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ELIANE BRUM 29 SEP 2014 - 11:18 BRT

COLUNA

Diálogos sobre o fim do mundoDo Antropoceno à Idade da Terra, de Dilma Rousseff a Marina Silva, o antropólogo Eduardo

Viveiros de Castro e a filósofa Déborah Danowski pensam o planeta e o Brasil a partir da

degradação da vida causada pela mudança climática

Arquivado em: Marina Silva Ecologia Opinião Dilma Rousseff Lula da Silva Amazônia

Eleições Brasil Presidente Brasil Mudança climática Antropologia Brasil

Se alguns, entre os milhares que passaram pela calçada daCasa de Rui Barbosa, na semana de 15 a 19 de setembro,por um momento tivessem o ímpeto de entrar, talvezlevassem um susto. Ou até se desesperassem. Durante cincodias, debateu-se ali, no bairro de Botafogo, no Rio deJaneiro, algo que, apesar dos sinais cada vez maisevidentes, ainda parece distante das preocupações damaioria: a progressiva e cada vez mais rápida degradaçãoda vida a partir da mudança climática. Pensadores dediv ersas áreas e de diferentes regiões do mundo discutiramo conceito de Antropoceno – o momento em que o homemdeixa de ser agente biológico para se tornar uma forçageológica, capaz de alterar a paisagem do planeta ecomprometer sua própria sobrevivência como espécie e ados outros seres vivos. Ou, dito de outro modo, o ponto de

virada em que os humanos deixam de apenas temer acatástrofe para se tornar a catástrofe.

Com o título “Os mil nomes de Gaia – do Antropoceno àIdade da Terra”, o encontro foi concebido pelo francêsBruno Latour, uma das estrelas internacionais dessedebate, e dois dos pensadores mais originais do Brasil atual,Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski. Namesma semana, Eduardo e Déborah lançaram o livro queescreveram juntos: Há mundo por vir? – ensaio sobre os

medos e os fins (Editora Cultura e Barbárie).

Na obra, abordam as várias teorias, assim como asincursões da literatura e do cinema, sobre esse momentoem que a arrogância e o otimismo da modernidadeencontram uma barreira. O homem é então lançado noincontrolável e até na desesperança, no território de Gaia, oplaneta ao mesmo tempo exíguo e implacável. Comoescrevem logo no início do livro, com deliciosa ironia: “Ofim do mundo é um tema aparentemente interminável –pelo menos, é claro, até que ele aconteça”.

Déborah é filósofa, professorada pós-graduação da PUC do

Rio de Janeiro. Pesquisa a metafísica moderna e,ultimamente, o pensamento ecológico. Eduardo é etnólogo,professor do Museu Nacional da Universidade Federal doRio de Janeiro. É autor do “perspectivismo ameríndio”,contribuição que impactou a antropologia e o colocou entre

OPINIÃO

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os maiores antropólogos do mundo. Como disse Latour,Déborah é uma “filósofa meio ecologista”, Eduardo um“antropólogo meio filósofo”.

Eduardo e Déborah são marido e mulher e pais de Irene, aquem o livro é dedicado. Além da casa, os doiscompartilham a capacidade bastante rara de dialogar comos vários campos de conhecimento e da cultura sem escaparde refletir também sobre a política – para muito além de

partidos e eleições, mas também sobre partidos e eleições. Ambos têm uma ação bastante ativa nas redes sociais.Como diz Eduardo, o Twitter é onde ele pensa.

A entrevista a seguir contém alguns dos momentos maisinteressantes de cinco horas de conversa – três horas emeia no apartamento deles, em Botafogo, no sábado após ocolóquio, e uma hora e meia por Skype, dias depois. Entreos dois encontros, 400.000 pessoas, segundo osorganizadores, participaram da Marcha dos Povos peloClima, em Nova York, e 4.000 no Rio de Janeiro; Barack Obama afirmou que “o clima está mudando mais rápido doque as ações para lidar com a questão” e que nenhum paísficará imune; e o Brasil recusou-se a assinar o compromissode desmatamento zero até 2030.

Ainda que tenham sido dias intensos, é possível afirmar quepara muitos parece mais fácil aderir a ameaças de fim demundo, como a suposta profecia maia, de 21 de dezembrode 2012, do que acreditar que a deterioração da vida quesentem (e como sentem!), objetiva e subjetivamente, no seucotidiano – e que em São Paulo chega a níveis inéditos coma seca e a ameaça de faltar água para milhões – é resultado

da ação do homem sobre o planeta. É mais fácil crer naficção, que ao final se revela como ficção, salvando a todos,do que enfrentar o abismo da realidade, em que nossoprimeiro pé já encontrou o nada.

É sobre isso que se fala nesta entrevista. Mas também sobrepobres e sobre índios, e sobre índios convertidos empobres; sobre esquerda e sobre direita; sobre capitalismo esobre o fim do capitalismo; sobre Lula, Dilma Rousseff eMarina Silva. Sobre como nos tornamos “drones”, aodissociar ação e consequência. E como todos estes sãotemas da mudança climática – e não estão distantes, mas

perto, bem perto de nós. Mais próximos do que a mesa decabeceira onde desligamos o despertador que nos acordapara uma vida que nos escapa. O problema é que o que nosacorda nem sempre nos desperta. Talvez seja hora deaprender, como fazem diferentes povos indígenas, a dançarpara que o céu não caia sobre a nossa cabeça.

A antropóloga sul-africana Lesley Green referiu-se,em sua exposição no colóquio, ao momento depaíses como África do Sul e Brasil, países em queuma parcela da população que historicamenteestava fora do mundo do consumo passa a teracesso ao mundo do consumo. No Brasil, estamosfalando da chamada Classe C ou “nova classemédia”. Me parece que esse é quase um dogma noBrasil de hoje, algo que poucos têm a coragem deconfrontar. Como dar essa má notícia, a de que

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“O capitalismo estáfundado noprincípio da

produção deriqueza, mas aquestão numplaneta finito éredistribuir ariqueza”

agora que podem consumir, de fato não podem,porque as elites exauriram o planeta nos últimosséculos? E como dizer isso no Brasil, em que todo oprocesso de inclusão passa pelo consumo?

Eduardo Viveiros de Castro– Essa é uma grande questão empaíses como o Brasil. Etotalmente legítima. O que está

em jogo aí é a questão daigualdade. Até certo ponto émuito mais fácil você dar umcarro para o pobre do que tirar ocarro do rico. E talvez fossemuito mais fácil para o pobreaceitar que ele não pode ter umcarro se o rico parasse de tercarro também. Dizendo, de fato:“Olha, lamento, você não pode mais usar, mas eu tambémnão”. É claro que enquanto você ficar dizendo para o pobre

– “Você não pode ter e eu tenho” – não dá. Ele vai dizer:“Por que vocês podem continuar a consumir seis planetasTerra e eu não posso comprar o meu carrinho?”. É precisodissociar crescimento de igualdade, como afirma o RodrigoNunes (professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio). E sobretudo você tem que parar de superdesenvolveros países superdesenvolvidos. E a palavra tem que ser"superdesenvolvido". Porque a gente fala muito emsociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, comoantigamente – países subdesenvolvidos, países em vias dedesenvolvimento, países desenvolvidos. Nunca ninguém

falou que existem países superdesenvolvidos, isto é,excessivamente desenvolvidos. É o caso dos EstadosUnidos, onde um cidadão americano médio gasta oequivalente a 32 cidadãos do Quênia ou da Etiópia. A relação que sempre se faz é que, para tirar as populações dapobreza, é preciso crescer economicamente. E aí você temum dilema: se você cresce economicamente, com usocrescente de energia fortemente poluente, como petróleo ecarvão, nós vamos destruir o planeta. Assim, a luta pelaigualdade não pode depender do nosso modelo decrescimento econômico mundial, do qual o Brasil, Índia eChina são só as pontas mais histéricas, porque querem

crescer muito rápido. O jeito como o mundo está andandonão pode continuar porque se baseia numa ideia de que ocrescimento pode ser infinito, quando a gente sabe quemora num mundo finito, com recursos finitos. Entretanto,eu nunca vi ninguém falar: “O crescimento vai ter que pararaqui”. Você vai ser preso se você disser isso em qualquerlugar do mundo. Eu não acho que o Brasil tenha que pararde crescer, no sentido de crescimento zero. O que o Brasilprecisa, como o mundo precisa, é de uma redistribuiçãoradical da riqueza. Quanto mais você redistribui, menosprecisa crescer, no sentido de aumentar a produção. A

economia capitalista está fundada no princípio de que vivereconomicamente é produzir riqueza, quando a questãorealmente crítica é redistribuir a riqueza existente.

