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Brinquedos óticos e o cinema expandido: Entendimento da teoria do cinema a partir de seus primórdios. 1 Flávio Augusto Vieira Christo* Érika Savernini Lopes** RESUMO Longe de ser uma arte criada por uma única pessoa ou país, o cinema foi desenvolvido por séculos, através de uma gama enorme de dispositivos e invenções. O cinema é, portanto, o clímax de várias tecnologias, e a junção de diferentes formas de pensar artisticamente. Desde Aristóteles até 1895, abordaremos a história e os inventos de vários pensadores que se debruçaram sobre a ideia de criar imagens em movimento, assim como são vistas no mundo concreto. Passando por países como França, Inglaterra e EUA, várias invenções prepararam o caminho e a forma de pensar da população para a chegada devastadora do cinema. Palavras-chave: Brinquedos óticos. Cinema. Cinema Expandido. ABSTRACT 1 Trabalho apresentado no GT Estéticas e estudos da imagem * Mestrando de Comunicação Social da FACOM/UFJF. E-mail: [email protected] ** Professora adjunta do Departamento de Comunicação e Artes da FACOM/UFJF, responsável pela disciplina Metodologia de pesquisa em comunicação. E-mail: [email protected]. IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais https://ecomig2016.wordpress.com/ | [email protected]

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Brinquedos óticos e o cinema expandido: Entendimento da teoria do

cinema a partir de seus primórdios.1

Flávio Augusto Vieira Christo*

Érika Savernini Lopes**

RESUMO

Longe de ser uma arte criada por uma única pessoa ou país, o cinema foi

desenvolvido por séculos, através de uma gama enorme de dispositivos e invenções. O

cinema é, portanto, o clímax de várias tecnologias, e a junção de diferentes formas de

pensar artisticamente. Desde Aristóteles até 1895, abordaremos a história e os inventos de

vários pensadores que se debruçaram sobre a ideia de criar imagens em movimento, assim

como são vistas no mundo concreto. Passando por países como França, Inglaterra e EUA,

várias invenções prepararam o caminho e a forma de pensar da população para a chegada

devastadora do cinema.

Palavras-chave: Brinquedos óticos. Cinema. Cinema Expandido.

ABSTRACT

Far from being an art created by a single person or country, cinema has been

developed for centuries, through a huge range of devices and inventions. Cinema is

therefore the climax of various technologies, and a junction of different ways of thinking

artistically. From Aristotle until 1895, we will address a story and the inventions of various

thinkers who have focused on an idea of creating moving images as they are seen in the

concrete world. Passing through countries like France, England and the USA, several

inventions paved the way for a way of thinking the population for a devastating arrival of

the cinema.

Keywords: Optical toys. Cinema. Expanded Cinema1 Trabalho apresentado no GT Estéticas e estudos da imagem* Mestrando de Comunicação Social da FACOM/UFJF. E-mail: [email protected]** Professora adjunta do Departamento de Comunicação e Artes da FACOM/UFJF, responsável pela

disciplina Metodologia de pesquisa em comunicação. E-mail: [email protected] Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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Introdução

Uma releitura dos brinquedos óticos se faz necessária para o entendimento do

cinema expandido na atualidade. O presente estudo visa entender o funcionamento destes

dispositivos e empreender uma busca no conhecimento das teorias básicas do cinema.

Aquilo que o caracteriza por sua essência. Este entendimento da necessidade de retornar

aos primórdios da animação se dá pelo reconhecimento de que uma teoria realmente

abrangente do cinema é aquela que insere, não apenas o que é vendido hegemonicamente,

mas também o que é produzido por artistas e teóricos que discutem a real função do

cinema, além dos mais variados tipos e formatos do mesmo. Isso por que o entendimento

atual e mainsream do cinema é muito pouco abrangente para dar conta de todas as

possibilidades que o aparato cinematográfico pode ter.

Durante vários séculos, diferentes tecnologias foram se desenvolvendo para que

fosse alcançado o ápice da apresentação cinematográfica, a chegada do trem à estação

projetada pelos Irmãos Lumiére em 1895. Esse momento é muitas vezes visto como o

marco zero da invenção do cinema, o que também é reivindicado pelos norte americanos

através das pesquisas de Thomas Edison. Mas no lastro dessa projeção há uma enorme

gama de pesquisas e inventos que não podem ser desconsiderados, o que torna a invenção

do cinema algo multinacional e também pertencente a vários autores e pensadores que,

através de séculos, pavimentaram o caminho da imagem em movimento.

