desigualdade social e novas tecnologias no sistema escolar ... · o tamanho da turma 58...
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Biblioteca Virtual Marian e Arthur Edelstein Série E-books Desigualdade social e novas tecnologias no sistema escolar brasileiro Julie Remold Série E-books 1, Março 2006
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais http://www.centroedelstein.org.br
Copyright © 2006. Julie Remold. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio de comunicação para uso comercial sem a permissão escrita dos proprietários dos direitos autorais. A publicação ou partes dela podem ser reproduzidas para propósito não-comercial na medida em que a origem da publicação, assim como seus autores, seja reconhecida. ISBN 85-99662-05-8 Centro Edelstein de Pesquisas Sociais Rua Visconde de Pirajá, 330/1205 Ipanema - Rio de Janeiro - RJ CEP.: 22410-000 Brasil
Sumário Resumo 1 Agradecimentos 2 Abstract 1 introdução 3 Organização 6 Metodologia 9 Capítulo i. Tecnologia educacional e mudança social 12 O uso da tecnologia e o pensamento religioso 14 Transmissão cultural e legitimação 22 A tecnologia e a promessa de uma eqüidade maior 25 Capítulo ii. Tecnologia e educação pública no brasil 39 Tecnologia da informação e comunicação nas escolas brasileiras 46 Interesse público e privado 49 Interesses privados 49 Defendendo os interesses públicos 53 Capítulo iii. Condições iniciais desiguais 57 O tamanho da turma 58 Alfabetização 62 Professores qualificados 68 Capítulo iv. Desigualdades de acesso 76 Acesso a laboratórios de informática 78 Equipamentos, programas e conectividades 82 Material comercial 92 Capítulo v. Viés das instituções 96 Engajamento ativo 102 Enfoque no produto versus processo 111 Trabalhos de repetição e prática e de reforço 116 Desafios e perspectivas positivas 120 Computadores para motivação 124 Capítulo vi. Objetivos desiguais: integração curricular versus aulas de informática 130 Ensinando cidadania 136 A integração curricular e o aprendizado incidental 141 Mudanças na integração curricular 147 Conclusão 151 Referências 158
Figuras Figura 1: Percentagem de escolas brasileiras de nível fundamental e médio com acesso a computadores, Internet e laboratórios de informática. 2000 – 2003. 47 Figura 2: Guarda-Roupa da Mônica. Um dos jogos gratuitos disponíveis no portal da Turma da Mônica. 90 Figura 3: Visão geral da taxonomia dos processos de aprendizado em diferentes formas de educação de Strauss 143 Tabela Tabela 1: Taxa bruta de matrícula 42
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Resumo
Este trabalho analisa como o uso da tecnologia na educação básica brasileira é influenciado
pelo contexto cultural. Eu examino como o contexto molda a capacidade da tecnologia de
melhorar a qualidade e a eqüidade da educação. Descrevo os impactos que as tecnologias
educacionais têm sobre os ambientes onde são utilizadas. Esta pesquisa centrou-se nas
iniciativas educacionais difundidas que propõem melhorar a igualdade na educação pública
através do uso crescente da tecnologia. Uso uma combinação de observação participativa
em sala de aula e congressos educacionais, entrevistas com educadores e administradores,
e análise do discurso público sobre o relacionamento entre tecnologia, educação e inclusão
social, para analisar os padrões do uso da tecnologia nas escolas brasileiras e seu impacto
sobre a igualdade.
Abstract
This work examines how technology use in Brazilian basic education is influenced by
cultural context. I examine how context shapes the capacity of technology to improve
educational quality and equity. I describe the impacts that educational technologies have on
the settings in which they are used. This research focused on the widespread educational
initiatives that propose to improve equality in public education through increased
technology use. I use a combination of participant observation in classrooms and
educational meetings, interviews with educators and administrators, and analysis of public
discourse on the relationship between technology, education, and social inclusion to
analyze patterns of technology use in Brazilian schools and their impact on equality.
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Agradecimentos
Muitas pessoas contribuíram, para que este trabalho pudesse ser realizado. Gostaria de
agradecer:
Ao meu Orientador, Professor Bernardo Sorj Iudcovsky, pela s várias discussões
provocantes que tivemos sobre os temas de tecnologia da informação e desigualdades e por
seu apoio ao longo do processo de planejamento, de pesquisa, e de redação deste trabalho.
À professora Maria Helena Magalhães de Castro também foi fonte de contínuo apoio,
dando sugestões bibliográficas importantes, auxílio com métodos e pesquisa e também me
encorajando durante meu trabalho.
À professora Maria Ligia Barbosa participou de minha banca de projeto de tese,
contribuindo com sugestões importantes para minha tese.
Aos professores de minhas disciplinas no IFCS, que me ajudaram a construir o referencial
teórico necessário para estes trabalho.
Aos membros da banca.
Às várias professores, aos funcionários das escolas, aos funcionários do ProInfo e às
secretarias locais que educação que me fizeram sentir bem-vinda em suas salas de aulas e
escritórios. Eles foram de instrumental importância para a execução deste trabalho.
À Micheline Christophe, com seu capricho no trabalho de tradução de parte desta tese.
Ao CNPq, pela bolsa e pelo auxílio financeiro.
Finalmente, a meu marido, Jose Acacio de Barros, pelo seu estímulo e ajuda ao longo de
todos os estágios de minha tese.
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Introdução
Tem-se afirmando há muito tempo que a tecnologia educacional pode ser projetada e
usada de forma a promover a igualdade de oportunidades na educação (Sutton, 1991), mas
que também é possível projetar tecnologia educacional e lançar programas de uso da
tecnologia nas esco las que aprofundam a barreira entre privilegiados e desfavorecidos
(Attewell, 2001; Warschauer, 2003). Uma investigação das diferenças comuns entre o uso
da tecnologia escolar em áreas de alta e baixa renda mostra que, além do acesso desigual
aos recursos, as desigualdades subjacentes no método educativo e nas expectativas têm
influência sobre a política tecnológica educacional e a implementação de programas de
tecnologia. Programas desenvolvidos dentro do quadro destas desigualdades têm
resultados desiguais. O compromisso da tecnologia de promover a igualdade educacional é
limitado pelo contexto social no qual é utilizada e pelo conjunto de expectativas sob as
quais os programas são projetados. Este trabalho discute a introdução de novas tecnologias
na educação, sua influência sobre a igualdade e as formas em que seu uso é influenciado
pelo contexto social.
Previsões otimistas sobre o futuro da tecnologia da informação (TI) na educação pública
freqüentemente incluem alegações de que a TI traz desenvolvimentos na igualdade de
oportunidades educacionais (Carvin, 2000). Diferentemente das ferramentas educacionais
tradicionais, a importância do contexto é subestimada à medida que soluções tecnológicas
são aplicadas para resolver problemas educacionais. Diferenças na qualidade da infra-
estrutura, na capacitação dos professores, na preparação dos estudantes e nos objetivos
administrativos, em geral, não são levadas em conta, com a suposição de que tecnologias
similares produzirão resultados similares em contextos variados.
A promessa da tecnologia de superar algumas barreiras tradicionais à igualdade, tais como
o isolamento geográfico e as barreiras de idioma, contribuiu para um alto nível de otimismo
em relação ao futuro da tecnologia na educação, e contribuiu para priorizar os
investimentos públicos em programas de tecnologia educacional (Revenaugh, 2000),
incluindo investimentos substanciais em tecnologia educacional em programas
internacionais de desenvolvimento. Mas a relação entre tecnologia e igualdade não é direta,
e é limitada a evidência em defesa das políticas que se apóiam no acesso crescente à
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tecnologia, como veículo para o desenvolvimento da igualdade.
Sociólogos da educação no exterior, especialmente nos Estados Unidos, concluíram que, na
prática, a tecnologia não leva ao desenvolvimento da eqüidade de oportunidades e
realmente às vezes aumenta a desigualdade. Eles argumentam que os usos e impactos da
tecnologia são moldados pelo contexto social. Eles abordam a pesquisa social em educação
em geral para demonstrar que a tecnologia educacional é similar a outras iniciativas
educacionais no sentido de possibilitar a reprodução de desigualdades. Em relação à
educação pública em geral, a capacidade da tecnologia de produzir mudança social é
limitada pelo contexto social e cultural.
As inibições do contexto cultural sobre o uso da tecnologia nas escolas foram descritas
desde a década de 1980 (Schofield, 1995). Natriello (2001) aplicou teorias sobre a
desigualdade na educação em geral para analisar o caso da tecnologia. Ele argumenta que a
tecnologia não é diferente de outras iniciativas educacionais e que além do contexto
institucional, as oportunidades de aprendizagem são moldadas pelo ambiente familiar e
pelos antecedentes das crianças, pela natureza do uso da tecnologia e pelo conteúdo em si.
“Iniciativas tecnológicas que ignoram a complexidade das instituições educacionais
contribuirão para a ineqüidade tal como outros elementos nas escolas o fizeram”
(Natriello, 2001).
Agalianos (1996), Attewell (2001) e outros mostraram que é improvável que a
tecnologia criada e implementada dentro de contextos sociais existentes produza mudanças
revolucionárias por si. Warschauer (Warschauer, 2003) reiterou a afirmação de que o
contexto é importante, e que acrescentar tecnologia não necessariamente traz o
desenvolvimento educacional e que “tanto pode exacerbar a desigualdade como diminuí-
la”. Esses autores alegam que diferenças na forma de utilização da tecnologia são
influenciadas pelo contexto social e cultural e que o impacto destes usos é mediado pelos
antecedentes do aluno e seu ambiente familiar.
Outros (Bromley and Apple, 1998) argumentaram em termos mais gerais que a tecnologia
em si, não tendo sido criada em um vácuo, tem um viés, um pouco como conseqüência do
contexto social no qual foi criada. Para estes autores, mesmo que se pudessem controlar as
diferenças no uso da tecnologia, os resultados variariam, em função deste viés.
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Para os teóricos críticos, programas educacionais orientados para o mercado também são
problemáticos. Eles afirmam que a educação é cada vez mais delineada como um ato de
consumo e preparação para participação no mercado de trabalho, e alegam que a educação
dirigida ao mercado não prepara as crianças para as responsabilidades da cidadania,
especialmente a resistência à desigualdade social.
“Deveríamos nos lembrar que [...] o conhecimento orientado para o mercado não
deveria ser o único discurso oferecido pelas escolas para os jovens, que a cidadania
não é inteiramente um negócio privatizado, e que capitalismo e democracia não são a
mesma coisa” (Giroux, 2001, p. xxvii).
Freire e outros escreveram extensamente sobre a importância da pedagogia crítica na
educação, com especial atenção às mudanças trazidas pela nova economia da informação
(Castells et al., 1999). Eles afirmam que a pedagogia crítica é necessária para o
desenvolvimento de uma cidadania com a liberdade de pensamento necessária para se
enfrentar a desigualdade social e a injustiça. Freire chamou este tipo de educação de
concientização e a descreveu por oposição à educação que é realizada como operação
bancária, com professores depositando conhecimento na cabeça dos aprendizes.
Cientistas sociais também discutiram as limitações de uma abordagem educacional
direcionada para o mercado. Bartlett et al. (Bartlett et al., 2002) demonstraram como
programas educacionais orientados para o mercado estão substituindo os programas
orientados para a cidadania, nos Estados Unidos, e mostram como estas metas restringiram
a educação pública e limitaram sua capacidade de preparar integralmente os estudantes para
a cidadania. Iniciativas de educação tecnológica foram freqüentemente associadas ao
planejamento educacional orientado para o mercado, uma vez que são tão freqüentemente
justificadas em termos da preparação para a participação na força de trabalho.
Uma dura crítica ao modelo bancário da educação atingiu o discurso sobre o ensino e a
aprendizagem no Brasil, com as teorias construtivistas da aprendizagem assumindo um
papel central nas conferências e seminários educacionais. Por isso, há no meio educacional
uma firme intenção de se afastar das abordagens da aprendizagem passiva e este interesse
tem marcado a discussão sobre o uso educacional da tecnologia. A característica interativa
das tecnologias de informação as tornou atraentes para educadores interessados em se
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voltar para a participação ativa de alunos e para habilidades cognitivas complexas. Mas as
mudanças são algumas vezes superficiais e os trabalhos dos alunos continuam sendo
avaliados como simples inventários de conhecimentos adquiridos.
O impacto das teorias da aprendizagem sobre a prática cotidiana em sala de aula é um tanto
limitado. Isto ocorre em parte devido às visões sobre o que é a aprendizagem e o que as
escolas deveriam ensinar. Tanto alunos quanto professores estão concentrados no que são
consideradas habilidades cognitivas menos complexas, de acordo coma taxonomia de
Bloom do domínio cognitivo (Anderson et al., 2001). Avaliam o sucesso do ensino e da
aprendizagem de acordo com a capacidade do aluno de recordar e entender conhecimento.
Quando os professores aplicam teorias da aprendizagem e experimentam novas abordagens
de ensino, seu sucesso é freqüentemente medido unicamente com base da competência dos
alunos de recordar e, no máximo, compreender conhecimento. Nos raros casos em que os
alunos são solicitados a aplicar, analisar, avaliar ou criar conhecimento, o valor educacional
de tais exercícios é em geral medido pela capacidade dos alunos de recordar informação.
Esta tese observa como os fatores social, político, cultural e organizacional influenciam o
uso da tecnologia nas escolas públicas brasileiras e como isso afeta a capacidade da
tecnologia de melhorar a igualdade educacional e a educação em geral. Ao antecipar esta
idéia, fiz extensas comparações com o uso da tecnologia na educação nos Estados Unidos.
Investiguei o uso da tecnologia nas escolas, atenta às metas declaradas e aos resultados do
uso da tecnologia previstos pela pesquisa educacional. Minha pesquisa sugere que o
contexto social e cultural impactam os programas de tecnologia nas escolas. Examino como
as iniciativas tecnológicas encontradas nas escolas brasileiras facilitam ou restringem suas
metas educacionais e sociais declaradas, especialmente o objetivo de melhorar a igualdade
de oportunidades.
Organização
Esta tese está organizada da maneira apresentada a seguir. O Capítulo I é uma revisão
geral da literatura relacionada à tecnologia educacional e mudança social, especialmente
igualdade. Discutirei o otimismo disseminado, tanto no Brasil, quanto internacionalmente,
a respeito da promessa da tecnologia de melhorar a eqüidade educacional. Retiro exemplos
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encontrados na imprensa brasileira e internacional, em pesquisas e observações de
educadores e de autoridades educacionais – tanto publicamente como em entrevistas e
conversações.
O capítulo II é uma descrição da educação pública fundamental e média brasileira. A
descrição da educação pública brasileira se concentrará sobre os fatores que contribuem
para uma eqüidade maior, tais como a obrigatoriedade da escolaridade fundamental e
média, assim como os que apresentam desafios adicionais à igualdade, tais como férias
escolares muito longas, falta de professores, taxa de repetência extremamente alta, e um
sistema de três turnos de aula. Discutirei as diferenças entre os objetivos educacionais das
escolas mais elitizadas e das localizadas em área de baixa renda, incluindo as diferenças no
planejamento da tecnologia e de suas metas. Traço um panorama geral da disponibilidade e
do uso das tecnologias de informação nas escolas, incluindo previsões para o futuro
baseadas nas iniciativas em curso. Finalmente, discutirei a literatura relativa ao papel dos
interesses privados, especificamente da indústria de tecnologia educacional, no crescimento
da tecnologia educacional nas escolas. O Capítulo III descreve o impacto da desigualdade
existente sobre o sucesso dos programas de tecnologia, destacando, por exemplo, o impacto
dos níveis de alfabetização sobre as habilidades dos alunos de usar o computador e as
diferenças que professores qualificados fazem na ajuda aos alunos para que façam um uso
efetivo da tecnologia. Tem-se argumentado que os níveis de qualificação dos professores
são a melhor variável individual de predição da efetividade do uso da tecnologia, o que é
consistente com minhas observações nas salas de aula brasileiras. Este capítulo também
descreverá o impacto que as iniciativas de tecnologia podem ter sobre as escolas com
orçamentos muito limitados e as conseqüências de se responder às pressões da tecnologia
com compras de equipamentos, que são raramente acompanhadas por treinamento e
investimentos de manutenção necessários.
O Capítulo IV discute as desigualdades do acesso à tecnologia. Enquanto as estatísticas
indicam que as escolas brasileiras que atendem aos alunos de renda mais alta têm mais
probabilidade de ter computadores que as escolas que atendem aos alunos de baixa renda,
as diferenças no acesso são em geral muito mais complexas e as desigualdades de acesso
podem ser até maiores do que parecem. Neste capítulo discutirei minha experiência de
campo, mostrando que o acesso à tecnologia é determinado por uma quantidade de fatores
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que incluem a adequação do espaço do laboratório de informática ao número de alunos de
uma turma, o pessoal disponível para manter o laboratório aberto e os computadores
funcionando adequadamente, a qualidade do equipamento, dos aplicativos e da
conectividade, e a disponibilidade de uma seleção de materiais educacionais. Eu alego que
esses fatores colocam dificuldades para muitas escolas, mas que são um desafio maior para
as escolas públicas.
O capítulo IV descreve os efeitos dos viés das instituições sobre os resultados dos
programas de tecnologia e os categoriza de acordo com os tipos de viés das instituições
delineados na pesquisa antropológica. Segundo Diamond (2004), concentrações de alunos
de baixa renda ou Afro-americanos nas escolas dos Estados Unidos “estão profundamente
associados a um nivelame nto entre a expectativa dos professores em relação aos alunos e a
redução em seu senso de responsabilidade na aprendizagem do aluno”. Minhas observações
apontam padrões similares no Brasil. Alunos de áreas de baixa renda usam mais
provavelmente o computador para realizar exercícios que exigem apenas uma tarefa para
sua execução, ao contrário da importância dada ao engajamento ativo do aluno na literatura
sobre a informática educativa. Eles parecem gastar mais tempo adquirindo habilidades
técnicas específicas através da prática, as quais, diferentemente do conhecimento adquirido
através da exploração, não podem facilmente transferir para outras tecnologias. Seus
materiais educativos desempenham geralmente o papel de ferramentas motivacionais sem
ligação com o conteúdo, contribuindo pouco para aumentar seu interesse de longo prazo no
material que está sendo estudado. Finalmente, escolas de nível sócio-econômico baixo
usam mais freqüentemente os computadores como ferramentas corretivas, não oferecendo
novos materiais. À medida que os objetivos educacionais se deslocam do desenvolvimento
de habilidades independentes de aprendizagem para uma orientação a habilidades técnicas
específicas e à execução de tarefas simples, há uma redução na qualidade e nos resultados
do uso da tecnologia (Selwyn and Williams, 2001).
O Capítulo VI compara os programas educacionais de tecnologia voltados a ensinar
habilidades computacionais específicas com aqueles voltados a integrar o uso da tecnologia
ao currículo regular. Muitas escolas, especialmente as de áreas de baixa renda, têm
carências de treinamento de professores, de infra-estrutura, de pessoal e de tempo de
planejamento para o uso dos computadores integrados ao currículo. Os computadores
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nessas escolas foram em geral financiados com a intenção explícita de servir de apoio aos
currículos existentes, mas os professores em geral relutantemente passaram a usar os
computadores para ensinar habilidades de computação. Apesar das vantagens das
habilidades específicas de computação para alunos na iminência de ingressar no mercado
de trabalho, a pesquisa sugere que os alunos que aprendem incidentalmente a usar a
tecnologia, ao longo do seu uso normal como uma ferramenta, podem ser mais capazes de
transferir esta habilidade para novas situações, à medida que estas surgirem (Strauss, 1984).
Assim, para a maioria das crianças, que deverão ingressar no mercado de trabalho depois
que os atuais softwares tiverem se tornado obsoletos, aulas de computação podem não ser a
melhor maneira de adquirir habilidades computacionais.
Nas minhas conclusões, sumarizei as restrições que o contexto impõe ao uso da tecnologia
e aos resultados dos programas de tecnologia. Discuto as limitações da tecnologia como um
catalisador para a mudança social e a importância de se manter programas educacionais de
tecnologia paralelamente a programas centrados na promoção da eqüidade. A tecnologia
pode fazer muito para melhorar a educação como um todo, mas não se pode esperar que
resolva os problemas da desigualdade social.
Metodologia
A pesquisa para esta tese foi realizada nos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais
em escolas de ensino fundamental e médio. Muito da pesquisa de campo foi realizada em
visitas a escolas municipais, estaduais e particulares, onde observei a tecnologia em uso e
entrevistei professores e administradores. A maioria dos professores com quem conversei e
das escolas que visitei faz parte da minoria dos que usam computadores regularmente. Um
número menor de professores que não usam o computador regularmente também
concordou em conversar comigo.
Muitos de meus primeiros contatos com professores foram feitos através das Mostras de
Informática na Educação organizadas pela Superintendência local do ProInfo em Juiz de
Fora e pela Secretaria de Educação de Juiz de Fora, no final dos anos letivos de 2003 e
2004. Estes eventos ocorreram em dois ou três dias e foram oportunidades para que
professores entusiasmados tanto de escolas públicas quanto privadas apresentassem seu uso
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da tecnologia computacional aos seus pares. Muitos professores trouxeram exemplos de
trabalhos feitos por alunos ou trouxeram os próprios estudantes para ilustrar seu trabalho
com a tecnologia.
Alguns contatos adicionais foram realizados através de conhecidos que trabalham em
escolas nos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Também participei de eventos
adicionais, conversas e conferências voltadas ao uso da tecnologia na educação inclusive
palestras e workshops sobre Ensino Superior. No caso do Ensino Superior, limitei minha
pesquisa a programas voltados à preparação de futuros professores, matriculados nos
programas de licenciatura, para o uso da tecnologia em suas salas de aula.
Cabe mencionar que não sou nativa na língua portuguesa. Como americana realizando um
trabalho de campo no Brasil, minhas habilidades lingüísticas em português limitaram
minha capacidade de registrar longas citações de professores e alunos. Escolhi não utilizar
equipamentos de gravação por considerar que chama muito a atenção em sala de aula e por
que o nível de barulho ambiental na maioria das salas de aula tornaria a gravação inútil.
Esforcei-me ao extremo para colher citações-chave de conversas reconstruídas, mas para
maximizar a velocidade de minhas anotações, misturei observações em inglês com citações
em português. Estas citações tendem a ser curtas e tentei fornecer o máximo de contexto
possível para ajudar a dar-lhes sentido.
Esta pesquisa inclui algumas observações comparativas com experiências de outros países
com histórico mais antigo de uso de computador nas escolas. Meus antecedentes incluem
vários anos de trabalho em tecnologia educacional na região do Vale do Silício, na
Califórnia, onde o uso do computador tanto é amplamente difundido como bem
documentado (Cuban, 2001). Minhas observações de campo são provavelmente
influenciadas por este ponto de vista. Incluí alguma pesquisa sobre a literatura de outros
países onde os computadores são usados nas escolas, em larga escala, há décadas.
Ao comparar o relativo desempenho acadêmico de alunos de áreas de baixa renda com os
de ambientes mais privilegiados, devo esclarecer que acredito ser possível que as escolas
tenham sucesso com alunos de origens variadas. Reconhecendo as vantagens de alunos de
origens mais privilegiadas, por exemplo, aqueles que começam a vida escolar com alguma
habilidade básica de leitura ou os que aprendem as habilidades da língua formal em casa,
acredito que um sistema escolar desenhado para fornecer o mesmo currículo para todos os
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estudantes deve ser acessível aos que não possuem estas vantagens. Ao mesmo tempo em
que não defendo uma educação compensatória, penso que as escolas precisam fazer tanto
quanto lhes for possível para assegurar que as desigualdades que existem fora da escola não
sejam acrescidas de mais desigualdade na escola.
Dois fatores tornam o caso brasileiro particularmente interessante para um estudo
comparativo sobre a relação entre tecnologia educacional e igualdade. Primeiro, a história
relativamente recente do uso de computadores na escola dá aos formuladores de políticas
públicas e aos educadores uma oportunidade de se beneficiarem da experiência de países
que utilizam os computadores nas escolas há décadas, especialmente os Estados Unidos.
Segundo, como um país com extrema desigualdade social, o impacto da tecnologia sobre a
igualdade educacional é considerada importante aqui, e as políticas de tecnologia são em
geral especificamente esboçadas tendo em mente metas igualitárias.
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Capítulo I. Tecnologia Educacional e Mudança Social
Este capítulo discute várias áreas da pesquisa social relevantes para uma discussão
sobre a relação entre tecnologia educacional e mudança social, no Brasil. Eu começo com
uma seção discutindo as limitações de uma visão determinista tecnológica, a importânc ia de
se reconhecer o uso da tecnologia como uma prática social, e o impacto do contexto social
sobre o uso da tecnologia. A seção seguinte descreve a relação entre uma área da vida
social, o pensamento religioso, e o uso da tecnologia. A isto se segue uma seção de revisão
sobre a teoria da Ciência Social que descreve a educação como uma forma de transmissão
cultural e legitimação, apresentando o papel, por vezes conflitante, da educação de oferecer
oportunidades para a mobilidade social enquanto, ao mesmo tempo, reproduz algumas
desigualdades existentes. Na última seção, discutirei o otimismo generalizado sobre o poder
da tecnologia em provocar mudança social, em comparação com a pesquisa que aponta as
limitações deste potencial.
Desde a primeira onda de desenvolvimentos na tecnologia educacional, sugeriu-se que a
tecnologia tem potencial de provocar mudanças radicais no ensino e na aprendizagem.
Seymour Papert, um pioneiro da informática educacional cujo trabalho com a linguagem de
programação LOGO para crianças influenciou alguns dos mais importantes projetos de
pesquisa sobre tecnologia educacional nas últimas três décadas, afirmou que uma nova
tecnologia tem o poder de provocar mudanças radicais na educação (Papert, 1980). Ele
mesmo reconheceu que a educação acontece em um contexto cultural e que a tecnologia
por si só não modela as mudanças no processo de aprendizagem sem a interação do
contexto social.
O contexto para o desenvolvimento humano é sempre uma cultura, nunca uma
tecnologia isolada. Na presença de computadores, as culturas podem mudar, e com
elas a maneira como as pessoas aprendem e pensam. Mas se você quiser entender
(ou exercer influência sobre) a mudança, precisa centrar sua atenção sobre a cultura -
não sobre o computador (Papert, 1987).
O uso da tecnologia em si também é modelado pelo contexto social. A noção
determinista tecnológica, de que as inovações tecnológicas por si provocam mudança
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social, negligencia o impacto do contexto social em determinar que tecnologias serão
desenvolvidas e como serão utilizadas. A tecnologia educacional em si mesma parece não
ter possibilidades de provocar mudanças revolucionárias em sala de aula.
Nossa pesquisa em sala de aula sugere que não é apropriado concluir que o
computador, em si e por si, seja o agente de mudança. Quando utilizado em
ambientes educacionais, o microcomputador é sempre uma parte do sistema social
mais amplo, que inclui os alunos, o professor, suas histórias de relações passadas, a
história das maneiras de ensinar, a história das formas de organizar as salas de aula, a
relação que o currículo escolar tem com o ambiente da sala de aula, e a relação entre
a sala de aula e a comunidade escolar, e com as agências, mais amplamente (Mehan,
1989).
Usando o exemplo do Logo, um ambiente de programação para crianças, desenvolvido
pelo MIT nos anos 70 e 80, Agalianos (1996) discutiu como a tecnologia "afeta e reflete as
condições sociais do ambiente" com exemplos tanto dos Estados Unidos quanto da Grã-
Bretanha. Ele afirma que os tipos de uso centrados no aluno pretendidos pelos autores do
Logo foram imediatamente incorporados à história do Logo por que estes usos eram
consistentes com as tendências sociais e educacionais nos Estados Unidos e na Grã-
Bretanha, naquela época. A linguagem Logo foi usada como uma ferramenta para explorar
conceitos abstratos independentes, em uma época em que os professores eram incentivados
a permitir que os alunos explorassem conceitos de forma independente.
Mais tarde, quando as reformas educacionais começaram a se centrar em áreas curriculares
cada vez mais subdivididas, o Logo foi usado de maneiras não previstas pelos seus
programadores. Em muitas escolas, tornou-se uma ferramenta para demonstrar conceitos
básicos de geometria, como ângulos; em outras, tornou-se um tema em si mesmo: ensinava-
se a alguns alunos a programação Logo como uma matéria independente, ao invés de como
ferramenta para ajudar a desvendar idéias matemáticas abstratas. À medida que as escolas
começaram a se focar cada vez mais em prestar contas e em avaliar, para desapontamento
dos autores originais do Logo, alguns alunos tiveram seu conhecimento da programação
Logo avaliado. Um dos criadores originais do Logo em entrevista a Agalianos, discute
como o clima social em transformação nas escolas impactou a maneira como o software era
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utilizado: "Escolas ... apenas devoraram o Logo e o golfaram como mais uma coisinha
escolar" (Agalianos, 1996, p. 27).
Este capítulo discute a relação entre o uso da tecnologia e o contexto social no qual a
tecnologia é usada. Assim como os exemplos de Logo apresentados acima, a maneira como
uma tecnologia é usada no Brasil e sua efetividade em servir de apoio ao ensino e à
aprendizagem são influenciadas pelo contexto social das escolas. Esta influência limita a
capacidade da tecnologia de ser um catalisador da mudança social.
O Uso da Tecnologia e o Pensamento Religioso
O desenvolvimento e a proliferação da tecnologia são geralmente considerados entre as
buscas mais racionais da humanidade. Como a maior parte da tecnologia existe como
conseqüência do pensamento científico, em geral assume-se que a maneira como as pessoas
interagem com a tecnologia baseia-se em pensamento similar, e que as decisões sobre o uso
da tecnologia são tomadas com base em cálculo racional. Mas as pessoas nem sempre
adotam tecnologias a partir de cuidadosas avaliações de custo e benefício. Há exemplos
destas aparentes contradições entre o uso racional da tecnologia e o hábito real dos usos da
tecnologia educacional, como está indicado pelo gap existente entre a pesquisa educacional
e o discurso que envolve o uso da tecnologia e sua implementação.
No caso da tecnologia educacional, os tipos de uso apoiados pela pesquisa educacional não
são mais adotados por agências educacionais púb licas do que a tecnologia que é contra-
indicada pela pesquisa educacional. Décadas de pesquisa em informática educacional
tiveram pouco impacto sobre alguns dos títulos educacionais mais populares no mercado.
Parece que as metas educacionais por si sós não podem ser a única base das decisões do uso
da tecnologia. Isso deixa em aberto uma quantidade de perguntas sobre que fatores
adicionais estão influenciando a adoção da tecnologia nas escolas e se eles se baseiam no
pensamento científico.
a. A Religião da Tecnologia de Noble
David Noble (1999) afirmou que o pensamento religioso desempenha um papel no
desenvolvimento e na adoção da tecnologia, e que nem sempre é possível encontrar um
15
argumento científico para o rumo do desenvolvimento da tecnologia e de sua adoção. Ele
acredita que o pensamento religioso permeia as decisões sobre o desenvolvimento da
tecnologia amplamente considerada o empreendimento humano mais científico e racional,
alegando que esta é uma das razões por que a tecnologia é freqüentemente implementada
em sociedade irracionalmente.
Noble afirma que a tecnologia e a religião evoluíram juntas na sociedade ocidental, com a
religião fornecendo a direção, motivação e justificativa para mais desenvolvimento
tecnológico. Ele começa na Idade Média européia, quando a crença cristã deslocou-se da
visão do que ele chama de "artes úteis" com desdém, à visão dessas artes com dignidade.
Assim, os ofícios e, eventualmente, as buscas tecnológicas adquiriam valor entre os cristãos
europeus. Ele afirma que a tecnologia passou a ser associada à transcendência; através do
desenvolvimento tecnológico o homem poderia ter esperanças de reconquistar o que foi
perdido com a queda e de se aproximar do entendimento do plano de Deus.
O atual florescimento simultâneo da tecnologia científica e da religião não é nem
coincidência nem contradição, argumenta Noble. É o resultado da relação entre o
pensamento científico e religioso. Para Noble, não somente a tecnologia está ligada ao
pensamento religioso, como também alcançou em si mesma o estatus de fé. A crença de
que a tecnologia vai melhorar a experiência humana, diz ele, não se baseia na seleção
cuidadosa de tecnologias apropriadas voltadas para as necessidades humanas, mas em
ideologias religiosas que favorecem o uso da tecnologia e seu ulterior desenvolvimento em
defesa das ideologias cristãs.
Considerando a tecnologia como fé, Noble identifica um conjunto de possíveis fatores que
contribuem para o uso das tecnologias, que não parecem combinar com sua meta. Ele
descreve o que chama de uma obsessão pelo desenvolvimento tecnológico, que poderia ser
descrita como aceitação cega, o fracasso em pensar e agir racionalmente no que diz respeito
à tecnologia. Noble alega que a religião da tecnologia é um conjunto de mitos que nos
impediram de usar a tecnologia de forma a atender nossas necessidades racionais e que, em
vez disso, a sociedade ocidental direciona sua energia de inovação e seus avanços
científicos para "sonhos de outros mundos" ("other-worldly dreams”). Ele cita várias áreas
de inovação tecnológica onde a tecnologia falhou em cumprir sua promessa, mas onde não
houve redução do entusiasmo sobre sua busca. Assim, a capacidade da tecnologia de
16
melhorar a condição humana é moderada pelo planejamento irracional, pelo
desenvolvimento e pela implementação.
b. A Teoria Social Clássica e a Religião da Tecnologia
As idéias de Noble sobre a história e a ideologia da religião da tecnologia fornecem um
quadro de referência para se reexaminar o pensamento social sobre a relação entre o
religioso e o científico, considerando-se o impacto da tecnologia sobre a mudança social.
Por exemplo, a visão de Durkheim de que a religião desempenha várias funções na
sociedade, incluindo a construção da solidariedade e o fornecimento de uma fonte de
autoridade moral, ganha novas implicações se considerarmos o otimismo tecnológico como
uma forma de pensamento religioso.
Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas
sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que unem em uma mesma
comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem (Durkheim, 1922).
Embora a religião da tecnologia não preencha todos os requisitos de Durkheim para
uma religião (a moralidade, por exemplo, não é um elemento-chave), a tecnologia é uma
fonte importante de unidade nas sociedades ocidentais; a tecnologia é até mesmo um meio
pelo qual as sociedades são categorizadas, por exemplo "pós- industrial" ou "sociedades da
informação".
Para Durkheim, a religião era essencialmente um reflexo da própria sociedade, a religião é
social e através da religião a sociedade adora a si mesma. A este respeito, a religião da
tecnologia poderia ser vista como a sociedade louvando suas próprias realizações e sua
singularidade histórica. É possível explicar as sociedades que se identificam a si mesmas
através da tecnologia que dominaram e do valor que conferem à sua tecnologia como uma
forma de auto-adoração, especialmente quando envolve a crença de que os usuários e
criadores de tecnologia estão mais próximos de Deus através da inovação tecnológica.
Noble ilustra esta noção citando o exemplo dos astronautas da Apollo 8 que, na primeira
missão tripulada à lua, leram as dez primeiras linhas do Gênesis em voz alta e o
transmitiram para a Terra.
Da mesma forma que a visão de religião de Durkheim, a tecnologia não pode existir fora
de um contexto social. Carros não são nada sem estradas onde dirigir, telefones são inúteis
17
sem uma rede de usuários, e até a lâmpada tem pouca utilidade sem um abastecimento de
energia. Até mesmo as tecnologias mais comuns não existem entre os indivíduos que as
produzem ou possuem: são partilhadas entre toda a sociedade. A tecnologia está
completamente entrelaçada na sociedade e não pode ser removida deste contexto. Esta
interconexão faz da tecnologia um símbolo adequado para o progresso em uma sociedade e
um meio apropriado para o que Durkheim considerou ser a sociedade se auto-adorando.
Durkheim também afirma que as crenças compartilhadas por um grupo fazem a unidade do
grupo. Em uma época em que as sociedades são identificadas de acordo com as tecnologias
que dominaram, como a pós-industrial ou a sociedade da informação, poderíamos
argumentar que estas crenças, não na existência da tecnologia e em seu desenvolvimento,
mas as crenças de que a tecnologia nos transformou e pode nos definir, tornam a religião da
tecnologia consistente com as idéias de Durkheim sobre religião em geral. Se os membros
de uma sociedade definem a si mesmos e a sua sociedade de acordo com os
desenvolvimentos tecnológicos, estes desenvolvimentos se tornam uma fonte de unidade
grupal.
Apesar de Durkheim acreditar que o pensamento científico poderia acabar prevalecendo
sobre o pensamento religioso, ele reconheceu que a ciência não tinha poder ilimitado sobre
a religião e que, em alguns casos, autoridade e credibilidade poderiam ser disputadas entre
ambos.
A opinião [...] é, portanto, uma fonte de autoridade e pode-se até mesmo perguntar se
toda autoridade não é filha da opinião. Pode-se objetar que a ciência é freqüentemente
antagonista da opinião que ela combate e cujos erros corrige. Mas ela só pode ter
êxito nesta tarefa se tiver autoridade suficiente e só pode ter esta autoridade a partir
da opinião em si. Se um povo não tiver fé na ciência, todas as demonstrações
científicas não terão influência sobre os espíritos. Mesmo hoje, se acontecer da
ciência resistir a uma corrente muito forte da opinião pública, ela correrá o risco de
perder seu crédito (Durkheim, 1912).
De acordo com Durkheim, para que o pensamento científico cumpra seu destino de
ajudar as pessoas a explicar e classificar seu mundo, e em última instância substituir a
religião, ele deve ceder em algum grau à opinião pública, incluindo à religião, ou expor-se a
18
desafios à sua própria autoridade. Embora a história da ciência inclua vários exemplos bem-
conhecidos de pesquisadores que se lançaram contra a convenção, Noble mostra exemplos
do fenômeno identificado por Durkheim. Ele mostra que uma considerável porção do
desenvolvimento científico, especialmente de desenvolvimento tecnológico, ocorreu no
interior dos contextos sociais e religiosos de sua época.
Segundo Noble, praticamente todos os cientistas ingleses importantes do século 17, de
Robert Boyle a Isaac Newton, tinham crenças milenares e acreditavam que adquirir
conhecimento era um meio de recuperar aquilo que foi perdido com a queda. Por exemplo,
na visão de Francis Bacon, o avanço do conhecimento era necessário para a transcendência,
e somente através da ciência e da tecnologia a humanidade poderia restaurar "sua condição
original perfeita". O matemático e inventor Charles Babbage é citado dizendo que “pelo
exercício das mais altas faculdades com as quais fomos abençoados, podemos chegar mais
perto do conhecimento e da vontade de nosso criador” (Noble, 1999, p. 72).
Considerando a força atual tanto da religião quanto da tecnologia, alguns afirmaram que
Durkheim estava errado sobre a eventual substituição do pensamento religioso pelo
pensamento científico, e que talvez o desenvolvimento tecnológico tenha desempenhado
um papel mais importante no conjunto de eventos que ajudaram a manter o pensamento
religioso. Alguns cientistas sociais atualmente coincidem em afirmar que a história não
confirmou a tese de Durkheim, a evidência é que a religião continua forte hoje apesar dos
significativos avanços da tecnologia moderna, mas esta visão negligencia a diferença entre
tecnologia e ciência. É possível que a tecnologia tenha se desenvolvido sem que a
sociedade tenha se tornado mais científica.
Mesmo que a tecnologia tenha se tornado proeminente no ocidente, a alfabetização
científica continua fraca e o pensamento científico ainda não adquiriu força em determinar
as visões populares de mundo. O trabalho de Noble nos fornece uma interpretação mais
favorável da análise de Durkheim. Desde que o pensamento religioso é elaborado através
da suposta busca científica da tecnologia, a ciência não necessariamente adquiriu
verdadeira proeminência na sociedade ocidental e por isso não teve oportunidade de
sobrepujar a religião. Enquanto o pensamento científico não estiver amplamente difundido,
a teoria de Durkheim continuará sem comprovação.
Em seu livro Magic, Science and Religion, Bronislaw Malinowski afirma que todas as
19
sociedades têm magia, religião e ciência e, contrariamente ao pensamento iluminista, o
ritual religioso não substitui o pensamento científico (Malinowski, 1955). Ao contrário, a
religião e a magia desempenham um papel em áreas onde a ciência não tem utilidade e não
fornece respostas. Para Malinowski, a ciência e a religião coexistem, e a ausência de
instituições científicas formais não significa que a ciência não existe. Neste modelo, o papel
da tecnologia e de sua relação com a religião é complicado.
Malinowski descreve a tecnologia agrícola das tribos da Melanésia e da Papuo -Melanésia
do leste da Nova Guiné como uma combinação de magia e ciência. Em vez de pensar em
sua produção agrícola como o resultado de sua ciência e em sua religião, como uma
atividade social separada, os povos que Malinowski estudou consideravam a magia e a
ciência como elementos indispensáveis de sua tecnologia mais importante: a agricultura.
Se você sugerisse a um nativo que ele deveria fazer seu jardim principalmente com
base na magia e acele rar seu trabalho, ele simplesmente riria de sua ingenuidade. Ele
sabe tão bem quanto você que há condições e causas naturais, e por suas observações
ele também sabe que é capaz de controlar estas forças naturais com um esforço
mental e físico [...] Assim, há uma distinção clara: há em primeiro lugar o conjunto
bem conhecido de condições, o fluxo natural do crescimento, assim como as pragas
comuns e os perigos que devem ser evitados construindo cercas e lavrando a terra.
Por outro lado, há o domínio das influências inexplicáveis e adversas, bem como o
inesperado excedente graças a coincidências favoráveis. As primeiras condições são
enfrentadas com conhecimento e trabalho, as segundas pela magia (Malinowski,
1955, p.28-29)
Segundo a interpretação de Noble, a sociedade ocidental não é muito diferente neste
aspecto das tribos que Malinowski pesquisou. As sociedades ocidentais desenvolveram
tecnologias complexas, como armas nucleares e novas tecnologias de reprodução, e depois
contam com a espiritualidade para responder às perguntas que emergem de seu uso.
Recorre-se à religião para tratar das questões éticas que a ciência não é capaz de responder.
Por um lado, a engenharia genética, a pesquisa de DNA e a inteligência artificial são
desenvolvidas considerando-se cuidadosamente as conseqüências espirituais, especialmente
as que dizem respeito a mexer com o trabalho de Deus. Por outro lado, o desenvolvimento
20
dessas tecnologias revela uma esperança de que elas trarão a imortalidade ou a perfeição.
