido no ano de seu ingresso nauniversidade, também por sugestão de Helmholtz, havendo realizado o experimento quemostrou ser a inércia elétrica nula ou muito pequena para ser observada. Este trabalho quelhe renderia seu primeiro artigo publicado no Annalen der Physik, em 1880. Helmholtzsugeriu então a Hertz que aceitasse também o desafio da Academia de Ciências, mas eleinicialmente declinou por considerar uma tarefa experimentalmente inviável. Foi, também,neste ano de 1879 que o jovem Albert Abraham Michelson, chegou a Berlim, para fazerdoutorado sob supervisão de Helmholtz. Foi o ano em que Albert Einstein nasceu.

Em 1883, Hertz mudou-se para Kiel, recomendado por Kirchhoff. Lá não havia umlaboratório e seu afastamento da atividade experimental o deixou insatisfeito, havendo,no entanto, elaborado um artigo sobre unidades elétricas e magnéticas e outro sobreo eletromagnetismo de Maxwell. Em 1885, a universidade lhe ofereceu o cargo deprofessor associado, mas ele queria voltar à atividade experimental e decidiu que era horade partir. Aceitou o cargo de professor de Física na Faculdade Técnica de Karlshruhe,onde permaneceria pelos próximos quatro anos. Em Karlshrure, Hertz realizaria os feitosque o imortalizaram. Demonstrou que a interação eletromagnética se propagava comvelocidade finita (a da luz), transmitindo-se na forma de ondas que se refletiam, refratavame interferiam tal e qual a luz. O embate entre a ação à distância versus ação contígua pareciater chagado ao fim, acreditando os físicos que a natureza havia pronunciado sua sentençaem favor da segunda. Quando da edição britânica da coletânea dos artigos de Hertz²²,Lorde Kelvin prefaciou em tom grandiloquente:

“Para se apreciar plenamente o trabalho agora oferecido ao publico leitor inglês, devemostransportar nossas mentes para duzentos anos atrás, ao tempo em que Newton tornouconhecida ao mundo a lei da gravitação universal.”

O processo de expurgar da teoria de Maxwell os seus aspectos não essenciais foi penosoe demorado. Por um lado o grupo de físicos britânicos Oliver Heaviside, Oliver Lodgee FitzGerald construíram inúmeros modelos de éter, todos com qualidades e defeitos.Por outro Hertz, que após suas extraordinárias conquistas experimentais voltara-se, nosanos de 1890, aos fundamentos teóricos não só do Eletromagnetismo, mas da própriaFísica. Desenvolveu tal convicção no papel central que o éter deveria desempenhar narepresentação do mundo físico, que pensava em imputar-lhe atributos ainda mais amploscomo a origem da própria inércia e da gravitação²³. Consumou sua visão mecanicista no

22. Hertz, H, 1893, op.cit.

23. Mulligan, J., 2001, op. cit.

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livro “Os Princípios da Mecânica apresentados em uma nova forma”, publicado postumamente.Com a morte prematura de Hertz, em primeiro de janeiro de 1894, o resultado geral erade que ainda não se havia encontrado uma forma satisfatória de imputar propriedadesmecânicas ao éter, de modo que este pudesse gerar as equações de Maxwell na formade “Hertz-Heaviside”, que são as equações as quais chamamos hoje Equações de Maxwell.Ao contrário, parecia haver, de modo cada vez mais evidente, uma classe de éteres comdiferentes atributos mecânicos, todos compatíveis com as equações eletromagnéticas. Taldepuração culminaria com a noção de invariância de calibre da teoria eletromagnética, naobra de Hendrik Antoon Lorentz²⁴.

As leis da Mecânica, conforme formuladas por Newton, tinham a mesma forma emtodos os referenciais inerciais, não sendo possível distinguir um do outro por experimentosrealizados sem referência ao exterior. Nos “Principia”, Newton nos apresentaria estainvariância como corolário quinto²⁵ de seus axiomas do movimento: o da relatividade.A Relatividade surgira antes na obra de Galileu, que no seu “Diálogos”, expressou talinvariância em seu clássico exemplo do navio, nos seguintes termos:

“... e fazei mover o navio com quanta velocidade desejardes; porque não reconhecereisuma mínima mudança em todos os mencionados efeitos [mecânicos], nem de nenhumdeles podereis compreender se o navio caminha ou está parado.” ²⁶

Já na Eletrodinâmica de Maxwell aí estava um aspecto a ser depurado. Maxwellintroduzira inicialmente o potencial vetorial magnético como expressão da quantidade demovimento do éter, chamando-o momentum eletromagnético, cuja variação no tempoproduz força. Assim, originalmente, tanto o estado de tensão quanto de movimento doéter concorriam para gerar os fenômenos eletromagnéticos. O que dizer então sobre osurgimento ou supressão de algum efeito em decorrência do estado de movimento do obser-vador relativamente ao éter? Entre as frentes de ataque a este problema, Maxwell sugerira arealização de experimentos astronômicos visando detectar o estado de movimento da Terra,relativamente ao éter, acreditando ele que experimentos terrestres seriam impraticáveis,uma vez que envolveriam efeitos quadráticos da razão entre a (suposta) velocidade da Terrarelativamente ao éter, e a velocidade da luz c. Uma carta, escrita por Maxwell a D. Todd,em 1879, seria publicada postumamente em janeiro de 1880 na Nature ²⁷. Michelson, entãoem Berlim, convencido de que Maxwell subestimava o nível de precisão dos experimentosterrestres lançou-se à empreitada, construindo o seu primeiro interferômetro. Pouco mais deum ano após, em 1881, Michelson²⁸ publicaria os resultados de seu primeiro experimentointerferométrico, realizado Potsdam, para medir a os (supostos) efeitos da resistência

24. Jackson, J. D. & Okun, L. B., 2001, op. cit.

25. Newton, I., Principia, Livro I, p. 61., op.cit., 2008.

26. Galilei, G., 2004, op.cit.

27. in Pais, A., 1982, p. 126, op. cit.

28. Michelson, A. A., American Journal of Science, 22, 120, 1881.

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exercida pelo éter à passagem da Terra, que seria manifestada pelo desvio da velocidade daluz, estando o feixe luminoso ora a favor, ora contra o “vento” de éter: nada encontrara. Devolta aos Estados Unidos, Michelson repetiria a experiência, agora em colaboração comEdward William Morley²⁹, sem contudo obter qualquer evidência do movimento relativoao éter.

Quando Einstein entrou em cena, no Annalen der Physik de junho de 1905, propôs aadoção da invariância da velocidade da luz no vazio, para todos os observadores inerciais,como um princípio cinemático fundamental da Física³⁰. Ao que parece, essa escolha tevepouca relação com os resultados negativos de Michelson, estando Einstein mais preocupadocom a universalidade da Relatividade no sentido de Galileu. Em suas conjecturas Einsteintinha a firme convicção de que não somente experimentos mecânicos, mas também osfenômenos eletromagnéticos não nos permitem assegurar o estado de movimento doobservador inercial, sem referência ao exterior. A Relatividade de Galileu deveria serelevada à categoria de princípio geral da Física. Neste trabalho, intitulado “Sobre aeletrodinâmica dos corpos em Movimento”³¹ e em sua sequência “A inércia de um corpodependerá de seu conteúdo energético?”³², ele construiu o que hoje chamamos a Teoria daRelatividade Especial.

A gênese da Relatividade Especial, por Einstein, veio completar o quadro de dar plenaconsistência à Teoria Eletromagnética de Maxwell, sem a necessidade de referência explícitaao éter subjacente, dando às equações eletromagnéticas, na forma que foram apresentadaspor Lorentz³³, o status de leis da natureza, isto é, relações que se cumprem de formaindistinta para diferentes observadores inerciais. Lorentz, embora adepto do éter, dera àteoria de Maxwell a forma que hoje conhecemos, construindo uma teoria de partículase campos em interação, prescrevendo a forma da força que o campo exerce na partículateste, que hoje leva seu nome, formulando as equações fundamentais apenas em termos doscampos, e estabelecendo a liberdade de calibre nos potenciais. Com Lorentz, somente oéter, dentro ou fora da matéria, comportaria o campo eletromagnético. Somente a matéria,pensada de modo atomístico, é que carregaria movimentos. Anos mais tarde, Einsteincomentaria acerca de sua reputação de ter sido o eliminador do éter na Física³⁴:

“Quanto à natureza mecânica do éter lorentziano, pode-se dizer – com um espírito algobrincalhão – que imobilidade é a única propriedade mecânica do qual não foi privadopor H. A. Lorentz. Pode-se acrescentar que toda a mudança na concepção do éter quea teoria da relatividade especial trouxe, consistiu em lhe tomar seu último atributomecânico, a saber, sua imobilidade.”

29. Michelson, A. A. & Morley, E.W., American Journal of Science, 34, 333, 1887.

30. Einstein, A., Annalen der Physik, 17, p. 891, 1905.

31. Einstein, A., Annalen der Physik, 17, p. 891, 1905. Para edição em português ver Einstein, A., 2001, op. cit.

32. Einstein, A., Annalen der Physik, 18, p. 639, 1905. Edição em português em Einstein, A., 2001, op. cit.

33. Lorentz, H.A., 1892, op. cit.

34. Einstein, A., 2002, op. cit.

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Sua posição a esta altura era, no entanto, a de que tornara o éter supérfluo, desnecessário;não inexistente.

O ponto crucial que permitiu a Einstein avançar além da compreensão dos seus precur-sores, foi a percepção de que a velocidade finita de propagação da interação eletromagnética,c, era uma pista sobre a inexistência da interação instantânea à distância, em geral. Destemodo, não haveria meios de se estabelecer um sentido absoluto à noção de simultaneidade.O tempo transcorrido entre dois acontecimentos quaisquer não seriam os mesmos paraobservadores inerciais distintos. Isto impunha uma revisão na formulação da Mecânicanewtoniana, de modo a adequá-la aos postulados de Einstein. Embora o princípio da inérciafosse preservado na nova Mecânica, a noção de inércia mudara, sendo agora dependente dograu da velocidade relativamente à velocidade da luz, de tal modo que força alguma seriacapaz de acelerar o objeto até a velocidade da luz. A dependência da inércia com relação aoconteúdo energético do objeto levou Einstein à equivalência massa-energia, na forma damais famosa equação da Física: E=mc2.

A nova Mecânica juntamente com o teoria de Maxwell-Lorentz constituíram, assim,uma síntese na qual o eletromagnetismo não mais se subordinava à Mecânica, mas simo inverso. Um observador inercial passava a ser entendido não apenas como um sistemade referência com suas réguas próprias, mas também com seus relógios próprios. Outroobservador, por sua vez, definia novas réguas e novos relógios, de modo que o princípioda relatividade permanecia assegurado. Matematicamente isto era equivalente a se dizerque os fenômenos físicos não transcorriam no espaço, estando os processos indexados porum tempo universal. Ao contrário, tratava-se de um contínuo quadri-dimensional, noqual o tempo era uma das dimensões a ser considerada. Em 1908, Hermann Minkowskiapresentou o formalismo matemático onde introduziu a ideia de espaço-tempo, que forneceo cenário adequado para a descrição formal da Física, conforme os ditames da RelatividadeEspecial. Ao final da conferência, proferida em Colônia, concluiria com a reflexão:

“Gosto de pensar que a validade sem exceção do postulado [da relatividade]... é o núcleoverdadeiro de uma imagem eletromagnética do universo, a qual, descoberta por Lorentze revelada ainda mais por Einstein, está agora na plena luz do dia. Na exploração desuas consequências matemáticas encontrar-se-ão sugestões suficientes para a verificaçãodo postulado. Essas verificações, manifestando uma harmonia pré-estabelecida entre amatemática pura e a física, serão capazes de convencer até mesmo aqueles para quem oabandono de antigos pontos de vista seja antipático ou doloroso” ³⁵

Uma questão se colocaria, neste momento, de modo imperativo: qual seria então adescrição correta da Gravitação? A teoria de Newton, baseada na ação instantânea àdistância, no espaço e tempo absolutos, era incompatível com o novo retrato do mundofísico. A despeito do seu enorme sucesso na descrição dos fenômenos gravitacionais, nosistema solar, seria agora de se esperar que a teoria de Newton fosse, para se dizer o mínimo,

35. Minkowski, in Lorentz, H.A., Einstein, A., Minkowski, H., Weyl, H., 1972, op. cit.

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o caso limite de uma teoria mais abrangente da Gravitação. Para iniciados, não é tarefa tãodifícil imaginar, em linhas gerais, como fazê-lo. A questão estava nas escolhas arbitráriasque precisavam ser feitas sem base experimental. No período entre 1905 e 1915 algunsautores se ocuparam disto, a exemplo de Gunnar Nordstöm, Gustav Mie e Max Abraham³⁶,além do próprio Einstein.

O elemento que afastou Einstein da pretensão de se construir uma teoria da Gravitaçãodentro do contexto da Relatividade Especial, que tomaria a forma do chamado Princípio daEquivalência, ocorreu-lhe, segundo ele próprio nos conta, por volta de 1907:

“o campo gravitacional tem apenas uma existência relativa,... Porque para um observa-dor que cai livremente do telhado de uma casa não existe – pelo menos no ambienteimediato – campo gravitacional.” ³⁷

Isto decorre do fato (experimental) de que as acelerações dos corpos em queda inde-pendem das massas dos mesmos, de modo que todos caem, em um mesmo ambientegravitacional, igualmente: a gravidade fica então escondida. Disso sabíamos desde Galileu.Einstein, porém, viu aí a chave para a generalização do próprio princípio da relatividade,sendo o observador em queda livre igualmente admissível. Na formulação tradicional doproblema (a la Newton) supomos que o observador parado no solo é o inercial, enquantoque o observador em queda está acelerado. Dentro da visão que Einstein começava agora aimplementar, era o observador em queda, quem pode mais legitimamente ser chamadode inercial, constatando a validade das leis conforme prescritas na Relatividade Especial.O observador parado no solo, estando acelerado relativamente ao observador em queda,seria este sim não inercial. Uma teoria que fosse capaz de descrever a realidade física doponto de vista de ambos, precisava abrir mão do princípio da Relatividade em sua formaoriginal, que se aplicava apenas à observadores inerciais, movendo-se uniformemente umrelativamente ao outro, passando-se agora ao Princípio da Relatividade Geral : todo estadode movimento é relativo. Com o princípio da equivalência, Einstein encontrou a melhorrealização física do observador inercial, que se pôde implementar na Física Teórica. Aomesmo tempo, na medida em que estava convencido que uma teoria relativista da gravitaçãodeveria ser construída dentro do contexto do Princípio da Relatividade Geral, o deixariadesprovido de qualquer status especial na representação do mundo físico conforme a teoriada Relatividade Geral.

Em suas “Notas autobiográficas”³⁸ Einstein nos fala da gênese do princípio da equi-valência nos remetendo, de modo recorrente, à Ernst Mach, cujo pensamento filosóficoexercera grande influência sobre ele quando jovem. O pensamento de Mach teve suasorigens na tendência de se construir uma Física na qual somente figuravam posições,velocidades e acelerações relativas, isto é, que dependesse apenas da configuração relativa

36. In Pais, cap. 13, 1995, op. cit.

37. In Pais, p. 208, 1995, op. cit. N.A.: o grifo é do próprio Einstein.

38. Einstein, A., 1982, op. cit.

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das partes do sistema, chamada relacional. Assim, eliminava-se o problema do espaçoabsoluto na medida em que este espaço passava a ser entendido apenas como o conjuntode todas as disposições relativas entre as partes. Em uma física relacional, o espaço seriaapenas o conjunto das relações entre as coisas e não uma realidade em si. Essa visãoseria defendida pelos empirocriticistas, em fins do século XIX, devendo toda afirmaçãocientificamente bem posta, estar adequada a ela. A Eletrodinâmica de Weber era, emsua construção, uma teoria relacional. Devido à referência implícita ao espaço absoluto,a gravitação newtoniana era uma teoria aparentemente não relacional, embora a forçadependesse exclusivamente de posições relativas. Deste modo, sem pretender negar suaspredições, amplamente consagradas na Mecânica Celeste, Mach procurou colocá-la sobnova perspectiva. Em seu “A Ciência da Mecânica”, de 1883, Mach retornou ao exemplodo balde, desqualificando o argumento de Newton para a existência do espaço absoluto,e afirmando que o encurvamento na superfície da água em rotação, seria o resultadoda nova condição de equilíbrio estabelecida relativamente à distribuição de matéria doUniverso. Caso fosse-nos possível realizar o experimento de deixar o balde e água paradose, então, girar rigidamente o Universo ao redor do eixo do balde, o mesmo encurvamentoda água dentro do balde seria constatado. Em suma, mesmo o movimento – não inercial –seria relativo. A ideia de que a Mecânica devesse ser re-fundada com base em princípiospuramente relacionais, sem referência ao espaço absoluto, passou a ser chamada o princípiode Mach. Sua plena realização jamais se concretizou nos fundamentos da Física, nãohavendo unanimidade quanto ao seu status científico. Einstein considerava que o princípioda equivalência, por estipular que as condições do ambiente é que determinavam qualobservador seria inercial, era um avanço em direção ao pensamento de Mach. Por outrolado, a ideia de ação à distância, embutida no princípio de Mach, já não poderia sersustentada em uma Física relativística, com ou sem Gravitação.

Na exploração dos efeitos relativísticos em referenciais acelerados, Einstein encontrouentão algumas pistas para sua teoria da Gravitação. Era um resultado bem conhecido tantoda Mecânica pré-relativística como da Relatividade Especial, que um raio de luz sobreaberração, isto é, muda de direção quando visto por observadores inerciais distintos. Umobservador acelerado, por sua vez, poderia ser pensado como um sistema de referênciaque “salta” continuamente de um referencial inercial a outro, cada um com velocidadeligeiramente superior a do anterior. Daí se conclui que esse observador não inercialperceberia uma sucessão contínua de aberrações, sofridas pelo mesmo raio luminoso.Esse encurvamento da luz deveria se manifestar, igualmente, quando se considerasse oraio luminoso do ponto de vista de um observador parado no solo, em um ambiente decampo gravitacional, por intervenção do princípio da equivalência. Daí surgiria a primeiraproposta concreta de Einstein para testar os fundamentos de sua teoria da gravitação,publicado sob título “Sobre a influência da gravidade na propagação da Luz!” ³⁹. A influência

39. Einstein, A., Annalen der Physik, 35, 1911. Reproduzido em português em Lorentz, H.A., Einstein, A.,Minkowski, H. Weyl, H., 1972, op. cit.

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da Gravidade sobre a luz fazia total sentido em uma teoria que incorporasse as conquistas daRelatividade Especial, uma vez que a equivalência massa-energia deveria ter, naturalmente,seu equivalente peso-energia, o que não era oferecido pela Relatividade Especial.

O problema que se colocaria agora era o de formular, matematicamente, a nova teoriada Gravitação, compatível com a indistinguibilidade entre obsevador inercial e observadorem queda livre, entre observador não inercial e observador parado no campo gravitacional,entre força inercial e força gravitacional. A universalidade da Gravitação, como algo queage indistintamente sob todas as formas de matéria e energia, permitiria agora associá-la àspróprias propriedades geométricas do ambiente fisico, isto é, às propriedades geométricasdo espaço-tempo. Tais propriedades não seriam, no entanto, aquelas que nos parecemfamiliares, herdadas da geometria euclidiana. Eram porém, compatíveis com as propriedadesda chamada geometria riemanniana, desenvolvida a partir de 1854, quando Riemannpreparou a palestra “Über die Hypothesen welche der Geometrie zu Grunde liegen” (Sobre asHipóteses Fundamentais da Geometria), para obter sua Habilitation, então em Göttingen esob supervisão de Gauss. Einstein não estava, a princípio, a altura da tarefa. Quando de seuretorno a Zurique, em 1912, a convite de seu velho amigo Marcel Grossmann, para assumirseu novo cargo na Universidade de Zurique, já compreendia que as implicações do princípioda equivalência lhe conduzia a um cenário onde as regras da Geometria de Euclides eramvioladas. Ao reencontrar Grossmann, que era matemático, Einstein teria dito: “Grossmann,você tem que me ajudar, senão fico louco”. Quando Grossmann compreendeu o problema,apontou-lhe a geometria de Riemann como a possível saída. Esta revelação mudaria aatitude de Einstein perante a teoria física e perante o papel da Matemática na Física, peloresto de sua carreira. Ele se afastaria radicalmente, nos anos seguintes, de seu modo deraciocinar, através de imagens físicas claras, como fizera até então, auxiliada de algunsrudimentos matemáticos comuns à formação de qualquer físico. Pelo contrário, o apeloestético formal das estruturas abstratas da Matemática lhe serviria de guia e inspiração. Apósintensa colaboração com Grossmann na teoria da Gravitação, que produziu o artigo aindaincompleto de 1913⁴⁰, Einstein daria forma final a teoria em “Os Fundamentos da Teoriada Relatividade Geral” ⁴¹, apresentado o espaço-tempo como uma variedade riemanniana,com curvatura, localmente compatível com o espaço-tempo da relatividade especial, naqual a gravitação emerge como resultado da geometria não trivial do espaço-tempo, sendoesta geometria determinada pelo conteúdo de matéria-energia do sistema físico. Qualquerobjeto, massa ou energia, que vaga livremente ao sabor da ação gravitacional segue, naverdade, o caminho “inercial” deste espaço curvo, que não é mais a reta.

Podemos dizer que a formulação da teoria da Gravitação de Einstein constitui uma dasmais belas sínteses entre a Física teórica e a Matemática pura. Ao ter optado por seguir ocaminho da geometrização, Einstein demonstrou grande coragem intelectual e desprendi-mento em relação à sua própria criação, como poucos ousaram na evolução do pensamento,

40. Einstein, A. & Grossmann, M., Z. Math. Physik, 62, p. 225, 1913.

41. Einstein, A., Annalen der Physik, 49, p. 769, 1916.

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na Física. Tendo obtido sucesso em sua empreitada assumiu compreensivelmente, um doslugares de maior destaque na Física de todos os tempos. Em 1920, Einstein proferiu, emLeyden, a conferência “Éter e a teoria da Relatividade” ⁴². Aí admitiu que, de certa forma, deacordo com a teoria da relatividade geral havia, afinal, um éter, com as seguintes palavras:

“... podemos dizer que de acordo com a teoria da relatividade geral o espaço é dotadode qualidades físicas; e neste sentido, existe um éter. De acordo com a teoria darelatividade geral, espaço sem éter é inconcebível; pois neste espaço não somente nãohaveria propagação da luz, mas também não haveria a possibilidade de existência depadrões para o espaço e o tempo (réguas de medir e relógios), nem, portanto, qualquerintervalo de espaço-tempo no sentido físico. Mas este éter não pode ser pensado comosendo dotado de qualidades características dos meios ponderáveis, como constituídos departes que podem ser acompanhadas através do tempo. A ideia de movimento não podeser aplicada a ele.”

Referências Bibliográficas

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[4] Galilei, G., Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano, São Paulo:Discurso Editorial-Imprensa oficial do Estado de São Paulo, 2004.

[5] Einstein, A., “Ether and the theory of relativity”, in “The Collected Papers of Albert Einstein”,Volume 7, Editores Janssen, M., Schulmann, R., Illy, J., Lehner, C. e Buchwald, D.K.,Princeton Univ. Press, Princeton, 2002.

[6] Einstein, A., “The meaning of Relativity”, Princeton Univ. Press, Princeton, 1953.

[7] Einstein, A., “Notas autobiográficas”, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1982.

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[10] Hertz, H.R., “Electric Waves – Being Researches on the propagation of electric action with finitevelocity through Space”, MacMillan and Co., London, 1893.

[11] Hunt, B. J., “The Maxwellians”, Ithaca and London, Cornell University Press, 1991.

42. Einstein, A., 2002, op. cit.

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[16] Mach, E., “The Science of Mechanics – A critical and Historical Account of Its Development”,

[17] Maxwell, J.C. “A treatise on Electricity and Magnetism”, vol. 1, Clarendon Press, Oxford,2002a.

[18] Maxwell, J.C. “A treatise on Electricity and Magnetism”, vol. 2, Clarendon Press, Oxford,2002b.

[19] Mulligan, J.F. “The Aether and Heinrich Hertz’s The Principles of Mechanics Presented in a NewForm”, Phys. Perspect., 3, p. 136, 2001.

[20] Newton, I., “Principia – Princípios Matemáticos de Filosofia Natural”, Livro I, Edusp, SãoPaulo, 2008.

[21] Newton, I., Principia – Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, Livros II e III, Edusp, SãoPaulo, 2008.

[22] Niven, W. D. (ed.), The Scientific papers of James Clerk Maxwell, vol. 1, Dover Publ. Inc.,New York, 1965a.

[23] Niven, W. D. (ed.), The Scientific papers of James Clerk Maxwell, vol. 2, Dover Publ. Inc.,New York, 1965b.

[24] Pais, A., “Sutil é o Senhor. . . A ciência e a vida de Albert Einstein”, Editora Nova Fronteira,Rio de Janeiro, 1995.

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IVO Tempo na Física¹

José Maria Filardo Bassalo²[email protected]

O tempo perguntou ao tempoquanto tempo o tempo tem,

o tempo respondeu que o tempotem tanto tempo quanto o tempo tem.

(Anônimo)

1 Introdução

Até a metade do Século 19 a principal preocupação dos estudiosos do tempo relacionava-seapenas com a horologia, isto é, com a arte de medir o tempo, arte essa que foi desenvolvidaatravés da construção de relógios [1]. Contudo, as dificuldades da Termodinâmica com osprocessos macroscópicos e, consequentemente, o desenvolvimento da Mecânica Estatísticana segunda metade daquele Século; a questão da simultaneidade dos eventos físicos estudadapela Relatividade Restrita, no começo do Século 20; e o problema do determinismodesses mesmos eventos analisado pela Mecânica Quântica, a partir de 1925, levaram osfísicos a tratar o tempo como uma grandeza física sob cincos pontos de vista: 1) clássico;2) termodinâmico; 3) relativístico; 4) quântico; e 5) cosmológico, conforme veremos nodecorrer deste artigo.

1. Uma primeira versão deste trabalho foi publicada no livro: José Maria Filardo Bassalo, Crônicas da Física 4(EdUFPA, 1994).

2. Físico, Professor Aposentado da Universidade Federal do Pará e Membro das Academias Roraimense e Paraense deCiências, e do Pen Club do Brasil.

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2 O Tempo na Mecânica Clássica

De um modo geral, para entender um fenômeno em nosso Universo é necessário conhecera lei que o rege. Conhecida essa lei, procura-se, então, quais conceitos (e suas relações)são importantes, não só para a sua compreensão, bem como para a previsão de novosaspectos desse mesmo fenômeno. Em Física, para as suas leis [2], existem alguns conceitosfundamentais, dentre os quais o tempo é um dos principais, já que ele é importante parasaber como evoluiu ou evoluirá um fenômeno em estudo. Muito embora hoje a importânciado tempo seja inquestionável, o seu conceito, contudo, ainda continua a ser uma questãopolêmica, conforme tentaremos mostrar neste artigo.

É claro que desde o aparecimento do Homem em nosso Universo, o tempo sempreesteve presente em suas observações, já que algumas coisas por ele observadas tinhamcomeço e fim (a vida), outras se repetiam periodicamente (movimento dos astros) e, porfim, outras eram aparentemente eternas (minerais e o próprio Universo). Porém, o Homemcustou a conhecer a relação direta entre o tempo e o que observava. Por exemplo, tomemoso caso do movimento de um modo geral . Parece que foram os gregos antigos os primeiros aestudar o movimento dos corpos. Com efeito, o filósofo grego Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) tratou o movimento, quer do ponto de vista cinemático, isto é, apenas relacionandocom sua trajetória geométrica; quer do ponto de vista dinâmico, para o qual é importantesaber a sua causa: a força. Assim, para esse filósofo, uma pedra lançada em certa direçãodescrevia uma trajetória retilínea até um determinado ponto e, depois caía na vertical. Poroutro lado, a causa do movimento da pedra, afirmava o estagirita, era devido a uma forçaexercida pelo ar ao ser empurrado para os lados pela passagem da pedra através do mesmo.

Apesar da afirmação de Aristóteles sobre a trajetória retilínea de um corpo lançado noespaço, logo se verificou tratar-se de uma trajetória curva. Porém, restava saber a formadessa curva. Uma pergunta que se coloca com relação a essa questão, é a seguinte: por que osgregos antigos tiveram tanta dificuldade em compreender o movimento aproximadamenteparabólico dos corpos lançados ao espaço se, por exemplo, as curvas cônicas (elipse, parábolae hipérbole) já haviam sido descobertas pelo matemático grego Menecmo (Menaechmus)de Atenas (f.c. 350 a.C.) e estudadas pelo matemático grego Apolônio de Pérgamo (c. 261-c. 190) por volta de 220 a.C.? Duas parecem ser as razões básicas. A primeira delas é devidaao fato de que não tinham a ideia de movimento relativo e, consequentemente, a ideiada independência dos movimentos, ideias essas só aparecidas no começo do Século 17,para as quais é fundamental o conceito de referencial . A segunda razão decorre, em nossoentendimento, do desconhecimento que tinham dos conceitos modernos de limite, derivadae integral, conceitos esses necessários para a definição de velocidade e de aceleração, que sãoos parâmetros físicos característicos do movimento, e que só foram definidos na segundametade daquele Século. Para esses três conceitos (referencial , velocidade e aceleração), otempo e o espaço, são grandezas essenciais.

As ideias aristotélicas sobre movimento (considerado como uma categoria-qualidade docorpo) permaneceram por muitos séculos até serem re-estudadas pelos físicos e matemáticosda Idade Média e da Renascença. Na Idade Média, o problema do movimento foi analisadopor professores das Universidades de Oxford e de Paris. Os oxfordianos – conhecidos também

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como calculadores [3] – consideraram o movimento analisando o problema aristotélicorelacionado ao crescimento (intensio), ou ao decrescimento (remissio), em intensidade, dasqualidades (grandezas) cinemáticas. Esses cientistas conseguiram, trabalhando apenashipoteticamente e sem nenhuma tentativa experimental (presume-se!), demonstrar que omovimento uniformemente disforme (hoje chamado variado) era equivalente ao movimentouniforme, desde que este último fosse descrito com a velocidade média do primeiro, conformedizemos hoje. Esse resultado ficou conhecido como a Regra de Merton (RM), porque oscalculadores ensinavam no Merton College, da Universidade de Oxford.

Essa RM foi demonstrada geometricamente pelo matemático alemão, o Bispo NicholasOresme (Nicole d’Oresme) (c. 1325-1382), do Colégio Navarra da Universidade de Paris.Em seus estudos sobre o movimento, Oresme representava a variação da intensidade daqualidade de movimento (hoje, velocidade) de modo geométrico. Assim, ao longo de umalinha horizontal marcava pontos (chamado por ele de longitudes, que nada mais eram doque os instantes de tempo) e, em cada um desses pontos, levantava uma perpendiculara essa mesma linha, cujo comprimento (chamado por ele de latitude) representava aintensidade da qualidade de movimento. Desse modo, o movimento uniforme era indicadopor um retângulo, e o uniformemente disforme por um trapézio ou um triângulo. Oresmeafirmou ainda que a soma das latitudes (hoje, velocidades) nesses gráficos, significava adistância (hoje, espaço) percorrida pelo corpo. Resultados análogos a esses de Oresmeforam encontrados pelo seu professor, o filósofo francês Jean Buridan (1300-1358). Vê-se,portanto, que esses estudiosos medievais substituíram, para o caso do movimento de umcorpo, a categoria-qualidade aristotélica, por uma categoria-quantidade.

Não obstante o esforço dos estudiosos da Idade Média no sentido de entender edescrever o movimento, o fato de ser a Terra considerada como imóvel, segundo indicava omodelo planetário geocêntrico do astrônomo grego Cláudio Ptolomeu (85-165), propostoentre 151-157 d.C., fez com que, presumivelmente, esses estudiosos não se preocupassemem descrever o movimento de um corpo em relação a um outro, também em movimento,isto é, eles não estudaram o movimento relativo. No entanto, com o modelo planetárioheliocêntrico proposto em 1543 pelo astrônomo polonês, o Cônego Nicolau Copérnico(1473-1543), surgiu a necessidade de descrever o movimento de um corpo em relaçãoa uma Terra móvel que, contudo, apresentava uma questão interessante, qual seja, a desaber por que um corpo lançado para cima não cairia a oeste de sua posição inicial, comoafirmavam os aristotélicos? Esta e outras questões sobre o movimento começaram a serrespondidas pelos estudiosos da Renascença [4].

Parece haver sido o artista e inventor italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) um dosprimeiros a fazer experiências sobre o movimento dos corpos e relacioná-los explicitamentecom o tempo. Por exemplo, ao estudar o movimento num plano inclinado, observou queos tempos da queda de um corpo num plano inclinado variam inversamente com os senos de seusângulos de inclinação. Da Vinci também estudou novos tipos de movimento, principalmenteo lançamento oblíquo de projéteis. Ao observar esse tipo de movimento, concluiu que suatrajetória era a de uma curva contínua e não, como acreditavam os artilheiros e pirotécnicosde sua época, uma linha composta de dois segmentos de reta ligados por um arco de círculo.

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Essa afirmação foi também confirmada pelo físico italiano Niccolo Fontana Tartaglia(c. 1500-1557), em 1546.

A questão da descrição do movimento de um projétil em relação a uma Terra (ouum outro corpo qualquer) móvel foi abordada pelo filósofo italiano Giordano Bruno(1548-1600) ao propor a seguinte experiência. Sejam duas pessoas, uma em um navioem movimento uniforme e a outra na margem de um rio. Então, quando estiverem umadefronte da outra, deixam cair uma pedra da mesma altura, em queda livre. Cada pessoa,em particular, verá cair sua pedra ao pé da vertical, numa trajetória retilínea. No entanto, atrajetória descrita pela pedra lançada por uma dessas pessoas, vista pela outra, será umacurva. Experiências desse tipo foram realizadas pelo engenheiro francês Jean Gallé, no marAdriático, por volta de 1625, e pelo físico francês Jean-Baptiste Morin (1583-1656), em1634, no rio Sena [5].

O estudo do movimento de corpos também foi objeto de pesquisa por parte do físico eastrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) entre 1589 e 1592, por ocasião em queera professor da Universidade de Pisa. O resultado dessa pesquisa foi apresentado no livroDialogo supra i due Massimi Sistemi Del Mondo Tolemaico e Copernicano (“Diálogosobre os dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano”) [DiscursoEditorial (2001)], publicado em 1632, no qual Galileu discutiu a queda de um corpoem um navio parado ou em movimento uniforme, bem como o movimento de projéteis e ovoo das aves, em uma Terra móvel. Em toda essa discussão, Galileu usou o que, mais tarde,ficou conhecido como o princípio da relatividade do movimento segundo o qual, um corposob a ação de dois movimentos, descreve um terceiro que é resultante da composição dosdois, isoladamente. Por exemplo, se um corpo é lançado horizontalmente do alto de umatorre, ele descreverá uma parábola (no caso de ser desprezado o ar atmosférico) que resultada composição de um movimento uniforme (horizontal) e de uma queda livre (movimentouniformemente variado).

Esse princípio da independência de movimento de Giordano Bruno-Galileu foi correta-mente utilizado pelo físico francês Pierre Gassendi (1592-1655), em 1641, ao examinar aqueda vertical de um corpo do alto do mastro de uma galera em movimento. Esse princípiohoje conhecido como Princípio da Relatividade de Galileu (PRG) é hoje expresso naforma: x′ = x + Vt, y′ = y, z′ = z, t′ = t, onde x′ é a posição de uma partícula em relaçãoa um objeto fixo O′, e x é a posição dessa mesma partícula em relação a um outro objeto Oque se desloca com uma velocidade constante V em relação a O′ e na direção O′x′ (ou Ox).Usando as expressões acima e lembrando da definição de velocidade (espaço dividido pelotempo), teremos a seguinte expressão: x′/t′ = x/t′(= t) + Vt/t′(= t)→ v′ = v + V,que é a famosa Lei de Composição de Velocidades de Galileu. É oportuno registrar queessa lei foi também encontrada, independentemente, pelos franceses, o físico, matemático efilósofo francês René du Perron Descartes (1595-1650), em 1638, e o matemático GillesPersonne de Roberval (1602-1675), em 1639 [6].

Muito embora Galileu não usasse o PRG na forma analítica como descrita acima,ele o utilizava por intermédio de argumentos lógicos diretos, auxiliados pela Geometria,como se pode ver em seu Dialogo. Foi também dessa maneira que Galileu, ainda nesse

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livro, demonstrou que o PRG levava a um outro resultado importante, qual seja, o de serimpossível determinar se um navio está ancorado ou em movimento retilíneo uniforme,realizando uma experiência mecânica em algum de seus camarotes fechados.