Trataremos, portanto, das formas mais básicas de apresentação do cinema, para

em outra ocasião podermos abordar o que é feito atualmente. Por ora, a pesquisa terá foco

no que por muitos é considerado antecessor do aparato cinematográfico. Passando pelo

entendimento do cinema expandido, entraremos na seara dos aparelhos óticos, das lanternas

mágicas e dos jogos de espelhos, tão famosos entre os séculos XV e XIX. Embora possa

parecer uma sucessão de inventos, não há um nexo causal entre várias dessas invenções.

Tentaremos, portanto, eliminar a ideia de que os inventos se deram sucessivamente. Essas

pesquisas e invenções aconteceram em várias partes do globo, muitas vezes sem nenhuma

relação com o que era produzido em outro ponto do planeta. Os dispositivos que

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apresentaremos aqui, assim estão reunidos pois são os que, de certa forma, melhor

representam o desenvolvimento do cinematógrafo. São esses objetos, que antecederam e

alicerçaram a criação do que hoje entendemos como cinema, que serão apresentados nesse

trabalho.

1 O Cinema além da tela

Desde a sua popularização, a palavra cinema acabou sendo conhecida por sua

polissemia. Ao mesmo tempo que pode significar um espaço (aquele onde o filme é

projetado), também significa o ato de fazer o filme, além de também poder ser entendida

como a arte em que se cria imagens em movimento. Sendo assim, há um misto de

significados em que o termo pode enquadrar-se, e por isso mesmo se perde grande parte

daquilo que poderia ser entendido como cinema e não o é. Isso por que, muito mais por

motivos comerciais e ideológicos que por entendimento artístico, o termo “cinema” acabou

sendo mais comumente identificado como o espaço em si, aquele que de acordo com

Michaud é “estritamente dividido entre a sala e a tela, sendo esta concebida como uma

janela aberta para uma profundidade fictícia” (MICHAUD, 2014. p.23).

Ainda de acordo com Michaud (2014), muito além de seu aspecto de

espetáculo, o cinema foi criado como uma forma de pensar a imagem. E, se o pensarmos

simploriamente como uma evolução da fotografia pode-se notar que o caminho é, na

verdade, distinto. Enquanto a invenção fotográfica tem como objetivo a fixação de um

instante no tempo, o cinema pensa na não fixação, na manutenção da imagem fluida e

movimentada. São, portanto, diferentes em suas concepções, e não semelhantes apenas por

em alguns momentos usarem o mesmo aparato físico de captura. Em outras palavras, dizer

que cinema e fotografia são iguais, ou até mesmo consequência um do outro, limita a forma

de pensar as técnicas, além de cercear o entendimento artístico de cada veículo a um único

meio físico de apresentação. (MICHAUD, 2014)

É, no entanto, inegável que a fotografia em celulose foi de grande importância

no desenvolvimento do cinema. Como veremos adiante, pesquisadores e pensadores se

debruçaram por anos sobre as questões de como tornar as projeções fluidas e com

movimento real, sem a necessidade de criação de imagens artificiais, através de desenhos

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feitos em lâminas de vidro ou refletidos em espelhos (MANNONI, 2003). A partir disso,

chegamos ao entendimento de que desde seus primórdios, o cinema é pura e simplesmente

animação. Antes da popularização do gênero, principalmente propiciada por criadores

como Walt Disney, o aparato cinematográfico era em síntese a animação de desenhos

inanimados. Assim como afirma Cholodenko “Não é o caso de apenas recentemente, com a

o advento da animação digital, filme tornar-se animação. Para nós (pesquisadores), o filme

nunca não foi animação2” (CHOLODENKO, 2008, p.1)

O Jesuíta Athanasius Kircher, por exemplo, lançou em 1645 o livro “A grande

arte da luz e da sombra”, onde descrevia suas experiências com a lanterna mágica e, já

naquela época, fazia projeções de imagens em tamanhos gigantescos, o que assustava e

admirava seus contemporâneos. Essas projeções de seres fantasmagóricos, diabos e

animais, eram realizadas através de desenhos feitos à mão, que eram projetados pela luz de

uma vela (MANNONI, 2003).