Mas aí você toca na parte mais difícil, osprivilégios... E a mudança parece ainda mais

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“São Paulo é uma espécie delaboratório do mundo. Tudoestá acontecendo de maneira

acelerada”

distante, quase impossível.

Eduardo – É verdade. Os grandes produtores de petróleotêm todo interesse em tirar até a última gota de petróleo dochão, mas eles também não são completamente imbecis. Eestão se preparando para monopolizar outras riquezas nofuturo que possam vir a ser a mercadoria realmenteimportante. Por exemplo, água. Eu não tenho a menordúvida de que existem planos estratégicos das grandes

companhias petrolíferas para a passagem de produtoras depetróleo a produtoras de água, que será a mercadoriaescassa. Você pode viver sem petróleo, você pode viver semluz, inclusive, mas você não pode sobreviver sem água. A minha impressão é que, assim que passar a eleição, SãoPaulo vai entrar numa vida de science fiction. O que é umamegalópole sem água?

Acho que saberemos em breve...

Eduardo – É mais fácil vocêdizer que a culpa é do (Geraldo)

Alckmin (governador de SãoPaulo, pelo PSDB), que nãotomou as medidas necessárias. Émais fácil do que dizer: isso aí é

o efeito de São Paulo ter cimentado todo o seu território, setransformado num captor térmico gigantesco, só comcimento, asfalto e carro jogando gás carbônico.Desapareceu a garoa, não existe mais a garoa em São Paulo.

A Amazônia foi e está sendo desmatada por empresáriospaulistas. São Paulo é uma metáfora, mas não é só umametáfora. São Paulo está destruindo a Amazônia e está

sofrendo as consequências disso. Acho que São Paulo é umlaboratório espetacular, no sentido não positivo da palavra.É como se estivesse passando em fast forward , acelerado,tudo o que está acontecendo no mundo. Explodiu aquantidade de carros, explodiu a poluição, explodiu a faltade água, explodiu a violência, explodiu a desigualdade. Emsuma, São Paulo é uma espécie de laboratório do mundo,neste sentido. Não só São Paulo, há outras cidades iguais,mas São Paulo é a mais próxima de nós, e estamos vendo oque está acontecendo.

E por que as pessoas não conseguem fazer a

conexão, por exemplo, entre a seca em São Paulo eo desmatamento na Amazônia?

Eduardo – Porque é muito grande a coisa. Há umpensador alemão, o Günther Anders, que foi o primeiromarido da Hannah Arendt. Ele fugiu do nazismo e virou ummilitante antinuclear, especialmente entre o fim da décadade 40 e os anos 70. Ele diz que a arma nuclear é uma provade que aconteceu alguma coisa com a humanidade, namedida em que ela se tornou incapaz de imaginar o que écapaz de fazer. É uma situação antiutópica. O que é umutopista? Um utopista é uma pessoa que consegue imaginarum mundo melhor, mas não consegue fazer, não conhece osmeios nem sabe como. E nós estamos virando o contrário.Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas que nãosomos nem capazes de imaginar. A gente sabe fazer a

bomba atômica, mas não sabe pensar a bomba atômica. O

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Günther Anders usa uma imagem interessante, a de queexiste essa ideia em biologia da percepção de fenômenossubliminares, abaixo da linha de percepção. Tem aquelacoisa que é tão baixinha, que você ouve mas não sabe queouviu; você vê, mas não sabe que viu; como pequenasdistinções de cores. São fenômenos literalmentesubliminares, abaixo do limite da sua percepção. Nós,segundo ele, estamos criando uma outra coisa agora quenão existia, o supraliminar. Ou seja, é tão grande, que vocênão consegue ver nem imaginar. A crise climática é umadessas coisas. Como é que você vai imaginar um troço quedepende de milhares de parâmetros, que é umtransatlântico que está andando e tem uma massa inercialgigantesca? As pessoas ficam paralisadas. Dá uma espéciede paralisia cognitiva. Então as pessoas falam: "Não possopensar nisso. Se eu pensar nisso, como é que eu vou darconta? Você está dizendo que o mundo vai aquecer quatrograus... E o que vai acontecer? Então é melhor não pensar”.Bem, a gente acha que tem que pensar.

Déborah Danowski – Os indígenas, os pequenosagricultores, eles estão percebendo no contato com asplantas, com os animais, que algo está acontecendo. Elestêm uma percepção muito mais apurada do que a gente.

Eduardo – Como eles veem que o clima está mudando?No calendário agrícola de uma tribo indígena você sabe queestá na hora de plantar porque há vários sinais da natureza.Por exemplo, o rio chegou até tal nível, o passarinho talcomeçou a cantar, a árvore tal começou a dar flor. E aformiga tal começou a fazer não-sei-o-quê. O que eles estãodizendo agora é que esses sinais dessincronizaram. O rio

está chegando a um nível antes de o passarinho começar acantar. E o passarinho está cantando muito antes de aquelaárvore dar flor. É como se a natureza tivesse saído de eixo.E isso todos eles estão dizendo. As espécies estão seextinguindo, e a humanidade parece que continua andandopara um abismo. O mundo vai, de fato, piorar para muitagente, para todo mundo. Só o que vai melhorar é a taxa delucro de algumas empresas, e mesmo os acionistas delas

vão ter que talvez tirar a casa de luxo que eles têm naCalifórnia e jogar para outro lugar, porque ali vai ter pegadofogo. Se houver uma epidemia, um vírus, uma pandemia

letal, violenta, tipo ebola, pode pegar todo mundo.Enquanto os sujeitos têm corpo de carne e osso, ninguémestá realmente livre, por mais rico que seja, do que vaiacontecer. Mas é evidente que quem vai primeiro soçobrarserão os pobres, os danados da Terra, os condenados daTerra. Algumas pessoas estão começando a se preocupar,mas não conseguem fazer parar, porque todas as outrasestão empurrando. E você diz: "para, para, para!". E vocênão consegue. Mas há muitas iniciativas pelo mundo degente que percebeu que os estados nacionais, ou que asgrandes tecnologias gigantescas, heroicas e épicas, não vão

nos salvar. E que está nas nossas mãos nos salvarmos. Nãoestá nas mãos dos nossos responsáveis. Não temosresponsáveis. A ideia de que o governo é responsável pornós, a gente já viu que não é. Ele é irresponsável. Ele tomadecisões irresponsáveis, destrói riquezas que ele não podesubstituir, e, portanto, há um descrédito fortíssimo nas

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“A história do

Brasil é umprocesso deconversão do índioem pobre. É o queestá acontecendona Amazôniaagora”

formas de representação.

Como os protestos de junho de 2013...