A relação explícita (e correta) entre o movimento dos corpos e o tempo, foi apre-sentada por Galileu em seu livro Discorsi i Demonstrazioni Mathematiche intornoà Due Nuove Scienze Attenenti alla Mecanica e Movimenti Locali (“Discursos eDemonstrações Matemáticas em torno de Duas Novas Ciências”) [Great Books of theWestern World 26 (Encyclopaedia Britannica Inc./Chicago, 1993)], publicado em 1638,no qual há o estudo da resistência dos corpos em equilíbrio (sua Primeira Ciência [7]) eo do movimento dos corpos (sua Segunda Ciência). Assim, ao aplicar o resultado de suaspesquisas sobre os movimentos uniforme e uniformemente variado dos corpos em quedalivre e em planos inclinados, Galileu descobriu as seguintes leis: 1) As velocidades dos corposem queda livre são proporcionais aos tempos gastos na queda; 2) Os espaços percorridos pelos corposem queda livre são proporcionais aos quadrados dos tempos gastos em os descrever [8].

A Segunda Ciência de Galileu – a Mecânica – foi sistematizada pelo físico e matemáticoinglês Sir Isaac Newton (1642-1727), em seu tratado intitulado Philosophiae NaturalisPrincipia Mathematica (“Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”) [Great Booksof the Western World 32 (Encyclopaedia Britannica Inc./Chicago, 1993)], publicado em1687, composto de três Livros. No Livro I, Newton apresentou uma série de definições nasquais são conceituadas a quantidade de matéria (massa), a força inata da matéria (inércia) ea força centrípeta. Logo em seguida à apresentação desses conceitos, Newton apresentou asfamosas definições de espaço (absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisaexterna, permanece sempre similar e imóvel) e de tempo (absoluto, verdadeiro e matemático, porsi mesmo e da sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa eé também chamado de duração). Em seguida, Newton examina a questão relacionada com osmovimentos absoluto e relativo dos corpos, concluindo que o movimento ou o repouso deum corpo é sempre tomado em relação ao espaço imóvel das estrelas fixas, espaço esse maistarde conceituado como referencial inercial (RI). É oportuno destacar que, para Newton, amassa também era absoluta, isto é, não dependia do RI.

Ainda no Livro I dos Principia, Newton enunciou os célebres axiomas ou leis domovimento: 1ª Lei – Lei da Inércia: Todo corpo continua em seu estado de repouso ou demovimento em uma linha reta, a menos que ele seja forçado a mudar aquele estado por forçasimprimidas sobre ele; 2ª Lei – Lei da Força: A mudança de movimento é proporcional à forçamotora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida;3ª Lei – Lei da Ação e Reação: A toda a ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as açõesmútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas.

Depois de apresentar as leis do movimento, Newton começa então a estudar o movi-mento geral dos corpos. Ainda no Livro I, há o tratamento do movimento curvilíneo,com ênfase na questão da força centrípeta, como causa desse tipo de movimento. NoLivro II, Newton discutiu o movimento de corpos em meios resistentes e, por fim, noLivro III, aplicou todos os resultados obtidos anteriormente para demonstrar a estruturado sistema do mundo, por intermédio da Lei da Gravitação Universal : – A gravidade opera

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proporcionalmente à quantidade de matéria e propaga sua virtude para todos os lados a distânciasimensas decrescendo sempre com o inverso do quadrado da distância.

Para o objetivo deste artigo, vamos nos deter um pouco sobre a Segunda Lei de Newton(SLN). Esta lei e mais o PRG nos permitem afirmar que a Mecânica é incapaz de determinara velocidade de um referencial inercial . Vejamos como. Seja o movimento retilíneo de umcorpo (tomado na direção x, sem perda de generalidades) sob a ação de uma força (~F) que,neste caso especial, terá a componente Fx. Desse modo, usando a SLN (em sua notaçãoeuleriana, conforme veremos mais adiante), ou seja: Fx = max = md2x/dt2. Por outrolado, considerando o PRG, visto acima, resultará que: F′x′ = m′d2x′/dt′2 = md2(x +Vt)/dt2 = md2x/dt2 = Fx. Esse resultado significa dizer que a lei da força apresentaa mesma expressão em qualquer RI, quer este esteja parado ou em movimento retilíneouniforme. Este resultado tem hoje o estatuto de um Teorema: – As leis da Mecânica sãoinvariantes por uma transformação de Galileu.

Apesar da sistematização das leis do movimento realizada por Newton, havia umagrande dificuldade com as mesmas, já que elas só se aplicam a corpos que pudessem secomportar como partículas, isto é, pontos geométricos e massivos. Em vista disso, noSéculo 18 foi desenvolvida a Mecânica dos Sólidos, para a qual houve a contribuiçãode vários cientistas [9]. No entanto, para o escopo deste trabalho, vamos considerar asmais fundamentais. As leis gerais da Mecânica dos Sólidos foram formuladas pelo físico ematemático suíço Leonhard Euler, em 1776, com os seguintes enunciados: 1ª Lei – A forçatotal (~F) atuando em um corpo é igual à taxa de variação do momentum linear total (~P = m~v):~F = d~P/dt = md~v/dt = m~a [equação de Newton-Euler (EN-E)]; 2ª Lei – O torquetotal (~N = ~r × ~F) é igual à taxa de variação do momento do momento (momento angular~L =~r× ~P): ~N = d~L/dt [10].

Uma outra contribuição importante para o desenvolvimento da Mecânica dos Sólidos(Mecânica Geral) foi apresentada pelo matemático francês Joseph Louis, Conde deLagrange (1736-1813) em seu livro Mécanique Analytique (“Mecânica Analítica”), pu-blicado em 1788. Nesse livro, há um sumário de todo o trabalho no campo da Mecânica,desde Newton até o instante em que escreveu esse livro. No entanto, nele, Lagrange nãoconsiderou nem as construções geométricas utilizadas por Newton em seu Principia e nem aMecânica de Euler, mas somente operações analíticas e algébricas e dois outros princípios: 1)o variacional da mínima ação [11]; 2) o do trabalho virtual . Além disso, em seu estudo daMecânica Analítica, Lagrange considerou o tempo como uma quarta dimensão [12] e nãocomo um parâmetro, como fizera Euler ao desenvolver a sua Mecânica. Note que essas duasdescrições do movimento são conhecidas, respectivamente, como lagrangeana e euleriana.

Um novo aspecto conceitual da Mecânica foi considerado pelo matemático e físico fran-cês Pierre Simon de Laplace (1749-1827) em sua importante obra intitulada MécaniqueCeleste (“Mecânica Celeste”), composta de cinco volumes, publicado entre 1799 e 1825.Nesse livro, Laplace aplica a Mecânica Analítica ao movimento dos astros no Universo.Contudo, um dos importantes resultados da Mecânica Celeste já havia sido demonstradopor Laplace e Lagrange, em 1786, ao estudarem a excentricidade total das órbitas dosplanetas do sistema solar: a estabilidade.

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3 O Tempo na Termodinâmica

Neste item, abordaremos a questão de reversibilidade ou irreversibilidade do tempo,questão essa que só foi evidenciada por ocasião da Segunda Lei da Termodinâmica, que surgea partir do estudo das máquinas a vapor ou térmicas, e que tem como base a expansãotérmica dos gases [13].

A expansão térmica dos gases já era conhecida no mundo antigo. Porém, sua primeiraaplicação prática deve-se ao físico francês Denis Papin (1647-1712) ao descobrir, em1698, que a água fervida ao ser colocada em um tubo oco faria com que o vapor resultantedeslocasse uma espécie de êmbulo colocado na outra extremidade desse tubo. Nessemesmo ano de 1698, o engenheiro inglês Thomas Savery (c.1650-1715) inventou umdispositivo que produzia vácuo pela condensação do vapor d’água. Assim, quando adaptadoà extremidade de um tubo longo, este poderia aspirar água de qualquer reservatório. Noentanto, essa máquina a vapor apresentava muitas limitações, principalmente quando eramutilizadas altas pressões (acima de 8 a 10 atmosferas).

A máquina a vapor de Savery foi aperfeiçoada pelo engenheiro inglês ThomasNewcomen (1663-1729), em 1705, ao construir cilindros nos quais os êmbulos (pistões) seajustavam. O movimento de vaivém desses pistões devia-se, respectivamente, à expansãoe ao resfriamento do vapor. No entanto, como a água destinada a condensar o vaporesfriava também os pistões, desse modo, grande quantidade de calor era desperdiçada.Para contornar essa dificuldade, o engenheiro escocês James Watt (1736-1819), em 1765,inventou o condensador, separado, para esfriar o vapor sem, contudo, esfriar os pistões.

Sendo a eficiências das máquinas a vapor bastante baixa, cerca de 5% a 7%, o físicofrancês Nicolas Leonard Sadi Carnot (1796-1832) procurou melhorá-la [14]. Assim,em 1824, em seu livro Réflexions sur la Puissance Motrice du Feu et sur les MachinesPropres à Developper cette Puissance (“Reflexões sobre a Potência Motriz do Fogo esobre as Máquinas próprias para Desenvolver essa Potência”), Carnot descreveu umamáquina ideal sem atrito, que realiza um ciclo completo de modo que a substância usada –vapor ou ar atmosférico – é levada de volta ao seu estado inicial. Carnot concluiu seu estudodizendo: – A potência motriz do calor é independente dos agentes empregados para produzi-la esua quantidade só depende das temperaturas inicial e final desses agentes.

A máquina de Carnot foi estudada pelo físico francês Emile Clapeyron (1799-1864), em1834, ocasião em que o ciclo de Carnot foi pela primeira vez representado graficamente [hojeesse gráfico é conhecido como diagrama P-V (pressão-volume)] por duas transformaçõesadiabáticas (quantidade de calor constante) e duas isotérmicas (temperatura constante).Com isso, Clapeyron demonstrou que a produção de trabalho nessa máquina dependiasomente da diferença de temperatura entre os reservatórios térmicos (fontes quente e fria)considerados por Carnot. Em 1848, o físico inglês William Thomson, Lord Kelvin (1824-1907) estudando o ciclo de Carnot-Clapeyron, propôs o conceito de temperatura absoluta(T). Por sua vez, em 1850, o físico alemão Rudolf Emmanuel Clausius (1822-1888)demonstrou que a produção de trabalho nas máquinas térmicas não resultava simplesmentedo deslocamento do calor da fonte quente para a fonte fria e sim, também, por consumode calor. Assim, escreveu que: – É impossível realizar um processo cíclico cujo efeito único

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seja transferir calor de um corpo mais frio para um mais quente. Esta afirmação ficou maistarde conhecida como a Segunda Lei da Termodinâmica. Note que esta lei foi reinterpretadapor Kelvin, em 1851, no trabalho intitulado On the Dynamical Theory of Heat (“Sobrea Teoria Dinâmica do Calor”), por intermédio da tese de irreversibilidade e dissipaçãodo calor.

Ao formular sua lei, Clausius preocupou-se, basicamente, com a direcionalidade dofluxo do calor, isto é, com a tendência do calor fluir de uma fonte quente para uma fontefria. Assim, a partir de 1854, começou a pensar que a transformação de calor em altatemperatura para calor em baixa temperatura deveriam ser equivalentes. Em vista disso,introduziu o conceito de valor de equivalência de uma transformação térmica e que eramedido pela relação entre a quantidade de calor (∆Q) e a temperatura (T) na qual ocorreessa transformação. Por intermédio desse novo conceito físico [o qual denominou deentropia (S) (do grego que significação transformação), em 1865], pôde Clausius fazer adistinção entre processos reversíveis e irreversíveis [15]. Desse modo, considerando umciclo qualquer como uma sucessão de ciclos infinitesimais de Carnot, ainda em 1865, seucélebre Teorema:

∆Q1

T1+

∆Q2

T2+ · · ·+ ∆Qi

Ti+ · · · =

∮δQT

=∮

dS 6 0,

onde o sinal de menor (<) ocorre para as transformações irreversíveis e o sinal de igualdade(=), para as reversíveis [16]. Adotando o termo energia [que havia sido universalizado porKelvin e pelo físico e engenheiro escocês William John Macquorn Rankine (1820-1872)],Clausius resumiu, ainda em 1865, o resultado de suas pesquisas sobre a teoria do calor, nashoje conhecidas: Primeira Lei da Termodinâmica – A energia (E) do Universo é constante;Segunda Lei da Termodinâmica – A entropia (S) do Universo tende para um máximo.

Considerando que o calor tinha uma base mecânica, os físicos passaram então a explicarmecanicamente as grandezas físicas (temperatura T, entropia S e quantidade de calor∆Q) inerentes aos processos caloríficos, bem como distinguindo, também mecanicamente,os processos reversíveis e irreversíveis. Desse modo, institucionalizou-se a disciplinaTermodinâmica. Assim, entre 1868 e 1872, o físico austríaco Ludwig Edward Boltzmann(1844-1906) realizou vários trabalhos usando a visão mecânica do calor. Nesses trabalhos,além de encontrar uma expressão analítica para S, ele definiu, em 1872, a função H(t) =∫∫∫ f (~v, t) log f (~v, t)d3~v, que satisfaz a expressão dH/dt 6 0 – o célebre teorema H– cujo principal resultado é o de que a entropia cresce nos processos irreversíveis. Noteque f (~v, t)d3~v representa o número de moléculas que têm a velocidade (~v) entre ~v e~v + d~v [17].

No entanto, em 1876, o químico austríaco Johann Joseph Loschmidt (1821-1895)criticou os trabalhos de Boltzmann, usando o seguinte argumento (mais tarde denominadoparadoxo da irreversibilidade): – Sendo as leis da Mecânica reversíveis no tempo (ver a SegundaLei de Newton no item 2) elas, portanto, não poderão descrever uma função tipo entropia enem os processos irreversíveis que ela descreve. Para responder a esse argumento, Boltzmannadotou então a interpretação probabilística da entropia, apresentando em 1877, a seguinte

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expressão: S = k`nΩ, onde k foi mais tarde chamada de constante de Boltzmann e Ωé o número de configurações possíveis de um sistema [18]. Essa equação significa que aentropia mede a desordem molecular. A partir daí, a disciplina Termodinâmica deu lugarà Mecânica Estatística e a Segunda Lei da Termodinâmica passou a ser escrita como: –A entropia do Universo cresce, que passou a significar que o tempo é irreversível e que,portanto, não se pode inverter a flecha do tempo [19]. Este resultado traduz o aspecto dotempo termodinâmico.

4 O Tempo na Mecânica Relativística

No item 2, vimos que as leis da Mecânica são invariantes por uma transformação de Galileu(TG), ou seja, uma experiência mecânica é incapaz de determinar se um corpo está emrepouso ou em movimento retilíneo uniforme. Esta afirmação se baseia, como vimos, nofato de que o tempo é absoluto (t = t′). No entanto, quando o físico e matemático escocêsJames Clerk Maxwell (1831-1879) formalizou, em 1873, as leis do eletromagnetismo –por intermédio das famosas equações de Maxwell [20] – a questão que se colocou para osestudiosos dessas equações era a de saber se as mesmas eram invariantes por uma TG.Contudo, observou-se que tal invariância não ocorria, significando dizer que por intermédiode uma experiência eletromagnética (envolvendo luz, por exemplo) era possível determinarse um corpo está em repouso ou em movimento retilíneo uniforme [21]. Ao estudar essaassimetria, o físico germano-norte-mericano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), em1905, formulou dois princípios (ou postulados): 1º Princípio da Relatividade – As leis pelasquais os sistemas físicos experimentam mudanças não são afetadas, se essas mudanças de estadosão referidas a um ou outro de dois sistemas de coordenadas em movimento retilíneo uniforme; 2ºPrincípio da Constância da Velocidade da Luz – Qualquer raio de luz move-se em um sistema“estacionário” de coordenadas com a velocidade determinada c, quer seja o raio emitido por umcorpo estacionário ou em movimento.

Tomando como base esses dois princípios, hoje conhecidos como Princípios daRelatividade Restrita, passou Einstein a determinar as transformações lineares (essa hi-pótese foi admitida em virtude das propriedades de homogeneidade do espaço e dotempo) compatíveis com tais postulados. As transformações que o físico holandês HendrikAntoon Lorentz (1853-1928; PNF, 1902) havia obtido em 1904 [22]. De posse dessastransformações, Einstein prosseguiu examinando o efeito que as mesmas provocam emcorpos rígidos e em relógios em movimento, obtendo os seguintes importantes resultados:Contração do Espaço – L = L0/γ – significando que um bastão rígido de comprimentoL0 quando se desloca com uma velocidade v em relação a um observador em repouso,aparecerá a este ter um comprimento menor L, pois γ > 1; Dilatação do Tempo – τ = γτ0– significando que o intervalo de tempo (τ) entre dois eventos, medidos em uma série derelógios sincronizados e em repouso, é maior do que o intervalo de tempo (τ0 – denominadode tempo próprio), entre esses mesmos eventos e medido por um observador solidário aum relógio que se desloca com velocidade v em relação ao conjunto de relógio sincronizadoreferido anteriormente [23].

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Essa Dilatação do Tempo significa, também, o caráter não absoluto da simultaneidade,ou seja, que dois acontecimentos podem ser simultâneos para um observador, e não serpara um outro que se desloca com uma velocidade v em relação ao primeiro. Essa nãosimultaneidade de eventos ocorre porque a velocidade da luz é finita [24]. Em virtude desseresultado dizemos que o tempo é relativo, uma vez que sua medida depende do laboratórioem que é realizada. Este é, portanto, o aspecto do tempo relativístico, no âmbito da Teoriada Relatividade Restrita (TRR). Por outro lado, no âmbito da Teoria da RelatividadeGeral (TRG), proposta ainda por Einstein ao examinar, em 1916, o movimento relativode referenciais acelerados (não inerciais), a Dilatação do Tempo também aparece. Contudo,não mais como um efeito apenas do movimento relativo de referenciais inerciais, e sim,como um efeito da gravitação, uma vez que τ0 depende, agora, do potencial gravitacional,ou seja: τ = τ0(1 + 2φ/c2)1/2, onde φ é o potencial gravitacional newtoniano [25].

5 O Tempo na Mecânica Quântica

Em 1900, o físico alemão Max Karl Ernest Planck (1858-1947; PNF, 1918) demonstrouque a energia dos osciladores moleculares (de frequência ν), não variava continuamente e,sim, discretamente, como múltiplos da quantidade hν (onde h foi posteriormente chamadode constante de Planck), denominada por ele de quantum de energia. Mais tarde, em 1913,o físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922) formulou omodelo atômico quântico, segundo o qual os elétrons giravam em determinadas órbitascirculares em torno do núcleo atômico, com o módulo do momento angular (L) quantizado(L = nh/2π), bem como as suas energias (E) também quantizadas [E = −(13,6/n2) eV(elétron-Volt), com n = 1, 2, . . . , e o sinal menos (−) indicando que as órbitas são presas(ligadas) ao núcleo]. Esse modelo, no entanto, foi substituído pela Mecânica Quântica,desenvolvida entre 1925 e 1927 [26], cuja formulação motivou uma discussão entre Bohre o físico alemão Werner Karl Hiesenberg (1901-1976; PNF, 1932), qual seja, a de seexplicar (por intermédio de uma experiência de pensamento) as órbitas eletrônicas bohrianasnuma câmara de névoa ou câmara de Wilson [27], usando o formalismo matemático dessaMecânica. Para explicá-las, Heisenberg foi levado, em 1927, à apresentação do famosoPrincípio da Incerteza: – É impossível obter exatamente os valores simultâneos de duas variáveis,a não ser dentro de um limite mínimo de exatidão [28]. Para o caso das variáveis momentolinear (p) e posição (x), esse princípio é traduzido por uma expressão envolvendo oserros (∆) em suas medidas, ou seja: ∆px∆x ≈ h, conhecida como Relação (Princípio) deIncerteza de Heisenberg [RI(P)H], segundo sua proposição inicial.

Essa RIH conduziu a um resultado revolucionário em Física. Vejamos qual. Conformevimos anteriormente, na Mecânica Newtoniana, o movimento de uma partícula é regidopela Segunda Lei de Newton, que é dada por Fx = md2x/dt2 (no movimento unidimensio-nal). Pois bem, para resolvê-la, isto é, calcular a trajetória [x(t)] seguida pela partícula, énecessário conhecer a velocidade v (e, consequentemente, o p, uma vez que p = mv) e xda mesma em um determinado instante (t). Contudo, segundo a RIH, posição e velocidade(ou momento) não podem ser conhecidas simultaneamente, pois sabendo a posição de

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uma partícula com precisão absoluta (∆x = 0), perdemos completamente a informaçãosobre a velocidade da mesma, visto que, segundo a RIH, temos: ∆(mvx)∆x ≈ h, então,para ∆x = 0 teremos ∆vx → ∞. Deste modo, do ponto de vista da Mecânica Quântica,dizemos que a trajetória de uma partícula é indeterminada [29].

Agora, aplicando a RIH ao par de variáveis energia (E) e tempo (t), resultará na relaçãode incerteza [30]: ∆E∆t ≈ h, que permite mostrar ser estacionário o estado de um sistemacom E bem definida, pois, neste caso, tem-se: ∆E = 0 e então ∆t → ∞. Note que essasituação ocorre com as órbitas estacionárias do modelo de Bohr tratado anteriormente. Estaexpressão caracteriza, também, o que denominamos o aspecto do tempo quântico, jáque ela nos permitirá saber se o tempo é discreto ou contínuo. Vejamos de que maneira.A variável energia (E) envolvida na expressão acima é uma grandeza física que variadiscretamente, conforme postulou Planck, em 1900, segundo vimos acima. Mais tarde, em1926, quando o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961; PNF, 1933) propôs suafamosa equação – HΨ = EΨ – para explicar as órbitas estacionárias do elétron no átomode hidrogênio (H), ele demonstrou o aspecto discreto da energia bohriana. É interessantedestacar que como a equação de Schrödinger (ES) é não relativista e não considera o spindo elétron, o físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902-1984; PNF, 1933), em 1928,deduziu uma equação para estudar a dinâmica do elétron – a célebre equação de Dirac (ED)– que é relativista e spinorial; a partir daí surgiu a Mecânica Quântica Relativística ouEletrodinâmica Quântica [31].

O desenvolvimento posterior da Mecânica Quântica mostrou que seu formalismomatemático permite demonstrar a RIH para um dado par de variáveis físicas, desde que sepossa atribuir a cada uma delas um operador, e que não comutem entre si [32]. Contudo,enquanto se pode atribuir à variável E o operador hamiltoniano (H = T + V, sendo T aenergia cinética e V o potencial), até o presente momento não se encontrou um operadorpara t [33]. Por essa razão, sob o aspecto quântico, o tempo é considerado, portanto, umagrandeza que varia continuamente.

Ainda na Mecânica Quântica [Relativística (ED) e Não Relativística (ES)], na MecânicaEstatística Quântica (MEQ) e na Teoria Quântica de Campos (TCQ), é interessantedestacar alguns aspectos do uso do tempo. Quando fazia o doutoramento em Física(concluído em 1942) na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, o físico norte--americano Richard Philips Feynman (1918-1988; PNF, 1965) começou a questionaro determinismo das equações diferenciais ordinárias da Mecânica: Clássica (EN-E),Quântica Não Relativística (ES) e Relativística (ED). Esse determinismo, conformevimos anteriormente, significava dizer que conhecida a posição de uma partícula (p.e.:o elétron) em um dado instante, saberemos o que ela (ele) fez ou fará posteriormente.Pois bem, a partir desse questionamento, Feynman partiu do princípio de que a partículapoderia fazer o que quisesse, podendo, inclusive, voltar no tempo. É oportuno ressaltarque essa possibilidade da inversão temporal , já havia sido usada, em 1934, pelo físico suíçoErnst Carl Gerlach Stückelberg (1905-1984) ao explicar que o pósitron [34] poderia sertratado como um elétron viajando do futuro para o passado. Assim, continuava Feynman,partindo-se do estado de um elétron em certo instante (t0), saberemos calcular um outro

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estado do mesmo em um outro tempo (t), se somarmos as contribuições de todos osinfinitos possíveis históricos do elétron que o levam de um estado a um outro possível. ParaFeynman, o histórico de um elétron era qualquer caminho (trajetória) possível no espaçoe no tempo, podendo inclusive voltar no tempo, conforme havia afirmado antes. Essesinfinitos históricos (por causa da RIH, que não permite que sejam definidas trajetóriaspara partículas) eram representados por figuras, mais tarde conhecidas como diagramas deFeynman, que são calculados por intermédio de uma integral (integral de caminho – pathintegral), e o resultado recebe o nome de propagador de Feynman, segundo sua formulaçãoapresentada em 1948 [35]. Esses propagadores, assim como a inversão temporal , foramutilizados por Feynman, para desenvolver a Teoria dos Pósitrons, em 1949 [36]. Na MEQ,outro aspecto quântico do tempo foi apresentado pelo físico suíço-norte-americano FelixBloch (1905-1983; PNF, 1952), em 1932, ao estudar a dinâmica do ferromagnetismo econsiderar que havia uma correlação entre temperatura (T) e tempo imaginário definidopor: t = −i(h/2kT), onde k é a constante de Boltzmann e i =

√−1. Com essa extensão

analítica do tempo, ele transformou sua equação – equação de Bloch – numa ES [37]. NaTQC, em 1981, o físico-matemático norte-americano Edward Witten (n.1951) introduziua supersimetria na TQC em (0 + 1) dimensões, que ficou conhecida como MecânicaQuântica Supersimétrica (MQS), na qual o tempo é a coordenada e a posição é o própriocampo [38].

Para concluir este item sobre o tempo na Mecânica Quântica, analisemos o seucomportamento no famoso Paradoxo EPR. Quando Schrödinger propôs sua famosa ES,em 1926, segundo registramos acima (HΨ = EΨ), surgiu uma questão intrigante: qualo significado físico da função de onda (Ψ)?. Uma das respostas que tem mais adeptos atéhoje foi apresentada pelo físico alemão Max Born (1882-1970; PNF, 1954), ainda em1926, que a considerou como uma amplitude de probabilidade [39]. A essa interpretaçãosobrepôs-se uma outra relevante questão. Será sempre possível observar uma grandezafísica? A resposta a essa pergunta foi dada por Heisenberg, em 1927, por intermédioda RIH, comentada anteriormente. A partir dela, desenvolveu-se a Mecânica QuânticaProbabilística (Indeterminista) (MQI) – conhecida como Interpretação de Copenhague(IC) – por ser adotada por Bohr que liderava um grupo de pesquisa em Copenhague. Essainterpretação foi questionada por Einstein, no célebre Congresso de Solvay, realizado nacidade de Bruxelas, na Bélgica, em 1927 [40]. Para dar mais consistência ao argumento queEinstein apresentou naquele Congresso (e, posteriormente, no de 1930, ainda em Bruxelas)contra a IC, ele e os físicos, o russo Boris Podolsky (1896-1966) e o norte-americanoNathan Rose (1909-1955) apresentaram, em 1935 [41], o hoje conhecido Paradoxo deEinstein-Podolsky-Rosen ou Paradoxo EPR: – Se, sem perturbar um sistema físico, for possívelpredizer, com certeza (isto é, com a probabilidade igual a um) o valor de uma quantidade física,então existe um elemento da realidade física correspondente a essa quantidade física.

Para chegar a essa afirmação, esses três físicos examinaram a situação de dois sistemas,I e II, que interagem entre t = 0 e t = T, e depois desse intervalo de tempo deixam deinteragir. Supuseram, também, que os estados dos dois sistemas eram conhecidos antes det = 0. Desse modo, com auxílio da MQI, afirmaram que pode ser calculada a Ψ do sistema

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I + II, para qualquer t > T. Os resultados dos cálculos quanto-mecânicos que realizaramcom a Ψ para a situação que haviam considerado [também conhecida como experiênciade pensamento (gedankenexperimente)], podem ser descritos de outra maneira. Vejamosqual. Sejam duas partículas (1, 2) (p.e.: elétrons), com os respectivos, momento linear(~p1, ~p2) e posição (~q1, ~q2), que estão em um estado com momento linear ~P = ~p1 +~p2 eposição relativa ~Q = ~q1 −~q2. Então, elas interagem entre si durante algum tempo, e emseguida deixam de fazê-lo. Assim, conhecidos os valores de ~P e ~Q (que podem ser nulos,bastando para isso considerar que elas estão paradas e juntas), então, medidas simultâneasde ~p1 e ~q2 nos darão, respectivamente, os valores de ~p2, sem perturbar a partícula 2 e de~q1, sem perturbar a partícula 1. Desse modo, afirmaram os três físicos, teremos obtidosimultaneamente os valores de ~p2 e ~q2, da partícula 2, que são elementos da realidade física.Contudo, a MQI proíbe que se conheçam, simultaneamente, momento linear e posiçãode uma partícula. Daí a razão desse artigo ser conhecido como o Paradoxo EPR (P-EPR)[42]. Portanto, segundo o P-EPR, a medição da posição (ou momento linear) de umapartícula poderia ser feita sem perturbar a outra, porque elas estavam separadas no espaço enão interagindo por intermédio de sinais locais (com a velocidade da luz que, no entanto, éfinita) no momento das medições e, portanto, estariam sob uma interação (ação) a distância(p.e.: como na gravitação newtoniana). Portanto, tal interação ocorria em um tempo nulo,uma vez que essas medidas apresentavam resultados simultâneos.

O P-EPR recebeu a imediata contestação de Bohr, primeiro por intermédio de umacarta que escreveu à revista Nature dois meses depois da publicação do artigo EPR, naqual dizia que não concordava com as conclusões desse artigo, prometendo escrever umoutro mais detalhado, o que realmente ocorreu, ainda em 1935 [43]. Com efeito, Bohrusou a MQI e deu uma explicação para o P-EPR dizendo que a medição de um de doisobjetos quânticos (p.e.: elétrons) correlacionados afeta o parceiro correlacionado. Assim,quando um objeto de um par correlacionado sofre uma medida da função de onda Ψ (nalinguagem da MQI, essa medida chama-se de colapso da função de onda [44]) em um estadode momento linear (p.e., ~p1), a função de onda do outro também entra em colapso (noestado de momento linear), ~P−~p1 e nada se pode dizer sobre a posição (~p2) do outro objetocorrelacionado. O mesmo ocorre se for medida a posição (~q1 ou ~q2). Portanto, segundoBohr, o colapso da função de onda do mesmo modo que a correlação (entanglement) sãoobjetos que apresentam uma Inseparabilidade Quântica [45].

6 O Tempo na Cosmologia

Em 1915, Einstein postulou que a presença da energia-matéria no espaço induz nesteuma geometria não euclidiana [46], de modo que a força gravitacional entre os corpos noUniverso é dada pela curvatura do espaço. Esse seu postulado é traduzido pela seguinteequação: Rµν − (1/2)gµνR = Gµν = −kTµν, sendo R = gµνRµν, onde Rµν é o tensorcontraído de Riemann-Christoffel ou tensor de Ricci, Gµν é o tensor de Einstein, gµν(gµν) éo tensor métrico, Tµν é o tensor energia-matéria, e k é a constante de gravitação de Einstein[47]. Ao analisar sua equação, Einstein postulou que a curvatura do espaço deveria ser

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independente do tempo, ou seja, que o Universo deveria ser estático. Contudo, ao procurar,em 1917, as soluções estáticas de sua equação observou que as mesmas eram impossíveis.Então, para contornar essa dificuldade, formulou a hipótese de que as forças entre asgaláxias são independentes de suas massas e variam na razão direta da distância entre elas,isto é, que havia uma repulsão cósmica, além, é claro, da atração gravitacional newtoniana.Matematicamente, essa hipótese significava acrescentar ao primeiro termo de sua equação –o famoso termo cosmológico ou termo de repulsão cósmica: Λgµν, onde Λ é a hoje famosaconstante cosmológica. Desse modo, Einstein demonstrou que o Universo era finito e decurvatura positiva, indicando que sua geometria não euclidiana era esférica. Assim, se umastronauta viajasse através de uma geodésica do mesmo, deveria voltar ao ponto de partida,porém ele nunca atingiria o seu passado. Em virtude disso, esse modelo cosmológico ficouconhecido como Universo Cilíndrico de Einstein.

Ainda 1917, o astrônomo holandês Willem de Sitter (1872-1934) encontrou umaoutra solução estática da equação de Einstein. Com efeito, ao supor que o Universo eravazio, demonstrou que o espaço-tempo era curvo, razão pela qual seu modelo ficouconhecido como Universo Esférico de de Sitter. Por sua vez, em 1922, o matemáticorusso Aleksandr Aleksandrovitch Friedman (1888-1925) formulou a hipótese de que amatéria do Universo se distribuía uniformemente, e, desse modo, encontrou duas soluçõesnão estáticas para a equação de Einstein. Numa delas, o Universo se expandiria com otempo e na outra, se contrairia. Entre 1924 e 1926, o astrônomo norte-americano EdwinPowell Hubble (1889-1953) realizou, no Observatório de Monte Wilson, observações queo levaram a afirmar que o Universo estava em expansão. Em vista disso, em 1927, oastrônomo belga, o Abade Georges-Henri Edouard Lemaître (1894-1966) formulou ummodelo cosmológico segundo o qual o Universo teria começado a partir da explosão deum átomo primordial (ovo cósmico) [48] que conteria toda a matéria do Universo [49]. Em1949, o matemático austro-húngaro Kurt Gödel encontrou uma solução para a equaçãode Einstein na qual o Universo é infinito, sem tempo cosmológico, estático (sem expansão)e giratório. Assim, nesse Universo de Gödel, um foguete pode viajar para qualquer regiãodo passado, presente ou futuro e voltar atrás [50]. Por sua vez, em 1983, os físicos inglesesJames B. Hartle e Stephen William Hawking (n.1942) propuseram uma função de ondaschrödingeriana (ΨU) para descrever o Universo. Para calcular ΨU deveremos resolvera equação de Schrödinger: HUΨU(~r, t) = i(h/2π)∂ΨU(~r, t)/∂t. Portanto, conhecida ahamiltoniana do Universo (HU), a técnica para resolver essa equação é a de usar as integraisde caminho de Feynman (ICF). Contudo, além da dificuldade (que ainda permanece) de sedefinir a HU , há dificuldades técnicas, qual seja, o aparecimento de divergências (valoresinfinitos) quando se resolve a ICF com o tempo real. Para contornar essa dificuldade,Hawking [51] sugeriu que as ICF fossem realizadas em um tempo imaginário. Essaproposta de Hawking ficou conhecida como Gravidade Quântica.

Conforme vimos neste item, o aspecto do tempo cosmológico apresenta três interpre-tações: 1) o tempo começou com o big bang, há cerca de 13 bilhões de anos; 2) o temponão teve começo e nem terá fim, portanto, ele é infinito; 3) o tempo não é real e sim, eleé imaginário.

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7 Conclusão

Depois de analisarmos esses cinco aspectos do conceito de tempo, e verificarmos que éum conceito difícil de entender mesmo para quem teria a obrigação de fazê-lo, ou seja,os físicos, só nós resta elogiar os poetas que, sem terem a necessidade de compreender oconceito físico do tempo, são capazes de senti-los e expressá-los com intuição, como o fez,por exemplo, o poeta português Fernando (António Nogueira) Pessoa (1888-1935) em seupoema intitulado Chuva Oblíqua (∼1913) [52]:

De repente paro...Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo... .

Notas e Referencias Bibliográficas

[1] BASSALO, J. M. F. in: www.searadaciencia.ufc.br/curiosidadesdafisica.

[2] FEYNMAN, R. O. 1999. O que é uma lei física?, Gradiva.

[3] Ver Referência [1].

[4] Ver Referência [1].

[5] KOYRÉ, A. 1985. Estudios Galileanos, Siglo Vientiuno Editora.

[6] COSTABEL, P. 1987. Galileu, Descartes e o Mecanicismo, Gradiva.

[7] CARNEIRO, F. L. L. B. 1983. La Recherche 147, p. 1166.

[8] Ver Referência [1].

[9] Ver Referência [1].

[10] WHITTAKER, E. T. Sir, 1951. A History of Theories of Aether and Electricity: TheClassical Theories, Thomas Nelson and Sons, Ltd.

[11] Esse Princípio havia sido apresentado pela primeira vez pelo matemático francês PierreLouis Moureau de Maupertuis (1698-1759), em 1744 (Ver Referência [1]).

[12] Essa ideia havia sido apresentada pela primeira vez pelo matemático francês Jean le Rondd’Alembert (1717-1783) em seu artigo Dimension na Encyclopédie (1751-1772)

[13] Ver Referência [1].

[14] Existe uma controvérsia histórica sobre o objeto que serviu de estímulo para o estudo deCarnot. Ver, por exemplo: KUHN, T. S. 1955. American Journal of Physics 23, p. 91; TISZA,L. 1966. Generalized Thermodynamics, MIT Press; HARMAN, P. M. 1985. Energy,Force and Matter, Cambridge University Press; Referência [1].

