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EDVALTER SOUZA SANTOS DESIGUALDADE SOCIAL E INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph Doutor em Ciências Econômicas e Sociais Universidade de Erlangen, Alemanha Rio de Janeiro 2006

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EDVALTER SOUZA SANTOS

DESIGUALDADE SOCIAL

E INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph

Doutor em Ciências Econômicas e Sociais Universidade de Erlangen, Alemanha

Rio de Janeiro

2006

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S237 Santos, Edvalter Souza

Desigualdade social e inclusão digital no Brasil / Edvalter Souza Santos. – Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2006.

228 p.

Tese apresentada ao IPPUR / UFRJ, para obtenção do grau de Doutor em Planeja-mento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Rainer Randolph. Inclui bibliografia.

1. Desigualdade social - Brasil. 2. Inclusão digital - Política pública - Brasil. 3. Desi-

gualdade digital - Brasil. 4. Alfabetizacão digital - Cidadania . 5. Politica Nacional de In-clusão Digital - Brasil. 6. Desenvolvimento urbano - Questões socioculturais. 7. Planeja-mento urbano e regional - Tese I. Título.

CDU 711:304.2(81)(043.2)

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EDVALTER SOUZA SANTOS

DESIGUALDADE SOCIAL

E INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovado em:

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Dedico a presente tese a Maria Benedita Bandeira Santos,

companheira de longos anos,

por tudo o que significou sua companhia e apoio

e que não pode ser reduzido a umas tantas palavras.

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AGRADECIMENTOS

As tarefas de um doutorado significam, em geral, longa e cansativa jornada. Para mim foi, sobretudo, gratificante, pela alegria das muitas descobertas; e sequer chegou a ser cansativa, em função dos muitos apoios recebidos. Agradeço, em primeiro lugar, à minha família: Maria Benedita, Luciano e Edvalter Júnior, Eduardo e Ildefonso, Nelson e Guy, pela tolerância com as muitas horas de ausência e as muitas horas de presença-ausente. Quatro instituições marcam presença nesta página: a Universidade Católica do Salvador, a cujos quadros pertenço e que financiou minha estadia no Rio; o IPPUR/UFRJ, sede do doutorado, pujante fonte onde fui beber conhecimento; a a CAPES, pela bolsa-doutorado do programa PROCAD; e a UNEB, parceira também do PROCAD e dos quatro seminários que realizamos pelo programa. Na UCSAL destaco o apoio do M. Reitor José Carlos Almeida da Silva e da Profa. Maria Julieta Mandarino Firpo Fontes, Superintendente da SPPG. No IPPUR, sou grato a todos os mestres e mestras, mas senti-me mais próximo de Tamara Egler e Ana Clara Ribeiro e de Mauro Kleiman, Frederico Araújo, Henri Acselrad e Carlos Vainer. Destaco o excelente atendimento dos funcionários da Secretaria, Zuleika, Vera e Josemar; da Biblioteca, Ana Lúcia e Maria Luiza, eficientes e solícitas; da administração, Alberico, Paulinho e João. Da UNEB, sou grato às professoras Maria José (Marita) Palmeira e Nádia Fialho. Os professores-examinadores deram especiais colaborações para o texto final, mas a participação da Profa. Ester Limonad foi especialíssima. Agradeço especialmente ao meu orientador Dr. Rainer Randolph. Devo, aqui, romper as barreiras da formalidade. A participação de Rainer no processo não se limitou à paciência, incentivo e naturais intervenções para a construção da tese: foi muito mais longe, ajudando-me a reconstruir as próprias bases de minha relação com o conhecimento, alertando-me contra insidiosas recaídas no pensamento positivista e contra a tendência a abrir demasiadamente os horizontes da análise, com sacrifício do foco. As boas lembranças e as colaborações foram muitas, ocupariam páginas. A “turma do NPP” - na UCSAL – ofereceu um excelente ambiente de estudo e pesquisa. Josineide da Silva Costa colaborou, com dedicação e competência, na pesquisa empírica. A amizade de alguns colegas de turma foi essencial, com destaque para Victor Mendes, Márcia Andrade, Analida Rincón Patiño e Geraldo Browne Ribeiro Filho. Susana Hamilton, além de colega, foi – e permanece – querida parceira de estudos, discussões e produção acadêmica.

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LISTA DE QUADROS Quadro Título Página

01 A Luta Mundial Permanente pelos Direitos Humanos –Séc. XVIII/XIX

20

02 Millenium Development Goals Indicators (dados relativos às TIC). 21

03 Caracterização da população em termos de uso do computador 24

04 Proporção De Indivíduos Que Usaram O Computador, De Qualquer Local 26

05 Mapa da Exclusão Digital (resumo Brasil). 36 06 Mapa da Exclusão Digital (amostra de alguns municípíos). 36 07 Fatores-causais da desigualdade digital 44

08 Estratificação da população para uma política de combate à exclusão digital 50

09 Períodos técnicos 76

10 Mudanças tecnológicas / Avanços estratégicos 76

11 Fordismo x Pós-Fordismo: traços básicos 99

12 Posição dos Países por Número de Hosts (Network Wizards 2002) 108

13 Hosts nas Américas 109

14 Sociedade da Informação - Indicadores da América do Sul 109

15 Estratificação da população para uma política de inclusão digital 120

16 Objetivos para uma Política de Inclusão Digital 128 17 Inclusão digital: objetivos e população alvo 130 18 Balança Comercial do Software (em US$ milhões) 159

19 Exemplos de Telecentros na Bahia (escolas públicas e outros sítios) 162

20 Especificações de hardware e software para Telecentros 167

21 Dados da SEED para o Estado da Bahia. 184

22 Previsão de Matrícula para 2006 – RME/PMS. 192

23 Dados dos laboratórios das escolas visitadas 193

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LISTA DE FIGURAS

1 Esquema de retroação 58 2 Tipologia das informações 60 3 Modos de transmissão analógico/digital 95 4 Contexto e dimensões da inclusão digital 204 5 Estrutura piramidal da inclusão digital tout court 205 6 Aspectos do projeto de inclusão digital 205

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LISTA DE SIGLAS CDI - Comitê para a Democratização da Informática1, CGI.br – Comitê Gestor da Internet, Seção Brasil. DESA (ONU) - Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais FGV – Fundação Getúlio Vargas GAID - Grupo de Ação para a Inclusão Digital IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDD - Taxa de Inclusão Digital Doméstica.2 MC (EUA) - Ministério do Comércio dos EUA MCT (BRASIL) – Ministério da Ciência e da Tecnologia. NIC.br (MCT) - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br. NTIA (MC/EUA) - National Telecommunication and Information Administration. ONU - Organização das Nações Unidas. UIT (ONU) – União Internacional para as Telecomunicações USAID - United States Agency for International Development WSIS (ONU) – World Summit on the Information Society. CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico EUROSTAT (Instituto de Estatísticas da Comissão Européia)

1 ONG dedicada à inclusão digital, “como um instrumento para a construção da cidadania”. 2 Percentual da população brasileira que tem computador em casa (dado da FGV).

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RESUMO

O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e sua desigual apropriação pelos diferentes estratos sociais originaram um novo tipo de desigualdade, cuja face mais visível (não, talvez, a mais relevante) é a impossibilidade de acesso dos mais pobres ao computador, à internet e aos conhecimentos básicos de informática. Trata-se da desigualdade digital (para alguns, exclusão digital; nos EUA, digital divide; na Argentina, brecha digital). Para combatê-la, o Governo e seus parceiros da sociedade civil e do mercado anunciam uma política de inclusão digital universal autonomista e cidadã, isto é, garantia de treinamento básico e de acesso às TIC para toda a população, apoiada num modelo pedagógico capaz de promover o desenvolvimento da autonomia e da competência/motivação para a participação cidadã do sujeito. O projeto prevê a implantação de laboratórios de informática ligados à internet nas escolas públicas, e a criação de telecentros públicos gratuitos para a população pobre fora-da-escola. Contudo, nossa pesquisa encontrou escolas pobremente equipadas, contato muito reduzido do aluno com o laboratório, falta de manutenção das máquinas e insuficiência de professores capacitados. O número de telecentros é irrisório, quando mais da metade dos brasileiros (54,79%) nunca usou computadores e 67,76% jamais entrou na internet. E, a pedagogia da “autonomização” e da “conscientização cidadã” requer interação bem maior que o pobre contato instrutor/aluno no telecentro. Assim, a política anunciada está sob questão. Contudo, um projeto mais honesto precisa ser tocado: são os contornos desta “inclusão possível” que nos propomos discutir. Concluímos que a inclusão digital universal autonomista-cidadã não faz parte dos horizontes da década, mas a “inclusão possível” é necessária. O caminho mais apropriado para a universalização em médio prazo é a informatização da escola pública. É urgente fazer de toda escola uma escola conectada. Os demais “excluídos digitais” devem ser atendidos através da implantação de telecentros públicos. Mas, deve ser criada também uma solução de parceria com “telecentros privados”, para atingir uma escala numérica que as instalações públicas jamais poderão alcançar. Palavras-Chaves: 1. Desigualdade social. 2. Desigualdade digital. 3. Inclusão digital - Política pública. 4. Alfabetizacão digital - Cidadania. 5. Politica Nacional de Inclusão Digital. .

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RESUMEN

El desarrollo de las Tecnologías de la Información y de la Comunicación (TIC) y suya desigual apropiación por los diferentes estratos sociales originaran un nuevo tipo de desigualdad, cuya faceta más visible (pero, no la más relevante) es la privación de acceso de los más pobres a la computadora, a la internet y a los conocimientos básicos de informática. Trata-se de la desigualdad digital, ó exclusión digital (en los EUA, digital divide; en Argentina, brecha digital). Para combatir-la, el Gobierno y sus parejos de la sociedad civil y del mercado anuncian una política de inclusión digital universal autonomista y ciudadana, con garantía de entrenamiento básico y de acceso a las TIC para toda la población, apoyada en un modelo pedagógico capaz de promover el desarrollo de la autonomía y de la competencia-y-motivación para la participación ciudadana del sujeto. El proyecto prevé la implantación de laboratorios de informática ligados con internet en las escuelas públicas, y la creación de telecentros públicos gratuitos para la población pobre fuera-de-la-escuela. Pero, nuestra pesquisa encontró escuelas pobremente equipadas, poco contacto del aluno con el laboratorio, máquinas sin manutención y insuficiencia de profesores capacitados. El número de telecentros es irrisorio, cuando más que mitad de los brasileños nunca usó computadoras y 67,76% jamás entró en la internet. La pedagogía de la “autonomización” y de la “concienciación ciudadana” exige una interacción bien mayor que el suelo contacto instructor/aluno del telecentro. Así, la política anunciada queda bajo cuestión. Un proyecto más honesto precisa ser tocado y son los contornos de la “inclusión posible” que nos proponemos discutir. Concluimos es que la inclusión digital universal autonomista-ciudadana no es parte de los horizontes de la década, mas la “inclusión posible” es necesaria. El camino más apropiado para la universalización en medio plazo es la informatización de la escuela pública. Es urgente hacer de toda escuela una escuela conectada. Los demás “excluidos digitales” deben ser atendidos con la implantación de telecentros públicos. Mas, debe ser criada también una solución de pareja con los locutorios privados, para atingir una escala numérica que las instalaciones públicas jamás podrán alcanzar. Palabras-Claves: 1. Desigualdad social. 2. Desigualdad digital. 3. Inclusión digital - Política pública. 4. Alfabetización digital - Ciudadanía. 5. Política Nacional de Inclusión Digital.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO 1 - DESIGUALDADE DIGITAL

1.1 DESIGUALDADE SOCIAL E LUTA ANTI-DESIGUALDADE 19 1.2 DESIGUALDADE DIGITAL 22 1.3 DIMENSÕES DA DESIGUALDADE DIGITAL 25 1.4 RELEVÂNCIA DA DESIGUALDADE DIGITAL 29 1.5 A ABORDAGEM TECNICISTA DA “EXCLUSÃO DIGITAL” 33 1.6 VISÃO CRÍTICA DA PERSPECTIVA DO “TRIPLO PROVIMENTO” 37 1.7 REVENDO O CONCEITO DE EXCLUSÃO DIGITAL (versus EXCLUSÃO SOCIAL) 41 1.8 CAUSAS DA DESIGUALDADE DIGITAL NO BRASIL 44 1.9 O COMBATE À DESIGUALDADE DIGITAL. POPULAÇÕES-ALVO 47

CAPÍTULO 2 - TÉCNICA, TIC E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

2.1 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (CONHECIMENTO. APRENDIZAGEM.) 55 2.2 TÉCNICA (Técnica e Sociedade. Apropriação. Universalização e convergência) 71 2.3 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO - TIC 83 2.4 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO. CAPITALISMO

INFORMATIZADO 98

CAPÍTULO 3 - INCLUSÃO DIGITAL

3.1 O CONTEXTO 112 3.2 DEFINIÇÕES. FOCOS. ESCALAS 115 3.3 ELEMENTOS PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO DIGITAL 128 3.4 ALGUMAS CONCLUSÕES DO PERCURSO 136 3.5 AS POSSIBILIDADES DA INCLUSÃO DIGITAL. INCLUSÃO DIGITAL E DIREITO DIFUSO 139

CAPÍTULO 4 - EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL

4.1 INFORMÁTICA PÚBLICA E GOVERNO ELETRÔNICO 152 4.2 POLÍTICA DE SOFTWARE LIVRE 153 4.3 POLÍTICA DE TELECENTROS 162 4.4 INFORMÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA 176 4.5 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL: PETI/PMS 184 4.6 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL: PROJETO “IDENTIDADE DIGITAL” 199 4.7 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL: PROJETO CDI/EIC 200 CONCLUSÃO 201 REFERÊNCIAS 210 ANEXOS 217

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INTRODUÇÃO

Saber sobre as coisas, saber sobre os homens

O saber sobre as coisas implica a determinação da gênese, das propriedades

constitutivas e das especificidades tipológicas das coisas, bem como da história de

suas transformações no tempo, referenciadas, sempre, a dados quantitativos.

Somente assim poderemos entender como e porque as coisas vieram a alcançar o

estado em que as encontramos, quando as tomamos como objeto de nossa análise,

bem como formular sua classificação tipológica. Gênese, taxionomia e mathesis

estruturam o saber moderno (Foucault, apud ARAÚJO, 2003, p. xx). O moderno

saber sobre os homens procura conhecer, também, a gênese e a história, as

propriedades e as especificidades dos seus objetos de análise. Mas, à diferença,

nem sempre persegue os quantitativos.

Por outro lado, enquanto no saber sobre as coisas o elemento conforma a estrutura,

tal assertiva não encontra lugar na oposição dialética entre indivíduo e sociedade. O

indivíduo não “forma” a sociedade: um e outro se formam, se conformam e se

transformam em mútua, contínua e permanente interação. Mais: indivíduo e

sociedade são entes da razão, sem existência concreta isolada e não podem ser

isolados empiricamente, para observação.

O grau de invariância encontrado nas coisas facilita sua classificação; a fluidez dos

objetos dificulta o saber sobre os homens. Os cientistas sociais divergem sobre a

existência de uma “natureza humana”3 e de capacidades diferenciadas inatas, e

parecem preferir lidar com um “indivíduo padrão” plástico, redutível a uma

elementaridade única, uma “mônada humana” vazia de especificidades, o que nega

os tipos e tipologias.

3 O tema da “natureza humana”, ou da natureza x cultura, discute a existência de capacidades diferenciadas inatas e o papel dos genes no comportamento. Na teoria da tábula rasa, a mente humana é inteiramente moldada pela cultura. Stephen Jay Gould, paleontólogo, e Richard Lewontin, geneticista, adotam este viés, contra Edward O. Wilson, biólogo, pai da sociobiologia e Steven Pinker, psicólogo da linguagem. Para Pinker os pensadores ‘politicamente corretos’ atrasam o desenvolvimento da "ciência honesta da natureza humana", pelo temor (político) de que a admissão das capacidades inatas implique conclusões discriminatórias de superioridade e inferioridade “natural”, e que isto abra uma porta para a desigualdade política e a opressão.

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Ora, indivíduo e sociedade “se formam, se conformam e se transformam em mútua,

contínua e permanente interação” mas, as capacidades inatas (admitida sua

existência) limitam as formas e as características dos agregados humanos passíveis

de serem formados e mantidos, e seus processos de transformação4. Por exemplo,

sociedades extensas, complexas e tecnificadas apresentarão, necessariamente,

formas complexas e variadas de divisão social do trabalho e de divisão social das

funções de comando/subordinação, das quais resultarão, necessariamente, formas

complexas e variadas de desigualdades sociais.

Postulamos que as desigualdades sociais do tipo referido são constitutivas da

sociedade, e irremovíveis; mas, a capacidade humana de uso da razão traz em si a

potência do concerto político para o enfrentamento, contingenciamento e redução,

efetiva e duradoura, de seus desníveis e danos das desigualdades. Um processo

amplo, geral e contínuo nesta direção poderia, teoricamente, instaurar e manter uma

tendência de aproximação assintótica a uma sociedade sustentavelmente mais

igualitária e solidária, baseada numa espiral retro-alimentadora, ou círculo virtuoso,

entre os processos de autonomização-solidarização dos sujeitos e os de reforço do

binômio cidadania-democracia. Nomearemos de progressista toda transformação

social (ou projeto) que se oriente na direção descrita; e, de conservador(a), toda

ação social ou projeto político descomprometido com a redução das desigualdades.

Contudo, para planejadamente transformar um objeto devemos primeiro conhecê-lo

(conhecer, para transformar): conhecer as possibilidades de ação e de reações

adversas, os recursos físico e humanos necessários à empresa e o estado das

vontades dos envolvidos na mudança. Então, estaremos aptos para formular o

projeto de mudança. Depois disto – depois, também, de captados os recursos -, e se

favoráveis os augúrios, deveremos empreender a ação.

Desigualdade Digital – o reconhecimento e o combate.

O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e sua

desigual apropriação pelos diferentes estratos sociais vieram acrescentar ao rol das

desigualdades sociais uma desigualdade de novo tipo ou forma, que trataremos por

desigualdade digital. O combate a esta desigualdade no Brasil – fulcro da presente

4 Não se discute a existência de certos invariantes biológicos que limitam a liberdade da ação humana, como que todo ser humano nasce, cresce, morre, respira, bebe, come, etc.

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tese – vem sendo associado a uma política pública universal, vinculada a objetivos

de inclusão social, reforço da cidadania e autonomia dos sujeitos (SILVEIRA, 2003;

SORJ, 2003). Configura, portanto, um projeto de transformação social progressista,

que ora aparece como um objetivo a ser alcançado, ora como um processo para se

atingir o objetivo.

Um projeto desta natureza requer o conhecimento do objeto a transformar, dos

processos capazes de transformá-lo, e dos recursos que a empreitada requer.

Assim, requer saber-se: i) com relação aos objetivos quantitativos, quais as

populações-alvo e suas especificidades; ii) quanto aos objetivos qualitativos, quais

os níveis de desenvolvimento (conteúdos, habilidades) possíveis de serem

alcançados, nas temporalidades tidas em conta; iii) quanto aos procedimentos:

formulação de sub-projetos viáveis, e de processos capazes de concretizar o

projeto; iv) com relação aos recursos demandados: definir as instalações físicas,

recursos materiais e financeiros, recursos humanos de todo tipo; v) quais as

prováveis conseqüências do (não) atingimento dos objetivos.

Quanto à viabilidade política do projeto, a questão é se a sociedade brasileira está

preparada, interessada e capacitada, hoje, para um projeto deste porte e com estes

objetivos. Existe a vontade política nas camadas dirigentes? Existe suficiente poder

para vencer as resistências e conter os desvios? A resistência pode se manifestar

pelo roubo e depredação dos equipamentos e instalações; a falta de manutenção e

paralisação dos laboratórios e telecentros, por arbítrio ou desídia dos supervisores; a

não alocação de pessoal apto como instrutores; pela falta de treinamento e de

incentivos; pela inadequação ou ausência de projetos pedagógicos; pelas manobras

de privatização do público.

O objetivo da presente tese é, então, a análise dos elementos centrais relativos à

questão da inclusão digital, numa perspectiva cidadã-democrática. Pretende-se

discutir o contexto, a necessidade, a relevância, a possibilidade e os modelos

propostos de inclusão digital em tal horizonte. A tese trata de aspectos sociais e

políticos do fenômeno, suas relações com as desigualdades sociais, e seu potencial

para reduzir estas desigualdades e melhorar a qualidade de vida dos “incluídos”, e

de toda a sociedade. Contudo, a inclusão digital é uma faceta particular das

questões da inclusão social, não se podendo empreender a primeira na ausência da

segunda. Por outro lado, a inclusão (digital ou social) é par da exclusão (idem),

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sendo a própria exclusão social uma manifestação particular das desigualdades

sociais, sobretudo das desigualdades que se expressam sob o rótulo de pobreza.

Assim, para uma adequada compreensão do objeto proposto, decidimos examinar,

primeiro, o contexto em que ele se dá.

Essa investigação inscreve-se no mesmo contexto da maioria dos trabalhos de

sociologia e de ciência política atuais, que versam sobre “o estado do mundo”5.

Procura-se analisar, compreender, explicar as transformações ou a transição pelas

quais passa o mundo de hoje no início de um novo milênio. Em princípio seria

necessário, para dar conta da importância e abrangência do tema, debater toda a

complexidade de um encadeamento de distintas formas interdependentes de

desigualdade e de exclusão que perpassam os níveis macro (internacionais),

regionais, nacionais, sub-nacionais até se manifestar concretamente na escala da

cidade e no cotidiano das pessoas. Seria, porém, um esforço excessivo, de modo

que privilegiaremos as perspectivas mais voltadas à problemática específica do

nosso trabalho, a cisão digital.

A pesquisa objetivou ampliar a discussão a respeito desse fenômeno e explorar

elementos para aprofundamento da reflexão, com a busca de um referencial teórico-

conceitual, como forma de contribuição ao debate, ainda preso a meras

constatações empíricas ou à manipulação de estatísticas. Recusamos tratar os

referidos fenômenos como expressões de “desigualdades” quantificáveis, para vê-

los como formas altamente complexas destas, que perpassam um largo espectro da

vida social, no sentido lato, na formação econômica social capitalista, podendo,

mesmo, configurar uma forma de exclusão social.

Estrutura da tese

Capítulo I – Desigualdade Digital

O capítulo inicia com um ligeiro exame da questão das desigualdades sociais e da

luta anti-desigualdades, a fim de reconhecer e situar neste contexto a “desigualdade

digital”. Analisam-se alguns fatos e hipóteses em torno do tema, problematizando-o

5 R. RANDOLPH e M. H. T. LIMA desenvolvem, isolada ou conjuntamente, projetos de pesquisa voltados tanto para a problemática do avanço das TIC quanto para a questão das desigualdades sociais e da pobreza nas suas diferentes modalidades de expressão, adotando uma visão crítica em relação às conseqüências das transformações sociais e espaciais, especialmente em nosso país.

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à luz das várias abordagens e denominações que recebe. Examina-se a

desigualdade digital sob diferentes dimensões, seus possíveis fatores causais e, em

particular, a propriedade - ou não - da expressão “exclusão digital”, em face da mais

debatida “exclusão social”. Questiona-se a relevância social e o estado da

desigualdade digital no Brasil, e os enfoques das propostas para combate à mesma.

Capítulo II – Técnica e Sociedade.

A importância da técnica e seu protagonismo no processo civilizatório como um todo

são temas amplamente debatidos, sendo difícil ampliar a discussão. Deste modo,

apenas recuperamos alguns aspectos julgados relevantes, como:

a) uma breve discussão dos conceitos de Informação, Comunicação, Conhecimento

e Aprendizagem;

b) análise do processo social de apropriação da técnica e da tendência da técnica

para a convergência e a universalização;

c) um visão panorâmica dos elementos que constituem as Tecnologias da

Informação e da Comunicação (TIC). Não apenas os computadores e as redes

informáticas, mas a imprensa e a telefonia, o rádio e a TV, com destaque ao

processo de convergência e universalização das mídias em face da internet; e,

d) o conceito de “Sociedade da Informação”: como emerge, quais os elementos

constitutivos, quais são as transformações sociais induzidas pelas TIC e suas

contradições, e qual o projeto da Cúpula Mundial da Sociedade da informação.

Capítulo III – Inclusão Digital

Na primeira parte do capítulo busca-se contextualizar e conceituar a “inclusão

digital”. Segue-se uma análise das promessas e falácias percebidas nos discursos

sobre o tema. Na segunda parte, discutem-se as possibilidades da inclusão digital

no Brasil, levando em conta ser o país sede de uma formação social tipificada como

uma sociedade “capitalista periférica”, por isso mesmo autoritária, hierárquica,

desigual.

Com efeito, os discursos soem ignorar o nó sociológico e político que ata as

condições políticas de possibilidade da inclusão digital. Uma política pública da

envergadura daquela anunciada depende radicalmente da vontade política dos

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diversos segmentos sociais com poder de decisão sobre as possibilidades de

inclusão digital em uma sociedade capitalista. Dito de outro modo, a inclusão digital

“universal e autonomista-cidadã” – nos moldes apresentados – está na dependência

das “vontades” do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil. No Brasil, temos ainda

que lidar com a globalização e com “as patas do imperialismo sobre nós”:

colonização do imaginário social, da educação, da informação e das comunicações.

Ao lado de toda esta discussão, examina-se o viés da inclusão digital como direito

difuso. Em tese, é possível demonstrar este direito; em tese, existem remédios

jurídicos ao alcance da ação popular. Mas, é duvidoso que uma solução desta

natureza possa ter andamento.

Capítulo IV – Experiências de Inclusão Digital.

Analisa-se aqui a Política Nacional de Inclusão Digital, realçando quatro eixos de

sua atuação: 1) a instalação de laboratórios de informática na escola pública -

ensino fundamental e médio - para uso didático; formulação de projetos pedagógicos

adequados ao processo; e, treinamento de professores para atuarem nos

laboratórios; (2) a instalação, em todo o território nacional, de uma rede de

Telecentros Públicos e gratuitos, para os candidatos à inclusão digital; (3) o apoio

governamental ao Software Livre, cujo uso deve ser incrementado nos laboratórios

de informática; e (4) a consolidação das políticas de Governo Eletrônico que, não

sendo embora uma ação voltada para a inclusão digital, termina por favorecê-la pela

disseminação do contato da população com os terminais eletrônicos de acesso a

serviços do governo.

Os Telecentros e Laboratórios deverão fornecer as condições materiais de

possibilidade da inclusão digital. Entre os problemas, lembramos as instalações

físicas: a quantidade de centros necessários para atender à população visada; a

qualidade; o hardware (configurações, quantidade, qualidade, manutenção) e o

software (definição, aquisição e manutenção); as conexões necessárias para o

acesso à internet (“linhas” – telefônicas, ou outras - e demais componentes).

Esta parafernália exige pessoal treinado e apto para a operação/manutenção dos

telecentros e laboratórios, monitores e instrutores, além de pessoal para os

chamados “serviços gerais” (limpeza, segurança) e, certamente, alguns “gerentes”

(no caso dos Laboratórios, assimilados ao corpo docente). Por último, a questão

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financeira, incluindo, eventualmente, o custeio do acesso dos “incluendos”

(transporte, principalmente). Deve-se considerar, por fim, a questão pedagógica: o

que ensinar, e como, incluindo, se possível, alguma forma de acompanhamento dos

egressos.

É abordado um caso particular de inclusão digital com a instalação de telecentros

“comunitários” em uma comunidade semi-isolada (“A experiência da Ilha do Mel”).

São apresentadas a seguir algumas experiências locais de inclusão digital, com

destaque para o projeto PETI/PMS, de inclusão digital via rede escolar da Prefeitura

Municipal de Salvador. O projeto Identidade Digital, é um projeto de inclusão digital

do Governo do Estado da Bahia, conduzido pela SECTI. Como contraponto à ação

do estado, examina-se um caso pautado pela sociedade civil organizada, o projeto

de inclusão digital do Comitê para Democratização da Informática (CDI), através de

Escolas de Informática e Cidadania (EIC).

CONCLUSÃO – neste tópico são resumidas as conclusões alcançadas pelo

pesquisador ao longo do trabalho, e encaminhadas algumas sugestões.

METODOLOGIA. A metodologia seguida está, em parte descrita nos roteiros dos

capítulos. Através da pesquisa bibliográfica foram levantados os discursos da

exclusão e da inclusão digital, em sua formulação teórico-programática e em suas

recomendações práticas. Estes elementos foram confrontados para se obter, no

final, uma visão tão ampla quanto possível (no escopo do presente trabalho) sobre

as dimensões, dificuldades e oportunidades de uma inclusão digital autonomizante-

cidadanizante.

No plano empírico, adotou-se a observação e as entrevistas como meio de obter

informações para respaldar as hipóteses teorizadas. A empiria constou do

levantamento dos casos de inclusão digital através da escola pública da PMS, dos

telecentros estaduais e de ações da sociedade civil.

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Capítulo 1 - DESIGUALDADE DIGITAL

A história de qualquer sociedade até aos nossos dias não foi mais do que a história das lutas de classes e da organização da sociedade em classes distintas, com suas hierarquias particulares - homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo: numa palavra, opressores e oprimidos - em oposição constante e ininterrupta, aberta ou dissimulada, até a produzir uma transformação revolucionária. A sociedade burguesa não aboliu os antagonismos de classes: apenas os substituiu por novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta (MARX & ENGELS, 2000,p.75).

Vivemos em um mundo de opulência sem precedentes. O regime democrático e participativo [tornou-se] o modelo preeminente de organização política. Os conceitos de direitos humanos e liberdade política hoje são parte da retórica prevalecente. As pessoas vivem, em média, muito mais tempo [e] as regiões do globo estão mais estreitamente ligadas nos campos das trocas [e] também quanto a idéias e ideais. Entretanto, vivemos igualmente em um mundo de privação e opressão extraordinárias [no qual persistem] a pobreza e necessidades essenciais não satisfeitas, fome, violação de liberdades, negligência para com as mulheres, e graves ameaças ao meio ambiente, tanto em países ricos, como em países pobres. Superar esses problemas é parte central do processo de desenvolvimento (SEN, 2000,pp.9-10, passim).

1.1 DESIGUALDADE SOCIAL E LUTA ANTI-DESIGUALDADE

Os textos em epígrafe representam duas visões de mundo. Os autores, em

comum, percebem que parte dos seres humanos está sujeita a sofrimentos e

opressão, e reconhecem a existência de conflitos entre parcelas da humanidade.

Marx atribui a opressão às desigualdades entre classes sociais, as quais vão se

acumulando “até produzir uma transformação revolucionária”. Contemporâneo, e

de orientação liberal, Sen negligencia as causas “desses problemas” e atribui sua

superação ao “processo de desenvolvimento”. Este deve visar, antes dos

objetivos econômicos, “a expansão das liberdades reais das pessoas” (SEN, 2000,

p.52). Soa a-histórica e naturalizante a previsão de uma migração social, desde

um ambiente de violação das liberdades, para outro, de expansão destas, sem

menção às lutas sociais a que isto dará lugar.

A desigualdade, no início do Século XXI, desmentindo as promessas neoliberais

de desenvolvimento, aumentou em todo o mundo. Apesar do crescimento

econômico em algumas regiões do planeta nos últimos anos e da melhoria das

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condições de vida de seus habitantes, o mundo está mais desigual do que há 10

anos, segundo relatório da ONU/DESA (2005). Na América Latina, o Brasil lidera

o ranking de desigualdade social, pois a renda per capita dos 10 por cento mais

ricos da população brasileira é 32 vezes maior do que a renda dos 40 por cento

mais pobres, índice que é de 8,8 vezes no Uruguai e 12,6 vezes na Costa Rica.

Os discursos condenando a miséria social e propugnando uma “nova era” de

maior justiça social, de “igualdade, liberdade e fraternidade”, ou lemas

equivalentes, são mais antigos que a civilização ocidental, e suas raízes

helênicas. Tais movimentos, em seu tempo, lograram avanços parciais. Muito

lentamente (tomando por medida o tempo de uma vida humana), os ideais da

dignidade da pessoa, da responsabilidade pelo bem estar do outro, e do

reconhecimento dos direitos - individuais, políticos e sociais, na posterior

referência de Marshall – foram se firmando, ampliando-se e se difundindo. Ao

longo dos Séculos XVIII e XIX as transformações se aceleraram, a escravidão e a

monarquia absoluta foram banidas dos estatutos societários e ganhou impulso a

luta pela igualdade da mulher (Quadro 1).

Quadro 1: A Luta Mundial Permanente pelos Direitos Humanos –Séculos XVIII/XIX.

Lutas e acontecimentos históricos

Conferências, documentos e declarações

Instituições

1789 Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1815 Sublevações de escravos na América Latina e na França Década de 1830 Movimentos de defesa dos direitos sociais e econômicos. Ramakrishna na Índia. Movimentos religiosos no ocidente 1840 Irlanda - o movimento cartista exige o sufrágio universal e direitos para os trabalhadores e os pobres. 1847 Revolução da Libéria 1861 Libertação da servidão da gleba na Rússia

1792 A vindication of the Rights of Women de Mary Wollstonecraft Decênio de 1860 Mirza Fath Ali Akhundzade, no Irã, e Tan Sitong, na China, defendem a igualdade de gênero Decênio de 1860 O periódico La Camélia de Rosa Guerra advoga a igualdade da mulher em toda a América Latina Decênio de 1860 Toshiko Kishida publica no Japão o ensaio Lhes digo, minhas irmãs. 1860-80 Mais de 50 tratados bilaterais sobre a abolição do tráfico de escravos em todas as regiões

1809 Suécia cria a instituição de defesa de direitos (ombudsman) 1815 Congresso de Viena -Comitê sobre o tráfico internacional de escravos 1839 Liga contra a Escravidão na Grã Bretanha Decênio de 1860 - Confederação Abolicionista no Brasil 1863 Comitê Internacional da Cruz Vermelha 1864 Associação Internacional de Trabalhadores 1896 Liga Internacional dos Direitos Humanos, organização não-governamental estabelecida em reação ao caso Dreyfus

Fonte: ONU: Informe Sobre Desenvolvimento Humano (2000).

Mas, a expansão colonialista européia e japonesa continuou semeando opressão,

até o Século XX. Em 1917, a Revolução Russa deu um formidável exemplo de

ação transformadora; mas, as guerras imperialistas e colonialistas persistem até

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meados do século. Ocorrem, a seguir, muitas lutas pela auto-determinação dos

povos, que vão elevar o número de países “livres”. Ganha impulso a luta pelos

direitos humanos e pelos direitos da criança e da mulher, a educação, o

desenvolvimento social e o meio ambiente. Contudo, os processos históricos não

são lineares, nem cumulativos e a extirpação de males antigos não previne o

surgimento de novos. Assim, seguem tendo vez projetos conservadores que

visam manter as desigualdades e privilégios, e bloquear a difusão e o

alargamento das conquistas sociais, como as guerras neo-imperialistas (caso do

Iraque) e as pressões político-econômicas do neo-liberalismo (ARRIGHI &

SILVER, 2001; LUTTWAK, 2001; SANTOS, 2000).

Os discursos, as propostas, as perorações, e as lutas, os experimentos, revoltas e

revoluções de variado porte, não foram suficientes, até hoje, para concretizar os

sonhos de justiça social e os objetivos libertários. Por precocidade? Por falta de

clareza dos objetivos? Por se buscar o que, afinal, é impossível, ou anti-natural?

Uma hipótese plausível é que não havia, no passado, suficiente conhecimento e

compreensão dos problemas sociais para que fossem propostos objetivos e

procedimentos (projetos) adequados, do que resultaria a formulação de objetivos

nebulosos ou inviáveis, e de métodos de consecução inadequados. Neste marco,

postularemos – sem demonstrar - a necessidade de “conhecer, para transformar

(planejadamente)”. Postulamos, também, que a ação transformadora requer uma

estratégia tri-dimensional, que envolve Conhecimento, Projeto e Ação.

A dimensão Conhecimento implica conhecer (suficientemente) o objeto a ser

transformado, os limites dos objetivos passíveis de serem propostos, e os

processos supostamente eficazes aplicáveis ao caso. A dimensão-Projeto implica

a formulação das linhas de ação, a proposição de metas e a definição dos

recursos necessários, sendo que o Projeto sói transcender a esfera do

conhecimento e constituir-se nos mundos do desejo e do sonho, no mundo da

vontade política de se promover a ação social-transformadora. A dimensão-Ação,

enfim, consiste na execução do Projeto. Estas dimensões, continuamente, se

interpenetram e retro-alimentam-se.

Haverá, agora, o conhecimento que a transformação social progressista requer?

Admitimos ignorar se o conhecimento acumulado é já suficiente para a construção

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de uma nova, desejável e viável grande narrativa, visando a transformação social;

se os conhecimentos das ciências todas - sociais, da terra, e exatas - num grande

esforço trans-disciplinar, já fornecem os elementos necessários para tal

construção, em todas as suas dimensões. Insistiremos, porém, na centralidade do

conhecimento que, adiante, conectaremos com a informação, a comunicação e a

educação. E, também, com o binômio cidadania-democracia, não abordado ainda.

1.2 DESIGUALDADE DIGITAL

O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e

sua desigual apropriação pelos diferentes estratos sociais vieram acrescentar ao

rol das desigualdades sociais já existentes uma desigualdade de novo tipo ou

forma, cuja face mais visível (não, talvez, a mais relevante) se apresenta como a

privação do acesso da população mais pobre ao computador, à internet e aos

conhecimentos básicos para os utilizar (SILVEIRA, 2003, p.18)6. A distribuição

irregular do acesso entre diferentes sociedades e no interior de cada uma delas

está expressa em estatísticas públicas (Quadro 2; ver site do NIC.br)7. Decidimos

designar esta desigualdade como desigualdade referente às condições de

apropriação das tecnologias digitais ou, por economia, desigualdade digital.

Quadro 2. Millenium Development Goals Indicators (dados relativos às TIC).

BRASIL 2000 2001 2002 2003 2004 Telephone lines and cellular subscribers per 100 population 31,87 38,51 42,38 48,51 59,78

Telephone lines and cellular subscribers 54.114.444 66.176.548 73.691.648 85.578.264 107.987.160

Internet users per 100 population 2,94 4,66 8,22 10,20 12,18Internet users 5.000.000 8.000.000 14300000 18000000 22.000.000Personal computers per 100 population 5,01 6,29 7,48 8,87 10,71

Personal computers 8.500.000 10.800.000 13.000.000 15.648.000 19.350.000Fonte: ONU/United Nations Statistics Division (http://unstats.un.org/unsd/mdg/Data.aspx?cr=76) (Última atualização – 30 de junho de 2006).

O tema do acesso às TIC por parte de diversos segmentos e/ou classes sociais

tem sido alvo de estudos referidos a diferentes escalas - desde a internacional

6 Alguns autores incluem na discussão o acesso à telefonia (SORJ, 2003; DANTAS, 2002; e outros). Não contemplaremos este item em nossa discussão. 7 NIC.br - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br. Ver em http://www.nic.br/indicadores/

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(entre diferentes países), passando pelos âmbitos nacional, regional e municipal,

até alguma micro-escala - com relação aos elementos apontados (o computador,

a internet e os conhecimentos básicos para os utilizar), por parte de determinados

grupos da população, diferenciados por renda, educação, etnia e outros critérios8.

A desigualdade digital preocupa aos pesquisadores sociais e administradores

públicos de todos os níveis, e às autoridades dos organismos internacionais e das

agências multilaterais, como o provam os muitos artigos e livros editados sobre o

tema, e os variados projetos de combate a este fenômeno9.

O fenômeno, ao ser interpretado, nos EUA, como causador de uma “nova” forma

de divisão social, deu origem aos conceitos de digital divide e de “the information

haves and information have-nots’10. Em outros países, tem dado origem a outros

nomes, como as versões francesa (“fossé numérique”, ou "fracture numérique"11)

e argentina (“brecha digital”). No Brasil, a forma mais comumente encontrada é

“exclusão digital”, mas preferimos desigualdade digital. Utilizaremos, também,

eventualmente, as formas hiato, cisão, ou divisão digital, por concessão ao estilo.

Como primeira aproximação à questão da desigual apropriação das TIC por parte

de diferentes segmentos sociais – quer no sentido dos recursos em si, quer no do

conhecimento técnico requerido - consideremos as seguintes afirmações, aceitas

como dados, aparentemente, por diferentes autores (LOJKINE, 1999, pp.149ss.;

PROENZA, 2003, pp. 134ss.; SORJ, 2003, pp.35-75; CASTELLS, 2000, passim;

8 O acompanhamento dos processos relativos às TIC compete à National Telecommunication and Information Administration-NTIA, nos EUA. Sobre os programas da União Européia, cf. Randolph (2000). Entre as instâncias supranacionais, destacamos o Banco Mundial, a ONU/WSIS (World Summit for Information Society) e a UIT (União Internacional das Telecomunicações). No Brasil, a tarefa compete ao MCT/CGI-Br (Comitê Gestor da Internet) e entidades privadas, como a FGV. 9 Por exemplo, NEGROPONTE (1995); CASTELLS (1999); LOJKINE (1999); JAMBEIRO et al.(2003); SORJ (2003); RANDOLPH (1999, 2003); EGLER (2002); SANTOS (2003). 10 A origem da expressão digital divide é atribuída à dupla Bill Clinton/Al Gore, em seus discursos de campanha para a presidência dos EUA, em 1995. Mas, para JACKMAN & JONES (2002, p. 5), “Lloyd Morrisett, former president of the Markle Foundation, coined the term ‘Digital Divide’ in a 1995 foundation report that addressed the growing concern of the information haves and information have-nots and the role of technology in society. The rapid deployment of ICTs without appropriate acculturation for users to comprehend their complexities has contributed enormously to the ever-widening chasm of the Digital Divide”. Cf., também, BRANDÃO & SILVA (2003, p. 327). 11 “Le concept de ‘fracture numérique’ de plus en plus difforme et pluri-sémantique est inadapté à la réalité de l'abord social de l'expression. ‘Exclusion numérique’ semble plus approprié lorsqu'il s'agit de décrire, de comprendre les phénomènes d'exclusion liées à l'appropriation des technologies de l'information et de la communication au sens large: internet, informatique, outils móbiles”. Jean Luc Raymond (2006), in blogs.microsoft.fr/jeanlr/category/106.aspx, acesso em 12/01/2006.

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RANDOLPH, 2003; EGLER, 2002, pp.375/7; e outros), com apoio em pesquisas e

quadros estatísticos (como aqueles originários da NIC.br, ou da UIT):

• a instauração e enraízamento das TIC na vida social é um fato consumado;

• as TIC tendem a invadir, cada vez mais, os mais diversos planos da vida

social e o cotidiano de “todas” as pessoas;

• os indivíduos, os coletivos e as instituições têm diferentes oportunidades,

formas e intensidades de acesso, apropriação e domínio das TIC;

• os indivíduos, coletivos e instituições que dispõem de recursos e

facilidades para aprofundar o acesso, apropriação e domínio das

potencialidades das TIC, começam a constituir uma classe de “info-ricos” e

a beneficiar-se competitivamente de vantagens negadas aos demais. Por

isso mesmo, tendem a adotar e a incrementar o uso e a exploração das

TIC a seu modo;

• os indivíduos, coletivos e instituições que, por restrições de quaisquer

tipos, enfrentam limites para o acesso, apropriação e domínio das

potencialidades das TIC - os “info-pobres” -, estão em desvantagem

relativamente aos (e sob o risco de serem explorados pelos) “info-ricos”, à

semelhança do que ocorreu e ocorre com relação à desigual apropriação

social de outras técnicas.

Salvo algumas especificidades, as afirmações acima repetem a história “comum”

da apropriação social das técnicas de caráter universal (SILVEIRA, 2003, p.22).

Os dois tópicos seguintes são hipóteses de trabalho que advertem o risco de

orientações inadequadas no combate à desigualdade digital e nos remetem de

volta às reflexões sobre as precauções que devem estar associadas a toda

estratégia para a ação transformadora:

• a redução dos danos, desvantagens e perdas de oportunidade resultantes

da desigualdade digital, em favor de amplas camadas da população, exige

formas criativas e inovadoras de enfrentamento da questão – formas

eficazes, eficientes, sustentáveis, de alcance a um tempo largo e profundo;

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• os esforços sociais para diminuição da desigualdade digital centrados

apenas na facilitação do acesso às TIC são de eficácia discutível e de

insuficiente força transformadora.

A demonstração das hipóteses se fará após o exame de alguns aspectos que

devem precedê-la. Insistimos, por ora, que a abordagem centrada no “acesso”

tem caráter imediatista, o qual minimiza a complexidade da questão e ajuda a

ocultar processos que, no fundo, favorecem os lucros e o domínio hegemônico

dos detentores do capital. A redução duradoura da amplitude do hiato digital

requer projetos que contemplem suas múltiplas dimensões. O combate a esta

forma de desigualdade social – como, enfim, a qualquer outra - enfrenta

limitações políticas por parte de forças hegemônicas, que se necessita identificar,

para o adequado encaminhamento das ações transformadoras preconizadas.

1.3 DIMENSÕES DA DESIGUALDADE DIGITAL

A complexidade do tema recomenda sua análise por partes, tanto na

caracterização do problema (causas, materialidade, conseqüências), como nas

possíveis formas de seu enfrentamento (redução, eliminação). Os Quadros 3 e 4

estratificam alguns números relativos ao uso do computador, no Brasil.

Quadro 3 - Caracterização da população em termos de uso do computador

Faixas etárias

Popul.% (*) Caracterização da população Uso temático

65++ 6,5 Idosos Participação política Informação/Cultura/Lazer/Afeto

18-64 59,6 PIA – População em Idade Ativa

Trabalho/emprego/renda Produção independente/inovação Participação política Informação/Cultura/Lazer/Afeto

07-17 21,4 PIE - População em Idade Escolar (ensino fundamental e médio) Educação/Formação

Até 6a. 12,5 Pré-escolares - Não computar. ----------- Fonte: elaboração própria. [(*) Baseado em http://www.frigoletto.com.br/GeoPop/].

A seguir, são referenciadas algumas possibilidades de parcelização do tema (vide

SORJ, 2003, pp. 59-75; GUERREIRO, 2006, pp. 163-242; BRASIL/MCT, 2000).

a) aspecto etário – a desigualdade digital atinge de modo diferente as diferentes

faixas etárias da população (vide Quadro 4). Selecionamos quatro faixas que

poderiam orientar uma política universalista de combate à desigualdade digital,

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cujas ações seriam direcionadas para os dois estratos mais significativos, a PIE-

População em Idade Escolar e a PIA-População em Idade Ativa (Quadro 3). A

faixa dos pré-escolares não receberia nenhum subsídio público e a dos idosos

poderia receber tratamento pontual, sem objetivo de universalização;

b) aspecto ocupacional – a sensibilidade das pessoas à desigualdade digital, a

cada momento, varia com seus modos de vida e suas ocupações naquele

momento. As necessidades relativas às TIC de um professor do ensino médio

diferem daquelas de um professor universitário, ou de um profissional liberal da

arquitetura, por exemplo. Assim, a importância da Internet não depende do meio

em si, mas de sua utilização, e o potencial de utilização é diferente entre

diferentes estratos sociais e/ou profissionais. A desigualdade digital tem a ver com

as possibilidades de alguém beneficiar-se de tais meios e seus condicionantes

ultrapassam a mera capacidade de acessar e de entender a funcionalidade.

Segundo RANDOLPH (2006), “a verdadeira problemática - como sempre ocorreu

com a técnica – reside na força da tecnologia para criar divisões e desigualdades

a partir de sua apropriação diferenciada”.

c) uso temático - a coluna de “usos temáticos” sugere algumas das classes de

objetivos que poderiam estar associados às políticas públicas de difusão do

acesso às tecnologias digitais. Por exemplo, disseminar informações julgadas

importantes pelos formuladores daquelas políticas; ou a capacitação de pessoas

para a participação política, aliado ao fornecimento de um ambiente (na rede) que

facilitasse esta participação; e assim por diante. Alguns destes “usos” estão

associados a determinadas faixas etárias: por exemplo, não se defende a

inclusão, nos usos da PIE, de treinamento para trabalho/emprego/renda. Por

outro lado, excluímos do mesmo grupo o lazer dependente das TIC, por

acreditarmos que esta modalidade de uso não deve constituir um objetivo da

política pública em foco, muito embora os jogos eletrônicos constituam uma

grande fatia do uso dos computadores pelos pré-adolescentes e adolescentes;

e) escalas geográficas, baseadas em recortes territoriais - neste caso, podemos

considerar, seguindo as divisões administrativas brasileiras, desde bairros e

distritos, cidades e municípios, até as regiões metropolitanas, estados membros e

regiões geográficas, e o próprio país (Quadro 4);

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QUADRO 4. PROPORÇÃO DE INDIVÍDUOS QUE USARAM O COMPUTADOR, DE QUALQUER LOCAL

(%) sobre o total da população*

Há menos de 3 meses

Entre 3 e 6 meses atrás

Entre 6 e 12 meses atrás

Mais de 12 meses

Nunca usou um comput.

Brasil Total 29,72 3,21 3,64 8,63 54,79 RM SP 38,90 3,84 4,23 8,38 44,65 RM RJ 34,37 3,73 4,15 7,58 50,17 RM BH 30,65 2,57 4,07 6,01 56,69 SUDESTE Outras SE 28,80 3,67 4,04 8,28 55,21 RM SAL 27,73 4,35 4,16 11,37 52,39 RM REC 27,82 2,40 4,56 10,34 54,88 RM FOR 26,56 2,59 1,55 10,41 58,88

NORDES-TE

Outras NO 19,30 2,36 2,77 7,97 67,60 RM BEL 28,73 3,91 4,07 11,96 51,33 NORTE Outras N 26,99 2,83 3,59 10,47 56,11 RM CUR 37,16 5,17 2,76 10,90 44,01 RM POA 35,36 3,65 5,42 8,98 46,59 SUL Outras S 31,20 2,75 3,17 9,27 53,61 DF 50,11 3,69 2,22 8,74 35,23 C.OESTE Outras CO 30,21 2,27 3,03 8,72 55,78 ATÉ R$300 6,86 2,20 2,76 7,41 80,78 R$301-R$500 14,16 2,55 5,06 7,05 71,18 R$501-R$1000 22,34 3,59 3,04 10,33 60,71 R$1001-R$1800 43,06 3,99 3,41 10,03 39,51

RENDA

R$1801 OU MAIS 63,59 2,84 4,40 7,19 21,98 Analfabeto/ Fundamental 1 inc. 4,54 1,84 1,51 2,36 89,75

Fundamental 1 compl 6,67 1,71 1,80 4,56 85,25 Fundamental 2 inc. 15,94 2,74 3,06 11,71 66,54 Fundamental 2 compl 26,20 3,96 4,55 12,66 52,63 Médio incompl. 42,38 6,23 7,97 13,45 29,97 Médio completo 53,63 5,23 5,90 14,04 21,20 Universitário inc. 85,83 2,12 2,27 3,79 6,00

INSTRU-ÇÃO

Universitário compl 84,45 1,47 2,91 5,35 5,82 Masculino 32,43 3,30 2,78 8,42 53,06 SEXO Feminino 27,61 3,14 4,30 8,80 56,15 A 86,77 0,22 1,40 3,22 8,39 B 69,05 4,22 3,49 7,19 16,06 C 35,21 3,60 4,62 10,27 46,30

CLASSE SOCIAL

DE 11,11 2,73 3,02 8,06 75,08 De 10 a 15 anos 43,32 5,89 6,52 7,73 36,54 De 16 a 24 anos 52,91 5,58 6,08 12,27 23,16 De 25 a 34 anos 33,07 3,81 4,41 11,94 46,78 De 35 a 44 anos 25,07 2,48 3,01 7,47 61,98 De 45 a 59 anos 20,85 2,82 2,61 6,31 67,41

FAIXA ETÁRIA

De 60 anos ou ++ 5,03 0,33 0,70 1,76 92,17 Fonte: CGI.br (http://www.nic.br/indicadores/usuarios/rel-comp-03.htm - acesso em 31/05/2006) Legenda - RM: Região Metropolitana; SP: São Paulo; RJ: Rio de Janeiro; BH: Belo Horizonte; SE: Sudeste; SAL: Salvador; REC: Recife; FOR: Fortaleza; NO: Nordeste; BEL: Belém; N: Norte; CUR: Curitiba; POA: Porto Alegre; S: Sul; DF: Distrito Federal; CO: Centro Oeste. * Base: 8.540 domicílios entrevistados. Pesquisa realizada em agosto/setembro 2005, pelo Instituto IPSOS

d) escalas quantitativas, isto é, relativas à extensão numérica do grupo de

“atingidos” pela desigualdade na apropriação das tecnologias digitais:

(i) escala-micro - está em jogo a desigual apropriação dos recursos das TIC

pelo indivíduo ou grupo familiar;

(ii) meso-escalas - são muitas as possibilidades de agregados nesta escala

como, por exemplo, grupos de empregados (em empresas de vários portes),

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prestadores de serviços em organizações da sociedade civil (ONGs, e

outras), comunidades isoladas (ou quase), estratos sociais delimitados, etc.;

(iii) escala macro – grandes grupos populacionais, como o total dos

habitantes do país, de uma região, do globo;

f) conseqüências (ou “efeitos”) – vamos apresentar alguns exemplos dos

“efeitos”, ou “impactos”, sem a intenção de esgotar o assunto. Alguns problemas

trazidos pela nova onda tecnológica são, efetivamente, consideráveis, entre eles o

desemprego e o reforço das posições hegemônicas dos “donos da tecnologia” (no

plano internacional, os países “centrais”; e, nos países “periféricos”, as grandes

empresas produtoras ou usuárias da informática, os bancos em particular).

Para o indivíduo/família a desigual apropriação das TIC cerceia (em ritmo que

parece crescente) as oportunidades de emprego e renda dos “info-pobres” e suas

oportunidades de inserção nos modernos meios de informação, de comunicação

e de aprendizagem, impedindo ou limitando o uso das vantagens proporcionadas

pelo acesso às TIC, como a e-educação, o e-comércio, o e-governo, a e-diversão,

o e-correio, e outras (SORJ, 2003, pp. 68-72).

No âmbito das empresas, a falta de pessoal habilitado à exploração dos recursos

das TIC nos novos ambientes de inovação implica a perda de competitividade

inter-empresarial e repercute no cenário internacional como limitação da

participação no comércio exterior. Na área das organizações da sociedade civil,

esta mesma carência de habilitações pode limitar a utilização dos recursos das

TIC para ações que visem o avanço do par binomial cidadania-democracia.

No plano nacional, os riscos ameaçam o próprio desenvolvimento do país. a

desigualdade ameaça as condições de desenvolvimento do país (com efeitos

retroativos sobre seus habitantes). Dá-se, mesmo, por impossível o planejamento

do desenvolvimento nacional sob o “capitalismo informacional” do século XXI sem

um firme domínio das TIC (CASTELLS, 2000, p. 36; SORJ, 2003, pp. 35ss).

Vejamos como uma fraca presença dos brasileiros na rede mundial prejudica o

desenvolvimento do país e dos seus cidadãos. Os três exemplos caracterizam

situações onde a desigualdade digital pode reforçar outras desigualdades sociais.

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29

Embora cada caso isolado se restrinja a um grupo limitado, sua soma com outros

casos acaba produzindo um efeito “total” que atinge a muitos.

O primeiro caso trata das exigências de certificação de credibilidade12 impostas

hoje aos interessados em participar das trocas econômicas e culturais baseadas

na internet, para o que é condição sine quae non a presença na rede. Para operar

no ambiente virtual as empresas, organizações e até certos profissionais têm que

contar com a certificação de credibilidade, isto é, com algum tipo de aprovação

virtual prestada por parceiros e intermediários. Na lógica destes sistemas, quanto

mais gente emitir opiniões, mais confiável será a “avaliação de reputações”.

O segundo exemplo tem a ver com a inovação associada ao uso de sistemas de

código aberto, nos quais, quanto maior o número de participantes colaborando,

tanto maior – em princípio - a criatividade coletiva, exigência que se torna crítica

na era digital, na qual o sistema só funciona se for alimentado pelo lançamento

contínuo de novas idéias, serviços e produtos. A mensagem implícita é que

quanto maior a presença, mais participação, num processo que se auto-reforça.

Terceiro: também no caso do jornalismo digital, a maior/menor presença na rede

passa a ser relevante, porque a tendência geral é para a valorização dos

noticiários local e não-local, alimentados através da contribuição direta de leitores-

repórteres. Quanto mais colaborações um determinado site receber, mais

diversificada e atraente ficará a sua página noticiosa e, consequentemente, maior

a sua clientela (dentro da lógica de presença e auto-reforço apontada).

1.4 RELEVÂNCIA DA DESIGUALDADE DIGITAL

Talvez devamos perguntar por que é (tão) importante tratar do fenômeno da

desigualdade digital, isto é, o que o torna relevante. Evidentemente, alguma coisa

é relevante para alguém, em certa situação, num determinado tempo e por algum

motivo. Sendo assim, a pergunta torna-se: por quais motivo(s) é relevante para a

sociedade brasileira ocupar-se, hoje, da existência, no país, de grupos

expressivos de pessoas apartadas da apropriação das tecnologias digitais ou,

quando não privadas de todo, limitadas a uma apropriação apenas rudimentar? 12,Sobre certificação de credibilidade, vide Carlos Castilho, “Um novo paradigma de credibilidade”: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=357ENO001. Acesso em nov/2005.

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30

As perguntas não cobrem todos os aspectos dignos de análise. Por exemplo,

faltaria identificar quem julga e gradua esta relevância, e como e porque o faz.

Antes de prosseguir, achamos conveniente esclarecer os sentidos do discurso.

Um fenômeno social poderá ser dito relevante se, numa visão horizontal, atinge

muita gente, o que introduz a noção de relevância quantitativa. Num corte vertical,

em vista da maior ou menor influência do fenômeno sobre as oportunidades e os

modos de vida dos atingidos poderemos falar de uma relevância qualitativa.

No plano temporal, os efeitos de um fenômeno podem ser imediatos ou futuros

(caso em que são quase sempre projetados, ou supostos ou, mais raramente,

deduzidos de dados atuais, com alta probabilidade de acerto), o que nos permite

falar de uma relevância imediata (cujos efeitos se fazem sentir no presente, ou

ameaçam fazê-lo num futuro iminente, no curto ou muito curto prazo) e de uma

relevância projetada (se há riscos ou indícios sérios da produção de efeitos de

ação diferida, de médio ou longo prazo). Uma educação infantil deficiente talvez

pouco incomode enquanto as crianças são pequenas, mas comporta a ameaça

de graves prejuízos sociais para a maturidade e velhice do grupo em questão.

A relevância pode ser avaliada segundo diferentes escalas, tendo-se em vista os

grupos de população envolvidos, os territórios e as temporalidades, e o específico

efeito sob foco, nem sempre, certamente, dependente da expressão numérica13.

Os autores preocupados com a privação e com a suposta necessidade e

centralidade do acesso às TIC deixam entrever que isto é relevante, não pelo

mero aspecto quantitativo, pelo fato de atingir muita gente, mas pelo aspecto

qualitativo, isto é, porque aciona aqueles “efeitos” descritos acima (item 3, “f”).

A relevância do fenômeno da desigualdade digital – da desigual distribuição do

acesso e da desigual apropriação destas tecnologias - é atestada por inúmeros

autores (CASTELLS, 2000; SORJ, 2003; LOJKINE, 1999; JAMBEIRO, 2003;

RANDOLPH, 2003), por órgãos de diversos países (no Brasil, o MCT, a FGV e

diversas ONGs) e por instâncias internacionais (Banco Mundial; ONU/WSIS). 13 A falta de acesso ao conhecimento da física quântica atinge expressivo número de pessoas – tem relevância quantitativa –, sem dar lugar a “excluídos quânticos”. Este conhecimento é tido hoje como essencial para o entendimento do mundo e superação de vícios imputados ao pensamento cartesiano-positivista (v. PESSOA JR., O. Conceitos de Física Quântica. São Paulo: Livraria da Física -2003). Porém, o fenômeno carece de “relevância qualitativa imediata”, ou de interesses de mercado, capazes de financiar campanhas e promover o engajamento de ativistas e de autores.

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31

Contudo, no plano empírico faltam pesquisas que comprovem irrefutavelmente

seu protagonismo qualitativo que, numa temporalidade imediata tem a ver com o

acesso a oportunidades de melhor qualidade de vida, a exemplo do aumento de

renda a partir da ultrapassagem da situação de “analfabetismo digital”. Na

pesquisa da FGV sobre a “Taxa de Inclusão Digital Doméstica” (ou IDD, que

informa o percentual da população brasileira que tem computador em casa), no

Rio de Janeiro, a maior IDD - 59,23% dos moradores - ocorreu no sub-distrito da

Lagoa Rodrigo de Freitas, uma área afluente; e, as menores, no Complexo do

Alemão (3,78%) e no Jacarezinho (3,93%), áreas pobres. A renda média mensal

entre possuidores de computadores, em toda a cidade, era de R$1.677, contra os

R$599 dos que não os possuíam. A correlação renda x IDD confirma que o

acesso a bens de mercado é proporcional à renda, mas não permite inferir que a

o acesso a computadores assegura maior renda. Para tanto, seria necessário

acompanhar – mediante uma série temporal - a evolução da renda de duas

massas de “sem-acesso” na origem, uma das quais passasse por processos de

obtenção de acesso (não, necessariamente, da posse individual da máquina)

durante o experimento, isolados outros fatores.