Se a tecnologia é o resultado do casamento entre o pensamento científico e religioso, tanto
para os trobriandeses que Malinowski pesquisou quanto para as sociedades ocidentais
modernas, é possível para a ciência existir sem religião? Será que a tecnologia é possível
sem a religião? Noble diria que sim, que podemos aplicar o espírito empreendedor
científico em todos os estágios do desenvolvimento tecnológico, inclusive nas decisões
sobre que tecnologias usar e como, e que só através deste caminho as tecnologias poderão
realmente satisfazer as necessidades humanas.
Para Malinowski, a ciência e a religião devem sempre existir em consonância. Quando a
ciência deixa perguntas sem respostas, a religião fornece as respostas, uma visão onde a
tecnologia sempre terá um papel a desempenhar na sociedade, especialmente no
desenvolvimento e implementação da tecnologia. Esta interpretação suscita questões sobre
o empenho em aplicar soluções tecnológicas a problemas tais como a pobreza: que tipo de
raciocínio guia estes esforços? Eles são orientados por um raciocínio científico, pelo
pensamento religioso, ou por ambos?
Na obra The Structure and Functions of Primitive Society, A. R. Radcliffe-Brown (1935)
discute a relação entre crenças e rituais. Ele afirma que a teoria amplamente aceita de que
os rituais se desenvolvem como apoio a crenças existentes está invertida. Na sua
interpretação, as pessoas começam com um conjunto de práticas que não acompanham
crenças e, com o tempo, um conjunto de crenças religiosas se desenvolve para explicar os
costumes e os transforma em ritual religioso. De acordo com este ponto de vista, a religião
da tecnologia poderia ser interpretada como um conjunto de sentidos religiosos em torno de
empreendimentos tecnológicos pré-existentes, como se as tecnologias fossem
transformadas em religião.
A religião da tecnologia de Noble é consistente com o pensamento de Radcliffe-Brown
sobre religião e tecnologia. Os significados de tecnologia descritos no livro de Noble
referem-se quase sempre a tecnologias já existentes ou em desenvolvimento. Raramente o
discurso religioso tecnologicamente orientado faz previsões ou prescrições sobre
tecnologias futuras, e quando faz, os detalhes são quantitativos (computadores mais
velozes, bombas mais potentes) e não qualitativos. A religião da tecnologia não está
dirigindo o empreendimento tecnológico; ele entra em cena depois que a tecnologia foi
21
adotada na sociedade, ajudando a justificar e glorificar o uso continuado da tecnologia.
Adaptando o pensamento de Radcliffe-Brown à religião da tecnologia, ao invés de
desempenhar um papel no desenvolvimento da tecnologia ou em sua implementação, o
pensamento religioso surge mais tarde, no estágio em que a sociedade avalia o impacto de
uma nova tecnologia. Como Radcliffe-Brown descreveu, o sentido religioso, no caso do
uso da tecnologia, desenvolve -se depois do ritual, neste caso, o uso da tecnologia já teve
início.
Com ideologias enraizadas na esperança de que a tecnologia ajudará o homem a
transcender sua experiência terrena, os tecnologistas não foram bem preparados para
planejar e desenvolver tecnologias que ofereçam o máximo de vantagens para a
humanidade ou para avaliar os custos e benefícios da tecnologia para a sociedade. Hoje,
com o florescimento simultâneo da tecnologia científica e da religião, das armas nucleares
às viagens espaciais, o discurso entre os tecnologistas continua a ser justificado e motivado
por idéias milenares. A pesquisa genética e a inteligência artificial são desenvolvidas com
matizes religiosos em um esforço para nos levar para mais perto de Deus. De fato, para
Noble, o recente aumento do entusiasmo em relação à tecnologia e ao avanço tecnológico,
por um lado, e o ressurgimento do fundamentalismo religioso, o que ele compara a um
reflorescimento religioso, por outro lado, são duas manifestações do mesmo fenômeno: o
crescimento da religião da tecnologia.
A conexão entre religião e tecnologia permitiu à tecnologia de se desenvolver em alguns
casos sem um senso crítico cuidadoso. Em muitos casos, o empreendimento tecnológico é
assumido sem uma base nas necessidades humanas e em vez disso apóia necessidades
religiosas de libertação ou crença. Fé na tecnologia. Por este motivo, Noble afirma, a busca
tecnológica continua mesmo em áreas onde o desenvolvimento tecnológico falhou em
realizar sua promessa fundamental.
Até que ponto a religião da tecnologia é um fator da implementação das tecnologias
educacionais? Como descreverei nos capítulos seguintes, a tecnologia educacional é
geralmente projetada e implementada com o objetivo de melhorar a igualdade na educação,
ao passo que os próprios usos da tecnologia resultantes são desiguais. Como a tecnologia
continua a ser desenvolvida para as escolas, instalada com dinheiro público e por vezes
aceita pelo público em geral sem evidência de que está atingindo suas metas básicas, a idéia
22
de que o pensamento sobre a tecnologia se baseia em fé ganha credibilidade. Pensar sobre
os desenvolvimentos da tecnologia sem considerar que eles se baseiam em pensamento
científico ajuda a dar sentido à maneira como a tecnologia é usada para solucionar
problemas humanos.
Transmissão Cultural e Legitimação
Muitos cientistas sociais discutiram o papel da educação em transmitir traços culturais
à geração seguinte e em legitimar estruturas sociais vigentes. De acordo com Spindler
(1974), a educação funciona não apenas para preparar as pessoas para ocupações, mas
como uma forma de transmissão cultural com duas funções principais, recrutamento e
manutenção. Um indivíduo não apenas é recrutado para seu sistema cultural, mas também
para papéis específicos dentro do sistema cultural.
O sistema educacional está também organizado de forma que a estrutura do sistema
cultural seja mantida. Isso é feito incutindo-se os valores específicos, atitudes e
crenças que dão credibilidade a esta estrutura e as habilidades e competências que a
fazem funcionar. As pessoas devem acreditar em seu sistema. Se houver uma casta ou
estrutura de classe, elas devem acreditar que tal estrutura é boa, ou se não boa, pelo
menos inevitável (Spindler, 1974).
Em particular, o uso de computadores representa um esforço para aumentar a
participação do Brasil na economia da informação. A atual geração de estudantes está
sendo recrutada para participar de uma nova sociedade brasileira, que ainda não existe.
Spindler alega que as escolas nas sociedades em modernização caracterizam-se pela
descontinuidade entre a vida dentro e fora da escola. Estas descontinuidades podem
contribuir para o conflito entre gerações e para uma situação em que o que é ensinado na
escola não tem relação com a realidade das vidas cotidianos dos alunos. Porque o conteúdo
curricular vem de outro lugar, essas escolas têm uma tendência a ensinar de forma muito
rígida e cerimoniosa, por exemplo, lendo em voz alta a partir de livros-texto.
Se a educação serve para recrutar a nova geração para sistemas culturais existentes ou
futuros, alguns economistas discorrem sobre seu papel de reforçar o sistema econômico.
23
Boles (1975) discutiu o aumento da escolaridade formal, nos Estados Unidos e suas
conexões históricas com a ascensão do capitalismo industrial. As taxas de escolaridade
formal nos Estados Unidos cresceram primeiramente nas regiões com a maior quantidade
de fábricas. Boles argumentou que, além do valor das escolas em preparar as crianças para
a participação em uma economia onde poucos podem esperar continuar o negócio de seus
pais, as escolas abastecem as fábricas com uma força de trabalho que foi preparada para a
vida na fábrica. Egressos da escola formal subordinavam-se à autoridade, seguiam rotinas e
respeitavam a pontualidade. Para Boles, uma das contribuições mais significativas das
escolas para o capitalismo industrial é a legitimação que oferece à hierarquia do sistema
econômico.
Kerkhoff (2001) descreve as dimensões dos sistemas nacionais de educação que
influenciam a relação entre a estratificação social e a educação. Ele compara os sistemas
educacionais da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e da França, observando como cada
sistema influencia a transição da escola à força de trabalho. Começando com um modelo
onde chama as escolas de “máquinas selecionadoras” (“sorting machines”), ele argumenta
que a estratificação, a padronização e a especificidade vocacional têm impacto de imensa
variação internacional sobre como as máquinas de classificação funcionam.
O uso de Kerkhoff da idéia da estratificação educacional refere-se a diferentes currículos e
escolas para alunos diferentes, como no sistema alemão. Ele está basicamente interessado
em sistemas que concedem credenciais diferentes e não em sistemas onde todos trabalham
em direção a um mesmo diploma através de uma variedade de opções de curso, como nos
Estados Unidos ou na França. No Brasil, há pouca variação nas credenciais do ensino
médio, só há um tipo de diploma de ensino médio.
Com relação à padronização, Kerkhoff se refere a que os sistemas educacionais atinjam os
mesmos padrões de qualidade nacionalmente. Isto é influenciado pelo orçamento, pela
capacitarão dos professores, pelo resultado nos exames etc. Os níveis de padronização são
mais altos em países com mais controle de governo central. A França é mais padronizada, a
Inglaterra e a Alemanha são majoritariamente controladas pelo Estado e os Estados Unidos,
com seu controle descentralizado e financiamento para o nível municipal, não é muito
padronizado. Níveis de padronização mais elevados são condutores de mobilidade social
porque as economias locais têm impacto reduzido sobre a qualidade da escola. Apesar do
24
alto nível de centralização das decisões curriculares, no Brasil, o financiamento é
canalizado através das autoridades estaduais e municipais com variação substancial entre os
municípios e até mesmo entre vizinhanças. As escolas públicas são administradas
separadamente, em nível municipal, estadual ou federal, com orçamentos e supervisão
amplamente diferentes.
Alguns países oferecem opções de educação secundária com bastante especialização
vocacional. Isto está obviamente ligado a como as escolas funcionam como sistema de
classificação. A alta especialização alemã pode contar ponto para a passagem suave da
escola para o trabalho, em comparação com outros países, mas pode ter um impacto
negativo sobre a mobilidade social. Contrastando com a Alemanha, os estudantes britânicos
podem buscar uma educação vocacional depois de entrar no mercado de trabalho, com
menos credenciais específicas.
No Brasil, a formação vocacional (ou profissional, como é mais comumente chamada no
país) começa na educação superior, para a maioria dos estudantes. Há algumas escolas
profissionais de nível médio no sistema público brasileiro, chamadas de escolas técnicas,
mas muitas delas tornaram-se instituições para a elite com exames de ingresso
competitivos, e seus egressos geralmente são muito competitivos nos exames de vestibular
de ingresso à graduação superior. Na prática, apesar de ensinarem habilidades técnicas
específicas, as escolas técnicas cumprem, para a maioria dos alunos, uma função de
preparação para o ensino superior.
Apesar do fato das escolas de educação fundamental e de ensino médio não estarem
formalmente divididas em preparatórias para a faculdade e de formação profissional, no
Brasil, há alguma consideração pelo desenvolvimento precoce de habilidades profissionais,
especialmente em comunidades onde as taxas de acesso ao ensino superior são baixas. Com
a introdução dos computadores, o foco nas habilidades profissionais tende a crescer, à
medida que os professores reconhecem a oportunidade de ensinar habilidades que têm um
valor direto no mercado de trabalho. Já nas primeiras séries da escola fundamental, os
professores levam em consideração o valor como força de trabalho de habilidades de
mercado específicas tais como de processamento de texto.
Computadores em sala de aula são freqüentemente associados a uma abordagem de
preparação para o trabalho da escolarização centrada em ensinar habilidades específicas, ao
25
invés de alfabetizações mais genéricas. Este fenômeno é mais acentuado em escolas que
atendem às áreas de baixa-renda, porque os estudantes freqüentam a escola com a
expectativa de ingressar no mercado de trabalho imediatamente depois dela. De acordo
com o modelo de Kerkhoff, o ensino de habilidades profissionais específicas influenciará a
maneira como as escolas funcionam como máquinas selecionadoras.
Ao analisar o caso da transmissão cultural na educação brasileira fundamental e média,
tanto os conceitos de Spindler de recrutamento e manutenção e o papel da escola em
reproduzir a sociedade, quanto o modelo de Kerkhoff, sobre a relação entre as escolas e o
sistema econômico, ajudam a explicar, em parte, as limitações da escolarização de provocar
mudanças na desigualdade social.
A Tecnologia e a Promessa de uma Eqüidade Maior
As inovações em TI trouxeram com elas um senso de otimismo generalizado a respeito
do valor da TI para melhorar a educação. Muito do otimismo é devido à previsão de que a
TI diminuirá as desigualdades, melhorando a distribuição de recursos educacionais ou
melhorando a eficiência geral e a qualidade dos programas educacionais. Discussões sobre
a Exclusão Digital (Digital Divide) reúnem ambos esses argumentos sob a alegação de que
a TI dá poder aos usuários e é um pré-requisito para a plena participação na sociedade.
Nesta seção, eu discuto o discurso público a respeito do poder da tecnologia educacional de
provocar avanços na eqüidade da educação, junto com uma discussão sobre o otimismo nas
escolas. Comparo a base para o otimismo dos professores a mensagens extraídas da
imprensa e da revisão da literatura. Os principais argumentos dos autores otimistas, que
defendem o uso da tecnologia como um meio para melhorar a eqüidade educacional,
coincidem com a imprensa popular e a pesquisa da literatura, e giram em torno de duas
linhas básicas de raciocínio. A primeira é que a tecnologia melhora a eficiência, o que
permite ampliar o serviço para os pobres. O segundo é que a tecnologia reduz o impacto de
algumas desigualdades existentes que atingem a educação.
Em sua discussão sobre a função das escolas de recrutamento e manutenção, Sp indler
(1974) expande a idéia de recrutamento e descreve um papel das escolas de certa forma
contraditório de modernização das culturas onde as escolas são orientadas para o futuro e
26
para a mudança intencional do sistema cultural. Nesses casos, ele alega que “em vez de
manter a ordem cultural existente, as escolas nesses contextos são projetadas para destruí-
la". A função de recrutamento atrai os estudantes para um sistema que ainda não existe. A
descrição de Spindler se aplica a escolas em comunidades de baixa-renda, no Brasil, onde o
governo tem como objetivo oferecer à nova geração de estudantes mais oportunidade
educacional do que a geração de seus pais teve, com a esperança de gerar mudanças
econômicas e sociais.
A introdução de computadores em áreas de baixa-renda se ajusta à noção de Spindler sobre
a modernização das sociedades. Embora os detalhes das mudanças variem entre usuários de
tecnologia educacional, é praticamente universal a noção de que o uso da tecnologia pode
ajudar a conduzir os estudantes em direção a um futuro que de outra forma seria
impossível. Muitos alunos e professores acreditam que a experiência com o computador
trará aos estudantes oportunidades de emprego, o que em comunidades com altas taxas de
desemprego e subemprego significa uma mudança social e econômica considerável. Com a
ajuda de computadores, as escolas estão recrutando estudantes para uma nova sociedade,
com menos desemprego que promete criar melhores condições de vida para muitos.
Embora as escolas sirvam a esta função, com ou sem computadores, a incorporação da nova
tecnologia, como evidência de progresso e de mudança, serve de lembrete diário de que as
escolas são destinadas a dar apoio a melhorias e mudança.
Entre os professores usuários de computador que falaram comigo e se apresentaram nas
Mostras de Informática, a tecnologia da informação é amplamente considerada pelo menos
como uma solução parcial para o problema da desigualdade. Alguns professores assumem
uma posição um tanto conservadora de apoio ao uso da tecnologia para melhorar a
eqüidade, afirmando que uma vez que as crianças de renda mais alta têm acesso a
computadores em casa, as escolas precisam oferecer oportunidades para os alunos de renda
mais baixa, que de outra maneira não teriam acesso a eles e seriam privados das vantagens
que os computadores oferecem. Outros sentem que a presença ou ausência dos
computadores nas escolas é um dos principais determinantes de oportunidade para as
crianças ou é necessário para a escolarização. Um professor alegou que “nós não podemos
fazer educação sem este recurso” e continuou dizendo que a distribuição desigual de
computadores nas escolas é um dos principais fatores da “perversa distribuição de recursos
27
educacionais”. Muitos professores usaram palavras como "mágica" para descrever os
efeitos revolucionários que consideram que a tecnologia tem sobre a eqüidade educacional.
Em um exemplo, a cidade de Juiz de Fora usou computadores como parte de um programa
educacional desenhado para provocar mudança social, com o objetivo de recrutar
estudantes para uma cidade menos violenta. A Secretaria de Educação recebeu uma verba
federal para desenvolver programas para depois do horário escolar em comunidades com
altas taxas de violência. Tais programas poderiam oferecer aos alunos atividades
estruturadas ao final da tarde e era esperado que ajudassem os estudantes a criar um senso
de orgulho e perecimento em suas comunidades. Um dos programas, implementado
páginas da internet de várias escolas, era um treinamento com um ano de duração, para
futuros monitores de laboratórios de informática. Uma vez terminado o programa,
esperava-se que os formandos fossem capazes de supervisionar os laboratórios de
informática, permitindo o acesso de alunos e membros da comunidade ao laborató rio de
informática fora dos horários de funcionamento da escola. É interessante observar como os
computadores desempenham um papel tão central em um programa cujo objetivo é
provocar mudança social e reduzir a violência urbana, através do uso do computador. A
equipe do programa tinha a expectativa de que os alunos aumentariam sua auto -estima e o
respeito por suas comunidades, o que levaria a menos violência comunitária.
Muito deste discurso a respeito da tecnologia como catalisador de mudança é analisado na
literatura sobre a exclusão digital. Em meu trabalho de campo, os professores mostraram
familiaridade com a idéia de que se espera que a utilização que fazem dos computadores
tenha impacto sobre a desigualdade social, mas a igualdade não compõe a base das decisões
cotidianas dos professores sobre o uso da tecnologia. Quando perguntados sobre suas
escolhas ao utilizar a tecnologia, os professores raramente mencionam os objetivos
relacionados à igualdade de oportunidades.
a. O valor da Informática Educacional
Tapscott (1998) alega que “a TI tem o poder de dar a todos uma voz e uma opção".
Samad (2001) reproduz este sentimento descrevendo a introdução dos computadores de uso
pessoal como "conduzindo a humanidade da modernidade à era pós-industrial e
28
cibernética". Embora alguns possam alegar que mais TI sempre conduz a uma igualdade
maior, estas noções vagas sobre seu impacto revolucionário oferecem pouca orientação
para os educadores e formuladores de políticas públicas que planejam usar a TI de forma a
melhorar a igualdade. Embora alguns estudos tenham se focado exclusivamente sobre a
desigualdade, em décadas de pesquisa sobre a informática educacional, chegou-se a
identificar algumas características do uso de computadores que parecem ter mais êxito nas
escolas.
Lonergan (2000) pensa que, além de seu impacto econômico, os computadores e a Internet
tornaram-se importantes para a participação na vida política e social. Sares (1995) sugere
que os estudantes sejam preparados para a vida em um mundo globalizado, através do uso
das redes mundiais de comunicação que possibilitam que professores e alunos se
comuniquem com o mundo inteiro. Pesquisadores educacionais identificaram várias outras
formas de uso do computador que têm o potencial de desenvolver habilidades e
desempenho, bem como habilidades de pensamento crítico (Attewell, 2001).
Os computadores são bons para mostrar coisas intangíveis visualmente. Por exemplo, uma
simulação pode explicar como a informação é representada graficamente, ao permitir que
se manipulem os dados e ao mudar a aparência de um gráfico correspondente, o que ajuda
os alunos a entender a relação entre dado e gráfico (Archer, 1998). Muitos estudos
mostraram o valor de se usar computadores como ferramentas em projetos que requerem o
engajamento ativo do aluno, na programação de instruções para a construção das
habilidades básicas de raciocínio. Computadores podem ser ferramentas de aprendizagem
que permitem a individualização das instruções para o nível de cada aluno bem como a
adequação) da aprendizagem no ritmo de cada um (self-paced learning). Costuma-se
creditar aos computadores o surgimento de benefícios motivacionais com
desenvolvimentos sustentados, obtidos através de softwares que oferecem motivação
intrínseca ao seu conteúdo (Malone e Lepper, 1987).
Nos Estados Unidos, a TI foi bem sucedida em vários programas-piloto experimentais em
escolas. Mas na implementação em larga escala, o uso da tecnologia educacional foi mais
difícil de ser avaliado e algumas vezes foi associado a quedas no desempenho do aluno. O
uso da TI não foi associado à eqüidade educacional crescente para todo o grupo, mas
programas que têm como objetivo incrementar o acesso à tecnologia em comunidades de
29
baixa-renda continuam a se desenvolver com programas que objetivam enfrentar outras
desigualdades digitais, que vão desde o treinamento tecnológico dos professores ao acesso
à Internet rápida.
A exclusão digital por si só não explica inteiramente os limites da tecnologia em melhorar a
igualdade educacional. O aumento de recursos tecnológicos às vezes é inversamente
associado aos resultados educacionais. Wenglinsky (1998) e Archer (1998) demonstraram
que o aumento do uso da tecnologia nas escolas está algumas vezes correlacionado a
indicadores mais baixos de desempenho. Uma explicação para esta aparente contradição
são as diferenças na maneira como a tecnologia é utilizada. Os tipos de uso da tecnologia
nas escolas mais indicados pela pesquisa educacional são mais comuns em áreas de renda
mais alta. Desta forma, estudantes mais ricos têm maior acesso às vantagens da tecnologia
educacional. Algumas dessas diferenças nos tipos de uso foram incorporadas nas
discussões sobre a exclusão digital (Attewell, 2001).
b. Tecnologia e Eficiência
Existe uma linha de pensamento que diz que com mais tecnologia a educação pode se
tornar mais eficiente e que com mais eficiência mais oportunidades se tornarão acessíveis
para alunos desfavorecidos. Melhorias na eficiência são potencialmente úteis, na medida
em que as desiguald ades na educação refletem as faltas reais de recursos. Por exemplo, os
programas de educação à distância, que têm como objetivo aumentar com eficiência as
taxas de certificação entre os professores nas áreas rurais, têm boa chance de melhorar a
igualdade do acesso a professores qualificados nestas áreas. Mas quando a tecnologia não é
usada de maneira a enfrentar carências existentes, não há garantia de que os benefícios da
nova tecnologia sejam distribuídos igualmente por todos os estudantes.
Tanto durante a gestão presidencial de 1998-2002 quanto na atual, houve um entendimento
entre os formuladores de políticas públicas em nível federal de que mais investimentos em
tecnologia não levariam automaticamente a uma maior eficiência. Há muitos riscos de
desperdício na implementação da nova tecnologia. Em uma entrevista, um antigo
funcionário do Ministério da Educação (MEC) informou-me que o Programa Nacional de
Informática na Educação (ProInfo) reconhecia o risco de desperdício na TI e desenvolveu
30
estratégias iniciais para evitá-lo.
O ProInfo não promoveu o uso de software educacional, por causa de um entendimento
generalizado de que muitos materiais educativos para computadores não valem o seu preço.
Ao invés disso, o ProInfo empreendeu muito esforço para distribuir hardware sem
aplicativos educacionais dedicados e viabilizou programas de treinamento voltados para
ajudar os professores a utilizar melhor os softwares livres. Embora a mera existência do
ProInfo já indique um senso de otimismo dentro do MEC sobre o impacto potencial da TI,
seu nível de precaução mostra um entendimento de que quaisquer benefícios que venham a
ocorrer não são a conseqüência automática de mais tecnologia.
Ao nível da escola, observei a mesma relutância de alocar fundos escassos em tecnologias
educacionais. Uma diretora de escola de ensino médio me contou que os pais arrecadaram
dinheiro para comprar um computador para a escola, para uso administrativo. Eles
gostariam de ter computadores para uso educacional também, mas a diretora acredita que o
nível de investimento exigido até render resultados é muito mais elevado. Em vez de tentar
espremer computadores em seu pequeno orçamento, ela vai esperar ser escolhida em
futuros programas estaduais de compra de tecnologia. Para esta diretora, os benefícios
imediatos dos computadores para administrar a escola eram muito mais aparentes do que os
benefícios oferecidos por um computador educacional. Ela reconhece o potencial de
melhorar a eficiência em situações com orçamentos mais generosos, mas acredita que pode
obter melhores resultados de seus recursos extremamente parcos com investimentos em
outras áreas.
c. Tecnologia e Desigualdades Existentes
Além da esperança de que a TI vai melhorar a eficiência geral das instituições
educacionais, há um otimismo de que as novas tecnologias vão melhorar o impacto sobre
desigualdades sociais existentes. Por exemplo, afirmou-se que a Internet compensa a
ineqüidade da disponibilidade de materiais de biblioteca para crianças, e que problemas de
formação de professores têm menos impacto sobre os alunos com o apoio de tecnologias
educacionais de ponta. Programas-piloto demonstram o valor de se colocar estudantes em
contato com especialistas externos em ambientes onde os orientadores profissionais e
31
intelectuais são raros.
Geralmente, quando a tecnologia é usada para suplementar recursos escritos disponíveis,
tais como livros, há pouca controvérsia de que seja útil em trazer uma retorno muito grande
a partir de um investimento relativamente pequeno. Mas na maioria das escolas públicas, o
custo de impressão é proibitivo e o tempo em que cada criança pode ficar frente ao
computador é limitado a ponto de que os livros produzidos em massa ainda continuam a
ter a melhor relação custo/benefício como material de leitura. Entretanto, é possível que a
Internet possibilite projetos de pesquisa independente em escolas que não têm bibliotecas
de pesquisa e este tipo de uso pode causar um impacto positivo em comunidades de baixa -
renda.
Outro uso da tecnologia amplamente reportado e que tem como objetivo enfrentar a
desigualdade existente é o uso de simulações de ciência em escolas sem laboratórios.
Softwares de simulação foram o destaque de várias sessões de tecnologia, em palestras a
que assisti sobre educação cie ntífica. Os palestrantes apresentavam o uso que faziam de
simulações, explicando que tanto os recursos e o espaço para laboratórios de ciência quanto
a prática em ciência estão desaparecendo das escolas onde trabalham e que eles tentam
enfrentar este problema através do uso das simulações por computador. Ironicamente,
vários apresentadores admitiram terem perdido seus laboratórios de ciência quando a escola
precisou de espaço para um laboratório de informática.
O fenômeno de substituir os laboratórios de prática em ciência por simulações
computadorizadas é tanto amplamente difundido quanto controverso. Sherry Turkle afirma
que o argumento por trás da manipulação de variáveis na tela em lugar de objetos tangíveis
é geralmente financeiro e não educacional, e que as simulações são provavelmente mais
apropriadas para coisas que não podem ser demonstradas ao vivo na maioria das situações
da prática.
A questão da simulação é formulada da pré-escola até a faculdade. Por que crianças
de quatro anos devem manipular ímãs virtuais para pegar pinos virtuais? Por que
crianças de sete anos devem colocar lastros virtuais em navios virtuais? Por que
jovens de 15 anos devem despejar produtos químicos em provetas virtuais? Porque
jovens de 18 anos devem fazer experiências virtuais em laboratórios físicos virtuais?
A resposta a estas perguntas geralmente é: porque as simulações são menos
32
dispendiosas; porque não há professores de ciências suficientes. Mas estas respostas
suscitam uma grande questão: será que estamos usando a informática não porque ela
ensina melhor, mas porque perdemos a vontade política de financiar a educação
adequadamente? (Turkle, 1997).
Por exemplo, quando os alunos usaram o Microsoft Paint para explorar a cor, fazendo
misturas em uma aula informática, observei que eles notaram que quando sobrepunham
imagens azuis sobre imagens amarelas, a área sobreposta aparecia em verde. Alunos com
esta experiência poderiam se perguntar (ou a seus professores) por que a mistura de
amarelo com azul produz verde, mas, diferentemente das crianças que brincam misturando
tintas, ou com materiais de cores translúcidas, eles não são confrontados a um fenômeno
natural. Neste sentido, o Microsoft Paint funciona como uma simulação de um fenômeno
do mundo real, mas a razão pela qual amarelo com azul produz verde, no software, é que
ele está programado assim. Os efeitos da mistura de cores não revelam aos alunos nada
sobre o mundo fora do computador. Eles devem reconhecer que as funções de mistura de
cor do software são modeladas a partir de algo do mundo real, antes de poder traçar
conclusões sobre a cor em geral.
Turkle avança no relatório sobre a controvérsia a respeito do uso educacional das
simulações, em casos onde as atividades práticas são possíveis. Para os tipos de us o
comuns na educação fundamental e média, tais como em ciência básica, a maior
desvantagem das simulações é que os alunos aprendem como as coisas funcionam no
computador, mas eles não necessariamente entendem a relação entre o conjunto de regras
no computador e o fenômeno natural que serviu de base para a modelagem. A diferença
entre a simulação e o mundo real é semelhante à diferença entre dizer e mostrar. Dar
oportunidade às crianças de experimentar misturar tinta real mostra às crianças o que
acontece quando diferentes cores são misturadas. Com a simulação, diz-se à criança a
mesma informação, mas ela pode acreditar ou não.
Fazer a transposição da simulação à generalização sobre o mundo real não é automático.
Geralmente as crianças não entendem o conjunto básico de pressupostos sob os quais as
simulações operam. Turkle descreve um aluno que usa uma simulação sem nenhum
entendimento sobre como suas regras são comparáveis às do mundo real que inspirou sua
modelagem a "alguém que pode pronunciar as palavras de um livro, mas não sabe o que
33
significam". Ela afirma que os usuários de simulações devem ir além de simplesmente
trabalhar com o modelo, devem pensar criticamente sobre os modelos que estão usando.
Uma vez que grande parte do valor pedagógico do trabalho do laboratório de informática
relaciona-se à oportunidade dos alunos testarem idéias contrapostas à natureza, simulações
sem este tipo de reflexão sobre sua relação com o mundo real oferecem apenas uma
pequena fração dos benefícios da prática em laboratórios.
Os professores reconhecem a importância do trabalho em laboratório, geralmente se
referindo às simulações como dando aos alunos a oportunidade de “por a mão na massa”,
mas as simulações não oferecem verdadeiramente tal oportunidade, porque no progra ma de
simulação em computador, os alunos só estão aprendendo as regras da simulação em si.
Seria mais como por uma mão virtual numa massa simulada. Se os alunos estendem ou não
seu entendimento ao fenômeno do mundo real depende de uma etapa adicional além do que
a simulação pode oferecer.
Laboratórios práticos tradicionais ajudam os alunos a entender que a ciência vem sim da
natureza, e não dos livros, considerando que as simulações não oferecem aos alunos um
contato direto com a natureza. Eles somente substituem a intermediação do livro pelo
computador. Diferentemente do material lido em livro ou visto em uma tela, a experiência
prática permite aos estudantes testar idéias diretamente em confrontação com a natureza.
Embora as simulações possam oferecer algumas das vantagens interativas dos laboratórios
práticos, os alunos que as utilizam devem aceitar a experiência de outros em primeira mão
como autoridade, muito semelhante a quando se lê sobre ciência em um livro. Não se pode
pretender que as simulações de computador usadas em estabelecimentos onde não há
laboratórios de ciência preencham a lacuna entre estudantes que têm acesso às atividades
práticas de ciência e os que não têm.
Uma estratégia comum para o uso da tecnologia para enfrentar desigualdades é superando
ou compensando as desigualdades de treinamento de professores. Há duas estratégias
usuais para isso, a primeira é a idéia de que as ferramentas de salas de aula multimídia
podem se encarregar de grande parte da instrução, limitando o impacto de um professor não
qualificado; a segunda é a idéia de que os materiais de TI podem ser usados para treinar
professores que não têm acesso fácil às universidades. Estas duas abordagens podem
conduzir a resultados amplamente diferentes. Embora a idéia de usar salas de aula baseadas
34
em TI para superar as limitações de um professor não qualificado pareça sensata, a
evidência sugere que o sucesso de qualquer tipo de uso da tecnologia baseia-se fortemente
na qualidade do professor. O professor desempenha um papel importante na seleção do
material apropriado para os alunos e na ajuda que lhes presta para interpretar tal material.
Neste ponto, substituir professores por computadores não é uma estratégia viável.
Entretanto, a segunda abordagem, de enfrentar as carências de professores qualificados com
tecnologia, apresenta muitas promessas. O MEC está investindo pesadamente nesta área,
fornecendo portais para professores, ferramentas on- line para educação à distância e apoio
para Universidades que queiram oferecer versões semi à distância de seus programas de
formação de professores. O MEC usou a tecnologia de vídeo e de televisão para formação
de professores por muitos anos. Com um corpo substancial de materiais em vídeo
desenvolvidos através dos anos, o MEC está em boas condições para desenvolver materiais
de computador para professores, a baixo custo e com alta qualidade. Este tipo de uso da
tecnologia, em programas voltados para suprir a falta local de professores, pode
corresponder a algumas expectativas de que a tecnologia melhore a eqüidade educacional.
O otimismo em termos do valor da tecnologia deve sempre ser moderado por um
entendimento das limitações da tecnologia. As simulações podem ser úteis para apresentar
visualmente idéias abstratas, mas elas não devem ser vistas como um substituto da
experiência prática. Software multimídia de educação pode ser útil, mas não se pode
esperar que substitua professores qualificados, e a Internet pode ser uma fonte valiosa de
informação, mas com a tecnologia atual, ela não pode substituir eficientemente os livros
impressos. Embora se apresente às escolas com orçamentos baixos a oportunidade de usar
os computadores como um meio de economizar dinheiro ou de superar carências existentes,
suas contrapartes mais ricas usam a tecnologia de maneira diferente, para complementar
programas existentes.
d. A Lição da Exclusão Digital
A exclusão digital foi originalmente concebida como um gap entre "os que têm"
("haves") e "os que não têm ("have-nots") (U.S. Department of Commerce, 1995), como
uma questão unicamente de acesso. Discussões sobre a exclusão digital geralmente mantêm
35
um alto nível de otimismo alegando que as novas desigualdades introduzidas pelas novas
tecnologias podem ser superadas. Mas, enquanto agências públicas e privadas se
apressaram em desenvolver programas de acesso à tecnologia, especialmente nas escolas
dos Estados Unidos, as pesquisas mais recentes mostraram que, para concretizar os
benefícios das TI na educação, requer-se mais do que um computador com acesso à
Internet. Nas discussões sobre educação e tecnologia, a expressão exclusão digital agora
compreende mais do que simples acesso e inclui níveis de treinamento tecnológico dos
professores, conteúdo relevante localmente, alfabetização digital e as formas de aplicação
destas novas tecnologias.
Os que aceitam esta definição mais ampla argumentam que os resultados das políticas de
eqüidade digital na educação dependerão tanto do contexto social das novas tecnologias
quanto do acesso à tecnologia em si. Muitos mostraram que as diferenças nas formas de
utilização da tecnologia da informação nas salas (IBGE, 2003) aula significam que
estudantes de baixa-renda tendem a ser expostos a tipos de uso de computador diferentes de
suas contrapartes de alta-renda. Apesar das muitas décadas dedicadas à pesquisa sobre
informática educacional terem indicado as características dos programas de maior êxito,
um uso que seja consistente com este padrão é raramente implementado em áreas de baixa -
renda (Attewell, 2001; Natriello, 2001; Selwyn e Williams, 2001).
Uma grande parte da pesquisa em educação sobre a exclusão digital compara o acesso à
tecnologia da informação nas escolas que atendem às comunidades de baixa-renda com o
que está disponível nas comunidades de alta-renda. Muito se sabe sobre o acesso à
tecnologia e a infra-estrutura tecnológica nas escolas. Em uma escala internacional, tem-se
maior acesso à tecnologia em países mais ricos. Entretanto, nos Estados Unidos, um alto
nível de investimento público dirigido à exclusão digital tornou disponível o financiamento
de tecnologia para escolas que continuam a lutar para conseguir o básico. Da mesma forma
que vemos financiamentos e subsídios crescentes para a tecnologia em áreas de baixa -
renda, podem surgir padrões semelhantes em outras partes do mundo.
Nos Estados Unidos, algumas escolas em áreas de baixa-renda oferecem tanto ou mais
acesso à tecnologia do que a média nacional. Apesar das descobertas de Attewell de que as
escolas americanas mais ricas têm mais tecnologia e tecnologia de melhor qualidade, não
há exclusão em termos do acesso do aluno, contado em horas de uso do computador por
36
aluno. Lonergan (2000) concluiu que todas as escolas poderiam ter igualmente acesso à
Internet, embora não pudessem ter igualmente acesso de alta velocidade. De acordo com
Archer (1998), a exclusão do acesso desapareceu nas escolas americanas em torno de 1998,
não tendo o nível de rendimento correlação com a probabilidade de passar tempo no
computador, na escola. Da mesma forma, negros e estudantes hispânicos nos Estados
Unidos têm mais probabilidade de usar computadores na escola do que sua contraparte
branca.
Apesar da evidência de que o acesso está bem distribuído, o Digital Empowerment Act de
2000 priorizou as escolas de baixa-renda nos Estados Unidos para fundos maciços de
assistência e subsídios para tecnologia. O argumento por trás destes programas é a
promessa de que a tecnologia melhorará a eqüidade fornecendo oportunidades para superar
as limitações do déficit de orçamento. Esperava-se que a Internet pudesse compensar
problemas tais como a falta de fundos para bibliotecas e oportunidades limitadas de
treinamento de professores. Mas a expectativa de que um maior acesso para os estudantes
pobres e de minorias pudesse vir acompanhado por níveis mais elevados de eqüidade não
se concretizou.
Apesar de toda esta ação e financiamento, a literatura sobre a Exclusão Digital na educação
ainda está em seus primórdios. Embora o Governo Federal dos Estados Unidos tenha
produzido relatórios sobre cada um dos programas que financiou, Agalianos (1996)
mostrou uma carência na literatura de ciências sociais sobre este tema e o volume
impressionante de literatura educacional geralmente não é levado em consideração na
prática. Considerando o enorme investimento público e privado na superação da exclusão
digital através do acesso na escola, uma quantidade importante de perguntas permanece
sem resposta, sobre o valor e as limitações da tecnologia nas escolas, especialmente no que
se refere ao impacto da tecnologia sobre a igualdade de oportunidades educacionais.
Entretanto, a dificuldade para as escolas deriva da importância de não se negligenciar as
necessidades de baixa-tecnologia concentrando-se nos tipos de uso da tecnologia em um
clima de entusiasmo pela alta-tecnologia. Isto se tornou especialmente desafiante à luz das
discussões sobre a exclusão digital, onde se assumiu a promessa de melhorar as condições
dos alunos de baixa-renda através do acesso à tecnologia, junto com o perigo dos
estudantes com carências de habilidades de informática se tornarem não-empregáveis na
37
economia da informação. Embora o discurso sobre a exclusão social no meio acadêmico e
político se tenha expandido para incluir mais do que uma simples questão de acesso, o
acesso dos alunos é um dos marcadores de tecnologia mais fáceis de se medir, e as escolas
ainda sofrem pressão para oferecer mais acesso à tecnologia com pouca atenção às questões
sobre seu uso.
Em Juiz de Fora, MG, a Secretaria de Educação decidiu usar os fundos limitados para TI
para construir laboratórios completos de informática em um pequeno número de escolas, ao
invés de instalar um par de computadores em cada escola. No fim, a esperança era de
incluir laboratórios em todas as escolas, mas a distribuição seria por conjuntos de dez
computadores completos, com mesas, uma impressora e cadeiras. Mesmo que esta possa
não ser a maneira mais igualitária de distribuir computadores em escolas, a estratégia tinha
seus méritos à luz do fato de que era improvável que escolas com turmas de 30 a 40
estudantes pudessem encontrar um uso educacional para um par de computadores.
A decisão de instalar laboratórios levou em consideração a experiência de escolas com um
pequeno número de computadores. Se os computadores não são colocados em sala de aula,
onde podem ser usados por um pequeno número de estudantes durante o tempo de aula
regular, é muito difícil para os professores com turmas muito grandes fazer uso de um
pequeno número de computadores. Geralmente eles acabam não sendo usados ou sendo
dedicados à administração substituindo seu uso educacional. Em uma escola pública de
Petrópolis, RJ, um laboratório com dez computadores doados foi instalado e usado
regularmente. Com o tempo, vários computadores quebraram e não havia recursos para
consertá-los. No segundo ano após a doação, somente sete computadores funcionavam.
Para os professores, ficou difícil usar os computadores nestas circunstâncias, e o laboratório
foi fechado pelo resto do ano.
A decisão de distribuir laboratórios completos de informática desigualmente, de forma mais
condizente com seu uso, em Juiz de Fora, foi duramente criticada pela imprensa local, com
manchetes no jornal local, Panorama. Eles relataram que as escolas estavam contribuindo
para a exclusão digital ao selecionar uma pequena porção da população de estudantes para
o acesso aos computadores. Divulgaram o grande número de estudantes locais sem nenhum
acesso a computadores e aparentemente não fizeram esforços para pedir uma explicação à
Secretaria Municipal de Educação. Uma distribuição mais eqüitativa quase com certeza
38
teria sido um desperdício, com a garantia de que os computadores seriam raramente usados.
Mas tal distribuição teria sido politicamente mais fácil para a Prefeitura.
Embora haja pouca dúvida de que a tecnologia possa diminuir o impacto de algumas
formas de desigualdade na educação, as formas de desigualdade que estão intrinsecamente
imiscuídas no contexto social das escolas não podem ser inteiramente resolvidas somente
através de desenvolvimentos técnicos. É difícil para dirigentes escolares priorizar essas
questões, com a opinião pública concentrada apenas sobre o acesso. Nestes casos, pode-se
não considerar certos tipos de uso e a tecnologia pode facilmente exercer um papel na
exacerbação de desigualdades existentes em vez de melhorá- las. Uma visão não realista da
tecnologia como solução automática para a desigualdade social corre o risco de uma ênfase
exagerada nas soluções de alta tecnologia, onde não se consideram soluções mais
tradicionais ou novos riscos.
39
Capítulo II. Tecnologia e Educação Pública no Brasil
Este capítulo apresenta uma visão geral da educação pré-universitária brasileira, da
política de tecnologia educacional, bem como algumas sínteses estatísticas sobre a
educação brasileira, além de uma comparação de como estas relações se comportam
internacionalmente (Sorj e Remold, 2005). A seção sobre educação pública no Brasil dá
uma breve visão geral da educação pública brasileira, nos níveis fundamental e médio, e é
seguida por uma seção que discute o uso da tecnologia nas escolas públicas brasileiras.
Finalmente, incluí uma seção sobre a interação entre interesses públicos e privados no que
se refere à adoção de tecnologia educacional nas escolas públicas.
Este capítulo inclui também uma discussão dos planos amplamente divulgados sobre a
futura expansão da tecnologia educacional no Brasil, tais como o acesso maciço das escolas
à Internet proposto pela secretaria executiva, e as discussões sobre a adoção de um
programa de laptop para os alunos. Discuto o alto nível de investimento brasileiro na
educação pública no ensino médio e superior e seus níveis comparativamente baixos de
investimento nos níveis de educação básica, em relação a outros países com economias
similares. Também discuto as taxas de matrícula muito altas no Brasil nas primeiras séries,
o enorme problema da repetência, e as decisões políticas que fazem com que não pareça
fácil mudar esta situação em futuro próximo.