[15] Registre que o engenheiro escocês William John Macquorn Rankine (1820-1872) propôsum conceito similar a esse de Clausius, para o qual denominou de função termodinâmica,porém não o aplicou a processos irreversíveis (HARMAN, op. cit.).

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[16] Para os processos reversíveis, 1/T é o fator integrante de δQ, isto é: δQ/T = dS. No casodas transformações irreversíveis, tem-se: δQ/T > dS. Note que o Teorema de Clausius foigeneralizado pelo físico, matemático e filósofo Jules Henri Poincaré (1854-1912), conformese pode ver em seu livro Thermodinamique, de 1908.

[17] SALINAS, S. R. de A. 1982. Cadernos de História e Filosofia da Ciência 3, p. 28,CLEHC/UNICAMP; HUANG, K. 1963. Statistical Mechanics, John Wiley and Sons,Inc.; KUBO, R. 1971. Statistical Mechanics, North-Holland Publishing Co.

[18] FERMI, E. 1973. Termodinámica, Livraria Almedina.

[19] A expressão flecha do tempo é devida ao astrônomo, físico e matemático inglês Sir ArthurStanley Eddington (1882-1944), apresentada em seu livro The Nature of the PhysicalWorld, de 1928.

[20] Ver Referência [1].

[21] Essa experiência foi realizada, em 1887, pelos norte-americanos, o físico Albert AbrahamMichelson (1852-1931; PNF, 1907) e o químico Edward William Morley (1838-1923).Detalhes na Referência [1].

[22] As transformações de Lorentz são dadas por: x′ = γ(x + Vt), y′ = y, z′ = z,t′ = γ(t + Vx/c2), com γ = [1− (V/c)2]−1/2, onde x′ é a posição de uma partícula emrelação a um objeto fixo O′, e x é a posição dessa mesma partícula em relação a um outroobjeto O que se desloca com uma velocidade constante V em relação a O′ e na direção O′x′

(ou Ox).

[23] Ainda em 1905, Einstein demonstrou a sua famosa relação entre energia (E) e massa inercial(m): E = m0γc2 = mc2. Detalhes em [1].

[24] PATY, M. 1993. Einstein Philosophe, Presses Universitaires de France.

[25] LEITE LOPES, J. 1993. Théorie Relativiste de la Gravitation, Masson.

[26] Ver Referência [1].

[27] Esse dispositivo foi inventado pelo físico escocês Charles Thomson Rees Wilson(1869-1959; PNF, 1927), em 1911, para detectar partículas carregadas eletricamente.

[28] HEISENBERG, W. K. 1949. The Physical Principles of the Quantum Theory, DoverPublications, Inc.; —–. 1971. Physics and Beyond: Encounters and Conversations, Harperand Row, Publishers.

[29] Em 1952, o físico norte-americano David Joseph Bohm (1917-1992) desenvolveu umaformulação determinista para a Mecânica Quântica. Para detalhes, ver: HOLLAND, P. R.1993. The Quantum Theory of Motion: An Account of the de Broglie-Bohm CausalInterpretation of Quantum Mechanics, Cambridge University Press; BASSALO, J. M. F.,ALENCAR, P. T. S., CATTANI, M. S. D. e NASSAR, A. B. 2002. Tópicos da MecânicaQuântica de de Broglie-Bohm, Editora da Universidade Federal do Pará (EdUFPA).

[30] Como ainda não se conseguiu atribuir um operador para o tempo (t), essa relação édenominada de relação de dispersão.

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[31] Ver Referência [1].

[32] Dados dois operadores A e B, eles anticomutam quando: AB 6= BA.

[33] A ideia de que o tempo poderia ser considerado como uma variável dinâmica discreta foidiscutida pelo físico sino-norte-americano Tsung-Dao Lee (n.1926; PNF, 1957), em 1983,tanto na Mecânica Clássica quanto na Mecânica Quântica Não Relativística e Relativística.

[34] O pósitron, uma partícula idêntica ao elétron, porém com a carga positiva, foi prevista pelaED, e foi descoberta em 1932 pelo físico norte-americano Carl David Anderson(1905-1991; PNF, 1936). Ver Referência [1].

[35] FEYNMAN, R. P. and HIBBS, A. R. 1965. Quantum Mechanics and Path Integrals,McGraw-Hill Book Company.

[36] FEYNMAN, R. P. 1962. Quantum Electrodynamics, W. A. Benjamin, Inc.

[37] BASSALO, J. M. F., CATTANI, M. S. D. e NASSAR, A. B. 1999. AspectosContemporâneos da Física, EdUFPA.

[38] WITTEN, E. 1981. Nuclear Physics B188, 9. 513. Para o conceito de supersimetria, ver:DRIGO FILHO, E. 2009. Supersimetria Aplicada à Mecânica Quântica, EdUNESP.

[39] Para outra resposta, ver a nota [29].

[40] Sobre a discussão entre Einstein e Bohr, ver: SCHILP, P. A. (Editor). 1970. AlbertEinstein: Philosopher-Scientist, Open Court.

[41] EINSTEIN, A., PODOLSKY, B. and ROSEN, N. 1935. Physical Review 47, p. 777.

[42] Esse nome foi cunhado por Bohm em seu livro intitulado Quantum Theory (Prentice-Hall,1951).

[43] BOHR, N. 1935. Nature 136, p. 65; Physical Review 48, p. 696.

[44] Segundo a MQI, o resultado da medida de um dado observável (a), representado por umoperador hermitiano A, é um de seus autovalores (a) (sempre real, por causa dahermiticidade de A) correspondente ao autoestado |a〉, definido pela equação de autovalores:A|a〉 = a|a〉, sendo: Σ|a〉〈a| = 1. No entanto, nem sempre o estado |Ψ〉 de um sistemafísico é um autoestado (p.e.: |a〉), relativamente ao observável a). Portanto, como encontrar amedida do observável (a) correspondente ao estado |Ψ〉? A MQI diz que este estado é umasuperposição de |a〉: |Ψ〉 = Σ〈a|Ψ〉|a〉, sendo 〈a|Ψ〉 a amplitude de probabilidade deencontrar o sistema físico considerado em |a〉. Este resultado traduz a conhecida teoria docolapso ou redução da função (pacote) de onda. Note que, quando se realiza uma determinadamedida do observável desejado (p.e.: a), se diz que houve o colapso da função de onda.(DAVYDOV, A. S. 1968. Quantum Mechanics, Pergamon Press).

[45] A Inseparabilidade Quântica (IQ) foi, durante quase trinta anos, apenas objeto deespeculações acadêmicas, até o físico irlandês John S. Bell (1928-1990) demonstrar, em 1964(Physics 1, p. 195), um teorema – a famosa desigualdade de Bell – que permitia testarexperimentalmente a IQ. Registre que, desde 1975, o físico francês Alain Aspect e

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colaboradores vêm realizando experiências sobre a IQ, com resultados favoráveis àInterpretação de Copenhague da MQI. Para uma análise sobre esses resultados, ver:GRIBBIN, J. 1984. À Procura do Gato de Schrödinger, Editorial Presença; HOLLAND,P. R. 1993, The Quantum Theory of Motion: An Account of the de Broglie-BohmCausal Interpretation of Quantum Mechanics, Cambridge University Press;GAMBOA-EASTMAN, S. 1994, Physics Essays 7, p. 3; GOSWAMI, A., GOSWAMI, M.e REED, R. E. 2000, O Universo Autoconsciente, Editora Rosa dos Tempos; AULETTA,G. 2001. Foundations and Interpretation of Quantum Mechanics, World Scientific;Referência [1].

[46] BONOLA, R. 1951. Geometrias no Euclidianas, Espasa-Calpe S. A.

[47] WEINBERG, S. 1972. Gravitation and Cosmology: Principles and Applications of theGeneral Theory of Relativity, John Wiley and Sons.

[48] LEMAÎTRE, G. 1946. L’Hypothèse de l’Atome Primitif, Neuchâtel, Griffon.

[49] A ideia de que o Universo começou com uma grande explosão foi retomada, em 1948, pelosfísicos norte-americanos Ralph Asher Alpher (1921-2007), Hans Albrecht Bethe(1906-2005; PNF, 1967) (de origem alemã) e George Antonovich Gamow (1904-1968) (deorigem russa) que formularam o modelo alfa-beta-gama (αβγ) que previa que a “big explosãolemaîtreana” [denominada, em 1950, de big bang pelo astrofísico inglês Sir Fred Hoyle(1915-2001)] teria deixado um rastro térmico (calculado em torno de 20 K), a chamadaradiação cósmica de fundo de microonda (RCFM), que foi detectada, em 1965, pelosradioastrônomos norte-americanos Arno Allan Penzias (n.1933; PNF, 1978) (de origemalemã) e Robert Woodrow Wilson (n.1936; PNF, 1978) com uma temperaturacorrespondente a (3,5± 1) K. Contudo, esse modelo (teoria) do big bang (MBB ou TBB)apresentava uma série de problemas que, no entanto, entre 1970 até o presente, foram e estãosendo tratados com novos modelos, os chamados modelos cosmológicos inflacionários,baseados na hipótese do big bang (sendo nulo o volume inicial do Universo), e os modelos deuniverso eterno, baseado na hipótese de que houve um instante em que o Universo teve umvolume inicial mínimo, mas não zero, com o intervalo de tempo: [−∞, +∞]. Para maioresdetalhes sobre esses modelos, ver: MARTINS, R. A. 1994, O Universo: Teorias sobre suaOrigem e Evolução, Moderna; GUTH, A. H. 1997, O Universo Inflacionário, Campus;GREENE, B. 2001/2005, O Tecido do Cosmo / O Universo Elegante, Companhia dasLetras; HORVATH, J. E. 2008, Astronomia e Astrofísica, Livraria da Física; CHERMAN,A. e MENDONÇA. B. R. 2009, Por que as coisas caem?, Zahar; NOVELLO, M. 2010,Do Big Bang ao Universo Eterno, Zahar; SHU, W.Y., Julho de 2010,(arXiv:physics.gen-ph/1007.1750v1); Referência [1].

[50] GÖDEL, K. IN : SCHILP, op. cit.

[51] HAWKING, S. W. 1988. Uma Breve História do Tempo, Rocco.

[52] Minha atenção foi voltada a essa estrofe, ao ler o artigo: VIDEIRA, A. L. L. 1977. BuracosNegros e Buracos Brancos, Nota Didática, DFPUC/RJ. Por sua vez, o acesso ao poemacompleto, me foi possível por intermédio de minha mulher Célia Coelho Bassalo, Mestre emTeoria Literária pela UFPA, ao indicar-me o livro: Fernando Pessoa: Obra Poética, JoséAguilar Editora, 1969.

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VTempo e Geologia

Raimundo Netuno Villas¹[email protected]

O tempo perguntou ao tempoquanto tempo o tempo tem;

o tempo respondeu ao tempo que o tempotem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.

(adágio popular)

1 Introdução

O conceito de tempo é uma das mais instigantes questões da Ciência e tem desafiadoo pensamento humano desde os primórdios das civilizações. As incertezas são muitas einevitavelmente adentram o campo filosófico. O tempo sempre existiu? O tempo temfuturo? A relação entre passado e futuro foi sempre a mesma ou, à época da grandeexplosão (Big Bang) que gerou o universo, quando os níveis de energia e temperaturasforam elevadíssimos, ela era fundamentalmente diferente a ponto de o tempo se assemelharmais ao espaço? Se, no campo atômico, parece não haver distinção entre passado e futuro,como este campo pode tornar o tempo do mundo que nos cerca unidirecional?

As indagações ou dilemas são tantos que hoje a Física Moderna questiona o lugar dotempo nas leis fundamentais da Física. Enquanto para Newton, o tempo era absoluto,Einstein o concebia sujeito a deformações, além de poder ser afetado pela massa e energianele contidas, que o faziam fluir mais depressa ou devagar em alguns lugares do que emoutros. Para ele, tempo e distância eram ingredientes essenciais do espaço quadridimensio-nal: “quando” era inseparável de “onde” e simultaneidade não tinha significado absoluto.Ou seja, não existe relação espacial ou temporal absoluta entre dois eventos que ocorremsimultaneamente.

1. Geólogo, Professor da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências.

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Raimundo Netuno Villas

O conhecimento cosmológico tem avançado muito, entretanto o segredo mais profundodo tempo ainda está por ser desvendado e o será na medida em que se venha a conhecer anatureza e estado da matéria mais primitiva, e a própria origem do universo.

2 A Geologia e as Outras Ciências

A Geologia difere das outras ciências principalmente no que concerne ao tempo, que ésua essência. Outras ciências, como a Química e a Física, tratam do Universo basicamentecomo ele é hoje. A Geologia, ao contrário, volta-se eminentemente ao passado. É, portanto,uma ciência histórica que estuda a sucessão de eventos e processos cujos papeis sãodeterminados pela velocidade com que ocorrem. De fato, processos e reações podem ocorrertão vagarosamente a ponto de praticamente serem inobserváveis em laboratório e, nãoobstante, poderem ser materializados na natureza dado suficiente tempo. Um dos desafiosdo geólogo é exatamente determinar se um fenômeno resultou de um processo de grandeintensidade e de curta duração ou, inversamente, de intensidade menor, mas de duraçãomais longa.

Outra grande diferença entre o ponto de vista do geólogo e dos outros cientistas estáno fato de o geólogo precisar comumente lançar mão de meios diversos para decifrar opassado. Assim, ele não só deve explicar situações do presente por meio de fenômenosatuais, como também deve apontar um processo que esteja em andamento ainda queseus diferentes estágios não possam ser desvendados por observação imediata. O geólogoreconstitui o passado usando os dados de que dispõe e, por serem quase sempre incompletos,constroi pontes temporárias para estabelecer elos entre os dados disponíveis e os queestão faltando. Da mesma forma, como os fenômenos geológicos não podem ser testadosexperimentalmente e como, via de regra, o geólogo não pode observá-los diretamente,é necessário que ele recorra a métodos indiretos de análise, pois lida com fatores detempo e escala que transcendem a experiência humana. Em Geologia a escala varia desubmicroscópica à planetária, ou seja, da estrutura dos cristais à estrutura da Terra.

Comparativamente a outras ciências naturais, vários conceitos e teorias da Geologia sãofundamentados em menor quantidade de dados, muitos dos quais fragmentários, e dessaforma é natural que tenham menor confiabilidade e aceitação mais restrita. Muito emboranas últimas décadas tenha havido um grande esforço na busca por mais quantificação, ogeólogo lida mais com dados qualitativos, mas, nem por isso, necessariamente subjetivos.Físicos e químicos trabalham com problemas do presente e com uma escala de tempo queestá intimamente ligada à do observador. Evitam, assim, situações que não podem serreproduzidas nos experimentos. O geólogo não tem como escapar desses problemas e, adespeito da complexidade dos fenômenos geológicos e do registro incompleto da históriaterrestre, tem conseguido estabelecer conceitos que têm se mantido refratários ao tempo eaté mesmo, em alguns casos, comprovados em laboratório. Até recentemente, interessavaapenas à Física e à Química estudar processos e prever os resultados deles decorrentes.Por exemplo, de acordo com a 1a lei da Termodinâmica, basta que se conheça o estadodo sistema e as condições a ele impostas para que se preveja o resultado, não havendo

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V Tempo e Geologia

necessidade de se conhecer a trajetória desde o estado inicial até o estado final do sistema. AGeologia, por seu turno, investiga macroprocessos que são compostos de muitos processosdinâmicos subsidiários, sendo o produto final a soma de microprocessos que operaram emsérie ao longo de uma trajetória particular. Muitas evidências geológicas mostram que duasdiferentes trajetórias podem levar aproximadamente ao mesmo produto final, contrariandoo princípio intuitivo em outras ciências de que cada produto final se forma geralmente demodo único.

Certamente a maior contribuição da Geologia para a ciência e filosofia se deu coma introdução da ideia de história na ciência. Até o século XIX, a ciência se preocupavaprioritariamente com o presente. Somente após terem os geólogos introduzido o conceitode que a Terra tem uma história, é que foi possível desenvolver um conhecimentosistematizado do passado remoto e demonstrar que também era possível estudar o passadopelo método científico. Sequências de eventos, tendências evolutivas, correlação entreeventos simultâneos e velocidade dos processos são os ingredientes do pensamento e teoriageológicos.

Físicos e químicos dedicaram grande parte de suas vidas pesquisando partículas infinite-simalmente pequenas. Hoje muitos deles concentram seus esforços investigativos mais notodo do que nas partes menores e, dessa forma, se aproximam bem mais da maneira depensar dos filósofos, historiadores, geólogos e biólogos.

3 O Princípio do Uniformitarianismo

Na Idade Média era crença comum entre os intelectuais cristãos que a formação da Terrase deu não muito tempo atrás (cerca de 6.000 anos) e que seu fim não estaria tão distante.Em tão curta história, as feições esculpidas na superfície terrestre, em particular aquelas dedimensões regionais ou continentais, teriam de ser necessariamente resultado de eventoscatastróficos. Nos meados do século XVIII, o racionalismo já permeava o espírito científicoe já não era concebível que as leis naturais fossem dominadas por ideias catastróficas. Em1782, o físico escocês James Hutton reconheceu nas rochas evidências de processos quehoje atuam na superfície terrestre e vaticinou que, dado suficiente tempo, eles produziriam,operando nas mesmas taxas atuais, não só as feições das rochas, mas também suas relaçõesmútuas e configurações espaciais. Ao contrário dos catastrofistas, Hutton concebia asuperfície da Terra em contínua mudança que era causada por forças internas, cujas tensões,ao longo do tempo, elevavam massas rochosas desde o fundo oceânico, onde se formaram,enquanto outras, em algum lugar, eram denudadas pela erosão. Em outras palavras, asuperfície terrestre era destruída em uma parte, porém reconstruída em outra.

O mote de Hutton de que “o presente é a chave do passado” – o princípio do unifor-mitarianismo – implica que os processos que operaram na formação de rochas antigassão os mesmos dos que hoje assistimos. Um arenito com dadas características pode serinterpretado como uma praia antiga e um basalto poroso como um derrame de lava deépocas atrás. Não se pense, contudo, que este princípio seja uma panaceia. A formação dosmagmas, a intrusão de corpos plutônicos, a edificação de montanhas são processos queoperam hoje a grandes profundidades sem que possam ser, contudo, observados.

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Apesar de universalmente adotado, o termo uniformitarianismo, que foi cunhado porCharles Lyell em 1830, não traduz fielmente o que consta nos escritos de Hutton, poisnada neles há que sugira que as velocidades dos processos naturais tenham sido uniformesao longo do tempo ou que a uniformidade seja uma característica dos fenômenos geológicosem geral. A essência da tese de Hutton está na sucessão de eventos e mudanças (evolução)controlada por processos naturais observáveis.

Desde que foi enunciado, o uniformitarianismo pautou-se pela simplicidade, mascom o tempo tornou-se mais sofisticado ao agregar qualificações. Eventos catastróficoscomo terremotos, deslizamentos de terra e erupções vulcânicas não constituíam problemas,pois são ocorrências hodiernas. Contudo, tornou-se evidente que, embora os processosgeológicos tenham atuado do mesmo modo ao longo do tempo, eles não ocorreram com amesma intensidade. Glaciação, que tomou conta de grande parte da superfície terrestre emalgum tempo, foi pouco expressiva ou ausente em grandes intervalos de tempo da históriageológica. É também muito provável que a erosão tenha sido muito mais rápida antes quea cobertura vegetal aparecesse e protegesse a superfície terrestre – o que foi um eventogeológico relativamente tardio.

4 O Tempo Geológico

A passagem do tempo, ao contrário de seu conceito, é uma experiência familiar. O Homempercebe que tudo passa inexoravelmente e que o tempo tem uma direção. Basta olhar parasi mesmo e para o meio físico em seu redor. Tudo muda de um estado de ordem paraum de desordem, em consonância com a 2a lei da Termodinâmica, e é por isso que nossapercepção subjetiva do tempo está intimamente ligada à tendência de tudo evoluir paraum estado caótico de qualidade inferior. Tudo se deteriora. É o caso, por exemplo, daerosão que arrasa montanhas num processo lento, imperceptível e irreversível durante umtempo demasiadamente longo para o padrão humano. Este é o tempo geológico, o tempocronológico dos eventos que tem por base a recorrência dos movimentos naturais.

A importância do conceito de tempo geológico é, talvez, comparável com a compreensãoque os astrônomos têm da vastidão do espaço e com a relação entre matéria e energia daFísica Moderna. Foi esse conceito que permitiu a Darwin elaborar a teoria da evolução combases científicas. Sem que o princípio do uniformitarianismo, do qual o tempo geológicoé parte intrínsica, tivesse sido firmemente estabelecido, a história da vida no passadopoderia ter sido interpretada de mil maneiras, valendo-se de condições físicas inteiramentediferentes das que se manifestam no presente. Por seu turno, o trabalho de Darwin permitiuque os geólogos se dessem conta não só das implicações do tempo no registro fóssil comotambém da duração do tempo geológico.

A paisagem da superfície terrestre tem mudado continuamente. Continentes unem-se eseparam-se, oceanos abrem-se e fecham-se, massas continentais emergem e imergem, omar transgride e regride numa dinâmica que remonta ao início da formação da Terra. Delá para cá são aproximadamente 4,5-5,0 bilhões de anos de história que cabe ao geólogodecifrar, levando em conta que há ciclos de duração extremamente longa, medidos em

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dezenas de milhões a bilhões de anos (p. ex., formação de montanhas, deriva continental),de duração longa, medidos em dezenas/centenas de milhares a alguns milhões de anos (p.ex., glaciações, evolução das espécies, inversão do campo magnético terrestre), de duraçãomédia, medidos em séculos a poucos milhares de anos (p. ex., variações climáticas globais eda linha de costa, assoreamento de lagos), de duração curta, medidos em vários anos oudécadas (p. ex., variações climáticas sanzonais, formação do húmus no solo, ação antrópicano meio ambiente), de duração muito curta, medidos de frações de dias a semanas (p. ex.,ciclo das marés, escorregamentos, erupções vulcânicas), e de duração curtíssima, medidosde segundos a horas (p. ex., terremotos, tsunamis, furacões, impacto de meteorito).

O estudo geológico de uma área ou região requer que se estabeleçam relações tempo-rais entre as rochas, estruturas e outras feições nela presentes, de modo que o geólogotem de lidar continuamente com problemas de cronologia, os quais pressupõem algunsrequisitos básicos:

1. evidência material de uma sequência de eventos (p. ex. pacote estratificado de rochassedimentares; anéis de crescimento de um tronco de árvore petrificado);

2. evidência de uma única ordem de eventos no tempo (p. ex. os estratos mais inferioressão mais antigos que os superiores; os anéis no tronco petrificado são sucessivamentemais jovens do centro para a borda);

3. a influência do tempo, nos fenômenos registrados, deve ser distinguida da de outrosfatores, particularmente o espaço;

4. na construção de uma cronologia regional, deve estar impresso nos registros locaisindependentes a serem correlacionados um evento comum, representado, por exemplo,por uma camada de cinzas vulcânicas ou por uma fauna fóssil única; e

5. conhecimento da velocidade de alguns processos cujos efeitos ficaram impressosno registro geológico para que se possa estabelecer um intervalo de tempo a umasequência de eventos ou datar qualquer evento.

As determinações temporais são de dois tipos: datação relativa, que meramente ordenaos eventos dos mais antigos aos mais recentes, e datação finita ou absoluta, que é a medidado tempo que o evento realmente durou.

5 O Tempo Relativo

As rochas registram os resultados finais de vários e complicados eventos. Cumpre ao geólogoreconhecer períodos de deposição e erosão, atividade ígnea, metamorfismo, deformação emineralização, e de colocá-los em sequência lógica, o que o faz lidar continuamente comproblemas de cronologia.

As leis da horizontalidade original e da superposição, estabelecidas pelo físico NicholasSteno há mais de 300 anos, são fundamentais na interpretação das rochas sedimentaresou vulcânicas que foram formadas na superfície terrestre. Admite-se, assim, que a atitudedaquelas rochas foi, quando da sua decomposição, próxima à horizontal e que a sequênciavertical ascendente foi dos estratos mais antigos para os mais jovens. Estes princípios são a

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base da estratigrafia, que é a parte da Geologia que estuda o empilhamento das rochas e asequência de eventos nelas registrados. Dobramento e falhamento, que podem modificara ordem normal das camadas ou mesmo inverter completamente suas posições originais,devem ser posteriores à formação das camadas por eles afetadas. Falhas devem ser maisjovens que as camadas que elas deslocaram e mais antigas que as camadas sobrejacentes nãoafetadas por elas. Discordâncias marcam períodos de erosão entre rochas mais antigas emais jovens. Na superfície, alguns terraços e outras feições topográficas podem ser usadospara ordenar no tempo eventos geológicos mais recentes.

Usando-se essas relações, pode-se estabelecer a sequência de eventos ocorridos em umadada área, conforme exemplificado na figura 1.

Fig. 1 Seção esquemática mostrando relações geológicas usadas em datação relativa (ver texto).Fonte: Mears Jr. (1970).

Evento 1 (mais antigo) – formação das rochas sedimentares precursoras dos mármores,quartzitos e xistos (a)

Evento 2 metamorfismo e deformação das rochas que deram origem aos mármores,quartzitos e xistos

Evento 3 intrusão do granito (b)Evento 4 superfície de erosão = discordância (v) sobre as rochas metamórficas e granitoEvento 5 deposição de rochas sedimentares (c): conglomerado (base)→ arenito→

folhelho→ calcário (topo)Evento 6 dobramento do pacote sedimentar (c) e das rochas subjacentesEvento 7 falha de empurrão (l)Evento 8 superfície de erosão = discordância (w)Evento 9 deposição de rochas sedimentares (d): conglomerado (base)→ arenito→

folhelho (topo)

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Evento 10 intrusão de diorito (e) na forma de dique e soleiraEvento 11 superfície de erosão = discordância (x) e formação de extenso vale (y)Evento 12 ascensão e derrame de lavas basálticas (f) que preencheram o vale yEvento 13 falha normal (m) que elevou terrenos à direita e rebaixou terrenos à esquerdaEvento 14 (mais recente) – atual superfície de erosão com desenvolvimento de vale

profundo (z) por ação fluvial

Essa história, válida para uma área local, necessita de outras informações para que possaser enquadrada em padrões mais regionais tendo em perspectiva o tempo geológico. Éque o registro das rochas não fornece a duração em anos da deposição de uma camadae as relações estratigráficas sozinhas são insuficientes para determinar a idade relativaentre camadas muito distantes umas das outras. Dentre aquelas informações, são de sumaimportância aquelas advindas dos fósseis, que são vestígios ou restos de seres vivos, istoé, evidência de vida pretérita. Eles são marcadores do tempo que podem ser usados paradeterminar a ordem temporal e, de maior relevância, datar intervalos de tempo particularesdurante, sobretudo, os últimos 600 milhões de anos da história da Terra.

A datação por fósseis é possível porque animais e plantas têm se modificado gradu-almente com o tempo, e cada período de tempo é caracterizado por grupos distintos defósseis. Foi isto que permitiu a formulação da lei da sucessão faunal ou floral, a qual, juntocom a lei da superposição, constitui a base da datação paleontológica, que é consubstanciadapelo fato de faunas e floras de um dado tempo nunca terem ocorrido em nenhum outrotempo geológico, e faunas e floras comparáveis terem existido em todos os continentes.Independentemente de onde ocorram, duas camadas, desde que contenham o mesmoconteúdo fóssil, são temporalmente correlacionáveis.

6 O Tempo Absoluto

Desde há muito se tentam estabelecer relações temporais absolutas na Geologia. Para oarcebispo irlandês Ussher, que viveu no século XVII, a Terra teria sido criada em 4004 A.C.,o que foi por ele estimado com base no Livro da Gênese. Sem dúvida, uma determinaçãode cunho teológico e, portanto, anticientífica. No final do século XIX, chegou-se à idade de100 milhões de anos para a Terra, usando-se como critério de cálculo a salinidade da águado mar. Por hipótese, a água original dos oceanos era doce, vindo a se tornar cada vez maissalgada à medida que as rochas dos continentes (fonte dos sais) eram decompostas e erodidaspela ação dos rios, e o ciclo hidrológico se encarregava, pela evaporação, de aumentar aconcentração dos solutos nas águas oceânicas. Bastava, então, estimar a quantidade total desais dos oceanos e a trazida anualmente pelos rios para se chegar àquele resultado. Aindano século XIX, pouco antes de 1900, o físico inglês Lord Kelvin apresentou cálculos queconferiam à Terra idade entre 20 e 40 milhões de anos. Ele apoiou-se no pressuposto de quea Terra era, no início, totalmente fundida e que se resfriou progressivamente até o estadoatual sem qualquer aporte adicional de calor, exceto o provido pelo sol. Com base nas leisde transferência de calor, ele calculou a taxa de resfriamento e, com base nela, determinouo tempo necessário para a Terra atingir sua temperatura atual. Suas premissas foram logo

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invalidadas com a descoberta da radioatividade, fenômeno que adiciona calor à Terra peladesintegração de elementos radioativos contidos em minerais do manto e da crosta.

Métodos Radiométricos

Foi Rutherford que, em 1905, demonstrou a relação entre radioatividade e a desintegraçãoatômica, e percebeu, de imediato, estar diante de um potencial cronômetro geológico.Houve, de início, grande desconfiança da maioria dos geólogos, mas, por volta de 1950, asidades radiométricas passaram a ser aceitas como o mais importante parâmetro na escala dotempo geológico.

A datação radiométrica em Geologia consiste na determinação do tempo t desde omomento que um isótopo radioativo foi incorporado a um cristal ou rocha, o que pode serexpresso pela equação

t = (1/λ) ln No/Nt (1)

em que λ é a taxa de decaimento, No é o número inicial de átomos de um dado elementoradioativo e Nt o número de átomos deste elemento que não se desintegrou durante o tempot. A taxa de decaimento é relacionada à meia-vida T pela expressão T = (1/λ) ln 2 =0,69325/λ. Como os espectrômetros de massa permitem a determinação das proporçõesdos átomos-pai (P) e átomos-filho (F), a equação 1 torna-se

t = (1/λ) ln(1 + F/P) (2)

em que t é a idade radiométrica, em anos, de um evento registrado na rocha (p. ex., acristalização do mineral zircão em um granito). Lembrar que No = P + F e Nt = P.

São vários os métodos usados na datação geocronológica: 238U-206Pb, 235U-207Pb,232Th-208Pb, 147Sm-143Nd, 87Rb-87Sr, 40K-40Ar, 40Ar-39Ar, 187Re-187Os, 14C. Nadatação de rochas mais antigas, como as que foram formadas no Pré-cambriano (> 543milhões de anos) são empregados isótopos com meia-vida longa (p.ex., U, Th, Rb, K, Sm)para os quais ela varia de 0,704 (235U) a 48,8 (87Rb) bilhões de anos. Materiais e eventosgeológicos mais jovens (até 70.000 anos) são normalmente datados pelo método 14C, cujameia-vida é de 5.730 anos.

A maioria daqueles elementos ocorre como impurezas nos minerais que formam asrochas. O elemento radiogênico se acumula, então, no mesmo retículo cristalino em queo elemento-pai está sitiado, permitindo determinar a idade da rocha, conquanto que osminerais tenham permanecido como um sistema fechado desde sua formação. O zircão(ZrSiO4), por exemplo, é um mineral que se mantém essencialmente “fechado”, mesmoque a rocha tenha experimentado vários eventos após sua cristalização original.

7 A Idade da Terra

A idade da Terra foi determinada com precisão, pela primeira vez, em 1956, pelo geocro-nólogo Claire Patterson, tendo sido utilizado o método 207Pb-206Pb, que é uma variantedo método U-Pb. Ele partiu do pressuposto de que a Terra e os meteoritos nela caídosforam formados à mesma época (juntos com o resto do sistema solar), e experimentado

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a mesma evolução isotópica. Se os meteoritos tivessem se comportado isotopicamentecomo um sistema fechado, bastaria analisá-los para que a idade da Terra fosse determinada.Foram então analisados meteoritos dos tipos siderito e silicático, e obtida a idade de 4,55 ±0,07 bilhões de anos, a qual foi confirmada, posteriormente, com base em outros métodosgeocronológicos e material sideral.

8 Escala do Tempo Geológico

Estudos estratigráficos e paleontológicos permitiram dividir a história da Terra em eons(unidades maiores), eras, períodos, épocas e estágios (unidades menores), que foram maisbem definidos e estendidos ao Pré-cambriano com o advento dos métodos geocronológicos.A figura 2 apresenta a escala do tempo geológico, na qual estão assinaladas as idadesque marcam a separação das principais unidades temporais. E, para que se compreendamelhor o significado dos 4,56 bilhões de anos do tempo geológico, costuma-se contar a

Fig. 2 A escala do tempo geológico. Fonte: Press et al. (2006)

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história da Terra comprimindo-a em um único ano. Nesta escala, as rochas mais antigasconhecidas datam dos meados de março e os primeiros seres vivos marinhos aparecem emmaio. As plantas e os animais terrestres surgem ao final de novembro e os pântanos quederam origem aos grandes depósitos de carvão do Pennsylvaniano se desenvolvem nosquatro primeiros dias de dezembro. Os dinossauros tornam-se dominantes nos meadosde dezembro, porém desaparecem no dia 26, aproximadamente ao mesmo tempo em queas Montanhas Rochosas começaram a se soerguer. Os hominídeos aparecem em algummomento da noite do dia 31 de dezembro, e as geleiras continentais que cobriam a regiãodos Grandes Lagos e o norte da Europa começam a recuar cerca de 1 minuto e 15 segundosantes da meia-noite de 31 de dezembro. O Império Romano domina o mundo ocidentalpor apenas 5 segundos, de 11 h 59’ 45” a 11h 59’ 50”. Colombo descobre a América 3segundos antes da meia-noite e a Geologia nasce como ciência com os escritos de JamesHutton um pouco mais de um segundo antes do final deste Ano-Terra.

Referências Bibliográficas

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VITempo, Espaço e Modernidade na

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José Jerônimo de Alencar Alves¹[email protected]

1 Introdução

A ascensão da modernidade foi marcada pela Segunda Revolução Industrial, desencadeadaem torno de 1870, também denominada Revolução Científico-Tecnológica. A entrada datecnologia na produção industrial europeia, impregnando a sociedade com novos produtosmodificou completamente o hábito e o costume, assim como, a noção de espaço e tempodos envolvidos nessa experiência. O “tempo diurno” se dilatou com difusão da lâmpadaelétrica. O espaço se “contraiu”, ou melhor, pareceu se encurtar com a chegada dos trens,bondes e barcos a vapor, pois estes diminuíram o tempo de contacto entre as localidades.O telégrafo, rádio, cinema e fotografia contribuíam para essa “contração do espaço”, pois,por estas inovações, os habitantes de outros continentes, em segundos, estavam presentes,através de suas falas e suas imagens.

Algumas inovações tinham surgido antes, como os trens e os jornais, mas foi nessemomento, que elas se disseminaram. Nas duas últimas décadas do século, por ano,as ferrovias transportavam mais de dois bilhões de europeus e os jornais britânicos efranceses superavam a cifra de um milhão de exemplares (Hobsbawn, 1988, p. 48 e p. 82)“Estimuladas, sobretudo por um novo dinamismo no contexto da economia internacional,essas mudanças irão afetar, desde a ordem e as hierarquias sociais, até as noções de tempoespaço das pessoas” (Sevcenko,1998, p. 7)

1. Historiador da Ciência, Professor do IENCI-UFPA e Membro da Academia Paraense de Ciências.

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O tempo para os modernos é experimentado de modo bem diferente do que é experi-mentado pelos portadores da tradição. Uma nova percepção, uma diferente organizaçãoou uma aceleração do tempo passou a ser experimentada pelos participantes do novomundo (Harvey, 1992, p. 188). De qualquer modo, o tempo é sempre considerado umcapítulo central para entender a modernidade. Na expressão de Latour (1994, p. 15): “Amodernidade tem tantos sentidos quantos forem os pensadores e os jornalistas. Aindaassim, todas as definições, de uma forma ou de outra, apontam para a passagem do tempo”.

Em comparação com o ritmo do mundo tradicional, o dos modernos é bem diferente.Neste, as pessoas estão sempre apressadas para resolver tarefas que parecem não ter fim.Essas tarefas são determinadas pelas exigências das empresas, dos programas culturais, doscursos de formação profissional e das atividades para diminuir a tensão e outros malescausados pelo descompasso entre o ritmo da modernidade e o biológico. “A urgênciatransformou-se em ideologia” (Chesneaux, 1996, p. 24).

O lazer, a medicina, a educação se transformaram em atividade de compra e venda. Essaatividade comanda o tempo de todos os participantes do mundo moderno, cujo movimentoé determinado pelas ações destinadas à produção de mercadorias e à aquisição de recursospara seu consumo. O dito popular, tempo é dinheiro, é bem significativo do empenho dosmodernos em se mover continuamente no sentido de adquirir recursos para o consumoincessante de mercadorias tornadas fetiches.