Eduardo – As crises de junho são crises de "não nosrepresenta". Isso não é só no Brasil. É como se tivessehavido uma espécie de fissura. É uma outra geração. Nãodeixa de ser parecido com 68, de certa maneira. Só queagora não é em torno de novas lutas, como gênero,

sexualidade, etnia. Tudo isso continua, mas há uma outracoisa muito maior por cima: o que estamos fazendo com aTerra onde a gente vive? Vamos continuar comendotransgênico? Vamos continuar nos envenenando? Vamoscontinuar destruindo o planeta? Vamos continuar mudandoa temperatura?

Pegando como gancho a nossa situação aqui noBrasil, com um governo desenvolvimentista, comgrandes obras na Amazônia, transposição do rioSão Francisco etc, gostaria que vocês falassemsobre a questão do pobre. Você afirma, de uma

maneira muito original, Eduardo, que o pobre éum "nós" de segunda classe. A grande promessaseria tirá-lo da pobreza para ficar mais parecidocom a única forma desejável de ser, a nossa. E oíndio problematiza isso e, portanto, se torna umproblema. O índio não se interessa em ser "nós".Então eu queria que vocês explicassem melhor essaideia e a situassem na política do atual governopara os pobres e para os índios.

Eduardo – O capitalismo éuma máquina de fazer pobres.Inclusive na Europa. Os pobresnão estão aqui, só. O pobre éparte integrante do sistema decrescimento. As pessoas achamque o crescimento diminui apobreza. O crescimento, na

verdade, produz e reproduz apobreza. Na medida em que eletira gente da pobreza, ele temque criar outros pobres no lugar.O capitalismo conseguiu melhorar a condição de vida do

operariado europeu porque jogou para o Terceiro Mundo ascondições miseráveis. Então, era o operário daqui sendoexplorado para que os pobres operários de lá fossem menosexplorados. Essa oposição que eu fiz entre índio e pobre é,na verdade, uma crítica direta, explícita, a uma boa parte daesquerda, a esquerda tradicional, a velha esquerda que estáno poder, que divide o poder por concessão da direita, dosmilitares e tal, e é muito voltada para a ideia dedesenvolvimento. Uma coisa era o desenvolvimentismo doCelso Furtado, naquela época. Acho, inclusive, um insulto àmemória dele. O Celso Furtado estava vivendo uma outra

época, um outro mundo, um outro modelo. E as pessoashoje continuam a falar essas palavras de ordem que têm 40,50, 60 anos, como se fosse a mesma coisa. Mas, qual é oproblema? O problema é que a esquerda de classe média, ointelectual de esquerda, vê o seu Outro essencialmente

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“Qual foi a grande carta dealforria que o governo Dilmadeu ao pobre? O cartão de

crédito”

como um pobre. Pobre é uma categoria negativa, né? Pobreé alguém que se define pelo que não tem. Não tem dinheiro,não tem educação, não tem oportunidade. Então, a atitudenatural em relação ao pobre, e isso não é uma crítica, é o

ver natural, é que o pobre tem que deixar de ser aquilo.Para ele poder ser alguma coisa, ele tem que deixar de serpobre. Então a atitude natural é você libertar o pobre,emancipar o pobre das suas condições. Tirá-lo do trabalhoescravo, dar a ele educação, moradia digna. Mas,invariavelmente, esse movimento tem você mesmo comopadrão. Você não se modifica, você modifica o pobre. Vocêtraz o pobre para a sua altura, o que já sugere que você estápor cima do pobre. Ao mesmo tempo, você torna o pobrehomogêneo. Sim, porque se o pobre é definido por alguémque não tem algo, então é todo mundo igual.

E o que é um índio?

Eduardo - O índio, ao contrário, é uma palavra que achoque só existe no plural. Índio, para mim, é índios. É

justamente o contrário do pobre. Eles se definem pelo quetêm de diferente, uns dos outros e eles todos de nós, e poralguém cuja razão de ser é continuar sendo o que é. Mesmoque adotando coisas da gente, mesmo que querendotambém a sua motocicleta, o seu rádio, o seu Ipad, seja oque for, ele quer isso sem que lhe tirem o que ele já tem esempre teve. E alguns não querem isso, não estãointeressados. Não é todo mundo que quer ser igual ao

branco. O que aconteceu com a história do Brasil é que foium processo circular de transformação de índio em pobre.Tira a terra, tira a língua, tira a religião. Aí o cara fica com oquê? Com a força de trabalho. Virou pobre. Qual foi sempre

o truque da mestiçagem brasileira? Tiravam tudo,convertiam e diziam: agora, se vocês se comportarem bem,daqui a 200, 300, 400 anos, vocês vão virar brancos. Elesdeixam de ser índios, mas não conseguem chegar a ser

brancos. Pessoal, vocês precisam misturar para virar branco. Se vocês se esforçarem, melhorarem a raça,melhorarem o sangue, vai virar branco. O que chamam demestiçagem é uma fraude. O nome é branqueamento. E é oque estão fazendo na Amazônia. É re-colonização. O Brasilestá sendo recolonizado por ele mesmo com esse modelosulista/europeu/americano. Essa cultura country que está

invadindo a Amazônia junto com a soja, junto com o boi. Eao mesmo tempo transformando quem mora ali em pobre.E produzindo a pobreza. O ribeirinho vira pobre, oquilombola vira pobre, o índio vai virando pobre. Atrás dacolheitadeira, atrás do boi, vem o programa de governo,

vem o Bolsa Família, vem tudo para ir reciclando esse lixohumano que vai sendo pisoteado pela boiada. Reciclandoele em “pobre bom cidadão”. E aí a Amazônica ficaliberada...

Como enfrentar isso?

Eduardo – Se você olhar acomposição étnica, cultural, dapobreza brasileira, você vai verquem é o pobre. Basicamenteíndios, negros. O que eu chamo

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de índios inclui africanos. Incluios imigrantes que não deram certo. Esse pessoal é essamistura: é índio, é negro, é imigrante pobre, é brasileirolivre, é o caboclo, é o mestiço, é o filho da empregada com opatrão, filho da escrava com o patrão. O inconscientecultural destes pobres brasileiros é índio, em larga medida.Tem um componente não branco. É aquela frase que euinventei: no Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é.Então, em vez de fazer o pobre ficar mais parecido com

você, você tem que ajudar o pobre a ficar mais parecidocom ele mesmo. O que é o pobre positivado? Não maistransformado em algo parecido comigo, mas transformadoem algo que ele sempre foi, mas que impedem ele de ser aotorná-lo pobre. O quê? Índio. Temos de ajudá-los a lutarpara que eles mesmos definam seu próprio rumo, em vez denos colocarmos na posição governamental de: “Olha, eu voutirar vocês da pobreza”. E fazendo o quê? Dando para elesconsumo, consumo, consumo.

Déborah - Fora a dívida, né.

Eduardo – Endividando, no cartão de crédito. Qual foi agrande carta de alforria que o governo Dilma deu ao pobre?O cartão de crédito. Hoje pobre tem cartão de crédito.Legal? Muito legal, sobretudo para as firmas que vendem asmercadorias que os pobres compram no cartão de crédito.Porque a Brastemp está adorando o cartão de crédito parapobre. As Casas Bahia estão nas nuvens. Porque o pobreagora pode se endividar.

E aí vêm os elogios à honestidade do pobre...

Eduardo – Eles, sim, pagam as dívidas, porque rico nãopaga. Eike Batista não paga dívida, mas a empregada morrede trabalhar para pagar o cartão de crédito. Eu provocava aesquerda, dizendo: “O que vocês não estão entendendo é oseguinte. Enquanto vocês tratarem o Outro como pobre, eportanto como alguém que tem que ser melhorado,educado, civilizado – porque no fundo é isso, civilizar opobre! –, vocês vão estar sendo cúmplices de todo essesistema de destruição do planeta que permitiu aos ricosserem ricos”.

