diagnostico participativo
DESCRIPTION
ÂTRANSCRIPT
Centro de Acolhida da Caritas Arquidiocesana de São Paulo organiza diagnóstico participativo de solicitantes
de refúgio e refugiados em conjunto com ACNUR
No último dia 19 de outubro, os agentes do Centro de Acolhida para Refugiados da Caritas reuniram estrangeiros
que estão em São Paulo na condição de refugiados ou que aguardam a apreciação de seus pedidos de refúgio
pelo Comitê Nacional para Refugiados (o CONARE).
O objetivo da reunião era o de dar voz às principais dificuldades que estes estrangeiros enfrentam no Brasil assim
como às suas conquistas, segundo a sugestão anual feita pelo Alto Comissariado das Nações Unidas.
A atenção às necessidades da chegada e da
integração dos refugiados na sociedade
brasileira é a preocupação central do Centro
de Acolhida mantido pela Caritas. Há quase
25 anos, a entidade é parceira do ACNUR,
com o qual vem trabalhando conjuntamente
em diversas atividades. O diagnóstico
participativo é uma delas.
Os refugiados recebem a proteção do
governo brasileiro, em virtude de terem
sofrido perseguições ou estarem diante de
risco de terem seus direitos suprimidos por
simples questões políticas, religiosas, de
raça, nacionalidade ou pertencimento a
determinado grupo social.
Enquanto o Governo brasileiro analisa o pedido de refúgio feito pelos estrangeiros recém-chegados ao país, estes
também têm assegurada a autorização para permanência provisória em território nacional e para trabalharem
formalmente, mediante documentação própria.
No entanto, estes direitos não garantem a amplitude ou integralidade da proteção que é necessária para cumprir
com todos os objetivos da Lei brasileira de refúgio e nem com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil,
para a efetivação de Direitos Humanos.
A vida real e diária impõe muitos outras desafios
que vão além da garantia de permanência de
refugiados e solicitantes de refúgio em
território nacional e do oferecimento de
documento de identidade e de trabalho. A
disponibilidade e a qualidade de locais de
albergamento para acolher os estrangeiros no
momento da chegada; o aprendizado da língua
portuguesa; a inserção real dos solicitantes e
refugiados ao mercado de trabalho ou a
atividades lícitas de geração de renda; a
efetivação de ações de assistência social
adequadas ao perfil dos estrangeiros em
condição extrema de vulnerabilidade; o
reconhecimento de documentos estudantis; o
esclarecimento da população brasileira e,
especialmente, dos agentes públicos sobre o
sentido e necessidade de proteção de estrangeiros refugiados são algumas das questões que, ano a ano,
presentam novos desafios, com as mudanças e o aumento dos fluxos de migração forçada que chegam ao Brasil.
São Paulo é, atualmente, a cidade brasileira que concentra o maior número de refugiados e, também, que registra
o maior número de chegadas de solicitantes de refúgio no Brasil.
A oficial de programas do ACNUR, Renata, e a Coordenadora do Centro de Acolhida para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo durante o diagnóstico. Foto: Larissa Leite
Temas gerais de sugestão de debate são apresentados aos grupos, como nesta roda de mulheres de diversas nacionalidade. Foto: Larissa Leite
A rede de proteção para esta população vem se estabelecendo há mais de duas décadas, mas atualmente se
encontra diante de um extraordinário crescimento de demanda, revelado pelos números: em 2010, o Centro de
Acolhida da Caritas cadastrou 310 novos pedidos de refúgio encaminhados ao CONARE; em 2011, foram 661 novas
solicitações; em 2012, 1802 e até setembro de 2013, já foram registrados outros 2334 novos pedidos de refúgio.
Além disso, ao longo dos anos, a mudança no cenário internacional e a superveniência de novos conflitos que
geram o deslocamento forçado de pessoas têm alterado o perfil da população que chega ao Brasil clamando pela
proteção internacional do refúgio.
O agravamento da crise em países como a Síria e a República Democrática do Congo e, de outro lado, a superação
da guerra civil em Angola e na Libéria são exemplos destas alterações no cenário internacional que têm gerado
reflexos no perfil da população refugiada no Brasil.
Por isso, é fundamental que as entidades vocacionadas ao trabalho com refugiados e solicitantes de refúgio
estejam constantemente em busca da adaptação às novas realidades, para que possam de fato contribuir para a
assistência, integração e proteção destes estrangeiros em especial condição de vulnerabilidade.
Neste ano de 2013, a Caritas e o ACNUR realizaram duas reuniões com refugiados e solicitantes de refúgio, com
o intuito de ouvi-los, de construir em conjunto propostas para a solução dos problemas centrais e, também, de
compartilhar as conquistas já alcançadas.
No último dia 19 de outubro, um destes
diagnósticos foi realizado e, pensando no novo
perfil que se verifica em São Paulo, a equipe do
Centro de Acolhida da Caritas resolveu utilizar
dinâmicas novas, para maximizar o potencial da
atividade.
Assim, por exemplo, além de prever a discussão
de temas em grupos de mulheres e homens
adultos (como tradicionalmente se vinha
fazendo), a equipe organizou atividades a serem
realizadas entre crianças e, também, entre os
adolescentes refugiados (que chegam em
número cada vez mais crescente ao Brasil,
inclusive desacompanhados dos pais).