Os arautos da modernidade alardeavam que a máquina, aperfeiçoada pela tecnologia,intensificaria a produção industrial, propiciando, por um lado, a diminuição do ritmo detrabalho pela substituição da mão de obra exaustiva, por outro lado, o atendimento dasnecessidades humanas, em escala mais ampla. (Touraine, 1955, p. 9). As máquinas, pelomenos em parte, substituíram a mão de obra e aumentaram a produção de mercadorias;mas isso não quer dizer que tenham beneficiado e satisfeito as necessidades de todos.

As máquinas substituíram a mão de obra, mas, o que ocorreu não foi a diminuiçãodo ritmo de trabalho e sim a criação de um exército de desempregados. Para os que nãoforam substituídos pela máquina, no início da modernidade a jornada de trabalho atéaumentou. Chegou a 16 horas diárias superando a jornada de 10 horas da Idade Média.Embora, posteriormente, ela tenha sido reduzida para 8 horas diárias, em função das lutasoperárias, seu ritmo continuou intenso. (Ortiz, 1991, p. 155). Como este ritmo não levaem consideração a exigência do organismo, “a medicina do trabalho enfrenta novas doençaspsicossomáticas que fazem parte do stress da modernidade” (Chesneaux, 1996, p. 26).

Os trabalhadores têm que se submeter ao ritmo acelerado de trabalho, pela ameaça deserem substituídos pelo exército de desempregados. Este exército cresceu com o avançodas máquinas e o imperativo da acumulação de capital. A condição de desempregado,entretanto, não significa a permanência da ociosidade, pois necessitam realizar estágios,cursos, concursos e outras atividades para enfrentar a competição por emprego na economiamoderna. Um ritmo incessante é exigido para não ficar em descompasso com tempo domundo moderno e, portanto, à sua margem.

A intensa produção de mercadorias passou a atender a necessidade de maior número deconsumidores. Entretanto, sempre crescente, essa produção, para ser consumida precisa criar

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VI Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica

novas necessidades. Para isso, avançou a propaganda voltada para a criação de necessidadesfactícias (Ortiz, 1991, p. 157). Os alvos dessa propaganda, bombardeados pela velocidadedos meios de comunicação, são convencidos que, para “ser feliz”, necessitam adquirir osúltimos produtos que são lançados no mercado. Em consequência, intensificam as atividadesvoltadas para a obtenção de recursos econômicos necessários ao consumo de mercadorias,que logo serão descartadas e substituídas por novas mercadorias, pois “a instabilidade nasociedade moderna tornou-se um verdadeiro imperativo moral” (Chesneaux, 1996, p. 24).A conhecida frase de Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar” é bem significativa dessainstabilidade (Berman, 1987, p. 15).

O espaço também foi redefinido no mundo moderno. As fábricas, os shoppings, as ruasladeadas por prédios e edifícios de concreto compõem um espaço bem diferenciado daqueleem que a igreja, o castelo, a senzala ou a aldeia ocupavam o centro do cenário. As ruasasfaltadas entre prédios de concreto e iluminadas pela eletricidade são bem diferentes dasque eram iluminadas a lampião e das estradas através dos campos sob a visibilidade do céu(Axelos, 1964, p. 211).

Os veículos automotores, às vezes supersônicos, modificaram não só o movimento dosmodernos, mas o seu espaço de circulação. Este se modificou, pois oceanos e desertospassaram ser cruzados com rapidez dando uma sensação de contração do espaço. Como advento da “navegação virtual” essa sensação aumentou mais ainda. Diante da tela o“navegador” em segundos percorre os mais distantes recantos do mundo, embora, muitasvezes, sem o menor conhecimento do que se passa na vizinhança. O espaço que percebe ébem diferente do que era percebido pelos portadores da tradição.

O espaço dos modernos foi construído tendo em contrapartida a desvalorização doscomponentes da sociedade tradicional identificados pejorativamente como primitivos,atrasados ou selvagens. Nas cidades antigas as ruas seguiam o curso determinado pelatopografia do terreno e as edificações procuravam se adequar a essas “correntes naturais”,sendo o traçado urbano ditado pela “natureza” (Hénard, apend Ortiz, 1991, p. 206). Nasociedade moderna as “correntes naturais” são eliminadas sempre que representam umobstáculo para o traçado urbano. Os rios passaram a ser aterrados, as florestas destruídas,a circulação de ar obstruída para ampliar a soberania espacial do asfalto, do concreto, doautomóvel e do ar refrigerado. Os componentes do meio ambiente natural são valorizadoapenas quando transformados em paisagismo e confinados em espaços bem delimitadospelos contornos das praças, hortos e pela arborização domesticada das avenidas. No mundomoderno, os componentes do meio ambiente natural passaram a ser vistos mais como algoa eliminar do que a incorporar.

A modernidade surgiu na Europa e se difundiu pelo mundo, até os dias de hoje. Assim,os elementos originados em uma cultura passaram a se introduzir em outras culturas.Isto não quer dizer que os elementos da cultura moderna sejam assimilados de modoinalterado. Eles são modificados ao interagir com os novos contextos culturais, de modoque a modernidade adquire certas especificidades em cada contexto em que se inscreve.

Na Amazônia, o período que se estende entre o fim do século XIX e o principio do sé-culo XX pode ser considerado um marco na instituição da modernidade. Pois, neste período,

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a recepção do estilo moderno de viver, foi tão intensa, que ele recebeu uma denominaçãoparticular: Belle-Époque Amazônica. Essas transformações nos hábitos e costumes dosmoradores da região tem sido alvo da reflexão dos historiadores, como Daou (2000), Sarges(2000) e Dias (2007). Eles apontaram que mudanças na percepção do espaço e do tempoentão se verificaram, embora não tenham se dedicado mais especificamente a esta temática.

O objetivo da presente análise é refletir sobre a transformação na percepção do tempoe do espaço pelos habitantes da região Amazônia, com o advento da modernidade, noperíodo Belle-Époque, principalmente sobre as características que essa nova experiênciaadquiriu no contacto com a cultura local.

2 Belle Époque Amazônica

O período da Belle-Époque na Amazônia, que se estende do fim do século XIX até oinicio do século XX, é marcado pela entrada acelerada da modernidade na região. Paraisso dois acontecimentos foram fundamentais: a abertura dos rios à navegação estrangeirae a chegada do barco a vapor. O primeiro permitiu estreitar o contacto com os países daEuropa, que antes era quase restrito a Portugal. O segundo acelerou esse contacto, pois,em 1867 foi decretada a abertura dos rios da região à navegação estrangeira, que passou aser invadida pelos navios de diversas localidades. Se, o contacto com a Europa, antes, eradominado pela presença de Portugal, depois desse decreto ampliava-se para Lisboa, Havre,Liverpool e Nova York, entre outras (Daou, 2000, p. 29). Ampliava-se também o contactocom as cidades costeiras do Brasil, tal como o Rio de Janeiro, que era a capital e a maismoderna cidade do país.

Assim, a modernidade, com a nova experiência de tempo e espaço que acarreta, vinhaa vapor e por via marítima. Em primeiro lugar, porque, para chegar aqui, os elementosda modernidade tinham que atravessar o Oceano Atlântico. Em segundo lugar, porque, agenerosa malha fluvial da região era mais favorável ao transporte marítimo do o que aoterrestre. Os barcos a vapor, ultrapassando a velocidade dos que eram movidos a remo e avela, aceleraram os transporte dos habitantes da região, antes mesmo dos trens e outrostransportes terrestres que marcaram a experiência da modernidade europeia, desde o início.A ferrovia Madeira Mamoré começou a ser construída na década de 1870. Marcada peloinfortúnio e pela morte de muitos trabalhadores, ela só foi inaugurada no declínio daBelle-Época (Hardman, 1952).

Os novos transportes modificaram o ritmo de vida da população amazônica, não apenasporque através deles ultrapassaram as velocidades anteriores, mas, também, pela intensidadecom que traziam produtos materiais e ideológicos provenientes dos países da Europa, querepresentavam a dianteira da modernidade, como a Inglaterra, França e Alemanha. Essesprodutos materiais e ideológicos vinham com os europeus e também com brasileiros queprecisavam de menos tempo para atravessar o Oceano Atlântico no movimento de ir evir. Esses produtos vinham, também, através do Rio de Janeiro, que, no Brasil, estava nadianteira do processo de modernização e se constituía um centro difusor, deste processo,para outras cidades.

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As correntes de pensamento que chegavam, passavam a se propagar, por via oral eescrita, primeiramente, entre as elites, que a seguir as traduziam, conforme seus interesses,para as camadas populares. O Positivismo e o Darwinismo Social eram assimilados porilustrados, como Lauro Sodré que foi governador do Pará (Alves, 2005, p. 61-78). Astécnicas de navegação aérea eram assimiladas e reelaboradas por Julio César, que a partirda década de 1880, não media esforços, na tentativa de colocar em circulação, de modoinédito, uma aeronave dirigível (Crispino, 2005).

Essas e outras correntes de pensamento propagavam a ideia de progresso pela qual ahumanidade avançava à medida que substituísse os costumes e saberes tradicionais, pelosmodernos, também identificados como civilizados. Este seria o caminho único a ser trilhadopor todos os povos. Para isso o esforço devia ser permanente, pois a civilização não seconstituiria uma dádiva e sim uma conquista (Elias, 1994, p. 24; Kuper, 2002, p.24). Paísesda Europa, como a França e a Inglaterra estariam na dianteira deste processo, assim, erapreciso seguir seus passos.

Desse modo, introduzia-se na região, um novo compasso temporal, bem diferente doanterior, marcado pelo sino da igreja, pelo ritmo da maré e dos períodos de caça e pesca.O novo compasso era regido pelo movimento intensivo nos seringais, da frequência aomuseu, à ópera, ao cinema, a tourada e ao clube. O intenso movimento nos bares, em que asmesinhas avançavam pela calçada, era alimentado pelo consumo da cerveja que ultrapassavacompletamente o limite anterior. Esse novo ritmo era favorecido “pela nova urbanização,pela iluminação elétrica e também pela implementada rede de transportes, cujos horárioscadenciavam o dia a dia da cidade, fazendo emergir uma temporalidade particular” (Daou,2000, p. 49).

O jornalista Joaquim Gonçalves Maia percebia Manaus, no período da Belle-Époque,como uma cidade completamente agitada, diferente de sua expectativa sobre uma cidadeimplantada no coração da selva amazônica.

Parece que estou com efeito em uma cidade ianque, uma cidade de grandes construções,de grandes edifícios, de barulho, de movimento, em que os homens correm suados etudo se cruza na preocupação do business, homens, bondes elétricos, carros de praça,carroças, tudo sem parar (Maia apend Dias p. 44).

Os “grandes edifícios”, ainda não eram os arranha-céus que surgiram mais tarde.Nem a agitação da cidade era a que se observa nos dias atuais. Era em comparação àtradição precedente, que o jornalista percebia haver grandeza nas construções e agitação nomovimento urbano.

Em meados do século, quando o naturalista Henry Bates esteve em Belém, que era umacidade até mais urbanizada que Manaus, o que ele percebeu, ao invés de agitação, foi calmae tranquilidade.

As impressões que tive nesse primeiro passeio jamais se apagarão completamente daminha lembrança. Passamos primeiramente por algumas ruas próximas do porto,

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margeadas por prédios altos e sombrios semelhante a conventos, pelas quais transi-tavam ociosamente alguns soldados de uniformes rotos, com seus mosquetes apoiadosdisplicentemente no braço, bem como sacerdotes, mulheres negras com potes d’agua nacabeça e índias com ar melancólico, carregando filhos nus escanchados sobre os quadris.(...) Grupos de pessoas tomavam a fresca à porta das casas (Bates, 1979, p. 12)

O ritmo dos habitantes da região foi acelerado com a entrada da modernidade.Entretanto, os fatores que determinavam o ritmo das elites não eram os mesmos queaceleravam o das camadas populares. As elites se moviam solicitadas pela administraçãodos seringais ou das instituições públicas que intercalavam com as excursões às óperas, aosbanquetes, às compras de produtos importados e até prostitutas vindos do mundo modernoalimentavam o novo ritmo do consumo. As camadas populares se moviam solicitadascomo mão de obra nas construções ou nos seringais. O trabalho nos seringais, principaissustentáculos econômicos da modernidade amazônica, se estendia até o limite da exaustãoe mesmo da morte. Confinados nos seringais, tinham de adquirir todos os produtos queprecisavam no comércio dos patrões, tornando-se assim seus eternos devedores, sendoforçados a trabalhar no seringal para o abatimento da divida sempre crescente.

O tempo de trabalho dos empregados nesse modo de produção e as condições espaciaisem que eram obrigados a viver não eram melhores que a dos escravos. Dependendo daexigência dos feitores, podia até ser pior. O escravo era comprado. Sendo mercadoria tinhavalor econômico. Sua morte trazia prejuízo para o seu dono. O trabalhador do seringalnão tinha valor econômico para seus empregadores. O certo é que pelo número de mortos„devido às péssimas condições de trabalho, pode-se dizer que os seringais não eram apenasespaços de produção, mas também de extermínio.

Emigrantes foram bastante utilizados nesta empresa, pois havia bastante resistência dosnativos em se submeter a esse tipo de trabalho. Por isso, estes eram considerados, pelosmodernos, vadios, preguiçosos e até degenerados. Entretanto, houve quem discordassedessa concepção como o naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, que viveu quatro anosna Amazônia. Nos seus versos, que seguem, o tempo da população indígena é semprepreenchido com atividades que se alternam, nas quais não há uma nítida divisão entre lazere trabalho, como ocorre na modernidade, como se observa no ritmo dos trabalhadoresdos seringais.

A cada dia há sempre o que fazer.Às vezes vão a mata, com machados,Botar abaixo os troncos seculares;Ou vão colher fibras ou taquarasCom as quais fabricam redes, trançam cestosE múltiplos objetos. Outras vezes,Dirigem-se aos regatos pra pescar,Levando anzóis, arpões, o arco e a flecha,Nas roças, as mulheres vão colher.Mandioca para seu pão de cada dia,

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Ou vão plantar as mudas e sementesNa fértil terra virgem, não feridaJamais por pá, charrua, ancinho ou grade.As jovens descem ao rio e buscam águaEm cântaros que trazem na cabeça,À moda das gentis moças cambrianasNas horas matinais e vespertinasBanhar-se vão, nas águas rebrilhantesBrincando, em banho alegre quais sereias.(Wallace, 1979, pp. 164-5)

O espaço dos habitantes da Amazônia também se modificou com a modernidade. Obarco a vapor encurtando o tempo de ida e vinda, entre duas localidades passou a permitirque as elites da região se deslocassem com mais assiduidade, por outras regiões, por outrospaíses. Isso não quer dizer que se deslocassem por todo o mundo. Suas rotas reduziam-se aalgumas localidades. As que conduziam aos países, ditos civilizados, como a França e aInglaterra, estavam entre as mais frequentes.

Pelo culto da civilização, que chegava a vapor, tudo que representava a tradição eradesvalorizado, inclusive os elementos percebidos como constituintes do espaço. Essa desva-lorização facultava a destruição dos componentes do espaço tradicional, se percebido comoobstáculo à passagem das construções modernas. Assim, os lampiões a gás cediam lugar aluz elétrica. O elemento vegetal, quando requisitado, não era pela sua natureza selvagem esim pela sua utilização como fonte de exploração econômica ou como nicho paisagísticointegrado na estética do espaço urbano. Os riachos ou igarapés eram implacavelmenteaterrados para dar passagem às ruas pavimentadas e aos prédios construídos com materialimportado da Europa.

As aldeias, casas populares e igrejas, que demarcavam o espaço de circulação da tradiçãoabrem espaço, em Belém, para o Museu Paraense (hoje Emilio Goeldi), a BibliotecaPública, o Teatro da Paz, o Bosque Rodrigues Alves, a praça Batista Campos, o MercadoMunicipal do Ver o Peso e o cinema Olímpia; em Manaus, para o Teatro Amazonas eo Porto Flutuante. O Museu Paraense, situado em uma cidade com menos de 200.000habitantes, recebe a visita de 334 641 pessoas entre os anos de 1897 e 1901 (Machado,2010, p. 96).

Nesse espaço moderno, não há mais lugar para percepções, como a do naturalistaHenry Bates, sobre a Amazônia, quando aí esteve, algumas décadas antes do advento daBelle-Époque. O que ele percebia, naquele momento, eram: “numerosas torres, cúpulas dasigrejas e o topo das palmeiras destacando-se atrás das casas” cercadas “pela a floresta quecobre toda a região e chega quase as ruas da cidade” (Bates, 1979, p. 12 e 14). Ele ressalta,também, a sensação de amplitude experimentada na amplitude da floresta, ao referir-se aeste espaço, como o lugar onde ele viveu “a maneira dos ciganos”, do mesmo modo que“três quartos de seu povo, velejando entre seus infindáveis rios ou percorrendo suas florestassem fim” (Bates, 1979, p. 298).

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3 Notas Finais

Em relação à modernidade original, gestada na Europa, algumas diferenças podem serobservadas na relação aos fatores que modificaram a percepção do espaço e tempo, namodernidade Amazônica. Algumas diferenças pedem ser observadas em relação ao veículoque teve papel pioneiro na aceleração do movimento da população; a procedência da novaexperiência; a jornada e o espaço da mão de obra e, ainda, em relação ao impacto na culturae no meio ambiente.

Na Amazônia o transporte marítimo foi imprescindível para o advento da modernidade,pois os produtos materiais e ideológicos da modernidade que se difundiam a partir daEuropa, só podiam chegar por via marítima e só podiam se difundir, na região, através dosnumerosos rios navegáveis. Os veículos terrestres, como trens e bondes só começaram acircular na final da Belle-Époque.

As mercadorias, que chegavam nesses transportes, vinham junto com a intensa propa-ganda, para acelerar seu consumo, como na Europa. Do mesmo modo, alardeavam que aaquisição dos novos produtos era condição necessária para avançar no sentido da civilização.Entretanto, para os Europeus avançar neste significava adotar um modo de vida que segestava no interior de sua própria cultura, para os outros, significava adotar um modo devida que se gestava na Europa. O impacto do ritmo da modernidade na tradição indígena,regida pelo extrativismo, a caça e o banho de rio era bem maior do que na tradição europeiaregida pela agricultura, a ordem militar e o comércio artesanal.

O controle do tempo e do espaço, conforme Foucault (1975), inicialmente, está na basedos dispositivos disciplinares da modernidade. Estes incidem nas técnicas de distribuiçãodos indivíduos em espaços classificatórios e hierarquizados sob vigilância permanente parao desempenho de funções específicas; ou no controle do tempo com o objetivo de obtero máximo de rapidez e eficiência. Esses dispositivos disciplinares podem ser observados,desde o início da modernidade, tanto na Amazônia como na Europa. Na Amazônia,entretanto, eles avançaram mais rapidamente através dos seringais, já que a atividade fabril,inicialmente, era incipiente. Os novos hábitos de consumo que se introduziram com amodernidade vinham, sobretudo, das fábricas localizadas na Europa e eram sustentados pelaeconomia extrativista oriunda dos seringais. Para sustentar os novos hábitos de consumo,na Europa, a jornada de trabalho chegou a 16 horas por dia, diminuindo para 8 horas,na virada do século, em função das lutas operárias. Essa diminuição ainda ia esperaralgumas décadas para ser implantada aqui. Aliás, ainda hoje, o trabalho “escravo” não foitotalmente extinto.

Finalmente, convém acrescentar que, desde o inicio, em qualquer lugar, a modernidadeavançou à custa do “meio ambiente natural”. Rios e florestas recuaram para dar passagem aostrilhos, ao calçamento das ruas e de outras construções do mundo moderno. Na Amazônia,não foi diferente, entretanto, convém destacar o sacrifício da generosa malha de igarapésou pequenos rios distribuídos na região, que serviam de vias naturais para o transportemarítimo, a redução do calor, o fornecimento de água e o alimento à população.

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VI Tempo, Espaço e Modernidade na Belle-Époque Amazônica

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VIIO Tempo e o Espaço na Informática

Arnaldo Corrêa Prado Junior¹[email protected]

Pedro Leon da Rosa [email protected]

1 Introdução

O tempo e o espaço são referências em todas as atividades do ser humano. Das maisurgentes ligadas à sobrevivência como espécie às mais complexas, consequência de atividadesracionalmente organizadas, na busca de explicações sobre a própria origem e a do mundoonde vive.

Especulações e teorias vêm do início da capacidade humana de racionalizar o pensa-mento. Durante muito tempo, de Aristóteles até Newton, considerou-se o tempo comoabsoluto, independente do espaço, até que Einstein formulou a Teoria da Relatividade eestabeleceu o conceito de espaço-tempo, ao considerar que se for alterada a maneira demedir o tempo, a distância no espaço entre dois eventos poderá ser modificada. (RUSSELL,2005, p. 59).

No campo das atividades profissionais liberais e técnicas, além, naturalmente, dasimplicações de caráter geral, tempo e espaço são tratados e influem com especificidadesdiferenciadas. Na Medicina, na Engenharia, na Física e na Informática, para exemplificarapenas limitadamente, há diferenças significativas, sabe-se, e que estão sendo tratadas nestapublicação da Academia Paraense de Ciências.

Na Informática, tratada neste texto, o relacionamento entre tempo e espaço se ini-cia a partir do momento em que o algoritmo deve ser armazenado e precisa ocuparespaço na memória, e os dados, para serem armazenados, necessitam de um mínimo deprocessamento.

1. Informático, Professor Aposentado da Universidade Federal do Pará e Membro da Academia Paraense de Ciências.

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A Internet, constituída de redes de computadores, expande a questão do tempo e espaço,permitindo a comunicação entre vários computadores situados geograficamente dispersos.A computação quântica avança na escala de evolução da capacidade de processamentocom possibilidades surpreendentes tendo em vista o entrelaçamento previsto pela FísicaQuântica.

Bibliotecas virtuais eliminam a necessidade de grandes espaços físicos ocupados porprédios para armazenamento de livros. Textos compactados, replicados e multiplicados sãoarmazenados em memórias de computadores em locais dispersos geograficamente, como sefossem quase locais, evitando destruição de acervos por catástrofes.

Na área da Educação, acesso a dados e informações a partir de locais dispersosgeograficamente sem necessidade de deslocamento pessoal pelo espaço e com auxíliode Sistemas de Educação à Distância, abre possibilidades à inclusão educacional e social,não apenas a digital como feita nos moldes atuais. O trabalho colaborativo, compartilhado,se aplica, também, em outras atividades humanas intelectuais. Com a telemedicina, asvantagens são inegáveis para a saúde humana, com destaque à preventiva.

Com todas as possibilidades abertas no campo das Tecnologias de Informação eComunicação (TICs), há, também, as vulnerabilidades resultantes, aliás, normalmentepresentes nas aplicações avançadas. Claro que, nem por isso, se deve bloquear o desenvolvi-mento científico e tecnológico.

A associação do aspecto fisiológico ao espaço-tempo newtoniano e a do psicológico aoespaço-tempo einsteiniano já vem sendo proposta com abertura de múltiplas possibilidades.Na verdade, a pesquisa científica vem avançando e apontando, inclusive, para a construçãode um computador orgânico.

2 Tempo e Espaço / Espaço-Tempo

Tempo e espaço acompanham a humanidade permanentemente. O tempo de gestaçãode um ser humano é de nove meses; o dia dura vinte e quatro horas, a hora tem sessentaminutos e o minuto sessenta segundos; as pessoas ocupam lugar no espaço, precisa-se deespaço para viver, espaços das moradias, das edificações, das ruas, espaços livres; espaço paraguardar livros; hora do almoço, hora do jantar, hora de dormir, enfim, o tempo definindoo início e o fim de uma atividade e consequentemente a duração dela. Dois corpos nãopodem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.

O tempo gasto para percorrer um determinado espaço aumenta se a velocidade dedeslocamento diminui; por exemplo, o espaço percorrido por um automóvel com velocidadede 60 quilômetros por hora em uma hora será de 60 quilômetros; se a velocidade for detrinta quilômetros por hora o mesmo espaço será percorrido em duas horas; o tempoaumenta quando se está em um engarrafamento de veículos e fica maior ainda quando seestá com muita pressa, é o tempo psicológico; se faltam cinco minutos para terminar umjogo de futebol e seu time está ganhando por um a zero e precisa da vitória, a possibilidadede um empate fará com que esses cinco minutos pareçam durar muito mais, você desejaque o jogo acabe logo; se a situação fosse inversa, o jogo estivesse empatado, esse tempo

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VII O Tempo e o Espaço na Informática

passaria para você muito rapidamente desde que o gol salvador não viesse; se o gol vier,volta-se à situação anterior. O tempo cronológico de exibição de um filme é fixo, mas parao espectador depende: se ele se envolve no clima da narrativa é como se o tempo passasserapidamente, ele não sente a duração do tempo; se o filme é entediante, o olhar para orelógio dilata o tempo para ele; a suspensão da descrença (suspension of disbelief ) explica aquebra do encantamento em exibição de filmes, em educação à distância e em games.

Durante muito tempo, desde Aristóteles até Newtom, acreditava-se que o tempo era ab-soluto, independente do espaço. Aliás, no dia a dia da vida essa separação chega a funcionara contento “quando lidamos com maçãs ou planetas, que se deslocam comparativamentemais devagar, [mas] não funcionam absolutamente para objetos que se movam à velocidadeda luz, ou próximo a ela (HAWKING, 1988/2000, p. 39-40).

Inúmeras teorias foram formuladas e experiências realizadas sobre a velocidade da luz.Estabeleceu-se que essa velocidade era fixa e que

[...] se a luz supostamente se deslocava em velocidade fixa, seria possível dizer emrelação a quê esta velocidade fixa poderia ser medida. Foi então sugerido que haviauma substância chamada ‘éter’, presente em todos os lugares, mesmo nos espaços ‘vazios’.As ondas de luz se deslocariam através do éter, como as ondas de som se propagamatravés do ar, e sua velocidade seria, então, relativa ao éter. [...] (ibidem, p. 41)

Em 1905, no entanto, Albert Einstein mostrou que

[...] o conceito de éter era desnecessário, uma vez que se estava querendo abandonaro de tempo absoluto. Ponto semelhante foi abordado poucas semanas depois por umproeminente matemático francês, Henri Poincaré. Os argumentos de Einstein erammais próximos da física do que os de Poincaré, que abordava o problema comomatemático. Einstein ficou com o crédito da nova teoria, mas Poincaré é lembrado porter tido seu nome associado a uma parte importante dela.

O postulado fundamental da Teoria da Relatividade, como foi chamada, é queas leis científicas são as mesmas para todos os observadores em movimento livre, nãoimporta qual seja sua velocidade. Isto era verdadeiro para as leis do movimento deNewton, mas agora a ideia abrangia a teoria de Maxwell e a velocidade da luz: todosos observadores encontram a mesma medida da velocidade da luz, não importa o quãorápido estejam se movendo. Esta simples ideia tem algumas consequências notáveis:talvez as mais conhecidas sejam a equivalência de massa e energia [...]; e a lei queprevê que nada pode se deslocar com mais velocidade que a própria luz. [...](ibidem, p. 42-43)

A teoria da relatividade traz, também, uma consequência revolucionária em relação aosconceitos de tempo e espaço. O conceito de evento é importante para essa compreensão:“Um evento é alguma coisa que acontece num determinado ponto no espaço, e numtempo também determinado. Assim pode-se especificá-lo através de quatro números oucoordenadas (ibidem, p. 47)”. Admitamos, por exemplo, a indicação da localização do

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choque de dois aviões no ar. Os quatro números ou quatro coordenadas poderão ser:latitude, longitude, altitude e tempo, o tempo no qual ocorreu o evento.

Como vimos anteriormente, até Newton, o tempo era absoluto, independente do espaço,no entanto,

A teoria da relatividade mudou isso. Existem agora várias maneiras de determinarposições no tempo, que não diferem apenas quanto à unidade e ao ponto de partida.Na realidade, como vimos, se um evento é simultâneo a outro num referencial podeprecedê-lo, num segundo, e ser posterior a ele num terceiro. Além disso, as mediçõesde espaço e tempo não são mais independentes uma da outra. Se você alterar o modode medir a posição no espaço, poderá alterar também o intervalo de tempo entre doiseventos. Se alterar a maneira de medir o tempo, poderá alterar a distância no espaçoentre dois eventos Assim, espaço e tempo não são mais independentes do que o sãoas três dimensões do espaço. Continuamos precisando de quatro quantidades paradeterminar a posição de um evento, mas não podemos como antes, isolar a quarta comocompletamente independente das outras três. (RUSSELL, 2005, p. 59-60)

Vejamos, ainda, o que diz Hawking (1988/2000, p. 48):

É sempre útil pensar nas quatro coordenadas de um evento como especificadoras de suaposição num espaço quadridimensional chamado espaço-tempo. É impossível imaginarum espaço quadridimensional. Eu pessoalmente acho bastante difícil visualizar um es-paço tridimensional! Entretanto, é fácil desenhar diagramas de espaços bidimensionais,tais como a superfície da Terra. (A superfície da Terra é bidimensional porque a posiçãode um ponto pode ser especificada por duas coordenadas, latitude e longitude.) [...]

3 Recursividade, Algoritmos e Processamento

É sabido que para se conhecer bem alguma coisa é necessário saber a sua origem e evolução.Além disso, existe também o clássico dilema: quem veio primeiro o ovo ou a galinha?O que na realidade remonta à questão da origem e da evolução da vida. O conceito derecursividade é de extrema importância em informática e, também, em várias áreas deestudo, pois ele expressa matematicamente a relação direta de dois problemas focais, a saber,o da criação e o da circularidade (DIAS e WEBER, 2010).

Um algoritmo – que é procedimento computacional – quando toma a forma recursiva éconstruído necessariamente em duas etapas, uma a primitiva, a da criação e outra a circular,a da evolução.

A evolução é possível recursivamente, pois uma forma mais evoluída é gerada a partirde uma forma semelhante mais simples, desde a sua forma primitiva. A relação entre asgerações pode ser bastante elementar ou pode, claramente, assumir expressões extremamentecomplexas.

Por outro lado, qualquer procedimento opera sobre algo que deve ser transformado, nocaso computacional o algoritmo transforma, justamente, os dados, (WEGNER, 1968).

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VII O Tempo e o Espaço na Informática

De acordo com a natureza do problema, a complexidade da estruturação dos dados e ado algoritmo correspondente para atingir a solução almejada, tem levado a diversos estudosa respeito da arte da programação de computadores.

Um exemplo elementar quase sempre usado para ilustrar a recursividade é a definiçãode fatorial:

Fatorial (1) = 1 Primitiva (Origem ou Criação),Fatorial (N) = N x Fatorial (N – 1) Circular (Evolução ou Geração).

No clássico citado problema do ovo e da galinha é evidente a evolução ou geração,porém se desconhece a origem ou criação.

Nas técnicas de programação de computadores é ainda usada a tradicional programaçãoestruturada e mais a orientada a objeto, ficando a programação recursiva de uso mais restrito,porém de indiscutível importância teórica.

Na prática, o computador, mesmo como uma máquina de programa armazenado, tem asua memória mais diretamente relacionada aos dados e normalmente com sua capacidadeexpressa em gigabytes, enquanto seu processador se relaciona ao algoritmo, e sua medidaexpressa, atualmente, em gigahertz.

Essa analogia nos leva a associar espaço e tempo com essas duas grandezas, respectiva-mente, memória – armazenamento de dados – e processador – funcionamento operacionaldo algoritmo.

É interessante, desde já, reforçar que o algoritmo precisa ser armazenado, isto é, ocuparespaço na memória, enquanto que os dados para serem armazenados necessitam de ummínimo de processamento que seja da função operacional. Assim fica logo registrada umaprimeira ideia do inter-relacionamento entre tempo e espaço computacionais, em analogiaà mesma propriedade correlata na Física (ARGENTIÈRE, 1958).

Além disso, tem sido evidenciada a natureza simbólica do pensamento humano e, talvez,o computador digital seja a melhor ilustração deste fato.

A representação dos dados na memória de um computador digital, se sabe, é realizadaatravés da representação binária relacionada apenas a 0s (zeros) e 1s (uns) e, no entanto,estão disponíveis máquinas que operam em todos os idiomas, com refinados diagramas,imagens de alta qualidade e complexas representações do pensamento como, por exemplo,o clássico jogo de xadrez.

Na realidade, a Teoria da Informação utiliza justamente o conceito binário para medidada quantidade de informação presente em determinado dado; assim esse conceito –comumente chamado de bit – está no limite da representação natural tanto no aspectoteórico quanto na realização prática, para o número em particular e, também, para ainformação em geral.

A construção, portanto, de um programa de computador, pode ter um embasamento for-mal rigoroso fundamentando tanto a sua parte operacional como a relativa à representaçãoda informação no nível de cada bit de dado.

A representação de um texto qualquer em computador com variada possibilidade deedição, e até mesmo de correção automática tem facilitado muito a preparação de toda uma

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gama de documentação digital, inclusive levando a muitos escritores produzirem suas obrasde arte diretamente no computador.

Será que, por exemplo, com a disponibilidade de representação de 16 milhões de cores,ou mais, não levará também a trabalhos de pintura oriundos do uso facilitador de algumequipamento adaptado para produção dessa arte, como parece já acontecer com a música?

Outro exemplo bem ilustrativo é a capacidade da computação digital no jogo de xadrez,pois quem não for um grande mestre como fará para não ser superado pela máquina?

A eficiência de um computador em processar seus gigabytes de capacidade de armazena-mento através dos gigahertz de sua capacidade de processamento determina a natureza dacomplexidade dos problemas computacionais solúveis automaticamente; este é o estudoda Complexidade de Algoritmos; uma especialidade que tem promovido grande parte doavanço teórico da computação (HOPCROFT, 2000).

Por outro lado, a Internet, a expressão mais popular da informática, extrapola o própriocomputador e constitui a ligação de computadores em rede, assim, obrigatoriamente,expandindo a questão do tempo e do espaço, saindo, portanto, dos limites internos deum computador e abrangendo a comunicação entre dois ou mais computadores situados avariadas distâncias.

É claro que isso afeta a gama de problemas tratados computacionalmente em tempo há-bil, abrindo o leque por um lado e restringindo por outro, pois nem todos os processamentoslocais poderiam ser satisfatórios à distancia.

Uma experiência significativa em termos de complexidade computacional é, certamente,o processamento de imagens, principalmente no caso da rádio-astronomia valendo citar ocaso da distribuição do processamento entre milhares de computadores de voluntários queaderiram ao chamado da NASA.

O que dizer, no entanto, de um programa de computador que exigisse, para os padrõesatuais, milhares de anos de processamento?

A computação quântica está surgindo como uma proposta muito interessante na escalade evolução da capacidade de processamento oferecendo possibilidades surpreendentespor causa da propriedade do entrelaçamento previsto pela Física Quântica. Inclusiveda construção de equipamentos inusitados como, por exemplo, um Controle RemotoDual, que seria associado ao seu correspondente Controle Remoto, lançando mão dapropriedade de entrelaçamento, onde ambos poderiam realizar as mesmas funções emambientes diferentes, simultaneamente.

4 Armazenamento

A preservação de bibliotecas não exige a construção de prédios em grandes espaços paraarmazenamento de livros. Textos compactados, codificados eletronicamente e armazenadosem memória de computador também podem ser replicados, multiplicados geograficamente,eliminando a possibilidade de perda existente em uma biblioteca de livros físicos.

Sobre a disponibilidade de bibliotecas na Internet entrevistamos Maria das GraçasPena, diretora da Biblioteca Central da Universidade Federal do Pará. Inicialmente elanos recomendou a Biblioteca Digital Mundial: http:// www.wdl.org/pt e a Biblioteca

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Fundação Nacional: http://www.bn.br/portal/ esclarecendo que a nacional alimenta amundial. Nós as visitamos e recomendamos aos leitores que façam o mesmo. Graça nosdeu mais informações:

— As bibliotecas universitárias brasileiras estão em ações e iniciativas para di-gitalização de seus repositórios, com a produção bibliográfica do corpo docente ede pesquisadores, teses, dissertações, artigos, capítulos, livros, etc. Há, ainda, por-tais e sites governamentais, como o portal domínio público, com obras da litera-tura brasileira: http://www.dominiopublico.gov.br/ e outros sites e portais de li-teratura científica temática, como o Scielo: http://www.scielo.org e o próprio ibictcom os produtos http://prossiga.ibict.br/bibliotecas (bibliotecas virtuais temáticas) ehttp://bdtd.ibict.br/ (teses e dissertações); a Universidade de São Paulo (USP) comhttp://www.obrasraras.usp.br, http://portal.revistasusp.sibi.usp.br e a biblioteca doMindli: http://brasiliana.usp.br.