A primeira Constituição brasileira, em 1874, declarou o direito à educação primária
gratuita, mas o desafio da educação universal gratuita ainda se mantém atualmente.
Esforços recentes para melhorar o acesso à educação básica foram muito efetivos, e dados
do censo indicam que 94% das crianças entre 7 e 14 anos de idade freqüentavam a escola
em 2000. As matrículas no ensino médio quase dobraram nos últimos dez anos. Isso
representa uma expansão importante na história recente do Brasil, uma vez que somente
75% dos brasileiros com mais de 50 anos de idade freqüentou a escola alguma vez. Além
disso, atualmente o Brasil é capaz de manter as taxas de matrícula em 90% ou mais, por 9
anos consecutivos, mostrando que a maioria das crianças brasileiras tem a oportunidade de
permanecer na escola.
O Brasil tem trilhado um longo caminho na expansão de seu sistema educacional, mas
agora enfrenta problemas de qualidade, especialmente com altas taxas de fracasso e
40
repetência, e altos níveis de analfabetismo funcional entre as pessoas que tiveram uma
educação formal. Apesar de quase todas as crianças com idade entre 7–10 anos estarem
matriculadas na escola, a maior parte dos alunos com idade entre 15 e 17 anos ainda não
chegaram ao ensino médio (Schwartman, 2005). Em média, um estudante brasileiro gasta
2,8 anos na repetição de séries, e só 80% chegam à quarta série. Atrás do Gabão e de
Ruanda, o Brasil tem a terceira taxa de repetência mais alta do mundo. Nas escolas de nível
fundamental, um em cada quatro alunos repete, a cada ano, com a repetência respondendo
por 20% dos custos educacionais. Os custos com a repetição de anos de instrução seriam
mais do que suficientes para se oferecer escolaridade para todos os brasileiros com idade
entre 7 e 17 anos, ou para aumentar drasticamente a oferta de ensino superior (Bruneforth et
al., 2004).
De acordo com o censo escolar brasileiro mais recente, o problema dos alunos que vão
ficando para trás é tão sério que mais da metade dos alunos das séries primárias superiores
(de quinta a oitava série) tem 15 anos ou mais de idade. Apesar de muitos estados e
municípios promoverem programas planejados para estimular os professores a reprovar
menos alunos, tais programas são amplamente criticados na mídia popular e carecem de
apoio. Altas taxas de reprovação são aceitas como parte da educação no Brasil, mesmo nas
séries iniciais.
O ano escolar mínimo legal no Brasil é de 800 horas. Os estudantes começam a freqüentar
a escola com 7 anos. Espera-se que aprendam as habilidades básicas de leitura e escrita
durante o primeiro ano escolar. Os que não conseguem atingir níveis básicos de
alfabetização ao final do primeiro ano devem repetir. Mas não está claro se 800 horas de
aula são suficientes para ensinar leitura e escrita básicas a um falante de português sem uma
instrução prévia, tal como pré-escolar ou jardim de infância, especialmente em função de
um currículo que dedica um tempo considerável a outras coisas além da alfabetização
básica. Muitos estudantes brasileiros não têm acesso à educação pré-escolar e entram pela
primeira vez em uma sala de aula aos 7 anos de idade. Assim, uma grande contribuição
para as altas taxas de reprovação pode ser a incongruência entre quanto tempo se leva para
conseguir algumas habilidades-chave e o tempo de instrução de que muitos alunos
realmente dispõem, especialmente para a alfabetização básica.
Muitas escolas escolhem enfrentar as altas taxas de reprovação encerrando o ano letivo
41
cerca de duas a três semanas mais cedo para os estudantes que são promovidos, de maneira
a poder se concentrar em uma intensa revisão para os que estão fracassando. Isso diminui
ainda mais o tempo disponível para a introdução de materiais. O grande número de
feriados nacionais, estaduais e municipais, combinado com a prática comum de emendar
feriados que caem perto do fim-de-semana para permitir longos finais de semana, reduz
ainda mais as horas de instrução, dando aos estudantes muito pouco tempo para
desenvolver habilidades básicas de leitura e escrita.
O fato de que um tempo instrucional reduzido tem custos em termos de resultados
educacionais está claro, mas o que é menos óbvio é o grau que este custo de tempo
instrucional reduzido atinge entre os estudantes de baixa-renda. Crianças de classe-média
podem suplementar seu dia escolar curto em uma ampla relação de áreas tais como prática
de esportes, estudos de idiomas ou de tecnologia da informação. Enquanto isso, para os
estudantes de baixa-renda, o dia escolar pode ser a única oportunidade de atividade
estruturada. Pode haver outras vantagens acadêmicas no tempo gasto pelas crianças de
renda mais elevada fora da escola, uma vez que é mais provável que passem seu tempo com
adultos com níveis educacionais elevados.
Fischer et al. revisaram pesquisas realizadas nos Estados Unidos indicando que grande
parte dos resultados educacionais desiguais obtidos de grupos sociais diferentes pode ser
atribuída a diferenças que surgem nas férias de verão quando as escolas não estão em
funcionamento. Eles afirmam que as escolas conseguem muito bem compensar os
ambientes familiares e vivências (backgrounds) desfavorecidos de alguns alunos, mas “as
escolas não podem manter sua efetividade no desenvolvimento de habilidades dos
desfavorecidos, porque as escolas só funcionam nove meses por ano, enquanto as
desvantagens familiares operam no inverno, primavera, verão e outono” (Fischer et al.,
1996). Pode-se especular sobre o impacto de meio dia de aulas sobre a igualdade no Brasil.
Se as escolas americanas são limitadas em sua capacidade de superar condições de
desfavorecimento em um calendário de nove meses, qual será o impacto de um dia de
quatro ou cinco horas no Brasil?
Uma vez que muitos dos estudantes brasileiros mais privilegiados têm acesso a computador
depois do horário escolar, as desigualdades fora da escola acabam tendo um impacto sobre
as atividades escolares em si. Embora seja possível às escolas particulares atribuir a seus
42
alunos projetos de pesquisa por Internet ou passar exercícios de processamento de texto,
sem necessitar de nenhum treinamento extra, muitos professores de escolas públicas,
especialmente os que trabalham em áreas onde a renda é baixa, acreditam que precisam
começar desenvolvendo habilidades de manejo do mouse e do teclado, além de outros
princípios de informática. Este tipo de atividade escolar é a conseqüência direta das
diferentes maneiras em que o tempo não-escolar é gasto. Conduz os professores de alunos
de baixa-renda a utilizar horas preciosas do período escolar, especialmente nas primeiras
séries, em atividades que não contribuem diretamente para o desenvolvimento das
habilidades básicas de leitura.
Professores de escolas de nível fundamental alegam que é impossível aprovar um aluno de
primeira série que não saiba ler nem escrever. Mas com tão pouco tempo, não é de
estranhar que um em cada quatro alunos de primeira série seja reprovado, e que apenas
70% dos alunos de 15 anos de idade tenham concluído a escola fundamental. Estudantes
que começam a freqüentar a escola sem nenhuma experiência anterior de alfabetização têm
dificuldade em obter êxito, e os que são reprovados, são em geral obrigados a repetir todo o
processo novamente, exatamente no mesmo ritmo apressado.
Tabela 1: Taxa Bruta de Matrícula
FONTE: UNESCO Institute for Statistics 2001
Em 2001, um em cada quatro estudantes do ensino fundamental brasileiro estava
matriculado na mesma série do ano anterior. A expressão Taxa Bruta de Matrícula se refere
ao número de alunos matriculados em dado nível de educação, independente da idade como
um percentual da população no grupo etário oficial relevante. No caso do Brasil, este
número indica a ineficiência resultante da alta taxa de repetência. Em 1999, para cada 100
crianças de sete anos de idade, havia 129 crianças na primeira série. Isso indica que pelo
menos um terço dos estudantes da escola fundamental está acima da idade adequada à
43
primeira série escolar. A taxa bruta de matrícula na escola fundamental, no Brasil, é a mais
alta do mundo, indicando que os problemas de repetência começam logo nas primeiras
séries escolares. Este problema leva a um tremendo desperdício, uma vez que estudantes
que deveriam estar cursando níveis mais elevados repetem anos de escola (Schwartzman,
2004).
Taxas elevadas de reprovação no nível fundamental levaram a mudanças nas regras de
retenção em algumas áreas, oferecendo incentivos controversos aos professores que
aprovam estudantes e limitando os casos em que os alunos podem ser reprovados. A
implementação desses esforços para reduzir as taxas de retenção sofreu as conseqüências de
diversos problemas-chave. A responsabilidade da mudança fica com os professores que têm
um controle limitado sobre os problemas que levam ao fracasso e pouco apoio para
aprender a mudar aqueles aspectos que dependem deles. Da mesma forma, há muito pouco
apoio para os professores para as mudanças que são geralmente consideradas como
programas de promoção social. O problema das taxas de reprovação é pouco entendido pelo
público e muito simplificado pela imprensa.
A educação pública no Brasil foi bem sucedida em aumentar drasticamente o número de
pessoas com o nível mais elementar de alfabetização, mas há evidência de que algumas
dessas pessoas nunca alcançam um nível de alfabetização alto o suficiente para lhes
permitir avaliar informação ou ler longos textos (Schwartzman, 2005). Muitos alunos que
conseguem chegar ao nível médio de escolaridade têm baixos níveis de habilidades de
leitura e escrita. O Brasil participou recentemente do Programa de Avaliação Internacional
de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA), uma pesquisa
internacional que avalia o quanto estudantes de 15 anos de idade, perto do término da
educação compulsória, estão preparados para o exercício da cidadania. No Brasil, o teste
limitou-se aos jovens de 15 anos de idade matriculados acima da quarta série, o que
representou apenas 69% de todos os estudantes de 15 anos de idade. Os participantes
brasileiros do PISA ficaram entre os piores desempenhos entre os 43 países, em testes
combinados de leitura, conhecimentos de ciências e matemática. Apesar do grande número
de brasileiros que alegam ser alfabetizados, quando se definem níveis claros de
alfabetização, cerca de 40% dos brasileiros é incapaz de localizar informação em textos
curtos (Lobo, 2004).
44
Os resultados do PISA não podem ser inteiramente atribuídos ao fato de que o Brasil tem
menos dinheiro por aluno para a educação do que a maioria dos países participantes do
teste. Os pesquisadores do PISA entendiam que países que gastam mais em educação
tendem a ter melhores resultados nos testes, mas eles concluíram que os níveis de
desempenho de estudantes de países com resultados baixos, como o Brasil “ficam
consideravelmente aquém do que os gastos por aluno poderiam prognosticar” (UNESCO
Institute for Statistics, 2004). A pontuação do Brasil na avaliação foi baixa, mesmo se
comparada a outros países com níveis de renda per capita similares. E estes resultados nem
sequer levam em consideração o fato de que mais de 30% da população de quinze anos foi
excluída do teste porque não tinham chegado à quarta série ou porque tinham abandonado a
escola completamente.
De acordo com os dados do PISA acima citados, esses estudantes precisam trabalhar em
habilidades mais avançadas de leitura e escrita, tais como avaliar a qualidade de fontes
escritas e escrever exposições argumentativas. Em todas as minhas observações em sala de
aula e nas visitas a demonstrações do trabalho com computadores, nunca vi nenhuma
atividade que propusesse aos alunos exercitarem-se neste tipo de habilidades avançadas de
leitura e escrita. Da mesma forma que o currículo do nível fundamental, o currículo de
nível médio é acelerado para cobrir um grande volume de material em um pequeno espaço
de tempo. Os estudantes cursam normalmente dez disciplinas. Ao invés de ter uma chance
de reforçar as habilidades de leitura e escrita, os estudantes de nível médio são
freqüentemente testados com exames de memorização sobre assuntos que vão desde a
religião à física.
O currículo de nível médio é ambicioso e poucos defenderiam a idéia de que os estudantes
não devem aprender Física, Química e Sociologia na escola de nível médio, mas pode-se
argumentar que estas disciplinas não são verdadeiramente acessíveis para alunos a quem
faltam habilidades para formar ou avaliar argumentos lógicos ou para avaliar material
escrito. Com um início tão tardio nas habilidades básicas de leitura e escrita, o currículo de
nível médio no Brasil queima a largada, passando diretamente da leitura e escrita básicas
para um grande volume de conteúdos disciplinares específicos fortemente baseados em
habilidades avançadas de leitura e escrita.
O ambicioso currículo de nível médio não é um simples caso de descuido ou de excessivo
45
otimismo dos planejadores de currículo. Ele reflete um modelo de aprendizagem onde as
escolas têm por objetivo transmitir o máximo de informação possível para os alunos,
embora as habilidades básicas de leitura, escrita e raciocínio não sejam priorizadas. Ao
longo do ensino médio, pede-se aos alunos que memorizem e reproduzam uma vasta
quantidade de informação. Esta abordagem vai contra um forte movimento construtivista
que parece predominar na educação brasileira, mas ainda tem clara influência sobre as
metas curriculares para o nível médio. Os alunos descrevem seu papel de formas
consistentes com este modelo, esperando “absorver” ou “reter” o máximo possível de
matéria antes dos exames. A escola de nível médio é amplamente considerada como um
lugar para coletar fatos.
A disponibilidade de bons professores é também um problema no Brasil. De acordo com o
Censo 2000, mais de 40% da população tem menos de 20 anos de idade, e 31% da
população está na escola. Combine-se este fato com uma grande população em idade
escolar e taxas crescentes de freqüência à escola em relação gerações anterio res, e a
carência de professores qualificados se torna um problema previsível. Graças em parte à
expansão da oferta de cursos de formação de professores nas instituições de ensino superior
e à recente legislação, mais de 90% dos professores das escolas de nível médio agora têm
formação de nível superior. Entretanto, de acordo com o Censo Demográfico da Educação
de 2000, no primeiro e segundo ciclo da escola fundamental, apenas 36% e 77% dos
professores, respectivamente, têm diplomas de curso superior (IBGE, 2003). Isto pode ser
em parte um reflexo de um conjunto de políticas públicas que priorizam a qualidade nos
níveis mais avançados da educação pública e a quantidade nos níveis mais elementares. Os
salários dos professores de nível fundamental são muito ma is baixos do que os de
professores de nível médio, oferecendo consideravelmente mais retorno do investimento
aos professores que buscam habilitar-se para lecionar no nível médio.
Os alunos freqüentam a escola tanto de manhã como à tarde ou à noite, cada turno tendo a
duração de cinco horas. A maioria dos professores de nível fundamental trabalha pelo
menos em dois turnos, em escolas diferentes, enquanto que muitos professores de escolas
de nível médio que lecionam disciplinas específicas dão aula em várias escolas em todos os
turnos, muitas vezes com tempo e despesas de deslocamento substanciais. Com turnos
múltiplos, os recursos das escolas não estão disponíveis para os estudantes fora de seu
46
horário de aulas, e os professores não têm tempo de preparação de aula e correção dos
trabalhos dos alunos. Muitos alunos e pais acreditam que o primeiro turno tem uma
instrução melhor, porque os professores chegam exaustos aos turnos mais tardios. Isso é
corroborado pelas taxas de reprovação apresentadas no Censo Demográfico da Educação
2000, que são mais de um terço mais elevadas para os alunos dos turnos noturnos
comparados aos dos turnos da manhã (IBGE, 2003).
Apesar de todos os problemas na qualidade da educação, os estudantes brasileiros mostram
um alto nível de interesse e envolvimento na aprendizagem. A expectativa brasileira de 13
anos de permanência na escola é muito notável, considerando a média de 2,9 anos que os
alunos devem repetir. Aparentemente, os estudantes reconhecem as oportunidades que vêm
com a educação pública, e persistem apesar dos fracassos e dificuldades. Em um
questionário do PISA, voltado para a leitura, os estudantes brasileiros apareceram entre os
maiores níveis de interesse na leitura. Isto apesar do fato de que a pontuação combinada
de leitura e escrita tenha sido a mais baixa (Kirsch et al., 2001) de todos os países
participantes, e de que muito poucas escolas brasileiras ofereçam bibliotecas ou livros para
levar para casa. Dadas oportunidades de êxito, os estudantes brasileiros podem desejar
empreender esforços substanciais para o sucesso acadêmico.
Tecnologia da Informação e Comunicação nas Escolas Brasileiras
Embora o número de escolas com computadores e de crianças com acesso ao
computador na escola continue baixo, a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC)
desempenha um papel importante nos planos de melhoria da educação brasileira e figura
como destaque nas discussões públicas sobre política educacional. No passado, o Governo
Federal anunciou planos para conectar todas as escolas com banda larga de acesso à
Internet, mas os recursos alocados para este fim como parte de um programa de
universalização das telecomunicações (FUST) não foram liberados (Sorj, 2003). Mas o
interesse nos programas de tecnologia em larga escala continua alto. Recentemente, o
governo concordou em examinar uma proposta de Nicholas Negroponte e Seymour Papert,
do MIT, de equipar com computadores portáteis (laptops) os estudantes de escolas públicas
(Lana, 2005).
47
Apesar da ampla cobertura dos meios de comunicação sobre o uso da tecnologia nas
escolas, esta área não parece ser uma prioridade em nenhuma das duas últimas
administrações presidenciais. Na gestão FHC, a tecnologia educacional foi incluída na
secretaria de educação à distância do Ministério da Educação. Durante o governo Lula, a
Secretaria de Tecnologia e Educação concentra-se sobre a educação tecnológica, o ensino
de habilidades tecnológicas específicas, ao invés de focar-se na tecnologia educacional, o
uso da tecnologia para apoiar metas curriculares amplas, e as duas coisas são
freqüentemente confundidas. Em alguns casos, decisões-chave sobre tecnologia
educacional foram legadas ao Ministério das Comunicações (Pires, 2001). Por pelo menos
dez anos, decisões a respeito de tecnologia educacional em nível nacional não foram
consideradas prioridades políticas e foram tratadas por pessoas cujo foco básico era outro.
Figura 1: Percentagem de escolas brasileiras de nível fundamental e médio com acesso a
computadores, Internet e laboratórios de Informática. 2000 – 2003.
Fonte: EDUDATABRASIL - Sistema de Estatísticas Educacionais, INEP (INEP, 2004)
A Figura 1 mostra o percentual de escolas brasileiras de nível fundamental e médio
com acesso aos recursos de TIC. As escolas estaduais atendem a cerca de 40% da
população escolar, as escolas municipais são responsáveis por cerca de 50%, e
48
aproximadamente 10% dos estudantes freqüenta escolas particulares. Observe -se que os
computadores aqui relacionados não são necessariamente dedicados a usos educacionais
diretos. A categoria de escolas com ao menos um computador inclui computadores
utilizados exclusivamente pela equipe administrativa. As escolas estão ampliando seu
investimento em tecnologia da informação, em todos os três níveis, mas até nas escolas
particulares, onde é mais provável dispor de computadores e onde as taxas de crescimento
estão caindo, apenas metade das escolas oferecem laboratórios de informática para uso dos
alunos. Não é de surpreender que as escolas que têm mais probabilidade de ter recursos de
TI disponíveis são as escolas particulares que atendem a uma população de renda mais alta,
enquanto as que têm menos probabilidade sejam as escolas municipais, as quais tendem a
atender aos estudantes de renda mais baixa.
Como na maior parte do mundo, a decisão de que as escolas brasileiras deveriam ter
computadores para uso educacional precedeu a muitas discussões importantes sobre como
os computadores deveriam ser usados. Por mais de dez anos, o governo federal promoveu e
financiou salas de computadores com orientações limitadas sobre seu uso, na expectativa de
que professores especialistas guiariam seus pares no uso apropriado do computador. Este
método de gerenciamento invertido contrasta com a administração do MEC de outros
programas, que são em geral organizados de maneira centralizada em nível nacional ou
estadual. Software para uso em sala de aula não é administrado de forma centralizada, nem
há planos organizados de maneira centralizada para uso do computador em sala de aula.
Sobre o uso da tecnologia, professores e escolas têm amplo grau de liberdade para tomar
decisões locais.
Em lugar de fornecer instruções específicas para educadores locais, os programas do MEC
são mais voltados para dar apoio ao uso da tecnologia. Muitos usos de computador não
servem de apoio às metas gerais da educação nas escolas. Como discuto nos capítulos III e
IV, muitos professores se esforçam para encontrar usos para a tecnologia que possam
ajudar a alcançar suas metas educacionais com a tecnologia e o suporte de que dispõem.
Nas atuais circunstâncias, os computadores exigem que os professores façam experiências
de abordagens alternativas de ensino e, sem modelos fáceis a seguir, é difícil para os
professores trabalharem com eles. Este problema foi tratado em princípio colocando
49
professores em contato uns com os outros, dando oportunidades de partilhar histórias de
sucesso, resultando em redes informais de educadores usuários de informática.
Interesse Público e Privado
A tecnologia educacional é um negócio de muitos bilhões de dólares. Quando as
escolas instalam tecnologia de informática, alguém precisa fornecer os programas, a
instalação, o acesso à Internet e o treinamento. A crescente indústria que fornece
equipamentos, programas e serviços de tecnologia para as escolas está cada vez mais
interessada nas políticas relacionadas ao uso da tecnologia. Nesta seção discuto os
interesses da indústria privada e a necessitada de que administradores públicos negociem
em nome do sistema de educação pública. Eu não argumento contra nem a favor de se
contratar bens e serviços privados, mas descrevo as características das parcerias público-
privadas que são mais efetivas na defesa do interesse público e os problemas que podem
surgir quando administradores públicos falham em negociar eficientemente em nome do
sistema de educação pública.
Os setores corporativo e governamental foram rápidos em identificar o novo mercado
oferecido pela tecnologia educacional. Eles foram também surpreendentemente atentos às
questões da exclusão digital, considerando como foram lentos em responder a outros tipos
de desigualdades (Natriello, 2001). A indústria de tecnologia, especialmente os principais
fabricantes de hardware e software, investiu em pesquisa de políticas sobre tecnologia
educacional e exclusão digital, especialmente pesquisas recomendando a adoção imediata
de compras de tecnologia em larga escala nas escolas. Nos Estados Unidos, empresas de
filtragem de informação oferecendo produtos para bloquear o acesso a conteúdos
pornográficos e violentos na Internet foram diretamente ao Congresso onde exerceram um
lobby eficiente para tornar obrigatório o uso de programas de filtros em escolas públicas e
bibliotecas que usam recursos federais para acesso à Internet.
Interesses privados
A indústria de tecnologia educacional é um dos principais interessados nas políticas de
tecnologia educacional. Empresas patrocinam pesquisas sobre a efetividade da tecnologia
50
educacional, mandam representantes em conferências sobre educação e políticas,
contribuem para pesquisas sobre o impacto da exclusão digital e com isso chamam a
atenção da imprensa sobre estas áreas. A indústria se beneficia de sua influência sobre as
decisões de políticas públicas quando ela promove tecnologias educacionais que são mais
lucrativas independentemente do valor educacional de tais produtos. Embora seus
interesses não entrem diretamente em conflito com os interesses educacionais públicos,
tampouco estão alinhados com eles. Tais perspectivas e interesses diferentes são muitas
vezes ignorados.
De acordo com Selwyn et al. (2001), o papel do setor privado nas iniciativas de tecnologia
não deve ser subestimado. “A sustentabilidade dos programas educacionais baseados em
tecnologia depende afinal da habilidade dos negócios de torná- los lucrativos e não de
preocupações leves tais como a educação”. Os interesses da indústria privada nem sempre
são consistentes com o interesse público. Por exemplo, a tecnologia educacional que
oferece a maior perspectiva de lucratividade pode ser amplamente divulgada pela indústria
de softwares educacionais, enquanto as escolas talvez pudessem encontrar uma melhor
relação custo/benefício usando ferramentas de programas de código livre, com menos
limitação de uso.
Castells et al. (1999) discutiram o papel crescente do setor privado na educação pública.
Segundo McLaren (1999), à medida que as escolas vão sendo cada vez mais financiadas
por empresas, a reforma educacional é crescentemente influenciada pela economia
capitalista. Para McLaren, novas tecnologias servem principalmente para promover a
eficiência com a qual o capital é transferido do emprego produtivo. Sayers (1995) foi um
dos primeiros a relacionar a tecnologia educacional com o papel crescente do setor privado
na educação. Além da atração exercida pelo grande mercado escolar para vender produtos e
serviços de programas educacionais, Sayers dá exemplos de tecnologias educacionais que
são mercadologicamente dirigidas ao público cativo escolar, descrevendo a grande indústria
que oferece conteúdo digital educacional gratuito para escolas, com propaganda embutida.
Uma quantidade de produtos de software gratuitos e páginas web escolares gratuitas é
desenvolvida pensando em metas mercadológicas. Quando crianças são expostas na escola
a desenhos animados com marcas a que está acostumado, as marcas ganham uma
vantagem no mercado.
51
Os produtos adotados nas escolas também têm uma vantagem competitiva ao ganhar
notoriedade em sua categoria. Aprender a usar um PC MS-Windows na escola, por
exemplo, aumenta as chances de que os estudantes busquem produtos similares quando
comprarem computadores no futuro. Ter novos integrantes da força de trabalho, egressos da
escola pública, habilitados no uso do Microsoft Excel, aumenta as chances de que a
empresa escolha este produto entre os concorrentes. Quando as escolas já têm um pequeno
número de computadores de um determinado tipo, há vantagens em comprar mais do
mesmo no futuro, para facilitar a compatibilidade e a manutenção.
Como a Apple demonstrou, ter um produto nas escolas pode ser um caminho fácil de
garantir a fidelidade ao produto. Na década de 1970, a Apple doou computadores
Macintosh para escolas e ganhou uma base de consumidores fiéis de uma geração inteira de
alunos e professores de escolas. A IBM e a Borroughs (agora Unysis) seguiram uma
estratégia similar no Brasil, doando mainframes para universidades brasileiras com a
esperança de obter uma vantagem no mercado brasileiro de computadores de grande porte.
Jeremy Rifkin afirmou que desenvolver uma base de usuários fiéis tem um imenso valor na
economia atual, onde os nomes de marcas estabelecidas são mais valorizados no mercado
do que produtos tangíveis (Rifkin, 2000).
O uso do tempo escolar para transmitir material comercial é um outro comprometimento à
qualidade educacional. Grande parte do material comercial, amplamente discutido, que
chega à sala de aula, o faz por meio das novas tecnologias, inclusive uma quantidade de
títulos de programas educacionais que apresentam desenhos animados famosos. Nos
Estados Unidos, as escolas em áreas de baixa-renda sofrem pressão pública para atingir
padrões e demonstrar uso de tecnologia. Essas escolas recorrem freqüentemente a pacotes
prontos de programas educacionais digitais que vêm com conexão e equipamento (S ayers,
1995). Estes programas completos são tentadores para escolas com orçamentos
insuficientes para compras de tecnologia de ponta. As escolas podem pagar por software,
hardware, conexão e suporte em prestações mensais. Mas a crescente flexibilidade das
formas de pagamento vem acompanhada pela perda de flexibilidade do conteúdo. Escolas
que usam pacotes educacionais digitais completos não podem selecionar a aplicação
tecnológica certa para uma necessidade específica e elas detêm muito pouco controle sobre
o volume de material comercial que entra em sala de aula via tela do computador.
52
No Brasil, observei material comercial nas salas de aula, com mais freqüência sob forma de
exercícios em sala que requerem que os alunos visitem páginas comerciais na Internet, ou
sob forma de pequenos jogos baixados para uso durante a aula. Embora as secretarias locais
de educação às vezes produzam coleções de links de Internet, os alunos mostram interesse
muito maior nas páginas da Internet programadas em princípio para fins comerciais e, se
lhes é dada a escolha, quase sempre as selecionam. Estas páginas são também as primeiras
a aparecer quando os estudantes realizam buscas. Elas também tendem a ter uma interface
gráfica mais esmerada e a usar mais áudio e vídeo do que as páginas educacionais não-
comerciais.
Em contraste com a atitude dos alunos em relação ao material comercial, alguns professores
têm um sentimento de orgulho pelo uso em sala de aula de material livre não pirateado.
Professores que usam aplicativos de código livre sempre fazem questão de mencioná- lo ao
apresentar o uso que fazem da tecnologia. Outra área de orgulho é o uso de programas
desenvolvidos em ambientes de pesquisa. A USP fez uma versão do Logo em português,
para uso nas salas de aula brasileiras, e todos os professores que vi usar este recurso
sentem-se orgulhosos de sua escolha de um software criado pela pesquisa educacional.
O uso de tecnologia nas escolas serve também a uma forma mais indireta de marketing: à
medida que as crianças desenvolvem habilidades de informática cedo na vida, elas
desenvolvem simultaneamente fidelidade às marcas com as quais estão mais familiarizadas.
O hardware e o software utilizados nas escolas têm uma vantagem competitiva, quase se
tornando um padrão industrial. À medida que a indústria de tecnologia educacional cresce,
ela adquire uma perícia maior de como tirar mais proveito de sua participação no mercado
escolar. Há, por isso, uma demanda crescente de que os administradores escolares sejam
capazes de escolher os produtos certos, negociando preços justos e limitando o uso das
escolas públicas como um local de promoção mercadológica.
Além das vendas e do marketing, há outros benefícios para a indústria com o crescente uso
da tecnologia nas escolas, tal como a perspectiva de uma mão-de-obra tecnologicamente
competente e de apoio para o desenvolvimento infra-estrutural. Por exemplo, em áreas
onde existe pouco mercado para o acesso à Internet de banda larga, os Provedores de
Serviços de Internet podem construir a infra-estrutura para conectar as escolas, com ajuda
das escolas públicas locais. Uma vez instalada, os provedores podem usar esta nova infra-
53
estrutura para oferecer serviços às comunidades vizinhas, com muito pouco investimento
adicional.
Empresas podem até manipular doações em seu próprio proveito financeiro, por exemplo,
divulgando amplamente doações de material de treinamento ou de software a quase
nenhum custo de reprodução. Quando os agentes públicos contratam tecnologia e serviços
de tecnologia, devem pesar todos os benefícios do fornecedor, considerando custos
razoáveis. As escolas não deveriam aceitar ter um único provedor de serviços nos casos de
grandes investimentos de infra-estrutura nem permitir que fornecedores incluam promoções
diretas nos equipamentos e serviços pelos quais cobram o preço total. Devem desenvolver
a capacidade de avaliar esses custos e de estabelecer padrões para a avaliação de contratos
de tecnologia.
Defendendo os Interesses Públicos
Sempre que a TI é usada na educação pública, as escolas devem contratar hardware,
software e suporte. A tecnologia pode ser usada para realizar tarefas que as escolas certa
vez administraram por si, tais como correção de testes, demonstração de conceitos ou
avaliação do desempenho do aluno. Quando a tecnologia produzida pelo setor privado é
utilizada para cumprir estas tarefas, ocorre uma espécie de terceirização (outsourcing). A
introdução da tecnologia na educação pública sempre inclui uma forma de privatização, no
sentido amplo da palavra, que envolve tanto a venda de empresas públicas quanto a
terceirização.
Segundo Sclar (2000), o sucesso do relacionamento entre os compradores públicos e os
vendedores privados depende da habilidade do sistema público de estabelecer metas claras,
de tomar decisões sobre suas necessidades e de se preparar para avaliar contratos antes de
envolver a indústria no processo. A habilidade do setor público de promover o interesse
público baseia-se em grande parte no grau de especificidade e planejamento que consegue
ter ao contratar o fornecimento de bens e serviços, incluindo o planejamento de como o
contrato será avaliado, cuidadosamente comparando custos de alternativas. Quanto mais os
representantes das escolas souberem exatamente o que esperam conseguir com os produtos
de tecnologia, tanto mais bem preparados estarão para negociar com o setor privado.
54
No caso da tecnologia educacional, é difícil para os representantes do sistema público
serem específicos na descrição das metas e padrões de avaliação, ao negociar com o setor
público. Atualmente, muitas tecnologias educacionais ainda estão em estágios
experimentais, e há grandes esperanças sobre o poder da tecnologia de transformar as
escolas, mas os detalhes sobre sua implementação são ambíguos. Infelizme nte, a
negociação se complicou ainda mais com o fato de que os representantes da indústria estão
envolvidos em quase todos os aspectos do planejamento da tecnologia para a educação
pública, e é quase impossível distinguir a fase de planejamento do processo, do estágio de
vendas. Nestas circunstâncias, não é de surpreender o fato de que a pesquisa sobre
informática educacional em geral não seja considerada nas decisões sobre o uso do dinheiro
público em tecnologia educacional.
Sclar também discute a importância de se separar os contratos do setor privado da política e
mesmo de se restringir o envolvimento político das empresas que fornecem bens e serviços
públicos. Ele fala sobre os efeitos potenciais de corrupção nos contratos públicos e clama
pelos mesmos padrões de conduta que existem no setor privado onde os compradores são
em geral proibidos de manter um interesse financeiro ou de receber presentes das empresas
com as quais estão negociando. Sclar afirma que os mesmos padrões adotados nas
aquisições públicas seriam um longo avanço na proteção do interesse público contra a
ameaça da corrupção. No caso brasileiro, onde a corrupção tem sido difícil de controlar,
estes cuidados deveriam ser também considerados.
Um dos grandes obstáculos a um planejamento completo e a métodos claros de avaliação
no uso da tecnologia é que, em uma área com muita mudança rápida e inovação, é
necessário certo grau de flexibilidade para permitir a introdução de novas tecnologias. Estes
fatores fazem com que seja difícil para as agências públicas contratarem bens e serviços da
forma descrita por Sclar. Tal problema é freqüentemente enfrentado através do uso de
programas-piloto em pequena escala, testando os usos de uma nova tecnologia antes de
adotá-los em larga escala. Entretanto, na prática, programas-piloto podem muitas vezes ter
sucesso sem que se possa reproduzi- los facilmente. Em muitos casos, as condições
experimentais de um programa-piloto, o entusiasmo dos participantes e os níveis de apoio
não são facilmente mantidos quando se vai para a larga escala.
Apesar de os programas-piloto continuarem sendo a melhor abordagem de trabalho para os
55
usos de tecnologia de ponta, ainda é importante que o sistema público seja representado por
compradores que tenham competência para definir metas claras para a tecnologia
educacional, avaliar contratos de tecnologia em consonância com as metas educacionais,
comparar seus custos com outras alternativas e estabelecer meios claros de avaliação de
produtos e serviços fornecidos pelo setor privado. A competência para representar o
interesse público nestas áreas não é simples; requer a participação e a perícia de pessoas de
diversas funções, dos professores de sala de aula a contadores.
Uma quantidade de iniciativas políticas voltadas para aumentar o acesso dos estudantes aos
computadores ou para reduzir a exclusão digital fornece acesso à tecnologia, serviços e
programas de treinamento em tecnologia para professores. Nos Estados Unidos, as escolas
freqüentemente recebem dinheiro público especificamente para uso em tecnologia,
enquanto que o grau mais elevado de centralização no Brasil em geral significa que em vez
de distribuir fundos para tecnologia, os governos estaduais e municipais distribuem os
computadores diretamente para as escolas ou fornecem empréstimos com juros baixos para
professores (Kehrle, 2004). Em ambos os casos, programas que subsidiam ou fornecem
tecnologia às escolas usando dinheiro público devem negociar cuidadosamente em seus
relacionamentos com os fornecedores para assegurar as maiores vantagens educacionais
possíveis ao menor custo possível.
Podem surgir problemas quando os representantes públicos compram computadores sem
primeiro estabelecer metas educacionais claras e planos para o uso da tecnologia. O
sintoma mais óbvio deste problema é a subutilização dos computadores, como resultado
tanto de a) computadores sendo passados às escolas por níveis mais altos da administração,
sem um interesse local de usá- los, ou b) compra de computadores não acompanhados pelos
requisitos necessários para seu uso efetivo, como software, treinamento, tempo,
manutenção e outros.
No capítulo III, discuto vários casos de computadores que nunca foram usados ou só foram
muito raramente usados. Este problema foi muito freqüente em minha pesquisa, e é
especialmente alarmante considerando que os professores e diretores de escola só se
interessavam em me receber se estivessem usando os computadores ou nos dias em que
seria mais provável usá- los. Outra evidência de que são as vendas e não as metas
educacionais o que dirige a expansão da tecnologia nas escolas vem da protelação de seu
56
uso. Muitas das escolas públicas que visitei relataram um longo intervalo de tempo entre a
data de instalação dos computadores nas escolas e a primeira vez em que foram usados.
Parecia que ao invés de ser adquirida em função das necessidades e metas educacionais, a
tecnologia era freqüentemente entregue às escolas, onde só então a equipe começava a
considerar como deveria usá- la. Este problema aponta especialmente para o fracasso em
detalhar metas tecnológicas específicas, planos e métodos de avaliação antes de se investir
em programas de tecnologia, em um processo invertido.
A expansão da tecnologia educacional nas escolas públicas requer um relacionamento
intenso entre a indústria de tecnologia e as escolas públicas. Recai sobre os funcionários
públicos a responsabilidade de passar pelo difícil processo de assegurar que o público
interessado seja defendido, ao se negociar e avaliar contratos de tecnologia. Este processo
se torna ainda mais desafiante devido à natureza inovadora e em constante mudança da
tecnologia educacional e por causa de uma decisão política antiga resistente a que o
planejamento da tecnologia deva ser descentralizado.
57
Capítulo III. Condições Iniciais Desiguais
As diferenças entre as experiências com tecnologia da informação entre escolas em
áreas com padrão de rendimentos alto e baixo são muitas vezes relacionadas às diferenças
no embasamento e na vivência dos alunos e às condições existentes na escola antes mesmo
dos computadores serem instalados. Os níveis de alfabetização variam entre alunos de
comunidades com diferentes padrões de rendimento, limitando os possíveis tipos de uso de
computadores e encorajando alguns professores a se concentrarem no desenvolvimento de
habilidades básicas ao invés de terem maior liberdade para escolher atividades
enriquecedoras. Professores em situações em que a razão professor/aluno é razoável podem
planejar suas aulas que usam tecnologias da informação considerando seus objetivos
curriculares, ao passo que professores em salas de aula com muitos alunos têm maior
probabilidade de não usar computadores ou de enviar parte de sua turma para os
laboratórios de informática ensinados por outros professores. A própria qualificação dos
professores, assim como a existência de incentivos e apoios para seus desenvolvimentos,
também tem papel fundamental nas suas capacidades para o uso eficaz dos computadores
(Mergendoller, 2000).
Uma professora do ensino médio disse acreditar que computadores tinham grande sucesso
em fazer com que os políticos ganhassem destaque e em aumentar a confiança da
população nas escolas. Mas ela achava que a falta de continuidade no apoio, especialmente
no que diz respeito a infraestrutura e a pessoal técnico, tornava impossível o uso eficaz dos
computadores nas escolas. Na sua opinião, os recursos necessários para um uso eficaz dos
computadores, tais como treinamento ou disponibilidade de tempo para usar o
equipamento, eram raramente disponíveis e, portanto, esta tecnologia poderosa estava
fadada a não ser usada.
Estas condições eram, de certa forma, melhores nas escolas particulares, apesar de
raramente ideais, e significativamente piores nas escolas em áreas de baixo padrão de
rendimentos, onde as condições preexistentes tornavam impossível o uso de computadores.
Todos estes fatores, que contribuem para resultados educacionais desiguais, podem afetar a
eficácia do uso de computadores em alcançarem os objetivos educacionais.
58
O Tamanho da Turma
Nas várias escolas que visitei o tamanho das turma variava entre trinta e cinco e
quarenta alunos. Vários professores com quem falei ou que visitei indicaram que as
conseqüências do grande número de alunos se estendiam além da necessidade de que
alunos compartilhassem com seus colegas os computadores ou que precisassem trabalhar
em grupos pequenos. Os professores, tanto em suas aulas regulares quanto nos laboratórios
de informática, tinham que ser criativos no manejo de suas turmas. Lidar com altos níveis
de ruído, trabalhar com alunos pouco cooperativos e lidar com os desafios diários da
atividade de lecionar são significativamente mais difíceis quando as turmas são grandes.
Como conseqüência, os professores concentram-se principalmente na motivação,
cooperação e atenção dos alunos e se interessam em escolher aquelas atividades que tornem
mais fácil lidar com a turma.
Vários professores que observei e com quem falei mostraram-se preocupados com as
dificuldades potenciais de liderança de turmas trabalhando em atividades sem uma
finalidade predeterminada, mais comuns em laboratórios de informática. Neste tipo de
atividades, indivíduos ou grupos pequenos podem precisar do professor, e professores em
turmas com muitos alunos podem ter dificuldades em satisfazer as necessidades de todos os
alunos. Atividades altamente estruturadas ofereciam vantagens para o manejo da turma,
assim como em solicitar dos alunos tarefas familiares que exigiam pouca instrução.
A literatura sobre o impacto do tamanho das turmas é de certa forma contraditória. Se por
um lado vários pesquisadores relacionaram turmas menores com melhoras nos resultados
educacionais, alguns pesquisadores indicaram que, sob condições específicas, turmas
maiores (de até quarenta e cinco alunos) não têm impacto ne gativo (Carnoy, 1999). Carnoy
descreve como estes estudos têm sido usados por agências de fomento internacionais e
pelos governos como apoio para ações de redução de custo que aumentem a razão
aluno/professor. Mas Carnoy identifica uma limitação nestes estudos: as condições sob as
quais o maior tamanho da turma não tem impacto negativo são extremamente limitadas. O
número grande de alunos aparentemente causa pouco ou nenhum dano quando os
professores utilizam exclusivamente o formato de aulas puramente expositivas, ou seja, as
chamadas "aulas do método cuspe e giz". Contudo, em outras abordagens para o ensino,
incluindo abordagens que têm forte embasamento em pesquisas educacionais, um menor
59
número de alunos por professor é mais importante.
Os professores se mostraram preocupados com a logística para turmas grandes no
laboratório de informática. Eles se preocupavam com a maneira com que conseguiriam
lidar com toda uma turma de alunos em um laboratório de informática pequeno e com
computadores limitados. De fato, estas preocupações tinha peso considerável em seus
planejamentos para o dia. Em várias escolas públicas os computadores eram instalados em
salas que não tinha tamanho suficiente para toda a turma. Nestes casos, ou o laboratório de
informática não era usado ou a escola providenciava para que um professor de informática
retirasse grupos de alunos das turmas. Portanto, as restrições de espaço levavam a
problemas concretos na integração do uso de computadores com o resto do trabalho escolar
e a problemas na obtenção dos melhores resultados possíveis no uso de computadores.