Optou-se, também, por buscar um espaço fora das
instalações da Caritas, onde os solicitantes e
refugiados são diariamente atendidos pelos
programas de assistência social, integração,
proteção e saúde mental, mantidos em convênio
com o ACNUR. Esperava-se que a “mudança de
ares” promovesse um ambiente mais livre e menos
vinculado aos serviços já prestados, para que todo
o universo da vida dos estrangeiros pudessem ser
trazidos para o debate. Além disso, manteve-se o
convite para que representantes de entidades
governamentais e não-governamentais cujo
trabalho está ligado à assistência e integração dos
refugiados participassem do diagnóstico na
qualidade de observadores, com o intuito de
permitir a todos um contato mais direto para
estreitar os laços entre as instituições e as pessoas.
Roda de crianças: uma das inovações do diagnóstico participativo de outubro. Foto: Larissa Leite
Dinâmicas com os refugiados e solicitantes de refúgio adolescentes: outra aposta na diversidade. Foto: Larissa Leite
Ao todo, cerca de 40 refugiados e
solicitantes de refúgio (vindos de 9 países)
participaram do diagnóstico, que ainda
contou com a presença de 9 observadores
externos e com a colaboração de 18
funcionários e voluntários da CASP, além de
2 funcionárias e 1 estagiária do ACNUR.
O pessoal do Centro de Acolhida da Caritas e
do ACNUR se distribuir entre as funções de
coordenadores e relatores de grupos de
discussão e pessoal de apoio para o registro
do evento, para a recepção dos convidados e
para a organização geral do material e
lanche, servido ao final.
Em cada um dos grupos, muitas questões que vêm sendo enfrentadas diariamente pelos refugiados e solicitantes
de refúgio foram levantadas. Questionamentos foram feitos sobre o comportamento das instituições, de seus
agentes e da população brasileira. Sugestões e propostas foram elaboradas em conjunto. Alternativas criativas
foram compartilhadas, assim como boas notícias sobre conquistas junto ao governo foram anunciadas.
A mais recente e de maior destaque recebeu os
aplausos do grupo masculino: segundo
informação divulgada na semana anterior, o
Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) relativo
aos “refugiados” não mais trará esta expressão
escrita, sendo substituída pela referência à Lei
9474/97 – que cria o Estatuto dos Refugiados no
Brasil. Há anos, tem sido relatada a discriminação
de estrangeiros que trazem consigo um RNE em
que se consigna a palavra “refugiado”
(erroneamente associada com a prática de
alguma conduta ilícita pelo indivíduo). Por isso, a
substituição da palavra pela indicação da Lei
9474/97 foi recebida com alegria pelos
participantes do diagnóstico em São Paulo.
Mas o tema da discriminação ainda trouxe à mesa muitas manifestações - e em todas as salas, inclusive na
ocupada pelas crianças.
Através de atividades lúdicas conduzidas por
uma equipe coordenada pela psiquiatra
Renata Teixeira da Silva, as 4 crianças
presentes foram convidadas a falar sobre sua
realidade no Brasil e o pequeno iraniano
contou que alguns de seus colegas de escola
estão sempre a provoca-lo, por ser
estrangeiro.
Na sala dos (8) adolescentes, foi destacada a
discriminação racial, durante a colagem de
fotografias de revistas, pela qual a psicóloga
Taeco Toma e sua equipe estimularam a roda
de conversa sobre os problemas enfrentados
e sonhos nutridos por este grupo.
Voluntários do Centro de Acolhida da Caritas Arquidiocesana de São Paulo trabalham no diagnóstico. Foto: Larissa Leite
Refugiado observa modelo do novo RNE. Foto: Larissa Leite
Cartaz elaborado pelos adolescentes: “queremos falar sobre racismo”. Foto Larissa Leite
A dificuldade para conseguir emprego pelo fato
de ser estrangeira foi relatada por uma mulher
síria, que chegou às lagrimas ao contar sua
história, diante de suas outras 15 colegas
estrangeiras.
Por fim, a intervenção feita por um ancião
maliense resumiu inúmeras colocações feitas no
grupo dos homens sobre o tema da
discriminação:
“Por que os africanos não estão sendo aproveitados no Brasil? Onde está o problema? Uma resposta: no Brasil,
as pessoas não conhecem o que seja um refugiado e têm medo. Os brasileiros não falam isso, mas esta é a
realidade. Eles pensam que refugiado é um bandido”.
Assim como o tema da discriminação, as dificuldades sobre
moradia e albergamento, educação, trabalho, segurança,
participação comunitária, assistência social e repatriação
voluntária aos países de origem foram discutidas pelos grupos,
com a apresentação de sugestões e propostas – tudo sendo
anotado pelos relatores.
Todo o material coletado durante o diagnóstico participativo
será sistematizado, para avaliação dos trabalhos que vêm sendo
desenvolvido pelo Centro de Acolhida para Refugiados da
Caritas e pelo ACNUR, para a adoção das medidas imediatas que
diretamente lhes digam respeito e para o encaminhamento das
demandas que dependam da intervenção de outras entidades.
Não se olvida que a realização coletiva de tamanha “chuva de
ideias” gera, como fruto imediato, uma renovação da urgência
das mudanças e uma expectativa de todos os envolvidos pela
solução dos problemas suscitados.
Mas, aproveitar esta mobilização de sentimentos para a elaboração de planos coletivos e para início de sua
realização parece ser o que melhor se pode esperar de um diagnóstico como este!
Por Larissa Leite
Refugiada síria conta sua história no Brasil. Foto: Larissa Leite
Relatores registram todas as contribuições dos grupos,
enquanto os participantes dão suas contribuições.
Foto: Larissa Leite