5 Velocidade de Transmisão e Atrasos

Uma situação relativa a diferentes velocidades de transmissão pode ser exemplificada com atransmissão de jogos de futebol. E citamos um exemplo real. Assistíamos ao jogo da Copado Mundo Brasil x Coreia do Norte. Na sala de jantar havia um receptor convencional detelevisão aberta e na sala de visitas um receptor para o canal pago Sky. Quando o Brasil fezo primeiro gol, os gritos da sala de jantar vieram antes da bola ter entrado na televisão dasala, ou seja, a transmissão foi mais rápida na televisão convencional, do que a transmissãovia satélite da Sky. O que fazer se, numa determinada transmissão, dois receptores emlugares diferentes precisarem receber no mesmo instante uma determinada informação?Vejamos alguns aspectos dessa transmissão.

Nas transmissões abertas e analógicas (NTCS, PAL-M, SECAM) da TV aberta(Liberal, RBA e outras emissoras locais de Belém/PA) o sinal é transmitido “quase” damesma forma como é montado na TV. Ou seja as linhas vem prontas para serem montadasno aparelho. Claro que existe um pequeno atraso em relação ao acontecimento ao vivo (masé quase imperceptível).

Quando a transmissão é por satélite a transmissão tem um delay adicional de 2 segundosque é o atraso para subir e descer o sinal.

Em TVs a cabo analógica (por exemplo, SKY), o tempo sobe ainda um pouco mais –em torno de 3 segundos, uma vez que o sinal tem que ser “embaralhado” juntando-se todosos canais para posteriormente ter o canal desejado selecionado na residência do usuário,através dos conhecidos decodificadores que ficam ao lado dos televisores.

No caso de TV digital o atraso se dá em função da codificação do sinal (no BrasilMPEG-4) e posterior decodificação no aparelho. Ao todo isso pode chegar até a 5 segundos.

Somando as piores situações podemos ter um atraso total na faixa de até 10 segundos(ou seja transmissão via satélite, digital com decodificador de canal).

Um aspecto importante, na verdade fundamental, a ser considerado em algumasoperações envolvendo transmissão de informações e de dados via internet se refere à

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velocidade de transmissão e a interrupções na transmissão. Em operações cirúrgicas àdistância, eventuais interrupções podem ser catastróficas. Essas interrupções podem sercausadas, simplesmente, pela falta de energia e, neste caso, um gerador pode resolver oproblema. Quanto à velocidade de transmissão e atrasos é necessário considerar que ocirurgião precisa ter visão do campo operatório e isto envolve uma transmissão no sentidoinverso, ou seja, ele precisa acompanhar, também à distância, o efeito de suas intervenções;o tempo de retorno é importante para uma nova ação.

A Internet atual baseia-se (ainda) no protocolo IP-V4 que por sua vez se baseia nomelhor esforço (best-effort). Em outras palavras: “se der para entregar eu entrego no melhortempo possível... se não der...”. O que tem-se tentado é aplicar protocolos e procedimentospara garantir QoS.

Mas no moldes atuais ainda temos um gargalo na rede de primeira milha (que liga ousuário final aos backbones centrais).

Teoricamente, um pacote IP poderia dar 6 voltas ao mundo em 1 segundo se nãoencontrasse tráfego na rede.

Mas nos moldes atuais da Internet é impossível prever este atraso. Soluções têm sidopropostas como a Internet B e etc...

6 Construção do Conhecimento

Acesso a dados e informações, com a eliminação do deslocamento de pessoas peloespaço, são características importantes na sociedade do conhecimento. O acesso rápido edescentralizado é condição básica, mas não suficiente. A Rede tem de tudo, literalmente detudo e, como consequência, em princípio, permite tudo.

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) se tornaram necessárias, às vezesaté obrigatórias, para quase todos: para o cientista, para o profissional de todas as áreas emdiversos níveis, no dia a dia do cidadão comum, desde a educação infantil, enfim para todosaqueles que atingiram um patamar mínimo de convivência social no mundo desenvolvido.

Hardware e software de computadores e comunicação, com ênfase nas telecomunicações,são básicos, até essenciais, mas não suficientes para garantir avanços em qualquer área, umavez que a rápida expansão das TICs, muitas vezes, levou ao uso inadequado, desordenado ecaótico de suas potencialidades.

Na Educação, a primeira entrada dos computadores se deu sem conveniente preparaçãodos envolvidos no processo de construção do conhecimento. No início havia dúvidassobre as vantagens em utilizá-los na área, havia, inclusive, reações ao uso das tecnologiasarraigadas a argumentos que iam do perigo de produzir estudantes autômatos até osinteresses puramente comerciais dos países produtores dessas tecnologias que precisavamvender seus equipamentos, custasse o que custasse.

Dertouzos (1997, p. 226), àquela altura considerava que:

Não está claro se o computador e as tecnologias de comunicação vão ajudar o processo deaprendizado de um modo decisivo. Certamente descobrimos maneiras atraentes de usara tecnologia informática no ensino, mas devemos adotar uma postura conservadora

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quando tratamos de educação infantil. Não convém nos deslumbrarmos com umanova abordagem tecnológica e declarar que vai ser ótima na educação só porque pareceinteressante. Ela pode ser até prejudicial.

Sobre a linguagem Logo, desenvolvida por Seymour Papert com base em Piaget, quepermite aos estudantes dar instruções ao computador e que chegou a despertar empolgaçãoem educadores, o mesmo autor dá uma opinião extremamente pertinente:

A linguagem Logo não causou nenhuma revolução no processo educacional, emboratenha se tornado um instrumento útil, depois que Papert e seu colega Hal Abelsono aperfeiçoaram. Atualmente, Logo é aplicado em muitas escolas. Os testes iniciaisconvenceram todos nós, pesquisadores, de que Papert abrira o caminho para um mundonovo de “aprendizado conduzido pelo aprendiz.[...]

A partir do que avaliou em relação ao Logo, o autor faz uma generalização:

Os educadores sabem, há muito tempo, que a memorização e repetição funcionam,quando existe um objetivo desejável, como aprender a dirigir um carro, mas não sãoeficientes como os exercícios em si. As crianças – e as crianças dentro de nós – preferemaprender pela excitação da descoberta e da participação. Contudo, os alunos aprendemda mesma maneira, por métodos tecnológicos menos sofisticados. Já sabemos que atecnologia por si só não acelera automaticamente o processo de aprendizagem, por maisfuturista ou promissora que pareça. (ibidem, 227-228)

Dertouzos continua a análise em relação à Educação avaliando hiperdocumentos,instrumentos de análise, simulação, inteligência artificial, orientadores e professoresautomáticos. E então, apesar de falar da “escassez de verbas, flexibilidade social e pesquisasinconclusivas até o momento” como aspectos negativos ele registra que: “Mesmo assim asperspectivas a longo prazo são muito promissoras”. E justifica porque:

A primeira Revolução Industrial afetou o ensino indiretamente, na medida em queestudantes mais bem alimentados aprendiam melhor. A segunda Revolução Industrialcontinuou a ajudar, de maneira indireta, graças à melhoria nos transportes dosestudantes, no aquecimento e iluminação das escolas, e no aumento da população comrenda suficiente para mandar os filhos para o colégio, em vez de forçá-los a trabalhar.(ibidem, p. 239)

Em seguida caracteriza a contribuição, agora direta, na era da informação:

O novo mundo da informação rompe com esse padrão de contribuições indiretas. Eleestá diretamente vinculado às questões centrais da educação, na aquisição, organizaçãoe transmissão de informações, bem como na simulação de processos que representam oconhecimento e na utilização de instrumentos como e-mail e trabalho em grupo, paramediar as relações entre alunos e professores, e dos alunos entre si. Sendo assim, trata-seda primeira revolução socioeconômica importante da história a oferecer tecnologias

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diretamente ligadas ao processo de aprendizagem. Portanto, apresenta uma boa chance(mas, de modo alguma, a certeza) de promover saltos qualitativos que não poderiamter ocorrido no caso das tecnologias das duas revoluções industriais, cujos vínculos com oensino eram tênues. (ibidem, p. 239)

Dertouzos fala de um mercado escolar para estudantes:

[...] Por que se matricular na escola, centro de treinamento ou universidades locais, se oestudante pode frequentar uma escola mais distante, porém melhor e mais adequada aseus interesses específicos? Esta questão vem causando um bocado de confusão, e mesmoalgumas ações e declarações pesadas sobre o aprendizado à distância, conforme as escolase universidades lutam para tirar vantagem de um mundo rico em informação. [...](ibidem, p. 239)

Na verdade, as possibilidades da Educação à Distância (EaD) não devem ser colocadassimplificadamente e na perspectiva de se buscar em qualquer parte do mundo o que sejamais adequado aos interesses do estudante até porque definir o que é mais adequado,neste caso, não é tarefa simples. Nessa linha de reflexão vem a escolha de instituiçõesde maior credibilidade em detrimento de escolas ou universidades locais que ofertemcursos presenciais ou híbridos. Na verdade, Dertouzos não limita nesse aspecto a análise,ele avança em reais vantagens da EaD, apesar de o fazer ainda com restrições como aodizer que

No grosso da educação, porém, as abordagens do aprendizado à distância não funcionamtão bem quanto os sistemas tradicionais. A educação é muito mais do que a transferênciade conhecimento dos professores para os alunos. Como educador, posso dizer em primeiramão que acender a chama da vontade de aprender no coração dos estudantes, dar oexemplo e criar vínculos entre professores e alunos são fatores essenciais para o sucessodo aprendizado. Estas necessidades básicas não podem ser satisfeitas pela tecnologiainformática. [...] (ibidem, p. 240)

Esta discussão não está no escopo deste texto, mas julgamos pertinente registrá-la,esclarecendo, também, que desde a época da publicação do livro de Dertouzos muito seavançou na EaD. Como há uma grande diversidade de recursos utilizáveis tanto no âmbitotecnológico como no humano, os cursos de Educação à Distância precisam ser planejadoslevando-se em conta a complexidade inerente a eles e ser acompanhados do início ao fimda execução para eventuais ajustes e correções. Sobre essa questão, Eliasquevici e PradoJunior (2008) tratam da incerteza no planejamento de sistemas de Educação à Distânciaconsiderando que “A tarefa de projetar um sistema de educação a distância (SEAD) é umprocesso complexo devido ao número de componentes envolvidos, às diferentes visõese abordagens quanto à sua eficácia, aos valores em disputa, aos interesses em jogo e àsdecisões urgentes”. Como a EaD vem seguindo essa linha, o aporte de algoritmos cadavez mais complexos será necessário para tratar esse nível desejado. Na verdade, atualmenteos SEADs estão entre as reais possibilidades na Educação e com vantagens pela grande

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capacidade de armazenamento de dados e de informações dos computadores, acessosmúltiplos e descentralizados na rede, interação entre participantes possível a qualquermomento, trabalho cooperativo entre alunos e entre alunos e professores, enfim, as amplaspossibilidades oferecidas pelas TICs. Grande espaço de armazenamento, espaço geográficoencurtado e vencido pela velocidade de transmissão sem a necessidade de deslocamento depessoas, trabalho cooperativo nas mesmas condições e, como consequência, a diminuiçãodo tempo gasto nas tarefas.

7 Trabalho Colaborativo

A disponibilidade de espaço para armazenamento de informações, com acesso rápido edescentralizado geograficamente, permite que várias pessoas contribuam para a elaboraçãode um mesmo trabalho, colaborativamente, sem a necessidade de deslocamento físico.

O apoio a esse trabalho se faz por meio de um software colaborativo (groupware),que “Skip Ellis o definiu como ‘um sistema baseado em computador que auxilia gruposde pessoas envolvidas em tarefas comuns (ou objetivos) e que provê interface para umambiente compartilhado’. Sistemas de software com e-mail (assíncrono), agenda corporativa,bate-papo (chat) e wiki pertencem a esta categoria [...].”(SOFTWARE..., 19 jul. 2010).

Outro termo, computer supported cooperative work (CSCW) tem sido usado por muitosautores como sinônimo de groupware embora outros os diferenciem: “On the other hand,different authors claim that while groupware refers to real computer-based system, CSCWfocuses on the study of tools and techniques of groupware as well as their psychological,social, and organizational effects.” (COMPUTER. . . , September 2010)².

Nesse mesmo texto citado da wikipedia, há a apresentação da matriz CSCW, conformeproposto por Johansen (1988) e Baecker (1995) que considera os contextos do trabalho emduas dimensões: “first, whether collaboration is co-located or geographically distributed,and second, whether individuals collaborate synchronously (same time) or asynchronously(not depending on others to be around at the same time)”. (COMPUTER. . . , September2010)³.

Essa matriz é composta de quatro regiões:

a) Mesmo tempo/mesmo lugar (espaço) – Interação “”.b) Mesmo tempo/diferente lugar (espaço) – Interação remota.c) Tempo diferente/ mesmo lugar (espaço) – Tarefas contínuas.d) Tempo diferente/lugar (espaço) diferente – Comunicação + coordenação.

De acordo com a região da matriz, há técnicas e mecanismos apropriados para a execuçãodas atividades colaborativas.

2. (“Por outro lado, diferentes autores sustentam que enquanto groupware refere-se a sistema real baseado emcomputador, CSCW enfoca o estudo de ferramentas e técnicas de groupware bem como seus efeitos psicológico,social e organizacional”.

3. “primeiro, se a colaboração é co-locada ou geograficamente distribuída, e segundo, se os indivíduos colaboramsincronamente (mesmo tempo) ou assincronamente (sem depender de que outros estejam juntos ao mesmotempo)”

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Entre as ferramentas colaborativas existentes pode-se citar: Microsoft SharePoint,TalkAndWrite, IBM Lotus Note, Project Server e Teamspace. (SOFTWARE..., jul. 2010).Os softwares de e-mail e de bate-papo (chat) também pertencem a essa categoria. Entre ossistemas que usam o trabalho livre estão o Software Livre e a Wikipedia, a enciclopédia livre.

Queremos registrar que o presente texto foi construído via e-mail (assíncrono – tempodiferente/espaço diferente) com momentos de coordenação “cara a cara” e por telefone; arevisão técnica final foi “cara a cara”.

8 Telemedicina

Dertouzos (1997, p. 213) previa que:

[...] Em poucos anos, especialistas médicos do mundo inteiro estarão disponíveis, ondequer que a pessoa precise deles. E o estado de saúde da pessoa naquele momento, assimcomo os prontuários médicos, poderão ser consultados por qualquer médico, desde que opaciente o consinta.

Esta afirmação está no início do capítulo sobre saúde, no instigante livro O que será:como o novo mundo da informação transformará nossas vidas (What will be; How the new worldof information will change our lives). Ao mesmo tempo que apresenta as perspectivas futurasna área, ele vai indicando o que existia de real naquela ano de 1997.

Em situações extremas, haverá necessidade de trânsito rápido e confiável de informações;acesso de qualquer lugar a qualquer lugar.

[...] Equipamentos de monitoramento, alguns até em veículos de emergência e re-sidências de pacientes que não podem se locomover, ajudarão pessoas e máquinas aacompanhar, à distância, parâmetros vitais para garantir segurança, diagnósticos esocorro imediato. Uma viúva que passa as noites sozinha em sua casa, não precisará detrês turnos de enfermeiras residentes, se estiver conectada a um monitor instalado pertoda cama, quando for dormir. [...] (ibidem, p. 219)

Uma cirurgia usando um mini-robô inserido no intestino de um paciente é descrita peloautor como possível no futuro. Com uma minicâmera embutida no pequeno dispositivo,o cirurgião vê o campo enfocado e manipula cuidadosamente o joystic que controla orobô; toda a operação de um tumor é descrita. No final da descrição Dertouzos pergunta:“Essa cena bizarra pode acontecer, um dia? Sim, pois seus diversos componentes estão seencaixando pouco a pouco”. E ele relata pesquisas em desenvolvimento àquela altura parase atingir a cirurgia com mini-robôs como a que ele descrevera. Nessa cirurgia alcançam-seespaços não atingíveis a não ser com incisões invasivas com extensos cortes externosno paciente.

Em seguida o autor, em suas especulações futuras, considera uma operação realizada como auxílio de um robô controlado à distância, imaginando o cirurgião a 4 mil quilômetros dedistância do paciente. Também relata uma experiência real, ainda rudimentar, feita por umcirurgião que suturou, à distância, órgãos de um animal. Mas Detouzos adverte:

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[...] Num cenário mais realista de telecirutgia, a confiabilidade dos sistemas complexos,que combinam hardware e software de computadores além de linhas de comunicação,seria precária demais quando se trata de vidas humanas. [...] (ibidem, p. 224)

Em relação à matriz CSCW apresentada pode-se caracterizar essa cirurgia no plano dainteração remota desde que se considere a possibilidade de vários especialistas interagindo,inclusive uma equipe local na sala de cirurgia.

9 Vulnerabilidades

A disseminação de comunicações interpessoais atingiu, na rede, uma grande amplitude. Asinterações começaram com e-mails e, atualmente, contam com variados mecanismos paraefetivá-las com produtos de diversos fabricantes disputando espaço entre as pessoas ávidasde participarem de verdadeiras comunidades eletrônicas com os mais variados interesses.

São instrumentos de grande valia na ampliação da comunicação humana e sem anecessidade de deslocamento físico das pessoas. Facilidades excepcionais surgidas a nãomuito tempo e extensivamente utilizadas. Distâncias geográficas percorridas em velocidadeeletrônica, o espaço praticamente eliminado, e as pessoas “cara a cara” embora distantes.

As vantagens dessa facilidade de comunicação se dão em diversas áreas e setores. Nasociedade em geral, nos negócios, na economia, na política, na educação, no âmbito pessoal,atingindo, pela capilaridade da rede, as mais distantes localidades do planeta. Abre-se,assim, um extenso campo de exposição dos indivíduos. Perfis pessoais são postados e comoconsequência liberados para acesso sem grande cautela para garantir a privacidade e aintimidade, algumas vezes até com o desejo explicitado pela própria pessoa atingida.

Virilio (1999, p. 61), cita o caso de uma americana de vinte e cinco anos, June Houston,relatado no Le Monde de 18 de novembro de 1997. A jovem instalou, em sua residência,quatorze câmeras em lugares estratégicos da casa.

Como cada uma dessas live cams deve transmitir visões num site da WEB, osvisitantes que entram nesse site se tornam assim “vigias de espectros” – ghost watchers.

Uma janela de diálogo permite enviar pela Internet uma mensagem de alerta àjovem mulher caso um “ectoplasma” qualquer venha a se manifestar.

“É como se os internautas se tornassem vizinhos, testemunhas do que acontececomigo”, declara June Houston.

A televigilância, assim, propositadamente estabelecida, não é mais fruto de invasão deprivacidade e de intimidade conseguidas por meios ilícitos, “mas de partilhar suas angústias,seus fantasmas, com toda uma rede, graças à superexposição de um lugar de vida”.

“Não quero que as pessoas venham fisicamente ao meu espaço. Eu não podia,pois, receber ajuda exterior, até entender o potencial da Internet.”

Com essa confissão, June Houston ilustra a natureza da pretensa “comunidadevirtual” e a existência fantasmática de um novo tipo de proximidade, de “teleproximi-dade social”, que renova totalmente a vizinhança, a unidade de tempo e de lugar dacoabitação física.

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Graças a essa iluminação em “tempo real”, o espaço-tempo do apartamento de cadaum se torna potencialmente comunicante com todos os outros [...] (ibidem, p. 61-62).

A vigilância desejada, consentida, como no caso de June Houston, não é comum, mas adivulgação de perfis pessoais nas comunidades virtuais pode se expandir a ponto de atingirníveis íntimos e com possibilidade de usos indevidos por terceiros Há ainda os reality shows,nos quais as pessoas se expõem na disputa por prêmios e dinheiro.

Há, claro, a vigilância estabelecida e consentida, a oficial que, atualmente, pela busca desegurança pessoal, faz com que os indivíduos abram mão da privacidade e até da intimidadeem troca de proteção, pelo menos, assim muitos pensam em uma sociedade que, dia a dia,se torna mais violenta.

O imenso espaço disponível em diversos tipos de dispositivos eletrônicos permite oarmazenamento de informações e dados pessoais fornecidos por conta de obrigações docidadão para com o Estado, por necessidades de pagamentos de tributos, em operaçõesfinanceiras, pela vantagem de se ter um histórico individual de saúde em arquivos médicos,por exigência de ficha funcional em instituições onde se trabalha, enfim, necessidadese obrigações exigidas das pessoas que vivem na era da informação. Essas informações,em muitos casos, ficam protegidas por uma simples senha, de posse de uma pessoa,que acaba repassando-a para outra, e outra e que alguém de má fé pode consegui-lacom certa facilidade. Também, informações importantes poderão ser destruídas emvelocidade eletrônica.

Se, a cada dia, mais informações são exigidas e armazenadas em equipamentos quedispõem de crescente espaço para armazenamento e acessíveis em frações de tempo, pode-seimaginar, pelo menos imaginar, o surgimento do Grande Irmão (Big Brother) do livro 1984(Nineteen eighty four), de George Orwell. Entretanto, o Grande Irmão não será viabilizado, seo for, apenas pela informática, mas com a convergência de tecnologias e de mídias. O pior,na verdade, é um Grande Irmão invisível, enraizado nas mentes anestesiadas das populaçõesdo mundo sem que dele se tenha conhecimento viabilizado por um pensamento único.

O espaço virtual é um espaço aberto a todas as vertentes ideológicas, políticas, educacio-nais, enfim, liberdade praticamente total para disseminação filosófica, cultural, política,artística, para todas as potencialidades humanas. O que, na verdade, pode ser uma vantagem.

10 Considerações Finais

A partir do momento que se torna possível estabelecer uma íntima relação entre o espaço,o tempo e a matéria, como proposto pela Relatividade Geral na Física Moderna, entãoé possível, também, vislumbrar uma mesma intimidade entre os diversos ramos do saber.O espaço e o tempo, certamente, estão presentes em todos esses ramos e, de formafundamental, relacionados com as suas matérias específicas.

A Informática como ciência meio, aplicável, como tem sido, aos mais diversos ramos dosaber pode, talvez, com mais facilidade evidenciar a aglutinação de uma remontagem doconhecimento.

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VII O Tempo e o Espaço na Informática

Foi mostrada aqui uma abordagem estabelecendo a presença de um espaço e tempointernos próprios da Ciência da Computação, relacionando espaço com memória docomputador e por extensão com seus dados e, também, do tempo com o processador e comseus algoritmos.

É possível, portanto, neste contexto, ir além e estabelecer, também, um relacionamentocom o conceito de processo, considerando toda a dinâmica nele envolvida, e o conceitode espaço-tempo que emergiu com a Relatividade Restrita, reforçando um pouco maisa afirmativa anterior da possibilidade de transformar espaço computacional – com suasestruturas de dados – em tempo computacional – através do funcionamento algorítmico – evice versa, de acordo com a construção de diferentes processos – todos eles provendo umasolução para o mesmo problema – cada um enfatizando mais a parte dos dados ou a partedo algoritmo.

Pode-se crer que em cada área de estudos seja possível, também, apontar a existência deum espaço-tempo próprios onde ocorreriam as discussões de seus processos específicos,como mostra a variedade de textos apresentados nesta publicação da Academia Paraense deCiências.

Avançando no raciocínio, foi mostrada a expansão da discussão para buscar integrara computação com o espaço e tempo externos através da comunicação de dados entrecomputadores.

Para isto foram usados os exemplos de Educação à Distância (EaD) e o que poderíamoschamar de Medicina à Distância (MaD), ilustrando assim com a EaD o futuro e com aMaD o passado, considerando o universo da condição humana. Esta abordagem permitiria,por exemplo, estabelecer uma relação recíproca entre essas duas áreas de conhecimento,aparentemente díspares.

A dificuldade maior apontada na EaD para ir além da simples transmissão do conhe-cimento pode muito bem ser associada à Medicina Preventiva para ir além da MedicinaCorretiva, pois o processo educativo fica mais evidenciado na prevenção, com sua caracte-rística futura servindo de indício esclarecedor.

Quem sabe se com esses relacionamentos vindos à tona, técnicas semelhantes poderiamser introduzidas, levando-se em conta as devidas adaptações, para tratar de ambos os casos?

Quem sabe assim, de alguma maneira as ideias básicas do Logo de Papert e a análisecorrelata de Dertouzos sugeririam uma possibilidade, por exemplo, de uma linguagempreventiva como suporte para um processo educativo mais eficaz com o intuito de criar umambiente simbólico mais saudável com o intuito de melhoria da saúde humana?

Para falar em termos mais práticos, porém ainda no nível da especulação, mas con-siderando o exemplo do Controle Remoto Dual (CRD) que seria possibilitado pelaComputação Quântica para aplicação na MaD, o aparelho cirúrgico seria operado direta-mente através de um CRD entrelaçado com o Controle Remoto do Cirurgião. Desta forma,a questão crítica do retardo, apontada anteriormente, ficará significativamente reduzida.

A questão das vulnerabilidades propicia uma conglomeração deste texto, além detorná-lo bem mais atual e completo, pois as vulnerabilidades fisiológicas possuem uma

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relação muito imediata com as psicológicas, a saber, a informação é o que existe de comumentre a fisiologia e a psicologia.

A informação tem sido associada de modo imediato à organização, assim não existeinformação enquanto se percebe apenas o caos. À mínima percepção de ordem emerge,sempre, a informação e, talvez, as maiores estruturas organizadas do universo sejam ocosmos e o organismo humano. A partir desse ponto, pelo menos em princípio, retornamosao nosso ponto de partida.

Sendo assim é de se perguntar: será que os conceitos de algoritmo e de estrutura dedados se tornarão relevantes para um entendimento adequado sobre a importância dainformação e em que bases estariam relacionadas com a origem do universo e da vida?

Por outro lado, certamente é necessário, então, por princípio, levar em conta os aspectosde espaço e de tempo. Ramos (1998) postula a associação do aspecto fisiológico ao espaço--tempo newtoniano e do psicológico com o ao espaço-tempo einsteiniano com múltiplaspossibilidades inclusive a da elucidação de grandes enigmas e paradoxos envolvendo ambasas teorias físicas e evidentemente a nossa dupla natureza psicossomática.

O avanço da Física Moderna estabelecendo leis como o Princípio da Incerteza deHeisenberg, o da Complementaridade de Bohr e principalmente a Equação de Onda deSchroedinger sugere que a trajetória científica está levando, cada vez mais, a se legislarsobre o comportamento da informação do que sobre a matéria e a energia em si; as leisestão, realmente, perdendo suas características concretas e apresentando propriedadesmais abstratas.

O fato de a informação assumir relevância crescente na Ciência Física que determinan-temente materialista indicaria uma mudança fundamental de perspectiva dos problemasda natureza.

É bom ressaltar, também, que do ponto de vista da vulnerabilidade da informaçãoa natureza, normalmente, se resguarda da perda através de uma superfície de contornobem definida como a membrana da célula, a casca do ovo e a pele do animal procurandomaximizar o ciclo de vida de suas estruturas (CAPRA, 2006).

Um estudo mais aprofundado, talvez, esclareça melhor essa ação da natureza, pois essecontorno revelaria, na realidade, o confinamento necessário do espaço-tempo próprio decada caso.

Para um melhor funcionamento dos procedimentos de segurança tudo indica que devemser parte integrante da própria estrutura, como no caso do encapsulamento muito bemdefinido na programação orientada à objeto. Do mesmo modo o confinamento poderiaresultar em uma teoria ainda mais efetiva para atender os requisitos da vulnerabilidade.Um estudo mais aprofundado, talvez, esclareça melhor essa ação da natureza, pois essecontorno revelaria, na realidade, o confinamento necessário do espaço-tempo característicode cada caso.

No exemplo do ovo e da galinha ambos teriam a mesma informação apenas que emespaço-tempo diferentes. Fundamentado na proposta de Ramos (1998) seria possívelafirmar que o espaço-tempo do ovo é extremamente acelerado em relação ao da galinha,pois ele passaria em pouquíssimo tempo, no caso uns poucos dias, através da escala de

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VII O Tempo e o Espaço na Informática

bilhões de anos de evolução do animal. “O ovo e a galinha são simultâneos”, portantonão houve primeiro nem segundo, então, eles devem ser considerados recursivamente.(KIKUCHI, 1987)

A pesquisa científica dedicada a esse assunto poderá revelar além do declarado desenvol-vimento recursivamente simultâneo da semente e do ser por ela gerado, revelaria, também,as ideias básicas necessárias para a construção de um computador orgânico cuja capacidadede processamento. O Autômato Celular apresentado em Capra (2006) indica uma direçãonessa caminhada científica. Essa teoria é reforçada pela possibilidade da construção damicélula (teoria da célula mínima), pois permite vislumbrar um caminho efetivo para arealização da computação orgânica de modo controlado.

Segundo Morin (2002), a computação é indicada como um processo indispensável parao surgimento da vida. É possível, extraordinariamente, formar uma ideia a respeito desseassunto através da experiência de visualização de estereogramas (RHEINGOLD, 1994),pois o próprio aprendizado dessa visualização em terceira dimensão a partir de imagens emduas dimensões, nos permite avaliar quanta computação automática nosso organismo écapaz de realizar.

Existe, também, uma outra experiência mais radical que, talvez, não seja passível derealização por um grande número de pessoas como no caso dos estereogramas: A capacidadede intuição de figuras geométricas com 4 dimensões descrita por David e Hersh (1985) naqual o próprio computador é utilizado na concretização dessa representação estética interna.No testemunho apresentado pelos autores dessa Experiência Matemática pode-se apenasconjeturar sobre o colosso da computação orgânica envolvida no processo. Por extensão,fica-se a imaginar o mesmo para a diversidade de todos os outros processos orgânicos tãoou mais complexos ainda.

Referencias Bibliográficas

[1] ARGENTIÈRE, R. Espaço, Tempo e Matéria. São Paulo: Pincar, 1958.

[2] BERLINSKI, David. O Advento do Algoritmo: a ideia que governa o mundo. São Paulo:Globo, 2006.

[3] CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. SãoPaulo. Ed. Cultrix, 2006.

[4] COLLIS, Graham P. Nós quânticos da computação. In: Scientific American Brasil, no 48,maio 2006. São Paulo: Duetto.

[5] COMPUTER supported cooperative work (september 2010). Disponível em:http://en.wikipedia.org/wiki/Computer_supported_coopertive_work. Acesso em:5 out. 2010.

[6] DERTOUZOS, Michael L. O que será: como o novo mundo da informação transformaránossas vidas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

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Arnaldo Corrêa Prado Junior & Pedro Leon da Rosa Filho

[7] DIAS, Matias F; WEBER, Leonardo. Teoria da Recursão. São Paulo: Editora Unesp,2010.

[8] ELIASQUEVICE, Marianne Kogut; PRADO JUNIOR, Arnaldo Corrêa. O papel daincerteza no planejamento de sistemas de educação a distância. In: Educação e Pesquisa.São Paulo: Universidade de São Paulo/Faculdade de Educação, v. 34, no 2, p. 309-325.

[9] HAWKING, Stephen W. Uma breve história do tempo; do Big Bang aos buracos negros.Tradução de Maria Helena Torres. Rio de Janeiro: Rocco, 1988/2000.

[10] HOPCROFT, John E.; MOTWANI, Rajeev; ULLMAN, Jeffrey D. Introduction toAutomata; Theory, Languages, and Computation. 2nd Edition, Addison Wesley, 2000.

[11] KIKUCHI, Tomio.Simultaneidade Ternária. São Paulo: Editora Musso, 1987.

[12] MORIN, Edgar. O Método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina,2002.

[13] RAMOS, Maria B B. Macromicro: Ciência do Sentir. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

[14] RHEINGOLD, Howard. Estereogramas. Portugal: Gradiva, 1994.

[15] RUSSELL, Bertrand. ABC da relativdade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Riode Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

[16] SOFTWARE colaborativo. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Software_colaborativo (9jul. 2010). Acesso em: 5 out. 2010.

[17] VIRILIO, Paul. A bomba informática. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo:Estação Liberdade, 1999.

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VIIIO Tempo e a Arquitetura

Jussara da Silveira Derenji¹[email protected]

Uma propaganda recente, divulgada pela televisão, tinha como fio condutor a ação do

tempo sobre rostos, rostos de mulher mostrados em suas diversidades para vender umproduto que não quer, e isto seria o diferencial proposto, uniformizá-las ou deixá-las semidade numa milenar aspiração de perene juventude. A proposta é, ou assim eu a entendi,dar-lhes o valor de indivíduo, de ser humano que viveu e desta forma adquiriu, assimilou emostra características próprias. O tema repetido ao longo do comercial é: Cada rosto temsua história. Reconhecer e aceitar a passagem do tempo num rosto, ou prédio, conjunto deedifícios ou cidade, este é o ponto de partida para a reflexão sobre o tempo na arquitetura,que está sendo proposta.

A passagem do tempo nos indivíduos, e nas coisas, tem o estigma da deterioração, maisque tudo significa, na nossa cultura, a perda da beleza encarada como a perfeição quesó a juventude poderia possuir. Nos objetos, inclusive os de arquitetura, a passagem dotempo traz como consequência e nesta mesma ótica, a decadência, a perda da perfeição quesupomos existir na forma original. Os ideais de beleza são, porém, notoriamente mutáveise sujeitos a padrões que cada época estabelece. A Vênus de Milo, vista e admirada pormilhões de visitantes em seu habitat parisiense no Museu do Louvre, não seria aceita emnenhuma passarela de moda atual. Nem a Vitória de Samotrácia, ou as mulheres retratadasem poses sensuais por Rembrandt, muito menos por Cranach, se situam nos padrõesde beleza do mundo moderno, embora se possa admitir que algumas representações demulheres e homens da antiguidade se enquadrariam em padrões de beleza atual, talvez nem

1. Arquiteta e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e da Academia Paraense de Ciências.

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Jussara da Silveira Derenji

o tendo sido na mesma intensidade em seu tempo. Isso, saliente-se, nada influi na fruiçãoda obra de arte para a qual se aplica expressão de Cesare Brandi de “um eterno presente”.²

A duração dos edifícios pode alcançar períodos muito superiores aos dos que sãousuais, ou esperados, em seres humanos. A perenidade, ainda que relativa, dos objetosarquitetônicos faz com que sua desaparição dependa em grande parte de determinaçõeshumanas. Os prédios, diferentemente dos indivíduos não precisam necessariamenteenvelhecer e morrer em uma centena de anos. O patrimônio em “pedra e cal”, se cuidado,restaurado, utilizado, permanece por séculos mesmo mostrando em seu “rosto” uma históriae nada mantendo de seus significados iniciais. Stonehenge, as pirâmides do Egito, ou as daAmérica Central, os templos de Angkhor, as fortalezas, palácios e templos dos mais diversosperíodos e civilizações, são exemplos desta possibilidade de permanência mesmo que ossignificados originais tenham se perdido. A “morte” prematura de um objeto edificado,e até de ruas ou cidades pode, no entanto, ser decretada por determinações ditadas pormotivos dos mais variados como mudanças de conceitos estéticos, recomendações sanitáriasou critérios de trafegabilidade urbana.

O seu inverso, ou seja, a preservação ou o desejo dela, não se baseiam em eventuaisvalores venais e nem mesmo na possível utilidade do objeto, embora estes possam ser fatoresa ser considerados. Objetos de arquitetura, trechos urbanos ou cidades inteiras são mantidosmuitas vezes menos pelo valor venal que possam ter do que por um juízo de valor que lhesé atribuído e os torna antigos, dignos de serem admirados. Os objetos de arte, como joias,eventualmente são expostos em locais especiais e disputados por colecionadores.

Não há “utilidade” em fortalezas antigas, por exemplo, mas guardando as devidasproporções o Castel Santangelo em Roma ou fortaleza do Presépio no Centro Históricode Belém, são objetos arquitetônicos cuidadosamente preservados, visitados, expostos aum público atento e reverente. Não sabemos exatamente para que serviam as colunas deStonehenge, apesar das muitas hipóteses aventadas, mas elas são patrimônio da humanidadeprotegido por legislação internacional. Mesmo os não budistas lamentaram a perda dosBuda de pedra destruídos pelo movimento Talibã, em data bastante próxima, ainda que nãotenham o mesmo credo religioso ou possam não achar qualidade artística nas peças citadas.Lidamos nestes casos com um valor simbólico, não meramente religioso ou sócio-político,atribuído a algo que passa a ultrapassar os conceitos de utilidade, valor de troca e estética,adquirindo a capacidade de ser preservado.

A pergunta que se coloca então, é: porque algumas coisas, dentre elas prédios, envelhe-cem e perdem valor, são descartados, destruídos, esquecidos, e outros merecem preservação?Ou formulando de forma diversa, porque existem arquiteturas que se tornam velhas eoutras, antigas?