Voltando ao aparato cinematográfico, é preciso também salientar que há, como

é hegemonicamente conhecido, três aspectos do cinema que não são necessariamente

pertencentes a ele. O fotográfico, como já foi mostrado acima, a projeção e o espaço do

espetáculo. Desde a popularização, é comum se pensar no cinema com uma única

apresentação possível: Pessoas sentadas em uma sala, onde na tela é projetado um material

que foi previamente gravado em um aparato semelhante ao fotográfico. O questionamento

do cinema expandido é sobre o real vínculo desses aspectos com o que representa o cinema

(MICHAUD, 2014).

Longe de negar que essa é também uma das formas de apresentação

cinematográfica, a questão é dizer que na verdade ela não é a única. Visto que os

brinquedos óticos, que não tinham ou têm nenhum desses aspectos, são também cinema,

pois apresentam aquele que sim é o ponto básico deste. A ilusão do movimento. O filme

segundo Michaud, não se relaciona “apenas com a fotografia, mas também com o desenho,

a pintura, a escultura, a arquitetura” (2014). Assim vemos que a limitação do ideal fílmico

circunscrito aos aspectos da tríade “projeção, fotografia e espaço do espetáculo” restringe o

entendimento do que é cinema, e por isso não deve ser considerada como único ponto de

comparação e delimitação dessa arte. Longe de tentar esmiuçar aqui o que seria o cinema

2 For us, it is not the case that only recently, with the advent of digital animation, film became animation. For us, film has never not been animation. (tradução livre)

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expandido, vamos abordar adiante formas de apresentação do cinema que vieram antes da

projeção de 1895 e, desta forma, demonstrar que o cinema vai além daquilo que se conhece

de sua superfície.

2 Brinquedos óticos

Uma longa linha de invenções sucede o surgimento do cinema como

conhecemos. Nosso objetivo não é descrever exaustivamente toda a linha sucessória de

inventos que antecederam a surgimento do cinema, até mesmo por que isso nos deixaria a

beira do erro ou da não exatidão dos fatos, mas sim fazer um panorama cronológico em que

seja possível o entendimento do desenvolvimento tecnológico e dos estudos da ótica e do

movimento.

Os brinquedos óticos estudados nesse artigo são das mais variadas origens e

funções, mas trazem entre si uma característica em comum: a ilusão do movimento. Esse é

o diferencial que os torna não pré-cinematográficos, mas cinematográficos em si. Alguns

desses objetos traziam não apenas a ilusão do movimento a partir de desenhos em

sequência, mas sim com jogos de espelho e luzes que tornavam a experiência muito mais

atraente. Esse é o caso do “Praxinoscópio” (imagem 1), um aparelho onde imagens

colocadas em uma tira circular colocada ao redor de um pequeno cilindro com espelhos,

assim, quando essas imagens rodavam, era projetada no espelho a ilusão de movimento que

podia ser vista por uma expectador externo (MANNONI, 2003).

Imagem 1: Praxinoscópio

Desde Aristóteles, onde se encontra o primeiro relato referente à câmara escura,

até 1895, muita coisa se desenvolveu. No século XIII o inglês Roger Bacon publica um IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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manuscrito onde descreve o funcionamento de uma câmara escura, e demonstra seus usos

para a astronomia, a partir desse ponto a invenção se espalha pela Europa. O objeto descrito

consiste em uma câmara fechada com apenas um orifício que dá acesso ao ambiente

externo. Assim, quando iluminado este ambiente, a luz entra pelo orifício e projeta uma

imagem idêntica e invertida do mesmo na parede oposta ao orifício na câmara. Esta técnica

foi utilizada durante séculos por pintores que tentavam chegar a uma imagem mais próxima

possível do real, e ao entendimento da perspectiva como a que temos atualmente

(MANNONI, 2003).

