feyerabend, paul. diálogos sobre o conhecimento

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Coleyao Big Bang Dirigida por Gita K. Guinsburg Equipe de Realizayao - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletronica: Ponto & Linba; Produyao: Ricardo W. Neves e Raquel Fernandes Abranchcs. Dialogos sobre 0 Conhecimento Feyerabend Tradu<;ao e Notas Gita K. Guinsburg $\l/l ::::a ~ PERSPECTIVA ~,\\~

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diálogos sobre o conhecimento

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Coleyao Big BangDirigida por Gita K. Guinsburg

Equipe de Realizayao - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletronica:Ponto & Linba; Produyao: Ricardo W. Neves e Raquel Fernandes Abranchcs.

Dialogossobre 0

Conhecimento

•Feyerabend

•Tradu<;ao e NotasGita K. Guinsburg

$\l/l::::a ~ PERSPECTIVA~,\\~

Titulo do original italiano

Dialoghi sulfa conoscenza

Dados Intemacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP)

(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Feyerbend, Paul K., 1924-1994.

Dialogos sobre 0 conhecimento / Feyerabend ;

traduyao e notas Gita K. Guinsburg. -- Sao Paulo:

Perspectiva, 2008. -- (Big Bang)

Titulo original: Dialoghi sulla conoscenza.

Ia reimpr. da 1. ed. de 2001.

ISBN 978-85-273-0237-1

1. Ciencia - Filosofia 2. Conhecimento - Teoria

3. Filosofia - Teoria I. Guinsburg, Gita K. II. Titulo.

III. Serie.

Indices para catalogo sistematico:

1. Ciencia : Filosofia 501

Direitos reservados em lingua portuguesa it:

EDITORA PERSPECTIVA S.A.

Av. Brigadeiro Luis Antonio, 3025

01401-000 - Sao Paulo - SP - Brasil

Telefone: (0--11) 3885-8388

www.editoraperspectiva.com.br

Sumario

Algumas Observa<,;oes da Tradutora 9Fantasia Platonica 11Ao Termino de Urn Passeio Nao-Filosofico entre os Bosques 65Posfacio 113Cronologia Resumida da Vida e da Obra de Paul Feyerabend 119

Algumas Observa~6esda Tradutora

As ideias de Feyerabend suscitaram grande interesse e poletl1icasdas mais acirradas nos meios cientificos e academicos devido a desafian-te postUl'a critica desse fisico e filosofo que ganhou renome a partir dadecada de 1960, quando passou a dedicar-se especialmente a analise dosfundamentos das teorias da fisica e da epistemologia cientlfica. A princi-pal acusa<,;aolevantada contra suas concep<,;oes era a de ser um pregoei-1'0do relativismo e do anarquismo intelectual. E os di{llogos que sao tra-vados neste liv1'Oe que me proponho a levar ao conhecimento do leitorcle lingua portuguesa giram precisamente em torno desses dois focos.Neles,o autor procura tanto esclarecer e circunscrever a natureza e 0

alcance de seus pontos de vista, quanta os dos conceitos que os susten-tam, de modo a infirmar os argumentos de seus ferozes adversarios.

POl' discutiveis que sejam algumas de suas concep<;oes, a discus-S;IO e 0 modo de discuti-Ias sao de grande riqueza, e 0 pensamento cloqual sao portadoras apresenta aspectos efetivamente vanguardeiros naabordagem de algumas das grandes preocupa<,;oes da sociedade contem-por;l11eana pauta do tecnicismo, da diversidade cultural e da individuali-dade da pessoa, da trans e multidisciplinaridade e das rela<;oes entreclf:ncia, politic a e etica. Com esse largo espectro de exame, os Dialogos.wbre 0 Conhecimento desenvolvem a dialetica de um analista ousado eagudo, cujas proposi<,;oes hao de incitar a reflexao quer nos caminhos dafllosol1a quer nos da fisica.

Nao posso, entretanto, encerrar 0 meu breve comentario sobre asideias desse pensador sem mencionar as dllVidas surgidas em rela<,:aoaosseus vinculos com 0 nazismo, nao s6 por Feyerabend ter sido criado naatmosfera da Alemanha de Hitler e participado da Segunda GuerraMundial como combatente do exercito germanico, mas tambem pelaestranheza causada por algumas de suas declara<,:oesrelativas as respon-sabilidades do povo alemao nos terriveis atos contra a humanidade emgeral e os judeus em particular perpetrados pelo III Reich. A esse prop6-sito cumpre-me dizer que essas coloca<,:oesnao podem ser interpretadascomo uma defesa da ideologia e das praticas dos criminosos de Hitler, 0

que seria e e inaceitavel, sob qualquer 6ptica, mas e mister analisa-Ias ecompreende-Ias no contexto do seu pensamento, que se empenha emtransporta-Ias do plano coletivo para 0 da etica individual e, nesse senti-

do, relativiza-Ias.

Fantasia Platonica

A cena se desenvolve numa celebre universidade durante Ulnseminario. Uma pequena sala sombria, com uma mesa e algumascadeiras. Olhando-se para fora, pela janela, veem-se arvores, passari-nhos, carros estacionados e duas escavadeiras, que procuram abrirum grande buraco. Lentamente, a sala povoa-se de Ulna variedade dejJersonagens, entre os quais Arnold, um estudante serio, de 6culosgrandes, com uma por(:ao de livros debaixo do bra(:o e um ar desde-nhoso no semblante; Maureen, uma atraente senhora de cabelos rui-vos, que parece Uln pouco confusa; Leslie, um sujeito, ou ao menos,tun tipo encrenqueiro, possivelmente tmnbem estudante, que temtodo 0 jeito de ser um cara criador de casos e de estar sempre prontoa desandar it minima provoca(:ao;Donald, um individuo dificilmen-te classificavel, armado de Uln caderno de anota(:oes e de um lapiscuidadosamente apontado; Charles, um estudante coreano, de olhosir6nicos debaixo dos 6culos brilhantes; Seidenberg, tun senhor idoso,com pesado acento centro-europeu, sem nada mais de fastidioso parao ambiente; Li Feng, um estudante chines de jisica ou matematica, ajulgar pelos titulos dos livros que coloca sobre a mesa; Gaetano, joveme timido, tem 0 ar de quem escreve poesia;]ack, um l6gico de modos1r{lormais e com uma dic(:ao precisa que contradiz a versao estadou-ntdense dessa profissao, carrega uma grande sacola ...Entra 0 doutor(:ole, 0 professor, de uns trinta e dois cmos, Ulna nova aqutsi(:ao da

David - Sim, e esse mesmo que queremos.

Dr. Cole (mais irritado do que antes) - Espero que saibam qual delesvao fazer. POl'favor, sentem-se (sentam-se a sua volta, ele abre apasta, tira os apontamentos e uma capia do Teetetol). - Bern,quero dizer que pensei que seria melhor tel' urn ponto de referen-cia para a nossa discussao, de modo que ela nao venha a dispersar-se, e pOl' isso sugeri discutir hoje 0 Teeteto de Platao.

Jack - Nao e algo urn tanto atrasado no tempo?

faculdade, inteligente no sentido estrito do tenno, acabou de concluiruma tese sobre 0 ceticismo, sob a orientaftao de Donald Davidson, eesta pronto a disseminar 0 conhecimento tal como ele 0 entende.

(A primeira escavadeira eletrica estrondeia.)

(Estrondeia tambem a segunda escavadeira etetrica.)

Leslie (paz um comentario e ri; Donald, que parece ter entendido,mostra-se gravemente ofendido).

Dr. Cole (distancia-se para par as coisas no lugar.)

(DuPlo estrondo das escavadeiras eletricas.)

(Dez minutos depois, cb:Cole volta, gesticula em direftao it porta, sai;os outros 0 seguem, com uma expressao resignada no rosto.)

Maureen (cmninhando pelo corredor, vira-se para Arnold) - Ii esta aaula de cozinha pos-moderna?

Leslie (que percebeu 0 sentido, ri ruidosamente) - A cozinha pos-moderna? Nao h;l como enganar-se,o curso e este.

Arnold - Nao e verdade! Este e urn seminario sobre gnoseologia!

Leslie - Equal e a diferenc;;a?Que seja.

Jack - Bern... (tira da sacola um exenlplar do dialogo), esse tipo viveuha mais de dois mil anos, nao conhecia nem a logic a nem a cien-cia moderna; assim, 0 que podemos aprender dele sobre 0 conhe-cimento?

Bruce - E voce pensa que os cientistas sabem 0 que e 0 conhecimento?

Jack - Nao falam dele, mas 0 produzem.

Bruce - Nao sei qual ciencia voce tinha em mente, mas no meu campo,a sociologia, esta em curso urn debate sobre 0 "metodo con"eto".De lU11 lado se diz que nao se pode tel' conhecimento sem a esta-tistica. De outro, ao inves, dizem que e preciso tel' a "prfltica" daarea que se est;l examinando, de modo a estudar pormenorizada-mente os casos individuais e descreve-Ios, quase como faria urnromancista. Houve apenas urn pequeno escandalo a proposito deurn livro, A Transformaftao Social da Medicina Americana; 0

autor, Paul Starr, discutiu alguns fenomenos interessantissimos,tendo a seu favor a evidencia, mas nada de nllmeros; autorizadossociologos recusaram-se a toma-Io a serio; outros, entretanto, tam-bem abalizados, defenderam-no, e criticaram a maneira pela qual aestatistica e usada. Em psicologia sao os comportamentalistas e osintrospectivistas, os neurologistas e os psicologos clinicos ...

Dr. Cole (gesticulando em direftao a uma outra sala) - Aqui dentro,pOl' favor.

(Agora esta1nos numa enorme sala sem janelas, com uma mesa ealgumas cadeiras nov[ssimas, mas tambemmuito incamodas.)

Dr. Cole (senta-se it cabeceira da mesa) - Estou aborrecido com 0 atra-so e a confusao. Finalmente podemos dar inicio ao nosso semina-rio sobre gnoseologia.

David e Bruce (aparecem it porta) - Ii este 0 seminario de filosofia?

Dr. Cole (ligeiramente irritado) - Urn dos muitos. H;l outros ...

David (guardando 0 prospecto) - ...quero dizer,aquele sobre gno ...gno ...

Bruce - Gnoseologia.

I. Teeteto, Ol{ Sobre 0 Conhecimento, dialogo platonico de Socrates com outras persona-gens, entre as quais figura 0 matematico Teodoro, que, ao discutir a posi<,;ao deProtagoras sobre a "opiniao verdadeira", vai buscar, a pedido de seu interlocutor, 0

"embora nao bela, mas bem dot ado intelectualmente" jovem Teeteto, para encetar umainvestiga<,;;lOsobre a ciencia. Esse dialogo [oi um dos llltimos escritos par Platao com 0

objetivo de del~1()liLQEelatiyisn1Qe--(H:~J!hismo_d0S.Sofi£tas,

Jack - Bem ... as ciencias sociais ...

Bruce - Sao ciencias ou nao?

Jack - Voces ai ja viram elaborada uma coisa tao simples, bela e bem-sucedida como a teoria de Newton?

David - Naturalmente que nao! As pessoas SaGmais complicadas doque os planetas! Tanto e assim que as maravilhosas ciencias natu-rais de voces nem ao menos se arriscam a tratar dos fenomenosatmosfericos ...

Arthur (que per111aneceu junto ({porta, ({ escuta, e agora adentra, vol-tando-se para jack) - Desculpe-me, nao pude deixar de ouvir.Sou historiador da ciencia e penso que voces tern uma ideia acer-ca de Newton um pouco superficial demais.Antes de tudo, aquiloque chamaram de "simples e belo"nao equivale aquilo que chama-ram de "bem-sucedido" - ao menos, nao em Newton. "Simples ebelo" refere-se aos seus prindpios basicos; "bem-sucedido" e 0

modo pelo qual ele os aplica. Nesse caso, ele usa uma cole<,;aoumtanto incoerente de novas assun<,;oes,dentre elas uma, segundo aqual Deus interfere periodicamente no sistema planetario a fimde impedi-lo que caia aos peda<,;os. E Newton faz, na verdade,filosofia. Ele se baseia num certo nllmero de prindpios que dizemrespeito aos procedimentos corretos. Formula os prindpios dapesquisa e insiste muito neles. A dificuldade e que ele viola essesprindpios no proprio momenta em que come<,;aa fazer pesquisa.o mesmo vale para muitos outros fisicos. Num certo sentido, oscientistas nao SaGaqueles que fazem ...

Jack - Certamente, quando come<,;ama filosofm".Eu posso compreenderque, entrando nessa area confusa, eles tambem se confundem.

Arthur - E sua pesquisa permanece inaiterada, malgrado tal confusao?

Jack - Bern ... , se a filosofia confunde ate a pesquisa, e uma razao a maispara mante-la fora da ciencia.

Arthur - E como se faz isso?

Jack - Atendo-se 0 maximo possivel a observa<,;ao!

Arthur - E os experimentos?

Jack - Naturalmente, observa<,;oes e experimentos!

Arthur - POl'que os experimentos?

Jack - POl"queas observa<,;oes a olho nu nem sempre SaGconfiaveis.

AJ.thur - Como voce faz para sabe-lo?

Jack - Outras observa<,;oes mo dizem.

Arthur - Quer dizer que uma observa<,;ao Ihe diz que voce nao podeconfiar numa Olltra observa<,;ao? Como?

Jack - Voce nao sabe como? Bem ... , enfie um bastao na agua; parececurvo, mas voce sabe que e reto pOl"que teve a sensa<,;aodisso.

AJ.'thur - Como faz para sabe-lo? A sensa<,;aode que ele era reto poderiaser enganosa!

Jack - Os bastoes nao se encurvam quando SaGimersos em agua.

Arthur - Realmente? Nao se diria isso seguindo a observa<,;ao,como voceme aconselhou. Olhe aqui (pega U111capo d'agua, que estavadiante do dr. Cole, e i111ergenele a lapis).

Jack - Mas 0 que me diz daquilo que voce sente quando 0 toea?

AJ.thur - Bem ... se devo ser honesto, 0 que sinto e frio, e nao estou muitocerto de poder julgar a forma do lapis. Mas suponhamos que euconsiga; entao, tudo aquilo que estou com vontade de fazel', aten-do-me a suas sugestoes, e a compila<,;aode um rol: 0 lapis se enclU"-va quando e visto au"aVeSda agua, 0 lapis e reto quando e tocadona agua, 0 lipis e invisivel quando fecho os olhos ... e assim pOl'diante, e neste caso 0 lapis e definido pelo elenco.

Jack - Mas e absurdo - ele e sempre 0 lapis!

Arthur - De acordo, se quer falar de algo que tem uma propriedadeestavel mesmo se ninguem 0 observa, voce pode faze-lo, mas asobserva<,;oes devem COlTerde Olltro modo.

Jilek - Esta bem, concordo. Mas trata-se de simples senso comum, quenao tern nada a vel' com a filosofia.

Arthur - Ao contrario, tem sim! Muitos debates filosoficos, inclusiveaquele contido no diilogo que temos a nossa frente, versam pre-cisamente sobre tal questao!

Jllck - Bem ... se a filosofia e essa, voce po de ficar com ela. Quanto aoque me diz respeito, manter que os objetos nao SaGapenas elen-

cos de observa<,;oes, mas entidades com caractedsticas proprias, esomente uma questan de senso comum - e os cientistas seguemo senso comum.

Arthur - Mas isso nao e verdade, ao menos nao esse genera de sensocomum! 0 que temos, dizia Heisenberg quando trabalhava numde seus primeiros escritos, san as raias espectrais, sua freqiiencia esua intensidade; de modo que e preciso encontrar Ull1esquemaque nos diga como essas coisas se associam, sem postular "obje-tos" subjacentes. E depois de introduzir as matrizes, que san elen-cos, embora urn pouco complicados.

Jack - De acordo.Agora direi que os cientistas pautam-se segundo 0

senso comum, a menos que a experiencia nao lhes diga algo diver-so. Como quer que seja, nao ha necessidade alguma da filosofia.

Arthur - As coisas nao san tao simples! Quando falei de "experiencia",pretendi talar de complicados resultados experimentais.

Jack - Sim.

Arthur - E os experimentos complicados estao, muitas vezes, cheios deimperfei<,;oes, especialmente quando entramos num novo campode pesquisa. Imperfei<,;oes, quer pr{tticas - alguma parte da ins-trumenta<,;ao nao funciona como deveria-,querteoricas - alglU1sefeitos san descurados ou calculados erroneamente.

Arthur - Mas esta dito que voces estao salvos. Os computadores estaoprogramados para efetuar aproxima<,;oes, e estas podem acumu-larose de modo a distorcer os resultados. Seja como for, san muitis-simos os problemas. Pense somente nas numerasas tentativas dedescobrir urn so polo magnetico, ou Ulll quark isolado.Alguns osencontraratl1, outros nao, outros ainda descobriratn coisas trans ...

Jack - 0 que tern a vel' tudo isso com filosofia?

Arthur - Vou dizer-lhe dentra de urn minuto! Como quer que seja, voceconcorda que nao seria prudente presumir que todos os experimen-tos efetuados num novo campo dao, de repente, 0 mesmo resultado?

\\r .(,'f \ i v - Fantasia Platonica 0 17J I '

'll '~.~ t Al:tijur - E assim, uma boa teoria, ate mesmo uma teoria excelente, pode

,

~1 .I,' estar em dificuldade pOl' causa de tal fenomeno. E pOl'"boa" teoria~ , \ :entendo uma teoria que concorda com todos os experimentos"!~:" isentos de pecha. E,como as vezes precisamos de anos, senao secu-

~ ~ .~: \ los, para remover os defeitos, temos necessidade de manter viva a,'~ j. ~ ~ teoria de qualquer modo, embora indo de encontro a evidencia.

l! Jack - Seculos?

Arthur - Com certeza. Pense na teoria atomica! Foi introduzida pOl'\oj Democrito ja faz muito tempo. Desde entao, foi criticada freqiien-

01 'f \, temente, e com excelentes razoes, se se considerar 0 conhecimen-~ 1~'3 to da epoca. POl'volta do fim do seculo passado, alguns fisicos con-~ -! t" tinentais consideravam-na urn monstro antediluviano, motivo pelo

I~ '.•• '- ual nao era incluida na ciencia. Todavia, foi mantida viva, e issoconstituiu urn bern, porquanto as ideias sobre 0 atomo forneceramotimas contribui<,;oes a ciencia. Ou entao, tome a ideia do movi-mento da Terra! Ela existia naAntigiiidade; foi criticada severamen-te e de maneira assaz razoavel pOl'Aristoteles. Mas sua lembran<,;asobreviveu, e isso foi muito importante para Copernico, que colheu

(,) '"'a ideia e a levou ao triunfo. POl' isso, e born manter viva a teoria

r~utadg.bomnaoSe<:l~.ix;~~~~i~_~i.Rf~;~~~i~=e,pelos experimentos!

~,..,_".·~"'N~~'~'''.''''"~_'...',~••._.".•.~

,';' Arthur - Nao, nos somos cientistas, pOl' conseguinte, procuraremos.'\

~I Ht~\:::~?~~:~:~~::;~,~l~~~;r,~::~:~~:~~~;~~=;if\ r i \ .~\ mundo independente daquele do qual nos falam as observa<,;oes /Ii

~l '.Ii disponiveis, mas apto a sustentar uma refutada tese pat·ticular. )•..• t'! I. .Jack - Mas isso e metafisica!II~'rr",d~~'~;~~~:·~;Q:;~:;,:,::C'~~;2:~~:~~~~';;;;:

I J, "'" . ( .".\ \."

argumentos metafisicos para continual' a se desenvolver; hoje elanao seria 0 que e sem essa dimensao filosofica.

Jack - Bern ... terei de pensar nisso! Como quer que seja, uma filosofiadesse genera estaria estritamente conectada a pesquisa - e, emvez disso, 0 que encontramos aqui, em Platao (indica 0 livro)? Urndialogo, quase uma telenovela, urn monte de conversa fiada daquie de la ...

Gaetano - Platao era urn poeta ...

Jack - Bern ... se era, entao a minha opiniao esta confirmada; nao e certa-mente este 0 genero de filosofia de que temos necessidade!

Arnold (para Gaetano) - Nao penso que se possa afirmar que Plataoera urn poeta! Ele disse coisas muito duras sobre a poesia, de fatofalou de uma "longa batalha entre filosofia e poesia" e alinhou-sefirmemente ao lado dos filosofos.

Jack (voltando ao ataque) - E pior do que eu pensava! Nao the agrada-va a poesia e nao sabia como escrever urn ensaio decente, pOl' issocaiu numa versao enfadonha da poesia ...

Arnold - Alto la!Alto la! Permita que eu me explique! Platao e contrario apoesia. Mas e tambem contrario a qualquer coisa que se poderia cha-mar prasa cientit1ca.E ele 0 diz de urn modo bastante explicito ...

!Jf J

Arnold - Nao, em outro dialogo, Fedro. Ele insinuafico e, em grande parte, umaf;~~lde.

Bruce - Nao havia urn artigo que se intitulava E 0 ensaio cientifico

umafraude?

Arthur - Sim, voce tern razao, e de Medawar, urn laureado do premioNobel, mas nao me lembro onde 0 vi.

Arnold - Seja como for, aquilo que preocupava Platao era 0 fato de queurn ensaio fornece resultados e talvez algumas demonstra<,;oes,mas diz a mesma coisa, repetidas vezes, quando a gente propoeuma pergunta.

Arthur - Bern ... tambem urn dialogo escrito diz a mesma coisa repetidasvezes; a {mica diferenc;:a e dada pelo fato de que a mensagem e

repetida nao apenas pOl' uma so personagem, mas pOl' muitas.Nao, a dificuldade do trabalho cientffico e que ele the conta umafabula. Quando Thomas Kuhn2 entrevistou os participantes darevoluc;:ao quantica ainda vivos na epoca, eles repetiram, de infcio,aquilo que aparecia impresso. Mas Kuhn se preparara bem. Leracartas, relatorios informais, e todos esses documentos diziam algu-ma coisa de muito diferente. Ele indicou a circunstancia e, poucoa pouco, as pessoas come<,;aram a recordar aquilo que havia real-mente acontecido.Tambem Newton corresponde a esse modelo.No fim das contas, depois de tudo, fazer perguntas significa intera-gir com m~teriais altamente idiossincraticos ...

Jack - Trata-se da tipica instrumentac;:ao experimental.

Arthur - Quao pouco sabem voces, logicos, daquilo que sucede noslaboratorios e nos observatorios! A instrumenta<,;ao tfpica funcioml\ipara a perda de tempo tfpica, nao para a pesquisa que procura\impelir os limites um pouco mais aIem. Nesse caso, ou voce usa a "instrumentac;:ao tfpica de urn modo atipico, ou entao precisa inven-tar coisas inteiramente novas, cujos efeitos colaterais nao the saofamiliares, de forma que deve aprender a conhecer 0 seu aparelhocomo se faz com uma pessoa, e assim pOl' diante - nada de tudoaquilo que se apresenta nos relatorios tradicionais que sao publica-dos. Mas a questao agora e discutida em conferencias, seminarios epequenos coloquios.Tais discussoes, onde urn argumento e defini-do e mantido a superficie grac;:asao debate continuo, constituemuma parte absolutamente necessaria do conhecimento cientffico,sobretudo la onde as coisas se movem de maneira muito veloz. Urnmatem;ltico, um fisico de altas energias, um biologo molecular, queconhecem somente os tratados mais recentes, nao so estao atrasa-dos em meses, como nao sabem sequel' sobre 0 que versa a obraimpressa; ela poderia tambem escapar-lhes inteiramente. Tambemli Fedro, e esse me parece ser precisamente aquilo que Platao pre-tendia; ele queria uma "troca viva", como 0 denomina; e e essatroca, e nao a sua reprodu<,;ao estilizada*, que de define como

I2. Vide A Jistrutura etasRevo!u\xies CientfJicas, de Thomas S. Kuhn, traer. brasileira, Sao

Paulo, Perspectiva, 1976.

conhecimento. Naturalmente, Platao utilizou dialogos, e nao prosacientifica, que tambem existia em seu tempo e ja estava bemdesenvolvida. Como quer que seja, 0 conhecimento nao esta conti-do no dialogo, mas, sim, no debate de onde brota, e que 0 partici-pante recorda quando Ie 0 dialogo. Direi que ao menos, a esse res-peito, Platao e muito moderno!

Donald (com voz queixosa) - POl'que nao podemos comec;ar agoracom Platao?Temos um texto - todo esse palavrorio sobre cienciaesta acima de meu alcance e, aIem disso, nao cabe num seminariosobre gnoseologia. Nos devemos definir 0 conhecimento ...

Maureen - Ainda estou confusa; e este curso de ...

Leslie - ...de cozinha pos-moderna? Naturalmente que sim! Mas h;1razoes. Querosaber um pouco mais sobre Platao. Dei apenas umaolhada na 1iltima pagina (pega uma c6pia do dialogo que estavacom Donald e indica um trecho) e a julgo muito estranha. Quandotudo acaba, Socrates vai a julgamento. Mas ele nao foi mOt10?

Dr. Cole - Bem ... penso que deveremos comec;ar pdo inicio.

Seidenberg - Posso dizer uma coisa?

Dr. Cole (levanta os olhos para 0 teto com um ar desesperado).

Seidenberg - Nao, creio que e importante. De inicio pensei que essesenhor ai (aponta para Leslie) nao estivesse muito interessado nafilosotla.

Leslie - Pode muito bem dize-Io ...

Seidenberg - Nao, nao, nao e verdade. Olhe! (Voltou sua ate11(;aoparaa ultima pagina e repentinamente mostrou interesse).

Leslie - Bem, e um pouco estranho ...

Seidenberg - De modo algum! E verdade, Socrates foi acusado de impie-dade e precisou apresentar-se perante a assembleia geral.A conde-nac;ao a morte era uma conseqiiencia possivel. Em Olltro diilogo,o Fedon, ele j;1estava condenado it morte, presume-se que devabeber 0 veneno ao par-do-sol. Ele assim 0 faz e mon-e, precis amen-te no fim do dialogo.

Maureen (que esta ficando menos confusa e mais interessada) _Quer dizer que Socrates falava de filosofia sabendo que estavapara mOlTer?

,',No original, em ingles, streamlined cross-section, que significa literall11ente "se\;ao trans-versal aerodinamica".

Lt.:slie- Estranho! Um professor que fala e fala, embora saiba que seusverdugos estao realmente esperando por ele fora da sala de aula.Como e possivel isso?

Sddenberg (excitado) - Nao e so isso! Os dois personagens principais dodialogo que 0 professor Cole pretende ler conosco, Teeteto eTeodoro, eram personagens historicos, ambos eminentes matemati-cos. ETeeteto - e dito na introduc;ao - fora gravemente feridonuma batalha e pouco depois morreu de disenteria.Num certo sen-tido,o dialogo foi escrito em sua memoria, em memoria de um gran-de matematico que tambem havia sido um valoroso combatente.Estas sao coisas muito interessantes. Em primeiro lugar, pelo fato deser um dialogo; de nao ter nada a ver com a poesia, se entendidasupertlcialmente como um discurso ligeiro; de derivar de uma con-cepc;ao especial do conhecimento e de esta concepc;ao estar muitoviva ainda hoje em dia, como dizArthur, nao" em materias atrasadas"(lan<r'auma olhada para Jack), mas entre as disciplinas mais res-peitadas e de desenvolvimento mais rapido, como a matem;ltica e afisica das altas energias. Em segundo lugar, encontra-se aquilo quese pocleria chamar cle"climensoes existenciais", vale clizer,o moclopelo qual a cOt1Versac;aointeira esta insericla nas situac;oes extremasciavida real. Eu me dou conta de que isso e muito cliferente clegran-de parte cia tllosofia moderna, que so analisa as propriedacles logi-cas dos conceitos e pensa que isto seja tuclo 0 que se pode dizer aseu respeito.

David (hesitante) - Li 0 cli;llogo pOl'que queria estar preparado para aaula. Ate eu fiquei surpreso com 0 final, mas nao vejo que efeitopocleria ter sobre 0 debate, que se assemelha muito a uma aulacomo aquela que eu tambem assisti; alguem diz qllC~~oconheci-~E.!.2-.t experiencia ...

Dr.Cole - P:~~eP<i:.'lo...

Davicl- ...Bem ...que 0 conhecimento e~r~s;.ao,..algum Olltro ofere--, -----------~ ~-.,

ce contra-exemplos, e assim por cliante. E verdacle, 0 clialogo e um

pouco palavroso, mas nele nao se faz nenhuma referencia amorte.Ao fim, Socrates imprevistamente diz que deve ir ao tribu-nal. Poderia tambem dizer que estava com fome e que iria cear.Seja como for, parece aposto apenas para produzir efeito e naoacrescenta nenhuma dimensao existencial aos conceitos ...

Seidenberg - Mas no Fedon ...

Charles - Eu 0 tenho aqui (soergue um livro). Penso que seja aindapior. De fato, como come<;;a?Socrates esta em companhia dealguns de seus admiradores. E eis sua mulher (W a texto do livro)

"com seu filho nos bra<;;os".Ela chora e the diz:"agora, seus amigosvido falar com voce pela tlltima vez, Socrates" - pelo menos con-forme 0 relato urn pouco desdenhoso fornecido por Fedon, 0

principal interlocutor. "Ela diz todo genera de coisas que asmulheres estao propensas a dizer em certas ocasioes" - tal e 0

modo como ele fala dela. E Socrates 0 que faz? Pede a seus amigosque a conduzam para casa a fim de que ele possa falar de coisasmais elevadas. E urn tanto insensivel, diria.

Maureen - Mas ele est;l para morrer!

Charles - Por que deveria alguem jamais ser levado a serio e pOl'que sedeveria permitir que se comportasse como urn bastardo so por-que ele esta para moner?

Bruce - E par culpa dele mesmo!

Maureen - 0 que pretende dizer com isso?

Bruce - Nao sera, talvez, verdade que ele proferiu a sua arenga diante deuma assemblda geral que 0 condenara, mas the dera a possibilida-de de defender-se? E Socrates escarneceu deles -leia a ApoZogia!

Depois disso, condenaram-no por uma margem ainda mais ampla.Tratara a assembleia com 0 mesmo cui dado que havia dispensadoa sua mulher e ao filho.

Maureen - Mas morreu por suas ideias, nao cedeu.

Charles - Tampouco Goering, no processo dos nazistas. "E 0 poder" -disse ele - "que decide uma questao, e nos 0 desfrutamos enquan-to esse durou". E depois se suicidou, realmente como Socrates.

Seidenberg - Nao acho que se deveria comparar as pessoas desse modo.

Leslie - Por que nao? Ambos sac membi'os da ra<;;ahumana! Charles temrealmente razao. Moner pelas proprias iddas nao produz automa-ticamente santos.Veja 0 que se diz aqui - encontrei justamente 0

trecho.O que significa 0 ntlmero 173escrito a mal-gem?

