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DIAL OGANDO COM A INCL USÃO II CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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DIALOGANDOCOM A INCLUSÃO II

CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

LOURISVALDO VALENTIN DA SILVAReitor

ADRIANA DOS SANTOS MARMORI LIMA Vice-reitor e Pró-Reitor de Extensão

PATRÍCIA CARLA DA HORA CORREIACoordenadora do Curso de Professores na Área de Defi ciência Visual

ELIANE DE SOUSA NASCIMENTOPATRÍCIA CARLA DA HORA CORREIAOrganizadoras

JOSÉ TEOFENES ARAUJO SOUSAVERA LÚCIA CUNHAMARISTELA PIRES DE OLIVEIRACARLOS HENRIQUE SOARES PEREIRA Equipe Técnica

Edmilson PaulinoProjeto Gráfi co e Editoração Eletrônica

Gráfi ca e Editora Liceu Ltda.Impressão

Universidade do Estado da Bahia - Uneb.Rua Silveira Martins, 2555, Cabula. Salvador - BA.CEP: 41.150-000. Tel.: 71 3117-2200

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ORGANIZADORAS

Eliane de Sousa Nascimento Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia-UFBA (2006). Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação/UFBA (2010). Docente de Graduação e Pós Graduação das disciplinas: Psicologia; Aprendizagem e Afetividade - teóricos - Sigmund Freud, Jean Piaget, Lev Vigotsky e Henri Wallon; Problemas e Difi culdades na Aprendizagem; Educação Inclusiva; Políticas de Educação Inclusiva; Profi ssionalização de Pessoas com Defi ciência; Coordenação Escolar e Acadêmica; Educação Infantil, Fundamentos da Práxis Pedagógica: Didática e Pesquisa-Ação - Estágio Supervisionado. Participação do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais - Geine - Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da Faculdade de Educação/UFBA.

Patrícia Carla da Hora CorreiaGraduação em Pedagogia pela Associação Cultural e Educacional da Bahia - Faculdade de Educação da Bahia (1993) e Mestrado em Educação Especial pelo Centro de Referência Latino-Americano de Educação Especial (2002). Doutoranda em Educação na Universidade Federal da Bahia, fazendo parte do grupo de estudo e pesquisa em Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais – Geine – Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE da Faculdade de Educação/UFBA. Pesquisadora naÁrea de Defi ciência nas Comunidades Indígenas. Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia, atuando na graduação e pós-graduação. Experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial, atuando principalmente nos seguintes temas: educação especial, educação indígena, prática pedagógica, currículo e educação inclusiva. Coordenadora do Fórum sobre Defi ciência e Comunidades Indígenas na Universidade do Estado da Bahia. Atualmente é colaboradora do Ministério da Educação, atuando na Coordenação do Curso de Formação de Professores na Área da Defi ciencia Visual - Secad/FNDE.

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ELIANE DE SOUSA NASCIMENTOPATRÍCIA CARLA DA HORA CORREIA

Organizadoras

DIALOGANDOCOM A INCLUSÃO II

CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Salvador - 2012

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SUMÁRIO

PREFÁCIO 5

O CURSO – E O DIÁLOGO COMEÇA...

Curso de formação de professores na área da defi ciência visual -uma experiência; 9Patrícia Carla da Hora Correia

DIALOGANDO NA PRAXIS DA INCLUSÃO

Inclusão Educativa, cognitiva e as aprendizagens da matemática. 17Genigleide Santos da Hora, Aracy Curvelo de Matos e Jeane Santos Cafeseiro

A aprendizagem de ciências de alunos com defi ciência Visualem Sergipe 28Tatiane Santos Silva, Myrna Friederichs Landim eVerônica dos Reis Mariano Souza

A mediação de professores na aprendizagem da língua escritade alunos com síndrome de Down: um estudo de caso 38Daiane Santil Costa, Theresinha Guimarães Miranda

A inclusão do aluno com autismo na educação infantil:uma refl exão sobre a prática pedagógica 48Élida Cristina Santos da Silva e Theresinha Guimarães Miranda

O ensino de geometria na educação inclusiva de alunoscom defi ciência visual 56Rosangela Ribeiro Reis, Gláucia Trinchão e Cláudia Paranhos de Jesus Portela

Vivências inclusivas de professoras de Matemática comalunos cegos 70Jurema Lindote Botelho Peixoto e Aida Carvalho Vita

DIALOGANDO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS DA INCLUSÃO

Na linha do tempo: histórias do fazer docente em educaçãoespecial e políticas públicas 81Hildete Pereira dos Anjos

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Educação para uma sociedade inclusiva 90Eliane de Sousa Nascimento

Escolas inclusivas e capacitação dos professores 99Josilene Souza Lima Barbosa, Márcia Mesquita Cardoso Alves eRita de Cácia Santos Souza

4. Formação de professores: caminhos para a inclusão 110Thereza Cristina Bastos Costa de Oliveira, Fabiana Rodrigues dos Santos,Denise Bastos Costa e Érica Cunha Figueiredo

DIALOGANDO NOS DIVERSOS CONTEXTOS DA INCLUSÃO

A Surdocegueira nas suas dimensões conceituais 110Nelma de Cássia Silva Sandes Galvão

A família: agindo e interagindo com o defi ciente intelectualno processo de aprendizagem. 119Solange Ornellas, Telma Cristina Honorato Santos eAlzira de Castro Gomes

Uma análise sobre a relação família e escola e as implicações que essa relação traz para as crianças comnecessidades educativas especiais. 129Cláudia Paranhos de Jesus Portela, Rosangela Ribeiro Reis eGláucia Trinchão

Humanização hospitalar e classes hospitalares: uma perspectiva da parceria para a inclusão. 151Janúsia Conceição Teixeira dos Santos Alves, Rosângela Silva do Carmoe Priscila Santos Amorim

Apoio ao processo de inclusão de estudantes defi cientes visuais: um estudo sobre a efetivação do trabalho do CAP/ Salvador – Ba 160Robenilson Nascimento dos Santos

O lugar da defi ciência entre os índios primitivos 170Patrícia Carla da Hora Correia

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PREFÁCIO

O livro Dialogando com a Inclusão II foi organizado por professores do Curso de Formação de professores na área da Deficiência Visual da Universidade do Estado da Bahia, financiado pelo Ministério da Educação através da Secretaria da Educação Especial e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e apresenta-se discorrendo sobre as diferentes matizes da inclusão, perpassando pela práxis educativa onde enfatiza questões metodológicas e práticas que consubstanciam a dinâmica educativa. Dialoga com as políticas públicas da inclusão acentuando a formação dos professores e discute com a inclusão em diversos contextos, ora escolares, ora familiares, chegando a contemplá-la entre os indígenas.

É evidente que este diálogo é permanente e contínuo e não se esgota com as questões discutidas nesses textos, entretanto conduz o leitor a se deliciar com as temáticas e a se perceber dialogando como acontece no texto sobre o curso de Formação de professores na área da deficiência visual onde Correia apresenta esta experiência mostrando sinteticamente os objetivos, conteúdos e metodologia que envolvem o curso de formação bem como seus aspectos relevantes, trazendo ainda depoimentos que mostram a necessidade da formação de professores para melhor incluir os alunos com deficiência visual.

Hora, Matos e Cafeseiro enfatiza a necessidade do aluno com Sindrome de Donw e Deficiência Intelectual utilizarem sessões de estudos com intervenção tecnológica para o desenvolvimento do conhecimento lógico-matemático. Outra situação ligada a práxis pedagógica da inclusão é o que trás Silva, Landim e Souza, onde abordam o ensino de Ciências para alunos com deficiência visual enfatizando a importância da utilização de recursos visuais para as atividades e enfatizando a importância da formação do professor.

Diante da formação Costa e Miranda apresentam-se enfatizando a mediação pedagógica para a aquisição da língua escrita para alunos com Síndrome de Down possibilitando uma maior relação com o meio e com os outros. Silva e Miranda, consideram que os alunos autistas tem direito a uma educação de qualidade procuram analisar a prática pedagógica do professor no processo de inclusão educacional dessas crianças.

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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Dentre outras estratégias pedagógicas discutidas no livro, o estudo de Reis,

Trinchão e Paranhos, procura discutir como o aluno com deficiência visual consegue se apropriar de conceitos geométricos básicos, construir imagens de diferentes figuras e objetos, de que maneira isso acontece e quais recursos didático-pedagógicos favorecem esse processo de acordo com o tipo de deficiência visual dos alunos. Trata- se, portanto de refletir sobre como se dá a “visualização” no processo de ensino e aprendizagem de conceitos geométricos. Peixoto e Vita analisam as entrevistas de três professoras de Matemática com alunos cegos em sala de aula e os resultados apontaram para uma prática empírica, improvisada e que não incentiva à autonomia do aluno cego na aprendizagem e na escrita necessitando de uma modificação da prática pedagógica do professor.

Pensar em políticas públicas de inclusão escolar representa planejar e implementar ações que ampliem as possibilidades de acesso e inserção social dos diferentes grupos que se encontram à margem na nossa sociedade, quer seja por sua situação de pobreza, sua condição de cor, raça e etnia, por suas opções políticas, religiosas, de orientação sexual ou mesmo por diferenciações em sua constituição física ou cognitiva, no caso as pessoas com deficiência. Assim sendo, discutir formas que possibilitem a inclusão, seja ela social ou educacional das pessoas com deficiência, significa então aceitar a exclusão atualmente presente nos modos como a sociedade se encontra organizada. Nesse contexto, cabe à sociedade como também ao Estado, procurar alternativas para a superação das barreiras presentes no domínio social que afastam os grupos que se encontram marginalizados do direito ao acesso aos bens e serviços, no nosso caso específico, do direito à educação.

Estudos deste livro apontam ações concretas voltadas para educação que visam colaborar com a minimização dos obstáculos e superação dos hiatos que impedem as pessoas com deficiência de obterem uma educação adequada às suas necessidades. Nesse ínterim, a formação do professor requer atenção especial como forma de colocar em prática a inclusão escolar. Assim, o livro abriu espaço para dialogar com as políticas públicas de inclusão onde Hildete dos Anjos busca em seu trabalho sistematizar a montagem da linha do tempo, trazendo as relações entre a história da educação especial no período entre 1987 e 2005, no Brasil e no município de Marabá, e os relatos das professoras da rede municipal participantes da educação especial na época. No texto de Nascimento, a autora faz algumas reflexões sobre a educação inclusiva, sua legislação, e apresenta o resultado de uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, da Universidade de São Paulo (USP) de 06/2009 que é pioneira no campo da DIVERSIDADE na educação brasileira, que traz importantes informações sobre a temática, e mostra que ainda existe muito preconceito sobre a deficiência. Barbosa, Alves e Souza, por sua vez, mesmo considerando os vários caminhos já percorridos para a concretização da educação inclusiva no país, traz como foco de discussão a formação docente, incluindo o atendimento educacional especializado como forma de poder proporcionar aos alunos com deficiência uma educação de qualidade.

Oliveira, Santos, Costa e Figueiredo no seu estudo, enfocam a formação docente inicial e continuada como uma das principais metas a ser alcançada pelas Universidades que trabalham com formação de professores, ressaltando que esta formação deve ser voltada para o exercício de uma prática pedagógica capaz de incluir todos os educandos respeitando as suas diferenças e oferecendo-lhes oportunidades de terem êxito no processo de aprendizagem, nas interações pessoais e, consequente, promoção escolar.

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

Galvão salienta a importância da construção de uma comunicação eficaz

(interação e linguagem, ações intencionais que envolvem a interlocução) para a pessoa surdocega como facilitador do acesso e permanência no espaço escolar. Também ressalta que a escolha deve ser de responsabilidade da própria pessoa surdocega. E que para estimular a comunicação da pessoa surdocega no espaço escolar, é fundamental respeitar a sua singularidade, inclusive criando um ambiente coletivo de acolhimento.

Ornellas, Santos e Gomes mostra o trabalho construído e realizado com famílias de alunos com deficiência intelectual num Centro Especializado, localizado em Salvador, e mostra que a participação da instituição no desenvolvimento do sujeito é imprescindível à construção do seu conhecimento.

Portela, Reis e Trinchão discute à importância da relação entre pais e escola para o desenvolvimento integral da criança, especialmente quem apresenta algum tipo de necessidade educativa especial (NEE). Para a autora entre os fatores que exercem influência educativa na formação da personalidade do indivíduo, a família e a escola ocupam um lugar imprescindível e indissociável.

Alves, Carmo e Amorim consideram as experiências pedagógicas nas classes hospitalares como contribuintes na humanização no hospital, e a sua relevância no processo de aprendizagem dos(as) atendidos(as). A necessidade de parceria com a equipe multidisciplinar para a realização de um trabalho voltado para a busca do bem estar, o desenvolvimento cognitivo dos alunos/pacientes. Neste sentido o professor deve buscar alternativas metodológicas que assegurarem aos indivíduos o direito a escolarização, buscando a sua inserção social sem tantos prejuízos causados pelo adoecimento.

Santos fala sobre o Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual - CAP, a materialização da política pública de inclusão educacional de deficientes visuais, e salienta que esse carece de revisão, concernente às diretrizes teórico-metodológicas, que o fundamenta, e às ações implementadas. O estreitamento das relações entre o CAP e o colégio, visando impulsionar discussões na comunidade escolar a respeito dos estudantes deficientes visuais para que as mesmas sejam incorporadas aos documentos orientadores da instituição, Projeto Político Pedagógico, Plano de Desenvolvimento Escolar e Regimento Escolar.

Correia discute sobre o lugar do índio com deficiência dentre os povos mais primitivos que habitavam às Américas, que seria determinado por convivências ora de aceitação, tolerância e respeito, ora de discriminação e de extinção e que podem de certa forma ter influenciado os modos de conviver do índio brasileiro. A discussão do texto faz parte do projeto intitulado Modos de Conviver do índio com deficiência: estudo de caso na Etnia Indígena.

Neste sentido, espera-se que o diálogo com a inclusão seja prazeroso e dinâmico e que conduza o leitor a processos contínuos de formação e educação na tentativa infinita de tornar a pessoa com deficiência cada vez mais cidadão.

As organizadoras

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA ÁREA DA DEFICIÊNCIA VISUAL: UMA EXPERIÊNCIA

Patrícia Carla da Hora Correia1

O Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial: Formação de Professores na Área da Deficiência Visual, na modalidade a distância foi elaborado pelo Núcleo de Educação Especial da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, financiado pelo Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI e Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação –FNDE, tendo como objetivo aprofundar conhecimentos e habilitar educadores para atuar na Educação Especial. Considerando a necessidade em atender à demanda de alunos com deficiência visual, localizadas nas diversas regiões do pais, a Universidade realizou este curso que teve como clientela alvo profissionais da área de educação, bem como outros profissionais interessados na temática, objetivando capacitá-los para atuarem numa educação fundamentada na construção de uma sociedade inclusiva.

Com as atuais resoluções da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não é mais possível ignorar a demanda e a necessidade de reflexão sobre as novas concepções da educação inclusiva dos alunos com deficiências. Neste sentido, a Universidade do Estado da Bahia tem realizado ações com o objetivo de contribuir com o movimento inclusivo, enfatizando a formação de professores nas diversas áreas da Educação Especial. Atualmente a UNEB, de natureza multicampi, desenvolve atividades de extensão, pesquisa e cursos de especialização centralizados no Núcleo de Educação Especial no Campus de Salvador.

Trabalhar hoje no Brasil a educação especial na perspectiva da educação inclusiva é uma necessidade, pois o que se quer é garantir para todos equidade, igualdade de oportunidades e educação em condições mais normais possíveis, apesar das diferenças de desenvolvimento de cada ser humano. Acredita-se, portanto, que este curso contribuiu para tornar a escola verdadeiramente para todos, mais sensível e reconhecedora dos seus direitos.

Daí para começar este artigo considera-se pertinente expor uma citação de Vigotski(1997):

"Conhecemos bem qual o primeiro passo, não podemos evitar cometer muitos 1 Mestre em Educação Especial pela Universidade Estadual de Feira de Santana e Centro Latinoamericano de Educação Especial e doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia fazendo parte do grupo de estudo e pesquisa em Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais – GEINE – Programa de Pós-graduação em Educação. [email protected];

O CURSO E O DIÁLOGO COMEÇA...

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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erros e sérios. Mas todo o problema reside que o primeiro passo seja dado em uma direção correta. O demais virá a seu tempo. O incorreto se eliminará e o que falta se agregará. "

Quer dizer, luta-se por uma escola inclusiva, uma escola aberta a diversidade que leva implícita a ideia de complexidade, pois se trata de educar a grupos que tem pouco de homogêneo e muito de diferente, então caminhar-se-á por lugares ainda desconhecidos com tentativas de acertar e de um dia alcançar realmente a inclusão.

A escola pública hoje é um direito para toda a população, é a formadora básica de futuros cidadãos, por isso deve estar organizada e estruturada para receber todo e qualquer aluno, mas especificamente no caso deste o aluno com deficiência visual. Portanto, a escola pública deve estar preparada para a realização desse papel e acredita-se que o curso contribui para que a escola tenha recursos humanos e materiais específicos para a inclusão dessa clientela.

A instituição escolar trabalha por mais flexibilidade, desenvolvimento e ação, não simplesmente porque se quer incluir as pessoas com deficiência, mas porque se quer sua transformação para os novos tempos. E nesses novos tempos tem-se que superar a segregação daqueles que ainda não tem escolas, ou aqueles que evadem por carência de recursos, maltrados, drogados etc, ocupando uma situação de desvantagem na escola ou até mesmo em casa.

Daí surge um questionamento: Será que a escola inclui aqueles que estão lá? Em que contexto estão os alunos com deficiência matriculados nesta escola? Em que contexto estão os alunos com deficiência matriculados nesta escola? A reflexão em torno desta questão surge quando se encontra em todo o Brasil escolas despreparadas, professores desinformados, mal remunerados e acima de tudo desqualificados para lidar com esta questão. É claro que se faz necessário salientar que as políticas públicas educacionais em prol da inclusão estão cada vez mais marcantes e alcançam uma clientela crescente. Entretanto, é importante fazer mais, já que a inclusão não é só um problema escolar, mas um problema social. É um problema de todos nós, brasileiros e cidadãos.

Seria oportuno salientar que a formação do professor neste sentido irá contribuir bastante para a propagação dessa inclusão. Os professores devem garantir que seu ensino seja socializador, integrador e formador, adaptando o ensino ao aluno quer seja com deficiência ou não, considerando o conhecimento adquirido pelo aluno como os pré-requisitos para outros conhecimentos. Compreender que os construtos sociais (experiências, valores, crenças) devem ser os substratos para a cognição ser de forma que o docente busque a matéria prima na problematização da realidade, conduzindo o aprendiz a pensar, sentir, julgar e agir como aprendiz transformacional, que ao mesmo tempo em que transforma é transformado.

Neste sentido buscando realizar o seu papel social e extencionista a Universidade organizou o Curso de Formação de Professores na Área da Deficiência Visual, na modalidade a distancia, contribuindo assim com a formação de professores no pais. Este curso aconteceu de 2007 a 2012, sendo relatadas neste artigo algumas considerações da formação. O objetivo geral proposto para esse curso é formar profissionais para o atendimento educacional do aluno com deficiência visual na rede regular de ensino e nos Serviços de Apoio Pedagógico na perspectiva inclusiva. Como objetivo específico tem-se discutir numa perspectiva da Educação Inclusiva construindo, reconstruindo e ressignificando conceitos, procedimentos e atitudes concernentes ao trabalho pedagógico na área da deficiência visual oferecendo ao cursista-professor o conteúdo necessário para a reflexão do trabalho educacional e

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

desenvolver habilidades para programar estratégias de ensino apropriadas as especificidades do aluno com deficiência visual. O curso está organizado considerando a seguinte matriz curricular:

O Módulo I de Estudos Básicos-ESB é constituído por fundamentos teóricos que construirão a base inicial para a formação do professor que atua com alunos com deficiência visual, conduzindo a uma reflexão sociológica, filosófica, histórica e orgânica redimensionando sua prática pedagógica. As disciplinas deste módulo foram Aspectos Sócio Histórico e Políticos da Educação Especial e Desenvolvimento Aprendizagem e aspectos Psicológicos da Deficiência Visual.

O Módulo II de Complementação Curricular Específica-CCE possui referenciais concernentes a instrumentalização que embasa a atuação do professor em relação a pessoa com deficiência visual. Neste módulo fazem parte as disciplinas o Sistema Braille e Soroban e Atividades Da Vida Diária E Escrita Cursiva.

O Módulo III de Estudos Complementares-ESC, contempla as dimensões epistemológicas e metodológicas do fazer docente concernentes a organização do trabalho escolar, aos saberes relativos à docência e a dinâmica pedagógica da criança com deficiência visual. Como disciplina deste módulo apresenta-se a Inclusão social, familiar e educacional Do Deficiente Visual. A combinação desses três módulos contribuiu para uma formação mais coerente do educador considerando as possibilidades de pesquisa que este curso poderá proporcionar.

Sendo este curso na modalidade à distância a construção dos fundamentos teóricos metodológicos se deu pela interação entre a autonomia; o trabalho cooperativo; a inter e a transdisciplinaridade, bem como pela investigação, pela relação teoria e prática, pela flexibilidade e pelo diálogo. A estruturação desse curso tem base na experiência do Curso de Administração, modalidade à distância que venceu a seleção nacional para elaborar material didático de Curso de Educação a Distancia (CEAnD), do programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) do MEC.

Assim na organização do Curso de Formação de professores na área da Educação Especial, semelhante ao curso anteriormente citado, buscou-se trabalhar com estratégias específicas para atender a diversidade de cursistas que se interessassem pela temática enfocando a Deficiência Visual. Foram utilizados seminários temáticos organizados pelos professores, diários reflexivos, questões organizadas pelos professores e chat.

Foi também utilizado software de adaptação para pessoa com deficiência visual (Dos vox, JAWS) para atender àqueles cursistas que apresentam deficiência visual facilitando a sua participação e efetivamente tornando este curso inclusivo e viável . Os eixos dinamizadores do currículo do curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial: Formação de Professores na Área da Deficiência Visual são alicerçados não só nas abordagens epistemológica e metodológica do curso, mas também abordagens teóricas/práticas de conteúdos trabalhados, a partir de vivências.

A proposta do curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial: Formação de Professores na Área da Deficiência Visual teve como pressuposto a concepção de educação contínua e permanente, oferecida ao cursista através da construção de uma

Módulo NomenclaturaI Estudos Básicos - ESBII Complementação Curricular Específica - CCE

III Estudos Complementares - ESC

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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nova concepção em torno do aprender conduzindo–o a utilizar o potencial educativo na sua comunidade.

O acompanhamento ao cursista foi por tutoria a distância e presencial, como também acompanhamento virtual permanente dos professores de cada disciplina. Aconteceu também a partir dos fóruns coletivos, seminários, diários reflexivos, chats etc. Por meio do Sistema de Acompanhamento, o cursista recebeu retorno individualizado sobre o seu desempenho, bem como orientações e trocas de informações complementares, relativas aos conteúdos abordados em exercícios desenvolvidos, principalmente, àqueles que tenham sido respondidos de forma incorreta, propiciando-se novas elaborações e encaminhamentos.

Os tutores foram atores importantes para que o curso pudesse acontecer de forma satisfatória. Na primeira edição do curso contou com a presença de tutores a distancia e presenciais. Estes foram escolhidos pelos próprios municípios. Aqueles foram escolhidos seguindo os seguintes critérios: ser aluno do curso de especialização em Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva oferecido pela UNEB; ser professor licenciado. Para a quarta e quinta edição do curso foi realizado uma seleção aberta para toda a comunidade a partir de uma prova escrita.

A formação desses tutores ocorreu em um curso presencial e a distancia com mais de 40 horas. Para os tutores presenciais também foi ofertado curso a distancia sobre o AVA-Moodle. Mesmo sendo um curso a distancia foi pedido aos tutores presenciais(somente presentes na primeira edição do curso) que reunissem semanalmente os alunos para tirar as dúvidas. Isso ocorreu em todos os municípios com exceção dos dois estados participantes do projeto. Este fato favoreceu bastante o bom desenvolvimento do curso.2

Dentre os principais problemas encontrados para a realização do curso e acesso dos alunos ao ambiente foi a dificuldades de acesso ao computador. Alguns professores/alunos tinham apenas um dia na semana para a realização das atividades propostas, outros possuíam internet discada o que também dificultava, em outros municípios acontecia queda de energia. Mas independente dos problemas a boa vontade de todos os alunos em querer concluir o curso estava sempre presente. No Núcleo de Educação Especial da Universidade existia pessoal disponível todas as tardes e segunda, quartas e sextas pela manhã isso contribuiu para tirar dúvidas e acalmar as ansiedades.

O que contribuiu para o acesso foi o apoio de algumas secretarias de educação. Elas estavam bastante atentas ao trabalho realizado e sempre que ocorria qualquer problema o acesso era rápido e a resposta imediata. Outra iniciativa que merece destaque foram os encontros presenciais com os alunos. Isso aconteceu na primeira etapa em 15 municípios, o que favoreceu o desenvolvimento das atividades3. Em duas turmas, cuja a jurisprudência era estadual as dificuldades de comunicação se agravavam pelas distancia entre os municípios e a sede, mas conseguimos chegar até o final.

Assim, a fim de garantir ainda mais o acesso, permanência e qualidade de ensino ao cursista do curso foram realizadas algumas ações destacadas abaixo:

a) 0800UNEB: Atividade que gerou resultados positivos foi o número do serviço 0800 oferecido pela Universidade do Estado da Bahia gratuitamente para todos os cursistas de qualquer lugar do Brasil. Foi realizado um plantão com todos os

2 Dados presentes no relatório da primeira Edição do Curso. 3 Idem item anterior

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

tutores a distancia e os professores de educação a distancia para que se pudesse melhor atender a clientela do curso e sanar as duvidas existentes.

b) Curso de Braille: Foi ofertado pela Universidade um curso de Braille e Soroban para todos os tutores. O objetivo era familiarizar o tutor no conteúdo que ele iria acompanhar no curso e na oportunidade oferecemos também algumas vagas gratuitamente para a comunidade. Este curso se tornou uma prática na Universidade.

c) Oficina de Elaboração de Material: Outro ponto crucial no curso foi a Oficina de Elaboração de Material para os professores que iriam montar o material no ambiente. Como foram professores da Educação Especial sem experiência na Educação a Distancia foi um aprendizado muito importante, árduo, mas crescente.

d) Pesquisa na área de formação de professores: Durante a formação foi também executado um projeto de pesquisa cujo os objetivos eram:

� Caracterizar o perfil dos cursistas � Identificar os saberes dos cursistas sobre a deficiência visual e a EAD � Estabelecer relação entre a inclusão escolar/social e especificamente

com a formação de professores � Delinear traços históricos-culturais-sociais e pedagógicos da formação

de professores na área de deficiência visual refletindo acerca da participação dos cursistas

� Identificar os impactos teórico-práticos do curso para os cursistas (estudantes-professores-tutores) ressaltando indicadores de acessibilidade, continuidade e permanência das diferenças na Universidade para o exercício da equidade social.

Para realizar a pesquisa foram utilizados fontes de dois tipos: Fontes primárias e secundárias. As primárias dizem respeito a questionários aplicados aos cursistas constituindo-se num pré-teste e depois um pós-teste . Como fonte secundária os documentos do curso( programação, número de inscritos, concluintes e abandono). Nas edições seguintes tivemos apenas questionário on-line. A documentação do curso possibilitou obter indicadores de desempenho, considerados na avaliação do curso a distância, realizado pela UNEB pela UNEB que são:

� Número de inscritos � Percentual de abandono do curso � Equipe de elaboração de material � Tutoria � Percentual de instrutores por aluno � Qualificação da equipe � Qualidade dos textos

Para analisar o impacto do curso e atendendo aos objetivos específicos utilizou-se o método da Arvore do Conhecimento de Pierre Levy e Michel Authier (1995). Por meio de um relatório foi realizado descrição dos dados analisados. Para as etapas quatro e cinco os dados ainda estão sendo analisados.

A opção pela Educação a Distancia nas Universidades em todo o país é cada vez maior, uma vez que está modalidade de educação alcança um grande número de pessoas nas áreas mais distantes. Este fato fez com que a Educação a Distância

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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avançasse em termos qualitativos e quantitativos no cenário internacional, assumindo um status de alta credibilidade em vários contextos.

O que se pode e deve-se acentuar neste trabalho é o empenho de Ministério da Educação em estar formando professores organizando desta forma uma política que visasse o desenvolvimento dos professores na sua prática pedagógica. Assim surge o grande desafio: Trabalhar com a Educação a distancia e a Educação Especial na perspectiva de Educação Inclusiva.

Diante deste contexto a Universidade do Estado da Bahia com o apoio incontestável da Reitoria e Pró-reitoria de Extensão assume esse desafio, pois se acredita que a inclusão deve ser pensada, implantada e implementada por todos os meios e formas para alcançar o maior número de pessoas possível.

É verdade que para os profissionais da Educação Especial entrar na Educação a Distancia foi muitas vezes desconstruir paradigmas e reorganizar ideias. Tudo era novo: aprender sobre o Ambiente Virtual de Aprendizagem AVA-MOODLE, organizar o ambiente, interagir com os alunos, etc. Mas se conseguiu alcançar os objetivos como atestam alguns relatos:

Apresento alto grau de satisfação em relação ao curso por ter assegurado aos participantes um ambiente acadêmico, virtual, dinâmico e rico de conteúdo que estimularam a aprendizagem. Os cursistas responderam positivamente ao desafio lançado pela UNEB que ofereceu na modalidade de EAD conteúdos práticos de Soroban e Sistema Braille, comumente oferecido de forma presencial. Frente às produções escritas, tenho à certeza que eles irão fazer a diferença, cada um no seu contexto. (Professora Cátia Paim)

Para tanto a disciplina Desenvolvimento, aprendizagem e \aspectos Psicológicos do deficiente visual se apresentou de forma e eficaz, atendendo aos objetivos propostos, segundo comentários de participantes que voluntariamente se pronunciavam. (Professora Helena Silva)

O impacto social positivo do curso nos municípios é um aspecto relevante, pois nas leituras das produções dos cursistas é possível verificar o desejo de contribuir para que as escolas se tornem de fato inclusivas e, também, com as leituras feitas já se posicionam menos preconceituosos em relação as pessoas com deficiência, percebendo essas pessoas como capazes e que merecem mais respeito por parte de toda a sociedade.(Professora Cátia Paim)

As discussões registradas e os pontos de vista apresentados nos fóruns das duas disciplinas – Sistema Braille e Desenvolvimento, Aprendizagem e Aspectos psicológicos do deficiente Visual – deixam-nos a clara certeza que os cursistas ampliaram seus conhecimentos e poderão futuramente enriquecer suas experiências em sala de aulas bem como, estarão aptos a desenvolver um trabalho eficaz envolvendo a comunidade interna e externa à escola.(Professora Ana Batista)

[...] avalio positivamente essa primeira experiência da Universidade do Estado da Bahia(UNEB), na gestão/implementação de um projeto dessa abrangência e significado. Sinto-me honrado em estar participando desse curso na condição de docente, prestando uma diminuta contribuição no processo educacional das pessoas com deficiência visual. (Professor Robenilson Santos)

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

A falta de intimidade dos cursistas com a informática e a dificuldade para expor idéias numa comunicação escrita e a distância, também foi um obstáculo, o que somando com a falta de equipamento e a falta de tempo, provocou não apenas a desistência de muitos participantes como também um mal rendimento na realização das atividades. (Tânia Silveira - Tutora a distancia)

Apesar de ter achado muito difícil a leitura e a escrita em Braille, gostei muito da experiência, e se Deus quiser no próximo ano farei um curso de Braille presencial, aqui em Rio Bonito.Valeu a experiência!!!(Eliane Brun, Rio Bonito, quarta – 19:54)

Obrigado! Suas devolutivas foram pertinentes e só temos a agradecer o incentivo apoio e discussões que aconteceram em sua disciplina. (Marcelo Cerqueira, Irara !, terça – 23:28)

A inclusão oferece oportunidades para a pessoa com deficiência interagir com o meio e neste sentido a Universidade do Estado da Bahia com o Curso de Formação de Professores na área de deficiência visual procura contribuir com este processo. Uma das características mais marcantes foi o desafio de aliar Educação a distância com a Educação Especial colaborando para que às pessoas com deficiência visual aprendam de forma satisfatória com recursos que facilitem o acesso a adaptações na escola.

Neste sentido considera-se este projeto de extrema importância não só para as pessoas com deficiência, mas para todos - pais, professores e governantes conduzindo a uma sociedade mais justa.

A Universidade fazendo uso de uma das suas funções, a extensão, busca formar professores mais preparados para a inclusão, pois os professores devem garantir que seu ensino seja socializador, integrador e formador, adaptando o ensino ao aluno quer seja com deficiência ou não, considerando o conhecimento adquirido pelo aluno como os pré-requisitos para outros conhecimentos. Compreender que os constructos sociais (experiências, valores, crenças) devem ser os substratos para a cognição de forma que o docente busque a matéria prima na problematização da realidade, conduzindo o aprendiz a pensar, sentir, julgar e agir como aprendiz transformacional, que ao mesmo tempo em que transforma é transformado.

Por isso é necessário o docente considerar a natureza da aprendizagem apreendendo o contexto e as condições em que esta ocorre, buscando a integração do saber, da pessoa e da ação, dinamizando as situações intencionais de aprendizagem e incluindo o outro no processo inclusivo. Entretanto, neste processo é importante o docente se colocar, parafraseando Gonzaguinha, como eterno aprendiz, derrubando as barreiras e aceitando-se como ser aprendente.

Portanto acredita-se que o curso semeou na mente e no coração do professor para a inclusão, não só como uma obrigação legal, mas como questão social.

Referências FERREIRA, J.R.A exclusão da diferença. Piracicaba, UNIMEP, 1993 Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasilia, MEC, 1996

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MANTOAN, Maria Teresa Egler. A inclusão escolar de deficientes mentais. Rio de Janeiro: WVA, 1997 SASSAKI, K.R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997 SIDNEY. Jucimar Luiza – In: WWW.sac.org.br/ APR – INC. htm- 05/04/2007 UNESCO. Organização das Nações Unidas para Educação para todos. Linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Genebra, UNESCO, 1994. VIGOTSKI, L. S. Obras Completas. Fundamentos da Defectologia. 2ª edição. Playa, Ciudad de La Habana, 1997 Tomo V. WESTMACOTT, K. Trabalhando por mudanças. Tradução por: Maria Amélia Vampre Xavier. CBRNews, Londres, nº22, p 4, abril/ 1996.

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

INCLUSÃO EDUCATIVA, COGNITIVA E AS APRENDIZAGENS DA MATEMÁTICA

Genigleide Santos da Hora4 Aracy Curvelo de Matos5

Jeane Santos Cafeseiro3

Considerações iniciais O presente artigo relata ações da pesquisa vinculada ao Programa de

Pesquisa TEIAS: Traçando a Educação Inclusiva e Acessível6 desenvolvida por docentes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), financiada pela Fundação do Amparo à Pesquisa no Estado da Bahia (FAPESB). O desenvolvimento de ações de cunho colaborativo de intercâmbio junto aos professores da Educação Básica, do ensino regular público do município de Itabuna/BA.

O ser humano aprende com as interações sociais e que a escola possui um grande diferencial por ser responsável por essa socialização estabelecida no relacionamento entre os profissionais de educação e os discentes. Na verdade, a escola, pode ser a responsável pela vivência salutar entre professor-aluno, quando devidamente mediadas, a fim de promoverem trabalhos em grupo cooperativistas, permitindo que os conhecimentos se processem de forma significativa e solidária, com ganho para todos os envolvidos.

Outro ponto importante da socialização é o processo da inclusão educativa que pode ser entendido como uma construção histórica, cultural, social e econômica

4 Pedagoga; Mestre em Educação (UFBA); Pós-Graduada em Psicopedagogia e em Metodologia do Ensino Superior (UCSAL); Professora Assistente da Licenciatura de Pedagogia, do Departamento de Ciências da Educação (DCIE); Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC, Ilhéus/BA); Coordenadora da Pesquisa TEIAS da Inclusão. E-mail: [email protected] 5 Docente da Educação Básica; Aluna Curso de Pós-Graduação Gestão Escolar (UESC); professora auxiliar do Curso de Graduação Digital de Pedagogia, da Universidade Santo Amaro (UNISA - Itabuna); Pesquisadora voluntária do TEIAS/UESC.. E-mail: [email protected] 3 Pedagoga; docente da Educação Básica; Pós-Graduanda de Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar; Coordenadora Administrativa do Curso de Psicopedagogia do Núcleo de Pós-Graduação de Itabuna (NPGI) sob chancela do Instituto Superior de Educação Ocidemnte (ISEO). Pesquisadora voluntária do TEIAS/UESC. E-mail: [email protected] 6 HORA, Genigleide Santos. Contextualizando o programa de pesquisa teias: traçando a educação inclusiva e acessível. Revista ESTUDOS IAT, Salvador, v. 2, n. 1, p. 84-101, jan./jun., 2012. Acesso: 28.04.2012. Disponível: http://estudosiat.sec.ba.gov.br/index.php/estudosiat/issue/view/4/showToc

DIALOGANDO NA PRAXISDA INCLUSÃO

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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das diferenças. Uma vez que as políticas públicas concorram para concretizar a inclusão e garantam, no seu todo o reconhecimento do direito à diversidade, sem opor-se à luta pela superação das desigualdades sociais.

É partindo do princípio de uma “Escola para Todos” que todas as crianças devem ser incluídas, como também, aquelas com Necessidades Educativas Especiais (NEE), devem ser beneficiadas por uma escola que propicie a igualdade à aprendizagem. Embora, timidamente se constate que nos últimos anos, as autoridades brasileiras, articuladas com a sociedade, vêm realizando esforços para transformar os sistemas educacionais.

Nesse sentido, o Programa de Pesquisa TEIAS/UESC, de cunho colaborativo, faz parte das políticas públicas, aqui, apresentamos resultados dessa Pesquisa-Ação junto a professores de alunos com Síndrome de Down e Deficiente Intelectual do Ensino Fundamental, do município de Itabuna/BA, com o objetivo de investigar as aprendizagens e as dificuldades relacionadas aos conhecimentos lógico-matemáticos deste público.

Na verdade, as relações estabelecidas nas escolas regulares poderiam ampliar as aprendizagens e motivando parcerias que estimulem o aprender interagindo. É fato que, quando não se trabalham as interações na sala de aula fomentando uma educação cooperativa e o aluno que tem dificuldade de aprendizagem, o mesmo se sente rejeitado, inviabilizando cada vez mais o desenvolvimento das suas habilidades e competências.

A pesquisa e as tecnologias na sala de aula A Pesquisa TEIAS: Traçando a Educação Inclusiva e Acessível, de cunho

colaborativo, amplamente fortalecida pela parceria entre a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) de Canoas, Rio Grande do Sul com o Grupo de Pesquisa de Tecnologias Educativas e de Estudos Curriculares de Educação Matemática (GECEM), convênio da FAPESB (2008-2011), e a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A ULBRA traduziu o Software Sistema Tutorial Inteligente (ITS) para o português (2007), com autorização da Univeridade de La Laguna (ULL), em Tenerife, Espanha.

O aspecto inclusivo dessa Pesquisa fora voltado às aprendizagens e as dificuldades da aprendizagem como um dos enfoques do TEIAS, por atentarmos às questões da cognição do sujeito, sob a óptica do fazer Psicopedagógico, busca de novas alternativas metodológicas, com uso das tecnologias, especificamente, para o ensino de Matemática:

[...] em uma organização cooperativa, os resultados que cada membro do grupo persegue são igualmente benéficos para os demais alunos com quem está interagindo (COLL, MARCHESI, PALÁCIOS, 2004, p. 281).

Concordamos com os autores quando sugerem a busca da organização cooperativa e atentarmos para os aspectos Políticos e Pedagógicos inovadores, os quais estimulem as diferenças individuais e assegurem a igualdade de oportunidades aos alunos sem distinção. Nesse sentido, a partir de sessões de aplicação e estudos, durante dois meses, com a utilização da tecnologia, através do Software Livre computacional, o Sistema Tutorial Inteligente (ITS), o foco partiu dos aspectos qualitativos da abordagem de Pesquisa-Ação. Segundo André (2001):

Para melhor compreendermos e interpretarmos grande parte das questões e problemas da área de educação foi preciso lançar mão de

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

enfoques multi/inter/transdisciplinares e de tratamentos multidimensionais.

Ao consideramos as multidimensões da Pesquisa-Ação, propomo-nos observar a partir das intervenções tecnológicas, junto a 05 alunos com diagnóstico da Síndrome de Down (SD) e com Deficiência Intelectual (DI), atentos aos processos cognitivos envolvidos durante as tarefas matemáticas, mediadas por professores da rede estadual e municipal de Itabuna/BA.

Aqui consideraremos as abordagens construtivista de Piaget (1978; 2003), o qual propõe que todos os indivíduos vivenciam quatro fases: 1º período: Sensório-motor (0 a 2 anos); 2º período: Pré-operatório (2 a 7 anos); 3º período: Operações concretas (7 a 11 ou 12 anos); 4º período: Operações formais (11 ou 12 anos em diante). Aqui não explicitaremos cada um desses períodos por não dispormos de espaço suficiente para tal.

Vale considerar para o autor, todas ocorrem na mesma seqüência, porém, o início e o término de cada uma delas pode variar em função das características da estrutura biológica de cada indivíduo e da riqueza (ou não) dos estímulos proporcionados pela socialização em que esteja inserido. Daí, a divisão nessas faixas etárias ser uma referência, e não uma norma rígida a considerar.

Embora algumas crianças com diagnóstico de SD e DI, muitas vezes (a depender do seu comprometimento intelectual) não conseguem atingir o quarto período, ficam retidos no máximo no terceiro período. Assim se faz necessário estimulá-lo através de situações que ampliem as formas de organização mental e que possibilitem as diferentes maneiras do indivíduo relacionar-se com a realidade que o rodeia ressignificando a todo instante às dificuldades nas aprendizagens.

Sem deixar de falar nas outras questões da SD, como a motricidade que os impedem de fixarem o olhar na tela do computador devido à lentidão e o seu baixo tono muscular, os quais inicialmente necessitaram de uma interação deste com a tecnologia/meio para desenvolver proximidade com o objeto e capacidade de atenção. De modo geral, também, a linguagem condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento, pois exige um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado único e exclusivo pela linguagem. Conforme La Taille (1992), isso implica entender que o desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência.

E no olhar Psicopedagógico dos pesquisados com diagnóstico de SD e DI se encontram no período das operações concretas (7 a 11, 12 anos), quando dá lugar à capacidade de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes (próprios e de outrem) e de integrá-los de modo lógico e coerente. Demonstraram acompanhar determinadas atividades como classificar, comparar e seriar.

Embora os mesmos (pouco) tenham apresentado no decorrer da pesquisa com o software ITS, novas capacidades de análises e de crítica; não propôs novos códigos de conduta; nem discutiu os seus próprios valores éticos/morais e tão pouco construiu uma total autonomia, forma predominante de raciocínio utilizado pelo adulto. Mas demonstravam condutas comparativas e argumentativas.

A seguir, apresenta-se na Figura 2, a análise do desempenho dos alunos investigados na realização das atividades com o software ITS.

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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CLASSIFICAÇÃO

Objetivos: Perceber as qualidades dos objetos e distinguir suas semelhanças e diferenças, agrupando-as ou separando-as de acordo com essas qualidades.

EXEMPLO DE ATIVIDADE ALUNO A ALUNO B

“Assinale as crianças que estão

de frente”.

- Identificou semelhanças e diferenças entre objetos.

- Apresentou dificuldades em atividades de classificação quando os atributos eram mais elaborados.

- Levou um tempo elevado para realização das atividades.

-Identificou semelhanças e diferenças entre objetos.

- Apresentou dificuldades em atividades de classificação quando os atributos eram com elaborados.

SERIAÇÃO

Objetivos: Ordenar ou seriar uma coleção de objetos segundo uma determinada relação.

EXEMPLO DE ATIVIDADE ALUNO A ALUNO B

“Coloque as flores no lugar que

lhes correspondem, ordenando-as da mais curta a mais longa”.

“Busque o elemento que segue

em cada série, marque primeiro a interrogação e logo o elemento”.

- Apresentou dificuldades quando realizou pela primeira vez esse tipo de atividade, depois aprendeu e conseguia realizar as atividades semelhantes a essa.

- Demonstrou dificuldade de completar séries com dois elementos desconhecidos.

- Não conseguiu realizar esse tipo de atividade.

- Identificou a posição de um objeto de acordo com diferentes pontos de referência ou de acordo com a representação da ordem.

- Realizou essa atividade com facilidade.

- Demonstrou dificuldade de completar séries com dois elementos desconhecidos.

- Não conseguiu realizar esse tipo de atividade.

Fonte: Pesquisa de campo do Projeto TEIAS, 2011.

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

Afinal, as tecnologias quando bem utilizadas, podem auxiliar a gerar as

mudanças necessárias na Educação Inclusiva, ajudando a desenvolver no aluno ações cognitivas cada vez mais autônomas; favorecendo-o condições de avançar nas suas aprendizagens; pois, torna-se possível desenvolver atividades que façam o aluno defrontar-se com situações do dia-a-dia e assim, exercita as operações lógico-matemáticas fazendo-o sentir-se mais seguro nas tomadas de decisões, ato extremamente difícil para alunos com SD.

Assim as situações mínimas exigidas no contexto escolar necessita de adaptações curriculares. E, ao inserirmos tais alunos, quais aprendizagens realmente acontecem nas relações estabelecidas entre toda a comunidade? Porém, a mais intensamente se estabelece entre professor-aluno e aluno-aluno na sala de aula. Sendo que o professor é o agente mediador (ou pelo menos deveria) do conhecimento sistemático, possibilitando ao indivíduo com NEE o acesso ao conhecimento científico de forma contextualizada, aqui propomos o uso do recurso tecnológico como ponte.

Até porque, Coll (1992, p.172) sinaliza na teoria psicogenética contribuições significativas ao campo da aprendizagem escolar:

a) as dificuldades de ordem técnica, metodológicas e teóricas no uso de provas operatórias como instrumento de diagnóstico Psicopedagógico, exigindo um alto grau de especialização e de prudência profissional, a fim de se evitar os riscos de sérios erros;

b) a predominância no "como" ensinar coloca o objetivo do "o quê" ensinar em segundo plano, contrapondo-se, dessa forma, ao caráter fundamental de transmissão do saber acumulado culturalmente que é uma função da instituição escolar, por ser esta de caráter preeminentemente político-metodológico e não técnico como tradicionalmente se procurou incutir nas idéias da sociedade; [...]

d) a idéia básica do construtivismo postulando que a atividade de organização e planificação da aquisição de conhecimentos estão à cargo do aluno acaba por não dar conta de explicar o caráter da intervenção por parte do professor;

e) a idéia de que o indivíduo apropria os conteúdos em conformidade com o desenvolvimento das suas estruturas cognitivas estabelece o desafio da descoberta do "grau ótimo de desequilíbrio", ou seja, o objeto a conhecer não deve estar nem além nem aquém da capacidade do aprendiz conhecedor.

Para tanto, as idéias Piagetianas representam uma compreensão do desenvolvimento humano, quando se evidencia a tentativa de integração entre o sujeito e o mundo que o circunda. E, nesta empreitada na busca de alternativas metodológicas para o ensino de Matemática, que se fez uso do software ITS.

Contudo, percebemos com uso do software ITS ocorrerem aspectos reforçadores na formação de conceitos lógico-matemáticos, talvez, garantia efetiva da inclusão deste alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), situações que tanto procuramos. Por consideramos tais conceitos mesmo quando utilizado de forma concreta, pois na maioria das vezes fizeram uso de objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas (uso dos dedos) e não de forma abstrata como se deveria.

E, no fazer Pedagógico e/ou Psicopedagógico, quando se utilizam das atividades precípuas do Método Clínico de Piaget (1978; 2003) como recusos que se

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estabelecem na prática tanto do diagnóstico quanto das intervenções, os quais de forma concreta nos dão noções de conhecimentos básicos do sujeito, acerca da: quantificação, seriação e classificação etc.

Assim, fica implícito na ótica de Piaget que o homem é possuidor de uma estrutura biológica que o possibilita desenvolver o mental. Embora, haja vista que este só acontecerá a partir da interação do sujeito com o objeto a conhecer. De certo, a elaboração do pensamento lógico demanda um processo interno de reflexão. Tais aspectos demonstram a tentativa do autor descrever a origem da constituição do pensamento lógico, que focaliza o processo interno dessa construção.

A Formação e o Sistema Tutorial Inteligente (ITS) Vele ressaltar que fora realizado antes de iniciarmos a pesquisa

propriamente dita. O percurso da referida programação subsidiou a equipe a fundamentação teórica do uso do software ITS antes de irmos à prática do Programa TEIAS, a vivência junto aos sujeitos de pesquisa, desenvolvemos ações na UESC:

� PALESTRA: “Tecnologias e Educação Matemática: uma experiência com Síndrome de Down”. Dr. Lorenzo Moreno, da Universidade de La Laguna, Espanha (ULL, / UESC, out./2010);

� MESA REDONDA: “Desenvolvimento cognitivo de sujeitos com Déficit Intelectual, implicações educacionais e da mediação de softwares computacionais na formação e apropriação do conhecimento matemático escolar”. Dr. Arsênio Carmona Gutierrez (UESC), Dr. Lorenzo Moreno (ULL) e Dra. Claudia Lisete Groenwald (ULBRA-RS/UESC, out./2010);

� WORKSHOP: “A mediação do ITS na formação dos conceitos lógico-matemáticos de alunos com Síndrome de Down”. Dra. Claudia Lisete Groenwald (ULBRA-RS, mai./2011);

� WORKSHOP: “Conceitos lógicos matemáticos nas séries iniciais. Inclusão cognitiva em matemática”. Ms Tânia Elisa Seibert (ULBRA-RS), mai./2011;

� PALESTRA 04: “Conceitos lógicos matemáticos e Sistema Tutorial Inteligente: uma experiência com pessoas com Síndrome de Down”. Dra Claudia Lisete Groenwald; Tânia Elisa Seibert (ULBRA-RS, out./2011);

� Trabalho de pesquisa interno do Grupo TEIAS. Dra Claudia Lisete Groenwald; Tânia Elisa Seibert e Agostinho Iaqchan Ryokiti Homa (ULBRA-RS, out./2011).

Toda essa fundamentação voltada à equipe, antes de uso do recurso tecnológico e pedagógico o Software Livre ITS. A pesquisa ocorreu inicialmente 04 pesquisadores da equipe TEIAS/UESC, junto a 05 alunos colaboradores com diagnóstico de SD e DI vinculados ás escolas públicas estaduais e municipais, cujas investigações relativas aos processos cognitivos que envolvessem a aprendizagem da adição e subtração e investigar as dificuldades destes relacionados aos conhecimentos lógico-matemáticos.

Junto aos professores de alunos com NEE, mais especificamente, os sujeito com diagnóstico de SD e DI aos quais foram apresentados problemas que estivessem ao alcance de sua realidade

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

cognitiva e motricidade, para que facilitasse às análises do banco de dados do ITS com o registro da realização das atividades.

Piaget sustentou em sua obra a origem, a gênese do conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, o pensamento lógico não é inato ou tampouco externo ao organismo, mas é fundamentalmente construído na interação entre homem-objeto.

E a nosso ver, as Tecnologias da Informática (TI) facilita essa interação entre professor-aluno, aqui, sujeitos de pesquisa, quando se utilizaram do Software Livre, o Sistema Tutorial Inteligente (ITS), no desenvolvimento dos processos cognitivos da/na aprendizagem da matemática, se faz perceber claramente:

“[...] À medida que a tecnologia informática se desenvolve, nos deparamos com a necessidade de atualização de nossos conhecimentos sobre o conteúdo ao qual ela está sendo integrada. Ao utilizar uma calculadora ou um computador, um professor de matemática pode se deparar com a necessidade de expandir muitas de suas idéias matemáticas e também buscar novas opções de trabalho com os alunos. Além disso, a inserção de TI no ambiente escolar tem sido vista como um potencializador das idéias de se quebrar a hegemonia das disciplinas e impulsionar a interdisciplinaridade” (PENTEADO; BORBA, 2003, p. 64-65).

Para os autores, tais mudanças, no espaço educativo vêm sendo discutidas há algum tempo, em âmbito internacional, em fazer uma educação inclusiva preocupada com as necessidades de cada aluno. Até porque, devemos pensar a inserção das tecnologias educativas no Ensino da Matemática como forma de facilitar interativamente o processo ensino-aprendizagem sujeito com SD e DI na sociedade tecnológica.

No olhar Psicopedagógico, essa busca do organismo por novas formas de adaptação envolvem dois mecanismos, a assimilação e da acomodação. Até porque, ambos os processos são complementares e indissociáveis. Encontram-se presentes durante toda a vida do indivíduo e permitem um estado de adaptação intelectual. É impossível imaginar uma situação em que possa ocorrer assimilação sem acomodação, pouco provável um objeto ser igual a outro já conhecido, ou uma situação ser exatamente igual à outra.

Tais processos podem ser representados pelos links tecnológicos, ou melhor, pelas ligações concernentes entre o conhecimento da Matemática e os conteúdos de outras áreas. E, quando bem utilizado tais elementos e de forma interdisciplinar os quais se podem dinamizar sistematicamente os processos de ensinagem (ensino e aprendizagem), viabilizam na prática novas habilidades e potencialidades vigentes de cada um.

Psicopedagogia no processo da Inclusão educativa E, de modo geral, as políticas educacionais inclusivas estão cada vez mais

estimuladoras para forçar a quebra de paradigmas ao atenderem esse público; embora, ainda, não serem tão eficazes, dinâmicas e motivadoras como deveriam. As quais possam fazer uso constante de práticas sociais de forma que eleve o aspecto cognitivo do aluno com diagnóstico de SD e DI no cotidiano escolar, para que a sua linguagem expressiva, comunicativa e do lógico-matemático ocorra de forma contundente, em prol de uma sociedade mais justa, igualitária e que possa atender a todos.

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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Urge a necessária mudança de postura tanto do educador quanto da escola

frente às questões das NEE, a fim de possibilitarem uma inclusão efetiva destes educandos. É no processo de construções sucessivas resultantes da relação sujeito-objeto que o indivíduo vai formar o pensamento lógico. Diante dessas proposições podemos considerar que o uso das tecnologias como do software Livre ITS no espaço escolar, na sala de aula, certamente, poderá trazer novas possibilidades no processo ensino e aprendizagem destes com SD e DI.

Nessa perspectiva, as dificuldades existam desse público ao lidarem com determinados conteúdos no currículo. Embora, ainda, relacionadas às especificidades referentes às Síndromes, estão, também, ligadas a fatores culturais, principalmente quanto ao modo de entender como ocorre o conhecimento, raciocínio lógico-matemático lhes são apresentados ao aluno com SD, podendo, portanto, serem minimizadas e melhor se beneficiar no seu processo de aprendizagem.

Cabem as escolas/professores e as universidades/pesquisadores irem busca de novas alternativas didáticas. E, apropriar-se cada vez mais de recursos tecnológicos no espaço escolar. Certamente ressignificarão os conceitos de conhecimento para estes sujeitos. Serão a partir de mediações eficazes que evoluam as potencialidades se possam afloram interesses, não só de formação acadêmica, de cidadania, como um espaço de interlocução, mas, também, de uma sociedade inclusiva. Já que é uma ânsia de todos os envolvidos no processo (professores, alunos, pais de alunos, coordenadores, gestor e funcionários) em prol da conscientização nessa ação coletiva.

Devido à complexidade do tema a Educação Matemática, que efetivamos nessa pesquisa relataram indícios das principais mudanças que vislumbramos a cerca da inclusão do sujeito com SD e DI no ensino regular. E, para que realmente ocorra, a orientação e de intervenção pedagógica, com a inovação educativa das tecnologias favorecem, certamente, processos integradores, a adaptação curriculares, dos recursos humanos e de materiais pedagógicos, possibilitando um ensino de maior qualidade.