A diferença entre velho/ antigo não é irrelevante, como pode parecer. A determinação doque permanece, do que consideramos antigo e valioso, é nossa responsabilidade como já o foipara gerações anteriores. A passagem da herança histórica e artística na forma de arquitetura

2. Brandi, Cesare. Teoria da restauração, p. 55

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VIII O Tempo e a Arquitetura

preservada com o entendimento de patrimônio histórico é um conceito que se desenvolve apartir da França em data relativamente recente na história da humanidade, o fim do séculoXVIII. Antes deste início de sistematização para políticas de preservação que hoje estão emprática em quase todos os países do mundo, a perenidade dos edifícios dependia de suadurabilidade construtiva e das possibilidades de reaproveitamento, largamente utilizadasem períodos anteriores ao nosso, e isso explica porque temos tão poucas lembranças dearquitetura civil, e tantos exemplares de monumentos, igrejas e palácios.

Uma das formas mais simples, mais usuais, de transmitir valores é exatamente aconstrução de monumentos entendidos na sua forma mais ampla, de espaço significativo,lugar e símbolo, marcados e delimitados, por elementos artísticos ou arquitetônicos. Estesvestígios do tempo passado são preservados, como marcos da memória, ainda que, comosalienta Giulio Carlo Argan, o sentido original possa ter se perdido.

Mesmo que se assuma como premissa que a relação cultura/cidade não se esgote napreservação de monumentos eles são uma das partes mais visíveis e demonstrativas dosvalores legados, eles são os “icebergs” da memória, de uma herança, aliás, essa é a origem doconceito de patrimônio surgido no século XVIII, um bem a ser transferido, um tesouro, umvalor. Uma herança que recebemos e que determina atitudes que terão influência no futuro.

Trabalhamos, na preservação urbana ou arquitetônica, portanto, em três direções:reconhecimento de valores do passado, uma atitude de avaliação, no presente, e a decisãode transmiti-los³ ao futuro. Surge daí um outro questionamento, proposto pelo mesmoArgan, e que poderia ser resumido no seguinte: com que direito ou mandato se podedeterminar hoje quais as condições da vida social em 100, 50 ou até mesmo 20 anos?Que padrões utilizaremos para determinar o valor arquitetônico e artístico de prédios,conjuntos e traçados urbanos, valor que sinaliza, em nosso tempo, as permanências eportanto, determina, as perdas e as heranças futuras?

Com que direitos pretendemos interferir no futuro? Talvez com o mesmo direito que asgerações que nos precederam construíram monumentos, palácios, igrejas, catedrais que hojesão marcos, condições, limites e referencias para a cidade atual. Não é difícil perceber, porémque os que nos precederam construíram estes edifícios e marcos para suas necessidades enão para as nossas. Sem dúvida, diz Argan, construíram-nos sólidos e imponentes para quepermanecessem no futuro, mas com a ideia de que permanecessem válidos os valores queestes monumentos deveriam representar. Nós os preservamos por razões diferentes, “seconservamos estes monumentos o fazemos porque essa é uma exigência de nossa cultura,tanto assim que atribuímos a eles um significado diferente daquele para o qual foramconstruídos”.

Isso que Argan denomina como “exigência de nossa cultura” é exatamente o pontocrucial, a diferença entre o nosso tempo e os anteriores. Quando um imperador romanomandava erguer um Arco Triunfal, celebrava uma vitória em batalha, uma conquista.A construção e a exposição daquele marco tinham objetivos precisos de manter viva a

3. Argan, obra citada.

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Jussara da Silveira Derenji

lembrança do fato político, da façanha guerreira como forma de lembrar e manter opoder. Os arcos romanos, os obeliscos egípcios, erguiam-se nas cidades como testemunhosde domínio. Seriam derrubados, esquecidos ou transformados, e muitas vezes o foram,numa eventual mudança política. Claros exemplos disso são os obeliscos de Paris ou deRoma, trazidos do Egito conquistado e símbolos desta conquista. Hoje são indecifráveis,inelegíveis na simbologia e escrita original, mas se transformaram em marcos, identificáveise legítimos, no meio urbano onde foram inseridos ainda que o significado atual nenhumarelação mantenha com os anteriores, que poucos conhecem ou podem identificar.

Quando no século XVIII inaugura-se o conceito de patrimônio histórico, artístico,arquitetônico e se começam a elaborar as premissas para a preservação de monumentos esítios, variáveis muito distintas se tornam motivo de discussão. Perdidos os significados quemotivavam as construções em que se basear para estabelecer outros valores perenes? Se nãopodemos alegar beleza, valor de troca, utilidade, possibilidade de reaproveitamento, se nãomais identificamos a simbologia de seu surgimento na cidade, em que valores amparar apermanência dos monumentos?

A evolução dos conceitos de bens com interesse à preservação tem sido constante e cadavez mais abrangente nas ultimas décadas. Ainda assim, permanece subjetiva a noção dovelho/descartável e do antigo/valioso. No século XVIII entendia-se como preserváveis,ou seja, como valores a serem transmitidos como herança de seu tempo, o que restavado “antigo”, ruínas da antiguidade clássica em grande parte e, ainda, palácios e igrejasmais recentes como os do renascimento ou medievais. Assim reconhecia-se o “valor” decivilizações anteriores: reduzidas às que tinham dado origem à cultura eurocêntrica: Grécia,Roma e por extensão dela o Egito. Também adquiriam o direito à perenidade as própriasconstruções europeias, no estrito entendimento de edifícios monumentais.

O desenvolvimento das disciplinas relativas à preservação e à extensão dos conceitosde patrimônio para outros continentes e civilizações, ampliou a questão e agudizou anecessidade de se estabelecerem distinções entre o que deveria ser mantido e o que podiaser destruído.

O tempo se inclui nestas discussões de forma um tanto peculiar. Ele destrói ascaracterísticas originais, desfigura e modifica formas mas, também se incorpora como umvalor. O tempo age se depositando sobre o objeto, a arquitetura, a obra de arte, formandouma camada de resíduos em forma de vivências e significados. A incorporação desteimponderável peso pode mudar o conceito de belo, reverter a ideia de utilidade, indicar umapermanência tornada necessária por valores adquiridos e não ligados a origem, destinaçãoou entendimento estético originais.

Como reflexão, como exercício, pode-se propor a leitura de um espaço conhecido dequase todos habitantes do centro da cidade de Belém, a igreja de Santana. Projetado pelodesenhador da Comissão Demarcadora de Limites, Antonio Giuseppe Landi, o prédio foiconstruído entre 1762 e 1782, com recursos doados pelo próprio projetista, pelo capitãogeral da Província, por fiéis e devotos da Santa. Landi, que chegara a Belém em 1753, usounas obras “negros” de sua propriedade já que possuía escravos em grande número por ser umproprietário de engenhos, uma de suas fontes de rendas além das do exercício da profissão e

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VIII O Tempo e a Arquitetura

várias outras atividades comerciais. Foi erguida sem torres por seu projetista e construtoritaliano e assim ficou por 80 anos. Em 1840 elas foram colocadas. No mundo portuguêsigrejas tinham necessariamente torres, e o mundo onde nos inseríamos era português,mesmo que a independência tivesse ocorrido há décadas. Quando isso aconteceu Landi eraum nome esquecido.

No fim do século XIX e começo do XX, Belém era a principal cidade da região e o únicoporto regional por onde a produção de borracha era escoada para o exterior. O comérciodeste produto foi a principal fonte de renda e riqueza, ainda que efêmera, da Amazôniabrasileira até 1911, ano que assinala o início da curva descendente das exportações. Entre1890 e este ano de 1911, circulam ou se fixam na cidade muitos profissionais de Arquiteturae de Engenharia, além de um número significativo de operários especializados, artesãose artistas, de várias origens europeias. O predomínio seria, nesta área de construção e dedecoração, de italianos. A forma de inserção dos recém chegados utilizou largamente osrecursos da imprensa, livros, artigos em jornais e revistas, em italiano ou em português alémde memoriais e justificativas dos projetos ou construções. Neles, a arquitetura portuguesa,sinônimo da colonial, era considerada sem valor ou qualidade, sem beleza ou estabilidadee a essas opiniões se somavam as dos governos locais que, em seus relatórios ou Álbunsde Governo, se esmeravam nas criticas aos mestres de obras (a maioria deles portugueses)classificando os prédios da cidade de verdadeiros “aleijões”.⁴

As construções monumentais do século XVIII, igrejas, palácios e residências senhoris,hoje objeto de medidas especiais de preservação, eram apenas “vetustas construções” pois,“salvo raras exceções Portugal nada produziu que possa impor-se à sã crítica de arte. Portugalcolonial, sob o ponto de vista estético é uma verdadeira miséria” dizia o italiano RaffaelloSegrè, biografo de um engenheiro ativo no fim do século XIX no Pará.

Não houve lugar para nenhum questionamento, portanto, quando o palácio dosgovernadores, erguido com projeto de Landi no século XVIII, foi desfigurado e redecoradono ano de 1904. Era apenas mais uma “vetusta” construção a ser embelezada e modernizada,palavras tão caras à burguesia da borracha e aos governantes regionais. Não houve tambémnenhuma reação quando as paredes de Santana passaram a ostentar pinturas ornamentaisnos anos 40, espalhando verdes, rosas e azuis pelos altares coloniais. Os tetos receberampinturas figurativas de apelo religioso e a cúpula perdeu seu revestimento original comoacréscimos bem vindos ou perdas insignificantes.

Landi só começaria a ser resgatado do esquecimento por um pesquisador norte--americano, Robert Smith, na metade do século XIX, duzentos anos depois de ter feito asprimeiras intervenções na Arquitetura e na elaboração dos espaços reconhecidos hoje comoos mais significativos da cidade atual. Aos textos de Smith se seguiram, depois de 20 anos,os de alguns pesquisadores nacionais. Donato Mello Junior, arquiteto carioca e professordo curso de arquitetura que começara a funcionar em Belém em 1963, o engenheiro local

4. Exemplos e comprovações podem ser encontrados nos relatórios da Intendência Municipal, de 1897 a 1908.

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Jussara da Silveira Derenji

Augusto Meira, e o arquiteto Roberto la Roque reativam localmente o interesse por Landinos anos 70.

Neste período a Igreja de Santana além das modificações já citadas não possuía mais ospisos originais, substituídos por “modernos” ladrilhos hidráulicos e recebera acréscimosdesfiguradores, internos e externos. As outras obras de Landi não tinham merecido melhortratamento. O Hospital Real (modificação feita por ele em prédio residencial) servia comoposto de abastecimento do Exército, a igreja de São João tivera as pinturas em trompe l’oeilrecobertas por tintas neutras e altares pseudo-góticos completavam a nova ilusão do olhar.

No século XVIII Landi fora participante ativo da construção da cidade e de seussímbolos, era um personagem na história. Durante o XIX seu nome foi esquecido e suasobras consideradas como prédios de arquitetura portuguesa, genericamente considerados“vetustas construções” “sem estilo” ou do “barroco destruidor das artes”. Na metade doséculo XX começa a ser resgatado, lentamente, primeiro por pesquisadores estrangeiros edepois por um punhado de nacionais. Na virada do século XX para o XXI Landi passariaa ser considerado a figura mais importante da arquitetura local e toda sua obra, inclusivediscutíveis atribuições, objeto de pesquisas nacionais e internacionais.

Muitas de suas obras não resistiram à gangorra de critérios e opiniões divergentes sobreseu valor. A maioria das residências, hoje reconhecidas como de traços precursoramenteneo clássicos, desapareceu. O palácio de governo ainda que restaurado e tendo recuperadotraços do projeto original teve a fachada modificada e os interiores ecletizados. A capelaPombo, atribuída a Landi, está em péssimo estado de conservação. O Murutucú, local desua residência, hoje ostenta apenas ruínas.

A ação do tempo sobre a obra de Landi parece constitui, portanto, um bom motivo dereflexão. Se no passado, pouco mais de cem anos atrás, tivessem sido considerados os padrõesda época, no entendimento do período de qualidade, adequação, beleza, utilidade, estilos,os prédios de autoria Landi poderiam ter sido demolidos sem reações. Salvou-os serem“vetustas construções“ que embora sem “estilo” ou, do então pejorativamente considerado“ barroco” se qualificarem a ser preservados pelo tempo que continham, que sobre elesdepositara uma carga simbólica ainda não perfeitamente entendida. O tempo preservou-osmais do que um valor que ainda lhes era negado. No bojo das discussões sobre o modernismo,dos anos 20 em diante, as construções coloniais adquiriram a capacidade de ser consideradascomo o “antigo”e o “valioso” que convivia com a criação das novas formas.

O resgate intelectual consolidou, a partir dos anos 1950, a construção de uma novaleitura das obras de Landi na cidade elegendo-as, escolhendo-as, como locais simbólicos deum tempo e de uma arquitetura que não mais existiam. Mesmo modificados, desfiguradose acrescidos de uma nova visualidade, passam a constituir objetos valiosos da memóriacoletiva e capacitam-se a receber proteção especial, aplicando-se a eles as leis e medidas detombamento oficial para preservação.

As pesquisas do fim do século XX elucidam quase completamente as nuances dasmudanças, os acréscimos e as perdas, outras marcas do tempo na produção arquitetônica doarquiteto italiano.

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VIII O Tempo e a Arquitetura

Não parece haver dúvidas de que as obras de Landi, dentre elas Santana, podem serentendidas nesta cidade de 2010, pelo menos por uma camada culta da sociedade, comouma herança a ser transmitida, um bem valioso dentre os que se pretende transmitir aofuturo. As mudanças, como o produto de beleza com o que começamos a reflexão, devemmantê-las sem pretender a juventude eterna, a imutabilidade. Como um rosto antigo, e nãovelho, pela nossa concepção, por nossa escolha. Podemos então pretender que mostrem aação do tempo sobre elas. Como um indivíduo um ser humano que viveu e desta formaadquiriu, assimilou e mostra características próprias os prédios devem mostrar a sua história,o seu tempo e o entendimento que, humanamente falhos, fazemos deles.

Referências Bibliográficas

[1] ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. Martins Fontes, São Paulo,1992

[2] BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Artes e Ofícios, São Paulo, 2004.

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IXTempo e História na Grécia Clássica

Geraldo Mártires Coelho¹[email protected]

É muito fundo o poço do passado.Não seria melhor dizermos

que é um poço sem fundo?Sim, um poço sem fundo,

se o passado a que nos referimos(e talvez só neste caso)

é o da espécie humana, a enigmáticaessência de que fazem parte as

nossas existências,naturalmente insatisfeitas e

sobrenaturalmente desditosas.Thomas Mann, José e seus irmãos

Que é, pois, o tempo?Se ninguém me pergunta, eu sei; mas

se quiser explicar a quem indaga,já não sei (...)

Por isso, o que nos permite afirmarque o tempo existe é

a sua tendência para não existir.Santo Agostinho, Confissões

Opassado e o futuro são impossibilidades fenomenológicas. Talvez sustentado poressa percepção do vivido e de sua relação com o vivo, relação somente possível no

domínio da imanência, é que Santo Agostinho (354-430), nas Confissões, escritas entre397 e 400, reduz o tempo à condição do presente, do hoje, identificando o passado comomemória e o futuro como esperança. Nesse sentido, assegura o bispo de Hipona que “éimpróprio dizer que há três tempos: presente, passado e futuro. Talvez fosse mais corretodizer: há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro.E essas três espécies de tempo existem na nossa mente, e não as vejo em outra parte. O

1. Historiador, Professor da Universidade Federal do Pará e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e daAcademia Paraense de Ciências

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Geraldo Mártires Coelho

presente do passado é a memória; o presente do presente é a percepção direta; o presentedo futuro é a esperança”.²

No eixo do tempo, do passado ao presente e deste ao futuro, e ainda que remeta aoCriador e à Criação – à “Sabedoria de Deus, luz das inteligências” – a eternidade, SantoAgostinho posiciona o homem perante o tempo, o seu movimento, as suas representações.É como se o autor das Confissões estivesse anunciando, na passagem do século IV para oV, que a sensibilidade para com o temporal é própria e inerente ao homem, assim como aconsciência física e a consciência individual também o são. Sustentam, assim, as páginasdas Confissões: “quanto ao passado, que não existe mais, e o futuro que não existe ainda,quem poderá medi-los...? Porém, quando já decorreu [o tempo] ninguém o pode medir ousentir, porque já não existe”.³

A impossibilidade fenomenológica do passado existir como categoria ou dimensãoperceptiva e objetiva do tempo seria, no correr da existência social do homem, umapreocupação física e ontológica, uma aporia própria da condição humana. O tempo, emtodas as culturas, é referencial da existência do sujeito social e cultural, e a remissãoao passado seria igualmente comum aos grupos humanos como um todo. No passadolongínquo da espécie humana, e ao desconhecimento da escrita, como a seguir melhor seráexplicitado, o homem valeu-se da memória orgânica, do esforço possível da lembrançaafirmar-se por sobre as cidadelas do esquecimento.

Ao associar e relacionar passado e memória, Santo Agostinho, por certo, pensava namemória orgânica, humana, e não na memória escrita, ou seja, quando a memória e oslugares da memória passam à condição de história por conta do trabalho do historiador. Emoutras palavras, o passado deixa de ser memória orgânica, memória dos homens, quandoas sociedades humanas dispõem da história, quando o historiador, ao valer-se das fontesescritas e não escritas, empresta vida discursiva e narrativa ao passado. A história assimentendida é uma construção cultural do passado, operação que faz desse mesmo passado,impossível enquanto fenomenologia, possibilidade da dimensão do vivido que se faz vivopor conta da história culturalmente construída.

O tempo, leia-se, o movimento histórico, sua percepção e sua representação mostram-secomo uma questão central e axiológica para a História. Do tempo do mito, o tempocircular das estações e do eterno retorno, ao tempo linear e contínuo circunscrito à ideia deprogresso, passando pelo tempo newtoniano e chegando ao tempo einsteiniano, esta é umaaporia de elevado sentido epistemológico para a História. Como a ciência da História sóexiste em relação ao tempo, ao passado e à temporalidade, não existe história fora do e aodesconhecimento de chronos.

Na tradição intelectual e filosófica do ocidente, as projeções do cristianismo sobre aconcepção do tempo foram marcantes. É possível sustentar, nesse sentido, que a relaçãoentre tempo e história ao longo da Idade Média ocidental e até mesmo à chamada

2. . AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 273.

3. . Id., p. 270.

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IX Tempo e História na Grécia Clássica

Revolução Científica moderna, foi sustentada pelo cristianismo e pela sua representaçãoúltima do tempo. Vinda da sua formulação fundadora na Idade Média, a ideia do tempono cristianismo, na forma como a representou a Igreja Católica, combinou o tempo circularda liturgia (o tempo das estações) com o tempo cronológico propriamente dito e mais otempo teológico, o da escatologia apocalíptica.⁴

A História, ou melhor, a mentalidade histórica do ocidente medieval foi forjadapelo cristianismo, como forjada também foi, repita-se, a marcação do tempo. Na baseteológico-filosófica e histórica desse processo, o cristianismo, após combinar as represen-tações do tempo antes referidas, acabou por substituir as concepções antigas do tempocircular por outra, linear. Dessa forma, o cristianismo construiu um outro sentido paraa História e para a sua marcação temporal: “a Criação, início absoluto da História, aEncarnação, início da história cristã e da salvação, o Juízo Final, fim da história.⁵ A relaçãotempo-história fundada no cristianismo avançou por sobre o medievo e chegou à idademoderna, sobrevivendo, em certo sentido, o trato filosófico-teológico dessa relação à própriaRevolução Científica moderna.

A revolução copernicana deslocou o homem do centro do mundo e o lançou paraas margens do universo, implicando uma nova e problemática leitura do tempo. Se, noséculo XVII, o homem era sujeito de um passado estimado em seis mil anos, no finaldo Seiscentos, com o teólogo holandês Isaac de Lapeyrère, o alargamento do tempohistórico implicava outra leitura do passado. Lapeyrère preocupava-se com a história dasgrandes civilizações, muitas vezes postas ao esquecimento/desconhecimento pela ação doscronologistas, “ cultores da cronologia [que] cancelam da memória do gênero humano osséculos que não têm informação”.⁶

Assim, ao findar o século XVII, em meio a debates filosóficos e teológicos, é admirávelque um teólogo como Lapeyrère sustentasse, como explica Paolo Rossi, que “naquelesmilhares de séculos desconhecidos” houvesse se desenvolvido “uma história pluralista,construída por povos diferentes, que encontra saída em diferentes civilizações”. Nessa linhade argumentação acerca da distenção do tempo histórico, concluía Lapeyrère que essasdiferentes civilizações, ainda em tempos longínquos, conduziram os homens “à construçãode grandiosos monumentos, de artes refinadas, de ciências abstratas e difíceis”.⁷

Natural, assim, que antes mesmo de Darwin e do Evolucionismo oitocentista, o estudode fósseis na forma de conchas e de peixes sustentaria a quebra de um paradigma nosquadros da revolução científica: a singularidade do tempo da natureza e do tempo dahistória. Nesse quadro, o da paleontologia moderna, os fósseis não seriam vistos apenas

4. . LE GOFF, Jacques. “História”, em Enciclopédia Einaudi 1. Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional--Casa da Moeda, 1984, p. 185.

5. . Ib., p. 190.

6. . ROSSI, Paolo. Os sinais do tempo; história da terra e história das nações de Hooke a Vico. São Paulo:Companhia das Letras, 1992, p. 175.

7. . Loc.cit.

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como corpos naturais, mas, também, como registros ou vestígios do passado. Por meio dosfósseis assim considerados, “a natureza não mais se contrapõe (em sua condição do reino doimutável) à história (o reino do devir e da mutação)”. Estabelecidas essas grandes linhas deapreensão e de problematização da relação entre Natureza e História, ficava patente que “aprópria natureza tem história” (grifo do autor).⁸

Note-se, contudo, que essas questões, de inegável significado histórico epistemológico,são apresentadas num século XVII que, transposta a sua primeira metade, seguia desviando--se da História. No Século do Método, anunciado com o Novo Organum (1620) de Bacone o Discurso do Método (1637) de Descartes, a erudição e o cientificismo comprimem ouniverso intelectual da história. Em nome de uma matematização do mundo, na formacomo a manifesta a filosofia cartesiana, o olhar para as fontes, para o passado, e as atitudesmentais daí decorrentes sustentam-se pelo imperativo categórico da dúvida, na forma dopirronismo e do hipercriticismo, ambos fundamentalmente anti-históricos.

O Século do Método, que vai de Kepler a Newton, passando por Descartes, Pascal eSpinoza, reduziu “toda a ciência à geometria e à mecânica” e submeteu o mundo à regênciade lei eternas. O sábio, sustentado pelo mundo do cosmos, aproxima-se do teólogo daContra-Reforma, amparado na exegese da Palavra. Ambos esgrimem, mesmo que de formadiferenciada no tocante á natureza dos seus respectivos cógitos, o objeto do conhecimento,o que consideravam verdades universais no espaço e no tempo. Em síntese, “o espíritodo século não só se desvia do passado, mas também zomba dele”, e proclama, como fezDescartes no Discurso do Método, a impossibilidade da história manifestar uma dada formade conhecimento.⁹

No final do século XVII, e ainda que, neste caso, refletindo a apropriação do criticismodo método a favor da história, a publicação, na França, do De Re Diplomatica (1681), deMabillon, assinala o nascimento do método histórico, com a produção dos instrumentosque permitiriam distinguir o verdadeiro do falso tratando-se das fontes. Progride, também,a erudição aplicada ao trabalho histórico, de tal forma que na passagem do Seiscentospara o Setecentos multiplicam-se os instrumentos da pesquisa histórica. Da mesma forma,criam-se ciências auxiliares da História, publicam-se fontes históricas, quer eclesiásticas,quer civis e políticas. Os limites da História abrem-se ao nascer o século XVIII, o doIluminismo e da razão iluminista.

Para além das problemáticas levantadas por um Lapeyrère, e também do contributode um Mabillon, quando finda o século XVII a História estava reduzida a um saber comfins exemplares e didáticos, como que revestida de uma destinação pedagógica. Ainda noIluminismo setecentista, mesmo atrelada e aberta às ideias de civilização e de progresso, aHistória pouco se modificou relativamente aos grandes quadros do século XVII. Foi naAlemanha, na passagem do século XVII ao XVIII, que a História passaria à condição de

8. . Ib., p. 23.

9. . CARBONELL, Carles-Olivier. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1992, p. 75-76.

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estudo especializado do passado, um estudo, como proclamaria Ranke, de como as coisasrealmente aconteceram.¹⁰

Entrado o século XVIII, o do cientificismo iluminista, milhões de anos já eram aceitoscomo a idade, como o passado da espécie humana. Como observado anteriormente, face aessa dilatação do tempo histórico, do tempo da historicidade humana, os eixos e os vetoresda história seriam radicalmente modificados, inclusive e necessariamente do ponto de vistada ideia e da representação do tempo, agora fundada na teleologia do progresso. No Séculodas Luzes, o tempo linear, o do progresso, fundamentou o nascimento e a afirmação dohistoricismo, mais tarde projetado para o século XIX, e sustentou algumas das principaisfilosofias da História, a exemplo da construída ao abrigo do pensamento, da razão kantiana.

No tocante à relação entre tempo e História, é fundamental trabalhar com um novoparadigma, qual seja, o da representação do tempo assentada sobre o pensamento deNewton. Em Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (1687), Newton supera e sepultao sentido de tempo, lugar e movimento como eram tratados pela metafísica e, por assimdizer, pelo senso comum. Para definir o fundamento científico da sua formulação, Newtondistingue um tempo absoluto, verdadeiro e matemático que decorre sem relação a qualquerordem externa, e um tempo relativo, “aparente e vulgar”, sensível e externo, “da duração pormeio do movimento que é correntemente empregado no lugar do verdadeiro tempo: taissão a hora, o dia, o mês, o ano”.¹¹

O tempo assim formulado por Newton abriria grandes questões no trato filosófico,como as que envolveram Berkeley e Leibniz. Nesse sentido, Berkeley afirma, relativamenteao tempo newtoniano, que “separado das ideias que sucedem no espírito e consideradocomo duração abstrata, o tempo é totalmente incompreensível...”. Já Leibniz refuta o tempoabsoluto de Newton “para o substituir por um tempo definido como ‘ordem das Existênciassucessivas’ ou simplesmente ‘ordem das sucessões”. Com essa noção de tempo Leibnizaproxima-se de Berkeley, para quem o tempo absoluto de Newton deveria ser substituídopor um outro, essencialmente psicológico, que, como visto, deveria ser “construído por umasucessão de ideias”.¹²

Em seu esforço para apontar o absurdo sobre o qual fora fundada a concepçãonewtoniana do tempo absoluto e uniforme, Leibniz sustentava que o tempo não eraindependente das coisas, e que deveria ser entendido, na forma como assinala Pomian,como uma “estrutura de ordem”. E como as coisas foram criadas por Deus num determinadomomento, o pensamento leibniziano projetava a questão para os domínios da teologia e dametafísica, com todas as implicações possíveis no campo das relações entre a Metafísica e aEpistemologia.

10. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 204.

11. . POMIAN, K. “Tempo/temporalidade, em Enciclopédia Einaudi 29. Tempo/Temporalidade. Lisboa: ImprensaNacional-Casa da Moeda, 1993, p. 40.

12. . Loc. cit.

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Leibniz, como Spinoza e Malebranche, agia “sob o signo antigo da metafísica racional”,revelando-se, todos, como “construtores de sistemas que sonharam em reduzir à unidade omundo da natureza e do espírito.¹³ O ponto de inflexão da crítica leibniziana ao temponewtoniano refletia, nesse sentido, o suporte metafísico do seu pensamento, atingidoque fora pela ideia do espaço e do tempo absolutos presente “na base do edifício lógico--matemático dos Princípios Matemáticos”, independentemente de Newton acreditar que“o espaço fosse uma encarnação de Deus,¹⁴ o que poderia apontar para um possívelfundamento metafísico do seu pensamento.

Sucede que Newton e seus seguidores ingleses não acreditavam que o tempo e o espaçomatemáticos implicassem uma ciência metafísica pois, afinal, Newton “concebe o universocomo uma máquina, mas não pergunta que mecanismo rege as partes da máquina”. Talfundamento filosófico sustenta a sua ciência, alicerçando matematicamente suas induções,vale dizer, a “base indutiva da ciência moderna”, o que revelava, filosoficamente, umNewton que encarnava “um espírito sem metafísica”, mesmo a metafísica racional deLeibniz.¹⁵Assim, o embate filosófico acerca da ideia de tempo-espaço de Newton, ao qualcompareceu Voltaire, cruzado contra a metafísica dos cartesianos e de Leibniz, marcou ocenário intelectual europeu no começo do Iluminismo.

Aquando de seu exílio em Londres, Voltaire, “em contato com a comunidade científicada Royal Society, intuiu que as ciências exatas podiam dar uma contribuição capital à causadas luzes”. As Cartas Filosóficas de Voltaire, cuja edição francesa data de 1734 (a inglesa éde 1733), “revelariam ao leitor médio de toda a Europa, com incisiva eficiência, o triunfoda física de Newton sobre a de Descartes”. Em outras palavras, o texto de Voltaire cavavao fosso profundo a dividir “a construção hipotética de Descartes e a philosophia naturalisde Newton”, ou ainda a distinção, como dizia o próprio Voltaire, entre “a tentativa” deDescartes e a “obra prima de Newton”.¹⁶

Voltaire, assim, lançou o pensamento de Newton ao mundo dos philosophes franceses,revelando-o como “mentor ideológico do Iluminismo” e aprofundador de um empirismoque remetia a Bacon e Locke.¹⁷ Note-se, contudo, que nem Voltaire e nem os philosophesdo Iluminismo francês, à exceção de d’Alambert, mostraram-se como analistas em profun-didade do método científico newtoniano. A cultura das Luzes na França, observada desseponto de vista, trabalhava no sentido de estar integrada às grandes questões do Século, oque obrigava os seus construtores a ampliar cada vez mais o campo das suas preocupações,sem, contudo, fixarem-se ou aprofundarem-se em um eixo específico.

13. . CASINI, Paolo. Newton e a consciência europeia. São Paulo: Unesp, 1995, p. 46.

14. . Ib., p. 47.

15. . BRONOWSKI, J. e MAZLISH, Bruce. A tradição intellectual do ocidente. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 204-205.

16. . CASINI, Paolo, cit., p. 89-90.

17. . HADDOCK, B. A. Uma introdução ao pensamento histórico. Lisboa: Gradiva, 1989, p. 106-107.

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Como já levantado em parágrafos anteriores, o tempo, da forma como Newton oconcebeu e problematizou no final do século XVII, foi chamado à arena do pensamentofilosófico e do pensamento histórico, no que representaria um embate profundo de ideiastravado nos domínios da filosofia e da filosofia cientifica, abrindo campos distintos, masaqui inter-relacionados, da metafísica e do empirismo. Note-se, nesse sentido, que ainda naprimeira metade do século XVIII, mais precisamente em 1739, Hume, em seu Tratadoda Natureza Humana, refutaria tanto a ideia de tempo de Newton como a de Leibniz, aosustentar que “o tempo é simplesmente uma ideia do nosso espírito forjada a partir dasucessão das ideias e das impressões”.¹⁸

Independentemente de ser absoluto ou “relacional”, newtoniano propriamente dito ouleibniziano, o tempo, nos quadros do Iluminismo, é apresentado como sendo “objetivo”,linear e contínuo, o tempo do progresso. Isto significa ou manifesta “a realidade em todasas suas partes ou ordem em conformidade com a qual se sucedem as coisas e que foiincorporada em seu próprio desenvolvimento”.¹⁹ É bem verdade que a representação deum tempo linear e contínuo, o já referido tempo do progresso, não estará presente em todasas filosofias da História do século XVIII.

E o caso da representação do tempo na Filosofia da História de Giambattista Vico,filósofo e filólogo italiano cuja obra principal, intitulada A ciência nova ²⁰, foi dada aconhecer em 1725, abrigando ainda, àquela altura, uma segunda edição, dada à luz em 1744,após a morte do seu autor. O pensamento histórico de Vico, por sustentar ser a históriauma ciência nova, construída pelo homem e passível de ser por ele conhecida, opunha-sea Descartes e ao lugar da História no Discurso do Método. E como a representação dotempo (e a ideia de História) no pensamento de Vico colidiam, em última análise, com ocientificismo e a filosofia das Luzes, convém melhor recepcioná-la.

O tempo para Vico não era linear nem cíclico, antes desenvolvia-se como que em espiral,de tal forma que os períodos da história tendiam a repetir-se no tocante ao caráter geral dasdiversas fases do processo histórico. Assim, a um período bárbaro seguia-se um períodoclássico; quando essa sucessão voltasse a ocorrer, um novo período clássico seguir-se-ia a umperíodo bárbaro. Entretanto, como o tempo era em forma de espiral, mantidas ficavam asformas históricas de cada um desses períodos, mas as mentalidades seriam outras, renovadas,pois os homens também seriam outros.²¹ O pensamento de Vico não foi conhecido noSéculo das Luzes, assim como desconhecida foi a sua metodologia histórica.

No Iluminismo, como tem ficado patente, a quase infinidade do mundo no espaçocorrespondendo à própria infinidade do tempo, instala-se no centro das questões científicas,filosóficas, teológicas e, claro, históricas, inclusive por força da relação entre natureza,cultura e história, como se observa no pensamento de Montesquieu e no de Kant. A relação,

18. . POMIAN, K., cit., p.43.

19. . Loc. cit.

20. . VICO, Giambattista. A ciência nova. Rio de Janeiro: Record, 1999.

21. . COLLINGWOOD, R. H. A ideia de história. Lisboa: Presença, 1981, p. 88 e s.

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pois, entre presente e passado tornou-se, por força da ciência e da sua epistemologia,extremamente dinâmica, de tal forma que “a reflexão acerca da duração da história humana,da ilimitada antiguidade das nações, desenvolve-se durante essa mesma época, e, em muitoscasos, aparece estreitamente ligada às discussões sobre o devir da natureza e sobre a históriada Terra”.²²

No final do século XVIII, o tempo também – ou ainda – se mostrava revestido de umsentido ético, pensado em termos do progresso do espírito humano, como se encontra,por exemplo, em Condorcet. Fundavam-se, aqui, uma teleologia e uma utopia da razão,entendidas, neste caso, como a realização do imperativo da racionalidade, como a manifestoua filosofia da história de Kant. O fim da história, nesse sentido, não poderia estar emdesacordo com a realização ética da razão, condição última da felicidade assegurada peloprogresso. Depois, em Hegel, é o espírito que peregrina, que de subjetivo vai a objetivo echega a absoluto, este que é o da liberdade do espírito e que se manifesta na autorrealizaçãoda estética, da religião e da filosofia.

O século XIX é conhecido como o século da História e do historicismo romântico, umaHistória que seguia contingenciada pela ideia do progresso e, depois, pelo evolucionismo,doutrina e filosofia herdadas do século XVIII e que, no Oitocentos, fundamentará as muitase múltiplas leituras da relação passado, presente e futuro, vale dizer, do curso e do sentidoda História. No século XIX, nas questões filosóficas e históricas, o tempo linear e contínuo,o tempo do devir instala-se no cerne das preocupações intelectuais europeias, preocupaçõesessas marcadas por uma idealização do tempo do progresso. Assim, o futuro exerce a suainfluência sobre e no presente com uma intensidade nunca antes atingida na história. Alémdo Evolucionismo, o Positivismo e o Marxismo, igualmente historicistas, revelam-se comofilosofias fundadas no devir, de tal forma que “não é mais o morto que se apossa do vivo,mas aquele que ainda não nasceu”.²³

Segundo Nadel, em sua Philosophy of history before historicism, no século XIX, ofundamento do historicismo “e o reconhecimento de que os acontecimentos históricosdevem ser estudados, não como anteriormente se fazia, como ilustrações da moral eda política, mas como fenômenos históricos”. Graças ao seu fundamento filosófico, ohistoricismo tocou tanto a filosofia da história de Hegel, como o Positivismo de Saint--Simon e de Comte, chegando a Marx e a Darwin. O darwinismo demarcaria, em últimaanálise, o triunfo do historicismo. Começado o século XX, o historicismo enfrentaria a suagrande crise com “a filosofia crítica da história de Dilthey e Max Weber e o relativismohistórico de Troeltsch e Meineck”.²⁴

Na primeira metade do século XX, em que pesem as controvérsias em relação à ideiado progresso e à lógica historicista presentes na epistemologia histórica, sobrevive, naessência, a representação do tempo linear na forma como a abrigam as culturas humanas.

22. . ROSSI, Paolo, cit., p. 10-11.

23. . POMIAN, K., cit., p. 52.

24. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 207-208.

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O movimento da história no eixo do tempo está, por exemplo, tanto em Spengler comoem Toynbee. Avançada a segunda metade do século XX, a problematização do tempopassará a ser um dado constante na reflexão histórica, na medida em que o tempo linearnão será necessariamente dominante no corpus da historiografia contemporânea. Veja-se,nesse sentido, a forma como Foucault trabalha a relação continuidade-descontinuidade nahistória.