Uma professora com quem falei me explicou que na sua escola os laboratórios de
informática eram raramente usados porquê a sala não comportava um número suficiente de
cadeiras para toda uma turma. O laboratório de informática tinha somente 30 cadeiras, ao
passo que as turmas chegavam a ter 40 alunos. Ela disse ter tentado usar o laboratório de
informática, mas que achava impossível trabalhar nestas condições. Mesmo quando o
espaço físico era suficiente para toda a turma, os professores sentiam dificuldade quando
grupos grandes de alunos trabalhavam todos ao mesmo tempo numa atividade usando
computadores. Numa das mostras de informática uma professora usou grande parte do
tempo de sua apresentação para expor um conjunto de técnicas que ela desenvolveu para
manter controle sobre a turma enquanto usavam os laboratórios de informática com um
número grande de alunos.
A professora dividiu sua turma em dois, o que permitia colocar um ou dois alunos por
computador e a outra metade da turma trabalhando numa mesa redonda no laboratório de
informática em atividades relacionadas às atividades no computador. Ela desenvolveu um
conjunto de estratégias para trabalhar com questões que surgissem, para lidar com os
alunos que aguardavam respostas para suas questões e para planejar sobre a possibilidade
de alguns alunos completarem uma atividade enquanto outros ainda estavam no meio desta
atividade. Para esta professora, suas inovações possibilitaram seu uso do laboratório de
informática, apesar do tamanho da turma ter tornado o uso inicial do laboratório
extremamente difícil.
60
Alguns professores relataram a subutilização dos laboratórios de informática em suas
escolas e alegaram que esta subutilização era em parte conseqüência do grande número de
alunos nas turmas. Vários professores sugeriram que um professor de informática era a
melhor solução para este problema, pois permitia a divisão das turmas em dois grupos
menores. A maior parte das escolas públicas que relataram o uso rotineiro e freqüente dos
laboratórios de informática usavam um esquema deste tipo, com metade da turma visitando
o laboratório de informática enquanto a outra metade ia para a biblioteca, para outro tipo de
aula especializada ou simplesmente ficava na sala com a professora seguindo a aula normal.
Esta abordagem implicava que o tempo no laboratório de informática era geralmente
fragmentado em blocos relativamente pequenos, de menos de 30 minutos cada, e que cada
estudante visitava o laboratório poucas vezes por ano.
Esta solução para o problema oriundo do tamanho das turmas contribuiu para as
dificuldades que os professores enfrentavam para integrar o tempo de computador com o
currículo e em muitos dos casos os professores da aula tradicional eram impossibilitados de
acompanhar os alunos em suas visitas ao laboratório de informática. Os professores
interessados em descobrir maneiras que permitissem a integração do uso de computadores
com suas aulas regulares tinham que se escorar em reuniões de planejamento com os
professores de informática, que geralmente aconteciam fora do horário de aula.
Uma professora me explicou que o tamanho muito grande das turmas em sua escola
tornavam o uso de computadores praticamente impossível. O laboratório de informática em
sua escola era muito pequeno para que uma turma de tamanho médio em sua escola (em
torno de 40 alunos) coubesse dentro do laboratório, pois o laboratório tinha somente 30
cadeiras. Do ponto de vista desta professora, o caos que ela teria que agüentar para usar o
laboratório de informática tornava inútil o uso do laboratório. Ela questionou a validade de
instalar um laboratório de informática com tão pouco acompanhamento a ponto de nunca
ser usável e também relatou que a maior parte de seus colegas de trabalho desistiram de
usar os computadores nestas condições.
A dificuldade no uso de laboratórios de informática com grupos grandes de alunos era
agravada em escolas com espaços pequenos para seus computadores, mas era uma
preocupação até mesmo em escolas com laboratórios de informática espaçosos. Esta
dificuldade levanta a questão sobre o por quê da maior problemática em manter controle
61
sobre turmas grandes nos laboratórios de informática quando comparadas com turmas em
aulas regulares. Ao observar alunos trabalhando nos laboratórios de informática, torna-se
claro que seus níveis de energia e entusiasmo aumentam quando eles são levados para uma
visita aos laboratórios. Mesmo quando eles faziam fila para sair de suas salas de aula,
alunos do ensino fundamental se estavam tão entusiasmados com o uso de computadores
que se enchiam de energia. Uma vez chegando aos laboratórios de informática, esta energia
se transformava num forte sentimento de urgência cada vez que precisavam da ajuda do
professor. Quando mensagens de erro apareciam nas telas, as crianças aguardavam pela
ajuda do professor com uma impaciência quase desesperada. Professores que conseguiriam
trabalhar normalmente com uma turma de quarenta alunos em aulas convencionais viam-se
facilmente incapazes de lidar com somente vinte alunos no laboratório de informática.
Até mesmo os computadores ofereciam desafios, na maior parte dos casos os maiores
desafios. Enquanto os professores instruíam os alunos, tinha sempre pelo menos um
computador com uma janela aberta dando um erro ou reclamando sobre a necessidade de
atualizações, mudanças no próprio equipamento ou algo similar. Estes problemas era
geralmente simples e os professores geralmente conseguiam resolvê - los com um simples
clique do mouse, mas a maior parte das crianças pedia ajuda cada vez que uma janela de
erro aparecia. Instruções que poderiam ter sido imediatas com materiais de baixa
tecnologia, como por exemplo instruções para ler um dado texto, tornavam-se muito mais
complicadas com computadores, obrigando os professores a correrem de uma bancada para
a outra tentando ajudar seus alunos. Os alunos de maior idade em séries mais avançadas
conseguiam ler as janelas de erro e decidir sozinhos o que fazer, mas mesmo nestes casos
ficava claro que os computadores tornavam a alta proporção de alunos por professor um
maior empecilho para o trabalho.
Turmas grandes também se apresentam como um maior desafio para os professores em
termos de manejo. Professores estão sempre procurando maneiras de aumentar a motivação
dos alunos e de melhorar seus níveis de cooperação. Para os professores trabalhando com
um número de alunos além de sua capacidade, o desafio contínuo de supervisionar um
grupo de crianças tão grande torna-se tão importante quando os próprios objetivos
educacionais. Ainda que os computadores aparentemente façam alguns aspectos de controle
na sala de aula tornarem-se mais difíceis, os professores que se esforçam pela colaboração
62
de alunos pouco cooperativos podem descobrir nos laboratórios de informática uma
maneira de melhorar alguns aspectos do manejo de suas turmas. Vários professores relatam
que alunos que têm dificuldade de trabalhar nas aulas regulares são mais cooperativos nos
laboratórios de informática.
O entusiasmo dos alunos pareceu ser independente de como os computadores eram usados
ou do nível de desafios permitidos por um uso particular da tecnologia de informação. O
alunos aparentavam ter o mesmo nível de satisfação simplesmente escrevendo seus nomes
na tela do computador através de um processador de texto ou trabalhando em atividades
com conteúdo mais rico ou mais desafiadoras. Nas atividades mais difíceis, eles eram com
mais freqüência forçados a esperarem (usualmente de maneira impaciente) o professor para
tirar dúvidas, mas o nível de cobrança e desafio tinha pouco impacto no manejo da turma.
Dadas as mudanças causadas pelo uso de computadores em termos de manejo de turmas e
de melhoras na motivação e na cooperação dos alunos, o uso de computadores parece estar
interligado com as questões relacionadas à turmas com grande número de alunos. Várias
escolas, tanto públicas quanto particulares, abordavam as dificuldades oriundas de turmas
muito grandes reduzindo o tamanho das turmas nos laboratórios de informática. Outras
escolas simplesmente não tinham recursos suficientes para este aumento.
Alfabetização
A vivência dos alunos influencia nas escolhas que os professores têm quando
prescrevem atividades nos computadores. Alunos com níveis mais avançados de
alfabetização, aqueles com acesso a livros em casa e na escola, geralmente são capazes de
utilizar melhor os recursos computacionais do que os alunos com níveis limitados de
alfabetização. Fatores influenciados por padrões de rendimento, tais como o acesso a
educação pré-escolar, o nível de alfabetização dos colegas, o nível educacional dos pais e o
acesso a material para leitura, têm um grande impacto nos níveis de alfabetização, que por
sua vez afetam a capacidade da tecnologia da informação ser útil na sala de aula.
Em salas de aula onde a maioria dos alunos têm as mesmas habilidades de leitura, os
professores podem usar uma gama maior de atividades dentre as que os computadores
podem oferecer. Eles podem usar a Internet como fonte de informações e começar a
63
trabalhar com os alunos na avaliação da relevância e qualidade das fontes de informação
encontradas na Internet. Eles também podem trabalhar com processadores de texto ou
outras ferramentas de escritas para desenvolver ainda mais as capacidades de comunicação
escrita e as habilidades de editoração. Nas turmas em que os alunos não possuem
alfabetização básica, os computadores precisam ser usados de maneiras diferentes,
geralmente com programas muito menos versáteis e com interatividade restrita. Estas
escolhas limitadas e a pouca independência dos alunos leva os professores a usarem jogos
de computador com valor educacional restrito ou a ensinar os alunos a simplesmente
usarem o computador como um fim em si só.
Postman (Postman, 1992) compara a introdução da tecnologia da Internet com a invenção
do livro feito a máquina, o que provocou aumentos no acesso à informação, causando uma
maior demanda por alfabetização. Postman argumenta que com a introdução da tecnologia
da informação a própria definição de alfabetização expandiu, passando a incluir novas
proficiências freqüentemente chamadas alfabetização digital ou alfabetização de
informação. Da mesma forma que aconteceu com as habilidades básicas de leitura exigidas
pela invenção da imprensa, estas novas proficiências são cada ve z mais importantes no dia
a dia, aumentando a demanda sobre a educação e as expectativas com relação às novas
gerações. Níveis básicos de alfabetização que poderiam ter sido satisfatórios no passado
não são mais suficientes numa era em que habilidades ava nçadas, tais como avaliar a
qualidade de um texto escrito, são cada vez mais importantes.
De acordo com Gilster, a “alfabetização digital é a habilidade de entender e usar
informação em múltiplo formatos a partir de uma ampla gama de fontes quando
apresentadas via computadores.” O maior e mais importante desafio para esta alfabetização,
Gilster alega, é a habilidade de avaliar a qualidade do material. As novas tecnologias
permitem que praticamente qualquer pessoa consiga produzir material com a uma aparênc ia
gráfica e fontes que tenham um aspecto profissional, algo que no passado era restrito
somente a fontes respeitáveis. As aparências não podem mais servir de guia. Com a
existência de novas ferramentas da tecnologia da informação, os leitores têm que possuir
habilidades avançadas de avaliação de conteúdo. Carvin (2000) concorda com estas
preocupações e define seis estágios de alfabetização, alegando que uma participação plena
na vida digital não é possível sem pelo menos a habilidade de avaliar conteúdo.
64
A habilidade de avaliar a qualidade e a confiabilidade das fontes de informação pode ser
especialmente importante, mas particularmente difícil, em situações em que os recursos
financeiros são limitados. As escolas que não possuem orçamentos generosos para
pesquisar materiais têm maiores chances de usar recursos online disponíveis gratuitamente
mas que incluem conteúdo comercial. Mensagens comerciais são geralmente misturadas ao
conteúdo e distinguir entre um conteúdo confiável ou enganoso é muito difícil para os
alunos. Ao ter menor exposição a materiais não-comerciais, os alunos ganham pouca
prática no reconhecimento de características do material comercial ou em distinguir
conteúdo comercial de conteúdo não-comercial.
Nas minhas observações, atividades de leitura e escrita utilizando computadores variavam
tremendamente entre escolas públicas e particulares. As escolas particulares supunham
habilidades de leitura mais sofisticadas, se comparadas a alunos de escolas públicas da
mesma série, indicando que alunos de escolas com padrão de rendimento altos de fato têm
melhor habilidade de leitura e são expostos a atividades escolares que apresentam mais
desafios. Espera-se de alunos em escolas particulares que escrevam mais e que tenham
maior independência, ao passo que em escolas públicas os alunos freqüentemente recebem
atividades que envolvem a escrita de textos curtos e com pouca ênfase no aperfeiçoamento
e na edição do texto. Alunos em escolas públicas freqüentemente usavam processadores de
texto preocupando-se primariamente com a formatação e com a aparência do texto e dando
pouca atenção ao conteúdo. Era comum ser permitido a estes alunos que copiassem blocos
de texto das fontes originais e, freqüentemente, esta atividade era chamada redação.
Os professores freqüentemente alegavam que o processador de textos apresentava um
avanço em relação às atividades com lápis e papel, nas quais existia uma grande dificuldade
de fazer com que os alunos escrevessem qualquer coisa. Em um caso, vários professores
mostraram os resultados de um projeto dos alunos em que grupos de 4 a 5 alunos
colaboraram para produzir um único parágrafo. Os professores estava muito contentes com
o resultado, alegando que eles enfrentavam dificuldades para que os alunos escrevessem
qualquer coisa no papel usando o lápis. Os professores relataram que seus alunos tinham
vergonha de escrever e que os computadores ajudavam estes alunos a superarem esta
vergonha.
A capacidade de leitura pareceu variar tremendamente entre alunos de diferentes padrões de
65
rendimento. Observei alunos participantes de um programa pós-escola opcional. Os alunos
se auto-segregavam em dois grandes grupos, o primeiro predominantemente de negros,
consistindo de alunos em sua maioria vestindo chinelos e camisetas e com estojos de lápis
simples e cadernos baratos. O segundo grupo era predominantemente de alunos brancos,
alunos que tinham sapatos novos ou quase novos, vestiam roupas mais formais e
carregavam material escolar mais caro, com alguns alunos tendo até telefones celulares,
diários e, em um caso, uma maleta. Os grupos tiveram como atividade a leitura de um
jornal para que, mais tarde, discutissem num grupo maior sobre jornalismo.
O primeiro grupo selecionou seções contendo fofocas, notícias sobre telenovelas e
novidades sobre diversão e entretenimento, ao passo que o segundo grupo trabalhou com as
manchetes da primeira página. Ao ouvir os membros de ambos grupos lendo em voz alta
para seus colegas, ficava claro que os níveis de alfabetização e vocabulário básico variavam
tremendamente entre os dois grupos. Os alunos no primeiro grupo tinham dificuldade para
ler em voz alta, falando cada palavra individualmente e necessitando de ajuda do instrutor
com os vocabulários básicos. Aqueles alunos que estavam lendo as manchetes em silêncio
na busca de histórias interessantes moviam seus lábios enquanto liam e se concentravam no
material de leitura por no máximo 15 segundos de cada vez, com interrupções constantes na
leitura. Enquanto isto, as crianças do segundo grupo ou estavam lendo para seus colegas
num ritmo normal ou estavam lendo em silêncio.
As habilidades de escrita também pareciam se mais fracas em escolas servindo populações
de baixo padrão de rendimentos. Em uma escola pública atendendo a uma população de
renda bem baixa, os alunos de sétima série foram instruídos a usarem o Microsoft Word
para escreverem folders turísticos para o Oriente Médio. Nesta aula de geografia, os alunos
visitaram o laboratório de informática para produzir os folders depois que eles terminaram
o estudo de cada continente. Como eles não tinham acesso à Internet, a professor forneceu
para cada par de alunos várias páginas impressas com textos sobre o Oriente Médio que ela
tinha copiado de diversas fontes na Internet. Estas páginas serviram como um substituto
para o livro texto ao longo de todos os estudos sobre a região. A professora também copiou
uma pasta com as imagens relacionadas ao estudo em cada um dos discos rígidos dos
computadores do laboratório. Os pares de alunos procuravam blocos de texto em suas
páginas impressas e redigitavam estes blocos em seus documentos no Microsoft Word,
66
fazendo uso substantivo dos recursos de formatação mas prestando pouca atenção ao
conteúdo do texto.
Enquanto os alunos trabalhavam em seus folders, a professora andava pela sala de aula
ajudando os alunos principalmente com os recursos do Microsoft Word de possibilitar a
escolha das cores do texto, de centralizar o texto ou outras tarefas de formatação. Os
alunos nunca perguntaram algo sobre o conteúdo e a professora nunca redirecionou seus
alunos a pensarem sobre o conteúdo ou a questões correlatas, tais como o que é adequado
para um folder turístico ou qual seria o significado dos textos que os alunos extraíram.
Apesar da professora ter instruído os alunos a escreverem seu próprio material usando o
texto impresso como referência, todos os alunos, na prática, copiaram para a tela blocos
curtos de texto que leram no material original e nenhum aluno escreveu algum material
original. Parte significativa da lição em escrita embutida na atividade, tal como pensar
sobre sua audiência ou sobre como organizar seu conteúdo, foi perdida. Além disto, como
os alunos estavam somente copiando o texto ao invés de escrever seu próprio material, eles
também não tiveram prática alguma em escrever.
Um par de alunos inseriu uma foto de uma gota de petróleo em seu folder turístico e um
texto explicando que a região tem importância estratégica por causa de suas reservas de
petróleo. Quando a professora se aproximou, eu esperava que ela fosse perguntar o
significado do texto (uma vez que uma importância estratégica não é geralmente uma
característica desejável para um turista em férias), mas ao invés disto ela ajudou os alunos a
centralizarem a foto e a mudarem seu tamanho, movendo-se depois para outro grupo.
Portanto, esta atividade aparentou não ter sido uma boa oportunidade para trabalhar as
habilidades de escrita e compreensão, posto que os alunos manejaram copiar e manipular
blocos de texto sem que entendessem seu conteúdo. Nesta atividade, as únicas habilidades
que foram enfatizadas foram as habilidades com o Microsoft Word.
O fato de que estes alunos não eram obrigados a escrever com suas próprias palavras ou a
demonstrar o mínimo nível de habilidades de alfabetização era especialmente alarmante
pois eles estavam nas suas últimas semanas da sétima série. Estes alunos teriam, na melhor
das hipóteses, mais quatro anos de ensino básico (não incluindo possíveis reprovações).
Para aqueles alunos que não iriam continuar seus estudos no ensino superior, mais da
metade de sua educação formal tinha terminado e eles ainda eram incapazes de entender
67
blocos de texto curtos ou de escrever com suas próprias palavras.
Alunos de uma escola próxima mas que atendia a uma população de alunos com rendas
mais variadas usavam seus computadores para aprender sobre as eleições municipais de
uma forma que apresentava muito mais oportunidades de trabalharem suas habilidades de
alfabetização. Estes alunos entrevistaram candidatos para cargos locais, fizeram pesquisas
de opinião e usaram o Microsoft Exel, uma planilha de cálculos, para avaliarem os
resultados de suas pesquisas de opinião. Eles escreveram descrições comparativas para cada
plataformas dos candidatos e prepararam uma apresentação no Microsoft PowerPoint
usando esta informação. Os objetivos declarados desta atividade eram o desenvolvimento
de um senso de responsabilidade como cidadãos e o aprendizado da importância do voto,
mas várias outras habilidades de alfabetização foram praticadas simultaneamente. A
oportunidade de comparar mensagens de candidatos opostos ajudavam os alunos a
desenvolverem habilidades na avaliação das fontes de informação e a atividade de fazer
uma apresentação em PowerPoint era uma oportunidade de trabalharem suas habilidades de
escrita. Estes alunos estavam na quinta série, duas séries abaixo dos alunos de geografia
que mencionei acima.
Os tipos de atividades escolares que ajudam os alunos a construírem suas habilidades de
pensamento crítico identificadas por Gilster e Carvin (acima) são freqüentemente incluídas
no currículo extra, no tipo de trabalho que os alunos geralmente fazem depois que
completam as exigências básicas em uma área particular. Atividades como o folder
turístico, quando bem implementadas, são uma fonte rica de oportunidades para o
desenvolvimento de habilidades de alfabetização, quando a ênfase escolhida for a
alfabetização. Ao invés de ser um componente direto da instrução para alfabetização, os
alunos praticam suas habilidades de escrita e leitura através de seu trabalho em outros
assuntos, portanto desenvolvendo a habilidade de entender e avaliar material escrito e de se
comunicar através da escrita.
Os alunos que freqüentam as escolas que têm dificuldades para satisfazer os padrões
básicos de habilidades são raramente expostos a um tipo de instrução projetada para
construir habilidades de pensamento crítico e, ao invés disto, usam seu tempo na sala de
aula na mecânica da alfabetização e seu tempo no computador em habilidades de
informática. Isto implica que os mesmos grupos que tradicionalmente sofrem com a
68
desigualdade educacional, aqueles com baixas notas nos testes padronizados, já começam
em desvantagem seu trabalho com o uso de tecnologias da informação. Seus níveis mais
baixos de alfabetização tornam estes alunos menos preparados para avaliar a qualidade do
material que encontram na Internet, e portanto menos preparados para fazer um bom uso
deste material.
Professores Qualificados
Mais do que o simples acesso a computadores e à Internet é necessário para se fazer um uso
eficaz da tecnologia da informação em educação, mas alguns programas tentam compensar
as desigualdades em algumas áreas com o uso de computadores. Foi mostrado por Archer
(1998) que a qualificação dos professores é o mais importante preditor para o sucesso do
uso da tecnologia da informação em sala de aula. Weglinsky (1998) mostrou que o
treinamento dos professores impacta suas habilidades de usar de maneira eficaz esta
tecnologia. Mas, apesar disto, a tecnologia da informação é muitas vezes sugerida como
uma solução para o problema de falta de professores qualificados, na expectativa de que os
programas de computador educativos possam compensar falhas no treinamento de
professores. A pesquisa em educação mostra que o uso de tecnologia da informação tem
maior sucesso quando os níveis de preparação dos professores é alto. Considerando isto,
discutirei minhas observações no que concerne a preparação de professores e o uso de
tecnologia, procurando evidências de que os computadores estão atuando em parceria com
os professores, ao invés de estarem sendo usados como um substituto para professores bem
qualificados.
Professores qualificados são parte importante de qualquer programa educacional bem
sucedido. Mas quando as escolas públicas são pressionadas por falta de recursos, existe
uma tentação de se tentar usar a tecnologia da informação para compensar possíveis faltas
de professores através do uso de programas de computador estruturados, que tiram dos
professores as tarefas de planejar, ensinar e avaliar. Usando computadores sem o
envolvimento ativo do professor, incluindo o entendimento dos objetivos pedagógicos, é
contra- indicado pelas pesquisas em computação educacional, que mostram que o melhor
uso de computadores acontece quando adultos se encontram presentes ajudando os alunos a
analisarem suas experiências de aprendizado (Attewell, 2001). Os computadores podem ser
usados para ilustrar um conceito, mas os professores permanecem sendo parte importante
69
para demonstrar a importância dos conceitos e ajudar os alunos a relacionarem o que
aprenderam com o que já sabem.
O papel do professor é mais do que ser simplesmente um adulto presente enquanto os
computadores ensinam. Professores qualificados selecionam as tecnologias educacionais
que se encaixam com o que os alunos estão estudando em sala de aula e estes professores
têm planos específicos sobre como a tecnologia da informação pode ser usada e integrada
com a matéria. Estes professores ajudam os alunos a inferirem conclusões a partir de seus
materiais e a fazerem ligações entre suas experiências de aprendizado. A tecnologia
educacional não resolve os problemas oriundos das desigualdades de acesso a professores
qualificados. Ao invés de compensar estas dificuldades, a pesquisa indica que a tecnologia
da informação aumenta ainda mais a demanda sobre os professores.
O UNESCO Institute for Statistics estima que em 2001 87% dos professores brasileiros
tinham graduados com um diploma exigido para ensinar no seu nível (el (UNESCO
Institute for Statistics, 2004), mas os níveis de graduação variavam substancialmente entre
áreas urbanas e rurais, com as crianças em áreas rurais tendo muito menos chances de ter
professores que satisfizessem os níveis mínimos de qualificação. Mesmo os professores que
terminaram as exigências de seu diploma para seu nível de ensino poderiam ter tido pouca
experiência com as abordagens de ensino que diferissem do formato padrão de aulas
expositivas e poderiam estar mal preparados para os desafios do trabalho com
computadores.
Os programas de formação de professores se baseiam fortemente na prática em sala de aula,
permitido que métodos de ensino tradicionais sejam facilmente passados de uma geração
para a outra. Abordagens alternativas também são difíceis de explorar e são freqüentemente
menos eficazes em escolas com turmas muito grandes. Portanto, mesmo professores que
são altamente competentes em suas salas de aula podem encontrar-se repentinamente em
território desconhecido quando começam a trabalhar com computadores. Eles têm pouca
experiência trabalhando com alunos em projetos independentes, apoiando grupos de alunos
trabalhando em conjunto e ajudando a encorajar alunos a refletirem sobre seus trabalhos.
Nas minhas observações, os professores estavam sempre bem cientes do fato de que a
dinâmica da turma era diferente nos laboratórios de informática e que nestes laboratórios
surgiam novas demandas sobre eles. Vários professores observaram que o laboratório de
70
informática era um lugar para atividades sem finalidade pré-determinada e que isto era
diferente da maior parte do tempo de instrução na escola. Alguns professores prosperavam
nestes ambiente. Um professor relatou que as atividades sem finalidade pré-determinada
que ele usava nos laboratórios de informática pareciam ajudar seus alunos mais fracos a
alcançarem os mesmos níveis de seus colegas. Ele disse que “só sala de aula não dá mais
conta”. Mas outros professores se sentiam pouco confortáveis com os laboratórios de
informática, não somente por causa da tecnologia em si, mas também por causa das
mudanças causadas pelo computador no ambiente de aprendizado.
a. Computadores e as Novas Demandas sobre Professores
Uma professora que usava arquivos de arte visual e música baixados da Internet para
compensar a falta de material para ensinar artes em sua escola disse que “O laboratório de
informática ainda não está sendo usado da maneira que deveria ser. O profissional tem mais
medo do que as crianças.” Este medo é só parcialmente ligado à falta de familiaridade com
a tecnologia em si. Ele é também uma reflexão do fato de que os professores não estão
acostumados com atividades sem uma finalidade pré-determinada, com alunos trabalhando
em grupos ou com alunos completando projetos de maneira independente. O treinamento e
a experiência dos professores não os prepara bem para as mudanças trazidas pelo
computador.
Independente de sua competência como expositores, os laboratórios de informática exigem
novas competências que eram no passado relativamente pouco importantes em suas
escolas. Conforme discutido por Carnoy (1999), apesar das limitações e falhas do uso
exclusivo de métodos tradicionais expositivos, seus resultados não são mais comprometidos
por uma alta taxa de alunos por professor, algo que pode ser problemático em outras formas
de instrução. Portanto, o professor brasileiro normal usando métodos tradicionais
expositivos e trabalhando com turmas com grande número de alunos pode ser visto como
um professor que se adaptou bem ao ambiente escolar, apesar do repertório limitado e
ineficaz de abordagens de ensino. Apesar destes métodos de ensino não serem nenhuma
novidade e nem serem os mais eficazes em situações ideais, eles podem, no fim das contas,
ser uma boa escolha se considerarmos as situações reais de muitas escolas públicas
71
brasileiras. O que pode ser necessário é um apoio a e uma instrução de métodos de ensino
alternativos acoplados a um tamanho reduzido das turmas, de tal forma que estes métodos
possam ser eficazes. Enquanto o tamanho das turmas permanecer grande, existe pouco
mérito em encorajar professores a mudarem suas abordagens de ensino.
Os ambientes dos laboratórios de informática eram usualmente não conducivos ao tipo de
atividades que eram geralmente prescritas pelos professores para os grupos ou à
possibilidade de concentração em projetos individuais. Os níveis gerais de ruídos eram
extremamente altos, tanto como conseqüência dos níveis de voz permitidos em sala de aula
quando por causa de fatores ambientais, tais como pequenos laboratórios de informática ou
outras turmas passando pelo corredor. Os professores lidavam com o desafio de estender a
concentração e o foco fornecendo aos alunos conjuntos curtos de instruções seguidos de
tarefas curtas feitas pelos alunos. Por exemplo, os professores pediam aos alunos que
escrevessem seus nomes nas telas do computador e então solicitavam que todos os alunos
esperassem vários minutos, até que o último par de alunos tivesse finalizado a tarefa de
digitar seus nomes. Numa ocasião, demorou quinze minutos para que uma turma de 17
alunos criasse e desse um nome a uma pasta guardada na área de trabalha de seus
computadores. Nestas condições, os professores compensavam o nível de ruído e as
circunstâncias de difícil controle microgerenciando seus alunos, criando atividades
extremamente estruturadas mesmo se seus alunos estivessem trabalhando em atividades
sem uma finalidade pré-determinada.
Raramente eram dadas instruções extensas aos alunos que permitissem que eles
começassem a trabalhar. Nas raras ocasiões em que os professores falavam mais do que
uma ou duas sentenças, eles eventualmente tinha que repetir tudo de novo para pares de
alunos que não estavam prestando atenção. A necessidade de atividades que envolvessem a
seqüência de instruções que fossem curtas e específicas, ao invés de abertas e sem fim
específico, impõe limites importantes a como os computadores são usados. A alternativa,
contudo, significaria uma mudança dramática nas regras escolares e nas expectativas em
relação ao comportamento dos alunos. Não é possível esperar que alunos se concentrassem
por longos períodos de tempo ou que controlassem seus níveis de ruído no laboratório de
informática (onde já estão mais agitados por causa da excitação com o uso de
computadores) se nas atividades do dia a dia na sala de aula as regras fossem diferentes das
72
do laboratório de informática.
Prescrever a seus alunos que trabalhem em grupo exige que o professor tenha um conjunto
de habilidades de manejo e de tirar o máximo do trabalho colaborativo. Nas salas de aula
que observei, os grupos de alunos que se juntavam para trabalhar nos computadores eram
quase sempre compostos de dois alunos, com poucas exceções. Usualmente um grupo
pequeno de alunos trabalhava individualmente e, algumas vezes, um grupo de três se
formava espontaneamente (usualmente quando um dos alunos abandonava seu parceiro
para juntar-se a outro grupo nas proximidades). Alguns alunos se revezavam, completando
suas atividades individualmente e nunca se comunicando com seus parceiros durante a
atividade, enquanto outros grupos trabalhavam juntos. Não era incomum que um dos
alunos completasse a atividade sozinho enquanto seu parceiro simplesmente observava seu
trabalho.
Em nenhum momento observei os professores selecionarem parceiros para seus alunos,
nem vi professores intervirem quando se desenvolviam desequilíbrios significativos no
nível de participação de um componente do grupo em relação ao outro. Geralmente os
pares eram vistos mais como dois alunos compartilhando um único computador e, com isto,
as oportunidades para capitalizar no valor educacional da interação com pares era
praticamente ignorada. Os professores demonstravam pouco conhecimento ou experiência
em como fazer com que as interações entre os grupos fossem mais proveitosas, em como
agrupar os alunos de maneira produtiva ou em como garantir que cada aluno participasse
igualmente numa atividade. Pode ser que os professores nunca tivessem precisado destas
competências antes da introdução das tecnologias de informação, e a falta de familiaridade
dos professores com as técnicas de ensino usando a interação entre os alunos pode ser um
reflexo das diferenças entre as atividades do laboratório de informática e o resto das
atividades escolares do dia.
Nos laboratórios de informática, quando os alunos recebiam tarefas sem uma finalidade
pré-determinada ou projetos de múltiplas etapas, os professores usavam uma quantidade
enorme do tempo extremamente limitado do laboratório de informática para explicar a
atividade e para responder as questões antes que os alunos começassem seus trabalhos.
Geralmente os alunos tinham um tempo extremamente limitado para trabalhar nas
atividades e estas atividades eram projetadas para que pudessem ser terminadas nestes
73
blocos curtos de tempo. Os alunos que terminavam mais cedo geralmente tinham permissão
para jogar jogos de computador até o final da aula. A quantidade de tempo gasta esperando
que a atividade começasse e esperando que terminasse freqüentemente excedia a
quantidade de tempo gasta com a própria atividade.
Os professores que observei, em alguns casos, tinham jogos de computador instalados para
seus alunos que terminassem as tarefas mais cedo, mas nenhum professor desenvolveu ou
selecionou uma atividade educacional extra para alunos que finalizassem mais cedo ou para
aqueles que estivessem esperando pela resposta a uma questão. Nem algum professor de
escola pública maximizou a utilidade de seu tempo de explicação, desenvolvendo projetos
ou atividades de longo prazo que poderiam ser completadas ao longo de várias aulas.
Os professores também não aparentavam ter experiência em guiar seus alunos em
atividades independentes ou em encorajar uma reflexão sobre seus trabalhos, ambos
elementos importantes para a continuidade de atividades independentes. Quando grupos de
alunos completavam as atividades ou estágios, eles conferiam com o professor se existiam
outras instruções e o que deveriam fazer a seguir. Geralmente os professores davam novos
conjuntos de instruções, sem perguntar sobre a atividade completada. A avaliação era
geralmente muito limitada e questões oriundas do trabalho eram extremamente raras. Os
professores se colocavam mais no papel de monitorar do que de ensinar quando seus alunos
trabalhavam em atividades independentes, raramente discutindo o conteúdo educacional.
As habilidades necessárias para guiar grupos pequenos de alunos a entenderem seu trabalho
e ajudá-los a refletir sobre o que aprenderem, assim como as outras habilidades
relacionadas a atividades sem uma finalidade pré-determinada e a atividades em grupo, são
raramente necessárias no contexto das turmas grandes com as quais estes professores
trabalhavam e para as quais foram treinados. Não é surpreendente que tenham sentido
dificuldades em se adaptar às novas exigências dos laboratórios de informática, não
reconhecendo e se aproveitando das oportunidades de aprendizado que surgem de suas
interações com pequenos grupos de alunos.
74
b. Treinamento de Tecnologia
Vários professores que tinham um diploma no nível exigido não tiveram qualquer tipo
de treinamento sobre o uso de tecnologias da informação quando estavam na faculdade e
tiveram muito pouca ou nenhuma experiência usando computadores. O ProInfo tenta
abordar este problema oferecendo oportunidades de treinamento para alguns professores e
criando redes de tecnologias baseadas em professores que possam dar apoio a seus colegas
nas escolas. O programa do ProInfo não chega a todas as escolas públicas, uma vez que as
escolas municipais não são cobertas pelo programa, mas, como vários professores têm mais
de uma matrícula, o treinamento fornecido pelo ProInfo algumas vezes chega a algumas
escolas municipais. Os programas oferecidos pelo ProInfo variam de estado para estado e
de região para região. Na região que visitei, o treinamento do ProInfo era amplo, e não era
limitado estritamente à tecnologia da informação. Os professores recebiam informações
sobre como trabalhar com tecnologias no sentido amplo, incluindo idéias sobre como
trabalhar com grupos de alunos e com alunos fazendo tarefas sem finalidades pré-
determinadas.
O treinamento do ProInfo tem suas limitações, especialmente o fato de que conta
fortemente com os professores participando do treinamento durante seu tempo não-
remunerado. Como os professores são pagos somente por suas horas em sala de aula e por
um número pequeno de reuniões e eventos fora da escola, qualquer programa que peça uma
quantidade substantiva de tempo de preparação fora da sala de aula atrairá somente um
número pequeno de professores. Outro problema é a falta de critérios claros e de avaliação
com os quais os professores possam trabalhar ao selecionar a tecnologia. Os professores
têm a oportunidade, através do ProInfo, de compartilhar suas idéias e comparar suas
experiências, mas não recebem nenhum conjunto de diretrizes que permitam que tomem
suas decisões.
Vários dos critérios de avaliação oficiais do ProInfo, como por exemplo aqueles para a
seleção de programas de computadores educacionais, são o resultado das conferências com
os próprios professores. O treinamento do ProInfo, portanto, oferece uma oportunidade
maravilhosa de interação de base entre professores interessados em compartilhar suas
idéias, mas oferece muito pouco em termos de oferecer informações externas às
experiências dos professores, exatamente o que é necessário quando novas tecnologias são
75
introduzidas e o conhecimento local é limitado. Não é oferecido aos professores um
treinamento sobre os resultados da literatura de pesquisa sobre o uso de tecnologias
educacionais ou sobre as experiências de pesquisadores em relação ao aprendizado
colaborativo. Eles têm que reinventar a roda localmente, sem ter acesso a uma
infraestrutura que traga idéias de outros ambientes.
O tamanho das turmas, os níveis de alfabetização e a qualificação dos professores são os
três principais elementos das condições iniciais que podem influenciar o uso eficaz das
tecnologias da informação nas escolas, mas eles não são os únicos elementos. Outros
fatores adicionais, tais como o envolvimento dos pais e a experiência prévia com
computadores também podem ter um papel relevante. Todos estes fatores se juntam para
fornecer ainda mais vantagens para os alunos oriundos de um ambiente favorecido,
permitindo que estes alunos obtenham maiores ganhos pelo uso das tecnologias da
informação até mesmo antes de computadores serem instalados em suas escolas.
76
Capítulo IV. Desigualdades de Acesso
Cada escola é diferente da outra no que diz respeito à qualidade da infra-estrutura
disponível para apoiar o uso de tecnologias. Escolas em áreas de baixo padrão
socioeconômico lutam para manter seus laboratórios de informática acessíveis aos alunos e
para arranjar funcionários, apoio e garantia de segurança para os equipamentos. Muitas
escolas se viram com equipamentos doados ou com equipamentos de baixíssimo custo que,
por serem muito lentos, não podem executar programas de computadores recentes. Várias
escolas têm laboratórios de informática sem acesso à Internet ou a redes locais. As escolas
com orçamento mais limitado usam com mais freqüência produtos de tecnologia de baixo
custo ou gratuitos, dos quais os lucros são oriundos de conteúdos comerciais, como por
exemplo programas educacionais embebidos com propagandas direcionadas diretamente às
crianças.
Ainda que seja possível para um professor experiente e que se sinta confortável com o uso
de tecnologia encontrar material educacional que possa ser usado e que seja extremamente
produtivo em máquinas obsoletas, sem a ajuda de funcionários para apoio técnico ou
programas comercias, as limitações devido ao equipamento antiquado podem ser um
obstáculo para que o professor mediano use de maneira eficaz o computador. Em vários
casos a falta de acesso a equipamentos e programas atuais e a um apoio técnico contribui
para gerar situações nas quais os computadores não são usados ou nas quais os alunos
acessam os computadores esporadicamente.
De acordo com Revenaugh (2000) a tecnologia tem se tornado para algumas escolas uma
necessidade cara e que demanda muito tempo. Realocar preciosos recursos para tecnologia
de informação pode implicar num corte no orçamento para outro recurso, uma escolha que
é particularmente perdulária quando não existem fundos suficientes para o treinamento de
pessoal e para o custo operacional associados ao uso apropriado de computadores. Recursos
com rubrica específica para investimentos em tecnologia da informação geralmente
permitem pouca flexibilidade às escolas no estabelecimento de prioridades, uma vez que
estas escolas são obrigadas a usar estes recursos na compra de hardware ou sofware,
mesmo se materiais básicos estejam faltando ou se o orçamento existente não permita a
manutenção, infra-estrutura e apoio à tecnologia a ser comprada.
77
Se os computadores não forem usados da maneira que permita resultados claros, se os
recursos tecnológicos são administrados de maneira ineficiente ou se forem raramente
usados, eles podem facilmente ter custos maiores que seus benefícios. Larry Cuban (2001)
descreveu problemas de sub-utilização de computadores em escolas da Califórnia onde
recursos para o uso de tecnologias educacionais eram abundantes. Ele relata que, mesmo no
Vale do Silício, capital da tecnologia de informação dos Estados Unidos, os alunos têm
muito pouco acesso diário aos computadores.
A observação mais geral feita por Cuban para explicar a sub-utilização de computadores, de
que escolas são instituições que aceitam mudanças de maneira muito lenta, pode ser
verdade no caso brasileiro. A diretora de uma escola pública me explicou que o laboratório
de informática em sua escola somente seria usado no ano seguinte; os professores se
reuniram no começo do ano para planejar o uso dos computadores mas, como os
computadores não estavam funcionando ainda, tiveram que esperar para usá- los somente no
ano seguinte. A baixa utilização foi um problema constante nas escolas que visitei e
existiam obstáculos logísticos que contribuíam para este problema, como por exemplo o
alto risco de furtos de equipamento, a dificuldade de espaço, a preparação em casa para o
uso de computadores (por parte dos professores) sem o acesso aos computadores que serão
de fato usados e a manutenção e apoio técnicos falhos. Os obstáculos ao uso de
computadores eram mais pronunciados em áreas de padrão de rendimentos baixo e tinham
como efeito o aumento da desigualdade de acessos para os alunos, mesmo em casos em que
todos os elementos – hardware, software e conectividade – estavam presentes.
Quando os alunos tinham acesso a laboratórios de informática, as variações na quantidade
de apoio técnico ou pedagógico disponível aos professores influenciava na probabilidade de
que os computadores fossem usados em atividades que fossem de encontro aos objetivos
curriculares. Professores com apoio suficiente, acesso aos laboratórios para a preparação de
material e instalações adequadas tinham melhor êxito em seus esforços de integração
curricular. Não deveria ser surpreendente o fato de que estas vantagens fossem mais
comuns em escolas particulares, nas quais os funcionários responsáveis pela tecnologia
trabalhavam em sincronia com os professores. Sem estes funcionários, aqueles professores
que tentavam a integração curricular investiam quantidades significativas de tempo não-
remunerado para a preparação das atividades. Os tipos de software disponíveis aos
78
professores que usavam laboratórios de informática também tinham grande contraste de
uma escola para a outra. Professores em escolas particulares tinham maiores estoques de
CD-ROMs em seus arquivos, ao passo que os professores em escolas públicas
freqüentemente faziam download de materiais gratuitos da Internet.
Todas estas diferenças – na quantidade de tempo que os alunos têm acesso aos
computadores, na qualidade dos próprios computadores, na disponibilidade e na velocidade
da conexão à Internet e nos programas de computador disponíveis – influenciam na
maneira que os computadores são usados e, como conseqüência, afetam na eficácia do uso
da tecnologia de informação e no retorno dos investimentos feitos nesta tecnologia.
O sistema público, com suas burocracias necessárias, é algumas vezes mais lento do que as
escolas particulares na sua reação à mudanças. Com isto, mesmo quando níveis ideais de
apoio e infraestrutura são possíveis, deve-se esperar que as escolas públicas fiquem em
desvantagem em temos de reposta às demandas de usos adequados de computadores. Este
fator, adicionado aos orçamentos limitados para equipamentos, programas e apoio
técnico/pedagógico em algumas escolas, implica em níveis de acessos tremendamente
variados, mesmo entre duas escolas equipadas com laboratórios de informática.
Acesso a Laboratórios de Informática
Já mostramos que as escolas particulares e as da rede estadual têm mais chance de
estarem equipadas com laboratórios de informática que as escolas da rede municipal.