Para discutir e analisar os aspectos cognitivos e inclusivos na escola regular com a perspectiva de um espaço para todos, significa repensá-la e compreendê-la nas suas configurações sócio-culturais sob um olhar mais atento e (re)definidor das estruturas escolares. E, parece-nos evidente que o modo como o ensino é organizado e conduzido está sendo pouco eficaz em promover o desenvolvimento inclusivo propriamente dito.

Notamos a necessidade de uma reformulação não só na didática do ensino da matemática e correlatas, como em todas as demais disciplinas do ensino fundamental. Atualmente que a ordenação de conteúdos que muitos professores adotam pode prejudicar a assimilação de conhecimentos, pois alguns conteúdos são dependentes de outros, de noções de outras disciplinas, como é o caso das noções de cálculo da disciplina de matemática e da capacidade de raciocínio matemático.

Sendo assim, uma reforma educacional mostra-se extremamente necessária e a diversidade educativa e se multiplicam hoje na América e no mundo quando incluem as diferenças. Estão, além do debate escolar, surgem novos contextos sociais como da atuação do profissional de Psicopedagogia que poderá melhor orientar esse público tanto de professores quanto de alunos nos desenvolvimentos cognitivos voltados para os conceitos matemáticos.

O psicopedagogo Igea (2005) sinaliza a inclusão no ensino regular:

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

Uma das tarefas mais urgentes que a educação dos próximos dez anos deve abordar é, sem dúvida, a formação moral e ética dos cidadãos [...] Sem dúvida, um feito novo que aspira abrir a possibilidade de novos diálogos como a inserção dos deficientes no ensino regular, desta vez com os atores (família, sujeito, escola, comunidade [...]), como parte da infinita intertextualidade que define o contemporâneo.

De acordo com o autor, cabe-nos relacionar a abordagem piagetiana que se converge com tais proposições inclusivas, pois a conjuntura de relações é interdependente entre o sujeito (conhecedor) e o objeto (a conhecer); envolvem mecanismos complexos e imbricados que englobam aspectos que se entrelaçam e se complementam, como: processo de maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e, principalmente, a equilibração do organismo junto ao meio.

E, através das análises com as vivências do Software Livre ITS pudemos identificar as dificuldades destes alunos, SD e DI para elaborarem os conceitos matemáticos. Embora tenha proporcionado uma visão de como ocorre às aprendizagens nos aspectos cognitivos dos conceitos lógico-matemáticos do Ensino Fundamental:

Válido no processo de ensino aprendizagem na Matemática, para os alunos investigados [...] permite verificar o grau de dificuldade do aluno e quais conceitos os alunos necessitam de reforço [...] auxilia os professores no planejamento de atividades individualizadas de acordo com as necessidades de cada aluno (GROENWALD, 2007).

Assim, o desenvolvimento intelectual e social destes pode ser favorecido, pelos docentes de forma adequada quando conhecedores de cujas proposições nucleares do processo ensino-aprendizagem na Matemática. E darão conta ao serem estimulados a compreenderem o desenvolvimento humano equivalente à compreensão de como ocorrem os processos de constituição do pensamento lógico-formal, ou seja, matemático.

Considerações Propositivas Em síntese, as relações entre teoria psicogenética e educação, favorecem

implicadores decorrentes da dicotomia entre os aspectos estruturais e os aspectos funcionais da explicação genética e do reducionismo psicologizante em detrimento ao social, ainda motivam debates acadêmicos.

Assim, a diversidade e heterogeneidade do cenário contemporâneo são reforçadas com as políticas educacionais que girem em torno de situações mediadoras, as quais se articulam intrinsecamente à concepção cognitiva da aprendizagem. Sabemos ainda, que o docente consiste não só em averiguar o que é que o aluno já sabe e como raciocina. Mas, também, com a qual objetiva formular perguntas precisas e no momento exato; Como, também, precisará perceber na prática o ritmo e a forma de como esse aluno constrói o seu próprio conhecimento, aqui em evidência os com diagnóstico de SD e os com DI.

Além de termos investigado quais as facilidades e dificuldades em Matemática dos alunos com NEE de SD e DI apresentaram, através do software ITS, esta pesquisa visou, também, contribuir para um melhor entendimento de como os professores podem agir, para que pessoas com SD e DI reforcem os conceitos matemáticos, pois elas necessitam constantemente de motivação e mediação do que já fora ensinado.

Como Psicopedagoga cabe-nos propor incluir no Projeto Político-Pedagógico

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ações que atenda as demandas das novas configurações humanas; não só reafirmando a mediação do conhecimento como os processos operatórios da produção de conhecimentos, que o explique como incluir reflexões e práticas, no campo tecnológico, social, cultural, estético, ético e, principalmente, inclua as diferenças das aprendizagens.

Nesse sentido, com essa pesquisa qualitativa, abriu-se um novo olhar quando se utilizou do Software Livre Sistema Tutorial Inteligente (ITS), geradora das seqüências de atividades que reforçaram os conhecimentos lógico-matemáticos, produziram “resultados positivos”. Estes alunos investigados apresentam limitações de aprendizagens, ou seja, dificuldades em elaborar conceitos lógico-matemáticos e quando submetidos ao ITS, sob um acompanhamento individualizado, dentro e fora da sala de aula, eles apreenderam melhor tais conteúdos, a partir de situações do cotidiano que lhes exigem lidar com a Matemática.

Analisando as práticas educacionais destes sujeitos com NEE, mediados por docentes sensíveis, são visíveis nas relações afetivas, fluídas e envolventes entre os pares. Principalmente quando estes assumem métodos alternativos, que envolvam a turma no desenvolvimento de habilidades mais assertivas é que nos movam pesquisar. Afinal, concordamos, quando se tem um professor mediador na sala de aula com a percepção de que o aluno é o agente protagonista e responsável pela aprendizagem, o docente canaliza possibilidades de ampliar e re-elaborar o conhecimento e a aprendizagem (COLL, MARCHESI, PALÁCIOS, 2004).

A nosso ver, só será possível empreender a inclusão desses alunos SD e DI nas escolas regulares quando forem realmente subsidiados por profissionais que tenham uma fundamentação teórica e saiba utilizar de recursos metodológicos eficazes que dêem sustentação a sua prática docente. Aqui, mediados pelo uso das tecnologias da informação, proposto com o Software Livre Sistema, o Tutorial Inteligente (ITS), por encontrarem subsídios didáticos que favorecessem a construção do conhecimento matemático desses alunos com NEE.

Na realidade entendemos que aprender é ver através do olhar (Psico)Pedagógico. É o respeito ás diferenças, antes de tudo, a sua identidade, vê-lo como um todo, um ser que sente (emocional), pensa (cognitivo) e age (social) como qualquer outro ser, aquele considerado “normal”. Afirmamos, é preciso perceber que boa parte destes sujeitos de escolas públicas tanto o aluno com SD ou com DI, que na maioria das vezes, se encontram na linha da pobreza e se deriva de um processo de exclusão social e possui uma apropriação histórica que merece atenção especializada.

Com efeito, o conceito de Educação Matemática, de Tecnologias e da diversidade são sinônimo de diálogos e de valores que podem e devem ser compartilhados em uma perspectiva sistêmica na qual cada cultura, cada sujeito se desenvolve e evolui conforme lhes é possível. Para tanto deva ser proporcionado uma estrada de mão dupla: de um lado, a participação popular no processo de investigação de outro, a participação da pesquisa no correr das ações populares quando em contato com outras culturas, ou melhor, com outros sujeitos aprendentes.

A referida pesquisa propôs reflexões, a partir da Pesquisa-Ação realizada junto aos professores de alunos e alunos com Síndrome de Down e Deficiência Intelectual do ensino fundamental no município de Itabuna/BA. Com o objetivo de investigar as aprendizagens e identificar as possíveis dificuldades aos conhecimentos lógico-matemáticos. Pesquisa de cunho qualitativo considerou os instrumentos de produção de conhecimento crítico à transformação da realidade, eis o desafio à inclusão no ensino regular público.

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Referências

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A APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL EM SERGIPE

Tatiane Santos Silva7 Myrna Friederichs Landim8

Verônica dos Reis Mariano Souza9

Introdução A educação inclusiva é fruto de estudos teóricos e práticas que resultam no

exercício pleno da cidadania, garantindo que todos os alunos aprendam juntos, em classes de ensino regular. Para tanto, a escola deve acolher indistintamente a todos os estudantes, buscando assim valorizar a diversidade e considerar as desigualdades naturais ou adquiridas, inerentes às pessoas.

Para tanto, a educação das pessoas com deficiência não deve basear-se no defeito ou na deficiência, ao contrário, deve ser voltado às possibilidades e capacidades da pessoa (VYGOTSKY, 1997). Não se trata, portanto, de ignorar as dificuldades de aprendizagem, mas sim, de encará-las como mais uma característica dentre um universo de características de cada educando, considerando as suas possibilidades de aprendizagem (YOSHIKAWA, 2010).

Em relação ao ensino de Ciências, a dinâmica da aprendizagem muitas vezes valoriza a visualização de imagens, dessa forma, em diversas situações o ensino estrutura-se atrelado ao sentido da visão.

Apesar das dificuldades de um ensino voltado a referências visuais, ainda são escassos os trabalhos que investiguem como está ocorrendo o processo de ensino e aprendizagem de Ciências com alunos com deficiência visual. Neste caso, fez-se necessário realizar um estudo sobre as condições de ensino que estão sendo oferecidos a estes alunos, para que, de posse destas informações, seja possível contribuir para o aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendizagem de Ciências tanto na forma divulgação das atitudes positivas e/ou acertos, quanto em forma de sugestões para melhoria da situação de ensino e aprendizagem, contribuindo para o ensino inclusivo.

Neste sentido, como questões de pesquisa pôde-se indagar: Como está se processando o ensino de ciências para alunos cegos? Como eles aprendem os conteúdos desta disciplina? Os recursos que possibilitam o uso do tato são explorados?

7 Licenciada em Biologia pela Universidade Federal de Sergipe. Mestranda do Núcleo de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal de Sergipe. Grupo de Pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência – NUPIEPED. E-mail para correspondência: [email protected] 8 Doutora em Recursos Naturais pela Universitat Bremen. Professora do Núcleo de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Biologia. E-mail para correspondência: [email protected] 9 Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Professora do Núcleo de Pós Graduação em Educação –NPGED e do Núcleo de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Educação. Líder do Núcleo de Pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência – NUPIEPED. E-mail para correspondência: [email protected]

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Assim, esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar como está

se processando o ensino de Ciências para alunos com Deficiência Visual em escolas da rede pública de ensino em Sergipe. Para tanto, buscou-se analisar quais as maiores dificuldades e acertos no processo de ensino e aprendizagem de Ciências de professores e de seus alunos com Deficiência Visual.

Procedimentos metodológicos O tipo de pesquisa realizada se adapta aos moldes do estudo de caso. Foram

sujeitos da pesquisa três alunos cegos e seus professores da disciplina Ciências. Como método para a coleta de dados utilizou-se entrevistas individuais semi-estruturadas.

O critério para escolha dos alunos foi por eles estudarem o Ensino Fundamental, e frequentarem o Centro do Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual – CAP/DV, uma Unidade Didática de ensino mantida pela Secretaria de Estado da Educação em Aracaju/SE. Eles estudavam o Ensino Fundamental em escolas da rede pública de ensino dos municípios de Lagarto e Pirambú, Estado de Sergipe.

Inicialmente, foram realizadas as entrevistas com os alunos que participaram da pesquisa, a fim de compreender a percepção deles a respeito do ensino de Ciências e suas maiores dificuldades no aprendizado. Posteriormente, os professores dos alunos selecionados para a pesquisa foram entrevistados a fim de caracterizar seu perfil profissional e quais as maiores dificuldades e experiências acumuladas no ensino de Ciências para alunos cegos.

Para realização desta pesquisa, foram utilizados Termos de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, que são recomendados pelo comitê de Ética de Pesquisa em Humanos da Universidade Federal de Sergipe, para que os participantes da pesquisa tenham ciência dos objetivos do estudo, da importância da sua participação e dos eventuais riscos que por ventura venham a ocorrer.

Por motivos éticos os alunos cegos foram identificados como Aluno 1 (A1), Aluno 2 (A2) e Aluno 3 (A3), e seus respectivos professores da disciplina Ciências como Professor 1 (P1), Professor 2 (P2) e Professor 3 (P3).

Caracterização dos atores da inclusão As três professoras entrevistadas são todas do sexo feminino, licenciadas em

Biologia, Física e Pedagogia. Com exercício do magistério variando de sete a vinte e cinco anos (Tabela 1). A professora P2 possui Pós-Graduação Latu sensu em ensino de ciências e psicopedagogia, e P3 em Mídias e tecnologia na educação e Gestão escolar.

Tabela 1. Caracterização dos professores

Dados

Professor

Formação Ano de conclusão

Tempo de magistério (anos)

Vínculos Carga horária

(horas mensais)

P1 Biologia 2003 7 2 200/125

P2 Física 1998 12 1 125

P3 Pedagogia 2002 25 2 200/125

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As três professoras afirmam concordar com os princípios da educação

inclusiva, mas, com restrições. Por exemplo, P1 afirma concordar, mas dizendo: “não tenho o conhecimento que deveria ter, não tenho capacitação e não conheço muito bem o programa.”. A professora não informou se procurou tais conhecimentos seja através de cursos ou de pesquisa bibliográfica. Ela define a educação inclusiva como uma ação “de suma importância para que os alunos convivam normalmente com os outros alunos. Para que haja uma maior integração e até um respeito dos colegas com ele, para que perceba que aquela limitação não quer dizer que ele seja menos capaz que os outros (P1).”.

É importante notar que esta professora, em sua fala, não faz distinção entre os termos integração e inclusão. A integração é um paradigma no qual há uma inserção seletiva dos alunos com deficiência no ensino regular, tendo estes que se adaptarem sozinhos aos parâmetros impostos pelo ambiente escolar (MRECH, 1999). Já na inclusão, em tese, a aprendizagem, está voltada para as possibilidades de aprendizagem do aluno, e não para sua deficiência. Para Mrech (1999), o paradigma da inclusão tem como princípio que o ambiente seja menos restritivo, portanto, é a escola deve adaptar-se ao aluno e não o contrário.

A professora P2 também afirma que concorda e diz: Sim, concordo, agora deveria ter uma atenção mais especial, deve ser diferente, com mais recurso, porque a gente sente um pouco de dificuldade. (...) Concordo mais veja bem, o cego ou o surdo eles precisam desse convívio, eles são normais, mas a diferença deles não deve limitar tanto, para que ele aprenda a conviver junto, e pra que ele seja um cidadão que exerça seus direitos e deveres como todos nós, porque se ele ficar em casa sem estudar ele não vai desenvolver todas as suas habilidades, também se ele ficar numa sala separada, especial. Então ele ali no meio acredito que ajuda a crescer, acreditar nele mesmo. Fica faltando a questão do suporte pedagógico.

Esta professora trata de um ponto importante: a necessidade do suporte pedagógico, que no ensino de ciências é fundamental para a representação mental e na formação de conceitos. Ela define a inclusão educacional como:

Uma forma de, como o próprio nome já diz, incluir o aluno na sociedade de forma que ele possa desenvolver suas atividades, e tentar desenvolver aquelas que ao nossos olhos parece impossível. (...) eles tem que se adentrar no convívio social, nas relações com o professor e com os alunos, e nós aprendemos com ele. Ele deve ter as atividades normais dentro de suas possibilidades, e nós temos que fazer o possível para que ele seja normal também né? Que ele é normal também, apenas essa deficiência é só um pouco diferente com relação à didática, à metodologia, mas é normal, igual às outras pessoas ne? (P2).

Já P3, ao menos nesse momento, não impôs restrição à inclusão: “Concordo. Porque todos os alunos devem ter o mesmo direito, não importa se é especial ou não, ele tem que ter o mesmo direito à educação, à moradia, à saúde, tudo. E educação para ter o mesmo direito ele tem que ser incluso numa escola vamos dizer assim, dita ‘normal’”.

Esta define educação inclusiva como “Um desafio. É bom porque todos devem fazer parte da sociedade, então nós devemos tratar todos iguais, isso é bom para eles, para o especial, ser incluso na sociedade (P3).”

Ao falar sobre a educação inclusiva e defini-la, as professoras citaram o

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princípio fundamental da educação inclusiva: “que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter” (UNESCO, 1994).

Este princípio é sustentado pela aceitação à diversidade, que leva em consideração o ritmo de aprendizagem de cada aluno, com ou sem deficiência, pregando a negação à homogeneização da prática educativa. Propõe acima de tudo que “seja assegurado o acesso a serviços de qualidade, capazes de atender às necessidades especiais delas para construir com dignidade e melhor qualidade a sua própria vida” (OMOTE, 2006, p. 256).

Outro princípio da educação inclusiva trata da acessibilidade do ambiente escolar. Este foi mencionado apenas pela P1, que falou sobre essa questão nas sugestões para melhoria do ensino inclusivo. Essa professora fez alusão à acessibilidade somente sobre as questões estruturais, como fazer rampas e alargar as portas para os cadeirantes se deslocarem.

No entanto, este princípio não se resume à instalação de uma pista tátil para os alunos cegos deslocarem com mais facilidade na escola, se trata de um contexto maior. A acessibilidade não diz respeito somente às condições físicas, mas também pedagógicas, para que eles tenham acesso a recursos, equipamentos e utensílios de estudo no dia a dia escolar (YOSHIKAWA, 2010).

Outra questão a ser tratada para a efetivação da inclusão escolar é a adaptação da escola ao aluno, e não o contrário. Neste quesito, apenas P2 se pronunciou dizendo: “Ele deve ter as atividades normais dentro de suas possibilidades, e nós temos que fazer o possível para que ele seja normal também.”. Ao que parece, na fala desta professora pode ser percebida não a vontade de deixar o aluno “normal” no sentido de ser igual aos outros, mas de procurar meios para que a aprendizagem deste aluno seja semelhante aos outros, o que é louvável.

Por outro lado, sua fala traz um tom de certo modo preconceituoso, ou mesmo desconhecedor sobre as deficiências, quando diz: “tentar desenvolver aquelas que aos nossos olhos parece impossível (...) para que ele seja normal também (...) igual as outras pessoas, ne?”. Foi observada demasiada menção à palavra normal. Talvez em seu pensamento não esteja claro se o aluno cego seja normal, pois ora fala que ele consegue desenvolver atividades que parece impossível, como se realmente ela achasse que não fosse, ora reafirma que ele é igual aos outros. Como se no seu íntimo ela buscasse através de sua atuação a expectativa de que ele se “transforme” em um aluno normal como os outros.

Essa é uma questão delicada que envolve muitas pré-conceituações. É comum as pessoas considerarem os alunos com deficiência como incapazes ou inábeis de concretizar seus estudos. E, quando da convivência com estes alunos que tiveram suas possibilidades de aprendizagem estimuladas, se pode perceber seu desempenho e destreza em muitas tarefas corriqueiras, desmistificando o pensamento do senso comum.

A P2 de certa maneira transmitiu a impressão de ter tido uma surpresa, um choque de realidade ao perceber do que seu aluno é capaz de realizar e o que era antes cogitado por ela. Como se estes alunos somente conseguissem realizar atividades aquém do esperado, como se ela confiasse menos na capacidade dele. Talvez por isso a insistência de afirmá-lo como “normal”.

Esta professora menciona em seguida que “(...) apenas essa deficiência é só um pouco diferente com relação à didática, à metodologia”. Esta fala faz referência a

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mais um princípio da educação inclusiva, no qual o educador deve direcionar a situação de aprendizagem para as possibilidades que o aluno tem para aprender, e não para as suas deficiências.

Um ponto que merece ser mencionado é o pensamento da P3 sobre a importância da inclusão: “É bom porque todos devem fazer parte da sociedade, então nós devemos tratar todos iguais, isso é bom para eles, para o especial, ser incluso na sociedade” (P3, grifo nosso). Desta fala é possível fazer duas colocações importantes. A primeira supõe-se a possibilidade da professora pensar que se deve tratar a todos os seus alunos da mesma forma, isto é, sem levar em consideração as especificidades de aprendizagem.

Esta questão é muito importante, pois, aceitar a educação inclusiva, diz respeito dentre outras coisas a aceitar a diversidade existente não somente nas variações individuais, mas também no reconhecimento de certas dificuldades específicas de aprendizagem.

A inclusão escolar vem em busca da igualdade de todos os alunos. Não no sentido de tornar todos iguais, mas, que tenham igualdade de oportunidades na escola e na sociedade como um todo. Não é tratando a todos da mesma forma que se alcança a igualdade de oportunidades. Ao contrário, o tratamento dos alunos com deficiências não pode, em alguns aspectos, ser igual aos outros discentes, pois de fato existem diferenças de estratégias e técnicas para que se alcance a aprendizagem efetiva destes alunos. Neste caso, direitos iguais significam tratamentos diferenciados. Segundo Omote (2006), tratar a todos como iguais pode esconder uma perigosa tendência a não enxergar certas condições limitantes que os alunos com deficiências possuem, inclusive os alunos cegos.

A outra colocação sobre a fala de P3 é acerca do convívio dos alunos com deficiência na escola comum. A professora ao afirmar que o aluno deve ser incluso na sociedade porque isso é bom para eles, expõe certa falta de conhecimento do que estes alunos podem oferecer em termos de convivência e de conhecimentos. Já P2 não pensa da mesma forma pois diz: “eles tem que se adentrar no convívio social, nas relações com o professor e com os alunos, e nós aprendemos com ele”.

Na verdade, a oportunidade de convívio na diversidade é enriquecedora para todas as partes envolvidas. Um convívio produtivo nessa diversidade é essencial inclusive para a formação de novas gerações mais bem qualificadas para a promoção da eqüidade e justiça social (OMOTE, 2006).

É interessante notar que todas as professoras mostraram em suas falas, que ao lidar pela primeira vez com aluno cego, se sentiram desafiadas: “Me sinto (sic) desafiada, procuro descrever o melhor possível. Por incrível que pareça, da turma dela, ela que no final da aula, na revisão, é quem mais responde” (P1); “Eu mesma me surpreendi com A2, eu fiquei surpresa e preocupada no início, em como lidar com esse ‘tipo de aluno’” (P2); “Um desafio. Inclusive quando fiquei sabendo que ia ter uma aluna especial, eu me perguntei como eu ia lidar com essa situação, porém eu cheguei na sala a menina era especial mesmo! E aí tudo foi correndo bem mesmo” (P3).

Também é possível perceber que as professoras deixam explicita certa surpresa em ver que os alunos têm um bom desempenho nas aulas, situação provavelmente não esperada por elas. Como já mencionado, talvez esta surpresa se dê em função do pensamento do senso comum ou mesmo desconhecimento acerca do processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiências.

Os alunos entrevistados, dois do sexo feminino, apresentaram idade

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variando de 13 a 30 anos. Dois deles têm Deficiência Visual congênita (Tabela 2). Dois deles começaram a estudar numa idade regular, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que regulamenta dentre outras coisas, o início do ensino fundamental, devendo iniciar aos 6 (seis) anos de idade. Já outro aluno começou com 29 anos de idade, devido, segundo ela, ter havido problemas em se matricular, como será relatado adiante.

Tabela 2. Dados dos alunos entrevistados

Dados

Alunos

Sexo Idade

Idade com que Começou a estudar

Ano do ensino fundamental

Origem da Deficiência

Escola atual possui sala de AEE

A1 F 13 4 7º Congênita Não

A2 M 20 7 9º Adquirida Não

A3 F 30 29 6º Congênita Não

A trajetória escolar destes alunos em alguns pontos são similares. Por exemplo, A1 afirmou que começou a estudar na idade apropriada e que consegue “estudar normalmente”.

A2 contou mais detalhadamente como foi sua experiência escolar: “Comecei a estudar, aí parei por causa da deficiência, com 13. Aí passei uns 6 anos sem estudar, porque lá não tem ensino nada assim”. Ele parou de estudar na 5ª série, só retornando 6 anos depois, decorre disso a distorção entre a idade e a série que cursa. Mesmo assim, considera que sua trajetória escolar é “até boa” (risos).

Já A3, conseguiu se matricular numa escola somente aos 29 anos, pois, segundo ela, todas as instituições em que tentou fazer a matrícula, se recusaram a recebê-la: “Não fui matriculada pois não me aceitavam, colocaram muitos empecilhos, não pode, não tinham curso de Braille. Só agora consegui me matricular, tive que ir diretamente na Secretaria de Educação do Município”.

Segundo ela, após muitos anos procurando, somente conseguiu êxito ano passado, por ter procurado tal órgão, afirmando: “considero minha experiência escolar maravilhosa. Foi meu sonho. Foi um avanço imenso na minha vida”.

Estas trajetórias escolares e, por que não, de vida, revelam uma perseverança ímpar de alcançar seus objetivos, principalmente no caso de A3, que afirmou ainda que: “a família também não me apoiava”. Sem dúvida, sua persistência foi fator decisivo para que conseguisse hoje estar estudando.

O processo de ensino e aprendizagem de Ciências Na opinião dos professores entrevistados, existem certas dificuldades na

aprendizagem de Ciências por parte dos alunos: “Com certeza. Mais dessa questão mesmo da gente estar visualizando alguma coisa” (P1); “Acredito que sim. Tem dificuldade [o aluno], devido a falta de determinado material disponível” (P2); “Talvez sim. Porém ela se interessa muito, ela fica muito atenta e ela se sai bem. Não percebo dificuldade, às vezes ela diz: “espere um pouco professora que eu vou assimilar”, aí eu repito, pronto” (P3).

No entanto, é interessante notar que nenhum dos alunos entrevistados afirma sentir algum tipo de dificuldade no aprendizado de Ciências, fato curioso,

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levando em consideração as afirmações de suas professoras e também a dinâmica do processo de ensino e aprendizagem de ciências, que a todo instante faz uso de referências visuais no ensino.

A apresentação dos conhecimentos das ciências naturais está associada à inclusão de imagens, tanto nas exposições orais como nos textos e divulgações científicas (BRUZZO, 2004). As imagens são, dessa forma, complemento das exposições deste conhecimento nas formas oral e escrita (GUIDO; BRUZZO, 2008).

Tal dimensão pode ser ainda percebida, por exemplo, na utilização de imagens nos livros didáticos, tais como esquemas, desenhos, diagramas, fotos, etc. As representações gráficas apresentam informações que podem substituir páginas e páginas de texto em um livro (BRUZZO, 2004).

Além dos livros didáticos, o professor também pode fazer uso do potencial informativo que tais imagens proporcionam em sua aula expositiva, como por exemplo, utilizar o quadro para desenhar ou esquematizar determinados conteúdos, ou mesmo utilizar aparelhos de projeção de imagens e vídeos. Mas estes recursos beneficiam apenas os alunos videntes.

Outros recursos didáticos importantes, como vídeos e animações, podem ser mais um complicador no ensino de ciências em que procure incluir alunos com Deficiência Visual. Segundo Sá, Campos & Silva (2007), para a apresentação de vídeos é preciso que o professor tome alguns cuidados, como: a descrição oral de imagens, cenas mudas e a leitura de legenda simultânea se não houver dublagem, para que as lacunas visuais sejam preenchidas e não apenas que fiquem por conta da imaginação dos alunos. Quando necessário, o professor pode apresentar um resumo do vídeo antecipadamente.

No caso do ensino de ciências, um dos desafios atuais é fazer com que os alunos realmente entendam conceitos básicos, sem sua simples memorização descontextualizada. Utilizando-se da memorização, os alunos restringem-se, em muitos casos, a decorar nomes complicados e conceitos para serem aprovados nas provas e vestibulares, sem relacionarem o que foi aprendido em sala de aula com o seu cotidiano, com os fenômenos que regem suas vidas de forma que possa ocorrer mudança de atitude sua para com o ambiente e a sociedade em que vivem. O ato de memorizar pode interferir negativamente no andamento da aprendizagem, pois pode desestimular os alunos, que não veem a importância de aprender Ciências.

Para tanto, um dos grandes responsáveis pela realização deste processo de aprendizagem efetiva é o docente. No entanto, ainda predomina uma formação acadêmica deficiente, que possibilite a ele competência e segurança em ministrar aulas em salas com alunos com deficiência, dentre elas a cegueira. Para uma aprendizagem efetiva é preciso compreender determinados conceitos e processos, especialmente no caso dos alunos que não dispõe do sentido da visão, uma vez que há uma carência de materiais pedagógicos adaptados para esse público (CARDINALI; FERREIRA, 2010). Somadas a esta deficiência, estão as dificuldades estruturais (espaço físico, equipamentos apropriados, etc.) encontradas nas escolas.

Segundo os alunos entrevistados, as aulas de Ciências são basicamente expositivas, com perguntas direcionadas ao conjunto dos alunos e ao aluno cego: “A professora explica, ela pergunta a todo mundo, eu respondo normal. Não é difícil não” (A1); [Participo] “Praticamente só ouvindo e gravando. Quando tinha exercício, [eu] dava as respostas. Em casa estudava melhor. Em exercício não fazia quase nenhum na sala, mas respondia. Pegava a correção do outro, e aí estudava para a prova” (A2); “Dá

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aula pelo livro, pelo quadro. Os colegas copiam no caderno e o marido lê depois. Participo respondendo oralmente” (A3).

Nas aulas de Ciências, os alunos consideram positivas práticas e atitudes por parte do professor, principalmente, a explicação mais detalhada, a descrição, e a realização de prova oral “Fazendo prova oral, explicando mais, descrevendo (A1); “Explicando para a turma toda, e aí depois explicava para mim de outra forma, assim, depois explicava à parte” (A2); “A explicação [é o ponto positivo], eles detalham explicitamente, o que é aquilo, para que serve, detalhar com clareza” (A3).

A prática da inclusão de pessoas cegas exige a sensibilidade de educadores para perceber que uma forma de leitura do mundo para os cegos é a partir do tato, pois o processo de aprendizagem pelo aluno cego demanda adaptações, uma vez que, privado do sentido da visão, ele precisa de material concreto e palpável para formar a imagem tátil e assim poder construir sua representação mental, tornando o aprendizado significativo (CARDINALI; FERREIRA, 2010). Tais materiais são necessários para que se consiga alcançar uma verdadeira aprendizagem, pois

A criança cega ou surda pode alcançar o mesmo desenvolvimento que a normal, mas as crianças com defeito o alcançam de modo distinto, por um caminho distinto, com outros meios, e para o pedagogo é importante conhecer a peculiaridade de caminho pelo qual deve conduzir a criança (VYGOTSKI, 1997, p. 17, tradução nossa).

Nenhum dos alunos entrevistados afirmou considerar negativa alguma prática ou atitude do seu professor de Ciências. Apenas A2 disse que nas aulas, durante as explicações a professora precisava fazer alguns desenhos no quadro, mas segundo o aluno, P2 descrevia. Talvez não considerar nada como negativo esteja relacionado a certa passividade, ou posição acrítica por parte destes alunos em relação ao processo de ensino e aprendizagem, ou mesmo por achar que aprende-se apenas para ser aprovado, sem relacionar o que aprendeu com a vida.

Essa possível aceitação de um ensino meramente “explicativo”, no qual o professor se restringe a explicar o conteúdo numa aula puramente expositiva, pode ser devido ao aluno simplesmente não “conhecer” ou não ter acesso, na escola regular, a outro tipo de metodologia de ensino, não conhecendo possíveis benefícios que métodos didáticos específicos a alunos cegos podem proporcionar.

Dificuldades manifestadas pelos professores Em relação às dificuldades no ensino de Ciências, apenas P3 afirmou que até

agora não sentiu alguma dificuldade. As outras duas professoras, afirmam sentir, principalmente no tocante à dinâmica do processo de ensino e aprendizagem que a todo instante faz uso de referências visuais. As dificuldades apontadas pelas professoras confirma a afirmativa de Yoshikawa (2010, p. 15): “o ensino de Biologia encontra-se estruturado de modo a atender mais efetivamente aos educandos videntes”.

As dificuldades percebidas pelas professoras podem ser causadas, em parte, pelo não conhecimento delas em relação às estratégias e técnicas didáticas quando se trata do ensino para alunos com Deficiência Visual, muitas vezes por falta de especialização, ou até mesmo por comodidade.

As falas das professoras refletem a carência de formação inicial e continuada destas profissionais, pois todas elas afirmam que não tiveram oportunidade de acesso

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a conhecimentos acerca da inclusão nem na formação inicial, nem em formação continuada. Todas elas afirmam sentir necessidade de formação específica para atuar em classes comuns que tenham alunos com deficiências: “Sim, justamente por estar vivenciando [estar ensinando a uma aluna cega]” (P1); “Sim, porque ele [o aluno] é “jogado” na escola e o professor tem que se virar” (P2); “Sim, pois quando a gente tem uma formação, a gente age bem melhor, o resultado é mais positivo” (P3).

Ao que parece, os professores participantes da pesquisa apresentam certo déficit na formação (no que se refere à educação inclusiva) em relação às orientações metodológicas e didáticas a serem aplicadas, e é nesse ponto que devem ser focadas os cursos de formação continuada, pois em nenhum momento foram citadas dificuldades em relação aos conhecimentos dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.

As professoras mencionaram a importância de aprenderem a ler e escrever em Braille. É muito bom que tenham este conhecimento, mas, na verdade, essa função de traduzir textos do português para o Braille e vice-versa é do professor da sala de recursos, ou recursos multifuncional, que deveriam existir nas escolas que estes alunos estudam, para que este professor especializado possa dar suporte ao aluno e ao professor da sala de aula comum, o que não está ocorrendo.

Talvez por isso estas docentes ressaltarem essa necessidade de aprender o Braille, pois elas não têm o apoio de nenhum outro profissional especializado, que dentre outras coisas, poderia auxiliar o professor com a utilização de metodologias específicas para estes alunos, como por exemplo, tentar buscar as vias de acesso a informações que eles têm com o ambiente, buscando em suas aulas enfatizar os outros sentidos que não somente a audição.

Considerações finais Aparentemente, existe um bom entendimento entre os alunos cegos e suas

professoras de Ciências. Em relação ao processo de ensino e aprendizagem, nenhum dos alunos entrevistados afirma sentir algum tipo de dificuldade no aprendizado da disciplina. Já na opinião das professoras entrevistadas, existem certas dificuldades na aprendizagem dos conteúdos de Ciências por parte destes alunos, principalmente quando se leva em consideração a dinâmica do processo de ensino e aprendizagem de Ciências, que a todo instante valoriza e faz uso de referências visuais no ensino.

Os alunos entrevistados consideram como pontos positivos nas aulas de ciências principalmente a explicação mais detalhada dos temas apresentados, a descrição de estruturas, e a realização de prova oral. Embora os alunos não tenham considerado um ponto negativo a ausência de recursos didáticos específicos apresentaram como sugestões a utilização de figuras em relevo e em Braille que, acreditam eles, pode melhorar o seu aprendizado em Ciências.

Tais sugestões dos alunos podem denotar certa carência da utilização de recursos específicos. Talvez não tenham considerado como ponto negativo esta ausência por nunca terem tido aulas de ciências com sua utilização. Para confirmar tal fato poderia ser realizada uma série de intervenções em sala de aula utilizando recursos táteis diferenciados.

As docentes apontaram que sentem necessidade de formação específica, já que todas disseram não ter a oportunidade de acesso a conhecimentos acerca da inclusão. Esse fato necessita de urgente atenção, para que o ensino à diversidade seja efetivamente atendido, pois não adianta matricular os alunos e colocá-los em sala

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comum, sem que antes os professores sejam devidamente instruídos, sem dá-los a devida capacitação. E neste ponto, os alunos são tão vítimas quanto os seus professores, que “procuram” lhes ensinar com as (faltas de) condições que são impostas a estes profissionais.

Referências BRASIL. Lei 9.394, de 20 de Dezembro de 1993. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 Dez. 1993.

BRUZZO, C. Biologia: educação e imagens. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1359-1378, 2004.

CARDINALI, S. M. M.; FERREIRA, A. C. A aprendizagem da célula pelos estudantes cegos utilizando modelos tridimensionais: um desafio ético. Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro, n. 46, dez. 2010.

GUIDO, L. de F. E.; BRUZZO, C. O uso de imagens nas aulas de ciências naturais. Em extensão, Uberlândia, v.7, p. 43-54, 2008.

MRECH, Leny M. Educação inclusiva: realidade ou utopia? Universidade de São Paulo: USP, 1999.

OMOTE; S. Inclusão e a questão das diferenças na educação. Perspectiva, Florianópolis, v. 24, n. Especial, p. 251-272, jul./dez. 2006.

SÁ, E. D. de; CAMPOS, I. M. de; SILVA, M. B. C. Atendimento educacional especializado: Deficiência Visual. Brasília: Ministério da Educação e Cultura/MEC – Secretaria de Educação Especial/SEESP, 2007.

VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas: V – Fundamentos da Defectologia. Madrid: [s.n.], 1997.

UNESCO. Declaração de Salamanca. Conferência Mundial de Educação Especial. Salamanca, Espanha, 1994

YOSHIKAWA, R. C. dos S. Possibilidades de aprendizagem na elaboração de materiais didáticos de Biologia com educandos deficientes visuais. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências), Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

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A MEDIAÇÃO DE PROFESSORES NA APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA DE ALUNOS COM SÍNDROME DE DOWN:

UM ESTUDO DE CASO

Daiane Santil Costa10 Theresinha Guimarães Miranda11

Introdução

[...] Ao mesmo tempo em que o primeiro escritor concebia uma nova arte ao fazer marcas num pedaço de argila, aparecia tacitamente uma outra arte sem a qual as marcas não teriam nenhum sentido. O escritor era um fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e mensagens precisavam de um mago que os decifrasse, que reconhecesse seu significado, que lhes desse voz. Escrever exigia um leitor. (MANGUEL, 1997)

O processo de aquisição da língua escrita apresenta-se como um caminho de descobertas para a criança, pois, imersa num mundo de coisas escritas, tem a possibilidade de desenvolver-se, enquanto sujeito da sua relação com o meio e com os outros, como também, de ter acesso a diversas conquistas sociais postas em uma cultura letrada. Numa cultura grafocêntrica, como a nossa, o ato de escrever tem prestígio, e se insere nas diversas esferas da vida, se constituindo como um construto cultural que possibilita a participação dos sujeitos onde práticas sociais de leitura e de escrita ocorrem. A vivência da etapa de alfabetização inicial, nos contornos escolares, requer uma reflexão sobre todo o percurso da criança, desde o seu nascimento, e, por isso, está ligada às experiências com o mundo escrito tanto fora do ambiente escolar, quanto dentro dele.

A família, por exemplo, tem uma grande importância no estímulo inicial e no caminhar dos filhos em contato com esse mundo, e ela se torna uma referência, um modelo significativo para o aprendizado da língua escrita. Mas é através da escola, onde ela poderá, por meio do ensino sistematizado, ampliar o uso dos diversos textos socialmente construídos, e avançar no domínio dos signos linguísticos na interação com os demais, desenvolvendo-se em seus aspectos cognitivos, sociais, linguísticos e afetivos.

No caso da criança com Síndrome de Down, segundo a literatura, ela atravessa os mesmos impasses na aprendizagem da leitura e da escrita, enfrentados por uma criança “dita normal”, e no curso dos seus conflitos cognitivos, diante da

10 Membro do grupo de pesquisa Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (GEINE) e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/ UFBA, graduada em Pedagogia e Psicopedagogia pela Universidade Federal da Bahia, professora da rede municipal de ensino. Pesquisa financiada pela CAPES/ PROESP. E-mail: [email protected] 11 Orientadora: Profa. Dra Theresinha Guimarães Miranda, Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, professora da Universidade Federal da Bahia.

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escrita, também é semelhante, porém mostram especificidades. Além disso, o fato dessa criança apresentar o mesmo padrão de desenvolvimento, não significa que ela deva aprender da mesma forma que as outras crianças, pois é preciso levar em conta os ritmos e os modos diferenciados de aprendizagem dos sujeitos, fazendo-se necessária também uma ação pedagógica que possa estar voltada para a melhoria das vivências de cada um, na convivência com um grupo.

Numa revisão de trabalhos acadêmicos, acerca dessa temática, principalmente em relação à construção da escrita das crianças com Síndrome de Down na escola inclusiva, encontra-se uma ampla bibliografia sobre estudos que trazem a preocupação dessa abordagem, e, especialmente, as que destacam a importância da mediação para que essa aprendizagem possa se efetivar. Estudos sugerem a necessidade de investigações que visem situar em quais condições o ensino pode alcançar os objetivos junto aos alunos, destacando o a importância do processo pedagógico (SAAD; 2003; MONTEIRO, 2004; FIGUEIREDO; GOMES, 2006; BRASIL, 2007; PIMENTEL, 2007; OLIVEIRA, 2010).

Assim, o estudo realizado nesta pesquisa de mestrado buscou refletir sobre lacunas existentes de estudos num contexto mais recente, da prática inclusiva, a respeito do apoio que o professor pode oferecer aos seus alunos na construção da escrita, no ambiente escolar, e como esta mediação vem ocorrendo, quais são os apoios oferecidos nesse caminho de descobertas para essa criança, considerando a diversidade na classe comum. Tal preocupação leva à procura de respostas à diversidade na sala de aula, o que mostra a importância da posição mediadora do professor.

Parte-se do pressuposto de que a mediação é essencial no processo de aprendizagem de cada um, para que os aprendentes possam ressignificar e diversificar seus conhecimentos no contato com os parceiros mais experientes e, dessa forma, tornar esse contexto inclusivo, propulsor de desenvolvimento das pessoas. Nesse sentido, procurou-se investigar: como o professor intervém para favorecer a aprendizagem da língua escrita do aluno (a), com Síndrome de Down, na escola?

Mediar e aprender a língua escrita: uma dinâmica relacional No campo educacional, é possível compreender a escola como instância

mediadora, pois ela se coloca como um elo entre a criança e a sociedade, entre os conhecimentos espontâneos dos sujeitos aprendizes e os conhecimentos científicos, que poderão ser aprimorados e ampliados sob a intervenção pedagógica (COLL, 2009).

Maheu (2008) aprofunda a análise sobre a mediação didática, e diz que esse conceito significa a intervenção intencional, sobre algo ou alguém, de modo a produzir resultados, dando-se de maneira não linear, e carregada de contradições da prática social que exibe seus reflexos no contexto educativo. Tais contradições têm a ver com as crenças, valores sociais, decisões normativas externas que influenciam também na atuação cotidiana do professor com seus alunos e, por isso, ao analisá-la, faz-se necessário situá-la num sistema maior, que é o social. Para Zabala (1995), a prática pedagógica seria um microssistema onde muitas variáveis podem colaborar, ou não, para um processo satisfatório que tem elementos inter-relacionados.

Na sala de aula, a mediação do professor é expressa pela intervenção pedagógica planejada e intencional, a partir de objetivos e situações didáticas significativas que colaboram para o crescimento e construção do conhecimento dos alunos e se realizam na atividade de ensino (SILVA, 2008; PIMENTEL, 2007). Trata-se de

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um compromisso maior que perpassa por um atendimento das necessidades individuais do sujeito com os objetos de conhecimento, mas também expressa uma responsabilidade social com uma formação educativa, que lhe dê aportes para uma participação social mais efetiva, dentro de sua própria cultura (COLL, 2009).

Diaz-Rodriguez e Begrow (2009) comparam o ensino e a aprendizagem às duas faces de uma mesma moeda. Para os autores, a aprendizagem, em seu caráter social, precisa dos processos de ensino; e esses processos formam uma unidade dialética, na qual a mediação estabelece o intercâmbio de experiências diversas, sendo ela o elo principal das trocas cognitivas, afetivas e culturais entre quem ensina e quem está aprendendo.

Assim, é possível encontrar nas raízes etimológicas das palavras ensinar e aprender uma importante relação no trabalho do professor: ensinar deriva do latim, insignare, quer dizer mostrar, indicar, enquanto que aprender, aprehendere, traduz o sentido de agarrar, pegar, apoderar-se (NUNES e SILVEIRA, 2009; MAHEU, 2008). Dito de outro modo: pode-se pensar o ensinar e o aprender como processos relacionais em dupla direção. Por um lado, o professor oferece pistas, informa, transforma os conteúdos para que possam ser trabalhados e compreendidos; e, por outro lado, por parte do aluno, há processos12, como os cognitivos, que favorecem a tomada de consciência, a elaboração e o entendimento revelando o aprendizado (MACEDO, 2010).

Aprender é um processo que envolve a reconstrução da realidade e, ao mesmo tempo, de si mesmo dentro das condições de vida, de acordo com as singularidades das pessoas (NUNES e SILVEIRA, 2009). Assim, trata-se de considerar também que cada pessoa já apresenta conhecimentos prévios que formam sistemas, e que são sintetizados numa contínua reestruturação a partir dos novos desafios. Tal processo deve ser visto como atividade intelectual que se dá em cada sujeito, e, assim, o ensino deve estar mais próximo possível do que é significativo para esses alunos (MANTOAN, 1997). A construção do conhecimento se dá na troca entre professor e aluno(s), não está em uma das partes.

Assim, considera-se importante as mediações que se realizam de forma direta, diante da realização de uma atividade, ou seja, na relação entre professor e aluno, professor - alunos, e outra, indireta, onde ele oferece caminhos, que repercutirão na aprendizagem, tais como as ajudas espontâneas de colegas, o brincar, o apoio do computador, uma palestra interessante (DIAZ- RODRIGUEZ; BEGROW, 2009).

Em outras palavras, a mediação direta dá-se através de pistas, indicação de caminhos, trocas verbais ou gestos, que possam apoiar a compreensão da atividade sobre o sistema de escrita. E a indireta, vinda por parte do professor, busca o apoio dos outros alunos, garantindo espaços de aprendizagem e desafios entre pares, e também através das atividades espontâneas lúdicas que se dão em sala de aula ou em outros espaços escolares como pátios e corredores: os momentos possíveis de leituras escritas livres; rodas de conversas; os desenhos; as brincadeiras cantadas ou recitadas; as parlendas, rimas, piadas e trava-línguas.

No trabalho escolar com a língua escrita, a intervenção pedagógica é expressa em apoios que são ajustáveis pelo docente, em direção ao aluno e/ou grupo, pois ele se torna a pessoa responsável por organizar situações que favoreçam a 12 Para aprender o sujeito conta também com a dimensão afetiva, do desejo, dos motivos para avançarem na construção do conhecimento implicadas na sua relação com os objetos.

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aquisição da leitura e da escrita, mas também, considerando o modo particular de construção de conhecimentos dos alunos (VARELLA, 2001; COLL, 2009).

Para Teberosky e Colomer (2003) o trabalho pedagógico se desdobra em promover um ambiente rico em situações de discussão, atividades diversas de leitura e de escrita de forma compartilhada, favorecendo uma co-construção de conhecimentos. O docente atua, sobretudo, na zona de desenvolvimento proximal dos alunos. A zona de desenvolvimento proximal, estudada por Vygotsky (1998) e colaboradores, abordagem importante sobre aprendizagem e desenvolvimento, revela a necessidade de análise sobre o ensino escolar que, primeiro, deve considerar os aprendizados da criança, mesmo antes dela entrar para a escola.

Para Vygotsky, a definição de zona de desenvolvimento proximal pode ser explicada da seguinte forma:

Se uma criança pode fazer tal e tal coisa, independentemente, isso significa que as funções para tal e tal coisa já amadureceram nela. O que é, então, definido pela zona de desenvolvimento proximal, determinada através de problemas que a criança não pode resolver independentemente, fazendo-o somente com assistência? A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento ao invés de “frutos” do desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1998, p. 113).

Diante do exposto, ressalta-se que o conhecimento da língua escrita pela criança, numa perspectiva construtiva e sociointeracionista, não se dá de forma linear, etapas seguidas de outras. Não há adição de etapas, como numa concepção associacionista, mas se dá numa outra perspectiva. Trata-se de uma relação entre sujeito-meio, um movimento em espiral, entre os sujeitos agindo sobre os objetos (outras pessoas e coisas do mundo) para conhecê-los e as repercussões destes últimos, sobre as suas próximas ações (ASSIS et. al., 2010). As crianças consideram as informações do entorno e introduzem algo seu, ou seja, há, nesse processo, reconstruções, avanços, diferenciações, abandonos para apropriarem-se dos objetos (FERREIRO, 2006, 2010).

Metodologia A pesquisa buscou compreender como se dá a mediação que o professor

realiza para favorecer a aprendizagem da escrita dos alunos com Síndrome de Down, considerando a dinâmica da sala de aula inclusiva. Nesse sentido, houve a necessidade de entender o fenômeno a partir de uma instância singular e especial tratando-a de forma densa, reveladora de confrontos e de pontos de vista, presentes numa dada situação social, a escolar, através de um Estudo de Caso (MACEDO, 2006). Essa estratégia de pesquisa se configura num estudo de uma pessoa, de um grupo, de uma comunidade buscando uma referência em um acontecimento ou conflito de um determinado contexto a ser investigado. Possibilita também enriquecer saberes já adquiridos sobre um dado fenômeno (LAVILLE E DIONE, 1999).

As análises dos dados decorrem de uma apreciação feita, à luz do referencial bibliográfico, sobre a mediação do professor, da prática pedagógica observada, das entrevistas e análise de documentos (as atividades e planejamento) que se

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organizaram em duas categorias: a mediação direta entre o professor e o aluno, e outra indireta, que diz respeito ajuda do professor através de outros meios e recursos para favorecer a aprendizagem do aluno.

Os sujeitos participantes da pesquisa foram duas professoras (Carla e Laura) de séries iniciais do ensino fundamental I (2º e 3º ano) e dois alunos, uma menina e um menino (Vanessa e Pedro) com Síndrome de Down, em processo de aquisição inicial da escrita no contexto de uma sala de aula comum. É de suma importância ressaltar que os nomes das pessoas envolvidas foram substituídos por nomes fictícios, por motivos éticos.

Os quadros 1 e 2, abaixo, trazem uma síntese da caracterização dos sujeitos da pesquisa – as professoras e alunos. QUADRO 1- Caracterização das professoras

Fonte: Entrevista com as professoras.

QUADRO 2-Caracterização dos alunos

Fonte: Entrevista com as professoras.

Discussão e análise dos resultados Na identificação das formas de intervenções pedagógicas, utilizadas para

SUJEITOS FORMAÇÃO SÉRIE EM

QUE ATUA

ANO DE FORMAÇÃO

TEMPO DE EXPERIÊNCIA COM CLASSES INCLUSIVAS

TEMPO DE EXPERIÊNCIA

EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS

COM SÍNDROME DE

DOWN

PROFA CARLA PEDAGOGIA 2º ANO 2009 3 ANOS 20 ANOS 2º CASO

PROFA

LAURA

MAGISTÉRIO E

6º SEMESTRE

DE PEDAGOGIA

3º ANO

EM ANDAMENTO. 2 ANOS 5 ANOS 1º CASO

SUJEITOS

IDADE

SÉRIE

TEMPO DE ESCOLARIZAÇÃO NA INSTITTUIÇÃO

VANESSA

8 ANOS

2º ANO

2 ANOS

PEDRO

9 ANOS

3º ANO

8 ANOS

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favorecer a aprendizagem da escrita, por parte dessa criança, aquelas evidenciadas nas categorias, “mediação direta e indireta”, foram observados os seguintes aspectos.

No caso da professora Carla (2º ano), os auxílios oferecidos à aluna em processo de aquisição da escrita se deram implicados pelas dificuldades encontradas na organização didática do trabalho pedagógico, que vem sendo desenvolvido. A dinâmica de trabalho mostrou-se pouco definida, muitas vezes lacunar, requerendo sistematização de conteúdos em blocos, ou por unidades, uma indispensável rotina planejada, com objetivos claros que possam favorecer o processo de aprender, principalmente, nos momentos das aulas de língua portuguesa, onde as propostas que envolvem a leitura e a escrita podem ser mais intensificadas. A respeito da organização pedagógica do trabalho, na área de linguagem, a professora Carla revela:

Eu fiz um teste com ela, ela já foi minha aluna o ano passado aqui. O ano passado ela quase que não fez nada cognitivo, foi processo de socialização porque ela era muito imatura, agredia, mordia, furava o colega com o lápis, e esse ano, ela já tá socializada. Então, ela não tem mais problemas com os colegas, ela aceita bem os colegas e os colegas também. O problema é que ela percebe que o dever é diferente! Então ela não quer! Eu comecei com coordenação motora fina e grossa, depois com as vogais, entendeu? E vou iniciar as consoantes. As consoantes que ela conhece, é só do nome dela, mas tem que ser muito no tempo dela, não pode ser uma atividade com cronograma.

Eu faço um planejamento, mas como eu falei antes, não dá pra cumprir o cronograma. Depende do estado de espírito dela, como ela chega, se ela chegar calma, se ela aceitar fazer, eu faço com ela. Ela participa de todas as atividades de arte, de música, de dança, mas atividade cognitiva tem que ser se ela quiser fazer, porque é, é... Às vezes eu, eu faço atividade de arte com os meninos e dou essa mesma atividade de arte e escrevo letras, na atividade. Oh o “A”!!! Pra puder ela estar fazendo a atividade, pra ela ver que parece com a dos colegas, porque o problema dela é esse, ela quer estar na classe e fazer tudo igual aos demais (...). (Professora Carla)

Nesse sentido, foi possível observar um convívio com duas situações pedagógicas diferentes e dicotômicas na sala de aula: tanto para quem a executa, quanto para quem está aprendendo. Muitas vezes, a aluna participava de atividades de músicas, artes, religião, brincadeiras em situações coletivas, mas, no campo da área de linguagem, as chances de desafios, de atividades direcionadas ao trabalho com a leitura e a escrita, de perguntas instigantes sobre o sistema de escrita, pistas e indicações vindas por parte da professora, através da intervenção direta, se esvaziavam.

Havia dificuldade em se estabelecer uma proposta de ensino mais estruturada que pudesse envolver a aluna nos exercícios oferecidos. As atividades se caracterizavam por treino gráfico de letras do alfabeto, discriminação visual de letras e palavras, repetição de sons e ênfase na relação biunívoca, letra-som, o que revela uma opção pedagógica de ensino de alfabetização tradicional. Numa concepção de uso social da escrita, considera-se que a produção de escrita textual, de leitura e de construção, em pequenos grupos; através de diversos suportes escritos, com funcionalidades sociais e trocas verbais entre colegas; tornam-se elementos essenciais para as aprendizagens dos sujeitos (KLEIMAN, 2002).

No caso da professora Laura (3º ano), foi possível perceber uma dinâmica

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contínua de atendimento à criança com Síndrome de Down, na rotina da classe, o que se configurava nos momentos mais reservados ao aluno para as intervenções verbais nas atividades cotidianas. As ajudas da professora ao aluno Pedro, ocorriam dentro da perspectiva de linguagem tradicional, e, apoiando-se, principalmente, nas consignas das atividades do livro didático, nas pistas e dicas verbais realizadas pela docente para que o aluno relacionasse os casos onde aparecia a relação biunívoca: fonemas e grafemas. Sobre isso ela diz:

Olha, as atividades elas são modificadas, atividades vêm do Jardim II, mas ela é modificada para eles, como assim: é, no caso da criança de síndrome, a forma que eles estão adaptados na sala de aula, né? No caso de Pedro, ele, ele sabe algumas letras, sabe as vogais, mas não sabe o alfabeto. Ele sabe se expressar algumas vezes, em algumas histórias e em algumas músicas. Então, a gente tem que procurar puxar isso dele, aquilo que ele conhece pra trabalhar em cima da música e até transformar a música. Colocar as vogais pra chamar mais atenção dele e as atividades que vem do Jardim II, adaptar em relação a ele, né?

Ele não faz avaliação, não. A avaliação dele é diferente, as atividades do dia a dia e o boletim dele é o relatório de como ele se desenvolveu na unidade (Professora Laura)

Na mediação indireta, isto é, a intervenção intencional que as professoras ofereciam através de recursos e situações favoráveis de aprendizagem por outros caminhos, que iam além da relação direta professor-aluno, se deram em certas situações quando conteúdos comuns possibilitavam a participação de todos os alunos.

A brincadeira das cantigas regionais, promovida pela professora Carla, como também a realização de um bolo de mel e o vídeo da internet, que traziam episódios do Sítio do Pica-Pau Amarelo, trabalhados pela professora Laura, exemplificaram possíveis situações favoráveis de envolvimento da turma com práticas sociais de leitura e de escrita. Essas práticas ocorreram com a interposição de recursos (mediação indireta) e por vivências lúdicas que promoveram o interesse, o prazer e a participação de todos os alunos aproximando-os dos objetos de conhecimento.