.tk Cole (querendo jaZar).

,/y'nold (mais rapido do que dr.CoZe)- E 0 ntlmero da pagina da edi<;;aocritica a qual os estudiosos fazem normalmente referencia ...

,'Arnold - Nao, e pratico. Ha muitas edi<;;oes,tradu<;;oesetc. todas diferen-tes umas das outras. Em vez de fazer referencia a uma obscura tra-du<;;aoque ninguem conhece, mas que por acaso acabou entresuas maos, da-se este ntlmero da edi<;;aocritica ...

Leslie - ...de toda maneira, parece que diz aqui haver uma diferen<;;aentre 0 cidadao comum e 0 filosofo. Ora, agrada-me aquilo que edito do filosofo - "Ele vaga a "\Tontadede um argumento ao outroe do segundo a um terceiro"--"-, isto e, 0 modo do qual haviamosfalado e que e, pois, 0 motivo por que estamos ainda aqui. Masdepois e dito que "um advogado" anda sempre depressa, pOl"queha limites de tempo nos tribunais: ele ridiculariza 0 advogado queanda sempre depressa e diz que "a comida muitas vezes preservasua vida". Bem, tenho a impressao de quenao pretende referir-sesomente aos advogados, mas tambem aos cidadaos comuns. Estesnao tem tanto dinheiro quanto Platao, e precisam cuidar da fami-lia e dos filhos. Um modo de pensar que ocupa uma vida inteiraapenas para propor simples perguntas nao lhes e de nenhuma uti-lidade - morreriam logo de fome. Eles precisam pensar de formadifc!rente. E, em vez de simpatizar com sua dificil condi<;;aoe pre-za1".as solu<;;oespor eles encontradas, Socrates escarnece deles eos trata com desprezo, como procedeu com a assembleia.

Dr. Cole - Bem ... isso e Platao e nao Socrates ...

Leslie (Ull1 pouco enraivecido) - Platao, Socrates, nao me importamnada! A idda de filosofia que aparece justamente aqui, neste dialo-go, com sua "dimensao existencial", implica que, quando se pensae se age para sobrevivel- e manter a propria familia, a gente mere-ce ser tratada com desprezo.

Gaetano - Penso que pode achar alguma coisa aqui (tira um liuro de suabolsa), tenho uma traduc;:ao alema, com uma introduc;:ao de OlofGigon, urn eminente estudioso dos classicos. Ele comenta 0 fato deque Socrates manda embora a mulher e 0 filho. a que diz? "Ambosrepresentavam 0 mundo da humanidade simples e nao dedicada afilosofia, que merece respeito, mas deve arredar um pas so quando afilosofia entra em cena". "Deve arredar urn passo" significa que agente comum, que carece da sutileza filosofica, nao conta quandourn filosofo, que po de ser tambem urn marido, abre a boca.

Maureen - Entao toda essa fala da morte e somente papo furado.

Gaetano - Nao, nao creio. Platao queria, na verdade, enfatizar aquelaque, segundo ele, era 0 conhecimento con'eto, ligando-a com umanova visao da,morte. Bem, p.elo menos disp6e de um horizontemais amplo do que aquele que possuem (uoltando-se para jack)os seus cientistas ...

Charles - Qualquer fascista tem a disposic;:ao aquilo que voce chama"urn horizonte mais amplo", pOl'que para ele a ciencia e somente"parte de urn todo maior", ou qualquer outra coisa que se diga aesse proposito ...

Seidenberg (hesitante) - Fico um pouco preocupado com 0 modo peloqual estao falando de Platao. Sei que hoje esta fora de moda 0 res-peito a cultura e posso compreender 0 motivo; freqiientementetem-se feito urn uso perverso da cultura. Penso, todavia, que ossenhores estao exagerando um pouco. Pertenc;:oa uma gerac;:aonaqual 0 conhecimento e a difusao da cultura eram assuntos serios.Todos sabiam que havia os estudiosos e os respeitavam, inclusive agente pobre. Para nos, intelectuais, os filosofos e os poetas erampessoas que nos forneciam luzes, que nos mostravam a existenciade algo mais alem da vida miseravel que estavamos vivendo. Veja,provenho de uma familia muito pobre, da gente comum da qualestavam falando; mas nao penso que voces a conheceram deveras,ao menos nao .conhecem a gente pobre da regiao de onde prove-nho."Nosso filho" - disseram-me meus pais -" deveria tel' aquiloque nos nao pudemos tel', deveria tel' uma educac;:ao.Deveria estarem condic;:6es de leI' os livros que nos pudemos olhar so de longe

e que nao teriamos compreendido se os tivessemos tido em maos."Assim, trabalharam e economizaram durante toda a vida a fim deque eu pudesse receber uma educac;:ao.Tambem eu trabalhei co-mo aprendiz de encadernador. E la, urn dia, tive entre as maos umaedic;:ao em catorze volumes da obra de Platao. Estava urn poucomaltratada, cabia-me de fato preparar umanova capa. Voces naopodem imaginal' como eu me sentia. Para mim, era como a terraprometida, mas havia muitos obstaculos. Certamente eu nao pode-ria comprar e tel' aqueles livros. Mas, admitindo-se que os tivessecomprado, poderia eu compreende-los? Abri urn volume e encon-trei uma passagem na qual Socrates estava falando. Nao me lembroo que dizia, mas lembro-me muito bem que eu sentia como se eleestivesse falando comigo, de urn modo gentil, elegante e um poucoironico. Depois chegaram os nazistas.Alguns estudantes ja erampartidarios do nazismo - e me desagrada dizer, senhores, mas 0

modo como falavam assemelhava-se muito ao de voces - haviadesprezo na voz. "Estes saG novos tempos" - disseram eles - "demaneira que vamos esquecer todos os escritores antigos!" Con-cordo que Platao, amillde, evita os problemas banais, e de vez emquando faz troc;:a,mas nao acho que zombe das pessoas que aiestao envolvidas. Ele zomba dos sofistas, os quais afirmavam dog-maticamente que nao existe nada. De fato, a gente comum, aomenos a gente comum que eu conhec;:o, nao e assim. Espera umavida melhor, se nao para si, para os proprios filhos.Saibam, ha umacoisa interessante sobre a datac;:aodos diilogos. as primeiros dialo-gos de Platao escritos apos a morte de Socrates nada tinham a vel'com sua morte. Eram comedias como 0 Eutidemo ou 0Ionia, ple-nos de argllcia e de ironia.A Apologia, 0 Pedon e 0 Teeteto vieramdepois, presumivelmente depois de Platao haver assimilado a dou-trina pitagorica da vida ultraterrena.Ate a morte assume urn aspec-to diferente - e urn inkio e nao um fim. E e tambem verdade queSocrates, 0 verdadeiro Socrates, nao engolia, como voces dizem nalingua de voces, a demoCl'acia com todos os seus anexos e cone-xos. Via que ela apresentava problemas. Diz-se que escarnecia dademocracia como sendo aquela instituic;:ao na qual um macaco setorna urn cavalo, quando um numero suficiente de pessoasvota

nesse sentido. Bem, nao e esse um problema a ser enfrentado aindahoje? - quando discutimos sobre 0 papel da ciencia nasociedadee, especialmente, na sociedade democratica? Nem tudo pode serdecidido por meio do voto, mas onde fica a linha divisoria! E queme que vai tra<;;a-la?Para Platao, a resposta era clara: as pessoas queestudaram 0 problema, os homens sabios, a eles cabera tra<;;aralinha divisoria! Os meus pais e eu pensavamos exatamente a mes-ma coisa. Naturalmente, Platao tinha dinheiro e mais tempo a dis-posi<;;ao,mas nao e acusado por isso. Ele nao gasta seu dinheirocomo os outros men1bros de sua classe em aventuras amorosas,corridas de cavalo e jogos politicos do poder. Ele amava Socrates,que era pobre, feio e desmazelado. Falou dele em seus escritos naoapenas para honra-lo, mas tambem para lan<;;aros fundamentos deuma vida melhor, precisamente como 0 movimento pacifista mo-derno luta por uma vida melhor. Lembrem-se - aquela era a epocada Guerra do Peloponeso, de atrocidades politicas; a democraciafoi revirada, renovada, tramaram contra ela conspira<;;oes.Em suma,queria dizer que deveriamos ser gratos a essas pessoas, em vez dezombar delas ...

Li Feng - Compreendo 0 que pretende dizer, senhor, e estou de plenoacordo, nao so pOl'que penso que uma comunidade ou uma na<;;aotem necessidade de homens sabios, mas tambem pOl'que pensoque uma vida sem uma migalha de respeito por alguma coisa euma vida bastante superficial. Mas percebo um problema la ondeesse respeito nao e equilibrado com um pouco de sadio ceticismo.]ulgo que a historia recente de meu pais seja um bom exemplo ...

Gaetano - Mas ha exemplos mais proximos de nos; po de acontecer quesejam banais, se comparados aqueles dos quais voce fala (voltan-do-separa Ii Rmg),mas penso que constituem 0 motivo pelo qualLeslie e Charles reagiram tao violentamente.Aqui, alguns professo-res e alguns doutores falam dos luminares eminentes em sua pro-fissao como se fossem divindades; nao sabem escrever uma linhasem citar Nietzsche, Heidegger ou Den-ida, e parece que para elesa vida consiste em ficar pulando aqui e ali entre uns poucos ico-nes. Ele, senhores (voltando-se para Seidenberg), viveu muito pro-vavelmente num tempo e numa comunidade na qual as criaturas

tinham uma rela<;;aopessoal com os proprios sabios e com aquiloque diziam. Nao creio que exista hoje lill1arela<;;aopessoal analoga,o que ha e uma forte pressao pessoal para 0 conformismo e, sobre-tudo, em vez da conversa<;;ao viva que Platao queria, temos frasesvazias combinadas de maneira esquem{ltica. Trata-se de um feno-meno odioso - ha pouco motivo para espantar-se se Leslie eCharles explodem quando veem qualquer coisa similar ou aparen-temente similar num autor antigo.Alem disso, e algo diferente 0

modo democratico de olhar as pessoas e 0 modo pelo qual pareceque os atenienses teriam olhado Socrates. "Sim, esse Socrates" -creio que teriamos dito - "nos 0 conhecemos: e um pouco tolo,nao tem nada melhor a fazer do que ficar junto das pessoas paraimportun{l-las,mas nao e mau sujeito e muitas vezes diz coisas bas-tante inteligentes." Riam dele quando 0 viam representado emcena, nas Nuvens de Aristofanes - e parece que Socrates ria juntocom eles. 0 respeito esta unido ao ceticismo e, as vezes, ao escar-nio. Podemos ir adiante. Se podemos confiar em Heraclito, entao ,patTCe que a gente de Efeso diria qualquer coisa do genero: "naoqueremos ninguem que seja melhor do que nos - que essa pessoava vi;::er em outra parte e com outra gente". Creio que tal atitudetinha perfeitamente sentido. Isto nao significa que todas as pessoasdotadas de conhecimentos especiais devam ser ca<;;adas,massomente aquelas que pOl' causa de seu conhecimento especialquerem um tratamento especial! Como quer que seja, a 9.~IrisA()emil vezes melhor do que 0 assassinio ou que a critica mortalmenteseria que eleva 0 Cl'itico a estatura atribuida a pessoa criticada.Suspeito que seja esse 0 verdadeiro motivo pelo qual escritoressem talento se estendem a respeito de outros escritores sem talen-to, insistindo que devam ser tomados a serio.

Dr. Cole - Acho que estamos nos afastando muito do nosso argumento.Alem disso, nao se pocle julgar um autor por umas poucas linhasextrapoladas do contexto. Entao, por que nao come<;;amos a ler 0

dialogo de um modo mais coerente e decidimos, depois, quais saoos seus meritos? Platao tem a dizer alguma coisa de muito interes-sante sobre 0 conhecimento, por exemplo, sobre 0 relativismo.Sem dtlVida voces ouviram falar de relativismo.

Charles - Pretende dizer Feyerabend?

Dr. Cole (chocado) - Nao,certamente nao.Mas nos somos pessoas com-petentes que julgamos possuir argumentos para demonstrar quequalquer coisa que se diga, e qualquer motivo que se de para aqui-10que se diz, depende do "contexto cultural", isto e, do modo deviver do qual se faz parte.

Li Feng - Isso significa que asle~_~i:~tifica~ nao SaDuniversalmenteverdadeiras?

Dr. Cole - Sim! Elas sao con'etas para quem pertence a civilizac;:aooei-dental, SaDcon'etas em l:~l~~ao-aossellsprocedi;~~tose'~~f~~'edos criterios desenvolvidos por essa eivilizac;:ao,porem nao s2_~0sao verdadeiras, mas com certeza elas nao tern sentido numa C.l~!-tura diferente.

Jack - POl'que as pessoas nao as compreendem.

Dr. Cole - Nao, nao apenas pOl'que elas nao as compreendem, mas por-que os criterios para avaliar 0 que tern sentido e 0 que nao ternsao diferentes. Colocadas diante das leis de Kepler, nao dizem ape-nas: "0 que significa isso?", pOl"em acrescentam: "Trata-se de urndiscurso sem pe nem cabec;:a".

Bruce - Alguem jamais lhes perguntou isso?

Dr. Cole - Nao sei, mas e irrelevante; os relativistas nao fazem disso urnaquestao logica.

Jack - Isso significa que eles nao dizem" OsMar" 3,quando estao diante dateoria de Newton, mas dizern: 'Isso nao tern sentido"', se bem que"Julgada segundo os criterios implicitos no sistema de pensanlentodesenvolvido pelosMar, a teoria de Newton nao tern sentido".

Dr. Cole - Sim.

Jack - 0 que presume que os Mar - ou, sob esse ponto de vista, qual-quer que seja a cultura - tenham urn sistema de pensamento quepode ser usado para proferir tais juizos.

Dr. Cole - Naturalmente.

Jack - Nesse caso, se a teoria de Newtonnao tern sentido para uma cul-tura ou urn periodo, como poderiam aprende-Ia as pessoas perten-centes a tal cultura e como pade a propl"ia teoria vir a existir?

Ikuce - Estas sao ~s_r.e::~oll~ - voce nao leu 0 livro de ~I8' As pas-

\ \

sagens entre as diversas formas de pensanlento revolucionam osI~\ criterios, os prindpios basic os e tudo 0 mais.

Jack - Sao meras palavras! Nao conhec;:o Kuhn muito bern, mas eu mepergunto como se leva adiante uma revoluc;:ao desse tipo. As pes-soas nao raciocinam durante as revoluc;:6es?

Dr.Cole - Num certo sentido, nao.

Charles (desdenhosa111ente) - Dizendo num certo sentido, pretendedizer: segundo a tese pela qual ~~,,~E~~~?J:e/]:.t':1:C;:.§.~~J~.m$epticl()somente em a urn sistema.

Charles - Mas Jack pas mesrno em discussao essa tese, de tal modo quenao posso utiliza-Ia para responder a sua pergunta, vale dizer: asargumentac;:oes transieionais tedo sentido? E preeiso encontraruma resposta diferente.

Charles - Por exemplo, examinando 0 modo pelo qual as pessoas rea-gem a tais argumentac;:oes.

I)1'. Cole - Bern, a historia nos ensina que se formam novos grupos, e osvelhos desaparecem ...

(;harles - E isso, segundo 0 senhor, provaria que as argumentac;:oes tran-sicionais nao tern nenhuma forc;:a?

Ik Cole - Nao e rnais questao de argumentac;:oes, mas de conversoes.Formam-se novos grupos que tern criterios novos.

(;harles - Nao corra demais! Antes de tudo, os fatos que 0 senhor aduznao sao justos. Por exemplo, muitos aristotelicos tornaram-se co-pernicanos quando leram Copernico ou Galileu, ou ouviram falar

de Galileu. Naturalmente havia novos grupos, mas esses gruposforam dissuadidos de suas venus convicc,;oes pOl' meio de proce-dimentos que tambem foram m,mtidos a seguir. Nao houve, aqui,uma mudanc,;a completa do "sistema". Em segundo lugar, admitin-do-se que seja uma questao de conversao, ao que deveriam con-verter-se essas pessoas? au 0 sistema j~lexiste e, entao, nao temosnenhuma conversao, ou nao existe e, entao, nao se converte emnada. Nao, as coisas nao podem ser tao simples. a que eu queriadizer e que as argumentac,;oes transicionais tem sentido, mas naopara todos, pOl'quanto nao existe argumentac,;ao alguma que tenhasentido para todos; elas tem sentido para alguns, e isso significaque a tese segundo a qual ha "sistemas" que pOl' si sos dao signifi-

cado aquilo que se diz deve ser equivocada.

Jack - E exatamente 0 que eu quero dizer. A necessidade logica de umaargumentac,;ao depende dos criterios em que se baseia e uma re-voluc,;aomuda os criterios. Entao, parece que uma revoluc,;ao naopode basear-se em argumentac,;oes, ou que a irrefutabilidade dasargumentac,;oes nao depende de um "sistema de pensamento" -nesse llitimo caso, 0 relativismo e falso. De outra parte, se fosseverdadeiro, estariamos encravados para sempre num sistema, ateque um milagre nos fornecesse um outro sistema ao qual estaria-mos presos dai pOl' diante. Estranha opiniao.

Donald - Platao discute essa opiniao?

Dr. Cole - Ele coloca em discussao um dos primeiros relativistas da his-

toria ocidental, Protagoras.

Bruce - E 0 relativismo nao fez qualquer progresso desde entao?

Dr. Cole - Sim e nao.A posic,;ao basica ainda e muito semelhante a deProtagoras, mas h~l muitos expedientes protetores que fazem acoisa parecer mais dificil do que ela e na realidade.

Bruce - Isso significa que Protagoras diz aquilo que dizem os relativis-tas modernos, mas de um modo mais simples.

Dr. Cole - Poder-se-ia dizer assim. Mas agora, finalmente, comecemos

com 0 di~llogo.

Li Feng - Onde, pOl' favor?

Dr. Cole - Aqui, na linha 146... Socrates pede a Teeteto que defina 0

conhecimento.

Jack - A que voce se refere?

Arthur - A tentativa de definir 0 conhecimento.

Jack - Trata-se do procedimento usual na ciencia e alhures. Se umaexpressao e longa e inc6moda, entao decide-se introduzir uma abre-viac,;aoe a frase que expoe aquilo que e abreviado e a definic,;ao.

Arthur - Mas a situac,;aoaqui e contraria aquela que voce descreveu! aconhecimento ja existe, h~las artes e os misteres, as varias profis-soes,Teodoro eTeeteto possuem uma consideravel quantidade deconhecimentos matem~lticos e presume-se que Teeteto caracteri-ze esse conjunto vasto e POllCOmanejavel com uma formula bre-ve. Nao se trata de abreviar uma formula longa, pOl'em de encon-trar uma propriedade comum entre os elementos de um conjuntovariado que, alem do mais, muda constantemente.

,1l1ck - Bem, de qualquer modo, e necessario tambem trac,;aruma linha,especialmente hoje, quando ha em circuhlc,;aogente que quer res-suscitar a astrologia, a bruxaria, a magia. Algumas coisas sao conhe-cimentos,outras nao - concorda com isso?

Arlhur - Com certeza. Mas nao creio que se possa trac,;aruma linha deuma vez pOl' todas, e com a ajuda de uma simples formula. Naopenso tampouco que se possa trac,;a-lacomo se fosse um regulamen-to de trifego. as limites emergem, apagados, desaparecemnovamen-te, enquanto sao parte de um processo historico muito complexo ...

,1l1d, - Mas nao e assim. as filosofos trac,;aramfreqiientemente linhas edefiniram 0 conhecimento ...

Al'tllm - ...e quem usou suas definic,;oes?Veja.Newton trac,;ouuma linhaquando defendia sua pesquisa na optica e imediatamente a ultra-passou. A pesquisa e muito complicada para seguir linhas simples.ETeeteto sabe disso! Socrates pergunta:"O que e 0 co'nhecimen-lo?"Teeteto replica ...

l)oll:lld - Onde?

Arthur - Em alguma parte, perto da linha 146. Bern, ele replica que 0

conhecimento e "toda a ciencia que ele aprendeu de Teodoro - ageometria e tudo aquilo que acabei de mencionar" - ele esta falan-do da astronomia, da harmonia e da aritmetica. E,continua: "deseja-ria incluir a arte dos sapateiros e dos outros artesaos; essas sao todasformas de conhecimento". Eis uma otima replica: 0 conhecimentoe urn assunto complexo, e ~ife~~}lJJ~..[la~.<:liversas talvez a_ .... ~.~ ". - .._.

melhor resposta a pergunta "0 que e 0 conhecimento?" seja urnelenco. De minha parte, ajuntaria os pormenores e citaria as variasescolas que existem em cada materia. Como quer que seja, ~~~~ade que 0 conhecitnentoe,aesse respeito, tambem a<:i.~1"lcia.possam;:~'-;pri~k;~~d;~~lillla simples formula, e uma quimera.

Arnold - Ela nao e uma quimera, e urn fato.~~c_i~[lcia,pOl' exemplo,pode ser caracterizada como aquilo que po de ser criticado.

Bruce - Mas qualquer coisa po de ser criticada, nao apenas 0 conheci-mento.

Arnold - Bern, devo ser mais preciso: a gente tern 0 direito de reivindi-car a qualificac;ao do conhecimento somente se a pessoa queapresenta tal pedido pode dizer com antecipac;ao em qual cir-cunstancia 0 retiraria.

Leslie - Essa nao e uma definic;ao de "conhecimento", mas antes de "rei-vindicac;ao de conhecimento".

Arthur - Nao importa, ao contririo, agora posso formular minha objec;aoainda mais claramente: segundo sua detlnic;ao de "reivindicac;ao deconhecimento", as teorias mais cientiiicas nao entram em tais rei-vindicac;oes, pOl'quanto, dada uma teoria complexa, dificilmente oscientistas sabem antecipadamente quais circunstancias particula-res os farao desistir dela. Muitas vezes, a teoria contem hipotesesescondidas, das quais tampouco se esta ciente. Novos desenvolvi-mentos levam ao palco essas assunc;oes - ai sim, entao, a criticapode comec;ar.

Li Feng - Pode dar algum exemplo?

Bruce - Sim, a hipotese da velocidade dos sinais infinitos se faz notal'somente com a teoria da relatividade especial. Segundo sua defi- 'nic;ao,presume-se que se poderia dizer em 1690 0 que teria acon-

tecido a teoria de Newton em 1919,0 que e absurdo. E esse 0genero de absurdidade que esta contido na solicitac;ao de definiro "conhecimento". Novos temas entram constantenlente em ce-na e velhos temas mudam, vale dizer que a definic;ao devera sermuito longa, compreender uma porc;ao de qualificac;oes e estarsujeita a modificac;oes.

Amolcl - Masvoce devera, no entanto, dispor de urn criterio para separaros argumentos falsos dos genuinos, e precisara formular tal criterioindependentemente dos argumentos existentes, pois de que outromodo podera julg;l-losobjetivamente?

Al'tllUr - "Objetivamente" - estas sao apenas palavras. Nao acha queuma coisa tao decisiva como os criterios que definem 0 conheci-mento devam ser examinados com grande cuidado? E se ja foramexaminados, entao foi levada a efeito uma analise acerca dos crite-rios e tal indagac;ao ser;l ela mesma guiada pOl' criterios, pois esimplesmente impossivel colocar-se pOl' fora do conhecimento eda indagac;ao.Ademais, suponhamos que exista urn criterio a dis-posic;ao. Isso nao basta. Pode haver tambem a disposic;ao algo queesteja de acordo com 0 criterio, algo de outro modo vazio. Duvidoque hoje alguem dedicasse muito tempo para encontrar a defini-c;aocorreta do "unicornio".

Al'llold - Estou muito inclinado a admitir que 0 meu criterio possa des-mascarar qualquer coisa como urn engano ...

Brllce - Bern, voce nao continuara a usar alguma dessas coisas engano-sas, separando-as das outras? POl'exemplo, nao continuara a dar fea certos fisicos de preferencia a outros? Ou a fiar-se num astra no-mo que predisse urn eclipse solar, mas nao num astrologo que pre-disse urn terremoto? Se for assim, entao 0 seu criterio revel a serele mesmo urn engano; do contririo, logo estari morto.

David - Mas algumas definic;oes sao necess;lrias para fins legais. POl'exemplo, para as leis que separam a Igreja do Estado e exigem quea ciencia, mas nao as concepc;oes religiosas, seja ensinada nasescolas pllblicas. Nao ser;l esse 0 caso dos fundamentalistas quetern tentado introduzir algumas de suas ideias na escola elemen-tal', chamando-as de teorias cientificas?

Arthm - E verdade, no Arkansas. as peritos forneceram atestados e algu-mas defini«;;oes simples, e assim 0 negocio foi feito.

Charles - Bem, isto demonstra somente que a pratica legal precisa ser

melhorada.

Donald _ Nao podemos voltar ao diiilogo? Voces dizem que basta umelenco, mas Socrates levanta obje«;;oes!

Arthur - Qual e a obje«;;aodele?

Maureen - Ele quer uma coisa so, nao muitas.

Bruce _ E exatamente aquilo sobre 0 que acabamos de falar - ele naopocle encontrar uma defini«;;aoan~l1ogaque tivesse tambem um

contelido.

Maureen - Mas se ha uma so palavra," conhecimento", por que nao ha

tambem uma coisa tmica?

Arnold - "Circulo" e uma palavra so, mas ha 0 drculo geometrico, 0 dr-culo de amigos que nao devem sentar-se em torno do drculo geo-metrico; 0 raciodnio circular, isto e, aquele que presume aquiloque deve ser provado sem mover-se sobre 0 tra«;;adodo drculo

geometrico ...

Maureen - Bem, nao e 0 mesmo caso! Ha um drculo originario e osoutros san expressoes, bem, aquilo que chamam ...

Gaetano - MetMoras?

Li Feng - Analogias?

Leslie - Nao tem import~lllcia - uma palavra, muitos significados, mui-tas coisas. E Socrates presume que coisas do genero nao aconte-

cem jamais ...

Gaetano - Ademais, na passagem que precede a indaga«;;ao...

Leslie - Onde?Gaetano - Perto do fim da pagina 145 - mas voce nao a encontrara na

edi«;;aoinglesa, deve consul tar 0 grego - ele ja usa tres palavrasdiferentes,episteme (e 0 verbo correspondente) ,sophia (e outrasduas formas com a mesma raiz) e manthanein.

Leslie (ccu;oando gentilmente de Seidenberg) - Seu grande e sabio

Platao?

Ll Feng - Mas 0 proprio Teeteto sugere 0 modo pelo qml1 0 conheci-mento poderia ser unificado. E verdade, aquilo que Socrates diznao e so dogmatico, mas tambem incoerente. Por isso,Teetetotenta torn~l-lo sensato, e 0 faz de uma maneira interessante. Parapreparar sua proposta descreve uma descoberta matematica feitapor ele e pOl' um amigo seu, tempo atras.

Donald - Procurei compreender aquela passagem, mas nao fa«;;oideia aque ela se refere.

LI Feng - Mas e, na verdade, muito simples. Aqui se parte da metade dapagina 147 - da 147d 3, para ser preciso.

Leslie - a que significa isso?

Al'l1old- Significa a pagina 147 da edi«;;aocritic a -lembra-se? - se«;;aodaquela pagina (toda pagina da edi«;;aocritica e subdividida emse<;oes,por comodidade), linha 3.

JJ Feng (te) - "Teodoro estava tra«;;andodiagramas para demonstrar-nosalgo sobre quadrados ..."

Donald - a meu texto nao reza assim ...

l.eslie - Tampouco 0 meu. Aqui diz:"Teodoro estava transcrevendo paranos algo sobre raizes ..."

1>1". Cole - Bem, cedo ou tarde deviamos nos deparar com esse proble-ma - nem todas as tradu«;;oes sao iguais.

Donald - as tradutores nao sabem grego?

1>1". Cole - Sim e nao. a grego de Platao nao e uma lingua viva, entaodevemos nos basear em textos. E os autores empregam, amitIde, asmesmas palavras de modo diverso, razao pela qual temos nao ape-nas dicionarios de grego antigo, mas tambem dicion~lrios espe-ciais para Homero, Herodoto, Plat~lo,Aristoteles e outros. AIem domais, temos de nos haver aqui com uma passagem matematica, equem fala e um matematico. as matematicos utilizam, muitasvezes, num sentido tecnico, palavras comuns, e nen1 sempre ficaclaro de que significado se trata. Dynamis, a palavra traduzidacomo "raiz" no texto de voces, significa de h~lbito pot en cia, for«;;a:ocorre tambem na economia. Foi preciso bastante tempo paraque os estudiosos descobrissem que aqui, muito provavelmente,

ela denot'1 um quadrado. Problemas como este surgiram em todosos trechos mais dificeis.

Donald - a que podemos fazer?

Dr. Cole - Aprender 0 grego.

Donald - Aprender 0 grego?

Dr. Cole - Bem, ou entao estarmos prontos para descobrir que por maisaferr'1d'1 que ela seja, tr'1ta-se apenas de uma informa<,;ao muitoexpurgada daquilo que sucede "realmente". (Voltando-se para Li

Feng) - A sua tradu<,;aoparece feita por alguem que conhecia asp.articulares dificuld'1des dessa pass'1gem ...

Li Feng Cguardando seu texto) - E de um certo Mc Dowell.

Dr. Cole - Ah, John - Bem, ele certamente sabe 0 que f'1z,'10 menosnesse trecho. Continuem!

Li Feng - "Teodoro estava tra<,;andodiagr'1mas para demonstrar algumacoisa sobre quach-ados - isto e, que um quadrado de tres metrosquadrados e um de cinco nao saG comensuraveis, no que diz res-peito a longitude do l'1do com um de um metro quadrado ..."

Donald - a que significa "comensuraveis"?

Li Feng - Suponhamos que temos um quadrado de tres metros qu'1dra-dos. Entao, 0 lado desse qu'1dr'1do nao pode ser expresso por umafr'1<,;aodecimal finita, ou mais simplesmente, por uma fr'1<,;aocomum nllmero inteiro no numer'1dor e um outro, por maior que seja,no denominador.

Donald - Como se faz para sabe-Io?

Dr. Cole - Ha uma demonstra<,;ao ...

Arthur - De fato, existem diversos generos de demonstra<,;oes ...

Dr. Cole - ...e algumas j{ler'1m notadas na antigi.iid'1de, mas nao achoque devemos adentrar-nos n'1questao. Aceitemos simplesmente 0f'1to de que tais demonstra<,;oes existem, que eram conhecidas porTeodoro e que ele as ilustrava com diagramas.