Contudo, a questão do acesso, do ponto de vista do aluno, é mais complexa, pois
laboratórios de informática são às vezes pouco usados ou simplesmente não são usados. Na
minha pesquisa de campo e nas minhas entrevistas, uma das principais razões apontadas
pelos professores para que os laboratórios de informática fossem pouco ou nada utilizados
era o problema logístico na preparação de atividades no computador. Uma vez tendo acesso
aos laboratórios de informática, os tipos de atividades disponíveis para os alunos eram
limitados pelo grau de acesso que seus professores tivessem a programas de computador, a
ferramentas de conexão e a apoio técnico e pedagógico. Até mesmo itens de custo
relativamente pequenos, como tinta para impressoras, influenciavam as escolhas feitas
pelos professores ao prepararem atividades nos laboratórios de informática.
79
O número de escolas com computadores que nunca eram usados era assustador. À medida
em que procurava oportunidades para observar usos de computadores, freqüentemente me
davam informações de como contatar pessoas cujas escolas tinham computadores. Em
vários destes contatos, descobri que os computadores eram raramente ou nunca utilizados.
Em pelo menos dois casos, todo o laboratório de informática fora roubado. Numa escola,
foi relatado que seu laboratório de informática fora roubado no meio do ano escolar,
sobrando em toda a escola somente dois computadores em funcionamento no meio de um
ano atribulado em que vários projetos de tecnologia de informação estavam em andamento.
Para esta escola, a única alternativa, além de abandonar estes projetos, era delegar as
atividades para os alunos que tivessem computadores em casa.
Uma das escolas municipais que visitei com mais freqüência, provavelmente a escola que
mais fazia uso regular dos laboratórios de informática, sofreu uma tentativa de
arrombamento durante um final de semana. Esta escola é cercada por um muro alto, tem
barras nas janelas e tanto o escritório quando o laboratório de informática têm um sistema
de alarmes conectados diretamente com a delegacia de polícia. O laboratório de informática
ficava trancado durante os turnos da manhã e da noite e sua porta tem um cadeado que era
trancado sempre que a professora do laboratório de informática usa o banheiro ou sai para
tomar um cafezinho. Porque existem funcionários disponíveis somente durante a tarde para
se responsabilizarem pelos computadores, o laboratório de informática não é utilizado nos
turnos da manhã e da noite. Alegando a questão de segurança, a escola restringiu o acesso
ao laboratório de informática a somente um terço de seu corpo estudantil, e ainda assim
permaneceu vulnerável ao furto.
Na noite do arrombamento, quando a polícia chegou descobriu que ladrões entraram na
secretaria e roubaram o computador e já estavam arrombando o cadeado do laboratório de
informática. Como conseqüência, um dos computadores do laboratório de informática teve
que ser deslocado para a secretaria, reduzindo a nove o número de computadores no
laboratório. Durante os curtos períodos de tempo durante os quais um dos computadores
ficava parado à espera de manutenção, turmas com mais alunos ficavam com seu
desempenho prejudicado, pois vários alunos tinham que trabalhar em grupos de três ao
invés de trabalhar em pares.
Em outro caso, uma escola estadual grande, responsável por alunos do ensino fundamental
80
e médio e da educação para adultos, tinha somente um computador preparado para ser
usado. Este computador ficava localizado na sala dos professores, longe dos alunos, e era
usado principalmente para a digitação de provas. A escola tinha recebido um laboratório de
informática com 11 computadores, que ficaram armazenados esperando o final de uma
reforma nas instalações. Após o término da reforma, descobriu-se que os componentes
internos dos computadores, como placa-mãe, memória, cartão de vídeo, etc., foram
furtados. Depois do furto, todos os computadores foram armazenados em um armário. O
diretor me disse que, como não havia dinheiro para a construção de um local seguro, os
computadores permaneceriam no armário, pelo menos até que todas as investigações
policiais terminassem.
Esta mesma escola tinha muito sucesso no uso de tecnologias educacionais mais antigas
para fins educacionais. As bibliotecárias da escola mantêm uma videoteca extensiva com
programas gravados da TV-Escola e ajudam os professores a selecionar vídeos que
correspondam às atividades que estejam fazendo em sala de aula. A escola conseguiu
montar uma sala de projeção de vídeo excelente. O registro dos filmes mostrados na sala
indicam que a coleção de fitas de vídeo é bem organizada, relacionada aos tópicos
curriculares e usada freqüentemente. O forte contraste entre a tecnologia de vídeo e a
tecnologia computacional na mesma escola levantou algumas questões. Por quê uma
tecnologia era tão eficaz ao passo que a outra de ixava a desejar? Por quê os professores
interessados em usar fitas de vídeo tinham uma coleção tão grande de material pré-
preparado ao passo que os professores que preferiam usar computadores tinham que
preparar todo o seu material a partir do zero?
Outras escolas também estavam preocupadas com o furto de equipamento, tendo estas
preocupações efeitos sobre o acesso dos alunos aos computadores. Uma professora me
disse que alguns diretores relutavam em solicitar laboratórios de informática para a
prefeitura porquê eles não queriam correr o risco de ter equipamentos tão caros em suas
escolas. Como os laboratórios de informática estavam sempre trancados e tinham alarmes,
os professores precisavam solicitar a seus diretores o acesso aos laboratórios. Um professor
relatou que não tinha permissão para usar o laboratório de informática de sua escola,
sempre trancado e que nunca era usado, e acreditava que seu acesso era negado porquê seu
uso do laboratório constrangeria os outros professores.
81
Nas escolas públicas que visitei ou nas que relataram algo nos eventos que assisti existiam
dois esquemas diferentes para o uso de computadores: ou o seu professor levava seus
alunos para o laboratório de informática ou um professor dedicado exclusivamente ao
laboratório de informática passava pelas salas de aula para levar os alunos das turmas para
o laboratório. Professores exclusivos para o laboratório de informática eram mais comuns
nas escolas fundamentais. Em vários casos, as turmas eram divididas pela metade, indo a
outra metade para aulas especializadas ou ficando na sala de aula. Em ambos casos, os
alunos visitam os laboratórios de informática esporadicamente.
No caso de professores regulares que levavam seus alunos para o laboratório de
informática, o tempo de preparação envolvido neste uso implicava em um grande
investimento por parte do professor. Nas escolas com professores dedicados
exclusivamente ao laboratório de informática, estes professores não são responsáveis por
um grupo próprio de alunos e estão geralmente à disposição para tarefas emergenciais ou
outros tipos de trabalho. Um professor do laboratório de informática, por exemplo, usava
mais de 25% de seu horário de trabalho monitorando os alunos na hora do recreio e
freqüentemente substituía outros professores em caso de doença ou por outros motivos.
Tivemos que adiar uma das minhas visitas à sua escola por uma semana porquê ela estava
substituindo outros professores todos os cinco dias da semana.
As escolas particulares tendiam a ter um sistema diferente no gerenciamento do pessoal
para o laboratório de informática. Usualmente um especialista com treinamento técnico,
geralmente com pouco embasamento em educação, era empregado no laboratório e
executava a manutenção básica dos computadores. Os professores poderiam levar seus
alunos aos laboratórios de informática, mas não se esperava dos professores que fizessem o
download ou a instalação de material necessário; funcionários encarregados do laboratório
cuidavam da parte técnica e dos preparativos necessários. Este sistema aparentou ser mais
eficaz para encorajar o uso regular de computadores com a participação dos professores.
Em uma escola particular que eu visitei, cada aluno usava o laboratório de informática
aproximadamente seis horas por mês, ao passo que nas escolas públicas o maior uso que
encontrei foi na média menor que uma hora por mês por aluno.
Professores que usavam computadores lutavam para integrar o uso do laboratório de
informática com o currículo e freqüentemente viam seu tempo de computador como um
82
tempo a menos de sala de aula, ao invés de um tempo que contribuísse para seus objetivos,
fazendo com que o uso da tecnologia da informação se tornasse pouco atraente para alguns
professores. Os professores com maior sucesso na tarefa de integrar o uso de computadores
ao currículo estavam em escolas particulares e contavam com o apoio de pessoal para a
preparação logística para o uso dos laboratórios, liberando os professores para se
concentrarem nas questões pedagógicas. Nas escolas públicas, alguns professores se
esforçaram para integrar o currículo, mas outros usaram os laboratórios de informática para
ensinar habilidades com computadores.
Discutirei a integração curricular em mais detalhes no Capítulo VI, mas para os objetivos
desta seção é importante notarmos que a existência de pessoal tecnicamente capaz para a
manutenção e preparo do laboratório de informática foi um incentivo eficaz para o uso dos
laboratórios, mesmo se esse pessoal não incluísse um professor e não oferecesse nenhum
apoio direto para a instrução. Este pessoal de apoio poderia instalar a tempo os programas
de computadores que fossem necessários para uma visita da turma ao laboratório de
informática. Ao remover muitos dos problemas logísticos associados ao uso dos
computadores, estas escolas liberavam o tempo de seus professores para a preparação de
usos mais eficientes de seus computadores.
Os níveis de acesso a laboratórios de informática variavam dentre as escolas equipadas com
estes laboratórios. As preocupações com o furto de equipamento se encontravam entre os
principais obstáculos para o uso dos laboratórios de informática, mas as dificuldades
logísticas adicionais pareceram ter maior efeito para desincentivar o uso de computadores
em alguns ambientes do que em outros. A existência de computadores nas escolas não era
garantia de que os alunos tivesse acesso e certamente não era um bom indicador de que os
alunos usariam estes computadores regularmente.
Equipamentos, Programas e Conectividades
A disponibilidade de equipamentos, programas de computador e conectividades entre
computadores e para a Internet variam tremendamente de escola para escola. Algumas
escolas usam computadores doados, com diferenças significativas entre equipamentos do
mesmo laboratório de informática, ao passo que outras escolas tinham recebido laboratórios
83
completos oriundos de uma única compra. Além do sistema operacional dos computadores,
que era geralmente o Microsoft Windows 95 ou 98, existia uma grande variação nos
programas de computador disponíveis. Algumas escolas tinham programas educacionais
especializados instalados em seus computadores, usavam CD-ROMs educacionais ou
ferramentas de autoria de programas multimídia, ao passo que em outras escolas os
professores poderiam escolher entre programas processadores de texto, planilhas de cálculo
ou gráficos. Algumas escolas ofereciam computadores em rede local com acesso de banda
larga à Internet, ao passo que outras não tinham acesso algum à Internet nem rede para
compartilhar e imprimir arquivos. Todos estes fatores influenciaram nas formas com que os
computadores eram usados nas escolas.
A diferença mais óbvia afetando o tipo de programas que um computador poderia executar
era no sistema operacional utilizado. Vários computadores mais antigos ainda utilizavam o
Microsoft Windows 95, apesar da vasta maioria dos computadores serem mais novos e
rodarem o Windows 98. O tempo de demora para a inicialização dos computadores e dos
programas instalados usualmente variava de escola para escola, sendo uma função não só
da capacidade de computação quanto da quantidade de manutenção. Quase todos os
laboratórios de informática tinha um computador separado, na frente da sala, usado pelo
professor do laboratório para preparar atividades e usar como processador de textos. Estes
computadores eram geralmente os mais rápidos para inicializar, provavelmente porque
recebiam manutenção regular. Quando turmas grandes visitavam os laboratórios de
informática, os computadores dos professores era utilizados pelos alunos.
Como as tarefas computacionais nunca exigiam muito do computador, pouquíssimos
problemas eram oriundos da idade avançada dos computadores, desde que eles fossem
capazes de executar os programas desejados. Em alguns casos, as máquinas mais antigas
não conseguiam executar um programa desejado, geralmente não por causa deuma
limitação estrita do equipamento mas por uma necessidade de uma atualização dos
navegadores de Internet ou dos programas. Nunca observei um caso no qual as limitações
reais de processadores lentos ou memória insuficiente tivessem sido um obstáculo para o
uso dos computadores, mas dificuldades com a manutenção tanto do equipamento quanto
dos programas freqüentemente causavam problemas.
Computadores mais antigos tinham geralmente teclados e mouses mais antigos. Era raro
84
observar um componente isolado ter sido atualizado num sistema. Os monitores mais
velhos tendiam a ter uma imagem trêmula ou embaçada. Muitos dos monitores estavam em
tão mal estado que poderiam causar cansaço nos olhos se usados por tempo prolongado,
mas como os alunos usavam os computadores por tempo inferior a 40 minutos de cada vez,
na maior parte das escolas estes monitores eram provavelmente adequados e não
apresentavam riscos.
Em uma das escola, estas questões eram problemáticas, possivelmente porquê as crianças
usavam o laboratório de informática por intervalos de tempo mais longos (uma hora). Nesta
escola, um dos alunos reclamou de dores nos olhos ao mesmo tempo em que vários outros
alunos esfregavam seus olhos. As cadeiras não tinham altura suficiente ou os alunos não
sabiam como ajustá- las. Como conseqüência, os alunos inclinavam suas cabeças para trás
na tentativa de conseguir enxergar a tela do computador. Conforme o tempo passava, as
posturas dos alunos pioravam visivelmente e várias crianças se aproximavam cada vez mais
das telas, provavelmente para compensar o cansaço de suas vistas. Certamente suas
condições não eram ergonômicas, mas suas visitas ao laboratório de informática, com
freqüência de duas vezes por mês, eram esporádicas o suficiente para provavelmente que
não causassem problemas potencialmente permanentes.
A maior fonte de frustração em relação a equipamentos mais antigos, ou até mesmo novos,
aparentava ser a baixa qualidade ou o mal funcionamento dos teclados ou mouses ligados
aos computadores. Em várias ocasiões observei alunos de idade entre sete e oito anos
trabalhando nos computadores em atividades especificamente projetadas para desenvolver
habilidades com o mouse, tais como atividades de colorir ou com bonecas de papel virtuais.
Ainda que o valor educacional deste tipo de atividade seja questionável em praticamente
qualquer circunstância, nesta situação elas eram particularmente mais questionável porquê
vários dos mouses estavam claramente com defeito, não conseguindo detectar o movimento
em uma direção em particular. Os alunos demonstravam claramente sua frustração com
estas atividades. A maior parte dos usuários de computadores conhecem bem a dificuldade
de se trabalhar com um mouse defeituoso, mas trabalhar com um mouse defeituoso numa
atividade projetada especificamente para testar a coordenação motora no uso do mouse
exige tremenda paciência por parte de uma criança.
Em uma escola, as crianças foram instruídas a criar uma pasta no computador, dar um
85
nome a este pasta e a abri-la. A lição tinha como objetivo introduzir alguns conceitos
básicos de informática, a familiarizar os alunos com o teclado e o mouse e a abrir o
caminho para atividades futuras em que os alunos teriam que gravar seus trabalhos nestas
pastas. Os mouses eram velhos e seus botões estavam grudando. Os alunos estavam
tentando fazer um clique duplo, mas a resposta do mouse era tão lenta que vários dos
computadores interpretavam o comando como sendo um único clique. O sistema
operacional Microsoft Windows tem um painel de controles que permite o ajuste do
intervalo de tempo necessário para que dois cliques consecutivos sejam considerados um
clique duplo, mas os computadores deste laboratório de informática tinham seus ajustes
originais de fábrica. Consequentemente, os alunos ficavam exasperados com a repetida e
falha tentativa de fazer cliques duplos na pasta (para, neste caso, abri- la). Depois de
aproximadamente quinze minutos tentando abrir sua pasta novinha em folha, uma garota
finalmente reclamou: “ai, que dor de cabeça!”
Outro problema dos laboratórios de informática dotados de máquinas antigas era o de que
estes computadores geralmente não estavam conectados entre si ou conectados a periféricos
externos, o que acabava influenciado as opções de programas que os professores poderia
utilizar. Uma das professoras com as quais conversei selecionava todos os programas que
usava baseada principalmente no critério de que ela deveria conseguir fazer um download
do programa da Internet em casa e então colocá- lo em um disquete. Esta restrição era
oriunda da falta de acesso a um gravador de CDs e da falta de acesso dos computadores do
laboratório de informática à Internet ou a uma rede interna. Para conseguir instalar o
programa para uso por parte de seus estudantes, a professora copiava o material dos
disquetes para cada um dos computadores do laboratório. Algumas vezes ela pesquisava
conteúdos para seus alunos e copiava páginas da Internet para os disquetes, de tal forma
que seus alunos pudessem acessar estas páginas a partir dos computadores do laboratório de
informática da escola. Ela não poderia usar drives removíveis mais modernos e com maior
capacidade de armazenagem nem outros tipos de mídia, pois os computadores do
laboratório não tinham as entradas modernas para estes equipamentos, como por exemplo
portas padrão USB.
Tinta de impressora tinha um enorme custo para as escolas e existia alguma evidência de
que estes custos não eram bem planejados. Quase todas as escolas que visitei tinham
86
impressoras de jato de tinta nos laboratórios de informática. As impressoras jato de tinta
têm a vantagem de produzir impressões coloridas e de ter um menor custo inicial dentre as
opções disponíveis, mas têm a desvantagem de um maior custo por página impressa.
Apesar do custo inicial de uma impressora laser ser certamente maior, a diferença de custo
inicial seria provavelmente recuperada após o primeiro ano de uso. A escolha de uma
impressora de jato de tinta não é provavelmente a melhor escolha para as escolas e, em
vários casos, implica no trabalho dos alunos nunca serem impressos. Os professores
geralmente imprimiam um ou dois dos melhores trabalhos feitos por seus alunos, seja para
seu arquivo de trabalhos seja para alguma mostra na escola, mas poucos alunos viam seus
trabalhos impressos. Uma professora me disse que ao final do ano letivo ela fazia uma
extravagância com a tinta: permitia que todos os alunos imprimissem seu trabalho final, um
cartão de Natal.
Além das restrições aos programas usados, conseqüência das limitações do equipamento,
não haviam recursos disponíveis nas escolas públicas que visitei para a aquisição de
programas educativos de computador. Isto é, parcialmente, resultado da decisão do ProInfo
de apoiar o uso de programas para uso em escritório, como o Microsoft Office, que tenham
vários usos flexíveis em educação. Como conseqüência de sua decisão, ProInfo priorizou a
compra de equipamentos em detrimento de programas e se concentrou em treinar os
professores a usarem programas que não foram especificamente projetados para uso no
mercado educacional.
Em consonância com uma ampla iniciativa do governo federal, o MEC promoveu o uso do
software livre, com o próprio ministro exigindo que seus funcionários migrassem para o
software livre (Cristaldo, 2004). Estas mudanças podem eventualmente aumentar o número
de programas seguindo o modelo do software livre disponíveis para as escolas, mas como
nem todo o software livre é gratuito, elas não eliminam obrigatoriamente a necessidade
para se pla nejar e incluir no orçamento as opções de software para as escolas.
A falta de programas de computador comerciais e a expectativa crescente de que o material
multimídia substitua os recursos tradicionais de sala de aula são associadas com uma nova
responsabilidade para os professores: a de que sejam os autores de material educacional
usado em suas salas de aulas. Apesar de professores terem sempre produzido alguma parte
do material usado em sala de aula, o uso de material copiado de livros ou gravado da TV-
87
Escola não é visto de forma negativa. Com os computadores, por alguma razão espera-se
que os professores criem grande parte de seu próprio material. Muitos dos professores que
têm laboratórios de informática em suas escolas mas que não usam estes laborató rios
citaram a dificuldade causada pelo longo tempo de preparação como um dos fatores
principais nas suas decisões para não usarem os laboratórios de informática.
Um pesquisador representando um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul comentou numa mesa redonda numa conferência sobre uso de tecnologias da
informação em escolas que um dos principais obstáculos para os professores que desejavam
utilizar este tipo de tecnologia era a “falta de preparo para transpor o conteúdo para o
computador”. Devemos nos perguntar por quê um professor deveria ser capaz de transferir
conteúdos para o computador quando ao mesmo tempo nunca se espera deste professor que
copie livros texto para o quadro negro ou crie seu próprio material de vídeo usando
tecnologias mais antigas. Uma ausência geral de apoio para os professores que pretendem
usar material educacional já pronto com os computadores pode estar contribuindo para os
baixos níveis de uso de tecnologias da informação nas salas de aulas.
Uma forma de argumentar a favor desta expectativa é de que cada professor tem a
obrigação de desenvolver materiais para a sala de aula que se adaptem às suas abordagens
de ensino e de que vários professores preferem fazer suas próprias planilhas e documentos
multimídia. Mas, na prática, os materiais de multimídia desenvolvidos pelos professores
são extremamente limitados. Os professores têm uma quantidade relativamente pequena de
tempo para investirem na criação de materiais multimídia. Eles não são programadores e
não têm treinamento especializado em todos os assuntos que ensinam. Pedir que
desenvolvam seus próprios softwares educativos é um uso inadequado de seus tempos.
As escolas particulares normalmente relataram ter acervos de software disponíveis para o
uso dos professores, mas quando os professores de escolas particulares apresentavam seus
trabalhos nos eventos organizados pelo ProInfo, os usos de computadores selecionados para
apresentação envolviam usualmente programação simples, geração de documentos
multimídia ou, o caso mais comum, pesquisa na Internet. Nas escolas públicas que visitei
ou o acesso à Internet era completamente ausente ou todos os computadores do laboratório
de informática compartilhavam de uma única conexão por linha telefônica, paga por tempo
de uso. Nos últimos dias de minha pesquisa de campo, conexões Internet de banda larga
88
estavam sendo instaladas em várias escolas municipais que eu visitei. Mas, neste momento,
a maior parte das escolas estava no período de recuperação para alunos que estivessem
sendo reprovados e, por isto, os laboratórios de informática não estavam mais sendo
usados.
A dificuldade de usar na sala de aula aplicativos tipo MS Office é que, mesmo nesta área, a
disponibilidade é baixa. Por exemplo, quase todas as escolas públicas que visitei tinham
pelo menos algum tipo de uso para o Microsoft Paint voltado para projetos no computador
de desenhos de alunos. O Microsoft Paint é um programa sem custo adicional, parte do
sistema operacional Windows. O Microsoft Paint tem como público alvo usuários que não
planejem fazer desenhos ou pinturas mas que possam eventualmente precisar de uma
ferramenta gráfica básica. Os alunos tinham dificuldades de trabalhar com o Microsoft
Paint e mesmo no final do ano escolar eles achavam o programa limitado e reclamavam da
falta de algumas componentes. Muitos alunos também expressaram surpresa na maneira
como o programa respondia aos seus comandos, indicando uma dificuldade em aprender a
usar o programa. O Microsoft Paint não contém nem a funcionalidade de outros programas
alternativos de desenho que são mais sofisticados e nem a facilidade de uso dos programas
elaborados especificamente para o uso por crianças. A única vantagem do Microsoft Paint é
que ele já vem incluído no sistema operacional Windows. Depois de um grande
investimento nos laboratórios de informática, é decepcionante que, mesmo nas escolas que
usem computadores de forma extensiva para a criação de arte digital, os professores não
tenham a possibilidade de usar um produto mais apropriado. O Microsoft Paint era um dos
programas de computador mais usados dentre todas as turmas que observei.
A falta de programas apropriados limitava o que os alunos poderiam fazer com os
computadores. Várias turmas trabalhavam com o processador de texto Microsoft Word.
Apesar de existirem ferramentas especializadas que poderiam ser mais adequadas, tais
como as ferramentas de autoria multimídia elaboradas para o uso diretamente na tela (sem
necessidade de impressão) ou para o uso de crianças, os alunos não aparentaram ter
nenhuma dificuldade com suas atividades em Word, ao menos não o tipo de dificuldades
que tinham quando usavam o Microsoft Paint.
O Microsoft PowerPoint, um programa para autoria de apresentações, também era uma
ferramenta popular e, assim como o Word, as escolas usavam-no de maneiras bem
89
diferentes das originalmente previstas para o programa. Em geral as escolas usavam o
PowerPoint para autoria de documentos multimídia, e não para a preparação de
apresentações. Da mesma forma, os alunos pareciam aprender o uso Microsoft PowerPoint
e achavam-no adequado a suas necessidades.
90
Figura 2: Guarda-Roupa da Mônica. Um dos jogos gratuitos disponíveis no portal da Turma da Mônica. Este jogo era um dos mais populares. Neste jogo, as crianças selecionam roupas no armário e movem com o mouse e movem para seu lugar.
Além dos programas do conjunto Microsoft Office, do Microsoft Paint e de alguns
produtos similares do modelo software livre, o tipo mais comum de programas de
computador utilizados eram jogos gratuitos obtidos da Internet. Professores de várias
escolas usavam os jogos gratuitos encontrados no Portal da Turma da Mônica, disponível
na página de Internet das empresas Globo.com. Dentre a seleção de jogos disponíveis, os
professores preferiam um pequeno subconjunto, sendo os mais comuns um jogo de bonecas
de papel virtual chamado Guarda Roupa da Mônica (figura 2), um jogo de colorir
chamado Vamos Pintar e um jogo de memória, o Jogo da Memória.
Uma das ligações interessantes que existe entre os jogos selecionados pelos professores é
que eles são versões eletrônicas de jogos clássicos que têm um custo praticamente nulo
quando feitos no papel e não na tela de computador. Qual seria a vantagem de simular
91
cartões de memória ou livros de colorir na tela do computador ao invés de usar os originais
em papel que são significativamente menos caros?
Os estudos que comparam atividades educativas com diferentes mídias não revelaram
nenhuma diferença entre estas mídias se outras variáveis além da própria mídia fossem
controladas. Qualquer vantagem no uso de computadores com recurso multimídia vem não
da mídia em si, mas de seus atributos, do que podemos fazer com esta mídia que não seriam
factíveis, ou seria muito difíceis, com outras mídias (Salomon e Clark, 1977). Portanto, é
difícil imaginar que atividades como a que inclui o trabalho com bonecas de papel virtual
sejam um uso eficiente de recursos, especialmente quando este tipo de uso, que poderia ser
facilmente obtido com o papel e o lápis, formam o grosso do tempo que os alunos usam
trabalhando nos computadores.
Os professores usualmente respondiam ao questionamento sobre a validade do uso de
computadores em atividades que imitam atividades com o lápis e o papel alegando ou que a
motivação dos alunos aumentava com o uso de computadores ou que o uso dos jogos
ajudava os alunos a desenvolverem habilidades básicas com o computador, como por
exemplo o manuseio do mouse. Podemos também defender a decisão dos professores se
percebermos que atividades de colorir com lápis e papel e de jogos de memória usando
cartões de papel, apesar de muito mais baratas, não estão à disposição dos professores e que
recursos para compra de suprimentos de artes ou jogos educativos são simplesmente
inexistentes na maior parte das escolas. Trabalhando segundo estes vínculos materiais, com
a limitação em usar programas gratuitos, arquivos de pequeno tamanho e tempo de
preparação limitado, os jogos da Mônica e programas similares gratuitos tornam-se uma
opção atraente para os professores, permitindo que façam uso de materiais virtuais que de
outra forma seriam simplesmente indisponíveis.
Uma professora, que desenvolvera um conjunto significativamente elaborado de projetos de
arte na tela do computador para seus alunos trabalharem, tinha consciência de que o uso de
computadores para satisfazer objetivos que ela poderia facilmente ser alcançado usando
materiais mais tradicionais. Ela já tinha anteriormente lecionado vários anos no pré-
primário e decidira que projetos de arte envolvendo a criatividade eram importantes para as
crianças mais novas. Ela me disse que em várias ocasiões ela comprou material com
dinheiro próprio para ter a possibilidade de oferecer projetos criativos a seus alunos, pois
92
escola não fornecia nenhum suprimento de artes. Hoje em dia, como professora de
informática, ela é capaz de fazer atividades similares com os alunos sem se preocupar com
o material, pois todo o trabalho é feito no computador. O único custo material é a tinta para
a impressora usada nos raros projetos que são impressos. Na sua escola, quase todo o uso
de computador era para trabalhos artísticos na tela.
Uma vez que a maior parte dos professores têm acesso limitado à Internet, seria pouco
razoável esperar que invistam grande quantidade de tempo na busca de alternativas,
especialmente quando suas opções são restritas a programas de computador gratuitos e de
tamanho de armazenamento pequeno. Isto pode, ao menos parcialmente, explicar porque os
vários programas gratuitos que imitam atividades mais baratas de lápis e papel chegaram a
tantas salas de aulas. Os professores em busca de alternativas na Internet precisam usar seu
próprio tempo e precisam freqüentemente acessar a Internet de outros lugares que não
sejam a escola.
Várias das escolas que visitei não tinham acesso à Internet ou tinham um acesso precário.
Não era pouco comum encontrar laboratórios de informática com um único computador
com um modem instalado, estando todo o laboratório ligado à Internet por um único
modem de 56 kbauds. Os professores nestas situações relatavam ter tentado usar a conexão
durante o tempo de aula com cada aluno acessando diretamente a Internet, mas eles
concluíram que a vagarosidade do acesso tornava este trabalho impossível. Alguns
professores, por causa disto, usavam os modems para prepararem as aulas, puxando
materiais da Internet antes da aula e copiando o material para cada um dos computadores.
Outros professores preferiam nem preparar suas aulas nos laboratórios; eles acessavam a
Internet de outros locais e levavam o material para o laboratório de informática em
disquetes.
Material Comercial
Quando os professores têm a oportunidade de escolher entre diferentes programas de
computador gratuitos, várias das opções de programas com maior disponibilidade são
conteúdos produzidos comercialmente e distribuídos gratuitamente mas com propaganda
embutida. Os jogos da Mônica, por exemplo, são fornecidos gratuitamente, mas cada
93
página do site inclui um link para uma loja na Internet que vende outros jogos e produtos
para crianças. As versões que não necessitam constante ligação com a Internet não têm
estes links, mas promovem seus produtos aumentando a exposição das crianças às suas
marcas durante o trabalho escolar. O uso do tempo de sala de aula para a transmissão de
material comercial é mais uma concessão que compromete a qualidade educacional. O
material não é desenvolvido com a atenção devida ao conteúdo educacional e, em alguns
casos, as mensagens comerciais distraem os alunos dos objetivos educacionais. A maior
parte do material comercial que chega às salas de aula tem as novas tecnologias como
vetor, incluindo os programas educacionais como os jogos da Turma da Mônica e os
conteúdos da Internet fornecidos por grandes companhias e projetados para uso em sala de
aula. Escolas que não têm orçamentos para material ou programas de computador
educativos são mais susceptíveis ao uso de programas de computador educativos pré-
preparados (Sayers, 1995).
Estes programas são extremamente atraentes para as escolas com orçamentos insuficientes
para uma compra inicial de equipamentos de tecnologia da informação. Um exemplo
dramático de uso de material comercial em escolas é a rede de televisão americana
Channel One, com seus programas em circuito fechado que forçam mais de 8 milhões de
alunos americanos a assistirem a 12 minutos de propaganda todos os dias. Como
contrapartida, a Channel One fornece às escolas o equipamento de vídeo para todas as salas
de aulas. A receita diária de propaganda para o Channel One nos Estados Unidos é de
US$630.000.
No Brasil os interesses comerciais em jogo são significativamente menores, ao menos no
que tange à propaganda baseada em materiais escolares. As escolas não recebem
equipamentos gratuitos, somente programas de computador gratuitos, sendo estes
programas gratuitos e com conteúdo comercial razoavelmente populares para o uso em sala
de aula. Várias companhias usam sítios da Internet projetados diretamente para as crianças
como uma ferramenta de propaganda para seus produtos e os professores usam com
freqüência o conteúdo comercial, especialmente aqueles nos quais os alunos podem acessar
na sala de aula. A Nestlé é um exemplo, oferecendo jogos online e freqüentes competições
de desenhos e textos.
A Belgo Mineira, uma companhia siderúrgica considerada um dos piores poluidores no
94
estado de Minas Gerais, usa suas páginas da Internet para anunciar competições de textos e
desenhos anuais organizadas por sua ONG Fundação Belgo. Estas competições têm temas
relacionados à questão ambiental e as escolas freqüentemente participam destas
competições como parte de seus programas de educação ambiental. A Belgo Mineira
fornece apoio aos professores através de conteúdos em suas páginas da Internet e de
materiais para sala de aula de seu programa de educação ambiental. Para o Grupo Belgo,
existem vantagens em termos de impostos para seu apoio à Fundação Belgo, mas o trabalho
da fundação é parte de um esforço de relações públicas para melhorar a percepção pública
em relação ao papel da Belgo no meio ambiente.
A oportunidade de interferir e moldar o conteúdo da educação ambiental nas escolas
públicas é de tremenda valia para estes esforços de relações públicas, especialmente em
comunidades onde a Belgo tenha causado os maiores danos ambientais e depende de
políticas públicas favoráveis. Moldar a maneira com que as comunidades pensam sobre
assuntos científicos é uma estratégia de relações públicas bem conhecida (Rampton e
Stauber, 2001). As escolas são um lugar extremamente conveniente para o início deste tipo
de esforços. Os programas da Belgo ensinam as crianças a pensarem sobre as questões
ambientais enfatizando temas não controversos, como o plantio de árvores, detraindo a
atenção de questões mais complicadas, como a poluição industrial e a regulamentação
ambiental. Os alunos que usam o material da Belgo estudam lições com conteúdo básico de
questões ambientais, mas é questionável o interesse da companhia em ajudar no
desenvolvimento de um pensamento crítico sobre as questões ambientais.
As oportunidades para a propaganda e para as relações públicas através do uso de conteúdo
infantil nas páginas da Internet também foram reconhecidas por outras companhias. A
Internet é uma das maneiras mais fáceis de se conseguir colocar sua mensagem nas escolas.
No auge do debate público sobre o uso de organismos transgênicos na agricultura,
representantes da indústria criaram material de computador para ser usado nas escolas e que
ensinava sobre a segurança da agricultura transgênica. O uso por parte das escolas de
qualquer parcela de seu já limitado tempo de aulas com tais mensagens comerciais ou de
relações públicas é no mínimo problemático, não somente porque o conteúdo vai na direção
oposta a seus esforços para desenvolver uma geração de cidadãos capazes de pensamento
crítico independente, mas também porquê faltam às escolas tempo para conteúdos críticos,
95
como por exemplo a alfabetização básica.
Se o sistema público tem o interesse de investir em equipamento e conectividade à Internet,
seria razoável imaginar que ele complementaria este investimento com o material de
consumo e o pessoal de apoio necessários para permitir que os professores façam uso
produtivo dos computadores e para garantir que os estudantes tenham de fato acesso ao
equipamento. Este investimento adicional poderia incluir os funcionários necessários para
manter os laboratórios de informática funcionando durante todo o dia, para a manutenção
dos computadores e do acesso à Internet e para o apoio aos professores interessados em
usar os computadores com programas que não necessitem muito tempo de preparação. O
ProInfo e os programas municipais de tecnologia que observei aparentavam operar no
estágio de tentar descobrir o que funciona em termos de uso de computador por um
processo de tentativa e erro. Seria de se esperar que, à medida em que os obstáculos ao uso
de computadores ficasse cada vez mais aparente, os professores parassem de reinventar a
roda em cada uma das escolas.
96
Capítulo V. Viés das Instituções
Neste capítulo discutimos como os viés das instituições resulta em diferenças sobre os
programas educacionais e sobre as expectativas dos professores em comunidades de
diferentes padrões de rendimento, como estas diferenças influenciam o uso de
computadores e o aprendizado e como contribuem para resultados ed ucacionais desiguais.
Somando-se com os conjuntos de desigualdades associadas às diferentes qualidades dos
recursos disponíveis em escolas com públicos de diferentes padrões de rendimento, os viés
das instituições contribui para resultados diferenciados no uso de tecnologias educacionais.
Escolas atendendo a alunos de baixa renda trabalham com um conjunto diferente de
expectativas daquelas que atendem alunos de alta renda, o que resulta em diferentes tipos
de utilização de computadores.
Alunos de origens mais abastadas têm freqüentemente mais oportunidades na escola para
desenvolver habilidades de raciocínio autóctones, para exercitar domínios cognitivos
complexos e para que tenham desafios de caráter acadêmico. Alunos de origem com alto
padrão de rendimentos também têm educação voltada para prepará- los para uma
participação plena na sociedade, ao passo que escolas que servem a uma população
estudantil de baixa renda muito provavelmente se concentram na preparação para o
mercado de trabalho e no treinamento de habilidades específicas, sem a preocupação com o
estímulo ao pensamento independente e crítico.
As expectativas construídas ao redor do que um aluno precisa aprender e do que ele é capaz
de aprender influenciam as decisões tomadas pelas escolas no que se relaciona aos tipos de
tecnologia que são usadas e às maneiras com que estas tecnologias são usadas. As escolas
elabora conjuntos diferentes de objetivos e metas educacionais baseadas nestas
expectativas, o que leva a discrepâncias nos programas educacionais e seus resultados.
Attewell (2001) descreveu estas discrepâncias como "diferenças sociais nas maneiras em
que os computadores são usados". Além das desigualdades oriundas da qualidades dos
programas de uso de tecnologias, Attewell argumenta que os objetivos e metas
educacionais, assim como as expectativas, contribuem para diferentes tipos de usos de
computadores.
As diferenças amplamente difundidas entre as expectativas educacionais e os objetivos e
97
metas educacionais em áreas de diferentes níveis socioeconômicos não é novidade, e a
tecnologia educacional é somente uma das inúmeras áreas nas quais os esforços
educacionais são afetados. De acordo com Attewell, a tecnologia pode tanto afetar quando
refletir as condições sociais circundantes, e acredita não ser surpreendente que a tecnologia
tenha falhado na tarefa de causar mudanças revolucionárias na igualdade educacional. A
tecnologia educacional é sempre implementada inserida em um contexto social, e as
relações de poder existentes moldam seu uso. Attewell argumenta que a capacidade que a
tecnologia tem de gerar mudanças sociais é limitado por estas relações de poder.
Os conjuntos distintos de objetivos e metas educacionais existentes para alunos de
diferentes níveis socioeconômicos fornecem o mecanismo pelo qual as relações de poder
são reproduzidas nas escolas. No caso dos planos tecnológicos, as distinções se traduzem
no uso de atividades mais estimulantes para alunos de alta renda e no uso de atividades
voltadas para a aquisição de habilidades específicas orientadas para o mercado de trabalho
para alunos de baixa renda. Ainda que seja amplamente considerado inaceitável que alunos
de baixa renda tenham restrições seu acesso a computadores, a necessidade de se lutar por
igualdades nos objetivos e metas educacionais é menos aparente. De fato, muitas pessoas
argumentariam que estes objetivos e metas não deveriam ser uniformes. Por exemplo,
alguns administradores e professores trabalhando acreditam que a preparação para um
trabalho é mais importante do que em comunidades em que os alunos têm grandes
possibilidades de prosseguirem seus estudos na universidade.
Nos Estados Unidos, as diferenças entre os programas educacionais para alunos de
diferentes níveis socioeconômicos não é, na maior parte das vezes, explícita. As escolas que
servem comunidades de baixa renda freqüentemente lutam para atingir os níveis mínimos
exigidos em testes padronizados de habilidades básicas. As administrações destas escolas
sofrem fortes pressões para que os resultados nos testes padronizados sejam melhorados,
pressões estas que influenciam várias decisões sobre o currículo, incluindo decisões
relativas ao uso de tecnologias educacionais. Com objetivos e metas educacionais
concentrados no próximo teste padronizado, as atividades criativas e estimulantes que
permitem que os alunos desenvolvam habilidades cognitivas independentes tornam-se um
luxo que o cronograma que o orçamento escolar não permitem. Infelizmente, as várias
aplicações de tecnologia educacional com eficácia comprovada caem nesta categoria, sendo
98
trocadas por programas de repetição e prática (drill and practice software) voltados para o
saneamento de dificuldades específicas mas que não são corroborados por pesquisas
educacionais.
As administrações de escolas em áreas de baixo nível socioeconômico são constantemente
forçadas a se compararem a indicadores de preparo para o mercado de trabalho e a testes
padronizados. Grande parte desta tendência é fomentada pelas expectativas das próprias
famílias dos alunos, cujas expectativas em relação a seus filhos são moldadas por sua
própria classe social. Isto é uma conseqüência do habitus, de uma noção de seu lugar na
sociedade, do que Pareto se referiu como "sentimentos de ranking social" (Lopreato and
Hazelrigg, 1972) . De acordo com Pareto, as pessoas que têm posições de baixo prestígio
na sociedade têm sentimentos de inferioridade, subordinação, reverência e medo. Estes
sentimentos fazem com que seja muito mais provável que pais de crianças que tenham
baixo poder aquisitivo acreditem que seus filhos devam ter como objetivo um baixo
prestígio. Como conseqüência, as escolas em áreas de maior nível socioeconômico sofrem
com mais freqüência pressões para que envolvam e estimulem intelectualmente seus
estudantes. Portanto, seu uso de tecnologia educacional, assim como seus outros programas
educacionais, têm mais chance de engajar e estimular.
Por trás destas diferenças entre expectativas estão as suposições sobre as finalidades das
escolas (Postman, 1992). Postman argumenta que as administrações em escolas de classe
média consideram a educação da criança como um todo, projetando e elaborando
programas educacionais que têm como objetivo o conhecimento e o entendimento e o
desenvolvimento de uma cidadania plena. Estas administrações refletem os anseios dos pais
e das lideranças comunitárias, que exigem este tipo de educação e esperam que seu sistema
educacional crie oportunidades preparando seus estudantes para um papel futuro de
liderança ativa. O objetivo é preparar os alunos para todos os aspectos futuros de suas
vidas, incluindo o aprendizado por parte dos alunos de habilidades de aprendizado
independentes, o chamado aprender a aprender. Existe uma expectativa de que alunos de
classe média prosseguirão seus estudos após o término do ensino médio, e portanto a
importância do desenvolvimento de habilidades cognitivas complexas seria de grande valia.
No caso brasileiro, a distinção não é tão clara. Nos EUA, a maioria das universidades
exigem, em seu processo de seleção, bons notas no colégio, bons resultados no SAT e a
99
apresentação de um ensaio escrito, que demandam habilidades de argumentação lógica, boa
compreensão escrita. O exames de vestibular, em sua grande maioria, tendem a se
concentrar em conhecimento fatual específico. Apesar da grande variância dos programas
de vestibular de uma universidade para a outra, os professores de ensino médio em sua
vasta maioria sabem que a melhor estratégia para que seus alunos entrem numa
universidade é a repetição e prática de fatos.
Posto que escolas privadas competem entre si baseados em estatísticas de aprovação no
vestibular, estas escolas são forçadas a concentrarem-se em áreas do conhecimento
enfatizadas pelos vestibulares locais. Portanto, as escolas privadas no Brasil em geral não
podem se dar ao luxo de se concentrar em compreensão ou pensamentos críticos. Enquanto
as escolas públicas concentram seus esforços em habilidades básicas, as escolas privadas
exigem de seus alunos uma grande quantidade de memorização. Raramente os estudantes,
tanto nas escolas particulares quanto nas públicas, executam projetos independentes ou
desenvolvem textos expositórios originais. Os trabalhos escolares de caráter independentes,
que são associados a habilidades cognitivas complexas, são raros tanto nas escolas públicas
quanto particulares.