Quanto ao que poderíamos denominar de “relevância projetada”, alguns autores,

como Pierre Lévy e Sherry Turkle, afirmam que o uso intensivo das tecnologias

informáticas vai - ao longo de umas poucas gerações – produzir um “novo

homem”, com novos modos de pensar (e, por conseguinte, novas formas de agir),

hipótese que apelidaremos de “pensamento hipertextual”. Outros - como o mesmo

Lévy, e Klaus Frey - parecem esperar que uma “nova sociedade” vá nascer do

fato (considerado, já, como um dado) de que a disseminação das redes de

informática facilita a comunicação e, por conseguinte, o associativismo, em ações

comunicativas que afinal serão utilizadas para “melhorar” a sociedade. Trata-se

da perspectiva a que nos referiremos como “ciberdemocracia”. Em terceiro lugar,

autores como Sérgio A. da Silveira e Séraphin Alava sugerem que a luta contra a

cisão digital pode ser conduzida de modo a, paralelamente, reforçar os elementos

de autonomia dos sujeitos e/ou despertar seu potencial de cidadania participativa:

vamos, então, falar de uma “autonomização do sujeito” – que ora assume um viés

individualista, ora outro, solidarista - através dos recursos do ciberespaço.

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Na linha do pensamento hipertextual, Lévy (1993, p. 19) afirma que “os coletivos

cosmopolitas - compostos de indivíduos, instituições e técnicas - não são somente

meios ou ambientes para o pensamento, mas sim seus verdadeiros sujeitos.

Dado isto, a história das tecnologias intelectuais condiciona (sem, no entanto,

determinar) a [história] do pensamento”. Se assim é, se estão em jogo as normas

do saber e, mais radicalmente, os próprios modos de pensar, torna-se

inadmissível que grupos expressivos de pessoas sejam tornados em, ou mantidos

como excluídos destas transformações, ou sequer retardados de delas participar.

Para Sherry Turkle (1984, p.3), socióloga e psicóloga clínica, “todas as grandes

inovações tecnológicas, além dos resultados práticos imediatos, trazem profundas

e transcendentais conseqüências que provocam mudanças, não apenas nas

atividades que realizamos, mas também em nosso modo de pensar”, porque a

tecnologia é catalisadora de mudanças e “modifica a consciência que as pessoas

têm de si mesmas, dos demais, e de suas relações com o mundo” (idem).

Em defesa da perspectiva da autonomização do sujeito via ciberespaço como

razão principal do combate à desigualdade digital, Silveira (2003, p. 32) afirma

que um dos focos da “inclusão digital” volta-se “para a ampliação da cidadania,

buscando o discurso do direito de interagir e de se comunicar através das redes

informacionais”. Acredita Alava (2002, p. 15) que “estamos hoje diante da

emergência de novas práticas de formação apoiadas no ciberespaço, que

concorrem para o desenvolvimento de novas oportunidades de auto-formação”,

embora seja, ainda, necessário “questionarmos o próprio conceito de auto-

formação” (idem).

Deparamos, com freqüência, com expectativas – utópicas, no bom sentido do

termo – de aproveitamento do momento “mágico” da inclusão digital universal

para alcance dos (sublimes) objetivos de formação de uma sociedade de entes

autônomos e solidários, através de uma democracia idealizada e suportada por

uma lógica comunicativa suposta presente ou presentificável na rede mundial de

computadores. Fala-se, então, em “redes cívicas”, “ágora eletrônica”, “democracia

eletrônica”, ciberdemocracia e similares. Os otimistas acerca das potencialidades

cívicas das redes de computadores costumam invocar o exemplo do Movimento

Zapatista, em Chiapas, México (CLEAVER, 1995). HAMILTON (2006) discute os

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elementos do civismo ciberespacial na cidade de Bolonha, centrados na Rede

Ipérbole. Os estudos de STANLEY & WEARE (2004) seguem em outra direção:

[This study suggests that] elected officials and highlevel government managers have been influenced by the predictions of techno-optimists who tout the ability of technology to make government more efficient and responsive and to strengthen citizen participation by making political information more compelling, lowering the costs of participation, and creating new opportunities for involvement (Council, 2002; Grossman, 1995; Negroponte, 1995). Nonetheless, the bulk of the evidence gathered to date concerning the effects of Internet-based communications has painted a less promising scenario. Numerous studies have concluded that politics on the Internet is simply politics as usual (grifo nosso).

1.5. A ABORDAGEM TECNICISTA DA EXCLUSÃO DIGITAL

A exclusão digital - mínimamente definida – é a privação do acesso aos computadores; aos conhecimentos básicos para utilizá-lo; e à rede mundial de computadores (SILVEIRA, 2003).

Ainda que defendamos a necessidade de uma abordagem sócio-dialética da

desigualdade digital, e por mais que traços desta abordagem estejam presentes

nos estudos sobre o assunto, o viés mais comumente encontrado na literatura

nacional sobre o tema centra-se em, ou resvala para um tratamento tecnicista,

que privilegia as oportunidades de acesso, sobretudo quando abordam as

alternativas de superação, ainda que nunca deixem de mencionar os aspectos

libertários ligados à autonomia do sujeito, e à cidadania-democracia. Utilizaremos

ao longo deste tópico as expressões exclusão digital e inclusão digital, pois os

autores aqui referenciados assim nomeiam a desigualdade digital e as ações de

combate à mesma. Adiante, voltaremos a criticar o uso, nem sempre adequado,

de ambas expressões.

Silveira define exclusão digital – em primeira aproximação – como a existência de

grupos expressivos de pessoas privadas duradouramente do acesso aos

computadores, à Internet, e aos conhecimentos básicos para utilizá-los.

Eventualmente, mencionaremos este enfoque como “a tripla privação de acesso”:

[Uma] definição mínima de exclusão digital passa pelo acesso ao computador e aos conhecimentos básicos para utilizá-lo, [e também] à rede mundial de computadores, [pois] um computador desconectado tem utilidade extremamente restrita. Portanto, a inclusão digital dependeria de alguns elementos, tais como o computador, o telefone, o provimento de acesso e a formação básica em softwares aplicativos (2003, p.18).

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34

O autor não se limita aos elementos desta definição, declarada mínima, e aborda

no texto citado outras dimensões, que conduzem a uma visão cidadã da questão.

Por outro lado, não são aprofundadas o bastante estas outras dimensões, as

quais consideramos não apenas acessórias ou complementares, mas essenciais

em um projeto que vise, como meta, uma transformação social progressista.

O pensamento de Silveira é representativo de uma corrente de pesquisadores, à

qual se filiam João Cassino, Francisco Proenza, Rodrigo Assunção e Luís Millán

Vasquez de Miguel, co-autores do livro “Software Livre e Inclusão Digital”. Rosali

Ferrari (2003), mestra pela Universidade de Campinas e pesquisadora do

assunto, adota posições semelhantes. Na Universidade Federal da Bahia, Othon

Jambeiro, à frente de uma equipe que inclui Joseph D. Straubhaar, Antonio C. La

Pastina, Sharon Strover e outros, da Universidade de Austin, além dos doutores

Elias Machado e Helena Pereira da Silva, entre outros, da própria UFBA, seguem

o mesmo diapasão (vide JAMBEIRO & STRAUBHAAR, 2003).

Estes autores parecem concordar que a “tripla privação” é real e relevante, e que

constitui um fenômeno a ser reconhecido como exclusão digital, e remediado por

uma inclusão digital, cujo âmago consiste na remoção da “tripla privação” (através

de um “triplo provimento”, naturalmente), ao tempo em que se criam as condições

para fazer desta inclusão digital um momento da luta pela cidadania.

Tal combate é considerado importante, uma vez que

[a exclusão digital] torna-se um fator de congelamento da condição de miséria e de grande distanciamento em relação às sociedades ricas (...) e a velocidade com que a combatemos é decisiva para que a sociedade tenha sujeitos e quadros em número suficiente para aproveitar as brechas de desenvolvimento no contexto da mundialização (...) e para adquirir capacidade de gerar inovação. [Além disto,] trata-se de uma questão de cidadania [pois,] hoje, o direito à comunicação é sinônimo de direito à comunicação mediada por computador (SILVEIRA, 2003, pp. 29-30).

A última declaração soa exagerada: melhor dizer que o direito à comunicação

inclui, também, hoje, o direito à comunicação mediada por computador. Contudo,

não faltam dúvidas a respeito da prioridade e oportunidade destas ações, pois:

Afinal, em um país com 11,4 % de analfabetos entre as pessoas acima de 10 anos de idade e com 50,7% da população recebendo até 2 salários mínimos (segundo o IBGE, PNAD/2001) - qual o sentido de se falar em exclusão digital? Não seria esta uma mera decorrência da exclusão social? Sua redução não seria conseqüência da melhoria de condições de vida e

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renda da sociedade? Em outras palavras, até que ponto o combate a esta exclusão seria importante diante de tantas carências? (p.18)

A abordagem centrada na tripla privação versus triplo provimento apresenta uma

restrição muito forte da temática, pois o que mais interessa, do ponto de vista do

sujeito, numa visão mais abrangente, não parece ser a exclusão do digital, mas a

exclusão social, que pode aumentar, mesmo com o acesso às tecnologias, e não

necessariamente diminuir. Do ponto de vista da sociedade, foca-se uma não

definida capacitação para a “competitividade internacional”, uma das bandeiras do

neoliberalismo. A questão da cidadania paira na zona fronteiriça entre as esferas

do individual e do social.

Em geral, os adeptos das tecnologias, sobretudo os “tecnólatras” (epíteto que não

estamos atribuindo aos autores citados), não conseguem enxergar este lado por

razões óbvias: complicaria demais sua justificativa da utilização das tecnologias.

A verdadeira exclusão – parece-nos - começa quando aqueles que obtêm o

acesso (superada a privação no sentido técnico) não têm como se apropriar

daquilo que foi acessado e tornam-se “privados do sentido”. Acesso a um meio, e

apropriação do seu conteúdo, são duas coisas diferentes. No pior dos casos, este

acesso permitirá um aprofundamento da alienação de segmentos cada vez mais

amplos da população. Recorde-se o que um dia se esperou do rádio, da televisão

e de outros meios de comunicação, em contraste com o que depois “realmente”

aconteceu.14. Nada obriga a repetição do passado, mas existe o perigo de que a

definição adotada conduza a expectativas não fundamentadas.

Ao tratar do fenômeno da “tripla privação” não questionamos, evidentemente, sua

existência (questionamento que, aliás, embute um risco positivista), pois a

sujeição de grupos expressivos de pessoas à tripla privação é, certamente, um

fenômeno “real”. As evidências empíricas são “visíveis a olho nu”15: encontramos

a todo momento pessoas que nunca usaram um computador, e podemos flagrar

esta privação visitando suas casas e os lugares que freqüentam. As evidências

14 Ver a respeito o entusiasmo de Brecht com a difusão do rádio na década de 1920 (Capítulo 2). 15 Pelos cânones da metodologia científica, a aparência “a olho nu” deve ser considerada o que é: aparência. Já os físicos nos ensinaram isto, sobre como se apresenta “ao olho nu” o movimento aparente do Sol em torno da Terra. Estava fora de questão a existência do movimento relativo mas, por falta de referencial externo, era difícil determinar sua relatividade. No caso atual, não faz falta um referencial externo para observação do acesso/privação do “povo” aos recursos das TIC.

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36

são confirmadas por estatísticas amplamente aceitas, segundo as quais metade

dos brasileiros jamais usou um computador e mais de 85% jamais usaram a

internet. Portanto, o fenômeno, ou o fato, existe. Mas, esta mera constatação do

óbvio – certamente útil para o estudo do mercado de produtos de informática -

pouco acrescenta à nossa investigação, que apenas começa depois dela, ao

questionarmos sua relevância.

Um engano de outra natureza é o de se associar de forma positivista o par “tripla

privação/triplo acesso” ao par conceitual exclusão/inclusão digital.

Voltando às estatísticas, em 2001 a FGV, a USAID, a Sun Microsystems e o CDI,

criaram em parceria o GAID (Grupo de Ação para a Inclusão Digital) e o “Relógio

da Inclusão Digital”, um sistema (hoje, desativado) para medir a evolução da

inclusão digital no Brasil, cruzando as estimativas demográficas do IBGE com as

projeções da FGV sobre o crescimento do número de brasileiros com acesso

domiciliar a computadores (Taxa de Inclusão Digital Doméstica, ou IDD. É uma

designação imprópria, porque a posse doméstica de um computador não pode

ser de modo algum chamada de Inclusão Digital, na acepção que geralmente se

atribui ao termo.). Os dados coletados pela FGV em 2001 indicavam uma IDD de

12,46% e uma taxa de 8,31% de acesso à internet, em termos nacionais.

Segundo dados de uma pesquisa divulgada pela CGI.br16, o Brasil está mal

posicionado no ranking global de acessos à internet – na sexagésima quarta

posição, junto com o México e bem atrás dos vizinhos Uruguai, Argentina, e Chile

e, também, da Costa Rica. Mais da metade dos brasileiros (54,79%) nunca usou

computadores e 67,76% jamais entrou na internet. Os dados impressionam, mas

refletem o contexto mundial, no qual a falta de acesso e/ou falta de conhecimento

– ou, ainda, o acesso desigual aos meios e aos conhecimentos - é norma, mesmo

nos EUA, país que ocupa o décimo lugar no ranking de acessos à internet.

Apoiada em informações demográficas do IBGE, a FGV edita um “Mapa da

Exclusão Digital”, visando alimentar com informações as ações para redução da

desigualdade digital, envolvendo governo, empresas e terceiro setor. O Mapa

apresenta vários desdobramentos, incluindo o ranking por Estado e Município.

16 Acesso em www.softwarelivre.org, novembro de 2005

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Os quadros abaixo são amostras deste Mapa, editado desde 2003.

Quadro 5 - Mapa da Exclusão Digital (resumo Brasil). Universo Pop. Tot. Homens% Educação* Idade PIA** Renda* Jornada* Incluídos 16.209.223 48,89 8,72 31,14 462826 1677,15 41,76 Excluídos 153.663.627 49,25 4,40 27,95 529046 452,44 43,40 Total Brasil 169.872.850 49,21 4,81 28,26 522728 569,30 43,24 Fonte: CPS/IBRE/FGV a partir dos microdados do Censo Demográfico de 2000/IBGE17. (*) Os valores referentes a essas variáveis são médias. A variável educação refere-se aos anos médios de estudo; Jornada refere-se à jornada de trabalho semanal e Renda é a renda do trabalho principal referente a população ocupada. (**) PIA - População em idade ativa: pessoas entre 15 e 65 anos.

Quadro 6 - Mapa da Exclusão Digital (amostra de alguns municípíos). Ranking dos Incluídos Digitais - BA

Pos Municípios Taxa Incl.% Homens % PIA** Renda* Jornada* 1 Salvador 14.05 98.03 15.75 247.68 92.48 2 Lauro de Freitas 13.48 99.36 15.50 258.71 95.77 3 Itabuna 7.66 98.95 8.70 318.76 94.72 4 Vitória da Conquista 7.09 98.06 7.92 335.63 94.89 Fonte: Idem, ibidem.

As estatísticas medem o número de pessoas que têm acesso a um computador e

pouco dizem sobre sua participação ativa nos processos de inteligência coletiva

que poderiam dar-lhes o “ganho de autonomia” (Lévy 1999, p. 238). O significado

real da desigualdade digital – do desigual acesso, apropriação e domínio, entre

diferentes classes ou segmentos sociais - transcende aos números e estatísticas.

Essa desigualdade pode significar um entrave ao desenvolvimento do país, pois a

economia mundial está passando por mudanças relacionadas com a apropriação

social das TIC (CASTELLS, 2000). Os efeitos negativos do não desenvolvimento

prejudicam com maior força justamente os mais pobres.

1.6 VISÃO CRÍTICA DA PERSPECTIVA DO “TRIPLO PROVIMENTO”

Já mencionamos os prejuízos que a falta de acesso/apropriação aos/dos meios

das TIC acarreta no plano indivídual/familiar, no plano sub-nacional das empresas

e organizações e no plano nacional. Associamos às diferentes escalas diferentes

vantagens pela oportunidade e capacidade de uma apropriação avançada das

tecnologias, e desvantagens correspondentes pela privação ou “pobreza” desta

apropriação. É claro que somente se houvessem iguais vantagens para todos a 17 www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/apresentacao/Texto_Principal_Parte2.pdf (acesso: jan/06).

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desigualdade desapareceria, situação impensável: o que se pode concretamente

desejar é um menor desnivelamento quanto às oportunidades e condições para a

referida apropriação. Sobre o acesso, vejamos:

(i) acesso aos computadores. A expectativa de redução da desigualdade digital

centrada no acesso ao computador pode ocultar interesses mercadológicos:

A exclusão digital, pelas características do contexto que envolve, tende a crescer (...), oculta por uma barreira que deve convencer os olhos menos críticos de que a inclusão está mesmo ali. Esta barreira nada mais é do que a intensa carga de apelo consumista, em arranjos de notável inteligência mercadológica, que exige como suporte a infra-estrutura de informática (FERRARI, 2003).

Muitos estudiosos centram seus discursos contra a desigualdade digital no plano

do acesso aos computadores. Entretanto, segundo Pierre Lévy (1999, p. 238),

“não basta estar na frente de uma tela, munido de todas as interfaces amigáveis

que se possa pensar, para superar uma situação de inferioridade. É preciso,

antes de tudo, estar em condições de participar ativamente dos processos de

inteligência coletiva que representam o principal interesse do ciberespaço”.

Uma visão histórica do fenômeno do digitador profissional pode servir de antídoto

ao excesso de confiança no “acesso”. O digitador profissional é um símbolo do

momento inicial do processo de difusão das técnicas digitais e da inserção dos

computadores no cotidiano da sociedade contemporânea. Na década de 70, no

Brasil, o digitador constituía uma categoria numerosa, de uma profissão que

parecia atraente e com ares de modernidade, exigindo ambientes climatizados,

limpos e bem organizados para o melhor funcionamento das máquinas. Hoje, é

símbolo de um tipo especial do que se reconhece como excluído digital, segundo

expõe Ferrari (2003):

Em vários estudos foram relatados diversos distúrbios funcionais, gerados pela forma de contato do digitador com o computador, e a submissão aos comandos incessantes deste. [Detectou-se] a lesão por esforço repetitivo (a LER) em grande número de digitadores [e] muitos desses profissionais não conseguiam se concentrar em leituras, por causa da prática diária de ler mensagens simplesmente para transmitir às pontas dos dedos os caracteres a serem inseridos na máquina (FERRARI, 2003).

A rapidez exigida para o processo cerceava o raciocínio, transformando a leitura

das mensagens em mera transferência de dados, sem assimilação de conteúdo.

O automatismo afligia a vida dos digitadores, especialmente se freqüentavam a

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escola depois do trabalho. Esta relação entre o trabalhador e a máquina acabou

gerando momentos de agressividade extrema, conforme relatos oficiais18. A

liberação da inteligência humana naquela relação poderia ter sido uma saída para

o fim daquele autêntico conflito funcional. À falta disto, o digitador -

- mesmo ali, diante dos primeiros computadores, era um excluído digital. Não bastou sua simples proximidade com a máquina para que a inclusão ocorresse. É verdade que ainda não se falava em Internet. Mas a questão é que poucas potencialidades do computador estavam acessíveis à inteligência daquele profissional (Idem).

Desde os primeiros tempos da informática vêm sendo aperfeiçoadas as interfaces

amigáveis e outras mudanças nas formas de utilização do computador19. Tais

mudanças praticamente extinguiram a profissão de digitador, mas não os

processos de desigualdade digital. Estas considerações sugerem que a

proximidade do computador não é um seguro, ou antídoto, contra o crescimento

da desigualdade digital, que ameaça tanto aquele que não tem acesso à máquina,

quanto quem convive com ela, sendo duvidoso supor-se que o simples acesso às

máquinas poderá, por si só, frear o processo de cisão digital20.

(ii) acesso à internet. Depois do acesso aos computadores desconectados, o

elemento a destacar é o acesso à internet (isto é, a computadores conectados).

A falta de acesso à internet alija dos circuitos econômicos e culturais dominantes

os “sem-internet”, retirando-lhes a possibilidade de incluir na rede o padrão

cultural da sua realidade local. Esta forma de exclusão favorece o colonialismo

cultural, já que (só) os “conectados” (à web) poderão anexar à rede conteúdos

culturais próprios. À medida que a rede influi na cultura, vai influir a partir dos

conteúdos dos que têm acesso, ocultando os conteúdos dos que não o têm.

18 Sobre o trabalho em informática vide, também, SOARES (1988). 19 The graphical user interface (GUI) was designed by Xerox Corporation's Palo Alto Research Center in the 1970s. (After the 1980s and) the emergence of the Apple Macintosh, (the) GUI became popular. One reason for their slow acceptance was the fact that they require considerable CPU power and a high-quality monitor, which were then prohibitively expensive. http://www.webopedia.com/TERM/G/Graphical_User_Interface_GUI.html (acesso em 30/05/2006). 20 O caso dos operadores de mainframes foi semelhante. Nos grupos acompanhados (1968-1995, na PETROBRAS e na COELBA, em Salvador), nem um só deles progrediu em termos de autonomia do sujeito ou inserção social, em função do acesso aos computadores, de cujo contato (que ainda não incluía o acesso à internet) não se beneficiaram em termos de tornarem-se “cidadãos autônomos e participativos. Nada diferente, também, do que aconteceu com os programadores de mainframes. Foram, apenas, a seu tempo, trabalhadores melhor remunerados.

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Como o espaço de representação de idéias se ampliou com o acréscimo do

espaço digital, aqueles que ficarem de fora terão sofrido uma redução relativa do

seu espaço de representação. O combate a essa situação visa, também, facilitar

o acesso a novos instrumentos de trabalho e a novas oportunidades de

desenvolvimento social e cultural.

Por outro lado, não deverá faltar na rede uma certa presença de internautas, sites

e conteúdos ligados à marginalidade e ao crime, com suas diferentes

características e manifestações - crimes econômicos, invasão de privacidade,

programas destrutivos de dados privados (os chamados vírus) e outros.

Assim, se dispomos de exemplos que mostram, tendencialmente, certos

“benefícios” que as tecnologias podem propiciar, há de ser mencionado, por outro

lado, que a lógica inclusiva supostamente existente na internet é questionável,

uma vez que a desigualdade social, nos anos que se seguiram à sua

disseminação, não diminuiu no Brasil, ou no mundo. Trata-se de um resultado

“natural” da permanência da estratégia tradicional e hegemônica de crescimento

econômico baseado no princípio capitalista de ampliação dos lucros através do

sacrifício da mão de obra, seja pela compressão salarial, seja pelo desemprego,

que os avanços tecnológicos facilitam em princípio. A desigualdade está

geneticamente embutida no sistema, que não funciona sem ela.

É comum destacar-se a importância do acesso à internet, sem menção ao acesso

ao computador “desconectado” (stand alone). Contudo, este é um primeiro passo

necessário na caminhada da inclusão digital. É o momento de se conhecer os

elementos estruturais do computador (hardware), para que servem, e como usar.

É, também, o momento de aprender os rudimentos sobre softwares (sistemas

operacionais e aplicativos) e, ainda, elementos para o uso lúdico da máquina, que

muitos instrutores exploram como recurso didático. Portanto, se o acesso à

máquina stand alone não é tudo, sem ele a “inclusão” é nada.

(iii) acesso aos conhecimentos técnicos. Os conhecimentos básicos constituem

elemento indispensável para a realização dos acessos. A falta de conhecimento é

uma das expressões mais dramáticas da desigualdade digital e soma-se à falta

de conhecimento geral, decorrente de um sistema educacional insatisfatório. O

computador não é ferramenta que se preste ao aprendizado auto-didata, apesar

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das raras exceções. Este conhecimento, no degrau inicial, refere-se aos objetivos

de um primeiro acesso ao computador desconectado. Nos passos subseqüentes,

passam a ser considerados os conhecimentos que aprofundam a capacidade do

usuário de explorar com proficiência e objetividade os recursos ao seu dispor.

1.7 REVENDO O CONCEITO DE EXCLUSÃO DIGITAL.

No Brasil, a desigualdade digital é geralmente chamada de “exclusão digital”,

expressão que resistimos em adotar, porque “exclusão” é um conceito já

carregado de uma larga discussão relacionada com a distribuição desigual das

“chances” sociais em geral nas sociedades capitalistas. Nos parágrafos

precedentes utilizamos esta expressão em atenção aos autores citados, que a

consagram, consagração esta que não endossamos, em que pese a ênfase dos

discursos e iniciativas com que vem sendo tratada nos corredores da Academia,

nos intransparentes escaninhos do Mercado e nas imperscrutáveis decisões do

Estado. Entendemos que a expressão “exclusão digital” deixa muito a desejar

como conceito explicativo da desigualdade digital que, segundo vimos discutindo,

vai muito além de uma privação massiva do acesso aos recursos das TIC. Do

lugar analítico desde o qual observamos o fenômeno da desigualdade digital - ora

iluminado, ora oculto pelo claro-escuro das obviedades e das dissimulações -

concluímos que sua designação pelo nome “exclusão digital” encerra,

enoveladas, uma mentira e uma verdade.

A contradição apontada parece decorrer das similitudes e dessemelhanças que

surgem da comparação da questão em estudo com questão da exclusão social,

cuja designação se pretendeu copiar. Ora, neste último caso a consciência da

própria situação de excluído e a introjeção do estigma social que a acompanha –

ainda que difusas – são importantes elementos psicossociais presentes. Ora,

Os desempregados cuja idade dificulta a reinserção profissional são tomados por um sentimento de angústia, que se liga à perspectiva de reais dificuldades financeiras e, ao mesmo tempo, ao peso da humilhação. [Demais,] certas pessoas sentem que o fracasso que lhes oprime é visto por todos. Nesse caso, supõem que todos os seus comportamentos são interpretados pelos que as rodeiam como sinal de inferioridade de seu status, até mesmo de uma incapacidade social (PAUGAM, 2003, p.95).

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Paugam não trabalha com a expressão “exclusão social”, mas “desqualificação

social”. Porém, para os fins da presente análise, os conceitos apresentam

suficiente equivalência. A observação acima, aliás, encontra paralelo em um

tempo muito anterior, pois, como já notara Alexis de Tocqueville,

A partir do momento em que o nome de um indigente é inscrito na lista de pobres de sua paróquia, ele pode certamente requerer auxílio: mas, o que representa a obtenção desse direito, senão a autêntica manifestação da miséria, da debilidade e da má conduta daquele que recebe? (TOCQUEVILLE, 1835).

Este dupla angústia não sói ser encontrada entre aqueles apontados como

“excluídos digitais”, como mostram os depoimentos a seguir, de R. e J.21, dois

trabalhadores assalariados, com emprego formal e salário mínimo. R. tem 27anos

e segundo grau completo e vive em companhia de uma amiga (empregada) e do

filho adulto desta (desempregado), além de ajudar pais e irmãos. Três anos atrás,

freqüentou algumas aulas de informática na Confederação de Mulheres de

Amaralina. Aprendeu um pouco de Windows e de Excel:

É mais para enrolar, conhecer o computador, ligar e desligar, abrir e fechar pastas, coisas assim. Pensei em fazer um curso de informática na SOS-Computadores mas não sobra dinheiro para o pagamento. Minha preferência é por um curso profissionalizante na área de saúde (auxiliar de enfermagem), e só depois o de computador. Gostaria de fazer o curso de informática, mas o melhor mesmo é ter um computador em casa, porque sem isto a prática se perde. Se tivesse, usaria para fazer o currículo, acessar a internet e ‘tantas coisas’. E até porque, daqui a uns dias, até para ver o Jornal Nacional na TV vai ser preciso saber informática. Mas, hoje por hoje, não sinto falta do acesso ao computador (R.).

J., 22 anos, tem segundo grau incompleto. Diante dos prospectos de um cursinho

local, que esconde sua condição de curso de informática e apresenta-se como

“um centro profissionalizante, que mantém um cadastro de egressos para chamá-

los quando surgir alguma vaga (no mercado)”, J. mostra-se descrente e declara:

Vou fazer um curso para motorista, para mudar de emprego. Mas, vejo que hoje em dia se exige muito o curso de computação, para trabalho nas lojas, por exemplo. O meu amigo Edson Júnior, que era empacotador da (Loja) Perini, foi promovido a ‘caixa’ porque tinha domínio da informática. Não tenho curso de informática, nem sinto falta (do computador) no momento, mas pretendo fazer o curso, para melhorar de vida.

21 Rosângela Xavier de Santana, empregada doméstica, solteira, e João Oliveira dos Santos, caseiro, solteiro, pai de uma filha de 2 anos. As falas, tomadas em janeiro/2006, sofreram revisão gramátical, respeitado o sentido, no processo de transcrição.

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Ambos depoentes não tinham conhecimento da existência de programas gratuitos

de “inclusão digital” (nos Telecentros) e ficaram surpresos com a informação. A

leitura dos depoimentos de R. e J. mostra que eles têm consciência das

vantagens do domínio da informática, e o desejo de alcançá-las.

Conseqüentemente, têm consciência da perda, mesmo sem demonstrarem

angústia ou urgência. Assim, se para caracterizar a exclusão for exigida – ou

exigível - a dimensão psicológica apontada, os depoentes não poderão ser

considerados “excluídos digitais”. Contudo, os adeptos da expressão “exclusão

digital” dão pouco relevo a esta dimensão, do duplo sofrimento de sentir-se

fracassado e de sentir-se desqualificado pelo outro.

A existência de grupos expressivos de pessoas privadas estruturalmente do

acesso aos computadores e à internet, e dos conhecimentos básicos para utilizá-

los, num mundo em que os benefícios destes acessos e conhecimentos se

tornam, cada vez mais, elementos de diferenciação social – seja na disputa pelo

emprego; na capacitação pessoal para assumir papéis relevantes nos ciclos de

inovação e produtividade, com retorno para si mesmo e para “seu povo”; ou em

outros aspectos igualmente relevantes – configura um fenômeno que, certamente,

requer nomeação e conceituação para seu entendimento e enfrentamento.

Como já mencionado, o fenômeno é tratado por diferentes nomes, como digital

divide, brecha digital e fossé numérique. A expressão “exclusão digital” carrega o

apelo e o sentido de urgência da palavra-grito “exclusão”, mas peca por passar a

impressão do sim-ou-não, do tudo-ou-nada, e de uma homogeneidade que falseia

a diversidade real das privações sob exame, e do seu combate. A idéia de

desigualdade digital - mais próxima da idéia de “brecha”, “hiato”, “fosso” ou “gap”

– parece-nos mais operacional para um pensamento que percebe e valoriza as

graduações sincrônicas e diacrônicas entre os indivíduos e grupos considerados

num mesmo instante, e entre os estados sucessivos apresentados por um

particular indivíduo, ou grupo considerado na história da sua luta para superação

das barreiras digitais. Nem os “excluídos” podem ser vistos como uma massa

homogênea de have-nots, nem será possivel a correção desta situação senão

mediante processos e degraus diferenciados.

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Ao avaliarmos a marcha para ampliação do acesso e do domínio dos recursos

das TIC (considerados imbricados e aprofundados em conjunto), não basta contar

quantos deram o primeiro passo e cruzaram a barreira inicial de uma separação

definitiva mas, sim, quantos se encontram já em cada uma das etapas

sucessivamente avançadas de uma caminhada que é muito mais que um salto.

Os degraus, ou etapas, devem iniciar pela aprendizagem dos conhecimentos

básicos, como uma “alfabetização digital”, com máquinas stand alone, e avançar

para o domínio progressivo dos aplicativos e das aplicações, por um lado, e das

conexões com a internet. Só após esta base se poderá pensar na habilitação para

o uso autônomo e criativo da informática, um patamar bastante mais elevado.

Por prever um tratamento gradual e progressivo da desigualdade digital, adaptado

às diferenças de faixas etárias, às ocupações, e a outros aspectos, é que nos

pomos em guarda a respeito da expressão “exclusão digital” e preferimos outra,

mais consentânea com este gradualismo. Contudo, é difícil furtarmos-nos ao uso

daquela expressão criticada, tal o grau de disseminação que já alcançou.

Evidentemente, a posição relatada tem a ver com os dias atuais, com o presente.

Retomando a noção de relevância projetada, seria temeroso garantir que a

relativa passividade com que as classes mais pobres encaram sua apartação em

relação às tecnologias digitais vai perdurar. Nem se pode garantir que a relativa

tolerância com que os “info-ricos” encaram os “info-pobres”, neste particular, será

permanente. Num futuro, talvez sequer distante, os mesmos atributos de auto-

comiseração e de discriminação inter-classes que amargam as relações dos

“excluídos sociais” consigo mesmo e com os “incluídos” podem passar a habitar o

cotidiano dos “information haves-not” e de suas relações com os “haves”. A

desigualdade digital pode, então, vir a conformar um caso de exclusão digital.

1.8 CAUSAS DA DESIGUALDADE DIGITAL NO BRASIL

As causas da desigualdade digital no Brasil não parecem ser outras senão

aquelas mesmas que fazem do país um dos lideres do ranking mundial em termos

de desigualdade social, concentração de renda, e persistência do latifúndio. No

Brasil, oito bancos controlam 72% dos ativos financeiros e 76% dos depósitos no

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país; 1% dos proprietários de terra controlam 43% das áreas agricultáveis. O país

tem um histórico de nepotismo22 e de patrimonialismo, que são práticas de

apropriação do público pelo privado. Além disso, falta democratização no campo

da informação: seis grupos nacionais recebem 90% do faturamento dos meios de

comunicação de massa, e estes meios estão em poder de monopólios em todas

as grandes cidades. Para fechar o cerco às possibilidades cidadãs-democráticas,

o país ostenta um índice de 15% de analfabetos entre os maiores de 15 anos, e

estima-se que o analfabetismo funcional alcance 75% da PIA (BENJAMIN, 2006).

A discussão de causas é imprópria, pois a lógica causa-efeito é uma lógica

positivista. É mais apropriado falar em fatores, talvez em fatores-causais, que

distribuímos em dois blocos: um, dos “Fatores Sócio-Genéticos”, trata de algumas

características das sociedades e, portanto, guarda um laivo de Teoria Social, cujo

tratamento exigiria um texto separado. O grupo dos “Fatores Específicos”, trata de

elementos de interface entre o usuário e os meios técnicos das TIC:

Quadro 7 – Fatores-causais da desigualdade digital.

FATORES SÓCIO-GENÉTICOS” FATORES “ESPECÍFICOS” - a dialética atrativo-conflitual da sociedade moderna - a questão da extensão demográfica - a complexidade da DSdT: a especialização que exclui - a sociedade hierárquica: a pirâmide que exclui - o paradigma tecno-científico-informacional - a sociedade “capitalista- periférica” - a globalização (no mundo/no Brasil)

- Custos da máquina, do software e da conexão - Dificuldade de operar o hardware e o software - Dificuldades de receber treinamento - Limitações pessoais

Fonte: elaboração própria. Não temos condições, aqui, de discutir as características da sociedade capitalista,

periférica e democrático-formal, do Brasil do início do Século XXI. Daremos,

apenas, uma rápida definição dos fatores “sócio-genéticos” indicados:

• a questão da extensão demográfica – a extensão da população dificulta as

políticas de universalização dos direitos e oportunidades;

22 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu em definitivo a nomeação de parentes dos juízes para cargos no Poder Judiciário, sem concurso, e a demissão dos parentes atuais (Resolução n.7, de 18/10/2005). Vide: “Resolução sobre nepotismo prevê exoneração de parentes no Judiciário em 90 dias” (Agencia Brasil, 20/1/06). Muitos juízes e desembargadores resistiram, concedendo-se entre si liminares que garantiam a permanência dos parentes (noticiário da imprensa-10/02/06), mas finalmente acataram a decisão do CNJ, à medida em que se expirou o prazo (14/02/2006). Terá chegado o momento de se exigir igual procedimento nos demais poderes em todos os níveis.

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• a dialética atrativo-conflitual da sociedade moderna –a sociedade, de

alguma forma, desenvolve forças que mantêm sua coesão interna, ao lado

de permanentes conflitos;23

• a complexidade da DSdT – Divisão Social do Trabalho - a especialização

que exclui é, a um tempo, problemática e indispensável, fonte de

oportunidades e fonte de desigualdades, gera privilégios e gera opressão;

• a sociedade hierárquica: a pirâmide que exclui – o controle hierárquico da

sociedade é, igualmente, indispensável, e fonte de oportunidades e de

desigualdades, privilégios e opressão;

• o paradigma tecno-científico-informacional – refere-se ao protagonismo das

TIC;

• a sociedade “capitalista- periférica” – o caráter “capitalista” implica um rol

de conseqüências associadas a este modo de produção. O capitalismo

“periférico” agrega dificuldades adicionais, devidas à subordinação do país

a ingerências externas, sobretudo comerciais e financeiras;

• a globalização (no mundo/no Brasil) – há extensa literatura sobre a assim

chamada globalização e suas conseqüências para países capitalistas-

periféricos, como o Brasil.

Quanto aos “Fatores Específicos”:

a) custos do acesso: o acesso ao computador, à internet e aos conhecimentos

(técnicos e outros) é caro e impeditivo para a população mais pobre. Está fora

de questão a propriedade individual dos recursos materiais e contratação de

cursos, hipótese que implicaria um investimento da ordem de 6 salários

mínimos e custeio mensal de 0,3 SM, no marco legal (detalhes no Capítulo 2).

23 Para CASTEL (2001, p.30), a chamada “questão social” é “uma aporia fundamental, sob a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. Ela é um desafio que interroga, põe em questão a capacidade de uma sociedade de existir como um conjunto ligado por relações de interdependência.” No caso da América Latina, a questão social foi imposta pelos colonizadores, por meio do pacto colonial, e segue dirigida pelo pacto da dominação de suas elites. A questão social fundante, que permanece vigindo, sob formas variáveis, desde os tempos da Descoberta até os nossos dias, centra-se “nas extremas desigualdades e injustiças que reinam na estrutura social dos países latino-americanos, resultantes dos modos de produção e reprodução social, dos modos de desenvolvimento aqui impostos”.

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Outra alternativa seria a freqüência a centrais de serviços, privadas

(“cibercafés”) ou públicas (infocentros e telecentros). O acesso via “cibercafés”

apresenta uma possibilidade muito restrita, mas teria um mínimo de viabilidade

se for imaginado algum financiamento público. O pagamento pelo uso

implicaria despesa de difícil absorção por trabalhadores de baixos salários.

Além disto, os cibercafés não disponibilizam monitores para ajuda aos

usuários e os cursos de treinamento implicam mais custos. Quanto aos

infocentros e telecentros públicos, o acesso e o treinamento são gratuitos,

faltando viabilizar-se o custos de transporte até o telecentro, e a flexibilidade

de horários pois, não se imagina que os trabalhadores tenham disponibilidade

irrestrita para a freqüência a estes lugares.

A oferta de acesso em bibliotecas públicas, sindicatos, estações e outros

lugares, têm o mesmo caráter dos telecentros (acesso público e gratuito), em

alguns caso com assistência de monitores, em outros, não. A lógica acaba

sendo a mesma dos telecentros, por isso não dedicaremos atenção especial,

nem tratamento em separado, a estes pontos, meios ou formas de acesso.

b) Dificuldades para o domínio do conhecimento técnico, para desenvolver as

habilidades necessárias para operar o hardware e o software: é ilógico admitir

que pessoas que sequer tiveram condições de ultrapassar as barreiras do

ensino fundamental, possam dominar conhecimentos técnicos especializados.

c) Dificuldades para receber treinamento: pode estar ligada a questões

econômicas, custos de transporte, disponibilidades de tempo.

d) Limitações pessoais: cumpre lembrar a existência de pessoas com

dificuldades especiais para lidar com equipamentos e com os próprios

conhecimentos técnicos. As Pessoas com Necessidades Especiais (PNE) e/ou

com dificuldade de aprendizagem, requerem estudo em separado.

1.9 O COMBATE À DESIGUALDADE DIGITAL

A discussão do combate à desigualdade digital será matéria dos Capítulos 3 e 4

(“Inclusão Digital” e “Experiências de Inclusão Digital”), precedidos por uma

tentativa de descrição detalhada das TIC - sua materialidade, e os efeitos da sua

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difusão (Capítulo 2, “As TIC e a Sociedade da Informação”). Por ora, trataremos

apenas de aspectos introdutórios.

A resistência às mudanças tecnológicas não constitui fato novo. É ilustrativo, no

caso, o estudo de Bento Duarte da Silva (1999) sobre “tecnofobia x tecnolatria”.

Segundo Lévy (1999, p. 237), todo grande avanço técnico produz “excluídos” em

relação à apropriação da técnica em questão: as tecnologias da comunicação,

como a escrita, a impressão, o telefone e a televisão, produziram exclusão.

Mas, se persistem os analfabetos, os sem-telefone, os sem-televisão, nada disto

levou, nem levará à supressão da escrita e das telecomunicações. A solução que

se aponta é o aumento dos investimentos em telecomunicações, e em educação,

visando a universalização dos benefícios. Também, não trataremos propriamente

de uma “resistência” às tecnologias sob estudo, mas ao abrandamento das

desigualdades sociais decorrentes de sua desigual apropriação.

O caso da desigualdade digital apresenta a particularidade de maior urgência nas

providências para sua redução, quando comparada com outras políticas

universalistas do passado. As taxas de crescimento do acesso aos computadores

e à internet mostram uma velocidade de apropriação social superior à de todos os

sistemas anteriores de comunicação. Esta velocidade de capilarização das TIC

talvez se deva, simplesmente, à já banalizada “aceleração do tempo” provocada

pelo avanço do capitalismo, fenômeno de resto notado em outros planos da vida

social (SANTOS, 2000, pp. 21ss).

Também, pode estar em jogo nesta urgência o receio de que se tornem reais os

riscos de uma “exclusão digital”, quer os mais imediatos – como, por exemplo, a

redução das chances de um desempregado reconquistar um posto de trabalho

sem dispor de um endereço eletrônico (e-mail) para contatos, e sem dispor de

acesso aos sites das empresas –, quer aqueles projetados (no futuro), como um

(suposto) retardamento da integração dos brasileiros ao “pensamento

hipertextual” ou, ainda, a frustração de uma desejada ciberdemocracia (hipóteses

discutidas no tópico intitulado “Avaliando a Relevância da Desigualdade Digital”).

Ao tratar do combate à desigualdade digital, temos que ser cuidadosos quanto

aos personagens e aos projetos envolvidos. Devemos, entre outros cuidados,

diferenciar as ações dirigidas ao “cidadão”, daquelas que visam o “consumidor”

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para, assim, fugirmos dos projetos voltados única ou centralmente ao mercado, e

das armadilhas de base mercadológica, para tornar possível o alcance dos

espaços da capacitação e da autonomização do sujeito, sob pena de apenas

assistirmos o contínuo crescimento dessa desigualdade, ao lado de equipamentos

e telinhas encantadoras.

Uma política pública de combate à desigualdade digital passa, certamente, pela

definição do alvo dessas ações. Para Ferrari (2003) é muito importante fixar

critérios que circunscrevam a desigualdade digital e caracterizem adequadamente

quem necessita realmente de apoio para romper a situação de privação, a fim de

que as políticas públicas anti-desigualdade sejam corretamente direcionadas:

A falta de clareza sobre o que é exclusão digital e quem é o excluído pode causar distorções semelhantes ao que ocorreu no caso do analfabetismo. O analfabeto, no princípio, foi classificado genericamente como aquele que não aprendeu a ‘decifrar’ os códigos da escrita. [Assim,] as políticas públicas direcionaram grandes investimentos para que mais e mais pessoas simplesmente aprendessem a “formar palavras” ou ler isoladamente cada vocábulo. Mais tarde, [concluiu-se que] este esforço pouco adiantou, pois gerou os ‘analfabetos funcionais’, que sabem ler, mas são incapazes de interpretar as diversas mensagens. Portanto, o processo de comunicação pela escrita não estava se efetivando nesses casos.

Conforme argumentação anterior sobre as dimensões do fenômeno da

desigualdade digital, na população total coexistem públicos “alvo” e “não alvo”

(cujas “fronteiras” e dimensões devem ser delimitadas, e calculadas com

cuidado), compostos de indivíduos que podem acabar sendo tratados,

binariamente, como “excluídos” e “incluídos”. Nem todos os “excluídos” hão de

tornar-se alvo da política anti-exclusão; e nem todos os “incluídos”,

desconsiderados. A condição relativa dos diferentes grupos de pessoas sugere

que o fechamento do fosso digital seja conduzido por “metas de inclusão”,

envolvendo percentuais crescentes de brasileiros, passando dos níveis atuais

para até 60%, 70%, 90%, etc., numa temporalidade variável e viável diante dos

recursos disponíveis, e sujeita a revisões sucessivas. Nunca será possível – nem

necessário, nem defensável - cobrir toda a população.

O Quadro 8 sugere algumas possibilidades de estratificação das populações-alvo,

segundo uma suposta “Politica Nacional de Inclusão Digital”-PNID (a sigla é

nossa), de cunho universalista. Na população-alvo não contabilizaríamos os

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menores de 6 anos, que não devem ser considerados como excluídos, nem os

maiores de determinada idade, mesmo que se trate de “excluídos”. Estamos

mencionando 65 anos como um limite razoável, mas trata-se de um dado a ser

flexibilizado, depois de constituído por algum processo confiável.

Quadro 8 - Estratificação da população para uma política de combate à desigualdade digital.

Faixas etárias

% pop. Estratificação da população e das metas

>65 6,5 Idosos – atendimento não universalista (5)

18-65 PIA 59,6

Sem meios para auto-inclusão

- alfabetização digital (2a) - inclusão continuada (2b)

Univer-sitários

(3)

Com meios para auto-inclusão - metas de e-desenvolvimento (4)

07-17 PIE 21,4

Rede Pública (ensino fundamental) (1a) Rede Pública (ensino médio) (1b)

Rede Privada (ensino fundamental) (1c) Rede Privada (ensino médio) (1d)

0-6a 12,5 Pré-escolares - - não computar como “alvo p/inclusão” Fonte: elaboração própria.

Este primeiro corte, de base etária, decorre de ser previsível, a médio e longo

prazo, maior retorno social dos recursos focalizados nos públicos das faixas

etárias PIE e PIA, como trabalhadores ativos reais ou potenciais, cuja “formação

digital” importa tanto aos projetos pessoais de vida (que os idosos mantêm, com

menores ambições e diversidades, em geral) e de trabalho (que os idosos já não

alimentam, salvo exceções), quanto para os projetos coletivos de (e-

)desenvolvimento (nacional).

O corte etário/ocupacional pressupõe uma linha de análise específica para o

público em idade escolar (PIE). Este público deve ser fracionado em “atendidos”

(os que freqüentam escolas dotadas de Laboratórios e de professores

habilitados), “desatendidos” e “evadidos”. No caso do público escolar “atendido”, o

tratamento específico tem por base a lógica da “informática na educação”.

A PNID deveria tornar universal a “informática na educação”, no ensino

fundamental e médio da rede escolar pública, através de Laboratórios Escolares

de Informática (Quadro 8, metas 1a e 1b) e o correspondente preparo dos

professores. Esta obrigatoriedade deveria ser estendida à rede escolar privada de

ensino fundamental e médio, mediante regulamentação e ainda que à custa de

subsídios ou investimentos nas áreas mais pobres (metas 1c e 1d). A

diferenciação dos estratos entre “1a" e “1b” fica por conta dos diferentes projetos

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pedagógicos que devem embasar a ação nos dois segmentos do ensino, o que é

evidente para qualquer educador, mas cujo detalhamento evitaremos no

momento. As metas “1c" e “1d” referem-se aos projetos pedagógicos

correspondentes, quando aplicados na rede particular. Assim, ao final de alguns

anos, toda a população egressa destas redes estaria (supostamente) “incluída”,

reduzindo muito (supostamente) a população dos “excluídos”. 24

Algum cuidado deveria ser previsto para os escolares cujas escolas não

estivessem, ainda, equipadas para as ações da PNID, e para os menores fora da

escola (frações referidas como “desatendidos” e “evadidos”).

Os universitários – dentro do PIA - constituem segmento pequeno e privilegiado

pelo acesso aos cursos superiores, que já mantêm – ou deveriam ser instados a

manter - laboratórios de informática. Assim, a PNID, para este estrato, estaria

focada nas ações de regulamentação e inspeção das IES quanto aos objetivos

nacionais, não de inclusão, mas de e-desenvolvimento, tecnológico ou social.

O segundo corte tem por base a renda. Considera-se a “exclusão digital” um “mal”

exclusivo dos pobres, não dos ricos ou dos estratos superiores das classes

médias, os quais dispõem de recursos próprios para adquirir computadores e

contratar instrutores e cursos. Estes estratos têm possibilidades autônomas de

acesso às TIC e, se não as exercitarem, será por motivos próprios outros.

Renúncia (ou livre escolha) não configura exclusão. Estes, portanto, não serão

considerados “excluídos”, ainda que se possam encontrar motivos para incentivá-

los e auxiliá-los. Deste modo, os estratos favorecidos com meios para auto-

inclusão não deveriam ser diretamente beneficiados com recursos da PNID, mas

esta poderia manter com relação àqueles algumas metas associadas à política

nacional de desenvolvimento tecnológico (no sentido do e-desenvolvimento).

Por fim, os estratos da PIA considerados “excluídos” devem ser agrupados por

critérios de necessidade de recursos, conforme suas ocupações (mediante

critérios de junção/separação que gerassem umas poucas faixas, não muitas).

Estas massas populacionais deveriam ser submetidas a tratamentos anti-

24 Na verdade, seria preciso mesmo diferenciar os dois segmentos do ensino fundamental, o da 1ª à 4ª séries e o da 5ª à 8ª, que lidam com faixas etárias e objetivos pedagógicos bastante diferenciados.

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desigualdade diferenciados, como alvos das metas “2a", comprometida com as

ações de inclusão básica (ou “alfabetização digital”, que corresponde ao “triplo

provimento” do acesso, ou pouco mais); e “2b”, voltada para alguma forma de

inclusão continuada. Teoricamente, a meta “2a" deveria esvaziar-se ao longo do

tempo, com a chegada na PIA da população PIE previamente incluida.

A inclusão continuada estaria associada a metas de e-desenvolvimento e deveria

visar os egressos de treinamentos menos especializados, de qualquer origem.

Julgamos perceber aí dois níveis de aprofundamento, que são o nível da

apropriação, em que o usuário aprende a efetivamente tirar proveito das

tecnologias; e o nível do domínio, em que o usuário se capacita a uma exploração

profunda dos recursos, atingindo as condições da invenção/criação/inovação.

Admitimos outra bifurcação para o e-desenvolvimento, entre objetivos voltados

para o mercado de trabalho e/ou desenvolvimento tecnológico, e outros voltados

para objetivos sociais, isto é, as já referenciadas possibilidades de autonomização

do sujeito e de seu engajamento em ações solidárias de cidadania e democracia.

Para esta população fora-da-escola e “excluída”, a solução geralmente apontada

é a construção e operação de Telecentros Públicos (SILVEIRA, 2003).

A disponibilidade de energia elétrica e de linhas de comunicação (telefone, fibra

ótica, etc.) são pré-condições da inclusão digital. Contudo, sua falta constitui outro

tipo de exclusão, a ser tratada em separado. Subordinar a falta de acesso às TIC

à pré-existência das infra-estruturas mencionadas não alivia o problema. Por

outro lado, reforça a necessidade do combate a outras necessidades mais

básicas, que certamente incluem a fome e o analfabetismo (SORJ, 2003 p.32).

Como já mencionado antes, a desigualdade entre diferentes classes e segmentos

sociais em relação ao acesso às TIC, pode ser observada e analisada a partir de

vários patamares, que correspondem a diferentes condições para a apropriação

de seus recursos. O acesso (ou a falta de acesso) às tecnologias está relacionado

à disponibilidade (ou indisponibilidade) de acesso a um computador, que poderá,

ou não, estar ligado à internet, e ao domínio do conhecimento técnico necessário

para manobrar tanto o computador como o acesso e navegação na internet.

Contudo, o que denominamos de “apropriação e domínio” vai mais além e requer

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• a capacidade para o uso autônomo dos recursos;

• capacidade de interpretar informações e transformá-las em conhecimento;

• a capacidade para inovar.

Se, ademais, almejamos o uso solidarista dos recursos, precisamos pensar na

capacidade e motivação para exploração das possibilidades libertárias do meio

técnico, visando a solidariedade, a cidadania e a democracia. Assim,

o aumento do número de computadores disponíveis para acesso pela população em geral é fundamental para o sucesso dos esforços de redução e/ou eliminação da exclusão digital. [Contudo,] parece claro que o coroamento de tais esforços vai depender de iniciativas paralelas no setor educacional, porque só a escola poderá promover, em grande escala, a autêntica inclusão digital, e a direção do esforço em favor da inclusão parece ter na escola o ponto de partida (Ferrari, 2003).

nossas recomendações se alinham com esta referência. Em termos quantitativos,

um relatório da FGV com dados de 2001 apontou que do total de alunos

brasileiros matriculados no ensino fundamental regular 25,4% tinham acesso à

internet nas escolas, bem assim 45,6% dos alunos do ensino médio regular. São

Paulo lidera em número de alunos estudando em escolas informatizadas: 49,7%

do total de 6.092.455 alunos matriculados. No Paraná, 37,2% do total de 1 691

131 estudantes matriculados estavam em escolas que possuíam laboratórios de

informática. Para 2006, o Estado da Bahia oferece 1,9 milhões de vagas na rede

estadual de ensino e espera matricular 1,6 milhões.

Resumindo nosso exame inicial dos objetivos do combate à cisão digital, vimos

que o fechamento da brecha digital é justificada pelos exatos motivos que lhe

garantem relevância. Nas escalas citadas, propõe-se a habilitação dos indivíduos

ao uso competente das TIC, para o gozo pessoal e familiar das vantagens destas

tecnologias; a capacitação para o exercício de papéis de relevo nos circuitos da

inovação; para proporcionar o “aumento da competitividade” e de eficiência das

empresas e organizações de que faça parte; e, para o desenvolvimento nacional.

Os ciber-otimistas admitem a instauração de uma estratégia de desenvolvimento

“informacional-democrática”, na qual a inovação e a automação possibilitariam a

produção de bens capazes de garantir o crescimento econômico “para todos”. A

inclusão passaria a ser o motor da inovação e da criatividade. Quanto mais gente

participasse do processo, maior o seu dinamismo e maiores os resultados a

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serem distribuídos. Esta “lógica da inclusão” não significaria a eliminação da

desigualdade mas, enquanto no capitalismo industrial-financeiro a tendência é o

aumento das diferenças entre os com- e os sem-computador, sob o “capitalismo

informacional” talvez se torne possível diminuir as diferenças, sem eliminá-las25.

Contudo, para os objetivos mais amplos de autonomização solidarista do sujeito e

de motivação para o exercício da participação-cidadã, o acesso às tecnologias da

informação, mediante o uso de computadores e da alfabetização digital não serão

suficientes. Tal projeto exigiria uma política pública e um envolvimento da

sociedade, capazes de promover o fortalecimento do cidadão e das comunidades

locais, propiciando as condições para uma apropriação cidadã dos conteúdos

disponíveis na rede e para a difusão dos saberes e fazeres comunitários. Um

projeto deste porte transcende, evidentemente, ao mero combate à desigualdade

digital, para constituir uma utopia “ciber-democrática” de transformação social,

que vai muito além dos objetivos que nos propusemos na presente pesquisa.

A transformação fundada no ciberespaço pode ser, apenas, um elemento – e não

necessariamente o mais importante – de um movimento mais amplo que, na

verdade, abalaria os alicerces do capitalismo, e que foge ao nosso recorte. E,

assim como, para Altvater, projetar o desenvolvimento sustentável sob o

capitalismo é projetar a quadratura do círculo, pensar uma transformação ciber-

democrática ampla sob o capitalismo é, também, mero exercício de metafísica.

Estas considerações recomendam a migração do estudo da “desigualdade digital”

para o estudo da “sócio-inclusão digital” (GUERREIRO, 2006), ou seja, passar da

análise das condições de acesso para a análise das condições da apropriação

social (ampla). Para as classes populares não será fácil alcançar este nível. Sem

dúvida, há esse potencial, mas a passagem da potência ao ato não depende em

absoluto das tecnologias em si, mas do contexto social no qual os processos

estão ocorrendo. Quanto às políticas públicas, elas não produzem em si esse

contexto social novo e necessário, que afinal é o fator mais importante. Veja-se, a

respeito, aplicação relativamente fracassada da informática nas escolas, sem

novo projeto educacional, sem revalorização do professor (como agente muito

especial desse contexto), e sem as alocações financeiras necessárias.

25 “O Brasil não cresce com exclusão digital”. http://www.softwarelivre.org/Código Aberto (1/11/05).

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Capítulo 2 – TÉCNICA, TIC E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

No presente capítulo, faremos uma ligeira revisão dos conceitos de informação e

comunicação, que integram o próprio nome das Tecnologias da Informação e da

Comunicação; e dos conceitos de conhecimento e de aprendizagem, elementos

estruturais e estruturantes das propostas de combate à desigualdade digital.

Procuramos dar uma visão do universo das TIC, a começar pelos computadores e

pelas redes de computadores. Entre os elementos principais destas Tecnologias

incluem-se o rádio, a televisão e o telefone; o mundo da comunicação impressa

(jornais, revistas e livros); as várias formas de correspondência institucional e

pessoal (com louvor à vetusta instituição dos correios)26; e, certamente, o cinema,

manifestação da arte cravada no universo da comunicação. Não abordaremos,

porém, todos estes elementos. Hoje, todos eles sofrem influências da internet,

usada para emular os correios, a mídia impressa, e os demais. Um aspecto

sensível desta discussão é a questão dos conteúdos da mídia (que conteúdos

estão sendo produzidos e distribuídos; quem produz, como, e porque).

A difusão acelerada das TIC, após o advento das tecnologias digitais, levou

muitos autores ao estudo das redes e do “ciberespaço” e ao anúncio da chegada

da “Sociedade da Informação”, fruto da “explosão tecnológica” e de seus efeitos

políticos, econômicos, urbanísticos, culturais e antropológicos (afetam o indivíduo,

a família e as comunidades em termos da auto-visão, do afeto, do lazer). Entre os

efeitos sociais, destaca-se o surgimento da desigualdade digital. O estudo da

relação histórica entre Técnica e Sociedade revela que a desigualdade nos

processos de apropriação social da Técnica não é novo, nem deve surpreender

sua presença no universo das TIC.

2.1 Informação e Comunicação.

Um estudo sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação deve, assim

parece, começar por esclarecer o vêm a ser informação e comunicação. Porém, a

26 Parece que se esgotou – ou está a esgotar-se - o tempo de alguns meios que, no passado, foram relevantes, como o telégrafo e seus substitutos mais modernos, o teletipo e o telex.

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tentativa de definir informação é frustrante: o conceito parece impossível de ser

formalmente estipulado, e leva-nos a uma dificuldade semelhante àquela que o

filósofo escolástico se propôs a respeito da definição de tempo.27 Também,

parece impossível discutir isoladamente cada um destes dois conceitos.

Em termos rigorosamente lógicos, a definição de um termo A exige o uso de

outros (B, C, ...), definidos, por sua vez, através de novos elementos (D, E, ...),

vedada a reutilização de qualquer termo nestas operações sucessivas, sob pena

de cair-se numa tautologia. Nesta marcha, a operação jamais se completaria, por

exigir uma série infinita de passos. Na prática, tal impossibilidade é contornada ao

se usar, para definir A, alguns termos para as quais o destinatário do discurso não

requeira definição, por serem já (supostamente) conhecidos (para ele). Assim, no

limite, a viabilidade lógica da operação geral de definição implica a admissão de

conceitos que não requerem definição, vale dizer, conceitos aceitos sem definição

(pelo menos, para o destinatário do discurso, e naquele momento).

Exemplo clássico, as definições da geometria euclidiana são construídas a partir

de alguns conceitos primitivos (como ponto, reta e plano), aceitos sem definição e

usados, em seguida, para definir outros entes geométricos (os quais não podem

ser definidos, todos, ab initio, sem incidir em tautologias). A representação mental

dos conceitos primitivos se constrói através de analogias com entes ou noções da

experiência empírica (a idéia de plano será associada à da superfície lisa de uma

parede, e assim por diante). Sobre esta base, são propostos alguns axiomas,

“verdades evidentes por si mesmas, aceitas sem demonstração”. A partir destes

princípios, o construto completo da geometria se torna demonstrável28.

O discurso explicativo/descritivo do mundo necessita partir, também, de algumas

noções a priori, insusceptíveis de definição, cuja aceitação viabiliza a operação

lógica da definição. Estes conceitos primitivos admitem apenas caracterização,

isto é, a especificação e descrição de atributos, a delimitação e qualificação. Este

27 Quando se auto-interroga sobre o que seria ‘tempo’ (‘Quid est ergo tempus?’), Santo Agostinho responde: “Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o ‘tempo’? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o ‘tempo’? Se ninguém mo pergunta, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei” (Santo Agostinho, 1987, p.218) 28 Dizer, no caso, que “o ponto é uma figura sem dimensão”, não constitui, a rigor, uma definição.