Li Feng (continua) - "...com um quadr'1do de um metro qu'1drado; eassim por diante, individualizando atentamente cada caso ate os17 metros quadrados".

Jack - Isto significa que havia uma demonstra<,;ao diversa para cadanumero?

I.k Cole - Se, como Teeteto no caso do conhecimento, ele fornecia umelenco de nllmeros irracionais, come<,;ando pela raiz quadrada detres, associ'1ndo cad'1 nllmero a um'1 demonstr'1<,;aodiferente.

Jack - Agora, se fosse dada a1uma s6 demonstra<,;ao,a me sma que, aplica-da a qualquer nlm1ero, mostrasse se este era ou nao irracional, nestecaso a demonstra<,;ao teria sido um criterio geral de irracionalidade.

LiFeng - Este e 0 ponto. MasTeeteto faz algo diferente. Ele divide todosos numeros em duas classes, uma que contem os numeros daforma AxA, e outra, os nllmeros da forma AxB, onde A e diferentede B e tanto A como B saG ambos nllmeros inteiros, e ele denomi-na os nllmeros do primeiro tipo de nllmeros quadrados, e os nll-meros do segundo tipo, de nllmeros oblongos.

.lack - Al1-ah,e os lados dos quadrados cuja area e dada pelos numerosquadrados ...

LiFeng - Ele os chama de "longitudes" ...

.lack - ...sao nllmeros racionais, os lados dos quadrados cuja area e dadapor Uh1 numero oblongo ...

Li Feng - ...que ele chama potencia ...

Jack - ...sao nllmeros irracionais.Assim, nesta tel-minologia, os nllmerosirracionais saG classificados como potencias e nao mais enumera-dos um a um. Bastante engenhoso.

Leslie - E S6crates quer 0 mesmo para 0 conhecimento?

Dr.Cole - Sim.

Bruce - Mas 0 conhecimento nao e como os numeros.

Dr.Cole - Isso e exatamente 0 que dizTeeteto.

Bruce - E tem razao. as nllmeros sao antes simples, transparentes, enao nmdam. a conhecimento pode ser um tanto complicado,muda continuamente, e pessoas diferentes dizem coisas diferen-tes no merito. Em certo sentido, a diferen<,;a entre os nllmeros eo conhecimento e semelhante aquela que ha entre a fisica basi-ca,onde vigem leis simples e gerais, e a meteorologia, por exem-

plo,onde se experimenta ora um artificio, ora outro.Alem disso,o conhecimento nao est{lexatamente ali, a disposi<;ao, ele e feitopelas pessoas, e como uma obra de arte ...

David - Quer dizer que 0 ~.s:imento.~ uma ciencia sociaL..

Bruce - Nao uma ciencia social, mas um fenomeno social. Ora, ao queparece, Socrates queria que"tOd--;~os~~~~C;;-do-~onhecimentofossem como a matem{ltica, onde h{l conceitos gerais que com-preendemmuitos casos diferentes, nao obstante os teoremas rela-tivos. Bem, como responde Socrates a Teeteto?

David (examinando 0 texto) - Fala demoradamente do ser uma partei-ra - espera ummomento - agora levou Teeteto para onde que-ria, finalmente d{luma defini<;ao:0 conhecimento e percep<;ao!

Maureen - E nao h{lnenhuma discussao?

David (ainda exmninando) - Nao, Socrates insiste precisamente numadefini<;ao e Teeteto finalmente the d{luma.

Arnold - Nao seja demasiado severo com Teeteto, ele tinha apenasdezessete anos na epoca em que supostamente 0 di3JOgO se

desenvolveu.

Bruce - Nao, estou falando de Socrates. 0 problema nao e discutido, edado como tacito que 0 conhecimento, todo, nao apenas as suascomponentes matem.aticas, e similar a matematica ...

Dr. Cole - Nao exatamente. Se algum dia chegarmos ao fim do dialo-go, veremos 0 que estamos deixando sem defini<;ao.Sao propos-tas tre:s defini<;oes, e todas as tres sao refutadas, depois Socratesprecisa dirigir-se ao tribunal. Alguns filosofos seguintes inclui-ram Platao entre os cepticos, precisamente pOl' essa razao. Car-neades, um dos llitimos expoentes da escola, foi ele proprio um

ceptico.

Leslie - Mas 0 Teeteto nao e mais recente em rela<;aoa A Republica?

Dr. Cole - Sim,tem razao. Essa e a opiniao geral. EmA Republica a ques-t;lOdo conhecimento humano parece mais ou menos sistematiza-da. No Teeteto apresenta-se de novo confusa e, muito mais tarde,no Timeu, a teoria de A Republica e considerada como ummode-10 que deve ser verificado, pelo confronto com a forma atual e

imperfeita, nao com 0 desenvolvimento, dos seres humanos, dasociedade e do universo inteiro. De modo que aquilo que deve-mos considerar nao e 0 di{llogo singular, mas a seqiiencia inteira.

Maureen - No dialogo que estamos lendo nada e sistematizado?

If 1>1". Cole - Alguma coisa sim, pOl' exemplo a questao do relativismo.

~ Charles - Refere-se a Protagoras?

, 1>1". Cole - Sim.-'k

ii, Charles - Mas a coisa come<;amuito mal.Teeteto diz que "0 conhecimen-to e percep<;ao". Socrates replica que "e uma opiniao de Protagoras"e depois 0 cita:"O homem e a medida de todas as coisas, daquelasque sao pOl'que sao, e daquelas que nao sao pOl'que nao sao..."

Donald - POl'que voce nao se atem ao texto? Aqui se diz "da existenciadas coisas que sao".

1>1". Cole - Lembrem-se, essa e uma tradu<;ao!E,neste caso, 0 tradutor fezuma parafi'ase ...

Donald - Uma parifrase?

1>1'. Cole - Bem, nao traduziu palavra pOl' palavra, aquilo que em Inglesteria soado um pouco grosseiro, mas encontrou um modo maiselegante para exprimir a coisa. Muitos tradutores 0 fazem; detanto em tanto Platao usa longas descri<;oes a fim de representarcoisas para as quais alguns tradutores julgam tel' a disposi<;ao umtermo mais simples. Mas, com fi-eqiiencia, 0 proprio Platao naopossuia 0 termo justo, de modo que a tradu<;ao,alem de ser preci-samente uma parifrase, resulta ser anacronica. POl' todos essesmotivos devemos ser muito precavidos com frases como "Plataodisse isto" ou "Platao disse aquilo" ...

Chades - Mas Platao nao e muito cauteloso. Protagoras fala do "ho-mem" - suponho que se refira a todo ser humano.

1k (:ole - Sim,em grego e em latim sao palavras diferentes que indicamo ser humano - anthropos em grego, homo em latim - e paraindicar um homem - aner em grego e vir em latim.

~

l:h" dc, :- Edl, que 0 'u hum",," e a medkla de toda, " eoi"" pmem,nao dlZ como 0 ser humano mecle - pode ser pela percep<;ao,pocle ser pela intui<;ao e pocle ser pela expel'iencia passiva.

Arnold _ Mas temos ainda outras indica~oes. Aristoteles, por exemplo, dizque, segundo Protagoras, a tangente nao toca 0 circulo num ponto,mas, sim, em mais pontos; ao que parece, ele se baseia na percep~ao.

Charles _ Bem, qualquer teorico dos quanta diria a mesma coisa, masnao por causa da sua percep~ao, e, atem disso, veja a pagina 167,onde Socrates permite que Protagoras explique melhor ,suasideias.Aqui,o Protagoras de Socrates compara 0 professor a ummedico. Um medico cura 0 doente, diz ele, usando 0 medicamen-to.O doente sente nao estar em forma e diz corretamente, segun-do Protagotas, que nao esta em forma. 0 medico transforma a maconcli~ao do paciente numa condi~ao melhor - ele nao troca 0verdadeiro pelo falso, po is que 0 juizo do paciente, sendo a medi-da das coisas, e sempre verdadeiro. Do mesmo modo, diz Prota-goras, os bons retores "procedem de tal maneira que 0 bem depreferencia ao mal possa jungir a cidade" ou, melhor, os habitantesde uma cidade. Ora, Bem e Mal, Justo e Injusto nao SaGtermosreconduziveis a percep~oes sensoriais - a gente julga 0 bem e 0mal de modo muito diverso, mas os julga, e, portanto, os mede.Aseguir Platao da um apanhado do pensamento de Protagoras quecontradiz a identifica~ao desse principio da medida com a ideiade que 0 conhecimento seja percep~ao. Transformar Ptot;lgorasnum empirista ingenuo e simplesmente calunioso.

Leslie - Mas aqui ha 0 exemplo do vento que a um parece frio e a 011tro

quente ...

Maureen - Bem, pode acontecer que seja so um exemplo.

Leslie - E a ideia de que tudo muda continuamente ...

Charles - Tambem isso decorre daquilo que Protagoras diz do homem-medida. Ao contrario, "medindo" 0 proprio ambiente, algumaspessoas descobrem que as coisas remanescem sempre iguais e se

enfadam ...Maureen - E,no caso, sejam as ciencias um produto humano que desve-

1'1regularidade e repeti~ao.

Arnold - E ha outro di;llogo, 0 Protagoras, onde este compara pessoase recomenda que todos os que violam as leis da cidade sejam, '10fim, condenados a morte. A cidade "mediu" que a mudan~a exces-

siva e malevola, decidindo introduzir leis que garantam algumgenero de estabilidade e defender tais leis, justi~ando os transgres-sores recidivos, se necessario.

l.t:slie - E um tipo assim e dito relativista?

I)1', Cole - Bem,vejam, e preciso ser muito cauteloso com os termos geraiscomo "relativista","racionalista", "empirista", e assim por diante.

Donald - Mas e inteiramente sensato ligar Protagoras a mudan~a. 0

homem e medida, mas 0 homem muda constantemente ...

Charles - Nao para mim, que me~o aquilo que sucede em mim e aomeu redor! Naturalmente mudo aqui e ali, pot-em mantenho mui-tas ideias, eu as aperfei~60, encontro para as mesmas ideias argu-menta~oes melhores ...

Amokl - E quem decide?

(:harles - Eu, naturalmente, segundo Protagoras.

,lack - Temo que a taretil nao seja mesmo tao simples.Voces estao dizendoque Platao relaciona m-bitrm-iamenteProtagoras com a doutrina damudan~a, mas vejam aqui 0 exemplo que aparece na pagina 154...

Donald - A questao dos dados?

,lack - Sim.

Donald - Justo aquilo que nao compreendi em absoluto.

,luck - Compreender;l se voce a abordar tendo em mente certos pressu-postos.Aqui estao seis dados - que SaGmais do que quatro emenos do que doze. Do seis, nao haviamos tirado nada, 0 seis per-111aneCe0 nlesnlO, e, no entanto, tornou-se menos.

Donald - E banal: "maior" e "menor" SaGrela~oes.

,Iud: - Aha!Agora 0 que temos SaGcoisas estaveis, seis dados aqui, quatrodados ali e doze acola, entre os quais intercorrem rela~oes diver-sas. Ora, tambem a doutrina protagorica da medida introduz umarela~ao entre aquilo que existe e a atividade da mensura~ao. Masaqui nao temos entidades estaveis entre as quais intercorrem rela-~oes, a situa~ao se apresenta em tudo de Olltro modo - tudo 0

QUE E e constituido par rela~oes: a mensura~ao faz com que assim• SEJA,Dai, penso que tudo quanta Socrates diz na pagina 153d 3 e

seguintes seja totalmente apropriado. No tocante a vista, nao sepocle dizer que a cor que voce ve ESTA nos seus olhos, nem que elaESTA fora, ou, pOl' essa razao, nem que est;l em qualquer outraparte; cumpre dizer que isso e a sua coloca<,,:ao sao experimenta-dos durante 0 processo da percep<,,:ao - sao parte de um blocoindivisivel que une aquilo que e com aquilo que e percebido.

Li Feng - A correla<,,:ao de Einstein-Podolsky-Rosenl4

Donald - 0 que e isso?

Li Feng _ E precisamente aquilo que a teoria quantica diz do processode medida.Tratava-se de um experimento imaginario que foi intro-duzido pOl' Einstein e seus colaboradores para provar, tal comoPlatao queria provar, que as coisas tem propriedades definidasantes mesmo de serem medidas. Imagine-se uma situa<,,:aoespecialna qual ocorrem duas particulas das quais conhecemos a soma desuas quantidades de movimento e a diferen<,,:ade suas posi<,,:6es...

Donald _ Nao entendo uma palavra - 0 que tem isso a vel' com Platao?

Charles - Bem, depende do modo como voce quer discutir um filosofo.Voce quer vel' somente como ele trata os adversarios, dado 0

conhecimento de seu tempo, ou quer s,lber em que medida suasideias tem correla<,,:ao com uma epoca subseqiiente? A primeiraaproxima<,,:ao e muito interessante, mas penso que a segunda sejaainda mais. Antes de tuclo, uma argumenta<,,:ao e como uma bata-

4. 0 anigo "Can Quantum Mechanical Description of physical Reality be ConsideredComplete", publicado no Physical Review de maio de 1935, conhecido tambem comoParadoxo de E. P.R. oU "E. P.R. paper", que Einstein escreveu com Boris Podolsky eNathan Rosen, dirigia-se diretamente contra a interpreta<;ao cia Mecanica Quanticaaclotacla por Niels Bohr et altri, da chamacla Escola cle Copenhague, e clizia respeito itclescri<;ao completa de um sistema tlsico ou de uma situa<;ao real. Para 0 grupo do fisi-co dinamarques, as propriedades intrinsecas clas particulas apresentam valores proba-bilisticos e sua determina<;ao s6 ocorre ap6s a intera<;ao entre elas, n;\O corresponden-do, pois, tais propriedades a dados cle realiclacle. Usando um experirnento mental,Einstein e seus colaboraclores provaram que a visao de Bohr era incompleta, uma vezque deve sempre existir urna realidacle tlsica corresponclente a urna quanticlacle fisica,inclepenclente de qualquer perturb:u;ao ou intera<;ao.A despeito cia imediata replica cleBohr e das considera<;6es sobre sistemas isolaclos ou nao clo postulaclo cia cornplemen-tariclacle, clas perturba<;6es nao-locais, etc ... , eo problema da causaliclacle e da indeter-mina<;ao que est:\ subjacente a essa controversia, a qual continua em nossos clias napauta da cliscussao sabre os fundamentos cia tlsica.

Iha. Uma das cluas partes e clerrotada - cladas as armas da epoca.Mas as armas muclam constantemente.Aprenclemos coisas novas,a nossa matematica torna-se mais complicada, pOl' um lado, poremmais simples, pOl' outro - 0 que requer paginas e paginas dedemonstra<,,:oes, antes que possa ser tratado numa linha ou duas -modifica a nossa instrumenta<,,:ao experimental, e assim pOl' clian-te. POl'tanto, uma ideia derrotada hoje, pocle ser uma ideia queamanha se revelara como justa - pense ha ideia cle que a Terraesta em movimento. Dai, e muito interessante que Platao, em sua

,. tentativa cle refutal' Protagoras, procluza uma teoria cla percep<,,:aoque clemonstra, '10 menos para nos, em que medida Protagorashavia antecipado uma teoria do seculo xx.

Donalcl - Mas qual e essa teoria do seculo?

1.1 Jiang - Bem, e um pouco clificil de explicar - YOUtent'll'. Sem cllividafaz senticlo falar clas rela<,,:oescle incletermina<,,:ao.

Leslie - Sim, Hasenberg.

1.1 Feng - Heisenberg. Bem, para exprimir-se de maneira simples, taisrela<,,:6es clizem que nao se pode conhecer seja a posi<,,:ao seja aquantidacle de movimento ...

Donalcl - 0 que e essa quantidade de movimento?

LI Feng - Alguma coisa semelhante ;lvelociclacle - pense nela simples-mente como velociclacle. Seja como for, nao se pode conhecercom absoluta precisao quer a posi<,,:aoquer a quanticlacle de movi-mento de uma particula. Se se conhece muito bem uma delas, aantra torna-se mais vaga, e vice-versa. Portanto, e possivel interpre-t'll' tais rela<,,:oes de v;lrios moclos. POl' exemplo, pode-se dizer: aparticula esta sempre numa localiza<,,:aoprecisa e tem uma veloci-clade precisa, mas nao se pode conhecer ambas '10 mesmo tempo,pOl'que qualquer mensura<,,:ao efetuacla numa moclifica aquilo quese pocleria saber da outra,

Al'Ilokl - Entao, se conhe<,,:omuito bem a posi<,,:aode uma particula e pro-j' curo meclir sua velociclade, essa tentativa anulara 0 meu conheci-Lli mento da po,;,ao'ri II,,," - Ii po"',,l dim '''0

~i:'"

Leslie - Estranho!

Li Feng - Ora, h{t uma outra interpretac;;to das relac;6es de indetermina-c;ao.Ela afirma que a propria particula, e nao 0 conhecimento quedela temos, torna-se indefinida. POl' exemplo, se com algum expe-diente se consegue determinar sua quantidade de movimento comabsoluta precisao, entao n;to se sabe nada de sua localizac;ao, mas eimediato que nao exista mais nada que se assemelhe a uma posic;ao.

Donald - Entao nao e uma particula.

Li Feng - Pode-se dizer assim. E aquilo que ha pouco falei da posic;ao eda quantidade de movimento aplica-se a muitos outros pares degrandezas fisicas, pOl' exemplo, as componentes x e y do momen-to angular de uma particula. Um par de grandezas que nao podeser determinado em conjunto e dito par de grandezas complemen-tares.A posic;ao e a quantidade de movimento saGcomplementaresnesse sentido, ou, antes, qualquer componente da posic;ao numacerta direc;ao e complemental' a componente da quantidade demovimento na mesma direc;ao. Ora, Einstein e seus colaboradores

construiran1 Ull1caso ...

Charles - Um experimento imagin{trio?

Li Feng - Sim,era um experimento imaginario quando Einstein 0 introdu-ziu pela primeira vez - que depois se tornou um experimento real.Bem, Einstein construiu um caso especial pOl' cujo intermedio pro-curou demonstrar que a propria teoria qU;l11tica,tomada em conjun-to com assuntos triviais, implica que as grandezas complementarestem valores simult;l11eosprecisos. Estou procurando explicar a argu-mentac;ao, mas me interrompam caso nao compreendam.

Leslie - Nao se preocupe, nos 0 faremos com certeza.

Li Feng - Einstein toma duas particulas, ReS, e presume que se conhe-c;atanto sua distfmcia quanta a soma de suas quantidades de movi-

mento.

Donald - Mas nao podemos saber ao mesmo tempo a localizac;ao e avelocidade - voce 0 disse h{tpouco!

Li Feng - Tem absoluta razao. Mas podemos conhecer certas combina-c;6es das duas, por exemplo, a difereru;:ade posic;ao das duas par-

ticulas, que e, pois, sua dist;mcia, e a soma de suas quantidades demovimento - trata-se de dois valores que podemos conhecercom absoluta precisao.

Li Feng - Bem, tome como valido 0 fato de que conseguimos isso, deoutro modo nao poderemos ir para a frente. Ora, suponhamos queR se encontre perto de nos e que S se mova tao longe que naoesteja mais interessado de nenhum modo com 0 que fizermos nasvizinhanc;as de R. Ora, mec;amos a posic;ao de R, coisa que poc!e-mos fazer com absoluta precisao.

Bl'uce - Nenhuma medida goza de uma precisao absoluta - ha sempreuma margen1 de erro.

I.i Feng - Lembre-se que este e um experimento imaginario concernen-te a teoria quantica! Aqui, "precisao absoluta" significa que nenhu-ma lei da teoria quantica e contradita quando se consegue tal pre-cisao. POl'isso medimos a posic;ao de R - conhecemos a distanciade ReS e podemos inferir nao so a posic;ao de Sapos a men sura-c;ao, mas tambem sua posic;ao imediatmnente antes da men-surac;ao, pOl'que S esta de tal modo distante que a realizac;ao deuma medida sobre R nao pode exercer nenhuma influencia. E,paraa mesma regiao, podemos ainda dizer que Stem sempre uma posi-(:ao bem definida, quer a mensuremos ou nao, pOl'que seria possi-vel efetuar a mensurac;ao em qualquer momento. 0 mesmo argu-mento aplicado a velocidade diz aqui que S sempre teve umaquantidade de movil1wnto bem definida - de modo que sem-pre houve uma posic;ao e uma quantidade de movimento bem defi-nidas, contrariamente a segunda interpretac;ao das relac;6es deindeterminac;ao que forneci h{tpouco.

JIIl'I< - Bem, obviamente deve-se pOl' de lado aquela interpretac;ao.

Ll Jlt:ng - Mas nao podemos faze-Io! Ela foi introduzida pOl' um motivopreciso. E a (mica interpretac;ao em condic;6es de conciliar resul-tados experimentaisaparentemente conflitantes.

LeNllt· - Entao devemos simples mente dizer que uma mensurac;ao inte-ressa a um objeto, mesmo que esteja muito distante ...

Charles _ 0 que e muito semelhante ao exemplo dos dados - as coisasmudam, embora nada seja adicionado e nada seja retirado ...

Li Feng _ A menos que se fac;:aaquilo que se fez l;l - declarar que aposic;:ao e a quantidade de movimento sao relac;:oes,nao proprie-dades inerentes as particulas, e nao simples relac;:oesentre coisasque tem propriedades est;lveis independentemente das relac;:oes,mas relac;:oes entre coisas cujas propriedades sao, em parte, cons-tituidas pOl' uma interac;:ao - exatamente como na teoria davisao desenvolvida pOl' Platao e pOl' ele atribuida a Protagoras.Penso que isso seja muito interessante, porquanto demonstra queas argumentac;:oes de Platao contra Protagoras podem ser volta-das tambem contra a mednica quantica que, seja como for, esta

bem consolidada.Donald _ Bem, eu n~lOtenho, com certeza, a menor ideia daquilo que

voce esta dizendo! Mas li 0 dialogo e Socrates apresenta refuta-coes muito claras da ideia que voce conecta a mednica quantica.1" /lromemos uma, somente: a tese diz que "0 conhecilnento e per-

~ !cepc;:ao". Ora, eu olho para voce, eu 0 percebo e sei que voce e~i voce. Fecho os olhos e sei ainda que voce .e~oce, embora eu n~oI 0 perceba mais. "Assim,pOl'tanto - conclUl Socrates - a asserc;:aoI ~. / .•\ de que 0 conhecimento e a percepc;:ao consutuem uma so COlS,l

implica manifesta impossibilidade" .Agora, 0 que diz disso?

David (excitado) - Que voce nao leu 0 suficiente.Va adiante algumas

linhas!

Donald - Ate aonde?David _ Ate depois da linha que voce acabou de citar! 0 que diz ela?

Donald (Ie) _ "Aqui nos afastamos do argumento sem tel' conquistado avitoria e cantamos como um galo que nao serve para nada" .Nao

compreendo.Bruce _ E muito simples.Ele diz que as argumentac;:oes apresentadas ate

aqui sao apenas uma mistificac;:ao.

Donald _ POl'que iria fazer uma coisa desse genero? Primeiro construi-ria uma certa quantidade de contra-argumentac;:oes - de fato, estanao e a {mica - para depois dizer que nao tem nenhum valor?

Dr. Cole - POl'que assim faziam os sofistas, e ele que ria expor 0 seumodo de argument'll'.

Donald - Isto e, mediante 0 usa do contra-exemplo?

Dr.Cole - Exatamente.

Donald - Mas nao e isso que se bz na ciencia, sugerir hipoteses e usarcontra-exemplos para falsificar?

,Jack - Depende! Peguem a afirmac;:ao "todos os corvos sao negros".Como e refutada?

Donald - POl'um corvo branco.

,Jack - Eu imagino um corvo branco.

Donald - Nao, pOl' um corvo branco de verdade.

,Jack - Eu pinto um corvo branco.

Donald - Obviamente nao um corvo pintado.

Jack - E exatamente 0 que diz Socrates. Fechando os olhos, ainda conhe-cemos, mas nao percebemos mais; da! pOl' que a consciencia naopode ser percepc;:ao - esta era a argumentac;:ao.Olhando um corvopintado, vemos que e mn corvo, mas que nao e negro, de modo quenem todos os corvos sao negros. Qual e 0 erro? Fomos guiados peloacordo ou pelo desacordo entre palavras. No caso dos corvos naoe suficiente descobrir que ha um corvo corretamente descrito 'Pelapalavra "branco", devemos tambem saber que genero de brancuraqueremos - e isso nao e uma coisa simples (suponhamos que umgrupo de COl'VOSperca a cor pOl' causa de uma molestia - comoconsideraremos tal evento?). No caso do conhecimento, nao bastadescobrir que ha um conhecimento nao-perceptivo, devemos deci-dir que genero de nao-percepc;:ao queremos. Ora, um filosofo queiclentifica 0 conhecimento com a percepc;:ao (e e cluvicloso queProtagoras 0 tenha feito) pocle tel' uma noc;:aocle percepc;:ao muitomais sofisticada, e entao precisara aprofunclar-se um pouco mais nateoria. POl'exemplo, muito provavelmente de nao presumir,'t que amemoria (entendicla em senticlo simples) e a percepc;:ao sejampouco mais ou menos a mesma coisa, visto que de tera Ulilllteoriada memoria tanto mais complicacla quanta a teoria cla percepc;:aoque aqui, Li Feng, ha pouco, associou a teoria quantica.

f . ?Donald _ Isso signit1ca que a falsificac.,:aonao unClona.

Charles _ Oh, n:w, funciona, mas e um processo sobretudo comple~o. Os~ ~ fi ientes podem ser tao qm-simples contra-exemplos nao sao su 1C -

mericos quanto os COl"VOSpintados e, notem, trata-se de uma ql~es-tao conceitual! Nao estamoS falando das observac.,:oes,mas do t~p~de entidades que lhes sao conexas; estamos falando de meta~s1ca.Qualquer boa refutac.,:aoimplica juizos metafisi~os! SOCl-at~sd1~que

. conlb1"1nr:1'lS coisas de mane1ra nova, da1por queunla teona nova ' , , d'a refutac.,::woperada por uma comparac.,:aoque usa palavl-as,~on 1-zentes com 0 velho ordenamento e uma critica desleal. A cnt1c~ deEinstein, Podolsky e Rosen era desleal, precisamente nesse sent1do.

Donald (desalentado) - Entao devemos recomec.,:artudo desde 0 inicio.

D" C I _ Acho que sim (olhando para 0 re16gio). - Mas penso queL 0 e ~ resta

devemos proceder um pouco mais velozmente, ~lao no.s .. . la proxinn vez eu gostaria de cont1l1uar d1scut1l1-nll11tote1upo, e 1, '

do a respeito de John Searle. POl"tanto,permitam que eu enumere

d '"'e de critiC1Slevantadas por Socrates ...a segun a sen 'Donald _ E essas criticas sao verdadeiras, nao sao criticas fingidas?

Dr. Cole _ Sao verdadeiras. A primeira critica diz respeito ao futuro"

Maureen _ Mas aquela, a segunda, vem muito depois.

D Cole _ Bem eu l)reflro trata-la agora, pOl'que e uma questao muitor, , '" 178. sim )les. Siga1uate 0 fim da pagina 177 e adiante, ate a pa~1l1~ .

I .;- hs que a nlalOna dosSegundo Protagoras, as boas le1s sao aque , ,cidacl:w reputa como tal. Mas os cidadaos pensam tambem q~e ~~boas leis sao aquelas que fazem a cidade prosperar - que e, ah-

. 1 0 motivo l)elo qual elas foram introcluzidas. Ora, 0 que aconte-n,l , " 'd . l)or

1 S leis que pareciam boas aos leg1sla ores, e quece quanco a .isso eram boas para eles, resu1tam ser a ruina da cidade?

. tece quando leis objetivamente acabam resultandoLeshe - 0 que acon 'na ruina da ciclade?

Donald - 0 que pretende dizer?

L 1· _ Bem e obvio que Platao tinha em mente alguma alternativa. Ele

es 1e , , 1 A' seJ'am't ca Protagoras pOl"que acredita que as ideias p atOl11cas

., ,1a , , . 1" 1 tonicasmelhores do que as opinioes protagoricas" Mas,as 1Ce1asp a ,

defrontam-se exatamente com 0 mesmo problema. Sao verdadeiras,objetivamente vatidas, para empregar essa palavra que sempre saltafora quando alguem quer reprimir os outros, mas nao quer assumira responsabilidade pessoalmente - e 0 resultado e lun desastre.

Dr. Cole - Bem, suponhamos que tenha razao. 0 proprio Platao deveenfrentar um problema, mas nao e tambem um problema paraProtagoras?

.Jack - Nao acho. Ha alguns anos a gente dizia:"Estas leis parecem boaspOl"quesao boas para nos". Agora dizemos:"Estas leis parecem maspOl"quesao mas para nos". Nao existe nenhuma contradic.,:ao,exata-mente como nao existe nenhuma contradic.,:aose eu, na terc.,:a-feira,digo: "Sinto-me bem e por isso estou em forma", e na quarta-feira:"Sinto-me mal e por isso nao estou em forma".

Arnold - Mas se as coisas sao assim, vejo um outro problema, bastantediferente. Como sed possivel instaurar um debate? Para instaurarum debate, A deve estar em condic.,:oesde dizer qualquer coisa quecontradiga aquilo que diz B.Isto significa que tudo quanto dizem Ae B deve ser indepenclente do estado mental de cada um deles.

,101ek - N:lO,para instaurar um debate e suficiente que tudo quanta diz Bse afigure aA diverso daquilo que ele diz.Ademais, essa condic.,:aoe tambem necess{lria; se A e B se contradizem "objetivamente",mas nao se dao conta, entao nao havera debate. As ideias platoni-cas devem deixar urn trac.,:ono munclo em que vivenl0s, mas umavez que 0 tenham deixado podemos continuar sem elas.

MOilireen- Mas, se isso e aquilo que penso, como pocle conseguir con-vencer uma pessoa e por que voce quereria persuadir alguem?

,IlICk- Julgo que Protagoras fornec.,:aa resposta quando compara 0 retor aurn medico, mas a um medico que usa como remedio palavras emvez de pilulas. Um filosofo encontra uma pessoa que, segundo ele,precisa ser melhorada. Aproxima-se clapessoa e the fala. Se realizabem seu trabalho, 0 papo funciona como urn remedio e moditlcaquer as ideias, quer a atitude geral da pessoa que parecia transviada.

MlIlIl"ccn- Mas essa llltima frase, isto e, "0 papo funciona como umremedio", e alguma coisa que e, mas que nao parece a ninguem ser.