Estudantes americanos vivendo em áreas de baixo padrão socioeconômico têm mais
chances de usar computadores para atividades compostas de tarefas simples compostas de
uma única etapa, em contraponto com a importância dada pela literatura sobre computação
educacional ao engajamento ativo do estudante. Alunos de baixo padrão socioeconômico
têm maior probabilidade de usar seu tempo no aprendizado de habilidades técnicas
específicas. Seus materiais didáticos têm maior probabilidade de apresentarem ferramentas
motivacionais que não são ligadas ao conteúdo, tendo portanto pouco efeito em aumentar,
no longo prazo, o interesse dos alunos no material estudado. Escolas em regiões de baixo
padrão socioeconômico têm mais probabilidade de usar computadores como ferramentas
saneadoras de problemas, sem a inclusão de novo material acadêmico. Quando os objetivos
educacionais focam em habilidades técnicas específicas e tarefas simples compostas de
uma única etapa, existe uma redução na qualidade e nos resultados do uso da tecnologia
(Selwyn e Williams, 2001). Programas voltados para o aumento do uso da tecnologia na
educação devem levar em conta a maneira como esta tecnologia será usada. Natriello
(2001) fornece argumentos similares de que a tecnologia da informação não modifica
100
fundamentalmente os processos sociais que determinam o impacto dos esforços
educacionais.
De acordo com (Diamond et al., 2004), as concentrações de alunos de baixo padrão
socioeconômico ou de afro-descendentes nas escolas americanas estão associadas a
expectativas reduzidas dos professores com relação a seus alunos e a um menor senso de
responsabilidade com o aprendizado de seus estudantes.
[...] argumentamos que a composição estudantil e o contexto micropolíticos das
escolas [...] está profundamente associado com um nivelamento das expectativas dos
professores com relação aos alunos e com uma redução de seu senso de
responsabilidade sobre o aprendizado dos alunos. Em contraste, quando uma maior
proporção de alunos são de renda-média, brancos ou asiáticos, as habilidades dos
alunos são enfatizadas e os professores sentem-se mais responsabilizados pelo que os
alunos aprendem. Argumentamos que o senso de responsabilidade do professor pelo
aprendizado estudantil está relacionado a suas crenças sobre as habilidades
acadêmicas de seus alunos por meio de um conjunto de expectativas, embebidas na
organização, que se referem ao que é possível para alunos de uma dada origem.
Ainda que este viés se manifeste num nível institucio nal, ele se reflete nas palavras que
os professores usam ao descrever suas expectativas em relação a seus estudantes. Apesar de
ser difícil a comparação direta de diferentes tratamentos dados a diferentes grupos raciais
no Brasil e nos Estados Unidos, minhas observações indicaram estruturas similares no
Brasil, ao menos no que tange estudantes de baixo padrão socioeconômico. Professores em
áreas de baixo padrão socioeconômico acreditavam estar remando contra a maré ao
tentarem satisfazer as necessidades de sua população estudantil, e geralmente ficavam
satisfeitos com ganhos e realizações muito inferiores àquelas cobradas por professores de
áreas de alto padrão socioeconômico. Em uma sala de aula do ensino fundamental, um
professor mostrou exemplos de estudantes que ela considerava como especialmente
necessitados. Vários destes estudantes estavam repetindo o primeiro ano, sendo que um
deles já tinha repetido o primeiro ano pelo menos duas vezes. Do ponto de vista da
professora, a alta taxa de reprovação era inevitável face às atribulações que estes alunos
enfrentam no dia a dia. Ela descreveu seu esforço para facilitar a vida de muitos destes
101
estudantes como um de seus objetivos principais.
Os professores que observei mostraram uma preocupação especial pelas crianças cujo nível
de pobreza implicasse numa dificuldade para que estas crianças tivesse a supervisão de um
adulto quando fora da sala de aula. Os professores raramente expressaram uma
preocupação pelas condições de moradia, nutrição ou outras consequências da pobreza, mas
estavam sempre muito preocupados com o tempo que estas crianças passavam sem a
presença de adultos. Um professor mostrou estudantes cujos pais trabalhavam em vários
empregos e este mesmo professor poderia falar de cabeça o nome de cada um dos irmãos
mais velhos ou primos que tomavam conta de algum aluno durante o dia ou a noite. Os
professores descrevem que se desdobram para tentar fazer com que o trabalho escolar seja o
mais fácil o possível para estas crianças, mesmo que isto signifique a necessidade de se
evitar atividades que exigem mais dos estudantes.
Os objetivos e metas dos professores e administradores de escolas em comunidades de
baixo padrão socioeconômico são diferentes daqueles objetivos e metas dos professores e
administradores de escolas que servem alunos de padrão socioeconômico alto. Professores
com quem me encontrei e que servem a comunidades com alunos de baixo padrão
socioeconômico tendem a oferecer menos desafios acadêmicos a seus estudantes, em parte
devido a uma maior preocupação com o bem estar psicológico de seus estudantes, cujas
vidas incluem muitas inseguranças e incertezas. Os professores sabem que as motivações
para que seus alunos sejam bem sucedidos e a sensação de ser capaz é crítica nas famílias
em que as gerações anteriores não freqüentaram a escola, e portanto vários professores se
preocupam com as dificuldades que podem levar ao fracasso e ao desencorajamento de seus
estudantes.
Nas escolas com alunos de padrão socioeconômico alto que visitei, apesar do foco principal
não ser na preparação dos alunos como pensadores autóctones, ainda assim existia uma
preocupação em ensinar habilidades que tenham uma gama de aplicações ampla, com uma
ênfase maior na leitura, escrita e em projetos de pesquisa independente, ao passo que as
escolas com padrão socioeconômico baixo tinham poucas atividades de leitura e escrita e
tinham como maior fonte de informação em textos preprocessados, como por exemplo
resumo de livros. Nos poucos casos em que observei atividades sem uma finalidade
predeterminada, onde estudantes exploraram o uso de computadores como uma ferramenta
102
para a solução de problemas simples, estas atividades foram feitas em escolas particulares.
Em geral, alunos com padrão socioeconômico alto tiveram mais oportunidades para
participarem ativamente de seus trabalhos utilizando computadores e tiveram mais desafios
e exigências acadêmicos.
Engajamento Ativo
Durante várias décadas, pesquisadores relataram níveis de engajamento de estudantes
que variava ao longo dos diferentes grupos socioeconômicos. Alunos de alta renda têm
maior probabilidade de usar computadores de uma forma que engaje, ao passo que alunos
de baixa renda têm maior probabilidade de trabalhar com computadores em atividades
menos interativas (Sayers, 1995; Castells, 2000). Cientistas sociais tentam discutir este
problema em relação às diferenças na maneira que as escolas funcionam em áreas de baixo
e alto padrão socioeconômico e nas experiências desiguais trazidas às escolas pelos alunos
(Attewell, 2001; Noble, 1999).
Alguns pesquisadores argumentam que os níveis de engajamento dos alunos variou ao
longo dos anos, alegando que as variações nas atitudes em relação aos objetivos e as metas
da educação, as pressões sociais em relação à participação ativa dos alunos e as mudanças
nas condições gerenciais das escolas públicas contribuíram para a substituição de
tecnologias de engajamento ativo desenvolvidas nos anos setenta e oitenta pelas novas
tecnologias multimídia com desenhos animados, mais comuns nos dias de hoje. Agalianos
(1996) defende o ponto de vista acima usando exemplos da Inglaterra e dos Estados
Unidos, ao passo que Robertson (1998) mostra tendências similares no caso Escocês.
A pesquisa em computação educacional é relativamente clara na conclusão de que os
alunos se beneficiam mais do uso da tecnologia quando estão ativamente engajados em seu
trabalho, ao invés de assistir a uma lição como um recipiente passivo de informações. Uma
pequena parcela de usos de tecnologia que não exigem um grande engajamento, como, por
exemplo, atividades de repetição e prática, pode oferecer resultados positivos quando usada
com moderação. Contudo, para a maioria dos usos de tecnologia, o engajamento dos alunos
é peça chave para sua eficácia.
Atividades sem uma finalidade pré-determinada, nas quais os computadores são utilizados
103
como ferramentas, podem ser uma maneira extremamente eficaz de se usar os recursos
tecnológicos. Este tipo de uso de computadores, sob boas condições de apoio técnico e com
professores qualificados, traz demonstradamente resultados educacionais positivos. Estes
tipos de uso de tecnologias podem ajudar os alunos a desenvolverem proficiências em
redação, raciocínio lógico, solução de problemas e organização de idéias. Estes tipos de uso
de computadores, tais como a programação, o uso de bancos de dados e planilhas de
cálculos, o processamento de texto e a autoria de documentos multimídia, têm sido
empregados há décadas. Contudo, em alguns casos, especialmente em áreas de baixo
padrão socioeconômico, estes usos estão sendo gradualmente substituídos por novas
tecnologias que oferecem menor controle aos alunos e menos oportunidades para que estes
se engajem em seu aprendizado.
Os que detêm informação reterão ou reforçarão suas habilidades em moldar as
inovações tecnológicas para proveito próprio, e os que não detêm informação, quando
não excluídos completamente do acesso à tecnologia, estarão mais freqüentemente
sendo manipulados pelos computadores e por redes de computadores do que em
controle destas tecnologias poderosas.
Robertson (1998) relaciona a idéia do protagonismo dos alunos com a interatividade.
Quando os computadores reagem às ações dos alunos de uma maneira lógica e sistemática,
eles estão sendo interativos. O protagonismo dos aluno s é, para Robertson, pré requisito
necessário para um engajamento significativo.
Os computadores [...] têm o potencial de aplicar um conjunto complexo de regras
sobre as nossas ações e de responder à estas ações de uma maneira que possa iluminar
nosso entendimento sobre um tema – interatividade. Porquê a resposta da máquina
não precisa ser mediada por outro ser humano, mas vai diretamente para quem está
aprendendo, isto pode resultar em um protagonismo de quem aprende.
As tecnologias que engajam os alunos estão ligadas a habilidades cognitivas
complexas. Alguns dos uso de tecnologia educacional com maior sucesso foram as
aplicações científicas precoces, notadamente a linguagem de programação Logo, projetada
para fornecer aos alunos um ambiente computaciona l que permitesse que eles
104
protagonizassem a exploração de idéias abstratas, recebendo imediatamente informações
sobre suas hipóteses (feedback). O objetivo destes programas era facilitar a construção
pelos alunos de um espírito crítico e de habilidades de solução de problemas por meios da
exploração não pré-determinada. Nos Estados Unidos, apesar do uso de tecnologias
educacionais em que o aluno é agente passivo estar aumentando, as escolas situadas em
regiões de alto padrão socioeconômico empregam com mais freqüência os tipos de
tecnologia que engajam os alunos.
No Brasil, novas versões do Logo estão se tornando cada vez mais populares em escolas
particular, se incorporando ao currículo de matemática e de ciências. Estas escolas usam o
Lego Logo, no qua l as técnicas de programação do Logo podem ser utilizadas para o
controle de pequenos aparelhos robóticos. Algumas escolas públicas brasileiras, com o
apoio e a participação do grupo americano que desenvolveu o Logo original, estão tentando
incorporar usos similares de ferramentas de programação e robótica em atividades sem uma
finalidade pré-determinada. Infelizmente, nenhuma exemplo deste trabalho estava
disponível nos estados brasileiros em que conduzi meu trabalho de campo.
Robertson (1998) estudou a história recente do uso de tecnologias no sudoeste da Escócia e
descobriu que o Logo, os bancos de dados e outras tecnologias que protagonizam os alunos
eram populares nos anos oitenta. Estes usos de tecnologia eram motivados, segundo
Robertson, por uma teoria de que o aprendizado de idéias abstratas, como conceitos
matemáticos ou lingüísticos, poderia ser baseado em abordagens experimentais em que o
aluno coloca a "mão na massa" em um ambiente em que recebem informações imediatas
quando testam uma hipótese. Em meados dos anos noventa, estes usos de tecnologia
educacional foram substituídos por CD-Roms contendo grande quantidade de informações
mas oferecendo poucas oportunidades para o protagonismo dos alunos. O novo material,
com gráficos mais agradáveis e com som, oferecia maiores encantos aos professores
justamente num momento em que o sistema educacional público escocês passava por um
processo de descentralização, oferecendo a cada professor uma maior gama de escolhas em
termos de tecnologias educacionais.
Agalianos (1996) discute o movimento pendular das atitudes em relação ao programa Logo
(que primeiro eram extremamente favoráveis mas que passaram a ser extremamente
desfavoráveis) por parte dos educadores e dos planejadores de políticas públicas tanto na
105
Inglaterra quanto nos Estados Unidos, relacionando estas mudanças de atitudes ao contexto
social. O programa Logo foi introduzido nos Estados Unidos durante um período que era
caracterizado por uma nova ênfase em abordagens educacionais centradas no estudante ao
mesmo tempo em que existia uma procura por outros paradigmas educacionais. Pouco
tempo depois da introdução do Logo, uma nova ênfase na subdivisão do currículo, na
responsabilização das escolas e um movimento conservador para restaurar o currículo a
patamares anteriores, arrasaram com os movimentos de reforma educacional, tanto nos
Estados Unidos quanto na Inglaterra.
Na Inglaterra, o Logo foi adotado com a esperança de que ele revolucionasse a prática
educacional, com um argumento muito similar ao de seus criadores. De forma similar ao
que aconteceu nas escolas americanas nos anos oitenta, a linguagem de programação Logo
tornou-se uma nova parte integral do currículo escolar, como se o conhecimento de Logo
fosse parte de uma alfabetização básica em computação. Agalianos associa esta transição às
mudanças no clima político que caracterizou as reformas educacionais norte-americanas e
inglesas nos anos oitenta.
Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, os movimentos educacionais conservadores
e o conseqüente aumento da compartimentalização dos currículos escolares fizeram com
que as ferramentas centradas nos alunos, com usos em várias áreas diferentes do currículo,
se tornassem indesejadas para as escolas. Como os movimentos de responsabilização das
escolas resultaram em que as escolas fossem cada vez mais forçadas a administrarem de
maneira rotineira testes padrão, a ênfase das escolas foram realocadas de atividades
envolvendo habilidades cognitivas complexas para atividades envolvendo a acumulação de
fatos em uma área particular do conhecimento humano. O uso do Logo da maneira
originalmente sugerida por seus criadores, como uma ferramenta a ser usado em diferentes
partes do currículo, foi gradualmente substituído por aulas de computação em laboratórios
de informática que ensinavam Logo como uma linguagem de programação. Num ambiente
em que o engajamento dos alunos não era valorizado, o Logo foi primeiro adaptado para se
adequar a modelos existentes de ensino e aprendizado para finalmente ser substituído por
outras linguagens de programação e outros programas de computador.
Por quê o engajamento do aluno é tão importante quando comparamos formas diferentes de
aprendizado? Claudia Strauss (1984) aborda esta questão distinguindo entre as tarefas
106
didáticas bem- ou mal-definidas, baseada não somente em se as atividades didáticas não
têm uma finalidade predeterminada, mas baseada também em quanta informação dada e
quais operações usadas são predeterminadas. Strauss descreve tarefas que envolvem altos
níveis de engajamento dos alunos quando as ferramentas e os procedimentos claramente
definidos não estão disponíveis. Nas atividades didáticas mal-definidas, os alunos precisam
desenvolver estratégias próprias para a solução de problemas. Apesar das atividades mal-
definidas não serem sempre a maneira mais eficiente de se chegar ao objetivo educacional
inicial, elas são mais eficazes no desenvolvimento de habilidades e conhecimento que
podem ser transferidos para contextos diversos daqueles em que foram aprendidos.
Strauss demonstra sua teoria sobre a vantagem de atividades mal-definidas a partir de
exemplos extraídos de diferentes culturas, comparando a educação em matemática
elementar nos Estados Unidos e no Japão e o aprendizado da tecelagem em duas
comunidades Maia diferentes. Nos dois exemplos, conteúdos similares são ensinados com
níveis de estrutura nas atividades didáticas profundamente diferentes. Strauss conclui que
os estudantes que receberam tarefas mal-definidas e que foram forçados a criar abordagens
próprias aos problemas são capazes de usar suas habilidades em uma gama maior de
contextos que seus pares que aprenderam através de tarefas bem-definidas.
As descobertas do trabalho de campo antropológico e da experimentação psicológica
levam às mesmas conclusões. Procedimentos bem-definidos são mais eficientes do
que procedimentos mal-definidos em transmitir uma dada habilidade ou um bloco de
informação. Por outro lado, procedimentos mal-definidos, muito mais do que
procedimentos bem-definidos, promovem a originalidade e a capacidade para que se
aplique a habilidade ou conhecimento em uma ampla gama de contextos.
As habilidades cognitivas que Strauss associa com as tarefas mal-definidas são
equivalentemente consideradas habilidades cognitivas comp lexas segundo a taxonomia de
Bloom, ao passo que as bem-definidas são consideradas habilidades cognitivas simples
(Anderson et al., 2001).
Infelizmente, os usos de tecnologia educacional que engajam e encorajam os alunos a usar
esta tecnologia como uma ferramenta em seu trabalho são relativamente raros nas escolas.
Este tipo de atividade não estão geralmente disponíveis aos professores num formato pré-
107
pronto, e exigem do professor um tempo maior de preparo e maior dedicação. Elas também
são de difícil implementação em ambientes nos quais os alunos foram condicionados à
procura de uma única resposta correta para cada questão ou onde existe uma forte crença na
possibilidade de se classificar de maneira objetiva o desempenho dos alunos através de
testes. Alunos que estão acostumados a tarefas mais estruturadas freqüentemente resistirão
às atividades mal-definidas, solicitando do professor quantidade cada vez maior de
instruções, até o ponto em que a abrangência de sua atividade seja reduzida e que ela possa
ser resolvida através de etapas específicas. Ao reduzirem a abrangência de suas atividades,
os alunos perdem a oportunidade oriunda da experiência de aprendizado resultante do
desenvolvimento das estratégias para a solução do problema ou a compleição do projeto.
Os alunos solicitam do professor uma maior estrutura quando pouca estrutura é fornecida.
Um professor numa escola localizada em uma região de baixo padrão socioeconômico se
mostro orgulhosa pelo fato de ter dado a seus alunos uma atividade sem uma finalidade
predeterminada. Nesta atividade, os alunos deveriam usar o computador para desenhar e
criar textos similares a um outdoor sobre o tema do trabalho infantil. Em preparação para a
atividade, a turma leu um livro sobre o trabalho infantil e discutiu este tópico. Vários dos
alunos desta turma trabalham vendendo chicletes ou picolés, contribuindo para a renda
familiar, e portanto vários dos alunos na sala tinham um ponto de vista sobre o trabalho
infantil muito diferente daquele que sua professora tinha.
A oportunidade de discussão sobre o tópico do trabalho infantil abriu a possibilidade para
que os alunos contribuíssem com suas próprias idéias e que um diálogo fosse estabelecido.
Contudo, surpreendentemente, apesar do grande leque de experiências pessoais dentre os
alunos da turma, o conteúdo de quase todos os trabalhos dos alunos era praticamente
idêntico ao que o professor tinha como opinião sobre o trabalho infantil e aos comentários
do livro que os estudantes leram. É como se, apesar do grande esforço da professora para
que os alunos expressem suas próprias idéias, os hábitos dos alunos de imitarem o professor
fossem profundamente arraigados e portanto, quando deparados com uma atividade sem
uma finalidade predeterminada, os alunos se esforçam para reduzir a abrangência da
atividade.
Uma das formas com que a tecnologia gera a expectativa de promover o engajamento ativo
de alunos é o uso de ferramentas de autoria de documentos multimídia para a comunicação
108
de idéias. Apesar deste tipo de uso ser amplamente promovido nos círculos educacionais, é
muito mais provável que o professor seja o autor de documentos multimídia, e não o aluno.
Vários professores são estimulados a criar material multimídia em substituição aos testes
feitos com papel e lápis. Eles criam questionários de múltipla-escolha no formato
multimídia utilizando clip-art e textos. Neste sentido, o software educacional criado pelo
professor substitui tanto o material de repetição e prática quando os livros. Ao invés de ler
o material impresso, os alunos lêem na tela do computador o material desenvolvido por
seus professores. Os professores devotam grande parte de seu tempo livre para o
desenvolvimento e para a elaboração do trabalho de arte gráfica deste material, e alegam
que estes materiais são diferentes daqueles testes baseados em papel que os alunos fizeram
antes, especialmente em termos dos benefícios extras trazidos pela motivação e auto-estima
por usarem computadores.
Uma das discussões levantadas pela tecnologia educacional pertence a uma questão mais
ampla sobre o equilíbrio entre as habilidades práticas concretas e a generezabilidade dos
conhecimentos básicos, do equilíbrio entre os alunos que sabem como dar uma resposta
correta e aqueles alunos que sabem pensar por si mesmos. A tendência teórica da maior
parte das escolas de educação brasileiras prepara os professores para pensarem, para
trabalharem com estudantes de uma maneira que possa ser aplicada a situações mais gerais
e para ensinarem através do inquirimento, ajudando seus alunos a testarem suas próprias
idéias e a desenvolverem a compreensão, tornando-se pensadores independentes. Os
professores, que têm familiaridade com esta tendência teórica, usam estes conceitos quando
explicam seus objetivos e metas, falando sobre a maneira como os alunos assimilam seu
aprendizado construindo conhecimento em sua própria realidade. Contudo, freqüentemente
a prática de sala de aula e os métodos de avaliação refletem uma crença subjacente em um
modelo do aprendizado baseado no estímulo-resposta, eficaz no ensino de habilidades
concretas. As teorias educacionais que os professores patrocinam nem sempre
correspondem de maneira imediata às suas práticas em sala de aula.
Uma das dificuldades para os cursos de licenciatura que objetivam a preparação de seus
alunos para o uso eficaz de computadores está na dissociação entre a teoria e a prática no
treinamento de licenciandos. O processo de licenciatura para professores do ensino médio
geralmente envolve disciplinas no departamento da área de conteúdo do curso e alguns
109
cursos adicionais em teoria da educação, geralmente ministrados pela escola de educação.
Professores de química, por exemplo, freqüentemente se matriculam em cursos gerenciados
pelo departamento de química, sendo que os alunos que escolhem licenciatura ao invés do
bacharelado precisam fazer parte de seu curso na escola de educação.
Quando as teorias construtivistas de aprendizado começaram a influenciar as políticas
educacionais há aproximadamente vinte anos, os cursos foram modificados, colocando-se a
instrução dos métodos de ensino específicos a uma dada área do conhecimento como
responsabilidade do departamento relacionado a esta área. A idéia era a de que somente um
químico, por exemplo, poderia entender os tipos mais comuns de conceitos expontâneos em
química, somente biólogos poderiam entender os conceitos espontâneos em biologia, etc. A
conseqüência desta política foi a de que estudantes de licenciatura em quase todo o país
aprendem métodos de ensino nos departamentos de seus cursos mas estudam as teorias de
aprendizado nas escolas de educação, sendo o estudo da teoria e da prática em educação
pouco relacionados. Isto faz com que o processo de aplicar a teoria numa situação prática
seja particularmente complicado para os novos professores.
Em uma das apresentações sobre os usos de ferramentas de autoria de documentos
multimídia na sala de aula, uma professora explicou que o uso de programas de computador
deste tipo tornam possível que os aluno “participe em construir conhecimento, porque tem
controle sobre a experiência". Seus comentários indicam que a professora foi exposta às
teorias educacionais favoráveis ao engajamento ativo dos alunos (“participe”, “controle”)
seja uma componente importante para o aprendizado. Talvez ela também foi exposta aos
argumentos de que os programas de computador para criação de documentos multimídia,
chamados programas de autoria, possam ser usados em atividades que se adeqüem a estas
teorias educacionais. Mas ao invés de permitir aos estudantes que usem estes programas de
autoria de documentos multimídia, esta professora, em consonância com várias outras
professoras usando o mesmo tipo de programas, usa programas para autoria parar criar ela
mesma as lições em formato multimídia que seus alunos assis tem passivamente.
Vários cursos universitários de licenciatura ensinam seus alunos a usarem programas de
autoria de documentos mutimídia e a desenvolverem seus próprios materiais pedagógicos,
com o intuito de encorajar estes professores a desenvolverem este tipo de material em seus
trabalhos. Mostrando entender a importância de engajamento ativo no aprendizado com
110
computadores, uma professora universitária de um curso de licenciatura comentou que seus
alunos "puseram a mão na massa", trabalhando diretamente com os programas de autoria de
documentos multimídia para que pudessem desenvolver seu próprio material pedagógico.
Quando estes alunos se tornam professores nas escolas de ensino médio, seus professores
da universidade vêem suas produções de material, questionários e demonstração
multim�ídia como uma evidência de que eles se tornaram proficientes no uso de
tecnologias educacionais na sala de aula.
Embora as ferramentas de autoria de documentos multimídia possam ser uma boa
oportunidade para o aprendizado através da prática, uma vez que os professores podem
ficar cada vez mais confortáveis com a programação simples de computadores, os alunos
estão longe de "colocar a mão na massa", uma vez que suas interações com os
computadores são limitadas a simples questões de múltipla escolha ou a caixas de respostas
a serem respondidas, associadas a blocos de texto simples. O uso de ferramentas de autoria
de documentos multimídia é visto como uma maneira de melhorar o engajamento dos
alunos. Contudo, esta vantagem é limitada aos casos em que os próprios alunos são os
autores dos documentos multimídia. Professores que têm esta experiência de autoria,
contudo, provavelmente estão muito mais bem preparados para oferecer algum dia no
futuro oportunidades similares para seus alunos.
Em um pequeno número de casos, observamos alunos trabalhando em seus próprios grupos
em projetos com conteúdo no formato multimídia. Na maior parte dos casos, isto acontece
quando cada estudante ou grupo de estudantes cria algum tipo de traba lho artístico em
multimídia e o professor posteriormente junta o material para uma apresentação em
formato PowerPoint. Depois de observar mais de 50 apresentações de trabalhos de alunos
em formato PowerPoint, somente em uma observei que os alunos mapearam de maneira
lógica a ordem com que a informação foi apresentada, criando uma seqüência lógica para a
apresentação. A maior parte das apresentações utilizando PowerPoint como ferramenta de
autoria de documentos multimídia se resumia a uma apresentação de desenhos ou textos
feitos pelos alunos no computador, apresentados em slides seqüenciais (um slide para cada
aluno) e com uma música de fundo. Desta forma, apesar do fato de que quase todos os
professores relatam algum uso de ferramentas como o PowerPoint, o uso de ferramentas de
autoria de documentos é ainda uma área completamente inexplorada.
111
Em minhas observações verifiquei uma notável consistência no uso de computadores para
fins criativos. Quase todas as professoras que falaram nas Mostras de Informática ou que
me permitiram visitar suas salas de aulas usaram, em algum momento, computadores como
ferramenta para a escrita ou o desenho criativos, utilizando o programa Microsoft Paint.
Estas professoras também me informaram que fora dos laboratórios de info rmática os
alunos raramente escreviam ou desenhavam. Algumas professoras relataram que os
computadores auxiliaram com o trabalho de escrever, seja aumentando a motivação ou
reduzindo a inibição, e várias professoras mostraram-se contentes com a possibilidade de
oferecer aos alunos ferramentas para a criação artística depois de vários anos trabalhando
sem ter acesso a algum tipo de material para artes.
O trabalho de sala de aula voltado para o engajamento ativo de alunos freqüentemente
exige que se forneça aos alunos oportunidades para abordarem um problema de maneira
criativa e oportunidades para pensarem sobre e testarem suas próprias soluções para um
problema. Em vários casos, o engajamento dos alunos depende das oportunidades dadas
aos alunos para que abordem problemas que permitam mais de um resultado satisfatório.
Várias professoras com as quais conversei e várias outras professoras que apresentaram
trabalhos nas Mostras de Informática desenvolveram para seus alunos atividades sem uma
finalidade relativamente predeterminada, onde era esperada uma variância considerável
entre os trabalhos de um aluno ou de outro. Na maior parte dos casos, tarefas que não
envolviam programas educacionais de computador já prontos eram de certa forma sem uma
finalidade predeterminada, exigindo algum nível de engajamento ativo por parte dos
alunos. Contudo, observei uma variação considerável nos diferentes níveis de engajamento
dos alunos.
Enfoque no Produto versus Processo
Um dos fatores que limitam as maneiras com que os computadores são usados é a
ênfase dada ao produto final do trabalho dos alunos ao invés do processo de aprendizado,
ênfase muito comum nas escolas. Quando chega o momento do professor avaliar o trabalho
do aluno, os professores brasileiros precisam levar em conta a importância de utilizar
processos de medida objetivos do trabalho dos alunos. Quando uma tarefa pode ser
112
completada de mais de uma maneira considerada satisfatória, a maneira pela qual o
resultado foi obtido é importante para a avaliação do aprend izado. O professor, nesta
situação, fica numa situação delicada quando chega o momento de dar notas para seus
alunos. O trabalho dos próprios professores é avaliado com base no trabalho de seus
alunos. Os professores relatam que os pais dos alunos vão à escola interessados em
descobrir o que seus filhos fizerem durante as aulas, e estes pais não se satisfazem até que
vêm exemplos do trabalho de seus filhos. Sem exemplos específicos do trabalho de cada
um dos alunos para que possam mostrar para os pais, os professores temem que os pais
percam seu interesse na escola e decidam que não valha a pena seus filhos continuarem
estudando.
Ao descreverem de que maneira usam os computadores, os professores tendem a mostrar os
projetos e os produtos finais de seus alunos, ao invés de descrever os processos que
acontecem na sala de aula. Vários professores guardam exemplos dos trabalhos de seus
alunos para usar como demonstração do que fazem em sala de aula. Este enfoque no
produto do trabalho de sala de aula é reforçado pelos alunos, que também gostam de
mostrar exemplos de seus trabalhos. Os professores alegam que os alunos ficam mais
motivados quando eles acreditam que seus trabalhos irão resultar num produto final, como
por exemplo pôsteres, adesivos e obras de arte. Os professores gostam de planejar
atividades que dão aos alunos algo que possam mostrar como resultado de seus trabalhos,
porque os alunos ficam mais motivados quando estão criando algo palpável. Ao contrário
dos antigos quadros-negros, o computador permite que o trabalho do aluno seja facilmente
guardado ou impresso.
Infelizmente esta ênfase no produto obscura o diálogo entre os professores sobre os
processos que acontecem em sala de aula. Quando os professores se encontram para
discutir seu trabalho e compara suas práticas em sala de aula, eles acabam comparando os
trabalhos dos alunos ao invés de discutir as características muito mais importantes de uma
prática eficaz na sala de aula. Quando participei de eventos que tinham o objetivo de
conglomerar professores para que compartilhasse suas estratégias de ensino, estes eventos
pareciam feiras de ciências ou feiras escolares. Os professores traziam freqüentemente seus
alunos para que mostrassem seus próprios trabalhos, ao invés de fazerem uma apresentação
sobre seus objetivos, metas e métodos no projeto. Infelizmente o trabalho dos alunos nem
113
sempre é a melhor maneira de se avaliar o aprendizado, e freqüentemente um enfoque na
produção do melhor produto final possível pode levar os professores a desistirem de
algumas oportunidades de aprendizado que surgirem ao longo do caminho.
Um exemplo sobre o enfoque nos alunos como produtores de trabalho palpável é a
quantidade de recursos que são utilizados para a impressão de trabalho de alunos. Imprimir
um trabalho nas impressoras baratas de jato-de-tinta disponíveis na maior parte das escolas
pode ser extremamente caro, posto que impressoras de jato-de-tinta precisam ter seus
cartuchos de tinta trocados freqüentemente. Mas professores relatam que o fato de que seus
trabalhos foram impressos, mesmo que eles não possam levar para casa, é importante para
os alunos. Eles me dizem que o custo era substantivo, e que era as vezes o maior gasto com
material para o ano inteiro, mas que era importante tanto para os alunos quanto para os
pais. Uma professora me disse que quando os pais visitam sua sala de aula, eles estava
muito interessados nos exemplos de trabalhos feitos no computador.
a. O Jeitinho
Em uma escola particular, os alunos usaram a linguagem de programação Logo e
elementos simples de robótica para produzirem uma pequena maquete do trânsito de uma
cidade feito com miniaturas motorizadas. Uma breve conversa com alguns dos alunos
participantes que foram selecionados para representar sua escola no evento de tecnologia
revelou que grande parte do tempo que os alunos usaram foi gasta com a atenção ao
produto final, ao passo que os tipos de oportunidade de aprendizado para os quais o Logo
foi desenvolvido foram freqüentemente ignorados. Estes alunos estavam no segundo ano do
ensino médio, com planos para fazer o vestibular para uma universidade federal no ano
seguinte. Os alunos com os quais conversei estavam interessados em estudar engenharia.
Eles me explicaram que desenvolveram a maquete da cidade como um exercício de
programação, para desenvolverem suas habilidades nesta área. Na maquete, sinais de
trânsito mudavam de cor (vermelho e verde) e os carros moviam-se em trilhos posicionados
sobre ruas com sinalização de trânsito e linhas de divisão. A maquete da cidade foi
montada com profunda atenção aos detalhes. Em uma das áreas mais detalhadas da cidade
um pequeno carro circulava sobre um trilho pintado como uma rua. Havia um sinal de
114
trânsito pendurado sobre uma faixa de pedestres e uma interseção, em um dos pontos do
trilho. Quando o sinal ficava vermelho o carro parava no sinal, e depois que o sinal ficava
verde de novo o carro começava a andar. O carro fazia três voltas completas ao longo do
circuito enquanto a luz ainda estava verde, até que a luz ficava vermelha e o carro parava
no sinal.
Eu perguntei a um dos alunos como o programa foi elaborado? O movimento do carro
dependia do sinal de trânsito? Ele me disse que o movimento não era interrompido quando
o sinal ficava vermelho; todo o movimento foi cronometrado de tal forma a que o
movimento do carro coincidisse com o sinal de trânsito. O carro era programado para andar
em volta do trilho três vezes sem parar e então parava no sinal por um determinado número
de segundos. Eles descobriram exatamente quanto tempo o carro demorava para completar
uma volta e cronometraram o tempo total de tal forma que o carro parasse sempre no
mesmo lugar. A luz é ajustada para o mesmo número de segundos, e fica vermelha durante
o intervalo de tempo em que o carro fica parado. Desta forma, o sinal de trânsito e o carro
funcionam de maneira praticamente independente, e a cada vez que os alunos ligam ou
desligam a maquete, eles precisam colocar o carro no ponto de partida e precisam
resincronizar os o sinal e o carro.
Apesar de a maneira apresentada acima ser certamente uma das inúmeras maneiras de se
criar uma maquete muito bem feita de uma cidade, ela não é de fato uma simulação do que
aparenta ser, e nem é uma maneira muito rica de se explorar os recursos do Logo. O
programa feito não é generalizável para outros casos similares, e mesmo que os alunos
sejam capazes de ajustar o equipamento de tal forma a que o programa funcionasse durante
o evento, qualquer variação na rapidez do carro, na inclinação da superfície ou no
comprimento do trilho exigiria que todo o programa fosse refeito. Este tipo de programação
é um exemplo de um jeitinho, uma maneira aceitável de se evitar um problema, mas no
caso de um trabalho escolar este jeitinho evita muitos dos tipos de oportunidade para o
aprendizado que o Logo foi projetado para trazer à tona.
Eu perguntei a um dos alunos se teria sido possível programar o carro para parar no sinal
sem ter que se utilizar do truque de cronometrar o tempo que o carro percorre o percurso,
ou seja, se seria possível programar de maneira que o programa funcione de maneira mais
similar ao que aparenta estar acontecendo. O aluno disse que sim, e explicou que o carro
115
poderia ser programado para parar quando a luz estivesse vermelha e para andar quando a
luz estivesse verde. Logo depois de ter dito isto, ele parou um pouco e pensou por um
momento, corrigindo o que havia dito. Sua estratégia inicial não funcionaria, pois o carro
pararia independente de onde estivesse, mesmo que não tivesse passando no momento pela
interseção. Depois de pensar por alguns instantes, o aluno começou a pensar em voz alta,
explicando as diferentes soluções para o problema e reconhecendo o porque de cada
solução ser inadequada. Ele concluiu que poderia ser feito, mas que seria bem mais
complicado.
O tipo de complicação observado pelo aluno envolvia a solução do problema de
programação do sinal de trânsito de uma maneira que seria generalizável, exatamente o tipo
de pensamento que o projeto da maquete da cidade e o Logo foram criados para encorajar.
Fico imaginando por que foi permitido que estes alunos criassem a aparência de uma
simulação com interações apesar do produto final se assemelhar mais a um filme. Parece
que se o ambiente de aprendizado enfocasse menos no produto e mais no processo os
alunos poderiam ter trabalhado mais alguns dos problemas complexos ao invés de terem
gasto seu tempo pintando as faixas de pedestres ou instalando árvores miniatura.
b. Produtos do Grupo
Um outro problema que pode ser resultado de muita ênfase no resultado final acontece
quando os alunos recebem atividades em grupo. Nas atividades em grupo, é mais difícil que
todos os alunos envolvidos no projeto participem de maneiras que desafiem suas fraquezas.
Por exemplo, quando um grupo de alunos recebe uma tarefa com atividades
compartilhadas, é importante que os professores fiquem atentos em processos na sala de
aula que certifiquem que os alunos estejam fazendo mais do que simplesmente se
aproveitando de seus pontos fortes. Por exemplo, o aluno tímido tem que ser encorajado a
tomar um papel de liderança, ao passo que alunos com dificuldade de escrever tem que
escrever, e alunos menos organizados ficam no papel de planejar o trabalho.
Sem a supervisão e a intervenção do professor, a maior parte dos alunos tenderá a trabalhar
na componente do projeto que eles se sentirem mais confortáveis, de tal forma que ao invés
de aprenderem uns com os outros, grupos de alunos acabam comprometendo o aprendizado
116
de seus membros. Com a atenção enfocada nos produtos finais do trabalho de sala de aula,
os professores têm uma falta de incentivo em levar adiante seu papel de criar um equilíbrio
entre as fraquezas e suas habilidades de seus alunos. Os interesses do professor em ter
trabalhos com boa qualidade final são melhor servidos se cada aluno trabalha em suas áreas
de maior habilidade: o melhor artista faz os desenhos e o melhor escritor escreve.
Por exemplo, em minhas observações vi uma turma que fez um jornal no qual dois garotos
se vestiram de terno e gravata e sentaram numa mesa no papel de âncoras, lendo
reportagens produzidas por outros membros da turma. Quaisquer que tenham sido as
oportunidades de aprendizado oriundas da experiência de criar tal jornal ou de editar o
vídeo resultante, estas oportunidades foram limitadas ao pequeno número de crianças que
tinha mais claramente habilidades de apresentação. O resto da turma ficou de lado, com
baixos níveis de participação. Abrindo a oportunidade e dando aos estudantes chances para
que se revezem em frente da câmara pode ter sido uma melhor escolha educacional, mas
teria resultado em uma produção de vídeo menos impressionante.
Trabalhos de Repetição e Prática e de Reforço
Dentre todos os usos educacionais de computadores, os chamados programas de
repetição e prática (drill and practice sofware), que são geralmente compostos de práticas
de habilidades básicas, têm registrado maior sucesso quando seu uso foi estudado em
condições controladas (Archer, 1998). Mas, na prática, seus usos são correlacionados a uma
queda geral nos indicadores de desempenho (Attewell, 2001; Archer, 1998). É possível usar
programas de repetição e prática e obter bons resultados, mas em vários casos estes
programas são utilizados incorretamente e são um desperdício de tempo e recursos
escolares.
Em um estudo, o uso de computadores para o aprendizado básico de matemática foi
demonstrado estar negativamente correlacionado com as conquistas dos estudantes em
matemática (Wenglinsky, 1998). Algumas explicações possíveis para isto são os níveis
reduzidos de participação dos professores e o fato de que estes programas são
freqüentemente usados para manter continuamente alguns estudantes em aulas de reforço.
117
Além disto, nem todos os programas de repetição e prática são similares. A qualidade e a
organização do conteúdo, assim como a capacidade de individualizar o nível do trabalho,
são críticos para seu sucesso. Programas de repetição e prática não podem ser usados como
uma ferramenta isolada de ensino, e não são necessariamente eficazes em todos os assuntos
do currículo . As condições segundo as quais estes programas são usados influenciam seu
sucesso tanto quando a escolha do próprio programa.
Os problemas com implementação de programas de repetição e prática nos Estados Unidos
começam com os motivos pelas quais estes programas são selecionados. Várias escolas em
regiões de baixo padrão socioeconômico reagem a grupos de alunos com baixo
desempenho enfocando em habilidades básicas, freqüentemente eliminando os tipos de
trabalho que engajam e desafiam as habilidades cognit ivas complexas. Nos Estados Unidos
o uso de programas de repetição e prática que enfocam na construção de habilidades
básicas e na memorização são muito mais comuns em áreas de baixo padrão
socioeconômico, ao passo que os distritos de alto padrão socioeconômico tendem a enfocar
em usos do computador que fomentem as habilidades cognitivas complexas (Attewell,
2001).
Archer (1998) acredita que as habilidades cognitivas complexas são desenvolvidas através
do trabalho envolvendo várias etapas mentais, tais como as simulações e os exercícios.
Sayers (1995) alega que, nos Estados Unidos, estas disparidades extrapolam o padrão
socioeconômico, e que as mulheres e os grupos étnicos minoritários têm maior
probabilidade de se deparar com trabalhos de repetição e prática na escola do que seus
colegas brancos do sexo masculino, que têm maior probabilidade de receberem como tarefa
a solução de problemas complexos.
O desenvolvimento de programas de repetição e prática são extremamente atraentes para a
indústria de programas educacionais. Geralmente estes produtos são desenvolvidos com
uma repetição e prática de conteúdos muito específicos, o que significa que quando os
alunos passam a estudar novos materiais terão a necessidade de adquirir novos programas.
Para a indústria de programas de computador isto significa que produtos diferentes, como
por exemplo um programa que pratique a soma de números ou outro programa que pratique
a multiplicação, podem ser facilmente desenvolvidos. Somente o conteúdo precisa ser
modificado; a programação da estrutura geral pode ser reutilizada. As companhias podem
118
vender pacotes de programas de repetição e prática sobre assuntos diferentes como
produtos completamente diferentes. No Brasil, o perigo de que uma parcela significativa
de dinheiro público pudesse ser gasta com pacotes de programas como estes, que teriam um
tempo de uso muito curto, contribuíram para a decisão do MEC de não financiar programas
de computador através de seu programa ProInfo.