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é o modo pelo qual Kant nos fala do tempo e do espaço, na “Crítica da Razão

Pura” (2005, p. 67ss.): como noções a priori, que não admitem definição.

A informação apresenta-se-nos, também, como algo cuja existência está fora de

questão, cujos atributos são discutidos à larga, cujos efeitos são reconhecidos, e

que é considerado elemento essencial para o funcionamento e a transformação

ordenada dos sistemas organizados, sejam estes físicos, orgânicos ou sociais

(WIENER, 1968). Contudo, a pergunta “o que é a informação” permanece carente

de uma definição “completa”29 e isenta de tautologias.30

2.1.1 Informação. Informação interna e externa.

Para Wiener (1968, p. 17)31,

Informação é o termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que nosso ajustamento nele seja percebido. O processo de receber e utilizar informações é o processo de nosso ajuste às contingências do meio ambiente (...). Dessarte, comunicação e controle fazem parte da essência da vida interior do homem, mesmo que pertençam à sua vida em sociedade.

O texto confirma a dificuldade anunciada, evita uma definição e opta por uma

descrição funcionalista, sem preocupação com o rigor. Ora, trocamos matéria com

o meio (por exemplo, água) ou energia (por exemplo, energia térmica, na forma

de calor) mas, nem toda troca energética ou material pode ser considerada uma

troca de informação. A assimilação da informação a um elemento de ajustamento

às contingências do meio suscita um longo debate. Para Valdemar Setzer,

Informação é uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que está na mente de alguém, representando algo significativo para essa pessoa. Note-se que isto não é uma definição, é uma caracterização, porque "algo", "significativo" e "alguém" não estão bem definidos. A frase "Paris é uma cidade fascinante" é um exemplo de informação – desde que seja lida ou

29 A dificuldade talvez resida em que a definição de informação é, em si, uma informação, o que suscita a metáfora do círculo vicioso, ou uma tautologia cognoscitiva (Maturana, 1995, p. 18). 30 Informação. Dados acerca de algo; informe; conhecimento; notícia (FERREIRA, Aurélio B. de H., org. Novo Dicionário Aurélio. São Paulo: Nova Fronteira, 1975). Não é dada uma definição formal. É sabido que dicionários não especializados não são boas fontes em linguagem científica. 31 Wiener, Ashby e Bertalanffy implantaram a Teoria dos Sistemas e a Cibernética no centro das discussões acadêmicas no imediato pós-guerra, com pretensões a uma visão de totalidade das questões de controle em sistemas complexos auto-reguláveis, inclusive o sistema-sociedade.

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ouvida por alguém para quem "Paris", “cidade” e “fascinante” tenham significados determinados. Setzer (2001):

Bertalanffy (1973, p. 67) não é mais claro32 no particular:

A noção geral na teoria da comunicação é a de informação. Em muitos casos, o fluxo de informação corresponde a um fluxo de energia. Por exemplo, as ondas luminosas emitidas por alguns objetos, ao atingir o olho, ou uma célula fotoelétrica, produzem certa reação do organismo ou do maquinismo e transportam, assim, informação. Em [outros] exemplos, o fluxo de informação é oposto ao fluxo de energia: num cabo telegráfico a corrente contínua flui numa única direção mas, a informação (a mensagem) pode ser enviada em ambas direções, interrompendo-se a corrente em um ponto e registrando-se a interrupção em outro; ou, a informação é transmitida sem fluxo de energia ou de matéria (num dispositivo foto-elétrico de abertura de portas, a interrupção do fluxo luminoso por uma sombra informa a fotocélula da presença do passante). Assim, a informação em geral não pode ser expressa em termos de energia.

O texto não esclarece a relação entre informação e energia. Nos exemplos, a

mudança de estado no fluxo de energia correspondeu a uma mudança de estado

no fluxo da informação e esta ora corresponde a um “fornecimento” de energia,

ora ao corte de um fornecimento regular.

O autor associa a informação à entropia, ao afirmar que a medida da quantidade

de informação contida em uma mensagem se faz em termos de decisões binárias.

Seja um jogo, em que A “advinha” o objeto oculto por B, mediante perguntas cujas

respostas são apenas “sim”, ou “não”. A qualquer tempo, o número de respostas

recebidas é igual ao número de perguntas feitas e a probabilidade de respostas

cresce segundo as potências de 2: uma pergunta admite duas respostas; duas,

admitem quatro; n perguntas, admitem N = 2n possibilidades de respostas, o que

pode ser expressa por n = log 2 N. Acontece que esta medida da informação é

semelhante à da entropia negativa, definida como um logaritmo da probabilidade.

Mas, a entropia é a medida da desordem; a entropia negativa - ou informação –

seria, então, a medida da ordem ou da organização, pois esta última, comparada

com a distribuição ao acaso, é um estado improvável (pp. 67-68).

Um conceito importante da teoria da informação (e do controle) é o de retroação

(feed-back) que, de certa forma, invade o conceito de comunicação. No esquema

32 Eis uma pérola: “informação é a novidade de uma notícia; notícia é uma ordenação de símbolos” (MASER, S. Fundamentos da Teoria Geral da Comunicação. São Paulo: EDUSP, 1975, p.8).

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apresentado a seguir, um receptor, ou sensor, recebe um sinal, ou informação,

que passa adiante, na forma de uma mensagem (imediata, ou processada,

transmutada). O aparelho de controle recombina as mensagens recebidas

(inclusive com outras anteriores, armazenadas) e as transmite a um efetuador.

Este responde, promovendo uma saída que pode ser de alta energia (caso típico

de “amplificador”). Por fim, uma mensagem é enviada do efetuador de volta ao

receptor e processada por este, que pode usar a informação retro-alimentada

como elemento de controle do comportamento seguinte do efetuador, tornando

assim o mecanismo (ou organismo) auto-regulado (pp. 68-9).

Figura 1 – Esquema de retroação na comunicação

Este sistema de auto-regulação não é geral, e só ocorre em estruturas análogas à

apresentada. Há outros modos de regulação, como no caso dos sistemas auto-

poiéticos33. O modelo é largamente utilizado na tecnologia moderna – nos pilotos

automáticos de navios e aviões; em mísseis teleguiados; no giroscópio; nos

servo-mecanismos em geral – e, também, associado a organismos vivos.

Quando estendemos a mão para pegar um objeto, há intensa geração e troca de

informações entre o corpo e o meio: os olhos vêem o objeto e, de imediato, o

cérebro calcula sua posição, dimensões, fixidez, e outros atributos; enquanto a

mão se move em direção ao alvo, novas informações e processamentos nos

levam, por retroação, a guiar a mão até o objeto e alcançá-lo. O movimento de

preensão, a força necessária para isto, o reconhecimento de sua imobilidade ou

não, textura, temperatura, etc., implicam mais informações, mais processamento. 33 Maturana et al. (1995) desenvolveu – no âmbito da biologia - o conceito de “sistemas auto-poiético”, ou sistemas que se organizam a partir de sua distinção com o entorno, e que “procuram” manter sua organização interna a partir de um processo constante de acoplamento estrutural a este entorno, mediante inumeráveis possibilidades de enlaces com o real-existente, em suas distintas manifestações, que só dependem da compatibilidade necessária entre os componentes para que ocorram. Luhmann, ao conceituar autopoiese nas ciências sociais - diferente da teoria biológica da autopoiese de Maturana – afirma que o meio ambiente atua como o fundamento do sistema, e afasta o conceito de sistemas fechados, que existe(iria)m (quase) sem meio ambiente e, portanto, pode(ria)m determinar-se (quase) integralmente a si mesmos.

Receptore Aparelho de ‘controle

Efetuador

Estímulo Mensagem Mensagem Resposta

Retroação

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Embora a informação seja tratada de forma uni-dimensional em muitos textos,

como um ente que se manifesta de diferentes modos em diferentes tempos e

lugares, mas é dotado de uma unicidade ontológica, este tratamento parece-nos

incorreto, isto é, a informação não poderia ser reduzida a um conceito único (tal

como a “matéria” que, apesar de infinitas formas de apresentar-se, parece gozar

de uma “unicidade ontológica”). Questionamos esta unicidade e perguntamos se

não estaremos tratando como iguais as diferentes entidades, que deveriam ser

diferentemente tratadas. Neste sentido WURMAN (1991, pp.47ss), na tentativa de

criar uma tipologia, refere-se a 5 “anéis” de informação:

O primeiro anel é o da informação interna. São as mensagens que governam nossos sistemas internos e possibilitam ao nosso corpo o funcionamento. A informação toma a forma de mensagens cerebrais. É o nível de informação sobre o qual temos, provavelmente, o menor controle, mas é o que mais nos afeta.

Os anéis seguintes tratam da informação “externa”, que Wurman subdivide em

conversacional, de referência, noticiosa e cultural. A informação conversacional é

aquela das trocas formais e informais que mantemos com as pessoas à nossa

volta (amigos, parentes, colegas de trabalho e clientes ou os “estranhos”, dos

contatos eventuais). A conversa – talvez, por sua natureza informal – constitui

uma importante fonte de informação, importância nem sempre reconhecida, e é a

fonte sobre a qual mais exercemos controle, seja como emissores, ou como

receptores da informação. O terceiro anel é o da informação de referência:

dispersa em muitas fontes, desde um manual de física até a lista telefônica, ou o

dicionário, este é o tipo de informação que opera os sistemas do nosso mundo –

ciência e tecnologia – e, mais imediatamente, eventos da nossa vida cotidiana. O

quarto anel é o da informação noticiosa, que abrange os eventos da atualidade, e

é transmitida pela mídia, sobre pessoas, lugares e acontecimentos que talvez não

afetem diretamente a nossa vida, mas podem influenciar nossa visão de mundo.

O quinto anel é o da informação cultural. Esta é a forma menos quantificável, e

abrange história, filosofia e artes, e qualquer expressão de uma tentativa de

compreender e acompanhar nossa civilização. Informações colhidas nos outros

anéis são incorpradas aqui para construir o conjunto que determina nossas

atitudes e crenças, bem como a natureza de nossa sociedade como um todo.

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Wurman parece não distinguir entre informação e comunicação. Podemos, ainda,

questionar se há outros “tipos” de informações, outros anéis. Por exemplo, no que

tange às informações internas/externas relativas ao afeto. Estas, podem levar-nos

a intuir/avaliar o outro como amigo/não-amigo, querido/indesejado, honesto/não-

honesto, seja a partir de respostas a estímulos, ou de informações objetivas que

se transformam internamente em avaliações subjetivas.

As informações variam em estrutura, conteúdo, relevância, “tamanho”, campo de

aplicação: da ciência econômica às ofertas de lazer, das artes médicas ao âmbito

militar. Fica aberta a discussão sobre a unicidade do conceito, sobre se chamar

de “informação” entes muito diferentes: um endereço, em uma lista; as instruções,

em um manual (ou uma bula), sobre como usar uma máquina (ou um remédio).

2.1.2 Informação “imediata” e “mediata”, e comunicação.

Para uma discussão muito elementar, poderíamos usar o esquema abaixo. A

informação imediata corresponde aos exemplos de Bertalanffy (imediata-externa)

e ao primeiro anel da tipologia de Wurman (imediata-interna). Num caso e noutro,

o seu fluxo independe de uma linguagem, e de artefatos de comunicação; no

restante (como nos demais “anéis” de Wurman), o fluxo da informação depende,

sempre, de uma linguagem (uma estrutura de representação) e de “canais” de

comunicação entre emissor e receptor, como veremos.

Figura 2 – Tipologia das informações (elaboração própria). TIPO E SUBTIPO “USUÁRIO”

INTERNA IMEDIATA EXTERNA Máquina, animal, homem INFORMAÇÃO

MEDIATA Homem

Podemos apelidar a informação imediata de “estímulo”, quando o receptor é um

organismo, e de “sinal-de-controle” quando se tratar de uma máquina.

A informação pode ser propriedade interior de uma pessoa (informação interna) ou recebida (mediante comunicação). No primeiro caso, está na esfera mental e pode ter origem em uma percepção interior, como sentir dor. No segundo pode, ou não, ser recebida por meio de sua representação simbólica como dados, isto é, sob forma de texto, figuras, som, animação, etc., (sendo que) a representação em si (por exemplo, um texto) consiste exclusivamente de dados (SETZER, op. cit.).

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Ao ler um texto, uma pessoa pode absorvê-lo como informação, desde que o compreenda. Pode-se associar a recepção de informação por meio de dados, com a recepção de uma mensagem. Porém, informação pode também ser recebida sem que seja representada por meio de dados e mensagens (Idem).

Se uma pessoa está em uma sala aquecida, num dia frio, e põe o braço fora da

janela, obtém uma informação sobre a temperatura externa não representada por

símbolos e que não constitui uma mensagem. Também, pode haver mensagens

não expressas por dados: um forte berro pode conter muita informação para

quem o ouve, mas não contém nenhum dado. Na tipologia da Figura 1, ambas

informações são do tipo imediato-externo, associadas a estímulos.

A questão não é trivial. O estímulo pode levar um organismo – ou uma máquina

dotada de sensores e servo-mecanismos – a uma resposta imediata, automática,

um ajuste interno. No ser humano, pode provocar pensamentos intrumentais; ou

suscitar meras lembranças; ou dar início a uma conversação trivial. As respostas

humanas não-automáticas decorrem da estrutura do ser humano, inclusive do fato

de possuir ele uma memória, onde informações são/podem ser arquivadas na

forma de representações mentais, que podem ser voluntária ou involuntariamente

acionadas (que não discutiremos). O acesso voluntário e controlado (e parte dos

acessos involuntários, não controlados, objeto da psicologia e da psicanálise) a

informações memorizadas é um dos pilares dos processos de aprendizagem, de

consciência e conscientização, de tomada consciente da decisão.

O ser humano necessita de informação (como matéria prima do conhecimento)

para sua tomada de decisões e para seu agir e estar no mundo, tanto individual

quanto coletivamente. Os humanos usam as informações que detêm ou recebem

- e o conhecimento “armazenado” sobre si mesmos, suas instituições, seus

artefatos e seu entorno - para tomar decisões supostas úteis e alinhadas com

seus fins (isto é, capazes de gerar os resultados esperados, ou quase). É sob

este prisma da instrumentalidade que abordamos a informação. O tema já foi

tratado, também, sob enfoques filosóficos, psicológicos, neurológicos, físicos e

matemáticos, mas tais discussões não caberiam no escopo do nosso trabalho.

A importância do tema para nossa discussão está em que os discursos de

inclusão digital preconizam um sujeito “incluído” capaz de receber informação e

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de processá-la de modo autônomo, racional, consciente e orientado para fins (que

estamos supondo democráticos e solidários). Está em questão a aprendizagem,

alguns de cujos objetivos e técnicas consiste em levar o estudante a formar um

razoável “banco de dados” de informações de determinados tipos (matemática e

lingua materna, como disciplinas básicas; e várias outras disciplinas), e um

repertório de processos mentais para a correta associação das informações

armazenadas com aquelas que recebe a todo momento, afim de as poder

interpretar, questionar sua validade e utilidade, e prever possíveis conseqüências

relacionadas à informação ou à decisão baseada nelas. Por estas considerações,

concluímos que a informação imediata não interessa ao estudo dos discursos

sobre inclusão digital34 mas, apenas, a informação mediata.

2.1.3 Informação mediata: dado, representação simbólica e linguagem.

Segundo Setzer (op. cit.), a informação mediata é passível de representação,

codificação, armazenamento, recuperação, processamento e transmissão. Se a

representação da informação for feita por meio de dados, estes podem ser

armazenados. O que é armazenado não é a informação, mas sua representação

(ou dados). A distinção entre informação e dado, é que este é puramente sintático

e aquela é portadora, necessariamente, de semântica (isto é, de "significado"). A

atribuição de significado é da ordem do humano e, nunca, da máquina, a qual

realiza somente processamento sintático (sobre os dados). Assim, não é possível

processar informação diretamente em um computador: para isso, é necessário

reduzi-la a dados. Ou seja, é impossível introduzir e processar semântica em um

computador, porque a máquina mesma é puramente sintática.

Dados, desde que inteligíveis, poderão ser incorporados como informação por

quem os recebe 35, porque os seres humanos (desde alguma tenra idade) buscam

constantemente por significação e entendimento36.

34 O estudo da informação imediata é valioso na indústria, tendo em vista a automação e servo-mecanismos. Uma política nacional de desenvolvimento tecnológico não pode olvidar tal estudo. 35 A máquina pode embaralhar os dados, por erro, ou por programação, tornando-os ininteligíveis. A pessoa que os recebesse não poderia atribuir-lhes significado, nem convertê-los em informação. 36 Note que "significação" não pode, também, ser definida formalmente.

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Como vimos acima, a frase "Paris é uma cidade fascinante" pode permanecer

reduzida a um amontoado de dados, se seu receptor não conhece o “significado”

de "Paris”, “cidade” e “fascinante". Para outro, que conhece as palavras – ou pode

tecer analogias - a frase converte-se em informação, pela associação mental de

seus termos com conceitos dominados por este sujeito. Assim, quando avaliamos

um objeto segundo sua forma e dizemos que ele é "circular", estamos associando

a representação mental do objeto percebido com o conceito (mental) de círculo.

No campo da economia a informação é tratada como muito valiosa, sem que os

autores se preocupem em definir o conceito. Pode-se encontrar afirmações do

tipo: “informação é tudo aquilo que diminui a incerteza”, o que parece ajudar –

todavia, muito pouco - em termos de conceituação. Pindyck & Rubinfeld afirmam

que uma das condições básicas do “mercado perfeitamente competitivo” é –

Perfeita informação. Os consumidores dispõem de informação perfeita sobre suas preferências, níveis de renda, preços e qualidade dos bens que compram. Da mesma forma, as empresas dispõem de informações perfeitas sobre seus custos, preços e tecnologias (1999, p. 301).

Adiante, os autores analisam a informação assimétrica (p. 667-8), “que ocorre

quando algumas partes possuem mais informações do que outras”. Usando

raciocínios próprios do seu campo, os autores demonstram que a informação

assimétrica conduz a desvios e falhas de mercado. Mostram, por exemplo, que no

mercado de automóveis usados os vendedores de automóveis de baixa qualidade

saem-se melhor que os vendedores de automóveis de alta qualidade (por mais

contrasensual que esta afirmação possa parecer). Outro resultado perverso da

informação assimétrica é citado como “problema da condição principal-agente”37.

Este problema decorre da assimetria de informação entre o mandante e o

mandatário, representado e representante, cliente e prestador de serviços, pois o

segundo sujeito em cada uma destas situações sabe coisas que o primeiro ignora

(seja a respeito do mandato, das circunstâncias da ação de representação, do

objeto do serviço) e assim pode tirar proveito indevido, fraudando ou inadimplindo

seu contrato original de mandato, representação ou prestação de serviço, sem

que o primeiro contratante tome conhecimento ou possa mudar a situação.

37 Ver discussão a respeito em SANTOS (2001, p. 63).

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Acreditamos ter mostrado a relevância do estudo da natureza da informação.

Vimos que o interesse da nossa discussão é a informação mediata, à qual o

sujeito tem acesso mediante o domínio da linguagem e das formas de

representação. Por exemplo, os índices de inflação no Brasil podem ser

conhecidos através da mídia falada ou escrita, da TV ou da internet, como fala,

texto ou imagem gráfica. Mas, os dados permanecerão como “dados” se o

indivíduo que os acessa não tiver condições de atribuir-lhes significado, seja

porque tais símbolos excedem sua capacidade de interpretação, ou porque não

lhe afetam (ou ele não percebe de que modo lhe afetam), de modo que não

consegue de alguma forma valer-se deles para beneficio de sua forma de estar e

de agir no mundo, o que aponta para uma necessidade de “inclusão semântica”.

2.1.4 Comunicação.

Como dissemos, a informação que nos interessa estudar é aquela ligada a fatos

ou decisões do cotidiano, na vida privada ou pública; é, portanto, de caráter inter-

pessoal e envolve comunicação e linguagem. A tentativa de definir, delimitar,

explicar a natureza, o substrato, o em si da informação, revelou-se árdua e

inconclusa. Outro tanto tende a ocorrer no estudo da comunicação - aliás, da

comunicação humana, nosso recorte neste texto, com descarte do estudo das

interações homem-máquina e máquina-máquina (a máquina entrará neste estudo

somente como meio de transmissão ou peça do “canal” de transmissão) 38.

Numa descrição corriqueira, comunicação é apresentada como um processo

mediante o qual uma mensagem é repassada de um emissor a um receptor,

através de um meio de transmissão (da mensagem), ou canal. Tecnologias da

comunicação são as tecnologias dos meios de transmissão de mensagens

(textuais, sonoras e visuais). Comunicação, informação e mensagem são palavras

às vêzes usadas em sentidos cruzados, gerando confusão. Pode-se abrir uma

discussão sobre se o que se transmite são dados, ou informação, ou uma terceira

entidade, a “mensagem”, cujo conteúdo seriam os dados (ou a informação).

38: A troca de sinais (transmissão/recepção de impulsos de energia) entre máquinas é também chamada de “comunicação”; bem assim, as trocas entre homem e máquina. A nosso ver, estas interações deveriam merecer outro(s) nome(s).

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A questão da comunicação é da maior importância para a vida social. Foi, sem

dúvida, pelo desenvolvimento de formas de comunicação cada vez “melhores”

que o homem afirmou sua humanidade, escapando da condição de primata “igual”

aos outros. Norbert Wiener afirma que “a sociedade só pode ser compreendida

através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que

disponha” e que “no futuro, as técnicas da produção e da troca de mensagens (...)

desempenharão papel cada vez mais importante” (op. cit., p. 16). Contudo,

entendemos que o conhecimento não se comunica (nem se transmite).

É trivial encontrar autores (vide Lévy, 1998), que atribuem o “progresso” do

Homem à técnica e periodizam a caminhada humana usando como marcos as

técnicas dominantes de cada era. A respeito, cabe lembrar que o repasse das

técnicas entre os membros e as gerações de um grupo social e seus vizinhos só

foi possível por ter o Homem desenvolvido uma técnica muito particular, a da

comunicação humana. Neste marco, Lévy (1998) pauta a marcha do Homem

pelas transformações das “tecnologias da inteligência” e associa estas a três

modalidades de comunicação: a oralidade, a escrita e a “hipertextualidade”.

O que restaria da história das idéias, sem a comunicação destas? O que restaria

do Poder Simbólico - vide Bourdieu (2000)- sem o compartilhamento comunicativo

dos símbolos? Poderia, mesmo, haver História sem a comunicação da história? E

há de ser por valorizar a comunicação que Habermas esmera-se na proposição

da ação comunicativa como ética para o aperfeiçoamento das relações sociais.

Compreender o quanto – e como, porque, e mediante que – os processos

comunicativos são estruturais e estruturantes para a produção e a manutenção

das desigualdades, parece ser uma condição fundamental para a luta contra

estas desigualdades. O estudo poderia começar por determinar os elementos

constituintes do fenômeno da comunicação, as estruturas dos processos, e as

facilidades e dificuldades específicas. Um outro viés, seria o estudo das melhores

formas de compor e de transmitir a mensagem, de modo a assegurar que o

receptor a receba segundo as premissas do emissor, tanto em termos de clareza,

de fidelidade “sintática” ao original (sem ruídos e distorções, o que implica

tecnologias avançadas de transmissão), quanto segundo a fidelidade “semântica”,

ao significado que o emissor quer repassar. Ou seja, quanto aos modos do

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emissor assegurar-se que o receptor entenda a mensagem do exato (ou mais

aproximado possível) modo segundo o qual o emissor pretendeu ser entendido.

Uma “história da comunicação” - de como os problemas comunicacionais foram

sendo construídos e analisados, e como se deu sua evolução - seria obra para

muitos volumes, mormente se fôssemos retroceder à era da oralidade primária

(LÉVY, 1998), momento fundador em que o Homem passou a desenvolver as

primeiras técnicas auxiliares de comunicação, sonoras e visuais. Uma “era da

escrita primária” poderia ser estendida desde a criação dos mais toscos símbolos

e sistemas de escrita e de suporte da escrita, até o advento da imprensa de tipos

móveis (e dos meios auxiliares criados então). A “era Gutemberg” inaugura o livro

impresso e o jornal: há uma grande explosão do universo das comunicações e

nunca será possível avaliar quanto da Modernidade se deve a este âmbito. Neste

período deveríamos incluir o telégrafo, o telefone, o rádio e a televisão, com todas

as mudanças que aportaram. Enfim, o quarto e atual período é marcado pelas

“novas” Tecnologias da Informação e da Comunicação.

Estes estudos e debates sobre as questões da comunicação poderiam desnudar

as muitas facetas com que devem se ocupar os planejadores de um projeto de

inclusão digital verdadeiramente preocupado em capacitar os incluídos a se

apropriarem da informação, cujo acesso as TIC, agora, facilitam.

Miége (1995) situa sua análise a partir da década de 1940. Miége identifica três

“correntes fundadoras” do pensamento comunicacional contemporâneo: o modelo

cibernético; o enfoque empírico-funcionalista das mídias de massa; e, o método

estrutural e suas aplicações lingüísticas. Estas correntes dominaram a cena, no

período, que vai até os fins da década de 1960. Uma outra redução do universo

investigativo, em La pensée communnicationelle, está no centramento em torno

do pensamento europeu-ocidental e estadunidense.

Porém, pelas amplamente reconhecidas limitações a que se submete uma tese

de doutorado, não podemos aprofundar a análise das questões da comunicação.

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2.1.5 Conhecimento e Aprendizagem.

Freqüentemente, o objetivo de lidarmos com dados, informação e comunicação, é

a agregação de conhecimento. O conhecimento é um elemento indispensável

para a apropriação social das tecnologias; e a aprendizagem é o processo pelo

qual o sujeito constrói o dito conhecimento. Mas, conhecimento é outro conceito

infenso à definição. Caracterizado por Setzer (2001) como “uma abstração

interior, pessoal, de algo que foi experimentado, vivenciado, por alguém”, o

conhecimento é considerado “uma noção que, embora nos pareça una e evidente,

desde que a questionamos, se fragmenta” (Morin, 1999, p. 19) e “todo

conhecimento comporta necessariamente: a) uma competência (aptidão para

produzir conhecimentos); b) uma atividade cognitiva (cognição), realizando-se em

função da competência; c) um saber (resultante dessas atividades)” (idem). Antes

de tudo, As competências e atividades cognitivas humanas necessitam de um

aparelho cognitivo, o cérebro, o qual precisa estar vivo, íntegro, desenvolvido e

nutrido biológica e culturalmente.

As aptidões cognitivas humanas só podem desenvolver-se no seio de uma cultura que produziu, conservou e transmitiu uma linguagem, uma lógica, um capital de saberes, critérios de verdade. É neste quadro que o espírito humano elabora e organiza o seu conhecimento utilizando os meios culturais disponíveis. Enfim, em toda a história humana, a atividade cognitiva interagiu de modo ao mesmo tempo complementar e antagônico com as éticas, o mito, a religião, a política. O poder, com freqüência, controlou o saber, para controlar o poder do saber (Idem, p. 20).

Assim, “adquirir” ou “desenvolver” conhecimento (isto é, “aprender”) sobre “algo”

(novo) implica, antes de tudo, uma competência pessoal para a atividade

cognitiva, que depende de um componente neuro-fisio-psicológico (externo a

nossa discussão39) e outro, cultural, que vem a ser a prévia posse de um

referencial (pré-conhecimento), cuja formação terá dependido do meio em que o

aprendiz cresceu e/ou viveu/participou até então, além de seu esforço pessoal

pregresso. É sobre esta base que irá se desenvolver o esforço do (novo)

aprendizado, na interação entre sujeito-aprendente e entorno-ensinante.

39 O componente neuro-fisiológico remete à dicussão sobre “pessoas com necessidades especiais” (PNE); o componente psicológico (pessoas com dificuldades de aprendizagem), em muitos casos, pode ser contornado com processos didáticos-pedagógicos.

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A experiência do aprendizado pode ser direta entre aprendiz-objeto do

aprendizado, ou mediada, quer por informações acessadas pelo autodidata, quer

por ações de qualquer aparelho de ensino. Nesse sentido, os materiais de ensino,

como livros e outros, não contêm conhecimento: contêm dados, que são

representações de informações e se transubstanciam em informação logo que

acessados por sujeitos que lhes possam atribuir significado. Esta distinção,

porém, não tem relevância fora de certos círculos acadêmicos especializados.

Setzer (2001) entende que o conhecimento não pode ser descrito (nem

transmitido, ou representado): o que se descreve (ou transmite, ou representa) é

a informação (convertida, no processo, para dados).

A informação pode ser inserida em um computador por meio de uma representação em forma de dados (se bem que, estando na máquina, deixa de ser informação). Como o conhecimento não é sujeito a representações, não pode ser inserido em um computador. Assim, neste sentido, é absolutamente equivocado falar-se de uma "base de conhecimento" em um computador. O que se tem é, de fato, é uma tradicional "base de dados".

Um nenê de alguns meses tem muito conhecimento (por exemplo, reconhece a mãe, sabe que chorando ganha comida, etc.). Mas não se pode dizer que ele tem informações, pois não associa conceitos. Do mesmo modo, nesta conceituação não se pode dizer que um animal tem informação, mas certamente tem muito conhecimento.

A informação pode ser prática ou teórica, mas o conhecimento é sempre prático. A informação foi associada à semântica. Conhecimento está associado com pragmática, isto é, relaciona-se com alguma coisa existente no "mundo real" do qual se tem uma experiência direta (assumido, aqui, um entendimento intuitivo do termo "mundo real").

O conhecimento, no topo da hierarquia dado-informação-conhecimento, é aquela

representação, no cérebro do ator, necessária para e capaz de orientar

adequadamente sua tomada de decisão, suposta racional, isto é, orientada para

fins (ou para formar seus juízos, que podem influenciar ou determinar decisões

futuras). O conhecimento é composto de informações, que podem então ser

descritas como representações parciais da realidade que, devidamente

combinadas e submetidas a um motor de inferências, produzem o conhecimento.

Entretanto, o indivíduo pode ser detentor de pretensas informações que não se

combinam - no momento em que estão sendo consideradas – para gerar

conhecimentos: estas refluem à condição de dados. Desta forma, dados seriam

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matéria prima para informações – a transformação ocorre quando ao dado é

atribuído um significado. As informações seriam a matéria prima do

conhecimento, segundo o processo acima descrito.

A discussão pode alongar-se. Um elemento complicador se acrescenta ao

relacionar conhecimento com linguagem e com representação. Não quero abrir a

discussão sobre a questão da representação mental (informação e conhecimento

como representações mentais da realidade).

A aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo forma um conhecimento novo.

Por mais rico e potencialmente valioso que seja para mim um texto em chinês, de

nada me valerá se não conheço esta língua40. Neste caso, somente mediante o

aprendizado do chinês aquele material “criptografado” poderia transformar-se,

para mim, primeiro em informação, depois, e eventualmente, em conhecimento.

Quando se fala em “inclusão digital” e em “sociedade da informação” ou

“sociedade do conhecimento”, será sempre preciso considerar a capacitação da

população alvo para, primeiro, acessar os dados; segundo, tranformar dados em

informação (o que só ocorre dentro da mente, como explicado); por último,

agregar as informações em sistemas de conhecimento. Informações e

conhecimentos estes, considerados instrumentais para recolocar o indivíduo no

mundo em condições superiores àquelas às quais estava ligado.

Um problema especial ocorre com as pressões dos países centrais sobre os

demais, visando a obtenção de lucros através da “venda de conhecimento”. Para

o Banco Mundial,

O conhecimento é como a luz. Imponderável e intangível, pode percorrer facilmente o mundo inteiro, iluminando a vida das pessoas em toda parte. No entanto, bilhões de pessoas ainda vivem na escuridão da pobreza desnecessariamente. (...) Criar conhecimento custa caro, e é por isso que grande parte do conhecimento é criado nos países industrializados. Mas os países em desenvolvimento podem importar conhecimento ou criar conhecimento próprio. (Relatório do Banco Mundial 1998/99, Conhecimento para o Desenvolvimento).

Segundo Hamilton (2001, p. 11), o enunciado apresenta “um acento equívoco,

que o perpassa e que vem sendo difundido à larga pelos cavaleiros das cruzadas

40 Supondo que não possa me valer de um tradutor. Por outro lado, se o fizer, a informação já será “outra”, aquela produzida pelo tradutor, o que inclui os riscos expressos no dito: “tradutore, traditore”.

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tecnológicas. Trata-se da diluição das fronteiras que demarcam os limites entre os

conceitos de informação e conhecimento [pois], ao contrário do que se tem

procurado massificar, conhecimento não é um bem que se venda, ou que se

importe”. O que se mascateia por aí não é conhecimento, e sim informação. E, “a

simples exposição a conteúdos (informações) pode se revelar inócua”. São

processos de pouca valia para reverter o círculo vicioso de dependência que, ao

contrário, vai se (re)alimentando dessa prática.

Para que suceda o conhecimento é necessário que as informações sejam apreendidas e articuladas com outras, existentes a priori. Por isso mesmo, tantas importações de tecnologia revelaram-se desastrosas, seja por que os adquirentes não detinham pessoal capacitado para assimilar as tecnologias importadas, seja porque a tecnologia adotada não se revelou apropriada (às condições do importador) (Idem).

Para que haja uma real transferência de tecnologia é necessário que ambos os

agentes do processo detenham cabedais de conhecimentos equivalentes:

Países que se encontram em um mesmo patamar de desenvolvimento permitem uma cooperação mais efetiva, como ocorre entre os membros da OCDE. Desse processo de (...) mercantilização do conhecimento surgem novas (velhas) relações de poder entre quem detém e quem ‘adquire’ conhecimento. Aos primeiros, cabe o papel de detentores do conhecimento-poder e aos últimos o de compradores passivos de informações e tecnologia (Idem, p.12).

Como conseqüência, “a periferia do capitalismo vai ficando ainda mais pobre e

dependente”, cristalizando “os vínculos de poder e dominação que perpassam as

relações entre países ricos e pobres, e alargando o fosso que os separa” (Idem).

2.2 Técnica

O que distingue as épocas econômicas umas das outras não é o que se faz, mas como se faz, com que instrumentos de trabalho (Marx, 1998, p. 132).

Sem dúvida a técnica é um elemento importante da sociedade e dos lugares mas, sozinha, a técnica não explica nada (Santos, 1999, p. 38).

Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele (mundo humano) mesmo (Lévy, 2001, p. 7).

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Lipietz (2005) destaca duas características exclusivas da espécie humana: somos

animais políticos - não, apenas, animais sociais (Aristóteles, aliás, já o dissera), e

a única espécie capaz de produzir e aperfeiçoar instrumentos e técnicas que

alteram seus meios e modos de existir, ampliam sua capacidade de ação e lhes

permitem transformar o meio-ambiente.

O homem tem utilizado esta capacidade para superar obstáculos naturais - como

resistir aos rigores do clima e domesticar plantas e animais – e, no plano político,

para estruturar a vida social. Porém, a mesma técnica que o homem utiliza para

melhorar suas condições de existência, pode tornar-se fonte de problemas. A

ação humana sobre o meio ambiente atingiu limites perigosos, e as falhas no

domínio da técnica têm provocado graves acidentes, com efeitos em escala

planetária (aquecimento global, “buraco de ozônio”). No plano da organização da

vida social as técnicas ora permitem resolver problemas e facilitar a convivência

grupal (a educação, a medicina social), ora ajudam a criá-los e a dificultar o

convívio (toda forma de exploração do outro). Técnicas legitimadas pela razão

hegemônica – algumas práticas de mercado, técnicas bélicas - vêm apresentando

falhas que ameaçam as condições da boa existência de extensas camadas da

população, gerando fome, pobreza, miséria, doenças e lutas fratricidas.

A técnica e seus produtos estão associados às transformações sociais. É através

de suas relações sociais e de seus modos de apropriação do mundo material que

as sociedades produzem sua existência. A interface entre o mundo social e sua

base material se observa através das práticas sociais, que podem assumir formas

técnicas, formas sociais e formas culturais de apropriação do mundo material. As

formas técnicas incluem modos de uso, transformação biofísica, extração,

inserção e deslocamento de materiais. As formas sociais são os processos de

diferenciação social dos indivíduos, a partir das estruturas desiguais de acesso,

posse e controle de territórios, fontes, fluxos e estoques de recursos materiais.

Tais práticas são historicamente constituídas e configuram lógicas distributivas

das quais se nutrem as dinâmicas de reprodução dos diferentes tipos de

sociedade baseadas na desigual distribuição de poder sobre os recursos. As

formas culturais incluem as práticas e atividades de produção de significados,

operações de significação do mundo biofísico em que se constrói o mundo social.

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Mais do que epifenômenos das estruturas produtivas da sociedade, os fatos

culturais fazem parte do processo de construção do mundo, dando-lhe sentidos e

ordenamentos, comandando atos e práticas diversas a partir de categorias

mentais, esquemas de percepção e representações coletivas diferenciadas.

As técnicas não são meras respostas às restrições do meio, nem determinações

unilaterais das condições geofisiográficas, mas são condicionadas pelas opções

da sociedade e modelos culturais prevalecentes. As sociedades alteram seu meio

material não somente para satisfazer carências e superar restrições materiais,

mas também para projetar no mundo diferentes significados, como construir

paisagens, democratizar ou segregar espaços, e padronizar ou diversificar

territórios sociais. Os diferentes atores sociais apresentam lógicas próprias de

apropriação do meio. As práticas são referenciadas a contextos históricos que

condicionam os padrões e soluções tecnológicas, mas também as categorias de

percepção, julgamento e orientação que justificam ou legitimam tais práticas.

O homem se move entre a dimensão “concreta-real” do mundo (a Natureza, e os

produtos “concretos” da técnica) e uma dimensão imaginada (os sistemas de

crenças, representações e conhecimentos)41; entre sua individualidade concreta

de homem-só, e uma gregaridade que vai da família à sociedade-nação; entre os

impulsos de Eros e de Tanatos; entre a necessidade e a livre-escolha; entre o

conservar e o transformar; entre o ser e o devir. Mas, integrar no discurso todas

estas dimensões tem se mostrado difícil, ou mesmo impossível.

Marx e Engels (2001, p. 10) lamentam não poder fazer “um estudo mais profundo

da própria constituição física do homem, nem das condições naturais que os

homens encontram já prontas, condições geológicas, orográficas, hidrográficas,

climáticas e outras. Toda historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua

transformação pela ação dos homens, no curso da história”. Para os autores,

Os homens (...) começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência (...). Ao produzirem seus meios de existência os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende,

41 Evitaremos discussões sofisticadas, tais como se são “concretas”, ou não, certas “coisas” da Natureza (como matéria e energia), ou “coisas” criadas pelo homem (uma ponte, uma “nação”).

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antes de mais nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e que eles precisam reproduzir.

Mas, não se trata simplesmente da reprodução da existência física dos indivíduos:

Está em jogo um modo determinado de atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem, quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção. (p.11)

A forma dos intercâmbios entre os indivíduos se acha (...) condicionada pela produção. As relações entre as diferentes nações dependem do estágio de desenvolvimento em que cada uma delas se encontra no que concerne às forças produtivas, à divisão do trabalho e às relações internas. (E) a estrutura interna de cada nação depende do nível do desenvolvimento de sua produção e de seus intercâmbios internos e externos.

Portanto, na acepção marxista a produção (o que é produzido) e a técnica (como

é produzido) balizam os modos de vida, as formas dos intercâmbios, as relações

internas dentro de uma nação e as relações externas entre nações. Ou seja, em

cada tempo e lugar toda atividade humana está atravessada pela técnica

socialmente apropriada. Em resumo, os homens produzem sua vida material no

momento (mesmo) em que produzem seus meios de existência.

2.2.1 Técnica e espaço geográfico.

Milton Santos (1999) analisa as relações entre a técnica e os modos de vida dos

homens, ao perseguir a definição do “espaço geográfico”42, como “o espaço da

vida”. O espaço, antes “um conjunto de fixos e fluxos” (Santos, 1978), será

reapresentado como “o conjunto indissociável (solidário, e também contraditório)

de sistemas de objetos e sistemas de ações” (Idem, 1999, p.51), que costura os

conceitos de técnica e de espaço geográfico, uma vez que é através daquela que

o homem modela este, ao produzir os entes que constituem o sistema de objetos.

42 O “espaço geográfico” constituiria o objeto mesmo da geografia (humana), como disciplina. O espaço geográfico é composto por uma “configuração territorial” (formada, por sua vez, pela materialidade que a integra) e mais a vida social que a anima. A geografia humana toma os mesmos entes da geografia física, para considerá-los, em sua interação com o Homem. Já aceitamos, com Kant, que espaço e tempo são noções a priori que, a rigor, não admitem definição, cabendo falar, então, de caracterização, que consiste em especificar e descrever seus atributos.

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O “Sistema de Objetos” resulta do “Sistema de Ações”, e toda ação é uma ação

de ator humano. O ator pode estar presente no espaço considerado e agir

diretamente sobre este; ou, quando ausente, atuar por um comando remoto, que

se materializa no espaço em pauta.

A noção de um “espaço da vida dos homens” privilegia a presença e a ação do

Homem. Este espaço é um híbrido, do qual podemos abstrair um componente

Natureza (em geral, já trabalhado pelo Homem); um componente artificial, criado

pelo homem (a “Artificiália”, produto do engenho e da indústria humanos, produtos

concretos como estradas e represas, mas também imateriais como os códigos, e

fórmulas de organização social); e um componente humano em si (a Sociedade,

como população, conjunto de indivíduos vivos no tempo e no lugar do estudo).

Segundo Milton Santos, o Sistema de Objetos engloba a Natureza e a Artificiália.

O componente humano é senhor do “Sistema de Ações” – ações sobre si mesmo,

sobre os objetos que artificia, sobre a Natureza que transforma43. Os

componentes Natureza, Artificiália e Sociedade-população, não devem ser

buscados em estado puro, mas existem misturados, hibridizados. Uma plantação

é um híbrido entre natureza (solo, plantas, etc.), objeto técnico (instrumentos,

técnicas agrícolas, etc.) e sociedade (agricultores, consumidores, etc.).

Sobre Natureza x “artificiália”, escreveu Jacques Monod (1971, p. 15-16):

A distinção entre objetos artificiais e objetos naturais parece a cada um de nós imediata e sem ambigüidade. Rochedo, montanha, rio ou nuvem, são objetos naturais; uma faca, um lenço, um automóvel, são objetos artificiais, artefatos (no sentido próprio, produtos da arte, da indústria). [Esses juízos, no entanto,] não são imediatos nem estritamente objetivos. Sabemos que a faca foi modelada pelo homem para uma utilização, para uma performance já prevista. O objeto materializa a intenção preexistente que lhe deu origem e sua forma se explica pela performance que se esperava antes mesmo que se realizasse. Nada disso ocorre em relação ao rio ou ao rochedo que sabemos ou pensamos terem sido modelados pelo livre jogo de forças físicas a que não poderíamos atribuir nenhum “projeto”. E isso, pelo menos, se aceitarmos o postulado de base do método científico: a Natureza é objetiva, e não projetiva. Portanto, é por referência a nossa própria atividade, consciente e projetiva, que julgamos que determinado objeto é “natural” ou “artificial”

43 Eventuais “lugares”, no Planeta ou fora dele, que existam como Natureza Pura, não apresentam interesse para o estudo sobre desigualdades sociais.

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Os computadores e as redes de computadores podem ser descritos como objetos

técnicos, ou como forças produtivas. O produto pronto e acabado da técnica é um

objeto; o objeto usado para atender tarefas contratadas é um recurso produtivo.

Vê-se que estamos colocando no mesmo nível analítico a técnica e o objeto

técnico. Na verdade, podemos chamar de técnica a potencialidade de produção

do objeto; de objeto, o produto da aplicação da técnica; e de ação, o ato da

produção. Podemos, ainda, diferenciar técnica de tecnologia. Mas, para os efeitos

pretendidos para este texto, tais minúcias não parecem ser relevantes.

Entendemos que o contexto em que cada uma destas palavras é usada permite

discernir, satisfatoriamente, os rigores conceituais.

2.2.2 Taxionomia e Historicidade das técnicas

Sobre a população de objetos (produtos da técnica), escreveu Baudrillard (1993):

Pode-se esperar classificar um mundo de objetos que se modifica diante de nossos olhos e chegar a um sistema descritivo? Existiriam quase tantos critérios de classificação quantos fossem os objetos: segundo seu tamanho, grau de funcionalidade, a matéria que transformam (...), o grau de socialização, etc.

Os autores, em geral, concordam que as técnicas são um fenômeno histórico.

Toda situação (histórica, social) é uma construção real que admite uma construção lógica, cujo entendimento passa pela história de sua produção (da situação). O recurso à técnica deve permitir identificar e classificar os elementos que constroem tais situações. Estes elementos são dados históricos e toda técnica inclui história, (...) toda técnica é história embutida. Através dos objetos, a técnica é história no momento da sua criação e no de sua instalação e revela o encontro, em cada lugar, das condições históricas (econômicas, socioculturais, políticas, geográficas) que permitiram a chegada desses objetos e presidiram à sua operação (Santos, 1999 p.40). Conjuntos de técnicas aparecem em um dado momento, mantêm-se hegemônicos durante um certo período, constituindo a base material da vida da sociedade, até que outro sistema de técnicas tome o lugar. É essa a lógica de sua existência e de sua evolução (p.141)

Para Lévy (1993, p. 16), “se algumas formas de ver e agir parecem ser

compartilhadas por grandes populações durante muito tempo (ou seja, se existem

culturas relativamente duráveis), isto se deve à estabilidade de instituições e (...)

da técnica em geral”. Esses equilíbrios são frágeis e podem romper-se quando

alguns grupos sociais disseminam uma nova técnica de alcance social profundo.

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Parece que as primeiras técnicas foram as de subsistência alimentar, produção

de instrumentos rudimentares, produção e controle do fogo, construção de

abrigos e cozimento de alimentos. Já na modernidade, Marx fala da Maquinaria

(1998). A contemporaneidade é perpassada por técnicas da produção industrial,

transporte e comunicação; técnicas do dinheiro, do controle social, da política e,

também, da sociabilidade e da subjetividade. E, quiçá, pela “terceira geração das

tecnologias da inteligência”, baseadas na informática (Marx, 1998, pp. 425-569;

Santos, 1999, p. 46-47; Lévy, 1993, passim; Baudrillard, 1993). Os quadros a

seguir fornecem uma sugestão de periodização da história das técnicas.

Quadro 9. Períodos técnicos Primeira mecanização

Máquina a vapor e estrada de ferro

Eletricidade e engenharia pesada

Produção Fordista de massa

Informação e comunicação

Paradigma técnico-econômico

1770-1840 1830-1890 1880-1940 1930-1990 1980- ???

Setores de crescimento

-Máquinas têxteis -química -fundição

-máquinas a vapor -estradas de ferro e seus equipamentos -máquinas -instrumentos

-Engenharia elétrica -Engenharia mecânica -Cabos e fios -Produtos siderúrgicos

-automóveis -aviões -produtos sintéticos -petroquímica

-computadores -bens eletrônicos de capital -telecomunicações-novos materiais -robótica

Novas inovações

-máquina a vapor

-aço -eletricidade -gás -colorantes artificiais

-automóveis -aviões -rádio -alumínio -petróleo -plásticos

-computador -televisão -radar -máquinas-instrumentos -drogas

Fonte: Fu-chen Lo (1991) apud Milton Santos (1999, p. 139). Quadro 10. Mudanças tecnológicas / Avanços estratégicos Período Informação Energia Meios (Mass.) Pré-Agrícola Linguagem Fogo

Animais Instrumentos primitivos

Agrícola Escrita Imprensa

Pólvora Charrua Ferro

Industrial Telégrafo Telefone Fonógrafo Rádio Cinema

Máquina a vapor Eletricidade

Aço Máquinas avançadas Estradas de ferro

Atual Televisão Satélites Computadores Sistemas de controle

Fissão atômica Baterias elétricas Lasers

Transporte supersónico e interplanetário Novos materiais sintéticos Próteses

Iminente Multimídia Burótica e domótica

Fusão atômica Controle do tempo Biotecnologia

Fonte: B. M. Gross 1971 p. 272-273 (apud Milton Santos, 1999p. 140)

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2.2.4 Desigualdade na instalação, difusão e apropriação social da técnica.

As técnicas não se instalam por igual em todos os lugares e ao mesmo tempo,

tanto quanto não se difundem com igual velocidade nos diferentes lugares em que

se instalam. Seus benefícios, quando é o caso, tampouco se distribuem

igualmente pelos diferentes estratos sociais dos lugares alcançados.

Toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas, presentes num

dado momento histórico, e que também se impõem na sua reprodução e difusão,

fazendo com que os benefícios – se houver – sejam mais rápida e mais

profundamente aproveitados em determinados lugares e por determinadas

camadas sociais (Santos, 1999, p.56).

Um mesmo pedaço de território pode abrigar subsistemas técnicos provenientes

de épocas diversas, e pode ocorrer a operação conjunta, por diferentes estratos

sociais. Os resíduos do passado podem oferecer resistência à difusão do novo

mas, em geral, o subsistema novo acaba por eliminar os que o antecederam. Nas

nossas metrópoles, não vamos encontrar o fogão a lenha operando ao lado do

fogão a gás (GLP); nem lampiões de querosene, ao lado de lâmpadas elétricas;

ou charretes puxadas a burro, disputando as ruas com os veículos automotores.

Entretanto, algo assim pode ser encontrado em pequenas vilas.

2.2.5 Alcance das transformações da técnica.

Todas as dimensões da existência humana estão sujeitas a transformações

induzidas pelas técnicas. Certamente existem técnicas de maior e menor alcance.

As TIC têm sido consideradas extremamente pervasivas.

As técnicas não modificam apenas o nosso mundo “real”. Elas também induzem

mudanças no imaginário social. Afinal “o que (os indivíduos) são, coincide com

sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem, quanto com a maneira

como produzem” (Marx & Engels, 2001, p. 11). Para Lévy (1993, p. 14), a técnica

participa ativamente da ordem cultural, simbólica, ontológica ou axiológica. “Não

há nenhuma distinção real bem definida entre o homem e técnica (embora seja)

sempre possível introduzir distinções para fins de análise”, como, aliás, fez Kant,

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na sua Crítica da Razão Pura, ao distinguir entre um domínio empírico (aquilo que

é percebido, que constitui a experiência) e um domínio transcendental (aquilo

através do que a experiência é possível, que estrutura a percepção)44.

Para Santos (1999, p. 45), as técnicas participam na produção da percepção do

espaço, e do tempo, tanto por sua existência física, como pelo seu imaginário.

Esse imaginário se impõe, empiricamente, no caso do tempo, pela sensação de

sua passagem (sucessão dos acontecimentos) e, no caso do espaço, “através

das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para a

residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das

crenças, para o lazer e como condição de viver bem”. Construímos, assim, uma

avaliação objetiva do espaço, como meio onde operamos, e uma avaliação

subjetiva, como meio percebido. Estas avaliações se interpenetram, e “ambas têm

a técnica como origem e por essa via nossa avaliação acaba por ser uma síntese

entre o objetivo e o subjetivo. A técnica é, pois, um dado constitutivo do espaço e

do tempo operacionais e do espaço e do tempo percebidos”.

“Os produtos da técnica moderna”, diz Lévy, “longe de adequarem-se apenas a

um uso instrumental e calculável, são importantes fontes do imaginário e

participam plenamente da instituição de mundos percebidos” (1993, p. 16).

2.2.6 A solidariedade das técnicas: não existe técnica “isolada”

Muitos autores preferem usar o termo “técnicas” (no plural), por verificarem que

“uma técnica nunca aparece só e jamais funciona isoladamente”. E quando uma

nova técnica se instala, “não se trata apenas de adição: a noção de sistema é

inseparável da idéia de técnica. (...) Não é possível entender plenamente uma

técnica fora do todo a que pertence” (Santos, 1999, p. 140). As técnicas

constitutivas do sistema são integradas funcionalmente, em sua existência e em

sua evolução; e toda modificação de um elemento do sistema influi sobre os

demais. Por exemplo, um supermercado existe com sucesso se contar com

acessos para as mercadorias que compra e para os clientes que o freqüentam;

44 Embora o sujeito transcendental kantiano, a-histórico e invariável, a quem cabia a função de estruturação do mundo percebido, já não encontre lugar no pensamento contemporâneo.

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sistemas de divulgação (propaganda); meios de conservação dos produtos

(sistemas de condicionamento de ar), e outros.

2.2.7 A difusão capilar e tendência à universalização das técnicas.

É lícito supor que, no passado longínquo, o domínio de técnicas superiores de

sobrevivência, ou de guerra, por um grupo social, davam a este uma imediata –

embora parcial - superioridade sobre seus vizinhos, os quais, sempre que

possível, tratavam de imitar as “novidades”. Podemos tomar como exemplo a

difusão das técnicas de fundição do bronze e do ferro. Assim, a tendência de

difusão da técnica esteve sempre presente, ao lado das tentativas de manter

segredo por parte do grupo inovador, e de outras circunstâncias. Mais tarde, as

atividades de intercâmbio e de comércio contribuíram para repassar costumes e

técnicas entre povos diferentes. Porém, dado que os sistemas de comunicação e

transporte eram muito precários até certo momento da Modernidade, a difusão

das técnicas processava-se lentamente e não tinha ainda um caráter universal. As

soluções técnicas próprias surgidas em um lugar não acarretavam,

obrigatoriamente, repercussões em outros lugares.

O capitalismo acelerou este processo, que leva à internacionalização das técnicas

e - já no final do século XX - à sua globalização: a universalidade das técnicas

não mais como tendência, mas como fato. Já “o processo iniciado com o

capitalismo e hoje plenamente afirmado com a globalização, permite falar em uma

idade universal das técnicas, idade que pode ser contada a partir do momento em

que surge cada uma dessas técnicas” (Santos, 1999, p.47).

2.2.8 A tecnociência.

Embora a história da civilização deva muito à história das conquistas materiais, a

tecnologia em seu sentido atual só passou a apresentar progressos mais

constantes e significativos a partir da revolução industrial. Depois da criação da

máquina a vapor por James Watt, em 1769, as técnicas que dependiam da

energia evoluíram rapidamente e trouxeram benefícios imediatos para a indústria

têxtil e o setor de transportes, com o surgimento das ferrovias.

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A associação cada vez mais íntima entre ciência e técnica vai multiplicar

poderosamente o processo de criação de “novos objetos, novas engrenagens,

novos materiais, novas apropriações das virtualidades da natureza, permitindo

que se possa falar de um ‘meio tecnocientífico’ ou de uma ‘tecnociência’” (Santos,

1999, p.142). A rapidez da difusão das novas técnicas é um dado marcante da

nossa época. Vivemos a era da “inovação galopante” (p. 143).

2.2.9 A “maldade” da técnica.

Alguns autores põem em destaque “a face má da técnica”. Segundo Lévy, alguns

pensadores franceses – como Jacques Ellul, Gilbert Hottois, Michel Henry e

Dominique Janicaud - fazem parte de um grupo que compartilha uma orientação

globalmente anti-técnica e “têm em comum a concepção de uma ciência e de uma

técnica separadas do devir coletivo da humanidade, tornando-se autônomas para

imporem-se sobre o social com a força de um destino cego, encarnando a forma

contemporânea do mal” (1993, p.12). Porém, não é ao domínio da técnica em si,

mas ao domínio da política, que devemos debitar os “maus usos” da técnica. Não

se trata de retomar a velha querela sobre a “neutralidade da técnica”: trata-se de

evitar o mau uso da abstração, trata-se de reconhecer que “nem a sociedade,

nem a economia, nem a filosofia, nem a religião, nem a língua, nem mesmo a

ciência ou a técnica são forças reais, elas são dimensões de análise, são

abstrações. Nenhuma destas macro-entidades ideais pode determinar o que quer

que seja, porque são desprovidas de qualquer meio de ação. Os agentes efetivos

são indivíduos situados no tempo e no espaço” (p. 13).

Lévy está certo, e está errado. A técnica não age – mas, os indivíduos agem com

apoio da técnica, de modo que determinadas técnicas deveriam ser efetivamente

erradicadas, já que toda ação por meio delas é uma ação desumana. Exemplos: a

indústria bélica, com destaque para as minas anti-pessoa e as bombas nucleares;

as técnicas de tortura de prisioneiros; ou a produção e distribuição de

estupefacientes (exceto para uso médico).

Marx já denunciara que a introdução da maquinaria na indústria se fez em

demérito do trabalhador: “a máquina põe abaixo todos os limites morais e naturais

da jornada de trabalho. Daí o paradoxo econômico que torna o mais poderoso

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meio de encurtar o tempo de trabalho no meio mais infalível de transformar todo o

tempo de vida do trabalhador em tempo de trabalho” (p. 465-6). A maquinaria

aumentou o trabalho infantil nas fábricas, e o trabalho feminino. A técnica, a

desserviço do trabalhador.

Para Milton Santos (1999), há técnicas elitistas e técnicas populares. As ‘técnicas

do príncipe’ respondem às demandas deste, mobilizam meios consideráveis e

utilizam especialistas; as ‘técnicas do povo’ resultam da combinação do savoir-

faire e da imaginação das massas, que inventa objetos da vida cotidiana (p. 144).

Segundo Léfèbvre (1969, p.19), a respeito da técnica em si mesma, podemos

assegurar que, simultaneamente:

a) ela tende a fechar a sociedade, fechar os horizontes. A tecnicidade se torna obsedante e por conseqüência determinante. Ela invade o pensamento e a ação, portanto estabelece-lhes uma linha de procedimento;

b) ela ameaça de destruição este mundo fechado, este cosmos encerrado onde a única coisa possível se reduz ao funcionamento automático e à estruturação do equilíbrio perfeito; ela assola o mundo, e pode ir até o extremo de seu aniquilamento nuclear;

c) ela abre o caminho do possível, com a condição de ser investida no cotidiano.

Ela é, portanto, aquilo que fecha e abre a saída, que obscurece e descobre os horizontes. Quanto à ideologia dos tecnocratas (...) esta bloqueia o conjunto, disfarça as contradições.

2.2.10 O “autoritarismo” da técnica, sob o capitalismo.

A técnica, sob o capitalismo, para instalar-se num local não se subordina a

particularidades históricas, culturais ou geográficas: nada é levado em conta a

não ser a busca do lucro, onde quer que se encontrem os elementos capazes de

permiti-lo. A inovação, uma vez instalada, torna-se irreversível, não dá azo a

retornos passadistas. “Não podemos ir para a frente e para trás, entre a lâmpada

de querosene e a lâmpada elétrica” (Daniel Boorstin, “The Republic of

Technology”). “As técnicas de matriz capitalista se impõem de modo inevitável,

inevitabilidade que se deve ao fato de que sua difusão é comandada por uma

mais-valia que opera no nível do mundo, em todos os lugares, e é portadora da

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formidável força do imaginário correspondente que facilita sua inserção em toda

parte” (SANTOS, 1999, p. 145).

2.2.11 As virtualidades do objeto técnico.

Entre as qualidades do objeto técnico, apontam-se a artificialidade, a

racionalidade e a intencionalidade. Estas qualidades irão assegurar a garantia de

sua eficácia para as tarefas para as quais foi concebido, distanciando-o das

incertezas da natureza mediante especializações cada vez mais funcionais, isto é,

mediante a extrema intencionalidade do objeto técnico; a racionalidade, é o

sacrifício da espontaneidade e da criatividade a serviço de um lucro a ser obtido

universalmente. Resulta disto que a técnica se torna auto-propulsiva, auto-

expansiva, indivisível e relativamente autônoma, levando consigo a respectiva

racionalidade a todos os lugares e grupos sociais (Idem, p.145).

Assim, as TIC estão da instauração (pretensa ou real, atual ou futura) da

Sociedade da Informação e, obviamente, na base da desigualdade digital.

2.3 AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO (TIC).

O Homem, ao longo da História, criou e aperfeiçoou sistemas simbólicos (que lhe

permitiram forjar representações crescentemente complexas sobre si mesmo e

sobre o mundo), e meios de comunicação e de registro de dados, como a pintura,

o desenho e a escrita, usando técnicas e artefatos cada vez mais sofisticados,

como novos suportes, instrumentos, e tintas. A imprensa de tipos móveis permitiu

formas mais eficientes de editoração, edição e difusão de materiais impressos nos

diversos formatos (livros, revistas, jornais, e outros). Para atender às exigências

do cálculo, nasce a máquina de calcular, analógica, decimal e mecânica. Hoje,

dispositivos digitais, binários e eletrônicos estão substituindo seus precursores.

Os computadores eletrônicos digitais e o “processamento eletrônico de dados”

(PED) estão na origem da “revolução tecnológica” ora sob análise, junto com

expressões como “informática”. Um nome como “Tecnologias do Processamento

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Digital da Informação (TPDI)” teria, quiçás, melhor mantido a memória destas

referências, mas prevaleceu aquele do título.

O processamento eletrônico de dados foi, inicialmente, alfa-numérico. A seguir,

incluiu os gráficos e imagens (sem, ou com movimento) e os sons digitalizados

(música, voz humana). A captura e digitalização de informações passou a

envolver, além de teclados e dispositivos similares, sensores óticos, mecânicos,

acústicos, piezzo-elétricos, cinéticos, e outros. O computador ganhou novas

funções, como o reconhecimento da escrita caligráfica, das impressões digitais ou

da íris humanas (para fins de identificação de pessoas), de formas em movimento

(para identificação e vigilância) de imagens da área médica (como a tomografia

computadorizada e a ultrassonografia), e outras.