Jack - Oh, naol Se 0 filosofo realiza bem seu trabalho, entao pareceritanto a ele quanto a seu paciente que 0 remedio funcionou, epareceri tambem assim a um sociologo que indague sobre 0 fato_ muito embora ninguem tivesse necessidade dele, visto que 0

filosofo e seu discipulo podem alcanc;:ar 0 acordo sem tais infor-

mac;:oesadicionais.Maureen - Quer dizer que 0 criterio llitimo e a sensac;:aode bem-estar

que ambos experimentam?

Bruce _ Bem, nao sedl isso, talvez, verdade com respeito a todos osdebates teoricos? Voce tem alguma teoria altamente abstrata, asaber, Hegel na filosofia ou a supergravidade na fisica.As pessoasnao falam.Voce observa a conversac;:ao a dist;l11cia.Voce nao com-preende uma palavra, mas ve que as coisas transcorrem tranqiiila-mente - as pessoas nao estao de acordo, mas parecem saber 0

que fazem. Parece-lhe que sabem sobre 0 que estao falando, embo-ra para voce seja completamente ininteligivel. Ora, objetivo ounao,o criterio de compreensao que usam na vida pritica em ma-teria altamente abstrata consiste no fato de que 0 assunto to do seabre diante de voce, e que voce e capaz de mergulhar nele sem

encontrar resistencia.

Jack _ Pode-se dizer a mesma coisa a proposito da teoria fisica. Hi a teo-

ria e hi os experimentos ...

Li Feng - Todas essas coisas podem ser feitas pelo computador ...

Jack - Sim, e verdade, mas a pergunta e - pOl' que temos todo esse ins-trumental? - e aqui entram em jogo os jUizos pessoais ...

Li Feng - Sim,na periferia ...Jack _ N;lOimporta aonde chegam - SaGdecisivos! Se os cientistas, de

repente, se aborrecessem daquilo que estao fazendo, ou se come-c;:assema tel' alucinac;:oes cada qual a seu modo, ou se 0 ptlblicoem geral se convertesse ao misticismo, entao a ciencia ruiriacomo um castelo de cartas. Ora, os juizos pessoais que sustentama fisica SaGfreqiientemente tao ocultos e tao automiticos que, naaparencia, tudo e cileulo e experimentac;:ao. De fato, eu diria quee exatamente esta falta de reflexao que cria a impressao da objeti-vidade! Aquilo que permanece implicito e uma forma de juizo

pessoal, ou uma faIta de juizo. Creio que existe tambem um livrode um fisico ...

Arthur - Um fisico-quimico - Michael Polanyi; voce esti falando dolivro que ele escreveu sobre 0 Conhecimento Pessoal ...

Maureen - Estou muito preocupada com esta conversa. Qualquer queseja a coisa, ela parece reduzir-se a impressoes que as pessoascomunicam. Mas, entao, nao tenho que me haver com ninguemmais alem de mim mesma.

Arnold - Voce se refere ao solipsismo, a ideia de que existe somentevoce e que todo 0 resto e apenas uma parte variegada de sua per-sonalidade?

Maureen - Sim,mas provavelmente a inteira verdade nao se reduz a isso.

kslie - Esti segura?

.Jack - Seja como for, Protigoras nao diria isso. Ele diria, estendendo amao, que e sua mao, que sua mao e diferente da ideia de mao, e queambas SaGdiferentes da pessoa em frente da qual ele se encontra.Mas acrescentaria que sabe de tudo isso grac;:asa experiencia pes-soal, sem tel' Olltra fonte. De fato, mesmo que diga: "Eu Ii isso numIivro", ele se baseia ainda na sua impressao do livro, e assim pOl'diante.

Ma ureen - Mas isso nao significa, talvez, que ele conhece apenas a exte-rioridade das pessoas - mas somente aquilo que delas 0 toca ...

Gaelano - Bem, permita-me inverter a situac;:ao!Voce jamais conheceualgo alem da exterioridade das pessoas? Deixe que eu Ihe fac;:aalgumas perguntas. Chegou a vel', alguma vez, um seu amigo deperto ou de longe, sem que voce percebesse que era exatamenteseu amigo?

MUlIl'ccn - Sim, cheguei e foi muito desconcertante. Uma vez vi umbom amigo meu em pe numa livraria, a uma certa distancia demim e pensei: "Que aspecto desagradivel tem aquela pessoa!" -Depois 0 reconheci.

CSIlt'lallo - Eo que aconteceu?

Mlllll'('t'n - Bem, e uma pessoa muito doce, e assim me pareceu quandoo reconheci.

Gaetano - E 0 que me diz da outra impressao?

Maureen - Foi apenas urn acidente.

Gaetano - Por que durou pouquissimo tempo?

Maureen - Sim.

Gaetano - Evoce est~lcerta que outros jamais 0 tenha visto desse modo?

Maureen - Bem, de fate nao sei; foi uma experiencia muito perturbadora!

Gaetano - Mas essa experiencia, e aquela outra, e as suas lembran<;,:as

nao representam tudo 0 que ha?

Maureen - Sim.

Gaetano - E adquirir conhecimento significa criar uma especie de

ordem nesse conjunto ...

Dr. Cole - Pen so que seria melhor voltar ao di~llogo,visto que algumasdas perguntas de voces podem encontrar uma resposta l~l.Pen soque Platao cliria que nem sempre a gente est~lem condi<;,:oesclecriar 0 justo tipo de orclem - para isso e preciso um perito. Esteeo ponto principal. Nem toclos conseguem julgai"- 0 especialis-ta sim. Por exemplo (ze) "0 cozinheiro ser~lum juiz melhor clohos-pecle que nao e cozinheiro sobre 0 prazer que ter~l cia ceia que

esta senclo preparacla ..:'

Davicl - Bern, nao cleve ter visitado muitos restaurantes! Ontem cominum restaurante frances, os criticos 0 haviam elogiado, algunscozinheiros cle outros restaurantes tambem, era recomenclaclo atepelo Time Magazine, e 0 que sucecleu? Eu quase vomitei!

Charles - Precisamente! E os especialistas sao, talvez, melhores "em simesmos"? N~lo,sao melhor trataclos e melhor pagos pOl"que mui-tissima gente cre naquilo que eles clizem e pOl"quea muita genteparece born ter urn especialista que the diga 0 que fazer.

Leslie - Bern, ao que parece, as criticas "verazes" nao sao, afinal, tao

melhores que as simulaclas.

Dr. Cole - Esperem urn minuto - nao haviamos terminaclo aincla!Concordo que algumas coisas sustentaclas por Socrates nao saonluito convincentes - mas ha, no caso, tanlbem, outros argumen-tos! Por exemplo, Socrates argument a que 0 principio de Prota-

goras se auto-refuta.

Fantasia Platonica © 53

Jack - Com 0 que ter~lvida dura! Socrates define como "primorosa" essaa1~gl~me~nt~1<;,:ao,maseu enxergo ai apenas urn ingenue 10gro.Vejamso. A pag111a170, cita Protagoras, pOl"que quer refuta-lo com asproprias palavras dele. Cita-o quanclo diz que, para um homem asCOis,~ssao como the aparecem5. E, notem, ele nao diz que as ~Oi-sas sac como aparecem ao homem, mas que, para ele, sao comolhe aparecem.

1)1-.Cole - Sim, Prot~lgoras diz isso.

Jack - Ora, se entenclo corretamente 0 raciocinio, ele salienta que mui-tas pessoas nao compartilham cle tal convic<;,:ao.Nao clizem, comefeito, "as coisas para mim sac como me aparecem", nao se preocu-pam com aquilo que lhes aparece, na maioria das vezes, nao ternuma opiniao propria, seguem precisamente a cle urn especialista.

Davicl - Bern, a eles parece que os especialistas possuem a verclacle.

Jack - Nao e esse 0 ponto que me interessa. Diante cia maxima cleProtagoras, a maior parte das pessoas alegm"ia,segundo Socrates, naoser medicla, e os proprios peritos cliriam "nos, sim, e que sabemosaquilo que clissemos, e ninguem mais". Nao e 0 que clizSocrates?

I)r. Cole - Nao com essas palavras, mas 0 senticlo e esse.

.lack - E depois, perto clo fim, Socrates cliz que isso significa que 0mesmo Prot~lgoras, com base em seu proprio principio, cleveaclmitir que seu principio e falso - notem, nao falso para essaspessoas, ou falso para esses especialistas, como cleveria clizer,aten-clo-se a enuncia<;,:aodo principio,mas simplesmentefalso.Bem-repito-o - isso nao e uma argumenta<;,:ao,e urn logro.

Sddenb~rg - Nao pode ser a interpreta<;,:aojusta! Nao digo que Plataonao usa nunca algum truque, mas se quisesse embrulhar-nos~o~o voces americanos dizem, nao 0 teria feito de modo quas~111genu~.Vejam! Quando introduz pela primeira vez 0 principiode Protagoras, toma 0 cuidado de juntar "para ele" tambem noexemplo que fornece: 0 vento e frio para ele que sente frio, mas

S,icrat~~,pergunta aTeeteto, em 152 b: "Esse aparecer nao e a mesma coisa que ser per-(·('hlda. , ao que seu interlocutor responde: "Exatamente".

nao para ele que sente calor ... e assim pOl' diante. 0 mesmo valepara 0 trecho que 'estamos ora discutindo. Ele come<;:adizendoque, como as coisas aparecem para um, assim sao para ele. Dai, sedeixa cair a expressao "para ele", deve tel' uma razao para faze-Io.

Jack - Gostaria de saber qual e.Seidenberg. _ Bem, YOUexperimentar. (Voltando-se para jack) Nao

tenho seu preparo 16gico e pode suceder que eu cometa erros,mas YOUexperimental'. Entao, Protagoras diz: "As coisas para umhomem sao como the aparecem" ou, com uma simples troca," Paraum homem e verdade aquilo que the aparece". Ou ainda, "Aquiloque para um homem patTCe nao ser nao e verdadeiro para aquele

homem" .De acordo?

Jack - Sim, continue.Seidenberg _ Podemos dizer de outro modo, tomando as duas coisas

em conjunto, que Prot;lgoras enuncia a equivaWncia de "Ax pare-ce que p" e "E verdade para x que P" .Tenho razao ate aqui?

Dr. Cole - Direi que sim.Seidenberg _ Agora, quero imitar seus logic os (voltado para jack) -

denomino essa equivalencia P. Suponhamos agora que alguem

negue P.Socrates, pOl' exemplo.

Jack _ Bem, entao a ele parece que nao-P e, pOl' isso, para ele e nao-p'de

acordo com 0 principio.

Seidenberg _ Pode acontecer. PocIe acontecer que ele diga nao-P segun-do 0 principio, mas dizendo-o, nao importa segundo qual princi-pio, ele nega 0 principio. Aten<;:ao,ele nao 0 nega universalmente.Ele nao diz "Para mim P nao e jamais verdadeiro" ou "Para todas asproposi<;:oesp e para todas as pessoas x e falso pot'que se a x pare-ce que p, entao p e verdadeiro para x" - ele diz simplesmente"Para mim P' e falso" ,0 que significa que para ele ha algumas pro-posi<;:oes para as quais a aparencia de serem verdadeiras parauma pessoa nao as tornam verdadeiras para aquela pessoa.Socrates certamente nao queria negar P para as asser<;:oessenso-riais _ nesse caso, parecer verdadeiro e, de fato, ser verdadeiro, e

ele mesmo 0 diz.

Jack - E entao?

Seidenberg - Bem, segundo Protagoras, para uma pessoa as coisas saocom~ ll~e aparecem. Assim, de acordo com Prot;lgoras, algumasaparenClas (para Socrates) diferem das correspondentes verdades(para Socrates). E entao, segundo Protagoras, P nao e verdadeiro -pat'.a ele, para Protagoras mesmo. 0 (mico modo de sail' do apertoS~~ta0 de negar que duas pessoas possam jamais tel' uma so opi-mao sobre ~ proprio enunciado, mas nesse caso, 0 seu principio,que se sup~e v:ler para toda proposi<;:ao sustentada pOl' qualquerpessoa e nao so para as proposi<;:oes sustentadas pOl' Protagoras,cessa _de t~r signifIcado. Portanto, e verdade que Platao exprime aquestao dtzendo que 0 principio e falso - ponto e basta' mas elepocle faze-Io,de fato, uma vez que "verdadeiro para"ficou ~eparadode "parece a", e nao existem razoes ulteriores para conservar 0

"para", pot'que havia sido introduzido somente pOl' analogia como aparecer. De modo que, para mim, a argumenta<;:ao e efetivamen-te decisiva.

Bruce - ~em, eu nao estou tao convencido. Nao digo que sua interpre-ta<;:aodo argumento nao seja con'eta, mas todos os dois - ele ePlatao.-~r~correm a um pressuposto relevante. Suponham queum pnnCtplO, ou um procedimento, deva ser abandonado quan-do, aplicado a si mesmo, conduz a um absurdo ou a uma contradi-<;:ao.Trata-sede um pressuposto muito discutivel.Tanto assim que,P:l1'~lcome<;:ar,pode ser que Protagoras nao quisesse usar seu prin-CtplOdesse modo.

Dr. Cole - Nao estou seguro disso. Protagoras era um sofista, e os sofis-tas eram mestres na constru<;:ao de argumenta<;:oes insidiosas.

Charles - Entao separemos 0 principio de Protagoras da interpreta<;aoque ele the da. 0 que podemos fazer com esse principio? A refuta-<;:aoque ha pouco ouvimos deve ser aceita?

Bruce - Nao, pot'que nao e necessario aceitar a regra segundo a qual umprincipio cuja auto-aplica<;:ao cria dificuldades deva ser abandona-do.Vejam 0 enunciado no espa<;:oabaixo:

Lendo 0 enunciado, posso inferir que e verdadeiro, e se e verdadei-1'0,entao e falso, e se e falso, entao e verdadeiro - e assim pOl'dian-te.Trata-se, ainda, do velho paradoxo do mentiroso tal qual.Algunsconcluiram que a auto-referencia e evitada; um enunciado naodeve jCl111Clis falar de si mesmo. POl'exemplo, nao devo nunca pro-ferir um enunciado como "Estou falando humildemente". POl'que?POl'que se presume que todos os possiveis enunciados de uma lin-guagem j{lforam pronunciados e existem como sistema abstrato.Naturalmente, introduzir a auto-referencia em tal sistema cria difi-culdades. Mas as linguas de que falamos nao se identificam comtais sistemas. E seus enunciados nao existem ja, SaGproduzidos uma um quando falamos, e as regras da linguagem tomam forma, con-seqiientemente. Suponhamos que eu diga: "Amelancolia rosa tre-pava sobre a colina". Tem sentido? Num sistema tidnico no qual sepresume que os nomes das cores sejam atribuidos somente aosobjetos materiais, nao. Todavia, e possivel introduzir uma novamocla poetica, posso emitir essa assen;:ao para comunicar 0 estadode animo de um sonho ao meu psiquiatra - e e muito provavelque ele compreenda aquilo que quero exprimir - posso dize-lo auma estudante de canto para ajud{l-laa impostar a voz - e, creiam-me, os maestros de canto usam realmente asser<;:oesdesse tipo, ecom grande exito! E, em cada um desses casos, nao seguimossomente as regras, mas as constituimos e as modificamos com 0

nossO modo de pro ceder.

Gaetano _ Isso e muito interessante. Estou estudando agora a teoria daharmonia e da composi<;:ao.Bem, aqui SaGos professores que for-rnulam regras, fornecem a seu prop6sito algumas razoes abstratase insistem para que todo mundo siga essas regras. Dando umaolhada na hist6ria, encontram um saco de exce<;:oespOl'quanto oscompositores violam constanteluente as regras. 0 que fazemesses professores? Ou criticam os compositores, ou tornam asregras cada vez mais complicadas.Walter Piston, em sua teoria daharmonia, procede de um modo diverso. Nao desmentirei jamaisuma das frases com que exprime sua atitude. "Amllsica - diz ele_ e 0 resultado da composi<;:ao e nao da aplica<;:ao de regras".Ora, sabe-se que a linguagem e 0 produto do discurso e nao da

Fantasia Plat6nica © 57

aplica<;:ao de regras; pOl' isso nao se pode julgar uma linguagemc~m b~se naquilo que acontece quando congelamos uma parte ea msenmos num computador.

Arthur - Desejaria acrescentar que a ciencia e 0 resultado da pesq .- d b _ Ulsa,n~o a 0 serva<;:aode regras, e pOl' isso nao se pode julgar a cien-Cla com base em abstratas regras epistemol6gicas a ment . _ ' os quealS re.gras nao sejam 0 resultado de uma prtiticCl epistemol6gica

especlal e constantemente mutante.

Jack - E,entao, para que fins servem as demonstraroes conlO a d_ . ." enlons-tra<;:aoda mcompletitude de GodeP6 0 d -

• • A • U a emonstra<;:ao maisslmples da mcoerencia do caleulo proposicional?

Gaetan,o ~ Eu estava pensando nisso. Essa demonstra<;:aonao diz respeitoas lmguagens faladas, pOl' exemplo, nao se refere as linguagens queenlpregam /os numeros mas a suas reconst' -" ., .' ru<;:oes10l'malS, e elamostra que tars reconstru<;:oes SaGlimitadas d ., e uma manelra preci-sa. Se a gente resolve ater-se a certas regr'as nao . 1/ _. ' Importanc 0 0 quesuceda, e entao mevitavel incorrer em toda sorte de obstaculos.

Bruce - ESS'lSSaGex I '1 -. " ce entes 1ustra<;:oes daquilo que eu queria dizer'Aphcando a postura de um compositor ou de q f I / ., . /. uem a a uma lm-glU ao pnnclplO de Protagoras seriamos I d' . /, eva os a consldera-locomo um~ regra empirica cujo significado emerge do usa e nao eestabelecldo de antemao. Os argumentos de S/ t ._ f . ocra es, 1)01'lSS0nao re utalU 'I . . . 'ore atlvlsmo. Refutam a versao pI tA

• d ..c a omca 0 relatlvls-mo onde as asser<;:oes;- - I'" nao estao 19adas a suas enuncia<;:oes, maseXlstem mdependentemente do discurso de mod_ ' 0 que unla novaasser<;:aopode converter a precedente numa farsa.

Illd, - Bem se voce d .d .I , eCl e confecclOnar suas asser<;:oesa medida que

procede, entao, naturalmente, ninguem po de refuta-lo.

Mlhur - Nao e de todo assim' 0 I -"te " ,,' comp exo de asser<;:oesdenominadoOl1ade Newton sofreu mudan<;:aspOl' obra de Euler Bernoulli

Lagrange ~ Hamilton; num certo sentido, era a mesma t~oria nun~certo sentldo nao era e . ',no entanto, ao flm, os cientistas individua-

I'/'O{ltl de COdel, de Ernest Nagel e ]anles N .I

' . eWl11an tradU("1O b' '1' S''('('speetiva, 2" edi<;ao revista, 2001. ' , "". r,ISI elr;l, ao Paulo,

lizaram nessa estrutura nao muito estavel dificuldades bem defini-das. Se se adota a atitude pratica de Bruce, entao, naturalmente,cumpre modificar as proprias ideias sobre as rela<;:oesque inter-con-em entre uma teoria e suas dificuldades. Nao se pensara maisnuma teoria como numa entidade bem definida, que diz exata-mente quais as dificuldades que a colocariam fora de jogo; pensar-se-a numa teoria como numa vaga promessa, cujo significado econstantemente modificado e completado pelas dificuldades quese decidiu acolher.Ja haviamos falado disso ha pouco, quando sediscutia a respeito do enunciado "Todos os corvos sao negros" eda recusa oposta pOl' Socrates a primeira serie de suas propriascriticas. Num certo sentido, os logicos e os filosofos que se dei-xam guiar pOl' elas sao muito superficiais. Vejamos uma asser<;:aocomo a de Protagoras, interpretamo-la de um modo simplista e arefutamos triunfalmente! Mas esse procedimento teria matado aciencia ha muito tempo. Toda teoria cientifica interpretada emsentido literal est;l em conflito com numerosos fatos! Platao tinhaciencia des sa situa<;:ao,e de criticou a pratica da remo<;:ao fkil,mas depois deixou-se au-air pOl' ela e ele proprio a utilizou.

Charles - 0 que significa que devemos separar 0 relativismo daquiloque diz Socrates com 0 fito de refut;t-lo facilmente ...

Leslie - E daquilo que Protagoras pode ter-lhe retrucado, presumindoque ele estivesse tratando a asser<;:aoa maneira dos logicos.

Bruce - Justo. POl'isso penso que, p;ml discutir sobre 0 relativismo, e bomcome<;:arcom algum problema pratico. Quais sao as nossas inten-coes? Diria que um relativista deveria tel' a inten<;:aode proteger osindividuos, os grupos e as culturas das a<;:oescuja verdade julga tel'encontrado. E aqui gostaria de sublinhar duas coisas. Em primeirolugar a tolerfl11cia,nao 0 genero de tolerancia que declara: "Bem,aque-les estlipidos nao sabem nada, mas tem 0 direito de viver como lhesparece apropriado; pOl'isso deixemo-los em paz". Esse seria um gene-1'0 de tolerancia sobretudo desprezivel, se querem 0 meu parecer.Nao, a tolerancia do relativista presume que as pessoas toleradastenh;1111conseguido resultados pOl' conta propria e hajam sobrevivi-do gra<;:asa isso. Nao e facil expliGu-no que consistem os resultados.Certamente, pode-se filar de "sistemas de pensmnento" e de" sistemas

de vida" - 0 absurdo de tais suposi<;:oesaflorou mui clarmnente nocurso de nosso debate. Mas podemos isolar de modo aproximadouma fase pm1:icularde uma cultura e confronta-la com a fase pm-ticu-lar de uma outra e diversa cultura e chegar a conclusao de que 1111"k"lvida nu"lisou menos agradavel e possivel em ambos os casos. Natural-mente, 0 membro da cultura P pode sentir-se muito pouco a vontadena cultura Q, mas nao e essa a questao.A questao e que a pessoa quecresceu na cultura Q e que conhecera P,pode achar vantagens e des-vantagens e, ao fml, preferir P ao seu proprio modo de vida - e podeacontecer que haja ai bons motivos para essa op<;:ao.Em tais circuns-tancias, asser<;:oescomo: "Preferi a falsidade a vetdade", sao apenaspalavras vazias.

Arnold - Com respeito a isso nao posso concordar! Tome uma asser<;:aoqualquer; bem, ou e verdadeira ou e falsa, e nao importa 0 que agente pense. Concordo que 0 malvado possa ser feliz e 0 justoinfeliz, mas isso nao torna justo 0 malvado.

Charles - Voce teria razao se 0 mundo fosse igual em toda parte e naomudasse ao sabol' da corrente conforme muda 0 comportamentodas pessoas. Entao, sim, voce poderia dizer efetivamente que aquihi uma asser<;:ao que e uma entidade estavel, e que 1;1 h;t ummunclo que e uma Olltra entidade est;tvel, que existe uma rela<;:aoobjetiva entre as duas e uma ou "se soma" ou nao "se soma" aoutra, embora possa OCOlTerque eu nao saiba jamais qual elos eloiscasos se realiza. Mas suponhamos que 0 mundo ou, para usar umtermo mais geral, 0 Ser, reaja ao moelo pelo qual voce se compor-ta ou pelo qual uma inteira traeli<;:aose comporta, suponhamosque este reaja de maneira eliversa a aproxima<;:oes eliversas e quenao se conhe<;:a0 modo de con ectal' tais rea<;:oesa uma substfll1ciauniversal ou a leis universais. Suponhamos, tambem, que 0 Serreaja positivamente, isto e, encorajanelo a vida e confirmanelo averclaele em muitas ocasioes. Entao, tuelo 0 que podemos dizer eque, abordado cientificamente, 0 Ser proporciona aqui, um aposo outro, Ul11nl1111dofechaelo, um universo eterno e infinito, umagrande explosao, uma parede imponente de gaHixias e, no ftmbitomenor, um imutavel bloco parmenieliano, os atomos ele Dem6-crito, e assim pOl' eliante, ate 0 quark etc.Alem elisso, poc!emos

dizer que, abordado "espiritual1nente", ele nos oferece os deuses, enao apenas sua ideia, mas, sim, divindades reais e visiveis, cUj~Sa<;;5espodem ser seguidas pormenorizadamente - e, nessas Clr-

A' 'da e' encor'aJ'ada Bem num momento semelhantecunstanClas, a VI .,nao se pode afirmar que os deuses sejam ilus5es - eles existemrealmente, se bem que nao de modo absoluto, mas em resposta atipos especiais de a<;;ao,e nao se pode afirmar que cad~ c~isa ~be-dece e sempre tem obedecido as leis da mecanica quantIca, VIStOque tais leis eclodem so depois de haverem atravessado um comple-xo desenvolvimento historico;pode-se dizer, ao inves, que culturasdiversas e tendencias historicas diversas (no nexo aproximativo erestrito ha pouco introduzido) tem um fundamento na realidade, e

que 0 conhecimento e"relativo" nesse sentido.

Li Feng _ Voce esta, porventura, dizendo que 0 homem e medida comoo sao culturas inteiras, mas que tambem 0 Ser e medida e quequalquer que seja 0 mundo em que vivamos ele e 0 resultado da

intera<;;aoentre essas duas medidas?

Charles _ Sim, essa e uma otima fornmla<;;ao.Muitos cometem 0 erro desupor que 0 mundo surgido como resposta as a<;;5esdos ho~ensou a sua historia esteja na base de todas as outras culturas, so queos outros sao demasiado estiipidos para se aperceberem disso.Mas nao ha modo de descobrir 0 mecanismo pelo qual os varios

nmndos emergem do Ser.

Li Feng _ Essa liltima hipotese nao me deixa muito feliz - por que nao. .?

deveria ser possivel descobrir num belo dia esse mecamsmo.

Charles _ porque as descobertas sao eventos historicos - nao podemser previstas. Conhecendo-se 0 mecanismo de intera<;;aop~der-se~ia conseguir preve-Ias; por conseguinte, tal mecanismo nao serajamais conhecido. Exprimindo-se de Olltro modo, po~er-se-ia dizerque as a<;;5esda Natureza nao podem jamais ser prevlstas por umacriatura cuja vida se distende no tempo. Tal criatura pode prev~raquilo que sucede no interior de um mundo particular, mas naopo de preyer as mudan<;;asde um mundo para 0 outro.

Jack _ Gostaria de voltar a dificuldade sentida por Li F,e~g.diante d~impossibilidade de descobrir as leis do proprio Ser.E facil fornecer

exemplos de situa<;:5esque mostram os limites do conhecimento,ate mesmo segundo as leis de nosso universo finito.Tomemos, porexemplo,o estado puramente quantico da mesa que tenho diantede mim: para encontra-Io necessitaria dispor de um instrumento demedida maior do que 0 univel'SOinteiro e, se eu 0 tivesse, faria sal-tar no ar a mesa em vez medi-Ia. Interpretando nosso cerebro comoum computador, podemos efetuar conjecturas sobre sua capacida-de, e entao, diante dos fatos e das leis que conhecemos e aceitamos,certas coisas iriam alem de nossa compreensao. E agora, por que 0

Ser nao deveria reagir as a<;;5eshumanas com mundos que sao aomenos parcialmente compreensiveis aos seres humanos, permane-cendo, nao obstante, incompreensiveis em si mesmos?

Amold - Voce fala como se 0 Ser fosse uma pessoa.

Charles - Pode muito bem acontecer que ele seja - de fato, nao meoporia a pensa-Io como uma especie de deus-sive-natura, massem a constipa<;:ao spinoziana.

'Ij::''" Jllck - Ser{lpor isso que 0 relativismo equivale agora ao reconhecimen-

.·I.....·.,·.·..·.~.A .•••••~~... to de que nao ha uma natureza estavel, porem uma realidade inde-'. . terminada, nao cognoscivel em principio, 0 que pode refutar cer-

tas abordagens - algumas a<;:5espermanecem sem verifica<;:ao-~ mas deixa um espa<;:ode manobra maior do que tudo quanto os

realistas como Platao ou Einstein poderiam supor?

Charles - Penso que sim. Existem culturas diversas, e nem todas se com-poem de lunaticos ou funcionam em virtude de uma versao extre-ma do principio de Protagoras, mas antes existem pOl'que 0 Serpermite diversas abordagens e, entre certos limites, encoraja umrelativismo pratico: 0 homem, ou qualquer aspecto temporaria-mente estavel das varias culturas, e medida das coisas, tantoquanto 0 Ser the permite ser medida.AIem disso, 0 Ser deixa aosindividuos ou as culturas a quantidade de independencia que enecess{lria para ser medida nesse sentido restrito. Pode ocorrerque um (mico individuo, que tenha enveredado por numa sendasolitaria, "toque um ponto nevralgico" do Ser e forne<;:a0 estimulopara um mundo inteiramente novo. E simplesmente impossivelseparar a discussao sobre 0 relativismo e sobre a tolerancia da cos-

mologia ou ate da teologia - uma discussao meramente logica

nao so e ingenua, como nao tem nenhum sentido.

Dr. Cole _ Bem, Platao parece ser da mesma opiniao, pois em seguida,no Timeu, edifica uma cosmologia completa como base para

explicar 0 conhecimento ...

(Um indiv£duo de aparencia culta surge it porta) - Desculpem-me,

devo come<,;aragora a minha aula ...

Dr. Cole (olhando 0 rel6gio) - J{l?Chegamos apenas a metade do dialogo.

Donald (cmn voz lamentosa) - Com que resultado?

Charles - Quer dizer que voce nao aprendeu nada?

Donald _ Nao - tentei tomar apontamentos, mas voces saltaram aqui eali de um argumento a outro,foi um caos completo ...

Charles _ Quer dizer que um resultado e algo que pode ser transcrito?

Seidenberg (procurando mediar) - Mas olhem, lembrem-se de quandohaviamos falado do estilo de Platao e do motivo pelo qual ele se

opunha ao sabio erudito ...

Donald _ Quer dizer que, presumivelmente, tudo foi para 0 espa<,;o?

Charles _ Nao foi para 0 espa<,;o,mas tampouco ficou impresso nopapel ou na mente como uma lembran<,;a e uma atitude.

Donald - Nao e 0 que eu entendo pOl' filosofia ...

(0 indiv£duo de aspecto culto) - Voces sao filosofos? Nao e de espan-tar que nao tenham conseguido terminal' em tempo ...

Grazia (aparece it porta Ulna senhora atraente de basta cabeleira e

um marcante acento italiano) - E esta a aula sobre a teoria do

conhecimento?

Dr. Cole (visivelmente interessado) - Era, infelizmente acabou.

Grazia (desiludida) - POl'que estou sempre atrasada?

Dr. Cole (humildel1wnte) - Na realidade, a senhora nao perdeu muito.

Grazia - 0 senhor e 0 professor?

Dr. Cole (embarcu;ado) - Sim, mas nao quero ser um tirano ...

Fantasia Plat6nica () 63

Grazia - 0 senhor dei. xa as pessoas falarem? Ouve uma discussao? Eupodena tel' dito alguma coisa?