Todavia, vale ressaltar que em ambos os casos, houve a ausência de cantos de leituras, a não oferta de livros, revistas e materiais escritos de interesse das crianças dispostos na sala de aula, falta de recursos acessíveis como brinquedos, jogos educativos, computadores ligados à internet e ausência de um espaço reservado para uma biblioteca. Considera-se importante a preocupação com a ampliação das oportunidades de espaços para aprender (ONRUBIA, 2009).

A possibilidade de mediação pedagógica nas Zonas de Desenvolvimento Proximal dos alunos evidencia um ensino que propõe momentos desafiadores, instigantes, cooperativos no plano social, e que colabora para que saltos na aprendizagem possam ocorrer.

Foi possível observar que o trabalho desenvolvido com a leitura e a escrita para as crianças com Síndrome de Down, nas classes pesquisadas, expressava uma organização didática delineada para uma parte dos alunos, apresentando um planejamento diário, conteúdos previamente elaborados, cronograma, processos avaliativos, atividades contínuas de classe e de casa, o recurso do livro didático (os módulos). Mas, no caso dos alunos com Síndrome de Down, havia uma dinâmica de trabalho com algumas especificidades (como ausências de materiais de apoio, de instrumentos de avaliação claros), ainda pouco estruturada.

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No decorrer das observações e nos relatos das entrevistas, observou-se uma

frágil valorização da escrita espontânea dos dois alunos com Síndrome de Down, nos vários momentos em que ela ocorreu, o que requer maior atenção por parte daqueles que estão buscando possibilitar caminhos de avanços, na construção sobre a língua escrita. A intervenção do professor pode oportunizar a apreensão de conhecimentos, enriquecimento e colaboração para a construção compartilhada de saberes. Entende-se que a ampliada compreensão do desenvolvimento da escrita inicial das crianças será fundamental no trabalho pedagógico, para o estabelecimento de apoios mais favoráveis e ações mais significativas em direção às suas hipóteses.

A minha aluna que tem Síndrome de Down ela tem problemas de fono... ela não consegue se comunicar muito bem e, e, demonstra interesse em aprender a ler e escrever, mas ela é ansiosa, não consegue ficar quieta em classe e ela precisa sempre de estar com apoio, não aceita fazer atividade diferenciada dos demais. Ela se recusa, e o problema é esse, entendeu? Porque na classe eu fico impossibilitada de trabalhar, porque ela rasga atividade, rejeita, não quer fazer atividade diferenciada, e ela não tem capacidade cognitiva para estar no segundo ano, então, no caso a atividade dela teria que ser diferenciada, mas ela não aceita, aí é difícil. Muito raramente ela faz. Ela prefere ficar fazendo garatujas no caderno, fazendo bolinhas quando eu coloco atividade no quadro, ela finge que copia fazendo bolinha no caderno (Professora Carla)

Antes, ele só fazia garatujas, hoje eu posso dizer que ele já faz as vogais da forma dele não corretamente, mas ele já bem avançado, faz as vogais, ele já faz uma parte do nome dele, algumas letras do nome dele, pelo fato de a maioria ter muitas vogais já facilitou isso pra ele. E ele já avançou muito nessa questão porque no começo só fazia garatujas, até os desenhos mesmo eram rabiscos , garatujas e hoje a forma que ele desenha, pode perguntar a ele ou até mesmo a gente observar e vê algum formato de algum desenho que ele quer se expressar (Professora Laura)

As falas das professoras sinalizaram uma necessária preocupação com a formação profissional do professor que perpassam por conhecimentos a respeito da prática pedagógica em contextos inclusivos, ao processo de aprendizagem da escrita inicial da criança, sobretudo, frente aos alunos com Síndrome de Down que desejam ampliar seus conhecimentos sobre a leitura e a escrita, pois se vive numa cultura grafocêntrica, onde a posse desses saberes possibilita partilhas de conhecimentos e vivências sociocomunicativas, através dessas práticas.

Considerações finais Na sala de aula regular, procura-se diluir o convívio com situações

segregadoras e excludentes, com propostas de ensino e aprendizagem totalmente diversas no mesmo espaço, tanto para quem a executa, quanto para quem está aprendendo. Vale ressaltar que a inserção da tríade na escola que se quer para todas as pessoas é imprescindível: o ensino, o desenvolvimento e a aprendizagem; vistos como processos complementares e indissociáveis (MACEDO, 2005). Isso significa que no caso da criança com Síndrome de Down, quando há um aparato biológico comprometido por alterações celulares, a condição de interação e de intervenção de outras pessoas, no ambiente social, insere-se como elemento essencial na criação de caminhos que apóiem o crescimento dos sujeitos (CARNEIRO, 2008).

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Vale salientar que na busca de uma proposta pedagógica atenta à

diversidade, o momento atual sugere reflexões, incompletudes, sobretudo, construções (BEYER, 2005). Uma proposta curricular é construída, e, portanto, surge das necessidades e especificidades de um contexto real que é múltiplo, contraditório, devendo apresentar possibilidades de resposta para essa multiplicidade. Tal como coloca Kramer (1999, p. 171), considera-se que uma nova proposta para a educação é, sobretudo, “um convite, um desafio, uma aposta”, “não é um lugar, é um caminhar”; e ela “precisa ser contada.” Tentar; errar; retomar; são palavras de ordem em processos inovadores (HOFFMANN, 2010).

Nos relatos das entrevistas, as professoras afirmaram que a escola vem passando por uma reestruturação física e curricular à luz de uma abordagem sociointeracionista, e estão buscando contemplar as novas demandas nos processos de ensino e de aprendizagem. Essa preocupação é relevante e acaba por envolver desde as condições estruturais das escolas quanto às atitudes dos seus atores em abarcar um projeto de inclusão escolar e social.

Além disso, entende-se que a prática pedagógica engloba, além das ações essenciais do professor e das condições de trabalho, as demandas externas, através de políticas, de decisões normativas da escola e de expectativa e envolvimento familiar na educação dos filhos. Nesse sentido, a autora desta pesquisa enfatiza que, ao favorecer a inclusão dos alunos com Síndrome de Down, o professor poderá engajar-se também como aprendente, e “não ficar de fora” das discussões acadêmicas, políticas e dos mais recentes desafios educacionais, pois ele é uma peça muito importante nas tomadas de decisões.

Por fim, sugere-se a ampliação de estudos a partir de outras pesquisas que tratem da inclusão escolar das crianças com Síndrome de Down e seu processo de aprendizagem, em áreas específicas (artes, ciências, matemática, geografia, história) que possam trazer reflexões sobre estratégias didáticas para favorecer a aprendizagem desses meninos e meninas, no espaço escolar comum.

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A INCLUSÃO DO ALUNO COM AUTISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA

Élida Cristina Santos da Silva13 Theresinha Guimarães Miranda14

Introdução

O autismo é um transtorno global do desenvolvimento que se caracteriza por dificuldades na interação social, dificuldades na comunicação e por padrões restritos e estereotipados de comportamentos. Atualmente, no Brasil e no mundo, as pessoas com autismo têm reconhecido, pelo menos legalmente, o direito à educação e à inclusão escolar. Contudo, a efetivação desse direito não é tão fácil, uma vez que os comportamentos e as características peculiares apresentados por essas pessoas influenciam em sua aprendizagem e relacionamento social, causam insegurança e requerem da escola, como um todo, e do professor, mais especificamente, a adoção de práticas pedagógicas que levem em conta esses comportamentos e características.

Percebe-se que a inclusão educacional não é uma tarefa fácil, sendo necessário levar em consideração alguns pontos para obter êxito na inclusão de alunos com autismo nas escolas regulares; dentre eles registram-se: a importância de capacitar a comunidade escolar através de palestras e atividades de sensibilização antes da chegada e durante a permanência do aluno na escola; a necessidade do professor conhecer e adotar, se for necessário, sistemas de comunicação alternativa para se comunicar com o aluno com autismo, se ele não fizer uso de linguagem oral e utilizar estratégias para prevenir condutas atípicas, como: aversão ao toque, tendência ao isolamento, fixação em um objeto, ecolalias (repetição insistente de frases ou palavras), estereotipias motoras, como, balanço do corpo e agitação dos braços dentre outros comportamentos que podem ser apresentados pelas pessoas com autismo ou direcionar essas condutas para outros comportamentos ou atividades. (FERNANDES et. al., 2007)

Verifica-se, assim, que são inúmeros os desafios impostos ao professor, para uma educação inclusiva, e, apesar das leis que tratam da educação de pessoas com necessidades educacionais especiais abordarem a formação do professor para lidar com esses alunos. A revisão da literatura (BLANCO; GLAT, 2007; LAGO, 2007) indica que a formação dada nos cursos de graduação não oferece subsídios para uma atuação adequada em relação à diversidade, sendo necessário que, no cotidiano escolar, o professor através de sua experiência direta com o aluno, crie estratégias próprias para favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento desse aluno. Assim, com base no exposto ao longo do texto e por considerar a prática pedagógica dos professores como um fator de fundamental importância para o êxito ou fracasso do processo inclusivo o presente trabalho, que é um recorte da pesquisa de mestrado, tem como objetivo analisar a prática pedagógica do professor no processo de inclusão educacional do aluno com autismo.

13 Pedagoga do Instituto de Cegos da Bahia e Mestre em Educação – Faculdade de Educação/UFBA. E-mail: [email protected] 14 Professora doutora do programa de Pós Graduação da UFBA e do curso de graduação em Pedagogia. E-mail: [email protected]

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Uma reflexão sobre tendências e prática pedagógica Definir prática pedagógica não é tarefa simples, uma vez que não existe um

conceito fechado para ela. Prática, de um modo geral, pode ser a realização de uma teoria de modo concreto, ou uma coisa que se coloca em ação a partir de algo que se observa, ou seja, a execução de algo que se aprendeu teoricamente ou através de observação. Veiga (1994, p. 17) afirma que “[...] a prática pedagógica é uma atividade teórica-prática que possui um lado ideal, teórico e um lado real, material, prático”. Nesse sentido, acredita-se neste trabalho que mesmo de uma maneira inconsciente a prática pedagógica dos professores tem base em uma determinada concepção teórica, seja ela aprendida durante a formação, na experiência de trabalho ou no contato com outros professores. Para fins desse trabalho, prática pedagógica será compreendida como a atividade desenvolvida pelos professores visando promover a aprendizagem e desenvolvimento dos seus alunos, prática essa embasada tanto em teorias quanto em sua experiência na prática do trabalho, ou na junção das duas.

A compreensão da prática pedagógica como uma dimensão da prática social, sendo esta permeada pelas contradições presentes na sociedade, conduz ao entendimento de que a prática desenvolvida pelos professores é marcada pelos conflitos, contradições e exclusões que acometem a escola e a sociedade como um todo. Observa-se que no decorrer da história da educação no Brasil sempre existiram razões para justificar o fracasso ou o sucesso, para definir quem poderia ou não frequentar o espaço escolar ou para justificar a dualidade existente no ensino. Essas razões podem estar alicerçadas nas teorias pedagógicas e na concepção que se tem de sociedade, aluno, professor, educação e aprendizagem.

Diante do exposto, considerou-se importante situar brevemente as principais tendências pedagógicas que figuraram ou ainda figuram, seja de forma tímida ou explícita, na prática pedagógica ou no discurso dos professores. Dessa forma será feita uma breve revisão sobre as tendências Tradicional, Nova, Tecnicista, Construtivista ou Sociohistórica – o construtivismo de Piaget e a teoria sociohistórica de Vigotsky. Essa revisão tem o objetivo de evidenciar a prática pedagógica desenvolvida nessas tendências e fornecer subsídios para a análise da prática pedagógica observada.

A tendência tradicional foi a que primeiro se estabeleceu no Brasil como modelo formal de ensino, com os jesuítas. Na tendência tradicional, a função da escola consiste no preparo intelectual e moral dos alunos para assumir uma determinada função na sociedade. A atividade de ensinar, ou seja, a prática pedagógica é centrada no professor, que é o responsável por expor e interpretar o assunto, o que predomina é a exposição oral de conteúdos indistintamente para os alunos. Ao aluno compete uma atitude passiva de prestar atenção e decorar o que está sendo dito pelo professor e atingir através de esforço próprio a aprendizagem dos conteúdos ensinados (LIBÂNEO, 1994). Essa prática pedagógica pode ser extremamente prejudicial para o aluno com autismo, pois como suas necessidades educacionais especiais não são reconhecidas e nem consideradas na sala de aula, esse aluno provavelmente não conseguirá obter o desempenho esperado para os demais colegas de classe.

A Tendência da Escola Nova ou a Tendência Escolanovista surgiu como oposição à tendência tradicional e teve como base a psicologia subjetivista que situa o mundo das ideias na consciência do homem e destaca a natureza individual como autônoma e livre das influências do ambiente social (SCALCON, 2002). Para os escolanovistas, a função principal da educação é a de promover condições que

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favoreçam a atividade dos alunos. O aluno é considerado como sujeito da aprendizagem e dessa forma, o professor deixa de ser um transmissor do conhecimento e passa a ser um auxiliar do desenvolvimento da criança, um facilitador da aprendizagem. Em relação ao aluno com autismo, também deve ser analisada a validade dessa tendência. Como alguns demonstram resistência ao aprendizado e um apego a certos objetos e rotinas, é necessário criar meios para incentivar sua participação nas atividades, caso contrário, o aluno pode ficar alheio ao que está acontecendo na sala de aula.

A Tendência Tecnicista tem seu aporte psicológico na psicologia behaviorista de inspiração objetivista. Desenvolveu-se no Brasil, na década de 50, e ganhou maior relevância nos anos 60, após a instauração do governo militar em 1964. Nessa tendência, a escola passa a moldar o indivíduo, ou modelar seu comportamento, para que posteriormente ele possa ser um cidadão produtivo (SCALCON, 2002). O papel da escola passa a ser o de satisfazer a necessidade da sociedade industrial, fornecendo recursos humanos capacitados para a indústria. Pode-se inferir que nesta tendência o aluno com autismo também não é considerado em suas necessidades. Como o papel principal da educação passa a ser o de manter a ordem social, fornecendo sujeitos produtivos, este aluno pode ser encarado como alguém que não será útil para a sociedade e/ou seu comportamento pode ser encarado como nocivo à manutenção da ordem. Diante disso, a melhor solução pode ser mantê-los em instituições especializadas que tenham como objetivo corrigir os comportamentos inadequados.

A Tendência ou Perspectiva Interacionista, baseada no construtivismo de Piaget e na teoria sociohistórica de Vigotsky, surge como uma tentativa de superar a dicotomia entre sujeito e objeto. Essa tendência concebe o ser humano como um ser ativo que constrói conhecimento na relação com o ambiente. Embora essas teorias apresentem semelhanças, podem-se perceber também algumas diferenças, desse modo, as contribuições desses teóricos serão apresentadas separadamente.

A epistemologia de Piaget rompeu a dicotomia sujeito e objeto, presente na psicologia através das correntes objetivista e subjetivista. Piaget se preocupou com a forma como a criança construía conhecimento e postulou que o conhecimento é resultante da interação sujeito e objeto. A ação é outro elemento que exerce um papel fundamental na epistemologia piagetiana, pois: “O sujeito e o objeto não são definidos a priori, mas ao contrário, ganham gradual especificidade e definição quando mediados pela ação humana”. (SCALCON, 2002, p. 39). Embora reconhecendo que Piaget não desenvolveu uma teoria pedagógica, são inegáveis as contribuições de sua teoria para a educação, mais especificamente, para prática pedagógica dos professores. As principais delas são a nova forma de conceber o sujeito, possibilitado o professor ver o aluno como um sujeito ativo e não como um ser passivo e a nova forma de conceber a aprendizagem, não mais como resultado de memorização dos assuntos transmitidos pelo professor, mas como uma construção ativa.

Apesar dessas contribuições, o construtivismo de Piaget recebeu críticas, e a principal delas diz respeito ao fato de Piaget não deixar claro em sua teoria a contribuição do meio nos processos de desenvolvimento humano. Outro ponto também questionado na teoria de Piaget diz respeito à relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem. De acordo com Vigotsky (1998), os princípios teóricos desenvolvidos por Piaget partem do pressuposto de que: “O desenvolvimento ou a maturação são vistos como uma pré-condição do aprendizado, mas nunca como resultado dele” (VIGOTSKY, 1998, p. 105). Em relação às pessoas com necessidades educacionais especiais, em especial a pessoa com autismo, uma interpretação

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equivocada da relação entre aprendizado e desenvolvimento na teoria de Piaget pode justificar a falta de investimento na aprendizagem dessas pessoas ou uma espera no desenvolvimento para planejar uma intervenção pedagógica adequada, o que seria prejudicial para essas pessoas. O mais apropriado seria investir na aprendizagem com vistas a favorecer o desenvolvimento desses indivíduos.

A abordagem vigotskiana acredita que o processo de construção do conhecimento ocorre na interação do sujeito historicamente situado com o ambiente sociocultural onde vive. Essa abordagem questiona a concepção de que o desenvolvimento da pessoa é determinado apenas pelos fatores biológicos na medida em que aponta a importância do meio e da interação social para o desenvolvimento humano. A teoria sociohistórica oferece contribuições para a prática pedagógica, concedendo ao professor um papel importante no desenvolvimento do aluno; o professor é o responsável por realizar a mediação nas interações entre o aluno e o conhecimento.

Diante do que foi apresentado sobre a teoria sociohistórica, acredita-se que a prática pedagógica baseada nessa teoria é a mais adequada para a inclusão dos alunos com autismo. Tal crença se baseia principalmente em duas razões: a primeira por ser esta uma teoria que justifica a inclusão educacional de pessoas com necessidades educacionais e dos ajustes que devem ser feitos pela escola para atender esses alunos, na medida em que aponta a importância do meio social para o desenvolvimento dos indivíduos, e, segundo, porque atribui ao adulto ou companheiro mais capaz, que no caso da escola pode ser o professor ou um colega de classe que esteja mais adiantado, o papel de intervir no desenvolvimento dos alunos com autismo, bem como justifica a ideia de que o professor deve flexibilizar sua prática para oferecer respostas às necessidades específicas dos alunos com autismo.

Metodologia Para o desenvolvimento desta pesquisa foi adotado como opção

metodológica o estudo de caso, dentro de um enfoque qualitativo de pesquisa. A opção se deu pela flexibilidade desse tipo de abordagem e por permitir a observação do cotidiano escolar de uma sala de aula que atende um aluno com autismo, com vistas a perceber como a professora e a estagiária dessa classe desenvolvem sua prática pedagógica frente à inclusão do aluno com autismo. Como neste estudo o caso é a prática pedagógica desenvolvida pelo professor da escola regular no processo de inclusão educacional do aluno com autismo, serão relatadas as observações que foram realizadas em uma escola regular de Ensino Fundamental (particular) onde estava incluído um aluno com autismo e foram realizadas entrevistas com a professora e a estagiária da classe observada. As observações e entrevistas foram realizadas com base em roteiros semiestruturados e tiveram o suporte teórico do levantamento bibliográfico que foi realizado no decorrer da pesquisa.

O campo empírico desse estudo foi uma escola regular de educação infantil e ensino fundamental I (1º ao 5º ano) que possui um aluno com autismo, para preservar a identidade dessa escola será utilizada a letra A para identificá-la.

A Escola A é uma escola particular de educação infantil e ensino fundamental I (1º ao 5º ano). De pequeno porte, fica localizada em um bairro de grande movimentação comercial da cidade de Salvador e funciona no turno matutino e vespertino, contando com um total de 250 alunos, sendo que 121 no turno matutino e 129 alunos no turno vespertino. Em relação à estrutura física, pode-se destacar que a

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escola possui oito salas de aula, uma quadra pequena e com poucos brinquedos, uma cantina, uma biblioteca e uma secretaria. A sala de aula observada é pequena, possui 1 professora, 1 estagiária e 24 alunos, com 3 anos de idade, que cursavam o maternal (educação infantil). O mobiliário da sala se resume a mesas e cadeiras pequenas, apropriadas para as crianças, uma mesa e uma cadeira para a professora, além de prateleiras onde ficam livros, lápis e em alguns momentos materiais como massa de modelar e uma vasilha com jogos de encaixe.

Os sujeitos que fizeram parte deste estudo foram uma professora, uma estagiária e o aluno com autismo. Ao longo da apresentação dos dados são utilizados nomes fictícios para identificá-los. A professora Rayssa tem 40 anos, concluiu o curso de magistério, chegou a cursar Pedagogia, mas não concluiu; pretende voltar para concluir a graduação. Está na escola há quatro anos, sua carga horária semanal de trabalho é de 20 horas. É professora do maternal e possui 24 alunos na sala de aula. Durante a entrevista, informou que antes do aluno, sujeito da pesquisa, nunca havia trabalhado com um aluno com autismo. A professora não participou de nenhuma formação, palestra ou curso sobre autismo antes de receber o aluno, mas informou que a coordenadora da escola disponibilizava textos e DVD sobre o tema.

Rosana, estagiária, tem 27 anos, é estudante de Pedagogia e está como estagiária da escola há 9 meses. De acordo com a professora Rayssa, apesar de dar atenção a todos os alunos, a estagiária Rosana foi colocada na sala para dar uma atenção maior ao aluno com autismo. Ela ficava mais próxima do aluno com autismo e na maioria das vezes era a pessoa que dava um apoio individualizado ao aluno na hora da realização das atividades e em alguns momentos assumia as atividades junto com toda a turma. Apesar de não ter participado de cursos e/ou palestras sobre autismo, Rosana tinha interesse pelo tema e havia decidido fazer o trabalho de conclusão de curso (monografia) sobre o autismo.

Adriano, aluno com autismo, tem três anos de idade, é filho único e mora com os pais, não se comunica através da fala, embora cante e pronuncie algumas palavras aparentemente incompreensíveis. Não interage espontaneamente com os colegas de turma, não costuma olhar ou procurar os colegas, quando quer algo, costuma usar as pessoas como instrumento, levando-as até onde quer, por exemplo: quando quer água ou outra coisa, procura a professora ou a estagiária e a leva até o bebedouro ou até o objeto desejado. Quando tem alguma necessidade costuma solicitar os adultos, raramente se dirige aos colegas. Apresenta riso e choro sem motivo aparente.

Adora observar livros, é capaz de passar horas vendo livro ou revistas, costuma tocar nas letras como se estivesse fazendo uma leitura. Adriano apresenta alguns comportamentos autoestimulatórios como pular e correr de um lado para outro, em outras ocasiões cantava algumas músicas, costumava se isolar correndo para área que ficava próxima da sala ou para o pátio; em outros momentos corria para a sala da outra professora e ficava para olhando fixamente para o ventilador. Adriano é atendido por uma psicóloga em um consultório e acompanhado por uma psiquiatra, mas não conta com um apoio pedagógico que facilite sua inclusão.

Prática pedagógica da professora Rayssa Os dados da pesquisa são apresentados na forma de categorias temáticas,

que emergiram da revisão bibliográfica realizada para compor o presente trabalho e dos pontos que se destacaram frente à análise dos dados. Diante disso, foram destacadas duas categorias, a saber: Relações Pedagógicas e Relações Interpessoais.

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A professora Rayssa ensina crianças de três anos, faixa etária correspondente à

Educação Infantil (EI). As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2009) traz importantes contribuições a respeito de como devem ser as práticas pedagógicas na Educação Infantil. O documento citado afirma que:

Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que:

I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança [...]

Ao observar esse eixo norteador, parece fácil incluir a criança com qualquer tipo de necessidades educacionais especiais, pois a Educação Infantil deveria ser um local onde através de atividades lúdicas e significativas a criança fosse adquirindo experiências e aprendizagens importantes para o seu desenvolvimento, dessa forma todas as crianças, desde que fossem consideradas suas características específicas, teriam condições de estar incluídas e participarem ativamente das atividades desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil. Entretanto, nem sempre isto é possível, pois, em alguns momentos a educação infantil é esvaziada de sua real função, tornando-se uma antecipação do ensino fundamental, supervalorizando os conteúdos acadêmicos em detrimento das experiências que estimulam a interação, autonomia e participação nas brincadeiras.

Relações Pedagógicas Em relação a organização da sala, foi possível observar que a professora

Rayssa organizava sua sala em pequenos grupos, a sala possui mesas e cadeiras pequenas, adequadas para alunos da educação infantil, em cada mesa ficam sentados quatro alunos. Nas observações, verificou-se que apesar da divisão em pequenos grupos, as atividades eram sempre individuais, ou seja, a professora não utilizava a disposição do mobiliário e dos alunos para estimular a realização de atividades em grupos, o que favoreceria a cooperação entre os alunos. No decorrer das observações, os alunos constantemente trocaram de mesas e podem ter contatos com diferentes colegas. No entanto, no que diz respeito ao aluno com autismo, a professora costumava colocá-lo sentado quase sempre na mesma mesa sozinho ou com um colega que possui uma dificuldade na comunicação oral.

A professora poderia nessas ocasiões ter aproveitado a organização da sala, na medida em que os alunos já estavam dispostos em pequenos grupos, o que de certa forma favorece a interação entre os alunos para estimular a participação do aluno com autismo. A professora, embora não falasse isto, parecia indicar o lugar que o aluno como autismo possuía na sala, o lugar de isolamento, o que se constituía no reforço, na dificuldade de interação do aluno. Neste caso, apesar da organização da sala facilitar um trabalho mais integrador, a professora não aproveitava a situação para o desenvolvimento de atividades coletivas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2009) destaca que a prática pedagógica neste nível de ensino deve estimular a participação das crianças nas brincadeiras, interações, atividades corporais e outras atividades que estimulem a autonomia dos alunos. Verificou-se na classe observada uma antecipação

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do ensino fundamental, sendo dada ênfase no aprendizado das letras do alfabeto, dos números e de conceitos realizados de maneira formal, em detrimento do investimento de atividades lúdicas como: danças e situações de brincadeiras, que apesar de serem realizadas, em algumas situações não eram percebidas como uma forma de aprendizado. No decorrer das observações foi possível constatar que a professora Rayssa adotava uma prática centrada em uma abordagem tradicional de ensino.

As Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) estabelece ainda que a prática pedagógica deve possibilitar situações de aprendizagem que favoreçam a autonomia dos alunos nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar. O incentivo em relação à autonomia não era dado de forma satisfatória ao aluno com autismo, foi possível observar que próximo à hora do lanche, a professora chamava os alunos para irem ao banheiro lavar as mãos antes do lanche, e após este momento os alunos pegavam suas lancheiras, atividades que contribuíam para o desenvolvimento da autonomia dos alunos. Todos os alunos seguiam esta rotina, mas no início das observações Adriano não era incentivado a segui-la.

Em relação à resposta apresentada por Adriano, foi possível verificar no decorrer das observações, que, na maioria das vezes, ele parecia alheio à explicação da professora e ao que estava acontecendo na sala, mas em alguns momentos Adriano demonstrava entender o que estava acontecendo e até tentava participar, ao seu modo, de algumas situações, entretanto faltava um olhar atento por parte da professora para favorecer essa participação.

Relações interpessoais Sobre as relações interpessoais, nas entrevistas realizadas, a professora e a

estagiária avaliaram como boa a relação entre elas e o aluno com autismo. É importante ressaltar que a professora e a estagiária demonstraram em suas práticas possuir afeto pelo aluno com autismo. Contudo, faltava uma interação maior na hora das atividades, pois na maioria das vezes quando era explicado algo ou realizada alguma atividade, faltava por parte da professora, com maior frequência e da estagiária, em alguns momentos, oferecer uma atenção individualizada ao aluno com autismo e criar estratégias para que o mesmo tivesse uma participação mais efetiva nas aulas. Rayssa em sua prática perdeu a oportunidade de interagir de forma intencional com Adriano e de intervir em sua na zona de desenvolvimento proximal. Nas observações, verificou-se que poucas foram as vezes que a professora Rayssa criou estratégias que favorecessem a interação de Adriano com os demais colegas. Foi possível verificar que favorecer a interação não era visto como um dos objetivos definidos para a turma pela professora, pois, na prática tradicional, a interação com alunos não é algo privilegiado. Contudo, numa prática inclusiva tal objetivo deveria ser prioridade.

Considerações Finais Os resultados mostraram que a inclusão é uma realidade nova para os

sujeitos que fizeram parte desta pesquisa e que o desconhecimento acerca da Educação Inclusiva, da função da Educação Infantil e das especificidades apresentadas pelas pessoas com a síndrome, aliado ao desenvolvimento de uma prática que se baseia no modelo tradicional de ensino dificultava uma intervenção adequada por parte dos professores. Dessa forma, verificou-se no caso observado a não realização de práticas adequadas e a necessidade de um investimento em estratégias que facilitassem a interação do aluno com autismo com os seus colegas. Contudo, a

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professora e a estagiária observada mostraram-se favoráveis à inclusão educacional de alunos com autismo e demonstraram perceber os avanços apresentados pelo aluno em relação a comportamento e interação. Embora, neste caso, não esteja acontecendo de forma adequada, as autoras deste trabalho acreditam na possibilidade da inclusão educacional de alunos com autismo.

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O ENSINO DE GEOMETRIA NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Rosangela Ribeiro Reis15 Gláucia Trinchão16

Cláudia Paranhos de Jesus Portela17

Introdução O texto, aqui apresentado, traz o recorte de uma pesquisa em andamento

sobre o ensino de Geometria para alunos com deficiência visual, do Ensino fundamental II, na perspectiva da Educação Inclusiva. O interesse pelo tema abordado surgiu de algumas inquietações profissionais. Conforme Corazza, nasce da “insatisfação com o já sabido” 18. Como professora de Matemática da Educação Básica pude perceber que, por conta do crescente movimento da Educação Inclusiva19, de forma recorrente, os alunos com necessidades educacionais especiais, e particularmente aqui os alunos com deficiência visual, vêm sendo inseridos nas salas de aula das escolas de ensino regular, mas não incluídos no processo de ensino e aprendizagem. Em diferentes situações, nota-se que a responsabilidade pela “inclusão” do aluno é atribuída tão somente ao professor, que quase sempre não dispõe de orientação nem formação para atender as necessidades educacionais especiais, ou mesmo não se sente responsável pela aprendizagem desses alunos, deixando ou transferindo essa função exclusivamente para o professor da sala de recursos20, isto quando a escola possui. Com relação ao ensino de Matemática, especialmente do conteúdo de Geometria, essa situação se agrava ainda mais, por ser a visualização um recurso constantemente explorado no seu aprendizado, e a fala do professor, muitas vezes, é o único recurso de que o aluno dispõe para compreender os temas abordados.

Lembrando que, quando se fala em ensino de Geometria para o Fundamental II, entende-se aqui a Geometria Plana, conhecida também como Geometria Euclidiana- campo da Matemática que estuda o espaço, as formas

15 Professora de Matemática da rede estadual da Bahia, e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Desenho: Mestrado em Desenho Cultura e Interatividade na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

16 Professora orientadora e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Desenho: Mestrado em Desenho Cultura e Interatividade na Universidade estadual de Feira de Santana – UEFS. 17 Professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – UNEB.

18 Corazza (2002, p.112) afirma que toda pesquisa nasce da insatisfação com o já sabido. “Somente nessa condição de insatisfação é que ousamos tomá-las pelo avesso, e nelas investigar e destacar outras redes de significações”. 19 Trata-se do paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que visa garantir o direito a Educação gratuita e de qualidade a todas as crianças, especialmente as que historicamente estiveram excluídas da escola. Entre estas, as que apresentam algum tipo de deficiência, que talvez seja o grupo que mais tenha sido vítima dessa exclusão ao longo dos tempos. 20 As Salas de Recursos Multifuncionais são espaços da escola onde se realiza o atendimento educacional especializado para alunos com necessidades educacionais especiais, por meio do desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida escolar (BRASIL, 2006, p. 13).

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presentes no espaço e suas propriedades, a partir de três conceitos primitivos (ponto, reta e plano), os demais objetos da Geometria Plana são identificados e formalmente definidos. Corresponde aos conteúdos matemáticos do eixo21 Espaço e Forma.

Conversando com alguns professores que fazem acompanhamento de alunos com deficiência visual, como meio de estabelecer um diagnóstico prévio para a pesquisa, foi possível perceber que, rotineiramente, nas aulas de Geometria de algumas escolas, a explicação dos professores, a linguagem e os recursos utilizados são voltados apenas para o aluno que enxerga. Faltando a esses professores as devidas informações sobre as peculiaridades do processo de aprendizagem do educando com deficiência visual, para possibilitar os ajustes necessários no planejamento e a participação destes nas aulas, uma vez que nossos métodos de ensino baseiam-se principalmente no aporte da visão, e a presença desses alunos nas salas de aula das escolas de ensino regular está se tornando algo comum mais recentemente.

Fazer essas adaptações tem sido um desafio para os professores, na medida em que essa situação é relativamente nova para a maioria deles. Essa preocupação tem sido crescente, principalmente para os docentes das disciplinas em que os recursos visuais assumem cada vez mais importância no seu ensino, no caso da Geometria, e que têm alunos com deficiência visual em suas turmas.

Observa-se uma distância grande entre o que diz a lei e o que se efetiva na prática: escolas sem condições de acessibilidade, carência de recursos didáticos adaptados às necessidades especiais dos alunos, educadores e gestores despreparados para lidar com a diversidade e sem apoio de outros profissionais importantes para a realização do trabalho de inclusão, a não compreensão do que são adaptações curriculares22 e total desconhecimento de direitos legais.

O que se ouve com frequência é que a inclusão chegou por força de lei, sem que escolas e professores estivessem preparados para lidar com a situação. Por outro lado, autores da Educação Especial questionam esse argumento adotado por alguns professores, por entender que, para que a inclusão aconteça é preciso que se queira incluir, ou seja, mesmo reconhecendo a necessidade de mudanças nos sistemas de ensino, de formação docente voltada para o trabalho com a diversidade, assim como dos recursos didáticos adaptados e o apoio de outros profissionais, destacam que a postura do professor do ensino regular pode fazer a diferença na inclusão escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais. Conforme Dias de Sá (s/d) 23, atitudes e posturas do educador serão decisivas no sentido de abrir ou fechar possibilidades do conhecimento ou de descobrir ou ignorar as potencialidades de qualquer pessoa.

Como afirma Carvalho (2008), sobre a inclusão escolar estamos aprendendo a respeito, sem dispormos de certezas e de respostas prontas. O que sugere a necessidade de pesquisas sobre o tema, para promover reflexões a respeito do papel da escola na construção de uma sociedade mais justa e democrática, assim como a socialização de práticas escolares bem sucedidas. Especialmente no ensino de Matemática/Geometria, para que se supere o estigma de disciplina difícil, sem 21 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) apresentam os conteúdos de Matemática organizados em quatro blocos: Números e Operações; Espaço e Forma; Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação, conteúdos que devem ser trabalhados de forma articulada para que os objetivos educacionais propostos sejam alcançados. 22 As adaptações curriculares constituem, pois, possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais (PCN: adaptaçõescurriculares, 1998, p.33). 23 Disponível em http://www.bancodeescola.com/formacao.htm. Acesso em 21/03/2011.

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conexão com a realidade, em que a maioria dos alunos em todo o país vem apresentando baixo desempenho, conforme revelaram os últimos resultados de avalições como a Prova Brasil24, e que os alunos com deficiência visual mais sentem dificuldades em acompanhar, por ser a fala do professor muitas vezes o único recurso de que dispõem para compreender o conteúdo.

Por ser a visão consagrada como um dos principais canais de acesso a informações, e a Geometria uma disciplina carregada de experiências visuais, o professor precisa estar atento à maneira como o aluno privado desse sentido, ou com sério grau de comprometimento da visão, constrói conceitos ligados à disciplina, internaliza as informações e se apropria das imagens visuais e as transforma em imagens mentais. Pois só assim o professor poderá trabalhar com situações que favoreçam à sua aprendizagem, e até mesmo ter elementos para melhor avaliar este aluno.

Garantir aos alunos deficientes visuais a aprendizagem dos conteúdos geométricos é possibilitar o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao espaço e às formas, que para os alunos privados da visão fazem toda diferença no seu desenvolvimento e na construção da sua autonomia, assim como o acesso aos conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.

Por isso, a intenção é discutir como o aluno com deficiência visual consegue se apropriar de conceitos geométricos básicos, construir imagens de diferentes figuras e objetos, de que maneira isso acontece e quais recursos didático-pedagógicos favorecem esse processo de acordo com o tipo de deficiência visual dos alunos. Mesmo considerando que eles formam um grupo heterogêneo e que o ritmo de aprendizagem vai depender das experiências individuais de cada. Trata- se de refletir sobre como se dá a “visualização” na invisualidade no processo de ensino e aprendizagem de conceitos geométricos, uma vez que as disciplinas da área de exatas são as que mais requerem o uso de recursos visuais como gráficos, tabelas, figuras, etc., para a compreensão de seus conceitos e representação da realidade.

A deficiência visual e suas implicações educacionais Existem diferentes definições para a deficiência visual, variando de acordo

com os enfoques abordados, a sua complexidade decorre dos diferentes graus de comprometimento das funções visuais existentes, como ausência total da percepção de luz, acuidade visual reduzida, campo visual restrito, visão de cores prejudicada e sensibilidade aos contrastes, adaptação à iluminação; trazendo implicações para o processo educacional do deficiente. Adotaremos aqui uma definição com base no enfoque educacional.

Os PCN (1998, p.26) definem como deficiência visual a redução ou perda total da capacidade de ver com o melhor olho e após a melhor correção ótica possível, e que esta se manifesta como: cegueira, que sob o enfoque educacional, “representa a perda total ou o resíduo mínimo da visão que leva o indivíduo a necessitar do método 24 Avaliação aplicada pelo MEC em escolas da rede pública, realizada a cada dois anos com alunos das séries terminais do ensino fundamental, desde 1990, nas disciplinas matemática e língua portuguesa. O objetivo da avaliação é auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar, no estabelecimento de metas e na implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino. Disponível em <http://provabrasil.inep.gov.br/historico>. Acesso em 23/07/2011.

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Braille como meio de leitura e escrita, além de outros recursos didáticos e equipamentos especiais para a sua educação”; ou visão reduzida que “sob o enfoque educacional, trata-se de resíduo visual que permite ao educando ler impressos a tinta, desde que se empreguem recursos didáticos e equipamentos especiais”.

Cabe ressaltar que, no caso dos alunos com baixa visão, “o uso da visão residual é determinada por fatores como a natureza e extensão da doença do olho, idade em que ocorreu a perda da visão, oportunidades de estimulação visual e de “ver” materiais visuais, condições psicológicas do indivíduo e sua atitude em relação à deficiência” (MEC. 2000, p.26). Porém, nem sempre o resíduo visual da pessoa é suficiente para que ela se guie pela visão, necessitando em certos casos da utilização de outros sistemas perceptivos no processo educacional, interferindo na aprendizagem do aluno, especialmente nas disciplinas em que os recursos visuais são bastante explorados, como a Geometria.

O crescimento de pesquisas na área educacional permitiu que o enfoque médico, que prevaleceu por muito tempo desde o século XVIII, fosse aos poucos, especialmente a partir da década de 70, dando espaço ao enfoque educacional, que considera não apenas as limitações decorrentes da deficiência, mas principalmente as possibilidades de desenvolvimento e interação da pessoa com deficiência, através do uso de recursos alternativos para promover a remoção de barreiras no acesso ao conhecimento. Neste enfoque, as limitações não são vistas apenas como sendo próprias do individuo, mas também do ambiente em possibilitar meios para a superação das barreiras impostas pela sociedade e que acabam gerando situações de desvantagens. Para o estudo realizado aqui, é importante destacar que,

Quanto menos o deficiente visual interage no ambiente sociocultural, menos oportunidade ele tem para formar conceitos e mais ele se fecha dentro de “seu mundo” particular. A falta de estimulação causa uma defasagem no desenvolvimento cognitivo, caracterizada, neste caso, justamente pela dificuldade na formação e utilização de conceitos. Esta defasagem é uma situação conjuntural e não estrutural do desenvolvimento da pessoa cega. (FERRARI; CAMPOS, 2001, apud NUNES, 2004, p. 32).

Em um mundo onde a maioria da população é vidente, e que se manifesta de forma predominantemente visual, é indiscutível que a ausência desse sentido acarreta em uma série de dificuldades para o desenvolvimento, interação e aprendizagem das pessoas deficientes visuais. Não por que a ausência da visão seja um impedimento para o seu desenvolvimento, mas por que ele se dará por caminhos diferentes do que habitualmente as pessoas videntes estão acostumadas.

Para Amiralian (1997, p. 21), a compreensão das pessoas cegas “deve se iniciar pelo entendimento de sua deficiência básica: uma limitação perceptiva [...], que as limitam em suas possibilidades de apreensão do mundo externo, interferindo em seu desenvolvimento e ajustamento às situações comuns da vida”. Assim, elas precisam utilizar meios não usuais para estabelecer relações com o mundo dos objetos, pessoas e coisas que as cercam. Conforme a autora, essa condição imposta pela ausência da visão se traduz em peculiar processo perceptivo, que reflete na estruturação cognitiva e na organização e constituição do sujeito psicológico.

As pessoas com deficiência visual, principalmente as cegas, são muitas vezes tratadas como incapazes de se integrar à vida social e desempenhar funções do cotidiano como estudar, trabalhar, frequentar espaços públicos, etc.. Isso ocorre porque, no imaginário popular, “(...) a impossibilidade do ver confunde-se com a

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impossibilidade do existir, do aprender, do comunicar-se, do relacionar-se, do fazer parte, entrar para a cultura e tornar-se sujeito” (ORMELEZI, 2006, p.176). O que nos permite dizer que, a experiência de segregação desses indivíduos é fruto de uma construção social e histórica da deficiência relacionada à ideia de incapacidade, a mitos construídos a partir da concepção de quem enxerga, e à percepção que se tem do outro sem considerar o que o outro pensa sobre si mesmo.

Apesar de notarmos algumas mudanças nesse cenário, por conta dos movimentos sociais de inclusão, essas concepções permanecem ainda na atualidade. E “tudo isso repercutirá sobre o caminho de desenvolvimento do sujeito cego que vive em um mundo construído pela visão, onde o ver é sinônimo de conhecer; onde esse sentido tem um papel central na formação da pessoa” (Ibid, 2000, p. 21). Pois, encontramos no meio educacional também esse tipo de crença, conforme o relato a seguir:

[...] É uma confusão muito comum, e até muito sutil, as pessoas pensarem que temos algum outro tipo de deficiência [...]. Penso que o professor também é suscetível a essas confusões, dada a cultura que a sociedade impôs, então, esse tipo de confusão pode levá-lo a uma certa insegurança quanto à aprendizagem do deficiente. Há o professor que acredita que o deficiente visual não aprende porque é um deficiente global e, outros, que acreditam que porque ele não tem visão desenvolveu uma inteligência extraordinária [...] (CAIADO, 2003, p.35).

A citação25 acima revela as impressões de uma pessoa com deficiência visual e suas memórias do período de escola, ratificando que as crenças populares sobre a capacidade das pessoas com deficiência visual, muitas vezes, estão presentes também na postura de alguns professores. Visto que, a sociedade é formada por uma maioria de videntes, e que não concebem uma forma de aprender/conhecer sem a possibilidade do ver. Porém, pesquisas realizadas com deficientes visuais apontam que, a partir de estímulos sensoriais significativos, interação, comunicação e incentivo das pessoas que circundam essas crianças (familiares, professores, amigos), elas conseguem desenvolver habilidades motoras e cognitivas que lhes permitam ter êxito na vida social e escolar. O fato de não enxergar representa sim uma barreira para essas pessoas, mas isso “não quer dizer que esses não sejam capazes de conhecer ou representar o seu meio social, mas sim que necessitam potencializar a utilização de outros sistemas sensoriais” (OCHAITA; ROSA, 1985, p.184).

Assim, as dificuldades do aluno com deficiência visual na construção do conhecimento e aquisição de conceitos geométricos podem estar relacionadas com o histórico do indivíduo, mas também podem ser minimizadas ou até mesmo anuladas dependendo das oportunidades, situações didáticas e recursos adaptados utilizados no processo de ensino e aprendizagem, bem como a superação da crença de que só a percepção visual poderia oferecer informações que permitiriam ao sujeito reconhecer figuras e gráficos adequadamente.

Uma das maiores dificuldades enfrentada pelas pessoas com cegueira é a aquisição de conceitos, visto que, a visão exerce um importante papel neste processo, especialmente aqui os conceitos ligados à Geometria. Conforme Ormelezi (2006), é talvez, o mais complexo dos níveis da aprendizagem e do desenvolvimento por caracterizar-se por funções cognitivas de abstração e generalização. Tanto que alguns pesquisadores26 brasileiros vêm se dedicando a investigar o desenvolvimento cognitivo 25 Depoimento de uma deficiente visual, para uma pesquisa realizada por Caiado (2003, p. 35). 26 Masini (1994), Amiralian (1997), Nunes (2004), Ormelezi (2000, 2006), Batista (2005).

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das crianças cegas, buscando compreender como essas crianças constroem suas representações mentais acerca dos objetos do mundo - conceitos e imagens, identificando peculiaridades na forma de aprender e perceber, e as condições favoráveis para que estas venham a se constituir sujeitos.

Nesse sentido, Batista (2005), em um trabalho sobre aquisição de conceitos e suas implicações para o ensino de crianças cegas, afirma que o professor precisa considerar o uso do tato como recurso no ensino desses alunos e a noção de representação no planejamento de material didático. Visto que, na sala de aula o professor lança mão de representações para trazer elementos do mundo, a exemplo de imagens, esquemas, fotos, filmes, etc. E para os alunos deficientes visuais é necessário buscar as melhores formas de representação para auxiliar no entendimento de diferentes conceitos.

A autora supracitada ressalta ainda a importância dos processos cognitivos, especialmente linguagem e pensamento, na elaboração e integração das informações provenientes dos sentidos. A linguagem, no caso aqui a explicação/descrição feita pelo professor, desempenha um papel fundamental no processo de aprendizagem do deficiente visual, principalmente quando se trata de conceitos ou informações poucos ou nada acessíveis ao tato. Até mesmo porque as informações obtidas através do tato não são “totalizadoras” como no caso da visão. O tato se constitui num recurso valioso, “entretanto, não pode ser visto como substituto da visão, nem pensado de forma independente dos processos cognitivos envolvidos na apropriação de conhecimentos” (BATISTA, 2005, p. 13).

Deficiência visual congênita e adquirida- implicações na construção das imagens mentais e para a aprendizagem de Geometria

Quanto ao período de manifestação a deficiência visual pode ser congênita- quando a criança nasce com a deficiência ou a apresenta ainda nos primeiros cinco anos de vida; ou adquirida- quando ocorre após os cinco anos de idade. Segundo Amiralian (1997), a delimitação da idade de cinco anos para o diagnóstico de cegueira adquirida resulta de pesquisas que não identificaram memória visual em pessoas que perderam a visão antes dessa idade. Conforme Lowenfeld (1975, apud MEC, 2000, p. 30),

as crianças com cegueira congênita ou que perderam a visão por volta dos três anos, não conservam imagens visuais úteis para a aprendizagem, o que exige um atendimento educacional precoce e reorganização perceptiva, isto é, adquirir pelo tato, audição, olfato, sentido cinestésico e outros, o que não consegue pela visão.

Logo, o tipo de deficiência e o momento em que ocorreu repercutem diretamente na maneira como as aprendizagens serão construídas e no processo de formação das imagens mentais pelos alunos- que são as questões principais deste estudo. Pois, se o deficiente visual enxergou até um momento da sua vida em que lhe permita ter lembranças das imagens dos objetos, lugares, etc., isso será importante no seu processo de readaptação, para a construção das imagens mentais acerca dos objetos do mundo e na aquisição de conceitos com base em uma memória visual. Porém, se o aluno apresenta cegueira congênita, ele não dispõe dessas referências visuais no seu processo de interação com o mundo, necessitando de outros referenciais para construir suas imagens mentais. Logo,

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O indivíduo que nasce com o sentido da visão, perdendo-o mais tarde, guarda memórias visuais, consegue se lembrar das imagens, luzes e cores que conheceu, e isso é muito útil para sua readaptação. Quem nasce sem a capacidade da visão, por outro lado, jamais pode formar uma memória visual, possuir lembranças visuais (MEC: cadernos da TV escola, 2000, p.8).

Amiralian (1997) afirma que o aspecto mais importante dessa diferenciação diz respeito ao recurso da visualização, confirmando que pessoas com cegueira adquirida podem reter uma estrutura visual útil para a “visualização” que será utilizada no processo educacional e de readaptação. O que nos leva a concluir que, a conservação de uma memória visual pode ajudar na aprendizagem do conteúdo de Geometria pelos deficientes visuais tardios, sendo importante para o processo de construção das imagens mentais. Visto que, o recurso da visualização é frequentemente explorado no trabalho com as figuras geométricas, assim como na aquisição de alguns conceitos.

Este fato também foi confirmado pela pesquisa realizada por Santos (2006)27, um do sujeitos entrevistados pelo autor relata que o fato de ter perdido a visão aos 11 anos de idade lhe permitiu conservar uma memória visual que o ajudou no estudo de Geometria. Conforme o trecho a seguir da entrevista.

Fazíamos os triângulos, retângulos usando canudinhos colados na folha. No meu caso foi mais tranqüilo pelo fato de ter enxergado até os 11 anos. [...]. Acho que isso ajudou, acho não, tenho certeza! Porque mesmo não tendo estudado a matéria quando eu enxergava, mas eu já tinha na minha mente as figuras e a memória visual funciona muito. [...] (SANTOS, 2006, p.5, recorte feito pelo autor).

Ao Analisar as dificuldades desse sujeito, na resolução de problemas de Geometria, e as de um cego congênito, que também participou da pesquisa, o autor sugere que cegos congênitos talvez necessitem, em algumas situações, de métodos de ensino diferentes daqueles estudantes que perderam a visão bem mais tarde e possuem em suas memórias as informações de experiências visuais de mundo. O que não quer dizer que cegos tardios não sintam dificuldades, nem que os cegos congênitos não consigam aprender o conteúdo de Geometria, apenas reforça que, em algumas situações, suas necessidades de aprendizagem podem requerer diferentes recursos, para possibilitar a representação mental dos objetos da Geometria. Enquanto a descrição verbal de um objeto pode ser suficiente para o sujeito reproduzir este objeto mentalmente, em outras situações ele poderá necessitar de, juntamente com a explicação, explorar tatilmente um recurso didático que represente o objeto em questão. Assim, a hipótese levantada aqui é de que a utilização de alguns recursos didáticos pode possibilitar a construção de uma aprendizagem significativa28 do conteúdo de Geometria pelo aluno deficiente visual.

Ensino de Geometria para alunos com deficiência visual O ensino de Geometria tem sido alvo de críticas em alguns trabalhos29, pelo

seu abandono ou pela maneira como vem sendo realizado nas escolas nos últimos 27 Uma Leitura da Produção de Significados de Pessoas com Deficiência Visual para a Geometria (SANTOS, 2006). 28 Aprendizagem Significativa conforme Ausubel (1963) é aquela que ocorre quando o aprendiz organiza, elabora e compreende o que é ensinado. Isso acontece quando as informações são relacionadas às representações, e/ou conceitos e/ou ideias que o aprendiz já dispõe. Assim, para que ocorra a Aprendizagem significativa é necessário saber quais são as representações, e/ou os conceitos e/ou ideias que o aprendiz já dispõe, para que ele possa elaborar a nova informação a partir do que já conhece. (MASINI, 2003, p. 237-238) 29 Pavanelo (1993), Nasser (1994), Lorenzato (1995).

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anos: sem conexão com a realidade; como mera aplicação de regras e fórmulas, e dissociado de outros ramos da Matemática. Como consequência dessas críticas e da percepção do quanto esse comportamento tem afetado a qualidade da educação matemática dos nossos estudantes, os PCN enfatizam a necessidade de reverter essa situação, destacando que, “os conceitos geométricos constituem parte importante do currículo de Matemática no ensino fundamental, porque, por meio deles, o aluno desenvolve um tipo especial de pensamento que lhe permite compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive” (PCN, 1998, p.51).

Seu ensino visa ainda estimular a criança a observar, perceber semelhanças e diferenças, a identificar regularidades, compreender conceitos métricos, e permitir o estabelecimento de conexões entre a Matemática e outras áreas do conhecimento. Entretanto, com o crescente número de pesquisas no campo da Educação Matemática tendo como foco o ensino de Geometria, em diferentes abordagens, nota-se que,

O lugar da geometria nos currículos tem sido alvo de grande controvérsia, um pouco por todo o mundo. Nos últimos anos, observa-se uma tendência geral no sentido da revalorização da geometria nos programas de Matemática. No entanto, quer os conteúdos a incluir, quer as metodologias a utilizar, continuam a ser questionados. (ABRANTES; SERRAZINHA; OLIVEIRA, 1999, apud HENRIQUES, 2011, p.19)

Aliado a tudo isso ainda temos um ciclo vicioso que se estabelece: professores que não tiveram uma experiência educacional que possibilitasse a aquisição dos conhecimentos de Geometria de forma satisfatória evitam trabalhar com este conteúdo, por não se sentirem seguros para abordar um tema que não tenham conhecimento suficiente, assim, não aprenderam sobre Geometria então não ensinam, ou o faz de forma que deixa a desejar. Se esses problemas detectados no ensino de Geometria na Educação Básica acarretam em dificuldades para a aprendizagem e formação dos estudantes de maneira geral, imagina a situação dos alunos com deficiência visual nas aulas de Matemática/Geometria, uma vez que se trata de uma disciplina em que frequentemente se recorre às imagens para a compreensão de determinados conceitos, e os professores de Matemática da maioria das escolas não se sentirem preparados para lidar com esses alunos no processo de ensino e aprendizagem, conforme revelam pesquisas e relatos de alguns educadores.

Sobre o ensino de Matemática os PCN destacam dois aspectos básicos: um consiste em relacionar observações do mundo real com representações (esquemas, tabelas, figuras); outro consiste em relacionar essas representações com princípios e conceitos matemáticos. Nesse processo, a comunicação tem grande importância e deve ser estimulada, levando-se o aluno a “falar” e a “escrever” sobre Matemática, a trabalhar com representações gráficas, desenhos, construções, a aprender como organizar e tratar dados. (PCN, 1998, p. 56-57)

Observa-se que o recurso da visualização é constantemente explorado no processo de ensino e aprendizagem de Matemática, especialmente do conteúdo de Geometria, seja na aquisição de conceitos ou mesmo no trabalho com as figuras, as representações gráficas. Neste caso, a visualização é entendida conforme Leivas (2009, p.22), “é um processo de formar imagens mentais, com a finalidade de construir e comunicar determinado conceito matemático, com vistas a auxiliar na resolução de problemas analíticos ou geométricos”.

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Com relação ao desenvolvimento do pensamento geométrico no Ensino

Fundamental II, os PCN orientam que as situações de aprendizagem, nos 6º e 7º anos (3º ciclo), proporcionem aos alunos reorganizar e ampliar os conhecimentos sobre Espaço e Forma abordados anteriormente,

(...) trabalhando com problemas mais complexos de localização no espaço e com as formas nele presentes. Assim é importante enfatizar as noções de direção e sentido, de ângulo, de paralelismo e de perpendicularismo, as classificações das figuras geométricas (quanto à planicidade, quanto à dimensionalidade), as relações entre figuras espaciais e suas representações planas, a exploração das figuras geométricas planas, pela sua decomposição e composição, transformação (reflexão, translação e rotação), ampliação e redução (PCN, 1998, p. 68).

E no trabalho com alunos da 7ª e 8ª séries (8º e 9º anos) “o estudo dos conteúdos do bloco Espaço e Forma tem como ponto de partida a análise das figuras pelas observações, manuseios e construções que permitam fazer conjecturas e identificar propriedades” (PCN, 1998, p. 86). Bem como a construção e transformação de figuras no espaço, o desenvolvimento das noções de congruência e semelhança de figuras planas e os primeiros contatos com situações que exigem a organização de um raciocínio mais dedutivo. Desta forma, Ivan Niven (1994, p.52) afirma que, “a geometria é uma matéria visual, de modo que as figuras são de importância fundamental para o seu aprendizado”.