Apesar da aparente complexidade da parafernália descrita, o processamento de

dados num computador digital limita-se, meramente, a manipulações “sintáticas”

dos dados, por meio de circuitos eletrônicos especializados (hardware e firmware)

e dos programas-de-computador. São exemplos dessas manipulações, no caso

dos textos, a formatação, a ordenação, a comparação com outros textos, a

computação estatística de palavras empregadas e seu entorno, etc.

2.3.1 Binário, digital...

Na base do desenvolvimento das TIC está uma contribuição de cunho matemático

de grande simplicidade e extraordinária potência, que foi a migração do sistema

numérico decimal para o sistema binário de numeração nas operações internas

do computador, feito atribuído a John von Neumann.

A aritmética decimal do cálculo mecânico primitivo exigia o uso de dez diferentes

dispositivos (ou “estados”), para o registro das unidades numéricas. A chegada da

eletrônica tornou necessário o uso de “válvulas”45 de múltiplos filamentos, para

45A passagem da corrente elétrica aquece o filamento da lâmpada (efeito Joule). A energia térmica radiante acelera os elétrons no entorno do filamento, que se afastam e podem chocar-se com uma placa metálica colocada próxima (efeito Edison). Se ligarmos a placa a um pólo positivo, uma corrente elétrica fluirá entre filamento e placa. A “válvula” diodo assim formada permite converter a corrente alternada em contínua. No triodo, uma “grade” com carga negativa, inserida entre anodo e catodo, regula o fluxo da corrente e permite a reprodução (eventualmente amplificada) de um sinal analógico repassado à grade. Esta técnica está na base do desenvolvimento da eletrônica.

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simular os algarismos46. Tais dispositivos eram de difícil implementação, e caros.

O sistema binário usa apenas dois dígitos, 0 e 1, e vale-se do princípio posicional

para representar qualquer número decimal. As cadeias numéricas binárias são

mais compridas (cerca de 3 vezes) que as cadeias decimais, mas os dispositivos

de representação são mais simples, resultando em múltiplas economias.

A representação de dados se reduziu à manipulação de dois estados mutuamente

exclusivos em um dispositivo eletrônico, magnético ou ótico. Os “estados” podem

ser: “conduzindo corrente/não-conduzindo”, num dispositivo eletrônico; “orientado-

à-direita/orientado-à-esquerda”, para o campo magnético de um micro-anel

magnetizável; ou outro arranjo equivalente. Cada um destes “estados” foi

apelidado de “bit”47.

A iniciativa facilitou o uso de cartões, fitas e discos magnéticos. A tecnologia dos

semi-condutores introduziu um dispositivo tipicamente binário: um transistor

apresenta dois estados mutuamente exclusivos (conduzindo/em-corte, isto é,

deixando/não-deixando passar a corrente elétrica). Os transistores substituíram

as representações eletrônicas de dispositivos digitais precedentes (anos 50)48, e o

desenvolvimento dos computadores acelerou-se. A miniaturização dos elementos

e o desenvolvimento das placas de circuito impresso deram lugar aos circuitos

LSI e VLSI, até chegar-se aos “chips” atuais.

Apesar de ser o bit a unidade “atômica” do processo de computação, lidar com

eles de modo isolado nunca constituiu um paradigma, e sempre foram produzidos

em pacotes (ou “bytes”) de 7 (ou 8) bits, segundo o padrão ASCII (ou EBCDIC)49.

Apesar do uso universal do sistema binário nas operações internas da máquina, o

processamento “normal” nas aplicações de informática sempre foi alfa-numérico,

pois precisamos das palavras para dar significado a quaisquer dados “de saída”

do computador, para uso humano imediato. Internamente, parte dos bits de uma

46 Nos posteriores visores de cristal líquido (LCD, de liquid cristal display), a energização seletiva de alguns segmentos de reta “desenham” os diferentes algarismos. 47 “Bit”: contração da expressão “BInary digiT” (também, “small piece”). 48 As máquinas precursoras do computador eletrônico usavam relés para controle das operações e na representação interna de dados. A representação externa mais bem sucedida era a de cartões perfurados, desde os sucessos de Hermann Hollerith (1890), e duraram até a década de 1980. Fitas de papel perfurado seguiam o mesmo projeto lógico dos cartões e depois de banidas do universo dos computadores perduraram mais alguns anos nos aparelhos TELEX. 49 Cada padrão utiliza um bit a mais para fins de controle de qualidade, ou “bit de paridade”.

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cadeia de bytes são usados para informar à máquina como “interpretar” os bits

restantes: como um número binário, uma letra do alfabeto, um sinal de escrita, ou

um comando de operação da máquina.

O acionamento de uma tecla no teclado (ou duas teclas simultâneas, envolvendo

CTRL, SHIFT e ALT), envia uma cadeia de bits à memória do computador, os

quais “dizem” de que carácter se trata (letra maiúscula/minúscula, número, sinal,

ou um comando de operação, como “enter”). Para compor a “saída” na tela, ou no

papel, o computador envia os bytes para o dispositivo de saída, através de um

dispositivo de interface capaz de “traduzir” os bytes binários em sinais gráficos a

serem impressos, produzindo a escrita, ou desenhos.

O processamento de imagens exige um esquema mais complexo. Uma imagem é

subdividida oticamente em pequenos quadros, ou pixels (de picture element). A

“resolução” vai depender do número de quadros por polegada quadrada. A cor do

quadro (ou tom de cinza), o brilho e o contraste, são associados a escalas

numéricas, e armazenados em bytes de informação. Assim, um número de 0 a

255 indicará um tom de cor catalogado50, posteriormente reproduzida no monitor,

ou numa impressora colorida. Com um microscópio, ou um recurso adequado de

zoom, podemos identificar os quadros individuais. Mas, para o olho humano, a

fotografia ou imagem pode aparentar um grau de perfeição satisfatório.

No caso som, um dispositivo colherá amostras do som a intervalos regulares e

pequenos (44,1 mil vezes por segundo). A pressão da onda sonora da amostra é

medida como voltagem e convertida para um valor numérico, no intervalo adotado

no computador; o resultado é armazenado como uma cadeia de bits (incluindo os

bits de controle). Na reprodução, os sons unitários são tocados na mesma

freqüência em que foram colhidos, resultando numa execução em “stacato”, que o

ouvido humano percebe como um som contínuo (Negroponte, 1995: 19).

Em resumo, um modelo digital único de representação de dados pode representar

internamente no computador grandezas e realidades físicas e simbólicas tão

diversas como números, letras, sinais, desenhos, fotografias e som, possibilitando

aplicações como o controle médico da pressão e/ou temperatura de um paciente

monitorado; ou controlar a velocidade e direção de um móvel, como um foguete. 50 Uma palheta de 255 cores é básica; mas pode-se alcançar 16 milhões de cores e tonalidades.

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2.3.2 Computadores: Hardware e Software

Os primeiros computadores datam da década de 1940. Seus predecessores

incluem as máquinas de somar-calcular e de escrever, e as ordenadoras a cartão

perfurado (Jacquard, França, 1801; Hollerith, EUA, 1890)51, artefatos mecânicos

baseados em molas, alavancas e engrenagens, com propulsão manual ou elétrica

e controles por relés. Sucessivos avanços na física e na química permitiram o uso

das válvulas eletrônicas e a criação dos computadores eletrônicos e - depois de

adotado o sistema binário - dos computadores eletrônicos digitais. Nas três

décadas seguintes a indústria progrediu, cada vez mais rápido, na engenharia de

fabricação e no horizonte das aplicações práticas dos mainframes - as volumosas

máquinas de então - avançando concomitantemente em pelo menos cinco eixos:

1 - a microeletrônica - criação de dispositivos mais velozes, miniaturizados e

capazes de funções mais complexas. As volumosas e frágeis válvulas eletrônicas

consumiam muita energia e geravam muito calor, e os sistemas de arrefecimento

eram grandes e dispendiosos. Dos avanços da física do estado sólido nasceram

os transistores, baseados nas propriedades semi-condutoras de alguns elementos

químicos, que substituíram as válvulas na maioria dos circuitos eletrônicos, com

as vantagens de menor volume, menor consumo energético, menor dissipação

térmica, menores exigências de condicionamento ambiental. Apresentaram

também um tempo de vida útil mais longo: um computador a válvulas nunca

funcionava mais do que umas poucas horas contínuas, até “queimar” alguma

válvula; com os transistores, passaram a funcionar dias seguidos, até semanas,

sem exigência de manutenção. Transistores miniaturizados e montados numa

placa de circuito impresso formam um circuito integrado (CI), e integrado em larga

escala (LSI), e em muito larga escala (VLSI, das siglas em inglês). O chip é um

bloco de vários circuitos integrados, de tamanho microscópico, selados, e dotados

de lógica interna, ou programa gravado em memória ROM (read-only memory),

sendo então capazes de funções de controle. O microprocessador é um chip

capaz de funcionar como Unidade Aritmética e Lógica (UAL) e Unidade de

Controle (UC) integradas, de que passaram a ser dotados os microcomputadores,

51 C. Babbage (~1830) tentou montar um “integrador analítico” totalmente mecânico, mas falhou. Contudo, seu projeto teórico orientou a arquitetura dos futuros computadores, 100 anos depois.

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substituindo assim a CPU (central processing unit) dos computadores ancestrais,

tornados desde então (década de 1980) quase obsoletos;

2 - a arquitetura dos computadores – a CPU e a Memória RAM beneficiaram-se

dos avanços da eletrônica. Foi necessário, também, aperfeiçoar os “periféricos”,

os órgãos de entrada, saída e armazenamento de dados externos do computador.

Teclados, impressoras, o mouse, monitores de vídeo, scanners, e outros

periféricos foram criados e aperfeiçoados, e as técnicas de acoplamento (as

interfaces de periféricos) tornaram mais flexível adaptar e compatibilizar os

periféricos e processadores de diferentes fabricantes. Nos micro-computadores

uma placa principal de circuito impresso (“placa mãe”) dotada de conectores para

outras placas – placas de som, aceleradores de vídeo, placas de comunicação

com rede digital ou analógica, etc., produzindo um hardware mais complexo e

potente e, ao mesmo tempo, mais barato e fácil de combinar com outro hardware;

3 - programação de computadores: os primeiros computadores tinham que ser

programados em notação binária e operados por profissionais de alta

qualificação. A massificação do uso das máquinas exigia a substituição destes

especialistas por operadores e programadores de computador menos

qualificados, passíveis de serem treinados em grande quantidade e menor tempo,

descartando a mão de obra especializada, e rebaixando os custos com salários. A

operação do computador foi facilitada pela “robotização” da função: o operador irá

realizar mecanicamente tarefas especificadas num manual, ou pelos visores da

máquina. Para os programadores, criaram-se as “linguagens de programação de

alto nível”, tais como o FORTRAN, COBOL, BASIC e outras mais recentes, cuja

sintaxe guarda semelhança com a linguagem cotidiana, sendo fáceis de aprender

em algumas semanas, nas quais são escritos os algoritmos que resolvem os

problemas computacionais, ou “programas-fonte”. O programador deixou de lidar

com a máquina real e com detalhes do hardware, para ater-se aos formalismos do

problema que deve resolver via programa, e aos detalhes sintáticos da linguagem

de programação. Foram então criados programas “compiladores” (ver também,

com nuances, os termos “montadores”, assemblers, e “interpretadores”), que

“traduzem” os “programas-fonte” em “programas objeto” ou “linguagem de

máquina” (o código binário da máquina). Com o tempo, a indústria passou a

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dispor de um estoque de programas prét-a-porter, que resolvem toda uma gama

de problemas de um determinado domínio de atividades, dispensando a produção

de novos programas e tornando dispensáveis os programadores;

4 - engenharia de sistemas (engenharia de software) - os programadores “de

aplicações” lidam com o problema do usuário, do “mundo real”, e modelam sua

solução em termos dos recursos de uma linguagem de programação, para uma

máquina ideal. Os engenheiros de sistemas produzem softwares – compiladores,

e similares - que fornecem a interface entre uma máquina “real” e as linguagens

de alto nível presentes no mercado. E, também, sistemas operacionais, que

fazem a interface entre a “linguagem de máquina” de uma máquina física e os

“drivers” dos dispositivos periféricos. WINDOWS e LINUX são dois conhecidos

sistemas operacionais para microcomputadores. Num movimento complementar,

os fabricantes de periféricos constroem interfaces que permitam acoplar os

periféricos aos sistemas operacionais existentes no mercado.

Os desenvolvedores têm buscado oferecer uma interface homem-máquina cada

dia mais suave, facilitar o trabalho dos programadores e engenheiros de sistemas,

e facilitar a operação das máquinas pelos próprios usuários. Os criadores de

aplicações (analistas de sistemas), têm buscado descobrir novos campos onde os

computadores possam ser utilizados com vantagem, econômica ou de outro tipo.

Assim, das operações militares e dos cálculos científicos iniciais os computadores

se espalharam pelas empresas – nas folhas de pagamento, controle de estoques,

contabilidade, etc. -, pelos escritórios dos profissionais liberais, invadiram

hospitais e escolas, chegaram aos redutos da família.

5 - telemática ou teleprocessamento. Os primeiros computadores operavam

isolados. Sua interconexão começou com a troca de sinais digitais, via cabos

especiais, de até 20m; depois, via cabos coaxiais, com terminais situados a até

2Km. A adoção das “facilidades” das tele-comunicações pela informática permitiu

a total liberação da distância e a expansão das redes de computadores.

Os meios de transporte de dados incluem, hoje, o “velho” par trançado de fios de

cobre - usado em telefonia -, cabos coaxiais, diversas modalidades de ondas

magnéticas (ondas da rádio-difusão, VHF, UHF, microondas direcionais, conexão

via satélite geo-estacionário), sinais de luz via fibra ótica, radiação infravermelha.

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Para fluir pelos meios analógicos, os sinais digitais-elétricos dos computadores e

terminais são convertidos, na saída, por moduladores-demoduladores (modem’s)

em sinais eletro-magnéticos. Sinais digitais não podem ser amplificados mas, os

analógicos, sim. Assim, as “facilidades” das tele-comunicações garantem que os

sinais cheguem íntegros à longa distância, revertendo as perdas energéticas e

distorções do trajeto (“ruídos” de transmissão, por interferências eletromagnéticas

que deformam as ondas dos sinais da mensagem em trânsito). Na chegada, uma

interface especular da primeira reconverte os sinais de analógicos para digitais. O

arranjo permitiu integrar as redes telefônicas com as redes de computadores.

Durante uma transmissão de dados, emissor e receptor trocam entre si bytes de

controle, ou “protocolo”, conforme a técnica de transmissão. No início e no fim da

mensagem são adicionados bytes de controle (header e trailler), com informações

de identificação do emissor e do destinatário, data/hora da transmissão, total de

bits da mensagem, etc. O receptor compara a recepção com os elementos de

controle e responde ao emissor com um sinal de aceite (ACK, acknowledegment)

ou de recusa (NACK). Neste caso o emissor reiniciará a transmissão.

O empacotamento é uma técnica de divisão da mensagem em fatias menores, ou

“pacotes”, enviados como mensagens isoladas. Os dados do header e trailler

permitirão ao receptor recompor a mensagem original, mesmo que os pacotes

sejam remetidos fora de ordem, ou por percursos diferentes, uma vez recebidos.

O emissor não espera por um ACK para enviar o próximo pacote. A transmissão

assíncrona e o sistema de restrições de sequencialidade e sincronismo.

Estas facilidades, combinadas, permitiram a criação da rede mundial, a “web”, ou

internet, que opera sobre um protocolo conhecido como TCP/IP, apoiada em uma

estrutura mundialmente distribuída de “servidores da rede” - computadores mais

potentes, e com características especiais. Um servidor está conectado a um certo

número de linhas telefônicas que lhe permite, segundo a mesma lógica de uma

central telefônica e de acordo com a teoria das filas, atender a um número de

usuários que é um múltiplo do número de linhas disponíveis no servidor.

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2.3.3 Demais elementos da TIC

No último quartel do século XX as TIC convergiram para uma união cada vez

mais estreita. O barateamento dos chips permitiu seu uso em outros artefatos. As

centrais telefônicas migraram de analógicas para digitais (computadorizadas), o

mesmo acontecendo com outros dispositivos de comunicação. Atualmente, rádio,

televisão, computadores, telefonia fixa e móvel, gravadores de várias mídias (fitas

magnéticas, CD e DVD, e memórias flash) e, de certo modo, a própria mídia

impressa, compartilham um universo de linhas convergentes, integrando as TIC.

a) a mídia impressa.

Os jornais, revistas e seus conteúdos: notícias, “informações úteis” e de lazer, e

material de convencimento, no Brasil, são de propriedade/controle de “impérios

midiáticos” que comandam o esforço editorial de (de)formação da opinião pública.

Podem vir a sofrer a concorrência dos “jornais digitais”. A inclusão digital poderá

favorecer a disseminação da informação por meios digitais, como os blogs, que

podem ser criados e operados por indivíduos ou pequenos grupos e difundir

notícias em paralelo com o aparato da “grande mídia” (FRIEDMAN, 2005, p. 55)52.

b) telefonia (fixa e móvel)

Não se questiona a importância da telefonia no mundo das comunicações. O

índice de telefones por habitantes de uma região, ou cidade, é considerado um

dos indicadores locais de desenvolvimento. A telefonia fixa, opção única té algum

tempo atrás, vem perdendo lugar para a telefonia móvel. O telefone celular já foi

apontado como causador de mudanças de hábitos dos prestadores de pequenos

serviços, dos pais de classe média/alta que os usam para monitorar a localização

dos filhos, entre outros usos, apesar de não faltarem críticos SORJ (2003, p.25).

c) meios pessoais: gravadores de som/imagem, e similares

Os aparelhos de uso pessoal, como gravadores, tocadores de MP3, celulares

com gravadores e câmeras, câmeras digitais, etc., deram aos indivíduos novas

condições de operar no campo da informação e da comunicação, podendo abrir 52 Friedman cita o exemplo de um “jornal digital (o “InCD Journal”, Washington-DC) operado por um “homem só”, que o entrevistou usando apenas um celular com câmera e um gravador “MP3”.

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caminhos para novas formas de ação e de comportamentos. Merece estudo a

difusão de gravadores CD/RW e DVD/RW de uso doméstico, implantado em

computadores pessoais, está por trás da onda de pirataria de CD/DVD’s no Brasil.

d) o cinema

O barateamento dos equipamentos digitais está viabilizando o cinema de curta

metragem de baixo custo, como tem sido visto nos eventos do setor. E o cinema,

depois de um período de crise, parece ter readquirido impulso, voltando a

aumentar sua influência na difusão de mensagens para o grande público.

e) o rádio

Segundo Dantas (2002, p.103), nas décadas de 1910/1920 milhares de pessoas

em várias partes do mundo aderiram à febre da rádiotransmissão, conectando-se

pelo “éter” e pelas ondas hertzianas, por meio de aparelhos de montagem

artesanal (rádio-amadores). Naquele momento, Bertolt Brecht formulou uma

“teoria do rádio”, e vislumbrou a possibilidade de um movimento civil (do tipo que,

mais tarde, Habermas iria chamar de esfera pública cidadã), desde que todas as

residências fossem dotadas de aparelhos emissores-receptores, através dos

quais os indivíduos (cidadãos) poderiam manter relações políticas e culturais

entre si, numa espécie de assembléia popular permanente. “Seria um espaço

sustentado numa infra-estrutura técnica, na qual os indivíduos-cidadãos poderiam

intervir na condição de produtores diretos e autônomos de cultura, alargando e

consumando o ideal iluminista da esfera pública burguesa, agora expandida para

toda a sociedade democrática, numa radicalização da democracia”. Contudo, tão

logo a tecnologia se tornou comercialmente viável, o capital tratou de

mercantilizar a novidade. A combinação capital-governo produziu as leis, os

regulamentos e os órgãos de controle necessárias e suficientes para privatização

do novo espaço. Assim (embora poupando o setor minoritário dos rádio-

amadores, que subsistem até hoje, porém sem maior representação social) as

rádio-freqüências e os comprimentos de onda foram “loteados” para dar lugar a

empresas emissoras locais ou regionais, apelidadas de “estações de rádio”.

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f) a televisão

A história da televisão repete, em parte, a história do radio. A técnica surge como

uma nova esperança de união das pessoas, união dos povos, difusão do

conhecimento, para em breve tempo se tornar mais uma técnica capturada pelos

interesses do capital para servir basicamente a este.

g) a TV Digital.

O avanço da tecnologia da TV Digital no mundo trouxe para o Brasil o problema

de troca do padrão de transmissão da TV, de analógico para digital, fato que

implicará mudanças profundas nesta mídia, considerada entre nós como a mais

influente delas. Com efeito, a TV digital poderá mudar o modo como a população

assiste televisão e as formas de sociabilidade mediadas pelas tecnologias, alterar

o cenário de concentração dos meios, contribuir para o desenvolvimento

tecnológico nacional e para as políticas de inclusão digital, e permitir uma

apropriação do público sobre o privado. Ou, contribuir com mais um exemplo de

técnica colonizada pelo capital. Eis alguns pontos de debate:

i) Alta Definição x Multiprogramação. A transmissão em Alta Definição (High

Definition Television, HDTV), com melhor qualidade da imagem, ocupa a mesma

largura de banda usada na transmissão analógica. A multi-programação do canal,

- outra opção – ao subdividir a “banda” analógica em até quatro canais de TV

digital, sacrifica a alta definição, mas permite a ampliação do número de

emissores e de produtores de conteúdo televisivo. Assim, além dos operadores

privados e estatais, também sindicatos, associações, ONG’s, movimentos sociais

e emissoras geridas coletivamente poderiam ter seus canais de TV digital.

ii) Interatividade. Uma TV digital interativa constituiria um importante instrumento

de inclusão digital, pois o usuário poderá enviar comandos e mensagens pela

rede. No Brasil, menos de 20% da população usa computador e internet em casa,

e mais de 90% têm TV. A TV digital interativa poderia ter um papel na afirmação

da cidadania, ao disponibilizar nos domicílios serviços interativos de educação

(que respondem às demandas específicas de cada usuário), de governo

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eletrônico (pagamento de taxas e impostos, extratos do FGTS, boletim escolar

dos filhos, etc.), uso de correio eletrônico e, no limite, acesso a toda a internet.

iii) Padrão importado x projeto nacional. O país precisou optar entre um projeto

nacional (o SBTVD-Sistema Brasileiro de TV Digital), ou adotar um dos padrões

mundiais existentes (ATSC, norte-americano; DVB, europeu; ou ISDB, japonês,

afinal adotado). A velocidade de implantação, a oposição entre um sistema já

testado e um projeto “novo”, e a avaliação das possibilidades de exportação num

caso e noutro, balizaram as discussões. Também entrou em discussão a questão

da transferência de tecnologia, para evitar uma “escravidão tecnológica eterna” e

um “eterno” pagamento de royalties.

O SBTVD foi pensado para adaptação dos recursos existentes às necessidades e

condições do país. Por exemplo, na recepção do sinal, dada a nossa topografia

específica, nenhum dos sistemas existentes dispensa adaptações. Qualquer

opção, no final, combinará diversas tecnologias, como antenas inteligentes, som,

modulação e codificação do sinal, set top box53 e softwares. Ora, toda produção

local de tecnologia – mais fortemente, em se tratando de tecnologias inovadoras -

tem o condão de fortalecer a pesquisa tecnológica nacional, estimular as

universidades e centros de pesquisa e gerar empregos qualificados. Ajuda a

diminuir a dependência externa relativa a produtos de alta tecnologia e a criar

uma indústria nacional, reduzindo a dependência tecnológica e industrial do país

em relação aos países desenvolvidos. Somente um modelo desenvolvido a partir

das realidades do país pode converter-se em um instrumento que impulsione o

desenvolvimento econômico, político, social e cultural locais.

iv) Os campos de luta. O empresariado do setor posicionou-se em defesa da

adoção de um dos padrões existentes, pela alta definição e pela manutenção da

largura de banda das concessões atuais, com sacrifício da interatividade e da

multiplexação, da entrada de novos concessionários no setor (em um espaço

historicamente monopolizado) e do desenvolvimento do SBTVD. Suas

associações de classe montaram “lobbies” junto aos poderes da União para

dificultar quaisquer mudanças que apontassem para uma maior democratização

da radiodifusão. Também, querem evitar a entrada, no setor, das empresas de

53 A caixa de controle acoplada ao televisor para acesso aos canais de TV por assinatura.

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telecomunicações, o que poderia ser viabilizado pela porta da interatividade. As

empresas mostraram interesse na viabilização da criação de serviços comerciais,

como venda interativa, jogos, consultas personalizadas (previsão do tempo,

resultado de jogos), pay-per-view, etc., que potencializam seus lucros; e, em usar

o potencial da TV digital para a criação de serviços comerciais. Não parece que

pretendam incentivar o uso para governo eletrônico ou educação à distância.

Parece que querem reproduzir com a TV digital o atual cenário de concentração,

e negar a possibilidade de participação de novos atores neste espaço.

Os setores ligados à indústria nacional, a academia e alguns segmentos da SCO

preconizam as opções opostas: desprezar a alta definição, por seu caráter

meramente cosmético, elitista e dispendioso, em favor da multiprogramação e da

interatividade; e avançar o SBTVD, em lugar de um padrão estrangeiro “fechado”.

Em 2003 o governo, ao abrir o debate, criou o SBTVD54, que incluía um Grupo

Gestor (um fórum governamental) para definir as políticas da TV digital, e um

Conselho Consultivo com representantes da sociedade civil. O governo divulgou

22 editais de pesquisa para que consórcios formados por universidades, centros

de pesquisa e empresas pudessem desenvolver as peças do SBTVD, para cujo

desenvolvimento alocou R$ 80 milhões, dos quais foram liberados R$ 38 milhões.

Entretanto, em junho de 2005 o governo pareceu dar um passo atrás, ao nomear

o Ministro das Comunicações Hélio Costa (PMDB-MG), ex-integrante do sistema

Globo de Televisão, que rapidamente posicionou-se contra o trabalho acumulado,

depreciou o desenvolvimento da pesquisa nacional, anunciou a urgência de se

começar as transmissões digitais e descartou na prática quaisquer mudanças no

cenário. As subseqüentes ações do ministro pareceram levar em consideração

exclusivamente os interesses dos empresários detentores das concessões

públicas, fazendo da TV Digital instrumento de ampliação do potencial comercial

54 O Decreto Nº 4.901, de 26 de novembro de 2003, instituiu o SBTV, objetivando “promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital; a democratização da informação; propiciar a criação de rede universal de educação à distância; estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação; planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua renda; viabilizar a transição do sistema analógico para o digital”, e, ainda, “estimular (...) o ingresso de novas empresas, propiciando a expansão do setor e o desenvolvimento de inúmeros serviços decorrentes da tecnologia digital”.

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destas emissoras. Tal suspeita tem por base o desrespeito aos processos em

andamento, tanto em relação ao Conselho Consultivo quanto em relação aos

consórcios de pesquisa. Ao invés de defender os interesses nacionais, o Ministro

pareceu atuar como representante de interesses particulares, e contra o debate

transparente e democrático da questão55.

Contudo, a TV digital oferece ao país a oportunidade de maior democratização

das comunicações, e de politização do debate sobre o direito à comunicação no

Brasil. É fundamental que as decisões sobre a TV digital – que são políticas, não

técnicas – sejam submetidas ao debate público, sob o risco de desperdício

daquela oportunidade. É preciso garantir transparência nos processos decisórios

do governo federal para que os lobbies empresariais não sejam os únicos a

exercer influência sobre aqueles que poderão decidir os rumos do SBTVD.

2.3.4 Redes e Internet

A digitalização dos dados e de sua transferência (transmissão) na forma digital.

tem algumas vantagens Os dados de origem (os sinais) podem ser analógicos ou

digitais; a transmissão pode ser em forma analógica ou digital.

Figura 3. Modos de transmissão analógico/digital.

Dado Transmissão Analógico Digital

Analógica Telefone, rádio, televisão Computador + par trançado Digital Voz + cabo Computador + cabo

Compressão de dados: na operação com inteligência distribuída56, é possível

construir algoritmos de compressão/descompressão de dados, que permitem que

uma cadeia de N bits possa ser representada por uma cadeia menor (com n bits,

n < N), economizando tempo de transmissão. O receptor deverá descomprimir a

informação recebida57. A reprodução dos sinais de origem com alta qualidade

55 O segundo semestre de 2005 foi um momento político especialmente conturbado por denúncias de corrupção levantadas contra o Governo, e que deixaram este politicamente enfraquecido. 56 Por “inteligência distribuída” entenda-se capacidade de processamento em ambas as pontas de um circuito de transmissão de dados, ao invés de um computador em uma ponta e um terminal “burro” na outra (configuração extinta, quando os micro-computadores substituíram os terminais). 57 No final dos anos 70 o CPD da Petrobrás-BA devia, cada mês, transmitir para a sede (Rio de Janeiro) os dados da folha-de-pagamento. A transmissão a 2.400 bps exigia cerca de 6 horas, e era sempre interrompida por falha na rede telefônica, ou elétrica. A fita-backup remetida por via

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exige a velocidade de 64 Kbps para voz; 1,2 Mbps para música; 45 Mbps para

vídeo, velocidades excessivas para certos meios. A solução está na compressão

dos dados de entrada (e descompressão na saída). A compressão permite,

também, colocar quatro sinais de TV digital com qualidade, na mesma largura de

banda exigida para uma única transmissão analógica (Negroponte, 1995).

Correção de erros: toda linha de transmissão é sujeita a interferências (ruídos),

que deformam a onda transmissora e introduzem erros na transmissão de difícil

correção na rede analógica. O erro na transmissão digital é sempre a inversão de

um bit, entre 0 e 1. As técnicas para detectar e corrigir estas inversões tornaram

estas transmissões praticamente livres de erros.

Multimídia – as interfaces multimídia permitem a mistura de dados, áudio e vídeo

nos computadores, para apresentação simultânea. Isto já era uma conquista do

cinema e da TV, onde a tela e os autofalantes estão acoplados para apresentar

sincronamente um fluxo de imagens, música de fundo, diálogos humanos e

letreiros. A chegada desta mistura ao computador não apresenta, portanto,

novidade, mas requer técnicas novas para digitalizar tudo e transmitir tudo

digitalmente, num único canal, com possibilidades de separação no destino.

Armazenamento de dados. Um grande trunfo do computador é sua capacidade,

exponencialmente crescente, de armazenamento de dados. Um HD padrão atual

tem capacidade para 160 Gb. Girando a 7200 rpm, o HD garante um tempo médio

de acesso a qualquer registro em poucos nano-segundos.

“Inteligência distribuída”. Nos meios atuais de comunicação - imprensa, rádio e

TV - a inteligência está concentrada numa das pontas: a origem, ou emissor, que

decide sobre o conteúdo, a hora da transmissão, a ênfase e o formato da notícia.

O receptor é um sujeito passivo, consumidor de um produto sobre o qual não

pode exercer qualquer ação relevante. No caso do rádio e TV está sujeito à

sincronização com a emissão e ao ‘lixo informativo’ que vem entremeado com a

informação. Trocar de canal, ou desligar o aparelho, são reações irrelevantes;

gravar o programa para ver em outra hora, apenas liberta-o da sincronicidade. As

oportunidades de intervenção do ouvinte são como gotas d’água de reação num

aérea sempre chegava antes da transmissão, causando um “mal-estar tecnológico”. Um programa de compressão de dados – idealizado pelo autor - reduziu o tempo de transmissão para 2hs.

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oceano de imposições. No caso da mídia impressa, pode-se escolher a hora de

ler, as matérias, a seqüência de leitura e descartar partes, até “cadernos” inteiros.

Mas, continua-se submetido ao editor em tudo mais. Pouco adiantam as seções

de cartas à redação, o “espaço do leitor”, ou o direito de resposta.

A democratização da informação depende da maior autonomia do receptor,

desmercantilização parcial da operação de emissão, e constituição de emissores

comunitários em todos os mídia. As facilidades da digitalização dos dados, da sua

transmissão a altas velocidades, armazenamento local e busca seletiva, darão ao

receptor do material das rádios e TVs a possibilidade de selecionar o que ler, ver

ou ouvir, na hora que quiser, e livre de “lixo informacional” embutido (por exemplo,

propagandas). Ignora-se que impacto isto terá sobre o setor, já que não haverá

garantias de que o receptor assista os comerciais e as técnicas de merchandising

tentarão para embutir propaganda da maneira mais subreptícia possível – ou,

mesmo, subliminar – no meio dos textos mais sérios, inocentes, ou dedicados.

2.4 – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E CAPITALISMO INFORMATIZADO

2.4.1 A compreensão do mundo e o ato de nomear

A compreensão do mundo exige o discurso. A concepção do discurso exige o

nome. O ato de nomear tem, possivelmente, a idade da fala, a idade das formas

primitivas da oralidade primária, a idade dos albores da oralidade. E comportou,

desde estes primórdios, a intencionalidade do domínio sobre o ser nomeado.

O ato de nomear nunca é inocente, especialmente quando se confunde com o ato de categorizar (...). Classificações freqüentemente produzem estereótipos úteis para sujeitar pessoas e povos através de simplificações que justificam a indiferença à heterogeneidade (Ribeiro, 2003).

Aliás, “o processo através do qual uma cultura subordina outra começa com o ato

de dar ou não dar nomes” (SPURR, 1999, p. 4). E “a criação e manutenção de um

sistema de classificação tem sempre caracterizado o exercício de poder em

sociedades humanas” (HERZFELD, 1992, p. 110)58.

58 SPURR, David. The Rhetoric of Empire. Colonial Discourse in Journalism, Travel Writing, and Imperial Administration. Londres: Duke University Press, 1999. HERZFELD, Michael. The Social Production of Indifference: Exploring the Symbolic Roots of Western Bureaucracy. Chicago: The University of Chicago Press,1992.

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Estas considerações talvez indiquem o porquê dos esforços para criação do rótulo

“sociedade da informação”, na plena vigência do modo de produção capitalista.

Immanuel Wallerstein (2001, p. 18) situa na Europa, no final do século XV, a

gênese do sistema social conhecido como “sociedade capitalista”. Este sistema

logo espraiou-se para fora do Continente e, ao longo dos séculos, transformou-se

espetacularmente, metamorfoseando-se sem perder a identidade, uma vez que

“mudar, sem deixar de ser” (isto é, adaptar-se às mudanças que o próprio sistema

provoca, ou acelera) parece ser uma qualidade inata do capitalismo. Ao

observarmos os sucessos históricos do século XX, fica a impressão de um grande

ciclo de acomodações nas primeiras quatro décadas, terminadas por um lustro de

intensos conflitos envolvendo os principais países capitalistas. Finda a Segunda

Grande Guerra (1945) começa, porém, um período de grande progresso material

e relativo progresso político e social nos países capitalistas centrais, conhecido

como “les trente glorieuses” dos franceses, ou “a Era de Ouro, de um quarto de

século”, dos anglo-americanos (HOBSBAWN, 1995: 253)59. Esta foi a época da

instalação do Estado de Bem Estar Social nos países mais desenvolvidos.

As promessas de um desenvolvimento material generalizado dos países do

“terceiro mundo” pareciam ser uma esperança plausível. E então, quase de

repente, o sonho acabou. Uma visão de cunho mais pessimista tomou conta das

análises econômicas e políticas daquele momento. A razão explicativa passou a

perseguir idéias capazes de iluminar o momento histórico, de apreender o espírito

da época. Vieram à luz conceitos como os de pós-modernidade, “fim da História”,

sociedade pós-industrial, sociedade pós-fordista, neo-liberalismo, acumulação

flexível, “sociedade em rede”, globalização (Fukuyama, 1992; Harvey, 2001;

Castells, 2000; Milton Santos, 2000; Souza Santos, 2000; Touraine, 1999).

A idéia de pós-modernidade se apresenta comumente como um rompimento com

os cânones do iluminismo. Os mais exacerbados vislumbram o fim da ‘razão’, da

‘ciência’, da ‘modernidade’. Os traços de uma sociedade industrial “pós-fordista”,

na interpretação de F. Llorens, estão resumidos no Quadro 11, a seguir.

59 “Trinta gloriosos”: 1945-1975. Alguns analistas consideram que o ciclo de crescimento termina em 1973, ano do “primeiro choque do petróleo” ou, talvez, em 1971, com a quebra do padrão dólar-ouro fixado nos tratados de Bretton-Woods. Evidentemente, não se pode debitar a ruptura a uma causa única.

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100 Quadro 11. FORDISMO x PÓS FORDISMO: traços básicos. TRAÇOS BÁSICOS FORDISMO PÓS-FORDISMO

1. Fator Chave Petróleo Barato Microeletrônica ( baixo custo do controle da informação e integração de todas as fases do processo econômico numa mesma unidade de tempo real).

2. Organização doTrabalho e Forma de Produção (uniformidade e repetitividade)

Fábrica/cadeia de montagem/taylorismo. Produção em massa de produtos padronizados. Uso intensivo de energia e matérias primas. Maquinaria especializada de alto custo. Estabilidade no emprego relativa: acordos coletivos e relação salários/produtividade. Baixa ou nula preocupação com impactos ambientais.

Produção flexível e diferenciada. Importância da qualidade do produto. Uso intensivo da informação. Maquinaria versátil. Maior preocupação com os impactos ambientais.

3. Otimização da Gestão Empresarial

Grande empresa/oligopólio. Organização hierárquica e separação das funções empresarias. Atividade de P & D integradas na empresa. Economias de escala internas à empresa. Concorrência interempresarial.

Empresa com capacidade de adaptação aos mercados flutuantes: subcontratação de empresas; maior flexibilidade das PMEs. Integração horizontal das diferentes funções empresariais. P & D - resultado de cooperação entre empresas e setor público. Economias de variedade. Economias de escala externas `empresa e internas ao território.

4. Ramos Motrizes Siderurgia, petroquímica, construção naval, setores automotivo e de transporte, indústria da construção, bens de consumo duráveis e indústria militar. Serviços vinculados: oficinas de automóveis, distribuição de gasolina, finanças, turismo

Microeletrônica, novos materiais, biotecnologia, indústria aeronáutica. Serviços vinculados: empresariais e de gestão; financeiros.

5. Infra-estrutura vinculada

Auto-estradas, estradas, energia elétrica. Habitação e urbanismo. Grandes complexos residenciais. Infra-estrutura para turismo maciço.

Novas tecnologias da informação e de telecomunicações. Centros de formação e inovação empresarial.

6. Mercado e Trabalho e Perfil de Ocupações

Especialização da força de trabalho. Qualificações médias da força de trabalho.

Heterogeneidade do mercado de trabalho. Polivalência da força de trabalho. Precariedade e insegurança no emprego.

7.Assentamentos Territoriais

Concentrações urbanas e economias de aglomeração. Integração territorial vertical e hierárquica. Pólos industriais.

Importância do entorno territorial para facilitar a inovação produtiva e empresarial. Concorrência e cooperação empresarial, territorial (redes de empresas locais). Institutos e parques tecnológicos. Cultura local do desenvolvimento.

8. Planejamento e Políticas públicas

Centralizado. Indicativo para o setor privado. Dirigismo estatal. Unidade de análise principal: o Estado-nação.

Descentralizados. Estratégicos. Articulados entre setores públicos e privados. Agências de desenvolvimento regional e local Unidade de análise principal: clusters territoriais e setoriais.

Fonte: LLORENS, Francisco A., pp. 68-69.

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2.4.2 A “SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO”

Após a aceleração da difusão dos microcomputadores e das redes informáticas, um

novo discurso emergiu, louvando a chegada da “sociedade da informação” (para

outros, “sociedade do conhecimento”). Entre nós, o Ministério da Ciência e

Tecnologia vem de publicar um “Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil”

(MCT, 2000), apresentado como “o anteprojeto nacional para a construção da

sociedade da informação” no país. É a versão local de um gesto repetido em muitos

outros lugares, dentro de um movimento de âmbito mundial de ‘criação’ da Global

Information Society. Contudo, é duvidoso estar o mundo, no limiar do século XXI,

migrando para uma nova e global formação social, que deva ser definida/nominada

como “sociedade da informação”. Aliás, entendemos que não é assim, em linha com

Randolph (2003b; 2003c; 2004),

Aderimos à hipótese de Léfèbvre (1999: 15) de que, com o esgotamento da sociedade industrial ou, talvez melhor, da hegemonia deste modelo social – onde a oposição entre campo e cidade já perdeu seu significado -, o mundo está se encaminhando, não para a sociedade da informação, ou sociedade do conhecimento, ou sociedade em rede, mas para a sociedade urbana, uma sociedade totalmente urbanizada.

O acelerado aperfeiçoamento das TIC e sua ampla – e amplamente desigual –

disseminação, a partir do último quarto de século, ensejou a emergência de

numerosos discursos explicativos-prospectivos que, daquele aperfeiçoamento e

daquela difusão, extraíram argumentos tidos por suficientes para explicar, ou prever,

o surgimento da “nova” sociedade. Assim, encontramos referências a uma

“revolução informacional” (Lojkine, 1999), à “sociedade em rede” (Castells, 2000), a

um “ciberespaço” e a uma “cibercultura” (Lèvy, 1993; 1999; 2001).

Castells (2000) endossa o advento de um novo momento histórico, que denomina

por “sociedade informacional”, ou “capitalismo informacional” (p. 36), e afirma que

“uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está

remodelando as bases materiais da sociedade em ritmo acelerado” (p.21), criando

uma interdependência global entre as economias por todo o mundo e alterando as

relações entre economia, Estado e sociedade. Estas tecnologias estão na base da

reestruturação produtiva que implica o gerenciamento flexível, maior facilidade de

relocalização de investimentos, fortalecimento do capital diante do trabalho,

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incorporação maciça e veloz de novo conhecimento no processo produtivo, e a

aceleração e facilidade das comunicações. No processo, sai perdedora a mão-de-

obra, cujas conquistas estão sendo revertidas, inclusive pela reestruturação do

Estado - a qual favorece o capital em detrimento da proteção social e do interesse

público - e pelo enfraquecimento do poder das organizações de trabalhadores (pp.

26/7). A questão de gênero não ficou à parte, com a incorporação maciça das

mulheres à força de trabalho, porém em condições ainda inferiores às do homem.

Exemplo emblemático dos desvarios do otimismo tecnológico despertado pela

emergência das TIC é o discurso pronunciado na metade dos anos 1990 por Al

Gore, vice-presidente dos EUA, parcialmente reproduzido a seguir60. Depois de

anunciar que “(já) dispomos de recursos tecnológicos e meios econômicos para

aproximar todas as comunidades do mundo (através de) uma rede de informação

planetária que transmita mensagens e imagens com velocidade da luz (...) a todas

as partes do continente”, Al-Gore acrescenta que -

A criação desta rede das redes constitui um pré-requisito essencial de desenvolvimento sustentável para todos os membros da família humana. Com vista ao alcance deste objetivo, legisladores, regulamentadores e homens de negócio devem (...) construir e operar uma Infra-Estrutura Global de Informação (IGI).

A IGI, uma vez construída, “permitirá partilharmos informações, fazer ligações e

comunicações, como uma comunidade global”. Dessas conexões, extrairemos -

- um progresso econômico robusto e sustentável, democracias fortalecidas, soluções melhores para desafios ambientais globais e locais, cuidados aperfeiçoados de saúde e, por fim, um maior sentido de administração partilhada de nosso pequeno planeta. A Infra-Estrutura Global de Informação ajudará na educação de nossos filhos e permitirá o intercâmbio de idéias dentro de uma comunidade e entre nações. Representará um meio pelo qual famílias e amigos transcenderão as barreiras do tempo e da distância. Tornará possível um mercado global de informações, onde consumidores poderão adquirir ou vender produtos.

A IGI não deveria ser construída nem dirigida por um único país, mas através de “um

esforço democrático e cooperativo entre governos e povos”. O discurso “tecnólatra”

envereda por considerações sobre a democracia participativa e representativa:

A inteligência distribuída da IGI ampliará a democracia participativa e a IGI (...) constituirá uma metáfora para a própria democracia.

60 Al Gore: “Infra-Estrutura Global de Informação”. Folha de São Paulo. São Paulo, 31 de março de 1995, p.1-3. Transcrito de ARAUJO (2003:15-16).

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A democracia representativa não funciona com um governo central todo-poderoso que se arroga a tomada de todas as decisões. Essa é a razão da falência do comunismo. Em vez disso, a democracia representativa repousa sobre a presunção de que a melhor maneira de uma nação adotar suas decisões políticas é cada cidadão – o equivalente humano do processador autônomo – ter o poder de controlar sua própria vida.

É notável que, enquanto anteriormente imaginava-se a máquina emulando o

homem, segundo a metáfora do “cérebro eletrônico”, para o otimista tecnológico é o

cidadão que se torna um “equivalente humano do processador autônomo”. Mas,

- para que isso seja feito, deve estar disponível ao povo a informação de que ele necessita. E, ainda, ser-lhe permitido expressar livremente suas conclusões pela palavra e pelo voto (...). (A IGI) promoverá, de fato, o funcionamento da democracia, ampliando consideravelmente a participação dos cidadãos nas tomadas de decisões. Antevejo o advento de uma nova era ateniense de democracia, forjada nos foros que a IGI irá propiciar.

Tornar “disponível ao povo a informação de que ele necessita”, garantindo, assim,

ao cidadão, o poder de controlar sua própria vida (a “condição de agente”) e de “se

expressar livremente (...) pela palavra e pelo voto”, é uma proposta autoritária,

eivada de falsas premissas e falsas conclusões. Supõe um super-ator que decide de

qual informação o povo necessita e, depois, cria e opera os canais de difusão.

Estes, na sociedade capitalista, pertencem às empresas de comunicação, de

propriedade privada e interesses idem. Segundo, para alcançar a condição de

agente não basta “receber” ou “acessar” a informação. Terceiro, a expressão “(deve)

ser-lhe permitido ...” retoma o super-ator, detentor do poder de permissão. Quarto,

dizer que “a IGI promoverá ...” coloca a tecnologia na condição de ator, ou agente.

Por fim, o anseio por uma “nova era ateniense de democracia” é expresso sem uma

avaliação dos erros daquela “democracia” (direta, plebiscitária, mas amplamente

excludente), e de sua inadequação aos nossos dias.

Apesar da referência inicial aos “meios econômicos” necessários para construir-se a

IGI, o discurso, a partir daí, centra-se tão somente na variável tecnologia e não

retorna aos “determinantes” econômicos. Também, não supõe um ator-chefe para

comandar a anunciada revolução; não questiona a presença ou ausência da

“condição de madurez” da cultura, para a transformação, nem os conflitos de classe

e os jogos de interesse que poderão facilitar ou dificultar a mudança.

No plano geo-político, a IGI permitiria a formação de uma comunidade global (ou

‘família humana’), que assumiria a ‘administração partilhada do planeta’. No plano

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econômico, viabilizaria o ‘desenvolvimento sustentável, a superação dos desafios

ambientais globais e locais, o progresso econômico, a formação de um mercado

global de informações’ (suposto livre). No nível institucional, a IGI ampliaria as

democracias participativas-representativas, fortalecidas, mas não centralizadas; e

promoveria o funcionamento da democracia, porque ampliaria a participação dos

cidadãos nas tomadas de decisões, através dos foros que a IGI irá propiciar.

Não é de se estranhar que as mentes não analíticas aceitem que uma tecnologia

pretensamente tão poderosa e avassaladora seja capaz de inaugurar uma nova

formação social. E que a transformação social esperada leve muitos pensadores a

visualizarem uma “terceira revolução industrial”, e a caracterizarem a “nova”

sociedade como “sociedade da informação” ou “do conhecimento”. Também, é

possível encontrar quem prefira referenciar-se a uma “sociedade d-TIC”61.

Contudo, a sociedade “ocidental” do início do século XXI permanece, em essência -

por sua estrutura e suas mais relevantes características – a mesma-e-velha (mas,

renovada) sociedade capitalista invectivada por Marx, caracterizada pela

propriedade privada dos meios de produção e a sobrevalorização do capital frente

ao trabalho. Contudo, a “velha” sociedade capitalista se renova, pois um dos seus

traços é, justamente, que, em sua vigência, “tudo que é sólido se desmancha no ar”.

Assim, o capitalismo foi “mercantil” e tornou-se “industrial”, assim que a indústria

passou a ser o setor mais destacado da economia capitalista. Nas últimas décadas,

os ganhos do setor financeiro suplantaram os da indústria, e o setor de serviços

adquiriu importância crescente. A chegada das empresas de TI aos mercados de

ações levou à criação da expressão “nova economia”, uma suposta economia de

bens imateriais que deveria relegar ao desprezo a “velha economia” industrial, dos

bens materiais. A “bolha”, porém, não se sustentou.

A ultrapassagem do capitalismo industrial é fato aceito consensualmente, pela perda

de importância relativa da indústria perante o setor financeiro e o de serviços. Mas,

não compete falar de “capitalismo pós-industrial”, pois as indústrias não acabaram,

apesar de mudarem seu modus operandi (Quadro 11). A disseminação das TIC,

junto com outras mudanças pós-guerra fria, produziu transformações que não

podem ser ignoradas: não encontramos, porém, um rótulo satisfatório para

61 Patrocínio (2003) conceitua uma sociedade dTIC (depois das TIC) em oposição a uma sociedade aTIC (antes das TIC).

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caracterizar este momento. Esta perplexidade pode explicar o uso da expressão

“sociedade da informação”, mas não a justifica.

A resistência ao nome, explica-se: o conceito de sociedade capitalista transmite uma

informação imediata sobre a estrutura da sociedade; sua divisão classista entre

capitalistas e não-capitalistas (num sentido vulgar: patrões e empregados); a

prevalência do “capital” sobre o “trabalho” (ou, dos interesses do capitalista sobre os

do trabalhador); a sacralidade e ilimitação da propriedade privada dos meios de

produção; a competitividade, que gera concorrência, violência, corrupção e anti-

solidariedade; o autoritarismo intra-empresa, e do mercado, e da classe capitalista

(enquanto tal), que gera uma sociedade necessariamente autoritária. Na visão

tripolar da sociedade como Estado, Mercado e Sociedade civil (ou nos equivalentes

habermasianos de Sistema-Estado, Sistema-Mercado e Mundo da Vida), o

componente mercado é, genética e ontologicamente, autoritário. Daí uma sociedade

capitalista não poder, jamais, ser democrática no extenso sentido da palavra: a idéia

de democracia fica restrita ao âmbito do Estado, e trata-se tão somente de uma

democracia político-formal, dominada – “por debaixo dos panos” - por interesses de

fundo capitalista; voltada, portanto, para os interesses desta classe, ainda que algum

benefício vaze para o “resto” da sociedade, quer porque este resto se consegue

fazer representar, quer porque sua esmagadora maioria ameaça “entornar o caldo” e

incendiar o teatro, com prejuízos para donos, atores e platéia.

O nome “sociedade da informação” nada traduz. Em toda sociedade sempre houve

informação. “Informado” pode ser qualquer um, pobre ou rico, capitalista ou operário,

mandante ou comandado. A existência dos mais e dos menos (des)informados não

tipifica uma sociedade (no sentido em que clivagem entre capitalistas e operários

tipifica o MPC). A disseminação da informação por meio das TIC não descaracteriza

a sociedade capitalista, não muda as relações de propriedade dos meios de

produção nem as fórmulas da acumulação capitalista. Trata-se, apenas, de mais

uma técnica, de uma “nova” tecnologia de largo espectro. Dominá-la é vital para

cada país não se atrasar em relação aos outros, tanto quanto “dominar” a

eletricidade foi importante, neste sentido, num dado momento histórico. Mas, o jogo

de vantagem/desvantagem associado ao eventual domínio da tecnologia de ponta

de cada momento, sempre foi inerente ao processo civilizatório.

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106

Portanto, estamos diante da “mesma-e-velha” sociedade capitalista, propelida pelas

TIC (e propelindo-as). Nossas referências à sociedade da informação não implicam

endosso ao surgimento de uma nova formação social mas, apenas, o destaque da

invasão capilar da (mesma, velha, mas renovada) sociedade capitalista pelas TIC.

2.4.3 A importância social do domínio nacional das TIC

Nos planos macro-econômico e geo-político o maior ou menor domínio das TIC afeta

a competitividade internacional entre os países, como unidades econômicas em

conflito, pois atua sobre a pauta de exportações, seja pela agregação de valor aos

produtos de exportação, seja pela adição de novos itens a esta pauta, na forma de

programas ou conteúdos digitais exportáveis, além de ser um fator de facilitação das

negociações comerciais, como artefato para a troca de informações e para a

transferência eletrônica de valores contratados. Não é menos relevante a questão do

desenvolvimento tecnológico do país, sujeito, na sociedade da informação, ao

domínio – maior ou menor – das técnicas relacionadas a estas tecnologias.

No plano micro-econômico, afeta a rentabilidade empresarial e a competitividade

inter-empresarial, ao permitir ou facilitar a alteração ou inovação de processos

produtivos e gerenciais; também, afeta a empregabilidade do trabalhador e sua

renda. Os processos de comercialização sofrem os efeitos do e-business - em

particular, do e-commerce - que se expressam na forma de lojas eletrônicas, leilões

eletrônicos, e outras modalidades. Do lado das pautas de consumo, o fenômeno

sofre as mesmas influências, de forma especular.

No plano sócio-político, tem sido discutida a interferência das TIC para a coesão

social, a participação política, a afirmação e o exercício dos direitos e da cidadania.

Uma dimensão especial, neste caso, é a possibilidades do voto eletrônico e as

possibilidades de uma “democracia eletrônica” ou de uma “ágora eletrônica”. Outra

questão sócio-política está nos múltiplos desdobramentos do “governo eletrônico”.

Vem sendo objeto de teorias e experiências o uso das TIC em projetos de inclusão

digital via escola, como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento pessoal e

social do aluno e em programas de atendimento especial a pessoas com deficiência.

Têm sido relatadas interações de ordem psicossocial e antropológica, em questões

ligadas ao afeto, nas relações inter-pessoais, e no plano da auto-estima. Neste caso,

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107

está o crescente uso de e-mails, chats, bligs e blogs, foruns de discussão,

“comunidades virtuais” (como o Orkut) e outras redes inter-pessoais (não

comerciais). Há, ainda, outros aspectos ligados ao Mundo da Vida, como hábitos de

lazer, incluindo jogos eletrônicos e “realidade virtual” e os hábitos de consumo

(vistos pela sua face antropológica). Nem sequer o sexo ficou de fora dos efeitos das

TIC, havendo já propostas de supostos modos de “sexo virtual”.

Para Dantas (2002), existe o risco da formação de “sociedades sub-informadas”, e

do Brasil incluir-se nelas. Desde os anos 1950, o domínio absoluto dos meios de

radio-difusão pelos países centrais (EUA, Europa Ocidental, Japão) vem forçando a

unidirecionalidade dos fluxos de informação. Na década de 1970, 80% das notícias

veiculadas no mundo fluiam via Nova Iorque, Londres e Paris. O fluxo de livros,

filmes de cinema e programas de TV, agências de notícias e indústria fonográfica se

tornou quase unidirecional entre aqueles países e os do Terceiro Mundo. Isto implica

um colonialismo cultural, que se materializa na invasão de uma língua por termos da

outra. “Os fluxos unidirecionais de dados e informação potencializam os processos

de desqualificação e supressão das expressões culturais próprias dos povos

periféricos, apertando os laços de dependência econômica e política desses povos”

(p.195). Para além dos conteúdos técnicos, os sistemas de informação importados

embutem, também, conteúdos culturais.

As distinções entre sociedades bem-dotadas de sistemas de informação e aquelas

mal providas podem superar qualquer distinção baseada em indicadores de renda.

Será muito mais difícil o desenvolvimento econômico em um mundo no qual as

grandes potências industriais complementam a força industrial com sistemas de

informação sofisticados que reforçam as disparidades entre elas e as nações sub-

desenvolvidas. A divisão entre os ricamente e os pobremente informados – nacional

e inter-nacionalmente – pode vir a ser inexorável e mais difícil de superar que as

divisões fundadas na exploração econômica (SMITH, 1980, p.113).

A consulta a um call center pode eventualmente vir a ser processada em bancos de

dados sediados no exterior, com custos pagos pelo Brasil (o mesmo ocorre com

algumas das pesquisas na internet). A falta de competência técnica no país para

criar e manter sistemas de informação próprios, bancos de dados e programas de

computador, aprofunda a dependência nacional de agências e agentes externos. A

competência interna pode gerar empregos locais. A dependência reduz a “condição

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de agente” do Governo brasileiro para fazer opções políticas e econômicas que

contrariem o capital transnacional, sob pena de retaliações (Dantas, 2002, p.205).

A fuga de empregos para cidades super-informatizadas, situadas em países como

China ou Índia, é dramatizada por Friedman (2005). Os efeitos das TIC na

reconfiguração do urbano podem tornar-se relevantes, segundo Lobo (2002).62. As

modificações na tecnologia informática e nas suas redes são imprevisíveis, ainda, e

as descobertas e invenções podem revolucionar as perspectivas e o comportamento

das populações. “A cidade condicionará a evolução da informática, tanto quanto a

evolução desta provocará mudanças na cidade. [Contudo,] a cidade não vai alterar

muito sua estrutura no curto prazo, dada a sua conhecida inércia, a persistência dos

traçados e o imenso patrimônio já construído e que interessa conservar” (Idem).

Para Lobo, com o desenvolvimento das TIC uma série de funções da vida quotidiana

poderá não depender de proximidade espacial – trabalho doméstico e teletrabalho63;

compras e movimentação bancária via rede; diversão e aprendizagem com televisão

e internet; acesso a serviços de saúde e outros serviços públicos; comunicação por

e-mail e celulares, podendo resultar na maior permanência em casa (ou no bairro),

com conseqüências para a família e para a sociedade. Os deslocamentos podem

sofrer variações, com impacto nos fluxos viários e de pedestres. Os “escritórios

virtuais” dos bairros podem contribuir para a redução dos deslocamentos ao centro

Também, em função do mau uso das TIC podem surgir novos problemas de saúde,

psíquicos, criminais e morais. As mudanças trariam novos desafios para os

planejadores e administradores urbanos. A preparação de pessoas para estas

mudanças pode ser assimilada à inclusão digital.

A transformação no urbano pelo influxo das TIC é discutida também por Randolph

(2004) para quem, aparentemente, a difusão de tecnologias telemáticas e redes

globais de computadores é uma das principais “causas” das transformações

recentes da “forma urbana” das cidades no mundo ocidental, em particular no Brasil.

62 LOBO, Manuel da Costa. “As cidades na Era da Sociedade da Informação: linhas de reflexão para o seu planejamento”, palestra (Seminário “O Desenvolvimento Tecnológico de Cidades e a Sociedade da Informação”, Brasília, 06 de março de 2002). Lobo, é Membro do Conselho Europeu de Urbanismo e Presidente do Centro de Sistemas Urbanos e Regionais da Universidade Técnica de Lisboa. 63 Qvortup, Lars. “Telework: vision, definitions, realities, barriers”, in OECD Cities and New Technologies. Paris: OECD, pp. 77-108, apud Castells (1999, p. 419).

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2.4.4 A desigualdade nas bases materiais das TIC

Segundo o IBGE, Censo 2000, apenas 10,6% dos domicílios brasileiros possui

computador, em um contexto em que menos de 40% deles possuem telefone fixo.

De acordo com um levantamento feito pela Network Wizards, o Brasil possui o maior

número de hosts de internet da América Latina, sendo o 10º do mundo. Por outro

lado, em termos relativos, temos menos usuários de telefones que nossos vizinhos

Argentina e Uruguai e um número relativamente menor de usuários individuais de

internet que Chile, Argentina e Peru.

Quadro 12. Posição dos Países por Número de Hosts

Jul/02 País Julho/02 Jan/02 Jan/02 1º Estados Unidos* 113.574.290 106.182.291 1º 2º Japão (.jp) 8.713.920 7.118.333 2º 3º Canadá (.ca) 3.129.884 2.890.273 3º 4º Itália (.it) 2.958.899 2.282.457 7º 5º Alemanha (.de) 2.923.327 2.681.325 4º 6º Reino Unido (.uk) 2.508.151 2.462.915 5º 7º Austrália (.au) 2.496.683 2.288.584 6º 8º Holanda (.nl) 2.150.379 1.983.102 8º 9º França (.fr) 2.052.770 1.670.694 10º

10º Brasil (.br) 1.988.321 1.644.575 11º Fonte: Network Wizards 2002

Quadro 13. Hosts nas Américas

Jul/02 País Julho/02 Jan/02 Jan/02 1º Estados Unidos* 113.574.290 106.182.291 1º 2º Canadá (.ca) 3.129.884 2.890.273 2º 3º Brasil (.br) 1.988.321 1.644.575 3º 4º México (.mx) 1.004.637 918.288 4º 5º Argentina (.ar) 486.296 465.359 5º 6º Chile (.cl) 130.095 122.727 6º 7º Uruguai (.uy) 72.320 70.892 7º 8º Colômbia (.co) 46.896 57.419 8º 9º Rep. Dominicana (.do) 46.046 41.761 9º 10º Venezuela (.ve) 22.541 22.614 10º 11º Peru (.pe) 14.611 13.504 11º 12º Costa Rica (.cr) 8.022 8.551 12º 13º Panamá (.pa) 7.700 7.825 13º 14º Trinidad-Tobago (.tt) 6.726 6.872 14º 15º Guatemala (.gt) 6.161 5.603 15º

Fonte: Network Wizards 2002. (*) (Domínios: .edu, .us, .mil, .org, .gov e .gTLDs)

Hosts (ou servidores) são computadores ligados permanentemente à Internet. São

dedicados à conexão com vários outros hosts. Ao acessar seu provedor de internet

a pessoa estará conectando-se a um “servidor” que provê o acesso à rede mundial.