Já no século XVII, Athanasius Kircher se torna o responsável pela evolução da

câmara escura para seu caminho inverso. Se antes ela era usada para ver imagens externas

que eram projetadas para dentro da câmara, agora a fonte de luz foi colocada dentro da

mesma, e projetava imagens para o ambiente externo. Com avançado conhecimento de

ótica, Kircher desenvolveu lentes e formas de emissão de luz que tornavam as projeções em

espetáculos.

Desde o uso de lâminas desenhadas, até o desenvolvimento de sua máquina de

metamorfoses, onde ele, usando uma roda com desenhos variados e a luz do sol que entrava

por uma janela, projetava em um espelho imagens onde o expectador via sobre seus ombros

a cabeça de bestas e animais. Aqui já é possível observar o caráter de animação do cinema.

Imagens artificiais interagindo e sendo integradas com o mundo concreto. Ilusões de

movimento e de metamorfoses. Todos esses aspectos estão presentes, portanto, desde o

inicio da invenção cinematográfica. Guardaremos, no entanto, o aspecto da projeção para

ser discutido mais adiante. Avançando alguns séculos na linha de desenvolvimento,

abandonaremos agora a câmara escura, apenas para retomá-la mais a frente, com maior

propriedade e desenvolvimento. Chegando agora já no século XIX (MANNONI, 2003).

2.1 - Taumatrópio

Este é o mais simples brinquedo ótico a ser descrito nesse trabalho. Isso porque

consiste em um pedação de madeira com desenhos que se completam nas faces opostas. O

experimento, no entanto, veio como forma de demonstrar um fenômeno do olho humano

chamado “persistência retiniana”. Descrito pela primeira vez em 1º de dezembro de 1820

na cidade de Londres, no Quarterly Journal of Science, em um artigo assinado por J.M

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(acredita-se ser o John Murray, redator do jornal). Nesse artigo é descrito como os raios da

roda de uma carroça ao passar em frente a uma cerca vertical pareciam como linhas curvas

(MANNONI, 2003). Em 1826, Charles Babbage, John Herschel e Willian Henry Fitton

desenvolvem o taumatrópio (Imagem 2) .

Imagem 02: Ao ser girado, o objeto causa a ilusão de que o pássaro está dento

da gaiola.

2.2 Fenaquistoscópio

Munido da ideia da persistência retiniana, a partir de 1827 Joseph Plateau

desenvolveu uma série de inventos que trabalharam principalmente o movimento. O mais

importante deles é, sem dúvidas o fenaquistoscópio (Imagem 3). O dispositivo foi

composto por dois discos paralelos, um com pequenas fendas onde é possível olhar, o

outro, com imagens em sequencia que, quando girados, davam a impressão do movimento.

O expectador, no entanto, precisava olhar pelas fendas do primeiro disco para ter essa

impressão, isso por que, sem a interrupção da visão por breves momentos, como acontece

com a mudança quase imperceptível do frame, por exemplo, a imagem não seria fluida,

apareceria apenas uma sequencia de imagens que não são vistas como movimento. A

grande revolução desse invento foi mostrar que a sensação do movimento é também

dependente da forma como a percepção humana é estimulada (MANNONI, 2003).

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Imagem 3: Fenaquistoscópio de Plateau.

2.3 – Estereoscópio e Bioscópio

A invenção do Estereoscópio (Imagem 4) data de 1833, e é atribuída ao inglês

Charles Wheatstone, sendo considerada uma das primeiras experiências de animação

tridimensional propiciadas por um aparelho ótico. Trata-se de um dispositivo com duas

lentes, uma ao lado da outra, onde eram colocados em frente duas imagens parecidas, mas

com pequenas diferenças. Ao colocar o olho em cada lente, a visão fundia as duas imagens,

e assim era possível perceber ter a sensação de volume. O projeto foi aperfeiçoado pelo

francês Jules Doboscq que viu no objeto uma boa oportunidade de negócios. Sendo assim,

em 1851, Duboscq apresentou em uma exposição na Inglaterra seu aparelho com lentes

binoculares. Nos seis anos seguintes, o estereoscópio se tornaria uma febre na Europa,

tendo vendido mais de 500 mil exemplares.

Imagem 4: Estereoscópio.