Nesse sentido, observando-se o núcleo da chamada Nova História francesa, a questão dotempo mostra-se fundamental no trato epistemológico da também chamada historiografiados Annales. Com um Fernand Braudel, por exemplo, no seu grande estudo sobre oMediterrâneo, “a extensão do tempo remete para o alongamento do espaço”, e, dessa forma,a Nova História vagueia “nas fronteiras incessantemente alargadas de um espaço e de umtempo que sempre lhe parecem excessivamente limitados”, o que modelará o próprio corpodo trabalho do historiador e da sua leitura do passado.²⁵

Para a História, a ideia e o corpo do tempo, na segunda metade do século XX, afastam-see diferem, por exemplo, do paradigma newtoniano presente na historiografia do Iluminismo,e à forma como “as transformações epistemológicas contemporâneas” incidem sobre ocorpo da historiografia é decisiva.²⁶ Por esse caminho, o tempo e a sua representaçãosão problematizados, de tal forma que o tempo social trabalhado pelo historiador nãorepresenta uma correspondência necessária ao tempo linear ao qual está subjacente a ideia– e a ideologia – do progresso. Da mesmo modo como se deu ao longo da existência dahistória, o tempo, a sua ideia e a sua representação seguem sendo axiais na existência de Clio.

* * *

Numa primeira ordem de problematização, já que em passagem posterior deste artigoa questão será mais diretamente tratada, sustente-se que a História nasce na Grécia

do século V a.C. Antes, não havia “nem anais comparáveis aos dos reis da Assíria, neminteresse por parte dos poetas e filósofos, nem arquivos. É a época dos mitos, fora do tempo,transmitidos oralmente”. As nascer, a História estaria ligada a duas razões principais. Uma,de ordem étnica, buscaria distinguir os gregos dos bárbaros, essa uma razão atrelada à ideiade civilização. Bárbaros, em Heródoto, seriam, por exemplo, os persas e os citas, estesdesaparecidos antes de se helenizarem, uma espécie de gregos às avessas. Uma segundarazão a qual a o nascimento da História estaria relacionada é política, ligada às estruturassociais. No século V a.C., “a memória nasce dos interesses das famílias nobres (e reais) edos sacerdotes de templos como os de Delfos, Eleusis ou Delos”.²⁷

Observada a tradição intelectual do ocidente, é possível assegurar que a História, comoa conhecemos hoje, é uma construção do pensamento grego, da Grécia do século V a.C.

25. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 127.

26. . WEHLING, Arno. A invenção da história; estudos sobre o historicismo. Rio de Janeiro: Universidade GamaFilho, Universidade Federal Fluminense, 1994, p. 72.

27. . LE GOFF, Jacques, “História”, cit., p. 188.

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com a obra de Heródoto e de Tucídides. Já com Heródoto, é correspondente à condição dohistoriador: aquele que vê, aquele que observa, aquele que testemunha! No grego antigo,historein é “procurar saber”, e esse sentido é o que está nas Histórias de Heródoto, o sentidoúltimo da investigação, da procura. Nada, portanto, diferente do que hoje, à luz da teoria doconhecimento, entende-se ser o papel, o trabalho do historiador como aquele que investiga,procura, indaga o passado.²⁸

E essa busca, essa investigação e esse procurar no passado o historiador faz plantado nopresente, pois são as questões reveladas pelo presente que guiam o historiador em direçãoao passado, daí o caráter e a natureza problematizadores da História. Foi precisamente essegiro epistemológico na relação entre o passado e o lugar do historiador no presente, umanova relação entre sujeito e objeto que tornou possível o aparecimento de novos domíniosda pesquisa histórica. Em outras palavras, os novos objetos da investigação histórica, comoos imaginários sociais, a iconografia e a loucura, por exemplo, só se tornaram possíveiscomo campo de investigação devido ao lugar que o historiador se posiciona. Ou antes, deum presente que lança luz na forma como o historiador se volta para o passado.

É o presente que explica o passado, tratando-se da operação epistemológica realizadapela História, e não o passado que explica o presente, até porque a história não tem qualquerpretensão pedagógica encarnada na velha e obsoleta imagem de uma Clio mestra da vida.Este, aliás, um viés que acompanhou, reiteradamente, a História, desde a antiguidadegreco-romana à contemporaneidade, e que lhe emprestou um falso sentido ao mesmotempo ético e pragmático.²⁹ Seguindo esta mesma linha de reflexão, ressalte-se que partirdo conceito de historicidade, ingresso na epistemologia histórica na segunda metade doséculo XX, desaparece a noção de sociedade sem história, até por conta da leitura daetnologia relativamente às – por isso mesmo chamadas – sociedades etnológicas. Em seuextremo, pelo conceito de historicidade foram chamados à história domínios outros que oévénementielle, o não fato ordinário e singular, como as mentalidades e a loucura, o quedilata o raio e o alcance da História no trato de linguagens e de representações da condiçãohistórica do homem e da cultura.³⁰

Voltando à Grécia clássica, a História nasceria como produto da relação entre chronose logos, relação mediada pelo historiador que investiga as fontes e os testemunhos paraoferecer aos presentes uma leitura do passado. A história assim entendida manifesta aafirmação da anámnesis (lembrança) sobre a amnésia (esquecimento), cercando-se, assim,de um caráter pragmático na medida em que buscava impedir que caísse no esquecimento oque fora a ação dos homens no passado. E assim, como será visto mais à frente, proclamouHeródoto ser o fim último das suas Inquirições, das suas Histórias.

A História, entendida como o passado que assoma a contemporaneidade, uma dadacontemporaneidade, é uma narrativa escrita, um discurso acerca da existência de sociedades

28. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 158.

29. . Cf. VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70, 1987.

30. . LE GOFF, Jacques, cit., p. 159.

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e de culturas que dominam (ou não) a escrita, até porque a História se faz também comdocumentos escritos. O historiador, nesse sentido, e sempre a partir do presente do sujeito,faz do passado o objeto, a dimensão do tempo que, pelos instrumentos da construçãohistoriográfica, passa à condição de discurso. Esse foi o longo percurso das sociedadeshumanas que, saindo do desconhecimento da escrita e possuindo apenas uma memóriaorgânica e étnica, atingiram, com o domínio sobre a escrita, a condição de sociedadescomplexas, cultural e politicamente falando.

Muitas foram e ainda são as sociedades sem historiografia. Sociedades sem escrita,dependiam e dependem da memória para a sua autoexistência. Em tais universos sociais eculturais, há uma memória étnica, como há, também, “especialistas de memória, homens--memória” que vão dos genealogistas aos historiadores da corte, passando, ainda, pelos“guardiões dos códices reais”. Não se trata de uma memória congelada, invariável, masde uma memória que comporta, por exemplo, variações em torno de um mesmo mito. Amemória coletiva, própria e inerente ao grupo, não é e não pode ser exata, sendo, antes, uma“memória generativa”.³¹ Em todos os casos, a memória exerce um papel social e político,haja vista a existência de grupos distintos no interior dessas sociedades.

Nas sociedades sem escrita, desprovidas, portanto, de história-historiografia, a memóriacoletiva ordena-se em torno de três grandes eixos de interesse: “a identidade coletiva dogrupo que se funda em certos mitos, mais precisamente nos mitos de origem, o prestígio dasfamílias dominantes que se exprime pelas genealogias, e o saber técnico que se transmitepor fórmulas práticas fortemente ligadas à magia religiosa”.³² Fica evidente, nesse sentido,que a memória é um instrumento de afirmação e de poder dos grupos no interior doorganismo social.

As sociedades sem escrita são sociedades étnicas onde impera a memória coletiva, eesta mostra-se “essencialmente mítica, anacrônica, mas constitui o vivido desta relaçãonunca acabada entre o presente e o passado”.³³ Para o historiador, “o mito não é só objetoda história, mas prolonga, em direção às origens, o tempo da história...”. As sociedadesantigas, como a grega, explicaram a sua origem através dos mitos, e nesses casos a memórianão é Historia, é certo, mas revela-se um dos seus objetos, e o historiador deve “respeitar otempo que, de formas diversas, é a condição da história e que deve fazer corresponder osseus quadros de explicação cronológica à duração do vivido”.³⁴

Aquando do aparecimento da escrita, a memória coletiva passa, por um tempo, a convivercom registros mnemônicos, a exemplo das inscrições, e com registros de ordem verbal,mitológicos, mas seus historiadores, como Heródoto, construíram passagens narrativas – ehistóricas – dessas sociedades, do mito ao logos. No que tange à ordem do tempo, essassociedades, já dominando a escrita, passam a se organizar em torno de duas ordens: a do

31. . LE GOFF, Jacques. “Memória”, em Enciclopédia Einaudi. 1. Memória-História, cit., p. 15.

32. . Ib., p. 16.

33. . LE GOFF, Jacques, “História”, cit., p. 166.

34. . Ib., p. 178.

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tempo do mito e a do tempo dos homens. Na evolução desse processo, tais sociedadescaminham em direção à História, um longo percurso em que “Cronos vai arbitrar o combatede Mytos e Logos”.³⁵

Afirmada a escrita como suporte de sociedades complexas, que saem do domínio domito e caminham para o domínio do conhecimento, a memória deixa de ser atividadeorgânica e passa à condição de suporte da norma escrita. No documento escrito, inclusive, otempo e o espaço figuram como dimensões em que a informação passa a circular medianteum “processo de marcação, memorização e registro” do acontecimento – coisa acontecida.³⁶Atinge-se, nesse processo, o estágio das sociedades históricas, como as dominantes nomundo da antiguidade, quer oriental, quer clássica.

Insistindo-se um pouco mais na problemática das sociedades sem escrita e de memóriaétnica, é possível sustentar que essa memória, por força de suas limitações mais orgânicasque formais, é uma memória pobre e frágil, na medida em que depende do cérebro, daanámnesis (lembrança) para reter e explicar a existência dessas sociedades. Tais sociedadesexperimentam o “vazio da história” na medida em que o “tempo cíclico do eterno retornodas estações e o tempo imutável de um mundo em equilíbrio” impõem as suas existênciafora da história.³⁷

Nessas sociedades, muitas são as estratégias para preservar a memória, muitos são osseus guardiões; passíveis de falhas são aquelas e estes. Assim, a memória gasta-se, perde-se,na medida em que está fora do tempo, em que fabula sobre o vivido. Somente quando“a organização social se complica e passa da família ou do clã para o Estado monárquicoe hierarquizado”, é que é acrescentada “uma memória política à memória mítica”. Nessemomento, “nasce o tempo da história”, o que implica um sentido de ordenamento dosacontecimentos, de um eixo sequencial de fatos.³⁸

De qualquer modo, essa é uma dimensão existencial em que “o tempo mítico e otempo histórico misturam-se nos caminhos incertos em que os deuses se cruzam comos homens”.³⁹ Mesmo a memória histórica é frágil, mais frágil ainda do que a memóriamítica, na medida em que o olhar para trás dirigido pelo guardião não vai além de trêsséculos. Natural, portanto, que a amnésia imponha-se à anámnesis, com o esquecimento,paulatinamente, triunfando sobre a lembrança, um acumular de esquecimentos postadossobre o tempo que não é o tempo histórico tout court.

* * *

35. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 10.

36. . LE GOFF, Jacques, “Memória”, cit., p. 17.

37. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 7.

38. . Ib., p. 8 e 9.

39. . Loc. cit.

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AHistória, como modernamente a entendemos, trabalha a existência de sociedades quepossuem uma relação com o passado pelo que de heurístico esse mesmo passado se

revela como uma instância em que impera o domínio dos homens e não dos deuses. Já nassociedades em que a divindade está encarnada nos soberanos e na unção que receberam,tem-se o domínio da história teocrática. Neste caso, o mito rege a ordem das coisas, eestas, por sua própria natureza, não são dispostas no tempo, não são localizadas no passado.Em tais circunstâncias, “o elemento humano foi completamente eliminado e as figuras danarrativa são apenas deuses. E as ações divinas que estão registradas não são acontecimentosdotados de passado”.⁴⁰

Para uma História teocrática, sustentada por uma visão mitológica do mundo e porsua correspondente explicação ou narrativa, ou seja, “quando um mito se oculta numaforma pseudo-temporal – porque relata os acontecimentos, um após outro, numa ordemdefinida – a forma não é rigorosamente temporal, é semi-temporal”. Nesse sentido, asucessão temporal que figura na narrativa “é tão-somente metafórica, pois exprime relaçõesque ele [o narrador] não concebe como verdadeiramente temporais”.⁴¹

Essa narrativa acerca da origem das coisas, exposta e sustentada por uma explicaçãomitológica do mundo, empresta significado e sentido a uma teogonia, na medida em queo que está em jogo, como já referido, não é domínio do homem, mas dos deuses. Emtais circunstâncias, o tempo, o vivido e o vivo pertencem ao divino e a natureza divinados homens e das coisas. Tratando-se do mundo antigo, oriental, mas com projeções quedepois atingiriam o pensamento europeu, as escrituras hebraicas reúnem elementos dahistória teocrática e do mito. O pensamento hebraico, universalista, fez com que o deus doshebreus, primeiramente chefe da comunidade hebraica, passaria, por força do profetismo, acondição de “chefe divino de toda a humanidade”.⁴²

As construções mítico-teológicas no mundo antigo oriental, por isso mesmo, foramexplicações, narrativas sobre a origem do mundo plantadas fora do tempo e fora da história.Nesse sentido, a realidade ou o que possa ser por tal compreendido, resultava da ação e davontade de deuses ou de um deus, sendo o homem o resultado da eleição e da projeção dadivindade. Consequentemente, a História, como modernamente a entendemos, ou seja, nosentido da ação humana, inexiste naqueles contextos. Afinal, o homem apenas respondia aoque era imperativo divino, com o tempo recolhido à transcendência e ao eterno retornodas estações.

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40. . COLLINGWOOD, R. H., cit. p. 24.

41. . Loc. cit.

42. . Idem, p. 26.

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Como já anunciado no início deste artigo, e agora tratando a questão de forma maisdiretamente historiográfica, reafirme-se que a história nasce na Grécia da segunda

metade do século V a.C. quando Heródoto (aproximadamente 485-425 a.C.) redigia as suasInquirições, suas Histórias, e quando em Atenas elevava-se o Pártenon e a poesia, a filosofia,a escultura e o pensamento grego pareciam haver chegado aos domínios da perfeição. Asociedade grega, cujo modelo é a sociedade ateniense, era complexa, histórica, e a Históriapassa a ser pertinente às ações humanas, às coisas humanas. Diferentemente de Homero ede Hesíodo, cuja narrativa é lendária e projetiva da ação divina sobre as peripécias narradas,a história grega, com Heródoto e com Tucídides, é humana e diz respeito a acontecimentosocorridos no tempo, no passado, mesmo sendo um passado próximo dos investigadores.

As Inquirições ou Histórias de Heródoto estão centradas nas chamadas Guerras Médicas(490-479 a.C.) travadas entre gregos e persas, e foram escritas, segundo o seu autor, “paraimpedir que caiam no esquecimento as grandes façanhas realizadas pelos Gregos e osBárbaros”.⁴³ No seu relato, Heródoto combina opsis (observação) e aco (o ouvir dizer),reunindo tempo da observação e tempo da memória. A narrativa de Heródoto “ricocheteiano tempo [e] se aprofunda nas brumas opacas da lenda”. Testemunha de seu tempo ejornalista da sua realidade, e, por isso mesmo, não acreditando “simploriamente nos relatosmaravilhosos onde os homens se encontram com os deuses e os prodígios povoam ahistória”⁴⁴, Heródoto produziu uma obra intransponível. Por todos os títulos e em meio àcondição híbrida da sua narrativa, é impossível negar-lhe a condição de “ser o antepassadoinesgotável onde todos procuram o segredo esquecido da história primitiva”.⁴⁵

Ao lado de Heródoto, Tucidides (aproximadamente 460-395 a.C.), com a sua Históriada Guerra do Peloponeso, é o outro grande historiador da Grécia clássica, a cuja obrareconhece-se o nascimento do método e da lógica do historiador. A exemplo de Heródoto,Tucídides também argui o lendário e o mitológico para a construção da História comoconhecimento, uma História assente nas provas tornadas evidentes pelo olhar do observador.Tratando-se do mundo grego, foram historiadores sem seguidores. A História da Guerrado Peloponeso, estudou o conflito que envolveu as duas grandes cidades-estado da Grécia,Atenas e Esparta, e o universo visitado por Tucídides, pensado em termos cronológicos, foimais estreito que o percorrido por Heródoto em suas Inquirições. A partir do conhecimentoque teve da Cronologia das sacerdotisas de Argos, de Helanicos de Mitilene, Tucidides transitapelo passado “como quem mede um campo [vertendo] a incerta duração naturalmenteritmado do tempo cósmico”.⁴⁶

Embora seja um historiador que veio a seguir a Heródoto, Tucídides não é um seguidordo autor das Inquirições relativamente à construção do conhecimento e da narrativahistóricos. O seu método e a sua leitura da História, ainda que relativos à História dos

43. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 11.

44. . Ib., p. 12.

45. . Ib., p. 17.

46. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 13.

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homens, afasta-se do modelo de Heródoto, encobrindo-o e sufocando-o por força de umtratamento anti-histórico da própria História. Afinal, em Tucídides, o historiador não seconcentra nos acontecimentos, mas deles se afasta quando busca “transmitir a lição nelesimplícita, alguma verdade imutável e eterna...”.⁴⁷

Da mesma forma como se dera com Heródoto, o tempo, em Tucídides, assim como emAristóteles, nos neoplatônicos e em outras escolas da antiguidade, “é sempre inerente aalguma coisa”. Dito de outro modo, o tempo, nesse sentido, “é um acidente, ou mesmo umacidente de segundo grau, e é apreendido mediante a percepção sensível ou uma intuiçãointelectual de si mesmo”.⁴⁸ Essa percepção do tempo é fundamental para o tipo de Históriaproduzida por Tucídides, sobretudo considerando a relação do observador com a coisaobservada. Diferentemente de Heródoto e da sua marcação do espaço-tempo, Tucídidesviaja pelo futuro e pelo passado longínquo da Grécia, para depois fixar-se no final do séculoVI a.C. e, por último, centrar-se no cenário da guerra do Peloponeso. Sua volta ao passadoprofundo de Atenas destina-se a reunir as causas do conflito com Esparta.

O tempo em Heródoto e em Tucídides, mesmo não sendo o tempo como hoje a Históriao concebe, ou seja, o tempo dos homens, haja vista as visitações que ambos fizeram aopassado mítico, era um tempo de duração demarcada. Assim como as Guerras Médicas e aGuerra do Peloponeso, com princípio, meio e fim, era, stricto sensu, a História da Grécia, oseu tempo era igualmente o tempo particular a uma sociedade e ao seu existir social. Afinal,“a teoria grega da história implica o fato de nenhuma narrativa histórica poder exceder,em dimensão, o tempo duma vida humana (grifo nosso) podendo ser aplicados os métodoscríticos, à disposição do historiador, apenas a esse período”.⁴⁹

Observando-se atentamente as Inquirições de Heródoto, fica evidente que ele mediou esuplantou a relação entre chronos e logos, na medida em que a sua percepção de Históriaaplicava-se ao homem e ao humano no imperativo das suas circunstâncias e contingências.Depois dele, com Tucídides e os historiadores que o seguiram, a metafísica grega impôs-seindubitavelmente e, dessa forma, a procura do imutável e do eterno na ordem das coisascomo que desumanizou a história e “sufocou a consciência histórica” grega, retirando dahistória a sua condição de “um conhecimento científico” da ação do homem no passado.⁵⁰

A exemplo de Heródoto, a história de Tucídides é uma história humana e não divina,mesmo quando recorre à linguagem de Homero, mas sem se aproximar das fábulaspoéticas, uma linguagem que é trabalhada como documento. Ao tratar do passado, “o quena época se chama arqueologia”, mostra-se na condição de um grande, marcante, mesmo,inovador na construção da explicação histórica. Desconstruindo os discursos que inquire, ereconstruindo-os como narrativas do humano, faz com que “o que não passava de relatos

47. . COLLINGWOOD, R.H., cit., p. 44.

48. . POMIAN, K., cit., p. 36.

49. . COLLINGWOOD, R. H., cit., p. 40.

50. . Ib., p. 42.

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atravancados de lendas”, passe a ser convertido “no discurso impecável do chronos e do logosclaramente entretecidos”.⁵¹

O humano, na História produzida por Tucídides, revela-se, também, por conta de seuesforço em tratar e trabalhar as neuroses produzidas pela Guerra do Peloponeso. Seria, porassim dizer, uma História que inflete sobre a psicologia coletiva, preocupada em estabelecer“leis psicológicas” dentre outras leis gerais na história por ele pensada. E aproximando-seda ideia de tempo no pensamento grego, “estas leis são precisamente essas formas eternasimutáveis que, de acordo com a principal tendência do pensamento grego, são as únicascoisas cognoscíveis”.⁵²

A História grega de Heródoto e de Tucídides foi uma história dos homens, das suassociedades, de seus conflitos. A humanização dos deuses pelo espírito grego, fez da mitologiaum conjunto de histórias dramaticamente familiar, e, assim, “a fronteira entre a lenda e oreal, o religioso e o profano esfumou-se”. Diferentemente de outras culturas em que osdeuses mantiveram-se nos seus olimpos, na Grécia “construiu-se uma espécie de históriaimprecisa, lançada como uma ponte entre o presente dos homens e o passado dos deuses”.Humanizados os deuses, humaniza-se o homem, e a história, simbolicamente estampadano rosto de Clio, é a história do homem como medida de todas as coisas.⁵³

É preciso lembrar que, para além do humano dominante na História de Heródoto ede Tucídides, elementos lendários e míticos estão presentes na narrativa de ambos, o queimplica uma forma ou outra de temporalidade plasmada no divino. Em outras palavras,tanto Heródoto quanto Tucídides combinaram em suas obras elementos não históricos(mitológicos) com elementos históricos (humanos) no esforço de apresentar para os seus ede deixar para os próximos as questões que investigaram. Nesse sentido, a História queproduziram dispõe de um estatuto epistemológico, posto representar um conhecimento,um objeto resultante da investigação realizada pelo sujeito.

Dada a concepção metafísica do mundo dominante na Grécia de Heródoto e deTucídides, que sustentava não serem cognoscíveis as coisas num mundo em transformação,como o mundo da História, a própria História seria anti-histórica. Se os objetos doconhecimento matemático “são objetos eternos que [assim] não podem modificar as suascaracterísticas”⁵⁴, o mesmo não se aplicava à História, processada que era num mundoem transformação. Desse ponto de vista, e somente desse, uma metafísica anti-históricaimplicaria a impossibilidade da História existir enquanto tal. Em outras palavras, “segundotal teoria, a história seria impossível. Isto porque a história deve ter estas duas características:em primeiro lugar, deve tratar do que é transitório; em segundo lugar, deve ser científica oudemonstrativa”.⁵⁵

51. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 14-15.

52. . COLLINGWOOD, R. H., cit., p. 43.

53. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 17.

54. . COLLINGWOOD, R. H., cit., p. 32.

55. . Loc. cit.

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Voltando à questão do tempo e da temporalidade nas histórias gregas do século V a.C.,é preciso notar que “a busca do eterno, por parte dos gregos, tinha um sentido insólitodo temporal”⁵⁶, um tempo circular, tempo do eterno retorno. Desse ponto de vista, aHistória tinha um valor específico para os gregos, e, assim, “os seus ensinamentos são úteispara a vida humana (...) porque o ritmo das suas modificações provavelmente se repetirá,verificando-se que os mesmos antecedentes conduzem às mesmas consequências”.⁵⁷AHistória, portanto, poderia reunir e apresentar elementos para os vaticínios sobre o devir,não necessariamente na ordem imutável das coisas, mas na da possibilidade do vir a ocorrer.

Essa relação entre o imutável (o tempo) e o possível (o contingente) emprestava valor aosensinamentos da História na medida em que revelava o comportamento do humanamentepassível de observação empírica. Assim, quando Aristóteles proclamava que a Poesia eramaior do que a História, considerava que aquela sustentava-se sobre juízos universais,enquanto esta sobre fatos empíricos, mas mesmo assim a poesia, em seus universais,aproximava-se da História. Afinal, “na poesia, as lições da História já não são inteligíveis,ficando sem demonstração – e, portanto, meramente prováveis – embora se tornem maisconcisas e, por isso, mais úteis”.⁵⁸

O lugar da História no pensamento grego, para além do seu significado para umaconsideração prática na vida num tempo do eterno retorno, e mesmo considerando-se oimperativo metafísico desse pensamento, não pode ser pensada equivocadamente. Como,em última análise, os gregos sabiam ser impossível a imutabilidade da ordem das coisasno domínio do humano, manifestaram particular sensibilidade para com a História. Ecomo a História, da forma como a construíram Heródoto e Tucídides, sustentava uma dadamanifestação do logos, foi na Grécia clássica que se deu o nascimento da História comoconhecimento, um conhecimento resultante da dedução da verdade feita pelo historiadorsobre os testemunhos dos acontecimentos.

Aquando da História de Heródoto e de Tucídides, o pensamento grego ajustava-se,mais ou menos, ao tempo de uma geração e ao particularismo social e cultural. Esseparticularismo foi marcante na historiografia dos inventores de Clio, e cujo trânsitohistórico, por isso mesmo, limitou-se a uma sociedade e a uma época particulares. Quandoo helenismo, forjado pelo expansionismo imperial de Alexandre Magno dilatou o espaçodo pensamento grego, novas sociedades e novas culturas seriam chamadas ao universoda história.

Se, antes, a História era particular aos gregos e ao seu mundo habitado, com o helenismoseria, também, a história de um ecúmeno mais dilatado do que o mundo geograficamentedemarcado da Hélade. Ficavam para trás, também e portanto, as concepções de um tempo ede uma história particulares aos gregos, na medida em que os conceitos de tempo e História,como ainda hoje são conhecidos dos historiadores, “são, de modo geral, etnocêntricos”, na

56. . Ib., p. 33.

57. . Ib., p. 35.

58. . Ib., p.36.

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medida em que se “baseiam em determinada concepção do homem e da cultura, mas [que]aspiram à universalidade”.⁵⁹

A dilatação do espaço geográfico e cultural grego com o helenismo, produziria adistenção do tempo histórico no mundo helênico. O passado, à medida em que o mundodeixava de ser apenas o espaço da Grécia, alargava-se por conta de outras histórias, deoutras memórias, estas para além das faculdades mnemônicas das testemunhas oculares. Oimpério de Alexandre, construído sobre e por meio das relações de combate/assimilação deoutras culturas, passava à condição de mundo grego, ou melhor, do espírito grego e da suarepresentação histórica.

O mundo grego forjado pelo expansionismo macedônio dilatou, assim, o universo daHistória quando pensado em termos do século V a.C. E à falta de testemunhos oculares eda memória das testemunhas, a História passaria a depender de narrativas já construídaspelas sociedades e culturas helenizadas pelas conquistas de Alexandre. De uma maneirageral, e por força do poder agregador e assimilador do pensamento grego, os historiadoresdo helenismo emprestariam ao passado a condição de um tempo-temporalidade comum,no caso, o da Grécia do século V a. C., a Grécia de Heródoto e de Tucídides. Para realçar agrandeza e a originalidade desse processo que foi o de um novo logos historiográfico, ressalte--se que a época helenística, para esse efeito, inclui, também, parcelas da época romana.

Os historiadores do século IV a.C., como Xenofonte (aproximadamente 426-355 a.C.),autor de Helênicas, e Teopompo (aproximadamente 378-315 a.C.), com sua Helênicas,foram mais imitadores de Heródoto e Tucídides que seus continuadores. No vasto cenáriocultural do mundo helenístico surgiram obras de verdadeiro valor histórico como as Históriada Ática, escritas em Atenas por Kleidemos, Androtion e Phanademos. Também na Sicíliae no Egito, onde Ptolomeu I deu à luz a sua História de Alexandre, manifestou-se a expansãodo universo da História como representação da cultura helênica⁶⁰. Somente no século IIIa.C., com Políbio, a história, a exemplo do que realizou Tucídides, seria objetiva e fundadaem fontes criticadas, depois de desvios que objetivos retóricos, políticos e éticos haviamsido impostos aos rumos de Clio.

Assim, a História de Políbio, historiador grego natural da Arcádia (aproximadamente200-125/120 a.C.), inscreve-se como a última obra saída da criação historiográfica gregae a primeira nascida da historiografia romana, sendo, nesse sentido, o produto acabadodo espírito grego universalizado pelo helenismo.⁶¹ Após a Terceira Guerra da Macedônia,Políbio foi feito prisioneiro pelo romanos e levado como refém para Roma. Homem culto,com formação intelectual clássica, Políbio foi preceptor do jovem Cipião, o Africano, e, emRoma, viveu a ambiência política da república.

A História desse historiador grego volta-se para o imperialismo, a conquista do mundoantigo pela república romana, e o ponto de partida das suas investigações distende o

59. . WEHLING, Arno, cit., p. 51.

60. . CARBONELL, Charles-Olivier, cit., p. 17.

61. . COLLINGWOO, R. H, cit., p. 48 e s.

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passado comparativamente ao que se vê em Heródoto e Tucídides: 150 anos, o tempoaproximado de cinco gerações. O eixo do tempo em Políbio é o continuum: o passado querealiza o passado, o hoje que, na vida social, reproduz o ontem ancestral. Nesse sentido, oentendimento sobre a continuidade da história fez dos romanos guardiões das marcas e dosregistros do passado, quer na forma de monumentos, que na maneira como as tradições dahistória coletiva eram preservadas.

Políbio, na sua História, trabalha, a um só tempo, a história de Roma e a história daafirmação de Roma sobre o mundo então conhecido, uma Roma que surge da narrativapolibiana não das brumas da lenda, mas do espaço político da sua afirmação histórica naRepública. As questões da origem de Roma, assim, não se manifesta como preocupação dopensamento de Políbio. Diferentemente de Heródoto, por exemplo, a História em Políbioé instrumental e pragmática e, em última análise, não busca preservar do esquecimentoas façanhas romanas, mas revelar-se pelo que de utilitária mostrar-se-ia na educaçãopolítica do príncipe – por aproximação da pragmática de Maquiavel em O Príncipe. Talpragmática, contudo, não implica um sentido pedagógico emprestado à História, masmodela o comportamento humano diante das situações adversas como as experimentaramos homens antigos.

Ao concluir este artigo é possível e mesmo necessário enfatizar, como feito em passagemanterior, que a História nasce na Grécia da segunda metade do século V a.C., quandoHeródoto redigiu as suas Inquirições, a sua História. Vinte e seis séculos depois, a História,como modernamente a entendemos, segue sendo tributária daquele momento em que,na Grécia clássica, a poesia, a filosofia, a escultura e o pensamento grego pareciam haverchegado aos domínios da perfeição. Hoje, ainda de pé, o Pártenon, elevado àquela mesmaaltura em Atenas, pode e deve simbolizar o tempo-espaço do nascimento de Clio.

Referências Bibliográficas

[1] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 273.

[2] BRONOWSKI, J e MAZLISH, Bruce. A tradição intellectual do Ocidente. Lisboa:Edições 70, 1983.

[3] CARBONELL, Carles-Olivier. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1992.

[4] CASINI, Paolo. Newton e a consciência europeia. São Paulo: Unesp, 1995.

[5] COLLINGWOOD, R. H. A ideia de história. Lisboa: Presença, 1981.

[6] HADDOCK, B. A. Uma introdução ao pensamento histórico. Lisboa: Gradiva, 1989.

[7] LE GOFF, Jacques. “História”, em Enciclopédia Einaudi 1. Memória-História. Lisboa:Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984.

[8] LE GOFF, Jacques. “Memória”, em Enciclopédia Einaudi. 1. Memória-História Lisboa:Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984.

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[9] POMIAN, K. “Tempo/temporalidade”, em Enciclopédia Einaudi 29. Tempo/Temporalidade.Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993.

[10] ROSSI, Paolo. Os sinais do tempo; história da terra e história das nações de Hooke a Vico.São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

[11] VICO, Giambattista. A ciência nova. Rio de Janeiro: Record, 1999.

[12] WEHLING, Arno. A invenção da história; estudos sobre o historicismo. Rio de Janeiro:Universidade Gama Filho, Universidade Federal Fluminense, 1994.

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XO Sentir e o Pensar o Tempo em

Três Poemas Líricos¹

Celia Coelho Bassalo²[email protected]

Tornou-se lugar-comum dizer que o homem, desde a antiguidade, sempre esteveligado a reflexões sobre o tempo e suas mudanças. Abordar esse instigante tema é

um fascínio que envolve as inquietantes mentes literárias ligadas à visão de mundo devárias épocas, sobretudo da Literatura Contemporânea. Vale salientar que tal estudo éextremamente complexo, pois se trata de um assunto abrangente envolvendo todas as áreasdo conhecimento humano, mas a função do artista é a de criar a realidade circundantenaquilo que ela tem, no caso, de universal: o tempo e suas mudanças.

No caso das poesias estudadas a seguir, pode-se considerar que, às vezes, o sentir e opensar, do eu lírico, desempenham papel fundamental com relação à fugacidade temporal,no momento em que esta se refere às transformações da figura humana, quer do ponto devista físico quanto do psicológico.

É o tempo da experiência (re)velando-se, nos três primeiros poemas, não apenas comotempo da natureza, isto é, como tempo cíclico e astronômico, mas também como tempohistórico, a incidirem – todos – na sensibilidade artística e a refletirem as distintas emultifacetadas visões de mundo e de tempo, em que o eu poético como que se resigna àimpossibilidade de deter o relógio do universo, que a todos se mostra inexorável.

A intenção deste artigo é tratar o sentir o tempo em dois poemas, um de Sá de Miranda(1481-1558), outro de Luiz de Camões (1524-1580), respectivamente. Do como sentir o

1. Este texto é uma homenagem ao Professor Francisco Paulo do Nascimento Mendes (In memoriam).

2. Escritora, Professora Aposentada da UFPA e Membro da Academia Paraense de Ciências.

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tempo, também escolhi o nosso Manuel Bandeira (1886-1968), um dos maiores poetaslíricos brasileiros.

Sá de Miranda, o iniciador do Renascimento em Portugal – fato que marcou o iníciodos tempos modernos nesse país – foi o primeiro poeta a usar em terras lusitanas versos

“maiores”, não substituindo as redondilhas, mas acrescentandotambém outra forma de poetar: o soneto. Isso só foi possívelaquando de seu regresso a Portugal em 1526, depois de umconvívio com escritores e artistas italianos que o influenciaramgrandemente. O fruto dessa viagem foi trazer ao país uma novaestética, introduzindo além do soneto, a canção, a sextina, ascomposições em tercetos e em oitavas e os versos de dez sílabas,afora várias outras composições poéticas.

Com seu “doce estilo novo” descreve no primeiro verso doSoneto a seguir a constatação, de modo inusitado, da ausência deventos e um calor intenso num luminoso dia.

Sá de Miranda toma como base do poema sua visão de mundo– o mundo temporário –, e as transformações decorrentes do tempo

cíclico, não apenas para meditar sobre a irregularidade das estações do ano, mas tambémpara delinear um eu lírico amargurado ao observar a irregular mutação repentina da natureza,a previsível mutabilidade gradativa do ser humano e a incoercível impossibilidade de o eulírico deter as suas próprias transformações. (no verso, grifo nosso)

Soneto

O sol é grande: caem co’a calma as aves,Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.Esta água que de alto cai acordar-me-ia,Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas todas vãs, todas mudaves,Qual é tal coração que em vós confia?Passam os tempos, vai dia trás dia,Incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,Vi tantas águas, vi tanta verdura,As aves todas cantavam de amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,Também mudando-me eu fiz doutras cores.E tudo o mais renova: isto é sem cura!

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X O Sentir e o Pensar o Tempo em Três Poemas Líricos

Fugindo um pouco ao tema, o introdutor da medida nova faz uma referência às grandesnavegações impulsionadas pelas velas e que eram levadas a destinos incertos. Nos doisprimeiros decassílabos da mesma quadra, destaca, com a interjeição, o sugerir de impressõesdoridas que envolvem a alma de um eu sublime por serem as coisas vãs, passíveis demodificações e não dignas de confiança.

Ligadas à experiência subjetiva, as aflições do bardo fazem-no sentir e viver o escoar dealgo que se reflete nas modificações físicas e psicológicas por ele, bardo, sofridas. E é essemesmo sujeito lírico, que já presenciara várias transformações da natureza, das estaçõesdo ano com sombras, flores, águas, verdores, aves gorjeando amores e de seu natural econstante recomeçar.

Arrematando o poema com perfeição formal, equilíbrio, harmonia, e universalizando anostalgia expressa no seu último terceto (portanto, no limiar da velhice), percebe o aflorarda sua dolorosa, amarga e sutil melancolia, ao verificar que a renovação da natureza nãoatinge o ser humano, pois este, com o passar do tempo, vai assumindo fisicamente novascores – a palidez, por exemplo –, sugerindo, dessa forma, a perda irrecuperável do viço, dajuventude, do frescor, daí o poeta dizer: isto é sem cura!