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Quadro 14. Sociedade da Informação - Indicadores Da América Do Sul

PAÍS População (milhões)

PIB per capita

Tele-den-sidade

Prove-dores

Usuários (Mil) (mês/ano)

Usuários (%) pop.

Argentina 37.4 7.46 (2001) 21.3 33 3.880 (jul/01) 10.38 Bolívia 8.3 2.6 (2000) 6.17 9 78 (dez/99) 0.98 Brasil 174.7 2.93 (2001) 18.18 50 13.620 (mai/02) [*4] 7.74 Chile 15.3 10.1 (2000) 22.12 7 3.100 (dez/01) 20.02 Colômbia 40.3 6.2 16.91 18 1.150 (dez/01) 2.81 Equador 13.1 2.9 10.0 13 328 (dez/01) 2.44 Paraguai 15.7 4.7 5.54 4 20 (dez/01) 0.36 Peru 27.4 4.5 6.37 10 3.000 (dez/01) 10.73 Suriname 0,434 3.4 18.06 2 14.5 (dez/01) 3.32 Uruguai 3.4 9.3 27.84 7 95 (dez/01) 13.61 Venezuela 24,0 6.2 10.78 16 95 mil (dez/01) --- FONTE: Forum Internacional: América Latina y Caribe en la Sociedad de la Información (Rio de Janeiro, 26 al 28 de setiembre del 2002). Disponível em: http://forumalcysi.socinfo.org.br Tele-densidade: linhas telefônicas/100 habitantes (2001). Fonte: International Telecommunications Union (ITU). Provedores: Provedores de serviços de internet (2000). Fonte: The World Factbook 2001. Usuários: Usuários Individuais da Internet (em % população). Fonte: NUA Internet How Many Online. PIB per capita: em US$ mil. Fonte: ITU.

A ONU empenha-se em promover a Sociedade da Informação. A Cúpula Mundial

sobre a Sociedade da Informação (World Summit on the Information Society – WSIS,

2003) realizada em Genebra, Suíça, de 10 a 12 de dezembro de 2003, organizada

pela ITU (International Telecommunication Union, agência da ONU), contou com a

participação de 175 países, 11 mil pessoas, 50 chefes e vice-chefes de estado, 106

ministros e vice-ministros. O objetivo do encontro foi estabelecer uma política

concreta para o estabelecimento de uma Sociedade da Informação para todos,

refletindo os diferentes interesses de cada país. Para alcançar o objetivo, ficou clara

a necessidade do estabelecimento de parcerias entre os setores público e privado e

muitas foram formalizadas durante o evento (Brandão & Silva, 2004, p.330).

A Declaração de Princípios emitida pela WSIS constou de 11 pontos-chaves, a

seguir resumidos (tradução livre do original em inglês):

01- A Declaração reconhece que as TIC são fundamentais para a construção de

uma Sociedade da Informação inclusiva e que o acesso universal, igualitário e

gratuito deve ser a chave para atingir esta meta;

02- O incremento de confiança nas TIC, inclusive no que se refere à segurança da

informação na rede, autenticação, privacidade e proteção dos consumidores, fica

destacado como um pré-requisito para o desenvolvimento da Sociedade da

Informação;

03- As TIC são também ferramentas fundamentais para uma boa governança. A

Declaração expressa a necessidade de uma ambiente nacional e internacional

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111

baseado em regras e leis com uma política e um quadro regulatório transparente,

pró-competição, neutro tecnologicamente e previsível;

04- Se o acesso universal é o fundamento de uma verdadeira Sociedade da

Informação, a construção de capacidade é o seu motor. A Declaração concorda que

somente pelo incentivo e educação da população sem familiaridade com a Internet e

suas poderosas aplicações é que o fruto do acesso universal medrará;

05- Reconhece-se, também, que os recursos devem ser canalizados para os grupos

marginalizados ou vulneráveis para o empoderamento destes;

06- A Declaração reafirma a universalidade e indivisibilidade de todos os direitos

humanos como liberdades fundamentais na Sociedade da Informação, asseguradas

a democracia e a boa governança;

07- Quanto à propriedade intelectual, a Declaração sublinha tanto a importância de

encorajar a inovação e a criatividade quanto a necessidade do compartilhamento do

conhecimento para impulsionar tal inovação e a criatividade;

08- Os princípios chave também incluem o respeito pela diversidade cultural e

lingüística, bem como pela tradição e religião. Na Internet, em particular, os

conteúdos devem refletir essa diversidade;

09- No caso da gestão da Internet, reforça-se a necessidade do envolvimento de

todos os parceiros na fixação, tanto dos aspectos técnicos, quanto dos relativos às

políticas públicas. Mas, sobretudo, a governança global da Internet foi considerada

demasiado complexa para ser resolvida em detalhe. Fica acordada a constituição de

um grupo de trabalho sobre o assunto, para investigar e elaborar propostas de ação,

até a realização da segunda fase da Cúpula, em 2005.

10-São também reafirmados os princípios da liberdade de imprensa, independência,

pluralismo e diversidade da mídia;

11- A Declaração expressa apoio e compromisso incondicionais à erradicação da

exclusão digital, por meio da cooperação internacional entre todos os parceiros.

A Cúpula reuniu-se novamente em Tunis, em novembro de 2005, quando foram

retomados os temas de Genebra, e outros

.

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Capítulo 3 – INCLUSÃO DIGITAL

A inclusão digital se realiza na convergência de 3 “I’s”: Infra-estrutura tecnológica, Informação e Intermediação. O acesso à Infra-estrutura tecnológica abre portas para acesso à Informação Relevante; a conversão da informação em conhecimento exige, porém, uma Intermediação Eficaz (LIMA e SILVA, 2004).

3.1 O contexto

Os discursos em torno do “novo paradigma tecnológico”, e da obrigatoriedade e

urgência de seu enfrentamento, partem dos seguintes pressupostos:

i) a Humanidade adentrou um novo momento histórico e um novo paradigma civilizatório, já irreversivelmente instalado neste momento (início do Século XXI), como consequência do desenvolvimento e apropriação social das TIC.

As assertivas têm o endosso de autores como Lojkine (1999), Negroponte (1995),

Santos (1999), Castells (2000), Lévy (1999), e outros. Foram criadas diferentes

nomes, como “paradigma tecno-científico-informacional”, “vida digital”, “revolução

informacional”, “era da informação”. A transformação ganhou impulso no último

quartil do Século XX (vide Capítulo 2), Alguns autores atribuem a esta “nova”

sociedade características inovadoras de virtualidade, hiper-textualidade e

vertiginosidade (LÉVY, 1999; CASTELLS, 2000).

ii) o fenômeno – e seus efeitos – tende a consolidar-se e a aprofundar-se com velocidade vertiginosa, atingindo novos âmbitos e novos processos sociais, ameaçando atingir “todo mundo” (toda a humanidade).

A tendência da técnica para a convergência e a universalização foi discutida no

Capítulo 2. A rapidez da expansão das TIC está espelhada no crescimento das

vendas de computadores e do número de conexões à internet. Tais mudanças são

portadoras de relevância qualitativa, tanto imediata, quanto projetada (Capítulo 1).

Contudo, os “efeitos” e as “consequências” representam “riscos e possibilidades em

aberto, de um processo ainda em curso” (LIMA e SILVA, 2004, p.230).

iii) o fenômeno atinge o âmago da vida social, porque revoluciona os meios e formas de comunicação humana, podendo potencialmente mudar nosso “modo de pensar o mundo”.

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Numerosos autores (como os já citados) concordam quanto a alguns importantes

efeitos do fenômeno em foco: mudanças significativas em elementos relevantes do

cotidiano, induzindo alterações nos hábitos, nos modos e meios de vida, nas

oportunidades de aprender e de comunicar-se, e outras.

iv) os indivíduos e os povos estão “coagidos” a adaptar-se às novas tecnologias, sob pena de soferem graves prejuízos nas diferentes escalas da vida individual/familiar/social.

Os autores referenciados convergem quanto à hipotética necessidade da imediata

adesão dos indivíduos, grupos, instituições e nações ao paradigma tecnológico

récem instalado, sem o que estarão condenando-se a viver fora do novo tempo.

As hipóteses de “convergência dos momentos” e de “motor único” discutidas por

Santos (2000) apontam para certas tendências da contemporaneidade, muitas vezes

condensadas sob o rótulo de “globalização”. Ora, é próprio do desenvolvimento do

capitalismo a afirmação de algumas “leis”, entre elas a uniformização dos processos

de troca, e a adoção de um padrão de relações Estado-Mercado (seria como uma

aplicação particular da “lei” da universalização da técnica as técnicas de comércio).

Esta pressão (e outras, que omitiremos) contribuiu para a disseminação global de

um modelo padrão de Estado, a democracia formal-capitalista, fortemente regida

(embora, não determinada) pelos “interesses do mercado” - isto é, os interesses dos

grandes grupos capitalistas internacionais e de seus representantes locais, e dos

grandes grupos capitalistas locais. Esta submissão do Estado ao Mercado, elemento

fundante do MPC, agravou-se na contemporaneidade pós-Guerra Fria, após o

desmonte da URSS e a marcha batida da assim chamada “doutrina neoliberal”64.

Os últimos eventos mundiais apontam para uma adoção quase-global do MPC, após

a adesão dos países ex-socialistas, inclusive China e Rússia65. Aumentou a coação

exercida pelos países centrais para a imposição “doutrina neo-liberal” aos demais

países. Este “pensamento único”, ao adotar práticas como a do “governo eletrônico”,

ou a informatização acelerada de muitos setores dos negócios e do próprio mundo

64 Não está em questão o papel protagônico do Estado, ou do “determinante em última instância”, mas a submissão dos interesses macro-econômicos nacionais aos do grande capital. A recusa a tal submissão e à doutrina neoliberal - tendência ainda não definida - encontra exemplos recentes no caso da Venezuela sob Chavez, e nos discursos do início da gestão de Evo Morales, na Bolívia. 65 O socialismo parece, hoje, restrito a Cuba e Vietnã do Norte, enquanto um capitalismo “diferente” ou “sui generis” é praticado em alguns países. A “submissão do Estado ao Mercado” não ocorreu (ainda) na China, e sofreu recuos na Rússia, sob Putin. Em alguns países islâmicos, como o Irã, o Estado está acima do Mercado, não estando configurado o modelo ocidental de capitalismo.

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da vida, “coagem” os governos em todo o mundo (mas não “todas” as populações do

mundo) a adotarem seus parâmetros e regerem-se por sua lógica uniformizadora.

Assim, a lógica uniformizadora mais ampla, e sua parcela ligada às TIC,

realimentam-se e reforçam-se mutuamente.

Para SILVEIRA (2001, p. 21), “a revolução tecnológica em curso destinou à

informação um lugar estratégico. A sociedade é, cada vez mais, a ‘sociedade da

informação’ e os agrupamentos sociais que não souberem manipular, reunir,

desagregar, processar e analisar informações ficarão distantes da produção do

conhecimento, estagnados ou vendo se agravar sua condição de miséria”. Neste

marco, o Brasil (isto é, a sociedade brasileira, e seus cidadãos, individualmente

considerados) estaria “coagido” a inserir-se nos processos da “sociedade da

informação”, sob pena de “perder o trem da história”. A esta inserção no plano

indivídual dá-se, entre nós, o nome de inclusão digital. Não trataremos dos meios e

modos de enfrentamento do problema nas demais escalas, nesta tese.

v) a inserção dos indivíduos no “mundo digital” deve ser universal, para não agravar as desigualdades sociais através de uma “desigualdade digital”.

Este pessuposto já mereceu longo debate no Capítulo 1.

vi) a inserção universal, nos países pobres, dependerá de políticas públicas que mobilizem os vários atores sociais, sejam eles parte do Estado, da Sociedade Civil ou do Mercado.

Evidentemente, a pobreza material das populações pobres dos países periféricos é

um obstáculo para o acesso aos recursos das tecnologias digitais. E é intuitiva a

impossibilidade da Sociedade Civil vir a suprir esta deficiência, e a inapetência do

Mercado para vir a fazê-lo. Assim, a universalização, por sua amplitude e alcance

capilar, exigirá a coordenação do Estado, mas dependerá, também, da estreita e

decisiva participação da Sociedade Civil Organizada, e do Mercado66.

Detecta-se uma hierarquia entre estes pressupostos, na seqüência da sua

exposição. Assim, a negação do primeiro acarretaria a invalidez do segundo, que

perderia a condição de necessidade, para inscrever-se como possibilidade, como

escolha. E, assim por diante. Estas premissas já foram discutidas - no todo, ou parte

- em tópicos anteriores. Tomaremos como pressuposto sua validade conjunta.

Portanto, admitimos a priori a disseminação social irreversivel das TIC, sua

66 A apresentação do Mercado como ator é uma metáfora, recorrentemente utilizada.

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tendência para consolidar-se e aprofundar-se velozmente, a notabilidade e

ubiqüidade de suas conseqüências, e a obrigatoriedade e urgência do seu

enfrentamento. Neste marco, formularemos as seguintes hipóteses de trabalho:

i) a inserção do Brasil, como país, nos processos da “era da informação” tornou-

se uma necessidade incontornável, sob a ameaça de graves danos ao

desenvolvimento nacional, com repercussão na vida dos seus cidadãos;

ii) a inserção indivídual dos brasileiros tornou-se imprescindível, sob pena de

graves danos ao desenvolvimento pessoal dos cidadãos não-inseridos,

prejuízos estes que se propagariam às diferentes escalas da vida nacional;

iii) a inserção dos indivíduos não deve ser tratada como simples ingresso nos

circuitos das novas tecnologias, mas como um processo de um mais amplo

esforço de inclusão social;

iv) tal esforço, devido à escala a que se aplica, exige a formulação e

implementação de políticas públicas que, sob a condução protagônica do

Estado, mobilizem e agreguem em seu âmbito as forças sociais da Sociedade

Civil e do Mercado. Ou seja, um projeto de “toda” a sociedade.

A noção de relevância qualitativa projetada da desigualdade digital (vide Capítulo 1)

pode ser invocada aqui para conectar os discursos que justificam a importância e a

urgência da inserção dos indivíduos em geral nos espaços do “mundo digital”, com

base na suposição da entrada da humanidade no “novo tempo histórico” da “era da

informação” (SILVEIRA, 2003; MCT, 2000; JAMBEIRO et al., 2003; ONU/WSIS,

2003 e 2005)67. Aplicados ao nosso caso, estes discursos convergem para uma

hipotética necessidade da imediata inserção dos brasileiros – como indivíduos, e

como nação - no novo meio, sem o que estaremos nos condenando a viver fora do

novo tempo, e a permanecermos prisioneiros de um passado menos glorioso.

3.2 Inclusão Digital – definições.

Nossa hipótese de tabalho supõe a necessidade da inserção do país nos processos

da “era da informação”, através de um duplo esforço nacional que requer, por um

lado, a formulação e aplicação de políticas públicas de desenvolvimento tecnológico

67 Também se fala em “sociedade do conhecimento” (HAMILTON, 2001; BANCO MUNDIAL, 1998); em “sociedade informacional” (CASTELLS, 1999); ou “sociedade d-TIC” (PATROCÍNIO, 2003).

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e, por outro, uma política pública de inserção individual universal, que designaremos

por inclusão digital. Será necessário, de início, discutir a viabilidade, a validade, e

outros atributos da inclusão digital. Parece tratar-se, em resumo, do acesso dos

cidadãos às tecnologias digitais, em condições favoráveis de apropriação do seu

potencial, para o desenvolvimento pessoal e coletivo.

A definição fornece algumas pistas. Falta especificar, ainda: acesso a que, como,

quando, e em que condições; promovido por quem, com que escopo, e objetivos; e,

para quem, e a que custo. “Inclusão digital” surge, então, como uma noção em

aberto, que abriga uma variedade de coisas, até conflitantes.

Na epígrafe deste capítulo Lima & Silva (2004) fazem uma primeira aproximação ao

lado operacional da questão. Mas, não fazem nenhuma referência ao ambiente

sócio-político no qual a inclusão digital estria sendo pensada. Parece, então, que

teremos que empreender um percurso, talvez longo, para lograr um entendimento

dificilmente sintetizável, pois estão envolvidos aspectos que não se revelam de

forma imediata, e não podem ser contidos em proposições sucintas.

Sabemos, por antigas lições, que nada é “simples” no domínio social e que devemos

acautelar-nos contra toda abordagem simplificadora, direta, positivista – por isso,

mascaradora – das questões sociais (BOURDIEU, 1999; KOSIK, 1976; LEFÈBVRE,

1975), para defrontá-las em suas muitas dimensões (embora, em qualquer texto

somente seja possível abordar algumas destas). Assim, impõe-se examinarmos as

diferentes alternativas que um esforço social para a “inclusão digital” dos seus

membros pode vir a assumir; as condições de possibilidade destas alternativas; as

condições societárias em que podem se tornar efetivas; suas respectivas

contribuições potenciais para a transformação social.

Estamos lidando, simultaneamente, com o desenvolvimento numa escala macro

(nacional) e em outra, micro (individual, de cada cidadão). Na verdade, é nesta

última que a inclusão digital se aplica mas, em virtude da dialética cidadão-país, o

desenvolvimento68 numa das escalas está jungido ao desenvolvimento na outra.

Não faltam questionamentos sobre a importância, a urgência, a universalidade e a

“publicização” da inclusão digital, em vista dos custos - que se prenunciam

68 Desenvolvimento social “integral”. Há suficientes estudos mostrando que o “desenvolvimento econômico” pode acontecer em benefício das camadas ricas e minoritárias da população, com extremo sacrifício para a maioria pobre, caso geral na história da América Latina, no século XX.

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expressivos – e diante da grande dívida social do país com relação a questões de

educação, saúde, moradia, segurança, transportes e infra-estruturas diversas. É

necessário justificar porque uma parcela dos recursos sociais disponíveis deverão

ser desviados destas necessidades da população, mais urgentes e mais básicas, e

canalizados para os fins de capilarização das tecnologias digitais, no momento.

Respondendo com base numa visão macroscópica, Brandão & Silva (2004, p. 325)

afirmam que “no século XXI, pensar em desenvolvimento sem internet69 seria o

equivalente à industrialização sem eletricidade na era industrial”:

É por isso que a declaração freqüentemente ouvida sobre a necessidade de se começar com ‘os problemas reais do Terceiro Mundo’ – designando com isso: saúde, educação, água, eletricidade e assim por diante – antes de chegar à internet, revela uma profunda incompreensão das questões atuais relativas ao desenvolvimento. Porque, sem uma economia e um sistema de administração baseados na internet, qualquer país tem pouca chance de gerar os recursos necessários para cobrir suas necessidades de desenvolvimento, num modo sustentável, em termos econômicos, sociais e ambientais (Idem, ibidem).

Os argumentos acima conduzem à admissão da necessidade imediata da adesão do

Brasil ao novo paradigma econômico-tecnológico, sob pena de “atrasar-se”, em

termos de desenvolvimento, em relação aos países que - mais rápida, firme e

profundamente - o fizerem. Trata-se, enfim, de um risco geo-político em escala

nacional. Não se menciona diretamente a capilarização dos acessos, que fica

subentendida; reforça-se nossa hipótese de trabalho, no que tange à importância da

adesão do país às tecnologias digitais - tecnologia hegemônica atual - e em face da

experiência histórica dos povos frente às técnicas hegemônicas de cada momento.

Ignorá-las, cada vez, representou sempre o risco de colonização pelas sociedades

coevas, como mostramos ao dissertar sobre a técnica, examinando esta

característica impositiva. Pode-se afirmar que, no plano macro, esta adesão está

fora de discussão; e, é relativamente fácil conceber suas repercussões no plano

individual. Por isso, sua necessidade pode ser tratada como dada.

A urgência, não transparece assim, de imediato. Mas, os argumentos e as

evidências - pretensas ou reais - sobre a aceleração do tempo fazem parte dos

discursos cotidianos. É fácil entender e aceitar que o avião e o telefone, ao reduzir

os tempos dos deslocamentos e dos contatos, passaram a idéia do “encolhimento

69 A internet é certamente a rede mundial do momento, mas há questionamentos sobre sua gestão pelos EUA e propostas para coloca-la sob uma gerência internacional compartilhada.

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do mundo” e da “vertiginosidade do real”. Assim, aquilo que é importante que seja

feito já não pode ficar à espera segundo os ritmos do passado, porque os fatos,

vindo das mais inesperadas direções, atropelarão os “homens lentos”. Decidida a

importância do desenvolvimento nas tecnologias digitais, a urgência vem junto, pois

os projetos congelados já não poderão ser executados mais tarde, perdida a

oportunidade. É claro que “mais tarde” haverá sempre a oportunidade de outros

projetos, mas então as perdas já farão parte da história70.

Revistas as questões da importância e da urgência, acima levantadas, a partir de um

ponto de vista sobretudo macro-econômico, falta demonstrar que esta macro-

inserção implica a outra, individualizada, a universalização dos “acessos”.

Mas, é mesmo necessária uma “inclusão digital universal”, “inclusão digital do

povo”? Não seria suficiente, para o desenvolvimento do país, a informatização do

“setor produtivo” e a formação em informática para os técnicos, o pessoal de nível

superior em geral, e as elites dirigentes? Precisamos de universalização, ou de

focalização? (KERSTENETZKY, 2003). E, para “universalizar”, não bastaria

introduzir a informática como disciplina obrigatória no ensino fundamental, e esperar

que o ensino das sucessivas turmas de alunos viesse a zerar o problema ao longo

do tempo (através de uma universalização “lenta e gradual”)?

Uma primeira (e parcial) resposta é que a discussão da inclusão digital do “povo”

não se limita aos interesses do desenvolvimento nacional, embora estes possam (e

devam, parcialmente) interferir nos rumos da inclusão. Outra parte assenta-se na

especificidade das TIC, em sua condição de tecnologia hegemônica do momento.

Com efeito, com relação às tecnologias hegemônicas do passado, para os objetivos

do desenvolvimento (micro-, ou macro-), nenhuma política pública universal de

treinamento se mostrou necessária, exceto na comunicação escrita71. Nos casos da

eletricidade e do telefone, duas tecnologias universalizadas, nenhum treinamento

público se fez necessário para seu uso pelo cidadão comum. Do que se necessitou,

foi de providências para o acesso físico aos recursos.

No caso da escrita, a política de inclusão – a alfabetização – foi e continua sendo

necessária. No caso da informática vislumbra-se uma necessidade semelhante. Não

70 Há numerosos estudos sobre “oportunidades perdidas” na história dos povos. 71 Pode-se objetar que o ensino “de primeiro grau” e a alfabetização de adultos incluem objetivos ligados a técnicas de saúde pública julgadas de interesse universal.

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é, certamente, por tratar-se de uma “tecnologia da comunicação”, pois também o

são o telefone, o rádio, a TV. A resposta tem que ser buscada, então, na natureza e

nos atributos daquele objeto.

Como indicamos no Capítulo 1, os conhecimentos técnicos básicos constituem

elemento indispensável para a realização do acesso ao computador. A falta de

conhecimento é uma das expressões mais dramáticas da desigualdade digital. O

computador não se presta ao aprendizado auto-didata, respeitadas as exceções. O

conhecimento básico viabiliza o uso do computador (off-line). Conhecimentos

adicionais aprofundam a capacidade do usuário para explorar com proficiência e

objetividade os recursos. Diferente de outros objetos técnicos de uso imediato e

específico, o computador permite múltiplos fins: acesso à informação, estudos,

entretenimento, produção artística, produção com objetivos econômicos e é, ainda,

uma ferramenta intermediária para uso e controle de outras máquinas.

Randolph (2006) sugere que, para discutirmos a inclusão mesma, seu significado –

consideradas as diferentes visões em relação ao seu significado – e para evitar o

equívoco de naturalizar a “sociedade da informação”, devemos perguntar-nos o que

se espera da inclusão digital: se consumidores submissos, ou trabalhadores

capacitados a inovar, ou cidadãos emancipados. Um duplo objetivo de formação do

trabalhador capacitado e do cidadão emancipado nos parece de grande valor social.

Será este nosso viés, enriquecido com algumas outras dimensões.

Também, é necessário “não confundirmos os condicionantes da coisa, com a própria

coisa” (Randolph, 2006). Ora, se estamos tratando da inclusão de alguém em algo,

precisamos discutir (pelo menos) quatro questões:

i) quem são os ‘incluendos’; ii) em ‘quê’ serão eles ‘incluídos’ (que ambiente, ou continente); iii) em que consiste a ação, o ato, o processo de inclusão - isto é, quais são as condições (quais são os meios, os instrumentos, as ações) para se atingir, se realizar essa (alguma forma de) inclusão; iv) quem são os senhores dos atos da inclusão, os ‘incluidores’. A ação de inclusão vem de alguém, talvez – mas, não necessariamente - daqueles mesmos que estamos considerando como “incluendos”

Evidentemente, o “continente” (“onde” serão incluídos os incluendos), só pode ser a

“mesma” sociedade capitalista pois, uma sociedade “nova”, não mais capitalista (ou

não mais “tão” capitalista), não pode resultar de um movimento tão restrito como

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este (da inclusão digital). Foge ao escopo do nosso trabalho discutir ou projetar uma

sociedade “nova”, que pudesse resultar de uma inclusão digital mais amplamente

pensada. O que se pode esperar, no máximo, é um reforço do binômio cidadania-

democracia, a ser proposto entre os objetivos da inclusão.

Quanto aos “incluendos”, parece possível adiantar-se que são pessoas pobres, sem

condições próprias de acesso às tecnologias digitais (e a outros elementos,

necessários para tornar o acesso valioso). Falta saber se estas pessoas se

(auto)incluem ou se são incluídos (pela ação de outras), até mesmo contra a própria

vontade. Embora toda a população deva ser considerada interessada na inserção no

“mundo digital”, concluímos que uma parte dela é auto-includente, uma outra precisa

de ajuda para inserir-se, e sempre haverá uma parcela à margem deste movimento.

Quadro 15 - Estratificação da população para uma política de inclusão digital. Faixas etárias

% popul. Estratos da população

>65 Não População “não-alvo” (não-preferencial) para inclusão** 45-65

18-45 PEA*

Não-escolares-não-PEA* Pessoas aptas para auto-inclusão**

Pessoas já incluídas** Universitários**

07-17 Apl

icar

po

lític

as d

e in

clus

ão

Alunos do ensino fundamental e médio (Redes Pública e Privada)* 0-6a Não Pré-escolares (não computar como “excluídos”)

Fonte: elaboração própria. (*) População-Alvo (mediante planos específicos); (**) População Não-Alvo (não-prioritária)

Podemos visualizar três públicos-alvo das ações de inclusão digital: a população

escolar do ensino fundamental e médio; a população PEA; e uma fatia próxima aos

dois blocos anteriores - que chamaremos de “não-escolar-não-PEA” - constituída

pelos escolares não incluídos por falta de condições em suas escolas e pelos

menores fora-da-escola (casos de evasão escolar). Como público não-alvo teríamos

a população pobre já incluída; os universitários; os detentores da condição de auto-

inclusão; e os maiores de 65 anos. Pessoas com necessidades especiais (PNE)

constituem público específico, alvo de tratamento à parte.

Chamemos de incluídores os que promovem a inclusão alheia, e de incluendos os

“excluídos” submetidos ao processo de inclusão. Na melhor das hipóteses, os

incluendos são incluídores de si mesmos (auto-inclusão). Pode também haver

aqueles que, por resistência, não querem a inclusão. Por último, há o processo em

que os “incluidores” acham que estão criando as condições de inclusão para os

outros e, com isto, em parte, determinam os termos nos quais uma inclusão pode ser

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possível. Mas, porque uma inclusão precisaria dar-se dessa ou daquela forma? Os

“excluídos” foram ouvidos a respeito da maneira como gostariam de ser incluídos?

Os que acreditam no, e divulgam o discurso ideológico da sociedade da informação

argumentam que a “inclusão” é uma necessidade “natural”. Em geral, os supostos

“excluídos” não têm a menor influência na determinação do contexto onde podem se

incluir ou não. Uma inclusão que não leva em conta a consciência, a vontade, a

participação dos incluendos, com certeza não aponta na direção da autonomia.

O que encontramos na empiría, e o que parece possível na sociedade capitalista, é

exatamente esta inclusão orquestrada de fora. Como metáfora, podemos dizer que o

Mercado quer “produzir” consumidores e trabalhadores (i.e., empregados); o Estado

necessita de contribuintes e de eleitores. Na Sociedade Civil Organizada (quando

não replica o Mercado), os reformadores sociais buscam plasmar cidadãos

emancipados e participativos. O “povo”, reproduzindo sua condição de servidão

voluntária, submete-se e agradece as oportunidades de “inclusão”.

Retomando por um momento a questão macro-escalar, nota-se o descuido de

alguns discursos contra os riscos de atraso tecnológico do Brasil pelos atrasos da

inclusão digital, principalmente face às exigências da globalização. Ameaça-se com

a perda de competitividade no comércio exterior, que exige a exportação de

produtos de alto valor agregado, para fugirmos à condição de meros exportadores

de commodities e importadores de tecnologia, troca desigual que desfavorece as

economias primárias. Contudo, é evidente que não será o incluído digital (recente)

aquele que irá resgatar o atraso tecnológico do Brasil e produzir inovações e

tecnologias capazes de competir no mercado externo. Os objetos e objetivos macro-

econômicos fazem – ou deveriam fazer - parte das políticas nacionais de

desenvolvimento tecnológico, que acionam outras lógicas, instrumentos e

processos, não contemplados diretamente na discussão da inclusão digital.

Por outro lado, formada uma grande “massa” de “informáticos principiantes”, dela -

como tem sido observado em situações similares – é possível que se destaquem as

mentes mais bem aquinhoadas que irão alimentar o espaço da inovação72. Assim, a

inclusão digital dos pobres-e-principiantes pode, a longo prazo, dar uma contribuição

72 Por analogia (sem os rigores da cientificidade), uma possível explicação para os sucessos do Brasil no futebol é o desenvolvimento de grande massa de ‘jogadores de várzea’ desde a infância, e a formação de uma massa crítica de candidatos potenciais à posterior revelação dos talentos.

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importante aos objetivos mais amplos de desenvolvimento nacional, possibilidade

que podemos rotular de “princípio da massa crítica”.

Os defensores da imediata universalização do acesso popular às TIC investem

contra uma apropriação restrita às elites e/ou determinados fragmentos da

sociedade, pois “(o) lado estratégico da inclusão digital é exatamente o que se refere

à massificação do uso das TIC pelo conjunto da sociedade, não somente pelos seus

segmentos de elite” (SILVEIRA, 2003 p. 23, grifo nosso). Alguns destes

“universalistas” recorrem aos direitos constitucionais e aos direitos do cidadão. No

plano jurídico, uma vez que o Brasil está constituído como um Estado Democrático

de Direito, é possível argumentar-se em favor do direito ao acesso à informação e

aos serviços públicos apenas disponíveis, ou mais vantajosamente disponiveis,

através de acessos digitais (internet, terminais eletrônicos), bastando-nos, para

tanto, caracterizar estas informações e estes serviços como bens públicos sujeitos

aos direitos da cidadania (SILVEIRA, 2003, p.23 e 29-30; ONU/WSIS, 2003 e 2005).

Caracterizado o dever do estado, restaria discutir os meios de sua efetivação

(HOESCHL et al., 2003).

Alguns críticos do caráter público de uma (suposta) política nacional de inclusão

digital sugerem que seria suficiente confiar a tarefa exclusivamente “ao mercado”

que a trataria como uma externalidade negativa. Na direção contrária, para Silveira

(idem, p.29) “o mercado não irá incluir na era da informação os extratos pobres e

desprovidos de dinheiro”, pois sabe-se que seu móvel principal é o lucro.

A inclusão via escola será discutida adiante.

3.2.1 Focos e escalas.

A discussão que estamos empreendendo pode fazer-se sob diferentes focos e

escalas: o macro-econômico, ou da competitividade internacional entre países; o

micro-econômico, ou da competitividade empresarial e da “empregabilidade” do

trabalhador; o psicossocial e/ou antropológico (questões ligadas ao afeto, relações

inter-pessoais, auto-estima); o sócio-político (coesão social, participação política,

direitos, cidadania); o pedagógico (projetos pedagógicos de inclusão digital, usos

criativos do computador no ensino, “novo aluno, novo professor e nova escola”); e

ainda outros, como dos hábitos de lazer e de consumo. Se é assim, seria do melhor

alvitre considerarmos que estamos diante de diferentes necessidades e de

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diferentes métodos, processos e instrumentos de inserção na “era da informação” e

que, portanto, seria de bom juízo considerar uma certa multiplicidade de “inclusões

digitais” ou, por outro, uma “inclusão digital” com um certo número de facetas.

Neste sentido, Silveira (2003, p. 32) considera possível observar três focos distintos

no tratamento da questão:

- o da ampliação da cidadania, que ressalta o direito do cidadão de interagir e

de se comunicar através das redes informacionais;

- o da inserção das camadas pauperizadas no mercado de trabalho, que tem

o seu epicentro na profissionalização e na capacitação; e

- o da educação: reivindica a importância da formação sócio-cultural dos

jovens, sua orientação diante do dilúvio informacional, e o fomento de uma

inteligência coletiva capaz de assegurar a inserção autônoma do país na

sociedade informacional.

Estes três focos não devem ser vistos como conflitantes e, na maioria das vezes,

aparecem interligados: os projetos iniciais referiam-se mais à profissionalização;

atualmente, cada vez mais reclama-se a ampliação da cidadania; e ganham força os

discursos voltados ao fomento da inteligência coletiva local ou nacional.

Aqui, cabe uma discussão sobre os diferentes significados da inclusão, para uma

leitura crítica da abordagem e dos focos apresentados. Aliás, nenhum deles

representa alguma crítica mais profunda às “condições gerais de comunicação” que

a própria sociedade capitalista oferece, como se a “ampliação da cidadania” tivesse

o mesmo grau de viabilidade daquela “inclusão” no mercado de trabalho.

O escopo das ações de inclusão digital pode ser, em primeira aproximação,

enquadrado em uma das seguintes classes:

- acesso público assistido, para habilitação para o uso imediato;

- acesso público não assistido aos recursos (habilitados de baixa renda);

- capacitação para exploração pessoal dos recursos (uso avançado);

- capacitação para interpretar as informações que fluem pela rede;

- capacitação (e motivação?) para a participação democrático-cidadã.

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Não se defende a posse pessoal/familiar dos equipamentos, em face do seu preço,

e até que este se torne mínimo73. O acesso fora-da-escola deverá ser suprido pela

rede de Telecentros Públicos, dos CTC e de outras alternativas. E, para o público

escolar, pelos Laboratórios das escolas conectadas. As classes de escopo listadas

sugerem uma certa progressividade, a ser relativizada e levando em conta os

diferentes públicos. Um detalhamento maior seria fastidioso. Quanto à assistência,

ela está embutida no projeto da escola conectada e baseada em programas

educacionais específicos no caso do público extra-escolar.

Os objetivos da inclusão deve(ria)m ser compatíveis com os focos arrolados, tida

permanentemente em conta a diversidade dos públicos. A questão macro-

econômica da competitividade do Brasil nos mercados internacionais deve ser

tratada indiretamente, seja como um sub-produto da inclusão em larga escala, seja

mediante projetos específicos. Esta é, também, a maneira como encaramos o foco

meso-econômico da competitividade empresarial. Estes dois aspectos estão fora do

âmbito da nossa pesquisa e se os mencionamos é, justamente, para explicitar esta

exclusão. A nosso ver, o bloco das questões ligadas ao afeto, relações inter-

pessoais e auto-estima só merece maior atenção junto ao público escolar, ficando,

para os adultos, como um sub-produto do aprendizado. Já a empregabilidade do

trabalhador merece tratamento direto: parte das ações de inclusão digital está

comprometida com o interesse de aumentar as chances de emprego do trabalhador

e, visto do lado da empresa, garantir a esta um trabalhador mais qualificado. Os

objetivos de caráter pedagógico (usos criativos do computador pelo aluno,

desenvolvimento do “novo aluno, novo professor e nova escola”) estão,

evidentemente, associados ao público escolar. Mas, projetos pedagógicos de

inclusão digital são também necessários quando se trata do público adulto, se estão

em causa objetivos sócio-políticos de coesão social, participação política,

reconhecimento de direitos e cidadania.

Lima & Silva (2004, p. 229) insistem que a inclusão digital deve levar à inclusão

social, “pois o conceito parece mais relacionado à construção, manutenção e

ampliação da cidadania que, por certo, não poderá prescindir de uma formação

socio-cultural e da conquista de espaços sociais, como o do trabalho, mas não se

restringir a isso”. Também para Bonilla (2001), a inclusão digital é um conceito

73 Ver, em outra parte, informações sobre “computador de baixo custo” para a posse individual.

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abrangente, e “significa que aquele que está incluído é capaz de participar,

questionar, produzir, decidir, transformar, é parte integrante da dinâmica social em

todas as suas instâncias”.

Assim é que estes autores acabam por denominar, genericamente, de "inclusão

digital" todo esforço para dotar a maior parte possível das populações locais (há

também uma visão no nível global) com os conhecimentos necessários para utilizar

(sic) com proficiência os recursos de informática e de telecomunicações existentes,

promovendo o acesso físico regular a esses recursos. Dependendo do significado

atribuído, nessa expressão, ao termo "utilizar", e tendo-se em mente, mais de perto,

o público não-escolar, emergem duas visões do alcance deste processo: inclusão

digital “subordinante” e inclusão digital “autonomista”.

No primeiro caso, dizem aqueles autores, o termo "utilizar" remete à idéia de

"consumidor" e à visão essencialmente passiva de "utilização" dos recursos, pois

aqui se manifesta uma determinada perspectiva dessa inclusão: o “incluído” como

consumidor e trabalhador nos moldes capitalistas. Nesse caso, prioriza-se a

capacitação dos cidadãos para operar computadores e softwares aplicativos de uso

comum, para acessar serviços governamentais via Internet e para navegar na rede

na qualidade de "leitor" ou "consumidor". O “incluído” digital, neste caso, guarda

analogia com o operário treinado para dirigir um trator, operar uma máquina. Ele

apenas melhora sua empregabilidade e, com isto, suas possibilidades de

permanecer incluído na estrutura (do mercado de trabalho) numa posição

subalterna. O sistema inclui o trabalhador, para poder continuar explorando-o (o que,

dirão muitos, não sem razão, ainda é melhor que ser ou permanecer “excluído”, isto

é, desempregado).

A Inclusão Digital “autonomista” configurar-se-ia quando o termo "utilizar" contido na

definição for referido à idéia do uso instrumental por um sujeito que age com

objetivos autônomos – e é gerada uma visão de Inclusão Digital que, além, dos

objetivos da visão utilitarista, incorpora o fator 'finalidade'. Uma política “autonomista”

de Inclusão Digital visaria universalizar o uso instrumental dos recursos das TIC,

para alavancar a aprendizagem contínua e autônoma, fomentar o exercício da

cidadania, dar voz às comunidades e setores que normalmente não têm acesso à

grande mídia, e para apoiar a organização e o adensamento da malha de relações

comunicativas entre os atores da sociedade civil que constituem a esfera pública.

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Nenhum dos autores aponta, porém, como tão elevados e complexos objetivos

podem, na prática, serem alcançados.

Também se usa, num âmbito mais particular, o conceito de "Alfabetização Digital"

(como estágio introdutório da "Inclusão Digital"), para enfatizar que a falta de

conhecimento pelo menos rudimentar das TIC coloca o cidadão/cidadã em situação

análoga à do analfabetismo - e que, portanto, a obtenção desse conhecimento

passou a fazer parte integrante da alfabetização em si. Sob essa ótica, o conceito de

analfabetismo se ampliou e agora, além das competências anteriores, é necessário

dotar de competências adicionais os sujeitos em processo de alfabetização. A etapa

seguinte trataria de dar condições aos cidadãos e cidadãs para que sejam capazes

de produzir e não apenas consumir comunicação e informação. Agrega-se aos fins

da inclusão digital a articulação com outras questões críticas, como a capacitação

para o exercício da cidadania ativa e a inserção na esfera pública como interlocutor

e não apenas como receptor ou mero sujeito de direitos.

3.2.2 Da teorização ampla aos estreitos projetos de inclusão digital

Apesar da abertura de foco em seus discursos, a maioria dos autores, ao se

debruçarem sobre o projeto de operacionalização da inclusão digital, rende-se ao

pensamento instrumental e produz projetos muito pobres de intervenção.

É interesante notar que os autores tratam do tema num duplo viés em que, num

momento defendem programaticamente uma versão ampla da inclusão digital -

semelhante à nossa hipótese de trabalho -, isto é, um movimento que se aproxima

da inclusão social; mas, em termos operatórios, aproximam-se muito mais daquela

“inclusão nas margens” que, no MPC, foi sempre praticada em relação ao “exército

de reserva”.

Por exemplo, Silveira, ao perseguir uma fórmula que reflita a prática, trata da

inclusão digital sob uma perspectiva “da tripla privação”, isto é, face à “existência de

grupos expressivos de pessoas privadas duradouramente do acesso aos

computadores, à Internet, e aos conhecimentos básicos para utilizá-los” e reduz a

noção da “inclusão digital” a uma perspectiva do “triplo provimento”:

Inclusão digital – minimamente definida - é a ação social que trata da garantia e da efetividade do acesso aos computadores, à internet e outros componentes das TIC, e aos conhecimentos básicos para utilizá-los [para os

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‘grupos expressivos de pessoas’ até então privados destes acessos] (Idem, passim).

Também nos trabalhos de Lima & Silva (2004) a distância entre as “duas inclusões”

(dois discursos sobre a inclusão digital) permanece como um largo hiato:

A inclusão digital se realiza na convergência de 3 “I’s”: Infra-estrutura tecnológica, Informação e Intermediação. O acesso à Infra-estrutura tecnológica abre portas para acesso à Informação Relevante; a conversão da informação em conhecimento exige, porém, uma Intermediação Eficaz (LIMA & SILVA, 2004).

A fórmula alarga um pouco mais a definição “mínima” de Silveira, mas continua

longe de discutir a inclusão social. Primeiro, é muito difícil especificar o que seria

uma “informação relevante”, atributo que vai variar com o receptor da informação e o

momento; segundo, dizer o que seria uma “intermediação eficaz”. Contudo, pelo

menos, abre-se a discussão.

Tratam, ambos aportes, de uma ação social que lida, na pequena escala, com o

provimento dos acessos para pequenos contingentes populacionais, e é praticada

por organizações sociais privadas, de forma em geral voluntarista e fragmentada. Na

escala nacional, trata-se da universalização das condições de acesso que, numa

sociedade capitalista periférica – como é o caso do Brasil - somente pode ser

alcançada mediante políticas públicas.

É bem possível que os autores se encontrem diante de uma primeira dificuldade –

certamente pequena, de fácil superação – que é a pretensão de formular, numa

proposição curta, um projeto cuja complexidade não se dobra a semelhante

pretensão. A segunda e muito mais ampla dificuldade é aquela cuja discussão

abrimos no Capítulo 1, a começar pelo enunciado de um axioma (“é preciso

conhecer, para transformar [planejadamente]”), e prosseguindo pela sugestão de

que “na questão do combate às desigualdades, uma hipótese plausível é a de que

não havia no passado suficiente conhecimento e compreensão dos problemas

sociais para que objetivos e procedimentos (os projetos) fossem adequadamente

propostos, resultando na formulação de objetivos utópicos nebulosos e de métodos

de consecução inadequados (e, quanto a hoje) não está claro se o conhecimento

acumulado das ciências sociais é já suficiente para a construção de uma nova

‘grande narrativa’, a um tempo desejável e viável”. Em resumo, há indícios para

supor-se que os autores furtam-se a enunciar o Projeto de uma inclusão digital como

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um processo de inclusão social (um processo tido por viável, a ser considerado entre

outros, de mesmo grau de plausibilidade).

Não chega a surpreender, assim, que alguém escreva que “o conceito de ‘ecologia

cognitiva’ criado por Lévy (1999) pode nos ajudar porque ao nos relacionarmos com

os outros, com as máquinas ou com a natureza podemos nos pensar como

pertencentes a um sistema. Nessa perspectiva, a relação com o computador nos

permite sermos agentes de nossa própria construção” (PELLANDA, 2005, P. 42,

grifo nosso), o que configura uma abordagem “tecnólatra” e a negação ou abandono

da “intermediação eficaz” referida acima.

Silveira, Lima, Bonilla e outros autores da mesma corrente parecem, em certos

momentos, “confundir os condicionantes da coisa, com a própria coisa”, como alerta

Randolph (2006), e deixam transparecer, às vezes, uma visão instrumentalista

quando, em outras partes, defendem uma perspectiva mais crítica e emancipadora.

Poder-se-ia apontar uma certa incoerência nesta argumentação e posicionamento.

3.3 Elementos para uma Política Nacional de Inclusão Digital

Sobre um adequado fatiamento da questão da inclusão digital, os quadros abaixo

procuram apresentar uma visão sintética das “fatias” em tela, sem pretensão de

esgotar o assunto. Este primeiro quadro tenta isolar os objetivos mais práticos, ou

concretos (ou imediatos), daqueles mais idealistas (ou projetados). Os primeiros

seriam perseguidos por uma PNID-1, os outros por uma PNID-2.

Quadro 16. Relevância quantitativa imediata/projetada (elaboração própria).

Relevância Qualitativa Imediata (PNID-1) Projetada (PNID-2)

Efeitos sobre a renda Acesso a bens civilizacionais

- do escolar - do não-escolar

Autonomização individualista - empreendedorismo - outros âmbitos

Desenvolvimento do pensamento hipertextual Autonomização solidarista

- empreendedorismo - outros âmbitos

Desenvolvimento da ciberdemocracia - controle do Estado e Governo - novas formas de participação

PNID é a sigla adotada como abreviatura de Política Nacional de Inclusão Digital. A PNID-1 refere-se à relevância qualitativa imediata e a PNID-2 à relevância qualitativa projetada.

Uma (suposta) PNID-1 deveria considerar quatro públicos-alvo: a população escolar

do ensino fundamental e médio; a população PEA; uma fatia situada entre os dois

blocos anteriores, que estamos chamando de “não-escolar-não-PEA”; e a população

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pobre já incluída. A PNID-1 deveria tornar obrigatória a inclusão através das redes

pública e privada, do ensino fundamental e médio ainda que importe em subsídios

ou investimentos na rede privada, vistos como investimentos de interesse nacional

na população escolar. Os escolares não incluídos (por falta de laboratórios em suas

escolas) e os menores fora-da-escola (evasão escolar) mereceriam cuidados em

separado. A população PEA aparece como alvo, mas ainda é necessário analisar se

há como, e porque, procurar alcançar a todos.

A PNID-1 deve computar para fins estatísticos, mas não para investimento, três

segmentos: pessoas aptas para auto-inclusão; universitários, que constituem um

segmento pequeno e privilegiado pelo acesso aos cursos superiores, que mantêm

laboratórios de informática; e os maiores de 65 anos. Para estes segmentos a PNID-

1 reservaria ações de incentivo na forma de campanhas de esclarecimento, ou

motivacionais.

Um detalhe que não pode ser esquecido, é que a população incluída via PNID-1

precisa de ações de manutenção pós-inclusão. Portanto, como complemento, ou

como outra política que lhe dê continuação, deverão estar previstos recursos,

condições e métodos para viabilizar a manutenção do acesso dos incluídos de baixa

renda, depois de “desligados” dos cadastros de candidatos à inclusão.

É evidente que a PNID-1 estaria dirigida aos pobres, aos principiantes, e aos

amadores; e não aos “ricos”, aos que dispõem de renda para ter computador em

casa e para contratar instrutores e cursos. Igualmente, a política não poderia ter

como alvo os profissionais de informática, nem as empresas e demais pessoas

jurídicas, e nem poderia estar relacionada a sistemas de informação, produção

industrial, atividades profissionais avançadas.

Estas questões se mostrarão mais claras se procuramos explicitar os “degraus” ou a

“natureza” das ações de inclusão (quadro a seguir).

O quadro chama a atenção para os diferentes objetivos de uma PNID-1. Em

primeiríssimo lugar, as ações voltadas para os “escolares” (alunos do ensino

fundamental e médio) têm a ver com a pedagogia e a didática destas categorias de

sujeitos e de ações, isto é, o uso do computador (e da internet) como ferramenta

didático-pedagógica na procura de um novo aluno, um novo professor, um novo

ensino, uma nova escola. Estas visões estão melhor tratadas no tópico

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“Informatização da Escola Pública”, mas já fica posto que a inclusão digital do

escolar segue uma lógica própria e fortemente distinta da inclusão dos adultos.

Quadro 17. Inclusão digital: objetivos e população alvo.

Objetivos da inclusão digital Populações alvo

Alfabetização digital Escolares, PEA e outros Não-Incluídos

Objetivo didático-curricular Objetivo pedagógico-socializante Escolares

Objetivo “empregadorista” PEA Objetivo autonomista-individualista

Autonomização cultural Autonomização empreendedorista

Todos PEA

Objetivo autonomista-solidarista Associativismo Participação cidadã

PEA Todos

Ciberdemocracia Controle social do Estado /Governo Redes cívicas

Adultos (PNID-P)

Atendimento a “incluídos” Populações alvo Ações de manutenção Adultos

Fonte: elaboração própria.

Quanto ao trabalho com adultos, ele ocupa pelo menos três distintos planos, que

apelidamos de “Objetivo autônomo-individualista”, “Objetivo autônomo-solidarista” e

“Ciberdemocracia”. No quadro anterior reservamos para uma suposta PNID-2 as

ações visando os dois últimos objetivos (e um outro, o do desenvolvimento do

“pensamento hipertextual”, uma incógnita que preferimos saltar). Sobre os objetivos

que associamos à PNID-2, não há ainda propostas à mão, muito menos

experiências empíricas para servirem de campo de estudo. Tudo o que encontramos

foram discursos, os mesmos, e antigos, sobre “autonomia do sujeito”, “democracia-

cidadania participativa”, e semelhantes.

Mas, porque uma em política pública, porque a interferência do Estado? Senão,

quem tem o poder (a competência, os recursos, a vontade política) de levar avante

uma ação ampla de inclusão digital? Para Silveira (2005), a idéia de transformar a

inclusão digital em política pública consolida no mínimo quatro pressupostos:

- primeiro, o reconhecimento que a exclusão digital amplia a miséria e dificulta o desenvolvimento humano local e nacional; a exclusão digital – que não é uma mera conseqüência da pobreza crônica - constitui um fator de congelamento da condição de miséria e de grande distanciamento das sociedades ricas;

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- segundo, é a constatação que o mercado não irá incluir na era da informação os extratos pobres e desprovidos de dinheiro, pois a própria alfabetização e escolarização da população não seria massiva se não fosse pela transformação da educação em política pública e gratuita; assim, a alfabetização digital e a formação básica para viver-se na cibercultura também dependerão da ação do Estado para serem amplas e universais;

- terceiro, a velocidade da inclusão é decisiva para que a sociedade tenha sujeitos e quadros em número suficiente para aproveitar as brechas de desenvolvimento no contexto da mundialização de trocas desiguais e, também, para adquirir capacidade de gerar inovações;

- quarto, é a aceitação de que a liberdade de expressão e o direito de se comunicar seria uma falácia se ele fosse apenas para a minoria que tem acesso a comunicação em rede: hoje, o direito à comunicação é sinônimo de direito à comunicação mediada por computador; portanto, trata-se de uma questão de cidadania.

O terceiro pressuposto insere-se na idéia de formação de uma “massa crítica”. O

quarto, nas discussões sobre direitos de cidadania.

Lembra Silveira que uma política pública não se resume ao papel desempenhado

pelo Estado, embora caiba a este prover a maior parte dos recursos e, também,

sancionar o marco regulatório. Já a formulação, a execução e a avaliação devem,

democraticamente, envolver os demais pilares da sociedade: a SCO, através das

comunidades locais, movimentos sociais e as organizações não-governamentais; o

mercado, seja para acrescentar recursos, ou para colaborar com novas soluções

tecnológicas. As universidades também podem contribuir no processo,

- seja disseminando soluções ou produzindo reflexões críticas, seja emprestando quadros para o amplo processo de formação dos segmentos mais carentes, menos cultos e escolarizados. Muitas ONGs e associações civis realizam projetos de inclusão digital. Empresas têm apoiado estas organizações do terceiro setor doando computadores usados, equipamentos e infra-estrutura, softwares e recursos financeiros. Projetos como o Sampa.org, CDI-SP, CDI, Rede Favela (RJ), Informática na Comunidade e Garagem Digital, são exemplos de iniciativas do terceiro setor (sic) (Idem).

Os atores do processo são, naturalmente: o Estado, principalmente através dos

Telecentros e dos Laboratórios Escolares, além das iniciativas de incentivos à SCO,

e do poder regulador; a Sociedade Civil Organizada, através das ONG e outras

organizações comunitárias; e, o Mercado, através de ações de incentivo e de

doações, com ou sem objetivo de lucro e/ou de expansão mercadológica. Por

exemplo, o Prêmio Telemar de Inclusão Digital distribui anualmente doações a

entidades selecionadas mediante uma avaliação das iniciativas concorrentes ao

prêmio. Um ator que não consigo definir bem é o Terceiro Setor – as OTS – que se

situam numa zona cinzenta entre SCO e Mercado e estão ligadas ao movimento

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conhecido como “responsabilidade social das empresas”. Não seria pertinente

discutir as nuances neste momento. BRANDÃO e SILVA (2003, p. 334) afirmam que

“o conceito e as ações de inclusão digital chegaram pelo movimento de

responsabilidade social de Organizações do Terceiro Setor (OTS), incuídas aí as

ONGs”, portanto fundindo algo que, acima, separamos. Entendemos que ONG e

OTS às vezes se fundem na mesma organização, às vezes não.

A discussão sobre o “melhor” papel de cada macro-ator (Estado, Mercado e SCO)

na formulação, implementação e controle das políticas públicas de inclusão digital

segue o mesmo padrão aplicável a outras políticas amplas e universalistas. Cabe

certamente ao Estado articular as decisões para não dispersar recursos escassos.

No Brasil, devido ao seu caráter federativo, exige-se o envolvimento das várias

esferas de governo e a produção de uma política de inclusão digital pactuada entre

os governos federal, estaduais e municipais. O Município é a unidade fundamental

do poder público para a inclusão digital, até porque lhe compete constitucionalmente

o ensino básico e do convencimento e participação do Poder local dependerá a

manutenção e o sucesso dos programas de inclusão.

O papel das organizações da SCO é importante para a formulação e a execução das

políticas que estamos examinando. Muitas destas organizações têm experiências

relevantes e uma estrutura mais leve e ágil que o Estado, de modo que este pode

chegar mais longe, mais rapidamente e de maneira mais profunda, valendo-se do

concurso destas entidades, dentro dos princípios democráticos e republicanos. Por

outro lado, as fontes principais dos recursos das organizações da SCO são o

mercado e/ou o Estado, com reduzida participação de outras fontes, como as

doações individuais e/ou a venda de produtos ou serviços.

Quanto ao Mercado, abundam evidências e argumentos teóricos sobre sua

inadequação como instância de decisão na formulação de políticas públicas

universalistas. No caso em pauta, o Mercado é em parte formado por empresas

fornecedoras diretas de produtos e serviços de informática e de telecomunicações. A

participação destas empresas na formulação de políticas públicas, com poder de

decisão, embute o risco de desvirtuação destas políticas, subordinando suas metas

e projetos a interesses mercantis, assim -

- é mais indicado que as forças de mercado contribuam como conselheiras, e não nos fóruns com poder decisório, principalmente, as empresas que serão

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diretamente beneficiadas pelas políticas de inclusão digital por venderem hardware, software, conexão e provimento de acesso. Por outro lado, as empresas podem realizar parcerias importantes com o poder público. Podem investir recursos na montagem e manutenção de soluções e telecentros para a inclusão digital.

É estratégico que as agências de publicidade sejam conclamadas a pensar propostas inovadoras que possam interessar mais empresas a injetar recursos para políticas públicas de universalização do acesso à Internet, executadas pelo Estado ou pelas ONGs.

3.3.1 Objetivos; escopo; instalações; modelos de acessibilidade

Quanto aos objetivos da inclusão, estes devem ser compatíveis com os focos já

arrolados, desde que tenhamos permanentemente em conta a diversidade dos

públicos. Cremos que a questão macro-econômica da competitividade do Brasil nos

mercados internacionais deve ser tratada indiretamente, seja como um sub-produto

da inclusão em larga escala, seja mediante projetos específicos. Esta é, também, a

maneira como encaramos o foco “mezzo”-econômico da competitividade

empresarial. Estes dois aspectos estão fora do âmbito da nossa pesquisa, como já

declarado antes e se os mencionamos é justamente para explicitar esta exclusão. Já

a empregabilidade do trabalhador merece tratamento direto: parte das ações de

inclusão digital está comprometida com o interesse de aumentar as chances de

emprego do trabalhador e, visto do lado da empresa, garantir a esta um trabalhador

mais qualificado. A nosso ver, o bloco das questões ligadas ao afeto, relações inter-

pessoais e auto-estima só merece maior atenção junto ao público escolar, ficando,

para os adultos, como um sub-produto do aprendizado. Os objetivos de caráter

pedagógico (usos criativos do computador pelo aluno, desenvolvimento do “novo

aluno, novo professor e nova escola”) estão, evidentemente, associados ao público

escolar. Mas, projetos pedagógicos de inclusão digital são também necessários

quando se trata do público adulto se objetivos sócio-políticos de coesão social,

participação política, reconhecimento de direitos e cidadania estão em causa.

A dimensão do acesso e o escopo de cada projeto, programa ou política de inclusão

digital é definido pelos elementos que disponibiliza e que desenham na prática o que

cada executor de projetos compreende por inclusão digital. É possível distinguir a

inclusão digital como o acesso:

- à rede mundial de computadores (máquinas conectadas a um provedor);

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- aos conteúdos da rede (pesquisa e navegação em sites de governos, notícias, bens culturais,diversão, etc); - à caixa postal eletrônica e a modos de armazenamento de informações; - às linguagens básicas e instrumentos para usar a rede (MP3, chat, fóruns, editores, etc); - às técnicas de produção de conteúdo (HTML, XML, hipertexto, etc); - à construção de ferramentas e sistemas voltados às comunidades (linguagem de programação, design, formação para desenhar sistemas, etc).

Programas de inclusão digital voltados apenas ao acesso à conexão estão dando

um mero passo inicial. Assim, projetos de “totens” (computadores embutidos em

caixas, quase sempre para uso em pé e sem a possibilidade de utilização de

aplicativos, além do browser) não representam uma saída para a inclusão digital e

são portadores de uma concepção bem reduzida do que deveria ser o acesso à

informática e à Internet.

Quanto às instalações para inclusão em voga, merecem destaque as propostas de

Telecentros Públicos, mantidos pelo Estado; CTC (Centros de Tecnologia

Comunitários)74 mantidos por ONGs ou comunidades locais; e Laboratórios de

Informática, inseridos nas escolas de ensino fundamental e médio, para fins de

inclusão digital (escolas conectadas). Alternativas em geral menos abrangentes de

acesso público à internet (para fins de inclusão digital) são os “quiosques”, ou

“totems”, e as Bibliotecas Informatizadas, exceto nas iniciativas locais em que estas

modalidades têm o mesmo papel dos Telecentros. Os laboratórios de informática

das unidades de ensino superior não devem ser computadas neste rol, dada a

condição privilegiada do público universitário no cenário brasileiro.

Os Infocentros podem ser pensados como “Telecentros sem acesso à Internet” e

constituem uma alternativa incompleta. A limitação do acesso à informação em rede

limita, naturalmente, os projetos pedagógicos e, no final, limita os objetivos mais

amplos da inclusão digital. O mesmo pode ser dito de laboratórios escolares de

informática não conectados à rede. Na nossa visão, inclusão digital verdadeira é

inclusão com Internet; sem isso, podemos falar numa pré-inclusão que,

evidentemente, é muito melhor que inclusão nenhuma.

74 KAUFMAN (2005) reporta-se aos CTC; LENTZ et al. (2003, p. 83) preferem Community Access Centers; FUENTES-BAUTISTA et al. (2004, p. 54) utilizam NGO Access Points.

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Os centros privados de acesso público - no Brasil, chamados de cyber-cafés ou lan-

houses; na Argentina, de locutórios (KAUFMAN, 2005) - embora não possam ser

considerados como lugares dedicados à inclusão digital, prestam um relevante

serviço na facilitação do acesso público à internet, tratando-se de pessoas já

“incluídas”, um papel semelhante aos dos telefones públicos conhecidos como

“orelhões”. Uma das nossas propostas (ver Conclusão) é, justamente, o subsídio

público aos pobres, com o duplo objetivo de financiar o acesso público à internet

através da rede privada de cyber-cafés, e incentivar a ampliação desta rede pelo

aumento do número de usuários. Além, é claro, de desobstruir os telecentros ao

oferecer aos incluídos ou semi-incluídos facilidades adicionais, externas, de acesso.