Vocês afirmam que os índios são especialistas em

fim do mundo. E que vamos precisar aprender comeles. No livro, há até uma analogia com o filme deLars Von Trier, no qual um planeta chamadoMelancolia atinge a Terra. Vocês dizem que, em1492, o Velho Mundo atingiu o Novo Mundo, comoum planeta que vocês chamam ironicamente deMercadoria. O que os índios podem nos ensinarsobre sobreviver ao fim do mundo?

Eduardo – Eles podem nos ensinar a viver num mundoque foi invadido, saqueado, devastado pelos homens. Isto é,ironicamente, num mundo destruído por nós mesmos,

cidadãos do mundo globalizado, padronizado, saturado deobjetos inúteis, alimentado à custa de pesticidas eagrotóxicos e da miséria alheia. Nós, cidadãos obesos detanto consumir lixo e sufocados de tanto produzir lixo. A gente invadiu a nós mesmos como se tivéssemos nos

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“Os índios sãoespecialistas emfim do mundo, elespodem nos ensinara viver melhornum mundo pior”

travestidos de alienígenas que trataram todo o planetacomo nós, europeus, tratamos o Novo Mundo a partir de1492. Digo "nós", porque eu acho que a classe média

brasileira, os brancos, no sentido social da palavra, não sãoeuropeus para os europeus, mas são europeus para dentrodo Brasil. Nós, então, nos vemos como alienígenas emrelação ao mundo. Como se a gente tivesse uma relaçãocom o mundo diferente da relação dos outros seres vivos,como se os humanos fossem especiais. Não deixa de seruma coisa importante na tradição do catolicismo e docristianismo. O homem tem um lado que não é mundano,um destino fora do mundo. Isso faz com que ele trate omundo como se fosse feito para ser pilhado, saqueado,apropriado. E a gente acaba tratando a nós mesmos comonós tratamos os povos que habitavam aqui no Novo Mundo.Ou seja, como gente a explorar, a escravizar, a catequizar ea reduzir. Esta é a primeira coisa que eu acho que os índiospodem nos ensinar: a viver num mundo que foi de algumamaneira roubado por nós mesmos de nós.

E a segunda?

Eduardo – Acho que os índiospodem nos ensinar a repensar arelação com o mundo material,uma relação que seja menosfortemente mediada por umsistema econômico baseado naobsolescência planejada e,portanto, na acumulação de lixocomo principal produto. Elespodem nos ensinar a voltar à Terra como lugar do qual

depende toda a autonomia política, econômica e existencial.Em outras palavras: os índios podem nos ensinar a vivermelhor em um mundo pior. Porque o mundo vai piorar. Eos índios podem nos ensinar a viver com pouco, a viverportátil, e a ser tecnologicamente polivalente e flexível, em

vez de depender de megamáquinas de produção de energiae de consumo de energia como nós. Quando eu falo índio éíndio aqui, na Austrália, o pessoal da Nova Guiné,esquimó... Para mim, índio são todas as grandes minoriasque estão fora, de alguma maneira, dessa megamáquina docapitalismo, do consumo, da produção, do trabalho 24

horas por dia, sete dias por semana. Esses índiosplanetários nos ensinam a dispensar a existência dasgigantescas máquinas de transcendência que são o Estado,de um lado, e o sistema do espetáculo do outro, o mercadotransformado em imagem. Eu acho que os índios podemtambém nos ensinar a aceitar os imponderáveis, osimprevistos e os desastres da vida com o “pessimismoalegre” (expressão usada originalmente pelo filósofo francêsFrançois Zourabichvili, com relação a Deleuze, mas queaqui ganha outros sentidos). O pessimismo alegrecaracteriza a atitude vital dos índios e demais povos que

vivem à margem da civilização bipolar que é a nossa, queestá sempre oscilando entre um otimismo maníaco e umdesespero melancólico. Os índios aceitam que nós somosmortais e que do mundo nada se leva. Em muitos povosindígenas do Brasil, e em outras partes do mundo, os bensdo defunto são inclusive queimados, são destruídos no

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“Como é que a DilmaRousseff pode dar Bolsa

Família e ao mesmo tempotornar a vida da Kátia Abreu

cada vez mais fácil? Porque o

dinheiro não sai do bolso dosricos, mas da natureza”

funeral. A pessoa morre e tudo o que ela tem é destruídopara que a memória dela não cause dor aos sobreviventes.

Acho que essas são as coisas que os índios poderiam nosensinar, mas que eu resumiria nesta frase: os índios podemnos ensinar a viver melhor num mundo pior.

Como é um “pessimismo alegre”?

Eduardo – Acho que o pessimismo alegre é o que você

encontra na favela carioca. É o que você encontra no meiodas populações que vivem no semiárido brasileiro. É amesma coisa que você encontra, em geral, nas camadasmais pobres da população. O fato de que você vive emcondições que qualquer um de nós, da classe média paracima, consideraria materialmente intoleráveis. Mas isso nãoos torna seres desesperados, tristes, melancólicos, etc.Muito pelo contrário. É claro que eu não estou falando desituações dramáticas, de gente morrendo de fome. Isso aínão há ninguém que aguente. Mas, se você perguntar para oíndio, ele vai dizer: estamos todos fritos, um dia o mundo

vai acabar caindo na nossa cabeça, mas isso não impedeque você se distraia, que se divirta, que ria um pouco dessacondição meio patética que é a de todo ser humano, em queele vive como se fosse imortal e ao mesmo tempo sabe que

vai morrer. Os índios não acham que o futuro vai sermelhor do que o presente, como nós, e portanto não sedesesperam porque o futuro não vai ser melhor do que opresente, como a gente está descobrindo. Eles acham que ofuturo vai ser ou igual ou pior do que agora, mas isso nãoimpede que eles considerem isso com pessimismo alegre,que é o contrário do otimismo desencantado, que é umpouco o nosso. Do tipo estamos mal, mas vai dar tudo certo,

a tecnologia vai nos salvar, ou o homem vai finalmentechegar ao socialismo. Os índios acham que tudo vai para ascucuias, mesmo. Mas isso não lhes tira o sono, porque viveré uma coisa que você tem que fazer de minuto a minuto,tem que viver o presente. E nós temos um problema, que éa dificuldade imensa em viver o presente. Os índios sãopessoas que de fato vivem no presente no melhor sentidopossível. Vamos tratar de viver o presente tal como ele é,enfrentando as dificuldades que ele apresenta, mas semimaginar que a gente tem poderes messiânicos,demiúrgicos de salvar o planeta. Essa é um pouco a minha

sensação. O pessimismo alegre é uma atitude que eu sintocomo característica de quem tem que viver, e nãosimplesmente gente que acha que é a palmatória do mundo,que tem que pensar pelo mundo todo.

Déborah – Acho que sobretudodepende da criação de relaçõescom as outras pessoas. Em vezde você confiar na acumulação,que nos torna sempre tristes,porque está sempre faltandoalguma coisa, precisamos

sempre obter mais, acumularmais, etc, nós criamos relaçõescom as pessoas que estão à

nossa volta, com os outros seres, no meio dos quais nós vivemos.

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Parece que há uma cegueira de parte do que sedenomina esquerda, hoje, para compreenderoutras formas de estar no mundo, assim como paracompreender desafios como os impostos pelamudança climática, como vemos no Brasil, masnão só no Brasil. Aqui, estamos num momento bemsensível do país, com Belo Monte e as grandes

barragens previstas para o Tapajós. Supostamente,teríamos hoje duas candidatas de esquerda (DilmaRousseff e Marina Silva) nos primeiros lugares dadisputa eleitoral para a presidência, mas asquestões socioambientais pouco são tocadas. Qualé a dificuldade?