Muito recorrente na Renascença, o tema da mudança também tocou Luiz de Camões³,que aproveitou estilística, filosoficamente e de modo intertextual os versos de Sá de Miranda– Ó cousas todas vãs, todas mudaves – para lastimar, sobretudo,as modificações verificadas nos seres humanos.

Embora em outro contexto e com uma visão diferentede mundo, Camões também lamenta a passagem inexoráveldo tempo com todas as suas mudanças, e assim como emSá de Miranda, essas modificações são para pior, estabe-lecendo, dessa forma, uma correspondência entre ambos,inclusive quanto às transformações dos desejos, implicadase continuamente negativas do ponto de vista pessoal. Amutabilidade do tempo, portanto, está cantada de modosemelhante à melancolia do autor de Em tormentos crueis,tal sofrimento.

Ratifique-se que o sentido do poema é um aproveitamento estilístico do soneto daquelecompositor do final da Idade Média e dos primeiros cinquenta anos do Renascimento.Aqui, o autor de No mundo quis o Tempo que se achasse, afirma que “todo mundo é compostode mudança/Tomando sempre novas qualidades”, o que sugere, a meu ver, novas condições,posições, funções e, decerto, novas perspectivas dialéticas. Camões admite as característicashumanas poetizadas tristemente pelo eu lírico: desconfiança, desesperança, mágoas, tristesrecordações, enfim, os desconcertos do mundo. Ora, um ser lírico com essas “qualidades” ecom a polissemia desse termo, é um ser marcadamente atormentado pelas lembranças, daídizer que com as mudanças ficam as mágoas na memória e as saudades “do bem, se algum

3. Camões escreveu versos tanto na medida velha (cinco ou sete sílabas métricas) quanto na medida nova cujossonetos constituem a parte mais conhecida da lírica camoniana (dez sílabas métricas).

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houve!”. Esse soneto faz lembrar Babel e Sião, poema inspirado no Salmo 136, “Superflumina Babylonis”, no qual os judeus, desterrados em Babilônia, choram o tempo em queviveram felizes em sua terra, Sião ou Jerusalém.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo o mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,Diferentes em tudo da esperança;Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,Que já coberto foi de neve fria,E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,Outra mudança faz de mor espanto:Que não se muda já como soía.

A passagem do tempo está clara em todo o soneto. No primeiro terceto, ao dizer queO tempo cobre o chão de verde manto, / Que já coberto foi de neve fria, marca a implacáveltransformação do eu lírico no momento em que converte em choro o doce canto. No entanto, oespanto maior do poeta é Que não se muda já como soía, isto é, como era hábito a mudança àépoca, por ser esta regular, porque em Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, o tempotranscorre, diariamente, num constante alterar-se de maneira assombrosa.

De Manuel Bandeira, pode-se dizer que não é possível afastara experiência de vida da sua experiência poética, pois apesar desua poesia ser de uma universalidade intensa, ardente e singela,ela não pode ser reduzida a acontecimentos biográficos, que serevelam matrizes de imagens, de emoções, de ritmos, transfi-gurados mistérios da criação. No poema “Elegia no Verão”, opoeta lança mão do tropo português da “saudade” evidenciando,com sinceridade, a lembrança sentida e nostálgica da infância.Reafirma, na sua linha poética, a presença das grandes inquie-tações sentidas com a passagem do tempo, porém com ternuraardente dor existencial, ao recordar o período em que era menino.

Bandeira atribui ao tema da infância uma força humanizadora, uma espécie de metáforaobsedante que o acompanha desde os versos da mocidade. Isso fez com que ele – um dospoetas mais líricos do Modernismo – retomasse o tema da melancolia contemplativa, dafugacidade das coisas, para criar sua Elegia de verão.

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X O Sentir e o Pensar o Tempo em Três Poemas Líricos

Esse pernambucano soube absorver com simplicidade o lirismo de formas múlti-plas explorado pelos poetas modernos. Na elegia, embora cante a pureza do garotoinocente, permeada de nostalgia, opoeta também se adaptou à ironia, àcrítica... tão ao gosto da estética deseu tempo. Daí porque no segundo,terceiro e quinto versos da terceiraestrofe ele critica a não importânciadada pelo Patrimônio Histórico ao“Largo do Boticário”, com suas “cai-xas-d’água vermelhas de ferrugem”,largo que era um recanto bucólico doRio de Janeiro, rodeado pela florestae pelo Rio Carioca e com edificaçõesneocoloniais.

Outra crítica feita por Bandeira diz respeito à mudança da ortografia da línguaportuguesa, mesmo consciente de que toda língua é dinâmica, mutável, mas, no poema, osujeito empírico é um conservador das coisas.

Elegia de verão

“O Sol é grande. O coisasTodas vãs, todas mudaves!(Como esse “mudaves”Que hoje é “mudáveis”Que já não rima com “aves”.)

O sol é grande. Zinem as cigarrasEm laranjeiras.Zinem as cigarras: zino, zino, zino...Como se fossem as mesmasQue eu ouvi menino.

Os verões de antigamente!Quando o Largo do BoticárioAinda poderia ser tombado.Carambolas ácidas, quentes de mormaço;Água morna das caixas-d’água vermelhas de ferrugem;Saibro cintilante...

O sol é grande. Mas, ó cigarras que zinis.Não sois as mesmas que eu ouvi menino.Sois outras, não me interessais...

Deem-me as cigarras que eu ouvi menino”.

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A melancolia de Bandeira, associada a um sentimento de tristeza, é cantada na elegia,na qual vêm à tona a sua tristeza e a vontade de, proustianamente, trazer de volta a infânciaperdida, já poetizada em “Infância”, “Evocação do Recife”, “Profundamente”, “Na Ruado Sabão”, “Balãozinhos”... Trata-se de uma fase mágica da infância do poeta, um locusamenus em que a criança se faz presente nos poemas que tentam recriar a experiência dameninice. É por meio desses textos poéticos que se estende uma ponte voltada ao sujeitopassado; entretanto, as cigarras e o seu zinir cheio de musicalidade encantatória – esta umainfluência do melodioso movimento Simbolista – não têm o poder de iludir o poeta quantoà fuga do tempo, daí não ser possível possuí-las no presente, pois elas só podem “ressoar”no ouvido de um sujeito adulto e consciente de que a fase de menino “foi há muito tempo”,como ele mesmo diz em sua “Evocação do Recife”

Conforme se observou, diante dessas variadas maneiras de sentir e/ou pensar o tempo esuas mudanças, na poesia esses estados d’alma são extremamente complexos – sobretudo osentir/pensar o tempo – para se explicarem num pequeno artigo. Por isso, é bom recordar odilema de Santo Agostinho nas suas “Confissões”: O que, então, é o tempo? Se ninguémme pergunta, eu o sei; se desejo explicá-lo àquele que pergunta, não o sei.”

Referências Bibliográficas

[1] BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.

[2] BÍBLIA SAGRADA. Traduzida da vulgata e anotada pelo padre Matos Soares. São Paulo:Paulinas, 1954, 6a edição.

[3] CAMÕES, Luís de. Obras completas. Lisboa: Sá da Costa, 1962, II vols. 3ª edição.

[4] HANS, Meyerhoff. O tempo na Literatura. São Paulo: McGraw do Brasil, 1976 (trad. deMyriam Campello, revisão técnica de Afrânio Coutinho.)

[5] MIRANDA, Francisco Sá de. Obras Completas. Vol. I, Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1942.Texto fixado, notas e prefácio pelo prof. M. Rodrigues Lapa. 2a edição.

[6] SANTO AGOSTINHO. Les confessions de Saint Augustin. Paris: Garnier, 1921.

Webgrafia

BR&biw=1659&bih=818&gbv=2&tbs=isch%3A1&sa=1&q=antigo+largo+do+botic%C3%A1rio+rj&btnG=Pesquisar&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai= (julho, 2010)

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XISós, Livro de Valdir Rocha

O Tempo e a Poética da Reprodutibilidade

Mirian de Carvalho¹[email protected]

1 Do tempo que não corre

O tempo dura. O tempo não dura. O tempo se vai. Ressurge. E desaparece. No planoteórico, o tempo pode ser compreendido como constructo. No plano anímico, pode serdimensionado como prospecção e introspecção. Enraizado no tempo anímico, o tempo napoesia e nas artes faz-se clarão e enigma à dinâmica das imagens. Então, o tempo estancapara entrelaçar acontecimentos e sentimentos paralelos, convergentes e simultâneos. Doponto de vista poético, o tempo não transcorre de modo linear porque não está encadeadopela sequência lógica que ordena acontecimentos através de princípio, meio e fim. O tempopoético não se atrela às causalidades formal e eficiente. Na arte e na poesia, desencadeandoestranhamento, o tempo emerge fragmentar ante inexistente todo.

Oscilando entre o fragmento e o inexistente todo, no tempo poético, que é o mesmo daarte, não há ciclos fechados, visto que, assim concebido, o tempo reúne diversidades dointimismo e do cosmos². Podemos então, à experiência estética, vivenciar uma experiênciatemporal. Essa experiência se faz entre contradições e paradoxos, reunindo tempos diversosregidos pela ordem do tempo íntimo. E, desse tempo, nada sabemos. Sentimos. Em sendoum e vários, no trabalho artístico, o tempo pode surgir na dimensão poética inserindo-sena instância da reprodução. Sob o ângulo poético, na arte hodierna não há demarcação

1. Professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Membro da Associação Brasileira de Críticos deArte, da Associação Internacional de Críticos de Arte, da Academia Paraense de Ciências e do Pen Club di Brasil.

2. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha e outros. São Paulo: Difel,1986, p. 185.

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rígida entre “original” e “cópia”. Há interação. Na relação entre “original” e “cópia”, surgemtempos que se tangenciam. Nesse caso, a temporalidade relaciona-se à convergência dossentidos do uno e do múltiplo, em desdobramento, num processo que não se conclui. Eentão o tempo emerge, ambíguo e ambivalente, na simultaneidade do diverso, revelandomomentos de algo em transformação. E o que o artista reproduz ganha cunho “original”.

2 Da reprodutibilidade na arte de Valdir Rocha

Para acolher o conjunto de desenhos realizados entre fins de 2008 e início de 2009, ValdirRocha elegeu as folhas do livro Images of Marilyn³, no qual a atriz aparece em mais de200 reproduções de fotografias em preto e branco. O referido livro serviu-lhe de suportepara desenhar outro livro. Relembrando palavras de Valdir, registre-se: “Das fotos do livrooriginário conservei alguns detalhes ou insinuações de personagens, rearranjei, acrescentei, eliminei,fiz, desfiz e refiz” ⁴, ou seja, sobre reproduções de fotos que ilustram a publicação, através desuperposições e intervenções, o artista realizou desenhos a cores. Em verdade, Valdir criououtro livro. Valendo-se da interpretação, o artista criou o livro de desenhos denominadoSÓS, título que se faz acompanhar dos subtítulos Alone, Solos, Seuls, Soli, Allein e do mesmotermo escrito em árabe.

Quanto aos dois primeiros livros, ou seja, quanto ao livro que serviu de suporte aosdesenhos de Valdir e quanto ao livro desenhado, pode ser dito que este artista criouconvergências temporais no plano da imagem, ou seja, criou imagens que se correspondem,do ponto de vista temporal, atualizando-se e desdobrando-se em outras imagens. Entanto,essa correspondência se dá através de elos não miméticos. Tais elos articulam imagensdiversas, que dialogam numa coexistência de tempos diversos e tangenciam ambos oslivros através de suas diferenças, dando continuidade a um trabalho que, em interfacese desdobramentos, envolve diversos meios expressivos e reprodutivos. Concluídos osdesenhos, Valdir lançou mão de mídias próprias à reprodutibilidade. Nessa etapa, Valdirgravou vídeo, com duração cronométrica de 9 minutos e 20 segundos e divulgou, via e-mail,indicação do You Tube contendo excertos do livro SÓS, ou seja, do livro desenhado, cujosfragmentos se fazem acompanhar de sons.

Ao recurso da sonorização, percebem-se, com predominância de vozes, ruídos apro-priados ao clima enigmático de um trabalho em processo, de um trabalho sempre emdesdobramento, inclusive via Internet, atuando sobre a recepção de diversos visitantes. E,aqui, lembramos a ênfase dada pela estética da recepção, nos idos de 1960, ao envolvimentosingular do leitor com o texto. Nesse sentido, enfatizavam-se as implicações sociais daprodução artística e do repertório de cada leitor. Entanto, sem referência a tais implicações,mas valorizando a comunicação propiciada por várias mídias, enfatizamos no trabalho deValdir a diversidade de repertórios no tocante à temporalidade, visto que cada “leitor” tem

3. ATLANTIC PUBLISHING (produced by). Images of Marilyn. UK: Parragon, 2008.

4. Arquivos da autora.

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um tempo íntimo de apreensão de um “texto” ou de outra forma de expressão artística. Naperspectiva poética, esse tempo íntimo adere ao tempo intrínseco à arte, envolvendo-a emtodas as instâncias, que vão da temática ao fazer; do fazer à mostra do trabalho artístico; emsua difusão e apreensão por meio de várias mídias, que abarcam inclusive o plano virtual.

E, mantendo foco temático concernente a trabalhos anteriores em sua vasta produçãoartística, Valdir, no livro SÓS, igualmente enfatiza nas personagens a expressividade contidana figuração das cabeças. Seja na pintura, na gravura, no desenho⁵, ou na escultura, ValdirRocha sempre destaca, nas personagens, a cabeça. No livro SÓS, os desenhos de Valdirtêm prosseguimento no enfoque sugestivo do universo urbano, sob vários ângulos, numacomplementaridade que envolve lugares percebidos, imaginários e virtuais, onde sonsdiferenciados e difusos mesclam-se e atuam como invólucro do espaço. E emergênciado tempo. Ressalte-se que se trata do tempo poético. Daquele tempo intrínseco aotrabalho artístico. No referido livro de Valdir, atuam no espaço urbano vários tempos, emconvergência, regendo transformações intrínsecas a um dado espaço. E seria impossívelpensar Marilyn fora do espaço urbano, ou, algo que a ela se refira, fora de New York ou deoutra megalópolis. Dando continuidade, ou descontinuidade, aos desenhos sobre as páginas

5. Cf. PRADE, Péricles. O desenho de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004, pp. 16-20.

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do livro de Marilyn, Valdir editou graficamente o livro SÓS. A seguir, fotografou algunsdesenhos, bem como realizou mostra das referidas fotografias. Criam-se, assim, váriostempos em convergência. Criam-se imagens diversas, que se relacionam às anteriores emtempos diversos e simultâneos. Do ponto de vista poético criam-se sistemas de instantes⁶,sem obediência à sucessão.

Do ponto de vista poético não se trata de uma sequência de trabalhos, mas de integraçãoentre a parte e a prospecção da unidade; entre um livro e outro livro; entre desenho efotografia; entre livro, desenho e foto; reunindo-se num todo que não se totaliza, através deoutras mídias. Eis aí o aspecto originário do tempo poético. Ele concentra as imagens emconjuntos interativos. Integrando esse percurso, o trabalho de Valdir duplica-se e multiplica--se através das diversas mídias utilizadas por ele. Ressalte-se que hoje a reprodutibilidadetorna-se uma poética. Porém muito já se escreveu sobre a reprodutibilidade técnica da obrade arte. Tendo como parâmetro a produção artística no Modernismo, naquele momentohistórico em que, em certo sentido, a noção de arte ainda envolvia o conceito de obra, quepor sua vez se relacionava às noções de acabamento e unidade, Walter Benjamin exaltoua importância dos meios de reprodução compreendidos como processos multiplicadores

6. BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. Trad. Marcelo Coelho. São Paulo: Ática, 1988, p. 9.

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da obra de arte. Sob a ótica de Benjamin, e com ênfase na arte fotográfica e no cinema, areprodutibilidade disponibiliza a obra a um número ilimitado de pessoas.

Nesse sentido, anulam-se as abordagens do artista como “criador e gênio”⁷, bem comoquestiona-se quanto à obra o “valor de eternidade e mistério”⁸. Entre várias questõesimportantes, Benjamin enfoca duas possibilidades básicas de reprodução através da história:aquela que reproduz a obra e aquela que reproduz a natureza. No primeiro caso, eledestaca, na Antiguidade, a fundição e a impressão, nas quais os gregos foram exímiosmestres na concepção de bronzes, terracotas e moedas, em séries limitadas pela técnica⁹.Benjamin menciona as técnicas desenvolvidas através da história. E, no segundo caso, ouseja, abarcando a reprodução da natureza e do mundo, esse autor enfatiza a fotografia e ocinema, destacando então a velocidade da máquina enquanto técnica de reprodução, bemcomo a possibilidade de destaque de dados e situações não percebidos no original¹⁰.

7. BENJAMIN, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. Trad. Dora Rocha. Sociologia da Arte,IV. Org. Gilberto Velho. Rio de janeiro: Zahar, 1969, p. 16.

8. Idem.

9. Ibidem, p. 17.

10. Ibidem, p. 19.

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Entanto, em que pese a possibilidade de acesso à obra por parte de um grande público,acrescenta Benjamin: “À mais perfeita reprodução falta alguma coisa: o hic et nunc da obrade arte”¹¹, o que, segundo esse autor, se relaciona à questão da unicidade e da autenticidadeda obra. Ainda que enfocando a questão como crítica do capitalismo, Benjamin ainda estava,em certo sentido, preso à noção de original como peça única. Quanto a isso observe-seque, a partir de uma leitura poética da gravura¹², podemos conceber a originalidade domúltiplo, face a sutis diferenças originárias da impressão. Mas, àquele período, a teoria daarte ainda trazia resquícios da noção de “obra”, como peça definitiva, acabada, única. Esacralizada. E, em certo sentido, a arte, em larga escala, se relacionava aos museus e àscoleções particulares desenhados pela ótica capitalista. A obra era algo visto à distância. EBenjamin percebe nas técnicas de reprodutibilidade uma perspectiva de proximidade daobra e do público. Mas tal questão não será aqui abordada.

Hoje, entre processos químicos e digitais, ao que se somam outras mídias, a fotografiatorna-se cada vez mais acessível a vários segmentos da população. Entanto, o que se quer

11. Idem.

12. CARVALHO, Mirian. O que é gravura? Um estudo sobre o trabalho da mão sonhadora. Gravura brasileira hoje.Depoimentos vol. I. (Org. Heloísa Pires Ferreira). Rio de Janeiro SESC – Tijuca, 1994, p. 115.

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aqui enfatizar é a reprodutibilidade operando do ponto de vista poético, ou seja, não só comomeio de divulgação e acessibilidade, mas sobretudo como forma expressiva, regida pelotempo poético, articulando original e reprodução, matriz e cópia, através de diversidades.Nesse sentido, assim como o intertexto na poesia, a reprodutibildade pode tangenciar aapropriação. E mesmo assim ela pode inserir-se no campo inventivo, renovando no trabalhoartístico possibilidades estéticas. E pode igualmente diversificar-se face às novas técnicas dereprodução que, a cada dia, surgem.

Com referência ao livro SÓS, de Valdir Rocha, o processo artístico se inicia nas páginasde um livro que reproduz fotos de Marilyn, ou seja, inicia-se no tempo que eternizouinstantaneamente as fotografias da atriz. Trata-se de imagens que, ao registrarem otempo histórico, ultrapassam-no. E inscrevem-se no tempo poético. Inscrevem-se numtempo que não corre¹³. Que não se esgota. Tais imagens congregam registros de váriostempos convergentes, através da infinidade de olhares possíveis àquelas fotos de Marilynregistradas em livro, notando-se que a edição é um processo de reprodutibilidade. E, diante,e independentemente, dessa gama de olhares, através da intervenção de Valdir Rocha,lembremos, iniciam-se procedimentos que, após o desenho, transformam e atualizam opróprio desenho, por meio do vídeo, e de excertos do mesmo vídeo disponibilizado naInternet, que, por seu turno, multiplica imagens virtuais. Multiplica imagens no tempoque, em simultaneidade, é um e vários, disponibilizando-se a olhares vários.

Observe-se que a chamada para tais imagens pode ser feita via e-mail, que, no caso,funciona como meio divulgador de uma técnica reprodutiva de um livro único realizadosobre reproduções de fotos. A comunicação da imagem através da máquina dá ao trabalhoartístico possibilidade de convergência de outros tempos, ou seja, possibilidade de existênciasimultânea da arte em diversos tempos. E viabiliza outras etapas do trabalho em processo.Ao ser desenhado e editado em papel, ao tempo do desenho e ao tempo da edição gráfica, olivro SÓS tornou-se único, exclusivo. Porém, acrescente-se, antes e depois da edição gráfica,além da reprodução em vídeo, as imagens do livro SÓS foram reproduzidas por Valdir pormeio da fotografia, e a fotografia gerou mostra de arte¹⁴, que poderá igualmente ter lugarem outra galeria ou em outro espaço propício a exposições. E, quem sabe, e por que não,no espaço urbano? Nesse processo o tempo da foto inicial, único e exclusivo, não deixou deser único e exclusivo. Mas desdobra-se entre o uno e o múltiplo ao ser foco do trabalhode Valdir.

Note-se que outros procedimentos podem dar continuidade a esse encadeamento, oudesencadeamento de imagens, cujo “original”, se é que pode ser assim denominado o livroImages of Marilyn, que reproduz fotos da atriz, tornou-se etapa e fonte deflagradora deprocedimentos artísticos e perceptivos. Tornou-se motivo para a realização do livro SÓS e deseus desdobramentos. E, assim, no andamento de outras etapas, ou seja, na insurgência de

13. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. Cit., p. 185.

14. Mostra realizada no Lugar Pantemporâneo: Av. Nove de Julho, 3.653, Jardim Paulista, São Paulo.www.pantemporaneo.com.br.

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outros tempos, as fotos originais, ou seja, as imagens não vistas, presentificam-se através dastécnicas de reprodutibilidade, envolvendo o campo virtual, de acordo com o mencionado.E nessa tangência de tempos, as imagens fotografadas por Valdir, bem como as editadas emvídeo, disponibilizam o livro de desenhos, e seu desdobramento impresso, isto é, sua ediçãográfica, através de mídias de cunho reprodutivo, em que o trabalho artístico se revela unoe múltiplo do ponto de vista de seus espaços, tempos e linguagens. O trabalho artísticosimultaneamente torna-se reprodução e original ante o olhar transpondo fronteiras. Sejaem São Paulo, no Japão, ou no Canadá.

Define-se desse modo uma leitura que afirma a autenticidade e o valor estético dareprodução, repetimos, visto que uma vez levado ao público, tal a poesia, o trabalhoartístico passa pelo crivo interpretativo que atua igualmente como processo reprodutivo,à convergência de várias instâncias temporais que tangenciam, articulam e integram o“original” e as “cópias”. Iniciam-se então várias leituras. Posto que diversas, elas reproduzemo trabalho artístico. Criam novos tempos de leitura. Iniciam-se pois múltiplas leituras.Algumas antagônicas, até. E elas multiplicam o trabalho. Passemos então à minha leitura.E agora, minha atenção dirige-se à fala de Valdir, gerando registros da linguagem que adereao seu trabalho, enquanto estrato conceitual, deflagrado pelo que não se mostra.

3 A poética do velamento

Relacionando ao trabalho de Valdir um estrato conceitual, minha interpretação volta-se paraalgumas observações que ora enfatizo nos depoimentos do artista: “Por que Marilyn? Pornada, absolutamente. Poderia ser qualquer pessoa, Beltrano, Fulano ou Sicrano”, diz Valdir ¹⁵.Seu interesse, tal como Valdir afirma, recaiu sobre as fotos e não sobre as pessoas. E seique foi relevante para ele o chamamento da gramatura do papel couchê. Muitas vezesum poema nasce a partir da visão ou da imaginação da superfície rugosa de uma pedra.Inúmeras vezes um objeto deflagra poesia. E a materialidade do mundo faz-se relevante noprocesso artístico ao transformar-se a técnica em poética. Nesse sentido, o papel integra-seao tempo poético, ou seja, integra-se ao momento em que algo passa a ter sentido para oartista, em seu tempo íntimo.

Mas, no ato criativo, antes de tudo um registro dos sentidos ou da imaginação mobiliza-dos pelo afeto, ou pelo desafeto, tal como na poesia, há momentos e motivos que escapama qualquer definição ou causalidade extrínseca. Nas cercanias do onirismo insurge-se aarte. Ela advém de um tempo não linear. Inscreve-se num tempo não linear. Nesse tempocessam as razões do artista e do poeta. Surge o imponderável. O inexplicável. E ao resquíciodas inscrições oníricas, algo distante desencadeia o processo criativo. Ainda que tal processose inicie na materialidade do mundo, trata-se de matéria imaginada. E transformada pelopoético. Água. Terra. Papel. Foto. Metamorfose. Algo visto em determinado momento,transcende esse momento, para lançar-se ao paradoxo em que se reúnem e participam damesma existência estética o uno e o múltiplo, o “original” e a “cópia”.

15. Arquivos da autora.

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Ao artista e ao visitante resta plena liberdade para reproduzir e fundar o mundo e amatéria das coisas. Para reproduzir e fundar o tempo das coisas. Ao artista e ao visitante,surge o ensejo de reproduzir e visitar o próprio universo íntimo. E o tempo íntimo.Surge o inexplicável. A arte oscila entre ambiguidade e ambivalência. Então, o mundo,uma paisagem, as coisas renascem renovados ao estranhamento de uma ontologia. Masnão há objeto neutro. Íntimos e táteis, pequenos-grandes desejos nos atraem às coisas.Algumas vezes, como se fossem anjos do instante que se foi. Outras vezes, como se fossemdemônios-da-hora-inteira.

Voltando ao livro SÓS, sei que algo deflagrou o fazer artístico. Houve um instante daimagem nascente. O que marcou esse instante? A gramatura do papel? A gramatura dopapel com reproduções de fotos de personagens conhecidas e desconhecidas. Imagensarcaicas. Imagens primevas. Tempo arcaico. Tempo hodierno. Instante da imagem. Rostosatuais. Imagens vistas ao acaso. Imagens em desvelamento. Imagens veladas. No livroImages of Marilyn, dentre os fotografados, destaca-se a atriz. Em todas as fotos. Então mepergunto: Tendo em mãos, ao curso da vida, tantos livros de fotografia impressos em papelcouchê, por que este, e não outro, o escolhido por Valdir para realizar suas intervenções?Por outro lado, posto que não tendo sido a imagem de Marilyn o apelo direto, sequerindireto, ao desencadeamento do trabalho de Valdir, ela se faz imagem em ambos os livros,em Images of Marilyn e em SÓS. Dois tempos. Um tempo. Muitos tempos convergentesentre fragmentos de um tempo anterior e de um tempo atual, significativos ao olhar.

Nos dois livros instaura-se uma ambivalência da relação entre presença/ausência,notando-se que, no fazer artístico, tangenciam-se o acaso e o desejo. Então, insurgem-se ecorrespondem-se dois tempos distintos: o da ausência e o da presença. Mas eles perfazemuma ambivalência. E a presença toma o lugar da ausência. Em ambos os livros, e nas demaisreproduções próprias das diversas mídias que multiplicam o trabalho de Valdir, lá estáMarilyn. Na foto. Na ampliação. Na reprodução. No momento fugaz clicado pela máquinana escrita da luz. No momento do tempo em fuga, ressurgindo noutro tempo. No trabalhode Valdir, a atriz torna-se motivo e inscrição no tempo que se cristaliza no desenho. Ea presença de Marilyn se reflete nas fotos, no vídeo e nos excertos do vídeo produzidospelo artista. Marilyn atua nos vários tempos que se correspondem nas múltiplas etapas dotrabalho de Valdir. Marilyn torna-se inscrição no instante. E é próprio do instante o tersido. No instante, em sendo algo presença, esse algo já se foi. E volto às palavras de Valdir:“O rosto de Marilyn só não aparece em uma das fotos, porque o editor não tinha – ou não quisutilizar – sua fotografia na urna funerária (e mostrou somente esta)¹⁶.

E agora ponho em destaque a afirmação contida no texto anteriormente citado: “Orosto de Marilyn só não aparece (...)”¹⁷. Desdobrando sentidos referentes ao não aparecer, orosto de Marilyn torna-se imagem reproduzida. E imagem não reproduzida. E imagemtransformada. E também pré-imagem e pós-imagem. E tempo da ausência regendo a

16. Arquivos da autora.

17. Idem.

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cena. Em alguns momentos, imagem fictícia. Em especial naquele dia. No passado. Ehoje. Sua existência revela-se onde ela está. No tempo atual. E onde ela não aparece. Suaexistência revela-se ao longo do trabalho de Valdir. Nas fotografias; no livro que reproduzgraficamente as fotos; no livro de desenhos de Valdir; na edição gráfica desse livro dedesenhos. Nos objetos e lugares compreendidos pelas existências física e virtual de taisexpressões estéticas, ali está Marilyn. E ela também está onde não aparece. Ela está nosdesenhos de Valdir. No passado e hoje. No passado e hoje, Marilyn inscreve-se na cena dofuneral. E nas imagens das demais mídias reprodutivas que perfazem o trabalho de Valdir.

Reproduzir e transformar são atos poéticos. E em toda poética inscrevem-se jogos deoposições. Em ambos os livros, e nas demais mídias afetas ao trabalho de Valdir, Marilynnega-se ao existir e ao não existir enquanto ser vivo. Porque Marilyn torna-se personagem.E “personagem não morre”¹⁸. Não é ser vivente nem morto. Integra-se à ontologia estética.Na foto final do livro Images of Marilyn, no tempo surpreendido pela lente do fotográficoe nos vários tempos que compõem o trabalho de Valdir, a atriz está e não está presentedentro da urna, porque a arte perfaz uma ontologia singular. No plano da arte, tudo existee subsiste fora das contingências da presença e da ausência. Porque na arte o tempo nãomorre. Ou melhor, registrando-se como instante, esse tempo desaparece e retorna. E seudesaparecimento e retorno tornam-se concomitantes.

Em simultaneidade, da fotografia à reprodução no livro em papel couchê, vemos algoque não mais é reprodução, ou seja, surge a imagem realizada em papel couchê. E Marilynestá nas fibras do papel. No brilho do papel. Na gramatura do papel. Na urbe de papel.No tempo do papel. E, de modo ambivalente, a imagem de Marilyn morta está e nãoestá presente no trabalho de Valdir. Mas em todos os momentos, ao transcender o parpresença/ausência, a arte envolve solidão. O criar ocorre na solidão. O criar se dá nosespaços da solidão. E gera seres de solidão, habitantes de um mundo que busca o outro, semjamais encontrá-lo. Mesmo na reprodução, tais seres vivem sós, dentro da multiplicidadeque os faz muitos e um, de modo simultâneo. Quem sabe Marilyn não terá inspirado otítulo SÓS? Dentro da urna funerária, lá está e não está Marilyn. Ela existe ao jogo de umaestética do escondido¹⁹, tema tão caro a Bachelard em suas incursões pelo espaço na poesia.

Naquilo que está fechado entreabre-se o campo fértil à criação artística. Ante umcofre, diante de uma gaveta, ou face à prosaica utilidade no dia a dia de uma geladeira,a imaginação trabalha e transforma o interior do que está fechado. E esse fechamentovem à tona. Transparece. Transubstancia-se. A imaginação entreabre. Abre e fecha. Eanula o determinismo das oposições entre interior e exterior. Porque na arte não hácausalidade eficiente. E o tempo não corre em horizontalidade²⁰. Diante do que se mostraem velamento, a imaginação respira e move-se. Vai e vem, quieta e inquieta. E aqui, vou

18. Palavras do pesquisador e escritor Marcus Arzua numa palestra sobre Dom Quixote. Rio de Janeiro, 2009.

19. Cf. BACHELARD. Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia Valle Santos Leal. Rio deJaneiro: Eldorado, s./d., p. 19.

20. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Op. cit., p. 185.

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XI Sós, Livro de Valdir Rocha: O Tempo e a Poética da Reprodutibilidade

mais longe. Seja da parte do fotógrafo de Marilyn, da parte do editor, ou no livro de ValdirRocha, bem como nas várias mídias utilizadas por Valdir, leio as entrelinhas de uma poéticado velamento ou do escondido.

Negando a noção de inexistência, entre tantas personagens e vozes, surge marcantesentido das coisas, fatos e memórias da ausência. Surge o tempo das coisas e dos aconteci-mentos próprios do tempo íntimo. E surge o tempo da memória atualizando coisas e fatos.E sentimentos. E no livro SÓS, nos desenhos, nas fotos e no vídeo elaborados por Valdir, olivro Images of Marilyn não poderia gerar um livro dos anjos. Assim sendo, no livro SÓS,Valdir Rocha reúne humanos e alguns demoninhos, numa convivência própria do cotidiano.No tempo do cotidiano. Nos espaços e tempos da urbe onde se movem suas personagens,há seres que voam. Mas, em todas as personagens, ou em quase todas, tal como observouo artista plástico e crítico de arte César Romero, o corpo surge enovelado²¹. Tal recursoestético-expressivo, comum à arte de Valdir, observo, aparece em seus trabalhos anteriores,abrangendo a escultura. Do ponto de vista desta minha leitura, o enovelado integra-se auma poética do velamento.

No corpo, extensão esquemática da cabeça, que é o motivo central da arte de Valdir,o visitante se inicia na busca de um Fio de Ariadne. Mas esse fio não o levará à saída dolabirinto. Porque esse fio é urdido no tempo do labirinto. Esse fio pertence ao tempo íntimoque rege os acontecimentos no espaço semiaberto das imagens. Próprio do trabalho deValdir, o semiabrir-se integra-se aos meandros de um labirinto, através de desdobramentosimagísticos. Então o semiabrir-se torna-se desafio ao pensamento crítico de hoje, porque,tal como ocorre no trabalho de alguns outros artistas, a pintura, o desenho e a gravura deValdir não seguem os caminhos da tradição. Há no trabalho de Valdir, senão um projeto,uma diretriz desconstrutivista, que, de modo sutil, abre caminhos que ampliam a noção de“contemporâneo”, quase sempre restrita a instalações, objetos e expressões congêneres.

A partir de tal observação, enfatize-se, na poética da reprodutibilidade, que integraas várias etapas deste trabalho de Valdir, há transposições da técnica ao plano poético,conduzindo várias outras perspectivas comuns ao espaço e ao tempo na concepção contem-porânea. Relacionado ao tempo, o espaço ganha dimensão afetiva. Trata-se de um espaçonão acabado. E receptivo a imagens enoveladas à espera de olhos que percebam inexistenteinício e fim de inexistente linha movendo-se ao jogo da presença/ausência. Nesse processo,o tempo é ato. Registro de um processo em ato. Acompanhando o vídeo, os ruídos atuamcomo vozes do tempo. Sem determinar início ou fim.

Vi o livro SÓS na versão desenhada. Manuseei o livro SÓS na versão editada em papel²².E sobre algumas páginas percebo novas intervenções de Valdir. E, nesta interpretação dotrabalho deste artista, registro que novos desenhos, sobre as páginas impressas, revelam osurgimento de outras imagens no tempo poético. E então, aguardo etapas vindouras quepoderão incluir novas mídias nos meandros da reprodutibilidade. E outro texto crítico sefará necessário.

21. ROMERO, César. Sós com Marilyn. Salvador: Correio, Caderno Vida, domingo, 11-07-2010, p.28.

22. ROCHA, Valdir. SÓS. São Paulo: Pantemporâneo, 2010.

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Referências Bibliográficas

[1] ATLANTIC PUBLISHING (produced by). Images of Marilyn. UK: Parragon, 2008.

[2] BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. Trad. Marcelo Coelho. São Paulo:Ática, 1988.

[3] . A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Leal. Rio deJaneiro: Eldorado, s./d.

[4] . O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha e outros. 2 ed. São Paulo:Difel, 1986.

[5] BENJAMIN, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. Trad. Dora Rocha.Sociologia da Arte, IV. Org. Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.

[6] CARVALHO, Mirian. “O que é gravura? Um estudo sobre o trabalho da mão sonhadora”.Gravura brasileira hoje. Depoimentos – vol. I. (Org. Heloisa Pires Ferreira), Rio de Janeiro:Oficina de Gravura SESC – Tijuca, 1994.

[7] PRADE, Péricles. O desenho de Valdir Rocha. São Paulo: Escrituras, 2004.

[8] ROCHA, Valdir. SÓS. São Paulo: Pantemporâneo, 2010.

[9] ROMERO, César. Sós com Marilyn. Salvador: Correio, Caderno Vida, domingo,11-07-2010.

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Título Diálogos Sobre o TempoProjeto gráfico e composição Casa Editorial Maluhy & Co.

Capa Malu VallimFormato 16 x 23 cm

Tipologia Adobe Caslon