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O bioscópio (imagem 5) veio do aperfeiçoamento do estereoscópio, juntando a

ideia do fenaquistoscópio de Plateau. Nesse caso, a imagem em movimento era muito mais

impressionante, pois era isolada do mundo externo e vista dentro do dispositivo. Juntando,

portanto, o movimento conseguido por Plateau e o volume desenvolvido por Dubocq, o

bioscópio dava, nas palavras do próprio Duboscq “a impressão de relevo e mobimento, ou a

impressão da vida”. (MANNONI, 2003. p.244 ).

Imagem 5: Bioscópio

2.4 – O revolver fotográfico

Não abordamos, e nem é nossa pretensão abordar, o desenvolvimento da

fotografia. Sendo ela uma tecnologia que evoluiu paralelamente ao que até o momento foi

descrito neste texto, chegou nesse momento ao ponto de confluência com o assunto sobre o

qual tratamos. Pulando algumas décadas no tempo, chegamos a 1874, quando Jules Janssen

apresenta seu projeto de revolver fotográfico. Nele era descrito um dispositivo um disco

giratório revestido de emulsões fotossensíveis que ficavam expostos para as lentes objetivas

de sua câmara fotográfica a intervalos mais ou menos regulares. Assim, era possível fazer

uma sequência de fotos de uma mesma cena, em momentos diferentes. Esta tecnologia foi

pensada para fotografar o fenômeno cósmico da passagem da lua pela coroa solar, muito

aguardado pelos astrônomos da época. Sendo assim, Janssen partiu com a comitiva francesa

para o Japão, a fim de registrar essa passagem. Nesse ponto, vemos o surgimento da

sequência fotográfica, mas ainda não seu uso em movimento, este viria apenas um tempo

depois. Foram tiradas 48 fotografias sequenciais, durante 72 segundos. As imagens

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causaram grande fervor na comunidade astronômica europeia, pois era possível observar

com precisão, embora as imagens não fosse muito nítidas, fenômenos como a coroa solar,

por exemplo, que na época acreditava-se ser apenas um fenômeno da refração da atmosfera

terrestre, e não algo real (MANNONI, 2003).

Imagem 6: Passagem de Vênus pela coroa solar – Jules Janssen,

1874.

2.5 Eadweard Muybridge

Muybridge era inglês radicado em Nova York, e ganhava a vida como

fotógrafo. Tendo em determinado momento conhecido Leland Stanford, então governador

da Califórnia, tornou-se de certa forma seu protegido. A história não é muito clara para a

execução da história que se segue, mas o relato encontrado, e ao que parece, o mais

verossímil, seria que Stanford havia feito uma aposta onde dizia que, durante a corrida, um

cavalo tirava em alguns instantes as quatro patas do chão. E além disso, que em outros

momentos apoiava-se apenas em uma das patas dianteiras. Muybridge foi então convocado

para ser o fiel da balança dessa aposta, e dela surgiu a sequência de fotos de primordial

importância para o cinema (MANNONI, 2003).

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Imagem 7: O cavalo em movimento, 1878.

Para produzir essa sequência, Muybridge posicionou 24 câmeras uma ao lado

da outra, elas foram acionadas durante a passagem do cavalo diante de suas objetivas. A

comunidade científica ficou tão impressionada com o feito que desacreditava ser possível.

Em 1879, Muybridge chega então a conclusão de que suas imagens impressionantes

deveriam ser expostas de forma mais espetacular, e por isso recorre à lanterna mágica para

projetá-las. Eles esbarra, no entanto, no mesmo problema já conhecido por outros

entusiastas da projeção: A transcrição do material para as lâminas de vidro usadas na

mesma. Este era, contudo, um problema fadado a ser resolvido, o que viria a acontecer

pouco mais de uma década depois (MANNONI, 2003).

2.6 – O voo da pomba

Ètienne-Jules Marey foi um fisiologista francês nascido em 1830. Nunca antes

havia se interessado por fotografia, era, na verdade, um entusiasta da cronologia, da

medição de tempo. Em um de seus experimentos ele então viu na fotografia uma

ferramenta útil a suas pesquisas. Com a efervescência do trabalho de Muybridge, começou-

se a enxergar na fotografia uma nova forma de, por exemplo, analisar o voo. Outra

influencia de Marey foi a descrição de Ernest Onimus, onde um tubo com uma sequencia

de papeis foto sensíveis pudessem ser colocados dentro de uma câmara escura e fossem

expostos apenas lá dentro, estes poderiam captar imagens daquilo que la dentro acontece

(MANNONI, 2003).