Desde 1960, duas características dos programas de computador de repetição e prática foram
considerados como representando vantagens educacionais significativas: o potencial de
fornecer avaliação imediata (feedback) ao alunos sobre seu desempenho acadêmico e a
possibilidade de instrução individualizada. Contudo, mesmo hoje em dia, poucos produtos
incluem mecanismos sofisticados para a movimentação dos alunos ao longo do material
que reflitam um ritmo individualizado ou que permitam uma avaliação significativa
imediata. A programação de programas de repetição e prática que preveja os possíveis erros
de um aluno, que antecipe possíveis conceitos espontâneos e que forneça explicações
suplementares é extremamente laboriosa. Além disto, os componentes ocultos, como
mensagens sobre a avaliação e ritmos individualizados, são de difícil avaliação por
potenciais compradores (Remold, 1999) e não são características de alta demanda no
mercado. Apesar de alguns programas com as características desejáveis descritas acima
terem sido desenvolvidos em ambientes de pesquisa, estes programas não foram abraçados
pela indústria de programas de computador educacionais com fins lucrativos.
Um dos problemas comuns com a implantação de programas de repetição e prática está
relacionado com seu uso para trabalhos de revisão, ao invés de seu uso planejado para
tarefas de prática. Não é incomum que as administrações das escolas reajam a notas baixas
com o uso amplo de trabalhos de revisão. O decréscimo das expectativas em relação aos
estudantes pode ter o efeito de piorar os problemas de desempenho escolar, e com isto
trabalhos de revisão envolvendo programas de repetição e prática continuam sendo a
norma.
Apesar da maior parte dos programas de repetição e prática não terem sido projetados para
o trabalho de revisão, eles podem ser facilmente adaptados a este tipo de trabalho. Como os
programas de repetição e prática não têm como objetivo ensinar nada novo, mas somente
aumentar a fluência de determinadas habilidades, Archer (1998) argumenta que o uso
excessivo destes programas pode ser uma perda do valioso tempo escolar. Portanto, apesar
119
da evidência favorável ao uso eficaz de programas de repetição e prática nas escolas, estes
programas são geralmente usados para ampliar ações oriundas de uma política escolar
ineficaz conectada à baixa expectativa de desempenho estudantil, e portanto estão
correlacionados, na prática, a uma pior atuação em termos de notas.
Na situação brasileira, os alunos não correm o risco de perderem muito tempo em frente do
computador usando de maneira excessiva materiais de revisão, pois é muito raro que os
alunos usem mais do que algumas horas por mês trabalhando em computadores. Estes risco
é ainda mais reduzido se levarmos em conta a falta completa de investimentos em
programas de computador educacionais. Contudo, conforme o governo começa a planejar
maior apoio a tecnologias educacionais, poderia surgir no Brasil um problema similar ao
identificado nos Estados Unidos.
Uma das razões pelas quais o Brasil estaria particularmente em risco para cair na armadilha
do uso ineficaz de programas de repetição e prática seria a de que vários alunos brasileiros
já estão fazendo atividades de revisão nas escolas. A prática amplamente difundida de
reprovar alunos, fazendo-os repetir o ano, revela uma lógica subjacente na qual se um aluno
não consegue aprender da primeira vez a melhor maneira de resolver este problema é
ensiná- lo novamente exatamente da mesma forma. Um abuso no uso de programas de
repetição e prática poderiam ser vistos como uma versão computadorizada da prática
difundida de repetição de ano e poderia facilmente se integrar com a visão corrente
predominante de lidar com o insucesso. Todavia, durante minhas observações, os trabalhos
de repetição e prática com computador se mostraram raros.
Os tipos de programas de repetição e prática que encontrei sendo usados em salas de aulas e
descritos em apresentações refletiam uma parcela muito pequena do uso total de
computadores em sala de aula. Aproximadamente a metade das atividades de repetição e
prática envolviam programas que praticavam habilidades básicas em português, matemática
ou digitalização, e freqüentemente estas atividades tomavam uma forma similar a jogos de
computador. O restante das atividades de repetição e prática eram tarefas simplificadas ou
testes no computador, produzidos pelos próprios professores com o objetivo de aumentar o
entusiasmo dos alunos com o trabalho de prática. Estes casos eram geralmente versões
simples de planilhas apresentadas na tela do computador, nas quais os alunos preenchiam
as lacunas ou selecionavam uma dentre as múltiplas possibilidades apresentadas na tela.
120
Professores que usaram práticas de habilidades simples se mostraram freqüentemente
pouco satisfeitos com seu uso de computadores em sala de aula e estavam buscando
alternativas para este uso. Suas discussões sobre a validade do uso de computadores como
ferramentas indicam que eles gostariam de usar os computadores de maneiras diferentes
mas que estavam limitados pelo tempo disponível para a preparação, pela falta de conexão
à Internet e por suas próprias curvas de aprendizado.
Uma professora me explicou que, apesar de ter usado um jogo de computador para os
alunos praticarem digitalização, planejava fazer algo a mais no ano seguinte. Ela alegou
que seus planos para usar ainda este ano a tecnologia de computadores de maneira mais
robusta foram prejudicados pela dificuldade de usar computadores de maneira diferente,
devido à heterogeneidade de sua turma.
As práticas de digitalização e do uso do mouse são formas particularmente tentadoras como
atividades em regiões de baixo padrão socioeconômico, uma vez que os programas de
computador estão amplamente disponíveis e vários professores acreditam que seja
importante que os alunos tenham um certo nível de familiaridade com o uso de
computadores e com a digitalização para que tenha sucesso no futuro com o uso de
computadores. Como os alunos de baixo padrão socioeconômico não têm computadores em
casa, acredita-se que os programas de digitalização nivelem os alunos de baixo padrão
socioeconômico com seus colegas de alto padrão. Assim como vários outros usos de
tecnologia, os professores que usam práticas de mouse e de digitalização percebem que as
habilidades como mouse ou com o teclado aumentam fantasticamente a confiança dos
alunos que buscam sucesso com o uso de computadores.
Desafios e Perspectivas Positivas
Vários dos professores com quem conversei se preocupavam com problemas de auto-
estima por parte de seus alunos oriundos de comunidades de baixo padrão socioeconômico.
Os professores tinham a preocupação de que um senso próprio e comunitário negativos
aumentavam o risco de que estes alunos tivessem expectativas reduzidas sobre si mesmos.
Vários professores alegaram acreditar que seus alunos precisavam de experiências escolares
positivas para que suas dificuldades fora de sala de aula fosse amenizadas.
121
A motivação e a satisfação com a escola por parte dos alunos é uma preocupação constante
entre os professores, pois sabem que alguns de seus alunos fazem parte da primeira geração
em suas famílias a freqüentarem a escola e reconhecem a importância do engajamento da
família no processo escolar. Para os professores, o uso de computadores pode contribuir
para assegurar o apoio das famílias à escola e boas relações com os professores. Os alunos
sentem prazer e orgulho quando usam computadores, e suas famílias freqüentemente vêm o
estudo com computadores como uma etapa importante para a obtenção de um bom
emprego. Infelizmente, estes esforços que objetivam ajudar os alunos a construírem uma
auto-estima e um interesse e dedicação à escola implicam freqüentemente em prover aos
alunos atividades nas quais o sucesso é garantido mas nas quais desafios são raros ou
inexistentes.
Professores que usa o computador com suas turmas em geral estão satisfeitos com o efeito
que a tecnologia tem em aumentar a auto-estima, o interesse pela escola e a motivação.
Alguns professores alegam que os pais mostram-se orgulhosos quando vêem evidências de
que seus filhos trabalharam com computadores e vários professores me disseram que os
próprios alunos demonstram orgulho no fato de saberem usar computadores. Outros
professores alegam que o número de faltas às aulas diminui nos dias em que são
programadas aulas no laboratório de informática. Alguns destes professores acreditam que
só o benefício da melhora na auto-estima justifica suas atividades com computadores, e
quase todos os professores eram capazes de usar projetos com o uso de computadores para
premiar o trabalho duro feito em outras áreas.
Durante uma apresentação, um professor de uma escola fundamental do município abordou
estes temas diretamente. Seu objetivo ao escolher trabalhar com computadores era
aumentar a auto-estima de seus alunos. Ela disse que seus alunos sentiam-se orgulhosos
simplesmente por saber como segurar de maneira apropriada um mouse. Outro professor de
uma escola estadual relatou que seus alunos tiveram reações similares. Ela disse ser difícil
para ela descrever a felicidade destes alunos simplesmente por serem capazes de escrever
seu nome na tela do computador ou por terem a chance de trabalhar com o programa
Microsoft Paint.
Claramente, existiram oportunidades para estes professores se aproveitarem da situação de
maneira a desafiarem seus alunos e a darem oportunidades para que sucedam, mas vários
122
professores estavam tão concentrados nas metas de auto-estima que ficaram satisfeitos com
o patamar em que já se encontravam. Como conseqüência os alunos tinham seu tempo para
o trabalho com o computador sem objetivos ou desafios acadêmicos.
Uma conversa que observei entre duas alunas que estavam escrevendo seus nomes em um
documento em formato Microsoft Word demonstra como pequenas realizações no
computador trazem grande orgulho. Esta conversa aconteceu enquanto uma das alunos
explicava à outra que que significava a palavra estar sublinhada em vermelho no Microsoft
Word:
Aluna 1: Por exemplo, o meu nome, o computador não conhece
Aluna 2: Não? Seu nome?
Garota 1: Não conhece. (coloca sua mão sobre o coração e sorri.) Agora vai
conhecer.
Durante uma visita a uma sala de aula, uma professora me explicou seu ponto de vista
enquanto seus alunos executavam uma tarefa escrita. Seus alunos tinha um texto que
poderia usar como fonte para seu trabalho, mas quase todos os alunos estava copiando o
texto escrito no papel para um novo documento do Microsoft Word. Ao invés de explicar
para seus alunos a diferença entre usar uma fonte para extrair idéias e copiar diretamente
um texto, a professora aceitava seus trabalhos, como se mudar o tamanho da fonte e sua cor
ou centralizar o texto fosse o suficiente para que os alunos tornassem-se autores do texto.
Ele me falou sobre alguns de seus alunos. Ela me mostrou uma garota que ficava dias sem
ver seus pais por que eles trabalhavam em vários empregos. Ela falou sobre outra criança
que era responsável por irmãos ainda mais novos, e sobre outra aluna que tinha que
regularmente visitar tios e tias pedindo comida.
Infelizmente um grande número de alunos na sala desta professora, especialmente aqueles
apontados como tendo uma vida difícil em casa, estavam sendo reprovados e
provavelmente teriam que repetir o ano. Vários alunos estariam até mesmo repetindo o ano
pela segunda vez. Nesta turma, a expectativa era de que aproximadamente um a cada três
estudantes ser iam reprovados e teria que repetir a primeira série. Quase todas as
reprovações eram oriundas de problemas com habilidades básicas de alfabetização.
A professora me explicou que as escolas não poderiam simplesmente aprovar alunos que
123
não estavam preparados para o próximo nível. Não fazia nenhum sentido reduzir as
exigências neste nível porque eventualmente a falta de preparação iria se manifestar mais
adiante. Mas esta política de manutenção das exigências mínimas para o sucesso formam
um forte contraponto em relação aos padrões considerados satisfatórios na sala de
informática, onde os alunos são ovacionado até mesmo pelas conquistas mais simples,
como saber usar um mouse de maneira adequada. Sua aula era uma oportunidade para
trabalharem habilidades de alfabetização, mas ao invés disto a professora permitiu que
usassem seu tempo aprendendo a formatar texto e a fazer diagramações gráficas.
Se a alfabetização básica é tão importante para o aluno passar de ano, por quê não é
importante em um laboratório de informática? Esta contradição, entre um baixo padrão para
o trabalho do dia a dia e um alto padrão para passar de ano, se refletia tanto em minhas
observações das salas de aula quanto nos comentários dos professores que visitei,
especialmente daqueles profe ssores que trabalhavam em escolas de baixo padrão
socioeconômico. Os professores demonstraram grande satisfação com os resultados mais
básicos, como por exemplo alunos adolescentes escrevendo seus próprios nomes, mas no
final do ano seus critérios de aprovação eram muito mais rígidos, sendo que, segundo os
professores, mesmo os alunos mais obedientes que faziam todos os deveres eram
freqüentemente reprovados.
Os professores ficam com uma escolha difícil entre serem exigentes com os alunos que,
segundo os próprios professores, já têm uma vida dura ou tornarem a instrução mais fácil
mas com conteúdo reduzido. Na ausência de uma rede de serviços sociais eficaz, os
professores não têm a opção de continuarem seus trabalhos sem considerarem as
necessidades emocionais de seus alunos. Sem a diminuição dos desafios acadêmicos os
alunos teriam ao longo de seus estudos sentimentos de dúvida sobre si mesmos e de
fracasso, sem o apoio necessário para que consigam lidar com estes sentimentos. A única
alternativa dos professores é fornecerem aos alunos uma fuga fácil, facilitando os desafios
diários, apesar da grande probabilidade de que esta falta de desafios acadêmicos tornem a
escola ineficaz em termos de seus objetivos principais.
Os laboratórios de informática têm um papel fundamental nesta escolha. Os professores
descobriram que os alunos se sentem bem em relação a suas habilidades e realizações
computacionais. Apesar das alegações de que computadores seriam uma ferramenta
124
maravilhosa para apoiar os objetivos e metas educacionais já existentes, os objetivos do dia
a dia nas atividades dos laboratórios de informática que observei eram freqüentemente
desenvolvidas pelos próprios professores e se relacionavam mais à melhora da auto estima
e do senso de identidade do que aos objetivos curriculares usuais.
Algumas vezes os professores foram capazes de associar os benefícios de auto-estima
devido ao uso do computador com algum conteúdo, permitindo-os o aproveitamento da
satisfação que os estudantes sentem com o uso do computador de maneira a apoiar
objetivos curriculares. Uma professora relatou que seus estudantes se sentiam inibidos para
escrever e freqüentemente se envergonhavam de seus trabalhos escritos. Usando
processadores de texto, seus alunos tornaram-se menos inibidos e se sentiam mais a
vontade para escreverem e mostrarem seus trabalhos escritos. Neste caso, o uso de
computadores era voltado não somente para os objetivos de conteúdo mas especificamente
para habilidades de alfabetização, o tipo de habilidades que os professores relatam como
sendo a maior causa de reprovação.
Computadores para Motivação
Os educadores brasileiros são influenciados fortemente pelas teorias construtivistas do
aprendizado. Apesar destas teorias não terem necessariamente influenciado a prática
escolar do dia a dia ou a maneira como os professores pensam sobre o processo do
aprendizado, algumas noções específicas do construtivismo permeiam as discussões de
educadores sobre o ensino e o aprendizado. Uma destas noções, oriundas do papel ativo que
os alunos devem ter no aprendizado construtivista, é a a idéia de que a motivação e o
interesse do aluno são fatores determinantes de seu sucesso acadêmico. Muitos professores
têm uma forte orientação em seu trabalho para tornar a motivação um objetivo das
atividades escolares. Mas freqüentemente, assim como a auto-estima, a motivação
obscurece outros objetivos educacionais, ao invés de suplementá- los ou apoiá- los.
Quando os professores avaliam se suas abordagens foram satisfatórias ou não, eles
freqüentemente avaliam cada atividade de acordo com a motivação de seus alunos. Quando
esta avaliação é feita em relação a atividades com computadores, estas atividades têm mais
probabilidade de ser avaliadas como estando de acordo com os objetivos educacionais, uma
125
vez que os alunos mostram um amplo entusiasmo quando trabalham com computadores.
Professores relataram que quase todos os alunos se interessavam por trabalhar com
computadores e que alguns alunos que tinham menos motivação em outras aulas eram
justamente os mais ansiosos em usar computadores. Suas alegações eram substanciadas
pelos níveis de energia entre os alunos enquanto eles esperavam em fila para entrar no
laboratório de informática. Vários professores relataram que os alunos tendiam a
comportar-se melhor durante as visitas ao laboratório de informática ou que a simples
promessa de que o laboratório poderia ser usado consistia em um incentivo para um bom
comportamento durante as aulas regulares. Uma professora que usava o laboratório de
informática me explicou que na época em que os professores deveriam fazer seus relatórios
individualizados sobre seus alunos com problemas disciplinares, suas observações eram
geralmente inconsistentes com aquelas de outros professores. Os alunos que causavam
problemas durante o resto do tempo se comportavam bem quando trabalhavam com
computadores.
Os benefícios motivacionais da computação educacional já foram amplamente pesquisados.
Existem evidências que indicam o surgimento de benefícios duradouros quando a
motivação estudantil melhora devido ao uso de ferramentas intrínsecas ao assunto
estudado. Por outro lado, existem poucos benefícios de longo termo quando os elementos
motivadores são extrínsecos ao assunto, como por exemplo desenhos animados, música ou
outros meios de chamar a atenção dos alunos que não são conectados ao conteúdo
curricular. Malone e Lepper (1987) mostraram que as ferramentas motivacionais aplicadas
em ambientes educacionais são mais eficazes quando intrinsecamente relacionadas aos
objetivos educacionais. O desafio de fornecer motivação sem desviar a atenção dos alunos
do conteúdo didático não é novo, mas com a criação dos documentos multimídia tomou
novas proporções. Criadores de programas educacionais estão continuamente inventando
maneiras diferentes de prenderem a atenção de sua audiência, mas nem toda a atração
multimídia está associada a um conteúdo educacional.
A limitação mais básica das ferramentas motivacionais que não são diretamente associadas
ao conteúdo é sua eficácia somente do curto prazo em ajudar com os objetivos
motivacionais. Um professor pode ter mais facilidade em convencer seus alunos a
trabalharem se ele conta com a ajuda de personagens em quadrinho, música e imagens de
126
vídeo, mas a menos que o material de multimídia seja de fato relevante para o conteúdo
curricular, o software tem pouco efeito em aumentar o interesse do aluno no assunto que
está aprendendo. Como conseqüência, os benefícios oriundos do uso de ferramentas
motivacionais podem ser suficientes para que os alunos terminem por si sós uma tarefa
específica, mas pouco ajudo no desenvolvimento de verdadeiras motivações para o
aprendizado.
Quando alunos de geografia usam a Internet para comparar informações locais com
estudantes de outra região, eles podem desenvolver um interessa na região que estudam ou
em diferenças regionais em geral. As vantagens motivacionais de seu trabalho no
computador podem ser transferidas para uma motivação e interesse gerais sobre geografia.
Mas quando os alunos trabalham com programas de computador que usam personagens
animados que têm como objetivo atrair a atenção para um trabalho sem correlação com este
personagem, eles podem desenvolver um interesse no personagem em si, mas muito
provavelmente não aumentaram sua motivação para estudar o assunto da aula. Ao longo de
minhas observações, quando os computadores eram usados para melhorar a motivação dos
estudantes, fiquei atenta à sinais de que as ferramentas motivacionais fossem intrínsecas ao
conteúdo e à evidência de que professores estivessem interessados em fomentar motivações
de maneira a trazerem benefícios duradouros, usando motivadores que estivesse
relacionados aos objetivos educacionais do conteúdo acadêmico.
Vários professores preferem trabalhar com computadores executando atividades que eram
idênticas em conteúdo a atividades convencionais similares. Nestes casos, os professores
usualmente alegaram que a motivação dos estudantes tornava vantajoso o trabalho no
computador. Vários professores usaram programas de autoria de documentos multimídia
para criarem questionários na forma de planilhas, onde os estudantes completavam lacunas
na tela do computador. Na maioria dos casos, os professores admitiram que o mesmo
questionário poderia ser feito no papel, mas que eles preferiam colocar os alunos
trabalhando em frente ao computador sempre que possível porque isto motivava mais os
alunos.
Vários professores relataram um aumento da taxa de presença nos dias em que o laboratório
de informática estava programado para ser usado. Uma professora alegou que seria possível
dizer, observando-se o número de alunos em sala de aula, se o laboratório de informática
127
fora reservado para o dia. Durante uma de minhas visitas a uma escola pública, as crianças
abordaram a professora do laboratório de informática durante a merenda, pedindo que ela
programasse algum tempo para o uso de computadores neste dia. Mais tarde neste mesmo
dia, a caminho para o laboratório de informática, um aluno da primeira série comento de
maneira feliz que "estamos indo brincar".
É mais fácil para os professores que seus alunos façam atividades escolares básicas, tais
como ler ou escrever, usando computadores, mesmo que computadores não sejam
necessários para a compleção de uma atividade. Numa escola que observei, a professora
atribuiu como tarefa a leitura de um livro, mas ao invés dos alunos lerem o livro impresso,
funcionários da escola digitalizaram cada página do livro no formato Microsoft PowerPoint
e os alunos leram o livro na tela de um computador. A professora alegou ser difícil
conseguir que seus alunos lessem o livro em sua forma impressa, e acreditava que seus
estudantes estavam mais motivados para ler o livro na tela. “Foi uma motivação junto com
a realidade deles, uma novidade”, ela disse.
Existem provavelmente inúmeras razões pelas quais alunos podem estar tão interessados no
uso de computadores. Uma enquete administrada por um professor com alunos se
inscrevendo para um programa gratuito de treinamento de computadores após as aulas
revelou que vários alunos tinha uma clara idéia sobre seu interesse em aprender a usar
computadores: eles estavam motivados pela promessa de emprego no futuro. Quando
perguntado sobre as razões pelas quais queria participar no programa, vários alunos
responderam em termos do mercado de trabalho: “hoje em dia é difícil arrumar emprego”.
Outros alunos simplesmente disseram que achavam computadores interessantes ou
estimulantes, ou tinha curiosidades sobre como os computadores funcionavam. Vários
alunos responderam a enquete com uma mistura dos dois motivos acima, dizendo que
gostavam de trabalhar com computadores e que, além disto, achavam importante para que
futuramente conseguissem empregos. Vários estudantes disseram que gostariam de
participar no programa gratuito porquê suas famílias não tinham como pagar aulas de
informática, como se a questão do por quê aprender usar computadores fosse tão evidente
que eles nem precisavam se preocupar em respondê- la.
Vários professores acreditam que os documentos multimídia têm um efeito sobre os alunos,
conseguindo atrair suas atenções. Eles também acreditam que os computadores mudaram a
128
atitude dos alunos em relação às escolas e seus níveis de interesse. Uma professora, que usa
aulas em estilo expositivo com material multimídia ao invés de falar para seus alunos na
frente da sala de aula, explicou que “várias mídias podem despertar a atenção do aluno”.
Para ela, a própria mídia digital atraia a atenção das crianças. Ela acreditava que ao usar
ferramentas multimídia, ela conseguia atrair a atenção de seus alunos para o conteúdo que
ela desenvolveu.
Um outro professor que transferir suas planilhas para o computador, acreditava que com a
multimídia os alunos achavam que o trabalho era mais fácil e que não precisavam ser
forçados a fazê- lo: “eles não percebem que eles estão trabalhando”. Um terceiro professor
descobriu que seus alunos não consideravam o trabalho que faziam no computador como
sendo trabalho de fato. Ele disse se lembrar que quando seus alunos usaram o laboratório
de informática, um dia ele ouviu um aluno falando "que bom, hoje não teve aula".
Vários professores disseram que os alunos eram atraídos pela multimídia como
conseqüência de seu acesso em casa à televisão e ao video game, como se este tipo de
exposição tivesse tornado os alunos insensíveis à interação direta (seja com seus pares ou
com o professor) na sala de aula ou a materiais impressos. Eles argumentaram que com o
acesso cada vez maior à multimídia fora das escolas, as escolas precisam usar multimídia
para motivar seus alunos. Estes professores referem-se freqüentemente aos computadores
como ferramentas motivacionais que ajudam as escolas a competir pela atenção dos
estudantes. Conforme as palavras de um professor: “É muito difícil motivar uma criança
somente com aula tradicional... Nosso Brasil tem que dinamizar e expandir. O que é que
nos precisamos? …informática.” Estes professores vêm o problema da atenção e da
motivação como um subproduto do fato de que seus alunos estão expostos fora da escola à
meios de comunicação de alta tecnologia e a ferramentas de apresentação. Sem os
computadores, as escolas aparentam como instituições antiquadas para os alunos. Para estes
professores, seu trabalho estava competindo com a indústria do entretenimento e o uso de
computadores ajudava a tornar esta competição mais justa, diminuindo suas desvantagens.
Alguns professores entendiam a motivação de seus alunos como resultante de fatores
sociais. Eles acreditavam que o computador tinha algum valor social e que os alunos
gostavam de trabalha r com computadores porque para eles os computadores são
representações modernas do progresso e até mesmo da mobilidade social. Os professores
129
me disseram que seus alunos tinham orgulho de ir a uma escola com laboratório de
informática, que os alunos reconheciam as habilidades com o computador com algo
valorado pela sociedade e que seus acesso a computadores eram um investimento em seus
futuros. Os alunos confirmaram que eles viam os computadores e as habilidades com
computadores como tendo valor social e poderiam aumentar suas chances de conseguirem
empregos.
Os professores se mostraram usualmente satisfeitos com um uso de tecnologia em que os
alunos mostrem altos níveis de motivação. Adicionalmente, eles acham valioso o poder de
barganha adicional que eles ganham em relação a seus alunos, pois podem oferecer tempo
na sala de informática em troca por bom comportamento. Somente com uma compreensão
superficial sobre a importância da motivação de seus alunos, os professores tendem a
avaliar positivamente qualquer trabalho que prenda a atenção de seus alunos. Como
evidenciado pela uso abundante de computadores substituindo planilhas e livros, os
professores as vezes se contentam com melhoras em seus objetivos de curto prazo, como
usar mais tempo numa tarefa, sem que um interesse genuíno sobre o assunto seja
desenvolvido pelo aluno.
130
Capítulo VI. Objetivos Desiguais: Integração Curricular versus Aulas de Informática
O uso de tecnologias educacionais para realizar os objetivos educacionais existentes
freqüentemente ajuda os alunos a desenvolverem proficiência com o uso da tecnologia. A
recíproca não é necessariamente verdadeira: a ensino de tecnologia, como a instrução
voltada explicitamente para ensinar proficiências no uso do computador, raramente ajuda os
alunos em outras áreas do currículo. Por causa da ênfase entre educadores na preparação
para o mercado de trabalho, especialmente aqueles educadores trabalhando com alunos de
comunidades de padrão de rendimentos baixo, as crianças usam grande quantidade de
tempo no computador aprendendo a usa- lo ao invés de usar o computador para aprender os
assuntos tradicionais da escola. O uso da tecnologia para ensinar habilidades no
computador é reforçada ainda mais pela separação física entre os computadores localizados
no laboratório de informática e a sala de aula (Lonergan, 2000), especialmente se os
professores de informática trabalham de maneira independente dos professores das salas de
aula. Nestes casos, as aulas de informática são separadas do resto do currículo e os
computadores podem mudar espontaneamente de ferramenta de apoio curricular a novo
assunto a ser estudado. Isto leva a níveis mais baixos de integração curricular e torna difícil
o uso de computadores como ferramenta de apoio para os objetivos curriculares já
existentes.
As escolas podem facilmente acabar tornando as aulas em seus laboratórios de informática
em aulas de informática quase que por acidente, mesmo se os computadores foram
instalados tendo-se em mente seu uso como ferramenta de apoio curricular. Postman
(1992) alega que este tipo de uso é um desperdício de tempo na escola. Ele alega que 35
milhões de pessoas aprenderam a usar os computadores sem uma escola e argumenta que os
alunos também podem aprender a usar computadores através do uso normal e com um
mínimo de instrução formal sobre como usar. Este argumento parece ser consistente com a
noção de Strauss sobre as vantagens tanto do aprendizado acidental quando do aprendizado
através de tarefas mal definidas discutidos no Capítulo V (Strauss, 1984).
A instrução diretamente voltada a ensinar às crianças o uso da tecnologia é freqüentemente
baseada em argumentos de que os alunos precisarão de habilidades com a tecnologia
quando entrarem na força de trabalho e de que as habilidades tecnológicas são uma passo
131
importantes em direção à alfabetização tecnológica. Mas, quando o tempo no computador é
usado para aprender a usar um programa de computador específico, os alunos deixam de
aprender várias das lições mais importantes sobre a alfabetização tecnológica que resultam
da experiência em usar a tecnologia para facilitar a solução de problemas. Os alunos cuja
experiência com tecnologia consiste principalmente de aulas sobre o uso de um programa e
computador não aprenderão a como escolher a tecnologia apropriada para resolver um
problema ou a como aplicar tecnologia a novas situações.
Vários alunos aprendem na escola a produzir planilhas no Microsoft Excel mas, em minhas
observações, raras são as escolas que ajudam os alunos a entenderem porquê uma planilha
de cálculos facilita a execução de certas tarefas, ou seja, porquê seria desejável usar estas
planilhas. Como conseqüência, os alunos tornam-se técnicos habilidosos, mas não possuem
o tipo de proficiência em tecnologia necessária para aplicar suas habilidades em tecnologia
a problemas futuros. Estes alunos não estão preparados para desenvolver novos usos para a
tecnologia e para participar em inovações tecnológicas. Ao invés de aprender a como
manipular e usar os computadores para satisfazer suas necessidades, estes alunos
memorizam comandos, muitos dos quais estarão obsoletos quando os alunos entrarem o
mercado de trabalho.
Em um laboratório de informática que visitei, um professor dava uma aula expositiva
enquanto seus alunos sentavam na frente de um computador olhando para seus nomes
escritos na tela. Ele forneceu a seus alunos uma longa lista de palavras-chave relacionadas a
computadores, como unidade central de processamento ou código binário, mas não deu
nenhuma explicação sobre o significado destas palavras. Ele instruiu seus alunos passa a
passo sobre cada movimento que deveriam fazer para criar e editar novos documentos sem
que em momento algum ele tenha explicado o básico sobre a gerência de arquivos. Os
alunos sabiam como clicar nos menus e sub-menus, mas nunca discutiram o significado dos
menus "Arquivo" ou "Documento". Alunos submetidos a teste tipo de instrução sobre
computadores pode até ser capaz de identificar um leitor óptico num computador ou de
seguir instruções detalhas, mas eles não necessariamente ganhariam independência como
usuários de computadores, nem seus estudos de informática ajudariam a reforçar seus
estudos em outras áreas do currículo.
Na minha pesquisa de campo as escolas particulares tinham mais êxito em relacionar o
132
trabalho no laboratório de informática com o currículo. Os alunos destas escolas
empregavam computadores como ferramentas para atividades de solução de problemas e
aprendiam como os computadores poderiam ser usados para satisfazer suas necessidades.
Em quase todos os casos, os alunos das escolas particulares visitavam os laboratórios de
informática acompanhados de seus professores de sala de aula ou do assunto, ao passo que
nas escolas públicas os alunos eram retirados da sala de aula usual por um professor de
informática. As escolas particulares geralmente contratavam técnicos para dar apoio aos
professores que desejassem usar os computadores ao invés de alocar um professor para os
computadores. Este procedimento parece ser mais eficaz em termos de integração
curricular. Os funcionários de tecnologia nas escolas particulares auxiliam garantindo que
as aulas se desenvolvam sem problemas. Eles instalam programas antes do começo das
aulas, certificam-se de que as impressoras têm tinta e pesquisam para os professores
material na Internet que seja adequado em termos de conteúdo e da idade dos alunos.
Davis e Moore alegam em "Some Principles of Stratification" (1945), que as habilidades
técnicas satisfazem uma função na sociedade, ajudando a sociedade a alcançar seus
objetivos. Mas, segundo Davis e Moore, existem limites ao estatus social dos técnicos.
Como os técnicos nunca fazem parte do processo de planejamento ou de escolha de
objetivos, eles nunca desfrutarão de um estatus elevado. Considerando esta teoria, a
política não oficial de oferecer educação tecnológica para alunos de padrão de rendimentos
baixo, ao passo que alunos de escolas particulares usam a tecnologia educacional para
apoiar o aprendizado ao longo do currículo, é problemática, pois reproduz as desigualdades.
Ela prepara o primeiro grupo como técnicos, com os limites conseguintes em seu estatus
social. Ao preparar alunos de padrão de rendimento baixo para carreiras com baixo estatus,
esta abordagem falha, não oferecendo a alguns indivíduos talentosos a oportunidade para
que sobressaiam-se.
Quando os alunos aprendem a usar ferramentas tecnológicas específicas, eles estão
geralmente aprendendo a usar produtos de uma determinada companhia. Existem
problemas com a instrução em escola pública e o uso de produtos proprietários. Seria
inaceitável se as escolas começassem a oferecer instrução em como usar os aparelhos da
Brastemp, por exemplo, mas poucas pessoas reclamam quando alunos aprendem a usar o
Microsoft Office ou o Netscape Navigator, ambos programas proprietários cujo valor de
133
revenda aumenta a cada novo usuário que saiba usá-los. As empresas que manobram para
conseguir novos usuários treinados como parte do tempo na escola têm uma vantagem
sobre seus competidores e várias companhias reconhecem esta vantagem e respondem a ela
providenciando material para treinamento a custo zero ou muito baixo para os centros de
computação e para as escolas. O Networking Institutes da empresa Cisco Systems é talvez
o maior exemplo disto. A instrução é geralmente fornecida em instituições públicas já
existentes. O sistema educacional público paga pelo material da Cisco e por todos os outros
custos operacionais das escolas e a Cisco conta com uma geração jovem de técnicos
entrando no mercado de trabalho que é proficiente e tem preferência pelos produtos da
Cisco. Em setembro de 2005 existiam 114 Cisco Networking Academies no Brasil.
Existe um debate corrente sobre se as habilidades em tecnologia devem ser ensinadas
explicitamente ou se estas habilidades podem ser desenvolvidas ao longo de atividades no
computador que sejam voltadas para outros conteúdos. Nos Estados Unidos, o treinamento
tecnológico é freqüentemente apoiado por argumentos de que os alunos precisarão de
habilidades tecnológicas para entrarem no mercado de trabalho. Parte significativa da
literatura sobre a exclusão digital tem se concentrado no uso de computadores na educação
como ferramentas para desenvolver as habilidades para o mercado de trabalho. Em 2006,
prevê-se que 50% de todos os empregos nos Estados Unidos sejam no setor de tecnologia
da informação e hoje em dia os empregados do setor de alta tecnologia têm salários 78%
maiores do que a população trabalhadora geral. Carvin (2000) acha isto suficiente para
defender a conexão de todas as salas de aula americanas, alegando que "já reconhecemos a
necessidade de um acesso melhor à Internet". Este pensamento é ecoado por várias
alegações de que os trabalhos no setor de tecnologia irão para os países que tenham os
trabalhadores mais habilitados (Selwyn e Williams, 2001). Este ponto não foi ignorado pelo
governo americano durante a administração do presidente Bill Clinton (de 1993 a 2001),
que relacionou a solução do problema de exclusão digital à ansiedade das corporações em
relação à falta de trabalhadores habilidades no uso de tecnologias da informação (Tetreault,
2000). O prospecto de uma geração futura de empregos em alta tecnologia também não é
ignorado pelos funcionários do governo brasileiro, vários dos quais reconhecem o potencial
para o crescimento econômico se o Brasil conseguisse aumentar sua participação neste
mercado crescente.
134
O fato de que as habilidades com computadores possam ser exigidas pelo mercado de
trabalho do futuro não é necessariamente uma justificativa suficiente para que o
treina mento em tecnologia da informação seja oferecido na sala de aula, principalmente
para alunos que não têm a expectativa de entrar no mercado de trabalho nos próximos dez
anos ou mais. Aprender a usar programas específicos não prepara os alunos com as
habilidades em tecnologia que sejam mais facilmente transferíveis para novos ambientes e
situações, como, por exemplo, a habilidade de escolher que tecnologias possam ser mais
úteis ao abordar um problema particular ou a habilidade geral em computação que permita
a um usuário se adaptar mais facilmente a um tipo de programa que outros usuários. Alunos
com treinamento em tecnologia da informação que seja altamente específico não terá
experiência em decidir sobre quando usar a tecnologia ou em aprender a como sele cionar
entre as tecnologias disponíveis e não estarão preparados para aplicar suas habilidades
quando novos padrões surgirem. Conforme as tecnologias mudam, os alunos cujas
habilidades em tecnologia foram desenvolvidas de maneira incidental, através do uso
normal de computadores, estarão mais bem preparados para atualizarem suas habilidades de
tal forma a se conformarem com estas novas demandas.
De acordo com minhas observações, alunos em áreas de padrão de rendimentos mais altos
parecem ter mais chances de aprender as habilidades com computadores através de seu uso,
seguindo técnicas menos estruturadas de tentativa e erro que podem ser posteriormente
aplicadas a outras ferramentas. Eles empregam computadores como ferramentas nas
atividades de solução de problemas e aprendem quando computadores podem ser úteis na
abordagem de um problema específico. Eles aprendem como computadores podem ser
usados para satisfazer suas necessidades através de seu uso como ferramenta para
problemas atividades sem uma finalidade predeterminada, como por exemplo o uso de
navegadores para pesquisa na Internet. Estes alunos usam a tecnologia para aprender
outros assuntos e adquirem um nível de alfabetização tecnológica que pode ser mais
facilmente transferido para outras tecnologias em constante mutação. Estudantes com este
tipo de treinamento em tecnologia têm maiores chances de estarem preparados para o
pensamento crítico e independente e para a participação em uma sociedade tecnológica,
preenchendo uma ampla gama de papéis na sociedade.
A educação sobre tecnologias, argumenta-se, pode reduzir a estratificação social
135
equilibrando os níveis de acesso à tecnologia. Quando é oferecido às crianças em áreas de
baixo padrão de rendimentos programas educacionais em tecnologia, isto é amplamente
visto como um passo em direção à inclusão social, fornecendo aos alunos de baixo padrão
de rendimentos o acesso à mesma tecnologia que alunos com padrão de rendimentos altos
estão usando e, esperançosamente, dando a estes alunos uma vantagem no mercado de
trabalho. Mas não devemos esperar que o estatus especial associado ao acesso às
tecnologias de computação e à alfabetização básica em computadores dure por mais de uma
década, especialmente se continuarem os aumentos em termos de acesso a computadores
através de laboratórios de informática nas escolas e nas comunidades. Conforme os
computadores tornam-se mais disponíveis, o estatus especial associado ao uso de
computadores pode mudar.
Os programas de educação em tecnologia podem ter seu lugar nas escolas públicas
brasileiras. Existem populações de adultos ou de alunos mais velhos envolvidos em
programas de treinamento para o mercado de trabalho que têm a aspiração de entrar
imediatamente no mercado de trabalho. Este tipo de alunos poderiam se beneficiar de
habilidades técnicas que poderiam ser adquiridas rapidamente e aplicadas imediatamente,
mesmo se seu treinamento fosse tão específico que estes usuários teriam que ser treinados
novamente quando as tecnologias mudassem. Mas, para a maioria dos alunos de escolas
primárias e secundárias, é provavelmente mais adequado ensinar habilidades gerais de
tecnologias através de seu uso normal. Neste momento, apesar das iniciativas difundidas
para aumentar o acesso a computadores nas escolas, ainda não está claro se os
computadores serão usados para apoiar o aprendizado ou se eles mesmos serão vistos como
uma nova área de conhecimento. Freqüentemente, os professores que carecem de uma
orientação sobre como usar os computadores como ferramenta de apoio para o currículo
decidem começar com habilidades básicas em tecnologia. A partir disto, o laboratório de
informática que foi inicialmente instalado para dar apoio ao currículo torna-se
gradualmente um lugar para aulas de informática.
Nas minhas observações, vi instrução em tecnologia entremeada com algumas aulas gerais
de auto-expressão e de arte. Também vi computadores serem usados com ferramenta de
apoio à instrução sobre temas gerais de cidadania. Mas a integração genuína do currículo
regular em atividades nos laboratórios de informática era rara. A ampla maioria dos usos do
136
laboratório de informática que observei envolvia atividades com computadores para o
aprendizado de habilidades para o uso destes computadores. Mesmo quando os alunos
usam o laboratório de informática para trabalharem em atividades relacionadas ao currículo
usual, uma vez iniciado o trabalho nos computadores, tanto os alunos quando os
professores concentram a maior parte de sua atenção em habilidade técnicas, tais como
como copiar um texto o como fazê- lo aparecer em negrito, ao invés de se concentrarem no
conteúdo curricular, como por exemplo a significado do texto sendo manipulado. Em
muitos casos, a instrução de habilidades técnicas é tão estruturada e específica a ponto de
ter valor limitado mesmo para outros tipos de uso do computador. Uma grande quantidade
de questões logísticas tornam difícil o uso dos laboratórios de informática de uma maneira
que apoio os objetivos curriculares existentes. Estas dificuldades serão discutidas mais
tarde neste capítulo.
Ensinando Cidadania
Como discutimos anteriormente, o Ministério da Educação promoveu a inclusão na
educação pública dos chamados temas transversais (Ministério de Educação e do
Desportivo, 1998). Estes temas têm vários objetivos, incluindo vários objetivos relacionas à
cidadania e à participação plena na sociedade. Este temas fazem parte de um esforço
abrangente para aumentar o pensamento crítico em relação à cidadania e ao papel do agente
individual. As áreas principais incluem ética, saúde, orientação sexual, pluralidade cultura
e trabalho e consumo. A intenção é de que os temas transversais sejam embutidos nos
tópicos do currículo normal. Por exemplo, ao estudar eco-sistemas no currículo de ciências
os alunos podem também aprender sobre reciclagem e sobre a preservação do meio -
ambiente. Ao contrário de outros objetivos curriculares, os temas transversais não devem
ser o tema central de uma aula, mas devem serem inseridos no contexto do currículo usual.
Através da inclusão dos temas transversais no currículo, espera-se que os alunos aprendam
a reconhecer injustiças e a tornarem-se conscientes de suas possibilidades como indivíduos
para agir contra estas injustiças. Além dos seis temas transversais nacionais selecionados
pelo Ministério da Educação, as secretarias de educação locais podem selecionar temas
extras que sejam relevantes às suas realidades locais. Estudantes devem desenvolver um
137
maior senso de autonomia no questionamento sobre como as coisas são e em como podem
ser modificadas. Os temas transversais elaborados como um conjunto de valores impostos
de cima para baixo sobre os alunos ou os professores, pois isto iria contra os princípios
democráticos que nortearam a elaboração destes temas. Eles tem como objetivo
simplesmente a gerar discussões nas escolas sobre estes assuntos.
Uma parte dos objetivos dos temas transversais é que os alunos tornem-se melhores
cidadãos em uma sociedade democrática se eles começarem a pensar sobre as questões
sociais. Estes objetivos são similares aos de educadores do ensino pré-escola que trabalham
com temas como o compartilhamento dos recursos, a consideração pelos outros e o
conceito de justiça, mas ao invés de se concentrar na esfera social mais restrita da sala de
aula ou da escola, os alunos de turmas da quinta à oitava série são levados a pensar sobre
estas mesmas questões enquanto refletem sobre as questões mais amplas da sociedade.