Dr. Cole - Se conseguisse calar os outros.

Grazia (com um olhar de sUherioridade) - B - .. y em, nao penso que tenastdo um problema. Sinto muito, de verdade tel' perdido 0 se . ,. ' rrwl~no ...(Grazia sai COlFtdr.Cole, conversando animadamente.Todos

joram el1zbora.Somente Donald jicou ali resmunaando) - E .D . . 1 ' 0 SS,lOta nun la ultima aula de filosofia Desse modo pe'd .. , 1 eret 0 ano.

Ao Termino de um PasseioNao-Filosofico entre os Bosques

11 (caminhando velozmente numa senda entre os bosques, fctlandopara si l11esl1lO)- Aah, finalmente adeus as aulas, agora s6 a luzdo sol e urn pouco de ar fresco. Que dia maravilhoso!

lIma ovelha It esquerda - Beeeeeeh.

11- Born dia.Voce acredita que pOl' trinta e cinco longos anos ganheio meu salirio fazendo exatamente aquilo que voce faz, pOl-emdiante de muitas pessoas?

11- Isso deixa voce perplexa, nao e verdade? (Senta-se; segue-se W11Zongo sitencio ...interr01npido por um rumor que soa como um)- Ooeiaa.

A (exausto, com wn grande embrulho de jornais e livros debaixo dobraf(o, aproxima-se lentamente) - Pro ... pro ...

U - Descanse.Venha sentar-se.

A - abr ... obli ... gado.

B - a que?

A - abrigado.B - Bem, 0 que faz aqui em cima? E com essa montanha de madeira

mortal

A - a senhor e 0 professor Feyerabend?

B-A-B-

A-B-

A-B-

Bem, eu me chamo Feyerabend.

Mas 0 senhor e 0 professor Feyerabend?

Nao fale tao alto! Nao e necessario que todos saibam como eu

ganhava a vida antes.

Do que tem medo?

Bem, muita gente, quando sabe que alguem e um professor, nao 0

trata como um ser humano normal, ao menos aqui na Europa.Aspessoas, sobretudo as "instruidas", desejariam logo me classificar:aha, um professor, um professor de filosofia, dai pOl' que ele sabeisso e faz aquilo, aborda questoes dificeis de tal modo; e, quandoessas pessoas me dao nos nervos e eu procuro ridiculariza-Ias, elasolham uma para a outra e pensam: "Bem, 0 tipico professor des-

cortes e presun<;:oso".

Isso nao e, talvez, um pouco paranoico?

E bem possivel que seja, mas, direi ao senhor, eu era muito maisfeliz como estudante, quando ninguem me conhecia e eu podiacantar, fazer brincadeiras, efetuar observa<;:oesimprudentes duran-te as discussoes, sem ser classificado segundo a posi<;:ao,0 grau, 0

estilo e 0 ponto de vista.

Nao entendo do que est;l se lastimando. a senhor e um filosofo e,naturalmente, as pessoas dispensam a um filosofo um respeitodiferente do que a um la<;:adorde cachorros.

Mas e exatamente isso. Eu nao sou um filosofo, nunca fui e n;LOtenho nenhum desejo de ser afligido pOl' esse genera de condi<;:ao.

a senhor nao e um filosofo? Nao me fa<;:arir! alhe aqui (jJegando

o embrulho), olhe estes jornais. Eis as razoes pOl' que estou aqui!

Q -?(erguendo-se, tomado de terror) - ue razoes.

A - Bem, eu deveria entregar-Ihe as contribui<;:oes para a suaFestschrift (edi<;:aocomemorativa) e deveria falar com 0 senhoracerca de sua filosofia.

B - Que Deus me ajude! Sem a menor dllVida,Gonzalo Munevar est;lau'as disto.

A - a senhor nao tem ideia de quao obstinadamente eu havia tentadoorganizar uma Festschrift e de quantas pessoas haviam escrito aseu respeito.

II (suspira).

A - A culpa e sua! (Tira um livro do embrulho).Veja isto: Contra 0

Metodo - Esbo(,;ode uma Teoria Anarquica do Conhecimento

- este e 0 livro que 0 tornou famoso.

B - Mas olhe mais atentamente!

A - ande?

B - Aqui, na propria pagina do titulo.

a que esta procurando?

Depois de "anarquica"!

Uma nota de pe de pagina!

5im, uma nota de pe de pagina! a que diz ela?

Bem, certamente e estranho; uma nota de pe de pagina no titulo;e justamente depois da palavra "anarquica" . (Indicando 0 embru-

lho) - Penso que 0 professor Naess deu um destaque a ela deproposito.

Entao 0 proprio titulo - TeoriaAnarquica do Conheci7nento -

nao the da 0 que pensar?

a que est;l querendo dizer?

a que the sugere 0 termo "anarquismo"?

Bem, uma especie de desordem ...

...precisamente. E teoria?

compreendo aonde quer chegar.

Agora volte algumas paginas para tr;ls, aqui, a p;lgina 7, nas linhasHe 9,0 que est;l escrito?

Esta escrito: "E uma carta 10l1gae sobretudo pessoal..." - "carta"

enl letra cursiva.Uma carta, uma comunica<,;ao pessoal, nao um tratado, nem umlivro de texto. Uma carta escrita ironicamente.

Quer dizer que 0 livro todo e um esbo<,;o?

Nao falo serio - mas nao muito serio - sobre um montao de,coisas, porem eu as resumo oa forma de uma "posi<,;ao"filosofica,aquela, sim, que e um esbo<,;o.Muitos resenhadores foram au-ai-dos pela ideia, 'linda que eu tenha deixado um nlimero suficien-

te de indicios ...Ora, aguarde um minuto! 0 senhor disse haver tocado em ques-

toes serias.

A-B-

Sim.No entanto, nao ha uma posi<,;aofilosOfica.

Nao. Pode OCOl-rerque tenha havido algo que se assemelhava auma "posi<,;ao"filosofica de estudante e do inicio de minha carrei-ra. Entao, eu sustentava que nao existia outre conhecimento exce-to 0 conhecimento cientifico e que todo 0 resto e uma bobagem.Essa e uma especie de "posi<,;ao",nao e verdade?

E depois 0 senhor se tornou an{u-quico.

Nao. Depois eu liWittgenstein.

Wittgenstein?Sim,li as Observar;;6es sabre as FundCl117entos da Matematica e asPesquisas Filos6ficas no manuscrito, em versoes diversas, anosantes que aparecessem impressas, e discuti 0 contetido com Eliza-beth Anscomb, que entao se achava em Viena a fim de aprender 0

alemao para empreender sua tradu<,;aodas obras de Wittgenstein.POl'acaso, estudei os escritos de Wittgenstein muito mais a fundodo que qualquer coisa tratada pelo inventario popperiano, emboraainda exista quem me considere um apostata popperiano.

A - E 0 senhor nao e?

B - Nao.A _ Entao, como explica essa opiniao bastante difundida? Hooker sus-

tenta isso em seu ensaio ...

H-A-B-

Sim, um ensaio longo e pormenorizado!

Nao vejo a hora de le-lo.Encontrei Hooker h{tmuitos anos; foi muitoagradavel,passamos juntos um certo tempo. Bem, 0 que diz ele?

Que 0 senhor era urn popperiano e conserva ainda urn "residuopopperiano" .

Um residuo popperiano?

Urn residuo popperiano. Entao, como 0 senhor explica isso?

Diga-me no que consiste esse residuo?

o senhor usa procedimentos negativos, critica, refutal

Bem, nao quero atacar Hooker sem te-lo lido, mas pretende dizer,de verdade, que Popper inventou a critic a?

Popper introduziu a falsitlca<,;aomediante casos negativos ...

...voce esta brincando? A falsifica<,;aomediante contra-exemplos evelha como 0 mundo. Os sofistas a praticavam pOl' prazer; era aarma principal dos cepticos desde a Antigiiidade, a Montaigne, ateMates, e foi ridicularizada como antilogike simplista ou como que-bra-cabe<,;aspOl'Platao: a melhor critica do "falsificacionismo inge-nuo", como Kuhn e Lakatos chamaram 0 procedimento de Popper,encontra-se na Republica e no Teeteta! Na verdade, e demais fazerde Popper 0 inventor do falsificacionismo! Na mesma medida,Ronald Reagan poderia ser definido como 0 inventor da retorica!Ademais ...

H-A-H-A-H-

A-H-

...mas, espere um pouco! 0 senhor nao me deixou terminar!Popper introduziu a falsifica<,;aomediante casos negativos pararesolver 0 problema de Hume.

o problema de Hume?

E sim, 0 problema relativo ao modo pelo qual 0 conhecimentopode ser adquirido e melhorado pOl' vias racionais.

Quer dizer que antes de Popper a ciencia era irracional?

Nao, nao, mas antes de Popper as opinioes sobre a natureza daciencia eram equivocadas.

Inclusive as dos cientistas?

11-

A-

B-A-

A - Inclusive as dos cientistas.

B - Bohr? Newton?

A _ Especialmente Bohr e Newton.B _ Isso me parece assaz surpreendente. Os cientistas tem opinioes

erroneas sobre a natureza da ciencia, no entanto fazem descober-tas, promovem revolu<,,:oes, ampliam de maneira constante 0

nosSo horizonte. 0 proprio popper faz da ciencia um paradigmado conhecimento. Popper, de outro lado, e detentor da opiniaocon"eta. Contudo, tudo aquilo que encontramos nele SaGsuges-toes insossas e completamente desinformadas sobre a interpreta-<,,:aoda medl11ica quantica - sobre a interpreta<,,:ao,veja bem, naosobre a teoria mesma, que foi inventada pOl' trapalhoes comoBohr, Heisenberg, Born e Schrodinger. Desse paradoxo eu deduzoque devemos distinguir entre a pratica da ciencia - que e com-plicada, nao de todo trans parente, mas no entanto parece produ-zir bons resultados - e as ideias filosoficas, que nao apenas naotem influencia sobre a pratica, como oferecem somente a sua ricH-cula caricatura. Uma boa filosofia, no sentido abstrato no qual 0

senhor e Popper entendem a materia, nao preserva ninguem dapossibilidade de tornar-se ridiculo acerca de questoes cientificas,enquanto uma m{l filosofia nao arruina completamente um cien-tista. 0 mesmo e verdade com respeito as rela<,,:oesentre filosofia

e politica, filosofia e religiao, filosofia e sexo ...

A - Mas 0 cientista ir{lperder tempo ...

B _ ...e seguindo Popper, nao 0 perderia?

Nao, na mesma medida.Isso tudo e para ser visto. Os casos negativos poem fora de com-

bate uma teoria, nao e assim?

Casos negativos e confirmativos.E os casos negativos SaGcorraborativos se, malgrado 0 rigor do

experimento, prevalecem?

A- Sim.B _ Onde os experimentos dao todos os mesmos resultados?

A _ Afora os do intervalo do erro, sim.

B - E pensa que uma teoria interessante, que da lugar a experimentoscomplexos, pode ser corroborada de maneira tao nitida? Semaberra<,,:oes,sem apresentar em algum lugar resultados inexplicit-veis, sem dificuldades ininteligiveis?

A - 0 que esta querendo dizer?

B - Quero dizer que qualquer teoria interessante esta cercada de umoceano de anomalias cujos elementos dao origem a ulteriores ano-malias, quando se busca corrobori-Ia. Dada uma teoria qualquer, epossivel mostrar numerosos resultados experimentais que estaoem conflito com ela. Dado um resultado experimental qualquer,parcialmente confirmado, pode-se indicar experimentos quenegam aquele resultado e assim pOl' diante.A nota<,,:aode que oscasos negativos poem fora de comb ate uma teoria nao e, par isso,de nenhuma utilidade; nao h{lcorrobora<,,:oes"polidas". A nota<,,:aoe,sobretudo, desencaminhadora, pOl"quanto insinua que a ciencia emuito mais simples do que e efetivamente. Um popperiano queenfrentasse a ciencia seria derrubado pelas dificuldades que viessea encontrar - ficaria absolutamente paralisado!

A - 0 senhor confunde dois problemas completamente diversos - 0

problema l6gico da rela<,,:aoexistente entre a teoria e as provas, eo problema pratico relativo aquilo que deve ser consideradocomo prova, Uma pura refuta<,,:ao,isto e, um conflito entre uma

j asser<,,:aosingular plenamente corroborada e a teoria da qual e umexemplo, elimina a teoria, enquanto uma pura confirma<,,:aodeixaa situa<,,:aoinalterada ...

Palavras vazias! Neste mundo nao h{lpuras refuta<,,:oes,0 que signi-fica que neste mundo a solu<,,:aodo problema de Hume e despidade interesse pela pr{ltica cientifica. Isso e verdade tambem notocante a outras doutrinas filosoficas. Os filosofos tem de se havercom um pais dos sonhos que quase nao tem nenhum contato coma vida real dos cientistas, politicos, pessoas como voce e como eu.

A logic a aplica-se a todos.

A logic a? Para come<,,:arnao h{luma (mica" logica"; hi diversos sis-tenus logicos, alguns mais realistas, outros menos. Em segundolugar, a logica aplica-se a uma argumel1ta<,,:ao,somente na medida

em que os elementos da argtilllenta<;ao - os conceitos, as ideias- remanescem est{lVeis.Mas, as argumenta<;oes que conduzem anovas intui<;oes raramente satisfazem essas condi<;oes. Terceiro, adistin<;ao entre verdade logica e verdade empiric a e uma distin<;aoa qual nao corresponde uma diferen<;a.Ambas podem ser revistas,ambas podem morrer, a lmica diferen<;a e dada pelas ora<;oes flme-bres. Isso e coisa pisada e repisada por todos aqueles que leramQuine. E dai, que consolos tira um homem a beira da morte de taldistin<;ao ao saber que sua morte nao e logicamente necessaria?De novo palavras vazias.

A - Est{ldizendo, talvez, que 0 problema de Hume e um pseudo-pro-blema?

B - Precisamente!Tomemos como exemplo alguem que esta estudandouma lingua estrangeira. Quando come<;a,e ignor,mte, ao fim "conhe-ce" a lingua. Segundo Hume (que era muito mais sensato do queaqueles que procuraram "resolver" seu "problema"), esse processocompreende tres elementos: a evidencia, as generaliza<;oes relevan-tes e uma cadeia de raciodnios que leva de uma a outra. Ora, Humeargumenta que nem a logica somente, nem a logica com 0 acresci-mo de asser<;oes adequadas, nem tampouco a probabilidade podem"estabelecer" as generaliza<;oes a partir de uma certa evidencia. Essee 0 "problema de Hume". Trata-se de um pseudo-problema, pot'quea subdivisao em evidencia, generaliza<;oes e raciodnios de sustenta-<;aoraramente se encontra na pr{ltica.Qual e a evidencia em que 0

individuo baseia 0 proprio conhecimento de uma lingua e quais saoas "generaliza<;oes" que constituiram tal conhecimento? Esses ele-mentos podem ser individualizados em alguns casos (aprender dememoria, decorar), mas nao em outros (aprender por imersao), e,ademais, a "evidencia" nao e absolutamente tmllorme, como parecesugerir esse modelo. A pessoa que fala uma lingua por imersao nelatem que faze-lo com 0 jargao, com as idiossincrasias individuais, comas licen<;aspoeticas, com as facecias, e assim por diante. Utilizando 0

t;lObenquisto exemplo dos cot'vos, pode-se dizer que 0 problemanao diz respeito ao modo em cujo suti-{lgiose afirma "Todos os cor-vos sao negros", dados dez corvos negros como 0 piche, pot'em dizrespeito ao modo em que se afirma que "Todos os Cot'vos sao

negros", dado um grupo de aves entre as quais algumas sao clara-mente Cot\TOS,outras sao casos duvidosos, entre os quais alguns naotem penas, outras sao cinza-gris com manchas brancas, e assim pordiante.A maior parte dos problenk1.s cientlticos sao desse tipo - 0

que significa que a solu<;ao do problema de Hume nao apresentanenhuma relevfmcia para a pratica cientltica. Pode acontecer que aisejam quase humianos, mas sao raros e se encontram somente naspartes fastidiosas da ciencia. Assim,veja, nao pode haver um "residuopopperiano", pot'que jamais existiu um corpo popperiano vivo ecompletamente articulado. Como quer que seja, se ha algum "resi-duo"no meu armario,e um residuo ceptico. Mas,prossigamos - emalguma parte durante a minha trajetoria Ii um interessante ensaio deMichael Polanyi sobre a concep<;ao do mundo dos Azande (popula-<;aocentro-ati·icana).Ali, aparecia aplicado concretamente 0 conse-Iho de Wittgenstein, que manda olhar, entender e nao sair pela tan-gente. E depois Mill, em Sabre a Liberdade, ensinou-me que asdiversas concep<;oes do mundo nao devem estar necessariamentelado a lado, mas podem estar empenhadas em melhorar 0 climageral da consciencia. Eu pensava que os pontos de vista, as formas devida tinham sentido e adquiriam substancia somente quando esta-vanl inseridos millla serie de outras formas de vida. Desenvolvi atelUna teoria de controle experimental sobre essa base ...

A - a sua onipresente particula browniana ...

1\ - uma ideia que peguei de David Bohm7.

7, David Bohm veio ao Brasil em 1952, no auge do macarthismo, e passou a lecionar naliniversidade de Sao Paulo, como professor do antigo Departamento de Fisica daI'aculdade de Filosofia, Ciencias e Letras. Ministrou os cursos de FisicaTe6rica e MecanicaEstatistica, exercendo nao s6 grande influencia sobre seus alunos e jovens pesquisado-I'CS, como produzindo trabalhos em coopera<;ao com seus colegas do Departamento deI'isica, entre os quais Walter Schiitzer e ]aymeTiomno, aletn de outros. Embora seu primei-1'0 livro de fisica quantica, Quantum Thcoric, fosse totalmente baseado na visao daEscola de Copen hague, sua linha de pesquisa fundamental orientou-se no sentido da res-laura<;ao da causalidade classica, a partir de uma rcformula<;ao e extensao dos principiosadvogados pOl' Bohr, Heisenberg e Born na mecanica quantica, tendo em mira uma pos-Iura realista, determinista - numa versao nao-rclativistica - pela introdu<;ao de um"potencial quantico"(nem onda nem particula) capaz de guiar uma particula. Bohm per-Illaneceu em Sao Paulo durante quatro anos e, ap6s uma rapida estada em Israel, estabe-kccu-se em Londres, onde veio a I;llecer. Seus pontos de vista sofreram criticas acerbasl1a{'pOGl,mas recentemente voltaram a ser reconsiderados nos meios cientl1lcos.

A-B-

B-A-

Sim,poder-se-ia d1ama-la assim. Mas,pouco a pouco, estamos tornan-do-nos desconfiados da possibilidade de regular 0 conhecimento delonge, com a ajuda de prindpios e modelos abstratos. Pensei que 0

mundo, e especialmente a vida humana, fossem demasiado comple-xos pOl' isso. Escrevi uma serie de ensaios inspirados em Mill...

...e, no fim, Contra 0 Metodo. Depois de Mill, 0 senhor chegou ao

anarquismo.

E aqui esta a desgra<,;a.Aquilo que estavamos vendo nao era umaposi<,;ao ou uma doutrina que pudesse transformar-se na pedraangular de qualquer disciplina academica, porem um modo depensar e viver independente da disciplina. Esta e a razao pela qualprocurei demonstrar que nem sempre a pratica da ciencia podiaestar encarcerada em conceitos gerais, a nao ser de um modovago e superficial. Ate a ciencia, que esta plena de estereotipos ebastante afastada da vida cotidiana dos seres humanos, vai alem doalcance dos prindpios e dos metodos filosoficos.Ja falamos disso.

o senhor sim, eu nao. Mas 0 que quer dizer com isso? 0 senhor

ainda leciona, nao e verdade?

Nao, com pena retirei-me de todo encargo.

POl'que? Nao era obrigado! Nos Estados Unidos nao ha linutes de

idade para os docentes universit;lrios.

Ii verdade. Mas 0 linute eu mesmo mo fixei.Alem disso, tenho umamulher maravilhosa que trabalha em Roma e que vejo muito

pouco, para 0 meu gosto.

Mas 0 senhor era um professor de filosofia, ou nao? Dava aulas de

historia da filosofia e de filosofia da ciencia, certo?

Sim, eu era um funcionario estatal do Governo Federal sui<,;oe doEstado da California, com um programa de trabalho, um salario euma pensao. Mas tudo isso tem pouco a vel' com a filosofia.

E 0 que fazia durante suas aulas?

Contava historias.

A-B-A-

Sim, historias sobre qualquer genero de coisas. Ha dois anos, pOl'exemplo, descrevi varios episodios extraidos da historia da teoriaatomica, incluindo Democrito,Aristoteles, Bohr, Einstein, Aspect,Dalibard e Roger.

Aspect - quem e? E quem sao os outros?

Tres expoentes da fisica experimental, oriundos de Orsay na Fran<,;a.A meu vel', nenhuma ideia interessante foi jamais completamentesufocada, pOl' mais escassas que fossem as provas a seu favor. NoOcidente, a teoria atomica teve inicio com Parmenides, cuja asser<,;aode que nada muda jamais, foi refutada pOl'Aristoteles' no seculo XIXalguns cientistas consideravam-na um monstro ant~diluviano e, n~ent,mto, ela retornou triunfante a cena: os biologos moleculares saotao ingenuos como 0 velho Democrito. Em Berkeley recontei a his-toria da filosofia antiga. Come<,;avamos com um exame dos textos'pOl' exemplo, quantas sao as palavras do proprio Parmenides qu~temos a disposi<,;aoe quao aceitavel e a tradi<,;ao?Depois, cheg;lV;l-mos as principais formas literarias: a epica, a poesia lirica a satira aprosa cientifica (que foi inventada mais ou menos naquel~ tempo)', aobra teatral, 0 discurso politico e 0 informativo, 0 romance, 0 contoe, mais tarde, 0 dialogo, com exemplos que ilustrassem seus efeitos.Nao constituiam apenas joguinhos poeticos - eram usados parainformal', critical', oferecer sugestoes religiosas, militares, politicas.Qual forma era mais adaptada as inten<,;oesdo novo grupo de falado-res que subiram a ribalta nos seculos VI e V,os assim ditos "f1losofos"que forma utilizaram e pOl' que e, sobretudo, de que coisa foran~capazes? Platao rejeitou as obras teatrais, a epica, a prosa cientifica eescolheu 0 dialogo. Discuti em pOt-menor suas motiva<,;oes,pois quetinham muito a vel' com a pergunta que indaga 0 quanta a f1losofiasupera a tradi<,;ao.

POl'isso 0 senhor argumentava durante as aulas!

Nao, nao, nao, nao! Descrevi a vida de pessoas que se dedicarama tematica de tipo sobretudo restrito e a sua influencia sobre osoutros. Uma vida construida sobre a teoria e diferente de uma vidaconstruida sobre a simpatia, sobre 0 medo, sobre a esperan<,;a,sobre 0 bom senso. Procurei torn'll' visivel tal diferen<,;a.Onde foi

A-B-

A-Il-

76 () Dialogos Sobre 0 Conhecimento

possivel, evoquei a imagem de Empedocles com suas sandalias deouro,o seu manto purplireo, a multidao de rapazes que 0 acompa-

nhava e os milagres que operava.

Mas 0 que dizia c\as ideias desses filosofos?

Sim sim falava das suas ideias. Naturalmente citava aquelas queeles' hav;am escrito ou dito, OU 0 que se disse que haviam dito; dis-cuti sobre os efeitos que suas propostas exerceram sobre seuscole gas filosofos e sobre os antigos em geral e, 0 que e muito maisimportante, discuti sobre os efeitos postumos de sua atividade. nafisica, na biologia, na sociologia, na filosofia, na politica, ete. Mmtasideias que agora parecem ingredientes obvios do conhecimen~o(cientifico), da etica, da politica, surgiram na antigliic~a~ee entaoforam atacadas, defendidas e atacadas de novo com otlmos argu-mentos.Aqueles que sentem·a necessidade de razoes impessoaispara suas proprias preferencias e antipatias - e eu nao estouentre eles - podem aprender muito com os debates antigos, umavez que esses nao SaGofuse ados pOl' tecnicismos inllteis. Expli-cavam tudo sob a forma de historias que continham provas ouque incluiam esbo<;os de prova, nao "fazendo filosofia" .

Suas historias nao tinham um escopo?

Certamente. Mas h{ltanta gente que conta historias com um esco-po: jornalistas, comediografos, romancistas, maes, cientistas -quase todas as fabulas tem um escopo. Mas os filosofos, em ~sp~-cial os de fe racionalista, atingem 0 seu escopo de um modo l11tel-ramente peculiar. Suas historias SaGestreitamente entretecidas,quase n;LOSaGmais historias. Usam conceitos abstratos _eemotiv,~-mente descontaminados. E usam conceitos similares nao para afl-nar nossa visao das coisas ou para enriquecer nossa existencia,mas para nos impelir para passagens estreitas e escuras. Os senti-mentos, as impressoes, os desejos podem entrar no debate somen-te depois de terem sido capturados como borboletas, mort~s edistendidos sobre uma prateleira filosofica.AIem disso, os filoso-fos sobretudo os racionalistas, estao interessados nos principiosget:ais e nao na vida dos individuos. Considerando a riqueza denosso mundo, isso significa que suas historias sedlo vazias ou des-

poticas; a gente precisa mutilar a propria vida para adaptar-seaquelas historias. Leia Kant sobre a etica! E a replica de Schiller!

A - Creio que 0 senhor tem uma visao unilateral da "filosofia". 0 quepensa de Nietzsche, ou Kierkegaard, ou Heidegger? ]ustamente haalgumas semanas, li 0 livro de alguem que me parece chamar-seNagel, e a coloca<;;l0dele nao se assemelha em nada sua descri<;aoda filosofia.

II - Tem razao; h{l exce<;oes. Ha individuos que se definem como filo-sofas e, todavia, nao amam, ou melhor, detestam 0 discurso unifor-mizado. Mas, para sua lastima, escolheram 0 instrumento en-ado ese dirigem ao Pllblico en-ado. Sao poetas sem talento poetico, masnao sem astllcia; assim, criaram uma materia por si existente naqual a falta de emo<;oes e um bem e a ausencia de imagina<;ao euma condi<;ao de sucesso. Pode acontecer que brilhem, se compa-rados a seus colegas ainda menos dotados - mas SaGtristementedeficit{lrioSno tocante ao resto. Pense justamente no modo comoos estudantes de fllosot1a SaGpreparados para desenvolver sua pro-fissao! Sera que suas idiossincrasias SaGtomadas em considera<;ao?Nao. Sed que lhes e permitido exprimir-se "autenticamente"?Raramente. Sera que lhes ensinam como viver com os outros,como tocar seus cora<;oes? Certamente nao. A velha ideia de obje-tividade, que nao e outra coisa senao a outra face da esterilidade deseus inventores, e sempre preponderante, se bem que vestida comnovos trajes e segundo a mocla. Ademais, os filosofos do seculo XXpoem tudo aquilo que dizem em rela<;aocom um grupo de autoresatentamente selecionados - 0 real e aquilo que sobrevem nessegrupo.Em Rorty,por exemplo,ha muita coisa sua com a qual possoestar de acordo, mas nao escreveria como ele e certamente nao seio que fazer com os autores que ele discute. E isso sucede em areascomo a etica, a estetica, a antropologia, a filosofia politica, ondepoderiamos, sim, esperar conclusoes mais vagas. A filosot1a da cien-cia nunca teve 0 seu Kierkegaard ou - gra<;as a Deus - 0 seuNietzsche. Tampouco Kuhn permitiu que a historia falasse espon-taneamente; de quer envolve-Ia com amarras teoricas.

78 (:~ Dialogos Sobre 0 Conhecimento

Nao vejo por que deveria! De Olltro lado, recebi urn certo tiP~ deeduca<,;aode parte de Mill,Wittgenstein ou Kierkegaard, que h em

/ - "d rcado de ara-1946, quando estava enfiado num sotao um1 0, cenhas, baratas e de estufas enferrujadas. Nos llitimos dez anos estu~dei Platao, pelo qual mltro uma admira<,;ao ilimitada; em/p~-egl:1

, s pal-a p1-epanr urn curso de aulas sobre a Fzszca etres ano, ,Aristoteles, que na minha opiniao e urn grande livro ...

Bern, se isso nao e fazer filosofia ...

...mas perceba, eu nao estudo e discuto esses autores para a.bri-lhantar uma materia ou construir uma ideologia, ou cult1var. l /. ~ 'lf1'11al110teml)o de Platao e de Aristoteles a disciplinaz(,eza" -, " '."filosofia" havia apenas se constituido - mas para prover a ~~~1mesmo e aos meus ouvintes de uma indaga<,;ao sobre a poss1b1h-dade da existencia humana. As pessoas nascem e mon-em, enamo-ramose, sustentam-se mutuamente, n1atan1-se umas as outra.s; can-tam, dan<,;am,compoem sinfonias, raciocinam, estipulam, p111tam.Desse amplo leque da atividade humana seleciono, em virtude .d~IScircunst;l11cias de minha educa<,;ao,alguns elementos para eX1b1r,sem presumir que 0 meu pequeno museu seja mais completo,mais importante, mais fundamental, mais profundo do que, quem

b 'b' 7aode Laurie Anderson. Mas - e agora chega 0sa e, uma eX1 1<,; ,I d - zo - nao posso suportarelemento que se assemella ao esp1e

que os assim chamados pensadores nao so presumam conhecermelhor do que outros seus similes - 0 que seria simples presun-

7 e 'lcho que nao se pode objetar nada a presun<,;ao - mas que<,;,10, , .eu coloco num nivel inferior sob 0 plano existencial. Aqm, aomenos no Ocidente, os filosofos mostram 0 caminho; leia jus_ta-mente Hed1clito, Parmenides, Xenofanes e, naturalmente, Platao.Spinoza, 0 gentil e amavel Spinoza argumenta U~l pouco comosegue: Deus falou aos prof etas por imagens, pois nao eram bast~l~-te inteligentes para entender a Sua Verdadeira Me1~Sagem..~s f110-sofos, que possuem os conceitos,o sao. Por isso estao quahf1cadospara remover 0 murmllrio incoerente e 0 vozerio dos profetas.

Encontro uma atitude similar ...

13- No seu Tratado Teol6gico-Politico. Bern, acho desprezivel uma ati-tude assim.

A - Ainda que possa ser sustentada por argumenta<,;oes?

13- ESjJecialmente quando pode ser sustentada por argumenta<,;oes!Quem venderia a alma por uma argumenta<,;ao? Mas nao e neces-sario, na verdade, ir tao longe.]a se foram tempos em que as ideiasque hoje nos parecem ridiculas e ate repelentes desfrutaram deurn forte apoio empirico e teoretico.