Os PCN (1998) indicam ainda que o ensino de Matemática deve ser ministrado com foco na resolução de problemas. Parte-se do princípio de que, o aluno desenvolveu uma determinada habilidade quando ele é capaz de resolver um problema a partir da utilização/aplicação de um conceito por ele já construído. Assim, o conhecimento matemático ganha significado quando os alunos têm situações desafiadoras para resolver e trabalham para desenvolver estratégias de resolução.

Por isso, para ensinar Geometria a um aluno com deficiência visual é necessário compreender como ele internaliza/constrói os conceitos geométricos e se apropria das imagens visuais e as transforma em imagens mentais, dada sua forma particular de perceber e aprender, para que se possa assegurar também a este aluno a construção de uma aprendizagem significativa e sua efetiva inclusão.

Para possibilitar acessibilidade na construção do conhecimento, os recursos didáticos adaptados às necessidades especiais do aluno são fundamentais para auxiliar na construção de conceitos geométricos, é o que revelam algumas pesquisas e professores especialistas. Conforme Nunes (2004, p. 2), na falta de recursos “os estudos mostraram que a fala do professor torna-se o único recurso para a aprendizagem do cego. Ainda que a linguagem seja fundamental no desenvolvimento, ela não consegue substituir tudo, por isso a importância de utilizar-se outros materiais adaptados”. Para o ensino de Geometria, entre esses recursos, os materiais concretos que representam as figuras são considerados importantes fontes de significação. Assim, quanto mais oportunidades de “visualizar” os objetos da Geometria, mais possibilidades o aluno com deficiência visual terá para construir conceitos e mobilizar recursos cógnitos na resolução de problemas relacionados à disciplina.

Alguns recursos podem facilitar a aprendizagem dos deficientes visuais, o principal é a alfabetização em braile, aprender a ler e escrever através do método braile, assim como identificar imagens em relevo é fundamental para a autonomia dos

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alunos cegos na escola. Existam ferramentas como livros falados, que não deve substituir o braile, mas permite o acesso ao conteúdo de alguns livros didáticos; e programas de informática acessíveis, o problema é que essas ferramentas raramente são disponibilizadas nas escolas para dar suporte aos alunos na construção do conhecimento.

No contexto escolar existe uma falta de informação (ou mesmo resistência) entre a maioria dos professores de Matemática sobre a utilização e as possibilidades de se trabalhar com materiais concretos, que no trabalho com alunos deficientes visuais são de suma importância para o reconhecimento das figuras geométricas e na aquisição de conceitos ligados à disciplina. Por esse motivo, a seguir, são apresentados alguns recursos táteis e sua importância no ensino de Geometria para esses educandos.

Recursos didáticos que podem auxiliar na aprendizagem de Geometria A utilização de recursos didáticos confeccionados com material concreto,

para que os alunos possam manipulá-los durante as aulas, como suporte no ensino de Geometria faz parte das orientações contidas nos PCN. E, é defendida por alguns autores, a exemplo de Pais (2006, p.99) que afirma: “no ensino de Geometria, a utilização integrada de objetos e desenhos contribui na expansão da formação de boas imagens mentais e, assim, elas passam pouco a pouco a se constituir um terceiro suporte de elaboração de conhecimento”. No caso dos alunos que não dispõem da percepção visual essa afirmação faz ainda mais sentido. Visto que, a manipulação desses objetos e o estímulo à percepção tátil, juntamente com a explicação/descrição do professor representam possibilidades de construção do conhecimento para o aluno deficiente visual. Para tanto, o professor deve ter atenção à linguagem utilizada, que precisa fazer sentido para este aluno, e planejar situações de aprendizagens, proporcionando, desta forma, experiências significativas para todos os alunos.

Desenhos em relevo Um dos recursos que pode auxiliar no desenvolvimento da criança deficiente

visual é o desenho em relevo. “Através do desenho, espera-se proporcionar o acesso ao mundo pictórico destinados às pessoas com cegueira, podendo assim, favorecer para o enriquecimento do intelecto e a autonomia de discurso” (ARAÚJO, 2008, p.18). O desenho é reconhecido como uma importante ferramenta pedagógica, e ajuda “aperfeiçoar os sentidos do tato (que nos interessa aqui) e da visão, dando firmeza às mãos e segurança ao que se deseja representar” (GOMES, 1996 apud ARAÚJO, 2006, p. 21). A imagem abaixo é um exemplo de desenhos em relevo que possibilitam ao aluno, através da percepção tátil, conhecer as formas das figuras geométricas planas.

Figura 1: Desenho de Interação tátil Fonte: Araújo, 2008, p. 68

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No momento em que a criança faz a exploração tátil do desenho, o professor, ou outra pessoa vidente que esteja auxiliando, precisa orientá-lo de maneira que permita ao aluno integrar as informações captadas, aguçar a sua percepção e organizar as ideias para conferir significado a um dado percebido. Pois, “as combinações, associações, distâncias e relações entre os pontos em relevo só são apreendidas ou percebidas em sua totalidade pelo tato, quando se estabelece a relação entre percepção e cognição” 30. Experiência que pode ajudar o aluno deficiente visual a compreender conceitos geométricos básicos, construir a imagem mental de uma figura e relacionar informações para desenvolver as atividades. Trata-se de ensinar o aluno a “pensar tatilmente” e organizar as informações para que ele supere essa fase da concretização, ou seja, não fique tão dependente do material concreto para construir suas representações mentais.

Formas geométricas planas e tridimensionais As figuras geométricas confeccionadas com material concreto

(emborrachado, madeira ou acrílico) ajudam o aluno a conhecer e identificar formas geométricas básicas, desenvolver a habilidade motora de encaixe e a percepção tátil. As atividades planejadas com o auxílio desses recursos podem também ajudar na organização do raciocínio lógico, possibilitar o reconhecimento de medidas, atenção e concentração, compreensão dos conceitos de figuras planas e tridimensionais, lado, vértice, ângulo, área, perímetro, paralelismo, perpendicularíssimo, equivalência, transformações e semelhança de figuras e estimular a imaginação e a criatividade.

Seguem alguns exemplos desses recursos31

Desta forma, esses recursos didáticos têm a função de facilitar o acesso dos deficientes visuais aos conteúdos geométricos, permitindo que estes produzam 30 CARDEAL, 2009, p.3565-3566. 31 Fonte: www.artigosespeciais.com.br

Figura 3 - Geoplano Figura 4 – quebra cabeça

Figura 5 - Torre de Hanói Figura 6 - Sólidos geométricos

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significados e a imagem mental das figuras, a partir da percepção tátil. Pois, facilitam o processo de abstração dos conceitos trabalhados, através da evocação das imagens construídas nas representações de cada sujeito. Para tanto, faz- se necessário que o professor adote uma postura diferenciada, quando entre seus alunos tiver a presença de um deficiente visual, planejando a sua aula e a utilização dos instrumentos pensando também nesses alunos e não apenas nos que enxergam, que é o que normalmente acontece, já que nossos processos de ensino sustentam-se basicamente no aporte da visão.

É importante destacar ainda que o professor deve explicar aos alunos a diferença entre os conceitos geométricos e suas representações, os conceitos geométricos são entes abstratos (símbolos) utilizados para representar diferentes aspectos da realidade. Assim, para uma aprendizagem significativa é importante que primeiro o aluno construa o significado dos conceitos geométricos para depois fazer a tradução desse conhecimento para uma linguagem simbólica.

Algumas considerações As discussões sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais em escolas de ensino regular vêm ocupando cada vez mais lugar de destaque nos debates sobre Educação. Visto que, o movimento pela educação inclusiva visa garantir o direito a todas as crianças de pertencerem a uma “mesma escola” de qualidade, e a partir da década de 90, considerada um período de conquistas para as pessoas com deficiência, vem se fortalecendo em diversos países por influência de organismos da UNESCO32. Cabe a nós educadores buscar compreender os novos desafios que se apresentam na prática docente, buscando reconstruir o sentido da Educação com base nas transformações que vem ocorrendo na sociedade contemporânea.

É fundamental a realização de pesquisas que possam discutir e orientar os professores diante dessas novas demandas, para promover reflexões sobre nossas práticas pedagógicas e o trabalho com a diversidade cada vez mais presente na sala de aula. Visto que, a escola é entre as instituições disciplinares a que melhor se encarregou de formar o “homem moderno”, ou seja, tem trabalhado para homogeneizar comportamentos, estabelecer padrões. Como então desenvolver um trabalho que assegure uma formação educacional de qualidade e que respeite os diferentes ritmos de aprendizagem dentro de um espaço que se revela tão contraditório?

Com relação ao tema abordado aqui, destaca-se que atuais pesquisas da Educação Matemática apontam a importância do desenvolvimento do pensamento geométrico, na Educação Básica, porque permite ao aluno melhor compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive. Sabe-se que as pessoas com deficiência visual fazem contato com o mundo principalmente pelo uso da linguagem e exploração tátil, alternativas à ausência da visão. Porém, os educadores precisam conhecer as peculiaridades da aprendizagem dos alunos deficientes visuais, como eles produzem uma imagem mental dos objetos que os cercam, quais são as suas dificuldades e limitações na construção dos conceitos geométricos. Desta forma, poderá planejar e desenvolver atividades que melhor atendam às necessidades educacionais desses alunos.

32 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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O uso bem planejado dos recursos didáticos táteis se mostra como uma

possibilidade na construção das representações mentais, pois, permite um contato inicial com diferentes formas e facilita o processo de abstração dos conceitos trabalhados, promovendo uma aprendizagem significativa do conteúdo de Geometria, conforme relato de professores que trabalham com deficientes visuais. O fato é que a maioria desses materiais está disponível nos Centros de Apoio pedagógicos- CAP ou nas salas de recursos de algumas escolas. Porém, é fundamental para o aluno deficiente visual que esses recursos façam parte da sala de aula, para que no momento da explicação eles possam manipulá-los e compreender o que os alunos videntes acompanham com também com a visão.

Cabe lembrar que as questões por ora apresentadas são apenas possibilidades, pois, dependendo das dificuldades impostas pela deficiência e pela sociedade, do percurso histórico do aluno, da sua postura e da família diante da deficiência, e das condições oferecidas pelos sistemas de ensino, o trabalho se tornará pouco produtivo ou satisfatório. Os desafios enfrentados na inclusão desses alunos são muitos, e dizem respeito às condições de trabalho dos profissionais da Educação, formação docente, serviços de apoio, disponibilização de recursos (humanos, financeiros e materiais), entre tantas outras questões que afetam a qualidade da Educação em nosso país.

Não se pretende aqui mascarar as limitações decorrentes da deficiência, nem ignorar as dificuldades dessas pessoas na busca por uma vida mais independente. No acompanhamento de alunos com deficiência visual, seja nas observações em sala de aula, ou no Atendimento Educacional Especializado, pude perceber que existem muitas questões que precisam ainda ser discutidas e ajustadas dentro de um sistema educacional que não se reestruturou para essa nova realidade. Tem sido um desafio para os professores desenvolver um trabalho de qualidade e que respeito os diferentes ritmos de aprendizagem. No caso dos alunos deficientes visuais é preciso reconhecer que a forma particular de perceber e conhecer dessas pessoas, as nuances do método braile para leitura e escrita acarretam em uma demanda de tempo que nem sempre condiz com a organização burocrática da escola. Mas, como bem disse Ormelezi (2006), ao falarmos de educação escolar inclusiva como uma das faces da inclusão social, não convocamos apenas a escola a (re) significar seu papel, mas toda a sociedade.

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VIVÊNCIAS INCLUSIVAS DE PROFESSORAS DE MATEMÁTICA COM ALUNOS CEGOS

Jurema Lindote Botelho Peixoto33 Aida Carvalho Vita34

Introdução A inclusão é um processo que desafia a sociedade a efetivar mudanças em

suas instituições para atender as exigências de um novo paradigma, ou melhor, da inclusão de todos como participantes da produção social, cultural e econômica envolvendo uma igualdade concreta entre os sujeitos, com o reconhecimento das diferenças no aspecto físico, psicológico e cultural (LIMA e VIEIRA, 2006). Este processo inclusivo tem influenciado as políticas públicas em todo o mundo e, em particular, àquelas voltadas para a educação. Neste panorama, o sistema educacional também é desafiado a efetuar mudanças significativas nos seus procedimentos e estruturas para acolher a diversidade e realizar uma educação inclusiva de qualidade.

No Brasil, a educação inclusiva é amparada pela legislação em vigor, tanto a nível federal, quanto estadual e municipal. A Lei 9.394 no Cap. V, Artigo 58 (BRASIL, 1996) estabelece as diretrizes e bases da educação brasileira e postula que a educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para alunos com necessidades educacionais especiais. Esta mesma Lei, no Artigo 59 expõe que os sistemas de ensino devem assegurar a tais alunos, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades. Ainda nesta esfera, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), visando estabelecer algumas diretrizes para o processo de inclusão escolar, organizou e disponibilizou para a comunidade educacional os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): Adaptações Curriculares e Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais - NEE (BRASIL, 1999). Assim, o referido documento, além de corroborar com as determinações das leis, também esclarece sobre quais alunos necessitam de adaptações curriculares, bem como os tipos de adaptações necessárias aos mesmos.

O amparo da lei tem sido um dos fatores motivadores para a presença cada vez maior de alunos com NEE na escola. Conforme a Secretaria de Educação Especial, as matrículas na Educação Especial em Escolas Regulares, cresceram de 24,6% em 2002 para 46,4% em 2006 (BRASIL, 2008). Entretanto, se por um lado é cada vez maior a presença de alunos com NEE na escola regular, por outro a inclusão efetiva desses

33 Doutoranda em Difusão do Conhecimento pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (DMMDC/FACED–UFBA). Mestre em Matemática pela UFBA. Professora assistente do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual de Santa Cruz–UESC. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Matemática, Estatística e em Ciências (GPEMEC). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Email: [email protected]. 34 Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo–PUC/SP. Mestre em Educação pela UFBA. Professora adjunta do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual de Santa Cruz–UESC. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Matemática, Estatística e em Ciências (GPEMEC). Email: [email protected].

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alunos prescinde de um ambiente escolar devidamente adaptado para atendê-los. Entre essas adaptações, algumas envolvem os educadores e suas práticas pedagógicas, posto que uma grande parcela dos professores da Educação Básica não teve uma formação inicial que considere as diferenças existentes, em suma, uma formação voltada para atender à inclusão.

No entanto, a formação para a inclusão, promovida atualmente pelos órgãos públicos, tem sido dirigida, de um modo geral, para aqueles que trabalham em salas instaladas nas escolas inclusivas e denominadas de apoio ou multifuncionais. A sala de recursos multifuncionais, segundo o MEC - Secretaria de Educação Especial (BRASIL, 2008), é um ambiente de natureza pedagógica, orientado por professor especializado, que suplementa o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino, no caso dos alunos superdotados e complementa para os demais alunos. Deve estar equipada com os recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos. O atendimento nessas salas se estende aos alunos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento. Além disso, pode ser realizado individualmente ou em pequenos grupos, para alunos com NEE, em horário diferente daquele que frequentam em classe comum.

Feito estas considerações, apresentamos nossas reflexões sobre a prática pedagógica de professoras de matemática em sala de aula para atender ao aluno deficiente visual35, particularmente, ao aluno cego. Vale salientar que as informações aqui expostas compõem a coleta de dados de dois projetos de Iniciação Científica desenvolvido no período de 2007, por alunos da Licenciatura em matemática da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), um deles financiado pela UESC e o outro pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), respectivamente: O uso do soroban no ensino dos números racionais visando um trabalho de inclusão com deficientes visuais, e o uso do multiplano no ensino de matemática para a inclusão de alunos portadores de deficiência visual.

Desta forma, buscamos contribuir com as pesquisas e discussões sobre a inclusão matemática desses alunos em escola regular. Na análise, utilizamos um referencial teórico que nos possibilitou investigar as estratégias de ensino das professoras, bem como suas vivências em sala de aula com alunos cegos. Na sequência expomos o que dizem os autores sobre as estratégias de ensino voltadas para a aprendizagem desses alunos.

Estratégias de ensino voltadas para o aluno deficiente visual A inclusão é tarefa complexa que exige do educador múltiplos saberes da

prática educativa, principalmente porque pressupõe o respeito às diferenças existentes entre os alunos, independente de sua capacidade ou dificuldade, em escolas e classes que se propõe a atender as necessidades individuais e coletivas dos mesmos (SILVA, 2006). Portanto, é preciso que o professor esteja preparado para atender os alunos com NEE desenvolvendo estratégias e métodos de ensino adaptados à estrutura física desses alunos, além de procedimentos que incluem atividades com um propósito determinado.

35 A deficiência visual é a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da visão. O nível de acuidade visual pode variar, isso determina a cegueira (perda total da visão ou pouquíssima capacidade de enxergar, o que leva a necessitar do Sistema Braille como meio de leitura e escrita) e a Baixa visão ou visão subnormal (caracteriza-se pelo comprometimento do funcionamento visual dos olhos, mesmo após tratamento ou correção. As pessoas com baixa visão podem ler textos impressos ampliados ou com uso de recursos óticos especiais), conforme Sá, Campos e Silva (2007).

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Neste contexto, de acordo com Rodrigues (2003) para atender as diversas

necessidades dos alunos no cotidiano da sala de aula, tanto professores, formadores de professores, quanto pesquisadores, precisam estar atentos para o papel fundamental que a competência profissional (organizar e gerir a classe) desempenha em todo processo ensino-aprendizagem. Para este autor, o professor terá que organizar e implementar um esquema geral de funcionamento da classe antes de pensar em ensinar qualquer assunto em suas aulas e precisará entre outras providências: i) conceber uma estrutura de organização do espaço, do tempo e dos recursos, dos alunos entre outros; ii) idealizar e programar uma estrutura de atividades de ensino com sequência e encadeamentos perfeitamente rotinizados. Tendo isto em mente, acreditamos que o atendimento às necessidades educativas especiais exigirá do professor, um enorme esforço de ajustamento dos seus esquemas e rotinas de trabalho. Particularmente, no processo educacional do aluno cego estas estratégias de ensino devem considerar.

o grau de aceitação da condição de ser cego; as implicações decorrentes da cegueira, as características e o funcionamento próprios de cada sentido: tato, olfato, audição, paladar; além de instrumentos e recursos didáticos disponíveis na atualidade, tais como: a leitura através do sistema Braille, o soroban para cálculos matemáticos, a audição de livros falados, os materiais didáticos adaptados, a tecnologia, os objetos concretos e reais que o rodeiam, além das proposições didáticas e da formação do professor que deve ser conceitual, reflexiva e prática (SILVA, 2006, p.150).

Esta autora ainda ressalta que o professor ao planejar as atividades de ensino para uma turma com alunos deficientes visuais incluídos, deve considerar os estímulos a serem priorizados na apresentação das mesmas, visto que estão presentes, além destes, os alunos videntes. Além disso, entendemos que diversas atividades matemáticas podem ser adaptadas considerando a necessidade da disciplina ministrada, a disponibilidade do espaço físico e o material existente. No âmbito dessas adaptações precisamos levar em conta que não há no domínio da matemática nenhum conceito que seja vetado à aprendizagem dos alunos cegos.

Neste sentido, assegura Fernandes (2004) que recebendo os estímulos adequados para empregar outros sentidos (tato, a fala e a audição) o aluno cego estará apto a aprender, desde que se respeite a singularidade do seu desenvolvimento cognitivo. Informa ainda, que as principais dificuldades não são necessariamente cognitivas, mas sim de ordem material e técnica, que frequentemente, condicionam o ritmo de trabalho dos mesmos para aprender matemática.

Os resultados de Fernandes (2004) corroboram com o exposto por Vygotsky apud Veer e Valsiner (1996), que os cegos têm potencial para um desenvolvimento mental normal, embora isso não signifique que seu desenvolvimento cognitivo deva seguir o mesmo caminho que o dos videntes. Para esses autores o olho nada mais é do que um instrumento que pode ser substituído por outro instrumento, entretanto tal substituição exige uma profunda reestruturação de todas as forças do organismo e da personalidade. Portanto, para alcançar as mesmas metas dos que podem ver, o cego precisa utilizar meios e instrumentos que diferem daqueles utilizados pelos videntes.

Retomando nossa exposição sobre o trabalho pedagógico com alunos cegos, os PCN (BRASIL, 1999) sugerem que o professor dê ênfase especial à aprendizagem concreta, instrução unificada, bem como leve em consideração a associação dos demais sentidos e a auto-atividade. O documento oficial salienta que as explicações

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em aula sejam descritivas e concretas, além disso, sempre que possível possibilitem ao aluno cego manipular objetos e materiais mais próximos do real para facilitar sua compreensão.

De acordo com Martin e Bueno (2003), a maneira como o professor ensina as atividades para os alunos deficientes visuais refletem na qualidade da aprendizagem deles. Recomendam que as atividades sejam estruturadas observando como critérios: i) serem coerentes com as exigências da organização do conteúdo; ii) correspondam ao nível de assimilação e estruturação das informações do aluno; iii) se adaptem aos canais de recepção de informação preferencial, ou seja, auditivo, visual, tátil entre outros; iv) sejam adequadas ao seu estilo de aprendizagem; que sejam ligadas às expectativas, interesses e motivações do aluno e, por fim, que promovam novos processos de conhecimento.

Embasados nesses critérios os autores sugerem que o professor adéque suas estratégias de ensino aos diferentes estilos de aprendizagem dos alunos e leve em conta as diferenças particulares de cada um deles. Nesse sentido expõem que a adequação deve considerar três dimensões: i) dimensão cognitiva que são formas de codificar e decodificar informações; ii) dimensão afetiva que são as motivações, interesses, responsabilidades, senso de risco, atenção, interação com os outros membros da comunidade educativa entre outros e iii) dimensão física que se refere ao campo de percepção sensorial e as reações entre os distintos estímulos exteriores.

Procedimentos para a investigação das práticas pedagógicas de Professoras As dimensões cognitiva, afetiva e física propostas por Martin e Bueno (2003)

foram utilizadas neste trabalho como categorias de análise para investigar as estratégias de ensino, isto é, as práticas de professoras para atender os alunos cegos. Foram sujeitos da pesquisa três professoras de matemática (Pa, Pb e Pc) da Educação de Jovens e adultos, de duas escolas públicas que possuíam, ao tempo desta pesquisa ou anteriormente a ela, aluno cego em sala de aula. Somente, duas professoras eram de uma escola que tem sala de apoio e uma delas pertencia a uma escola na qual os alunos com NEE eram atendidos em uma sala de apoio montada e mantida pela Prefeitura da cidade. As professoras foram convidadas a participar desta pesquisa de forma voluntária e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como, foram informadas que seus nomes seriam mantidos em sigilo.

Realizamos entrevistas individuais, semi-estruturadas, portanto, sujeitas a alterações durante a conversa. Indagamos às professoras, entre outros assuntos, o que entendiam por inclusão, sobre as características do aprendizado inerente ao aluno cego e sobre as metodologias aplicadas por elas em sala de aula para atendê-los. Perguntamos também, quanto à utilização por elas, dos recursos didáticos específicos para a aprendizagem matemática desses alunos e quais as suas maiores dificuldades no ensino dessa disciplina com cegos incluídos em turmas regulares. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas em lápis e papel.

Conforme dito anteriormente, utilizamos como categorias de análise as três dimensões propostas por Martin e Bueno (2003) para conhecer as práticas das professoras. Com a Dimensão cognitiva [Dc] investigamos as práticas que visavam auxiliar o aluno cego a codificar e decodificar as informações; com a Dimensão afetiva [Da] buscamos conhecer as práticas voltadas à motivação e interação do aluno cego com seus colegas. E, por fim, a Dimensão física [Df] nos permitiu conhecer as prática que levavam em conta o campo de percepção sensorial dos alunos cegos.

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As práticas encontradas Investigando o conceito de inclusão das professoras pesquisadas

encontramos nos seguintes trechos das falas de Pa e Pb: (Pa) Quebrar situações difíceis que são criadas na sala de aula por alunos especiais e não especiais, mas, que a escola crie meios para isso e que o professor esteja preparado para esse processo de inclusão e que esses alunos estejam engajados para ajudar também esses alunos especiais na sala de aula.

(Pb) Inclusão é não ter discriminação quanto às necessidades que cada um tenha na sala de aula. Inclusão não é só colocar o aluno com necessidades especiais em sala de aula, é também dar suporte para o professor para que ele der assistência a esse aluno. Inclusão não é só citar que a escola atende que alunos com necessidades especiais, e que eles estão na sala, aprendendo junto com os alunos sem estas necessidades especiais.

Buscando compreender estes trechos da entrevista a partir da [Da] inferimos que o conceito de inclusão apresentado pelas professoras está relacionado com suas vivências em sala de aula, visto que elas não apontaram a inclusão desses sujeitos em outras esferas da sociedade. No âmbito da escola, para as professoras é preciso levar em conta de forma não discriminatória, a interação do aluno com NEE com os outros membros da turma. Além do mais, elas desabafam sobre as condições de trabalho e a necessidade de preparação e suporte na escola. O que confirma a opinião de Glat, Fontes e Pletsch (2006) que embora a legislação brasileira esteja avançada para padrões internacionais ainda existem muitas barreiras que impedem que a Educação inclusiva se torne realidade no cotidiano das escolas. Neste sentido, citam os autores entre as barreiras: o despreparo dos professores, o número excessivo de alunos nas salas de aula, a precária ou inexistente acessibilidade física das escolas, a rigidez curricular e das práticas avaliativas. Este fato pode ser visto com maior ênfase no extrato da fala de (Pc) exposto a seguir:

(...) Olha, eu não tenho nenhum conceito formado de inclusão assim. Agora, pra ter inclusão é necessário ter o apoio dentro da escola. O problema da inclusão aqui é o seguinte, coloca o aluno deficiente visual, auditivo, numa sala de 52 alunos, que é quase impossível de você trabalhar.

Apesar de não apresentar um conceito formalmente construído, a professora apresentou inquietações que se constitui um dos grandes desafios da construção de uma educação inclusiva em escolas brasileiras. Dando sequência a nossa análise, procuramos saber o que as professoras conheciam sobre a aprendizagem do aluno cego. A seguir expomos trechos das entrevistas com as três professoras:

(Pa) Com a convivência, agente percebe que o aluno cego aprende com o tato e aprimora outros sentidos como o auditivo. Quando estou lendo a prova, muitas vezes eu já estou formando a questão com esse aluno cego e ele já respondeu imediatamente no pensamento naquele momento que estou conversando com ele. Por isso, que é o fato do tato e auditivo mesmo.

(Pb).... eu até me surpreendi quando eu cheguei perto de minha aluna e ela disse “você ta de verde”, ela disse que quando chega muito próximo da para perceber alguma coisa, então eu não sabia que chegando muito

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próximo ela poderia ver muito vago. Então, é muita coisa que a gente desconhece. É porque deve ter vários fatores, então muita coisa a gente desconhece. Agora assim, são pessoas assim, meigas, gostam de tocar na gente, no cabelo para ver como é, são pessoas amorosas e que tem condição de aprender tudo o que o outro aluno aprende. Inclusive, quando a gente tem tempo de dar essa assistência extra para eles, eles tiram notas até melhores que o próprio aluno que está em sala de aula, porque tem a diferença deles, que é a vontade de aprender.

(Pc) Nenhum conhecimento. Eu tive aluno deficiente visual..., me surpreendi porque o menino era muito dedicado. Ele tinha um colega que sentava do lado dele e passava tudo para ele do que eu falava, ou que eu copiava no quadro.

Para analisar esses trechos lançamos mão da [Df] e percebemos que as estratégias de ensino das professoras levam em consideração na aprendizagem dos alunos cegos os sentidos do tato e da audição dos mesmos. No entanto, observamos que suas práticas advêm de suas experiências e não de uma formação para a inclusão de alunos com NEE. Assim, é significativa a denúncia das três professoras quanto à sua falta de preparo e informação sobre as características inerentes à aprendizagem desses alunos.

De outro trecho da entrevista (Pc) trata do ensino da matemática para alunos cegos. Segundo ela:

Temos aqui a sala de apoio que transcreve para Braille as provas, os exercícios e as meninas sempre vêm conversar, às vezes eu ficava perguntando como é que eles visualizam um radical? Porque às vezes eu falo radical, o que é um radical pra eles? Então isso me angustiava, mas as meninas (da sala de apoio) “não eles tem a maneira ver deles lá”. Então tem o pessoal de apoio, com esse apoio da para trabalhar tranqüilo, porque eles transcrevem para Braille. Agora tem algumas coisas em matemática que ela diz – a moça que faz o trabalho de apoio – “eu não sei matemática, então muita coisa eu não sei explicar”, mas ela transcreve e ele vai aprendendo pela fala, pelo o que a gente vai explicando e elas vão transcrevendo a parte escrita pra Braille, e eu tinha esse apoio desse menino que ficava do lado dele, excelente aluno ele.

Utilizando para compreender este trecho centramos nosso olhar sobre a [Da] e, assim compreendemos que as professoras a partir das experiências construídas no dia-a-dia, vão percebendo o papel fundamental dos (as) colegas (as) do aluno cego como auxiliar no trabalho do professor e vão se dando conta das diversas maneiras de ver este aluno. As considerações desta professora nos permitem inferir o quanto é necessário e significativo que a professora de matemática mantenha uma boa comunicação com a professora da sala de apoio, pois nem sempre a professora desta sala domina os conceitos matemáticos.

Em nossa análise percebemos que as professoras não informam como os alunos cegos codificam e decodificam os conceitos matemáticos [Dc]. Nem mesmo, explicitam o campo de percepção sensorial, ou outros sentidos que podem ser mobilizados pelos alunos durante suas aprendizagens [Df]. Neste sentido diz (Pc): " ...depois eu tive outra experiência com uma aluna cega que também as colegas auxiliavam, sempre sentava uma do lado dela, para ir ditando, a gente tem que ter um pouco de paciência."

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Dando seqüência à nossa análise, vejamos o que disseram Pa e Pc ao

indagarmos sobre as metodologias utilizadas por elas em sala de aula para ensinar matemática aos alunos cegos. Conforme as professoras:

(Pa) Eu trabalho muito em relação ao dia-a-dia... E a questão de números negativos, trabalho muito com essa questão com dinheiro porque eles visualizam e percebem mais do que estou dizendo. Foi uma dificuldade muito grande para ensinar números negativos, para que o aluno cego entendesse, mas a partir do momento que passamos a trabalhar com saldo negativo e positivo no banco, como isso acontece, perder ou ganhar, ele teve mais facilidade em aprender [...].

(Pc) [...] a prova é transcrita para o Braille pela professora da sala de apoio. O aluno lê em Braille e responde em tinta com a minha ajuda, eu escrevo o que ele falou [...], às vezes, eu pego na mão dele para fazer o dever e as vezes dá certo. Nós ficamos horas assim e os alunos me ajudam, eu seguro na mão dele e vou falando. Por exemplo, o assunto mmc e mdc ele só aprendeu comigo segurando a mão dele ou com os colegas ajudando. Eu vou tentando inventar e criar situações para ele aprender melhor, mas é difícil assim e ele fica até angustiado.

Observamos na fala de (Pa) uma prática envolvida com a contextualização do conteúdo matemático, porém sem incentivar o manuseio de objetos concretos ou recursos informáticos. Das falas de (Pa) e (Pc) notamos a falta de articulação da [Dc] com a [Df], ou seja, a desconsideração dos outros canais de percepção do aluno cego, ou seja o tato ativo, olfato e a gustação. Com a [Da] assinalamos o incentivo à interação entre os alunos, porém as práticas desprestigiam a autonomia do aluno cego no desenvolvimento das atividades.

Em outro trecho das entrevistas, segundo (Pb), a mobilização de métodos específicos para alunos cegos seria difícil devido ao grande número de alunos na sala. Para ela uma solução para melhorar a aprendizagem do cego é atendê-lo também em horário extra. Esta estratégia foi categorizada como [Da]. Neste trecho diz a professora:

(Pb): tenho 45 a 50 alunos, e no meio deles um aluno com necessidades especiais, então a gente precisa de um apoio maior. Eu já fiz esta experiência, em estar tirando o aluno com necessidade especial em um horário vago meu, então eu pegava este aluno em um horário vago que era meu, e tava ali com ele, explicando, e tem condição de acompanhar tudo direitinho se ele tiver um maior apoio, não só em sala de aula, em sala de aula só não dar.

Outra estratégia de ensino identificada nas falas está centrada na audição e descrição detalhada dos fatos conforme discorreu a professora (Pa):

O aluno, ele senta na frente, então é só ouvindo mesmo, então é a questão da definição, falar pausadamente para que esse aluno possa entender, a gente vai fazendo isso. Mas não temos recurso próprio, um material concreto pra que a gente possa aplicar. Quando eu posso tirar um horário vago meu para sentar com o aluno para estar revisando, a prova é transcrita, como é geometria, o que estiver de gráfico, é feito em alto relevo, então a gente tenta contornar segurando o dedo do aluno, contornando a circunferência, tentando mostrar os ângulos, o aluno vai tentando e consegue.

Este procedimento, isto é, o falar pausadamente, a nosso ver, limita a

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aprendizagem multissensorial [Df] e não estimula a aprendizagem concreta [Dc] e a instrução unificada [Df].

Prosseguindo nossas análises expomos mais um trecho da entrevista de (Pb) sobre a grafia Braille:

(Pb) O que tá faltando é justamente esse apoio maior, esse tempo que requer para a gente sentar com ele, e que o professor possa também aprender Braille, porque até a prova ser escrita e chegar para a gente, pode acontecer de uma transcrição vir com algum defeito, um sinal faltando, o que tem pra ela traduzido em Braille tem que ter pra a gente escrito, porque eu lendo de um lado e o aluno lendo em braile do outro, o professor precisar saber Braille. Inclusive, o ano passado teve um curso de Braille, mas foi restrito a alguns professores, e quando eu soube que estava acontecendo, já tinha sido selecionado três professores, não foi uma coisa que foi divulgada, inclusive só foram professores da área de humanas e não tinha ninguém da área de exatas.

Esta professora enfatiza a necessidade dos professores aprenderem a grafia Braille [Dc] que por sinal poderá ser de grande valia para a relação entre a professora da sala de apoio e a professora de matemática. Santos, Ventura e César (2008) comungam da opinião que o professor de matemática deve dominar a grafia Braille para que as transcrições das atividades sejam fidedignas. Segundo eles a escrita da matemática em Braille envolve escrever as expressões, como as equações, por exemplo, recorrendo apenas a uma direção – a da escrita. Enquanto que na escrita da matemática podemos recorrer a uma direção auxiliar (vertical – em cima e em baixo, como acontece nas frações), isso nem sempre é possível em Braille. Assim, os autores levantam a problemática da escrita para o Braille que, embora não tenha sido trazida pela professora, pode gerar uma transcrição defeituosa da atividade proposta, conforme citada por ela.

Em outro momento da entrevista (Pc) expõe outros detalhes de suas práticas. (Pc) A metodologia era aula expositiva, participada, estudo em grupo, mas nada voltado para o aluno cego, tudo normal, porque eu não tive nenhum, eu nunca aprendi, eu não tive nenhum curso que me mostrasse como eu deveria trabalhar com o aluno. A não ser passar as atividades para a professora (da sala de apoio) que transcreve pra Braille. Ela transcrevia e me dava de volta. As provas eu recebo já transcrita.

As práticas aqui observadas apontam que Pc em sala de aula não faz distinção entre o aluno vidente e o cego, visto que conteúdos e métodos para ambos. Entretanto, apresenta a aula da mesma forma sem as devidas adaptações para que as atividades propostas possam ser desenvolvidas por alunos videntes e cegos. Além disso, esta professora em seu trabalho pedagógico prioriza o sentido da audição [Df], o trabalho em grupo [Da], mas não utiliza recursos didáticos concretos que facilitem a aprendizagem de todos os alunos, incluindo, os cegos.

Para finalizar este tópico, nos chamou muita atenção a seguinte frase de (Pa): [...] vou tentando inventar e criar situações [...]. Este trecho nos permite inferir o quanto tem sido desafiador para esta professora lidar com alunos cegos sem a devida preparação para ensinar a eles. Refletindo sobre a fala da professora, pontuamos que esta preparação poderá ser um processo lento, visto ser inviável a curto e médio prazo se reestruturar todo o atual sistema de educadores, permitindo aos professores estarem habilitados a trabalhar com os alunos com NEE (GLAT, FONTES E PLETSCHET, 2006).

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Considerações Finais Os resultados apontaram que as professoras priorizam em suas estratégias

de ensino as dimensões afetivas e físicas. Na dimensão afetiva, as professoras procuram motivar a interação entre os alunos, marcadamente como uma forma de apoio ao aluno cego, ou seja, certo assistencialismo, sem promover a autonomia deste aluno. Na dimensão física predominam as práticas voltadas à audição, nas quais as atividades são descritas pelo professor; bem como o tato com a leitura em Braille feito pelo aluno. Entretanto, a presença da primeira [Da] predomina sobre a segunda [Df].

Na dimensão cognitiva, observamos a falta de propostas de ensino que envolvesse materiais concretos, manipulativos ou informáticos. Notamos que a prioridade do uso do tato advém apenas da leitura e escrita em Braille e, neste caso, sob a responsabilidade da professora da sala de apoio, visto que as professoras de matemática não dominavam esta grafia. Em suma, estas professoras, dependem da professora pedagoga da sala de apoio que nem sempre possui uma formação suficiente em matemática.

Observamos também, uma prática improvisada, que não se fundamenta em conhecimentos teóricos e práticos, estratégias ou metodologias específicas para a área da deficiência visual. A presença de práticas empíricas no trabalho escolar com cegos, pode se constituir, a nosso ver, um grande empecilho para o ensino e aprendizagem de matemática desses alunos. Além disso, acreditamos que refletir e discutir com as professoras sobre suas práticas podem contribuir com o desenvolvimento de uma educação matemática inclusiva e se constituir em elementos norteadores de novas ações políticas inclusivas.

Feitas essas considerações, reafirmamos que as determinações que constam em Leis são necessárias, mas não suficientes para a construção de uma escola inclusiva e para todos. A formação inicial dos professores deve ser priorizada e incluir disciplinas voltadas para a educação inclusiva. Assim, nos posicionamos a favor de que os professores sejam preparados para oferecer uma educação de qualidade a todos os alunos, incluindo os alunos com NEE.

Referências BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 12 dez. 2007.

____. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais - Adaptações Curriculares: Estratégias para a educação de alunos com necessidades educativas especiais. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria de Educação fundamental, 1999.

____. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2008. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2011.

____. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resultados Preliminares do Censo Escolar 2008 – Educacenso. Disponível em:

<http://www.inep.gov.br>. Acesso em 02 jan. 2009

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FERNANDES, S. H. A. ; HEALY, L. O processo de inclusão de alunos cegos nas aulas de matemática: As vozes dos atores. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 3, 2006, Águas de Lindóia: Anais...São Paulo, SBEM, p. 1-14.

GLAT, R.; FONTES, R. de S.; PLETSCH, M. D. Uma breve reflexão sobre o papel da educação especial frente ao processo de inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais em rede regular de ensino. In: Cadernos de Educação: inclusão Social desafios de uma educação cidadã, vol. 6, p. 13-30, 2006.

LIMA, P. A.; VIEIRA, T. Educação inclusiva e igualdade social. São Paulo: Avercamp, 2006.

MARTIN, M. B.; BUENO, S. T. Deficiência Visual; aspectos psico-evolutivos e educativos. São Paulo: Santos, 2003.

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Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_dv.pdf>. Acesso em: 13 jun de 2008.

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VEER, R. V. D.; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese. São Paulo: Loyola, 1996.

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NA LINHA DO TEMPO: HISTÓRIA DO FAZER DOCENTE EM EDUCAÇÃO ESPECIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Hildete Pereira dos Anjos36

Introdução Na perspectiva de articular o conhecimento que vem sendo produzido

acerca da educação especial e inclusão escolar da pessoa em situação de deficiência com as decisões que vem sendo tomadas nas políticas educacionais desse campo, foi criado em 2010 o Observatório Nacional de Educação Especial (ONEESP). O projeto envolve pesquisadores de todo o Brasil. Na Universidade Federal do Pará, nosso grupo de pesquisa37 se incorporou ao Observatório através da Rede de Pesquisa Educação Inclusiva na Amazônia Paraense, e tomou para si a tarefa de realizar a pesquisa no município de Marabá.

Vários autores (BAPTISTA, 2011; CAIADO et al, 2011; JESUS, 2011; KASSAR e REBELO, 2011, entre outros) consideram que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2010), documento que sintetiza as atuais perspectivas governamentais acerca da questão da inclusão escolar da pessoa em situação de deficiência, concentrou as ações de inclusão escolar na criação de Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs)38 nas escolas públicas. Desse modo, a pesquisa inicial do Observatório39 tem buscado realizar uma leitura da eficácia dessa iniciativa na efetivação das políticas de inclusão escolar. Essa investigação tem ações gerais, executadas em todo o país, e ações específicas de cada grupo e locus de pesquisa.

Os passos já realizados da pesquisa local, durante os anos de 2011 e metade de 2012, foram: a construção coletiva de histórias de vida das vinte e duas professoras que se envolveram no projeto (envolvendo gravação, transcrição, regravação, textualização, representação plástica), a organização dos documentos e dados referentes à história da educação no município, a montagem de uma linha do tempo

36 Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Marabá. Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia. Grupo de Estudos e Pesquisas do Núcleo de Educação Especial. Endereço eletrônico: [email protected] 37 Grupo de Estudos e Pesquisas do Núcleo de Educação Especial (GEPNEES), cadastrado no CNPq. 38 Segundo o Dec. 6571/2008, “as salas de recursos multifuncionais são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos ” para a oferta do atendimento educacional especializado”(Art. 3°, § 1°). 39 Projeto “Estudo em Rede Nacional sobre as Salas de Recursos Multifuncionais nas Escolas Comuns”, coordenado pela Profa Enicéia Mendes (UFSCAR) e financiado pela CAPES.

DIALOGANDO COM AS POLITICAS PÚBLICAS DA INCLUSÃO

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com as professoras situando suas histórias na história da educação especial40 e o levantamento quantitativo das salas multifuncionais em atividades no município. Este texto busca sistematizar a montagem da linha do tempo, trazendo as relações entre a história da educação especial no período entre 1987 e 2005, no Brasil e no município de Marabá, e os relatos das professoras que, tendo participado da educação especial na época, no período da pesquisa atuavam nas Salas Multifuncionais do município. O ano de 1987 foi escolhido por ser o marco histórico inicial da educação especial no município, quando foram criadas classes especiais na rede estadual de ensino; o ano de 2005, por marcar a criação, no município, da primeira sala de recursos multifuncional, como forma de operacionalizar a política federal de inclusão escolar.

Campelo (2012) enfocou, em trabalho de conclusão de curso, o perfil das salas multifuncionais de Marabá, em levantamento realizado no inicio de 2012. Em Marabá, dezessete escolas contavam com Sala de Recursos Multifuncional (SRM), sendo 15 na zona urbana e duas na zona rural. Complementava a ação das SRMs o Centro de Apoio Pedagógico Inácio Baptista Moura (CAP), que funcionava em um prédio alugado e atendia aos alunos com deficiência visual. Na maioria das SRMs atuavam entre dois e quatro professores (num total de 30). A maioria dos docentes possuía graduação em pedagogia e especialização na área de educação especial41. Eram todos concursados, e quase todos participavam das atividades de formação continuada oferecida pelo Departamento de Educação Especial. Atendiam, em números de 2012, a 544 alunos, abrangendo deficiência visual, auditiva, física, mental, transtornos globais do desenvolvimento (CAMPELO, 2012).

Elementos do contexto histórico Para analisar o período histórico em tela, é preciso recordar que nos

referimos ao final da ditadura e retomada da redemocratização do país. O caráter assistencial e filantrópico que tinha tido a educação especial no período anterior vai aos poucos cedendo lugar a iniciativas governamentais que a inserem nas perspectivas da educação regular. Segundo Mendes, a atual Constituição brasileira é um dos marcos desse momento histórico:

A Constituição Federal Brasileira de 1988 traçou as linhas mestras visando a democratização da educação brasileira, e trouxe dispositivos para tentar erradicar o analfabetismo, universalizar o atendimento escolar, melhorar a qualidade do ensino, implementar a formação para o trabalho e a formação humanística, científica e tecnológica do país. Ela assegurou que a educação de pessoas com deficiência deveria ocorrer, preferencialmente na rede regular de ensino e garantiu ainda o direito ao atendimento educacional especializado (2010, p.101).

A década de 90 é marcada pelas iniciativas de caráter internacional, a 40 A linha do tempo foi construída coletivamente no segundo encontro de 2012 da pesquisa-formação. Utilizamos como referência principal o texto de Mendes "Breve histórico da educação especial no Brasil" (2010), sendo que as informações posteriores a 1990, especialmente a respeito das políticas mais recentes, foram retiradas dos textos de Baptista e Jesus (2011). Montamos uma linha do tempo em que apareceram, entre 1980 e 2012, os principais momentos da educação especial e da inclusão escolar nos textos citados e cada professora inseriu nessa linha do tempo suas experiências pessoais e os eventos coletivos mais importantes na atuação em educação especial. A linha do tempo foi fotografada, transcrita e posteriormente cotejada com os documentos acerca da história da educação especial no município, já levantados no ano anterior. 41 O total de professores atuante, no primeiro semestre de 2012, era de 30 docentes, dos quais 4 ficaram de fora do levantamento por razões diversas. “Dos 26 professores pesquisados, 21 têm graduação em Pedagogia e dentre esses, 19 tem especialização na área da educação especial "(CAMPELO, 2012, p.28)

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começar pela Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtiem, 1990), na qual a ideia de universalização da educação básica, de acordo com Garcia, “ganhou força, tanto por expressar uma demanda da sociedade quanto por ser um quesito importante para a manutenção de contratos entre as agências financiadoras internacionais e estados nacionais” (in BAPTISTA et al, 2010, p.13).

No entanto, a efetivação de uma Secretaria de Educação Especial (SEESP)42, em 1992, de acordo com Mazzotta (1990, citado por Mendes, 2010, p. 102) não modificou substancialmente a sua característica “marcadamente terapêutica e assistencial ao invés de educacional, dando ênfase ao atendimento segregado realizado por instituições especializadas particulares […]”.

O enfrentamento entre essas tendências históricas na educação especial e os movimentos por ampliação do acesso à educação vão, então, marcar essa década, buscando avançar do terapêutico para o pedagógico/escolar.

Na década de 1990, percebe-se uma preocupação de se identificar a educação especial a um olhar pedagógico/educacional e escolar. Nesse período temos a influência das concepções difundidas por organismos multilaterais no corpo das formulações das políticas educacionais brasileiras, principalmente após a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990) e a Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área de necessidades educativas especiais (UNESCO, 1994) (KASSAR e REBELO, 2011, p.8).

Ainda dentro daquele movimento internacional citado por Garcia, temos então a realização da Conferência de Salamanca (1994) e da Convenção da Guatemala (1996), a primeira gerando a declaração que serviu de referência para a normatização da escolarização da pessoa com deficiência na escola comum e a segunda combatendo as variadas formas de discriminação.

A resolução CNE/CEB 02/2001 foi o formato legal que tomou a normatização acima citada, representando “o avanço de dispositivos normativos que passam a prever que essa escolarização deva ocorrer necessariamente no ensino comum” (BAPTISTA, 2011, p.1.). Para além do normativo, o Ministério da Educação passou a assumir a interlocução direta com os municípios, buscando efetivar as ações inclusivas a partir de um processo formativo centralizado:

Dentre essas iniciativas, várias foram aquelas que evidenciavam um protagonismo do Ministério da Educação na busca de interlocução com os gestores, principalmente em nível municipal, para a garantia de ações consideradas ‘inclusivas’. Nessa direção, a Secretaria de Educação Especial do MEC implementou um Programa que visava à difusão de sistemas inclusivos por meio da formação e da gestão – o Programa Educação Inclusiva – Direito à Diversidade (2003-2010) (BAPTISTA, 2011, p.1.).

As ações previstas pelo Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, iniciado em 2003) eram implantar salas de recursos multifuncionais e desenvolver um projeto voltado para a formação de professores, denominado Educar na Diversidade. A adesão ao programa pelo município de Marabá e a implantação da primeira sala multifuncional, em 2005, são os limites históricos da análise a que nos propomos neste

42 Originada no CENESP, que foi criado em 1973, transformado em SEESPE (Secretaria de Educação Especial) em 1985, extinta em 1990 (quando foi submetida à Secretaria Nacional de Educação Básica) e de novo criada em 1992 (MENDES, 2010).

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artigo (considerando que, em outro texto, tratamos do período de 2006 a 2012, com foco especificamente nas SRMs).

Os relatos de quem viveu essa história no município A história da educação especial em Marabá se inicia em 1987, com a criação

de classes especiais em escolas vinculadas ao Estado. De acordo com a gestora da área, o atendimento se subdividia em “classes especiais, salas de recursos e ensino itinerante. As classes especiais eram localizadas nas escolas de ensino regular, e atendiam alunos com deficiência visual, auditiva e mental” (Gestora Ed. Especial/SEMED). Segundo Costa (2006), “à época, havia 12 professores que atendiam a essas 112 crianças e jovens. O atendimento funcionava nas seguintes escolas estaduais: Judith Gomes Leitão, Deuzuíta Albuquerque e Jônathas Pontes Athias” (p. 82). As diferentes categorias de deficiência eram atendidas juntas, na mesma classe, e as turmas, embora se situassem nas escolas públicas, funcionavam isoladamente. Essa tendência das classes especiais à segregação seria objeto de crítica na literatura dos anos subsequentes, como mostra o texto de Ferreira no primeiro número da Revista Brasileira de Educação Especial:

O que os estudos demonstram, em suma, é que na maior parte dos casos relatados, as classes [especiais] parecem se constituir mais em um estágio para segregar alunos que estavam nas classes normais do que em um procedimento para trazer alunos deficientes para a escola (1992, p.105)

Essa segregação podia ser evidenciada pela própria estrutura física das salas, geralmente organizadas em espaços improvisados e impróprios. I. descreve a situação no tempo em que assumiu a classe especial, em 1992, reforçando a critica de Ferreira, mas já mostrando os esforços de superação da segregação:

Tudo na sala especial na época era aquela discriminação: a sala era a menor que tinha na escola, a sala era aquela fechada que só eu e os alunos entrávamos, então era uma sala assim... diziam assim que era “a sala dos doidos”, que ali só ficava doido. E aí, conforme foi passando o tempo, eu fui tirando isso da escola, fazendo a sensibilização, conversando com a diretora... fazendo com que esses alunos ficassem juntos com os outros na hora do recreio, na hora da educação física e assim fomos trabalhando junto com a diretora, (I. C., Todas as histórias..., p.67).

Em 1997, M. E. assume uma classe especial, na Escola Pequeno Príncipe. As condições não tinham mudado muito em cinco anos, o isolamento da educação especial continuava, mas a disposição de trabalho continuava intensa:

Ai abriu uma sala de aula na escola Pequeno Príncipe, a primeira daquela época, era um quartinho pequenino. A diretora [...] disse: “vai ter sim essa sala especial aqui, vamos desocupar aquele cantinho.” Eu fui naquele cantinho (acho que dava três cadeiras), [...] Era muito pequenino, um cantinho, um cantinho mesmo, tanto que funcionava pela manhã [...]. Ela conseguiu uma merendeira para ficar de manhã comigo. Eu era sozinha naquela enorme escola com os meninos e uma servente. Foi maravilhoso! (M. E. C., Todas as histórias..., p.12).

M. se lembra dessa sala, a qual, segundo ela, funcionava na despensa da escola. Ao contrário das colegas, sua motivação inicial tinha pouco a ver com a

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educação especial; precisando ampliar a carga horária, acabou sendo convidada para atuar na classe especial:

No inicio do meu trabalho foi muito difícil. Como a maioria dos professores, eu também não tinha experiência na área da educação especial, e para mim foi algo novo. Na verdade, foi a necessidade de trabalho, pois, na época que eu trabalhava no ensino regular eu só tinha 100 horas e queria (como todo professor quer) aumentar a carga horária para ganhar um pouco mais. Foi quando essa colega fez o convite e eu encontrei essa oportunidade para trabalhar com a educação especial. (M. M. S., Todas as histórias..., p.59).

Essa inexperiência era comum nas professoras, por isso sua ânsia por formação. Como as classes especiais estavam sob a coordenação da Secretaria de Estado de Educação, o processo formativo era coordenado a partir de lá e geralmente realizado na capital do Estado, em cursos curtos e modulares.

Das professoras, uma se recorda que, em 1987, participou de um Curso de Estudos Adicionais na área de Deficiência Auditiva, que foi ofertado pelo estado e realizado em Belém, com professores de todos os municípios. Outra professora (I.) participou, em 1992, de outro curso de Estudos Adicionais, em Marituba (próximo a Belém). Na década de 80, esses cursos eram oferecidos em vários estados brasileiros, nas áreas de deficiência visual, auditiva e mental, visando a formação de professores para a educação especial (MAZZOTA, 1992, p. 07). Embora a formação de professores de educação especial tivesse sido “elevada ao nível superior dentro do conjunto de reformas ocorridas no final dos anos 60 e início dos anos 70, tendo por princípio o da maior especialização exigida por esse tipo de ensino” (BUENO, 2001, sem indicação de página), continuava em vigor, para o Pará, a formação em nível pós-médio; no caso da surdez, sob a inspiração da formação propiciada pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos.

No final da década (1999), os relatos já são de iniciativas locais, como complementação ou mesmo substituição da formação oficial. A rotina concreta da educação obrigava a iniciativas. Assim, as próprias professoras organizam cursos de formação em Libras na escola.

Foi daí que houve a ideia, junto com a direção, da gente montar o curso de libras na escola, cujo titulo foi ” Libras na escola”. Então foi feito com todos os profissionais, desde o porteiro, vigia, diretor, coordenador, participaram desse curso de libras pela parte da noite. Foi assim... teve bastante êxito, por que desde o porteiro já dizia bom dia, boa tarde, boa noite, já conversavam com eles. Mas assim, todo ano tem mudança de funcionário, e essa mudança de funcionário fez com que os alunos perdessem aquele vinculo com os funcionário da escola. E ai todo ano tinha que fazer aquele curso pra preparar professor, pra preparar todo mundo...(I. C., Todas as histórias...p.68)

Nesse mesmo período, as discussões da inclusão começavam nas próprias salas especiais. S. descreve como passagem da “integração para a inclusão” sua atuação na sala especial da Escola Judith Gomes Leitão, em 1999 (S. L., fichas da montagem da linha do tempo)

Também é relatado um movimento do professor de sala comum no sentido de se inteirar nas questões específicas da educação especial. Ainda em 2000, E. se lembra de ter participado de um Curso de Libras (Adaptação Curricular), ofertado pelo estado. Ela era professora de sala comum e não teria direito a participar da formação, mas a experiência de ser professora de uma criança surda a mobilizou.

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Em 2000, tive a oportunidade de trabalhar com uma criança surda. Chorei muito quando vi aquela criança. Corri atrás e procurei a educação especial. Me disseram que eu poderia participar da formação, mas teria que pagar alguém para ficar na minha sala. Era um grupo muito fechado, somente quem tinha criança especial, em sua sala, tinha a oportunidade de participar (era muito restrito). Uma colega, percebendo a minha angústia, ficou por quinze dias na sala de aula para eu poder participar da formação. O pouco que aprendi consegui trabalhar com as crianças. (E. S. de A., Todas as histórias..., p.57)

Nessa altura, já tinha iniciado na secretaria municipal de educação a operacionalização da decisão de matricular nas salas comuns os alunos com deficiência. O projeto “Escola Inclusiva: Respeito às Diferenças”, foi elaborado em 2000 pela equipe de educação especial, propondo a inclusão dos alunos com deficiência no ensino regular. Essa proposta foi apresentada à Secretária de Educação e aprovada, tendo sido então, extintas as classes especiais herdadas da estrutura estadual, na esteira da municipalização do ensino (MARABÁ, 2009) “O município iniciou em 2001 a experiência de inserir, nas salas de aula regulares, alunos em situação de deficiência, atendendo às disposições legais e acompanhando um movimento que ganhou força pelo país afora” (ANJOS et al, 2011, p. 01).