Silveira (2005) identifica diferenças entre as políticas de inclusão digital, levando em

consideração “modelos distintos de acessibilidade, considerados a partir de uma

tipologia que considera as opções adotadas em cada um dos 6 blocos de soluções”:

1- Unidades de Inclusão, conectadas à rede: bibliotecas informatizadas;

laboratórios escolares de informática; salas de aula informatizadas; telecentros;

quiosques (em geral, com um número pequeno de computadores conectados);

totens ou orelhões de Internet.

2- Opções Tecnológicas: sistema operacional livre ou proprietário; hardware com

soluções inovadoras, como thin-client, ou tradicionais do uso individual e caseiro;

aplicativos copyright ou copyleft; voltados à interação e à solução de problemas das

comunidades;

3- Atividades Disponíveis: uso livre, limitado ou monitorado; impressão de

documentos; cursos presenciais e à distância; acesso ao correio eletrônico e a área

de arquivo própria; atividades comunitárias em rede;

4- Monitoria das Unidades: com ou sem monitores e orientadores contratados; com

ou sem o envolvimento de voluntários; com ou sem o controle da comunidade, a

partir de conselhos gestores eletivos.

5- Sustentabilidade das unidades: recursos do fundo público; recursos das

empresas; contribuições individuais e coletivas; cobrança do usuário.

6- Autonomia e participação das Comunidades, através do poder de decisão e

poder consultivo e poder fiscalizador sobre a gestão; poder orçamentário sobre o

programa; poder de planejar o futuro do programa.

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Um dos fios dos quais está pendente o futuro dos projetos de inclusão digital é

tecido pelas opções entre tecnologias proprietárias, subordinadas aos monopólios

do localismo globalizante (SOUZA SANTOS, 2002), versus soluções não-

proprietárias, livres e desenvolvidas de modo compartilhado por coletivos

inteligentes e dispersos pelo planeta.

Quanto à sustentabilidade das unidades, entendemos caber ao Estado a provisão

dos recursos para universalizar a rede de telecentros gratuitos, e dos indispensáveis

orientadores e instrutores. O custeio mensal desta rede representará o custo mais

relevante dos programas de inclusão digital. Sem o fundo público, não poderá

ocorrer a inclusão massiva das camadas de baixa renda na sociedade informacional.

A dependência dos fundos públicos não implica a execução estatal dos programas,

que deverá contar com o envolvimento da comunidade no processo decisório e no

planejamento das unidades de inclusão e o desenvolvimento de parcerias com

entidades da SCO para o gerenciamento e a organização das atividades.

3.4 Algumas conclusões do percurso.

Eis, num resumo, os dilemas do pai, do mestre e do líder social. O pai nutritivo se debate entre o impulso de cercar de cuidados o infante desarmado, e a consciência de que pulso e cerca enrijecem os caminhos do auto-desenvolvimento. São análogas a perplexidade do educador, ante o educando, e a do reformador social, perante as massas. À diferença, o pátrio poder e a responsabilidade intransferível do primeiro, versus a delegada, limitada e controlada potência emolduradora do segundo e a impotência impositiva, a incerteza dos desdobramentos e o horizonte temporal distante e fugidio do último (Elaboração do autor)..

Ao fechar o percurso em torno da inclusão digital e sua problemática, vamos repetir

nossa inquietação sobre a impossibilidade de definir sucintamente o conceito. Nossa

sugestão vai, mais, no sentido de tratar por nomes diferentes as diferentes coisas.

Ora, a prioridade das atenções deve ser dada à informatização da escola pública de

primeiro e segundo grau e, aí, o aspecto mais importante é o da renovação da

escola. A política pública correspondente deveria ser nominada a partir deste

aspecto. A “inclusão digital” estaria diluída aí, como subproduto.

O nome “inclusão digital” estaria reservado às ações dirigidas à PEA, em dois níveis

(pelo menos, e com eventuais subníveis): ações voltadas para o “econômico”

(emprego e renda, incluindo o empreendedorismo, cooperativismo, economia

popular e coisas do gênero); e ações voltadas para o “social” (visando a

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solidariedade, o civismo, a cidadania-democracia, a participação, mas também a

diversidade cultural, as artes, os fatores psicossocias). Nos níveis mais básicos,

estaremos lidando com “inclusão digital”; mas, logo se poderia avançar para a

inclusão social, portanto sob outros projetos, outros atores, outros rótulos.

Considerando, as ações e instrumentos que podem ser acionados para propiciar

uma inclusão, lebramos que essas ações, técnicas e instrumentos não são neutros –

portanto, não garantem em nada que alguma suposta inclusão, cuja definição

permanece em aberto, seja realmente atingida. As possibilidades que se abrem em

nossa sociedade em termos de políticas públicas de mudanças sociais que

envolvem volumes significativos de recursos são significativamente diferentes entre

si, divergentes em geral, até inconciliáveis. Tais políticas tanto podem avançar no

rumo de uma transformação social progressista, como limitarem-se a conformar uma

mera modernização (social) conservadora75. É evidente que a inclusão digital

subordinante está ligada a projetos do segundo tipo, enquanto a inclusão digital

autonomista solidarista liga-se à transformação progressista. No caso da população

escolar, o discurso genérico é de que a educação tem, intrinsecamente, objetivos

autonomistas e cidadanizantes. Desta forma, em tese, a inclusão propiciada pela

escola conectada cumpre, em princípio, estes objetivos. A prática não é esta, mas

uma discussão desta distorção fica diferida.

Em nossa reflexão sobre o “novo homem” (o cidadão-participante, desejado para um

novo momento da democracia, caminho provável para uma sociedade mais

eqüitativa), parece que mais importante que o contato familiar com o mundo dos

computadores, seria uma firme entrada do “povo” no mundo da informação e da

comunicação. Apesar do “charme” impresso aos discursos da inclusão digital - a

ironia vem de Demo (2002) – parece preferível falar-se de e perseguir-se uma

“inclusão informacional”. Dominar o mundo da informação e da comunicação, com

habilitação (e competência) para transformar a informação em conhecimento e/ou

em consciência crítica do mundo, parece a ser muito mais efetiva em termos de

reforço da autonomia do sujeito e reforço de sua participação como cidadão para

mudança das relações sociais que impactam sua vida.

75 Conceito retirado de Maria da Conceição Tavares e José Luiz Fiori (“Desajuste Global e Modernização Conservadora”. São Paulo: Paz e Terra, 1993) e revisitado por IANNI (2004, p.40).

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Para seus arautos, a inclusão digital implica o acesso à informação, mediado pelo

acesso à rede. Há, contudo, grande distância entre acessar a informação e domá-la.

O que seria, contudo, “domar” ou “dominar” a informação? É claro que não se trata

aqui de uma informação isolada, mas da informação em geral. Trata-se do processo

de acessar a (alguma, qualquer, ou todo um conjunto, em torno de um dado

interesse) informação em condições de encaixá-la no contexto próprio, poder

verificar sua validade, reconhecer sua relevância para a questão e, ao fim e ao cabo,

absorvê-la (metabolizá-la) como conhecimento e como instrumento para a decisão.

Tal encaminhamento não é singelo: trata do problema da apropriação, se

pressupomos garantido o “acesso”. Segundo Randolph (2006), “há muitas formas de

apropriação e este parece ser o problema do fundo, velho como a humanidade. É

claro que as condições atuais são diferentes (do passado), e uma das suas

características parece ser a proliferação de fontes de informação e o aumento

quantitativo de sua produção e disseminação”.

É notório que a informação, nestes tempos mesmos de internet, chega mais

massivamente ao “povo” pelo rádio e TV, pelos jornais e revistas, e pela

comunicação oral. E o que se pode concluir da análise dos processos históricos é o

completo despreparo do “povo” para avaliar, discernir, checar, contestar o dilúvio de

informações recebidas, o despreparo para escapar ao excesso de informações

descartáveis e para filtragem da informação relevante76. E não há, absolutamente,

evidências das possibilidades dos programas de “inclusão digital” em voga

alcançarem os objetivos do que denominamos “inclusão informacional”.

Contudo, mesmo em suas concretizações mais tímidas, a inclusão digital, representa

um ganho social. Apenas, não transparecem fundadas razões para comungarmos

com os que esperam que daí desabroche o cidadão-participante. Esta etapa

requereria outra luta, da qual a alternativa da “inclusão cidadã” sugerida neste texto

representa apenas um pálido começo.

76 Para muitas pessoas “o povo” sabe discernir bem entre “verdade” e “mentira”. As evidências históricas vão contra este otimismo, sejam antigas (como quando o povo acreditava ser o rei a encarnação de um deus), sejam atuais (a maioria do povo, nos EUA, acreditou na mentira do governo, que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa e poderia dispará-las em 15 minutos). O enfoque (teórico) da perspectiva “principal-agent” analisa as possibilidades do outorgante ser enganado pelo outorgado. Os epistemólogos têm teorizado sobre as dificuldades para se discernir entre “verdade” e “mentira”, exercício que requer o disciplinamento das faculdades de análise lógica de cadeias de dados, e que não está à disposição das massas. Assim, a reação das massas tem ocorrido depois que alguém, especialmente dotado ou posicionado, aponta ou denuncia as “mentiras”

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Depois de cinco anos de esforços para inclusão digital – tomando como marco o ano

2000 e a edição do Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil – a dimensão

e o alcance total de todos os projetos de inclusão postos em prática permanecem,

aparentemente, muito pequenos, diante das dimensões de nossa sociedade e da

extrema carência do país. A eficácia das várias iniciativas parece até agora

reduzida, talvez por sua dispersão, ou pela ausência de indicadores consolidados,

ou pela inexistência de uma coordenação pública unificada da implementação dos

diferentes projetos de inclusão. Dispomos de alguns estudos a respeito, mas

consistem geralmente de dados estatísticos ou da apresentação de casos

singulares. Embora os números e os casos façam bem aos espíritos progressistas, a

questão da escala permanece irresolvida.

3.5 AS POSSIBILIDADES DA INCLUSÃO DIGITAL

Admitir a possibilidade de uma inclusão digital comprometida com a autonomia dos

sujeitos, a solidariedade, a democracia e a cidadania (elementos que ocorrem,

todos, juntos) sob uma sociedade capitalista, é não reconhecer os condicionantes

desta sociedade, ou pretender sua (profunda) transformação a partir de

considerações utópicas ingênuas. Parafraseando Altvater77, semelhante projeto

assemelha-se à tentativa da quadratura do círculo. E, no entanto, é justo sob o

capitalismo que precisamos empreender a luta pelo binômio democracia-cidadania e

por uma inclusão digital segundo os requisitos deste mesmo binônio.

3.5.1 Vontade política

Na implementação de CTCs na Argentina, para a inclusão digital, “la falta de gestión y

control llevaron al programa a ser otro fracaso más” (KAUFMAN, 2005).

La implementación en forma correcta hubiera sido esencial (…). ¿Pero qué significa “en forma correcta”?. Creo que el éxito no estaba asegurado ni aún en el escenario gubernamental más eficiente. Se hubiera evaporado en buena parte de no existir, en paralelo, “masa” social ya lanzada en el mismo sentido y sobre la cual apoyarse. Los cimientos sociales, cuando los cambios son profundos, deben contar con sistemas de desarrollo ascendentes. Si, además, existe voluntad política, tanto mejor. Si esa voluntad no existe, tanto peor para la voluntad política si esa “masa” está ya muy extendida (Ibidem).

77 Altvater rebate com ironia a possibilidade do desenvolvimento sustentável sob o capitalismo.

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No rumo de argumentações anteriores, insistiremos na vigência destas duas

orientações básicas - dois projekts - de condução dinâmica da sociedade: a

modernização conservadora e a transformação progressista.78 Esta última responde

à vontade política de transformações que visem o atingimento de uma sociedade

progressivamente menos desigual, com desníveis progressivamente menores em

termos de renda, de status e de privilégios entre “todos”79 os seus membros. Esta

linha de pensamento pretende refletir um pensamento utópico “realista”, despojado

de fantasias, exageros, e/ou idealismo metafísico.

O pensamento conservador está comprometido com a manutenção/ampliação

destas mesmas desigualdades de renda, status e privilégios, historicamente

concentrados em minorias que se auto-reproduzem (ou se recompõem), depois de

cada “revolução” das classes exploradas ou subalternas (ou depois de lutas intra-

elites), sobrando para uma extensa maioria as condições de pobreza e miséria,

enquanto uma certa camada (as “classes médias” do pensamento econômico liberal)

flutua entre estes dois extremos.

Fixar em (apenas) duas as linhas orientadoras das formas de condução da

sociedade e de orientação da construção política do futuro é mero recurso didático-

expositivo reducionista, ante a complexidade dos fenômenos sociais e civilizatórios.

É neste diapasão que faremos uso desta polaridade, como linha divisória e critério

de corte entre duas tendências-limites universais e dialéticas, a conservação e a

transformação, sem rendição ao maniqueísmo.

Com efeito, não se pode associar mecanicamente as mudanças progressistas

registradas na história – passada ou recente –a uma linhagem de reformadores que

se recicla no tempo. Indivíduos, partidos políticos e outras associações podem agir

ora em uma, ora em outra direção, produzindo transformações progressistas ou

sufocando movimentos nesta direção (e, desta forma, “produzindo” a

conservação80). Como exemplo, a abolição da escravatura no Brasil foi efetivada por

um governo conservador, em parte devido a razões de Estado, em parte atendendo 78 Não se trata de visão maniqueísta: estamos apresentando duas orientações básicas para a avaliação de projetos e para o julgamento (ex-post facto) do resultado de ações. 79 Todos, como absoluto, deve ser repelido. Admite-se uma linha de corte, excluindo um reduzido número de indivíduos que apresentem, por variadas razões, severas limitações à sociabilidade. 80 Parece que a conservação não se produz propriamente: resulta da resistência à transformação. Manter o existente, o conhecido, é uma decisão mais cômoda de ser tomada; mudar representa, sempre, o salto no desconhecido. O tema é muito discutido nos campos da Psicologia e da Administração. No discurso, é constante a defesa das positividades da “mudança”.

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a pressões de movimentos progressistas nacionais e internacionais contrários à

prática (cf. FAUSTO, 2002)81. Por outro lado, o “não” ao referendo sobre a proibição

do comércio legal de armas no Brasil, em 2005, assume a feição de uma reação

conservadora dos pobres, que detinham a maioria dos votos. Numa lógica primária a

esmagadora maioria dos pobres, que sequer têm dinheiro suficiente para o pão de

cada dia, não deveria defender o direito de comprar armas, direito que na prática

não pode exercer; e não há porque atribuir o resultado a “conspirações” da elite

conservadora, mais parecendo provir da má condução da campanha “progressista”

dos defensores do “sim” para o aliciamento.

Nenhuma grande mudança social se deu como uma surpresa retirada de uma caixa,

com uma destas duas etiquetas. Em cada mudança há uma mistura de ambas

tendências. O que permite ao analista discernir, é a orientação geral, ou principal. A

abolição foi parcialmente progressista, porque colocou fora da lei uma ignomínia;

mas, parcialmente conservadora, porque não diminuiu as distâncias sociais, apenas

lhes deu nova roupagem. O golpe militar de 1964 no Brasil foi conservador em sua

concepção82, execução e prolongamento; mas, estendeu ao campo os direitos

trabalhistas, realizando a maior inclusão social da história do Brasil resultante de

uma única medida governamental. Também, pode servir de evidência empírica a

sobrevivência, nos tempos supostamente renovadores da Nova República, dos

mesmos velhos políticos aliados dos Governos Militares (1964-1982): Antonio Carlos

Magalhães (Bahia), José Sarney (Maranhão) e Paulo Maluf (São Paulo) mantiveram

poder e privilégios depois da “renovação” democrática das Diretas-Já. Nos EUA,

Wright Mills dissecou o poder da “elite”, o esforço auto-conservacionista das “400

famílias metropolitanas” e as peripécias do Registro Social (1968, p. 11).

O poder de influência dos homens (e mulheres) comuns é circunscrito pelo mundo do dia-a-dia em que vivem, e mesmo nesses círculos de emprego, família e vizinhança, freqüentemente parecem impelidos por forças que não conseguem compreender ou governar. As ‘grandes mudanças’ estão além de seu controle, mas nem por isso afetam menos suas perspectivas. A estrutura da sociedade moderna limita-os a projetos que não são seus e, de todos os lados, aquelas mudanças os pressionam de tal modo que se sentem sem objetivo (e) sem poder.

81 Para Boris Fausto (História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002, pp.121-ss.), tanto a Lei do Ventre Livre, de 1871, como a Abolição, de 1888, foram projetos de gabinetes conservadores. 82 Contou, sintomaticamente, com o apoio da organização conservadora TFP-Tradição, Família e Propriedade, um dos braços da Opus Dei.

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Mas, observa Mills, nem todos os homens são comuns, neste sentido. “Sendo

centralizados os meios de informação e poder, alguns deles chegam a ocupar na

sociedade (americana) posições das quais podem olhar, por assim dizer, para baixo,

para o mundo do dia-a-dia dos homens e mulheres comuns, suscetível de ser

profundamente atingido pelas decisões que tomam” (Ibidem). Continua o autor:

Não são produtos de seus empregos, criam e eliminam empregos para milhares de outros. Não estão limitados por simples responsabilidades de família, podem escapar delas. Não estão presos a nenhuma comunidade. Não precisam apenas atender as exigências da hora e do momento, pois em parte criam essas exigências e levam outros a atendê-las. Quer exerçam ou não seu poder, a experiência técnica e política que dele têm transcende de muito a massa da população (Ibidem).

A inclusão digital em marcha traz as duas marcas enoveladas. Somente a análise ex

post facto dirá como se deu. Os “progressistas” esperam que as políticas públicas

para o caso revelem, desde inicio, uma clara intenção na direção que subscrevem.

Mas, os projetos em voga apresentam face ora progressista, ora meramente

conservadora. Em princípio, pela experiência histórica e pela lógica analítica

acumulada nos campos da ciência política, da sociologia e da psicologia, nenhuma

“verdadeira” inclusão digital democrático-cidadã deverá ocorrer se, não se

desenvolver na sociedade – e, mais especificamente, nas camadas detentoras do

poder e da liderança –, como resultado de quaisquer pressões, ou de simples

circunstâncias, a vontade política de levar à frente tal projeto.

Vontade política é a intenção operante de um grupo – suficientemente poderoso - no

afã de concretizar um projeto, respaldado no apoio popular. Um grupo unido em

torno de Juscelino Kubtscheck desenvolveu a vontade política da construção de

Brasília (1955-60). Karl Deutsch (1979) conceitua a política como o controle mais ou

menos imperfeito do comportamento humano, controle que resulta de hábitos

voluntários de aquiescência combinados com a ameaça de uma coerção provável.

Poder, seria a possibilidade de um agente político modificar a probabilidade de que

certos resultados se efetivem; o potencial (de poder) seria a soma de recursos

materiais e humanos disponíveis a um comando do agente. O poder está sempre

associado a um propósito, sendo irrelevante a existência de um, sem o outro.

A vontade política de efetivação de uma inclusão digital democrático-cidadã e

universal no Brasil implicaria a existência de um grupo de pessoas com o poder e o

propósito de o fazer, e da receptividade popular ao projeto. Não conseguimos

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identificar tal grupo, nem encontrar razões para que exista e atue na Sociedade Civil

(sendo certo que no setor Mercado não poderá haver, conforme análises já feitas

sobre a participação do Mercado na inclusão digital). Por se tratar de um objetivo de

contornos nebulosos, a conflitualidade própria da sociedade bloqueia a unicidade de

propósito; a envergadura da operação dificulta a disponibilidade do potencial e sua

longa duração impediria a aplicação organizada dos recursos.

O ideal de um povo que se auto-gestiona é um sonho dos reformadores sociais mas,

por enquanto, apenas isto. Iniciado o Século XXI, os povos são conduzidos por seus

governos e outras lideranças, ou forças, não raro externas. O ano de 2006 já deu

dois exemplos de ruptura entre povo e “condutores”: no Haiti, a maioria da

população foi às ruas exigir o reconhecimento da vitória de René Préval, que o

comitê eleitoral negava, mas foi coagido a aceitar, através de um malabarismo

razoável mas, no fundo, ilegal; na Palestina, o grupo Hamas venceu as eleições,

contrariando o domínio do Fatah na ANP e as expectativas externas. Em ambos

casos, são batalhas que “o povo” vence, sem garantias de vencer a guerra: a

batalha é um episódio; a guerra, um projeto de longa duração, e o fator duração não

raro faz a diferença, e inverte os termos da vitória e da derrota.

Enfim, parece que somente no Estado poderia ser encontrada a necessária soma

destes condicionantes, de acordo, aliás, com os argumentos já levantados sobre a

necessidade de uma política pública para o caso. Mas, o Estado se faz ato através

do Governo e este representa, bem ou mal, a sociedade (capitalista) e seus

conflitos; os governos que se sucedem podem mudar de orientação; e as leis que se

fazem nem sempre se cumpre ou, havendo interesse, se revogam. De tudo resulta

que o projeto em debate pode e deve nascer no Estado, mas afirmar sua execução

seria sacar contra o futuro: a maior garantia de sua permanência e eficácia seria

(será) a formação da vontade política numa “massa” do povo e em setores

organizados da sociedade civil.

Não, provavelmente, na linha do CDI, uma ONG cuja estrutura e funcionamento se

aproximam mais do modelo “Empresa” do que de “Movimento Social”, e que está

muito ligada ao mercado (às doações de empresas). Mais, talvez, no modelo

proposto pela UNE em 2006, ao criar uma Diretoria de Inclusão Digital e promover

uma Caravana da Inclusão Digital, que deverá percorrer as universidades do país.

Para os dirigentes da UNE e da UBES a inclusão digital deve se transformar numa

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bandeira do movimento de massas, e os movimentos sociais devem pautar este

debate em suas agendas. Uma das metas, seria debater e fiscalizar a utilização dos

recursos do FUST para a informatização das escolas83. Entendemos que a inclusão

digital só se tornará autonomista-cidadã se for apoiada por um Movimento Social.

3.5.2 Inclusão digital, sociedade capitalista e globalização

Muito já foi dito sobre como a desigualdade no âmbito das relações de mercado

pode levar à exclusão social. Outras formas de exclusão - as questões de gênero,

nacionalidade, raça, e orientação sexual – guardam, também, vínculos com as

relações capitalistas de produção e têm sido denunciadas pelos movimentos sociais.

Uma nova ameaça de desajuste social vem se constituindo em torno do das TIC: a

desigualdade digital que se manifesta, em primeiro plano, pela desigualdade das

oportunidades de acesso aos recursos das TIC e, mais profundamente, na

habilitação para apropriar-se destas técnicas, se acessadas. As relações entre esta

desigualdade e o capitalismo e, portanto, entre capitalismo e inclusão digital, são

várias e de diferentes graus. Vamos somente listar algumas delas, sem discussão:

- se – com base na teoria da “pirâmide das necessidades” de Maslow - a mais

básica das necessidades do adulto comum é a subsistência (pessoal, e familiar),

então a renda e o emprego, para a absoluta maioria destes “homens comuns”, é sua

primeira frente de batalha. Ora, o emprego está escasso, e a renda idem. Esta dupla

escassez constitui uma barreira impeditiva do acesso às tecnologias digitais

(hardware, software, conexão e treinamento); e, como tal escassez é constitutiva do

MPC, aponta-se um conflito entre inclusão digital e capitalismo;

- se a educação “capitalista” é, sobretudo, a educação “para o mercado”, dela não se

pode esperar uma atitude naturalmente includente e democrático-cidadã, que só

poderá desenvolver-se mediante esforço universalista específico. Mas, este esforço

não se alinha com a “lógica do capital” e é difícil de ser empreendido;

- se a estrutura do tempo do trabalhador pobre – jornada de trabalho, mais

deslocamentos, necessidades individuais de repouso, alimentação e lazer – lhe

deixa uma sobra mínima de tempo e energia, uma jornada que inclua tempo para

83 As informações sobre UNE e UBES foram retiradas do site Estudantenet (25/02/2006).

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inclusão democrático-cidadã (“digital” e “social”) talvez requeira redução da jornada

de trabalho, o que não encontra guarida na “lógica capitalista”;

- se a estrutura do acesso, da disseminação, e da apropriação da informação e do

conhecimento é outra dimensão social concentrada e excludente (característica

também da sociedade capitalista, embora não exclusiva dela) e, ao mesmo tempo, é

condição da inclusão sob análise, fica apontado outro conflito entre o projeto

renovador e as forças de conservação do status quo;

- se a “lógica do capital” favorece, na prática, o monopólio e o oligopólio que, no

mundo digital, se concretizam nos virtuais monopólios da Intel, em processadores, e

da Microsoft, no sistema operacional e no software aplicativo de uso geral, os preços

deixam de ser livres e não responderão à relação quantidade-custo, penalizando o

esforço de universalização. Os monopólios criam o fechamento à participação

aberta, contra o que está lutando, em um destes campos, o movimento do software

livre, mas sem sucesso notável até o presente.

Nenhum destes óbices é incontornável. Apenas, indicamos seu estado atual.

A globalização, como fenômeno que perpassa as muitas dimensões da vida social,

não haveria de poupar os processos de apropriação social das TIC. Ao contrário, a

“convergência dos momentos” - Santos (2000) – por um lado acelera a difusão das

TIC, potencializando seus efeitos e, por outro, é potencializada justamente pela

difusão e desenvolvimento destas tecnologias.

As relações mais visíveis entre TIC e globalização situam-se no campo das finanças,

na velocidade, quase instantaneidade, impressa aos fluxos de capitais e no reforço à

concentração desses recursos, tanto tecnológicos como financeiros, em algumas

poucas “cidades mundiais”, como Nova Iorque, Londres, Tóquio, Hong-Kong. Estas

realidades, junto com outras que se enfileiram por trás de conceitos e siglas como e-

business, ou tele-trabalho, tornam mais urgente uma política nacional de inclusão

digital que aproxime mais o país dos limites superiores destes processos.

3.5.3 Inclusão digital como direito difuso.

Sendo o Direito um dos pilares do ordenamento social em nossa cultura, é natural

que a inclusão digital seja analisada, também, sob sua égide, para o que vamos

analisá-la como objeto dos direitos metaindividuais, sob a forma de direito difuso.

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A aceitação da historicidade dos chamados direitos fundamentais tornou obsoleta a

doutrina jusnaturalista. Para Bobbio, não há direitos fundamentais por natureza e “o

que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é

fundamental em outras épocas e em outras culturas” (1992, p. 19).

Marinho, et al. (2003) classificam os direitos fundamentais segundo “gerações”

sucessivas. A primeira geração corresponde aos direitos individuais à liberdade,

segurança, propriedade e igualdade (igualdade formal, segundo a qual “todos são

iguais perante a lei” e devem ser tratados igualmente, ignoradas as diferenças

individuais). Exigidos pela burguesia, estes direitos constituem “prestações

negativas”, associadas a uma menor intervenção do Estado – o Estado Liberal - e ao

primeiro princípio da Revolução Francesa, a “Liberdade”.

São da segunda geração os chamados direitos coletivos, caracterizados por

prestações positivas do Estado, como o direito à saúde, ao trabalho, à educação, à

igualdade material - a qual repousa na máxima “tratar desigualmente os desiguais”,

onde o princípio da igualdade se compõe com os princípios da razoabilidade e

proporcionalidade, possibilitando a “discriminação razoável, regrada ou justificável”,

que só pode ser feita pelo legislador. Surgem com o Estado do Bem-Estar Social, e

associam-se ao princípio da “Igualdade” do tríptico do 14 de julho de 1889.

É somente depois da 2a Guerra Mundial, estabelecido o Estado Democrático de

Direito, que surgem os direitos difusos, caracterizados pela indeterminação de

sujeitos, isto é, pertencentes a toda a coletividade e não a uma ou algumas pessoas,

como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos do

consumidor. Conduzem à idéia de “Fraternidade”, última bandeira da Revolução

Francesa. Os direitos relacionados à bioética e à tecnologia, mais recentes, são

atribuídos a duas novas (a Quarta, e a Quinta) gerações.

O fator histórico que faz emergir o “novo direito” pode ser uma nova necessidade

social, a maior consciência das pessoas em relação ao seu entorno, ou outro. A

partir da década de 1960 as questões ambientais e de consumo deram visibilidade

aos direitos difusos que, juntamente com os direitos individuais homogêneos e os

direitos coletivos, integram os direitos metaindividuais. No Brasil, na década de

1980, com o movimento “Diretas Já”, a abertura política e a promulgação da

Constituição de 1988, houve maior necessidade da população se aglutinar através

de movimentos pela defesa dos direitos. Alguns segmentos da sociedade, antes

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excluídos, inclusive das reclamações, passaram a se organizar através de grupos,

associações de bairros e outros movimentos, como no caso dos moradores de

favelas e bairros pobres, e dos trabalhadores rurais. Os grupos das chamadas

minorias também passaram a se organizar, como as mulheres, os negros, idosos,

portadores de necessidades especiais e outros. É nesse momento que se percebe a

organização da sociedade civil, através de movimentos reivindicatórios e

associações, para a defesa dos direitos metaindividuais, cujos titulares vão ser

definidos pela Lei da Ação Civil Pública, em 1985.

Os direitos difusos são caracterizados pela indeterminação de sujeitos,

indivisibilidade do objeto e existência de um vínculo fático. Assim também,

interesses difusos como aqueles pertencentes a um número indeterminado de

pessoas, titulares de um objeto indivisível e que estão ligadas entre si por um

vínculo fático. A indeterminação de sujeitos implica a impessoalidade, logo, a

impossibilidade da delimitação dos sujeitos e da definição dos titulares, o que torna o

direito indivisível. Como todos são titulares, ninguém o é exclusivamente.

Assim, mesmo que se possa estimar o número de habitantes de uma localidade, não

será possível determinar o número de sujeitos atingidos pela violação ao direito ao

meio ambiente equilibrado. Disso deriva que não é possível a renúncia a esse

direito, e que a transação só é possível preenchidas determinadas condições, em

que se avalia que o direito não deverá ser mais violado.

A existência de um vínculo fático ligando entre si pessoas indeterminadas implica

uma situação de fato que liga os sujeitos que, em princípio, não teriam vinculação

jurídica, sendo titulares de um direito que pertence a todos eles. A tutela

diferenciada para esses direitos se faz necessária pois, não havendo titular

determinado, esses direitos poderiam ficar sem proteção. O legislador entendeu que,

para a proteção e defesa desses direitos, era necessário determinar titulares - como

o Ministério Público e associações -, e uma série de garantias e ações, como a Ação

Civil Pública, a Ação Popular, e o Mandado de Segurança Coletivo.

O Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor define os direitos metaindividuais e

as formas de sua defesa em juízo, a saber:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

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I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os trans-individuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

A instauração do “mundo digital”, ao criar novas formas de relacionamento

interpessoal e coletivo, e novas percepções de um mundo que se alarga com as

conexões digitais, cria também novos direitos e deveres. A internet e outros

acontecimentos ligados à telemática e à “vida digital” são o principal norte do “direito

digital” (HOESCHL, 2003). Diante das três características dos direitos difusos, é

possível incluir a Inclusão Digital em seu âmbito de proteção. A exclusão digital é

uma condição fática que fere o direito de todo cidadão ao acesso à informação,

pressuposto inafastável do pleno exercício de cidadania. O direito à informação

disponível nos portais governamentais, dessa forma, é um direito difuso, porque é

destinada a todos os que a queiram receber sem que se possa individualizar e

definir qual informação será difundida para este ou aquele indivíduo. A relevância

social de sua defesa está intimamente relacionada ao poder transformador das

relações sociais e em termos de desenvolvimento nacional, devendo ser objeto de

ações judiciais e administrativas.

Contudo, mais importante que identificar os direitos humanos, ou fundamentá-los, é

encontrar uma maneira de defendê-los, como ensina Bobbio (1992, p. 25):

Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

A Constituinte de 1988, atenta aos clamores da sociedade, preocupou-se não só em

definir os direitos dos cidadãos, como também em estabelecer mecanismos para a

sua defesa, os “remédios constitucionais”. O que se pretende com a caracterização

da inclusão digital como direito difuso é, exatamente, possibilitar que sua defesa seja

feita através dos remédios constitucionais específicos para a defesa dos direitos

metaindividuais, a saber: a Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo e,

especialmente, a Ação Civil Pública.

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A Ação Popular (art. 5º, LXXIII, da CF-88), prevê que “qualquer cidadão é parte

legítima para propor ação popular que vise a anular o ato lesivo ao patrimônio

público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao

meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”. O Mandado de Segurança

Coletivo, previsto pelo artigo 5º, LXX, da CF-88, e regulamentado pela Lei no.

1.533/51, foi criado “(...) para proteger direito líquido e certo, que sofrer violação ou

houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e

sejam quais forem as funções que exerça”.

Contudo, o principal instrumento para a defesa dos direitos difusos é a Ação Civil

Pública (Lei no. 7.347/85), sendo titulares o Ministério Público, determinados entes

estatais e para-estatais descritos na Lei, bem como a “associação que esteja

constituída há pelo menos um ano, e inclua entre suas finalidades institucionais (...)

a proteção ao consumidor”. A Lei dispõe:

Art 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados: (...) IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Este inciso IV (que possibilita a utilização da Ação Civil Pública para a defesa de

“qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, não citado expressamente pela lei),

inclui também o Direito à Inclusão Digital, por se caracterizar como direito difuso.

O Ministério Público se coloca cada vez mais perante a sociedade como titular da

defesa dos direitos difusos, seja pela criação das Coordenadorias de Direitos nas

Procuradorias de Justiça, seja pela interposição das Ações Civis Públicas e pela

assinatura dos termos de compromisso. A definição de associações como titulares

do direito a interposição das Ações Civis Públicas vem ao encontro da nova

definição de sociedade.

O que importa, portanto, é conferir realidade ao direito à inclusão digital. O Poder

Público é responsável pela elaboração e implementação de políticas públicas para a

efetivação desse direito. Contudo, a efetivação dos direitos humanos não depende

só da atuação do Estado mas, radicalmente, da ação da Sociedade Civil

Organizada, para lograr a implementação de políticas públicas, dos novos termos de

parceria, contratos de gestão, e outras atividades, bem como pela defesa judicial

dos direitos difusos, alcançando também, agora, a inclusão digital.

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CAPÍTULO 4 – EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL

O Governo Brasileiro não tem uma Política Nacional de Inclusão Digital no sentido

estrito, isto é, formalmente estabelecida através de um Ato específico, que oriente

explicitamente as ações, recursos e agentes da inclusão digital. Considerado,

contudo, o conjunto de ações e normas do governo, no que tange à implantação de

Telecentros Públicos, ao apoio oficial ao Software Livre e à Informatização da Escola

Pública, estes elementos delimitam razoavelmente um campo de ação que pode

merecer a designação de política pública em sentido lato, e que passaremos a tratar

como Política Nacional de Inclusão Digital (PNID).

A União cria e opera infocentros e telecentros públicos, assistidos por monitores,

para o ensino de conhecimentos básicos de informática; apóia a informatização da

escola pública de primeiro e segundo graus; e promove a difusão do uso do

Software Livre, de forma institucional (SILVEIRA, 2003). Adicionamos a essa

estrutura um quarto elemento - a expansão das ações de governo eletrônico que,

indiretamente, impulsionam o público na direção da alfabetização digital (SANTOS,

2003). A este esforço do governo central somam-se outros, similares, desenvolvidos

pelos estados-membros e municípios.

Neste entendimento, a referida PNID resulta da “soma” de quatro elementos:

(i) a política de informatização da escola pública; (ii) a política de Telecentros; (iii) a política de difusão do software livre; (iv) a política de governo eletrônico.

Merece destaque o Programa SOCINFO84 do MCT, que se propôs universalizar, no

Brasil, o acesso aos bens e serviços baseados nas TIC (CHAIN et al., 2004, pp. 50 e

87; MCT, 2006). Pelos critérios de Randolph (1999), trata-se de uma política pouco

participativa, mais liberal do que republicana, e de uma lógica mais sistêmica do que

comunicativa, o que compromete seu caráter democrático.

84 É missão do Programa para a Sociedade da Informação articular e coordenar o desenvolvimento e a utilização de produtos e serviços avançados de computação, comunicação e conteúdos, e suas aplicações, visando a universalização do acesso e a inclusão digital de todos os brasileiros.

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151

4.1 INFORMÁTICA PÚBLICA E GOVERNO ELETRÔNICO

Ao discutir os elementos da PNID, consideraremos o tema do governo eletrônico em

primeiro lugar, justo porque será o menos extensamente tratado.

A onda de “computadorização” de um crescente número de atividades civis saltou de

escala com a invenção dos “microcomputadores” (década de 1980), cujo

desenvolvimento viabilizou as grandes redes de computadores. Desde então, os

recursos da informática e da “telemática” tornaram-se acessíveis para as pequenas

empresas, o usuário doméstico e as escolas até o segundo grau. O uso e

exploração dos recursos de informática pelo governo data dos primórdios da difusão

desta tecnologia e foi utilizado, de início, para informatizar os controles

administrativos, em geral. Quando os bancos adotaram os caixas automáticos, o

governo seguiu a mesma trilha. Muitas outras funções foram automatizadas e o

campo ficou conhecido como informática pública (IP) (SANTOS, 2001).

Um caso típico do uso avançado da IP foi o desenvolvimento em Salvador, Bahia, do

“SAC-Serviço de Atendimento ao Cidadão”. Na linha do assim chamado public

service delivery, o SAC-Iguatemi85 reúne, num mesmo espaço, serviços das várias

esferas do governo – federal, estadual e municipal – e de dois Poderes (Executivo e

Judiciário), além de concessionárias (setor privado). Terceirizado, em sua maior

parcela, e centrado totalmente nas TIC, o SAC obedece a um receituário que hoje se

enquadra o conceito de e-gov, sub-espécie do e-service (SANTOS, 2001).

No Brasil, a menção ao “governo” visa, quase sempre, o Poder Executivo (federal,

estadual, ou municipal), devido à clara hipertrofia do Executivo, ao qual, por isso

mesmo, se reserva a denominação de Administração Pública (DI PIETRO, 2000;

MEIRELES, 1996; PETERS, 1999), que sói ser a maior usuária do e-gov. Para os

poderes Legislativo e Judiciário sobra um número menor de funções passíveis de

inserção nos quadros do e-gov (SANTOS, 2003).

O avanço no uso governamental civil das TIC recai sob a rubrica modernização da

Administração Pública, noção que engloba as providências voltadas para a adoção

dos métodos e processos mais atuais de execução e gerenciamento das tarefas da

85 O Iguatemi é um shopping center que abriga o posto do SAC referido. Há oito postos do SAC em vários bairros de Salvador, de diferentes dimensões e especializações, e doze postos em cidades interioranas. O modelo foi “exportado” para outros estados do Brasil, e para Cuba e Portugal.

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Administração. O tópico dispensa maiores esforços de análise. Aliás, a

modernização da Administração Pública é elemento inescapável de todo projeto de

Reforma do Estado. O que se pode adiantar é que enquanto a Reforma do Estado

prevê a mudança na natureza e escopo das funções deste – e, mesmo, a afirmação

ou negação pura e simples de algumas funções - a Modernização Administratriva

apenas visa melhorar a forma como tais (e quaisquer) funções são efetivamente

consumadas (SANTOS, 2001; BRESSER PEREIRA, 1999).

A partir de 2001, a noção de informática pública (IP) passou a ser ameaçada de

substituição pela noção de governo eletrônico. Mas, e-gov não é meramente um

novo nome para algo antigo: depois de absorver a IP, o e-gov deverá ir muito mais

além. Ora, as ações de IP sempre foram centradas na tarefa específica, e se um

órgão tinha uma necessidade de informatização (como a emissão de Carteiras de

Habilitação pelo DETRAN), este órgão deveria conduzir um projeto, visando suprir

suas necessidades de hardware, software, instalações físicas e rede de

teleprocessamento, e pessoal (com o eventual apoio de uma consultoria). Na

ideologia do e-governo, a informatização de funções não é mais questão de um

órgão isolado, mas do governo como um todo. Neste marco, e-gov vem a ser a

soma das orientações e recursos movimentados por um governo para prestar os

serviços a que está obrigado, utilizando os recursos das TIC. Provavelmente os

governos, nos vários níveis e unidades federativas, irão criar órgãos especiais para

centralizar as decisões de informatização dos serviços públicos. Prevê-se maior

padronização, uniformização e homogeneização em todos os níveis e tarefas do

governo, e que as forças do mercado se esforçarão por impor as best practices em

todo o mundo. As agências multilaterais procuram difundir uma ideologia que visa

homogeneizar certos padrões de governo, como transparência, eficiência e eficácia

na prestação de serviços ao cidadão, redução da corrupção, preferência por

soluções de mercado – privatizadas e terceirizadas – e assim por diante

(“governance”). Há também uma preocupação com a legitimidade dos governos, que

deve estar apoiada na satisfação dos cidadãos (SANTOS, 2003).

Em contrapartida, os cidadãos deverão ser instrumentalizados para interagir com as

interfaces de governo eletrônico, o que obrigaria os governos a adotarem políticas

amplas de “alfabetização digital” ou de “inclusão digital”.

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4.2 POLÍTICA DE SOFTWARE LIVRE

A Business Week colocou na capa a Rebelião Linux, prometendo revelar [como] um grupo ralé de geeks do software está ameaçando a Microsoft e a Sun [e mudando] o mundo dos computadores [e que] a Chrysler, a Sony, a IBM, e mesmo o Departamento de Defesa [dos EUA] já prevêem um futuro de código aberto para seus negócios. Mudou o capitalismo? Ou essa é mais uma tentativa de cooptação de qualquer movimento que apresente ameaças para a sua dominação global? (VIANNA, 2003).

4.2.1 Software-Proprietário x Software livre

Os programas de computador são projetados e escritos por profissionais da área, na

forma de textos (programas-fonte) que podem ser lidos e entendidos por outros

programadores, os quais podem indicar erros e sugerir melhoramentos. Para

transporte entre máquinas, o código-fonte é reduzido às seqüências binárias do

programa interno (programa-objeto), tornando-se humanamente ilegível.

Esta atividade gerou amplos campos de trabalho, produção e consumo mercantis. O

software tornou-se mercadoria sujeita à competição capitalista, protegido por direitos

de propriedade (software-“proprietário”). Formaram-se grandes empresas, que

acabaram por quase monopolizar o mercado de software, agora vendido como

“programa objeto” e com a proibição, para o comprador, de “desconstruir” a lógica

interna, visando entendê-la86. Se o produto não atender ao comprador, este terá o

direito de reclamar ao fabricante; se introduzir modificações, será por sua conta e

risco, e sem o direito de comercializar ou divulgar sua invenção.

Na modalidade chamada de software-livre o programa fica disponível para venda ou

divulgação com o código-fonte “aberto”, isto é, sem restrições de leitura e/ou

interpretação. Seu adquirente/usuário poderá alterá-lo livremente para adaptação às

suas necessidades. Pode passar adiante sua invenção e divulgar os algoritmos

internos do programa, mas não pode cobrar por isto. Assim, o software-livre não é

necessariamente gratuito, mas suas alterações o são. O usuário tem a vantagem de

comprar o software por baixíssimo custo; de não operar uma “caixa preta”; de poder

exercer sua criatividade para melhorar seu instrumento de trabalho. Mas, não terá

um fabricante a quem reclamar por falhas no produto (BAHIA, 2004).

4.2.2 O Movimento do Software Livre

86 Pode-se obter a decodificação através da engenharia reversa, mas trata-se de uma ação ilegal.

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É através da imaginação que os cidadãos são disciplinados e controlados pelos Estados, mercados e outros interesses dominantes; mas, é também através da imaginação que os cidadãos desenvolvem sistemas coletivos de dissidência, e novos grafismos da vida coletiva (SOUZA SANTOS, 2002, p. 46).

A Free Software Foundation - FSF (ou, Movimento do Software Livre - MSL) é um

movimento mundial de oposição aos monopólios de produção e venda de software -

proprietário, e pretende produzir e disponibilizar para o público mundial um conjunto

extenso de softwares-livres. Foi criado em 1985, por Richard Stallman, então

integrante do MIT, em resposta à proibição de acesso ao código fonte de um

software, certamente desenvolvido a partir do conhecimento acumulado de tantos

outros programadores. A FSF busca, com base no princípio do compartilhamento do

conhecimento e na solidariedade, superar a lógica da mera mercantilização. Para

evitar que seus esforços fossem indevidamente apropriados e patenteados por

algum empresário oportunista, novamente bloqueando o desenvolvimento

compartilhado, a FSF criou a Licença Pública Geral (GPL, da sigla em inglês), ou

copyleft, contraposta ao copyright. Ela é a garantia que os esforços coletivos não

serão indevidamente considerados propriedade de alguém. O GPL é aplicável onde

quer que os direitos autorais sejam utilizados: livros, imagens, músicas e softwares

(HERNANDEZ, 2005).

A FSF, de início, reuniu e distribuiu programas e ferramentas livres, com o código-

fonte aberto. Sua meta tornou-se produzir um sistema operacional livre, que tivesse

uma lógica semelhante à do sistema UNIX (um software-proprietário), e os esforços

de programação foram concentrados em torno do projeto GNU (“Gnu Is Not Unix”).

Em 1992, o finlandês Linus Torvald conseguiu compilar todos os programas e

ferramentas do movimento GNU em um kernel, ou núcleo central, o que viabilizou o

sistema operacional LINUX - de “Linus for Unix” (HERNANDEZ, 2005). O

GNU/LINUX recebe colaborações de milhares de desenvolvedores, espalhados por

mais de 90 países, nos cinco continentes.87 Qualquer pessoa com acesso à internet

e habilidades de programação pode integrar o processo de desenvolvimento do

software-livre que, assim, passou a envolver um elevado número de horas de

programação qualificada, a um custo orçamentário zero, que dificilmente uma

grande corporação poderia dispor (SILVEIRA, 2006).

87 A maior empresa de software do planeta, a Microsoft, é sediada em Seatle (EUA) e produz o sistema operacional Windows. Conta com aproximadamente 30 mil funcionários em seus quadros.

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As versões experimentais (versões “beta”) podem ser testadas, tão logo criadas,

pela comunidade distribuída na rede. Assim, os “bugs” podem ser descobertos, o

software melhorado e as novas versões distribuídas de modo constante, veloz, e

não burocrático. No modelo de desenvolvimento proprietário, “a lógica distribuída

dos bazares e suas inúmeras tendas é substituída pela silenciosa hierarquia da

Catedral”88. As versões do software só podem ser liberadas após inúmeros testes e

superação de todos os bugs. Os usuários não têm acesso ao código-fonte e não

participam do constante aprimoramento do programa. Assim, a velocidade de

inovação do software livre pode superar a do software proprietário, pela agilidade do

modelo “bazar”, diante do modelo “catedral” (RAYMOND, 1999).

Segundo Silveira (2006), seis tipos de softwares dominam, numericamente, o mundo

da microinformática: o sistema operacional; programas de automação de escritório;

para a internet, os programas de acesso, correio eletrônico e buscas; e, os antivírus.

O sistema operacional é o mais importante dos programas. Sua presença na

máquina é indispensável, pois é o primeiro código a ser acionado ao se ligar o

computador, e fornece as interfaces do hardware básico com os demais elementos

de hardware e com os demais softwares em uso. O sistema operacional WINDOWS,

da Microsoft, domina 97% do mercado de computadores pessoais, num monopólio

evidente, que submete usuários de todo o mundo a uma “ditadura” econômica e

tecnológica que permite ao monopolista ditar preços, esmagar a concorrência e

sujeitar os usuários ao uso de uma “caixa preta”. O desequilíbrio é grande, em uma

sociedade que depende cada vez mais das TIC, e isso justifica os esforços para a

divulgação de uma opção viável, como é o LINUX.

No segmento de “automação de escritório” (composto, essencialmente, de um

processador de texto, uma planilha eletrônica, um programa de apresentação de

slides e um gerador/controlador de bancos de dados), domina o Microsoft Office.

Mas, já estão disponíveis softwares-livres equivalentes, e até mais abrangentes.

O “navegador” Internet Explorer, da Microsoft, é o mais usado software de acesso e

controle da internet, ante concorrentes como o Mozilla. Segundo Silveira, um

programa livre para servidores de web, o Apache, domina mais de 50% do mercado;

88 Eric Raymond comparou os dois estilos de desenvolvimento de software: o modelo comercial (que chamou de “Catedral”), e o modelo de desenvolvimento do código aberto (ou “bazar”)

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seu maior concorrente, o Windows NT possui 20%. O WebApache está instalado em

mais de 750 endereços eletrônicos do governo federal (Idem).

Para Ribeiro (2000), a Internet é um espaço essencialmente colaborativo, e de

interação, ao contrário das mídias tradicionais. Porém, as forças do mercado têm

dominado os fluxos da rede, através de artifícios que limitam as potencialidades da

Internet, seja através de softwares de vigilância, bloqueio e controle, seja por meio

de legislação. O movimento do software livre é expressão autêntica desse potencial

da rede e o modelo para a consolidação de soluções compartilhadas de questões

complexas, via uma interação multiétnica, multinacional e multicultural. É a

afirmação da possibilidade da Internet consolidar-se como uma esfera pública

planetária, evitando a condição hegemônica de supermercado global.

Na sociedade da informação, os softwares tornaram-se essenciais à comunicação

homem-máquina-homem. O controle destes recursos não deveria ser propriedade

de nenhum grupo econômico, ou pessoa. Sistemas operacionais proprietários são

construídos para não ter compatibilidade e interoperabilidade com outros sistemas

concorrentes. Com isso, a tendência da economia de redes é a do monopólio.

Nas redes ‘reais’, as ligações entre os nodos são conexões físicas, como (...) os fios dos telefones. Nas redes virtuais, as ligações entre os nodos são invisíveis, embora sejam não menos essenciais para a dinâmica do mercado e a estratégia competitiva. Estamos na mesma rede de computadores se pudermos usar o mesmo software e compartilhar os mesmos arquivos. [Lamentem-se] aqueles cujo hardware ou software for incompatível com a maioria dos outros usuários (SHAPIRO & VARIAN, 1999, p. 205)

As estratégias de aprisionamento, na linguagem da economia da informação, ou de

fidelização, na linguagem do marketing, passam por manter a rede de usuários de

software proprietário. O domínio da Microsoft no mercado de sistemas operacionais

baseia-se nas economias de escala do lado da demanda. Seus clientes valorizam

seu sistema operacional por serem amplamente utilizados (SHAPIRO & VARIAN,

1999). Caso o Estado passe a utilizar em seus telecentros, escolas, bibliotecas e

demais órgãos públicos um sistema operacional livre, estará iniciando um processo

de inversão da escala da maior rede. Estará viabilizando uma rede rival, livre, aberta

e não-proprietária. O uso do dinheiro público deve incentivar a proliferação de

linguagens e softwares essenciais de domínio público. O protocolo TCP/IP,

linguagem básica da Internet, é livre; caso fosse propriedade de uma empresa,

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provavelmente a rede mundial de computadores não teria a penetração e o potencial

democrático que têm hoje.

4.2.3 O software livre no Brasil89

O governo federal vem incentivando a migração para o software livre, e procura

estabelecer parcerias com outros países em desenvolvimento, como Índia e África

do Sul90. Os programas livres já foram adotados por escolas, universidades,

empresas, residências e prefeituras. A Receita Federal já abriu a possibilidade de

receber as declarações de imposto de renda em arquivos produzidos por softwares

livres. Os centros de informática doados pelo Brasil à África foram instalados com

tecnologia copyleft. Um software de origem brasileira, o Sacix, abriu a possibilidade

de ligar máquinas antigas à Internet, em Moçambique. O interesse nacional pelo

software livre estriba-se em vários argumentos:

a) Economia na remessa de royalties para o exterior; b) Fortalecimento do mercado interno; c) Desenvolvimento de competência nacional em software d) Segurança quanto ao domínio do conteúdo do software e) Evitar o uso de recursos públicos para promover interesses privados.

Usuários exigentes, e de áreas de aplicação sensíveis, necessitam de softwares que

lhes permitam acesso ao código-fonte, pois precisam ter certeza do que o software

efetivamente faz, como opera, quais seus algoritmos. Por permitir este tipo de

controle, o LINUX foi escolhido pelo FERMILAB, laboratório de física de alta energia;

e pelo Instituto de Controle de Vôo da Aeronáutica, de São José dos Campos (Sí–

DERBERG, 2002).

O uso de software livre liberta o país do pagamento de royalties e licenças de uso a

empresas estrangeiras. Segundo a SECOM, a administração direta da União gasta,

anualmente, cerca de R$ 300 milhões com licenças de uso de softwares

proprietários e mais de R$ 1,1 bilhão por ano, se for considerada a compra de novos

programas e atualizações. Neste caso, quanto mais se informatiza o cotidiano, mais

deverá crescer o uso de softwares e mais se gastará em royalties.

89 As notícias governamentais são do Boletim informativo da SECOM (Secretaria de Comunicação da Presidência da República). Acesso em 03/09/2004. 90 A imprensa noticiou que a Venezuela está implantando software livre nos serviços estatais.

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Para o Ministério da Ciência e Tecnologia existe uma tendência do mercado de

software no Brasil atingir US$ 15 bilhões no fim da primeira década do século XXI

No ano 2000, exportamos US$ 100 milhões e importamos US$ 1 bilhão em software.

Em 2002, o mercado brasileiro de software faturou US$ 4,2 bilhões, envolvendo

3500 empresas produtoras e representou 1,3% do mercado global91.

Quadro 18 - Balança Comercial do Software (em US$ milhões)

ANO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO 1990 1995 2000

50 200

1000

1 10 100

Fonte: Softex / Ministério da Ciência e Tecnologia

Para o Brasil, é de importância estratégica o domínio das tecnologias que utiliza.

Um país da magnitude do Brasil não pode se contentar com a condição de mero usuário: tem de produzir seus próprios softwares. O país não deve permanecer refém de uma tecnologia da qual não tem controle ou domínio. Precisamos quebrar o monopólio de fornecedores e parar de comprar programas como compramos trigo ou qualquer outro produto. Software é tecnologia de informação e, portanto, deve ser considerado item estratégico para a nação (Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do governo federal).

Ao desenvolver ou adaptar os softwares que usa, o governo consegue integrar seus

sistemas e interligar os componentes de TI, nos níveis estadual, municipal e federal,

e dos poderes legislativo e judiciário. É o chamado e-ping. Ao ser criada uma rede

única de informações para os cadastros sociais, os dados de um beneficiário do

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderão ser compartilhados com outros

órgãos públicos que necessitem destas informações para emitir documentos ou

mesmo trocar um prontuário médico numa eventual mudança de cidade. Além de

atender ao cidadão com mais rapidez e eficiência, a troca de dados entre os vários

setores e segmentos da Administração Pública dificulta a duplicidade de

informações e possíveis fraudes.

O MCT assegura que o Brasil tem potencial criativo e produtivo e é o 7º produtor

mundial de soluções, logo depois dos EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França

e Itália. Nos próximos anos, o Brasil pode vir a ser um grande mercado comprador

91 Fonte: Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, na matéria do Estado de São Paulo, 12/05/2002, “O Jogo ficará mais pesado”.

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de TI, arrastado pela modernização administrativa dos governos e pela incorporação

da telemática nas políticas sociais e educacionais.

É possível e desejável integrar as políticas de modernização administrativa e as de

inclusão social, baseadas em TI, à política de desenvolvimento industrial e

tecnológico do país e desenvolver e incentivar soluções de empresas nacionais. O

mercado comprador interno, principalmente no setor público, pode assegurar um

mercado primário para empresas que busquem mercados no exterior. As políticas

de inclusão digital e de informatização das escolas e bibliotecas públicas podem ser

integradas neste esforço.

Nos programas de inclusão digital, a economia com o não-pagamento de licenças

(cerca de US$ 150 por computador alocado no programa) pode ser direcionada para

a formação e treinamento. Formar monitores e instrutores das comunidades em

GNU/LINUX e demais programas livres contribuirá para ampliar a capacidade das

comunidades agregarem valor não-perecível à sua força de trabalho. E, como o

software livre, tal como outros, necessita de suporte e manutenção, seu uso nos

telecentros e unidades de inclusão digital pode ser um grande incentivo ao

surgimento de empresas locais capacitadas a configurar e a desenvolver soluções

adequadas aos interesses das empresas e órgãos públicos locais.

As políticas de inclusão digital devem romper com a política de “aprisionamento” dos

monopólios privados. O combate à exclusão digital está intrinsecamente ligado à

democratização e desconcentração do poder econômico e político. Não é correto

utilizar dinheiro público para alfabetizar e formar digitalmente os cidadãos em um

software proprietário de um monopólio privado. Mesmo que as licenças de uso do

software proprietário sejam doadas gratuitamente para os programas de inclusão

digital, na realidade, o Estado ainda estaria pagando seus professores, monitores e

instrutores, para treinar usuários para aquela empresa.

Segundo Castells (1999, p. 498-9) a morfologia das redes é uma fonte drástica de

reorganização das relações de poder: “Uma vez que as redes são múltiplas, os

códigos inter-operacionais e as conexões entre redes tornam-se as fontes

fundamentais da formação, orientação e desorientação das sociedades”. Silveira

(2005) encontra neste raciocínio um vínculo entre o combate a exclusão digital e o

movimento do software livre, pois o controle dos padrões, das linguagens e dos

protocolos de conexão devem ser públicos e o menos oneroso possível para as

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sociedades pobres ou em desenvolvimento. Incluir digitalmente é um primeiro passo

para a apropriação das tecnologias pelas populações socialmente excluídas com a

finalidade de romper a reprodução da miséria.

O compartilhamento do software e demais produtos da inteligência coletiva é decisivo para a democratização dos benefícios tecnológicos e precisa ser incentivado. Desse modo, as políticas de inclusão digital não podem servir a manutenção e a expansão do poder das mega-corporações do localismo globalizado. Devem incentivar a desconcentração de poder e não os monopólios; o desenvolvimento e autonomia das localidades, regiões e nações pobres e não sua subordinação às cadeias de marketing do mundo rico. Devem incentivar a liberdade e não o aprisionamento às redes privadas. Devem consolidar a diversidade e não a mono-dependência (Idem).

4.2.4 computador de baixo custo

A construção de um computador de baixo custo motivou várias iniciativas. O projeto

One Laptop per Child (OLPC)92, idealizado pelo professor Nicholas Negroponte, do

Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), tem o objetivo de criar

um laptop ao custo de US$ 100,00 (cem dólares), a ser distribuído gratuitamente a

estudantes carentes de escolas públicas de cinco países em desenvolvimento, a

saber, Brasil, Tailândia, China, Egito e Nigéria.

Para participar do projeto o Brasil deveria comprometer-se a comprar um milhão de

unidades do computador. Segundo Negroponte, havia interesse suficiente no resto

do mundo e flexibilidade no programa para a escolha dos sócios do projeto, embora

o Brasil fosse “o país perfeito” para o seu lançamento, com alta prioridade.

Os primeiros protótipos do computador deveriam estar disponíveis em meados de

2006, para serem distribuídos entre 5 e 15 milhões de computadores. O objetivo

seria atingir entre 100 e 150 milhões de unidades em 2 anos.

92 The One Laptop per Child association (OLPC) is a U.S. non-profit organization set up to oversee The Children's Machine project and the construction of the CM1 "$100 laptop", as announced at the World Economic Forum in Davos, Switzerland in January 2005. The sponsors organizations include Google, Red Hat, AMD, Brightstar Corporation, News Corporation and Nortel Networks, that have donated two million dollars, each one. The MIT Media Lab is also involved in the project. The organization is chaired by Nicholas Negroponte and its CTO is Mary Lou Jepsen. Negroponte and Kofi Annan unveiled a working prototype of the CM1 in November 2005 at the ONU/WSIS in Tunis. India's education secretary Sudeep Banerjee has opposed the project, citing the need for classrooms and teachers over tools. <http://en.wikipedia.org/wiki/One_Laptop_Per_Child>. 30/07/2006. Ver, também, “Fixadas as regras para laptop de US$ 100”, em <http://www.ig.com.br>, acesso em 29/11/2005.

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Contudo, até meados de 2006 ainda havia dificuldades para reduzir o preço dos

displays, a peça mais cara do equipamento. A idéia seria produzir uma tela menor,

de definição inferior à das atuais, resistente a choques. A máquina poderia ser

alimentada por um pequeno gerador movido a manivela.

A redução do custo dos demais componentes parece ser mais simples, uma vez que

os computadores atuais sofrem de uma “obesidade” de dispositivos e acessórios.

Também, não haverá custos com marketing e distribuição, que respondem hoje por

50% do custo de um laptop. Uma das grandes vantagens, seria a escala do projeto:

muitos fabricantes que, inicialmente, recusaram participar do projeto, passaram a se

interessar diante do volume de 100 milhões de unidades.

O projeto tem sido criticado pela Microsoft e Intel. Negroponte responde que aquelas

empresas têm apenas interesse comercial. Mas, no caso do OLPC, não é de uma

máquina que se está tratando, mas de um conceito de educação.

O custo da unidade está agora (agosto/2006) estimada em US$150, mas poderá cair

para até US$50 com o aumento futuro da escala da produção. Até agora apenas a

Nigéria confirmou o interesse, enquanto a Índia se retirou de vez do projeto.