A - Voce pode me apresentar urn exemplo?

B - Certamente - a ideia de que a terra esteja em estado de quietudeno centro de urn mundo esferico, ou a ideia do eter para a propa-ga<,;aoda luz e, mais tarde, de todos os processos eletromagneti-cos. Ou a teoria do flogistico, que trouxeordem entre muitosfatos dispares e que sobreviveu a numerosos ataques.

A - Mas gostaria de saber algo mais sobre 0 suporte empirico dessateoria ...

II - Bern, leia a literatura, mas tenha 0 cuidado de consultar os infor-mes mais recentes e mantenha-se bem perto dos historicos; algunsdentre os velhos auto res procuraram tenazmente demonstrar queas ideias superadas nunc a tiveram sentido, e a maior parte dos filo-sofos se contentou com hinos piedosos e alguns poucos eventosmal e porcamente comunicados. Ora, suponhamos que, urn belodia, os biologos "descubram", isto e, proporcionem urn suporterazoavel a ideia de que a inteligencia e a sensiblidade estao ligadasgeneticamente e que existem ra<,;as"perigosas", ou seja, ra<,;asqueconstituem amea<,;aao futuro da humanidade. 0 que fariam nessascircunstancias?

o que quer dizer?

Como admiradores da ciencia, aceitariam esse ponto de vista edariam expressao a urn voto favoravel nas elei<,;oeslocais, estaduaise federais - por exemplo, sugeririam eliminar os membros dessara<,;aou tentariam protege-Ia dos efeitos da nova descoberta?

Os cientistas nao proporiam jamais uma tese do genero.

Mas ja 0 fizeram! Leia a proposito 0 livro de Steven Gould, A Per-versa Mistura do Home111, ou 0 de Kleves,Em Nome da Eugene-

A-B-

A-B-

A-B-

tica e outras obras nesse campo.Asseguro-lhe que livros seme-

lhantes the abrirao os OnlOS!

Mas 0 que posso eu fazer?Pode fazer muito! Suponhamos que se apaixone por uma pessoapertencente a ra<;a perigosa. Isso the da um conhecimento quenenhum cientista possui, a menos que ele tambem esteja apaixo-nado por alguem assirn. E isso nao so the fornece um certo conhe-cimento, mas the d{ltan'lbem a motiva<;ao e 0 desejo de substituir

o informe cientifico por seu modo de ver.

o amor contra os resultados cientificos?

Que outra coisa poderia ser? Naturalmente, nao posso argwnen-tar com 0 senhor sobre esse caso, pot"que aquilo que est{lem jogonao e uma conexao de ideias, mas 0 poder de um sentimento ...

Os sentimentos contra as argumenta<;oes?

Veja!As argumenta<;oes tem necessidade de conceitos daros para

funcionarem. ESt{lde acordo?

Bem, certamente seria dificil obter argumenta<;oes condusivas

com termos conotados emotivamente.

Mas os termos emotivamente conotados tem uma fun<;ao propria

na vida, ou nao?

A-B-

BelH...As rela<;oespessoais constituem-se e mantem-se gra<;asa sua ajuda.Se pergunto:"Esta triste?" - 0 senhor me compreende perfeitamen-te e compreende tambem a simpatia que a perglillta comunica, essasimpatia estabelece um liame - tudo isto seria destruido se substi-tuissemos as ideias imprecisas, as expressoes do rosto, os gestos, aspalavras emotivamente conotadas, por no<;oes precisas e assepticas.Alem disso, palavras, gestos, expressoes do rosto nao estao nuncaseparados no modo que 0 logico assume como ponto de partida. ~pergunta "esta triste?" faz parte de lill'l fenomeno complexo que calem peda<;os quando se isolam seus ingredientes "semanticos".Encontramo-nos, entao, em face de uma escolha: queremos que asmuta<;oes destrutivas causadas pelas racionaliza<;oes incidam sob~"etodos os aspectos de nossa vida, ou queremos conservar uma se<;ao

relativamente grande do genera de discurso que acabei de descre-ver? Para mim, a escolha e obvia. Argumentos racionais sim, masnuma coloca<;ao especial, nao no centro da existencia hlunana.

Talvez 0 senhor queira dizer que 0 centro deveria ser pleno desensibilidade, mas falto de conhecimento?

Nao dramatizemos! 0 conhecimento como e definido pelos racio-nalistas - conhecimento objetiva e emotivamente asseptico,cujos ingredientes possam ser todos registrados em enunciadosdaros - nao e 0 (mico genero de conhecimento, nem mesmo naciencia. Um experimentador deve ter familiaridade com a pro-pria aparelhagem. Esse "conhecimento tacito", como 0 denomi-nou Michael Polanyi, e 0 resultado de uma longa experiencia; soraramente ela e explicita e esta pressuposta, nao eliminada, peloprocedimento mais formal. 0 conhecimento que uma pessoapossui de outra e "tacito" numa medida muito maior. Revela-se,em parte, em a<;oes conscientes, em parte em a<;oes inconscien-tes, influencia a percep<;ao, sua articula<;ao muda sutilmente 0

aspecto: uma pessoa numa pintura ou numa obra teatral nao eigual a uma pessoa que se encontra por acaso num restaurante.Para descrever um minuto da vida de um individuo pode-se pre-cisar de meses e, num certo sentido, nao se chega jamais '10 fim- simplesmente pot-que nao existe um conjunto bem definido elimitado de fatos que possam ser denominados de "todos os fatoscapitais da vida de XY entre as Ilh24m e as Ilh25m da manhade segunda-feira, dia 25 de junho de 1989". Leia Pirandello! Osracionalistas quereriam substituir toda essa riqueza por algo maismanejavel. Nos, isto e, os cidadaos que pagam os sal{u-iosdeles,devemos ficar de olho neles e interferir quando se lan<;am dema-siado nessa dire<;ao.

Quer dizer que 0 senhor recomendaria 0 controle da filosofia, dapesquisa e da difusao do conhecimento?

Somente se tal difusao for responsavel pela destrui<;ao dos ele-mentos pessoais na nossa existencia! 0 conhecimento, como defi-nido e praduzido pelos racionalistas, e um ingrediente preciosoda vida, mas con'lO 0 automovel, os avioes, os reatores nudeares,

tem efeitos colaterais que podem tornar necessaria a regulac;:aodo

seu emprego ...

A (alf;ando-se com uma repentina mudanr;;a no semblante) - Pre-tende na verdade isso! 0 controle do conhecimento! 0 controle

do pensamento!

(A ovelha escapa)

B - Meu caro, seus fil6sofos tratam 0 conhecimento como a Associa-c;:aoAmericana de Fuzis trata as armas de fogo - nao devem sertocadas, por mais desastrosos que possam ser os seus efeitos. Masveja! Um excesso de autom6veis mata os bosques, as montanhas,os lagos, as pessoas e contamina a area, provocando congestiona-mentos de estradas, torna as crianc;:asnervosas devido ao barulho,etc, ete. No entanto, as pessoas amam os autom6veis e nao renun-ciam a eles com facilidade. POl'isso, temos necessidade de leis queregulamentem seu uso. Os discursos muito "racionais", ou seja,expurgados de emoc;:ao,danificam as sutis conex5es que existementre 0 conhecimento, a sensibilidade, a ac;:ao,a esperanc;:a,0 amore os fragmentos da nossa vida. As nossas mentes devem ser menosprotegidas que os nossos pulm5es? E nao e apenas uma questaoque concerne a nossas mentes! Para Descartes, os animais saomaquinas, e qualquer emoc;:ao manifestada nos seus confrontosest;l fora de lugar. No que me diz respeito, e uma atitude barbaraque coloca Descartes abaixo ate do mais estllpido Shawnee (indioalgonquian08). Deveremos, porventura, permitir a semelhantesbarbaros dirigirem nossa vida, manipularem nossos sentimentos e

determinarem nossas ac;:5es?

B _ E quem decidira isso? Os amantes dos animais ou os pesquisado-res que nao tem nenhum remorso pOl' torturar os animais vivos?Os fatos recolhidos pelos dois grupos seriam muito diferentes.

A - Sim,ai seriam opini5es subjetivas, de um lado, e fatos objetivos, de

outro.

Nao parece que 0 senhor tenha lido Lorenz. AIem disso, quem dizque a abordagem objetiva chega ao amago do problema, enquantoas opini5es subjetivas nao chegam a nada? E, antes de tudo, comojustificamos a distinc;:ao? Especialmente desde quando, ao queparece, foram levantadas dllVidas pela psicologia e ate pela fisica?

As aberrac;:5es da mecanica quantica sao irrelevantes no planomacrosc6pico ...

Em primeiro lugar, nao e verdade, como demonstram a supercon-dutividade e outros fenomenos! Em segundo, ainda se fosse, deve-riamos admitir tambem que a objetividade nao e um ingredientea priori da ciencia, pOl'em um instrumento da pesquisa que po deproduzir resultados, mas pode tambem falhar.

A biologia moderna conseguiu um grande nllmero de resultados.

o senhor se refere a biologia molecular! Justo! A hip6tese deDescartes produziu resultados nesse campo restrito. Agora a ques-60 se articula assim: 1) os resultados sao importantes? 2) consoli-dam as hip6teses? e 3) podemos aceitar os resultados que julga-mos apreciaveis e refutal' a hip6tese? Resposta 1: alguns sao,outros nao; resposta 2: nao; resposta 3: sim. De fato, e preciso dis-tinguir entre os efeitos de um uso restrito da hip6tese e os efeitosde uma sua aceitac;:aogeral. Esses llltimos nao sao absolutamentedesejaveis. Implicam que a natureza seja um legitimo objeto deestudo e de transformac;:ao ilimitada; isto e, que seja como umalbergue enorme e fora de moda que precisa ser explorado, lirripoe reestruturado. Ha de concordar que essa atitude comportouconseqiiencias desastrosas. Seria, pOl' isso, muito imprudente inse-rir as ideologias profissionais como partes da educac;:ao geral.Voces, caros genios - deveri<m10s dizer aos nossos especialistas- estao livres de ser b;lrbaros quanta queiram em suas pesquisas,mas nao esperem que nos aceitemos a atitude que lhes parecenecessaria para suas descobertas.

Mas isso e parasitismo!

Longe disso. Os barbaros sao pagos, nao e verdade? Estao dotadosde laborat6rios custosos, nao e verdade? E-Ihes permitido, oumelhor, sao encorajados a fazer aquilo que preferem, nao e verda-

de? Para seus projetos megalomanos sao desperdic;:ados milhoesde dolares, ganham premios, podem aparecer na televisao etc. etc.Por que deverialTlOS imita-Ios e encarar 0 mundo a seu modo?Temos necessidade de servidores: nos os adestramos, os pagamos,lhes damos uma aposentadoria; mas ninguem diz que sua filosofiadeveria tornar-se a base da civilizac;:ao.

A - Mas nao cre que a imposic;:aode limites ao pensamento compor-taria conseqiiencias terriveis?

B - 0 pensamento ja esta limitado em muitos modos - e por bommotivo. Pode acontecer, naturalmente, que se tenha conseqiienciasimprevistas. Mas qual e a alternativa? Nao fazer nada? AIem disso,nao sugiro impor limites ao pensamento, mas sim a certas ampli-ficcu;6es institucionais do pensamento. Os defensores de SalmanRushdie - e,veja bem, eu nao estou entre eles - nao querem ape-nas que ele pense, querem editores, estac;:oesde TV,clubes liter;i-rios para amplificar seu pensamento e para tirar proveito dosganhos. Nao e a liberdade do pensamento que me preocupa, masa liberdade do pensamento com plenos poderes. De fato, 0 poder,pondo-se de lado 0 modo pelo qual e exercido, deve sempre sermantido sob vigiE'mciamuito atenta! Os escritores amam sublinharque a pena e mais potente que a espada. Bem, se eles tem razao,entao e tambetll mais perigosa. Imagine, por exemplo, um casosemelhante: uma sociedade a beira de uma guerra civil, um autorest;l escrevendo um livro que pode provo car 0 seu inicio. Comogovernante responsavel ordenaria que 0 livro fosse queimado e 0

escritor preso, se nao prometesse solenemente aguardar temposmenos perigosos; no meu parecer, a vida humana e muito maisimportante do que as palavras que pretend em representar ideias.

A - Nenhum pais civilizado se comportaria desse modo.

B - "Os paises civilizados", como 0 senhor os denomina, ja 0 fazem!Na Alemanha e proibido projetar os principais filmes nazistas,pelo fato de que poderiam ferir os sentimentos de alguem e susci-tar vellus hostilidades. Agradar-me-ia ver 0 ]udeu Siiss comWerner Krauss, um ator que admiro enormemente. Vi 0 filmequando eu tinha cerca de dezesseis anos e gostaria de verificar a

lembranc;:a que tenho dele, mas concordo que proibi-Io foi umamedida sabia. Deixe que os modernos defensores da arte obscenae da poesia ofensiva apliquem seus argumentos a esse caso e veraaonde iremos acabar! Ademais, eu ja the havia dito que 0 conheci-mento "objetivo", emotivamente descontaminado, e apenas umaforma do conhecimento, e de modo algum a mais importante. Asrelac;:oeshumanas sao criadas e mantidas pela empatia, a qual, sopara agradar os objetivistas, poderia ser considerada uma opera-c;:aoespecial, como 0 uso de um microscopio, que leva a intuic;:oesnao disponiveis atraves de outras operac;:oes...

A (/azendo um esfon;o) - ...bem, nao quero entrar no merito da ques-tao do controle do pensamento;mas,como 0 senhor mesmo disse,ha filosofos que sustentam a existencia de diversas formas deconhecimentos ...

B - Sim.Kierkegaard e Polanyi nao constituem exemplos, e os admiroa ambos. Mas pode-se dizer que sao tao eficazes quanto 0 cinema,o teatro, a poesia ou 0 senso do proprio valor inculcado no indivi-duo pelo amor de seus pais, no encorajar e proteger os elementospessoais do conhecimento? 0 filosofo Polanyi descreve fenome-nos cientificos que se ajustam ao modelo objetivista; ele nao oscricl. [SSG, ao inves, e 0 que faz 0 fisico-quimico Polanyi.Analo-gamente, os filosofos podem individualizar 0 tipo de conheci-mento que eles tem em mente, podem descreve-lo, se bem que demaneira antes imperfeita, pOl-quanto sua linguagem e afetada pelaobjetividade, podem aprecia-la, podem objetar contra sua separa-c;:aodo resto - mas nao h;l um (mico filosofo que se iguale a umartista, a um santo ou a um politico no dar perfil, forc;:ae substan-cia a esse "resto". Isto e 0 que pre tendo quando afirmo que os"bons" filosofos - que existem de verdade - elegem 0 misterequivocado ou 0 meio equivocado para suas propostas.

E esta e a razao pela qual 0 senhor prefere Ayn Rand a Foucault?

Ouviu falar dessas observac;:oes! Sim! 0 seu Atlas Shrugged(Atlante Sacudiu as Esp;lduas)9 e a melhor introduc;:ao aAristotelesque eu conhec;:o.

Esta f,l1ando serio?

Calcule 0 senhor mesmo! 0 livro eleva-se acima da prodw;,:ao des-tituida de vida dos nossos academicos. Ha amor, assassinio, forni-ca<,:ao,espionagem industrial, misterio - tudo conduz gradual-mente aos principios da filosofia aristotelica. Naturalmente, naoaceito 0 seu produto, mas ao menos h;t urn produto, urn produtoconcreto, nao apenas palavras vazias. Aquilo de que precisamospara realizar progressos nessas coisas nao e uma pratica acompa-nhada de reflexoes soltas; 0 que precisamos e uma combina<,:aode reflexoes filosoficas e produ<,:oes artisticas (ou cientificas) ou,visto que a reflexao filosot1ca tern a tendencia de sail' pela tangen-te, e visto que essa tendencia agora e sustentada pela exigencia daespecializa<,:ao, aquilo de que precisamos em cada campo e umaprodu<,:ao inteligente e auto-reflexiva - em outras palavras, aqui-10 de que precisamos e a vida que, vivida bem e sabiamente, tor-nara superflua boa parte da t1losofia. Como ve, ha 6timos motivospelos quais nutro escasso amor pela filosofia pro!issional.

Mas esta nao e tambem uma posi<,:aofilos6fica? Hooker diz quesim. Ele come<,:a seu ensaio com urn capitulo intitulado "SituarFeyerabend no interior de uma teoria das tradi<,:oesocidentais". Ea identifica como anarquica.

E justo, mas nao muito esclarecedor. Dada uma certa pessoa, e pos-sivel construir uma grade conceitual e classitlca-la com 0 conceitomais similar a seu modo de existir. Mas outras grades podem levar acaracteriza<,:oes diversas e mais condizentes. Se as categorias fossen 1

plantas e divindades - ponto e basta - entao eu acabaria entre asplantas. Se fossem santos e criminosos, obviamente acabaria entreos criminosos. Os primeiros antrop610gos subdividiam as coisasviventes em cristaos, hereticos, animais e monstros, e gastaram umaenormidade de tempo tentando classificar os indios da America.Dada a grade de Hooker, nao posso ser outra coisa senao urn an;'f-quico. Como quer que seja, se considerarmos a obra de MarcelloPera, estou bastante convicto de que poderei recobrar uma cerl,1"racionalidade" numa grade que contenha tambem a ret6rica.

A - Marcello Pera tambem escreveu urn ensaio.

Verdade? Onde esta? (examina as varias contribuir;6es enquan-to continua a jalar) E para que conhecer tudo aquilo que umapessoa diz ou faz com as "posi<,:oes"relativas a uma tematica parti-cular? Logo ninguem podera mais dizer "Estou cansado", sem queIhe seja assinalada uma posi<,:aosobre alguma questao fisio16gicafundamental (olha ansiosamente para seu rel6gio, tristementepara 0 sol que baixa e com apreensao para 0 em.brulho de A)...bem, imagino que deveriamos acabar com essa coisa ...

Entao respondera a essas interven<,:oes?

Nao acho que haveria muito sentido.

POl'que nao?

Antes de tudo, e preciso dizer que alguns artigos foram escritos epublicados ha cerca de dez anos. Eu j;t os comentei em alemao e,de urn modo diferente, em ingles. Pode encontrar os comentariosno segundo volume das Versuchungen a cargo de H. P.Duerr(Frankfurt 1980-81), no capitulo 12 do Adeus it Razao (Londres,1987) e no capitulo 14 dos Irrwege der Vernunjt (Frankfurt,1989), a versao alema, parcialmente reescrita,do Adeus.

Quer dizer que se atem a essas velhas replicas?

Somente a algumas. POl' exemplo, penso que minha discussaocom van de Vate na coletanea de Duerr seja uma importante con-tribui<,:ao para a doutrina galileana. Depois, 0 que houve foramen-os simplistas e infantis ...

A-n- Bern, Ernest Nagel escreveu que a inferencia de arbitrariedade de

urn ou dois epis6dios historicos e urn non sequitur.Verdade,masirrelevante. 0 que quero dizer e que 0 procedimento cientifico,que nao e arbitrario nem nao-sistematico, torna-se quer urn queroutro quando e julgado com os populares criterios racionalistas.Margolis acerta: 0 meu "anarquismo" nao elimina a metodologia,mas a reforma simplesmente; em vez de "prindpios", "pressuposi-<,:oes","condi<,:oes necessarias de cientificidade", colocam-se re-gras empiricas.

A-B-

Nao, mas seu reparo e tipico. Outro reparo tipico foi feito por C.G. Hempel. Por mim entrevistado para a televisao austriaca, res-pondeu que "qualquer coisa esta bem" nao pode constituir umalitil filosofia da ciencia. Obviamente nao; nao tinha intenc;:aoalgu-ma de substituir dogmas compridos, pm-em familiares, concernen-tes a ciencia, por outros breves e nao familiares. 0 meu escopoera, sobretudo, 0 de deixar falar a ciencia por si propria e de naoresumir sua mensagem numa teoria ou num sistema metodologi-co. Noam Chomsky atribuiu-me a tese segundo a qual qualquerque seja 0 ponto de vista, e tao bom quanto qualquer outro ...

o meu assim chmnado relativismo: nem mesmo nos meus maisextravagantes caprichos relativisticos jamais fiz uma asserc;:aoassim - na realidade, eu 0 refutei em termos explicitos. EmboraChomsky assevere que "toda coisa est;l bem" (sua versao do meu"qualquer coisa esta bem"), isso dificilmente pode ser de algumaajuda no exercicio do trabalho cientifico. Naturalmente nao 0 e -nem sao os principios propostos pela filosofia da ciencia: paradesenvolver 0 trabalho cientifico cumpre mergulhar na situac;:aoda pesquisa; os meros slogans, sejam eles de estirpe racionalistaou de OlJtra ainda mais desonrosa, sao desencaminhadores e naopertinentes, especialmente quando sustentados por um sistemafilosofico coerente. Martin Gardner, 0 pit bull do cientificismomoderno, torna-se ridiculo j;l no titulo de seu artigo "Anticiet1cia,o estranho caso de Paul Feyerabend" - anticiet1cia? Lembre-seque aprecio 0 procedimento de Galileu e nao recomendo seu usona filosofia. Mas tudo isso e, sobretudo, enfadonho, sem nenhumvalor filosofico ou de outro genero, e eu deveria me aplicar unstrancos por haver desperdic;:ado tanto tempo com banalidades ...

Pretende dizer que estes ensaios, aqui (indica 0 embrulho), con-

tem erros tao banais?

B-A-B-A-

Alguns sao ainda piores.

Quais?

Nao tenho intenc;:ao de dizer-lhe.

E como explica esses entendimentos erroneos?

11-

A-POl'que deveria preocupar-me com a estupidez alheia?

E, no entanto, 0 senhor replicou-Ihes detalhadamente, e nao ape-nas uma vez, mas varias vezes ...

11-

A-ll-

...Porque sou um idiota!

Pode-se po-Io pOl' escrito?

Com que 11m?Nao tenho intenc;:ao de nega-Io! Nao sou daquelesque planejam acuradamente cada virgula que escrevem e cadasopro de ar que exalam, de modo que a "historia", isto e, os idiotasde amanha possam admiral' sua perfeic;:ao.Dai chegamos ao proxi-mo ponto, a minha afirmac;:aode que a maior parte, melhor direi,todas as formas do racionalismo, que nao sejam puros bordados,entram em conflito com a pratica cientifica. Elas nao so oferecemmais de um quadro distorcido e nao realistico da ciencia, mas aembarac;:ariam seriamente toda vez que fossem usadas como con-dic;:6eslimite da pesquisa.

Mas Popper, s6 para dar um exemplo, tem muitos cientistas de seulado - ate entre os vencedores do premio Nobel! Lorenz, Me-dawar, Eccles apreciam Popper pOl' sua compreensao superior doprocedimento cientitlco. Bondi diz que tudo quanto ele - Bondi- escreveu sobre 0 metodo nao e mais do que uma anotacao aome todo de Popper. Isso nao significa nada? 0

Nao. Bondi tem um machado especial para lapidar; sua teoria doestado estacionario achava-se em dificuldades, mas, apesar dissoera, segundo Popper, pelo menos cientlfica, pelo que 0 homemprestes a afogar-se estendeu-se para a frente, de modo absolutamen-te natural, em direc;:aoa esse fragil graveto. No que se refere aosoutros - bem, durante a epoca do nazismo, muitos cientistaslevantaram objec;:6esa teoria da relatividade; dois laureados do pre-mio Nobel, Lenard e Stark, criticaram-na como tipico produto judai-co. Esses cientistas, que ganhm-am como ja foi dito 0 premio Nobel,sao excelentes em seus campos restritos; mas nao enxergam nadamais alem de seu nariz quando de Ii excluidos, e algo semelhm1tevale para muitos deles. POl-tanto,esquec;:amo-nosdos cientistas quese encontram a volta de Popper e atentemos, ao inves ao araumen-, ~.,to a cujo respeito estamos discutindo: a relac;:aoentre a pratica cien-

tmca e 0 "racionalismo". Ora, creio que tudo quanta disse a propo-sito dessa relac,;aoem Contra 0 Metodo esteja essencialmente corre-to; de Olitro lado, a questao e agora explicada com maiores detalhesou com melhores exemplos por uma nova gerac,;aode historiadorese de filosofos.Aqui (indica uma pagina no ensaio de Marcello

Pera),veja 0 que escreve Pera nesta sinopse:

Este trabalho visa resgatar a solu<,;aoWhig para 0 problema do progresso

cientifico. Com este fim, propomo-nos a definir expressoes como "T2 assi-

nala um progresso com respeito aTl" , em termos de que" Os sustentado-

res de T2 alcan<,;aram uma vit6ria sobre os sustentadores de Tl" e cingi-

mo-nos a definir a ideia "de uma vit6ria honesta sem (0 grifo e meu) um

arbitro imparcial" .

A tese de Pera e que, enquanto a ideia dos criterios imparciais deracionalidade que se estendem completamente ao passado e aofuturo pode ser uma piedosa aspirac,;ao,existem modelos de argu-mentac,;oes que entraram na ciencia e se gravaram nela, que mode-

I

los semelhantes foram examinados pela velha disciplina da retori-I

ca e que talvez seja possivel expandir essa disciplina e torna-lamais lItHpara a pesquisa. Sobre isso estou de acordo e estaria deacordo ha vinte anos, quando comecei a escrever Contra 0

Metodo. Depois, ha livros como 0 de Peter Galison: Como Ter-

minaram os Experimentos: Galison chama a atenc,;ao sobre amaneira como se modificou a pesquisa em largos setores da fisicadurante os liitimos cinqi.ienta anos: os individuos isolados que uti-lizavam instrumentos minlisculos foram substituidos por equipesde pesquisadores formadas por grande nlimero de pessoas e quetrabalham em centros de pesquisa (CERNE,Laborat6rio Nacionalde Brookhaven etc.) com uma aparelhagem que lembra os gran-des complexos industriais. Galison demole tambem a distinc,;aoentre 0 contexto da descoberta e 0 da justificac,;aoe demonstraque 0 racionalismo, independente da pesquisa, nao tern pontos deengate com a pratica cientifica. De particular interesse e sua test"de que 0 processo mediante 0 qual sao resolvidas as disputas cien-tmcas tem muito em comum com os processos que antecedem a

conclusao de uma tratativa politica: ha diferentes partidos dota-dos de informac,;oes, habiliclades, ideologias diversas e diversosacessos aquilo que os partidos estariam prontos para aceitarcomo fatos "objetivos"; ha indagac,;oesdesenvolvidas em pequenaequipe, ha negociac,;oes por telefone, por carta, paineis, conferen-cias; urn grupo cede alguma coisa aqui, 0 outro alguma coisa la, nodebate entram os interesses nacionais, as questoes financeiras, ateque, finalmente, cada qual esta "pronto a assinar", muito emboranem todos fiquem felizes.A ret6rica cientifica de Pera en contraaqui materiais maravilhosos, mas 0 mesmo vale para filosofiascomo a de Ian Hacking, ou para as ideias de Arthur Fine, NancyCartwright e outros. Arthur Fine e seus colegas opoem-se as"reconstruc,;oes" ou "interpretac,;oes" filosoficas da ciencia e nosconvidam a "tomar a ciencia segundo os seus proprios termos",enquanto John Dupre argumenta a favor da "desuniao da ciencia",seja no plano historico como no politico.Mas 0 senhor mesmo nao levantou objec,;oesas interpretac,;oes daciencia como se isso fosse uma coisa simples e coerente ...

Sim, e verdade - e isto torna a abordagem de Fine e Dupre aindamelhor, pOl"quanto demonstra que nao temos 0 que fazer com umedificio acuradamente projetado e feito de cimento a prova deintemperies, mas que esteja num conjunto mal-combinado e cao-tico de casas acabadas pela metade, casebres de madeira podrecircundadas por pfUltanos...

A (tendo do Contra 0 Metodo) - "muitos dos conflitos e das contradic,;oesque se encontram na ciencia sao devidos a esta heterogeneidadedos materiais, a essa 'irregularidade' do desenvolvimento historico,como dida um marxista, e nao possuem nenhum significado ime-diatcUl1entete6rico.Temmuito em comum com os problemas queaparecem quando uma central eletrica e vizinho necessario de umacatedral g6tica ...".

Eu disse isso?

Sim, aqui, na p{lgina 146.

Soa ben1, mas justan1ente enquanto eu asseverava essa irregulari-dade, Dupre a demonstrava ...

A _ Desmentiu sua propria obra! 0 senhor demonstrou, e com por-menores, na medida em que posso me lembrar, a irregularidadeem relac;:aoao telescopio e a dinamica de Galileu.

B _ De verdade? Uhm. E born ouvi-lo dizer. Devo tambem confessarque me sinto urn pouco incomodado por aquele "tomar a cienciasegundo seus proprios termos". Num certo sentido, isso esta deacordo com minhas intenc;:oes. Mas, se "tomamos a ciencia segun-do seus proprios termos", por que nao a religiao? E se tomamos areligiao segundo seus proprios termos, que finalidade tern a sepa-rac;:aoentre 0 Estado e a Igreja? AU'as dessa frase esconde-se umapilha de problemas, mas isto nao a impedira de ser urn novo inicioborn, ate otimo, apos a obscura epoca poppero-positivista. Comoquer que seja, a assim chamada "objetividade" da ciencia e dosresultados cientificos aparece agora numa luz completamentenova. Observando esses desenvolvimentos (nao que 0 trabalhoanterior de Holton, por exemplo, e, naturalmente, 0 magnificolivro de Thomas Kuhn, que poe fim a toda forma de positivismo),estou pronto a fechar a bodega para dedicar-me a outros argu-

mentos.As coisas estao em boas maos.

A _ Quer dizer que Contra 0 Metodo teve e-sse efeito maravilhoso

sobre filosofos, cientistas e historiadores?

B _ Absolutamente nao! Thomas Kuhn estudava a historia quando euestava ainda enredado nas especulac;:oes abstratas, nao creio queGalison jamais haja dado uma olhada no meu livro - tinha coisamelhor a fazer; Pickering baseou-se nas propostas positivistas re-cebidas no ~lmbito de certas escolas de sociologia da ciencia,Hacking leu en passant alguma coisa daquilo que escrevi, masandou por seu proprio caminho. Nao, a nova historia e a nova filo-sofia da ciencia - que, seja dito de passagem, parecem ser justa-mente aquelas que Ravetz nao viu no seu ensaio de dez anos atras_ tern uma origem completamente diferente!

A _ Entao seu livro foi inlltil e toda a confusao que provocou foi em vao?