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Este breve enunciado das principais influencias de Marey é apenas para mostrar

o que o levou a chegar àquilo que o marcou na história do cinema. Fato é que, em 1890,

durante seu experimento, ele soltou uma pomba e a fotografou em pleno voo, captando todo

seu movimento, em uma sequencia cronofotográfica feitas com uma mesma câmera, e não

mais com várias, como foi o caso de Muybridge. Há aqui, no entanto, a resolução de um

problema sobre o qual os estudiosos se debruçavam há anos. Nesse momento, o movimento

foi captado em um suporte transparente e maleável. A celulose. À partir de então, a

projeção de imagens diretamente da fotografia passou a ser possível (MANNONI, 2003).

Também é de Marey a invenção do zootrópio. Dispositivo onde imagens

sequenciais eram cortadas dos filmes e coladas na borda de um disco com as abas

levantadas, ao girar, davam a ilusão do movimento (MANNONI, 2003). Mas não é ai que

termina a história de Marey no cinema. Em 1889, George Eastman pensou em um suporte

maleável para a fotografia. Assim então surgiu a fita de celulose, que foi e ainda é usada

nos filmes em película. Em 1890, já existiam de forma separada projetores, câmeras, fitas

de filmes em celulose, obturadores e a Roda de Genebra, um mecanismo que poderia fazer

o filme rodar, no entanto, todas essas tecnologias existiam separadas, não haviam sido

postas em um mesmo dispositivo (BORDWELL; THOMPSON, 2013). Todas essas

invenções permitiram à Marey exibir suas imagens em sequência de forma a que todos

pudessem observar. O zootrópio, apesar de dar a ilusão do movimento, não era satisfatório.

O problema da projeção incomodou Marey por anos, e em 1892, mesmo que de forma

rudimentar, ele foi capaz de solucioná-lo, e então estava, de fato, dissipado o problema

existente entre a fotografia e lanterna mágica (MANNONI, 2003).

Já em 1893, um assistente de Thomas Edison chamado W. K. L. Dickson

inventou uma câmera que rodava filmes curtos em uma bitola de 35mm. Para Edison, o

cinema não era visto como uma moda passageira e, talvez por isso, não tenha pensado antes

no sistema de projeção. Ao invés disso, criou o cinetoscópio, aparelho onde assistiam a

filmes individualmente. Indo pela contramão dessa ideia, os irmãos Lumiére pensaram em

como usar uma lanterna mágica que, quando colocada atrás da sua câmera de captura,

criavam um projetor onde o filme era exibido. E então, em 28 de dezembro de 1895, tem-se

a notícia de uma de suas primeiras exibições públicas (BORDWELL; THOMPSON, 2013).

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Conclusão

O desenvolvimento do cinema não é uma invenção que possa ser reivindicada

por um país, pessoa ou grupo de pessoas. A lista de dispositivos e a evolução de

pensamentos necessários para chegar à projeção dos Irmãos Lumière em 1895 é muito

maior do que a apresentada nesse trabalho, embora a que aqui foi mostrada, aponta de

forma contundente a necessidade de olhar para a arte cinematográfica de forma mais plural.

Se considerarmos cinema desde seu aspecto mais primordial, ou seja, a imagem em

movimento, vários desses brinquedos óticos apresentados, e até alguns que ainda não foram

descritos nesse trabalho, podem ser considerados sim cinematográficos. A limitação de

cinema à sua concepção tradicional e homogênea não é apenas incompleta, mas também

excludente. Há uma gama enorme de representações de imagens em movimento que podem

ser exploradas e não o são, por falta de espaço comercial. O cinema é, portanto, uma arte

abrangente, que desde seu principio pretende trazer a si a maior quantidade de diversidade

nas formas de apresentações possível. Os brinquedos óticos, que em importância não tem

nada de brinquedos, não só alfabetizaram e prepararam a população para a chegada do

cinema, eles já eram cinema, e assim como tal, já faziam de si um grande espetáculo.

.

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