Eduardo - Você tem pelo menos duas esquerdas, como se vê até pelas candidaturas. Só que, infelizmente, umaesquerda muito bem caracterizada, que é a da Dilma, eoutra esquerda, representada pela Marina, em que faltacapacidade para formular com clareza o que diferencia elada outra. Essas duas esquerdas, de certa maneira, sempre

existiram. Lá no início, na Primeira Internacional, essafratura correspondeu à distinção entre os anarquistas e oscomunistas. Mas hoje eu diria que você tem duas posiçõesdentro da esquerda. Uma posição que a gente poderiachamar de “crescimentista”, centralista, que acha que asolução é tomar o controle do aparelho do Estado paraimplementar uma política de despauperização do povo

brasileiro, dentro da qual a questão do meio ambiente nãotem nenhuma importância. A Dilma chegou a cometeraquele famoso ato falho lá em Copenhagen (em 12/2009,quando era ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula),

ao dizer: "O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, umaameaça ao desenvolvimento sustentável". Ato falho. Nãoera isso o que ela queria dizer, mas disse. Essa esquerdatem zero de sensibilidade ambiental. Ela poderia perceberque uma outra maneira de falar “ambiente” é falar“condições materiais de existência”. Falta de esgoto nafavela é problema ambiental do mesmo jeito quedesmatamento na Amazônia é problema ambiental. Não éde outro jeito, é do mesmo jeito. Mas, para essa esquerda,ar, água, planta, bicho não faz parte do mundo. São pessoascompletamente antropocêntricas, que veem o mundo àdisposição dos homens, para ser dominado, controlado e

escravizado. Essa esquerda, que é a esquerda da Dilma, éuma esquerda velha, no sentido de que é uma esquerda que,na verdade, pensa como se 1968 não tivesse acontecido. Éalguém com uma espécie de nostalgia da União Soviética...

Déborah – Com nostalgia do que nunca aconteceu.

Eduardo – Soviet mais eletricidade, a famosa fórmula doLenin. O que é o comunismo? O comunismo são os soviets,que são os conselhos operários, mais eletricidade, isto é,mais tecnologia. Aí eu brincava, quando a Dilma tomou opoder: “A Dilma é isso, só que sem o s oviet”. É só

eletricidade... Ou seja, capitalismo. O que distinguia osocialismo comunista do Lenin era a tecnologia modernamais a organização social comunista. Se você tira aorganização comunista só sobra o capitalismo. Então essaesquerda é uma esquerda sócia do capitalismo. Acha que é

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preciso levar o capitalismo até o fim, para que ele secomplete, para que a industrialização se complete, para quea transformação de todos os índios do mundo em pobres secomplete. Para que você então transforme o pobre emproletário, o proletário em classe revolucionária, ou seja, éuma historinha de fadas. Como se pudesse separar a parte

boa da parte ruim do capitalismo. Como se fosse possível:isso aqui eu quero, isso aqui eu não quero. Outra coisa, essaesquerda fez um pacto satânico com a direita, que é oseguinte: a gente gosta dos pobres, quer melhorar a vidadeles, quer melhorar o nível de renda deles, mas não vaitocar no bolso de vocês, fiquem tranquilos. É o que está ditona Carta ao Povo Brasileiro (documento escrito por Lula nacampanha eleitoral de 2002). Pode deixar, que a gente não

vai fazer a revolução, não vai ser Robin Hood, ao contrário.E foi exatamente isso o que aconteceu. Ou seja, os bancosnunca lucraram tanto. O Brasil optou por se transformarnum exportador de commodities e virar uma verdadeira

plantation, como ele era desde o começo. Era exportador dematéria-prima para o centro do império, agora para a

China. Mas o pacto foi esse: a gente governa se, primeiro,não prender os militares, não acertar as contas com aditadura; e, segundo, não mexer no bolso dos ricos, nãotocar na estrutura do capital. Veja o tamanho das algemasque a esquerda se pôs. De onde é que vai vir, então, a granapara melhorar a vida dos pobres? Só tem um lugar. Danatureza. Então você superexplora, você queima os móveisda casa. Aumentou o dinheiro disponível para dar umasmigalhas para os pobres, o bolo cresceu. Não é por acasoque o Delfim Netto (ministro da Fazenda no período dochamado “Milagre Econômico Brasileiro”, na ditadura civil-

militar) é um grande conselheiro do Lula. Primeiro épreciso crescer para depois distribuir. Está crescendo, estádando renda para os pobres, mas esse dinheiro não estásaindo do bolso dos ricos. Está saindo da natureza, dafloresta destruída. É da água que a gente está exportandopara a China sob a forma de boi, de carne e de soja.Estamos comendo o principal para não tocar no bolso dosricos. E assim a Dilma sai passeando com a Kátia Abreu(senadora pelo PMDB, representante do agronegócio e aprincipal líder da bancada ruralista do Congresso) e dáBolsa Família. Como é que a Dilma consegue ao mesmo

tempo dar Bolsa Família e tornar a vida da Kátia Abreucada vez mais fácil? O dinheiro tem que sair de algum lugar.Não está saindo de empréstimo internacional, mas estásaindo de empréstimo natural. Esse empréstimo não dápara pagar. Quando a natureza vier cobrar, estaremosfritos. E a natureza está cobrando de que forma? Seca,tufão, furacão, enchente... E no Brasil ainda não chegou a

barra pesada. Outro problema desta esquerda é que ela nãotem nenhuma noção de mundo, de planeta. Ela pensa oBrasil. Ela é nacionalista em todos os sentidos. Vê curto. Ela

vê o Brasil no mundo quando se trata do mercado. Agora,quando se trata do planeta, enquanto casa das espécies,lugar onde nós moramos, ela não está nem aí. O fato de queo Ártico está derretendo não é um problema para o Brasil.Pré-Sal ser um problema para o planeta? Não queremossaber. É uma esquerda xenófoba, neste sentido. Ela nãopercebe que o Brasil é grande, mas o mundo é pequeno. A

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“A Marina Silvarepresentaria umaesquerda pós-68,

mais democrática emenos vertical,mas ela perdeu orumo”

Dilma, para mim, é um fóssil. Tem pensamento fossilizado.Ela não está nem no século 20, ela está no século 19.

E a esquerda que a Marina representaria?

Eduardo – Essa é umaesquerda pós-68, queincorporou aquilo que apareceuem 1968, de que dentro da luta

de classes há muitas outraslutas. Há a luta das mulheres, aluta dos índios, a luta doshomossexuais... Enfim, todasessas outras formas de pensar asdiferenças sociais que não sereduz à questão dos ricos e dos pobres. A pobreza não éuma categoria econômica, mas uma categoria existencialque envolve justiça. E a justiça não é só dar dinheiro para opobre, mas reconhecer todas essas diferenças que sãoignoradas e que explodiram em 1968. A política mudouporque, primeiro, em 68 o socialismo começou a sedesacreditar. Não esqueçamos que o Partido ComunistaFrancês foi contra 1968. Apoiou a repressão policialexatamente como a esquerda oficial apoiou baixar aporrada nos manifestantes de junho de 2013. Ela apoiou arepressão policial à revolta de 68, que não foi francesa, foimundial. Em 1968 foi a Marcha dos 100.000 aqui, foi arevolta contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos, foi arevolta propriamente dita na França, na Itália e em outrospaíses. Ou seja, foi uma revolução mundial. E nós estamos

vivendo, de lá até hoje, a contrarrevolução mundial. A direita retomou o poder e falou: “Temos que impedir que

isso aconteça de novo”.

E como a Marina representaria essa esquerda pós-68?

Eduardo – É uma esquerda em que o pobre urbanooperário não é mais o personagem típico. Mas é quem? É oíndio, o seringueiro, é a mulher, é o negro. A Marinaacumula várias identidades...

Déborah – Como você escreveu, Eliane, no seu artigosobre as diferenças entre os Silvas...