As disposições legais aqui referidas se condensavam na Resolução CNE/CEB n° 02/2001, a qual continha as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, cujo texto afirmava: “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo as escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades especiais” (BRASIL, 2001). Dessa forma, a educação especial tinha um caráter complementar ou suplementar, podendo chegar a substituir a matricula na sala comum.

Os alunos que estavam nas classes especiais foram matriculados nas escolas da rede regular de ensino do município, mas nem todas contavam com serviços que pudessem complementar a atividade da sala comum (CAMPELO, 2012). Esses serviços se configuravam em Salas de Apoio Pedagógico Especializado (SAPE) e Salas de Recursos (SR)43, as primeiras para atendimento aos “alunos com deficiência mental e com dificuldade acentuadas de aprendizagem” a as segundas para “os alunos deficientes visuais e auditivos” (MARABÁ, 2009, p.1). Quando não contavam com SAPE ou SR na própria escola, o atendimento no contraturno era feito na escola mais próxima, que podia ser bem distante. Com relação à deficiência mental, também a APAE oferecia atendimento especializado, ainda que não com um foco pedagógico.

As mudanças na lei e o esforço pelo seu pronto atendimento (Marabá assumiu a matrícula dos alunos com deficiência na sala comum no mesmo ano da publicação da resolução 02/2001) não implicaram em rápidas mudanças na estrutura da educação especial, que ainda não encontrava facilmente um espaço nas escolas. L. descreve sua atuação numa SAPE em 2002, chamando a atenção para a precariedade das condições iniciais:

No início tive uma sala no horário da manhã e à tarde eu ficava na sala dos professores ou na biblioteca, e às vezes no refeitório da escola.

43 Instaladas em 2001 nas escolas “Rio Tocantins, Pequeno Príncipe, Walquize Viana, Judith Gomes Leitão, Jônathas P. Athias, Deuzuíta Albuquerque e Francisco de Sousa Ramos. Já em 2002, foram montadas outras salas de apoio específico e salas de recursos nas escolas Miriam Moreira, Folha 12, Ida Valmont, Avanir Tenório e Pedro Peres” (COSTA, 2006, p.97)

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Depois veio a reforma da escola, onde demoliram um banheiro antigo que tinha lá, e construíram a sala da educação especial. Ali desenvolvi um trabalho complementar que funcionava como um suporte no processo de desenvolvimento do aluno com necessidade educativa especial (L C., Todas as histórias... 2012, p.7)

E. se recorda que, em 2003, a SAPE da Escola Mirian Moreira funcionava no depósito da escola, onde ela atuou com a categoria denominada DC (Déficit Cognitivo). Nesse período, o atendimento nas SAPEs era destinado as categorias: DM (deficiência mental) e DC (déficit cognitivo); o modo de compor as turmas iam do diagnóstico medico às evidencias de multi-repetência ou dificuldades em acompanhar os conteúdos escolares.

É a partir de 2004 que, nos relatos e nos documentos, começam a surgir as relações entre os municípios, através de seus departamentos de educação especial, com o Governo Federal, através da SEESP. Até então, todas as ações tinham saído da tutela da rede estadual, mas não tinham ainda vinculação direta com as políticas federais. Nesse período, várias modificações são relatadas pelo departamento, como adaptações físicas em algumas escolas, a criação do Centro de Apoio Pedagógico para Deficientes Visuais- CAP Inácio Baptista Moura, que passou a assumir, além do atendimento ao alunado com deficiência visual, a formação de professores para essa área:

Através de parceria entre o MEC/ FNDE e prefeitura de Marabá tivemos a adaptação física em diversas escolas da rede municipal de ensino, são elas: Miriam Moreira, Tancredo Neves e Walquise Viana da Silveira - 2004;[..] O município, através do MEC/ FNDE foi contemplado em 2004, com o centro de Apoio Pedagógico para Deficientes Visuais- CAP Inácio Baptista Moura, localizada na EMEF Jônathas Pontes Athias, sendo referência para os centros de abrangência (MARABÁ, 2009, p.1 )

A primeira SRM (na Escola Municipal Ida Valmont) foi implantada no ano seguinte, 2005, através da adesão do município ao programa federal “Educação inclusiva: direito à diversidade”. Ao mesmo tempo em que começavam as salas multifuncionais, com melhor estrutura, sobreviviam ainda as SAPE, com muitos dos problemas originais das classes especiais. Em 2005, a SAPE da Escola Mirian Moreira ainda funcionava no depósito da escola. Sandra se recorda que alunos categorizados como DC lotavam sua sala.

Eram muitas crianças, pois quando abriu a sala de educação especial, todos os professores mandavam para a “sala da Sandra” os alunos que achavam que tinham problemas. A sala era lotada com crianças que não tinham nenhuma deficiência: eram problemas de indisciplina e de aprendizagem (S. L., 2012).

Daí por diante a história da educação especial em Marabá se confunde com a das políticas gerais para inclusão. “Deste momento em diante, a política de educação especial no município passa por uma série de transformações, acompanhando as novas diretrizes de educação especial do país” (Gestora Ed. Esp./SEMED)

No esforço de apontar relações entre a história da educação especial no Brasil e no município de Marabá, no período entre 1987 e 2005, e as histórias de vida das professoras hoje atuantes nas Salas Multifuncionais, percebemos, no inicio do período, a educação especial como uma ação fragmentária e isolada, mas já acontecendo no interior das escolas, primeiro como classes especiais depois como SAPE e SR. As classificações genéricas (DV, DA, DM e DC) faziam com que o

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atendimento propriamente pedagógico fosse mais direcionado para cegueira/baixa visão e surdez (SR), enquanto a deficiência mental era atendida nos limites da escola ou direcionada para a APAE e sob a definição de déficit cognitivo, tratava-se de todos os atrasos e desvios na aprendizagem (nas SAPE). Apenas sobre as duas primeiras são relatados eventos específicos de formação, mostrando onde se concentrava o foco das políticas.

As mudanças que vão ocorrendo são concomitantes ou posteriores às leis e acompanham o movimento nacional e internacional, mas não são geradoras desse movimento. O engajamento das salas especiais nas escolas onde se inseriam tem relação com a liderança das professoras pioneiras, que acompanham as políticas educacionais e compreendem os enfrentamentos da área, configurando-se inicialmente como militantes da educação especial e, agora, da inclusão escolar da pessoa com deficiência.

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BAPTISTA, C. R. Ação Pedagógica e educação especial: para além do AEE. In: IV SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2011, Nova Almeida-ES. Práticas pedagógicas e inclusão: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Vitória; Porto Alegre; S. Carlos: UFES;UFRGS;UFSCAR, 2011.

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BUENO, J. G. S. Crianças com necessidades educativas especiais, política educacional e a formação de professores: generalistas ou especialistas? Educação on Line, 2001. Disponível em < http://www.educacaoonline.pro.br/> Acesso em 09.07. 2112.

CAIADO, K. R. M. et al. Educação e deficiência na voz de quem viveu essa trama: apoios e atendimentos durante a trajetória escolar. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 6, 2011, Nova Almeida, ES. Anais... Nova Almeida, ES: UFES/UFRGS/UFSCAR, 2011. 1 CD.

CAMPELO, C. S. Caracterização das salas de recursos multifuncionais do Município de Marabá, 2012, 32 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia). Faculdade de Educação, Campus Universitário de Marabá, Universidade Federal do Pará, Marabá, 2012.

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FERREIRA, J. R. Notas sobre a evolução dos serviços de educação especial no Brasil. Revista Brasileira de Educação Especial, vol 1, n°1, 1992. p. 101-107.

GARCIA., R. M. C. Políticas inclusivas na educação: do global ao local. In: BAPTISTA, C.R., CAIADO, K. R.M.; JESUS, D. M.(orgs.) (orgs.). Educação especial: diálogo e pluralidade. 2 ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2010.

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JESUS, D. M. Atendimento educacional especializado e seus sentidos: pelas narrativas de professores de AEE. In: IV SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2011, Nova Almeida-ES. Práticas pedagógicas e inclusão: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Vitória; Porto Alegre; S. Carlos: UFES;UFRGS;UFSCAR, 2011.

KASSAR, M. C. M; REBELO, A. S. O “especial” na educação, o atendimento especializado e a educação especial.In: IV SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2011, Nova Almeida-ES. Práticas pedagógicas e inclusão: multiplicidade do atendimento educacional especializado. Vitória; Porto Alegre; S. Carlos: UFES;UFRGS;UFSCAR, 2011.

MARABÁ. Secretaria Municipal de Educação. Departamento de Educação Especial. Educação especial: histórico e funcionamento, 2009. (Não publicado)

MAZZOTTA, M. J. S. Tendências da formação de professores de excepcionais e sua correlação com as características da educação Especial. Revista Brasileira de Educação Especial, vol 1, n°1, 1992. p.7-13.

MENDES, E. G. Breve histórico da Educação Especial no Brasil. Revista Educación y Pedagogía, vol. 22, núm. 57, mayo-agosto, 2010.

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EDUCAÇÃO PARA UMA SOCIEDADE INCLUSIVA

Eliane de Sousa Nascimento44

Introdução Neste texto faremos algumas reflexões a respeito da educação inclusiva, a

legislação que envolve essa educação, e o que ela deve favorecer e promover para que atenda aos diversos tipos de necessidades educacionais dos alunos, com igualdade de oportunidades e qualidade.

Apresentaremos também. a pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, - vinculada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP) que em junho de 2009 divulgou o resultado de uma pesquisa pioneira no campo da diversidade na educação brasileira, realizada a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP.

Sociedade Inclusiva Uma sociedade inclusiva tem como objetivo oferecer a todos o direito às

mesmas oportunidades, pois “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...” (Constituição 1988, Art. 5º, Título III).

A Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da educação inclusiva não deve escolher, classificar ou segregar indivíduos, mas modificar seus ambientes, atitudes e estruturas para se tornarem acessíveis a todos.

Nesse sentido, a educação inclusiva precisa garantir a educação nas escolas regulares, ou seja, o acesso, a participação e a aprendizagem de todos os alunos, e promover o desenvolvimento das capacidades e potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, nesses e em outros casos, que implicam transtornos funcionais específicos.

A educação especial é uma modalidade de ensino que abrange todos os níveis, etapas e modalidades da educação básica, que realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular.

Na LDBEN/1996, no art. 58º, a educação especial45 é uma modalidade da

44 Pedagoga, Mestrado em Educação-Universidade Federal da Bahia/UFBA. Professora de Graduação e Pós Graduação. Esse texto é parte integrante da Dissertação de Mestrado: Qualificação Profissional de Pessoas com Deficiência Física e de Pessoas com Deficiência Visual: um estudo de egressos. 45 A política da educação inclusiva foi sendo articulada em documentos internacionais, como a Declaração de Nova Delhi/1993 (documento que contém a síntese da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien - Tailândia, 1990), nas organizações multilaterais, direcionada especialmente a projetos e metas nacionais de países periféricos. A educação surge “como um dos pilares para reduzir o mal estar social produzido pelas mazelas do sistema capitalista, além de representar na ordem desta reestruturação, campo de atualização na lógica do mercado produtivo. Vê-se na estrutura organizacional prevista para a educação nacional, sobretudo da educação básica, um

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educação escolar, um processo educacional com uma proposta pedagógica que assegure recursos, currículos, métodos, técnicas e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar (não for possível nas classes comuns do ensino regular, art. 59), suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns.

A Constituição de 1988, no artigo 205 (Capítulo III, da Educação) enuncia que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade...”. E de acordo com o artigo 206, o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e, no VII - garantia de padrão de qualidade.

Na LDBEN/1996 e na Constituição de 1988, educação é dever do Estado e da família (aos pais cabe a prioridade na educação dos filhos), com a colaboração da sociedade, em igualdade de condições para o acesso e permanência do aluno na escola.

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Art. 2º, LDB/1996).

Um ambiente escolar inclusivo necessita favorecer o desenvolvimento, com instrumentos e/ou atividades que propiciem aos alunos as experiências essenciais para a construção da aprendizagem e, para isso, precisa investir na formação continuada de professores, reorganização pedagógica, adaptações curriculares, participação da comunidade e a utilização de novas tecnologias. O que envolve promover oportunidades de aprendizagem efetiva para todos os alunos, e um dos eixos condutores de ação educativa da prática que podem contribuir para o respeito da diversidade dos alunos é o “currículo”.

Uma educação de qualidade, para todos, tem como pilar, a diversidade (raça/étnica, cor, sexo, religião, origem social, pessoa com deficiência). Isso estimula a escola a buscar um pluralismo que considere e respeite a diferença, o que demanda mudanças de mentalidade e o fortalecimento de atitudes de respeito entre todos e com todos, envolve aceitar e trabalhar com cada pessoa com e sem deficiência como ser único e diferente, com singularidade própria, valorizando a individualidade de cada pessoa.

A diversidade na educação brasileira, como se apresenta? A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, - vinculada à Faculdade

de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), em junho de 2009 (p. 4), divulgou o resultado de uma pesquisa pioneira no campo da diversidade na educação brasileira, realizada a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP.

Na pesquisa da FIPE, o projeto de Estudo sobre Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar, foi organizado de acordo com as áreas temáticas: étnico racial, gênero, orientação sexual, geracional, territorial, pessoas com necessidades especiais (deficiência) e socioeconômica, o objetivo central a ser alcançado com a realização do estudo quantitativo sobre ações discriminatórias no âmbito escolar foi,

discurso pela defesa da educação para todos que oculta a seletividade e a exclusão de grande parte desse “todos” (Carvalho e Melo, 2007 p. 2).

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analisar de maneira global e coerente a incidência de preconceito e discriminação nas escolas públicas, de forma a descrever um quadro consolidado que sirva de linha de base para a avaliação de ações globais no sentido de transformar as escolas em um ambiente essencial ao estímulo à diversidade e à mitigação do preconceito e da discriminação, além de gerar importantes subsídios para o aprofundamento dos estudos relacionados a cada uma de suas áreas temáticas. Neste contexto, não foi objetivo desta pesquisa esgotar as questões e conceitos relativos a cada uma das áreas temáticas pesquisadas (FIPE, 2009, p. 4-5).

A população alvo, respondentes dessa pesquisa, foi o seguinte: 501 diretores, 1.005 funcionários, 1.004 professores, 15.087 alunos e 1.002 pais de alunos, perfazendo um total de 18.599 pessoas, em torno de 501 escolas, das Regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A amostra respeitou a proporcionalidade das matrículas por região demográfica, localização da escola (capital e não-capital) e nível/modalidade de ensino (Ensino Fundamental Região, Ensino Médio Região e Educação de Jovens e Adultos), de acordo com o Censo Escolar 2007, com no mínimo de seis escolas em cada célula. Nas escolas rurais, foram nomeadas seis escolas por região demográfica (FIPE, 2009, p. 6-8, 23).

A FIPE organizou as perguntas dos questionários considerando os seguintes blocos de assuntos, denominação (p.10):

1 - Questões sobre exposição à mídia por parte dos respondentes; 2- Questões sobre hábitos de lazer; 3 - Questões sobre escala de distância social; 4 -Questões sobre crenças e atitudes; 5- Questões sobre o conhecimento de práticas discriminatórias (bullying); 6 - Questões sóciodemográficas. Entre todos os públicos que participaram da pesquisa, constatou-se um alto

índice de atitudes, crenças e valores de preconceito no ambiente escolar das escolas públicas brasileiras nas diversas áreas temáticas pesquisadas (étnico racial, de gênero, geracional, socioeconômica, territorial, em relação à orientação sexual e a pessoas com necessidades especiais) (FIPE, 2009, p.7, 36).

Na seção da pesquisa que apresenta a abrangência e a intensidade do preconceito no ambiente das escolas pesquisadas, em pelo menos uma das frases preconceituosas que compuseram o questionário, os respondentes apresentam alguma atitude preconceituosa (p.36).

Os dados da tabela 1 mostram o grau do preconceito das pessoas respondentes relacionado com as diversas áreas temáticas pesquisadas (étnico racial, de gênero, geracional, socioeconômica, territorial, em relação à orientação sexual e a pessoas com necessidades especiais). Tabela 1 - Total de Respondentes com Algum Grau de Preconceito para a Área Temática Pesquisada

Natureza do Preconceito

% de respondentes com algum nível de preconceito

Geral 99,3

Deficiência 96,5

Étnico racial 94,2

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Gênero 93,5

Geracional 91,0

Socioeconômica 87,5

Orientação Sexual 87,3

Territorial 75,9

Fonte FIPE/INEP (2009, p.36)

Observamos, por incrível que pareça, que os tipos de preconceito com maior percentual de respondentes estão relacionados, 96,5% a pessoas com necessidades especiais (deficiência), 94,2% às diferenças étnico-raciais e 93,5% às diferenças de gênero. Com a constatação dessa realidade é imperativo, mais do nunca, um trabalho no sentido de fornecer à população conhecimentos e informações sobre deficiência e pessoas com deficiência, pois, ainda há muitas barreiras a serem transpostas (FIPE, 2009, p. 36)

Preconceito46, segundo o dicionário Holanda (1977 p. 380), é a “ideia preconcebida, suspeita, intolerância, aversão a outras raças, credos e religiões etc”. Às vezes as pessoas discriminam grupos minoritários com comentários depreciativos e fazem conclusões a respeito das pessoas com base na cor da pele, nacionalidade, origem étnica, condição socioeconômica e física, sem ao menos conhecer realmente a pessoa.

Nem sempre conseguimos avaliar cada pessoa segundo suas qualidades únicas e particulares. Em função disso, crianças, jovens, adultos e idosos se sentem isolados e rejeitados pelas pessoas, excluídos socialmente (sistema educacional, inserção no trabalho, lazer etc.), com dificuldade, principalmente, nas oportunidades de emprego ou ocupação, a menos que se aceite um emprego servil que ninguém mais queira.

Este diagrama leva-nos a compreender que a educação Inclusiva beneficia a todos na sociedade, pois proporciona a convivência com a diversidade. O que pode contribuir para desenvolver uma geração de pessoas mais respeitosas com indivíduos a quem a vida deu caminhos diferentes de estar no mundo, com suas diversas formas de ser e viver. A convivência com a diversidade, mais informação e mais conhecimento contribuem, portanto, para diminuir o preconceito e a discriminação.

Inclusão social envolve ações da sociedade com todos que participam da escola (família, alunos, comunidade escolar e comunidade do entorno) e com a pessoa 46 “... pode ser que vítimas de preconceito e discriminação achem difícil arranjar emprego” (SOCIEDADE, 2009, p. 3).

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com necessidades educacionais especiais, pois a inclusão traz para a escola e à sociedade a necessidade de construir uma nova cultura escolar, com modelos educativos não homogêneos e segregadores.

Para Góes e Laplane (2007, 37-38), é evidente o despreparo dos educadores, e o desconhecimento sobre as pecularidades de um determinado tipo de deficiência ou incapacidade. Isso se deve à “ausência de uma política de formação continuada capaz de promover o desenvolvimento profissional dos professores”.

As autoras (op cit) ainda argumentam que o(a)s professore(a)s da educação básica, na maioria das vezes, não tiveram contato, na formação inicial nem em práticas posteriores, com conteúdos voltados na perspectiva da diversidade. É “uma educação para um conjunto idealizado de alunos que aprendem, acompanhada da exclusão do diferente” (p.38).

Para que os alunos consigam manter-se na escola em todos os níveis (da educação básica ao ensino superior), é indispensável que os sistemas de ensino tenham respostas satisfatórias no atendimento às necessidades educacionais especiais (SEEP, 2008, p. 14):

- transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior;

- atendimento educacional especializado; - continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; - formação de professores para o atendimento educacional especializado e

demais profissionais da educação para a inclusão escolar; - participação da família e da comunidade; - acessibilidade urbanística; arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos,

nos transportes, na comunicação e mais informação; - articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. Queremos ressaltar que qualquer criança independente de ter “deficiência

ou não”, que não tenha as suas necessidades educacionais atendidas se sentirá “excluída”. Isso mostra a importância de, quando isso for possível, ser oferecido um ensino individualizado.

Os dados levantados pelo Censo Escolar de 2000 identificaram apenas 280 mil alunos cursando as escolas regulares no país, de acordo com o MEC (2000), desses alunos apenas 3 mil cursavam o Ensino Médio. Vale lembrar que o Brasil tem 24,5 milhões de pessoas com deficiência. (PASTORE, 2000).

Segundo o Censo de 2000, a taxa de escolarização das crianças de 7 a 14 anos de idade, de pessoas com deficiência é de 88,6%, seis pontos percentuais abaixo da taxa de escolarização do total de crianças nesta faixa etária que é de 94,5%. (IBGE, 2005).

As diferenças são marcantes nos dados relacionados à instrução: 32,9% da população sem instrução ou com menos de três anos de estudo são pessoas com deficiência. O percentual da população cai quando aumenta o nível de instrução - 10% de pessoas com deficiência entre as demais pessoas com mais de 11 anos de estudo (IBGE, 2005).

Os dados do IBGE nos mostram que muitas pessoas em idade escolar com algum tipo de deficiência estão com a vida e o desenvolvimento prejudicados pela exclusão da vida escolar, e um grande número de pessoas com deficiência está

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excluído do sistema educacional. Os dados mostram, também, o desafio que é entrar e permanecer na escola, pois o percentual de estudantes que chegam ao ensino superior, após cursarem o ensino fundamental e o ensino médio, reduz muito.

Rocha e Miranda (2009, 31-32) declaram que, o número de matrículas, o ingresso de alunos com necessidades educacionais especiais na universidade cresceu nos últimos anos, mas ainda há muito a ser feito, pois existe um contraste grande entre as diversas regiões do País. “É preciso que o Estado assuma uma dívida histórica com a educação da pessoa com deficiência”. Em toda a sociedade brasileira e na universidade, existem práticas segregadoras, a cobrança de um padrão de normalidade, com uma igualdade no mesmo nível de valores intelectuais e físicos, e as pessoas, ao diferirem desse padrão, são discriminadas e estigmatizadas.

Em 2010, o IBGE está realizando um novo Censo. Esperamos que os novos dados nos mostrem e tragam uma realidade diferente.

O Censo Escolar da Educação Básica é realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Diretoria de Estatísticas Educacionais – INEP, anualmente, através da coleta de dados em todas as escolas brasileiras. Em 2009, foram pesquisadas 197.468 escolas para que se esboce um retrato da realidade educacional brasileira. Tabela 2 - Censo Escolar da Educação Básica de 2009

Etapa / Modalidade Matrículas na Educação Básica

Urbana Rural 2008 2009 D 2008 2009 D

Educação Básica 46.412.824 45.900.077 -1,1 6.820.044 6.680.375 -2,0 Educação Infantil 5.823.404 5.857.863 0,6 895.857 904.768 1,0 Creche 1.637.671 1.775.794 8,4 114.065 120.569 5,7 Pré-escola 4.185.733 4.082.069 -2,5 781.792 784.199 0,3 Ensino Fundamental 26.987.575 26.774.498 -0,8 5.099.125 4.931.030 -3,3 Ensino Médio 8.113.439 8.060.799 -0,6 252.661 276.361 9,4 Educação Profissional 762.781 829.250 8,7 32.678 31.864 -2,5 Educação Especial 315.564 249.211 -21,0 4.360 3.476 -20,3 EJA 4.410.061 4.128.456 -6,4 535.363 532.876 -0,5 Ensino Fundamental 2.785.155 2.588.777 -7,1 510.085 505.747 -0,9 Ensino Médio 1.624.906 4.128.456 154,1 25.278 27.129 7,3 Fonte: INEP/2009

Percebemos que, em termos de matrícula global houve uma ligeira queda, 1,2%, com relação ao ano passado (censo anterior). A Educação Profissional apresentou um aumento de 8,7%. Na Educação Especial houve uma queda de - 21,% percentuais de matrículas.

Segundo relatório dos resultados do Censo de 2009 (INEP, 2009, p. 2), a equipe Técnica verificou que a queda pode ser um ajuste nas informações decorrente da melhoria conceitual e metodológica do instrumento de coleta de dados (detalhamento do tipo de deficiência que cada aluno apresenta e não de alunos com deficiência sem escolarização), isto é, que só recebem atendimento educacional especializado, a prestação do serviço não compete à esfera educacional.

Ainda de acordo com o mesmo relatório (p. 18) dos resultados de 2009, a matrícula de 639.718 alunos com deficiência corresponde a apenas 1,2% da matrícula total da Educação Básica. Dos 639.718 alunos da Educação Especial, 252.687 estão matriculados em 5.590 estabelecimentos exclusivamente especializados ou em classes especiais

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e correspondem a 39,5% da matrícula total. Os demais 387.031 alunos estudam em classes comuns do ensino regular e da educação de jovens e adultos, o que evidencia os resultados positivos da política de inclusão de alunos com deficiência no ensino regular.

O governo federal, no sentido de favorecer a participação social de pessoas com deficiência no sistema educacional, criou o Benefício de Proteção Continuada - BPC47 na Escola (Programa de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e Permanência na Escola) e tem como objetivo: acompanhar e monitorar o acesso à escola das pessoas com deficiência, na faixa etária de 0 a 18 anos. O programa é desenvolvido por meio de ações articuladas da área da saúde, educação, assistência social e direitos humanos.

A expectativa é que haja, através dos beneficiários do BPC na Escola, a expansão das ações da educação de alunos com deficiência, por garantir o acesso, a frequência e a permanência na rede escolar de ensino e, a convivência com os demais alunos, valorizando dessa forma a diversidade humana (SEEP, 2008, p. 50).

Em 2008, foi identificado que 71% dos beneficiários do BPC na Escola, com deficiência na faixa etária de zero a 18 anos, estavam excluídos da escola e que somente 29% destes beneficiários se encontravam na escola (MEC, 2010).

No Censo Escolar da Educação Básica de 2009, segundo o relatório divulgado pelo INEP (2009), os dados da matrícula na educação especial, “evidenciam os resultados positivos da política de inclusão de alunos com deficiência no ensino regular” (p. 18).

Nos dados do Censo de 2000 constatamos que 32,9% da população sem instrução ou menos de três anos de estudo são pessoas com deficiência. Pior ainda quando falamos no acesso ao ensino superior. Esperamos que, após a divulgação do novo Censo 2010, os anos de estudo de alunos com deficiência estejam nivelados com os demais alunos.

Sendo assim, é de fácil entendimento que, com barreiras arquitetônicas e de atitudes, dificuldade de acessibilidade, baixa escolaridade e a falta de um ensino significativo que favoreça uma verdadeira aprendizagem e a continuidade nos estudos, essas pessoas não poderão desenvolver as habilidades necessárias à inserção no mercado de trabalho, ou quando inseridos, exercerão atividades que pouco exigem ou ofereçam oportunidades de mostrar o potencial e a capacidade dessa população.

Referências BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

47 - O BPC é o Beneficio de Prestação Continuada da Assistência Social garantido na Constituição Federal que corresponde a um salário mínimo mensal destinado as pessoas idosas, a partir de 65 anos de idade, e pessoas com deficiência, de qualquer idade, que comprovem não possuir meios de prover a sua própria manutenção e possuam renda mensal familiar per capita inferior ¼ de salário mínimo. Portaria Interministerial nº 18, de 24 de abril de 2007. Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, artigo 20.

- O BPC na Escola é uma Portaria Interministerial nº 01, de 12 de março de 2008, que aprova os procedimentos e aprova os instrumentos para adesão ao programa.

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ESCOLAS INCLUSIVAS E CAPACITAÇÃO DOS PROFESSORES

Josilene Souza Lima Barbosa48

Márcia Mesquita Cardoso Alves49 Rita de Cácia Santos Souza50

Introdução A inclusão escolar da pessoa com deficiência é um dos assuntos mais

discutidos na mídia, na sociedade e principalmente entre os educadores, devido à sua complexidade, por abranger diversos aspectos, dentre eles: a falta de preparação do ambiente físico, profissionais despreparados e a deficitária acessibilidade, principalmente para a aquisição do conhecimento. Algumas pessoas são contra a inclusão e outras se colocam a favor, o fato concreto é que a inclusão é uma realidade e não dá para ficarmos apenas nas discussões. Precisamos buscar soluções que amenizem as dificuldades e viabilizem a construção do conhecimento dos alunos. Estes sofrem com a discriminação e com a falta de profissionais qualificados para atender às suas necessidades educacionais. As escolas ao receberem querem que os mesmos se adaptem e aprendam da mesma forma que os ditos normais, e tomam pouca ou nenhuma providência para que tenham verdadeiramente o direito de ter acesso a conteúdos adaptados às suas limitações. Desta forma tornam-se passivos, continuam dependentes, sem liberdade, tornando-se submissos ao paradigma educacional que deveria ser “inclusivo”, mas que na maioria das vezes acaba tornando-se excludente.

Quando um aluno com deficiência ingressa em um sistema educativo tradicional, em uma escola tradicional, seja especial ou regular, freqüentemente, vivencia interações que reforçam uma postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. Freqüentemente é submetido a um paradigma educacional no qual continua a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir, reforça esquemas de dependência e submissão. É visto e tratado como um receptor de informações e não como construtor de seus próprios conhecimentos. (GALVÃO FILHO, 2009, p.125)

Diante da complexidade do assunto se faz necessário uma mudança significativa na forma das pessoas pensarem e entenderem à educação destinada aos alunos com deficiência, não dá para continuar pensando que a função da inclusão escolar é apenas a sociabilidade do indivíduo. A pessoa com deficiência quando estimulada e com as modificações necessárias às suas limitações podem conquistar o seu lugar na sociedade, para isso necessita uma educação inclusiva com qualidade.

48 Profa. Ma em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Educação Inclusiva (PIO X), Libras (FA), pedagoga, professora de AEE em Tobias Barreto-Se, Membro do Nupiepd (UFS). 49 Profa. Especialista em Libras pela Faculdade São Luiz, pedagoga, professora de AEE em Muribeca-SE, membro do Nupieped (UFS). 50 Profa. Dra. pela Universidade Federal da Bahia, professora da Faculdade Atlântico e da Rede Estadual de Educação de Sergipe, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, vice-líder e orientadora de pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Inclusão Escolar – Nupieped (UFS) e membro do Geine-UFBA. E-mail: [email protected]

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A escola inclusiva tem como finalidade promover a educação das pessoas

com deficiência, altas habilidades, transtorno global do desenvolvimento e demais grupos que foram excluídos da sociedade ao longo dos séculos. Segundo Schaffner e Buswell (1999) os princípios da inclusão aplicam-se não somente aos alunos com deficiência, mas a todos os alunos. Os desafios deverão ser enfrentados pelos educandos e pelos educadores nas escolas e não deve ser permitido o isolamento e a concentração em uma única necessidade ou grupo-alvo de alunos. Os autores complementam que, uma abordagem fragmentada da reforma não satisfaz inteiramente as necessidades dos alunos.

Schaffner e Buswell defendem que, para que a reforma das escolas alcancem sucesso, estas devem torna-se comunidades acolhedoras, em que todos os alunos se sintam valorizados, seguros, conectados e apoiados. Se esta característica da comunidade for negligenciada ou se sua importância for subestimada, os alunos com deficiência vão continuar a ser segregados e as escolas para todos os alunos não conseguirão atingir seus objetivos.

O direito a educação foi proclamado na Declaração de Direitos Humanos e ratificado na Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Neste processo é direito dos pais serem consultados sobre a forma de educação que melhor se ajuste às necessidades, circunstâncias e aspirações de seus filhos.

Segundo o manual integrado do Saberes e Práticas da Inclusão (2005), O princípio fundamental desta Linha de Ação é de que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. As escolas devem acolher crianças com deficiência ou superdotação. A pedagogia centrada na criança pode contribuir para evitar o desperdício de recursos, frustrações e as conseqüências freqüentes da má qualidade do ensino e da mentalidade de que “o que é bom para um também é para todos”. Os profissionais devem procurar recursos para que as escolas desenvolvam currículos adaptados as dificuldades de cada aluno. (BRASIL, 2005)

A Lei nº 7.853 determina que, todas as crianças devem aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças, as escolas inclusivas devem organizar sistemas voltados à diversidade, assegurando um ensino de qualidade a todos. Essas escolas inclusivas devem receber todo apoio adicional necessário e ter o suporte da educação especial, que consiste nas salas de recursos multifuncionais, nas classes hospitalares, no atendimento itinerante dentre outros.

Essas escolas, encontrarão dificuldades para flexibilizar suas atividades e conteúdos, para observar as necessidades e habilidades de cada aluno, a começar pela quantidade de alunos por sala. Porém, professores, colegas, pais, famílias e voluntários precisam comprometer-se integralmente com a inclusão dessas crianças, que não dependem somente das modificações arquitetônicas das instituições e sim do compromisso de todos que fazem parte do corpo docente da escola e do apoio da família.

A educação inclusiva tem como desafio a quebra de paradigmas; a integração e participação dos gestores escolares que deverão adequar-se à este novo modelo educacional visando um melhor acolhimento e desenvolvimento dos alunos público alvo da educação inclusiva. Conforme Sage (1999),

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[...] As mudanças que precisam ocorrer para a realização do ensino inclusivo não devem ser vistas apenas como pré-requisitos, mas também como co-requisitos. Não podemos esperar, antecipadamente, ter todos os componentes nos seus lugares. Algumas coisas terão de vir com o tempo. As mudanças envolvem muitos níveis do sistema administrativo, incluindo a estrutura do setor central de educação, a organização de cada escola e a didática da sala de aula (SAGE, 1999, p. 129).

Sage (1999) cita que a realização do ensino inclusivo requer uma percepção do sistema escolar como um todo unificado, não deve haver duas estruturas paralelas e/ou separadas: uma para alunos regulares e outra para alunos com deficiência. Os comportamentos inclusivos de professores e diretores escolares serão seriamente reduzidos se os administradores do nível da política não lhes proporcionarem o apoio adequado. Os pronunciamentos desse apoio devem ser reforçados por passos organizacionais que demonstrem um sistema realmente unificado.

Quanto ao currículo, ele deve ser adaptado às necessidades das crianças, e não as crianças ao currículo, essas escolas deverão, oferecer opções curriculares que se adaptem as crianças com habilidades e interesses diferentes. Para acompanhar o progresso da criança, é de fundamental importância rever as formas de avaliação, que deverá ser avaliada através de seus avanços, considerando seu desenvolvimento individual sem comparações, mas motivá-los no cotidiano escolar.

Galvão Filho (2009) coloca que a missão do educador que trabalha com alunos inclusos não é o de facilitar, de diminuir as dificuldades para o aluno com deficiência, mas desafiá-lo, estimulá-lo, para que ele mesmo encontre as soluções para seus próprios problemas. Portanto, para que o aluno com deficiência seja esse sujeito ativo na construção do próprio conhecimento, é necessário que vivencie condições e situações nas quais ele possa exercitar sua capacidade de pensar, comparar, formular e testar ele mesmo suas hipóteses, relacionando conteúdos e conceitos.

Os professores não deverão fazer comparações entre alunos, o importante é que todos trabalhem em busca de um único objetivo: o bem estar desses alunos, que estão em busca de atenção e condições propícias de aprendizagem. O corpo docente, a equipe diretiva, os gestores, pais e voluntários deverão ser convidados para assumir a participação ativa no trabalho da escola. Professores, no entanto, possuem um papel fundamental no processo educacional, apoiando as crianças através do uso de recursos didáticos disponíveis, tanto dentro como fora da sala de aula. A capacitação dos educadores é um dos fatores que contribuem para a promoção da mudança para escolas inclusivas.

Alguns pais de crianças especiais resistem à inclusão de seus filhos como forma de proteção e/ou falta de informação. Muitos acreditam que os filhos serão motivos de gozação entre outras crianças e outros por pensarem que eles não são capazes de aprender por terem limitações. A escola deverá convidar os pais no período de adaptação para fazer parte das atividades escolares, para que os filhos percebam a importância da escola e para que os pais vivenciem situações de aprendizagem em conjunto com os filhos. A família deverá acompanhar as atividades escolares enviadas para casa, e observar o desenvolvimento diário do seus respectivos filhos sempre ressaltando os avanços e anotando as dificuldades para posteriores discussões com os profissionais envolvidos no processo de escolarização do aluno.

Segundo Carvalho(2005) “enquanto alguns professores valorizam

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metodologias, outros investem na aprendizagem dos alunos”. Sendo assim, são necessárias estratégias capazes de facilitar a construção do conhecimento e que possam favorecer a inclusão dos alunos. Para isso é preciso buscar informações sobre acessibilidade arquitetônica, pedagógica e principalmente atitudinal. Para melhor conhecer os interesses dos alunos, os professores precisam escutá-los e investigar o que os motiva, os conhecimentos prévios para construir um plano de trabalho que mais se adéque às necessidades de cada aluno. A criatividade do professor somada a sua convicção de que a aprendizagem é possível para todos os alunos e de que ninguém pode estabelecer limites no outro certamente contribuirá para remover os obstáculos que os alunos têm enfrentado no processo de aprendizagem.

A inclusão está caminhando de forma lenta, com muitas perguntas e poucas respostas, enquanto as escolas estão começando a se adaptar às mudanças, os alunos estão chegando e cabe aos docentes e gestores acolherem de forma integral a todos os alunos, modificando os currículos, as formas de avaliar e buscar apoio nas salas de recursos multifuncionais através do Atendimento Educacional Especializado.

O Atendimento Educacional Especializado compreende serviços da educação especial, organizado institucionalmente para o atendimento às especificidades educacionais dos alunos com deficiência, síndromes, autismo e altas habilidades. Esse serviço não substitui a escolarização realizada na classe comum, ampliando o currículo escolar. Os alunos devem contar também com o apoio dos professores do atendimento educacional especializado com devida qualificação.

[...] Inclui principalmente, instrumentos necessários à eliminação das barreiras que as pessoas com deficiência têm para relacionar-se com o ambiente externo. Por exemplo: ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), do código Braille, uso de recursos de informática e outras ferramentas tecnológicas, além de linguagens que precisam estar disponíveis nas escolas comuns para que elas possam atender com qualidade aos alunos com e sem deficiência (FÁVERO; PANTOJA; MONTOAN, 1999).

Os professores deverão ter o curso de graduação, pós-graduação e ou formação continuada que o habilite para atuar em área de educação especial. O professor da sala de recursos tem como atribuições: atuar como docente, nas atividades de complementação ou suplementação curricular específica que constituem o atendimento educacional especializado dos alunos com necessidades educacionais especiais; atuar de forma colaborativa com o professor da classe comum para a definição de estratégias pedagógicas que favoreçam o acesso do aluno com necessidades educacionais especiais ao currículo e a sua interação no grupo; promover as condições para a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais em todas as atividades da escola; orientar as famílias para o seu envolvimento e a sua participação no processo educacional; informar a comunidade escolar acerca da legislação e normas educacionais vigentes que asseguram a inclusão educacional; participar do processo de identificação e tomada de decisões acerca do atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos; preparar material específico para uso dos alunos na sala de recursos; orientar a elaboração de materiais didático-pedagógicos que possam ser utilizados pelos alunos nas classes comuns do ensino regular; indicar e orientar o uso de equipamentos e materiais específicos e de outros recursos existentes na família e na comunidade; articular, com gestores e professores, para que o projeto pedagógico da instituição de ensino se organize coletivamente numa perspectiva de educação inclusiva.

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Salienta-se que o professor da sala de recursos multifuncionais deverá

participar das reuniões pedagógicas, do planejamento, dos conselhos de classe, da elaboração do projeto pedagógico, desenvolvendo ação conjunta com os professores das classes comuns e demais profissionais da escola para a promoção da inclusão escolar (MEC, 2006.p.17-18).

O que foi exposto quanto à sala de recursos multifuncionais é o ideal, mas não é a realidade da maioria das escolas brasileiras, ocorrem inúmeros problemas de ordem administrativa, atitudinal, espaços inadequados e capacitação docente deficitária.

A formação docente A educação ao longo dos séculos passou por transformações significativas

dentre as quais estão: a inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares, a utilização dos recursos tecnológicos por parte de alguns educadores e uma preocupação maior com a qualificação dos professores através de cursos de formação continuada. Há alguns cursos que estão sendo oferecidos aos professores da rede pública de ensino, dentre eles: Tecnologias na Educação: ensinando e aprendo com as TIC. Este curso é uma iniciativa do Ministério da Educação e Secretaria de Educação à Distância através do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional- Proinfo Integrado. É um curso à distância com encontros presenciais quinzenalmente e com carga horária de 100 h. As atividades são bem diversificadas e incluem a prática nas escolas para que se aplique o que foi discutido no curso.

Outro exemplo é o curso Tecnologias Assistivas, Projetos e Acessibilidade: promovendo a inclusão. Este é uma parceria entre o Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP) através do ambiente TelEduc, tem uma carga horária de 180 h, é muito dinâmico, com muitas atividades práticas e encontros presenciais uma vez por mês. Cabe salientar que ambos são muito bem acompanhados por uma equipe de tutores, mediadores, formadores que se encarregam de uma criteriosa avaliação. O objetivo destes cursos é qualificar os professores para que possam melhorar a qualidade de suas aulas e atender às necessidades dos alunos no mundo contemporâneo, uma vez que a tecnologia já faz parte da vida da maioria dos educandos brasileiros, por pertencerem à geração da era tecnológica. Cabe salientar que apesar da importância e riqueza destes cursos, muitos professores cursistas, acabam desistindo, por não conseguirem conciliá-los com suas outras tantas atividades, ou por falta de familiaridade, com o computador, é o que relatam no ato da desistência.

Segundo Tornaghi (2008) não temos mais como discutir se a escola deve ou não ter a tecnologia como recurso para aprendizagem, mas sim discutir como usá-la na prática docente visando a uma melhor aprendizagem do educando. As TIC chegaram, é um fato. Talvez a resistência por parte de alguns professores se dê devido a uma visão cristalizada perante o ensino livresco e tradicional. Os professores têm dificuldades de incorporar novos conhecimentos, porque estamos na era da requalificação, contudo a escola precisa ser menos lecionadora e aprender organizar a transmissão do conhecimento.

Muitos criticam a tecnologia, falam que as pessoas estão mais distantes; que o número de desemprego cresceu; a máquina está substituindo o homem, etc. Contudo, precisamos refletir antes de fazermos julgamento de valor acerca das coisas que nos cercam no mundo contemporâneo. A tecnologia está proporcionando às

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pessoas, e, principalmente, àquelas com deficiência, o direito de ter acesso às informações e participar de forma ativa na sociedade:

Tecnologia não é desumanizadora, pelo contrário-desumanizador é o uso que nós, homens, fazemos dela. A educação tradicional (anterior a toda tecnologia), tal como na metáfora do copo meio vazio, vê o aluno sempre como um ser em falta com os conteúdos, o comportamento e a motivação. Segundo essa visão, o aluno ainda não sabe, não pode não se motiva e não está preparado. A educação deveria servir exatamente para que descubramos que sabemos que estamos preparados e que queremos mais (BLIKSTEIN; ZUFFO, 2008, p. 49).

O curso de Tecnologia Assisitiva é um curso muito importante para a formação dos professores e principalmente para os que estão atuando na educação especial. Muitos recursos são apresentados, dentre eles: Softwares: Teclado Amigo, Lente Pro, Dosvox e recursos do Windows e alguns objetos de aprendizagem tais como: Rived, Scrapbook e Alfabetização. Este curso está atendendo às determinações do Decreto 5296/2004 do Art. 65, que pode ser resumido como o incentivo e promoção de cursos de aperfeiçoamento, inclusão de conteúdos nos cursos de formação de professores em nível médio, graduação e pós-graduação. E estabelece a necessidade de parcerias com escolas e centros de educação profissional, centros de ensino universitários e de pesquisa, no sentido de formar profissionais para atender às necessidades do aluno com necessidades educacionais específica.

Estudamos ainda, sobre os recursos que são oferecidos pelo Windows como: as alterações no tamanho da fonte, cores, fundo de tela, ampliação de ícones, dentre outros, facilitando o acesso das pessoas com deficiência visual. Para os surdos o sinalizador de som que permite que quando ocorrer à emissão de um som apareça uma mensagem visual avisando ao usuário que ele deve retornar ao caminho percorrido. E para as pessoas com deficiência motora tem disponível o teclado virtual que dá possibilidade para que essas pessoas possam digitar. Todos esses recursos estão disponíveis e muitas vezes não se sabe da existência dos mesmos. Depois de apresentados e estudados, os recursos são aplicados com alunos com deficiência, para que e possa analisar a eficácia ou as lacunas existentes pelos mesmos.

Cabe ressaltar que a formação dos professores para atuar na educação especial vem sendo discutida há algum tempo. Foi possível encontrar registros de um curso de formação de professores específico para atuar na educação de surdos na década de 50. Segundo Rocha (1997) em 1951 foi criado o primeiro curso Normal de formação de professores para surdos no Brasil, e este foi o terceiro da América do Sul. Foi uma iniciativa do Instituto de Educação dos Surdos-Mudos51 no Rio de Janeiro, hoje INES (Instituto Nacional de Educação dos Surdos). Tinha a duração de três anos e recebia alunos de todo o Brasil. Neste mesmo ano houve também a criação de cursos de especialização para professores da rede estadual com duração de dois anos. A fundadora destes cursos foi a então diretora Ana Rímile de Faria Dória. Como se pode observar, as informações colhidas sobre a formação de professores para atuar com alunos com deficiência, neste período, ainda são escassas e será motivo de investigação dos próximos estudos.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), no artigo 3º Inc. VII cita a importância da valorização do profissional da educação escolar. O Plano Nacional de Educação contém 28 objetivos e metas para a formação de professores e 51 Termo utilizado na época.

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valorização do magistério. A vigésima meta do Plano é “incluir em quaisquer cursos de formação profissional, de nível médio e superior, conhecimentos sobre educação das pessoas com necessidades especiais na perspectiva da integração social.

Mais importante do que alcançar o proposto por essa meta é entender que o seu problema é verificar se está acontecendo uma mudança na mentalidade das pessoas em relação à educação especial. [...] a maior dificuldade consiste em fazer, com que esses conhecimentos específicos sejam ministrados por profissionais adequadamente preparados dentro da “perspectiva da integração social” (BRANDÃO, 2006, p.18).

O MEC52 preocupado com as discussões acerca das capacitações para inclusão vem elaborando e divulgando alguns guias e cursos voltados para inclusão que dão ênfase a importância da qualificação docente. Dentre eles: Saberes e práticas da Inclusão na Educação Infantil, o guia refere-se à necessidade de disponibilizar recursos humanos capacitados em educação especial/educação infantil para dar suporte e apoio ao docente das creches e pré-escolas ou centros de educação infantil, assim como possibilitar sua capacitação e educação continuada por intermédio da oferta de cursos ou estágios em instituições comprometidas com o movimento da inclusão.

As portarias voltadas para a temática são: Portaria 1793/94 – Recomenda a inclusão da disciplina Aspectos Ético – Político – Educacionais na normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais, prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas. Portaria 3.284/03 – Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições.

O Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores na Educação Básica determinando a inclusão de conteúdos curriculares e conhecimentos acerca das necessidades educacionais especiais e o trato da diversidade em todos os cursos de formação inicial de professores.

O Plano Nacional de Educação/2001 prevê a inclusão de conteúdos e disciplinas específicas sobre o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos e a inclusão e ou ampliação, de habilitação específica, em níveis de graduação e pós-graduação, para formar professores especializados em educação especial, garantindo a oferta em cada unidade federada.

Também, a Lei nº 5.626/2005 que dispõe sobre o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e estabelece que os sistemas educacionais devam garantir a inclusão do ensino de LIBRAS em todos os cursos de formação de professores. Desde o ano de 2006 o MEC em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina promove o PROLIBRAS, que consiste em um exame nacional de certificação de proficiência na Libras. Existem duas modalidades: Exame Nacional para o uso e o ensino da Libras e o de Certificação de Proficiência na Traduação e Interpretação da Libras/Português/Libras. Com esta certificação os aprovados nas provas objetivas e práticas ficam habilitados para ensinar Libras na educação básica e no ensino superior, dependendo da categoria que escolheram no ato da inscrição. E os que optaram pela proficiência na tradução ficam habilitados para exercerem sua função de intérpretes onde se fizer necessário. 52 Os documentos citados neste texto estão disponíveis em www.mec.gov.br

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Há também instituições de ensino superior que estão ofertando cursos de

especialização lato-sensu de Libras e instituições credenciadas que disponibilizam cursos básicos e avançados para os interessados em aprender esta língua.

Em 2007, o MEC através da Secretaria de Educação Especial lançou o edital de Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial. Tendo como objetivo geral: Formar professores dos sistemas estaduais e municipais de ensino para o atendimento educacional especializado, por meio da constituição de uma rede nacional de instituições públicas de ensino superior, no âmbito da Universidade Aberta do Brasil - UAB, que ofertem cursos de formação continuada de professores na modalidade à distância, na área da educação especial, voltado para o desenvolvimento do ensino de Libras, Braille, Ajudas Técnicas/Tecnologia Assistiva, Atividades de Vida Diária, Orientação e Mobilidade, Soroban, Desenvolvimento de Altas Habilidades, Desenvolvimento Cognitivo, Estimulação Precoce, entre outras, contemplando a educação inclusiva.

Nesse contexto, a proposta será circunscrita no âmbito do Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), o qual terá por metas principais: a formação e consolidação de rede nacional de oferta de educação superior pública de qualidade, por meio da modalidade à distância, nos termos do Decreto Nº 5.800, de 08 de junho de 2006, visando ao desenvolvimento e superação de desequilíbrios regionais no Brasil. Segundo o edital o curso de formação continuada de professores para o atendimento educacional especializado deverá atender: nível de extensão ou pós-graduação, na modalidade à distância, ter carga horária mínima de 120 horas. As instituições de Ensino Superior poderão encaminhar propostas de cursos nas seguintes áreas de conhecimento: Deficiência Mental, Deficiência Sensorial, Deficiência Física, Altas Habilidades. As instituições públicas de ensino superior que forem selecionadas serão apoiadas financeiramente pelo Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Especial.

Segundo Oliveira, em março de 2009 através de edital foram enviadas ao MEC propostas para seleção das Instituições de Ensino Superior para oferecerem cursos de nível de pós-graduação latu-sensu de Atendimento Educacional Especializado na perspectiva da Educação Inclusiva, modalidade semi-presencial. Foram aprovadas as propostas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a da Faculdade de Filosofia e Ciências, (UNESP) de Marília. O curso será desenvolvido no período de 18 meses e está direcionado a professores da rede pública de ensino, em exercício nas salas multifuncionais, de todos os estados brasileiros. O curso será oferecido através da Plataforma Teleduc, contando com a Assessoria e contribuição do NEAD e da Pró-Reitoria de Pós-Graduação.

A Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em parceria com o a Secretaria de Educação Especial MEC lança o Programa de Apoio à Educação Especial (PROESP), tendo como objetivo a formação e a pesquisa na área da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. De acordo com o edital o PROESP tem fundamental importância para o desenvolvimento de tecnologias educacionais, a produção de conhecimento e a formação de professores vinculados aos programas de pós-graduação das instituições do ensino superior. As áreas temáticas que deverão ser contempladas são: Educação das pessoas com deficiência; Transtornos globais do desenvolvimento e Altas habilidades/superdotação. O intuito é promover as condições de acessibilidade pedagógica, e atender as necessidades específicas destes alunos. O PROESP é voltado para projetos de pesquisas e a formação de recursos humanos, no âmbito de pós-graduação stricto sensu, preferencialmente

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para professores que atuam no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Serão financiados quinze projetos no país, os selecionados poderão receber bolsa, desde que tenham sido aprovados por programas de pós-graduação stricto sensu recomendados pela CAPES, tenham afastamento integral para a realização do curso e sejam indicados pelo coordenador do projeto. Todas as universidades que desenvolvam linhas de pesquisa vinculadas aos Programas de Pós-Graduação recomendadas pela Capes em áreas de educação especial podem participar do PROESP. http://www.capes.gov.br/bolsa/programas-especiais/proesp

Embora a inclusão escolar seja um dos assuntos mais comentados no meio acadêmico, pesquisas relacionadas à temática ainda são escassas em nosso país. Marques et.al (2008) coordenaram um projeto de pesquisa intitulado “A pesquisa em educação especial no Brasil, no período de 2007 e 2009. Nesta pesquisa podemos constatar o quanto ainda são deficitárias pesquisas direcionadas a essa modalidade de ensino. Segundo os autores, foram analisados em 1991, por Ferreira, os catálogos da ANPED no período de 1981 a 1988, que continham os resumos das dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil. Identificaram-se, dos quase 1900 trabalhos, 99 envolvendo "alunos especiais", estando à maioria das pesquisas concentradas a partir de 1984 e vinculadas às áreas de Educação Especial dos Programas de Pós-Graduação da UFSCar e da UERJ. Citam uma pesquisa desenvolvida por Bueno (2004) em que o campo temático era um estudo sobre "alunos", mais especificamente os "alunos especiais". De acordo com os autores, na produção que consta do CD-ROM ANPED 99, foram encontradas 3.498 produções. Constatou-se a ausência absoluta de estudos sobre educação especial em Universidades com expressiva produção no campo temático "alunos", como na UFMG, na PUC-RIO e na UFES, além do fato de 17 universidades não terem produzido, no período, um único trabalho na área de educação especial. Na pesquisa desenvolvida por Marques et. al. (2008) foram analisadas dissertações/teses, sendo 15 teses e 56 dissertações de Educação; E foram encontradas duas teses e 12 dissertações voltados para Educação Especial.

A realidade apresentada pelos autores não é diferente em Sergipe. Na comemoração dos quinze anos do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFS, Cruz e Berger (2009) lançaram um livro de resumos das dissertações defendidas no período de 1995- 2008, onde se pôde constatar o seguinte. De 1995-1998 foram produzidas 31 dissertações e não foi encontrado nenhum estudo voltado para a educação especial. Entre 2000-2008 foram produzidas 136 dissertações, sendo 80 na linha de pesquisa Novas Tecnologias, Educação e Trabalho e 56 na linha de pesquisa História, Sociedade e Educação. Encontramos apenas dois trabalhos relacionados à educação especial: o primeiro de Rita de Cácia Santos Souza, “Educação Especial em Sergipe: uma trajetória de descaso, lutas, dores e conquistas” defendida em 2000 e publicada em livro no ano de 2005, pela UNIT e o de Verônica Reis Mariano, “Vivência de Inclusão”, ambos orientados pela professora doutora Ilka Dias Bichara. Em 2011 foram defendidos duas dissertações: “Acessibilidade no Ensino Superior” cuja autora é Flávia Augusta de Melo sob a orientação da professora doutora Maria Lúcia Aranha e “A Tecnologia Assistiva Digital na Alfabetização de Crianças Surdas” de autoria de Josilene Souza Lima Barbosa, sob a orientação do professor doutor Henrique Nou Schneider e coorientação da professora doutora Rita de Cácia Santos Souza.

A inclusão é uma realidade. Precisamos nos conscientizar de que não é o aluno que tem que se adaptar a escola, mas as instituições de ensino é que devem

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estar adaptadas para recebê-los; e a formação docente é um dos caminhos para que a educação possa ser de fato inclusiva.

Considerações finais A formação de professores deve ser entendida como um dos fatores para

que a educação inclusiva dê um salto qualitativo. Não adianta equipar as escolas, abrir vagas para alunos com deficiência, dispor de recursos tecnológicos, sem que se invista na formação de professores e sua devida fiscalização. Reconhecemos que o Ministério da Educação vem viabilizando recursos e cursos de aperfeiçoamento, porém, ainda são poucos os professores contemplados. Acontece também, que alguns dos professores cursistas não estão atuando diretamente na educação especial e acabam não aplicando ou multiplicando o conhecimento adquirido nos cursos dos quais participam.

Observamos que as pesquisas voltadas para área de educação especial precisam de mais incentivo, as universidades precisam entender que para formar educadores para atuar na diversidade, vai além do aporte teórico, necessita-se de parcerias entre os profissionais da educação básica. Teoricamente tudo é perfeito, pesquisas mostram que um número expressivo de professores recém-formados quando se deparam com a realidade no cotidiano escolar, abandonam a carreira.