B _ Sem diivida, e possivel. Mas desconcertou alguns cerebros, e podeser que haja acelerado 0 dedinio de algumas ideias, no entanto j;lapodrecidas. De outra parte, a maioria dos cientistas e dos filoso-

fos nao tinha familiaridade com os autores e as ideias que eu men-cionei. Pior ainda - os representantes da assim chamada cienciasoft carecem de imaginac;:ao metodologica e, naturalmente, ado-ram as caricaturas simplistas que encontram nos livros de filosotla(razao pela qual os comentarios de Arne Naess sobre ciencia softparecem urn tanto demasiado otimistas). Dai ser possivel que eutenha tido ainda alguma utilidade como divulgador e pro pagan-dista. Ademais, tenho recebido cartas de cientistas do TerceiroMundo que sofreram devido as tensoes existentes entre as tradi-c;:oesde seus paises e a forc;:ada ciencia, destrutivas mas aparente-mente inevitaveis; parece que, lendo meu livro, eles tenham rela-xado urn pOLKO.Mas, agora, deixo de born grado a primeira linhada pesquisa que diz respeito a oposic;:ao entre a pratica cientificae 0 racionalismo filosofico aos escritores que mencionei, sobretu-do pOl'que estou demasiado preguic;:oso para efetuar 0 arduo tra-balho que seria requerido no caso: entrevistas, estudo de corres-pondencia em diferentes coletaneas etc. etc.

A - E desse modo chegamos ao seu relativismo.

13- Sim, desse modo chegamos ao meu assim chamado relativismo.

A - 0 que significa 0 assim chamado? Quer, talvez, negar 0 fato dehaver defendido 0 relativismo? Quer, talvez, negar que no seuescrito hft muitas passagens relativistas? Quer de verdade afirmarque todos aqueles que foram encorajados por seus livros - e 0

senhor acaba de dizer que tais pessoas existem - enganaram-se edeveriam retornar a prisao do racionalismo ocidental?

B - Nao, nao, de modo algum! 0 engrac;:ado e que a palavra "relativis-mo", como muitos termos filosoficos, e ambigua e, conquantoconfesse ser urn fervoroso relativista em algum sentido, certamen-te nao 0 sou em outros. Alem do mais, mudei de opiniao.

Quando?

Desde que escrevi Adeus Cl Razao. E esse e 0 motivo ulterior peloqual me e urn pouco dificil replicar aos ensaios criticos que 0

senhor estft trazendo a baila.Aqueles autores que chegaram a for-mar uma ideia coerente daquilo a que eu me dedicava, reportam-se ao Paul Feyerabend de 1970 ou de 1975, ou, quando muito, de

A-B-

1987. Mas, agora, estamos em novembro de 1990.Tantas coisasmudaram, e as minhas opinioes mudaram com elas.

De que modo?POl' exemplo, eu critiquei os filosofos pOl' refletirem a distanciasobre coisas como a ciencia, ou 0 bom senso ou as tradic,;oesnao-ocidentais, todas elas coisas que requerem um envolvimento estrei-to para serem compreendidas e que sao demasiado complexas paraserem resumidas em alguns poucos slogans. Todavia, e exatamenteo que fiz, quando sugeri que a todas as tradic,;oesdevem ser conce-didos direitos iguais e iguais oportunidades de chegar ao poder.

Eu observei em Adeus Cl Razao que 0 senhor restringiu a suges-tao as "sociedades baseadas na liberdade e na democracia", ajun-tando ... Ctirafora outro livro de seu pacote e, depois de algumaprocura, te) ...ajuntando "nao favorec,;oa exportac,;ao da liberdadepara regioes que passam muito bem sem ela" .Em outras partes dolivro h{t reservas similares. Ao que parece, 0 senhor tambem naofavorece a prolifera<,;ao,cujo novo papel, contudo, nao me e total-

mente claro. 0 senhor fala......mas eu nao exijo que os outros, inclusive os cientistas, a utilizemem suas tentativas de compreender 0 mundo. Quem sou eu paraditar leis aos outros? Eu digo somente que nenhuma ideia e jamaiscompletamente desbaratada, e que 0 ponto de vista mais pisotea-do pode encenar um retorno triunfal, C0111 a condir;:ao de quefa<,;aparte de uma empresa coletiva ...

A-B-

Ate Aristoteles?Em especial AristOteles. Leia Stent ou Prigogine ou Bohm! Deoutro lado, admito que a maioria das pessoas prefere, e 0 que erazoavel, as riquezas presentes aos milagres futuros. Isso significa,pOl' certo, que "fatos", "leis", "principios" da ciencia e, pOl' essemotivo, de qualquer sistema de conhecimento, sao resultado dedecisoes praticas, ou simplesmente de um certo modo de viver -nao de intui<,;oesteoricas somente.

E 0 filosofo nao tem voz nesse capitulo?Na democracia todos tem voz nesse capitulo, mas nem todosserao ouvidos. Muitos fi16sofos acham-se tao afastados dos deta-

A-B-

lhes da pesquisa cientifica ou da a<,;aopolitic a que os seus couse-lhos tornam-se exercicios de baixa literatura. A minha sugestao deque se deixe em paz as tradi<,;oes e um otimo exemplo. Agoracompreendo como cai na armadilha. As tradi<,;oesque detem umpoder militar ou economico, ou aparentemente espiritual, amilldeesmagam os opositores mais debeis. Mais de uma vez, mas naosempre, as conseqiiencias sao desastrosas. Ora, em vez de analisare critical' os casos desastrosos e procurar os meios de preveni-losno futuro, isto e, em vez de ater-me ao particular, introduzi umprincipio geral: abaixo os manes das tradi<,;oes!0 que nao so erainutil, mas tambem bastante tolo, pois que as tradic,;oes pOl' suanatureza mesma procuram transpor os proprios confins - edevem faze-lo, se querem sobreviver.

Ha ainda tribos isoladas! Justamente ha pouco foi descoberta umana selva brasileira!

E verdade - mas nem todas as tribos ou culturas sao isoladas e,no entanto, eu as tratei como se fossem, e como se fosse uma coisaboa preservar sua inexistente pureza. Margarida yon Brentanoapontou 0 dedo precisamente para essas idiotices.

Isso significa que de agora em diante estara tudo bem?

Esta brincando? Ha ainda uma por<,;aode coisas a dizer!

Entao concorda que a filosofia possa dar uma contribuic,;ao!

Nao, nao, nao, nao! Eu tenho uma porc,;aode coisas a dizer, eu, PaulFeyerabend, esta pessoa que esta sentada diante de voce e quenao representa ninguem mais do que a si mesmo!

Mas 0 senhor e ...

...um filosofo? Pensava que ja estivessemos desembara<,;adosdaquele erro.

Mas pOl' que deveria alguem dar ouvidos a ela?

POl' que deveria alguem dar ouvidos a outro qualquer? Ao queparece,o senhor acha que as palavras tem substancia unicamentequando provem de uma profissao. Os individuos isoladamentenao contam.

B - Nao e uma brincadeira. "Ser filosofo" ou significa que nos aproxi-mamos das coisas na qualidade de membros de urn clube, ou trata-se de uma expressao vazia que po de ser aplicada a qualquer indi-viduo, ate a urn cao. Declaro de born grado ser urn filosofo nosegundo sentido, mas com certeza nao 0 sou no primeiro. Ade-mais nossa discussao nao exige qualquer sofisma filosofico, socio-logi~O ou historico. Ate 0 mais distraido entre os leitores de jornalou entre os espectadores de programas de televisao ja sabe que astradi<;;oesdificilmente sao bem definidas. Sao embridadas em nivelmundial em redes feitas de informa<;;oes,comercio, rela<;;oesptlbli-cas, sejam essas de tipo filosofico, politico ou religioso. Pode acon-tecer que estejam disseminadas em areas geograficas diferentes,circundadas de na<;;oes,tribos, comunidades que as amea<;;am,queintercedem a seu favor, tern vantagens aliciadoras para oferecer,com freqiiencia incluem reformadores que renegam 0 passado econservadores que se opoem as inova<;;oes.A situa<;;aochinesa nosseculos XVIII e XIX mosH-a de modo muito claro como podememergir tradi<;;oesdiversas e ilustra a resistencia escorvada do pro-

cesso.A - Entao, falar das tradi<;;oescomo entidades separadas nao tern mais

sentido algum ...

B - Assim pareceria - ate se observa que ha pessoas que nao so que-ren1 preservar ou ressuscitar costU111es,iddas, linguagens, mode-los de comportamento que mostram uma certa coerencia, masque procuram tambem desemaranhar essa entidade coerente desuas condi<;;oes ambientais. Os htmgaros e 0 alemaes na-Romenia,os turcos na Bulgaria, os mu<;;ulmanos em qualquer parte, osjudeus conservadores, os lituanos, os albaneses, a minoria eslavana Austria, os indios de origem nos Estados Unidos sao exemplos.Aqui sao os mesmos protagonistas a estabelecer as tradi<;;oes e adefinir seus limites. Ora, sugiro que as'tradi<;;oesconstituidas dessemodo sejam consideradas como se tivessem valor intrfnseco. Asugestao nao tern valor absoluto - nao e urn "principio" - e naoe a tl1tima palavra. Pode ocorrer' que os eventos a reforcem cpode ocorrer que a suprimam. Pode ocorrer que as melhoresinten<;;oes nao deem em nada, rnas deveriam permanecer em pri-

meiro plano e deveriam ser conservadas por quanto for humana-mente possive!.

Estou de acordo que os estrangeiros devam ser abordados comcautela e sem ideias preconcebidas, por exemplo, sobre 0 que seaplica ou nao se aplica aos seres humanos. Cumpriria permitir aosnovos encontros que mudassem nossas ideias sobre a humanida-de. Eu acrescentaria, no entanto, que nao se deveria seguir apenasos eventos, mas tambem pensar a seu respeito e tomar decisoes.

Quando disse "eventos" pretendia incluir os pensamentos, os sen-timentos e as decisoes. Quero tambem mais daquilo que 0 senhorgarantiu ate agora: os modos de vida estrangeiros nao deveriam.somente ser tolerados, mas se deveria presumir que tern urn valorintrinseco.

Nao e algo pOlICOrealista? Onde estao as pessoas que se compor-tariam dessa maneira rara e caritativa?

Justamente neste momenta penso sobretudo nos politicos, noscientistas, nos administradores que fornecem aos paises estrangei-ros "ajudas para 0 desenvolvimento". Eles tern a disposi<;;ao infor-ma<;;oes sobre estruturas inteiras de governo, sabem como taisestruturas se ligam as ordena<;;oes locais, 0 que as pessoas pensam,estudaram habitos, costumes, cren<;;aslocais, e assim pOl' diante.Alguns se dao conta, pOl' causa de uma serie de desastres, que obri-gar uma popula<;;ao que dispoe de recursos materiais e espirituaisproprios a aceitar os metodos ocidentais nem sempre traz conse-qiiencias beneficas. Dai ate reconhecer que modos de vida aparen-temente estranhos e nao cientitlcos possam ter meritos intrinse-cos,o passo e curto. A minha sugestao generaliza a intui<;;ao...

Pensava que 0 senhor era contr;lrio as generaliza<;;oes!

Mas esta tern urn fundamento nos fatos, parece benevola e estasujeita a prova da vida com ou clentro cia tradi<;;aoa que se atri-buem meritos intrinsecos ...

...e essa prova pode incluzir algum clos participantes a abanclonara sugestao ...

...e talvez ate a aplicar a for<;;ano processo. E agora vem a minhasegunda sugestao: uma a<;;aosemelhante ...

A _ ...0 senhor pretende renunciar a primeira?B _ 5im; e 0 usa da fon;:apo de ser justificada somente se repassarmos 0

mais pormenorizadamente possivel todos os elementos do encon-tro, as emo<;:oes,as esperan<;:as,as desilusoes, etc., etc. Ou, para empre-gar os termos gerais que, segundo parece, the agradam tanto: a (micajustijicativa para U111Clrenuncia te111porariClit prinlCira sugestaoe dadCl pelCls experiencias, pelos pensmnentos, pelas intuir;oes quenasCCln de U111encontro reconciliCldo. A meu vel',nao h[l sentido ee absolutamente inlltil condenar ou tambem atacar um movin1ento,uma cultura, uma ideia de longe, sem tel' procurado conviver comisso,ou sem os estudos pormenorizados de quem esta in loco.

A _ Quer dizer que 0 senhor se opoem a condena<;:ao das atrocidades

nazistas?B _ 5im, se, como tem sucedido, a condena<;:ao e pronunciada num

espa<;:ovazio com base em fatos superficiais e agigantados, e se eexigido pOl' gente que nao tem nenhum contato emotivo com oseventos e as vitimas. Uma "condena<;:ao moral" desse genero e umamaldi<;:aodespida de sentido, a exigencia de repeti-la e uma impo-si<;:aoe qualquer a<;:aoempreendida em tal base e um crime.Parece que muitos dos assim chamados educadores da Alemanha

hodierna nao se aperceberam disso.

A _ Condenar Auschwitz e uma maldi<;:aovazia?

B _ 5e a palavra nao tiver alguma conexao com as experiencias, ostemores e os aspectos pessoais, sim. 0 passado nao pode ser sub-jugado e nao deveria ser julgado senao pOl' aqueles que estao dis-

postos a entrar dentro dele.

A - Mas isso e impossive!.B _ Para um filosofo ou para um historiador"objetivo". Mas um poeta,

um romancista, um cineasta, tendo a disposi<;:ao 0 material ade-quado, podem recriar a atmosfera, ele ou ela podem reviver 0 ter-ror, a crueldade, nao menos que 0 fascinio do tempo, e assim pre-parar 0 terreno para uma autentica decisao moral. ..

A - 0 fascinio?B _ 5im,0 fascinio; segundo 0 senhor, pOl' que tantas pessoas seguiram

Hitler? Eram todos idiotas ou demonios? Nesse caso, nao se apresen-

Ao Termino de um Passeio Nao-Filos6fico entre os Bosques (;I 99

taria nenhum problema moral Aid' t'" . 10 lee e 0 mal absoluto encon-tram-se alem da moralidade humana. Nao, a prescindir do fasciniopelo malmesmo que - penso eu - possa ser cultivado somente~os pequenos gl'upos, deve existir qualquer coisa de positivo a que:lS~e.ssoa~ responderam, e 0 passado nao pode ser superado sem111d1v1duahzar-seesses elementos positivos.

A - Mas entao 0 fascismo pode voltar ...

B - E~se e um risco que se corre em qualquer parte on de as pessoassaG tratadas como agentes livres Ai no p . . d .-. . ., 1epa10 a ele1<;:ao,asartesp1edom111amsobre a filosofh e pOl' At P .• , que. Olque as artes, correta-mente entendidas, procuram criar ou recriar 0 encaixe e t'ideol"' . l' . . • n10 1VO,

Og1CO,te 19lOS0de acontecimentos particulares ...

A - Nao parece ser esse 0 caso do teatro de hoje ...

B - E verdade, Brecht era um genio e um oTande !Joet· ..' . 0" .1,mas ptestou un1mau serv1<;:0ao teatro, propondo um ponto de vista que transformaa cena num laboratorio sociologico A sociolog' "." ._ . 1ae, Ja pOl' S1,bastan-te t~·aca.Corta os elementos pessoais e os substitui pOl' esquemasvazlOS.Castrar 0 teatro do mesmo modo foi um crime Na-" .• o,oqueeu quero e um teatro que arraste 0 espectador p l' . ;-D d e .1.1<;:aoe 0 trans-~rme ~ critico objetivo em participe empenhado. No fim de con-

t.1S,na v1da ele se comporta como participe empenhado.

A - ~ale .d~zer,0 s~nhor quer, em primeiro lugar,que as pessoas cheguem.1set tao confusas quanto foran1 as que sustentaram 0 nazisn10?

Peter Zadek t:ezisso em algumas de suas produ<;:oes, especialmen-te em suas d1versas variacoes do Mercador ~te TJ: M-, . u yeneza. as naoque1:0 apen,~s que as pessoas sintam a confusao dos participantes,queto tambem que sintam 0 medo das vitimas ...

...0 que e impossive!!

E impossivel faze-Io temer medo pehs pess . .• O.lSque <Una?

~enho meclo tocla vez que minha filha vai fazer um passeio. EssessaG tempos Ioucos ...

...e aqui poclemos ~ome~ar. Naturalmente, 0 meclo imagin[lrio pOl'nossos. ente~ quenclos nao sera jamais igual ao meclo verclacleiroque 1'01sent1clo pelas vitimas clo terror nazista Como. quer que

A-B-

A-B-

seja, as vagas imagens do passado que surgem por analogia saobastante mais substanciais do que os pensamentos veiculados poruma abstrata argumenta<;:ao etica. As argumenta<;:oes tem poder_ admito - mas incidem somente sobre uma pequena minoria eincidem sobre 0 cerebro, nao sobre 0 cora<;:ao,a menos que nao seencontre a maneira de combinar razoes e emo<;:oes...

Entao, de que modo tudo isso se distancia do seu relativismo?

o meu relativismo - santo ceu! E tudo 0 que 0 senhor sabe per-guntar? Procuro compreender eventos extraordinarios e crueis;procuro descobrir 0 modo de compartilhar com outros essa com-preensao e 0 senhor me pergunta sobre como classificar 0 que eudisse. E uma tipica pergunta filosofica. Insensivel, irrelevante,vazia. E 0 senhor se surpreende que eu nutra escasso amor pelafilosofia. Uma empresa flltil...

...na qual, no entanto, 0 senhor mesmo se empenhou.

Tem razao, e pe<;:odesculpas por meu repente que era mais con-tra mim mesmo do que contra 0 senhor. Bem, para responder asua pergunta, agora refuto todas as doutrinas filosoficas, inclusiveo relativismo que fornece uma defini<;:aoou uma teoria da verda-

de e/ou da realidade.

Mas 0 senhor defendeu precisamente um relativismo semelhanteem Adeus it Razilo - 0 senhor defendeu Protagoras!

Apenas para demonstrar que ate essa forma antes simplista vaimuito mais longe do que a pretensao oposta.

o senhor pensa, talvez, que Protagoras fosse um i~2!'ovisador?

Nao e absolutamente verdade! Ele foi 0 {mico filosofo que fez fun-cionar 0 relativismo filosofico. Expliquei isso no segundo capituloda quarta se<;:aodo Adeus It Razilo.

Surpreendente. 0 senhor se recorda de todas as se<;:oesde seu

livro?

Absolutamente nao - mas essa permaneceu de algum modo im-pressa em minha mente.Todavia, como todas as doutrinas filosofi-cas, as versoes filosoficas do relativismo tem defeitos serios. Numcerto sentido e uma quimera, nao e uma coisa real.

A-B-

A-B-

o que significa isso?

Bem, explica-Io-ei assim. Hooker, aqui no seu artigo, procura "rede-finir teoricamente a no<;:aode razao". Essa e a expressao que eleusa. As vellus teorias da razao eram demasiado simples, novas teo-rias devem substitui-Ias. Mas a razao (se exist e) e ou um objeto (porexemplo, um objeto de estudo) ou um sujeito agente.A naturezado objeto "razao" torna-se clara depois que 0 sujeito agente "razao"agiu. Uma teoria da razao, se tomada seriamente, restringe a possi-bilidade de a<;:oesda razao - torna-a conforme as imagens especu-lares de um de seus graus. E se a razao nao se conforma? Entao, dizo teorico, a teoria deve ser ajustada.Tudo parece estar no lugar _todas as teorias sao constantemente adequadas aos fatos novos.Nesse caso, a adequa<;:aoocone a cada volta da historia, 0 que sig-nifica que temos uma teoria so de palavras; 0 que temos efetiva-mente e uma evolu<;:ao,uma historia. A Protagoras nao desagrada-va dissolver a propria filosofia numa historia, de fato ele nos dizexatamente como fazer. Mas esses filosofos modernos que desen-volvem teorias querem ter separadas as duas categorias, com 0

resultado de que uma das duas, a categoria "teoria" torna-se vazia:nao pode existir nenhuma teoria da razilo.

Nao e possivel que tal argumenta<;:ao esteja con-eta! Aplicando-aao conhecimento e a realidade, poder-se-ia igualmente dizer quenao poc!e existir nenhuma teoria do conhecimento e nenhumateoria da realidade.

B-A-

Mas e precisamente 0 que estou dizendo!

Agora esta ficando absurdo! Ha tantas teorias do conhecimento.Algumas sao melhores, outras nao sao tidas como igualmenteboas. E assim e toda a ciencia que tem trato com a realidade.

Admito que sejam historias que pretendem ser teorias do conheci-mento. Mas,em vez de descrever 0 processo de aquisi<;:aodo conhe-cimento partindo do exterior, como deve proceder, supoe-se, qual-quer boa teoria, fazem parte desse processo e tem um alcancesobretudo restrito. Quanto a possibilidade que encarem "toda aciencia", devo desiludi-Io dela. Ao que parece, 0 senhor presumeque a ciencia seja uma coisa so que fala com uma so voz.Nada pode-

102 {~ DiEliogos Sobre 0 Conhecimento

ria estar mais longe da verdade. H{lum grande nl1111erode aborda-gens diferentes, espalhadas em toda parte, que produzem resultadoscontrastantes. Qual e 0 liame que conecta a teoria da elasticidadecom a fisica de altas energias? Semelhante elo nao existe e algunscientistas, entre os quais 0 professorTruesdell, da Universidade JohnHopkins, ate negaram que possa existir ou que deva existir umliame desse genero. A fisica cl{lssicados solidos e apresentada como11111caso limite da mecanica quantica, 0 que parece estabelecer umaespecie de unidade entre as duas abordagens. Esta e 11111acaricatm:ada situa<:,:aoreal que e bem mais complexa e em nada clara.A teonaquantica parece negar a ideia de uma realidade que exista indepen-dentemente do pensamento e da a<:,:aodo homem.

A - Mas como se explica 0 sucesso das ciencias?

B - Essa e uma otima pergunta, so que cria mais embara<:,:osao senhordo que a mim. 0 senhor gostaria de responder it pergunta dizen-do que hi uma realidade que e gradualmente descoberta. A minhaargumenta<:,:aoprecedente e as dificuldades da teoria qU;111ticade-monstram que essa resposta nao pocle ser correta ...

A _ Um momento - como 0 senhor aplica sua argumenta<:,:ao,que

considerava a razao, it realidade?

B - A realidade, como a razao, e um objeto de pesquisa, mas e tambem

um sujeito agente da pesquisa.

A - Como e possivel que a realidade seja um sujeito agente da pesquisa?

B _ Bem, quais sao os elementos da pesquisa? As pessoas, os grupos depessoas, os instrumentos e assim por diante =--e tudo e ~.e;~~,naoe verdade? Ou 0 senhor imagina que as pessoas com suas Idelas sealcam, como os deuses, sobre uma realidade da qual nao tomamp~rte? Qualquer biologo molecular levantaria obje<:,:oesa umsemelhante ponto de vista. Uma vez aceita essa premissa, a con-clusao e conseqiiente, como no caso da razao. Naturalmente, de-vemos ainda explicar 0 sucesso das ciencias, mas a explica<:,:aoagora e muito mais complexa do que seria simplesmente referi-laa uma realidade est{lvel.0 estereotipo "teoria" aqui nao nos ajuda

mais,o estereotipo "historia" , sim.

A - E pOl'"historia" 0 senhor entende uma sinopse historica?

B - Sim, mas nao uma sinopse como entendem aqueles historiadoresque vao em busca de estatisticas e de estruturas.

A - 0 senhor refuta a historia cientlfica?

B - Ela vai muito bem como nota de pe de pigina, mas nao conseguetratar os acontecimentos singulares. No ambito de tais eventosnao pode existir nenhuma teoria.

A - 0 senhor nao estar{l talvez hipostasiando os eventos singulares?

B - Certamente nao. Eu olho a historia como um empirista e acho queas a<:,:oesdos individuos empiricamente identiflcaveis for<:,:amsem-pre ate os esquemas teoricos mais delicados, a menos que 0 esque-ma seja vago e indefinido, como os propostos pOl' Prigogine,Varela,Jantsch,Thomas e outros.

A - Sao teorias altamente sofisticadas ...

B - POl' certo, mas sua aplica<:,:aoit historia efetua-se sempre apos 0

evento,o que significa que tambem elas contam historias, so que setrata de historias rodeadas pOl'um jargao inlltil e desencaminhador.

A - De modo que 0 senhor usa uma teoria, 0 empirismo, para veneerluna 011tra.

13 - 0 empirismo nao e apenas uma teoria, e tambem uma pritica e,alem disso, aqui estamos empenhados num debate, nao na pesquisade fundamentosTudo isso significa, naturalmente, que 0 relativismoe uma quimera, exatamente como seu gemeo litigioso, 0 absolutis-mo ou 0 objetivismo.

A - E sao 0 objetivismo e 0 relativismo "gemeos litigiosos"?

B - Sim, e Hans Peter Duerr j{l identificou sua linhagem comum.Ambos presumem que coisas como a ciencia, a magia ou "a visaodo mundo dos dogoes" (agricultores do Mali) estao bem definidase permanecem no interior dos limites estabelecidos da tradi<:,:ao.Os objetivistas universalizam as leis vigentes nos limites de suamateria preferida, enquanto os relativistas insistem na validaderestrita das leis, no interior dos mesmos limites. Mas, como pro-curei mostrar em Contra 0 Metodo e A Ciencia el11.umaSociedade Livre, nao existe nenhuma defini<:,:aode ciencia que seestenda a todos os desenvolvimentos possiveis, e nao hi qualquer

forma de vida que nao possa absorver radicalmente situa<;oesnovas. Os conceitos, especialmente os "que estao na base" dasconcep<;oes do mundo, nao san jamais fixados solidamente comose estivessem encravados; san mal definidos, ambigiios, oscilamentre interpreta<;oes "incomensuriveis" e devem se-Io,se e que asmudan<;as (conceituais) devam ser possiveis. De modo que, numcerto sentido, quer os erros do relativismo filosofico, quer os doobjetivismo, remontam a ideia platonica de que os conceitos sanest;lveis e inerentemente clm'os, e que 0 conhecimento conduzda ilusao ate a penetra<;ao dessa clareza. Como quer que seja,agora estou de acordo com Munevar que a ciencia precisa conser-val' seu papel excepcional no Ocidente, na medida em que e amais adaptada a essa situa<;ao.0 Ocidente esti coberto de excre-rnentos da ciencia, logo, naturalmente, necessita dos cientistaspara relustrar-se. POl'em,quero acrescentar que hi outros modosde viver neste mundo.As pessoas intervieram no mundo de mlll-tiplos modos diversos, em parte fisicamente, interferindo de fatonele, em parte conceitualmente, inventando as linguagens ecriando no interior delas inferencias.AIgumas a<;oesencontraramresposta, outras nunca decolaram. Na minha opiniao, isso sugereque h;l uma realidade e que ela e muito mais iitil do que tudoquanto presume a maior parte dos objetivistas. Diversas formasde vida e de conhecimento san possiveis pOl'que a realidade per-mite isso e ate 0 encoraja, e nao pOl'que "verdade" e "realidade"

sejam no<;oes relativas.

A - A proposito, vem-me a mente que sua concep<;aotem muita coisaen1 comum con1 0 desconstrutivismo - 0 senhor concorda?

13 - Bem, devo confessar que me d;l muito trabalho compreender osescritos dos desconstrutivistas. Sao complicados, cheios de termostecnicos e muito mais complexos do que as coisas que pretendemdestruir. Mas h;l algumas ideias antes banais que, no entanto, temum significado. POl'exemplo, ao que parece, dizem que nao se pockfix'll' alguma coisa pOl' meio de um lexto. Acerca disso estou deacordo, de todo 0 cora<;ao.A primeira vista, um texto, pOl'exemplouma inser<;;lOque anuncia uma venda de caes, parece maravilhosa-mente deflnido, mas se se con1eC,:aa colocar qualquer exigencia a

A-13-

A-

precisao se dissolve. Parece, tambem, que os desconstrutivistasdizem que muitos textos contem um mecanismo que os faz saltarno ar,Tambem a esse respeito estou de acordo. Procurando inter-pretar, mediante ideias definidas e estabelecidas na mente, um arti-go cientitleo que sugira uma nova abordagem, a gente acaba, muitasvezes, em confusao. E preciso permitir que 0 artigo, pOl'assim dizer,leve pelo nariz.Tal e 0 motivo pelo qual as comunidades cientlficassao tao importantes - permitem aos cientistas seguir a mesmadire<;ao.Depois, ao que parece, os desconstrutivistas sugerem queos textos filosoficos, lidos literalmente, revelam-se, as vezes, nonsen-se completos.Austin, da Universidade de Oxford, cujas aulas fre-qiientei, era um mestre nesse metodo de desmascarar ideias filoso-fleas aparentemente profundas. De Olltraparte, fico apavorado comos perigos da desconstru<;ao quando sao muito profissionais. POl'essa razao eu falava de uma realidade que permanece desconheci-da, mas se manifesta de v;lrios modos quando e adequadamenteabordada. Naturalmente, essa nao e uma teoria no velho sentidoquando muito e uma imagem, mas nao e de todo incompreensive~e guia 0 pensamento numa certa dire<;ao.

Posso sugerir uma coisa?

Que coisa?

POl'que nao denomina "cosmologico" 0 relativismo expresso nessanova forma, e relativismo "semantico" aquele que 0 senhor refuta?

POl'que e que voce nao 0 denomina desse modo? E voce que acre-dita nas "posi<;oes"e nos correspondentes palavroes. Mas,para con-tinual' com nossa hist6ria, nos nao temos jamais uma visao comple-ta da realidade, nem sequel' aproximada, porquanto isso significariatel' levado a termo todos os possiveis experimentos, vale dizer,conhecer a historia do mundo antes que tenha chegado ao fim.

Isso lembra 0 pseudo-Dionisio ou Meister Eckart, ou alguma con-cep<;ao religiosa igualmente mistica.

Lembra tambem a boa fisica. Seja como for, essas coisas sao todasnovas, ao n1enos para mim, e pOl' esse motivo as velhas argumen-ta<;oes a meu favor, contra ou sobre mim, inclusive aquelas quemostram sinais de vida inteligente, estao um pouco fora do alvo.