Eduardo – Isso. O Lula é o representante do sonho brasileiro de ser como o norte do planeta, os EstadosUnidos. Como diz o (antropólogo) Beto Ricardo (um dosfundadores do Instituto Socioambiental), o Brasil é como sefosse dividido entre uma grande São Bernardo e umagrande Barretos. Quer dizer, a zona rural vai ser comoBarretos (cidade do interior paulista onde se faz a maiorfesta country do país): gado, rodeio, bota, chapéu e 4X4. Ea parte urbana vai ser uma grande São Bernardo (cidade dochamado ABC Paulista, onde Lula se tornou líder sindicalmetalúrgico nas grandes greves da virada dos anos 70 para

os 80): fábricas, metalurgia, motores, carros. A Marinarepresentaria o outro lado. Essa outra esquerda, muito maisdemocrática, que aposta menos na organização vertical,autoritária, centralista, clássica dos partidos de esquerdacomunista. Embora o PT não seja um partido comunista,

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“O centro do Brasil não é São

Paulo, mas a Amazônia”

nem de longe, é um partido que incorporou vários ex-comunistas, várias pessoas que têm a concepção de que épreciso tomar o Estado, o poder central, para instalar osocialismo, digamos.

E a Marina consegue representar essa outraesquerda?

Eduardo – A Marina está

numa posição equívoca, porqueela representa um tipo depensamento que deveria estar

nas ruas, e não no Estado. Deveria estar mobilizando apopulação, a chamada sociedade civil, e não disputando apresidência num sistema político corrupto, que épraticamente impossível de mexer. Acho que estamos numsistema político com um nó cego e só sairíamos disso aí,literalmente, com uma insurreição popular que forçasse opoder a se auto-reformar. Nestas condições, o governo daMarina é um governo impossível, sob certo ponto de vista.Na minha opinião, depois que ela saiu daquela primeiraeleição em 2010 com 20 milhões de votos, tinha que tersaído da lógica da política partidária e se transformadonuma líder de movimento social. Uma pessoa capaz deexprimir todo esse jogo de diferenças que tem no Brasil. Elaera líder seringueira, do povo da floresta. Estava lutandopelo ambiente. Essas questões foram sumindo e, quandohouve a tentativa de pendurar na campanha dela essasoutras lutas para as quais ela pessoalmente não estavapreparada – aborto, direitos da mulher, direitos dos LGBT(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis eTransgêneros) –, aí ela ficou travada por toda a outra

composição dela, que é com o eleitorado evangélico. Entãoela também tem o seu problema por ali. Mas o problemaprincipal não é esse. Eu acho que a Marina representa aoutra esquerda, a esquerda horizontalista, localista,ambientalista, que entende que é de baixo para cima que ascoisas se organizam, mas ela está envolvida num processoeleitoral que é todo o contrário disso. Eleição é ummomento de lazer, no sentido de que a população pensa quetem poder, porque pode escolher seus governantes, e depoisda eleição volta à posição passiva. Se você tenta sair daposição passiva fora do período eleitoral, a polícia vem e

bate em você. Você só pode se manifestar durante aseleições, o povo só pode ser político durante as eleições.Hoje só há dois tipos de cidadão no Brasil: o eleitor e o

vândalo. O eleitor só tem uma vez a cada dois, quatro anos,e o resto do tempo você tem que ser vândalo. Ou ficarquietinho em casa, pegando propaganda, sonhando comseu carro e juntando dinheiro para ir para Miami. Acho quea Marina perdeu o rumo. Tenho uma admiração imensa porela, pessoal, coisa que eu não tenho por nenhum outro.Tenho uma admiração pelo Lula, em outro sentido. Essecara é incrível, tem um carisma político, mas não o conheço

pessoalmente. A Marina, que eu conheço pessoalmente, éuma pessoa fantástica. Inteligentíssima. E é uma pessoa deenorme elegância, no amplo sentido da palavra. Mas elatem que agradar todo mundo, o que é impossível. Se ela forpresidente, espero que ela tenha contado a mentira certa.Isto é, que ela engane, que ela traia, quem merece ser

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“Para imaginar o

não fim do mundoé preciso imaginaro fim docapitalismo”

traído. E não, como fez a Dilma, trair quem não merecia sertraído. A Marina não aproveitou a oportunidade para secolocar como uma candidata realmente alternativa. Eu nãoentendi ainda o que ela está dizendo que seja diferente daDilma. Não entendi.

Déborah, em sua exposição no colóquio, você falousobre a esquerda e a direita, a partir de (Gilles)Deleuze (filósofo francês), de uma forma muito

interessante....

Déborah – Na verdade, isso é uma definição dele num vídeo que se chama Abecedário. Ele tem outras definiçõesde esquerda, como, por exemplo, que o papel da esquerda épensar; e que a esquerda coloca questões que a direita quera todo custo esconder. Essa da percepção é uma que gostoespecialmente porque me ajuda a reconhecer posições dedireita ou de esquerda. Ser de esquerda é até mais umaquestão de percepção do que de conceito. O ser de direita ésempre perceber as coisas a partir de si mesmo, como numendereço postal. Assim: eu, aqui, neste lugar, na minhacasa, na rua tal, na praia de Botafogo, Flamengo, Rio deJaneiro, América do Sul. E você pensa o mundo, ali, comouma extensão de si mesmo. E cada vez que você se afasta,

vai perdendo interesse, a coisa vai decaindo de valor. E serde esquerda é o contrário: vai do horizonte até a casa.

Eduardo – Esse pensar a partir de si mesmo significa:como é que eu posso me manter onde estou e não perdernada? Como é que eu posso preservar os meus privilégios,mexer no mundo sem mexer em mim?

Déborah – Acho que a Dilma, o PT, têm sido de direitanesse sentido. O que importa é estender seus própriosprivilégios aos outros, trazer os outros para si mesmo, maspensando a partir de si mesmo. O que eu sou é o que elesdevem ser também. Eu continuo a ser o que eu era e douaos outros um pouco do que eu sou, e no melhor dosmundos eles vão acabar sendo iguais a mim. E a Marina é –ou seria – essa outra maneira de pensar, a partir dafloresta, a partir desses outros povos, seria pensar nasoutras possibilidades de ser diferente.

Eduardo – É pensar que o

centro do Brasil é a Amazônia, enão São Paulo. No sentido deque é lá que está se decidindo ofuturo do Brasil, não em SãoPaulo. É o que a gente fizer lá,com as pessoas de lá, que vaidefinir o que o Brasil vai ser. OBrasil vai ser todo São Paulo? Igual a São Paulo? É isso oque a gente quer? Uma grande São Paulo? Ou a gente quer,ao contrário, que o Brasil se "amazonize", que o que restade Amazônia no Brasil possa contaminar o Brasil que se“desamazonizou”. A Mata Atlântica sumiu. A gente nãoquer voltar tudo, mas a gente quer que a Amazônia nosensine a voltar a ser Mata Atlântica. A gente quer que a

Amazônia nos ensine como os pobres da cidade podem voltar a ser um pouco índios. E a gente sabe que, do pontode vista geopolítico, histórico, a Amazônia é o centro do

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Brasil. É lá que está rolando tudo. E o pessoal ficadiscutindo a eleição em São Paulo. É bom que discuta. Temque discutir a água de São Paulo, é claro. Mas como é que sediscute a água de São Paulo? É por causa da Amazônia queestá faltando água em São Paulo. É por causa do queestamos fazendo na Amazônia que estamos sofrendo faltade água aqui. Ah, mas a ligação não é direta. Claro que nãoé direta. Mas existe, e é por ela que a coisa passa. A plataforma da Dilma, no fundo, é isso. Você olha a partir deSão Paulo, Brasília, Rio... Você olha a Amazônia a partir deonde você está e vê a Amazônia lá no fundo. Ou então vocêpode olhar o Brasil a partir da Amazônia e se perguntar oque isso significa. Isso é sair de onde eu estou, é mudarminha posição.