Ser professor no Brasil nos séculos passados não consistia em tarefa fácil, não era qualquer pessoa que podia se candidatar era necessário ter boa formação, estudar nas escolas de preparação para o magistério, passar por concurso através de provas escritas e práticas, ter boa saúde e principalmente não ferir os costumes da época, enfim, ser uma pessoa “quase perfeita”. Hoje a realidade extremamente contrária, qualquer um pode ser professor. Com a proliferação de faculdades de pedagogia e demais licenciaturas por todo o país a qualidade na formação de professores está ficando comprometida. São ofertados cursos à distância, de curta duração, uma infinidade de possibilidades. Possibilidades estas, que embora atendam às exigências impostas pelas leis que regem o ensino brasileiro, quanto à formação dos professores em nível superior, acabam atraindo pessoas que não tem afinidade com a educação e vão cursar uma destas faculdades para ter direito a um diploma. E posteriormente prestar concursos na área, na maioria das vezes sem nenhuma vocação e comprometimento para com a educação. Desta forma acaba refletindo no processo do ensino aprendizagem dos alunos.

Contudo, sabemos que existem outros problemas que afetam a educação brasileira que não cabem elencar neste momento, pois o foco desta discussão é a formação docente para atuar na diversidade e poder proporcionar aos alunos uma educação com qualidade. É indiscutível, que muitos caminhos já foram trilhados, no entanto, ainda temos muito a percorrer no processo da educação inclusiva no Brasil.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CAMINHOS PARA A INCLUSÃO53

Thereza Cristina Bastos Costa de Oliveira54

Fabiana Rodrigues dos Santos55 Denise Bastos Costa56

Érica Cunha Figueiredo57

Introdução A formação docente voltada para o exercício de uma prática pedagógica

capaz de incluir todos os educandos respeitando todas as suas diferenças e oferecendo-lhes oportunidades de terem êxito no processo de aprendizagem, nas interações pessoais e consequente promoção escolar, deve ser uma das principais metas a ser alcançada pelas Universidades que objetivam formar professores. Isso porque a inclusão de alunos com Necessidades Educacionais Especiais (N.E.E.) no sistema regular de ensino é, na atualidade, uma das principais diretrizes das Políticas Públicas Educacionais tanto a nível federal, quanto estadual e municipal.

Segundo o documento Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica (BRASIL, 2008) a Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE), disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e de aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. Esse mesmo documento oficial recomenda que os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e os com altas habilidades/superdotação nas escolas comuns de ensino regular e ofertar o AEE, promovendo o acesso e as condições para uma educação de qualidade (BRASIL, 2008).

O Atendimento Educacional Especializado é realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais superiores, dos programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros (BRASIL, 2008).

O Decreto nº 7.611 de 17 de novembro de 2011 afirma que a Educação Especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com 53 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 54 Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Adjunto do Centro de Formação de Professores (CFP) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). 55 Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunto do CFP da UFRB. 56 Graduanda em Licenciatura em Filosofia pelo CFP da UFRB. 57 Graduanda em Licenciatura em Química pelo CFP da UFRB.

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deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. São denominados AEE o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente, prestado das seguintes formas:

complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais, ou

suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação.

A proposta de inclusão de alunos que apresentam N.E.E. em rede regular de ensino é uma convocatória: assinala o papel da Universidade frente às políticas públicas para a Educação Inclusiva. Demarca o seu compromisso para a formação inicial e continuada dos professores, uma vez que o professor tem um papel fundamental nesse processo. Cabe a este a responsabilidade direta pelos processos ensino/aprendizagem, pelo sucesso ou fracasso escolar do aluno e pela inclusão em classe.

Glat e Pletsch (2008) acenam para o fato que, em geral, os professores de ensino regular estão despreparados para lidar com alunos com significativos déficits cognitivos, psicomotores e/ou sensoriais na complexidade de uma classe regular.

Os professores especializados por sua vez trabalham em contextos muitos distintos das classes comuns e, em geral, não há um diálogo entre professores das classes regulares e professores do ensino especializado dificultando as trocas interativas entre os professores. Essas trocas podem se configurar como uma excelente oportunidade de construir e reconstruir o fazer pedagógico entre os professores.

Assim como as autoras acima mencionadas, Miranda (2009), uma outra pesquisadora, aborda a problemática da educação na perspectiva inclusiva. Esta autora desenvolveu pesquisas concernentes à temática em foco, no artigo Desafios da formação dos professores para a Educação Inclusiva: resultados de pesquisa. Ela destaca as principais dificuldades detectadas no âmbito da formação universitária: há falta de políticas efetivas para a formação docente inicial e formação continuada; os espaços físicos ofertados inadequados; para o ato pedagógico inclusivo há despreparo dos professores para a inclusão e o fato desses professores terem mais de um vínculo empregatício, não cria condições de participar da formação profissional.

Na atual conjuntura brasileira o debate acerca da inclusão ganha destaque, considerando-se que a inclusão de alunos que apresentam N.E.E. nas classes comuns de ensino, tal como está proposta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, torna-se irrevogável. O AEE deve ser realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola no turno inverso à classe comum, constituindo-se em oferta obrigatória mediante a atuação de educadores com conhecimentos específicos, conforme explicita o Decreto nº 7611 de 17 de novembro de 2011.

A interface entre a educação especial e a ensino comum constitui-se num desafio e aponta para a questão da formação docente que contemple um olhar inclusivo em sua práxis, apresentando para tanto alguns pontos que podem se constituir em dados de pesquisa: como está sendo realizada a formação docente para uma nova organização de escola? Como se dá a interação entre os pares: professor da classe comum e professor do AEE? Quais estratégias são utilizadas pelos professores para favorecer o processo de ensino e de aprendizagem dos alunos com N.E.E.?

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CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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A escola de ensino básico que realiza o AEE pode se caracterizar num espaço

de trabalho que possibilita o contato enquanto experiência direta, através de observações e Estudo de Caso sobre a prática da educação especial numa perspectiva inclusiva. Desta forma, professores e graduandos do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) submeteram o projeto de pesquisa intitulado: Formação de Professores: Caminhos para a inclusão – Edital PIBIC/PIBIC AF/UFRB/CNPq/FAPESB 2011/2012 e realizaram uma pesquisa em uma escola municipal na Região do Vale do Jiquiriça. Este projeto de pesquisa se propôs a oferecer feedback aos professores do AEE e do ensino comum, bem como à equipe gestora da escola sobre o Estudo de Caso realizado. Pretendeu-se com essa pesquisa contribuir para o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas no contexto da escola pesquisada. Tais práticas poderão colaborar para o acesso, permanência e promoção escolar dos alunos que apresentam N.E.E.

Objetivos - Investigar a prática docente no contexto da educação básica numa escola

da região do Vale do Jiquiriçá que oferece AEE verificando as estratégias de ensino, atividades e conteúdos desenvolvidos para o atendimento das N.E.E. de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação;

- Refletir sobre o paradigma da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva quanto à formação docente e atribuições do professor para o AEE;

- Verificar as interações estabelecidas entre os professores do ensino comum e do AEE;

- Acompanhar o trabalho do professor do AEE na sala de recursos multifuncionais verificando o espaço físico, mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos.

Metodologia Foi adotado como modalidade de pesquisa empírica o Estudo de Caso numa

escola pública municipal regular de ensino básico que contempla em seu Projeto Político Pedagógico a oferta do AEE em sala de recurso multifuncional. No processo de investigação foram utilizadas as seguintes técnicas de coletas de dados: observação, registro em diário de campo, entrevista semi-estruturada, aplicação de questionários a dez professores indagando sobre a formação inicial do professor para intervenção com alunos com N.E.E (Figura 1) e processo de formação continuada dos professores para atuar junto a alunos com N.E.E (figura 2) e a análise de documentos.

O trabalho foi desenvolvido através de acompanhamento do processo de inclusão de alunos com N.E.E. nas salas de recursos multifuncionais, nas salas comuns e nos espaços livres da escola. As observações foram feitas com registro nos diários de campo dos pesquisadores, realização de entrevistas semi-estruturadas e aplicação de questionários com os professores, diálogos e compartilhamentos dos dados levantados de maneira integrada com os professores, sujeitos envolvidos no processo da pesquisa, a fim de construir coletivamente as condições para oferecer as respostas educacionais compatíveis com as necessidades educacionais dos seus alunos. Foram realizados estudos sobre a temática Educação Inclusiva e o AEE; discussão sobre estratégias para a educação de alunos com N.E.E.;

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adaptações curriculares e avaliação; mapeamento da demanda da escola sobre processo avaliativo e promoção escolar dos alunos com N.E.E.; terminalidade específica (certificação de conclusão de escolaridade fundamentada em avaliação pedagógica com histórico escolar que apresente de forma descritiva as habilidades e competências atingidas pelos educandos com N.E.E); aspectos que precisam ser considerados para orientar a promoção ou retenção do aluno na série/etapa/ciclo (ou outros níveis) e discussão sobre novas alternativas educacionais tais como o encaminhamento para cursos de Jovens e Adultos e de Educação Profissional para Jovens com N.E.E.

Resultados A Política Inclusiva exige intensificação quantitativa e qualitativa na

formação continuada de professores e a garantia de recursos financeiros e serviços de apoio especializado para assegurar o desenvolvimento educacional dos alunos. No contexto observado foi identificada uma defasagem em relação ao atendimento destas prerrogativas. De acordo com os professores das salas de recursos multifuncionais e das salas comuns a inserção dos alunos com N.E.E ocorre sem que sejam asseguradas as condições mínimas necessárias. Para implementação de um modelo efetivamente inclusivo no espaço escolar estudado é fundamental uma ampla reorganização que possa atender os alunos com diferentes necessidades especiais.

Segundo o documento Parâmetros Curriculares Nacionais. Adaptações Curriculares. Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 1998) um projeto pedagógico que inclua os educandos com N.E.E. deverá seguir as mesmas diretrizes já traçadas pelo Conselho Nacional de Educação para a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, a educação profissional de nível técnico, a educação de jovens e adultos e a educação escolar indígena. Entretanto, esse projeto deverá atender a o principio da flexibilização, para que o acesso ao currículo seja adequado às condições dos discentes, respeitando seu caminhar próprio e favorecendo seu progresso escolar.

Torna-se prioritário que o Projeto Político Pedagógico seja reestruturado de maneira que contemple metas e objetivos voltados para a Educação Inclusiva, uma infraestrutura adequada, uma adequação do número de alunos por turma com e sem necessidades educacionais; utilização de estratégias mais dinâmicas que favoreçam a prática pedagógica; adequação série/idade; a utilização de critérios de avaliação que contemplem as diferentes N.E.E. e valorizem o potencial de cada criança e uma atenção para com a terminalidade especifica.

A formação continuada de professores para superar as lacunas existentes e para potencializar as mudanças necessárias ao processo de inclusão é fundamental, pois o convívio com as deficiências pode remeter a manifestação de aspectos subjetivos tais como insegurança, pena, medo, raiva e repulsa. A maioria dos professores percebe que tem poucas informações sobre as diferentes necessidades educacionais dos seus alunos o que pode contribuir para a discriminação e/ou exclusão dos mesmos como também, pode interferir no controle da disciplina na classe.

As figuras abaixo representam a formação inicial dos professores das classes regulares para intervenção com alunos com N.E.E. (Figura1) e o processo de formação continuada dos professores das salas de recursos multifuncionais para atuar junto a alunos com N.E.E. (Figura 2)

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86%

14%

Sim Não

Figura 1. Realização de disciplina(s) na formação inicial do professor que o preparasse para a intervenção com alunos com N.E.E.

S im

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Figura 2. Processo de formação continuada dos professores da sala de recurso multifuncional para atuar junto aos alunos com N.E.E.

Outro fator desfavorável à inclusão diz respeito às ações não integradas entre os professores das classes comuns e os professores das salas de recursos multifuncionais. Em relação à promoção dos alunos que apresentam N.E.E. o processo avaliativo representa um impasse posto que ainda não foram adotados critérios e/ou adaptações adequadas, fator recorrente tal qual é descrito na literatura.

É necessária à adoção de metodologias apropriadas para as diferentes N.E.E, organização dos espaços escolares, procedimentos didáticos compatíveis, intensificação das relações interpessoais, individuação do ensino e flexibilização curricular e modelos avaliativos mais adequados.

Um aspecto positivo observado diz respeito à atuação dos professores das salas de recursos multifuncionais em parceria com os professores das salas comuns. No atendimento aos alunos com surdez os professores faziam uso da Língua Brasileira de Sinais como língua de instrução e de comunicação, como também desenvolviam estratégias de ensino que favoreciam o ensino e a disseminação da Língua Brasileira de Sinais para alunos surdos e ouvintes e esse procedimento intensificava a interação entre os pares educativos surdos e ouvintes. Outras estratégias utilizadas diziam respeito à utilização de material concreto e utilização de etiquetas escritas em Língua Portuguesa associada à representação do objeto. Nos contextos interativos em Língua de Sinais havia uma intensa participação dos alunos surdos e o ambiente se caracterizava como propício para a aprendizagem e interação de todos os alunos.

Conclusões A partir dos resultados apresentados é possível afirmar que é um grande

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desafio lançado às Universidades frente à formação inicial e continuada dos professores de modo que estes profissionais possam criar alternativas para que um novo modelo de escola venha a ser construído atendendo as diferenças, sobretudo, a adoção de novas atitudes frente a diversidade humana.

Os professores precisam ser preparados para construírem estratégias de ensino e adaptação de atividades e conteúdos não só para os alunos considerados com N.E.E., mas para todos os integrantes de sua classe. Cabe a Universidade trabalhar em parceria com professores da educação básica inseridos na rede de ensino, estreitando laços e possibilitando maior êxito na formação, a fim de atender a demanda dos alunos que apresentam N.E.E.

A implementação das salas de recursos multifuncionais nas escolas da rede pública de ensino atende a proposição constante das Políticas Públicas Inclusivas de acesso aos serviços e recursos pedagógicos de oferecer aos alunos com N.E.E. o ensino complementar e/ou suplementar, entretanto, embora seja garantida a matrícula ainda não é assegurada de maneira geral aos alunos, público alvo da Educação Especial, às condições imprescindíveis para interação e promoção escolar. Inúmeras são as barreiras atitudinais, físicas e pedagógicas. Superar estes obstáculos não é tarefa fácil, pois eles são de natureza complexa, envolvem múltiplas dimensões e perspectivas. Fortalecer o diálogo entre a comunidade acadêmica e os diversos atores envolvidos no processo educacional observado pode se constituir numa possibilidade oferecida pela UFRB para ampliar o impacto do conhecimento científico sobre as N.E.E. e promoção escolar desses alunos, como também identificar as demandas e viabilizar a formação continuada dos professores.

A formação docente voltada para o exercício de uma prática pedagógica capaz de incluir todos os educandos, respeitando as suas diferenças e oferecendo-lhes oportunidades de terem êxito no processo de aprendizagem, nas interações pessoais e consequente promoção escolar requer do docente a informação, o empenho, o desenvolvimento de habilidades e as competências oriundas de experiências de bases teóricas e de inserção no campo empírico.

Para o ensino e aprendizagem sobre as diferentes N.E.E. implica a imersão do professor em contextos específicos e requer desses professores em formação o contato direto com a realidade das pessoas com N.E.E., a interação com professores já experientes que trabalhem com perspectivas da educação inclusiva e que estejam em processo de formação continuada. Como também, a interação com professores pesquisadores das Universidades que desenvolvam projetos de ação voltados para a temática em foco.

Esses professores pesquisadores poderão orientar os professores da educação básica na produção de pesquisas aplicadas a área da Educação Especial cujos resultados poderão vir a contribuir diretamente na transformação da realidade educacional.

O desenvolvimento de pesquisas no campo empírico poderá oferecer maiores possibilidades de acompanhamento ao professor do ensino básico sobre a trajetória do trabalho docente com alunos que tenham N.E.E. em termos longitudinais. O estudo longitudinal de grupos de alunos com N.E.E. permitirá ao professor pesquisador (professor da rede comum) realizar observações rigorosas, acompanhamentos de dados acerca de eventos ou mudanças que ocorrerão em períodos de tempo diferentes. Possibilitará também que o professor possa realizar planos de estudos sistemáticos e rigorosos, estabelecendo generalizações capazes

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de explicar de maneira cada vez mais complexa, os fenômenos observados de modo eminentemente critico, pois o contato com a população (alunos com N.E.E.) estará acessível uma vez que ocorrerá no âmbito da própria escola.

As pesquisas poderão abranger os aspectos referentes à aprendizagem dos alunos; estratégias didáticas e recursos pedagógicos utilizados pelos professores; adaptações curriculares e mediações.

Em relação aos alunos com N.E.E. poderão ser pesquisadas as interações entre os pares educativos e a metacognição para superação das dificuldades, além de outras pesquisas de conteúdo específicos relativos a cada realidade. Estas pesquisas permitirão a escrita de artigos, publicações, divulgação dos resultados baseadas no estudo de caso e disponibilizadas para a comunidade escolar e para a comunidade acadêmica universitária.

Nessa perspectiva, haverá o desenvolvimento e o empoderamento da comunidade escolar. O professor pesquisador investigará sua própria realidade, ensinando e sendo aprendiz da sua própria experiência. Desse modo, se engajará na sua realidade de maneira a compreender o seu papel social e a sua possibilidade de realizar mudanças em sua formação.

Estes Caminhos da Inclusão têm caráter de exequibilidade, uma vez que poderão orientar professores da educação básica na direção da pesquisa aplicada à área da Educação Especial, atendendo a uma prerrogativa das Diretrizes Operacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) que aborda no âmbito técnico-científico, a formação dos professores enfatizando a necessidade de que sejam oferecidas oportunidades de formação continuada, inclusive em nível de pós-graduação aos professores que já estejam exercendo o magistério.

O Documento Legal chama a atenção que cabe às Universidades, o desenvolvimento de estudos na busca de melhores recursos para auxiliar/ampliar a capacidade das pessoas com N.E.E., de se locomover e de participar de maneira cada vez mais autônoma no meio educacional, na vida produtiva e na vida social, dessa maneira exercendo plenamente a cidadania.

Sugere o desenvolvimento de estudos e de pesquisas sobre inovações na prática pedagógica e desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias no processo educativo. Enfatiza a importância das atividades de extensão junto às comunidades escolares para a o avanço das práticas inclusivas.

Como também, destaca a responsabilidade social da Universidade em democratizar a educação e repartir socialmente seus benefícios de forma a articular o saber pedagógico e inclusivo gerando a aproximação da comunidade interna (da escola) e externa (da Universidade).

Referências

BRASIL, Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e da outras providencias. Brasília. 2011.

BRASIL, Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o atendimento educacional especial na educação básica. Brasília. 2009.

BRASIL, Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília. 2008.

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FARRELL, Michael. Deficiências sensoriais e incapacidades físicas: Guia do professor. Porto Alegre: Artmed. 2008.

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GLAT, Rosana; PLETSCH, Márcia Denise. O Papel da Universidade Frente às Políticas Públicas para Educação Inclusiva. Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro. nº 29. Ano 10. p. 3-8. 2004

MACHADO, Rosângela. Educação Especial na Escola Inclusiva: Políticas, paradigmas e práticas. 1ª edição. São Paulo: Cortez. 2009.

MIRANDA, Theresinha Guimarães. Desafios da formação de professores para a educação inclusiva: resultados de pesquisas. Anais do V Seminário Nacional de Pesquisa em Educação Especial. São Paulo. 2009.

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OLIVEIRA, Thereza C.B.C de. Formação de Professores: Caminhos para a inclusão. Projeto de Pesquisa Edital PIBIC/PIBIC AF/UFRB/CNPq/FAPESB 2011/2012. Salvador. 2012

PACHECO, José. Caminhos para a inclusão: Um guia para o aprisionamento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed. 2007.

SAMPAIO, Cristiane T.; SAMPAIO, Sonia R. Educação inclusiva: O professor mediando para a vida. Salvador: EDUFBA. 2009.

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

A SURDOCEGUEIRA NAS SUAS DIMENSÕES CONCEITUAIS

Nelma de Cássia Silva Sandes Galvão58

Introdução Este artigo é decorrente de uma pesquisa de doutorado em educação

apresentada no PPGE/UFBA, que estudou a realidade escolar da pessoa com surdocegueira. O objetivo do trabalho contemplou o entendimento e discussão das diferentes formas de comunicação de alunos surdocegos, relacionando-as com o seu processo de inclusão em escolas regulares de Educação Básica, na cidade de Salvador-Bahia. Foi uma pesquisa qualitativa, desenvolvida a partir da investigação de quatro casos de alunos surdocegos incluído na rede regular de ensino, três estudantes do ensino fundamental II e um estudante do 1º ano do ensino médio. Foram envolvidas três escolas da rede pública e uma da rede particular, durante o ano de 2009.

Os resultados da pesquisa revelaram entre outros aspectos, uma situação de desconhecimento por parte da comunidade escolar sobre as necessidades do aluno com surdocegueira nos espaços escolares, analisados por esta pesquisa. Esta atitude desencadeia consequências para a pessoa: comprometimento da autonomia da pessoa surdocega, atraso na construção de sistemas de comunicação mais eficazes para o aluno surdocego e na aprendizagem efetiva, além de avanço acadêmico real; consequência para a comunidade escolar: impedimento para o desenvolvimento de um AEE eficaz que atenda de fato as necessidades do aluno; consequência para a sociedade como um todo que se vê diante da falta de consonância entre as políticas públicas no campo da educação, saúde e assistência social, representada pela ausência de gestão nas diversas instâncias (federais, estaduais e municipais) que contribuem para manter a invisibilidade e exclusão do aluno surdocego soteropolitano.

O acesso às informações sobre a surdocegueira foi um importante fator que contribuiu para esta situação de invisibilidade da pessoa surdocega, por isto este artigo pretende apresentar os principais aspectos conceituais da surdocegueira, resgatando desde a conceituação até as formas de comunicação da pessoa surdocega, visando aproximar o leitor da literatura especializada sobre a temática e assim ampliar as suas informações sobre as possibilidades e desafios do trabalho com o aluno 58 Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade federal da Bahia – PPGE/UFBA; Professora da UFBA

DIALOGANDO NOSDIVERSOS CONTEXTOS DA

INCLUSÃO

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surdocego. Espera-se cumprir assim uma das sugestões finais da pesquisa, que enfatizam a importância da divulgação atualizada e promenorizada sobre a realidade da pessoa com surdocegueira, a fim garantir uma maior visibilidade da realidade da pessoa surdocega, diminuindo o desconhecimento sobre a temática, e atuando em prol de uma inclusão escolar de qualidade para o aluno com surdocegueira.

Surdocegueira: o que é, como se apresenta, principais desafios e possibilidades comunicativas

Acompanhando a evolução dos conceitos sobre surdocegueira nas diversas culturas, no Brasil as publicações científicas da área optam por considerar a surdocegueira como uma deficiência única (BRASIL/MEC, 2002; CADER-NASCIMENTO, 2007; MAIA, 2004; MASINI, 2002).

Dentre as peculiaridades dessa condição sensorial está o comprometimento dos principais sentidos da percepção de distância, ocasionando alterações quanto à aquisição e desenvolvimento das habilidades relativas à locomoção e comunicação. Essas dificuldades irão depender, dentre outros aspectos, do grau de comprometimento da visão e da audição. Sendo a surdocegueira o resultado da superposição dessas duas perdas sensoriais, a auditiva e a visual, pode-se perceber que existem, então, diferentes tipos de surdocegos, desde aqueles que têm perda total visual e auditiva até aqueles que têm um bom resíduo visual e/ou um bom resíduo auditivo.

1. ETIOLOGIA DA SURDOCEGUEIRA A surdocegueira tem causas que podem ocorrer antes do nascimento,

identificadas por pré-natais, no momento do nascimento, ou perinatais, e após o nascimento, em diferentes momentos do ciclo de vida da pessoa, que são denominadas de causas pós-natais.

As causas pré-natais são decorrentes de infecções que podem acometer a criança ainda durante a sua gestação, ou de síndromes genéticas ou cromossômicas. Podem se manifestar ainda na primeira infância (de 0 a 6 anos), ou mais tardiamente. Quando as perdas ocorrem ainda na primeira infância, e antes da aquisição de uma língua, trata-se de surdocego pré-linguístico (REYES, 2004).

As infecções podem ser causadas por parasitas, bactérias ou vírus. Tendo no cotidiano graves problemas de saneamento básico e insuficiência de programas de prevenção à saúde e programas de vacinação, lugares como o Brasil estão bastante susceptíveis a essa realidade. Vírus como citomegalovírus, rubéola, parasitas como toxoplasma gondi, que causa a toxoplasmose, infecções por bactérias como a sífilis, ocorrendo durante a gravidez são extremamente agressivas para o feto, que está com o seu sistema nervoso ainda em formação.

Nesses casos específicos, excetuando a rubéola, exames realizados no pré-natal podem identificar a contaminação e atenuar as sequelas. No caso da rubéola, estudos de acompanhamento longitudinal com pacientes acometidos por essa patologia, ainda na fase gestacional, revelam que a criança ao nascer pode apresentar apenas uma das deficiências, normalmente a auditiva, e na adolescência manifestar a outra (visual).

Dentre as síndromes conhecidas relacionadas à surdocegueira, destacam-se: Turner, Didmoad (Wolfram), Cockayne, Goldenhar, Alstrom, Refsum, CHARGE, Usher, dentre outras. Em especial, serão tratadas neste trabalho as duas últimas citadas,

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

CHARGE e Usher, por se manifestarem mais frequentemente na população brasileira, sendo que a Síndrome de Usher é a etiologia de dois dos casos que foram estudados nesta pesquisa.

Na síndrome de CHARGE ocorre o desenvolvimento embriológico anormal na terceira e sétima semana de gravidez, levando à má formações de determinadas estruturas internas. Cada letra corresponde a uma dessas estruturas: “C” refere-se ao coloboma, que é a ausência da íris e da retina, duas estruturas anatômicas do globo ocular; “H” refere-se a heart, coração, em inglês, pois ocorrem defeitos em estruturas do coração; “A”, atresia coanal, é a obstrução das vias nasais; “R”, retardo no desenvolvimento; G, desenvolvimento anormal dos genitais; “E”, originário de ear, em inglês, refere-se a deformações do ouvido (REYES, 2004).

A síndrome de Usher afeta tanto a homens quanto a mulheres, e envolve alterações cromossômicas de caráter autossômico recessivo. Apesar de ser de origem pré-natal, pode manifestar-se tardiamente, dando origem a surdocegos pós-linguísticos. Existem três tipos de apresentação da síndrome: no Tipo I, bebês já nascem com deficiência auditiva profunda e a visual se manifesta na adolescência ou pré-adolescência; no Tipo II surge a surdez leve ou moderada ao nascer, enquanto a deficiência visual apresenta-se no final da adolescência; no Tipo III, bebês nascem sem manifestar problemas de visão ou audição, os quais vão aparecendo progressivamente.

As causas perinatais referem-se a complicações ocorridas no momento do parto: pré-maturidade, baixo peso no nascimento, insuficiência de oxigênio (anóxia), ocasionando lesões no sistema nervoso da criança, uso de substâncias medicamentosas que provocam disfunção posterior no desenvolvimento da audição (substâncias ototóxicas). No pesquisa originária deste artigo, dois dos alunos tinham como etiologia causas perinatais; uma é a atrofia óptica, a outra, a retinopatia da prematuridade.

Sobre a atrofia óptica, Néri, Uzeda e Moreira (2008) realizaram um estudo na cidade de Salvador-Bahia, em um centro de atendimento a crianças com alterações sensoriais, e identificaram que a atrofia óptica foi a etiologia mais diagnosticada entre os usuários do centro.

A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma patologia que pode acometer os bebês que nascem com peso abaixo de 1600 gramas e idade gestacional inferior a 36 semanas. Por tratar-se de um bebê com o sistema visual ainda imaturo, podem ocorrer alterações retinianas levando a deficiência visual e/ou alterações auditivas advindas do uso de medicações com grande poder toxológico para o aparelho auditivo (medicação ototóxica) (NÉRI; UZEDA; MOREIRA, 2008, p. 264).

Causas pós-natais referem-se a situações que podem ocorrer em qualquer momento após o nascimento da pessoa. A literatura especializada considera os casos onde o acontecimento ocorre logo após o nascimento ou em um período anterior ao desenvolvimento de uma língua, como circunscritos no grupo dos surdocegos congênitos. A compreensão é de que essas crianças irão funcionar como se tivessem nascido surdocegas. Os demais casos são considerados surdocegueira adquirida. As principais causas da surdocegueira pós-natal são: encefalites, meningites, diabetes, acidentes com traumas na região do ouvido e da visão, tumores, efeitos acumulativos do ambiente, como ruído e poluição, e perda de audição e da visão associada ao envelhecimento.

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2. CLASSIFICAÇÃO DA SURDOCEGUEIRA Reyes (2004), considerando o momento e ordem de aparição das

deficiências e o nível de funcionamento das pessoas surdocegas, propõe classificar essa população em quatro grupos:

Grupo I – Pessoas surdocegas congênitas: refere-se a pessoas que, por causas pré-natais ou perinatais, apresentam os dois canais perceptivos comprometidos logo ao nascer.

Grupo II – Pessoas surdocegas com deficiência auditiva congênita e uma perda de visão adquirida durante o transcurso da sua vida.

Grupo III – Pessoas surdocegas com uma deficiência visual congênita e uma perda auditiva adquirida durante o transcurso da vida.

Grupo IV – Pessoas nascidas sem deficiências visuais e auditivas e que sofrem uma perda de audição e de visão durante o seu transcurso de vida.

Reyes (2004) chama atenção para o fato de que um aspecto aparece com frequência em todos os grupos, que é a pessoa surdocega resistir ao aprendizado dos novos sistemas de comunicação enquanto tiver algum resíduo de um dos sentidos (visão ou audição). Por isso, é fundamental que os profissionais que apoiam a pessoa surdocega possam conhecer os diferentes sistemas de comunicação, de maneira a poder aplicar e incentivar o uso dos mesmos pelas pessoas surdocegas.

Ainda sobre a classificação da surdocegueira, pode-se resgatar as informações de Noguer (2004), que agrupa a população dos surdocegos a partir do “nível de funcionamento”: baixo, médio e alto.

Maia (2004), ao discorrer sobre esses três níveis, aponta para as possibilidades cognitivas das pessoas surdocegas, destacando que, mesmo no nível mais baixo de funcionamento, onde “[...] o comprometimento severo dos sentidos de distância interfere no impulso ou desejo para interagir e aprender sobre o ambiente” (MAIA, 2004, p. 9), a intervenção adequada pode garantir que a pessoa com surdocegueira possa conquistar autonomia para atividades básicas. A autora aponta ainda que, no nível de alto funcionamento, os avanços acadêmicos são resultados possíveis, afirmando que as pessoas com surdocegueira “[...] são capazes de levar uma vida e aprendizagem normal com as ajudas necessárias” (MAIA, 2004, p. 9).

Cuidando para evitar que a classificação possa fortalecer rótulos e estereótipos estigmatizantes das pessoas surdocegas, a ideia da classificação por grupos pode ajudar na efetivação de ações mais pontuais e eficazes que considerem o coletivo, sem ignorar a subjetividade de cada criança, jovem ou adulto que se encontra nas categorias acima citadas.

3. COMUNICAÇÃO DA PESSOA SURDOCEGA Na década de 60 do século XX, o estudioso holandês Van Dick (apud BRASIL,

2002) iniciou os estudos sobre o desenvolvimento e a comunicação da pessoa surdocega e produziu uma teoria conhecida como “abordagem co-ativa”. Os construtos da abordagem co-ativa afirmam que a ação motora e a manipulação dos objetos são fundamentais para a criança surdocega, como para qualquer outra criança. A diferença entre as duas situações consiste no fato de que, para vivenciar experiências concretas, a criança surdocega irá precisar de um tipo de apoio diferente do seu cuidador. Os contatos com as pessoas e com as coisas precisarão ser diretos,

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sequenciais e organizados. Para o mundo ter sentido, pontos de referência precisarão ser originados a fim de que os resíduos visuais e auditivos, caso existam, possam ser potencializados, transformando-se em importantes pistas acerca do ambiente e das suas interações.

Nessa construção, o autor enfatiza o movimento corporal como primeira forma de comunicação da criança surdocega com o mundo e essa linguagem primária servirá como lastro para o desenvolvimento de formas alternativas de comunicação. Van Dick (apud BRASIL, 2002) denomina de nutrição esse primeiro momento. É a etapa de construção do vínculo da criança com outra pessoa que não ela própria (CADER-NASCIMENTO, 2007; AMARAL, 2002).

Estabelecido o vínculo através da nutrição, Van Dick (apud BRASIL, 2002) propõe cinco passos a serem desenvolvidos por profissionais que trabalham com crianças surdocegas congênitas: ressonância, movimento co-ativo, referência não representativa, imitação e gesto natural. Esses passos vão evoluir do contato corpo a corpo (ressonância e movimento co-ativo) para objetos e gestos que representem e antecipem as ações no mundo, como pegar um copo ou fazer o gesto de beber água antes de realizar a ação (referência não representativa e imitação), até chegar ao momento em que a criança surdocega poderá criar seus próprios gestos naturais. Esses gestos vão definir a sua forma de comunicação.

No caso da pessoa surdocega congênita, a presença de um interlocutor competente e exímio observador que possa descobrir o sentido das ações iniciadas pela criança, oferecendo em contrapartida uma resposta de fácil percepção, é o ponto principal para o início de uma comunicação. Essa partilha de significados entre a criança e seu mediador permitirá o desenvolvimento da criança surdocega. A negociação de significados resultará na aquisição de uma forma de linguagem.

À medida que a pessoa surdocega congênita for ampliando a sua comunicação, organizando-a em uma linguagem que possa ser entendida por seus interlocutores, os programas educativos podem ir agregando cada vez mais conteúdos, aproximando-os dos habituais.

Diferentemente da pessoa surdocega congênita que precisa iniciar um processo de comunicação, a pessoa com surdocegueira adquirida, quando já tem uma linguagem desenvolvida, vai precisar aceitar a nova situação e buscar formas alternativas de comunicação. Para essas pessoas, Viñas (2004) considera que o espaço educacional tem um sentido muito particular de capacitar para uma nova vida. A pessoa terá que aprender a utilizar outros sentidos, a perceber e comunicar-se a partir de uma nova lógica.

4. FORMAS DE COMUNICAÇÃO DE PESSOA SURDOCEGA Os sistemas de comunicação da pessoa surdocega podem ser organizados

em: alfabético e não alfabético, sistema baseado em códigos orais, sistema baseado em códigos de escrita (BRASIL, 2002; DORADO, 2004), detalhados a seguir.

4.1 Sistemas alfabéticos Os sistemas alfabéticos podem ser utilizados tanto como sistema de apoio

quanto através da forma habitual de comunicação. É preciso, nestes casos, que a pessoa surdocega conheça a estrutura da língua oral. Esses sistemas são variáveis e, segundo Dorado (2004), podem se agrupar conforme especificado nas subseções a seguir.

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- Configurações da mão: cada letra do alfabeto tem uma forma específica e

pode ser feita no ar ou ter como suporte a mão da pessoa surdocega. Alfabeto dactilógico - também chamado de alfabeto digital ou alfabeto da

Língua de Sinais, é digitado na mão da pessoa surdocega, que pela articulação ou posição dos dedos percebe o sinal que está sendo formado e decodifica a letra.Nos casos que o surdocego tenha resíduo visual, o alfabeto dactilógico pode ser realizado no ar, considerando o campo visual da pessoa surdocega e a distância adequada. Caso não tenha resíduo visual, pode ser realizado na mão do surdocego.

- Traçado de letras: a mensagem é transmitida na palma da mão da pessoa surdocega, a partir da representação de cada letra do alfabeto. O interlocutor pode escrever com seu próprio dedo na mão do surdocego, ou usar o dedo da própria pessoa surdocega para desenhar as letras na palma da mão, ou escrever com o dedo a letra no ar, ou ainda escrever com o dedo em uma superfície.

-Traçado de símbolos:cada letra é um símbolo, uma linha, um ponto, um toque em determinada parte da mão. Estes símbolos são realizados sobre vários pontos diferentes da mão da pessoa surdocega.

Alfabeto Lorm – é utilizado na Alemanha e na Bélgica. A pessoa surdocega apresenta a sua mão em posição vertical com os dedos voltados para cima e separados entre si, e o interlocutor deve tocar com a ponta do próprio dedo em locais pré-determinados.

-Toque com os dedos em um ponto da mão: cada letra corresponde a um ligeiro toque do interlocutor sobre a mão da pessoa surdocega: a ponta dos dedos, a palma, as falanges. A mão do surdocego pode assumir diferentes posições.

Braille manual – sistema de leitura e escrita utilizado pela pessoa cega. O sistema braille permite que possam ser escritos letras, números, sinais de pontuação e outros símbolos da língua escrita, todos transformados em sinais tácteis.No caso de precisar adaptar o braille para a pessoa surdocega, o mesmo poderá ser digitado nos dedos indicador e médio da pessoa surdocega, e funcionarão como a cela braille, sendo cada falange o lugar da marcação do ponto. Outra forma de realizar o braille manual é utilizar as duas mãos da pessoa surdocega, três dedos de cada lado como se fossem o teclado da máquina braille.

Malosi – Cada uma das letras do alfabeto corresponde a um ponto dos dedos da mão da pessoa surdocega. Pequenos toques marcam esses pontos.

Morse – O interlocutor dá um toque sobre a mão do receptor com a ponta do seu dedo indicador, representando assim um ponto do Código Morse.

4.2 Sistemas não alfabéticos A pessoa surdocega pode usar o canal táctil ou visual para receber as

informações, neste caso não mais letra por letra da palavra, mas uma palavra inteira, ou um signo ou uma ideia. Aparentemente, é uma forma mais rápida de receber as mensagens.

-Língua de sinais naturais:é normalmente utilizado por surdocegos congênitos. Os sinais são organizados de acordo com a função que o objeto apresenta; ou podem ser feitos movimentos corporais que representem uma ideia ou ação.

-Língua de Sinais: tem como característica utilizar as mãos, os braços, o tronco e o rosto para produzir sinais padronizados em uma determinada língua ( ex: Língua Brasileira de Sinais, no Brasil, nos Estados Unidos, temos a Língua de Sinais

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Americana e etc...) que são percebidos pela visão do interlocutor. No caso das pessoas surdocegas, a posição dos sinais precisará sofrer algumas alterações, a depender da sua condição visual. O sinal poderá ser feito em posição mais lateral (à direita ou à esquerda da pessoa, no lado em que a pessoa surdocega tiver melhor resíduo visual), ou mais central, se ocorre mais próximo ao seu campo visual, ou ainda no próprio corpo, denominado no Brasil de Libras Táctil (geralmente na palma da mão).

4.3 Sistemas baseados na língua oral Estes sistemas, para receber a língua na modalidade oral, podem fazer uso

de diferentes canais perceptivos: tácteis, auditivos e visuais. -Usando o canal auditivo: esta forma de comunicação consiste em buscar

estratégias para potencializar o resíduo auditivo: procurar identificar qual o melhor ouvido; identificar uma distância ideal para estabelecer a comunicação; modular o volume da voz; modular a velocidade da voz; articular as palavras de forma mais clara; procurar um ambiente silencioso. Os alunos inseridos neste processo normalmente fazem uso da prótese auditiva.

-Usando o canal visual: nestes casos acontece a potencialização da leitura labial. Através do uso dos resíduos visuais, a pessoa surdocega pode realizar a leitura da fala, reconhecendo as palavras pela articulação das mesmas. É preciso considerar a distância ideal, a velocidade, a qualidade da articulação e a iluminação do ambiente.

-Usando o canal táctil: através da somestesia, a pessoa surdocega vai perceber a articulação das palavras. Chama-se Tadoma esta forma de comunicação que consiste na percepção da linguagem oral pela vibração e articulação das palavras. É realizada pela mão do surdocego junto ao aparelho fonoarticulatório do falante. A pessoa surdocega, através da percepção táctil, pode sentir a vibração no rosto de quem está falando, no momento em que a pessoa está falando. Normalmente, acontece com surdocegos pós-linguísticos.

4.4 Sistema de uso da escrita Neste sistema a escrita é a forma que o surdocego utiliza para receber e

transmitir a mensagem. Inclui a forma de escrita e leitura em Braille. Será o resíduo visual da pessoa que vai direcionar a escolha para o sistema impresso ou em braille.

- Escrita ampliada: refere-se à ampliação do tamanho de fonte de leitura, preferencialmente utilizando-se letra maiúscula. É importante escolher cor e espessura do traço que mais se adapte à condição visual da pessoa, considerando a situação de melhor contraste visual.

Além desses sistemas, na atualidade a pessoa surdocega pode contar com recursos de apoio para sua comunicação escrita, como:

Tablitas – prancha com letras e número em relevo ou braille. A pessoa surdocega desloca a mão pela tablita para enviar e receber uma mensagem.

Tarjetas – são pequenas frases com mensagens específicas que podem ajudar a pessoa surdocega diante de uma situação mais emergencial.

Desenhos – figuras ou imagens que representam situações concretas do cotidiano e podem facilitar a comunicação de pessoas surdocegas que não dominam um sistema de comunicação completo.

Dorado (2004) cita mais dois sistemas:

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Dactyls – que trata da junção do sistema alfabético dactológico táctil com

elementos da LIBRAS e é realizado na palma da mão da pessoa surdocega. Bimodal – quando se dá o emprego da língua oral acompanhado pela Libras. Finalizando a descrição aqui apresentada sobre os sistemas de comunicação

da pessoa surdocega, é importante resgatar o conceito de Tecnologia Assistiva: Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (CAT, 2007, p./n.id.).

O texto revela tratar-se de uma gama de possibilidades criadas para apoiar a pessoa com deficiência, desde simples artefatos até metodologias, estratégias e outros. Nesta lógica, as diversas formas de comunicação discutidas anteriormente constituem-se exemplos de Tecnologia Assistiva. Na área da Informação e Comunicação, os avanços da Tecnologia Assistiva têm papel fundamental para a inclusão escolar. Conforme Galvão Filho (2009, p. 22), “[...] na área educacional a Tecnologia Assistiva vem se tornando, cada vez mais, uma ponte para abertura de novo horizonte nos processos de aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiências até bastante severas”.

Essa realidade dos avanços tecnológicos tem significado, para os alunos surdocegos, a oportunidade de potencializar os seus resíduos visuais e auditivos e/ou facilitar o uso de sistemas de comunicação específicos, como o Braille e a Libras, através de recursos mais eficazes.

Noguer e Rey (2004) discutem diferentes propostas de ajuda tecnológica e organizam-nas pelo tipo de acesso à comunicação que a pessoa surdocega vai fazer uso: se via táctil, através, por exemplo, do Braille ou da vibração; se via visual, através da ampliação de letras, maior contraste, distância, luminosidade; se via auditiva, através das vozes, dos sons telefônicos, dos avisos sonoros.

Casos podem ser trazidos para melhor compreensão. Um surdocego que tenha acesso ao mundo via vozes pode se beneficiar do MIC 30, um microfone que se conecta à prótese auditiva, ampliando o som externo. Ou do Microlink, que é um receptor ligado à prótese auditiva do surdocego, conectado a um microfone emissor de FM no qual se fala (um professor, por exemplo). Esse instrumento reduz os ruídos externos e potencializa a comunicação, em casos de aparelho de amplificação sonora, melhorando a condição auditiva do aluno no ambiente escolar, normalmente um ambiente ruidoso.

Um surdocego que não tendo resíduo visual usa bem o seu resíduo auditivo, pode, através de um software com um sintetizador de voz59, ouvir a leitura dos dados escritos no computador, tendo acesso de forma mais rápida às informações escritas via internet, ou mesmo ler um texto digitalizado referente aos conteúdos escolares.

Tratando-se de um surdocego que tenha resíduo visual e possa acessar um computador, existem software60 de ampliação e magnificação de caracteres, além de recursos do próprio sistema operacional do computador que, ampliando a fonte, 59 Leitores de Tela: Jaws, Virtual Vison, Orca, etc. 60 Ampliadores: Magic, Zoom Text, etc.

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modifica o contraste, ajudando a ter acesso ao sistema de leitura e escrita na forma impressa de modo mais confortável.

Além dessas possibilidades, várias outras podem ser pensadas a partir dos textos de Noguer e Rey (2004). Todavia, para que as pessoas surdocegas possam ter acesso a todas estas tecnologias, pela importância que elas representam para a pessoa surdocega, é preciso que as informações sejam socializadas, o acesso garantido e a comunicação e as informações entendidas.

Sendo assim, o trabalho educacional com a criança surdocega precisa considerar: em que momento do desenvolvimento as perdas aconteceram; o grau de comprometimento de cada perda;o acesso da criança ao atendimento especializado e o uso funcional da tecnologia assistiva mais adequada à sua condição perceptiva particular.

O processo de identificação, a ajuda na escolha e o estímulo ao uso da tecnologia assistiva, no caso das pessoas surdocegas, precisarão do apoio de profissionais específicos que entendam sobre as formas de comunicação da pessoa surdocega. Esses profissionais da literatura específica são denominados guia-interprete ou instrutor-mediador. Esses profissionais precisarão, além de conhecer e dominar uma série de conhecimentos – que englobam desde a concepção atualizada acerca da surdocegueira até as diferentes formas de comunicação da pessoa surdocega – sistematizar a sua prática, delimitando o campo de ação de um e de outro e realçando as diferenças fundamentais entre eles.

Conclusão Para a pessoa surdocega a construção de uma comunicação eficaz é um

importante facilitador, seja do acesso como da garantia da sua permanência no espaço escolar.

Na construção das formas de comunicação pela pessoa surdocega, é fundamental considerar, portanto, o fato de que a escolha sobre o tipo de comunicação que melhor se adapte a cada caso deve ser de responsabilidade da própria pessoa surdocega. Quando se tratar de crianças surdocegas muito pequenas, é importante que os familiares e especialistas tenham cuidados redobrados, e estejam bem atentos aos detalhes que possam trazer indicadores quanto às formas de comunicação que a criança mais se identifica. Ela é quem sabe o que é mais adequado à sua realidade específica, a estratégia que mais gosta de usar. Portanto, não é o profissional especializado ou a família quem escolhe a forma de comunicação, mas a própria pessoa surdocega é quem irá indicar o seu caminho perceptivo para estabelecer a comunicação com o mundo.

Portanto, para estimular a comunicação da pessoa surdocega no espaço escolar, é fundamental respeitar a sua singularidade, inclusive criando um ambiente coletivo de acolhimento. A comunicação pressupõe interação e linguagem, ações intencionais que envolvem a interlocução. Sendo assim, não basta que a pessoa surdocega domine o seu sistema de comunicação. É fundamental que na escola as outras pessoas também possam entender como essa pessoa surdocega se comunica, criando um canal bidirecional, uma comunicação de fato.

Referências AMARAL, I. A educação de estudantes portadores de surdocegeuira. In: MASINI, E. F. S. Do sentido, pelos sentidos, para o sentido. Niterói: Intertexto, 2002. p. 121-144.

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BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Estratégias e orientações pedagógicas para a educação de crianças com necessidades educacionais especiais: dificuldade de comunicação e sinalização: surdocegueira e múltipla deficiência sensorial. Brasília/ MEC/SEESP, 2002

CAT - COMITÊ DE AJUDAS TÉCNICAS,Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (CORDE/SEDH/PR), Ata da Reunião VII, Brasília, 2007. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/corde/arquivos/doc/Ata_VII_Reunião_do_Comite_de_Ajudas_Técnicas.doc> Acesso em 05 jan. 2008.

CADER-NASCIMENTO, F. A. A. A.; COSTA, M. P. R. Descobrindo a surdocegueira: educação e comunicação. São Carlos: Edufscar, 2007.

DORADO G. M. Sistemas de comunicación de personas sordociegas. In: REYES D. A. La sordoceguera: um análisis multidisciplinar. Madrid: ONCE, 2004. p. 193 -252.

GALVÃO FILHO, T. A. A Tecnologia Assistiva: de que se trata? In: MACHADO, G. J. C.; SOBRAL, M. N. (Orgs.). Conexões: educação, comunicação, inclusão e interculturalidade. 1 ed. Porto Alegre: Redes Editora, 2009. p. 207-235.

MAIA, S. R. A Educação do Surdocego: Diretrizes básicas para pessoas não especializadas. 2004. 93fls. Dissertação (Mestrado em Distúrbio do Desenvolvimento) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2004.

MASINI, E. F. S. Do sentido, pelos sentidos, para o sentido. Niterói: Intertexto, 2002.

NERI, M. F. B.; UZEDA, S. Q.; MOREIRA, L. M. A. Estudo de alterações oculares em crianças com deficiência visual assistidas no Centro de Intervenção Precoce do Instituto de Cegos da Bahia. In: Revista de Ciências Médicas e Biológicas, Salvador, n. 3. Universidade Federal da Bahia e Instituto de Ciências da Saúde, set.-dez. 2008. Vol. 7, p. 261-265.

NOGUER, B. A.; REY, E. R. Ayudas técnicas para personas com sordoceguera. In: REYES, D. A. La sordoceguera: um análisis multidisciplinar. Madrid: ONCE, 2004. p. 459-534.

REYES, D. A. La sordoceguera: uma discapacidad singular. In: REYES D. A. La sordoceguera: um análisis multidisciplinar. Madrid: ONCE, 2004. p. 135-159.

VINÃS P. G. La educación de las personas sordociegas. Diferencias y proceso de mediación. In: REYES D. A. La sordoceguera: um análisis multidisciplinar. Madrid: ONCE, 2004.

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A FAMÍLIA: AGINDO E INTERAGINDO COM O DEFICIENTE INTELECTUAL NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM.

Solange Ornellas61 Telma Cristina Honorato Santos62

Alzira de Castro Gomes3

Introdução A presença e a participação da instituição família no desenvolvimento

cognitivo da criança, em especial da criança com necessidades educacionais especiais, são imprescindíveis. Muito tem sido discutido sobre a necessidade da parceria entre família e escola neste processo, uma vez que esta interação proporcionará a co-responsabilidade de todos os envolvidos.

As mudanças históricas, sociais e econômicas levaram a uma nova formatação no círculo familiar. Anteriormente fora socialmente delegada à mãe a responsabilidade pelo acompanhamento escolar do filho, enquanto o pai saia para trabalhar, visando o sustento material da família. As demandas, em especial no aspecto econômico, fizeram com que tanto o pai como a mãe fossem em busca do sustento da família, dessa forma o tempo que antes a mãe dedicava ao acompanhamento do desenvolvimento escolar dos filhos, ficou escasso. A quem foi delegada tal responsabilidade?

A escola tem sentido o resultado dessas mudanças, uma vez que a ela foram transmitidas atribuições que dizem respeito especialmente à família, além da responsabilidade que lhe cabe que é o desenvolvimento da aprendizagem sistemática dos alunos. Nota-se que sozinha a instituição escolar não contemplará o desenvolvimento do aluno em todas as dimensões (cognitiva, afetiva, social e biológica) necessárias para a formação do sujeito como ser ativo e atuante socialmente. O que dizer do preparo da mesma para o desenvolvimento do trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais?

Sabe-se que a chegada de um membro na família gera uma série de mudanças e adaptações no seio familiar, e a chegada de uma criança com deficiência? Assim, após o momento do luto, do susto, de todos os sentimentos que afloram durante o recebimento da notícia de que o filho é deficiente, as famílias costumam procurar orientações com profissionais, tais como: pediatra, neurologista, psicólogo, 1 Pós-graduanda em Educação Especial – Deficiência Intelectual (UNEB). Graduada em Letras Vernáculas (UFBA). Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura (IBPEX). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Faculdade São Bento da Bahia). Professora da Rede Estadual de Ensino - CEEBA. E-mail: [email protected] 2 Pós-graduanda em Educação Especial – Deficiência Intelectual (UNEB). Graduada em Letras (FESPI), Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Faculdade São Bento da Bahia). Professora da Rede Estadual de Ensino – CEEBA. Email: [email protected] 3 Psicomotricista (SBP/RJ), docente no curso de Educação Especial – Deficiência Intelectual/Mental do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduc/UNEB). E-mail: [email protected].

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psiquiatra, professores e outros. As dúvidas são relativas à deficiência, o que é, como cuidar, quais as perspectivas para o desenvolvimento do filho em todos os aspectos.

O que tem sido observado nas famílias cujos filhos são deficientes intelectuais é que além das orientações recebidas por profissionais, elas aprendem também sobre a deficiência e formas práticas de como cuidar dos seus filhos a partir da interação estabelecida no dia a dia. As descobertas estão voltadas aos aspectos alimentares, aos cuidados pessoais, ao progresso no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo. A partir das constatações feitas nesta interação, as famílias passam a descobrir nos seus filhos as potencialidades, as habilidades e as disposições para a aprendizagem, seja esta sistemática (escolar) ou assistemática (fora da escola).

Percebe-se que é na interação entre a família e o deficiente intelectual que as primeiras aprendizagens do sujeito ocorrem. Assim, as famílias são consideradas os primeiros “professores”, “ensinantes” de seus filhos, desenvolvendo, dessa forma, estratégias e mecanismos para mediação da aprendizagem dos mesmos, estratégias estas baseadas principalmente na prática e na vivência. Isto fortalece a importância da família no processo de ensino e aprendizagem desenvolvido com os alunos nas instituições de ensino, em especial aqueles que possuem necessidades educacionais especiais.

Sabe-se que existem leis que asseguram ao sujeito com necessidades educacionais especiais acesso e permanência tanto nas instituições que oferecem ensino regular como nas de atendimento educacional especializado, garantindo, desta forma, aprendizagem significativa, sistemática e necessária para o seu desenvolvimento enquanto sujeito, entretanto, as famílias encontram-se despreparadas para administrar o desconhecimento em relação aos direitos que lhes são garantidos legalmente.

Assim, este artigo objetiva apresentar dados e reflexões acerca da implicação da instituição família no processo de aprendizagem do aluno com deficiência intelectual, mostrando até que ponto a família tem consciência do potencial de seu filho e de que forma pode interagir, com a escola, visando estabelecer parceria neste processo. Será apresentada fundamentação teórica acerca da concepção de aprendizagem, deficiência e da importância de ação e interação da família no desenvolvimento cognitivo e sistemático de seus filhos, além da apresentação de dados e análise da pesquisa realizada. Os dados apresentados foram coletados a partir da pesquisa-ação, realizada com famílias de alunos de um Centro Especializado em deficiência intelectual de Salvador.

A família e a aprendizagem do deficiente intelectual Quando o sujeito nasce encontra-se inserido num contexto familiar

responsável pelos cuidados físico, psicológico, emocional, moral e cultural. A partir do contato humano o sujeito supre as suas necessidades e inicia o processo de construção dos seus esquemas perceptuais, motores, cognitivos, linguísticos e afetivos.

Considera-se aqui família a instituição em que os seus elementos poderão ser biológicos ou não e que exercem funções independentemente de serem pais, mães, avós ou tios. É no espaço familiar que ocorrem as relações responsáveis pelo desenvolvimento dos sentimentos, emoções, valores, limites e normas que moldarão o comportamento e a personalidade do indivíduo.

A aprendizagem do sujeito com deficiência intelectual terá sua matriz a partir das experiências vivenciadas no seio familiar, por isso a inserção no mundo de

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forma eficiente e eficaz dependerá do meio familiar em que o sujeito participa e de como é trabalhado o estímulo, o apoio, a confiança e a crença no deficiente intelectual para que avance no seu processo de aprendizagem. Conforme Voivodic “Os primeiros anos de vida de uma criança constituem um período crítico em seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo, e o papel que a família desempenha nesse período é de fundamental importância”. (2008, p. 48)

A aprendizagem é um processo que é construído a partir da interação entre o sujeito, o objeto do conhecimento e o mediador e este poderá ser desempenhado pelos familiares que são conscientes das suas funções que exercem no seio familiar. Segundo Melero (apud Voivodic, 2008, p. 43), “a inteligência não se define, se constrói”, portanto tanto o comportamento quanto o desenvolvimento da inteligência não dependem exclusivamente da genética, mas também do meio em que vive o sujeito com deficiência intelectual.

Muitas das dificuldades relacionadas à aprendizagem do deficiente intelectual escondem problemas existenciais, ou seja, de outra ordem. Alguns tropeços na aprendizagem refletem a ausência da família e/ou a sua presença em demasia, sem que essa dê espaço ao sujeito para que construa a sua identidade, o seu significante, e se constitua, portanto, num ser estruturado consciente dos seus desejos e de suas aprendizagens.

O olhar e a escuta dos que interagem com o deficiente intelectual, seja a família, seja o profissional especializado, deve ser como um todo, ou seja, não o olhar apenas para as partes, suas limitações e impossibilidades, mas sim para as suas potencialidades, e isso diz respeito a como o sujeito aprende e essa aprendizagem não está relacionada apenas ao ambiente escolar, mas sim à aprendizagem fora dos muros da instituição.