4.3 POLÍTICA DE TELECENTROS

4.3.1 Conceituação. Promessas de governo.

Um Telecentro Público pode ser definido como um espaço multifuncional dotado de

certa quantidade de microcomputadores, com acesso à internet, criado e mantido

pelo Estado, estruturado para o acesso público e coletivo às TIC em comunidades

de baixa renda. A coordenação da instalação deve ficar sob a responsabilidade da

própria comunidade, por meio de organizações não-governamentais (ONGs) ou

Associações de Bairro (daí, o apelido de Telecentros Comunitários) que indicarão

monitores a serem treinados pelo Estado para disseminar o conhecimento. Visam o

treinamento em informática básica e dar acesso à rede mundial de computadores,

ao correio eletrônico, a informações públicas e privadas, e a elaboração de sites

comunitários para divulgação de ações de desenvolvimento cultural, social, político,

econômico e ambiental.

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A entrada nos Telecentros Públicos deve ser gratuita. Sua instalação está prevista

em escolas, bibliotecas públicas e outros espaços geridos pelo Estado. O acesso

aos computadores stand-alone e à Internet93 será gratuito, e os usuários devem ser

educados para utilizarem as tecnologias da informação e da comunicação de forma

cidadã, ética e responsável. Também não se descartam modalidades com acesso

gratuito limitado, e o restante do uso seja pago (a este respeito, vide a descrição das

modalidades de uso dos Telecentros da Ilha do Mel). O Telecentro corresponde à

idéia do dever do Estado relativamente à inclusão digital94.

O projeto prevê, ainda, a instalação de estúdios multimídia para a proliferação de

rádios comunitárias e acesso a serviços de correio, bancos e governo eletrônico,

para pagamento de contas e outros atendimentos. A promessa deveria incluir

crianças fazendo as tarefas de casa com auxílio da web, e pessoas conversando

com parentes distantes por e-mail. Na falta de livros, a Internet poderia ajudar na

obtenção de dados e informações.

Quadro 19. Exemplos de Telecentros na Bahia (escolas públicas e outros sítios)

Alagoinhas Cachoeira Feira de Santana Maragogipe Pintadas Retirolândia Salvador Salvador Valente

Biblioteca Pública Municipal de Alagoinhas Colégio Estadual De Cachoeira Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães EM de Referência Plínio Pereira Guedes Associação das Mulheres Pintadenses Assoc. Retirolandense de Comunicação Social -(GESAC 3) CE Raphael Serravalle Hospital Naval de Salvador Escola Família Agrícola Avani De Lima Cunha

Fonte: SECTI-BA. Elaboração pópria.

4.3.2 Telecentros e Laboratórios – detalhes técnicos.

Os Telecentros e Laboratórios deverão fornecer as condições materiais de

possibilidade da inclusão digital. Os problemas a resolver incluem as instalações

físicas: a quantidade delas, para atender à população visada; a qualidade; os custos

de investimento e de custeio (operação e manutenção/reposição; eletricidade, linhas

telefônicas, outras instalações); as máquinas (hardware), o que nos obriga a discutir

as configurações adequadas, quantidade, qualidade, e problemas de manutenção; o 93 O número de internautas brasileiros era estimado, em abril/2005, em 16 milhões, a maioria das “classes” A e B. 94 O Projeto Casa Brasil, do Governo Federal, promete instalar 3000 Telecentros Públicos por ano a partir de 2006, em comunidades carentes do campo e das periferias de grandes cidades, para a inclusão digital de nove milhões de brasileiros (pobres) por ano. A meta para 2007 era a de dobrar o número de internautas brasileiros (estimado em 16 milhões de pessoas em meados de 2005, sendo a maioria das classes A e B), no acesso à Internet, com direito a endereço eletrônico.

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software a ser instalado requer definição, aquisição e manutenção e, ainda, seu

domínio técnico pelo pessoal encarregado; para concretizar o acesso à internet, as

instalações deverão dispor das conexões: linhas telefônicas – ou seus substitutos - e

os componentes das redes (como hubs e switches, além dos servidores de rede),

sendo ideal o uso da banda larga e fazendo-se necessária a formação de equipes

para instalação, operação e manutenção das redes.

Toda esta parafernália exige o concurso de pessoal treinado e apto, configurando

uma questão administrativa. A operação/manutenção dos telecentros e laboratórios

requer pessoal para serviços de limpeza e segurança, além do pessoal técnico (os

monitores e instrutores) e, certamente, alguns gerentes, embora, no caso dos

Laboratórios, este pessoal esteja assimilado ao pessoal da escola. A questão

financeira – os custos – deve incluir, quando necessário, o custeio do acesso dos

“incluendos” (transporte, principalmente).

No rol dos problemas deve-se incluir, com destaque, a questão pedagógica. Uma

boa política de inclusão digital deve iniciar-se pela formulação de um projeto

pedagógico ambicioso: o que ensinar, e como; como será feita a seriação do ensino;

os métodos e processos de avaliação do aproveitamento, eficiência e eficácia, da

efetividade do esforço, incluindo alguma forma de acompanhamento dos egressos.

Entre os detalhes técnicos a aclarar, considerem-se as temporalidades (currículo

mínimo, número de horas necessárias para treinamento do incluendo); a

segmentação em “classes” de aprendizado. Podemos sugerir, como hipótese de

trabalho, cinco “classes”: inicial; intermediária; profissionalizante; autonomista, no

viés individual; autonomista, no viés coletivo (solidarizante, ou cidadã). A última das

classes sugerida desloca nossa discussão de um processo de inclusão digital tout

court, para o de uma inclusão social, visando a cidadania e a democracia.

Alguns problemas são comuns aos projetos de montagem de telecentros e

laboratórios. Por exemplo, ambos demandarão instalações físicas, isto é, uma sala

adaptada para o funcionamento dos computadores. Vamos supor um padrão de 10

máquinas por instalação e o funcionamento médio de 10 h/dia, 300 dias/ano

(descontados uma folga semanal, alguns feriados e uns poucos dias de fechamento

ocasional por motivos diversos). Neste caso, uma estimativa grosseira indica a

necessidade de 24 mil telecentros para a inclusão digital de 20% da população

brasileira (36 milhões de “incluendos”) em cerca de 5 anos. Adotando uma taxa

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efetiva de aproveitamento da ordem de 60%, vem: admitindo-se que um “incluendo”

requisite 60 h-maq para uma inclusão de primeiro degrau, para incluir 20% da

população (cerca de 36 milhões de brasileiros), temos:

1 TC (nominal) = 10 h/dia x 300 dia/ano x 10 maq = 30.000 h-maq/ano

1 TC (efetivo) = 0,6 x 30.000 = 18.000 (h-maq/ano, em trabalho efetivo)

36 milhões incluendos x 60 h-maq/incluendo = 2.160.000.000 h-maq

2.160.000.000 / 18.000 = 120.000 TC

Portanto, a inclusão digital do contingente acima considerado implica a necessidade

de abertura de 24.000 telecentros, e seu funcionamento por 5 anos. Considerando

que deverá haver salas maiores e menores; que os horários de funcionamento serão

mais extensos em alguns casos, menos em outros; que as disponibilidades de

pessoal competente para instrutoria estarão satisfeitas às vezes, outras não; que a

operação sofrerá descontinuidades eventuais em virtude de defeitos nas máquinas

ou falhas na conexão; e, ainda, que as máquinas não serão utilizadas apenas em

ações de inclusão de novos demandantes mas, também, para uso continuado de

parte dos (já) incluídos, é que resolvemos introduzir o fator de correção de 60%

entre as capacidades nominal e efetiva para fins das tarefas específicas de iniciação

dos “incluendos”. Estes cálculos não dizem respeito à inclusão digital via escola

pública, que segue critérios diferentes.

Espaço físico. O espaço físico, no caso do laboratório, será uma das salas da

escola, destinada a esse fim e a ele dedicada. No caso dos Telecentros, pode

implicar aluguel, construção ou aquisição de salas pelo governo, ou alguma forma

de comodato com organizações que disponham de instalações no local-alvo. Uns e

outros terão que ser mobiliados com mesas para computadores e impressoras,

cadeiras, balcão de atendimento, etc.

Energia elétrica. Os laboratórios e Telecentros deverão ser servidos de energia

elétrica estabilizada. Em geral é necessário que as instalações antigas sejam

revisadas, instalando-se um circuito novo, isolado dos anteriores, pois as máquinas

são sensíveis a oscilações de tensão e corrente. O aterramento do circuito é

fortemente recomendado. As tomadas dos computadores, além dos dois pinos para

a corrente, vêm com um terceiro pino, para o circuito de terra. Estabilizadores

individuais são normalmente usados, mas estudos técnicos têm posto em dúvida a

qualidade dos produtos nacionais. Hoje já se encontra no mercado um dispositivo

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novo, chamado de “módulo isolador”, que não requer aterramento externo, tanto que

é fornecido com uma tomada de dois pinos. Um estabilizador comum custa em torno

de R$40,00; um módulo isolador típico, em torno de R$130,00; um nobreak

individual (recurso muito superior, porém de preço proibitivo para uso em larga

escala) em torno de R$400,00 para uma potência de 0,4 Kw (suporta um único

computador). Os dados são de 2005.

Conexões. A conexão à internet pode ser feita por meio de diferentes facilidades:

linha telefônica comum (também referida como “par trançado”), para acesso discado

ou privado. Esta é a forma mais comum e mais disponível. Sua maior desvantagem

está na velocidade de transmissão, limitada devido a efeitos eletro-magnéticos da

transmissão analógica, que é a forma de propagação possível neste caso. Sua

maior vantagem está no acesso quase universal garantido pelas redes de telefonia

fixa. Não exige instalações especiais, portanto não há custos associados a este

item. As máquinas deverão ser equipadas com um modem. Alguns modelos de

“placa-mãe” vêm com modem embutido (“on board”). O modem interno -

independente da placa - está na faixa de R$50,00 (dado de 2005). A velocidade

nominal limite do modem padrão é de 56Kbps, mas a velocidade de transferência é

em geral inferior a 10% daquela.

Um Telecentro padrão deverá contar com uma ou mais linhas telefônicas ligadas ao

servidor, que compartilhará o recurso com as estações. Será conveniente o uso de

uma conexão de alta velocidade (em modo compartilhado).

Na maioria das capitais dos estados será eventualmente possível conectar o

Telecentro à internet por meio de cabo de fibra ótica, o que permitirá uma alta taxa

de transferência entre a estação e o servidor de acesso. Mas, a velocidade de uma

conexão dependerá dos vários trechos percorridos e nem sempre estes terão todos

a mesma qualidade de conexão. A instalação com fibra ótica exige um conversor

óptico/eletro-magnético, mais caro que o modem comum.

A tecnologia de “banda larga” provê acessos com velocidade entre 256Kps e 1Mbps,

ou mais, dependendo da qualidade dos circuitos e a custos bem mais elevados que

o acesso comum. A banda larga pode usar a própria rede de telefonia fixa (é o caso,

por exemplo, do consórcio Velox/Telemar, em Salvador). Os custos, em 2005, eram

da ordem de R$1000/ano para um usuário doméstico. Outras formas de conexão

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incluem o uso de ondas de rádio, micro-ondas, e transmissão via satélite, implicando

a instalação de antenas parabólicas, ou outras.

Em um Telecentro, os computadores têm que estar conectados entre si, em uma

rede local, o que exige a fiação apropriada, equipamento multiplexador (hubs e

switches) e placas de rede nos micros.

d) Um exemplo: Os Telecentros no Município de São Paulo

Há duas opções básicas para a definição das estações de trabalho de um telecentro:

microcomputadores comuns - podem, eventualmente, funcionar stand alone e na

maior parte do tempo como pontos da rede – ligados a um servidor de pequeno

porte; ou, terminais thin client ligados a um servidor de grande porte.

Microcomputadores comuns são dotados de hard disk e exigem uma cópia do

sistema operacional e dos programas aplicativos, o que acresce o custo da estação;

mas, reduzem a dependência da estação em relação ao servidor que, neste caso,

pode ser uma máquina de menor porte e menor custo. Terminais thin client levam a

uma economia de custo por estação (custos do hard disk e das cópias de

programas), mas exigem um servidor mais potente e mais caro.

Estações de trabalho. As estações, em qualquer das opções acima, trabalham parte

do tempo no circuito CPU-memória (nisto, as opções se igualam) e outra parte -

justamente a que consome mais tempo, porque mais lenta - no circuito memória-

dispositivos de entrada e saída de dados (dispositivos de I/O), dentre os quais só

nos interessa analisar o hard disk. Há duas classes básicas de solicitações sobre os

discos: o salvamento ou leitura de arquivo e o mecanismo de memória virtual (que,

há muito tempo, integra os sistemas operacionais), que faz contínuas operações de

leitura e gravação em disco. No caso dos microcomputadores comuns, as

solicitações de I/O em disco serão resolvidas localmente, sem requerimentos ao

servidor. No caso dos terminais thin client as solicitações de I/O em disco serão

feitas mediante intervenção da CPU, memória e discos do servidor que, neste caso,

deverá ter suficiente potência computacional para atender em tempo compartilhado

a todos os terminais (além de suas tarefas exclusivas), sem retardos que

incomodem o usuário.

Os Telecentros projetados pela Coordenadoria do Governo Eletrônico do Município

de São Paulo têm as especificações indicadas a baixo (CASSINO, 2003).

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Quadro 20. Especificações de hardware e software para Telecentros.

SERVIDOR LOCAL: UNIDADES THIN-CLIENT (Terminais): Processador (por exemplo) Athlon de 1,3 GHz Memória RAM - 1 Gb 2 Hard-Disk de (40)(60)(80) GB Monitor padrão de 15 pol. Teclado padrão 101 teclas e Mouse Unidade de disquete Unidade de CD/ROM (R/W) Placa de Som Placa de rede do servidor processada

independentemente da CPU do servidor Impressora? Scanner?

Processador mínimo de 600 MHz Memória RAM – 64 Mb Hard-Disk – nenhum Monitor padrão de 15 pol. Teclado padrão 101 teclas / Mouse Unidade de disquete Unidade de CD/ROM (R/W) - Nenhum Placa de Som Placa de rede do terminal cliente Boot Remoto

SOFTWARE

Classe de software “Proprietário” (Microsoft) Livre Sistema Operacional MS Windows SACIX (customização do GNU/Linux)

Automação de escritório MS Word / Excel / Power Point

OpenOffice (Suíte de escritório)

Internet - Navegador Internet - cliente de email

MS Internet Explorer MS Outlook Express

Mozilla Ximian Evolution

Outros: Processador de Página, Desenho básico, Jogos Eletrônicos

MS Front Page MS Paintbrush Memória, Paciência

XMMS Mplayer

Fonte: elaboração própria. (Obs. Opções de software livre são sugestões. Existem outras).

Os telecentros foram planejados com 20 terminais thin clients sem hard disk, ligados

em rede a um servidor local. Todos os programas estarão instalados no servidor.

Desta forma, não há como o usuário desconfigurar o terminal, sendo praticamente

impossível qualquer problema de software nos terminais. As eventuais falhas das

máquinas serão causadas pelo hardwareO servidor local deverá permitir acesso

remoto pela equipe de manutenção, de modo que toda instalação de novo software,

ou up grade e manutenção dos softwares instalados, possa ser realizada

remotamente, sem a necessidade de deslocamento físico dos técnicos das equipes

de manutenção. A conexão para internet segue o padrão de compartilhamento local de

uma linha multiplexada.

e) Empiria – aspectos sócio-políticos

A inclusão digital deve ser pensada como um processo complexo que (quanto aos

adultos) tanto envolve pessoas com alguma iniciação em informática, como outras,

sem nenhuma iniciação. Há também uma diversidade, não negligenciável, em

termos de habilidades pessoais (inatas?) para lidar com os computadores. Assim, é

adequado pensar no processo como dirigido, segmentadamente, a diferentes grupos

de aprendizes (incluendos). Podemos propor, como exemplo e para alimentar uma

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discussão a respeito, a seguinte segmentação: currículo tecnocrático, com as

classes inicial, intermediária e avançada/profissionalizante; e currículo autonomista,

com um duplo viés da autonomia individual e da autonomia com objetivos solidários

(ou “objetivos cidadãos”).

f) Do currículo tecnocrático:

Este currículo refere-se aos conhecimentos específicos de informática e prevê-se 3

degraus de aprofundamento, com cargas horárias estimadas de 40h. na classe

inicial, 40h. na classe intermediária e de 20h. a 80h. na classe profissionalizante, a

depender do(s) curso(s) oferecido(s).

Classe inicial – reconhecer os elementos da máquina (“CPU”95, Monitor,

Teclado, Mouse, Impressora); elementos, movimentos e funções do mouse;

elementos do teclado (saber encontrar as letras, números e sinais; entender as

funções e o uso das teclas de função); saber ligar e desligar o computador;

conhecer as operações de logon e logoff; entrar com senha; reconhecer a carga

e a prontidão do sistema operacional. Saber reconhecer um ícone na área de

trabalho: o que “significa”, que utilidade tem (mais adiante, o conceito de ícone

será utilizado com as barras de ferramentas dos aplicativos).

Dominar os conceitos de “documento” e “pasta” e ser capaz de localizar uns e

outros na árvore de pastas e arquivos do sistema operacional, auxiliado pelos

ícones que representam esta árvore.

Após a carga do sistema operacional, saber iniciar e finalizar o processador de

textos. Saber utilizar o processador de textos para: criar, abrir e salvar um

arquivo; digitar um texto, utilizando recursos básicos, como cortar e colar,

formatação simples de fonte e de parágrafo. Corretor ortográfico.

Dominar os comandos básicos de impressão de documento.

No que tange à internet: ser capaz de iniciar o navegador; reconhecer um site;

ser capaz de buscar um site; receber e remeter e-mails.

Os jogos eletrônicos mais simples – Paciência, Free-cell, etc. – e o MS-

Paintbrush, ou similar, podem e devem ser usados nesta classe inicial como

95 Os leigos tratam por “CPU” o que, tecnicamente, é o “Gabinete da CPU”, uma caixa metálica que contém a CPU propriamente dita (microprocessador), e também a “fonte” de alimentação elétrica; os diversos drives de discos (flexível, duro, ótico); as placas “mãe” e “RAM”, e outros componentes.

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forma lúdica de treinamento de domínio do mouse e outros elementos básicos do

uso dos computadores.

Classe intermediária – recursos avançados do processador de texto; recursos

básicos de planilhas eletrônicas e de um software de apresentações (como o

MS-Power Point, ou similar). Construção de home-pages.

Classe avançada (profissionalizante) – abandona-se um currículo generalista, por

outro mais especializado. As classes avançadas e/ou profissionalizantes devem

ser adaptadas a turmas especificamente formadas para estes fins. Pode tratar-se

da especialização em processadores de texto, ou de página, para uso

profissional; planilhas eletrônicas para profissionais de contabilidade, análise

financeira, ou recursos de escritório.

g) Do currículo autonomista:

Este currículo não obedece à seriação do anterior, nem é previsto para classes

separadas. Seus elementos devem ser explorados dentro das classes do currículo

tecnocrático como já está previsto, por exemplo, no projeto pedagógico das EIC/CDI

(Escolas de Informática e Cidadania, da ONG CDI - Comitê para Democratização da

Informática). Apenas, achamos necessário, por imposições da análise, distinguir

aqui entre os conteúdos técnicos e os conteúdos socializantes.

Viés individualizante – condições do homem no mundo; esforço individual e

“sucesso”; condições do “sucesso”; apoio grupal e social. Conhecer alguns dos

caminhos disponíveis na comunidade para crescimento próprio. Segmentos

locais da economia. “Empreendedorismo”: meios e modos de organizar seu

próprio negócio, uma fonte de renda não ligada a emprego. Condicionantes de

sobrevivência dos pequenos empreendimentos: conhecimento do negócio,

avaliação de receitas e despesas, margem de retiradas, clientela, sazonalidades.

Outras dimensões do auto-crescimento: conhecimento, cultura, reconhecimento

dentro do grupo/comunidade.

Viés cidadanizante – conhecer formas de organizar e de participar de grupos

sociais, redes, associações, sindicatos e movimentos sociais. Entender porque e

para que são criadas, e como funcionam. Participação e direção. Reivindicações

perante instâncias públicas e privadas: tipos, metas, métodos, expectativas.

Negociação e pressão.

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h) Avaliação da eficácia. Algum método, e indicadores, devem ser criados e

aplicados para avaliação do aproveitamento, eficiência e eficácia – ou efetividade –

da política de inclusão digital. Para uma avaliação inequívoca, o sistema adotado

deverá dispor de mecanismos para acompanhamento dos egressos (pelo menos,

em termos de amostra, na impossibilidade de cobertura completa).

4.3.3 A EXPERIÊNCIA DA ILHA DO MEL (ESTADO DO PARANÁ, BRASIL)

(...) tuve la suerte de descubrir la Isla de Miel. Fue una bellísima sorpresa que me regaló Brasil, rica en interrogantes, contradicciones y asombros. Allí encontré a afectados y beneficiados a causa de disputas tecnológicas y de políticas que sus pobladores van reformulando en su propia lógica modelada por lo cotidiano, haciendo ejercicio efectivo del derecho de alfabetización digital (Kaufman, 2004).

Descreve-se a seguir o funcionamento dos telecentros da Ilha do Mel, com base no

relato - público - de uma visita da pesquisadora argentina Ester Kaufman ao local. O

texto interessa pela riqueza da análise frente a temas como a inclusão digital, os

telecentros, o software livre, a participação popular, o papel do Estado.

A CELEPAR – Cia. de Informática do Estado do Paraná - é uma sociedade de

economia mista, encarregada do desenvolvimento de software apropriado, da

instalação e provisão de software e hardware, da estruturação de redes intra-

agências públicas, inter-governos e com a comunidade, e da provisão de suporte

técnico para os órgãos do Estado. É, também, encarregada das ações estatais de

inclusão digital no Paraná e executa as políticas de inclusão digital mediante a

administração dos telecentros do Estado do Paraná. Portanto, cumpre funções

informáticas, organizativas e sociais ligadas às TIC. A parte organizativa e social

pode parecer estranha, pois a CELEPAR é um órgão composto por profissionais de

informática. Mas, em muitos estados do Brasil se repetem modelos similares.

A Ilha96

A Ilha do Mel está situada a duas horas de barco, desde Curitiba. É um destino para

aqueles que desejam paz, ou ecologia, ou ambas coisas ao mesmo tempo. É

pequena, e pode ser percorrida a pé em algumas horas, se o pedestre tiver

disposição. Sua população, de 1200 habitantes, encontra-se distribuída ao redor de

seus dois portos de acesso, Brasília e Encantada. As casas, e sua mobília, têm o 96 Ver também: “Inclusão digital e software livre”, postado em 16.09.2004: “CFI em red Governo Digital”, http://weblogs.cfired.org.ar/blog/archives/000919.php.

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típico aspecto da elaboração caseira, com adornos feitos pela comunidade com

materiais do mar, ou de referência marinha. Há eletricidade nas casas, mas não

existe iluminação pública e o povo transita com lanternas, sobre um solo arenoso. A

população se dedica fundamentalmente ao turismo ecológico e à pesca. A Ilha

recebeu os benefícios da tecnologia, que se evidenciam na profusão de sítios web

(cada pousada tem um) que lhes permitiu a internacionalização de sua oferta

turística e a visita de europeus, israelitas e argentinos. A maioria dos habitantes

possui um telefone celular, que usa para desenvolver seu próprio trabalho, como no

caso dos barqueiros, que também recebem por e-mail as reservas para seus

passeios. O uso cotidiano das TIC supõe uma alta alfabetização digital da

população, que utiliza a internet para seus negócios, para consultar suas contas

bancárias e para acessar serviços do governo.

Tais práticas criaram uma consciência não usual sobre os benefícios do governo

eletrônico e da inclusão digital, já que as TIC resolveram o isolamento que marca

sua geografia, e estão logrando um desenvolvimento econômico pela visibilidade

global de seus serviços. Cada zona portuária conta com um telecentro organizado

pela comunidade, e com computadores obtidos por diversas vias não oficiais.

A CELEPAR ajuda na administração, até que o próprio núcleo gere uma proposta

auto-sustentável. Ademais, paga dois empregados de meio período para o

atendimento de cada telecentro. Estes empregados são membros da comunidade

que desenvolveram uma capacitação mínima em informática e que estão em

condições de transferi-la. Com sua assistência, organizam-se cursos de Código

Aberto e Internet, pelos quais se emitem certificados que têm as logomarcas e

assinaturas da CELEPAR, Software Livre Paraná e do Governo do Paraná.

Nos telecentros desenvolvem-se também outros cursos de interesse comunitário

que podem ser, ou não, sobre informática (cursos de bordado, por exemplo).

Também funcionam como pontos de reunião com função social. Por exemplo, o

curso de alfabetização inicial mediante o uso de computadores permite aos adultos

aprender a ler e a escrever através do teclado em menos de um mês. São os

mesmos “informatas” de CELEPAR os que desenvolveram estes métodos e operam

como um tipo de assistentes sociais e educadores em cada telecentro.

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Os telecentros

O telecentro de Brasília é freqüentado por um grupo majoritariamente feminino, de

todas as idades. Sua preocupação central é a organização social do lugar. À época

da visita da pesquisadora, o grupo estava discutindo os tempos de acesso por

pessoa, regras internas de convivência, prioridades de uso (primeiro, os escolares),

supervisão do “chat” das crianças (até a idade de 16 anos), prêmios para adultos

com destaque nos cursos, nomeação das autoridades, entre outras questões. Nesse

último ponto surgiram disjuntivas interessantes: se toda a comunidade tivesse direito

ao voto, poderia resultar designada gente não sensível às políticas de inclusão

digital, o que poria o telecentro em perigo; se só votassem os habitués, ficavam

incluídos habitantes a quem só interessava resolver assuntos pessoais (como a

consulta de extratos bancários por Internet), a muitos dos quais não importam as

funções sociais do telecentro.

A definição dos beneficiários da gratuidade dos serviços supunha determinar-se a

quem a política de inclusão digital deveria amparar: pela regra em vigor, os novos

habitantes (com permanência inferior a dois anos) e os turistas deviam pagar; e o

resto, não. Previu-se a criação de uma biblioteca, para uso dos que esperavam a

vez, ou por interesse direto; e a capacitação em inglês e espanhol para quem

atendia o telecentro. Poder oferecer serviços pagos a turistas era o que garantia a

auto-sustentabilidade do centro. Quanto aos habitantes da terceira idade, havia o

interesse de como, através dos telecentros, se poderia resolver o analfabetismo de

muitos anciãos, "para que se sentissem orgulhosos de si mesmos e pudessem

‘chatear’ e conectar-se com o mundo" (e até, “conseguir um par, se não tinham"). A

pauta de discussões incluía a organização de grupos de ensino especiais, com os

pescadores, por um lado, e os barqueiros, por outro. Estes setores vêm tendo a

mesma ocupação durante gerações (sobretudo os pescadores). E, também, a

conveniência ou não do uso de Linux (os telecentros estão obrigados a usar

software livre). A reunião culminou com exercícios de alongamento facilitados pela

“informata” de plantão que revelou desempenhar muito mais funções que as

habilitadas por sua profissão. Ela lembrou que se tinha que cuidar sempre do corpo,

depois de estar muito tempo sentados (com computador ou sem ele).

Em Encantada, no outro extremo da Ilha (em uma reunião assistida pela

pesquisadora), a composição do conselho revelou-se diferente, sendo liderada por

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uma mulher que revelava grande caráter e formação, e o resto eram, em geral,

homens jovens. A líder pronunciou uma extensa alocução com respeito ao

significado da inclusão digital como direito da população. Aludiu a que o pagamento

de impostos os habilitava a ter um acesso direto à tecnologia e a serviços como o de

fibra óptica que conectava a ilha: "um direito e não um favor do governo". Pôde ser

verificado que muitos dos livros (o telecentro estava instalado na biblioteca pública)

se compravam e pagavam por Internet.

Linux

Esteve em foco uma discussão relativa ao “Linux”: geralmente, não se espera que

uma comunidade de baixa escolaridade venha a fazer pleitos tecnológicos que

parecem improváveis nesse meio social, e que se supõem restritos aos “experts”. A

discussão questionava a relação entre software livre e inclusão digital: se o governo

havia decidido dar impulso ao primeiro para garantir a segunda, o software

obrigatório devia ter um desenvolvimento e um suporte técnico que permitisse todos

os usos. Mas, naquele momento, não podiam “escanear”, nem imprimir, e muitas

vezes tinham dificuldades para enviar e-mails porque a assistente não havia

chegado. Por iniciativa própria tinham um computador funcionando com software

proprietário, com o qual resolviam questões básicas para os serviços escolares.

Existia um problema mais: o sítio por antonomásia de educação no Brasil

(www.aprendebrasil.com.br) só era 100% acessível com Windows, estando vedado

em uns 40% à versão instalada do Linux. Tampouco o "log in" era aceito, mesmo

sendo "Aprende Brasil" um sócio dos telecentros.

Por outro lado, o Linux dispunha de esplêndidos jogos para ajudar a coordenação

motora no uso do mouse (grande dificuldade para os que se alfabetizam

informaticamente). O telecentro possuía programas de alfabetização primária

através de jogos educativos. As crianças contavam com a possibilidade de armar

seus próprios sitios web, algo já natural para os pequeninos da ilha.

A experiência sugere que os setores populares são ricos em possibilidades

discursivas. A consciência da necessidade de integrar-se à Sociedade da

Informação denunciava-se forte; a compreensão da pertinência e as dificuldades do

software livre, também. Contudo, a intensidade do problema revelada dentro da ilha

contrastava com sua escassa repercussão em relação ao território do Estado: o

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Paraná possuía, à época, apenas doze telecentros. A experiência pode ser

confrontada com a dos “locutórios” ou cabinas existentes em Buenos Aires

(KAUFMAN, 2004, pp. 1-5) onde qualquer pessoa, por 30 centavos de dólar, acessa

uma hora de Internet. Não se limita o acesso, pois são empreendimentos

econômicos privados e quanto mais gente entra, melhor. Sua explosão quantitativa

foi fruto, muitas vezes, dos que ficaram desempregados e contaram com algum

dinheiro para investir: sua indenização trabalhista, quase sempre. Um fenômeno de

proliferação similar pode ser observado em Lima, Peru.

O acesso aos telecentros para turistas (no caso da Ilha) era muito caro, de dois a

três dólares por hora. Existem poucos pontos de acesso e cada um representa um

esforço titânico do governo, porém insuficiente. Isto contrasta com a profusão de

locutórios em países como a Argentina, Chile ou Peru onde, em zonas cêntricas, às

vezes não guardam sequer cem metros de distância uns dos outros. As zonas

periféricas também contam com uma enorme quantidade destes serviços privados, e

estão permanentemente cheios. Nestes casos, não existe um discurso comunitário

de como organizar os lugares, quem tem acesso, que significado tem a inclusão

digital e, muito menos, sua relação com o software livre (a maioria sequer deve

saber o que é “Linux”). Trata-se de uma incorporação à Sociedade da Informação

sem um discurso e sem consciência.

Telecentros vs. Locutórios

Conviria pensar um modelo de gestão que garantisse acessos, nem puramente

privados, nem sustentados de todo pelo Poder Público (mesmo com participação

cidadã, como no caso). Nenhuma política de governo pode facilitar tanto o acesso

como os locutórios; nenhum locutório pode assumir os serviços dados pela

CELEPAR nos Telecentros. As duas propostas devem caminhar de mãos dadas.

A prevalência do acesso em relação à propriedade dos meios sugere que a posse

de equipamentos é relativamente irrelevante para lograr a conectividade. E que “o

cambio no uso dos bens e serviços na Sociedade da Informação, à diferença da

Sociedade Industrial, se está dando na comercialização do tempo, mais que na

apropriação dos meios de produção”. (Finquelevich, idem).

Para os grupos economicamente menos favorecidos, as mulheres, os adultos

maiores e os habitantes do interior do país, os cyber-cafés servem para desligar os

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computadores e as conexões na Internet do paradigma da propriedade e do uso

individual do hardware e das conexões. Os cyber-cafés negam este modelo: não se

baseiam na propriedade da tecnologia, mas na compra de tempo para usá-la: fazem

com que as pessoas compartilhem tecnologia em espaços privados de uso público,

em vez de em lugares individuais. Ao favorecer a presença virtual na rede, antes

que a presença física (a propriedade do computador), também estimulam um

modelo “rede-cêntrico” de apropriação e utilização das TIC.

O relato da experiência revela a contradição do uso do software livre em paralelo a

um software proprietário, o que desautoriza algumas declarações políticas e

bandeiras tecnológicas, porque seguem subsistindo as perguntas dos habitantes: a

impressora funciona? Posso “escanear”? Posso acessar o "Aprende Brasil"?

A magia dos discursos ideológicos pode incendiar multidões, derrubar governos,

gerar novas consciências sobre direitos até há pouco desconhecidos. No caso da

Ilha pode-se, quiçá, reconhecer essa magia na veemência com que reclamam a

inclusão digital. Porém, esse reclamo não se contenta com promessas de futuro.

Portanto, a magia do discurso político encontra limites na natureza mesma da

tecnologia. Os ilhéus demonstram entender a cruzada do governo em relação ao

software livre que, ao concretizar-se, os beneficiaria. Ninguém questionava o

desempenho da CELEPAR mas, as opções tecnológicas da empresa deveria

atender suas necessidades. A realidade marca seu reinado: o que mais importa é

verificar se o Linux resolve ou não seus problemas e se a CELEPAR responde ou

não eficazmente a seus reclamos.

Mas, estranha-se a escassez de telecentros no Estado do Paraná (embora não na

Ilha). Parece, também, que o desenvolvimento do Linux não chega a cobrir, na Ilha,

as necessidades expressadas, não porque fora impossível senão – ao que parece -

porque a própria estrutura organizativa da CELEPAR impõe seus limites. Então, em

muitas situações a peleja entre software livre e software proprietário tem uma

desigualdade notável. No caso relatado, remete a uma competição entre David (o

software livre) e Golias (o software proprietário), sem que o primeiro descubra a

forma de vencer seu contrincante, uma vez que a própria burocracia que deve

engendrar sua força o condena à fadiga. A solução pode encontrar-se no modo

como se gerencia o conhecimento, e que um passo ineludível é abrir as comportas

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da burocracia para associar nesses desenvolvimentos outros centros de inovação,

conceber uma nova arquitetura social da inovação.

4.4 INFORMÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA

Examinaremos quatro aspectos da Informatização da Escola Pública: a integração

dos computadores nos processos de ensino-aprendizagem; a relação desta inserção

com a inclusão digital; o projeto específico do governo brasileiro para este fim; e, o

estado-da-arte deste projeto no momento em que o abordamos. A análise não cobre

o uso da informática na administração escolar, para processos administrativos de

variada natureza, sem negar importância a estas aplicações.

4.4.1 Computadores e educação

A análise da integração dos computadores no processo educativo poderia seguir as

tradicionais interrogações dos “5W-2H”: o que, quem, quando, onde, porque, como,

e quanto. Não seria, porém, o caso de enveredarmos pela longa e emaranhada

discussão das teorias da educação, convocando Frenet, Dewey, Piaget, Vigotsky,

Paulo Freire, ou outros ilustres educadores, para nos guiarem pelos meandros do

behaviorismo, do construtivismo ou da “ZDP” vigotskyana.

Segundo VALENTE (1999), “a verdadeira função do aparato educacional não deve

ser a de ‘ensinar’ mas, sim, a de criar condições de aprendizagem” e o professor

“deve deixar de ser o repassador do conhecimento, para ser o criador de ambientes

de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do

aluno”. O “bom” ensino e a “boa” educação parecem depender do professor, do

método, do ambiente, dos objetivos e dos recursos. Não pode haver boa educação

sem bons professores, bom processo de ensino-aprendizagem (método) e recursos

adequados. Mas, a boa educação há de ser, também, aquela que atinja os objetivos

propostos, e a qualidade destes recai sobre a sociedade.

Não discutiremos o “bom professor”, nem o “bom método”. Quanto ao ambiente: o

macro-ambiente do processo educativo é constituído pela própria Sociedade, com

seus instrumentos específicos - no Brasil, o Sistema Nacional de Ensino e seus

ramos locais administrados pelo MEC e pelas Secretarias de Educação Estaduais e

Municipais. A unidade escolar, com sua estrutura, recursos, e direção constitui, em

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termos materiais, um recurso; em funcionamento, fornece um (micro)ambiente para

a educação.

A família parece constituir uma importante instância do processo educativo, e da

própria formação social. É, porém, um ente resistente à análise97.

A proposição dos objetivos da educação parece levar a um impasse, já que a

educação passível de ser praticada dentro de uma Sociedade será aquela que a

própria Sociedade preconiza, promove e facilita. Assim, a Sociedade delimita o

processo educativo e, ao mesmo tempo, espera deste as mais relevantes

contribuições para “melhorar” a si mesma.

Para PATEMAN (1996, p. 233), socialização é “a soma de práticas pelas quais

novos indivíduos são transformados em membros de sociedades existentes”, e

educação “é o subconjunto de práticas que têm como resultado pretendido

determinados tipos particulares de formação”. Isto sugere que a sociedade pode

pretender formar diferentes “tipos” de indivíduos (o soldado, o operário, o

profissional liberal). No ensino fundamental, contudo, os educadores convergem em

torno de alguns elementos psicossociais, éticos e instrumentais. Assim, defendem a

formação de um indivíduo capaz de buscar/receber informação e de construir seu

próprio conhecimento; um indivíduo autônomo, mas socialmente integrado; apto a

defender seus interesses, mas respeitando o interesse alheio; capaz de interagir

com a Natureza, na busca da satisfação de suas necessidades, porém com

consciência ecológica; consciente e orgulhoso de sua individualidade, mas

respeitador e amante da alteridade (LANDRY, 2002, p. 119; PÉREZ SERRANO,

2002, p. 10; DELORS, 2001, p.89-90)98.

4.4.2 Ensino de computador versus computador no ensino.

Computadores são, sobretudo, recursos educacionais. As idéias sobre o uso do

computador no ensino são bem mais antigas do que a consciência recente da

importância da inclusão digital e desde a década de 1950 vêm tensionando as

concepções de ensino e de aprendizagem. É muito citada a dicotomia entre o ensino

do computador e o ensino com computador (TENÓRIO, 1991, p. 11). No primeiro

97 Um Mestrado em Ciências da Família (único no Brasil) é oferecido pela UCSal (BA). 98 Cf. também UNESCO, Declarações de 1990, de Jomtien; de 1993, de Nova Delhi; de 1994, de Salamanca; de 2000, de Dakar; e de 2001, de Cochabamba.

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caso, o computador será objeto de estudo, em cursos de informática para técnicos

da área, que aprendem a conhecer em detalhe o hardware (estrutura; como

funciona; como se pode montar, desmontar, dar manutenção) e o software (como

escrever programas de computador, etc.). Também faz parte deste campo aprender

a usar o computador, em cursos para usuários (não-técnicos da área): ligar/desligar;

ativar/desativar um programa; gravar ou acessar dados; etc. Deste modo, o ensino

“com computador” sempre se inicia com algum ensino “do computador”, mesmo

incipiente. Não vamos tratar do ensino “do computador”, mas da outra alternativa,

analisando os usos, didático e pedagógico, da máquina.

4.4.3 O computador como recurso didático.

Não examinaremos os usos do computador como recurso para-didático, isto é, como

ferramenta de trabalho do professor para o preparo de aulas, apostilas e provas, ou

para correção de provas, e outras aplicações semelhantes. Nem, como ferramenta

de trabalho pós-aula, da parte dos alunos - como processador de textos, ou máquina

de calcular - para preparo de trabalhos escolares.

Os recursos tradicionais de exposição na sala de aula - a lousa e o giz, os mapas e

cartazes vêm sendo substituídos em parte por recursos didáticos áudio-visuais

modernos, como o vídeo e a TV, filmadoras e projetores de filmes, projetores de

slides e retroprojetores de transparências. Estes equipamentos possibilitam a

projeção de imagens em tamanho grande, com nitidez de detalhes, cores variadas e

firmes, texto associado aos quadros, movimento, e som acoplado à projeção. Os

objetivos pedagógicos incluem a dinamização da aula, a ativação conjunta dos

sentidos da visão e audição, a captura da atenção. O recurso do movimento é muito

valioso no estudo de processos dinâmicos como, em biologia, o processo de

circulação do sangue nos mamíferos; em física, o fenômeno da ação-reação devida

ao choque de dois corpos em movimento. Mas, nem todos os recursos estão

presentes em todos os dispositivos, o que nos obriga a eventuais acoplamentos. Os

materiais didáticos (fitas gravadas, slides, transparências) são pré-formatados e de

difícil ou impossível alteração durante a aula pelo professor.

Como equipamento áudio-visual, os computadores superam estas limitações:

apresentam maior gama de recursos (texto, som, imagem e movimento, na “telinha”

do monitor ou na “telona” de um data-show, ou televisor, acoplado); permitem a

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alteração de alguns materiais didáticos durante a apresentação, com pouco tempo

de interrupção; tem recursos exclusivos de programação interna, e de

armazenamento praticamente ilimitado em memória interna. Ligados em rede,

permitem destinar-se um monitor – ou estação de trabalho – para cada aluno (ou

cada pequeno grupo). As estações permitem a comunicação interativa professor-

alunos e a avaliação das respostas dos alunos, por programa, on line e real time,

ultrapassando muito, neste caso, a função de equipamento áudio-visual.

O uso em rede requer a montagem de “laboratórios de informática”, em salas

suficientemente grandes, com refrigeração artificial, mesas e cadeiras apropriadas e

dois complexos sistemas de fiação para alimentação elétrica e conexão em rede. Os

custos das instalações e dos equipamentos, impede a informatização generalizada

das salas de aula.

4.4.4 O computador como recurso pedagógico.

Para além da superioridade do computador como recurso didático, entusiastas de

um uso mais avançado - ou, mesmo, revolucionário - da informática no ensino

defendem seu uso em tarefas nucleares do processo de ensino-aprendizagem, isto

é, o uso do computador como auxiliar pedagógico, na sala de aula e fora dela. Para

estes entusiastas, um uso mais ambicioso dos computadores - além de dinamizar a

aula, elevar o grau de atenção e de interesse dos alunos, torná-los mais

participantes e aumentar seu rendimento escolar - pode ajudar a ampliar a

criatividade e a desenvolver as inteligências múltiplas dos discentes.

Nossa primeira referência é Skinner, criador da técnica da “instrução programada”

(1950), precursora da CAI (computer-aided instruction, ou “instrução auxiliada por

computador”)99. Com os microcomputadores, a CAI disseminou-se nas escolas, na

forma de tutoriais, programas de demonstração, exercício-e-prática, avaliação do

aprendizado, jogos educacionais e simulação. Em outras abordagens, o computador

99 Burrhus Federic Skinner, psicólogo behaviorista (EUA). Instrução programada - conjunto de pequenos módulos de ensino contendo, cada módulo, um “ensinamento” simples, e uma questão. O aluno deve ler um módulo, responder (imediatamente, por escrito) a questão e conferir o acerto. Se acertar, avança para o próximo módulo; se não, será instruído a rever módulos anteriores ou interpolar módulos de reforço. A IP, usando módulos impressos, prosperou por alguns anos, mas foi abandonada, pela dificuldade de produção dos materiais. Levada para o computador, foi rebatizada como CAI. O alto custo dos computadores (mainframes) barrou sua disseminação nas escolas, e ficou restrita às Universidades. O PLATO, da Control Data Corporation (1970), foi o mais bem sucedido programa de CAI e chegou a ter 3000 autores (VALENTE, 1999).

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comparece como ferramenta no auxílio à resolução de problemas, a produção de

textos, a manipulação de banco de dados e o controle de processos em tempo real –

cobrindo, principalmente, as áreas de matemática, ciências, leitura, artes e estudos

sociais (VALENTE, 1999)100.

Um expoente dos entusiastas é Seymour A. Papert, nome ligado à criação do

projeto LEGO/LOGO pelo Media Lab (laboratório para pesquisas avançadas em computação, do MIT). O LEGO é um sistema de peças de encaixe (composto de

blocos inertes e de blocos que incluem elementos tecnológicos, como pequenos

motores, polias, engrenagens, rodas, baterias, lâmpadas, etc.), usados para a

montagem de estruturas inertes – casas, mesas, bonecos – e também modelitos de

trens, automóveis, e mini-robôs. O LOGO é uma linguagem de programação

“infantil”, para fins educativos, e que permite ao usuário, mediante sentenças

escritas em uma linguagem próxima da sua língua materna, deslocar na tela do

monitor uma “tartaruga” (um cursor). Com o LOGO o aluno pode traçar figuras

geométricas, e desenvolver conceitos matemáticos e físicos como os de distância,

direção, sentido e ângulo (BOSSUET, 1985; NEGROPONTE, 1995; MEC, 1985).

As novas modalidades de uso das TIC na educação, superando enfim o conceito de

"máquina de ensinar", sugerem o uso do computador como uma nova ferramenta

educacional de complementação e aperfeiçoamento, e de possível mudança na

qualidade do ensino. Ao nos afastarmos, por igual, dos excessos fundamentalistas

cultuados por “tecnófobos” e “tecnólatras” (SILVA, 1999), vamos concordar com

Landry (2002) que a educação tem que acompanhar o momento histórico, e se o

momento atual é marcado pela presença das TIC, assim deve ser a escola:

É legítimo encorajar o uso das TIC em dispositivos de ensino e formação, desde que se levem em conta as condições de difusão dessa inovação tecno-metodológica para evitar tanto o reforço do existente (valorizar a transmissão midiatizada [do conhecimento]), quanto um efeito de vitrine (investimento na quinquilharia sem mudar os métodos da organização do ensino ou da formação). Ainda é preciso que os novos métodos sejam usados com discernimento, o que implica formar os participantes (p. 120).

Valente (1999) aponta evidências empíricas de mudanças na nossa condição de

vida e do reforço do papel protagônico da informação, num mundo atravessado por

100 Dos 7.325 programas educacionais citados no relatório do OTA – U. S. Congress Office of Technology Assessment (1988), 66% são do tipo exercício-e-prática, 33% são tutoriais, 19% de jogos, 9% de simulações e 11% do tipo ferramenta educacional, todos produzidos nos primeiros três anos de “vida” dos microcomputadores.

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processos que ocorrem de maneira cada vez mais rápida, levando a uma mudança

na natureza do conhecimento. Por isso, “os fatos e alguns processos específicos

que a escola ensina rapidamente se tornam obsoletos e [às vezes] inúteis. Assim, ao

invés de memorizar informação, os estudantes devem ser ensinados a buscá-la e a

usá-la”. A introdução do computador no ensino deve “propiciar as condições para os

estudantes exercitarem a capacidade de procurar e selecionar informação, resolver

problemas e aprender independentemente”, ao tempo em que promove “um

questionamento da função da escola e do papel do professor”. As novas tendências

de uso do computador na educação mostram que ele pode ser um importante aliado

no processo de ensino-aprendizagem.

Questionamos aquele autor, quando afirma que “[com] essa mudança da função do

computador como meio educacional, o computador pode assumir a função de

‘repassador do conhecimento’ (...) muito mais eficientemente do que o professor”.

Mais centrado parece Tenório (1991, p. 8) quando denuncia a “superestimação das

possibilidades de tais instrumentos”, e a “pressuposição de que [sua] utilização

continuada conduziria a uma mudança significativa no próprio modo de pensar do

ser humano [pois], quando se observam os resultados obtidos nos projetos

desenvolvidos, aqui como em outros lugares”, parece evidente tratar-se, na verdade,

de uma “hipertrofia das possibilidades educacionais [destes recursos]”.101

Argumentos semelhantes ao de Tenório encontram-se em ALAVA (2002, p. 13-14).

É provável é que diferentes modalidades de uso do computador na educação sigam

coexistindo. As novas modalidades não substituirão as precedentes, total e

imediatamente, tal como assim não aconteceu com a introdução de outras tantas

tecnologias (VALENTE, 1999; ALAVA, 2002). O importante é compreender as

características, vantagens e desvantagens próprias de cada uma destas

modalidades, explicitando-as e discutindo-as, para poder aplicar as modalidades

mais adequadas às diferentes situações de ensino-aprendizado. Além disto, a

diversidade de modalidades propiciará um maior número de opções, e estas opções

certamente atenderão a um maior número de usuários. Hoje, as escolas escolhem

um determinado método, generalizado para todos os aprendizes. Alguns alunos se

101 Outro “tecnólatra”, no caso, parece ser Lévy (1993, 1994, 2001). O autor da presente tese desconhece qualquer evidência de “uma mudança significativa no próprio modo de pensar do ser humano” no meio século da presença dos computadores (após 40 anos de trabalho com, e 30 anos de ensino de informática). Quanto a possibilidades futuras, as hipóteses ficam em aberto.

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adaptam bem ao método em uso e acabam vencendo; outros, não sobrevivem ao

massacre e acabam abandonando a escola. Estes poderiam ter melhores chances

com as novas concepções de ensino e de aprendizagem.

4.4.5 Informática na escola pública e inclusão digital

O projeto de Informatização da Escola Pública, como parte de um projeto de

Inclusão Digital, envolve aspectos como a definição do público-alvo; os objetivos a

serem alcançados; as temporalidades específicas; e, as metodologias a aplicar.

O público-alvo seriam os alunos da escola pública do ensino fundamental. Caso se

inclua o ensino médio, devem-se considerar dois subprojetos, pelas diferentes

características destes graus do ensino: idades, processos educativos, objetivos,

nível federativo responsável. O ensino fundamental envolve crianças de 07-10 anos

(séries 1ª a 4ª) e adolescentes de 11-14 anos (séries 5ª a 8ª), abstraída a questão

da repetência, e outros, que rompem estes limites etários.

Os alunos do ensino fundamental - se o projeto se universalizar no ano “X” – teriam

garantida uma longa jornada de 8 anos, com a média de 4 h/semana em laboratório.

Este uso continuado produziria, a partir do ano X+8, uma massa de egressos

familiarizada com os computadores, e muitas de suas aplicações. Estendendo ao

degrau médio, em X+11 o país teria uma grande massa de pessoas com 11 anos de

contato continuado com a informática, reduzindo decisivamente a exclusão digital.

Quanto aos objetivos, estes não participam da discussão já tecida sobre inclusão

subordinante ou autonomista, e confundem-se com os objetivos próprios do sistema

de ensino, cuja perspectiva declarada é, sempre, a da autonomia do sujeito. No

ensino fundamental não se discute, certamente, a “inserção no mercado de

trabalho”, algo sem sentido para a idade deste público (e levaria ao horror os

educadores). Logo, estamos diante de objetivos mais “construtivistas” que

instrumentais, retomando a discussão do tópico anterior. As metodologias

associadas estão explicitadas nos projetos pedagógicos das diferentes experiências)

4.4.6 Informatização da escola pública no Brasil: projetos e dados.

A Informatização da escola pública no Brasil apóia-se no PROINFO, Programa

Nacional de Informática na Educação, sob a responsabilidade do MEC. A seguir,

apresentamos o material oficial divulgado no site www.proinfo.mec.gov.br

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a) PROINFO. O ProInfo é um programa educacional criado em 9 de abril de 1997

pelo MEC - Ministério da Educação (Portaria MEC 522) para promover o uso da

telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público

fundamental e médio, cujas estratégias de implementação constam do documento

Diretrizes do Programa Nacional de Informática na Educação, de julho de 1997. O

Programa é desenvolvido pela Secretaria de Educação à Distância - SEED, por meio

do Departamento de Informática na Educação a Distância - DEIED, em parceria com

as Secretarias Estaduais e algumas Municipais de Educação e funciona de forma

descentralizada. A coordenação é de responsabilidade federal e a operacionalização

é conduzida pelos Estados e Municípios. Em cada unidade da Federação existe uma

Coordenação Estadual PROINFO, cujo trabalho principal é o de introduzir as

Tecnologias de Informação e Comunicação nas escolas públicas de ensino médio e

fundamental, além de articular os esforços e as ações desenvolvidas no setor sob

sua jurisdição, em especial as ações dos NTE – Núcleos de Tecnologia Educacional.

b) CETE - Centro de Experimentação em Tecnologia Educacional. Foi criado para

viabilizar e apoiar tecnologicamente e garantir a evolução das ações do PROINFO

em todas as unidades da Federação, e está situado na sede do MEC. Cabe ao

CETE organizar, acompanhar e coordenar as informações do processo de

implantação do Programa, além de desempenhar o papel de canal de comunicação

entre o MEC, os produtores de tecnologia educacional (e centros de pesquisa e

universidades), a indústria e as escolas. Principais contribuições:

• Estabelecimento de redes de comunicação. • Divulgação de produtos. • Disseminação de informações. • Promoção do uso de novas tecnologias através de atividades nas áreas de

Telemática e infra-estrutura de informações. • Contato com instituições internacionais vinculadas à tecnologia e ao EAD.

c) NTE’s - Núcleos de Tecnologia Educacional. Locais dotados de infra-estrutura de

informática e comunicação, que reúnem educadores e especialistas em tecnologia

de hardware e software. Os profissionais dos NTE são especialmente capacitados

pelo PROINFO para auxiliar as escolas em todas as fases do processo de

incorporação das novas tecnologias. O NTE é o parceiro mais próximo da escola no

processo de inclusão digital, prestando orientação aos diretores, professores, e

alunos, quanto ao uso e aplicação das novas tecnologias, bem como no que se

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184

refere à utilização e manutenção do equipamento. A capacitação dos professores é

realizada a partir destes núcleos, onde os agentes multiplicadores dispõem da

estrutura necessária para qualificar os educadores a fim de utilizar a internet no

processo educacional. A função do NTE é orientar o uso adequado desses

instrumentos para promover o desenvolvimento humano não apenas na escola, mas

em toda a comunidade. Localizados em todas as unidades da Federação, cada

Núcleo atende escolas situadas em uma mesma região. O número de escolas a

serem atendidas – e o número de NTE em cada Estado – é estabelecido em

proporção ao número de alunos e escolas de cada rede de ensino público estadual.

Segundo a SEED, o PROINFO atingiu 4.640 escolas do país, e instalou cerca de 53

mil microcomputadores e 326 NTE. Mais de 150 mil professores já teriam sido

capacitados (dados de dezembro de 2005).

Quadro 21. Dados da SEED para o Estado da Bahia. Qtd de NTES no estado: 17 Qtd de escolas atendidas pelo Programa do Estado: 293 Qtd de micros distribuídos para o Estado: 7.802 Qtd de Alunos atendidos pelo Programa no Estado: 1.984.197 Qtd de Professores capacitados pelo Programa: 3.813 Qtd de Técnicos de Suporte capacitados pelo Programa no Estado: 17 Qtd de Alunos Monitores capacitados pelo Programa no Estado: 168 Qtd de Escolas estaduais atendidas: 168 Qtd de micros em escolas estaduais: 2.783 Qtd de professores atendidos nas escolas estaduais: 12.578 Qtd de alunos de ensino médio, atendidos em escolas estaduais: 214.621 Qtd de alunos de ensino fundamental, atendidos em escolas estaduais: 75.856 Qtd de Escolas municipais atendidas: 123 Qtd de micros em escolas municipais: 1.495 Qtd de professores atendidos nas escolas municipais: 5.553 Qtd de alunos de ensino médio, atendidos em escolas municipais: 5.710

4.5 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL

As experiências de inclusão digital no Brasil são promovidas majoritariamente pelo

Estado, com a participação da Sociedade Civil Organizada (SCO), através de ONGs

dedicadas a este fim, e contribuições de menor relevância quantitativa de Empresas,

Fundações, Universidades e Organizações do Terceiro Setor.

Silveira (2003) menciona alguns exemplos destas ações articuladas. Por exemplo,

em 2001 o Governo do Estado de São Paulo iniciou a implantação de locais de

acesso à Internet em entidades de bairro, articulando-se com a Escola do Futuro da

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185

USP para formar e gerenciar o projeto nas comunidades. Quase à mesma época, a

Prefeitura Municipal de São Paulo passou a implantar telecentros, quer em prédios

públicos e sob administração direta, quer em entidades da sociedade civil. Os

monitores dos telecentros municipais são recrutados na própria comunidade,

formados e treinados pela RITS, a Rede de Informação do Terceiro Setor. A

Prefeitura, mediante convênio com a RITS, assumiu a manutenção dos telecentros

do Sampa.org - projeto de inclusão digital da RITS.

Na Bahia, a inclusão digital promovida pelo Governo Estadual tomou, em 2005, o

nome de “Projeto Identidade Digital”, e promete instalar infocentros e telecentros em

200 municípios. No plano municipal, a Prefeitura de Salvador desenvolve, desde

1995, um projeto de informatização da escola pública, recentemente reinterpretado

também como um projeto de inclusão digital.

4.5.1. Inclusão digital na rede escolar da Prefeitura Municipal de Salvador 102

O projeto de informatização da escola pública da RME-Rede Municipal de Ensino da

PMS - Prefeitura Municipal de Salvador é denominado PETI/PMS (Projeto de

Educação em Tecnologias Inteligentes, da PMS). O objetivo da nossa pesquisa foi

avaliar o potencial inclusivo do PETI/PMS, em presença do conceito de “inclusão

digital” e sob os aspectos de cobertura (da população alvo), de visão (da

coordenadoria do PETI/PMS quanto aos moldes da inclusão) e de efetividade do

Projeto (cumprimento das metas quantitativas, representatividade no universo da

população escolar e implementação da visão da coordenadoria nas unidades

escolares). Foram coletados dados sobre as dimensões da Rede e seu

funcionamento, e sobre as dimensões e funcionamento dos laboratórios de

informática implantados na Rede. A pesquisa - além de embasar empiricamente a

presente tese de doutorado - pretendeu fornecer subsídios para uma proposta de

parceria entre a PMS e a Universidade no campo da inclusão digital.

a) Dos Objetivos

O objetivo geral do projeto foi avaliar o potencial inclusivo – face ao conceito de

“inclusão digital” – do processo de informatização da escola pública na RME/PMS

(Projeto PETI/PMS), sob os aspectos de cobertura, de visão e de efetividade.

102 Com a colaboração da Profa. Ana Maria Carneiro Cintra, da PMS/SMEC.

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186

Como objetivos específicos, propôs-se a:

i. Análise quantitativa: - avaliar o grau atual de cobertura proporcionado pelo programa PETI/PMS de

informatização da RME/PMS, isto é, em que proporção os alunos da própria

RME/PMS estão sendo atendidos, e o que representa este mesmo

atendimento em termos da população escolar de 1º grau “menor” do

Município de Salvador;

- avaliar o grau de efetividade alcançado pelo programa de informatização da

RME/PMS, isto é, levantar indicadores de resultados para o programa, em

termos de “efetiva” inclusão digital dos alunos atingidos ou da efetivação dos

objetivos declarados;

ii. Análise qualitativa:

- caracterizar a visão da coordenadoria do projeto PETI/PMS quanto a:

objetivos de modernização do ensino; melhoria da qualidade do ensino; e

objetivos de inclusão digital;

- avaliar a efetividade do programa, em termos de implementação das diretrizes

do projeto pedagógico da coordenadoria na rede (efetividade dos objetivos

declarados);

Os resultados do levantamento deverão ser utilizados como subsídio e base de

reflexão para uma proposta de parceria entre a PMS e a UCSAL no campo da

informatização da escola pública de primeiro grau, no plano da inclusão digital.

Na vertente da inclusão digital mediante a informatização da escola pública, isto é,

mediante uma política pública de instalação de laboratórios de informática nas

escolas do ensino fundamental e médio, associado ao preparo de professores para

manejo deste instrumental como recurso pedagógico, no caso da RME/PMS o

recorte se atém ao ensino básico, isto é, da primeira à quarta série do ensino de 1º

grau, tarefa cometida ao município. É neste aporte que a inclusão digital do aluno do

1º grau deve ser encarada, como uma aposta no futuro, através de um investimento

no presente. Para bem fazê-lo, precisamos pesquisar e discutir os procedimentos

em curso, a fim de desenvolvermos suficiente conhecimento para maximização dos

resultados desejados e para eventuais correções de rumo.

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187

b) Da Metodologia:

b1) Dados quantitativos:

Levantamento das dimensões da Rede Municipal de Ensino da PMS – número

de unidades, número de alunos matriculados (por escola, série e faixa etária),

número de professores (por categoria), turnos de funcionamento, indicadores de

rendimento e indicadores de evasão. Este mapa de dados visa fornecer uma visão

panorâmica das dimensões da rede, permitindo contrasta-la com as dimensões da

população em idade escolar do Município do Salvador;

Número (e identificação) das escolas dotadas de laboratório de informática;

Dimensionamento e caracterização dos laboratórios: instalações físicas;

número, estado e idade dos equipamentos; horários e regime de funcionamento;

quadro de pessoal de ensino e monitoria; softwares disponíveis; conexão com a

internet;

b2) Elementos qualitativos:

“Visão” da coordenadoria do processo de informatização da RME/PMS, quanto

a: objetivos de modernização do ensino; de melhoria da qualidade do ensino; de

“inclusão digital”. Estes elementos são constitutivos do Projeto Pedagógico;

“Efetividade” – da implementação do projeto pedagógico da coordenadoria.

Efetividade dos objetivos declarados;

Análise espacial da RME/PMS e da rede de laboratórios. Realização de entrevistas semi-estruturadas com professores e alunos; Análise e interpretação dos dados.

c) Pequeno Histórico:

O programa de informatização da escola pública da PMS iniciou-se em 1995, com 1

(um) micro. A equipe da PMS optou pelo uso pedagógico do recurso, dentro de um

projeto construtivista que privilegiou “a informática-no-ensino, não o ensino-de-

informática”, com a parceria da UFBA/FACED. A Escola Novo Marotinho, situada

próxima ao “lixão” de Canabrava, foi escolhida como primeiro laboratório.