Acho que foi a Isabelle Stengers (filósofa belga) quedisse que “o capitalismo pode não se preocuparcom a atmosfera, mas é muito mais grave que aatmosfera não se preocupe com o capitalismo”.

Você, Eduardo, afirma que é mais fácil imaginar o

fim do capitalismo do que o fim do mundo, masque teremos de imaginar os dois. Mas quem fala nofim do capitalismo é visto como alguém que está

viajando, que está fora da realidade. Se essa étambém uma crise de imaginação, como fazer isso,na medida em que seria imaginação contra poder?

Eduardo - O ambiente, o clima, a atmosfera estãomudando mais depressa do que o capitalismo, do que asociedade. O Obama falou isso agora. A gente sempreimaginou a sociedade mudando num ritmo muito maisrápido do que a natureza, que era um pano de fundo imóvel

para a história do homem. O fato de que o capitalismo nãoacaba é a razão pela qual o mundo está acabando, vamosdizer assim. O capitalismo – esse sistema socioeconômico etécnico, instalado desde o começo da modernidade, com ainvasão da América, alterações no sistema de propriedade,mudanças técnicas que sobrevieram na Europa ali nocomeço do século 16, acentuando-se de maneira dramáticacom a industrialização e o uso de combustíveis fósseis noséculo 18 – é o responsável pelo estado presente do mundo.Ou seja, para imaginar o não fim do mundo, nós temos queimaginar o fim do capitalismo. E isso é extremamente

difícil. Porque a questão do capitalismo nunca foisubstituir, mas somar, sobrepor. Então nós temos hoje oquê? Nunca se consumiu tanto carvão quanto se consomeagora. Então essa coisa de que o petróleo iria substituir ocarvão, porque o petróleo é menos poluente do que ocarvão, não é verdade. Está se consumindo mais carvão doque petróleo. Agora está se usando energia nuclear, energiaeólica, energia solar. Isso não baixou o consumo depetróleo. O que está acontecendo é que nós estamosacrescentando fontes de energia, ou seja, não para nunca.Quanto mais melhor.

E como se imaginaria o fim do capitalismo?

Eduardo – O fim do capitalismo, provavelmente, não virádo esgotamento das fontes energéticas. Ele virá de outrolugar. Ele virá, provavelmente, de catástrofes climáticas,

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sociais, políticas. Aí já me permito sonhar um pouco. Comuma certa capacidade de a população planetária pouco apouco ir criando pequenos bolsões alternativos de deserção.Enfim, uma certa "indianização” da população, na tentativade se tornar independente das fontes globais demercadoria, dos sistemas globais de transporte e de energiae lutar pelo mínimo de autossuficiência local, como já vemacontecendo em muitos lugares do planeta. Com ênfase nomunicípio, na comunidade, nos governos locais, nosarranjos locais, no transporte de curta distância, noconsumo de produtos produzidos não muito longe de casa.

Acho que vai haver uma certa contração da economia,porque é muito possível que essas crises afetem os sistemasmundiais de distribuição de energia. Veja essa seca de SãoPaulo. O que é isso? Isso significa que, enfim, essas cidadesgigantescas que dependem de redes gigantescas deaprovisionamento de energia, de água, de eletricidade, etc,

vão se tornar inviáveis. Acho que nós tendemos a ummundo de bairros, mais do que a um mundo demegalópoles. A tendência vai ser você criar um mundo onde

as relações de vizinhança, a usina solar local, as hortascomunitárias, os governos de vereança local vão se tornarcada vez mais importantes. Acho que vai haver umainversão da política, cada vez mais de baixo para cima doque de cima para baixo. Ou, pelo menos, a pressão de baixopara cima vai tender a contrabalançar a pressão de cimapara baixo exercida pelas grandes companhias de petróleo,pelos governos nacionais, pelos grandes tomadores dedecisão do mundo. Eles vão começar a se defrontar comuma multiplicação de ações locais, uma multiplicação deiniciativas cidadãs, se você quiser, que vão se parecer mais

com o índio do que com o turista globetrotter que atravessao planeta como se tivesse sempre no mesmo lugar em todaa parte. Acho que essa é uma maneira de imaginar o fim docapitalismo.

Déborah – Mas acho que isso não basta, porque seránecessário um enfrentamento. Senão fica parecendo quecada um saindo para por em prática sua ação local seria osuficiente...

Eduardo – Vai haver sangue, como se diz. Lembremosque a Primavera Árabe teve como um dos fatores

fundamentais uma crise brutal de abastecimento alimentar.De pão, particularmente. De trigo. O governo chinês temtomado medidas dramáticas de redução da poluição e detentativa de baixar um pouco a bola, porque está havendouma grande quantidade de revoltas populares, de motins,dessas coisas que a gente não sabe, porque a Muralha naChina é altíssima em termos de censura. Mas está havendouma reação das populações locais, que estão brigando comos governos e pressionando para que ele tome medidas. Ofuturo nos reserva grandes acontecimentos ruins em termosde catástrofes climáticas, de fome, de seca...

Para vocês, qualquer saída, se há saída, passa pelarecusa do excepcionalismo humano. Apareceu

várias vezes no colóquio esse mundo de humanos enão humanos horizontalizados. Como seria essemundo e como mudar uma forma de funcionar, na

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“O símbolo de nossa relaçãocom o mundo é o drone.

Somos todos drones”

qual a visão de si mesmo como centro estáconfundida com a própria identidade do que é serum humano?

Eduardo – Tem uma frase queo Lévi-Strauss escreveu certa

vez, que é muito bonita. Ele dizque nós começamos por nosconsiderarmos especiais em

relação aos outros seres vivos. Isso foi só o primeiro passopara, em seguida, alguns de nós começar a se acharmelhores do que os outros seres humanos. E nisso começouuma história maldita em que você vai cada vez excluindomais. Você começou por excluir os outros seres vivos daesfera do mundo moral, tornando-os seres em relação aosquais você pode fazer qualquer coisa, porque eles nãoteriam alma. Esse é o primeiro passo para você achar quealguns seres humanos não eram tão humanos assim. Oexcepcionalismo humano é um processo de monopolizaçãodo valor. É o excepcionalismo humano, depois o

excepcionalismo dos brancos, dos cristãos, dos ocidentais... Você vai excluindo, excluindo, excluindo... Até acabarsozinho, se olhando no espelho da sua casa. O verdadeirohumanismo, para Lévi-Strauss, seria aquele no qual vocêestende a toda a esfera do vivente um valor intrínseco. Nãoquer dizer que são todos iguais a você. São todos diferentes,como você. Restituir o valor significa restituir a capacidadede diferir, de ser diferente, sem ser desigual. É nãoconfundir nunca diferença e desigualdade. Não é por acasoque todas as minorias exigem respeito. Respeitar significareconhecer a distância, aceitar a diferença, e não

simplesmente ir lá, tirar os pobrezinhos daquela miséria emque eles estão. Respeitar quer dizer: aceite que nem todomundo quer viver como você vive.

O atual governo, por exemplo, assim como setoresda sociedade brasileira, parecem ter dificuldade dereconhecer os índios, os ribeirinhos e osquilombolas no caminho das grandes obras comogente. Se isso é difícil quando se trata de humanos,é imensamente mais difícil respeitar as diferençasdos animais ou das árvores, que, nesse conceito deexcepcionalidade que atravessa a nossa forma de

enxergar o mundo – e nós no mundo – estão aserviço dos humanos...