Vários professores acreditam que os temas transversais são importantes para que os alunos
tenham um senso mais forte de comunidade, aumentando tanto sua auto-estima quando sua
participação na comunidade. Suas expectativas são a de que o trabalho nestas áreas
reduzam a violência e o crime na comunidade e melhorem as relações da escola com a
comunidade, em particular com os pais dos alunos.
Os temas transversais e outros conteúdos relacionados à cidadania são freqüentemente o
foco das aulas no laboratório de informática. Os professores dos laboratórios de informática
procuram geralmente material que os alunos possam trabalhar num período curto de tempo
e que não precisa ser encaixado numa seqüência fixa de material. Isto permite que tenham
um planejamento flexível e que trabalhem esporadicamente com períodos curtos de tempo,
sem necessidade de uma continuidade. O trabalho com temas transversais ou com
conteúdos similares que tenham o objetivo de ajudar os alunos a se desenvolverem como
participantes plenos na sociedade permitem ao professor do laboratório de informática a
planejarem seus trabalhos sem a necessidade de uma comunicação constante com os
professores das salas de aulas. O trabalho para educar sobre a saúde, para ajudar os alunos a
construírem um senso de tolerância em relação às diferenças ou para criar um senso de
identidade nacional adequa-se bem no cronograma do laboratório de informática.
Uma componente importante do trabalho sobre temas transversais é a formação e a
expressão de idéias pelos próprios alunos. Como os professores usam os computadores para
138
trabalhos artísticos dos alunos e como relata-se que os alunos escrevem mais nos
computadores, os laboratórios de informática são uma escolha sensata para o trabalho na
auto-expressão. Estas podem ser algumas das razões pelas quais os temas transversais e
outros conteúdos voltados para o fomento da cidadania e o desenvolvimento de habilidades
de pensamento independentes chegam tão freqüentemente aos laboratórios de informática.
Em vários casos, mesmo quando os alunos podem escrever ou ler textos cursos na tela do
computador, os temas transversais não são realmente misturados com o currículo existente.
Eles tornam-se um assunto separado, uma estrutura em torno da qual os alunos podem
aprender a usar computadores. Nas minhas observações, os temas transversais chegaram ao
primeiro plano do planejamento e avaliação dos professores de informática, freqüentemente
em escolas públicas de regiões com padrão de rendimento baixo. Apesar das instruções
explícitas do Ministério da Educação serem a de que os temas transversais sejam
entrelaçados com os cursos projetados para ensinar áreas curriculares padrão, os temas
transversais eram geralmente entrelaçados com o ensino de habilidades no computador.
Algumas vezes são feitos esforços para entrelaças os temas transversais com as áreas usuais
de conteúdos, mas estes esforços geralmente aparentam substituir o conteúdo original. Por
exemplo, em várias ocasiões observei alunos produzindo projetos independentes sobre
temas ambientais como parte de suas aulas de ciências. Mas a mensagem que os alunos
criavam em seus projetos finais não tinha geralmente um conteúdo científico. Ao invés
disto, os alunos enquadram suas mensagens ambientais em termos de termos morais. Os
alunos aprenderam, por exemplo, que é errado jogar lixo no chão, mas eles não trabalharem
com os conceitos de ecologia que mostram que o lixo pode ser danoso.
Os professores freqüentemente abordam diretamente os temas transversais ou os conteúdos
relacionados a cidadania e consideram quase que exclusivamente estes temas quando
avaliam o sucesso de seus programas. Por exemplo, uma professora do laboratório de
informática decidiu dedicar todo o ano para o conceito de respeito, um tema que foi
adicionado localmente como parte de uma campanha escolar para melhorar as relações
entre a escola e a comunidade. Ela trabalhou com estes tema usando diferente projetos
criativos, como posters, jornal da turma e trabalhos artísticos para diferentes séries. Os
professores de escolas particulares, em contrapartida, diferiam de seus pares nas escolas
públicas uma vez que, no geral, mo stravam pouco interesse pelos temas transversais, a não
139
ser nas vezes em que desenvolviam atividades de sala de aula que relacionavam assuntos
atuais ao currículo e onde estes temas poderiam atrair a atenção dos alunos e fomentar o
debate. Por exemplo, os programas de educação ambiental nas escolas particulares eram
ligados ao conteúdo curricular de maneira mais bem integrada do que programas similares
em escolas públicas. Os alunos relacionavam seus estudos a ecossistemas através de
excursões da turma ou de pesquisa na Internet sobre problemas locais.
Um dos problemas que vi sobre o trabalho feito pelos professores com os temas
transversais foi de que a inclusão destes temas no programa escolar exigem um níveis de
habilidade de leitura, de escrita e de pensamento crítico que eram inexistentes na maior
parte das escolas que visitei. Os objetivos declarados de apoiar o pensamento independente
sobre questões sociais é difícil de ser alcançado em ambientes onde a alfabetização básica e
as habilidades de comunicação são fracas. Os alunos que sentem dificuldade em expressar
oralmente ou de maneira escrita idéias simples não têm condições concretas de discutir
algumas das idéias da maneira que o Ministério da Educação espera. Os professores usam
projetos artísticos e posters como uma segunda alternativa, com os alunos expressando seus
sentimentos sobre os assuntos em questão, mas existe pouco debate e os estudantes não
expõe suas idéias.
Em muitos casos, o nível acadêmico dos alunos é tal que a autoridade do professor
permanece inquestionável e os alunos não estão acostumados a serem perguntados o que
eles pensam sobre alguma questão. Alunos aparentam olhar fixamente para os professores,
esperando que estes digam-lhes a resposta correta a uma questão sem uma finalidade
predeterminada. Eles também parecem inseguros na maneira de abordar suas atividades
quando pede-se que dêem suas próprias idéias. Em vários casos os alunos acabam
reciclando as idéias ou palavras dos professores ao invés de pensar sobre o que devem falar
em relação ao tópico em questão. Tanto as habilidades de comunicação quanto a hierarquia
em sala de aula tornam as discussões sem fim predeterminado praticamente impossíveis.
Isto se reflete no trabalho criativo dos alunos sobre problemas sociais, onde alunos na
mesma sala chegam à varias versões diferentes da mesma idéia. Parece que tantos alunos
são tão pouco equipados para pensar independentemente e para expressar suas próprias
idéias que copiam idéias uns dos outros quando os professores fornecem atividades sem fim
predeterminado. Nada disto está relacionado com a importância dos temas transversais, mas
140
simplesmente reflete o fato de que trabalhar com alunos para que cheguem às suas próprias
conclusões ou para que pensem de maneira independente é causa uma grande demanda
sobre os professores.
Quando não é possível mandar os alunos lerem, fazerem pesquisa independente ou
escreverem sobre temas transversais para entrelaçar estes conceitos com os temas de escola,
os professores geralmente buscam outras maneiras para os alunos desenvolverem e
expressarem suas idéias, freqüentemente na forma de projetos criativos. Não é incomum
encontramos grupos de alunos com a tarefa de pensar sobre questões de justiça social e de
expressar estas tarefas através de desenhos no computador. Uma professora, que
particularmente bem sucedida em relacionar seu trabalho em sala de aula sobre mitologia
grega com o seu trabalho no laboratório de informática sobre o tema de problemas afetando
a comunidade local, colocava seus alunos para desenharem trabalhos artísticos de
personagens da mitologia se deparando com os problemas atuais. Os alunos inventavam
analogias criativas: um aluno substituiu o Minotauro de seus estudos de mitologia pelos
cães da raça Pitt Bull que assustavam sua vizinhança; outro aluno desenhou um pôster de
Hermes desempregado, cujos serviços tornaram-se obsoletos por causa do correio
eletrônico. Mas mesmo nesta sala de aula, onde uma professora altamente criativa foi capaz
de relacionar os temas transversais com seu currículo e com o uso de computadores, a
maioria dos alunos era incapaz de criar e expressar por si só idéias sobre os problemas
locais, mesmo na forma de desenhos. Portanto, para cada aluno que desenvolvia
comentários originais e aguçados sobre os problemas sociais, existiam várias cópias de
alunos que não conseguiam criar suas próprias idéias.
A decisão de usar os laboratórios de informática para o ensino de conceitos de cidadania
pode ter sido simplesmente uma questão de coincidência de tempo. Os temas transversais
foram inicialmente esboçados pelo MEC em 1998, o que significa que sua proliferação
através do currículo coincidiu com a introdução em várias escolas dos primeiros
computadores. As escolas foram apresentadas tanto aos temas transversais nacionais e a
uma política favorável ao desenvolvimento de temas locais relevantes exatamente ao esmo
tempo em que novos laboratórios de informática foram instalados à espera de conteúdo
curricular para seu uso. A escolha é problemática, contudo, no sentido de que tanto os
temas transversais quando os computadores foram introduzidos na expectativa de que
141
fossem integrados com o currículo normal. O uso de laboratórios de informática para o
trabalho sobre temas transversais e muitos casos resultou em que nem o computador nem as
discussões sobre temas transversais fossem integradas com o currículo regular.
A Integração Curricular e o Aprendizado Incidental
A taxonomia de Strauss (1984) para comparação das diferentes formas de educação entre as
culturas coloca como maior nível de diferenciação entre as formas educacionais a distinção
entre aprendizado intencional ou incidental. Para Strauss, estas formas de aprendizado
apresentam extremos opostos ao compararmos diferentes formas de educação entre culturas
diferentes. O aprendizado intencional é a situação em que quem aprende sabe que a
intenção ou objetivo é que aprenda alguma coisa. O aprendizado incidental é o aprendizado
que acontece sem uma escolha deliberada por parte de quem aprende. Portanto, de acordo
com a taxonomia de Strauss, um grupo de alunos aprendendo a usar um programa de
processamento de textos enquanto trabalham em uma redação e outro grupo envolvido
numa atividade aparentemente similar de aprender a usar o processador de texto através de
um conjunto explícito de instruções para este fim representam tipos completamente
diferente de aprendizado. Strauss mostra que os resultados do aprendizado intencional têm
menor flexibilidade em termos de transferir o que foi aprendido para atividades diferentes.
Como a tecnologia mudará antes dos alunos que hoje estudam nas escolas primárias
chegarem ao mercado de trabalho, o valor dos programas de educação de tecnologia
intencionais são questionáveis, mesmo em casos em que o preparo para o mercado de
trabalho seja o objetivo principal. Esta maneira de categorizar o ensino e o aprendizado é
valiosa numa discussão sobre o uso de computadores em escolas, principalmente porque
pode ajudar-nos a prever quais as vantagens e quais as desvantagens que podem ter os
diferentes tipos de uso de computadores.
Os cientistas sociais tradicionalmente categorizaram os processos de aprendizado em duas
categorias principais: educação formal e educação informal. As pesquisas inspiradas pela
distinção entre a educação formal e a informal compara as crianças escolarizadas
(formalmente educados) com as não-escolarizadas (informalmente educadas), mas as
crianças formalmente educadas sempre saem em situação vantajosa. O termo "educação
informal", de acordo com Strauss, é limitado por um viés de nossa cultura, pois existe
142
muita educação formal mundo afora que não tem nenhuma similaridade com as escolas
ocidentais. Strauss argumenta que uma taxonomia que permita uma melhor comparação
entre diferentes culturas permitiria que cientistas sociais aprendessem mais sobre ensino e
aprendizagem.
A taxonomia dos processo de aprendizado de Strauss, discutida brevemente no Capítulo V,
começa com as duas principais categorias de aprendizado intencional e incidental, situados
a cada extremo, e categor iza formas de aprendizado "pelos processos cognitivos dos quais
eles extraem". Ela distingue além disto entre os processos bem-definidos e mal-definidos
como subcategorias do aprendizado intencional. A Figura 3 mostra o esquema principal das
formas de ensino e aprendizado segundo a taxonomia de Strauss. Os procedimentos bem- e
mal-definidos representam pontos opostos de um espectro contínuo. A maior parte dos
procedimentos encontram-se entre estes dois extremos.
Figura 3: Visão geral da Taxonomia dos Processos de Aprendizado em Diferentes Formas
de Educação de Strauss
FONTE: STRAUSS, C. (1984). Beyond "Formal" versus "Informal" Education: Uses of Psychological
Theory in Anthropological Research. Ethos, 12(3), 195-22.
143
A distinção entre o aprendizado intencional e o aprendizado incidental é determinada
por quem aprendem e não pelos ponto de vista do professor. Os jogos educativos e a
construção de habilidades de socialização durante o período escolar são, portanto,
geralmente considerados exemplos de aprendizado incidental, mesmo se as atividades
foram projetadas por adultos com um objetivo educacional específico em mente. O
aprendizado intencional acontece quando quem está aprendendo reconhece que ele ou ela
deveria estar aprendendo. Com poucas exceções, o aprendizado na escola é elaborado para
que seja intencional, apesar de que o aprendizado incidental também possa estar
acontecendo simultaneamente. O aprendizado incidental acontece em todas as faixas
etárias, mas crianças precisam desenvolver habilidades para que consigam aprender
intencionalmente (como por exemplo, como selecionar estratégias de aprendizado), e
demora ainda mais tempo para que desenvolvam a habilidade de formular de maneira
independente estratégias de aprendizado intencional.
Comparando as virtudes das principais categorias de aprendizado, Strauss argumenta que
os aprendizados incidental e intencional são igualmente eficazes para o conhecimento
fatual, assumindo que a tarefa incidental envolva um contato significativo com o material.
Ela também mostra que o que ela chama integração (isto é, a aplicação do que foi
aprendido a um novo contexto) é melhor no aprendizado incidental, pois quem está
aprendendo compartimentaliza o conteúdo durante o aprendizado intencional.
Procedimentos bem-definidos são definidos por Strauss como aqueles em que a informação
dada, os objetivos declarados, os procedimentos e o estado final desejado são especificados,
ao passo que procedimentos mal-definidos são aqueles em que os alunos precisam
descobrir estas coisas por eles mesmos. A maior parte do aprendizado intencional se
posiciona entre o contínuo entre estes dois procedimentos.
Strauss argumenta que os procedimentos bem-definidos são mais eficientes para se
aprender uma habilidade específica, ao passo que o aprendizado por procedimentos mal-
definidos pode ser aplicado a outros contextos mais facilmente. Ela cita um exemplo de um
trabalho de campo com grupos diferentes de tecelões Maias, cada um com seus estilos
diferentes de ensino e aprendizagem. Os tecelõ es treinados num esquema com menos
estrutura tendiam a fazer desenhos criativos, ao passo que os que aprendiam na forma mais
estruturada somente repetiam os desenhos de suas mães, avós, etc. Um outro exemplo
144
mostra que alunos japoneses que aprendem matemática através de problemas verbais sem
uma finalidade predeterminada são mais bem sucedidos em aplicar seu conhecimento a
novas situações do que os alunos norte-americanos, que aprendem matemática através de
atividades altamente estruturadas.
As diferenças entre os processos de aprendizado bem- e mal-definidos eram evidentes em
minhas observações em sala de aula. Em uma turma da primeira série que observei, a
professora mandou seus alunos colorirem na tela um desenho do Papai Noel. Os alunos
clicavam em uma cor e depois numa área delimitada pelo desenho do Papai Noel, mudando
a cor da região selecionada. Enquanto trabalhavam nesta tarefa bem-definida, as discussões
entre os alunos era limitada. Os alunos falavam sobre que cor era adequada para cada área
do desenho, lembrando que partes da roupa do Papai Noel eram vermelha e que partes eram
brancas. Além de algumas habilidades específicas com o Microsoft Paint e com o mouse,
não era claro quais conceitos e habilidades gerais os alunos estavam exercitando. Não
existia nenhuma clareza de que o material aprendido tivesse alguma importância na
execução de outras atividades.
Assim que os alunos terminavam de colorir o Papai Noel, a professora deixava que eles
desenhassem o que quisessem no computador usando o Microso ft Paint. Nestas atividades
menos estruturadas, com estados finais mal-definidos, surgia entre os alunos uma discussão
muito mais rica. Os alunos perceberam que as formas poderiam ser colocadas uma dentro
da outra e que quando um objeto tinha a mesma cor que o fundo tornava-se invisível.
Vários pares de alunos exploraram a mistura de cores, notando que a área em que um
objeto amarelo faz uma interseção com um objeto de cor azul tem a cor verde. Quando
tinham menos estrutura e objetivos menos predeterminados, os alunos exploraram o
programa de computador, expondo oportunidades de aprendizado com abrangência mais
geral. As lições aprendidas desta experiência podem ser mais facilmente aplicadas a
diferentes contextos. Atividades no computador que sejam menos es truturadas, com
objetivos menos explícitos em aumentar as habilidades no computador, levam a um
aprendizado que será aplicado mais facilmente em novos contextos.
Quando o uso de computadores é integrado com o currículo como uma forma de
aprendizado incidental de informática, os alunos aprendem habilidades no uso do
computador enquanto trabalham em projetos relacionados com sua área curricular,
145
explorando através de seu uso o potencial dos computadores. O exemplo mais comum que
observei em meu trabalho de campo de distinção entre esta abordagem e uma abordagem
intencional para o ensino de informática foi o das duas abordagens mais comuns para
ensinar processamento de texto. Alguns professores decidiram instruir seus alunos sobre
programas de processamento de texto, tendo aulas que exercitavam as habilidades de
processamento de texto através de atividades em que os alunos copiavam textos de outras
fontes. Isto é um exemplo de um programa de aprendizado intencional. Nos casos em que o
único objetivo seria ganhar familiaridade com um programa de computador específico, esta
abordagem seria apropriada. Os professores que pretendam ajudar seus alunos a
desenvolver uma alfabetização sobre computadores que seja mais geral poderiam escolher a
inclusão de instruções sobre o processamento de texto em atividades de redação, ajudando
os alunos a desenvolverem habilidades com os computadores através de tarefas menos
estruturadas, habilidades estas que poderiam ser aplicadas a novos programas que surjam.
Em minhas observações, os professores geralmente se empenhavam no início em
incorporar o trabalho nos computadores com o currículo, mas vários professores tinha
dificuldades em evitar que toda a sua atenção fosse focada nos computadores. Os
professores iniciavam as atividades nos computadores colocando seus alunos para
pesquisarem, escreverem ou desenharem e davam instruções iniciais que relacionavam o
trabalho no computador com os tópicos curriculares. Mas, tão logo os alunos iniciavam
seus trabalhos nos computadores, o conteúdo parecia desaparecer. Os alunos perguntavam
somente questões relacionadas ao funcionamento do computador, e aqueles professores que
tentavam direcionar a atenção dos alunos de volta para o conteúdo do material que estavam
lendo ou escrevendo tinham grande dificuldades. Freqüentemente os alunos preferiam
esperar pela instrução do professor do que tentar resolver problemas simples através do
método da tentativa e erro. Os professores nunca davam aos alunos instruções específicas
permitindo que eles explo rassem as diferentes opções do processador de texto ao invés de
esperar por instruções a cada etapa. Com isto, mesmo as atividades que aparentavam no
início envolver procedimentos mal-definidos, acabavam se mostrando altamente
estruturadas conforme o trabalho avançava.
Algumas vezes os professores tinham dificuldades em dar aos alunos instruções gerais, sem
usar procedimentos bem-definidos, pois os alunos não tinham as habilidades e os conceitos
146
necessários para explorarem os computadores de maneira independente. Em uma aula de
informática que observei, os alunos tinham dificuldades em navegar pelo menu de Iniciar
do Microsoft Windows porquê tinha dificuldades com os conceitos relacionados a
categorias e a subcategorias. Os alunos foram instruídos a clicarem no botão Iniciais, e
depois em Programas, Utilitários e finalmente no Paint para selecionarem o programa
Microsoft Paint, mas eles seguiam estas instruções simplesmente memorizando. Estes
alunos não entendiam o conceito geral de programas ou de utilitários, nem mesmo a idéia
mais básica de que o percurso que seguiram na tela com seu cursos representava um
percurso através de categorias e subcategorias.
Por meio do acesso repetido do programa Paint no menu Iniciar, seguindo instruções
detalhadas, os alunos podem eventualmente aprender a inicializar o programa Paint. Mas
estas habilidades têm pouca valia em ajudar os alunos a entenderem a fazer outras
atividades no computador ou a trabalharem com uma hierarquia de arquivos para
armazenarem e acessarem dados. Os professores podem ter preferido que seus alunos
trabalhassem de maneira mais independente, por exemplo mostrando instruções gerais que
informassem o que eles encontrariam no menu de Programas e como os arquivos são
organizados, mas estes conceitos são freqüentemente além dos níveis vocabulário e de
compreensão dos alunos.
O uso, através da exploração livre, de computadores em atividades sem finalidade
predeterminada e que sejam relacionadas à áreas de conteúdo curricular foram raros em
meu trabalho de campo. Os alunos quase sempre recebiam instruções extremamente
específicas quando trabalhavam com computadores. Durante sua primeira aula de
informática, as crianças, que nunca tinha usado computadores, foram instruídas a ligarem
seus computadores e então forçadas a esperar, enquanto ficavam em frente dos
computadores, o término de uma exposição sobre vocabulários em inglês usados em
computação. Eles não tinham permissão para explorar o computador enquanto assistiam
esta exposição, e não tinham nem a permissão para tocar o mouse ou o teclado. Depois da
exposição, os alunos foram guiados etapa a etapa por atividades que cobriam os pontos
básicos do sistema operacional Windows.
Para estas crianças, de idade bem jovem, oferecer aulas altamente estruturadas voltadas ao
ensino de habilidades específicas no computador não é provavelmente um bom uso de
147
tempo e de recursos, posto que a tecnologia da informação muda rapidamente. Não é claro
se de fato a melhor alternativa seria simplesmente não ter nenhuma educação sobre
tecnologia e se concentrar no uso da tecnologia para o apoio curricular ou se seria melhor
se concentrar em programas educacionais que nos quais o uso da tecnologia seria aprendido
de maneira incidental através do uso de computadores no trabalho escolar dos alunos. Para
a maior parte dos alunos, o trabalho mais independente com a tecnologia e o ganho de
experiência ao explorar o computador exigiriam maiores habilidades de escrita e leitura.
Alunos que são deficientes em habilidades de comunicação esc rita não estão plenamente
preparados para interagir com sistemas operacionais como o Microsoft Windows ou o
Linux, pois estes sistemas operacionais se baseiam fortemente em informações baseadas
em textos. O ensino das tecnologias seria melhorado se a tecno logia pudesse ser uma
ferramenta usada pelos alunos ao trabalharem na solução de problemas ou na execução de
projetos. Mas este tipo de educação é possível somente se os alunos já estão melhor
preparados para trabalhar com os computadores com independência.
Mudanças na Integração Curricular
A integração curricular é difícil de ser implementada pelos professores devido a vários
motivos, entre eles a falta de tempo para preparação das aulas, a separação entre os
laboratórios de informática e as salas de aula (tanto em termos de separação física quanto e
termos de disponibilidade e pessoal) e a falta de material educacional e de acesso à Internet
e entre os computadores. Mas, provavelmente, um dos maiores obstáculos para a integração
curricular é o fato de que , apesar da ampla opinião de que a tecnologia de informação seria
melhor usada como ferramenta de apoio ao aprendizado de objetivos curriculares, a maior
parte dos exemplos disponíveis para os professores conforme eles exploram as opções para
o uso de tecnologia são as aulas de informática projetadas para ensinar habilidades
específicas para o uso de computadores. Existe uma falta de professores que sirvam de
modelo e de aulas exemplo para os professores ganharem familiaridade e para
experimentarem com os usos de computadores que estejam ligados ao currículo.
É interessante notarmos o conflito entre as questões de política e prática educacionais.
Quase todos os artigos sobre as políticas educacionais relativas à tecnologia e os pedidos
148
para fomento financeiro para o uso de tecnologia educacionais exigem a elaboração de
projetos que incluam a integração da tecnologia educacional com o currículo. Exige-se que
as tecnologias de informação sejam usadas como uma ferramenta para que os objetivos
curriculares sejam alcançados. Mas, com descrevi anteriormente, a secretaria do MEC
responsável pela tecnologia na educação (cujo nome muda freqüentemente) sempre se
concentrou quase que exclusivamente na construção de habilidades no uso de tecnologias e
muito pouco no apo io prático em nível nacional a professores interessados em trabalhar
com computadores. Este tipo de apoio é disponível, contudo, através da rede do ProInfo.
A falta de objetivos claros a nível de políticas educacionais é refletida ao longo da
hierarquia e pode ser sentida nas salas de aulas, possivelmente como conseqüência dos
objetivos contraditórios, no que diz respeito a decisões sobre enfatizar a construção de
habilidades no uso de tecnologias ou buscar outros objetivos curriculares, nos estágios de
planejamento. Professores e funcionários das escolas falam sobre o uso de tecnologias de
informação para apoiar o currículo e para ensinar habilidades em tecnologia usando estes
dois conceitos alternadamente, como se fossem duas atividades intimamente relacionadas.
Os professores ou os funcionários das escolas nem sempre fazem uma distinção clara entre
estes dois conceitos. Os alunos quase sempre pensam nas atividades que fazem nos
laboratórios de informática como sendo aulas de informática, e vêem claramente os
computadores como um assunto a ser estudado na escola.
Quase todos os usos de computador que observei ou envolviam a instrução intencional da
tecnologia ou o uso da tecnologia para a pesquisa escolar e para atividades criativas. Os
professores com quem falei quase sempre exprimiam uma preferência por usar os
computadores como ferramenta, ao invés de oferecer uma instrução direta em tecnologia da
informação. Mas, estes mesmos professores tinha dificuldades em integrar de maneira
genuína a tecnologia com o currículo. Um dos ajustes que os professores que tinham
problemas integrando as atividades no laboratório de informática com o currículo faziam
era usar os computadores para trabalhos criativos, como por exemplo o desenho no
computador. Este tipo de trabalho criativo não é parte do currículo oficial, mas em vários
casos os professores alegavam que o trabalho criativo e as artes não eram oferecidas no
passar por falta de material nas escolas. Portanto, seu uso dos computadores para introduzir
a educação artística é uma maneira que encontraram para usar a tecnologia como apoio a
149
seus objetivos educacionais existentes, ainda que não sejam objetivos do currículo formal.
O uso criativo dos computadores era o exemplo mais comum do uso de computadores que
não era dirigido primariamente para o ensino de habilidades com o próprio computador.
O tempo no computador é bem distinto do tempo que os professores usam em outras
atividades. Dá-se aos alunos projetos muito específicos para que sejam terminados no
computador dentro de um único período escolar. O professores raramente sabem quando
um grupo específico de alunos voltará para o laboratório de informática novamente, e é
portanto difícil para os professores planejarem atividades que poderiam se estender por
vários períodos de aulas. Os professores têm dificuldades de usar os computadores de tal
maneira que se encaixem em seus cronogramas, especialmente porque é difícil planejarem
que atividades as crianças estarão fazendo em sala de aula na próxima vez que forem visitar
os laboratórios de informática. Eles têm dificuldade em criar atividades que possam ser
completadas de maneira independente numa única aula e vários alunos acabam terminando
a atividade antes do tempo de aula terminar. Usualmente os professores permitem que os
alunos que terminam suas atividades antes do tempo joguem video games no computador.
Em vários casos a conseqüência é que um grande número de alunos usa até metade do
tempo de aula jogando jogos não-educativos.
Todas as turmas que observei em escolas públicas envolviam atividades no laboratório de
informática que eram relativamente isoladas do resto das atividades escolares. Nunca
observei um professor dar seqüência às atividades em outra aula e, em muitos casos, as
relações das aulas de informática com o currículo eram frágeis. Cheguei algumas vezes a
observar professores referindo-se ao conteúdo de outras aulas, mas o mais próximo que um
professor de escola pública esteve de dar continuidade ao trabalho de sala de aula no
laboratório de informática foi a leitura de um livro escaneado na tela do computador ou
quando foram usados para atividades ocasionais de redação. Esta era uma área que vários
professores admitiram que gostariam de mudar. Vários professores aceitavam, com certa
relutância, estas aulas no laboratório de informática que não tinha relação com o currículo
devido a suas incapacidades de implementar tais programas em seus meios e com seus
níveis de treinamento.
Para que os professores desenvolvam usos de computadores que apóiem os objetivos
curriculares já existentes, o tempo no computador tem que ser tratado como parte do tempo
150
normal na escola. Ele deve ser programado com consistência e planejado antecipadamente.
Os professores tem que trabalhar com computadores com um cronograma consistente, de
tal forma que as atividades no computador possam ser associadas ao trabalho regular em
sala de aula. Idealmente, os professores devem acompanhar seus alunos durante as visitas
ao laboratório de informática e a ter apoio para ajustar os computadores e a selecionar as
ferramentas tecnológicas apropriadas. A abordagem comum nas escolas particulares, na
qual o pessoal de apoio ajuda os professores a trabalharem com os alunos no laboratório de
informática, parece ser mais eficaz do que ter professores de informática especialmente
para o apoio à integração curricular.
151
Conclusão
Em muitos aspectos, a educação tecnológica é similar a outras inovações em educação,
em termos de sua relação com a igualdade educacional. Escolas interessadas em melhorar a
igualdade acham mais fácil melhorar o acesso à tecnologia em si e muito mais difícil
realizar mudanças que reduzam o impacto das condições familiares desiguais ou das
práticas desiguais dos professores. Em sua descrição introdutória sobre as experiências de
programas voltados para a melhoria da igualdade educacional nas Américas, Reimers relata
que os resultados foram similares às tentativas de promover a eqüidade educacional através
de meios de baixa tecnologia.
Ao discutir políticas existentes, a implementação emerge como um tema significativo
para explicar por que o impacto parece ser tão modesto. A evidência limitada
existente sugere que é mais fácil reduzir alguns tipos de desigualdades (de acesso, de
recursos educacionais) do que outros (das práticas dos professores, dos resultados da
aprendizagem). Este conhecimento é valioso por sugerir o que pode ser
razoavelmente esperado das intervenções, como as que foram recentemente tentadas
na América Latina, bem como que áreas necessitam de conhecimento baseado em
pesquisa (Reimers, 2000).
Mesmo que se veja uma grande desigualdade no Brasil entre o acesso à tecnologia nas
escolas particulares, estaduais e municipais, existem programas em curso para melhorar a
igualdade do acesso que relatam melhorias nessa área a cada ano. Nas escolas brasileiras,
crianças de baixa-renda ainda parecem ter menos probabilidade de usar a tecnologia
computacional do que sua contraparte mais rica, mas os níveis de acesso estão crescendo
por toda parte e, se continuar sendo uma prioridade política, é possível imaginar altos
níveis de acesso em um futuro próximo.
Apesar dos níveis crescentes de acesso em áreas de baixa -renda, não é certo que o uso
crescente de tecnologia nas escolas contribuirá para uma maior igualdade educacional. Os
maiores desafios à eqüidade, em termos do uso da tecnologia, parecem ser os mesmos dos
que se apresentam à educação em geral. Pode ser relativamente fácil garantir que todos os
estudantes algum dia tenham acesso a computadores nas escolas, independente de seus
152
contextos familiares. Parece que será muito mais difícil assegurar que todos os
computadores sejam usados de maneiras igualmente efetivas para todos os estudantes. Da
mesma forma, usar a tecnologia como ferramenta para superar desigualdades existentes,
tais como níveis de qualificação dos professores e acesso a material de pesquisa,
especialmente como se relacionam com o uso da tecnologia, tem sido difícil, mesmo em
situações onde o investimento em tecnologia e o compromisso com seu uso tenham sido
demonstrados.
No caso brasileiro, o problema da repetência pode ser um dos principais fatores a contribuir
para a desigualdade das oportunidades educacionais. Apesar de que o acesso à educação
fundamental, como mencionado antes, seja quase universal nas primeiras séries, altas taxas
de repetência significam que apenas um número limitado de alunos é capaz de se mover
pelo sistema educacional para atingir os níveis superiores. Acrescentar novas tecnologias às
escolas com altas taxas de repetência pode levar a que a tecnologia seja incorporada a estes
problemas existentes. As escolas poderiam usar a tecnologia prejudicando o tempo
disponível para o desenvolvimento das habilidades básicas de que depende a promoção de
série, por exemplo, usando o tempo escolar para um trabalho excessivo de recuperação,
sem introduzir novo material. Ao contrário dos professores, os computadores têm uma
paciência ilimitada para a repetição. Alternativamente, a tecnologia poderia ser usada de
formas que mostraram contribuir para as habilidades básicas de leitura e escrita, com o
potencial de reduzir as taxas de repetência. As decisões sobre como a tecnologia será usada
podem ser tão importantes quanto as decisões sobre que tecnologias introduzir, para a
previsão do impacto da tecnologia sobre os resultados concernentes aos principais desafios
da educação brasileira como, por exemplo, a repetência.
O viés das instituições desempenha um papel sobre a forma de utilização dos
computadores. As escolas que atendem às comunidades de baixa-renda têm uma série de
expectativas sobre o que seus alunos são capazes de fazer, e isto se baseia fortemente nas
condições de desigualdade social de suas origens. Preocupações sobre o comprometimento
dos alunos e das famílias na educação podem moldar decisões para focá-las fortemente em
metas motivacionais e sobre os produtos do trabalho dos estudantes nas comunidades de
baixa-renda e não concentrando-se em desafiar os alunos ou em processos de aprendizagem
efetivos. Vieses influenciam as escolhas que os professores fazem sobre o uso da
153
tecnologia, freqüentemente selecionando atividades menos desafiadoras para os estudantes
provenientes de contextos de baixa -renda ou usando a tecnologia para deslocar o foco para
longe das habilidades básicas de leitura e escrita, em direção a habilidades menos
transferíveis, tal como o processamento de texto, com atenção sobre a aparência
profissional (e não sobre o conteúdo) do trabalho do aluno. As metas para os estudantes de
áreas de baixa-renda podem ser mais provavelmente influenciadas pelas necessidades do
mercado de trabalho, uma vez que é menos provável que estes estudantes freqüentem uma
universidade, sendo mais provável que desejem integrar a força de trabalho imediatamente
depois da educação fundamental. As suposições que professores e estudantes fazem sobre
o que os alunos necessitam aprender variam muito entre as comunidades de alta e baixa -
renda. Tais diferenças têm um impacto sobre como os computadores são usados e sobre os
benefícios que oferecem aos es tudantes.
Parece que a maneira mais simples de integrar os computadores à educação fundamental é
oferecer aulas de informática. Isso é especialmente popular nas comunidades de baixa -
renda, onde é menos provável que os alunos tenham computador em casa ou que tenham
recursos para freqüentar aulas pagas de informática. Até mesmo professores cujo objetivo é
usar a tecnologia para dar apoio às metas curriculares freqüentemente se vêem de início
ensinando as habilidades de informática para desenvolver as habilidades necessárias ao
trabalho nos laboratórios de informática. A questão sobre quando é adequado afastar-se do
foco nas habilidades básicas de leitura e escrita e começar a dedicar o tempo escolar ao
treinamento em habilidades computacionais específicas é um tema complicado.
Independentemente do valor das aulas de informática, está claro que habilidades de leitura e
escrita fortes são necessárias para uma alfabetização em computadores verdadeira.
Também está claro que aprender as habilidades computacionais através do uso é tão efetivo
quanto o treinamento tecnológico para o desenvolvimento de habilidades computacionais
específicas, embora ofereça a vantagem adicional de ser mais facilmente transferível para
novas tecnologias à medida que surgem.
Os professores oferecem aulas de informática mesmo quando prefeririam integrar seu uso
do laboratório de informática ao currículo existente. Em muitos casos, eles fazem isso
porque integrar o uso do computador ao currículo é extremamente difícil. Não somente os
professores devem trabalhar com novos materiais e freqüentemente desenvolvê-los para uso
154
nos laboratórios de informática, como também devem aprender a trabalhar fora do formato
de proferir palestras ao qual estão acostumados, aprendendo a administrar salas de aula e a
supervisionar atividades de aprendizagem fora de sua rotina habitual. Ao transformar o
computador no objeto da aula e não em uma ferramenta de aprendizagem, o professor
mantém muito de seu papel como palestrante e fonte de informação no laboratório de
informática, e consegue levar os estudantes ao laboratório de informática com o mínimo
possível de interrupção da rotina escolar habitual.
Os computadores estão sendo introduzidos nas escolas ao mesmo tempo em que as escolas
voltam cada vez mais sua atenção para o problema da preparação da mão-de-obra e das
habilidades para o trabalho. A atenção pública sobre a educação se concentra sobre as
perspectivas econômicas para o futuro. Para alunos e famílias, a educação é uma
oportunidade de melhorar a competitividade no mercado de trabalho do futuro, embora para
o país como um todo, se espere que o investimento na educação conduza ao crescimento
econômico, tornando o Brasil mais competitivo internacionalmente. As experiências
positivas resultantes de alguns programas de treinamento em informática para adultos
desempregados parecem indicar que algumas habilidades computacionais realmente têm
valor no mercado de trabalho atual e tornam o treinamento de informática atraente tanto
para educadores como para estudantes.
Computadores combinam bem com esta abordagem da educação orientada para o mercado,
porque há uma expectativa de que as habilidades computacionais sejam imediatamente
valorizadas no mercado de trabalho. Até crianças de 11 anos acreditam que o uso que
fazem dos computadores na escola vai ao fim ajudá-las a encontrar melhores empregos.
Mas o treinamento em tecnologia voltado para satisfazer as demandas imprevisíveis de um
futuro mercado de trabalho é um assunto mais complicado do que programas para adultos
ingressando hoje no mercado de trabalho. Embora uma sólida educação de base possa não
ser necessária para executar algumas tarefas computacionais específicas, a flexibilidade
necessária para corresponder a um mercado mutável de trabalho de TI requer habilidades
sólidas de leitura e escrita e estratégias para uma aprendizagem independente. Mesmo com
metas estabelecidas especificamente para a preparação de mão-de-obra, pode não ser
adequado ensinar habilidades computacionais específicas a alunos jovens sem ajudá- los a
adquirir independência para que possam desenvolver outras habilidades no futuro.
155
A situação vigente, onde os computadores são distribuídos às escolas para dar apoio a
metas educacionais existentes quando na prática os computadores em geral são usados para
ensinar habilidades tecnológicas, contribuiu para uma situação em que os professores são
deixados livres para tomar suas próprias decisões sobre as abordagens que assumirão para
atingir cada meta. A discrepância entre discurso e prática nesta questão, com planejadores e
agências de financiamento requerendo o uso de computadores em apoio a metas
educacionais existentes, enquanto a prática de sala de aula tende a dar ênfase ao ensino de
habilidades computacionais, é somente um exemplo de como as decisões sobre colocar
computadores nas escolas são conduzidas, independentemente das decisões sobre como
eles serão usados. Existe um planejamento centralizado para equipar as escolas com
computadores, mas uma vez que o equipamento é instalado, diretores e professores são
deixados basicamente à sua própria sorte para desenvolver os usos dos laboratórios de
informática.
Uma característica da educação brasileira que pode ter impacto sobre o uso da tecnologia e
a eqüidade é a prática do dia-a-dia em sala de aula focada sobre a memorização de fatos e
baseada no ensino por palestra/recitação. As mudanças que a tecnologia provoca na
dinâmica da sala de aula são um afastamento radical das práticas mais comuns em sala de
aula no Brasil. Esta é uma área onde os computadores têm o potencial de catalisar a
mudança, forçando os professores e administradores a buscar métodos de ensino
alternativos que se ajustem melhor ao uso de computador, provocando mudanças profundas
no papel do professor e na importânc ia da memorização. Mas, até agora, a aula baseada em
recitação de palestra é também uma tendência que limita muito as formas de uso dos
computadores, estimulando os professores a dar aulas de informática com atividades
altamente estruturadas e conteúdo para memorizar ou desencorajando totalmente certos
professores, cuja experiência prévia não os preparou bem para as mudanças que o
computador pode provocar, a usar o computador.
Os professores e alunos que observei e entrevistei estavam em grande parte em uma fase de
transição; muitos deles tinham menos de dois anos de experiência trabalhando com
computadores. Embora seja possível tirar conclusões sobre o uso atual que fazem dos
computadores, pode ser que muitas das características de uso dos computadores que
observei sejam em verdade características desta transição. O pequeno número de
156
professores que encontrei que usam computador há mais de dois anos demonstra que
algumas formas de uso do computador, mais facilmente encaixadas ao contexto escolar,
podem servir de degrau para o desenvolvimento, à medida que os professores ganham
confiança no trabalho com computadores. Estes professores relataram que, quando
começaram a trabalhar com computadores, usavam os computadores para ensinar
coordenação motora com o mouse e com o teclado. Mas, geralmente os professores com
mais experiência eram os que tinha avançado mais em termos de integração com o
currículo. Pesquisas futuras nesta área, especialmente no estudo de professores veteranos
que adotaram cedo e com sucesso a tecnologia, ajudariam a lançar um pouco de luz em
quão otimistas podemos ser sobre o futuro do uso da tecnologia nas escolas, seguindo o
rumo atual.
Embora seja amplamente aceito que ferramentas de ensino tradicionais, como livros, não
funcionam independentes do seu ambiente, sem um impacto substancial dos contextos e
vivências dos alunos e efetividade dos professores, é fácil subestimar o impacto do
contexto no caso das tecnologias computacionais nas escolas. Em parte, isso ocorre porque
a tecnologia computacional, em princípio, pode minimizar a influência de alguns fatores
que contribuem para a desigualdade, tal como o isolamento geográfico. Mas esta
capacidade é limitada: a tecnologia computacional faz pouco para equilibrar o jogo entre
estudantes com níveis de alfabetização diferentes ao ingressarem na escola, e parece que
alguns fatores que contribuem para a desigualdade, como a qualidade dos professores,
podem até mesmo ter um impacto maior nas salas de aula que usam computadores. Quando
tentamos entender as portas que a tecnologia abre – como, por exemplo, o acesso a
materiais de pesquisa de crianças que não moram perto de uma biblioteca – devemos
entender que há limitações ao impacto desta mudança por causa de várias razões. Por
exemplo, por causa dos recursos da Internet estarem fora do nível de leitura da maioria da
população.
Como as agências públicas continuam a se focar no uso crescente de computadores como
um meio de melhorar a igualdade na educação, uma atenção maior no papel que o contexto
social desempenha na forma como a tecnologia é usada torna-se chave para o entendimento
do real impacto da tecnologia. Sociólogos da educação nos Estados Unidos e na Grã-
Bretanha revelaram um conjunto de áreas onde a relação entre o contexto e a maneira como
157
a tecnologia é usada pode restringir o poder da tecnologia de facilitar a mudança social,
mas muitos destes fatores têm níveis diferentes de importância no sistema educacional
brasileiro. No Brasil, é importante estar atento às realidades locais, especialmente àquelas
relacionadas às práticas diárias em sala de aula, às desigualdades de metas educacionais e
às desigualdades existentes nas escolas, ao se considerar como o uso da tecnologia e a
igualdade educacional interagem.
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