Para Vygotsky (1988), a aprendizagem supõe um caráter social determinado e um processo pelo qual as crianças se introduzem, ao desenvolver-se, na vida intelectual daqueles que a rodeiam. Desta maneira, a compreensão e a aquisição da linguagem e dos conceitos, por parte da criança, realizam-se pelo encontro com o mundo físico e, sobretudo pela interação entre as pessoas de seu círculo social. A aquisição da cultura, com sentido e significação, supõe uma forma de socialização.

O processo de aprendizagem envolve etapas que vão desde a observação, comparação, classificação até a dedução ou inferência por parte daquele que está em fase de construção do seu conhecimento. Essas atividades mentais ampliam o campo cognitivo do aprendente, pois promovem a metacognição, ou seja, o pensar sobre o próprio pensamento.

Partindo do conhecimento da ZDP, Zona de Desenvolvimento Proximal, quando Vygotsky afirma:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2008, p.97, grifo do autor).

Percebe-se que a aprendizagem ocorre quando os conhecimentos prévios do aluno e suas potencialidades (desenvolvimento real) são estimulados por meio de mediações intencionais, graduais e cooperativas (desenvolvimento potencial) e que tem como objetivo a aprendizagem do educando num contexto socialmente construído (ZDP).

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A aprendizagem não só objetiva a criança ou adolescente, mas também o

adulto e profissionais na integração e reintegração grupal. Segundo Pichon-Rivière (1982) a aprendizagem é uma apropriação instrumental da realidade para transformar-se e transformá-la. Essa apropriação possibilita uma intervenção que gera mudanças em si, e no contexto que se dá. Caracteriza-se também, por ser uma adaptação ativa, constante na realidade. Implica, portanto, em estruturação, desestruturação e reestruturação. Isso gera tensão a qual necessita não apenas ser descarregada, mas revitalizada, renovada, enriquecida.

Um destaque apresentado nesta reflexão é o processo de aprendizagem nas pessoas com deficiência intelectual e a implicação da família neste processo. O que tem se evidenciado é que a deficiência intelectual é considerada como uma diferença significativa, desafiadora, uma vez que chama a atenção para uma ordem social culturalmente estabelecida, da supervalorização da intelectualidade. Nas escolas é dado destaque ao aluno que apresenta melhor rendimento quantitativo, àquele considerado “comportado”. Assim, as relações estabelecidas com o deficiente são tensas, marcadas por atitudes preconceituosas e estereótipos que permearão todo o processo de inserção social dessas pessoas.

Os currículos das escolas não contemplam a diversidade dos alunos, levando em conta a potencialidade de cada um. Ainda são utilizadas metodologias que contemplam única e exclusivamente o conteúdo formal, sem funcionalidade para a vida prática dos alunos. O que predomina é um descrédito compartilhado em relação à competência educacional e profissional das pessoas com deficiência intelectual, tanto por parte das famílias, como da sociedade. Segundo Pimentel (2008, p. 116)

Numa sociedade pautada pelo processo de diferenciação, o diferente é tido como o problema, o doente, o que não-aprende, o sem limites e, na escola, são chamados de alunos-problema etc. Essas rotulações que demarcam as diferenças emergem não somente no contexto familiar, mas também no contexto institucional.

O direito de as crianças com deficiência freqüentarem a escola junto às demais é indiscutível, entretanto, a maneira com que o direito é validado tem causado inúmeras controvérsias entre educadores e pesquisadores, uma vez que o processo inclusivo com total despreparo e falta de sensibilização prévia dos profissionais tendem a causar transtornos a toda comunidade escolar.

“O outro diferente funciona como depositário de todos os males, como o portador das falhas sociais. Esse tipo de pensamento supõe que a pobreza é do pobre; a violência é do violento; o problema de aprendizagem, do aluno; a deficiência, do deficiente; e a exclusão, do excluído” (Duschatzky; Skliar, 2001, p. 124).

Assim, com base nesta afirmação percebe-se a necessidade, além de legislação específica que assegure os direitos do deficiente, a efetivação do que está legalmente instituído, por meio de políticas púbicas possíveis de serem viabilizadas; profissionais preparados e adequadamente remunerados, além de um atendimento assistencial às famílias dos portadores de necessidades especiais, acima de tudo a conscientização de que a deficiência é uma condição da pessoa e não a pessoa em si.

Naturalmente, não se podem desconsiderar os avanços significativos ocorridos no decorrer dos anos, no que diz respeito ao reconhecimento da capacidade que a pessoa com deficiência intelectual possui para aprender. No final do século XV, quando houve a revolução burguesa e, com ela, uma mudança na concepção de homem e de sociedade, ocorreu também mudança na percepção de deficiência. Esta

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passou a ter uma conotação mais direta com o sistema econômico que se propunha, dessa forma, a deficiência passa a ser considerada propriedade dos indivíduos que não correspondiam aos anseios econômicos do país. Apenas no século XX observou-se uma atitude de responsabilidade pública diante das necessidades do deficiente.

No Brasil, o déficit intelectual por muito tempo foi explicado pela tendência médica, que focalizava a incapacidade, lesões, impedimentos e inadaptações. No entanto, com o avanço do campo das neurociências associado aos estudos da psicologia do desenvolvimento e a teóricos como Piaget, Vygotsky e Feuerstein, a deficiência mental pode ser ressignificada como passível de ter seus efeitos minimizados a partir de um processo mediador eficiente. Isto não significa acabar com os efeitos dos déficits reais, mas reduzir tais dificuldades através da criação de ambientes de interações favoráveis. (Pimentel; Susana. 2009, p. 2)

O pensar sobre a diferença faz parte de nossa prática cotidiana. Entender as implicações psicossociais dessa diferença e, mais ainda, buscar, a partir da reflexão e da prática, formas de contribuir para a modificação da condição social imposta a esses diferentes, deve constituir um de nossos maiores objetivos.

Relato da Pesquisa-Ação Os dados do trabalho de pesquisa-ação foram coletados a partir das

atividades realizadas com 10 (dez) famílias de alunos matriculados em um Centro Especializado em deficiência intelectual de Salvador, no turno matutino, no período de 06 a 10/06/2011, com a duração de 20 (vinte) horas.

Como normalmente são as mães quem acompanham os filhos ao centro especializado, foram elas que participaram da pesquisa. As participantes têm idade entre 37 e 78 anos. Das dez mães, sete se dedicam aos afazeres domésticos, duas são professoras (aposentadas) e uma contadora (aposentada).

A primeira atividade desenvolvida foi a entrevista exploratória que teve como objetivo principal conhecer e analisar as famílias a partir das suas necessidades em relação aos seus sentimentos e suas expectativas para o deficiente intelectual, no que tange ao preconceito, inclusão/aprendizagem e convivência com seus filhos, visando fornecer-lhes orientações e suporte, além de subsidiar o centro especializado com dados para melhor nortear o desenvolvimento do projeto de inclusão da família do aluno com deficiência intelectual, implantado pelo mesmo.

O instrumento desta pesquisa exploratória foi constituído por 6(seis) tópicos (identificação do entrevistado; sentimento da família com a chegada da pessoa com deficiência intelectual; convivência da família com a pessoa com deficiência intelectual; expectativas da família no desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual.; preconceito e aprendizagem/inclusão).

Algumas professoras do Centro colaboraram no sentido de sinalizarem as famílias que poderiam participar da entrevista. O critério para a seleção das famílias com quem foi construído o trabalho de pesquisa-ação foi pautado a partir da frequência diária dos seus filhos, alunos do Centro, durante os cinco dias da semana. Assim, pode-se contar com a presença das famílias no desenvolvimento das atividades.

Além da pesquisa exploratória foram realizadas com as participantes as seguintes atividades: a. “Sessão Lúdica” onde cada presente, mediante a utilização de materiais expostos (papel ofício, lápis ‘comum e de cor’, caneta, hidrocor, livros, revistas, etc) e disponíveis no espaço reservado, pode lançar mão de suas

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aprendizagens direcionadas ao processo de aprendizagem dos respectivos filhos; b. Exposição do documentário “Do luto à luta” de Evaldo Mocarzel e teve como objetivo apresentar e sensibilizar as famílias sobre outras realidades vivenciadas por pessoas com deficiência intelectual – Síndrome de Down, para que em seguida cada família presente nesse encontro pudesse relatar suas compreensões, experiências e vivências em relação à convivência com o deficiente intelectual; c.Testes projetivos, com o objetivo de investigar os vínculos de atividade dos familiares com a pessoa com deficiência intelectual e estudar o vínculo de aprendizagem entre o grupo familiar, o aluno e cada um dos integrantes do mesmo. Foram utilizados materiais como papel metro, lápis, lápis colorido, hidrocores.

Durante a realização dos testes as famílias estiveram produzindo e expressando, seus desejos, sentimentos e angústias, assim como a convivência diária com o deficiente intelectual; d. Devolutiva que é o momento em que ocorre o encontro com as famílias, que participaram das atividades, para que seja dado o retorno do que fora coletado e analisado, visando oferecer-lhes orientações e possíveis encaminhamentos.

Na pesquisa desenvolvida algumas mães apresentaram dúvidas quanto à possibilidade de seus filhos frequentarem o ensino regular. Após incentivo e orientação, mostraram disposição para tomar esta iniciativa, assim solicitaram informações sobre escolas onde poderiam matricular seus filhos no turno diurno, uma vez que pela faixa etária dos mesmos, só encontram vaga para estudarem no turno noturno. Elas dizem não se sentirem seguras para deixá-los estudar no turno noturno.

O Centro Especializado, onde foi realizada a pesquisa-ação, foi criado em 1992, com finalidade de dotar o Estado de um espaço especializado, com instalações ambientais e funcionais adequadas e modernas que propiciem atendimento complementar em áreas específicas a educandos com necessidades educacionais especiais, matriculados prioritariamente na rede estadual de ensino.

Além disso, nesse espaço é estimulado o desenvolvimento de estudos e pesquisas aplicados à educação especial nas diversas áreas de deficiências. Tem como missão contribuir para a inclusão da pessoa com deficiência intelectual ou múltipla deficiência por meio de atendimento educacional especializado, partilhando ideias, disseminando saberes a fim de fomentar o pleno exercício da cidadania na perspectiva de garantir o respeito à diversidade.

O Centro tem como expectativa apoiar de maneira efetiva a inclusão de alunos com deficiência intelectual e múltipla deficiência, assim com professores, coordenadores e gestores de unidade escolar regular numa perspectiva de uma educação inclusiva, tornando-nos assim referência em Atendimento Educacional Especializado – AEE.

O Centro possui em seu quadro de funcionários cinquenta e dois professores, cinco analistas técnicos, quatorze componentes da equipe de apoio, sete instrutores e quatro vigilantes. Os serviços oferecidos são: Atendimento Educacional Especializado – AEE, Educação para o trabalho e Formação continuada a professores da rede regular de ensino.

Análise dos dados da pesquisa-ação Apresentam-se a seguir os resultados dos dados obtidos com as famílias. Em relação ao tópico – Sentimento da família com a chegada da pessoa

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com deficiência intelectual – as mães relataram que ficaram sabendo da deficiência observando a diferença no comportamento do filho, por serem alertadas por membros da família ou ainda pelos professores. Quando interrogadas se já tinham conhecimento sobre a deficiência, 80% respondeu que não. Quanto à reação diante da notícia, 30% disse não ter tido nenhuma reação, as demais disseram terem sentido tristeza, dúvida, confiança, susto, preocupação e medo.

No tópico – Convivência da família com a pessoa com deficiência intelectual – quando questionadas sobre a preparação da família para o convívio com a pessoa com deficiência intelectual, informaram que procuraram orientação profissional com pediatra, neurologista, nutricionista e psiquiatra; conversaram entre si sobre o assunto e duas famílias informaram que ignoraram o assunto, deixaram por conta da sorte. No ambiente familiar não foi necessário adaptação na estrutura física, nem houve mudança de membro da família para outro ambiente, uma das famílias relatou a necessidade da chegada de um membro para ajudar nos cuidados com a criança e outra família disse que passaram a esconder uma faca grande que possuíam, com receio do filho usá-la inadequadamente.

Quando interrogadas sobre as mudanças, em relação ao sentimento, emoção e angústias, ocorridas no ambiente familiar em função da deficiência, 50% informou que a família ficou mais unida, 40% que não houve mudanças significativas e 10% que a família se dividiu gerando conflitos relacionais entre os membros. Os desafios que as famílias encontraram para a convivência com a deficiência, foram: falta de recursos para comprar itens importantes para a criança; dificuldade para cuidar da criança; falta de conhecimento da deficiência, causando desgaste nos cuidados à criança e três das famílias informaram que não enfrentaram desafios relevantes. Quanto à participação da família nas superações na deficiência, informaram que ocorreu pela interação direta com o deficiente e por meio da orientação de profissional qualificado.

No tópico - Expectativas da família no desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual. Com relação à perspectiva da família em relação ao seu familiar com deficiência e o empenho que a família tem feito para alcançar, disseram que esperam que os filhos superem as dificuldades e consigam desenvolver autonomia. Duas das famílias disseram não ter nenhuma expectativa quanto ao desenvolvimento dos filhos. As famílias que acreditam no potencial dos filhos informaram que tem estimulado os filhos de várias formas, desde matriculando-os e levando-os para atividades em instituições especializadas, envolvimento em atividade de lazer, ensinando atividades básicas do dia a dia(cuidados pessoais, atividades domésticas, artesanato...).

O tópico – Preconceito – quando interrogados se as famílias possuem e/ou sofreram algum preconceito em relação à deficiência, informaram que não possuem, mas 70% informou que sofreram preconceito, em especial por parte de parentes, a reação foi ignorar. Poucas famílias disseram que ficaram envergonhadas, procuraram explicar a situação do deficiente ou ficaram tristes.

No último tópico - Aprendizagem / Inclusão – na questão Como o conhecimento circula entre os membros da família, a informação é de que ocorre por meio de todos os membros (pais, parentes – primos, irmãos...), por meio da troca interativa e também com orientações de profissionais e amigos. As famílias disseram acreditar no potencial de aprendizagem dos filhos com deficiência, que são capazes de aprender também na escola e 50% informou que vê o acesso ao ambiente escolar

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como um dos meios deles superarem suas dificuldades, apenas 30% informou não acreditar no acesso do filho ao ambiente escolar. Apesar de 80% das famílias terem afirmado participar do processo de aprendizagem do familiar com deficiência, 60% dos filhos não está matriculado em escola regular, 10% está, mas não freqüenta e os demais, foram matriculados apenas em instituição que oferece atendimento educacional especializado.

As famílias afirmaram já ter participado de algum tipo de encontro (palestras, debates...) que falasse sobre a deficiência de seu(sua) filho(a) e que gostariam de participar de reuniões, com outras famílias, onde houvesse troca de experiências acerca das aprendizagens da pessoa com deficiência, 60% disse que gostaria de participar apenas como ouvinte e as demais como ouvintes e apresentando suas experiências.

Foram solicitadas sugestões de temas e/ou atividades para serem discutidos/trabalhados num encontro com famílias de pessoas com deficiência. As sugestões dadas foram:

� Sexualidade e namoro para a pessoa com deficiência; � Síndrome de Down; � Necessidade de classe seriada no Centro Especializado; � A origem da deficiência do filho - retardo mental (porque o filho é

deficiente); � Produção de desenhos, sobre o dia-a-dia do deficiente, jogos e

brincadeiras, atividades pedagógicas, desenvolvimento, comportamento e controle das ações agressivas dos deficientes.

A presença das mães nas atividades desenvolvidas reflete que a incumbência pelo deficiente recai absolutamente na figura materna, nas projeções, observa-se a ausência da figura paterna. Poucas mães mencionam a presença e participação do pai no dia a dia do filho. Inclusive uma delas relata que o pai é ausente no processo de desenvolvimento e aprendizagem do filho, mantém uma relação distante, fria e sem paciência para lidar com o filho (na projeção do desenho dessa família, a mãe aparece na parte superior com os dois filhos e o pai na parte inferior sozinho). A presença de parentes (tios, primos, avós...) quase não foi mencionada como participantes no processo de aprendizagem do filho com deficiência.

As falas de algumas das famílias refletem que existem conflitos psicoafetivos no ambiente familiar por conta da não participação da figura paterna, por conta do desconhecimento sobre a deficiência e por conta das frustrações em relação a ter o familiar deficiente, mostrando dessa forma que a fase do luto não foi vencida e suplantada pela fase da aceitação para a mudança. “Acho que I.(o filho deficiente) não foi o companheiro que ele queria”.; “Ele bate no filho por não ter paciência.; “O homem não dá incentivo, é por isso que a gente (mãe) fica sendo a protetora”.

Percebe-se ainda que existe muito envolvimento no processo de aprendizagem dos seus filhos quando é escutado o desejo, os sentimentos e as sinalizações que este fornece para o aprender. Observa-se, entretanto, que algumas famílias são desconhecedoras de como facilitar, estimular e proceder para que o deficiente aprenda.

Nota-se que muitas famílias ajudam aos seus filhos, pois partem do desejo deles para o aprender, mostrando-se atentas e sensíveis à subjetividade dos mesmos. “É preciso encontrar paciência e saber a metodologia de como ensinar”; “Saber dar

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

limites para que quando cresça saiba se relacionar com os demais”; “Superproteção não é bom para eles.”.

Muitas não acreditam nas potencialidades dos deficientes, seus filhos, pois foram alertadas desde o nascimento por profissionais da área de saúde da incapacidade dos deficientes no futuro. “Foi difícil aceitar quando o médico falou da deficiência que ele não conseguiria fazer nada”. Ou ainda por que são vítimas de preconceitos dos próprios familiares ou do social. “Muita gente que não conhece a deficiência fica olhando assim, sai de perto, mas não chega para perguntar sobre”.

Percebe-se ainda que muitas famílias não podem orientar aos seus filhos por falta de conhecimentos específicos da aprendizagem sistemática – há casos de famílias onde o responsável em contato direto com o aprendente não possui escolaridade e/ou não é alfabetizado e desconhece até a deficiência e como administrá-la.

Relatam-se os danos causados no desenvolvimento dos filhos, por exagerarem na proteção dispensada a eles “proteção exagerada”. Apontam a necessidade de darem autonomia para que seus filhos se tornem independentes, mas o receio nesse sentido é de que morram antes deles. O questionamento que algumas famílias fazem é: “quem vai cuidar dele/dela?”

Recomendações e indicações dadas às famílias após análise dos dados coletados:

� Convidarem o pai a participar de maneira mais efetiva no processo de aprendizagem do (a) filho(a), se necessário levá-lo ao atendimento especializado, para que ele possa ser melhor orientado pelos profissionais quanto à aprendizagem de seu(sua) filho(a) e sua implicação nesse processo;

� Criarem situações para que os filhos desenvolvam uma vida mais autônoma (caso seja possível na sua realidade);

� Providenciarem o quanto antes a inserção do(a) filho(a) na escola regular(normal) visando assegurar-lhe aprendizagem significativa.

� As famílias solicitaram indicação de instituições escolares que oferecem ensino comum, onde aceitem alunos com a faixa etária de seus filhos, a indicação foi feita.

Considerações finais A análise feita a partir do trabalho construído e realizado com as famílias dos

alunos com deficiência intelectual, no Centro Especializado, localizado em Salvador, leva-nos a perceber que a participação desta instituição no desenvolvimento do sujeito é imprescindível à construção do seu conhecimento, pois, desde a tenra idade, se a criança com deficiência intelectual for exposta a atividades lúdicas e propiciadoras da aprendizagem, estimuladas pela família, sem dúvida alguma essa criança se apropriará de experiências e formará conceitos sobre o mundo que o cerca.

Dessa experiência com o lúdico no ambiente familiar, nas idades iniciais, o aprendente com deficiência tende a agir ativamente, questionando, refletindo e descobrindo novos conhecimentos. Quando a criança brinca no espaço familiar essa brincadeira representa a possibilidade de aprendizagem de diversas habilidades que irão consolidar o intelecto do educando.

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A partir dos estímulos propiciados, durante a primeira infância – jogos,

brinquedos, fala, contato sensório-motor – em que o deficiente intelectual deveria encontrar preferencialmente no seio familiar, esse será provocado a explorar os objetos do conhecimento que lhe cercam, resultando na construção do seu ser. A intervenção educacional voltada ao sujeito com deficiência intelectual será restrita se deixar de considerar o grupo familiar e as experiências que ele proporciona.

O envolvimento existente entre família e o deficiente intelectual influenciará no nível de consciência do aprendente em relação ao julgamento que ele faz de si e do meio em que vive, tornando-se muitas vezes, mais receptivo ou não ao processo de aprendizagem. A família, a partir das práticas disciplinares exercidas, contribui para que o deficiente desenvolva atitudes mais ou menos receptivas em seus relacionamentos.

Então, chega-se à conclusão de que quando a família não consegue colaborar positivamente com as aprendizagens assistemáticas do sujeito com deficiência intelectual, é por que ela é desconhecedora ou não sabe lidar com os mecanismos que são responsáveis por esse processo, necessitando, desta forma, que haja direcionamentos por parte dos profissionais que atuam com o deficiente no que tange a orientações de como a família poderá atuar de forma participativa, ativa e conhecedora das suas funções e ações que promoverão a construção da aprendizagem do sujeito deficiente.

Partindo-se da escuta e do olhar daqueles que atuam, convivendo diariamente, com o deficiente intelectual, percebe-se que é preciso que haja interação constante e que esta seja sempre motivadora às potencialidades dos sujeitos em questão, nunca esquecendo que o fato de ser deficiente intelectual não significa impossibilidades, mas sim capacidade para adaptar-se ao tempo, ritmo, estratégias e recursos apropriados e direcionados à aprendizagem do educando.

Percebe-se, portanto, que a família exerce um papel preponderante quando se encontra implicada no processo de aprendizagem do sujeito, pois a sua presença efetiva é vital enquanto mediadora das percepções e instauradora de sentido e humanização daqueles que muitas vezes são desacreditados e desenganados pelo social e que possui por sua vez habilidades passíveis de serem desenvolvidas, desde que sejam estimuladas no tempo certo e por pessoas que acreditem no potencial para o aprender.

Assim, é necessário que se abra um diálogo com a família para que dessa forma a escola ressignifique sua prática. Essa parceria, sem dúvida, proporcionará melhoria na qualidade do ensino, uma vez que é na família que ocorrem as primeiras aprendizagens do sujeito. É nela que serão encontrados os dados imprescindíveis para as transformações pedagógicas que a escola necessita, o quanto antes, realizar. Tais mudanças assegurarão aprendizagem significativa, não apenas aos alunos com necessidades educativas especiais, mas a todos os educandos.

A família cônscia e implicada de suas funções propicia ao sujeito com deficiência intelectual noções de poder, autoridade, hierarquia, além de lhe proporcionar a aprendizagem a partir das habilidades de falar, organizar seus pensamentos, distinguir o que pode e o que não pode fazer e adaptar-se às diferentes circunstâncias. Essas aprendizagens ocorrem por meio das trocas entre os seus membros familiares e influenciam no comportamento do sujeito, podendo orientá-lo quando se tornar aluno, funcionando como base para a interação com companheiros escolares e para a aprendizagem sistemática.

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Quando se fala em parceria, e no diálogo entre escola e família, não se

propõe uma relação hegemônica, onde a escola permanece no lugar de detentora do saber e a família a instituição que necessita de “regulação” para nortear sua prática. O sentido da palavra parceria denota troca, partilha de experiências e saberes, visando atingir um único objetivo. Se a escola é inclusiva, o educando é colocado no lugar de quem é capaz de aprender e dessa forma estratégias específicas serão criadas e utilizadas para que as potencialidades sejam desenvolvidas.

Nota-se durante o desenvolvimento das atividades do estágio que as famílias acreditam nas possibilidades de aprendizagem de seus filhos, dessa forma se mostram receptivas às propostas de inclusão oferecidas por instituições que por acreditarem na capacidade de aprendizagem do sujeito, tem repensado sua prática e desenvolvido ações significativas visando a inclusão da pessoa com necessidades educativas especiais.

A qualidade da interação pais-filhos produz efeitos importantes no desenvolvimento das áreas cognitivas, linguísticas e socioemocionais da criança com deficiência intelectual. Nesta lógica, é imprescindível que no relacionamento entre pais e filhos os sentimentos de carinho e segurança possam ser transmitidos de modo que, consequentemente, levem a criança a explorar mais o ambiente, acarretando num maior aprendizado.

Referências

DUSCHATZKY, S.; SKLIAR, C. O nome dos outros. Narrando a alteridade na cultura e na educação. In: LARROSA, J.; SKLIAR, C. (Orgs.) Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

PICHON-RIVIÈRE, Pic. Teoria do vínculo. São Paulo, Martins Fontes, 1982.

PIMENTEL, Susana Couto. A subjetivação do (d)eficiente no interior da escola: uma identidade a ser (des)construída”. Educação em Revista, Marília, v.9, n.2, p.113-124, jul.-dez. 2008.

__________. O Processo de Aprendizagem da Pessoa com Deficiência Mental: uma abordagem psicopedagógica. Texto publicado nos Anais do Congresso Internacional da AFIRSE, V Colóquio Nacional: Políticas Púbicas educacionais e práticas educativas. João Pessoa, 2009.

VOIVODIC, Maria Antonieta M.A. Inclusão escolar de crianças com Síndrome de Down. Petrópoles, RJ: Vozes, 2008.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

VYGOTSKY, L.S. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In: ________. A formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. (Psicologia e Pedagogia)

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UMA ANÁLISE SOBRE A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA E AS IMPLICAÇÕES QUE ESSA RELAÇÃO TRAZ PARA AS CRIANÇAS COM

NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS

Cláudia Paranhos de Jesus Portela63

Rosangela Ribeiro Reis64 Gláucia Trinchão65

Introdução Frente à importância da relação entre pais66 e escola para a promoção do

desenvolvimento integral da criança, especialmente daquela que apresenta algum tipo de necessidade educativa especial (NEE)67, propõe-se, neste trabalho, construir uma problemática acerca da questão, tendo como referenciais teóricos básicos os postulados da Teoria Sócio-Histórico-Cultural. Não se pode deixar de reconhecer que, entre os fatores que exercem influência educativa na formação da personalidade do indivíduo, a família e a escola ocupam um lugar imprescindível e indissociável. Apesar de possuírem características e possibilidades diferenciadas, com bastante freqüência essas instituições se superpõem e se complementam, atingindo ambas a conduta do indivíduo de tal modo, que não se pode abordar o desenvolvimento do indivíduo e a sua educação sem tê-las em conta. Assim, na primeira parte deste estudo, mostra-se a aplicabilidade dos pressupostos teóricos da Teoria Sócio-Histórico-Cultural na análise da relação família-escola da criança com NEE, como também na Educação Especial. São discutidas, ainda, razões que justificam a necessidade da relação supracitada, dentre elas o desenvolvimento integral do indivíduo. Finalizando, procura-se evidenciar a busca pelo estreitamento de laços entre a família e a escola, através do que dizem os documentos oficiais.

A relação família-escola: os aportes da Teoria Sócio-Histórico-Cultural A família configura-se como uma instituição socializadora, como célula

básica da sociedade, cuja importância é decisiva no desenvolvimento do indivíduo. Proprietária de uma característica não comum às outras instituições, a família

63 Professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Doutoranda em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – UNEB. 64 Professora de Matemática da rede estadual da Bahia, e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Desenho: Mestrado em Desenho Cultura e Interatividade na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. 65 Professora orientadora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desenho: Mestrado em Desenho Cultura e Interatividade na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. 66 O termo “pais”encontra-se, nesse estudo, representando o casal: progenitor e progenitora da criança com necessidades educativas especiais. 67 O termo necessidades educativas especiais (NEE.) é empregado segundo a definição constante na Declaração de Salamanca (1994, p. 18): “[...] refere-se a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de suas capacidades ou de suas dificuldades de aprendizagem”.

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DIALOGANDO COM A INCLUSÁO II

possibilita a realização de vínculos filiais expressos em relações afetivas e emocionais entre seus membros, difíceis de se encontrar em outros ambientes sociais, pois o ser humano, ao nascer, já se encontra integrado numa família específica, com características próprias, pertencente a uma determinada cultura e ocupando uma posição socioeconômica definida dentro de um certo grupo cultural. Ainda mais, ele já nasce com um lugar de certa forma predeterminado, dentro do grupo familiar.

Ressalta-se que especialistas de diversas áreas – pedagogos, psicólogos, médicos, sociólogos, entre outros – comprovam como os comportamentos familiares constituem premissas básicas no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, a começar pela aquisição de formas simples de comportamento, que passam a formas mais complexas, como as normas e os valores, até chegar à transmissão da herança cultural própria tanto da família como da sociedade. Com isso, pode-se considerar a família como uma instância mediadora entre o indivíduo e a sociedade na qual se encontra inserido.

Para uma melhor compreensão do papel da família no desenvolvimento psíquico da criança, são fundamentais as contribuições de Lev Semionovich Vygotsky. Segundo a Teoria Sócio–Histórico-Cultural, formulada por esse autor, o indivíduo se constitui como ser devido aos processos de maturação orgânica e, principalmente, através de suas interações sociais, a partir das trocas que estabelece com seus semelhantes, as quais dão origem a suas formações psíquicas. Assim, para esse teórico, as funções psíquicas superiores do ser humano estão vinculadas ao aprendizado e à apropriação do legado cultural de seu grupo.

Segundo essa Teoria, o referido patrimônio cultural, nas suas formas material e simbólica, consiste no conjunto de valores e conhecimentos que a humanidade construiu no decorrer de sua história. Entretanto, para que o indivíduo possa se apropriar desse conhecimento, necessária se faz a mediação com os outros, especialmente com aqueles mais experientes do seu grupo cultural. Nesse contexto, o conhecimento, antes de existir como próprio, existe como conhecimento compartilhado. A relação da criança com os objetos do conhecimento está mediatizada pelas relações que estabelece com os adultos ou com outras crianças; só em seguida é que essas relações estarão mediatizadas pelos conhecimentos próprios, ou seja, pelas representações mentais que se estruturam e reestruturam durante o processo de apropriação da cultura.

Assim, para que essa apropriação se efetive, é preciso que haja a internalização, o aprendizado, o qual implica a transformação dos processos externos ou interpsicológicos (consolidados nas atividades entre as pessoas) num processo intrapsicológico (a atividade é reconstruída interna e individualmente). Nesse sentido, o processo de desenvolvimento do indivíduo, originado por sua inclusão num grupo cultural específico, ocorre de “fora para dentro” como assinala Oliveira (1998). Ou seja, a princípio, o ser humano realiza ações de ordem externa, que serão analisadas pelas pessoas com quem convive, segundo os significados estabelecidos culturalmente. A partir dessa análise, será possibilitado ao sujeito conferir significados às suas ações e, paralelamente, desenvolver processos psicológicos internos, que podem ser interpretados por ele mesmo a partir dos instrumentos colocados pelo grupo social do qual participa e compreendidos através dos códigos partilhados pelos membros desse grupo. Dessa maneira, para Vygotsky, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num certo grupo cultural, através da interação que estabelece com os outros indivíduos da sua espécie. Para esse autor, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento, isto é, o

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aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas.

Nessa perspectiva, Vygotsky faz referência a dois planos de desenvolvimento: o primeiro, que diz respeito às conquistas já adquiridas, ou seja, o nível de desenvolvimento real, e o segundo, que denomina de nível de desenvolvimento potencial ou proximal, o qual se refere às capacidades a serem construídas. O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como capacidade de realizar tarefas independentemente. Esse nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento da criança de maneira retrospectiva, referindo-se a etapas já alcançadas por ela. “[...] As funções psicológicas que fazem parte do nível de desenvolvimento real da criança em determinado momento de sua vida são aquelas já bem estabelecidas naquele momento. São resultados de processos de desenvolvimento já completados, já consolidados.” (OLIVEIRA, 1998, p. 59). O nível de desenvolvimento potencial também se refere ao que o indivíduo já é capaz de fazer mediante a ajuda de outras pessoas, que podem ser adultos ou companheiros mais capazes. Nesse aspecto, denomina-se de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), “a distância entre o nível de desenvolvimento atual, segundo determinado pela solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, segundo determinado por meio da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com seus pares.” (VYGOTSKY apud RODRIGUEZ, 1997, p. 56).

O desenvolvimento da criança passa a ser visto de maneira prospectiva, visto que a zona de desenvolvimento potencial define as funções que estão em processo de maturação, presentes em estado embrionário.

Essa análise revela a importância básica da relação social no desenvolvimento psíquico, como a fonte de onde a criança recebe o material para a formação das qualidades psíquicas de sua personalidade. É nessa relação mediatizada pelo adulto que a criança se apropria do patrimônio cultural acumulado pela sua sociedade. Essa apropriação se realiza através da atividade da criança na relação com os objetos e fenômenos do mundo que a rodeia, nas relações práticas e verbais com as pessoas e nas atividades conjuntas que realiza com elas. Dessa forma, as qualidades psíquicas, nas quais se apóia a atividade da criança, não surgem, mas se formam durante o processo de socialização e educação.

É válido ressaltar que os postulados vygotskyanos oferecem aspectos imprescindíveis para o desenvolvimento de uma educação baseada nas possibilidades de aprendizagem e também no desenvolvimento das potencialidades das pessoas possuidoras de necessidades especiais.

Partindo da idéia de oposição à concepção biologizante do desenvolvimento, Vygotsky postulou uma orientação eminentemente otimista e positiva com relação à deficiência, afirmando que, tanto no processo de formação e desenvolvimento da personalidade das crianças “normais” como no de crianças com deficiência, atuam as mesmas leis gerais.

A peculiaridade positiva da criança com deficiência também se origina, em primeiro lugar, não porque nele desaparece umas ou outras funções observadas em uma criança normal, senão porque este desaparecimento das funções faz com que surjam novas formações que representam, em sua unidade, uma reação da personalidade ante a deficiência, a compensação no processo de desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1989, p. 7).

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A idéia do déficit como uma limitação puramente quantitativa do

desenvolvimento se opunha às idéias de Vygotsky em que uma criança com déficit não é simplesmente uma criança menos desenvolvida, mas alguém que se desenvolveu de modo diferente. Dessa forma, uma criança surda, por exemplo, é uma criança normal, mas sem o ouvido e palavra falada. É a especificidade da estrutura biológica e psicológica, o tipo de desenvolvimento e de personalidade, e não as proporções, aquilo que diferencia uma criança com e sem déficit. É em função desses pressupostos que Vygotsky idealizou que a opção educativa fundamental para as crianças com déficit, deve basear-se na organização especial de suas funções e em suas características mais positivas. Como afirma Stern “o que não me destrói me faz mais forte”, se um órgão devido a uma deficiência funcional ou morfológica não alcança cumprir por completo suas tarefas, o sistema nervoso central e o aparato psicológico do homem assumem a tarefa de compensar o funcionamento deficiente do órgão.

Nessa perspectiva, fica evidenciada a necessidade de uma pedagogia que possibilite o desenvolvimento das potencialidades das crianças, tornando-as capazes de assumirem plenamente seu papel ativo e transformador no grupo social do qual fazem parte. Vygotsky considera o defeito como uma limitação, cuja influência é dupla e contraditória. Primeiro, porque o defeito abate o organismo e prejudica sua atividade. Segundo, porque, além de dificultar e alterar a atividade do organismo, serve como estímulo para o desenvolvimento de outras funções e o provoca a realizar uma ação intensificada para poder compensar a deficiência e, assim, vencer as dificuldades. Tendo como base essas premissas é que a defectologia contemporânea estabelece como postulado central que qualquer defeito origina estímulos para a formação da compensação. Nesse sentido, Vygotsky (1987, p. 7) ressalta que “se uma criança cega ou surda alcança no desenvolvimento o mesmo que uma criança normal, então as crianças com deficiência o alcançam de modo diferente, por outra via, com outros meios e para o pedagogo é muito importante conhecer a peculiaridade da via pela qual ele deve conduzir a criança.” A compensação do defeito funciona como uma reação da personalidade diante da deficiência, que dá início a novos processos de desenvolvimento, substitui, superestrutura e equilibra as funções psíquicas. Assim, a conduta da criança com deficiência, tanto no aspecto psicológico quanto no aspecto pedagógico, pode ser totalmente igualada a da criança normal. A educação da criança com deficiência, a priori, não se diferencia em nada da educação da criança normal. A pessoa com deficiência está apta para toda a plenitude da conduta humana e da vida ativa. Toda a particularidade em sua educação se limita apenas à substituição de umas vias por outras assegurando o desenvolvimento do potencial dos indivíduos com deficiência.

Sobre a caracterização dos defeitos, Vygotsky os classifica em dois tipos: a) os primários, que estão relacionados ao aspecto biológico; b) os secundários, que dizem respeito às conseqüências produzidas pelo

defeito primário no período de desenvolvimento da criança. “Isto tem uma enorme importância pedagógica e está estritamente relacionado com a tarefa prática que tem diante de si a escola: conhecer qual das particularidades é a primária e qual, a secundária. ”(RODRIGUEZ, 1997, p. 23).

Pois, como afirma Vygotsky, não se pode negar que a cegueira, por exemplo, é uma deficiência de ordem biológica; entretanto o educador tem de enfrentar não tanto esse aspecto, como as suas conseqüências sociais. Assim, o conhecimento sobre

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a estrutura do defeito deve se constituir no aspecto norteador da prática pedagógica com os alunos com deficiência. Nesse sentido, é sensato considerar que a base das necessidades educativas especiais

[...] se encontra em estreita relação com a estrutura do defeito e de maneira muito íntima com os chamados defeitos secundários, terciários, etc., que são quem, em ultima instância, nos permitem definir o tipo de necessidade educativa especial da criança para em correspondência com ela, organizar sua atenção pedagógica, apoiados na concepção vigotskiana do trabalho corretivo-compensatório. (RODRIGUEZ, 1997, p. 24).

Compreende-se, portanto, que a família e a escola desempenham um papel muito importante para o desenvolvimento integral da criança, sendo que, nesse sistema de influências, sob o qual transcorre a formação da criança, a família ocupa, para Vygotsky, um lugar privilegiado, por transmitir ao indivíduo a herança cultural própria da família e da sociedade, bem como os elementos essenciais para a sua formação. Dessa forma, a família se constitui num grupo social primário, no qual se realiza a chamada socialização primária, que consiste na apreensão dos papéis sociais, na formação da identidade social e pessoal do indivíduo, como também na imagem que a pessoa tem de si mesma. Posteriormente, então, em contato com o grupo social mais amplo, através do processo de socialização secundária, é que a criança deverá fazer novos ajustes visando à sua adaptação. Nesse aspecto, o tipo de inserção social que a pessoa terá dependerá do que ocorreu durante seus anos formativos, no seu grupo social de origem.

Nesse aspecto, apesar de a família não ser o único espaço onde se pode tratar a questão da socialização, constitui-se, sem dúvida, num âmbito privilegiado, visto que ela tende a ser o primeiro grupo responsável pela tarefa socializadora. A família se institui, pois, como uma das mediações entre o homem e a sociedade. Sob esse ângulo, ela não só interioriza aspectos ideológicos dominantes na sociedade, como projeta, ainda em outros grupos, os modelos de relação criados e recriados dentro do próprio grupo.

A família é em si mesma, um sistema de apoio que oferece a seus membros informação sobre o mundo, transmite aos mais pequenos o conhecimento de sua cultura necessária para obter êxito em sua vida cotidiana, e ensina a seus filhos como são e para que servem as coisas, também transmite aos filhos um sistema de valores que fazem com que se liberem ou reprimam determinados comportamentos da criança, impregnando através dos contos que lhe narram, o tipo de jogo que lhe ensina, as mensagens que lhes dão, e em geral, todas as atividades que iniciam com elas. A família transmite também códigos de conduta, ensina a seus filhos como devem comportar-se nas diferentes situações e contextos sociais ou, o que é o mesmo, a ter comportamentos adequados, sempre de acordo com seus sistemas de valores. (TIMOSTHE, 2000, p. 9)

Diante de tais considerações, não se pode, pois, entender a criança com necessidades educativas especiais em sua integridade, sem se considerar o contexto familiar de que faz parte. Especialmente para os deficientes, cujos horizontes socioafetivos tendem a ser mais reservados, a família representa a primeira e mais importante instituição social, pois é com os membros de sua família que eles mantêm as relações pessoais mais próximas e importantes, em muitos casos, a única.

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Família e escola: razões que justificam o estreitamento de laços A educação familiar dos filhos, sobretudo daqueles que apresentam

necessidades educativas especiais, representa um requisito social decisivo para a formação escolar dos mesmos, e, ao longo de todo o período escolar, é uma condição essencial tanto para o desenvolvimento da personalidade como para a educação por parte da escola. Tem-se constatado que, quando os pais participam ativamente da educação dos filhos, esses tendem a render mais na escola, e seus progressos são maiores. Segundo mostram os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 1999, nas escolas que contam com a participação dos pais, por meio de trocas de informações com os professores e os diretores, os alunos tendem a aprender mais e melhor. (Quadro 1) Quadro 1 - Relação Pais – Escola X Desempenho Escolar dos Filhos

PORTUGUÊS NOTA MÉDIA / PAIS NÃO CONHECEM O PROFESSOR

NOTA MÉDIA/ PAIS CONHECEM O PROFESSOR

4ª série – ens. fund. 165,24 174,14

8ª série – ens. Fund 230,01 241,91

3ª série – ens. Médio 265,9 277,24

MATEMÁTICA NOTA MÉDIA / PAIS NÃO CONHECEM O PROFESSOR

NOTA MÉDIA/ PAIS CONHECEM O PROFESSOR

4ª série – ens. fund. 178,11 184,80

8ª série – ens. Fund 243,38 257,06

3ª série – ens. Médio 281,29 294,03

Fonte: ICEX/UFMG-MEC/ Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb/99).

Os dados acima constatam que, na disciplina de Português, na 4ª série do Ensino Fundamental, o diferencial em termos de desempenho escolar dos alunos, cujos pais não conhecem o professor, para os pais que o conhecem é de 8,90 pontos, sendo esses dados elevados na 8ª série do Ensino Fundamental, em que a diferença fica em 11,9 pontos, e apresentando-se, na 3ª série do Ensino Médio, com o valor de 11,34 pontos. Com relação à disciplina Matemática, segundo as informações prestadas, percebe-se também situação semelhante à da disciplina Português quanto à diferença nas taxas de desempenho escolar dos alunos. Na 4ª série do Ensino Fundamental, o diferencial dos pais que não conhecem o professor para os pais que o conhecem está em torno de 6,69 pontos; na 8ª série do Ensino Fundamental, esse valor atinge 13,68 pontos e, na 3ª série do Ensino Médio, fica com uma taxa representativa de 12,74 pontos. Infere-se, a partir dessas informações, a relevância que tem a família em termos qualitativos no desempenho escolar do aluno junto à escola, ao mesmo tempo em que se constata que a influência exercida pelos pais sobre o processo de escolarização dos filhos se atenua com o tempo. Justificando a importância da relação família-escola, o professor Francisco Soares68, a partir de dados estatísticos sobre o desempenho na avaliação dos alunos, revela que o envolvimento dos pais com a escola dos filhos propicia um aumento de até 14 pontos na nota média do aluno nas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Com isso, 68 Coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (Game/UFMG).

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observou que há um diferencial de desempenho do estudante associado ao envolvimento dos pais com a escola. Assim, compreende-se que a escola.

[...] pela função que a sociedade lhe concede, pelos recursos que possui, pela preparação científica de seu pessoal, entre outros, está em condições de exercer uma influência muito poderosa, porém necessita de uma relação estreita com a família para que seja mais efetiva. (PEREA, 1997, p. 10).

A escola e a família, portanto, devem estreitar os laços, especialmente quando se trata de crianças com NEE. Esse estreitamento está ligado ao fato de que a ação educativa sistematizada não deve se direcionar ao indivíduo à margem de suas necessidades sociais, econômicas e culturais, dos problemas concretos em que se encontra inserido, mas sim a um sujeito constituído de realidade material e simbólica.

Freqüentemente, essa relação tem sido caracterizada por laços de autoridade por parte da instituição escolar, assemelhando-se a laços de autoritarismo, devido ao lugar que a escola ocupa no imaginário da instituição familiar. Todavia, no tocante às pessoas com NEE, com a criação e oficialização da Declaração Mundial de Educação para Todos, o quadro dessas relações tem sido modificado, ao menos no que diz respeito ao nível das recomendações. A razão está no fato de a proposta ter trazido consigo o paradigma da inclusão69 e, junto a esse, a importância de se analisarem os fatos educativos através de um ponto de vista múltiplo, que considere todas as dimensões implicadas nos referidos fenômenos. Dessa forma, a família conquista um outro papel nesses processos: não apenas como fonte de origem do alunado, mas também como a provedora das primeiras formas de relações educativas.

Numa análise mais detalhada sobre o papel da família, constata-se que ela se constitui no “primeiro berço educacional do ser humano” (SANTOS, 1999, p. 40), possuindo algumas obrigações convencionalmente estabelecidas nas sociedades a que pertencem. Na sociedade ocidental brasileira, alguns de seus papéis são expostos em documentos legais. A título de exemplo, tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal. Em ambos documentos, verificam-se aspectos comuns quanto ao papel da família no desenvolvimento dos filhos:

� Garantir a escolarização; � Garantir uma criação voltada para a cidadania e uma vida digna; � Garantir proteção, carinho e afeto.

Trata-se, então, de buscar fazer com que a família se perceba como participante do processo educacional, sob sua influência, sem, no entanto, ter a pretensão de substituir o lugar da escola. É preciso rever a concepção que coloca a escola em posição de cobrança, e a família em posição de culpada, ou cobrada. uma vez que ela pode contribuir com aspectos fundamentais durante o tempo que a criança passa Assim, a família funciona como um elemento estratégico no processo de escolarização dos alunos que não apresentam um resultado esperado. Nas recomendações internacionais, essas necessidades ficam expressas de forma muito evidente, como no artigo 58 da Declaração de Salamanca:

Os Ministérios da Educação e as escolas não devem ser os únicos a perseguir o objetivo de dispensar o ensino a crianças com necessidades educativas especiais. Isso exige também a cooperação das famílias e a mobilização da comunidade [...].

69 “[...] processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade.” (SASSAKI, 1997, p. 36).

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Isso ainda é ratificado no artigo 61, em que a mesma lei estabelece que:

Deverão ser estreitadas as relações de cooperação e de apoio entre administradores das escolas, professores e pais, fazendo com que estes últimos participem na tomada de decisões em atividades educativas no lar e na escola [...] e na supervisão e no apoio da aprendizagem dos filhos.

A escola, entretanto, vê-se passando por uma transformação histórica com consequências diretas na revisão de seu papel.

Diante do exposto, ficam claras a abrangência e a necessidade da definição do papel da escola e da família, bem como da necessidade de parceria entre elas. Ressalta-se, também, que, no âmbito das relações entre família e escola, torna-se fundamental assumir um compromisso de reciprocidade entre elas. De um lado, encontra-se a família, com sua vivencia e sabedoria prática sobre seus filhos. Do outro, a instituição escolar, com sua vivencia e sabedoria a respeito dos seus alunos. Todavia é preciso entender que esses mesmos alunos são também os filhos, e que os filhos são os alunos. Dito de outra maneira, deve-se às duas instituições básicas das sociedades o movimento de aproximação, num plano mais horizontal, de distribuição mais igualitária de responsabilidades. Esse mesmo pressuposto, desde 1990, já estava expresso na Declaração Mundial de Educação para Todos, no seu artigo 5:

A diversidade, a complexidade e o caráter mutável das necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, exigem que se amplie e se redefina continuamente o alcance da educação básica, para que nela se incluam os seguintes aspectos:

a) A aprendizagem começa com o nascimento. Isto implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionadas seja através de estratégias que envolvam as famílias e comunidade ou programas institucionais, como for mais apropriado[...].

O artigo 7 do mesmo documento citado acima reitera o exposto, como também fundamenta o artigo 58 da Declaração de Salamanca:

As autoridades responsáveis pela educação aos níveis nacional, estadual e municipal têm a obrigação prioritária de proporcionar educação básica para todos. Não se pode, todavia, esperar que elas supram a totalidade dos requisitos humanos, financeiros e organizacionais necessários a esta tarefa. Novas e crescentes articulações e alianças serão necessárias em todos os níveis [...] É particularmente importante reconhecer o papel vital dos educadores e das famílias [...]. Quando nos referimos a um enfoque abrangente e a um compromisso renovado, incluímos as alianças como parte fundamental.

Assim, para Santos (1999, p. 43), As famílias precisam se aproximar da escola não apenas comparecendo a reuniões de pais ou participando de Conselhos Escola-Comunidade através de representantes, mas é preciso que ela se inteire mais diretamente no processo educacional acadêmico dos seus filhos, ajudando-os a aprender [...].

A escola, por sua vez, precisa abrir suas portas às famílias, de fato e de direito, não alimentando uma relação hierárquica e autoritária, ou assumindo papel de juiz ou cobrador da família, mas, sobretudo, ampliando o espaço de participação,

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respeitando o desejo desta e auxiliando-a a se informar para crescer numa relação mais igualitária. Pois só com o estabelecimento de uma relação nesse nível é que as propostas educacionais, especificamente aquelas voltadas para as pessoas com necessidades educativas especiais, relativas à formação de cidadãos, poderão se concretizar.

Nesse sentido, a partir do reconhecimento do poder público brasileiro sobre a importância da participação da família no desempenho escolar do filho, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) lançou uma campanha de mobilização nacional, com o objetivo de sensibilizar e conscientizar a sociedade em geral para o valor da integração entre pais e escola. Intitulada como o “Dia Nacional da Família na Escola”, a campanha valeu-se da experiência que comprova que o interesse dos pais pelo sucesso dos filhos é fator relevante para a melhoria do rendimento do aluno.

Também uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em dezembro/2000 com duas mil pessoas em todo o país, mostra que os pais são conscientes da necessidade de integração entre família e professores. Desse quantitativo, 97% dos entrevistados (com filhos em escolas públicas) disseram ser a favor de visitas à escola com mais freqüência. Outros 93% afirmaram que é importante acompanhar o desenvolvimento do filho na escola, e que os pais deveriam ter, pelo menos, oito reuniões anuais com os professores. Dessa forma, constata-se que a relação entre a família e a escola é necessária para o desenvolvimento integral da personalidade dos educandos, muito embora seja necessário destacar que essa não se afirma espontaneamente com a presença da criança na escola, tampouco com as relações formais entre pais e professores. Ao contrário do que se pensa, essa relação perpassa um complicado e contraditório processo, cujo desenvolvimento depende, sobretudo, do empenho que realizem pais e professores.

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HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR E CLASSES HOSPITALARES: UMA PERSPECTIVA DE PARCERIA PARA A INCLUSÃO

Janúsia Conceição Teixeira dos Santos Alves70

Rosângela Silva do Carmo71 Priscila Santos Amorim72

Introdução No ano de 2004, o Ministério da Saúde junto com sua Secretaria Executiva

por meio do Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização implementou a Política Nacional de Humanização (PNH) com o objetivo de atender os pacientes de forma integral, considerando suas especificidades e demandas nos âmbitos físico, mental e emocional. Essa necessidade de humanização hospitalar veio à tona devido ao histórico de exclusão vivido pelo hospital, e que pode ser melhor compreendido a partir dos escritos de Michel Foucault (2008) sobre o atendimento que este estabelecimento dispensava a seus pacientes bem como sobre o nascimento do hospital.

É visando traçar um breve histórico para melhor compreensão deste panorama, que recorre-se a Foucault (2008) ao escrever que na Idade Média o hospital era espaço destinado aos pobres, abandonados, órfãos dentre outros, que por serem doentes e muitas vezes ficarem internados juntos com outros doentes, viviam à margem da sociedade pois, representavam um perigo para a sociedade devido ao contágio. Essa foi a forma encontrada para proteger as pessoas sadias para que não fossem contaminadas pelas doenças dos pobres, por isso eles eram mantidos nos hospitais que geralmente ficavam afastados da cidade, dando-se, dessa forma, a segregação desses em prol da preservação daqueles. Segundo o autor,

[...] o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna (FOUCAULT, 2008, p. 59).

Até o século XVIII o hospital era um espaço de exclusão e segregação. Não havia atendimento médico e nem era um local terapêutico uma vez que “o hospital [...] não é uma instituição médica, e a medicina é, [...] uma prática não hospitalar” (FOUCAULT, 2008, p. 59). Atualmente porém, além de ser um espaço destinado à 70 Pedagoga, Especialização em Pedagogia Organizacional e Desenvolvimento de Recursos Humanos - Olga Metting, Especialização em Educação Especial Inclusiva.Docente da classe hospitalar da rede municipal de ensino de Salvador – SECULT. Email: [email protected]. 71 Bacharel Teologia/Filosofia (CEU), Licenciada em música (UFBa), Especialista em Musicoterapia (Fac. Olga Metting, Mestranda em Educação Musical (UFBa), Especialização em Educação Especial Inclusiva (Instituto Pro Saber - em curso), Docente da classe hospitalar da rede municipal de Salvador – SECULT. Email: [email protected]. 72 Pedagoga, Especialização em Neuropsicologia, Mestranda em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Docente da classe hospitalar da rede municipal de Salvador – SECULT. Email: [email protected].

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prática médica o hospital tem criado estratégias para ser um ambiente mais humanizado.

Na busca da humanização, foi implementado o PNH73 pelo Ministério da Saúde, decidindo “priorizar o atendimento com qualidade e a participação integrada dos gestores, trabalhadores e usuários na consolidação do SUS. Essa é a aposta do HumanizaSUS” (BRASIL, 2004, p. 4). Humanizar significa valorizar todos os atores que fazem parte da produção da saúde e vem lastreada por valores tais como a “autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários, a participação coletiva no processo de gestão e a indissociabilidade entre atenção e gestão” (BRASIL, 2004, p. 4).

Na relação entre paciente e hospital, é preciso considerar sua individualidade que não perpassa pelas informações contidas no diagnóstico aplicado pelo hospital. Isso vai permitir chegar ao entendimento de qual o melhor tratamento indicado para a recuperação de sua saúde. Além dos físicos, outros fatores podem alterar o quadro de uma patologia e devem ser considerados no momento de diagnosticar o tratamento adequado para cada paciente. Isso porque já se sabe que “[...] as pessoas não se limitam às expressões das doenças de que são portadoras.” (BRASIL, 2004, p. 5). Ademais, “[...] é preciso saber, além do que o sujeito apresenta de igual – o que ele apresenta de diferente, de singular” (BRASIL, 2004, p. 6).

Pensando em humanizar seu ambiente melhorando o atendimento oferecido ao paciente, atualmente o hospital divide seu espaço com “[...] assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, enfermeiros, familiares, voluntários, artistas, arte-educadores, palhaços, musicoterapeutas, dentre outros.” (MATOS, 2009, p. 136). Tal ação se deve ao entendimento de que, só a partir dessas parcerias é possível desenvolver um trabalho multidisciplinar, logo, humanizado.

Nesse sentido, além de melhorar seu funcionamento, oferece ao indivíduo aquilo que ele necessita para ter uma melhor hospitalização. Segundo Matos (2009, p.136), “com o processo de humanização hospitalar, percebe-se que mais que medicamentos e tradicionais procedimentos médicos, os enfermos precisavam de um outro tipo de atendimento para melhorar a estada no hospital.”

Dessa forma, a ideia que norteia este artigo é a de apresentar a classe hospitalar como uma modalidade de atendimento educacional especial na perspectiva da educação inclusiva74 participante das políticas públicas que se insere neste contexto de humanização na saúde numa perspectiva da transversalidade, tomando como baseamento a proposta do PNH em sua política transversal no processo de implementação da Humanização não como um programa, mas como política que atravessa diferentes ações gestoras, capazes de construir estratégias comprometidas com a “dupla tarefa de produção de saúde e de produção de sujeitos.” (2004, p 12). Abordar-se-á, ao longo do texto, o relato de experiência que envolveu a análise da relação entre tais políticas públicas no âmbito hospitalar, relacionada aos atendimentos na classe hospitalar nos segmentos de Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Educação de Jovens e Adultos (EJA), incluindo também, algumas experiências de práticas do ensino de música. Nas considerações, é sugerida uma reflexão sobre alguns resultados advindos da humanização por meio da classe hospitalar, pontuando práticas pedagógicas especiais e inclusivas, propondo um o diálogo no sentido de refletir sobre quais ações podem ser tomadas e que possam 73 Política Nacional de Humanização 74 Como prevê a resolução do CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001 e que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

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contribuir para o fortalecimento da parceria entre PNH e classe hospitalar e os esforços para caminhar de forma coerente com o paradigma atual da inclusão.