Eduardo – Uma coisa é você dizer que os animais sãohumanos, no sentido de direitos humanos. Outra coisa édizer que os animais são pessoas, isto é, são seres que têm

valor intrínseco. É isso o que significa ser pessoa.Reconhecer direitos aos demais viventes não é reconhecerdireitos humanos aos demais viventes. É reconhecerdireitos característicos e próprios daquelas diferentesformas de vida. Os direitos de uma árvore não são osmesmos direitos de um cidadão brasileiro da espécie homo

sapiens. O que não quer dizer, entretanto, que ela nãotenha direitos. Por exemplo, o direito à existência, que sópode ser negado sob condições que exigem reflexão. Osíndios não acham que as árvores são iguais a eles. O queeles acham simplesmente é que você não faz nada

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impunemente. Todo ser vivo, com exceção dos vegetais, temque tirar a vida de um outro ser vivo para sobreviver. A diferença está no fato de que os índios sabem disso. Esabem que isso é algo sério. Nós estamos acostumados afazer a nossa caça nos supermercados, não somos maiscapazes de olhar de frente uma galinha antes de matá-lapara comer. Assim, perdemos a consciência de que nós

vivemos num mundo em que viver é perigoso e trazconsequências. E que comer tem consequências. Os animaisseriam pessoas no sentido de que eles possuem valorintrínseco, eles têm direito à vida, e só podemos tirar a vidadeles quando a nossa vida depende disso. Isso é uma coisaque, para os índios, é absolutamente claro. Se você matar àtoa, você vai ter problemas. Eles não estão dizendo que étudo igual. Eles estão dizendo que tudo possui um valorintrínseco e que mexer com isso envolve você mesmo. Achoque o símbolo da nossa relação com o mundo, hoje, é o tipode guerra que os Estados Unidos fazem com os drones,aqueles aviões não tripulados, ou apertando um botão. Ouseja, você nem vê a desgraça que você está produzindo. Nós

todos, hoje, estamos numa relação com o mundo cujosímbolo seria o drone. A pessoa está lá nos Estados Unidosapertando um botão num computador, aquilo vai lá para oPaquistão, joga uma bomba em cima de uma escola, e apessoa que apertou o botão não está nem sabendo o queestá acontecendo. Ou seja, nós estamos distantes. Asconsequências de nossas ações estão cada vez maisseparadas das nossas ações.

Perderam-se os sentidos e as conexões entremorrer e matar...

Eduardo – Exatamente. Ou seja, o índio que vai para omato e tem que flechar o inimigo, ele tem que arcar com asconsequências psicológicas, morais, simbólicas disso.

Aquele soldadinho americano que está num quartel nosEstados Unidos, apertando um botão, ele nem sabe o queestá fazendo. Porque ele está longe. Você cada vez maisdistancia os efeitos das suas ações de você mesmo. Entãonós somos todos drones nesse sentido. A gente compracarne no supermercado quadradinha, bem embaladinha,refrigeradinha, sem cara de bicho. E você está o mais longepossível daquela coisa horrorosa que é o matadouro.

Daquela coisa horrorosa que são as fazendas em que asgalinhas estão enfiadas em gaiolas apertadas. Se o pessoallembrar que 50% das galinhas que nascem são galos e queesses 50% que nascem são triturados ao nascer para virarração animal porque não colocam ovos, talvez nãoconseguissem comer galinhas. Se você mostrasse quemetade dos pintinhos vão todos vivos para uma máquinaque tritura, talvez melhorasse um pouco. Mas as pessoasnão querem saber disso. Nisso, nós somos iguaizinhos aosoldado americano que aperta o botão para matar inocentesno Paquistão. Nós fazemos a mesma coisa com as galinhas.

Nós somos todos drones. Temos uma relação com o mundoigual à que os Estados Unidos tem com suas máquinas deguerra. Somos como os pilotos da bomba atômica que nãosabiam bem o que estavam fazendo quando soltaram a

bomba atômica em cima de Hiroshima. Dissociação mental.Essa coisa de não se dar conta do que a gente está fazendo,

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por um lado está aumentando. Mas, por outro lado, com amudança climática, as pessoas estão começado a perceberque o que elas estão fazendo está influenciando o mundo.Estamos num momento crucial: por um lado o aumento

brutal do modelo drone, com tudo cada vez mais distante,e, por outro, as catástrofes batendo na sua porta. O marestá subindo, o furacão está chegando, a seca está vindo.

Eu queria terminar perguntando o seguinte: vocês

escrevem que tudo o que pode ser dito sobre amudança climática se torna anacrônico e tudo oque se pode fazer a respeito é necessariamentepouco e tarde demais. Então, o que fazer? Comosonhar outros sonhos, como diz Isabelle Stengers?Ou como dançar para que o céu não caia na nossacabeça, como fazem os índios?

Déborah – É tarde demais para algumas coisas, mas nãopara outras. Disso a gente não pode esquecer nunca. Porexemplo: nós não podemos fazer sumir em curto, médio oulongo prazo com esses gases de efeito estufa. E nem com oforte desequilíbrio energético que nós já causamos, jáimprimimos ao sistema climático da Terra. E como asemissões continuam aumentando, acho que não seriarazoável esperar, politicamente, que essas emissões sejamestancadas de uma hora para outra.

Eduardo – O mundo está esquentando e não vai parar deesquentar mesmo se a gente parar agora. Já começou umprocesso que é irreversível, até certo ponto.

Déborah – Então, uma parte do que vai acontecer nãodepende mais das nossas decisões e ações presentes. Já épassado. Mas existe uma diferença enorme entre umaquecimento de dois graus e um aquecimento de, sei lá,quatro e seis graus. Essa diferença é a diferença entre ummundo difícil e um mundo hostil à espécie humana e a

várias outras espécies. Quer dizer, a diferença se traduzentre milhares de mortes por ano em virtude de eventosextremos e milhões de flagelados do clima, de vítimasfatais, talvez centenas de milhões, até, como alguns chegama dizer. Isso sem contar as outras espécies. Então, nãopodemos nos dar ao luxo de nos desesperarmos, eu acho.

O desespero é um luxo?Déborah – É, o desespero seria um luxo. Se a gente pensaem nós mesmos, nos nossos filhos, e nos outros viventesque existem e que vão existir, se desesperar não é umaopção. Então, por um lado a gente tem que fazer o quepuder para mitigar essas emissões, para criar tambémcondições de adaptação das diferentes populações, dosecossistemas, aos efeitos do aquecimento global. Isso emrelação ao que já foi e ao que ainda vai ser, que nãopoderemos evitar. E, por outro lado, nós temos que fazer,como diz Donna Haraway (filósofa americana), numa

expressão que é muito boa, mas que não dá muito paratraduzir em português: stay with the trouble. Ficar, vivercom o problema. Aguentar. Não é só aguentar o tranco. É:sim, temos esse mundo empobrecido, mas nós vamos vivercom ele. O que significa viver como a grande maioria das

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pessoas já vive. Pessoas que não podem se proteger dessemundo que a gente criou, ou acha que criou. Há umaporção de populações que stay with the trouble há muitotempo, e a gente vai ter que aprender com elas.

Eduardo – A gente vai ter que aprender a ter sociedadescom capacidade de mudar de escala. Imagina uma aldeiaindígena, numa ilha, em que o mar sobe um metro. Seránecessário mudar a aldeia de lugar porque o mar subiu um

metro. Vai ter que entrar mais para dentro da costa. Échato, tal, mas ela muda de lugar. Agora, imagina Nova

York. Os caras não vão conseguir tirar o Empire State dolugar. Ou seja, tem modos de vida em que é muito mais fácilse adaptar ao que vem por aí. Por um lado, a gente fala:quem vai se dar mal primeiro? Quem vai se dar malprimeiro com as mudanças climáticas vão ser os pobres.Eles é que vão ser os primeiros a sofrer. É verdade. Poroutro lado, eu desconfio que eles vão ser os primeiros asofrer e os primeiros a se virar.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção

Coluna Prestes - o Avesso da Lend a, A Vida Que Ni nguém vê, O Olho da Rua, A Meni naQuebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com

Email: [email protected] Twitter: @brumelianebrum

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