A _ Churchland nao disse nada de novo tambem nesse velho campo?

n _ Tern razao, sou-Ihe grato pOl'me tel' lembrado disso. Li0 seu ensaioe sua posi<;:aome pareceu substancialmente estar de acordo comaquilo que digo num artigo publicado hi pouco no Journal ofPbilospby. Naturalmente h;l diferen<;:as.Churchland procede demodo sistem;ltico Ii onde eu uso exemplos; ele entra nos pormeno-res, enquanto minha apresenta<;:ao e antes sistem;ltica; ele fala docerebro, ao passo que eu falo do mundo. Mas 0 cerebro eo mundo,na realidade, nao constituem coisas separadas - 0 mundo e umaproje<;:aodo cerebro, que e uma parte do mundo. Poder-se-ia dizerque Churchland e eu tivemos de nos haver com 0 mesmo proble-ma, mas enquanto ele 0 enfrenta do "interior para 0 exterior", eu 0

enfrento do" exterior para 0 interior". A"irreconhecibilidade funda-mental do mundo como inteiro" tern agora perfeitamente sentido: atotalidade cerebro-mundo faltam os recursos que seriam necess;l-rios para reconhecer-se. E devo aceitar as teses que Churchlandcompendia do meu trabalho precedente? Sim,eu as aceito todas (a4" e a 5" contem requisitos que, de inicio, eu nao havia inserido, masque agora considero importantes), com a possivel exce<;:aoda 2":po de OCOl'rerque a essencia do born senso possa ser suplantadapelo materialismo (no sentido de Churchland), mas nem pOl'isso 0

primeiro h;l de ser pior que 0 segundo. No concernente aos demaisautores do seu pacote, pOl-em,pensei que seria melhor exprimir 0

meu apre<;:oe os meus agradecimentos em termos gerais, e apresen-

tar minhas ideias tais como sao hoje, mais ou menos.

A - A sua filosofia, em suma.n _ A minha "filosofia", se realmente deve usar essa maldita palavra;

tan'lbem imagino que 0 professor Deloria, 0 qual hi tempo mepediu para desenvolver uma metafisica minha, ficari agora urn

pouco mais feliz.

A _ Tambem 0 professor Hooker ficari urn pouco mais feliz.

n-A-

POl'que?Ele escreve (citando a partir do manuscrito) que "as pessoasdotadas de razao tern 0 direito de pedir uma Slimula positiva que

V;lsubstituir aquilo que foi refutado".

Ao Termino de um Passeio Nao-Filos6fico entre os Bosques (~ 107

As pessoas dotadas de razao?

As pessoas dotadas de razao.

Os fisicos sao pessoas dotadas de razao?

o que esti pretendendo dizer?

Bern, s~gundo parece, Hooker diz que, enquanto eu refutei muitasasser<;:oesque foram caras a gera<;:oesde fil6sofos ...

...fil6sofos da ciencia. Ele diz que 0 senhor primeiro refutou osfatos, depois os metodos, e que agora refuta as razoes ...

E ele quer que eu substitua esses monstros por urn outro rnonstroproduzido por rnim. Mas essa e uma solicita<;:ao absurda! Urn~mndo sem rnonstros e melhor do que aquele no qual os hi; aspessoas dotadas de razao" festejarao sua p'lrtid'l e esp" , , eramos que

nenhum outro do mesmo genero se apresente nunca mais ...

Pretende dizer que urn mundo sem prindpios filos6ficos gerais emelhor do que urn mundo que os tern?

p~ecisamente! Lembre-se da minha argumenta<;:ao de hi pouco:lUO pode haver uma teoria da razao, do conhecimento, da realida-de - por que? POl'que a razao e constituida de a<;:oesque naopod~~ ~er previstas, a menos que sejam limitadas por medidastotahtal~as. As "pessoas dotadas de razao" que Hooker teria emrnen~e sao pensadores que se aproveitariam do totalitarismo. Bern,eu nao SOl~urn deles. E,se 0 senhor nao cre na minha argumenta<;:aoabstra~a, de uma olhada na historia da ciet1Cia:as "pessoas dotadas~e razao'~que a construiram, violar<u'l'lconstanternente os preceitosmtrodllZldos pelas "pessoas dotadas de razao" que procuravam dar-lhe uma explica<;:aote6rica.

B-A-B-

Bern,todos esses protestos nao tern nenhuma importancia, visto queo senhor apenas ofereceu 0 "apanhado positivo" 0 "rno t "~ , ns 1'0 queHooker esta procurando ...

...e que implica urn rnundo que nao pode ser apreendido pOl'nenhurna teOl·ia...

A-ll-

E a cosmologia moderna?

Deixa fora os deuses de Homero, deixa fora Cristo ...

A-B- Nao, sao respostas que determinaram a natureza de epocas inteiras

_ leia, a proposito, 0 artigo que mencionei ha poucos minutos! Asrespostas limitadas a procedimentos limitados dos nossos materia-listas modernos parecem universais somente pOl'que as alternati-vas falta agora 0 suporte, especialmente 0 suporte financeiro.

o senhor deve me desculpar, mas nesse ponto estou confuso de no-vo - 0 senhor agora e lUn relativista?Deixou de ser um relativista?

Bem, em Contra 0 Metodo e A Ciencia em uma Sociedade Livreeu afirmava que a cietlCia era uma das muitas fOl'masde conheci-mento, 0 que pode significar ao menos duas coisas. A primeira: hfluma realidade que encoraja miiltiplas aproxima<;:6es, entre asquais a ciencia. A segunda: conhecimento e verdade sao no<;:6esrelativas. Em A ciencia em Ulna Sociedade Livre, de tempo emtempo eu combino as duas vers6es; em Adeus IIRazao eu utilizoa primeira e refuto a segunda. E e 0 que ainda fa<;:oe forneciminhas raz6es. Aceitar a primeira versao (aquela que 0 senhorchamou de relativismo cosmol6gico) comporta conseqiienciaspraticas.Antes de tentar impor solu<;:oes"cientificas" e precisoestudar as outras culturas. (lsso cOlTesponde a minha sugestao deconsiderar todas as tradi<;:6es dotadas de valores intrinsecos.)Repare, eu nao falo mais, como fazia na minha fase pluralista, queas praticas e as teses pouco conhecidas deveriam ser estudadas edesenvolvidas, independentemente daquilo que sao, ou quecumpriria deixfl-Ias imutflveis. Deveriam, sim, ser essudadas, massomente quando as alternativas resultassem esterei~ ou antes dese introduzir procedimentos cientificos numa area que ate aquelemomento estava indo muito bem. E deveriam ser mudadas se 0

estudo mostrasse serem elas vantajosas. Nesse ponto, intrusospoderosos poderiam decidir-se a nao fazer tantos cumprimentose a fazer valer os pr6prios metodos. Uma tal interven<;:aoparecerequerida, por exemplo, no caso de uma molestia cuja naturezanao po de ser explicada com a velocidade que parece necessaria,ou no caso de catastrofes ecologic as (pode acontecer que, umbelo dia, os exercitos ocidentais decidam acabar com 0 incendiodas florestas tropicais e, ao mesmo tempo, pode acontecer que

terroristas resolvam agir contra Hlbricas poluentes dos Estados~nidos: a vida dos animais, das arvores, de nossas crian<;:ase dema-sl~do preciosa para ser deixada ao acaso do debate democratico).M111hassugest6es nao excluem procedimentos desse genero _~1ao.s.ao"~rincipios'" 0 que efetivamente eu excluo sao quaisquerJuStlflca<;:oescom base em "leis morais obJ'etl'v'lS"O' / I, . JlUZOconc u-sivo e um juizo hist6rico - as futuras gera<;:oes,utilizando suasintui<;:6es,distribuirao louvores e censuras, como lhes pareceraoportuno. Tudo isso concorda com as tendencias pluralistasconhec.idas pelas ciencias pertinentes e com a ideia de comple-mentandade. Podemos ate afirmar que os estudiosos do "desen-volvimento" - que aconselham os governos a preferir medidaslocais de sucesso segura aos usos conflitantes no flmbito da cien-c~aocidental - sao excelentes cientistas, e tambem que 0 relati-Vlsmo cosmol6gico e uma parte natural da ciencia nao-dogmatica.Assin1, n1ais uma vez, os meus escritos foran1 superados pelasmudan<;:aspraticas, e eu de novo dou as boas-vindas ao desenvol-vimento como salldo a todos os resultados da pesquisa concreta.

A todos os resultados?

Bem, a todos os resultados que nao poem em perigo as re!a<;:6eshumanas importantes. Haviamos falado disso antes.

Mas como fara para decidir a questao? Como e possivel que alguemdecida a questao?

Como? Bem, cabera a mim pessoalmente decidir a questao, segundoo estado de matlU'idade ou idiotice em que eu me encontrm' naque-le momenta particular. De que outro modo? 0 mesmo vale para aspessoas que estao ao meu redor. Um Estado ou um pais baseariio suadecisao em leis vigentes. Nas repllblicas e nos paises democraticospor iniciativa dos cidadaos, por seus votos, etc; em areas regUlada~mais rigidamente, procurar-se-{ldm'ouvido logo ao rei ou a qualqueroutro chefe. 0 cidadao de um pais no qual as leis estao em conflitocom suas convic<;:6espessoais pode fazer uma por<;:aode coisas.Pode emigrar,pocle remanescer, aceitar um encargo pllblico e tentarsalvar 0 possive! sem causar danos. Se li corretamente minhas fon-tes, foi 0 que fez Gustaf Gruendgens e Wilhelm Furtwaengler, na

Alemanha - se bem que ainda restam muitas perguntas sem res-posta. Pode-se tentar mud,u' as coisas de modo pacifico, como 0 fize-ram na China estudantes e trabalhadores. A gente pode, tambem,tornar-se terrorista (Stauffenberg, que tentou matar Hitler, era umterrorista, embara tenha falhado, i11felizmente).Sua pergu11tapresu-me uma autoridade externa. "Como decidira a questao?" significa "Aquem perguntar?" ou "Qual 0 metodo que utilizar;l?"ou "Aque prin-cipios far;l referencia?". Natmalmente, h;l muitas pessoas que reco-nhecem a autoridade externa, mas eu nao sou uma delas. Minha{mica autoridade em situa<;oes tao dificeis e minha limitadissimaexperiencia e 0 meu amor por pessoas particulares, pela minhamulher, por meus amigos intimos, e 0 meu {mico guia e 0 desejo denao permitir que sucedam coisas que poderiam causar-Ihes dar ...

B _ Seria, se terminasse ai, mas nao e. Esse e um ponto de partida. Defato, se 0 meu amor pOl' essa pessoa e bastante forte, ser;l capaz deincluir tudo e, em {lltima an;llise, todas as coisas viventes.

B _ Certamente, tambem ele. 0 problema relativo a Hitler nao equivalcaquele em que se pergunta como uma rocha ou um vampiropodem provo car a morte de tantas pessoas, mas antes se se pergun-ta como pode um ser humano como 0 meu melhor amigo executaruma a<;ao do genero, Leia Erinnerungen ("Memorias") de AlberlSpeer e pense em Ingmar Bergmann, que conta ter-se apaixonadopor Hitler depois de um discmso do qual toi tes1C1llunhaquando,como estudante, esteve na Alemanha. Tenha grande desconfian(,'ado espirito hum,mit;lrio abstrato que parte de uma ideia e procmacomprimir dentro dela 0 mundo. Suspeito tambem das declara<;oessinteticas de horror realizadas pelos fautores de tais icteias. UOlaideia de humanidade que nao esteja fundada sobre solidas rela<;oespessoais produz retorica vazia, que pode ser combinada com asa<;oesmais atrozes, Ou, como escrevi em Adeus Ct Razao:"A maiorparte das miserias de nossO mundo, guerras, destrui<;oes de ment(·se de C01-pOS,carnificinas sem fim, nao sao causadas por individuosmalvados, mas pOl'pessoas que objetivaram seu desejo ou suas incli

Ao Termino de um Passeio Nao-Filos6fico entre os Bosques © 111

na<;oes pessoais, tomando-as assim desumal1as" A ~ d" , , s acoes os fun-damentalistas isliimicos hOJ'eem dia e ados .' ~ 0, , cllstaos antes deles 0denlonstram nlui claranlente, '

Mas 0 senhor nao ve quantos assassinatos foranl perpetrados p ,P

res . 1 ~ ar,lelvar as re a<;oes pessoais e/ou tribais? 0 ., ., . . amOl por uma pes-

soa slgmflca odio par uma OIltra que a poe e .A m pengo ou que pare-

ce po-Ia ...

o perigo imediato nao e urn problema - c ·t ., el amente nlatarelpan prote'. ger os meus amigos de uma amea<;a imediata e real asua VIda ou ao seu bem-estar, 0 proble . '.~, . ma esta nos pengos l1nagi-narzos e lSS0 demonstra q ~'. ' ue 0 amor por unla pessoa particular,embor~ seja urn ponto de partida, nao e suficiente; seria assimgenerahzado, mas generalizado de ' " ,unM nMnelra raclOnal.

Urn casamento entre 0 amor e a logica?

Qualquer coisa do genera.

Na.o sei 0 que dizer, mas seguramente nao toi a estrada trilhadaqu,l11do escreveu seus ensaios relativist as " ., malS agresslvos.

Nao e divertido ser relativist a quando os slogans relativistas e _tram-se n b 1 . . nconos. an leuos de qualquer universidade ... (levantando-se)

-. bem, esta 11ahora de voltar pra casa; esta noite na TV francesaval passar 0 filme Anatolnia de Uln A~sa~~{nio ;- .I d

A • •• , e eu IMOgostanac e per e-Io.

Nao podemos esperar mais urn !Jouco? Disse a m' 1 '. ,In 1a asslstenteque eu 0 procuraria neste bosque e que el'l tl'O. ' uxesse os outrosensalOS eventualmente recebidos.

A sua assistente? Uma mOr'l? 0 senll . t .,>' . 01 em uma asslstente?A (ruborizando-se) - Sim. .

Como se chama?

A (ruborizando-se ainda mais) - Peggy,

II - Peggy, eh, e voce e um homem casado!

Nao eo que 0 senhor esta pensando ...

Muito ~em. Confio na sua palavra. Quanto tempo deveremosesperarr

A-B-A-B-

Uns dez minutos, lUll quarto de hora ...

Bem,o dia j{lesta mesmo perdido, tanto faz perde-lo de todo.

Nao the agrada falar de seu trabalho?

A - Nao quer tornar-se famoso?

B - Tudo menos isso; ser famoso significa ser transformado no mO~ls-tro Frankestein da imaginac;:ao de qualquer outra pessoa. - COlS~lque, sinceramente, detesto. De mais a mais, tenho a m111haprz-vac)!, isto e, minha privacidade.

A - Bem, logo ficara livre de mim.

B (acalmando-se, com ar resignado) ...esperando Peggy. Talveztenhamos de esperar para sempre ...

(Silencio).

(A paz retorna ao bosque).

Posfacio

E voz corrente que, enquanto e possivel examinar livrementeideias ou sistemas de ideias em cartas, telefonemas, conversas durante aceia, a forma conveniente para explicar sua estrutura, suas implicac;:oes eas razoes pelas quais devem ser aceitas e 0 ensaio ou 0 livro. 0 ensaio (0

livro) tem comec;:o,meio e tim. Ha uma exposic;:ao,um desenvolvimentoe um resultado. Depois do que a ideia (0 sistema) fica tao clara e bemdefinida quanto uma borboleta morta na vitrina de um colecionador.

Mas as ideias, como as borboletas, nao subsistem e basta; desenvol-vem-se, entram em relac;:oes com outras ideias e produzem seus efeitos.Toda a hist6ria da fisica esteve ligada ao pressuposto, formulado pela pri-1l1eil"avez por Parmenides, de que algumas coisas nao sao afetadas pelamudanc;:a. 0 pressuposto foi logo transformado: a conservac;:ao acabousendo transferida para longe da conservac;:ao do Ser. 0 fim de um ensaioou de um livro, ainda que seja formulado como lUll tim, nao e, na realida-de, um fim, mas um ponto de transic;:aoque recebeu uma importancia inde-vida. Como uma tragedia classica, erige barreiras onde nao hi barreiras.

Os historiadores modernos (da ciencia e de outras materias) encon-tmram defeitos suplementares. A orclem da descric;:aonum artigo cientifi-co tem pouco a ver com a ordem da descoberta, e alguns dos elementossil1gulares revelam ser quimeras. 1sso nao signitica que os escritores sejammentirosos. Senclo forc;:adospor lUllmodelo especial, sua mem6ria muda e!(lrneCe as informac;:oesnecessarias (pOl"emficticias).

Mas existem areas onde 0 artigo ou a publica<;:aode uma pesqui-sa, especialmente 0 manual, perderam muito de sua antiga influencia.Arazao deve-se ao fato de que 0 enorme nlimero de pesquisadores e amare montante de resultados produzidos pela pesquisa aumentou a taxade mudan<;:a em tal medida que uma publica<;:ao e, as vezes, ja obsoletaquando vem a luz. A primeira linha da pesquisa e definida pOl' conferen-cias cartas ao editor (cf. as Physical Review Letters), fax. As publica<;:oes,e os manuais nao so ficam au"as,como nao podem sequel' ser compreen-didas sem essas formas de discurso as vezes informes.

Os filosofos vangloriam-se de tel' conseguido achar principios cla-ros atras da confusao mais estapaflu"dia. 0 "mundo do bom senso grego"(admitindo-se que esse fosse 0 lmico mundo do genero) era, de fato,com-plicado na epoca em que Parmenides escreveu. Isso nao 0 impediu depostular e ate de provar que a realidade era variada, simples e conquista-vel pdo pensamento. A filosofia moderna, embora menos confiante aesse respeito, inclui 'linda a ideia de estruturas claras por tras de eventoscomplexos.Alguns filosofos (mas tambem sociologos e poetas) firmamassim os textos de importancia; procuram os ingredientes que podemtaler parte de uma estrutura logicamente aceitavel e depois usam essa

estrutura para julgar 0 restante.A tentativa est;l destinada ao fracasso. Em primeiro lugar, pOl"que

nas ciencias, que sac importantes portadores do conhecimento, nao hanenhuma contrapartida. Em segundo, pOl"que nao ha nenhuma contra-partida na "vida" .A vida parece suficientemente clara enquanto e rotina,ou seja, enquanto as pessoas permanecem doceis, Ieem os textos demaneira convencional e nao sac provocadas de forma radical.A clarezase dissolve e aparecem icteias, percep<;:oes e sentimento~estranhos, ape-nas a rotina se despeda<;:a.Historiadores, poetas e cineastas descreverameventos do genero. Um exemplo: Pirandello. Comparadas a essas obras,os ensaios de carater logico parecem partilhar da irrealidade de umromance de Barbara Cartland. Sao inven<;:oes,mas inven<;:oesde um gene-

1'0 pouco inspirado.Platao pensava que 0 abismo entre as icteias e a vida pudesse ser

atravessado pela ponte do dialogo - nao com 0 dialogo escrito, que parade era apenas uma sintese superficial de eventos passados, mas comuma troca real, oral, entre pessoas provenientes de ambientes diversos.

Concordo que um dialogo e mais revelador do que um artigo. Pode for-necer argumenta<;:oes, pode mostrar os efeitos das argumenta<;:oes sobreprofanos e sobre especialistas pertencentes a diferentes escolas, tornaexplicita 0 car;lter vago das conclusoes que um ensaio ou um livro pro-curam esconder e, 0 que mais conta, po de demonstrar a natureza quime-rica daquilo que nos acreditamos ser a parte mais salida da nossa vida. Adesvantagem consiste no t~ltOde que tudo isso acontece no papel e naonas a<;:oesconsumadas pOl' pessoas vivas diante de nossos olhos.Aindauma vez somos convidados a empenhar-nos num genera de atividadeasseptica ou, para utilizar outra palavra, somos 'linda simplesmente con-vidados a pensar. Estamos mais uma vez muito longe das batalhas entrepensamentos, percep<;:oes e emo<;:oesque realmente forjam nossa vida,inclusive 0 conhecimento "puro". Os gregos tinham uma institui<;:aoquecriava as necessarias ocasioes do confronto - 0 drama. Platao 0 refutoue assim deu seu proprio contributo aquela logomania que tem um efeitodeleterio sobre tantas partes da nossa cultura.

Os dialogos recolhidos neste livro sac imperfeitos sob muitosaspectos, 0 que e verdade especialmente para 0 segundo.Trata-se de minhareplica a uma variedade de escritos recolhidos para uma Festschrift emminha (des)honra. A maior parte dos ensaios tem a vel' com um livro queescrevi em 1970, publicado em 1975, e que, no que me diz respeito, eagora agua passada. Alem disso, os artigos me atribuem uma doutrina(sobre 0 conhecimento e sobre 0 metodo), ao pas so que minha opiniaoera, e e ainda agora, que nem 0 conhecimento nem a realidade podem seraprisionados ou regulados pOl'um resumo geral ou pOl'uma teoria (as teo-rias cient1t1cas nao sac aquilo que os filosofos de inclina<;:oes realistascreiam que sejam). 0 segundo di;llogo tenta explicar essa situa<;:aoumpouco complicada. 0 primeiro reflete a situa<;:aodo meu seminario emBerkeley; 0 doutor Cole tem pouco a vel' comigo, mas algumas persona-gens (nao identifidveis pelo nome) constituem uma homenagem a algunsalunos maravilhosos que tive.

Os dialogos sac filosoficos num sentido muito generico e nao tec-nico. Poderiam ate ser chamados desconstrutivistas, se bem que 0 lllCliguia tenha sido Nestroy (que foi lido pOl'Karl Kraus) e nao Derrida. <JlI:11ldo fui entrevistado pelo di;lrio italiano A Repubblica fizeram-nK a Sl'glli IIte pergunta: "0 que 0 senhor pensa dos atuais desenvolvilllt"111(),~11;1

Europa Oriental e 0 que a filosofia tern a dizer sobre esses seus argumen-tos?" Minha resposta talvez explicari urn pouco melhor minha atitude.

Estas sao duas perguntas inteiramente diversas - eu disse. A pri-meira e dirigida a uma ser humano vivo e mais ou menos adequadamen-te pensante, com seus sentimentos, seus preconceitos, suas necessida-des, isto e, a mim. A segunda e dirigida a algo que nao existe, a urnmonstro abstrato, a "filosofia". A filosofia e ainda a menos unitiria dasciencias. Existem escolas filosoficas que se conhecem pouco entre elasou se combatem ou se desprezam reciprocamente. Algumas dessas esco-las, a do empirismo logico, por exemplo, nao enfrentaram quase nuncaos problemas que surgem agora; alem disso, nao ficariam demasiado feli-zes de encorajar os sentimentos religiosos que tern acompanhado taisdesenvolvimentos (em alguns paises daAmerica do SuI,a religiao esti naprimeira linha na batalha pela libertac;:ao).Outras, por exemplo os hege-lianos, trac;:amlongos romances para descrever os eventos dramiticos esem dllVidacomec;:arama canti-los - ninguem sabe com que resultados.Alem do mais, apenas raramente existe uma estreita relac;:aoentre a filo-sofia de uma pessoa e 0 seu comportamento politico. Frege foi urn pen-sador agudo sobre as questoes de logic a e sobre os fundamentos damatemitica, mas a politica que comparece em seus diirios e do tipo maisprimitivo. E e exatamente essa a desgrac;:a;acontecimentos como aquelesque sucedem agora na Europa do Leste e, notoriamente, em outras par-tes do globo e, de urn modo mais geral, todos os eventos que envolvemos seres humanos, eludem os esquemas intelectuais - cada urn de nos ech,mudo, individualmente, a reagir e quic;:i a tomar uma posic;:ao.Se apessoa que reage e humana, afetuosa, nao egoista, entao pode ocorrerque 0 conhecimento da historia, da filosofia, da politica e ate da fisica(Sakharov!) sejam liteis, porque ele ou ela podem aplidl-los de urn modohumano. Digo "pode ocorrer", pOl"quehi excelentes pessoas que se apai-xonaram por filosofias abominiveis e explicaram suas ac;:oesde maneieldesencaminhante e perigosa. Czeslaw Milosz e urn exemplo e 0 discutiem Adeus /1 Razao. Fang Lizhi,0 astrofisico e dissidente chines e outro.Ele procura justificar sua luta pela liberdade, fazendo referencia aos direi-tos universais que "nao consideram rac;:a,lingua, religiao e outras convic-c;:oes".O universo fisico - diz ele - obedece a urn "principio cosmo16-

gico"; nele, todo lugar e direc;:aoequivalem a todo Olltro lugar e direc;:ao;a mesma coisa - diz ele - deveria aplicar-se ao universo moral. Essa e'linda a velha tendencia universalizante e que vemos claramente aondeleva. De fato, se "nao consideramos" as caracteristicas raciais de urn rosto,se nao fazemos caso do ritmo de sons que fluem de sua boca, se elimina-mos os gestos particulares e culturalmente determinados que acompa-nham 0 discurso, entao nao temos mais urn ser humano vivo, temos urnmonstro, que esti morto, nao livre. Alem disso, 0 que tern aver 0 univer-so fisico com a moralidade? Suponhamos, como os gnosticos, que eleseja uma prisao, deveremos, entao, adaptar nossos comportamentosmorais a suas caracteristicas carceririas? E verdade que hoje 0 gnosticis-mo nao e popular, mas as descobertas mais recentes indicam que cedotambem 0 "principio cosmologico" poderia ser um assunto pertencenteao passado. Deveremos mudar nossos comportamentos morais quandoisso ocorrer? Apenas raramente uma filosofia sensivel encontra uma pes-soa sensivel que a usa entao de um modo humano.Vaclav Havel constituium exemplo e c1emonstra claramente que nao e a filosofia que deve serestimulada pelo evoluir das coisas, POl"emcada pessoa individualmente.De fato, repetindo-me, a "filosotla" entendida como ambito de atividaclebem determinaclo e homogeneo existe tao pouco quanta a "ciencia". Hias palavras, hi tambem os conceitos, mas a existencia humana nao reve-la trac;:odas fronteiras implicitas nos conceitos.

Cronologia Resumidada Vida e da Obra

de Paul Feyerabend

1924 - Nasceu emViena.1942-45 - Serve 0 exercito alemao, tendo side condecorado com a Cruz

de Ferro.1945 - Ferido gravemente na espinha, pelos russos, durante a retirada

das tropas nazistas no Leste.1946 - Filia-se a Associac;:aopela Reforma Democr;ltica da Alemanha e

recebeu uma bolsa para estudar canto e cenotecnica emWeimar.

1947 - Retorna aViena e ingressa na universidade para estudar hist6riae sociologia, mas acaba optando pela fisica. Neste mesmo anapublica um artigo onde defende posic;:oesque sac de um positi-vismo extremado.

1948 - Visita 0 Seminario Alpbach, na Austria, onde conhece KarlPopper. Casa-se com Edeltrud, embora 0 seu ferimento de guerrao tenha deixado impotente.

1949 - Participa do Circulo Kraft de estudantes de filosofia, centrado nafigura de Viktor Kraft, orientador e mentor da primeira dissertac;:aode Feyerabend. Nas discussoes travadas neste grupo, impos-sepela qualidade intelectual e poder de lideranc;:a.Neste per1odo,encontra Berthold Brecht e Ludwig Wittgenstein.

1951 - Defende 0 doutorado e pleiteia uma bolsa para prosseguir nos

estudos em Cambridge, sob a direc;:aode Wittgenstein, () qua I, lIP

120 0 Dialogos Sobre 0 Conhecimento

entanto faleceu antes da chegada de Feyerabend a Londres.Diante deste fato, proCUl-aPopper, que passa a ser 0 seu supervi-sor. Durante este periodo, dedica-se a medinica quantica e afilosofia de Wittgenstein.

1953 - Retorna a Viena e traduz para 0 alemao A Sociedade Aberta e

seus Inimigos, de K. Popper.1954- Publica seus primeiros trabalhos acerca da mecanica q~tantica,

aH~mde artigos filosoficos sobre as ideias de Wittgenstem.1955 - Aceita 0 cargo de professor-conferencista na Universidade de

Bristol, Inglaterra, e escreve para The Philosophical Review umaresenha sobre as Investigaf;oes Filos6ficas de Wittgenstein.

1956 - Casa-se pela segunda vez com Mary O'Neill e entra em contatocom 0 fisico David Bohm, por cujas ideias se interessou.

1958 -E convidado pela Universidade da California, em Berkeley, comoprofessor visitante. Publica entao dois de seus artigo~ "Com~le-mentaridade" e "Uma Tentativa para uma Interpretac;ao Reahstada Experiencia", textos em que assume uma clara postura anti-positivista de base popperiana.

1959 - Aceita 0 cargo de professor permanente em Berkeley, na UCLA,e obtem a cidadania americana.

1960-69 - Lanc;auma seqiiencia de trabalhos com 0 intento de edificarum empirismo "tolerante e desinfetado" e distancia-se lenta~e~l-te das concepc;6es de Popper, abandonando em 1969 0 empms-mo sob 0 argumento de que a experiencia nao e necessaria emne~llUm ponto da construc;ao, da compreensao ou da verifica-c;ao de teorias cientificas empiricas.

1970 - Coloca-se contra Thomas Kuhn, 0 autor de As Estruturas das

Revoluf;oes Cientificas, e revela-se,nos ensaios que escreve, umanarquista epistemo16gico.

1975 - Vem a luz 0 seu primeiro livro, Contra 0 Metodo. , .

1977 - Contesta, durante dois anos seguidos (1976-1977), a sene _deviolentos ataques ao seu livro. E acometido de forte depressao.Nao obstante, redige entao um ensaio sobre 0 relativismo ondeexplicita pela primeira vez a sua posic;ao, partindo, dentreoutros argumentos, embora sem grande aceitac;ao, de que asideias de Razao e racionalidade sao ambiguas e obscuras, susten-

tando que tao-somente 0 relativismo poderia dar conta da varie-dade cultural.

1978 - Explorando as implicac;6es politicas de suas teses anarquista erelativista, edita a obra Ciencia em uma Sociedade Livre.

1981 - Sai em ingles uma coletanea de seus escritos.1984 - Lanc;a Ciencia como umaArte,livro onde ainda defende 0 rela-

tivismo, afirmando que na historia da ciencia nao ha progresso e,sim, mudanc;a. Empenha-se na reabilitac;ao do legado de ErnestMach.

1987 - Reline um conjunto de artigos, que sao editados sob 0 titulo deAdeus it Razao.

1988 - Reedita Contra 0 Metodo, numa edic;ao revisada e acrescida departe de seu outro livro, Ciencia em uma Sociedade Livre.

1989 - Casa-se com Gl-aziaBonini, que conhecera em 1983,nas suas pre-lec;6es em Berkeley, e parte para a Italia e Suic;a,sob 0 impacto dotenemoto de 1990,na costa leste dos Estados Unidos.

1990 - Demite-se de seu cal'go em Berkeley, no mes de marc;o.1991 - Aposenta-se como docente da Universidade de ZUrique, onde

lecionava meio semestre, reservando 0 outro semestre a Berkeley.Seu antigo aluno, Gonzalo Munevar organiza e publica uma edi-c;aocomemorativa ao seu mestre (Festschrift).

1993 - Aparece a terceira edic;ao de Contra 0 Metodo e Feyerabend ehospitalizado com um tumor cerebral inoperavel.

1994 - Em 11 de fevereiro, mone, em sua casa, em Zurique.1995 - E publicada a sua Autobiograjia.

Nos anos subseqiientes vem a luz outros livros postumos e volu-mes de ensaios, realizando-se tambem varios co16quios acerca daproduc;ao e do controvertido pens;unento de Paul Feyel-abend.