A classe hospitalar Segundo informa a bibliografia concernente, a partir de meados do século XX

a Europa e a América do Norte dirigiram um olhar mais apurado em direção aos asilos, orfanatos e instituições que davam assistência a classe menos favorecida socialmente, principalmente para as crianças que eram as menos respeitadas em suas necessidades básicas de desenvolvimento psicossocial e emocional.

Como a falta deste atendimento dispensado às crianças poderia ocasionar sequelas que evoluiriam para doenças psiquiátricas na vida adulta, iniciaram-se os primeiros atendimentos a crianças atingidas após a segunda guerra mundial, em situação hospitalar, através da colaboração de pessoas do clero e voluntários, contando ainda com o olhar favorável dos médicos. Sobre isto, Matos e Mugiatti comentam que:

Especificamente na área da Saúde, a história mostra já antigas preocupações referentes ao processo saúde doença e a prática. As respectivas análises, entretanto, foram sempre frágeis, superficiais e fragmentadas, vindo suscitar, a partir de determinado momento, a necessidade de um repensar sobre a visão essencialmente biológica, portanto, insuficiente desse processo (2008, p.19).

Faz-se necessário a integração de uma equipe multidisciplinar que venha atender o paciente de forma holística em suas subjetividades amenizando as sequelas de seu adoecimento, principalmente no aspecto cognitivo. Isso possibilita a colaboração com a promoção da saúde do paciente, uma vez que ao foco biomédico já existente é acrescentado o foco biopsicossocial. Segundo o PNH (2004), este foco, fator inerente a equipe multiprofissional, é indispensável para a efetivação da humanização hospitalar. Dessa forma, é preciso capacitar a equipe no que é possível, inclusive, por meio da proposta de educação permanente preconizada neste documento legal (BRASIL, 2004).

Nesse sentido, “[...] ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar” (BRANDÂO, apud Libâneo, 2005, p.26). A educação vai ao encontro do indivíduo independente de onde ele esteja. “A escola, de fato, é o meio de socialização por excelência, onde o escolar desenvolve treinamento em habilidades sociais, em ambiente natural e alegre – a sua ruptura pode ocasionar graves problemas de natureza psicopatológica”. (GIL, 1984 apud MATOS; MUGIATTI, 2009).

A partir de meados de 1950, despontou no Brasil a primeira experiência voltada para o desenvolvimento de atividades pedagógico- educacional na cidade do Rio de Janeiro na modalidade de classe hospitalar no Hospital Municipal Menino Jesus a qual continua funcionando com aulas regulares em horário escolar. (FONSECA, 2003, p. 9).

A classe hospitalar assim intitulada pelo Ministério da Educação (MEC) é compreendida como uma modalidade de atendimento pedagógico-educacional para crianças e adolescentes hospitalizados, reconhecendo que este pacientes, uma vez afastados da rotina de escola, e privados da convivência em comunidade, vivem sob o risco de fracasso escolar e exclusão.

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O processo de legitimação desta modalidade de ensino em um ambiente

hospitalar não foi fácil, pois o hospital não foi projetado para receber uma escola, embora neste ambiente se construa e necessite de educação e desenvolvimento cognitivo por se tratar de seres humanos cuidando de seres humanos. Nesta perspectiva o olhar foi direcionado as crianças hospitalizadas até chegar aos dias de hoje ao atendimento de todas as faixas etárias de acordo com a necessidade cognitiva e patologia.

E necessário lembrar neste momento que a políticas publicas como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 1990, o Departamento de Defesa dos Direitos da Criança da Sociedade Brasileira de Pediatria que ocorreu na 27ª Assembléia Ordinária do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de 1995, em que no número 09, aborda sobre o direito a desfrutar de alguma forma de recreação, programa de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar, durante sua permanência hospitalar; a Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEESP, 1994 e 1995) e a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, de 11 de Fevereiro de 2001) em seu artigo 13 relativos ao atendimento da classe hospitalar sendo obrigatória a partir de 2002 e a (RESOLUÇÃO Nº 4, DE 13 DE JULHO DE 2010) no titulo II, artigo 4, relata a garantia de inclusão, permanência e sucesso na escola a todos os educados em igualdade de condições, formaram um conjunto de avanços que vieram a fortalecer e implementar tais políticas públicas que hoje favorecem a validação deste trabalho educacional em ambiente hospitalar.

Essas novas políticas educacionais voltadas para o escolar em situação especial hospitalizado vêm garantidas a continuidade da construção cognitiva e humanizada no ambiente hospitalar. “Neste contexto, é essencial a atuação integrada dos deveres dos diversos profissionais da área de saúde, educação e demais profissionais que se proponham ao desempenho cada vez mais qualificado desta nobre tarefa.” (MATOS, MUGIATTI. 2009 p.30). Ocorrendo uma maior interação de objetivos com foco no paciente/cliente com um trabalho muti/interdisciplinar possibilitando a promoção da vida, que mesmo no ambiente hospitalar por motivos patológicos pulsa e busca o saber.

Para a Política de Educação Especial, crianças, adolescentes e jovens hospitalizados são consideradas como pessoas com necessidades educativas especiais. Como objetivo maior, a classe hospitalar enquanto espaço educativo deve assegurar a continuidade do processo de escolarização desses sujeitos, se configurando como um pressuposto inclusivo dando condições especiais, como garantia de direitos a estes escolares hospitalizados.

Como dito anteriormente, a Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEESP, 1994) caracteriza as Classes Hospitalares como uma modalidade de ensino para quando a criança ou adolescentes estiverem hospitalizados, atendendo-os por curtos ou longos períodos. Cabe, nessa perspectiva, pensar as crianças, adolescentes e jovens hospitalizados como alunos temporários da Educação Especial que devem ter uma assistência educativa que respeite as suas especificidades e que busque atender as suas necessidades educativas especiais, evitando maiores danos do que aqueles causados pelo afastamento da escola regular ocasionados pelos processos clínicos de internação e/ou tratamentos.

O PNH e algumas práticas pedagógicas inclusivas Como participante da Política Pública de Humanização, a classe hospitalar da

rede municipal de Salvador foi implementada em 2001 tendo as Obras Sociais Irmã Dulce – OSID como sua primeira unidade. Em 2002, ampliou-se para quatro unidades

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hospitalares e no ano de 2007 houve a inserção do primeiro domicílio. Atualmente, o atendimento pedagógico hospitalar e domiciliar75 no município acontece em 12 hospitais, 11 domicílios e 4 casas de apoio, com o quadro de 51 professores, em sua maioria pedagogos e 3 professores de música na continuidade do processo ensino aprendizagem do aluno/paciente.

O trabalho docente nesse contexto não envolve apenas atividades de diagnóstico (realização de cadastros e anamneses) e intervenções pedagógicas, mas também uma sensibilidade ao estado de pertinência na construção de saberes em um ambiente atípico. Sendo assim, foram observadas tais práticas pedagógicas no período de agosto de 2011 a março de 2012 em três hospitais públicos, na cidade de Salvador/Bahia, que serão chamados A, B e C, junto aos alunos-pacientes da Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Educação de Jovens e Adultos, que oportunamente estão instituídas em duas diferentes especialidades médicas: na clínica médica em tratamento de doenças do pulmão e na nefrologia com crianças e adultos renais crônicos que fazem tratamento de hemodiálise.

A classe hospitalar busca estabelecer uma relação com a equipe multidisciplinar na tentativa de contribuir com a proposta da humanização dentro do hospital. A mesma, foi implementada no hospital A no segundo semestre de 2010 com pacientes com doença pulmonar, sendo instalada no refeitório da pediatria, contando com um acolhimento favorável por parte dos funcionários. São atendidas crianças na faixa etária de 02 a 13 anos, oriundas da capital e cidades do interior da Bahia com demandas de ensino diferenciadas, funcionando no turno vespertino. Depois do primeiro ano, a interação com a equipe multidisciplinar, a construção contextualizada de conhecimentos junto aos alunos, a forma como eles interagiam depois das aulas mostrando-se mais serenos, descontraídos, protagonistas em seu tratamento e como este ambiente havia se tornado mais humanizado. A administração do hospital em reconhecimento a este trabalho junto ao departamento de Terapia Ocupacional e Enfermagem cedeu uma sala na enfermaria da pediatria adequando-a em estrutura de sala de aula.

No hospital B, a classe hospitalar foi implementada no ano de 2007 com pacientes renais e atende a crianças e adolescentes de 02 a 14 anos na sala de hemodiálise76 pediátrica, três vezes por semana no período de 4 horas em cada sessão. São alunos-pacientes fixos, atendidos individualmente ou em grupo no momento do tratamento a partir das demandas trazidas por cada um, de suas especificidades e de suas necessidades educativas especiais adequando as propostas metodológicas ao seu nível de desenvolvimento e seriação. As várias experiências adquiridas neste espaço partem de um trabalho realizado também em parceria com a equipe médica, de enfermagem, assistência social, psicologia e nutrição que compõe o quadro multidisciplinar da referida unidade. A elaboração e execução dos projetos pedagógicos com esta equipe e vivenciados com os alunos-pacientes são muito valiosas do ponto de vista da produção de conhecimento e socialização do que foi construído ao longo do processo. As crianças atendidas em sua maioria, são oriundas de cidades do interior da Bahia, o que os obriga na maioria dos casos, a abandonar a escola convencional e a classe hospitalar passa a ser o único espaço que caminha no sentido de garantir a continuidade do seu processo de escolarização como prevê a legislação na resolução nº 2 do ano de 2001 do Conselho Nacional de Educação. Vale ressaltar que a maioria dessas crianças apresentavam um perfil bastante comum, 75 Como propõe o documento elaborado pelo MEC em 2002. 76 Terapia que filtra o sangue através de uma máquina por insuficiência renal.

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algumas com dificuldades na lecto-escrita e no raciocínio lógico-matemático, com deficiências física, visual, intelectual ou auditiva associadas a doença crônica, e também, muitas com distorção idade/série.

No hospital C a classe hospitalar foi implementada em 2008 com alunos-pacientes na faixa etária de 15 a 60 anos, com características bastante parecidas com as do hospital B no que se refere à organização estrutural por se tratar de pacientes renais crônicos que fazem hemodiálise. A Educação de jovens e adultos é o segmento de ensino que predomina nesta unidade, pois a maioria da clientela é de pessoas que ainda não possuem o domínio do sistema de escrita e leitura, o que caracteriza de uma maneira geral o perfil dos alunos-pacientes atendidos nesta unidade. Há alguns alunos que possuem deficiência visual, como consequência de doenças crônicas ou não, mas que demonstram fortemente um desejo comum de estudar e aprender ou reaprender a ler e escrever utilizando o sistema Braille. Dando significado ao desejo dessas pessoas, onde pulsava uma consciência de vida sem saber como recomeçar a viver, é que vislumbraram na chegada da escola ao hospital, o contato verdadeiro com o mundo, novamente, pois podem argumentar valorizando os diferentes saberes na elevação da autoestima e no desenvolvimento de uma consciência crítica de sua cidadania, se faz necessário neste processo, já que, a aprendizagem, em qualquer idade, é sempre construída nas trocas entre os nossos pares. O educador neste contexto necessitou de estratégias para motivar este aluno, onde muitas vezes fez o papel de escriba transcrevendo os conhecimentos de mundo fazendo a ponte com os conhecimentos formais necessários a construção do saber e em outros momentos, necessitando-se apropriar-se do Sistema Braille para utilizá-lo como recurso fundamental de auxílio a estas pessoas com deficiência visual. Neste processo de inclusão aquele que media a educação também é mediado na troca do saber.

A educação musical no contexto hospitalar O atendimento a esses alunos se dá com suportes didáticos necessários e

dinâmicos na sala da hemodiálise, permitindo a troca de saberes entre seus pares durante a construção das atividades apoiadas na análise e reflexão dos temas abordados, mantendo uma escuta sensível às solicitações dos mesmos. Geralmente, essa prática é voltada para a leitura de mundo, dando suporte à linguagem oral já que temos uma classe heterogênea/multisseriada e considerando também as necessidades educacionais especiais de alguns alunos (como por exemplo: baixa visão). Para o enriquecimento desse trabalho, vale destacar a contribuição do professor de música neste contexto, onde a escuta da música utilizada como instrumento e estratégia de leitura, possibilita aos alunos um recurso a mais no trabalho do professor, pois essa estratégia metodológica auxilia no envolvimento com o texto musical.

Com a inserção do professor de música neste trabalho na classe hospitalar e domiciliar da rede municipal de Salvador, novos conhecimentos foram agregados a esta modalidade educacional. Podemos destacar a contribuição de maneira significativa desse profissional que desenvolve atividades musicais de forma contextualizada, flexibilizada e adaptada. Segundo o educador musical (Koellreutter apud LOURO, 2009, p.20),

[...] a música é um meio de desenvolver faculdades para o exercício de qualquer atividade [...] a música trabalha a concentração, a autodisciplina, a capacidade analítica, o desembaraço, a autoconfiança, a criatividade, o senso crítico, a memória, a sensibilidade e os valores quantitativos.

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No caso específico, as habilidades desenvolvidas por meio de atividades

musicais, algumas das quais indicadas nesta citação, contribuem na absorção de conteúdos trabalhados e necessários à aprendizagem de outras áreas do conhecimento. Ou seja, no contexto educacional, a música além proporcionar experiências musicais significativas oportuniza a aprendizagem nos aspectos procedimentais, atitudinais e conceituais.

Uma vez que o objetivo do educador é a aprendizagem dos alunos, entende-se que todos os esforços envidados para esta aquisição devem ser considerados. No processo educacional, além da aprendizagem o educador busca contribuir para a formação da cidadania dos alunos. Esta cidadania perpassa pelo conceito de formação integral do ser humano. Entretanto, não se pode pensar em formação integral sem incluir neste processo a dimensão cultural e na arte está uma das fontes de informação sobre esta dimensão. Sendo a música uma das linguagens artísticas ela possibilita e contribui neste processo educacional uma vez que ela é uma forma de comunicação e expressão. (FONTERRADA, 2008; SWANWICK, 2003; ALBUQUERQUE e ROGÉRIO, 2011).

Considerando que a Lei 11.769 (BRASIL, 2008) torna o ensino de música obrigatório na educação básica, uma vez contemplados com mais esta área do conhecimento os alunos poderão desfrutar do direito do ensino de música sendo beneficiados com as habilidades dele decorrente o que irá contribuir no processo de aprendizagem, na perspectiva da educação integral ajudando no processo de inclusão.

Essas novas políticas educacionais voltadas para o escolar em situação especial de hospitalização, especificamente, vêm garantindo a continuidade da construção cognitiva e humanizada do aluno-paciente no ambiente hospitalar. “Neste contexto, é essencial a atuação integrada dos deveres dos diversos profissionais da área da saúde, educação e demais profissionais que se proponham ao desempenho cada vez mais qualificado desta nobre tarefa”. (MATOS; MUGIATTI. 2009 p.30).

Considerações De seu nascimento até os dias atuais, importantes mudanças ocorreram no

hospital e a humanização é uma das que merece destaque, uma vez que, restabelece a relação entre médico e paciente, o que muda o ambiente hospitalar tornando-o mais humanizado. A presença do professor representa uma dessas possibilidades de contribuição para a humanização, atuando como mediador entre a criança, jovens e adultos hospitalizados e o mundo que ela deixou para trás no momento do internamento.

A parceria entre a classe hospitalar e a equipe multidisciplinar do hospital é algo necessário como possibilidade de contribuir na promoção da saúde através da educação. Trazendo a humanização no contexto hospitalar, o PNH indiretamente convida para o diálogo estas duas políticas que embora pareçam divergentes no sentido de ter o profissional de educação no ambiente hospitalar, convergem no desejo da construção de novos conhecimentos que promovam a saúde para seu cliente.

A partir da compreensão da obrigatoriedade do ensino de música na educação básica e do estabelecido na lei sobre o atendimento educacional especializado no que se refere a classes hospitalares, entende-se que a inserção do ensino de música é devida também nesta modalidade educacional. Uma vez que a experiência significativa em música resulta no desenvolvimento de habilidades que contribuem para o processo de aprendizagem dos alunos-pacientes, sugere-se uma reflexão no sentido de identificar como é possível ampliar o discurso sobre a importância do professor de música no espaço hospitalar, indicando mecanismos que

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possibilitem o fortalecimento do ensino de música nesta modalidade educacional e a ampliação do quantitativo deste profissional.

Por se tratar de uma realidade ainda recente no município de Salvador, a prática do ensino de música no contexto hospitalar tem suscitado questionamentos sobre as especificidades do ambiente hospitalar tais como: a situação de saúde do aluno paciente, a adaptação das atividades musicais, o perfil do professor de música, as representações sociais do ensino de música nesse ambiente, em que outros estados existem professores de música atuando em classes hospitalares, dentre outros. Por fim, tenta-se identifica de que forma é possível melhorar a qualidade do ensino de música neste espaço.

O atendimento pedagógico a esses escolares hospitalizados necessita garantir não só aprendizagens possíveis no tempo e nas condições do aluno-paciente, mas também, mediar o retorno ou ingresso a escola convencional após alta médica e se possível colaborar nessa readaptação para que essa ação aconteça como uma continuidade ao que já estava sendo feito em um ambiente atípico. Uma avaliação minuciosa por meio de relatórios pedagógicos pode possibilitar a comunicação entre o professor hospitalar e o da escola que passará a ter um olhar sensível a esta nova etapa da vida desses sujeitos.

Considerando as experiências pedagógicas nas classes hospitalares trazidas aqui como contribuintes na humanização no hospital, podemos afirmar a sua relevância no processo de aprendizagem dos(as) atendidos(as). A parceria com a equipe multidisciplinar proporciona a realização de um trabalho voltado para a busca do bem estar, bem como para o desenvolvimento cognitivo dos alunos/pacientes, neste sentido o professor deve buscar alternativas metodológicas para tornar suas aulas em momentos de construção coletiva que não fujam desta ideia, além de assegurar aos indivíduos o direito a escolarização, perspectivando a sua inserção social sem tantos prejuízos causados pelo adoecimento.

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APOIO AO PROCESSO DE INCLUSÃO DE ESTUDANTES DEFICIENTES VISUAIS: UM ESTUDO SOBRE A EFETIVAÇÃO DO TRABALHO DO CAP/

SALVADOR -BA

Robenilson Nascimento dos Santos77

Introdução Este artigo é uma síntese dos resultados da dissertação de mestrado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEDUC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Realizou-se um estudo sobre o trabalho desenvolvido pelo Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP) Salvador - Bahia. Pretendeu-se com a pesquisa responder a seguinte pergunta: de que forma se efetiva a atuação do CAP para a proposta de inclusão do estudante com deficiência visual nas escolas da rede estadual de ensino médio? O objetivo foi investigar como o processo de inclusão do aluno com deficiência visual na escola regular do ensino médio na cidade de Salvador – BA estava sendo implementado, a partir da relação entre um determinado colégio da rede estadual e o CAP.

Embora a pesquisa tenha sido desenvolvida no período compreendido entre janeiro de 2006 a julho de 2007, julgamos pertinente sua divulgação, seja pela relevância e atualidade dos dados analisados, demonstrando as contradições entre o discurso inclusivista e o cotidiano escolar, traduzidas nas vozes dos sujeitos participantes: alunos, professores especialistas, professores das disciplinas, coordenadores pedagógicos e gestores, seja pelo fato de apresentar uma discussão acerca de um instrumento de política pública para o acesso e permanência de estudantes com deficiência visual na escola, possibilitando uma avaliação sobre sua eficácia.

Por ser uma pesquisa qualitativa, optou-se pelo estudo de caso. Procurou-se captar nas falas dos participantes a subjetividade, deixando-os expressar-se livremente sobre cada questão. Foram formuladas perguntas abertas que permitiram uma constante interação com o propósito de apropriar-se do fenômeno nos diversos aspectos, para que se alcançasse uma compreensão mais profunda e abrangente.

Os estudos de casos buscam retratar a realidade de forma completa e profunda. O pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo. Esse tipo de abordagem enfatiza a complexidade natural das situações, evidenciando a inter-relação dos seus componentes (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.19).

Os sujeitos da pesquisa foram cinco alunos com deficiência visual atendidos pelo CAP, quatro homens e uma mulher na faixa etária de 23 a 30 anos, matriculados no ensino médio em um colégio da rede estadual, turno matutino. Três cursavam o

77 Mestre em Educação pelo Programa de Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia

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primeiro ano, um, o segundo ano e o outro o terceiro ano, todos possuíam cegueira total. Também participaram desse trabalho dois professores especialistas que atuavam na escola pela manhã e à noite, dois coordenadores pedagógicos, a diretora e a vice-diretora do turno matutino, quatro profissionais que trabalhavam no CAP na direção, vice direção e coordenação pedagógica, nove professores das disciplinas: física, matemática, química, língua portuguesa, biologia e história além de uma ex-dirigente do CAP e a coordenadora de Educação Especial, totalizando vinte e seis participantes. O trabalho de campo foi realizado nas dependências do CAP e em um colégio da rede estadual de ensino com a devida autorização dos dirigentes.

Com o objetivo de responder à questão, a análise dos dados foi realizada a partir de uma relação constante entre as atividades desenvolvidas pelo CAP e o constatado no cotidiano escolar, destacando-se os seguintes aspectos: a organização da educação especial no estado da Bahia articulação Secretaria de Educação e CAP, a articulação CAP e colégio, percepção dos dirigentes do CAP e do colégio, o trabalho do professor especialista da sala de recursos, acessibilidade ao material didático, a relação entre os estudantes e os professores das disciplinas, a percepção dos estudantes e professores das disciplinas sobre o trabalho do CAP e o desempenho acadêmico dos estudantes.

Todas as entrevistas foram transcritas logo após a conclusão do trabalho com o objetivo de não perder a proximidade com o conteúdo das falas, isto é, as nuances no decorrer dos discursos como, por exemplo, as oscilações na voz, um silêncio repentino, dentre outras manifestações.

Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual – CAP/Salvador-Ba: contextualização, concepção e implementação.

O CAP, enquanto um meio de materialização da política pública de inclusão escolar de alunos com deficiência visual do Ministério da Educação (MEC), resultou da parceria entre órgãos governamentais: Secretaria de Educação Especial (SEESP), Instituto Benjamin Constant (IBC) e organizações da sociedade civil: Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais (ABEDEV) e Fundação Dorina Nowill para Cegos (FDNC). O projeto foi inspirado em uma experiência da Secretaria de Educação de São Paulo com a implantação de um CAP. A ideia era implantar um CAP em cada estado brasileiro de 1998 a 2001, com o apoio das Secretarias de Educação de cada estado.

Enquanto política nacional, o CAP foi concebido no final do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, ocupando o Ministério da Educação Paulo Renato Souza e a Secretária de Educação Especial a professora Marilene Ribeiro. Ross (1999), discorrendo sobre a criação do CAP, escreve:

(...) Originários do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação – FNDE - a Secretaria de Educação Especial do MEC recebe recursos para implementação dos primeiros Centros de Apoio Pedagógico para atendimento das pessoas com deficiência (CAP). Consta do jornal do MEC (JORGE, 1998) que tais CAP serão inicialmente implantados em dez estados dentre os quais se encontram: Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e outros. Para viabilizar a aquisição e implementação de tais centros de Apoio Pedagógico, a Secretaria estabelece convênio com a Associação de Educadores de Deficientes Visuais (ABEDEV), prevendo-se para o futuro a criação de um Centro em cada estado, para garantir aos educandos

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cegos e de visão subnormal o acesso ao conteúdo programático da escola comum, quer em Braille, quer em tipos ampliados. (p. 283).

A estrutura organizacional dos CAP’s, conforme projeto original devia apresentar: núcleo de produção Braille, núcleo de apoio didático pedagógico, núcleo de tecnologias e núcleo de convivência. Previa-se recursos humanos necessários, de acordo com a demanda, bem como espaço físico com a devida estrutura e materiais específicos como: máquinas de datilografia Perkins Braille, thermoform, guilhotina, grampeador profissional, encadernador de espiral, regletes de mesa, punções, sorobãs, bengalas, lupas de mesa de dioptrias diferentes, lupas manuais de dioptrias diferentes, gravadores e máquina de datilografia tipo ampliado, além de recursos de moderna tecnologia: impressora Braille, máquina fotocopiadora que amplia, microcomputadores com kit multimídia, impressora jato de tinta, scanner de mesa, kit sintetizador de voz, softwares especializados variados, CCTV (circuito fechado de televisão), TV 20’ e vídeo-cassete.

Na época da inauguração do CAP Salvador-BA, o contexto educacional do Estado refletia o conjunto de reformas em curso na década de 90, implementadas pelo governo federal, incorporado pelo então governador Antônio Carlos Magalhães, sendo seguidas e mais aprofundadas pelos seus sucessores Paulo Souto e César Borges, cuja lógica era a racionalização dos gastos com vistas a uma reestruturação administrativa dentro dos parâmetros do projeto de reforma do Estado, tendo por estratégia a descentralização e a municipalização. Neto e Oliveira (2006), assim retratam o contexto das políticas educacionais do Estado da Bahia nesse período:

À semelhança do que ocorria na esfera federal, no estado da Bahia, principalmente a partir do governo de Paulo Souto (1995 e 1998), já se configurava a existência de um amplo processo de reforma e modernização das estruturas administrativas do estado, seguido da implementação de novos (re) ordenamentos políticos-institucionais na gestão e no financiamento da educação, que incluíam a descentralização, a publicização, a privatização, a terceirização, a focalização e a participação como estratégias para a melhoria da eficiência e da eficácia dos serviços públicos ( p.18).

Enfatizam Neto e Oliveira (2006) que, ao assumir essas diretrizes, o Estado da Bahia foi um dos primeiros a referendar as políticas de reformas educacionais do governo federal a partir de meados da década de 90. Outra característica da gestão das políticas públicas do Estado da Bahia nesse período, sobretudo as educacionais, é direcionada no sentido de atender às diretrizes de organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial, por meio das privatizações e terceirizações, em conformidade com os parâmetros neoliberais. Destacam ainda, o Programa Educar para Vencer como um dos principais instrumentos das políticas públicas do Estado da Bahia da fase ora analisada. Essa proposta foi implementada no ano seguinte à inauguração do CAP, na gestão do governador César Borges. Esses autores mencionam três ações estratégicas do Educar para Vencer: “(...) fortalecer o município; fortalecer a escola (gestão escolar, certificação, contrato de gestão, avaliação bimestral) e criar recursos para reforma via regularização do fluxo escolar” (p.38).

O Programa Educar para Vencer no seu conjunto de ações gerenciava os seguintes projetos: Regularização do Fluxo Escolar no Ensino Fundamental; Capacitação Gerencial das Escolas; Capacitação Gerencial das Unidades Municipais de Educação; Certificação Ocupacional de Profissionais da Educação e Avaliação do

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Sistema de Ensino (NETO e OLIVEIRA, 2006, p. 38-40).

Ainda com todo investimento nos projetos acima referidos e a mobilização vultosa de recursos orçamentários, a Bahia possuía um elevado índice de analfabetismo e reprovação.

O CAP da Bahia, implantado na cidade de Salvador, é o primeiro do Brasil resultante da parceria acima mencionada, possuindo uma estrutura bastante satisfatória no que se refere ao espaço físico e equipamentos, estando em consonância com a proposta que o concebeu, conforme observa a Coordenadora da Sala de Recursos: “(...) a gente hoje está em um espaço melhor, amplo, com maiores condições, embora precise de algumas adaptações, mas a estrutura física é favorável...”.

Três fatores estão intimamente relacionados à criação do CAP-BA: a experiência da prefeitura de São Paulo de 1994; a conjugação de esforços MEC/SEESP com as parcerias e a articulação já existente no Estado, por meio da Secretaria de Educação, com o objetivo de criação de um centro para prestar atendimento aos alunos com deficiência visual, processo sintetizado na fala abaixo:

(...) Então o CAP de São Paulo foi criado com esse objetivo de atender o aluno deficiente visual, os seus familiares e pelo encaminhamento que realmente foi de sucesso, o pessoal não se acomodou, as pessoas envolvidas com esse projeto principalmente a professora Marilda Bruno, ela não se acomodou, com essa situação e apresentou a equipe do MEC da SEESP essa proposta. Na época a secretária, a professora Marilene Ribeiro acatou, achou que realmente seria um avanço a criação e também iria favorecer essas pessoas principalmente que estavam com a sua matrícula na rede pública e aí, o MEC assumiu e inclusive quando eles estavam aqui na Bahia, fazendo a visita na época que era sobre uma situação de superdotados, teve conhecimento que a Bahia estava criando um Centro, eles apresentaram também essa proposta e aí foi que uniu esforços Ministério da Educação e Secretaria de Educação; e o Ministério resolveu se unir a Secretaria de Educação e implantar como a primeira experiência governamental enquanto política pública do Ministério da Educação. Em nível de Bahia na verdade, a SEC apresentou a proposta desse Centro e o Ministério apresentou a proposta que eles tinham, mas a nível nacional essa proposta veio através desse grupo, dessa equipe de São Paulo que fez a apresentação ao Ministério da Educação (ex-diretora do CAP).

No âmbito estadual, as discussões sobre a criação do CAP restringiram-se ao MEC e à Secretaria de Educação do Estado da Bahia, sendo amplamente divulgadas após a inauguração, o que resultou, por parte de alguns segmentos do movimento de cegos, críticas por não terem sido consultados, questionando se de fato o CAP seria necessário, uma vez que já havia instituições que prestavam apoio aos alunos com deficiência visual, a exemplo do Instituto de Cegos da Bahia, o Setor Braille da Biblioteca Pública do Estado e a Associação Baiana de Cegos.

O CAP Salvador-BA foi instituído pelo decreto nº 7.380 de 22 de julho de 1998. Art.7º Fica criado, como unidade escolar estadual de grande porte-GP, o Centro de Apoio Pedagógico para Deficientes Visuais-CAP, no município de Salvador, destinado ao atendimento complementar a educandos com necessidades educativas especiais, portadores de deficiência visual, oferecendo serviços de estimulação precoce, educação para o trabalho, reabilitação, orientação e mobilidade e produção de material didático.

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Parágrafo único - Para o diretor do CAP, além dos critérios estabelecidos na lei nº 7.028, de 31 de janeiro de 1997, serão exigidos nível superior, qualificação em Educação Especial e experiência comprovada na área de educação para deficientes visuais (CAP, 1998, p.)

Conforme decreto acima, sobre a organização administrativa optou-se por uma escola de grande porte, sendo posteriormente modificada para a categoria porte especial, como descreve a Coordenadora das Salas de Recursos:

Então o CAP foi criado no primeiro momento como de grande porte, mas, em 2004, nós fizemos uma reivindicação para o CAP se tornar em porte especial, para também ter um aporte de recursos maior e a Secretaria acatou não só para o CAP, mas toda instituição que atende deficiente, são definidas como grande porte ou porte especial, nenhuma é médio porte. Então a questão de ter uma estrutura de escola é porque administrativamente a Secretaria de Educação na verdade coordena o trabalho de escolas, e o CAP tem o cunho mais pedagógico.

A Coordenadora da Sala de Recursos fez ponderações em relação a alguns entraves sobre a estrutura administrativa que impossibilitava um atendimento de melhor qualidade.

O fato do CAP inicialmente ter sido concebido como escola de grande porte, no meu entendimento, o único prejuízo é em relação às áreas paramédicas, porque nós não pudemos ter uma assistente social, um psicólogo, porque no próprio quadro administrativo de recursos humanos da SEC não existem esses profissionais. O quadro da SEC é composto de professores ou coordenadores pedagógicos. Então para a gente o prejuízo é esse. A implicação ainda hoje é composição do quadro, porque se restringe a professores e coordenadores e a gente acha que o tipo de trabalho que é desenvolvido aqui caberia uma assistente social e uma psicóloga, mas a SEC na verdade não faz concursos para assistentes sociais e psicólogos, esses pertencem ao quadro da saúde.

Após sua institucionalização, o CAP foi instalado em um prédio localizado na Rua do Castanheda, nº 37 – Mouraria, no centro da cidade, onde funcionou durante seis anos. Em virtude das condições inadequadas e perigo iminente de desabamento do prédio teve recomendada, pelos órgãos competentes, a suspensão das atividades, transferidas para o Colégio Estadual Victor Civita. Devido às difíceis condições de acessibilidade apontadas pelos alunos, mais uma vez mudou de endereço.

Atualmente, a instituição encontra-se situada na Rua da Jaqueira, nº 12, no bairro Saúde, onde funcionou o antigo Colégio Eduardo Mamede. O prédio, que passou por algumas reformas, apresenta condições mais favoráveis em relação ao primeiro, com um espaço físico amplo e condições de acessibilidade, sendo os dois pavimentos (térreo e primeiro andar) interligados por rampas. A estrutura compreende 25 salas, quadra esportiva, área de convivência, auditório e laboratório de informática.

Conforme o projeto político-pedagógico em vigência, o número de alunos atendidos era em torno de 285, se aproximava do informado pela direção, 300 educandos, variando em freqüência devido ao fato do CAP não se constituir como uma escola e sim um centro de atendimento, podendo um aluno iniciar o atendimento em um ano e no próximo ser liberado. Quanto ao corpo pedagógico-administrativo, o projeto político-pedagógico descrevia:

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Hoje, o CAP tem um corpo pedagógico-administrativo composto por uma diretora e dois vice-diretores, uma secretária, uma coordenadora pedagógica, vinte e sete professores regentes, praticamente todos especializados na área de deficiência visual, três funcionários, cinco funcionários terceirizados, quinze voluntários e dois prestadores de serviço (estes últimos oscilam em número por necessidade do que se precisa no momento) (2006).

O CAP Bahia, conforme a direção, possuía o seguinte público-alvo: alunos com deficiência visual da rede estadual (prioritariamente) e municipal de ensino, professores de classes regulares, pessoas com deficiência visual da comunidade, além de estagiários de cursos de Pedagogia, Psicologia, entre outros. Dispunha dos seguintes serviços:

� Núcleo de apoio didático-pedagógico: oferece vários serviços, com um acervo de materiais e equipamentos específicos necessários ao processo de ensino-aprendizagem (técnicas para o uso do soroban; leitura e escrita Braille; orientação e mobilidade; atividades da vida diária; técnicas de escrita cursiva; estimulação visual e apoio ao ensino regular).

� Núcleo de produção Braille: conjunto de equipamentos e tecnologias com o objetivo de gerar materiais didático-pedagógicos, como livros e textos em Braille, ampliados e sonoros e adaptações de materiais, como mapas e tabelas para distribuição a alunos, bibliotecas e escolas.

� Laboratório de informática: conjunto de equipamentos com o objetivo de promover a independência do deficiente visual, por meio de acesso à tecnologia moderna para produção de textos, estudos, pesquisa na Internet e outros.

� Núcleo de convivência: espaço interativo planejado para favorecer a convivência, troca de experiências, pesquisa e desenvolvimento de atividades lúdicas e culturais, integrando usuários com e sem deficiências. Promovia também cursos de atualização, capacitação em serviços para professores, além de cursos específicos para pais e comunidade, como: artesanato, canto, coral, dança de salão, oficina de teatro, xadrez adaptado, futebol adaptado e judô.

Até 17 de julho de 2007, conforme informado pela direção, o corpo docente do CAP estava distribuído da seguinte maneira: 25 professores atuando no núcleo de apoio didático-pedagógico; 5 no núcleo de produção Braille; 2 no laboratório de informática e 5 no núcleo de convivência, totalizando 37 educadores, 80% com especialização em Educação Especial.

A efetivação do trabalho do CAP Salvador – Bahia para a inclusão escolar dos estudantes com deficiência visual no ensino médio.

Evidenciou-se por parte da Coordenação de Educação Especial do estado um profundo desconhecimento da demanda dos estudantes com deficiência visual que necessitavam de atendimento, bem como uma articulação mais efetiva deste órgão com o CAP, como se pode constatar na citação a seguir:

Nós não temos um levantamento fidedigno de quantos deficientes visuais nós temos no Estado da Bahia, é uma pesquisa a ser feita (...),

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então é isso que nós estamos precisando, um levantamento, uma rede de informação para a gente saber de toda demanda de pessoas com deficiência que tem, que ainda estão em casa fora do sistema educacional (...) (Coordenadora de Educação Especial).

A imprecisão da Coordenação de Educação Especial quanto aos dados sobre a demanda de estudantes deficientes visuais atendidos e em espera de atendimento, demonstrando a ausência de um controle mais sistemático também foi percebida nos discursos dos gestores e coordenadores pedagógicos do CAP, que revelaram insegurança quanto ao número de alunos atendidos no ensino médio, ao discorrerem sobre a questão:

No ensino médio, mais ou menos 60 a 100. (Diretora do CAP).

Nós atendemos cerca de 80 a 90 alunos em ensino regular. No ensino médio eu não tenho precisão pra te dar aqui agora, mas eu posso lhe dar, a posteriori de quantos estão no ensino médio e no ensino fundamental. (Vice-diretor do CAP).

Nós temos em média cinqüenta alunos na rede regular sendo que alunos eles estão no CPA e em cursinhos de pré-vestibular. (Coordenador pedagógico do CAP).

Ao analisar a articulação do CAP e colégio, concluiu-se que o modelo de gestão da Educação Especial da Bahia provocava uma reação em cadeia, cujos efeitos repercutiam no cotidiano da instituição escolar onde foi realizada essa pesquisa, pois sequer abordava o tema da inclusão em seus documentos orientadores: Projeto Político Pedagógico (PPP) – 2001, Regimento Escolar (RE) – 2004 e o Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE) – 2005, embora integrasse em seu corpo discente alunos deficientes visuais. A ausência dessa temática nesses documentos refletia-se na prática efetiva a partir do momento da matrícula, em que não eram utilizados mecanismos, que desde então identificassem o aluno com deficiência visual, não sendo também do conhecimento geral da direção, vice direção e coordenação pedagógica o número total desses estudantes matriculados.

A sala de recursos é o serviço que intermediava a atuação do CAP no colégio, coordenada por um professor especialista que tem como uma das tarefas, auxiliar os professores das disciplinas na sua relação pedagógica com o aluno deficiente visual. Um fato que chamou bastante atenção na análise era a posição marginal desse serviço, bem como a do profissional especialista no contexto escolar. Além de não serem reconhecidos como parte constitutiva de todo processo pedagógico eram, em alguns casos, desprestigiados.

(...) a gente tem uma sensação, digamos assim, de um papel de intrusa, aí você chega à coordenação e todo mundo lhe olha. O professor lhe olha; até hoje o diretor da escola pergunta: você é daqui? Você é do CAP? Quer dizer, eles ainda não entendem o trabalho da gente. Participar de uma reunião? Se você não está ali cobrando eu que exijo – vai ter reunião de professor? Eu quero participar! -, vai ter um conselho? Eu quero participar. Quer dizer, eu, é que busco, mas não que a coisa flui; (...) nada disso eles se importam, a gente é só isso aí, mero transcritor – Ela está para passar material deles – Eles usam vários termos, mas esse reconhecimento como professor que está ali pra ser suporte para ser um complemento à gente não tem, infelizmente a gente não tem. (Professora especialista).

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De acordo com as entrevistas a relação entre o profissional especialista da

sala de recursos e a direção, vice direção, coordenação pedagógica e demais professores era marcada por intensos conflitos. Os professores especialistas não eram convidados nem mesmo para as reuniões de Atividade Complementar (AC). Silva (2004), sobre essa questão escreve:

A professora especialista, aos olhos dos outros professores, é apenas professora dos alunos com deficiência visual, distanciando-a do corpo docente da escola, cuja coordenação pedagógica não percebe a importância desse profissional para além das suas relações específicas com aqueles alunos (...). (p. 155).

O Núcleo de apoio didático-pedagógico tem por objetivo trabalhar aspectos específicos da educação do deficiente visual no turno oposto ao que o aluno está na escola. O Núcleo de Produção Braille assumia mais concretamente a tarefa de subsidiar o estudante deficiente visual com relação às atividades acadêmicas propriamente ditas, devido à incumbência da produção de material didático adaptado.

Os representantes da direção, vice direção e coordenação pedagógica do CAP destacaram o trabalho desses dois núcleos, quando questionados sobre as atividades realizadas que contribuíam para viabilizar a inclusão educacional.

Mesmo com razoável aparato tecnológico existente no CAP, os estudantes demonstraram insatisfação constante sobre o processo de inclusão. A acessibilidade ao material didático adaptado era o principal motivo do descontentamento, o que gerava no aluno com deficiência visual um sentimento de inferioridade diante dos colegas videntes, além de comprometer seu rendimento escolar e dificultar a interação com os professores das disciplinas. Quando questionados sobre a compreensão das aulas expositivas, isto é, se conseguiam acompanhar, absorver o conteúdo, notou-se um embaraço por parte de todos os estudantes com frequente oscilação na entonação da voz, sendo ressaltada a importância do acesso ao material didático adaptado, em tempo hábil, como se evidencia na fala abaixo:

Eu estou com um material de artes já tem mais de três meses e até hoje não vi na minha mão ainda. Eles alegam, eles ficam dizendo que – ah! A demanda é grande -, não dá pra entregar o material em tempo hábil, mas tem que agilizar o processo, então como a gente vai ficar na escola? Perdido? Sempre o vidente vai ser mais ágil que a gente. Enquanto o vidente já estudou a apostila, a gente não pegou nem a nossa ainda. (estudante do 3º ano).

O apoio aos professores das disciplinas para o trabalho educativo com o deficiente visual era insuficiente, constatado quando analisada a maneira como interagiam entre si. Foram constantes os relatos salientando o despreparo para intervenção pedagógica com estes alunos. Não se realizava nenhuma atividade com os professores das disciplinas com o objetivo de superar conflitos e melhorar o processo ensino-aprendizagem.

A análise da percepção tanto dos professores das disciplinas, quanto dos estudantes, acerca da atuação do CAP na efetivação da proposta inclusivista revelou entendimentos que apontam para questões que devem ser redirecionadas para uma melhor consecução dos objetivos da instituição.

Por parte dos professores das disciplinas, constatou-se vaga compreensão

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sobre o conceito de inclusão educacional. Enfocaram apenas a realidade do estudante com deficiência sem considerar o contexto educacional geral, desconhecimento sobre a legislação que dispõe sobre educação especial, bem como da existência do CAP e incompreensão sobre sua missão.

Quanto à percepção dos alunos, verificou-se avaliação insegura sobre o apoio prestado, críticas sobre a efetiva prática da atuação do CAP, notadamente no que tange à falta de articulação entre a instituição e os professores das disciplinas sobre suas especificidades educacionais.

A abordagem do rendimento escolar dos estudantes participantes da pesquisa foi intencionalmente escolhida para conclusão desta análise, pois se constitui como elemento fundamental para a avaliação de como vem sendo implementada a proposta inclusivista e, no caso específico dessa pesquisa, da atuação do CAP no trabalho de apoio aos estudantes com deficiência visual. Capellini (2002), acerca do assunto argumenta:

O desempenho acadêmico, não é a única variável que deve ser considerada ao se avaliar um sistema inclusivo, porém não pode ser ignorado, pois ele oferece indicativos importantes para redirecionar o processo. (p. 7).

A observação do rendimento dos estudantes nas disciplinas, registradas nas cadernetas de notas, demonstrou um desempenho em geral mediano em relação às áreas de humanas (língua portuguesa, história, geografia e filosofia), quanto às ciências exatas e naturais (matemática, física, química e biologia) não atingiram o escore mínimo exigido para aprovação (obtenção de vinte pontos por disciplina, perfazendo a média de cinco pontos por unidade). Ficou evidente que não alcançaram o nível de aprendizagem esperado nos processos avaliativos, embora essa realidade de baixo desempenho não seja exclusiva dos alunos com deficiência visual.

Dos cinco estudantes participantes da pesquisa, dois obtiveram aprovação tendo que cursar a disciplina matemática do 1º ano paralelamente à série regular e três foram conservados. Um resultado que refletia os entraves até aqui assinalados, provenientes da falta de apoio necessário da Secretaria de Educação ao CAP, da desarticulação entre CAP e colégio, da tensa relação entre os professores das disciplinas e da sala de recursos, das dificuldades dos alunos devido à oferta insuficiente e em tempo hábil de materiais didáticos adaptados, dentre outros fatores.

Considerações Finais Diante da análise dos dados e do que até aqui foi considerado, o CAP,

enquanto materialização da política pública de inclusão educacional de deficientes visuais, carece de revisão, tanto no que concerne às diretrizes teórico-metodológicas, que o fundamenta, quanto às ações implementadas. Contudo, é importante frisar que o redirecionamento proposto não tem como foco a atuação dos sujeitos (professores, coordenadores, gestores), por não ter sido esse o objeto de estudo.

Objetivando contribuir para um salto de qualidade desse processo, relacionou-se alguns aspectos constatados no decorrer da pesquisa sobre a atuação do CAP e apontadas sugestões que consideramos pertinentes para a melhoria do atendimento, quais sejam: apoio mais efetivo da Secretaria de Educação da Bahia na disponibilização de recursos e equipamentos; conhecimento da demanda do número de alunos atendidos e daqueles em espera de atendimento, por parte dos

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representantes da Coordenação da Educação Especial da Bahia e do CAP; estreitamento das relações entre o CAP e o colégio, visando impulsionar discussões na comunidade escolar a respeito dos estudantes deficientes visuais para que as mesmas sejam incorporadas aos documentos orientadores da instituição (Projeto Político Pedagógico, Plano de Desenvolvimento Escolar e Regimento Escolar); realização de atividades, com a finalidade de conscientizar a comunidade escolar sobre o papel do professor especialista; viabilização da oferta de material didático adaptado e sua entrega em tempo hábil.

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O LUGAR DA DEFICIÊNCIA ENTRE OS ÍNDIOS PRIMITIVOS78

Patrícia Carla da Hora Correia79

Este artigo pretende discutir sobre o lugar do índio com deficiência dentre os povos mais primitivos que habitavam às Américas. Esse lugar era determinado por convivências ora de aceitação, tolerância e respeito, ora de discriminação e de extinção e que podem de certa forma ter influenciado os modos de conviver do índio brasileiro. Essa discussão preliminar faz parte do projeto intitulado Modos de Conviver do índio com deficiência: estudo de caso na Etnia Indígena.

É sabido que nas Américas habitavam povos das mais fascinantes riquezas e des-ses povos a atitude em relação a pessoa com deficiência também seguia desde a aceitação e respeito, até a mais completa rejeição e eliminação. Pois como afirma Silva (1986):

Anomalias físicas ou mentais, deformações congênitas, amputações traumáticas, doenças graves e de consequências incapacitantes, sejam elas de natureza transitória ou permanente, são tão antigas quanto a própria humanidade (Silva, 1986, p. 21).

Desse modo, mesmo entre os povos primitivos das Américas, chamados ameríndios, existiam pessoas com deficiência e cada povo de acordo com a sua cultura determinava o desígnio da pessoa com deficiência. E esse destino seguia geralmente dois caminhos: o caminho do acolhimento, tolerância e aceitação e o caminho da aniquilação, extermínio. As pessoas que faziam parte deste grupo eram os doentes, velhos, deficientes físicos, mutilados de guerras, anões e etc. E é importante acentuar que esses dois caminhos foram encontrados tanto entre os povos mais cultos e sofisticados, bem como os mais rudes e agressivos.

Dos povos que habitavam as Américas, os três mais discutidos e estudados são os povos pré-colombianos: Maias, Astecas e Incas. São considerados alóctones, pois as suas origens são entremeadas por hipóteses dos pesquisadores: a primeira que chegaram ao continente pelo Estreito de Bering e a segunda através de vias marítimas. Deste então construíram impérios das montanhas, vales, florestas e etc que encontraram, como demonstra o quadro abaixo:

78 Este artigo faz parte da tese intitulada A CONVIVENCIA DO INDIO COM DEFICIÊNCIA NA ETNIA PANKARARÉ do Programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, Grupo de Pesquisa em Necessidades Educativas Especiais; 79 Mestre em Educação Especial pela Universidade Estadual de Feira de Santana e Centro Latinoamericano de Educação Especial e doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia. [email protected];

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Fonte: www.colegio.com.br/HTML/Pizzolato/Homem

Os povos Maias Os povos Maias viviam nas florestas da Guatemala e Honduras entre os

séculos IV a.C. e IX a.C. É a mais antiga da civilizações, embora não tenha atingido o mesmo nível urbano dos Astecas e Incas. Viviam em grupos étnicos e linguísticos e ocuparam a América central por mais de vinte anos. Fizeram grande evolução na matemática e astronomia. A nobreza Maia incluía sacerdotes, guerreiros, comerciantes, além de chefes das cidades-estados, eleitos a cada três anos e nestas cidades existia a escravidão. Tiveram uma grande ascendência intelectual, onde alguns europeus chegaram a compará-los com os gregos, pela sua importância cultural. Harmonizou o calendário com o ano solar e elaboraram informações importantes para as fases da lua.

As construções dos Maias são formas fabulosas. O objetivo das criações era para o culto religioso. Tinham escadarias, frisos e lapides. As escadas conduziam os sacerdotes para o interior da pirâmide e o povo ficava na base. Diante das gigantescas construções ainda não se entende como de uma hora para outra as cidades foram abandonadas completamente pelos seus integrantes(mais ou menos 600 a. C.)fazendo com que as florestas tomassem conta das suas construções formando verdadeiras ruinas. Algumas hipóteses apontam para a exploração indevida dos meios de subsistência ou invasões bárbaras. Mas tarde um novo império maia foi erguido e a sua cultura foi reestabelecida até a chegada dos espanhóis. Os seus livros foram queimados pelos padres alegando eram escritos demoníacos, mas na verdade eles sabiam que aqueles escritos poderiam propagar a cultura maia.(Adelson, 2005)

Percepção de Deficiência entre os Maias Para muitos povos na antiguidade, bem como para os Maias, a deficiência

era um castigo de Deus. Não se tem um número exato de pessoas com deficiência entre esses povos, principalmente porque as famílias escondiam os seus filhos com medo das retaliações da sociedade, além do mais, essas pessoas não tinham acesso aos serviços e aos trabalhos que eram estabelecidos para a sua classe, já que era uma sociedade altamente hierarquizada. (Silva, 1986)

Ainda hoje é complicado falar com uma família Maia sobre deficiência já que é um tema altamente delicado, um vez que envolve a perda da alma e a punição dos

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deuses, dessa forma nem sempre estão dispostos a falar sobre o assunto.80

O que se encontrava, em grande número, entre os maias eram os anões, escritos em pedras ou em urnas funerárias aparecendo, principalmente, para diversão nas festas, escravos e muitos morreram nessas condições já que eram abusados por seus donos ou enviados como presentes. (Adelson, 2005)

Os povos Astecas Os Astecas são politeístas e a sua monarquia que é hereditária, acreditam

serem escolhidas por deuses astrais e naturais. A sua economia era baseada na agricultura, pesca e caça, com sociedade hierarquizada com mobilidade social. Dentre os Astecas existia a escravidão e a cobrança de tributos determinando ainda mais a separação entre as classes. O sacrifício Asteca era severo e objetivava fazer oferendas, cultuar deuses ou fazer festas para os dirigentes. Acreditavam que o sangue humano fazia a terra não parar. Possuíam um calendário próprio e a sua escrita era pictórica. Apresentavam um relativo conhecimento sobre a anatomia humana e conseguiam curar algumas doenças.

Estabeleceram-se onde é a cidade do México, em meados do século XIV, quando foi fundada a cidade de Tenochtitlan. Chegaram a fazer fronteira com os Maias, mas foram com a chegada dos espanhóis em 1519.

Percepção de deficiência entre os Astecas Os povos Astecas, embora tivessem uma prática de sacrifício muito cruel,

não sacrificavam as pessoas com deficiências, pois os sacrifícios eram para adoração e culto aos deuses e uma pessoa com anomalias não poderia ser sacrificada. Entretanto por ordem de Montesuma, Deus maior entre os Astecas, as pessoas com deficiências deveriam ser guardadas em locais parecidos com Jardins Zoológicos para que pudessem ser ridicularizadas81.

Os povos Incas O império Inca desde o ano de 1200 até 1533 e sua extensão atingiu terras

onde se encontram os países do Chile, Bolívia, Peru e Equador. Era uma sociedade essencialmente agrícola e desenvolveram um plantio em forma de escada, aproveitando o relevo do local onde viviam. Existia um sistema de pagamento de tributos, mas aquele que não conseguia pagar poderia em alguns meses trabalhar para o estado. O Imperador era conhecido como O Inca, liderança mais importante, existiam ainda os nobres, lideres religiosos, lideres militares, governadores e camponeses.(Adelson, 2005)

Existia dualidade no culto Inca, pois existia o bem e o mal. Realizavam sacrifícios de animais e humanos para o culto aos deuses, agradecer boa colheita ou ainda demonstrar vitória sobre um inimigo. Existiam vários templos construídos, o mais importante era o dedicado ao deus Sol em Cuzco, com uma circunferência de 360º. A arquitetura Inca é a grande relevância deste povo, possuindo templos, casas, estradas que duraram cerca de 100 anos para ficarem prontos. Outra curiosidade apresentada pelos Incas é a forma de correio que era realizada por mensageiros que se revezava durante o caminho. 80 http://www.multicsd.org/doku.php?id=mayan 81 (Comissão Pastoral de Direitos Humanos, 1997)

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Percepção de deficiência entre os Incas Para os povos Incas as pessoas com deficiência estavam endemoniadas e a

forma encontrada por eles para a retirada dos espíritos maus era a prática da trepanação craniana, pois eles acreditavam que os maus espíritos habitavam a cabeça da pessoa com deficiência. Essa prática consistia em um buraco feito no crânio e a partir da sangria o espírito era removido. (Silva, 1986)

É importante entender como eram tratados os índios com deficiência em todo o mundo e principalmente na América. A maneira como os índios com deficiência foram e são tratados nas diversas etnias brasileiras pode ser reflexo do tipo de convivência que se estabelecia nestes grupos e isso se reflete consubstancialmente no aprender a ser e a conviver da pessoa com deficiência.

Referências:

ADELSON, B. The Lives of Dwarfs: Their Journey from Public Curiosity toward Social Liberation Piscataway, NJ: Rutgers University Press, 2005;

ADELSON, B. (2005). Dwarfism: Medical and Psychosocial Aspects of Profound Short Stature. Baltimore: Johns Hopkins University Press;

AMARAL, L. Conhecendo a deficiência. São Paulo: Companhia de Hércules, 1995;

AMARAL, L. Pensar a diferença/ deficiência. Brasilia: CORDE, 1994;

RIBEIRO, B. Os índios das águas pretas modos de produção e equipamento produtivo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995;

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977;

ROMEU, Nuria Illan. Sobre el concepto de normalidad. In: Educación especial: pasado, presente y futuro. Cuba: Yerba, 1992. 4 p;

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdades entre os homens. Brasília: Unb, 1989;

SILVA, Aracy Lopes da e GRUPIONI, Luís Donisete Benzi.(org) A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília, MEC/MARI/UNESCO, 1995;

SILVA, Otto Marques da. A Epopéia Ignorada: A pessoa Deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986;

THEVET, André. Manuscrito Inédito: tradução e notas. São Paulo: Nacional, 1944;

TOURAINE, Alain. Podremos vivir juntos? Iguales y diferentes. Petrópolis: Ed. Vozes,1999;

STAINBACK, Susan. Inclusão: um guia para educadores. Tradução Magda França Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999;

THOMAS, Georg. A Política indigenista dos portugueses no Brasil, 1500 - 1640. São Paulo: Loyola, 1982;

Aprender a viver juntos: será que fracassamos? – Brasília: UNESCO, IBE, 2003. 123p;

VERENE, Mario Roberto. Políticas Especiais para populações indígenas com necessidades especiais em Rodônia: o duplo desafio da diferença. Dissertação(Mestrado) Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Núcleo de Ciências e Tecnologias. Programa de Pós-graduação – Porto Velho, 139p. 2005.

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