No mesmo ano, a PMS recebeu 15 micros do projeto (federal) INFOEDUCAR. Em

1997 o MEC lançou o programa PROINFO de informatização da escola pública e

criou os NTE (Núcleos de Tecnologia na Educação) em nível estadual. Deste projeto

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a PMS recebeu mais 22 micros (entre 1998 e 2004). Em reconhecimento à elevada

qualidade do seu projeto, o MEC criou na PMS o NTE-17. Atualmente, a PMS conta

com 55 laboratórios e aproximadamente 500 micros, na maioria dos casos com

acesso à internet, na sua rede escolar (que possui 350 unidades).

O projeto da PMS, no intuito de valorizar o professor, dedica-lhe um programa de

formação e de reciclagem “em educação e tecnologia” (realizado no EFPP/CAPS).

Os professores passam, então, para o regime de 20h em sala de aula e mais 20h

em laboratório. As aulas nos laboratórios devem ser conduzidas conjuntamente por

um professor de tecnologia, responsável pelo funcionamento dos equipamentos e

treinamento dos alunos, e um professor da disciplina, responsável pelo conteúdo

disciplinar e pelas questões didático-pedagógicas. Também são utilizados alunos-

monitores (em turno oposto ao de suas próprias aulas). O apoio técnico para

instalação e manutenção dos equipamentos é confiado à PRODASAL, a Companhia

de Processamento de Dados da PMS.

Na prática, encontramos alguns entraves. Na visita à Escola Humberto Silva

deparamos com dois problemas graves: obsolescência e quebra dos equipamentos

(havia 6 micros em uso e 3 quebrados). Também, detectamos a falta professor de

tecnologia para um dos turnos, e fomos informados de que este é desviado para a

sala de aula, na falta do professor regente. Embora considerado modelar, o projeto

PETI/PMS parece depender em grande parte do voluntarismo e idealismo da equipe

fundadora e que ainda continua à frente. Um indicativo de que não se trata de uma

diretriz consolidada foi a decisão da Secretária de Educação do governo eleito em

2004 de trocar o logotipo do PETI - criado em um concurso entre os alunos e que,

assim, retratava o imaginário deles – por um outro composto burocraticamente.

4.5.1.1 Visitas às Escolas e Entrevistas com Professores de Tecnologia103

Os Professores de Tecnologia (ou, “de Novas Tecnologias de Comunicação”) têm

formação acadêmica em Pedagogia, em sua maioria, ou em Letras, Matemática e

Ciências Sociais; somente um dos respondentes tinha apenas o 2º grau. Exercem

esta função em um turno e são professores-regentes no turno oposto. O

planejamento das aulas é feito entre o professor regente e o professor de tecnologia, 103 Este tópico foi composto segundo a metodologia do “Discurso do Sujeito Coletivo”, pela Assistente Social Josineide Silva da Costa, colaboradora na pesquisa, a quem ficam registrados os créditos.

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189

sendo função deste “coordenar as atividades e providenciar meios para que as

mesmas aconteçam”; o laboratório é “o espaço utilizado para a realização dos

projetos pedagógicos elaborados para as series, de forma interdisciplinar”.

Os laboratórios são constituídos, na maioria das escolas, de 10 computadores, 01

scaner, 01 aparelho de televisão, 01 aparelho de videocassete e de 01 a 03

impressoras. O tempo desde a implantação varia entre 02 e 09 anos. Geralmente os

espaços são reduzidos. Nem sempre as máquinas estão todas funcionando.

As atividades no laboratório acontecem com a presença do Professor de Tecnologia

e de monitores para auxiliá-lo, com turmas de 10 a 35 alunos, e duração de 30

minutos a 1 hora e 15 minutos de aula, com 10 a 16 sessões por semana no

laboratório. O número de turmas nas escolas varia entre 06 e 16. As turmas são de

CEB e da 1ª à 4ª series do ensino fundamental. Devido à escassez do espaço, as

classes são divididas em dois grupos, quando chega sua vez de freqüentar o

laboratório: metade dos alunos irão para o laboratório e a outra metade

permanecerá na sala de aula, com a(o) professora(o) regente. Na semana seguinte,

os dois grupos se revezarão. Em uma das escolas o laboratório ficou dividido entre

duas salas, por serem estas muito pequenas, com 5 máquinas cada. Neste caso, as

turmas são divididas em 03 grupos para possibilitar a freqüência ao laboratório. O

número de alunos por maquina varia entre 01 e 03, dependendo do tamanho do

laboratório e dos tamanhos das turmas.

As ferramentas mais utilizadas no desenvolvimento das atividades são: Word Pad,

Word, Power Point, Excel e Internet Explorer, além de jogos eletrônicos. Durante as

sessões também são explorados o videocassete e a televisão.

Os projetos temáticos desenvolvidos pelas escolas entrevistadas abordaram

questões como meio ambiente consciência negra, folclore, violência, preservação do

patrimônio publico, identidade, cultura, sentimento de pertencimento, Feira dos

Municípios. Dentre as disciplinas para as quais se utilizam recursos do laboratório, a

que menos solicita é a matemática. De acordo com informações dos professores, a

disciplina de português é a que mais utiliza o laboratório, procurando desenvolver a

escrita, e os usuários são alunos na fase das primeiras series e alfabetização.

Os monitores são selecionados entre “os alfabetizados, por indicação dos

professores(as) regentes, através de entrevistas, teste de seleção, indicação dos

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professores de NTC’s ou interesse dos alunos nas atividades”. A importância dos

monitores nos laboratórios, segundo os professores, está em “auxiliar o professor de

tecnologias dando suporte no atendimento aos alunos, e na solução de alguns

entraves entre aluno, professor-de-laboratório e professor-regente. Além de ajudar

bastante, sendo um auxiliar indispensável, leva-se em conta o desenvolvimento

pessoal dos mesmos”.

Na opinião dos professores, a contrapartida para os monitores, é que “eles têm

acesso privilegiado a uma tecnologia que não está disponível para a maioria dos

alunos e, através dos cursos de instrumentalização, adquirem noções de

responsabilidade, aprimoram conhecimentos sobre NTC’s, e aumentam suas

oportunidades de emprego e de valorização pessoal”.

As dificuldades encontradas, de acordo os entrevistados são:

• Computadores antigos;

• Quantidade reduzida de computadores;

• Resistência de alguns professores ao novo: alguns estão cansados, estão “preenchendo” horário, ou perto da aposentadoria. Esta situação é mais comum ao turno da noite;

• Despreparo para novas demandas;

• Escassez ou insuficiência de Infra-estrutura;

• Os alunos do turno da noite apresentam-se cansados e desmotivados, e sentem dificuldade em aprender;

• Um mesmo projeto pedagógico é usado para faixas etárias diferentes.

Os professores percebem o uso de novas tecnologias no ensino formal como:

• “De grande valia”;

• “Essencial para contribuir com o aprendizado do aluno”;

• “A educação só tem a ganhar com o uso das novas tecnologias”;

• “Ótimo, pois possibilitou aos estudantes interagirem, trocar idéias e, enfim, construir conhecimentos”;

• “Grande saída para educação”

• “Uma ferramenta facilitadora no processo de conhecimento”;

• “As aulas no laboratório servem de refugio contra a dura realidade”;

• “Estimulam o aprendizado”;

• “É um diferencial para que os adolescentes tenham mais oportunidades de trabalho e busquem novos conhecimentos”

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• “Melhora as relações pessoais e inter pessoais”;

• “Interfere na evasão escolar, reduzindo-a, com maior participação e interesse em estudar”;

• “É fundamental para o aluno que tem dificuldade em aprender. Ajuda-o a superar os limites, valorizando-o e dando novas possibilidades. Através do manuseio do computador, ele (o aluno) tem uma visão que é capaz.”

Não existe um trabalho especifico com a comunidade em torno e os pais, ou com

alunos especiais, na maior parte das escolas entrevistadas, embora as poucas

experiências existentes tenham demonstrado a importância deste relacionamento.

4.5.1.2 Outros resultados da pesquisa.

Conforme relatórios fornecidos pela SMEC, as escolas municipais são 360, e

totalizavam 176.591 alunos em 2005 (as projeções para 2006 estão no quadro a

seguir). Destas, somente 62 escolas foram listadas como possuindo laboratórios de

informática, ou seja, 16%. Nossa investigação detectou que muitas das escolas ditas

possuidoras de laboratórios de informática, na verdade, ainda não o têm implantado

e funcionando, seja por falta de instalação física, seja por ausência de professores

de tecnologia. Além disso, nas escolas dotadas de laboratório nem sempre estes

funcionam os três turnos. Por tudo isto, será mais verdadeiro considerar uma

cobertura, seja em número de unidades, seja na quantidade de alunos efetivamente

atendidos, largamente inferior a 10%.

O quesito da efetividade acompanha o da cobertura: se esta é baixa, perde sentido

discutir efetividade. Como ficou demonstrado nas visitas e nas respostas aos

questionários, e conforme indicamos nos relatórios inclusos, há um grau satisfatório

de correspondência entre a visão dos administradores do PETI quanto aos objetivos

da informatização da escola municipal e a prática dos professores de tecnologia nas

escolas visitadas. Esta correspondência alimenta a efetividade dos propósitos

declarados. O que fica totalmente a desejar é a cobertura, a oferta de suficientes

laboratórios, em todos os turnos, com suficientes professores de tecnologia

(treinados e motivados) e, é claro, suficientes equipamentos em bom estado de uso.

Há um constante e fundado receio do professor sem formação em informática de

enfrentar a situação da sala de aula informatizada, pela possibilidade de não acertar

fazer – ou fazer bem - alguma tarefa, seja por eventual deficiência do hardware ou

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software, seja por falta de conhecimento. A possibilidade, real, de algum aluno

conhecer alguns detalhes do software mais a fundo que o professor, amedronta

este. Saber “menos” que o aluno (mesmo algo que não pese no conjunto dos

saberes) cria situações constrangedoras para quem é visto como detentor de um

saber a ser transmitido. O discurso segundo o qual professores e alunos (de 1º.

grau) podem manter-se na sala de aula em ritmo de troca de conhecimentos é,

ainda, mera hipótese, que exige treinamento docente e ambiente propício. Há casos

excepcionais, como parece ser a Escola da Ponte, em Portugal (ALVES, 2004) mas,

aí, lidamos com a exceção, não com a regra.

No “ensino com computador” o professor precisará cingir-se – e saber cingir-se - aos

aspectos essenciais das ferramentas: não precisa conhecer, nem explorar cada

pequeno detalhe, quer por não ser este o objetivo do seu trabalho, quer pelas

limitações do tempo da aula. O domínio da informática inclui a consciência de não

poder acompanhar todos os detalhes de toda nova versão dos aplicativos (tal

atualização miúda interessa apenas aos profissionais de suporte ao produto).

Assim, o professor pode ser surpreendido, na aula, por um aluno que tenha

aprendido fora da escola um detalhe qualquer, desconhecido do professor. O

professor experiente, dono de sólido conhecimento, assume seu desconhecimento

dos detalhes, porque sabe atribuir a estes – quando confrontado com a descoberta –

o adequado valor, podendo enquadrá-lo no conjunto; o professor, sem domínio de

conteúdo, não sabe avaliar a (des)importância do detalhe. Sem visão sólida do

conjunto, não sabe como situar os elementos parciais. Seu medo faz sentido.

Quadro 22 – Previsão de Matrícula para 2006. Alunos Quantidade % Alunos Quantidade %

Matrícula 2005: 186.408 100.0 Aprovados: 114.647 76.1 Evadidos: 27.994 15.0 Conservados: 33.439 22.2 Transferidos: 7.717 4.1 Frequentando: 2.611 1.7 Total Previsto: 150.697 80.9 Resultado 2005: 150.697 100.0

Fonte: SMEC.

Não temos registro de escolas particulares, ou de crianças fora-da-escola. Alguns

elementos relativos ao PETI, fornecidos pela PMS, estão descritos em anexo.

Nossa investigação levou-nos a concluir pela excelência do PETI, em termos de

projeto, excelência confirmada, de forma independente pelos prêmios e outros sinais

de reconhecimento alcançados pela SMEC e suas escolas. Contudo, a cobertura é

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inteiramente insatisfatória, como indicamos104. No final de 2005 o programa estava

em risco devido a uma nova orientação, gestada na assessoria da SMEC, num

molde que desprestigia a formação do Professor de Tecnologia e defende um

treinamento linear de todos os professores da rede (relatório anexo).

Segundo nossa experiência, esta visão é equivocada, pois nem todos os

professores revelam motivação, capacidade ou interesse para semelhante

treinamento. Como afirmamos em outro lugar, o domínio das técnicas de informática

nada tem de trivial e, no limite, não é universalmente possível.

4.5.1.3 Programa de Informática na Educação do Município de Salvador

Serão apresentados a seguir os dados das visitas feitas a 4 escolas da RME/PMS.

O Quadro 23 resume dados relativos aos laboratórios.

Quadro n. 23. Dados dos laboratórios das escolas visitadas.

Humberto Silva

Novo Marotinho Canabrava

Cidade de Jequié Federação

Amélia Rodrigues

Equipamento 06 funcionando 01 quebrado; 01servidor 01 scanner

10 funcionando 01servidor 01 p/ o professor 03 impressoras 06 funcionando 01 televisão 01 vídeocassete

10 funcionando 01servidor 01 impressora

01servidor 01 p/ o professor 10 funcionando 01 televisão 01vídeocassete

projeto pedagógico

PETI PETI PETI PETI

Tempo de implantação

09 anos 05 anos 05 anos 05 anos

Equipe 1 Professora de Tecnologia 03 monitores

1 Professora de Tecnologia 02 monitores 01 prof. regente

01 Professora de Tecnologia, e 01 professora-regente

1 Professora de Tecnologia, 01 professora-regente e 02 monitores

Turmas Série CEB2 CEB1 e CEB2 Diversas séries CEB1 e CEB2 Fonte: elaboração própria.

104 Segundo noticiário da Secretaria de Educação (SEESP), o Estado de São Paulo tem 6 mil escolas, 6 milhões de alunos e 300 mil funcionários, na área de educação. No ensino fundamental, 99,6% das crianças em idade escolar estão matriculadas; no ensino médio, 90%. E, 84% das unidades escolares possuem laboratório de informática. No Brasil como um todo, o ensino médio está em colapso e vários estados não aceitam matrículas por não terem recursos disponíveis para manter as escolas; 18% das escolas da rede pública estão informatizadas. A SEESP confere prioridade à valorização e a qualificação dos professores: os 210 mil professores da rede têm formação universitária. Mas, o professor deve estar capacitado para lidar com a informática: através do programa de inclusão digital do professor o Estado oferece metade do custo de um computador e o banco estadual financia a outra metade. Assim, com 30 ou 40 reais mensais, descontados em folha, o professor pode ter um computador em casa, para preparar as aulas, familiarizar-se com o conteúdo da informática e trabalhar com os alunos. http://www.educacao.sp.gov.br/podio/160.htm (acesso em dezembro/2005).

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A descrição do Programa de Informática na Educação do Município de Salvador está

inserido adiante, como Anexo I - trata-se de um texto oficial da PMS, transcrito na

íntegra. Eventuais repetições não puderam ser eliminadas, para preservar o original.

1. Escola Humberto Silva – Bom Gosto da Calçada.

Professora de informática: Julia Maria dos Santos Barros. Formada em letras pela

UFBA. Especialização pela FBB–Faculdade Batista Brasileira. Tema: A Informática

para a Regularização do Fluxo no Desenvolvimento da Escrita.

O laboratório é pequeno e só está sendo usado no turno vespertino. Um dos micros

não acessava o software DUENDE (utilizado para os trabalhos de alfabetização).

As turmas são divididas em dois grupos: metade fica na sala “normal”, metade vem

para o laboratório. Cada aluno tem aula no laboratório 01 vez por semana. Os

trabalhos são planejados e iniciados na sala de aula, com continuidade no

laboratório. A Professora de Tecnologia informou que um dia por semana se reúne

com a professora regente de sala de aula e que, embora os projetos apresentados

sejam de sua autoria, são discutidos e planejados juntos.

Durante a visita a professora iniciou a aula acessando o site DUENDE,

(http://www.duende.com.br), para trabalhar com o tema “O alfabeto”. Este site foi

indicado por uma colega do curso de reciclagem para os professores;

Procedimento: Apontar com o mouse para uma letra; em seguida aparecerá uma

palavra que será lida, com os participantes identificando letra por letra. As aulas de

digitação são realizadas com o Word, onde as crianças vão digitar palavras escritas

no quadro.

As dificuldades são:

- “achar” as letras no teclado; uso das teclas “retrocesso”, “delete” e “enter”; - maquinas antigas, lentas, sujeitas a defeitos; - poucas máquinas, obrigando a professora a trabalhar com duas crianças por micro (e por terem ritmos diferentes de aprendizagem, e outros motivos, as crianças brigam); - não tem professor pela manhã, nem à noite.

De acordo informações da professora, a metodologia usada (aprender o alfabeto

identificando as letras no teclado) partiu da idéia de uma das crianças que aprendeu

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a identificar o alfabeto depois de ter memorizado as letras no teclado. Os jogos são

para exercitar o domínio do mouse e para “distrair” (reduzir as tensões). A aula no

laboratório, segundo a professora, “serve de refugio contra a dura realidade”, para

as crianças. Os meninos, segundo a professora, dão menos “problemas” no

laboratório, que na sala de aula. São trabalhadas todas as disciplinas (não se

trabalha muito, apenas, a matemática).

A professora informou que as mães reclamam porque prefeririam que os filhos

estivessem aprendendo os softwares que os cursinhos de informática ensinam

(como o WORD); as mães “não entendem” (sic) que não se trata de “aula de

informática” e sim de uso da informática para as disciplinas do currículo;

A Prefeitura está sempre atualizando o conhecimento dos professores, que sempre

recebem apoio técnico e pedagógico. Segundo a avaliação da professora, o Projeto

PETI “é muito bom”, e não deixa a desejar em relação às escolas particulares.

Resultados: os alunos criaram um jogo de perguntas e respostas dentro do Power

Point; houve avanços no aprendizado em sala de aula.

2. Escola Novo Marotinho - Canabrava

Primeira escola municipal do Brasil conectada à Internet: na época, com 01

computador.

Professora de Tecnologia: Lea. Formada em Pedagogia e Psicopedagogia.

Formação tecnológica através dos cursos de qualificação do PETI.

O laboratório é pequeno. As impressoras não são utilizadas com as crianças, pois o

objetivo é explorar o recurso digital, e não o material impresso; a “tela”, não o papel.

As turmas são 07, em torno de 35 alunos, trabalhando 02 (duas) por turno. As

turmas vão para o laboratório por duas horas, uma vez na semana.

Objetivo (declarado): Trabalhar os potenciais a partir do recurso tecnológico, para

desenvolver habilidades e competências, a auto-estima e a autonomia.

A função do profissional de informática é coordenar as atividades e providenciar

meios para que as mesmas aconteçam.

O laboratório é utilizado para a realização dos projetos pedagógicos elaborados para

as series, de forma interdisciplinar. Foram realizados projetos desenvolvendo

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temáticas sobre a violência, a etnia, a preservação do patrimônio público, o

sentimento de pertencimento, identidade, cultura e meio ambiente. Um dos projetos,

consistindo num trabalho sobre a violência, foi destaque na revista Nova Escola.

Três pesquisas já foram desenvolvidas na escola, sobre o uso de novas tecnologias

no aprendizado (“A tecnologia auxiliando no processo de alfabetização”, Uneb,

2003).

Com o CEB1, o recurso utilizado é o Paint, trabalhando a coordenação motora, a

questão espacial, a construção de textos e as várias competências próprias da

alfabetização; é trabalhada a mobilidade intelectual, analisando-se imagens. O uso

de novas tecnologias não deve se prender aos limites curriculares, mas visar a

preparação para a vida. A tecnologia deve ser usada para despertar e desenvolver

potencialidades. Para trabalhar com as crianças com necessidades especiais são

utilizados textos em braile e o DOS VOX.

Um outro recurso tecnológico é a filmadora, para a elaboração de vídeos pelas

crianças. Está em fase de discussão a construção de um webquest.

A escola percebe, no processo de utilização das novas tecnologias com os alunos, a

necessidade de inserir a comunidade e a família; para isso, é feita uma integração

com as mães, utilizando os recursos tecnológicos.

3. Escola Municipal Cidade de Jequié – Federação

Professora de Tecnologia: Joelma Nascimento. Formada em Pedagogia (UFBA).

Formação tecnológica através dos cursos de qualificação do PETI.

O laboratório é pequeno. A impressora não é utilizada com as crianças, pois o

objetivo é “o digital”, e não “o material”.

A utilização das máquinas é feita por um par de alunos, quando são crianças; e de

forma individual, quando são adolescentes ou jovens-adultos. O laboratório funciona

nos três horários. A professora informou que o projeto se desenvolve melhor com as

turmas de CEB’s.

Com os alunos e professores do horário noturno, o laboratório quase não é utilizado,

pois: 1) o próprio horário dificulta, é mais curto; (2) os professores mostram-se

cansados e, geralmente, estão preenchendo horário, ou perto de se aposentarem;

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(3) os alunos do turno noturno apresentam dificuldades de aprendizado; (4) os

alunos mostram-se cansados e desmotivados.

Dificuldades: resistência dos professores ao novo; despreparo para novas

demandas; despreparo para utilizar novas tecnologias; as pessoas mais velhas não

participam; os espaços do laboratório são pequenos, e a quantidade de micros,

também.

As disciplinas que mais utilizam o laboratório são: português, historia, inglês e

educação física.

Observações: A professora informou que o fato de ser professora de tecnologia e de

sala de aula, concomitantemente, proporcionou maior rendimento nos projetos e nos

objetivos do PETI, por conta da condição de ter mais conhecimento da “ferramenta”.

Conseqüentemente, a exploração é maior. Talvez haja necessidade de uma

proposta pedagógica diferenciada para os alunos com faixas etárias e escolarização

diferentes. Em alguns momentos, são alocados até 03 alunos por computador.

Resultados (vide comentários no site da SMEC): facilita a alfabetização.

4. Escola Municipal Amélia Rodrigues

Professora de Tecnologia: Jane Bruneli. Formada em Pedagogia. Formação

tecnológica através dos cursos de qualificação do PETI.

O laboratório é pequeno e funciona em dois espaços: cinco computadores em cada

sala, e nos três turnos.

As turmas das séries têm em torno de 40 alunos. Este ano não houve seleção para

monitores: somente 01 monitora está ajudando, como voluntária, com as turmas da

5ª e 8ª , que são menores, e os trabalhos fluem melhor. As disciplinas que mais

utilizam o laboratório são: português, ciências, arte e cultura, história.

Dificuldades: os professores resistem ao uso do laboratório. A professora infere que

seja porque as máquinas são obsoletas; a quantidade de alunos maior que a

quantidade de maquinas; os horários agendados dificultam os trabalhos, pois requer

o dobro do tempo para o(a) professor(a) esgotar o assunto, repetido a mesma aula

para cada metade da turma; o professor da sala de aula tem que se desdobrar para

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dar atenção à turma no laboratório pois, no caso desta escola, o laboratório é

composto por duas salas separadas.

De acordo com a avaliação da professora, o uso das novas tecnologias estimula o

aprendizado; o laboratório é um diferencial para que os adolescentes tenham mais

oportunidades futuras de trabalho; os adolescentes melhoram as relações (mudaram

de comportamento) e buscam novos conhecimentos.

Integração dentro da comunidade escolar e com a comunidade em torno: os

funcionários utilizam o laboratórios para fazer serviços pessoais; e, nos finais de

semana, a escola é aberta para a comunidade.

O que se precisa melhorar, de acordo a professora é: o planejamento dos projetos

pois, às vezes, acontece chocarem-se em termos de requerimentos ao laboratório; a

manutenção das máquinas; unificar os espaços do laboratório (em uma única sala).

Outras considerações: O professor de sala não permanece no laboratório, pois tem

que ficar com a outra metade da turma, devido espaço; o projeto pedagógico é o

mesmo para todas as faixas etárias; falta infra-estrutura. As máquinas estão sendo

trocadas, para atender requisitos do novo projeto de inclusão digital da PMS.

5. “2º Encontro sobre Educação e Tecnologia” - CAPS (Pituba)105

A palestra principal foi conduzida pelo Sr. Cláudio Silva, Assessor da Secretaria de

Educação. Para o palestrante, o uso das TIC se destaca nos processos de Tomada

de Decisão, além dos usos Administrativo e Pedagógico (também aqui, a serviço de

melhores decisões). Neste marco, o Plano de Modernização da SMEC prevê:

- Modernização central, e nas escolas – tornar a informação disponível, imediata e confiável na Administração da SMEC, como nas próprias escolas;

- Matrícula informatizada; - Recadastramento (escolas, alunos, professores, funcionários).

A SMEC está procedendo a uma investigação de exemplos do uso da informática

nas escolas, tomando como paradigma o Chile, com o Projeto Enlace, que atinge

9000 escolas, e tem como diretrizes:

- capacitação dos professores

105 Notas do seminário “2º Encontro sobre Educação e Tecnologia”, realizado no dia 25/10/2005, a partir das 8:30h no CAPS (Pitua).

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199

- TIC como mola propulsora da inovação.

A SMEC pretende criar uma rede para intercâmbio de experiências e de conteúdos

entre as escolas; e um Centro de Educação Tecnológica. Silva entende que:

- o voluntarismo (o voluntariado, a ação de voluntários) não é suficiente; - os técnicos (profissionais e profissionalizados) são indispensáveis.

Os resultados efetivos dependem do aporte de recursos. Foram adquiridos mais

1.500 computadores em 2005. Pretende-se interligar todas as 360 escolas da rede.

Há uma oferta de apoio da TELEMAR, de um link de alta velocidade e de conexão

com a internet. Há também uma oferta da MicroSoft para legalizar todas as cópias

de Windows da PMS, a custo zero; e para legalizar todos os demais softwares, ao

custo de R$10,00 por cópia. O uso do software livre também está na pauta.

Para Silva, é melhor alcançar todas as escolas, mesmo com poucas máquinas, do

que garantir ótimos laboratórios, porém em poucas escolas. Mas, é preciso

desenvolver a consciência coletiva de que a revolução é feita por pessoas.

O Professor deve ser visto como um agente transformador. Não só os Professores

de Tecnologia (previstos no Projeto Pedagógico do PETI/PMS), mas todos os

professores, pois todos devem poder preparar suas aulas no computador, sem

depender do Professor de Tecnologia. Todos têm que ter autonomia tecnológica, por

isso, será necessário capacitar todos. Os Professores de Tecnologia continuam

sendo necessários, indispensáveis, para tarefas mais específicas, mais “pesadas”,

no trato com a tecnologia. Porém, o mais importante, acima de tudo, é capacitar

todos os professores.

A SMEC tem trabalhado com “pessoas devotadas”, mas isto não basta. É preciso

atingir e mobilizar todos.

4.6 PROJETO “IDENTIDADE DIGITAL”.

A SECTI - Secretaria de Tecnologia e da Inovação do Estado da Bahia inaugurou

em 2005 um programa, denominado Identidade Digital, para instalação de 200

telecentros em municípios do Estado da Bahia. Uma lista dos municípios atendidos

na primeira fase encontra-se no Anexo D. <http://www.identidadedigital.ba.gov.br>

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200

Os objetivos do programa e outros dados de sua estrutura guardam semelhança

com a discussão feita acima e com os telecentros da Cidade de São Paulo. Por este

motivo, não necessitamos estender o presente tópico.

Tomando para exemplo o telecentro localizado na Ceasa/Chapada do Rio Vermelho,

encontramos o padrão de uma sala munida de computadores, dispostos em “U”.

Duas estudantes de segundo grau exercem a monitoria, atendendo

administrativamente os visitantes e prestando informações básicas. A freqüência é

gratuita. Alguns horários dão preferência a escolares, com seus trabalhos de classe.

4.7 O PROJETO CDI/EIC

O CDI – Comitê para a Democratização da Informática é uma organização não

governamental sem fins lucrativos que tem como missão institucional “promover a

inclusão social utilizando a tecnologia da informação como um instrumento para a

construção da cidadania” e, portanto, tenta suprir a carência de políticas públicas

mais sérias para inclusão digital. A entidade justifica esse esforço em favor da

informática por admitir que “a tecnologia de informação é uma das principais forças

motrizes da sociedade contemporânea”. Trata-se de um trabalho reconhecido

publicamente pela qualidade do serviço que presta.

Tomando para exemplo as EIC “Lar Fabiano de Cristo” e “Maria Mahin”, duas

escolas visitadas nas pesquisas, o quadro encontrado é basicamente o mesmo das

escolas da Prefeitura: há um laboratório, com cerca de uma dezena de máquinas;

um monitor controla o acesso e faz as vezes de instrutor. As turmas de alunos têm

horários e tempos de permanência definidos de freqüência ao laboratório.

Uma grande diferença é que na PMS é aplicado o projeto pedagógico do PETI/PMS,

que vincula totalmente o trabalho em laboratório com o currículo escolar. Nas EIC,

as aulas em laboratório seguem o projeto pedagógico do CDI que, assim, desenrola-

se paralelamente ao projeto estritamente curricular da escola.

O CDI, através das EIC, colabora com as metas nacionais de inclusão digital, como

parceiro da Sociedade Civil. Os dados da própria ONG revelam a modéstia, em

termos numéricos, desta contribuição. O Anexo E apresenta alguns dados

estatísticos, uma lista das EIC no Estado da Bahia, e um texto institucional sobre os

objetivos do CDI.

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CONCLUSÃO

Os discursos da inclusão digital, no Brasil, apresentam-na como uma política pública

e um projeto social destinados a garantir o efetivo acesso e o domínio técnico das

TIC para toda a população brasileira (universalização), ao tempo em que demarrará

processos pedagógicos capazes de reforçar a autonomia do sujeito e a competência

e motivação para a participação cidadã. Tal projeto de inclusão digital universal e

autonomista-cidadã não passa de uma utopia (na acepção negativa) acalentada

pelos otimistas tecnológicos; ou, de um engodo encenado pelos exploradores das

fragilidades do imaginário social e por aqueles que se nutrem das tragédias dos

pobres.

A promessa revela-se, na teoria e na prática, impossível no Brasil de hoje. E

impossível, aliás, em qualquer sociedade capitalista contemporânea. Não tanto pela

pretensa universalidade, pendente basicamente de recursos financeiros (supostos

disponíveis nos países ricos); da vontade política dos governantes (passível de

ocorrer); e, eventualmente, do afã dos próprios “excluídos” em se deixarem, ou não,

“incluir” (variável abstraída pelos tecnólatras).

O nó indesatável ata as dimensões sócio-políticas do projeto. As sociedades

capitalistas baseiam-se na competitividade e na desigualdade, dois elementos que

se reforçam e bloqueiam qualquer projeto radicalmente democrático, segundo

denunciam diversos autores (CASTEL, 1999; POLANYI, 1999). ALTVATER (1995, p.

241), após analisar as possibilidades do desenvolvimento sustentável, concluiu que

“o sonho de um capitalismo ecológico produz monstruosidades”. Inspirados neste

postulado poderíamos dizer que a inclusão digital universal e autonomista-cidadã

sob o capitalismo não é um sonho, é um devaneio.

1. O Brasil “como ele é”, e a inclusão digital “como vem sendo”.

Entre nós, fatores específicos dificultam tal projeto: a extensão geográfica e a

extensão demográfica do país agravam os custos financeiros, administrativos e

humanos de levar a inclusão “a todos” e “a todo lugar”.

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202

Quanto às possibilidades político-sociológicas de uma ação em larga escala em

favor da autonomia dos sujeitos e de sua “formação” para a participação cidadã,

agregando competência e motivação, estas encontram barreiras na inapetência

nacional para com a radicalidade democrática (vide item 3.5). A sociedade brasileira,

mormente por seus estratos hegemônicos, tem sido retratada como preconceituosa,

autoritária e patrimonialista – apesar da aparente tolerância – por autores como

Freyre (1998), Holanda (1995), Santos (1999), Ianni (2004). Mais recentemente, um

governador de estado fez um grave pronunciamento neste sentido (Lembo, 2006).

Aliás, o projeto em foco traz a marca genética da heteronomia, forjado que foi, não

nas trincheiras dos “excluídos digitais”, mas nos gabinetes alcandorados do Estado

e do Mercado. Esta falha genética tende a comprometer seu potencial autonomista-

cidadão (embora devamos lembrar que muitas políticas públicas ditas “necessárias”

para a população são de corte autoritário, como a vacinação e outras medidas

sanitárias, e a própria educação universal).

Ademais, o Brasil lidera o ranking da desigualdade social na América Latina, em

termos de concentração de renda e ocupa modesta posição no índice global de

acessos à rede ou aos computadores (capítulo 1).

Apesar disto, a inclusão digital no Brasil é uma realidade em progresso. Não há

nisso contradição, mas uma redefinição dos termos do discurso: o que está sendo

praticado no Brasil é uma “inclusão a conta-gotas”, muito distante da

universalização; e uma “inclusão heterônoma” que, no caso geral, pouco acrescenta

ao sujeito em termos de autonomia ou cidadania, senão como simulacro. Este

processo atinge resultados satisfatórios em um número limitado de casos

individuais, então apresentados como “casos de sucesso”.

O que nossa pesquisa do campo revelou foi: escolas pobremente equipadas,

permitindo um contato muito reduzido do aluno com o laboratório (capítulo 4). Falta

manutenção. Faltam professores (suficientemente treinados; e, se forem

considerados os baixos níveis salariais, será possível entender alguma eventual falta

de motivação). Parece faltar vontade política.

Embora considerado modelar, o projeto PETI/PMS depende em grande parte do

voluntarismo e idealismo da equipe fundadora, como relatado no Capítulo 4. Um

indicativo de que não se trata de uma diretriz consolidada foi a decisão burocrática

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203

da troca do logotipo do PETI, desconsiderando a participação dos alunos em sua

criação. E, também, a pretensão de alterar uma das linhas mestras do projeto – a

formação contínua do Professor de Tecnologia – sem consulta à base docente,

conforme discurso de um assessor da SMEC (Tópico 4.5.1, itens “c” e “5.5”).

No plano da SCO, as unidades EIC visitadas repetem o quadro da escola municipal,

mutatis mutandis. Há muito voluntarismo e o tecnicismo se sobrepõe ao

construtivismo. Em termos numéricos, o CDI estima formar 2000 alunos por ano, no

Estado da Bahia.

Não pretendemos desmerecer o trabalho do PETI/PMS ou das EIC; ao contrário,

cabe valorizá-lo. Apenas insistimos que seus horizontes quantitativos e pretensões

“construtivistas” devem ser rebaixados a suas exatas dimensões.

2. A “inclusão digital possível”

Assim, está posta em questão a hipótese da inclusão digital universal-cidadã.

Contudo, um projeto mais “honesto” precisa ser tocado: são os contornos desta

“inclusão possível” que examinamos a seguir. Nos dias correntes, no Brasil, a

“inclusão digital possível” (e, justo por que possível, realisticamente desejável)

apresenta duas vertentes:

a) a informatização da escola pública, que deve ter caráter universal (e não precisa ser chamada de “inclusão digital”, embora tenha este efeito a médio e longo prazo. Seria, assim, uma política preventiva); b) a inclusão digital tout court para as populações alvo não freqüentadoras das escolas conectadas (ações amplas, mas sem caráter “universal”).

Para prosseguir, consideremos o esquema da Figura 3.

Os autores ressaltam as ligações do Desenvolvimento Tecnológico Nacional com a

“competitividade” e a “globalização”. O tema é candente, e sem seu enfrentamento

não será possível um projeto ambicioso de inserção nacional no “mundo digital”.

Mas, não está no foco da nossa tese, não tendo sido discutido.

Não discutimos, tampouco, as “Mudanças Estruturais”, título escolhido para uma

referência ao estudo dos efeitos das TIC no cotidiano, desde uma visão do coletivo.

Tal estudo deve enfrentar os desafios do Governo Eletrônico e da Cidade Digital,

entre outros. Queremos, apenas, reiterar que um projeto amplo de inclusão digital

não pode passar ao largo destas questões.

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204

Figura 4. Contexto e dimensões da inclusão digital (elaboração própria).

Consideremos, agora, as “Mudanças no Mundo da Vida (viés individual)”. Trata-se

dos “impactos” das TIC na vida pessoal, individual, a que já fizemos algumas

referências. Este assunto pode ser abordado em (pelo menos) dois focos: o das

redes cívicas, no qual são consideradas as ações de usuários da rede, portanto, de

pessoas que já sabem usar o computador (cf. HAMILTON, 2006); e o da inclusão

digital, que trata do preparo das pessoas para obterem benefícios de ordem

estritamente pessoal, a partir de uma alfabetização digital induzida e, depois -

certamente - participarem das redes cívicas, das mudanças estruturais, e do próprio

desenvolvimento tecnológico nacional.

Atingido o tema fulcro desta tese, concluímos que o projeto deve ser bifurcado,

claramente, entre um público escolar freqüentador de “escolas conectadas”, e o

restante da população sem recursos materiais pessoais para a auto-inclusão. Para

os primeiros, o processo toma o caráter da “informática na educação” (capítulo 4). A

inclusão digital tout court aplica-se, então, aos “incluendos” (representados na caixa

“outros indivíduos”).

Consideramos que o entendimento desta estratificação constitui um grande passo e,

com ele, teremos atingido um resultado interessante em nossa pesquisa.

O diagrama da estrutura piramidal lembra que o grosso do esforço aplica-se,

naturalmente, a ações de Alfabetização Digital ou primeiro contato. A ação exige o

acesso assistido. Depois disto, o incluído poderá usar os recursos de modo próprio

Política Nacional para a “Sociedade da Informação”

Desenvolvimento Tecnológico Nacional

Mudanças no Mundo da Vida (viés individual)

Mudanças estruturais

Inclusão digital

Redes cívicas

Escolares das escolas conectadas

Outros indivíduos (“incluendos”)

Questão instrumental

Questão construtivista

Questão instrumental

Questão construtivista

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(fase da “manutenção”): necessitará então de garantia de acesso mas,

normalmente, não requererá assistência. Por último, as ações de “especialização”

visarão aprofundar o conhecimento e/ou desenvolver novas competências. Neste

caso, deverá haver pautas de ofertas diferenciadas, e atendimento sob demanda.

Figura 5. Estrutura piramidal da inclusão digital tout court (elaboração própria).

O projeto deverá encarar a questão dos degraus etários e demográficos. Admitindo

como ponto de partida o início do ensino fundamental, a inclusão digital por meio da

escola pública se estenderá a um contingente populacional distribuído entre 7 e 17

anos (desconsiderados os precoces e os retardatários).

Outra estratificação consiste em distinguir, por um lado, a questão técnica, isto é, as

decisões sobre máquinas, softwares, instalações, conexões, e outros detalhes, com

que devem ser equipados os telecentros e laboratórios, e como operar e manter

tudo isto (ponto de vista técnico/instrumental). E, ainda, como adequar os recursos

aos objetivos autonomistas-cidadãos (ponto de vista técnico/construtivista).

Figura 6. Aspectos do projeto de inclusão digital (elaboração própria). Plano instrumental Plano construtivista

Questão técnica (1) (2)

Questão pedagógica (3) (4)

O “plano instrumental” reflete as preocupações técnicas com a eficiência em termos

de custo, minimização de falhas, etc.; e, em termos pedagógicos, com a eficácia dos

Espec.

Manutenção

Alfabetização digital

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processos de ensinar a usar os recursos com fins instrumentais e também, decidir o

que vai ser ensinado, e como, isto é, produzir e por em prática “bons” projetos

didático-pedagógicos. O “plano construtivista” trata da preocupação de fazer do

projeto da inclusão digital um momento de reforço da autonomia do sujeito e do seu

compromisso com a cidadania. Do lado da técnica, implica na escolha de

ferramentas que potencializem este momento; do lado pedagógico, em adequar a

atividade pedagógica a estes fins.

3. Duas visões polares da inclusão digital.

Para muitas pessoas o aprendizado do computador só é importante para a

profissionalização da população, numa visão restrita do significado social da

tecnologia. Sem dúvida, a formação digital básica vem ganhando importância no

plano da profissionalização. Mas, esta visão implica uma Inclusão Digital "restrita" ou

“subordinante”, na qual a utilização proficiente dos recursos das TIC visa uma

inserção essencialmente passiva nas órbitas do consumo e/ou do trabalho

subalternos. Prioriza o adestramento dos cidadãos para operar computadores e

softwares aplicativos de uso comum, para acessar serviços governamentais e para

navegar na rede na qualidade de "leitor" ou "consumidor". O “incluído” digital, neste

caso, guarda analogia com o operário “adestrado” para dirigir um trator, operar uma

máquina. Ele apenas melhora sua empregabilidade e suas possibilidades de

permanecer incluído na estrutura (do mercado de trabalho) numa posição

subalterna. O sistema inclui o trabalhador, para poder continuar explorando-o

(embora isto pareça ser melhor que permanecer “excluído”, isto é, desempregado).

A Inclusão Digital "ampliada" ou “autonomista” leva à idéia de uso instrumental das

TIC por um sujeito que age com objetivos autônomos, superando objetivos

utilitaristas, para incorporar o fator 'finalidade'. Trata-se de uma visão libertária, isto

é, universalizar o uso dos recursos das TIC para alavancar a aprendizagem contínua

e autônoma, fomentar o exercício da cidadania, dar voz aos setores e comunidades

normalmente não têm acesso à grande mídia. A inclusão digital articula-se com

outras questões críticas, como a capacitação para o exercício da cidadania ativa e a

inserção do sujeito na esfera pública como interlocutor e não apenas como receptor

e/ou "sujeito de direitos".

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O conceito de Alfabetização Digital tece uma analogia entre o analfabetismo e a

ausência de domínio das TIC. A visão ampliada, o processo de alfabetização agrega

à competência para a leitura a capacidade de produzir informação, e não apenas

consumir. Inclusão social implica alfabetização e, agora, a alfabetização digital.

O acesso à comunicação em rede é a nova face da liberdade de acesso à

informação. Todo cidadão e cidadã deve ter acesso ao “correio eletrônico”, útil tanto

para fins econômicos, políticos e sociais, como para manifestações de afeto. Todo o

cidadão ou cidadã deve ter o direito de acesso às informações e serviços

governamentais, cada vez presentes na Internet. O direito a se comunicar,

armazenar e a processar informações velozmente, deve independer da condição

social, capacidade física, visual, auditiva, gênero, idade, raça, ideologia e religião.

Isto deve incluir o direito das crianças pobres de utilizarem as tecnologias para

exercerem a dimensão lúdica da infância; das mulheres obterem todos os benefícios

da sociedade informacional; dos deficientes se comunicarem em um mundo cada

vez mais conectado.

Sem desqualificar ações em relação à população como um todo, a "inclusão digital"

foca os excluídos socialmente, pois este esforço não tem sentido para os segmentos

da população que, por meios próprios, já têm domínio das TIC.

4. Alternativas de pontos de acesso

Os telecentros públicos e assemelhados (mantidos e geridos pelo governo), dotados

de monitores e instrutores, podem ser utilizados para a alfabetização digital; ou,

simplesmente, para propiciar o acesso não assistido (sem o ensino de coisas

novas), que estamos chamando de “manutenção”; e, para ações de

“especialização”, isto é, a oferta de cursos profissionalizantes, e outros.

Os telecentros comunitários e assemelhados (como os da Ilha do Mel - capítulo 4),

podem funcionar no mesmo esquema tríplice de uso. Neste caso, a especialização

deve ser escolhida e conduzida pela comunidade: o governo só apóia, não

direciona.

A expressão “assemelhados” visa assimilar aos telecentros os pontos de acesso

oferecidos em bibliotecas, estações, e outros. Sua participação no processo não

difere das dos telecentros, a não ser por meros detalhes. Os telecentros públicos e

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comunitários (e assemelhados) dificilmente serão suficientes para a cobertura ampla

da população (e nem sequer mencionamos universalização). Desta forma, novos

procedimentos, e recursos, devem ser buscados para aumentar o número de pontos

de acesso. Esta discussão foi apresentada no texto sobre a Ilha do Mel.

Como já feito em outros casos, o governo deve buscar apoio na sociedade civil e no

mercado. Santos (2001) analisa o uso do “gerencialismo” na Administração Pública

e relata como, em certas situações, o governo usou as “forças do mercado” para

atingir objetivos na esfera pública. Um caso exemplar foi a “lei do casco”, em Nova

Iorque: a Prefeitura impôs uma taxa de US$0,05 por garrafa de bebida vendida, e

passou a pagar este valor por casco recolhido à Prefeitura, com grande retorno em

termos de limpeza das ruas, redução de acidentes com cacos de vidro, e outros.

O Estado deverá encontrar formas de parceria com os “locutórios” (ou “cyber-cafés”,

hoje chamados de “lan-houses”), para oferta de pontos de acessos a usuários de

baixa renda. Estes teriam o acesso subsidiado de alguma forma; os locutórios teriam

aumento de receita, incentivando sua proliferação. A sugestão encontra paralelo em

políticas distributivistas como a bolsa-escola, o “vale-transporte”, e similares. O

incentivo pode vir por meio de renúncia fiscal, financiamento de computadores para

locutórios sob acordo de atendimento à baixa renda, etc. Não queremos avançar a

proposta de um mecanismo (já apelidado, por colegas, de “vale-internet”, ): apenas,

insistir na necessidade do Estado incentivar a proliferação de pontos-de-acesso

privados para acesso barato, talvez subsidiado, da população pobre.

5. Software livre

Nossa conclusão é pela necessidade, interesse e importância da manutenção da

política governamental de apoio ao software livre. Os argumentos neste sentido

foram apresentados anteriormente e não os retomaremos aqui.

5. Micro de baixo custo.

Uma taxa mais alta de IDD – Inclusão Digital Doméstica, ou posse doméstica do

computador - facilitará em muitos aspectos os projetos em discussão, e esta taxa é

sensível ao barateamento dos equipamentos. Quanto ao projeto OLPC – “One

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209

Laptop per Children” - ainda sobram dúvidas sobre sua (im)propriedade. Não

desejamos avançar uma conclusão neste momento.

6. Estrutura oficial (de Estado) para manter este projeto

Dadas as complexidades do projeto, uma adequada estrutura oficial precisaria ser

montada para tocá-lo. Suas funções envolvem várias áreas de ação, ligadas à

ciência e tecnologia, desenvolvimento industrial, educação e cultura, mas também

justiça, segurança, e outras. Seria talvez necessário um órgão com representação

multi-ministerial, além da sociedade civil e do mercado. Um fórum amplo dificulta o

processo decisório; um órgão especializado estreita a visão do problema. Sem

condições de fazer uma indicação concreta, deixamos aberta a questão.

Concluindo:

- as promessas de uma inclusão digital universal autonomista-cidadã não fazem

parte dos horizontes da década;

- a informatização da escola pública é o caminho mais apropriado para uma

universalização a médio prazo. Defendemos a urgente implantação de laboratórios

de informática em todas as escolas, e conectá-las à rede informacional. Porém, isto

atende apenas a criança e o adolescente, alunos destas escolas;

- os adultos pobres e os menores que estão fora destas redes de ensino conectadas

continuariam carentes, assim, ações complementares devem ser mantidas para

atendê-los. O acesso às TIC (destes segmentos) deve ser facilitado através dos

telecentros mas, também, procurando-se uma solução que envolva o mercado, para

ganhar uma escala que os recursos públicos não prometem alcançar;

- o desenvolvimento de competência digital para o país como um todo, deve ser um

projeto à parte da inclusão digital e ocorre num patamar tecnológico específico, mais

elevado. Há urgência destas providências.

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Anexo A - Programa De Informática Da Educação Do Município De Salvador

O analfabeto do futuro será aquele que não souber ler as imagens geradas pelos meios eletrônicos de comunicação. Nelson Pretto.

[Texto apresentado pela Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) - Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) - Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico (CENAP) - Núcleo de Educação e Tecnologia (NET) e relativas ao NTE-17 – Salvador].

Ao longo dos últimos anos, os processos educacionais têm sido alvo de inúmeras

pesquisas e estudos, que apontam diferentes ordens de problemas, como os altos

índices de evasão, repetências, desqualificação do docente, currículos ou grades

curriculares ineficientes, distantes da realidade docente/discente, desconectados do

trabalho e do cotidiano dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico.

Assim como a literatura educacional sinalizou algumas possíveis saídas, alegou

também a impossibilidade de mudança através das teorias reprodutivas; a escola

reivindicou para si o status de única instância através da qual seria possível

ascender aos diferentes patamares da vida econômica e social, influenciada, no

Brasil, pelos discursos do otimismo pedagógico. Enfim, diferentes teorias lançaram

diferentes olhares sobre os problemas que ainda hoje afligem o sistema educacional

brasileiro.

A partir das duas últimas décadas do Século XX, as polemicas que atravessam o

processo de ensino-aprendizagem foram avivadas com a introdução de elementos

tecnológicos (TV, vídeo e antena parabólica) visando articular a escola às

transformações da sociedade contemporânea, objetivando, inclusive, o repensar dos

processos educacionais, do papel da escola, do professor e do aluno, face às novas

demandas que se impunham à escola na formação e profissionalização de seus

sujeitos.

Mais recentemente, as políticas públicas para a educação no Brasil deram ênfase ao

Programa de Informatização das escolas públicas, criando um verdadeiro alvoroço

nas cabeças dos alunos, professores, diretores e em alguns segmentos mais

conservadores da sociedade estimulando, em uns, o ceticismo e, em outros, a fé

nas possibilidades trazidas pela presença desses elementos tecnológicos –

computadores conectados à grande teia mundial, a internet – na escola.

Acreditamos nas amplas possibilidades que o uso dos computadores conectados à

internet e inseridos no ambiente de aprendizagem pode significar para novas

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reflexões sobre os espaços tradicionais de transmissão do conhecimento,

proporcionando aos alunos, professores e, mais especificamente, a comunidades de

baixa renda, público privilegiado desse projeto, a interação, apropriação e o

conhecimento dessas tecnologias como novos espaços de construção produção do

Programa Nacional de Informática na Educação - PROINFO.

A Rede Municipal de Ensino de Salvador busca as possibilidades de, mais do que

instrumentalizar para possível inserção no mercado de trabalho de uma sociedade já

digitalizada, favorecer os processos de aprendizagem estimulados a partir de novas

estratégias, novas metodologias, que contemplem não apenas os aspectos

cognitivos, mas o desenvolvimento de uma compreensão mais ética e estética do

mundo em que vivemos, propiciando a construção de novas ecologias cognitivas,

novos ambientes em que se respeite a diversidade, a solidariedade e as diferenças,

como linhas mestras do processo de ensinar/aprender a aprender.

JUSTIFICATIVA

O Núcleo de Educação e Tecnologia (NET) da Secretaria Municipal de Educação e

Cultura (SMEC) emerge mediante a necessidade premente de ampliar as atividades

do Projeto Internet nas Escolas (PIE) iniciado no ano de 1995, passando a trilhar

outros caminhos em busca da efetiva articulação das tecnologias intelectuais com a

prática pedagógica.

No Brasil, os suportes informáticos passam a fazer parte do cotidiano escolar a partir

da década de 1980, quando o Ministério da Educação (MEC) propõe os projetos

EDUCOM (1983), e o Programa Nacional de Informática (PRONINFE, 1989),

destinados à introdução da informática na educação, criando Núcleos de Informática

Educativa em vários estados brasileiros, com o objetivo de desenvolver um

programa para formação de professores, possibilitando a articulação da informática

com a pratica pedagógica (Moraes, 1993). Essa finalidade é resgatada na década de

1990 quando o MEC ratifica seu desejo de trazer para a escola os elementos

tecnológicos, através do Programa TV escola, e em outubro de 1996, com o

PROINFO.

Paralelamente a essas iniciativas do MEC, as instituições privadas e as instâncias

estaduais e municipais deram início à caminhada em busca da articulação entre os

elementos tecnológicos e a pratica pedagógica. É dentro deste contexto histórico

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que surgiu o Projeto Internet nas Escolas – PIE – financiado e estruturado pela Rede

Municipal de Ensino de Salvador, com o objetivo inicial de disseminar os recursos da

telemática em 25 escolas.

Em 1998, com a chegada do PROINFO objetivando beneficiar 35 unidades

escolares da rede municipal com laboratórios de informática, o NET foi reconhecido

pelo MEC como um NTE, por já estar desenvolvendo nas escolas municipais de

Salvador um projeto pedagógico referente às novas tecnologias (o PIE). Em 1999,

14 escolas municipais receberam laboratórios do PROINFO e a SMEC ampliou suas

instalações, com toda a infra-estrutura adequada para receber estes equipamentos.

Surge então o PETI - Projeto de Educação e Tecnologias Inteligentes.

Em 2001 a SMEC foi contemplada com 16 computadores, 3 impressoras e 1

scanner, e o NET passou a ser conhecido como NTE-17/Salvador, localizado no

EFPP/CAPS-Pituba (Espaço de Formação Permanente do Professor, do Centro de

Aperfeiçoamento de Professores de Salvador). O NTE-17/Salvador passou a ter

autonomia de coordenar as escolas da rede municipal de ensino, no que se refere

ao PROINFO, obedecendo as diretrizes do MEC. Em 2002 mais 3 escolas

municipais foram contempladas com laboratórios doados pelo PROINFO.

A parceria com pesquisadores e professores das universidades públicas (UFBA e

UNEB) foi fundamental (considerando que neste espaço vem se discutindo e

produzindo novos saberes em torno da articulação entre as novas tecnologias e a

educação) para implementar a cultura tecnológica na rede municipal de ensino,

contribuindo de forma efetiva para a formação de nossos professores e

conseqüentemente a melhoria significativa do processo ensino/aprendizagem.

Destacamos também o incentivo dos professores Nelson Pretto e Lea Fagundes e,

mais recentemente, do CENPEC, que nos estimulam a prosseguir nossa caminhada

em busca da concretização do desafio de articular a proposta pedagógica aos

elementos tecnológicos na rede municipal de ensino.

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Diretrizes para Utilização da Tecnologia nas Escolas da RME/PMS

1. Formação de Professores

O fazer técnico-pedagógico dos profissionais que fazem parte do programa de

informática constitui-se do imbricamento teoria/prática e promoverá situações de

construção/reconstrução permanente dos saberes dos professores envolvidos na

proposta de trabalho. Prioritariamente, a metodologia visa promover a intimidade do

professor com a cultura tecnológica, a partir da qual outros elementos serão

compreendidos mais facilmente, sem medos, rompendo assim a tecnofobia que

permeia o universo dos educadores. Será constantemente discutido o referencial

teórico que norteia a prática pedagógica, focando as relações e conexões com o dia-

a-dia do projeto e principalmente com o objeto de estudo de cada área,

possibilitando, assim, maior compreensão por parte dos professores das múltiplas

potencialidades dos elementos tecnológicos com suas áreas de conhecimento.

Com a chegada dos computadores nas escolas, inicialmente todos os professores

são treinados pela PRODASAL (Companhia de Processamento de Dados da

Prefeitura do Salvador) com o objetivo de interagirem com os suportes tecnológicos,

a fim de que possam posteriormente estabelecer relações com a prática pedagógica

nas suas áreas de conhecimento. Após o treinamento, os professores das diversas

áreas de conhecimento que atuam como regentes com 20 horas, participam do

Curso de Educação e Tecnologia (mais 20 horas) para atuarem como professores

de tecnologia. Esse curso forma os professores, objetivando desenvolver novos

caminhos para o processo de construção do conhecimento, encarando as

tecnologias intelectuais como elementos mediadores deste processo, levando os

professores a repensarem a sua prática pedagógica, mediante a interação com as

tecnologias da inteligência (vide Atribuições Professor de Tecnologia, em anexo).

O NET acompanha e supervisiona o trabalho nas escolas, através das reuniões do

Grupo de Estudo Permanente – GEP. Pensamos a formação do professor como

algo contínuo, que deve ser constantemente alimentado, já que o acompanhamento

na escola não dá conta da parte tecnológica. A proposta de trabalho do NET está

embasada nas idéias de Lévy e, em especial, de Vigotsky, que vêem a construção

do conhecimento como um processo contínuo de construção/desconstrução, no qual

o sujeito transforma e é transformado pelo objeto do conhecimento.

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2. Nas Escolas

Os professores e alunos são orientados a desenvolver atividades pedagógicas,

articulando os conceitos teóricos das disciplinas com os suportes tecnológicos. Os

professores podem, também, juntamente com os alunos, construir home-pages,

slides, textos, jogos e, inclusive, marcar sessão de bate-papo para discutir uma

temática, sempre dentro do seu planejamento. Nas escolas há três professores de

tecnologia (um por turno) que têm a missão de sensibilizar, seduzir e orientar

professores e alunos para interagirem com os suportes tecnológicos (TV, vídeo,

computador), em especial o Laboratório de Tecnologia. Além dos professores de

tecnologia, há estudantes monitores que também são treinados pela PRODASAL e

auxiliam aos professores nos laboratório (vide Atribuições do Monitor).

O espaço do laboratório é considerado como sala de aula e deve ter ocupação de

100% do tempo, por orientação do PROINFO. Professores e alunos do ensino

fundamental utilizam este espaço para desenvolver a proposta pedagógica da

SMEC, articulada com o documento “Escola, Arte e Alegria”, nas diferentes áreas do

conhecimento, de acordo com o “Plano de Ensino em Educação e Tecnologia”. Os

computadores não serão usados para fins administrativos nos horários de aulas.

O Professor é visto como elemento mediador do processo ensino-apendizagem e o

aluno como sujeito ativo. A temática será, sempre, educação, comunicação e

tecnologia. O objetivo é estimular o processo de ensino-apendizagem em ambiente

interativo, contribuindo para a produção e socialização do conhecimento e da cultura.

3. Ações do NET (NTE-17/ Salvador)

• PIE - Projeto Internet nas Escolas

• PETI - Projeto de Educação e Tecnologias Inteligentes

• Curso de Educação e Tecnologia

• Oficinas Pedagógicas de Educação e Tecnologia

• Projeto de Tecnologias Inteligentes na Educação Especial

• Acompanhamento Pedagógico aos Projetos da Categoria de Comunicação e Novas Tecnologias (Fórum de Parceiros)

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4. Atribuições do Professor de Tecnologia

01- Levantar as necessidades da escola em infra-estrutura, aspectos técnicos e pedagógicos no que se refere às atividades do Laboratório de Tecnologia. 02- Planejar, executar, acompanhar e avaliar as ações e eventos relacionados com a temática Educação e Tecnologias Intelectuais na escola e em apresentações externas. 03- Articular a proposta pedagógica da rede municipal com os elementos tecnológicos, buscando estratégias de ação eficazes para o processo de ensino-apendizagem, subsidiando assim a prática dos demais professores. 04- Elaborar projeto, materiais didáticos e relatórios. 05- Acompanhar as atividades desenvolvidas via Internet (projetos virtuais e listas de discussão). 06- Participar das atividades desenvolvidas pela escola (semana pedagógica, jornadas, reuniões, A.C., etc.), no seu turno de trabalho, envolvendo-se com o Projeto Pedagógico da Escola. 07- Freqüentar regularmente a escola, cumprindo suas atividades com assiduidade e pontualidade. 08- Desenvolver, com eficácia, trabalhos com alunos e professores envolvendo os suportes tecnológicos. 09- Estabelecer um bom relacionamento com a comunidade escolar. 10- Apresentar taxa de ocupação do laboratório de 100%.

5. Atribuições do Coordenador Pedagógico

01- Atualizar os professores de tecnologia acerca das atividades e conteúdos desenvolvidos pelas diversas disciplinas, possibilitando assim a articulação entre as áreas de conhecimento e os suportes tecnológicos. 02- Supervisionar, junto com a direção da escola, o trabalho realizado no Laboratório de Tecnologia, às quartas-feiras (dia do Grupo de Estudo) e no dia de folga do professor de tecnologia (5ª a 8ª).

6. Atribuições e Responsabilidades do Monitor

O Monitor é um(a) aluno(a) escolhido(a) pelo professor do PETI para ajudar nas

atividades do projeto, orientando alunos e professores na utilização dos aplicativos e

navegação na Internet. Este aluno tem a responsabilidade de estar na escola

durante pelo menos três vezes na semana, no turno oposto ao de suas aulas,

principalmente nas quartas-feiras, quando os professores do projeto estão na

reunião do grupo de estudo e lhe compete:

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01- ser assíduo e pontual, isto é, não faltar nem chegar atrasado. Caso precise faltar, comunicar antecipadamente ao professor de tecnologia; 02- zelar pelos equipamentos – isto é, ter cuidado com os computadores, evitando que as pessoas entrem com comida e/ou bebida no laboratório; 03- Passar sempre o anti-virus e atualizar o mesmo; 04- Criar banco de dados com sites interessantes nas diversas áreas da educação; 05- Desligar o estabilizador e o computador sempre que acabar as atividades; 06- Cobrir os equipamentos com suas respectivas capas; 07- Manter os equipamentos sempre limpos; 08- Fiscalizar as assinaturas nos registros de visitas; 09- Atender gentilmente os professores e alunos que precisarem de ajuda com o micro; 10- Evitar brincadeiras no laboratório, comportando-se com seriedade e responsabilidade no decorrer das atividades; 11- Freqüentar assiduamente seu turno de estudo na escola para não haver prejuízo no seu desempenho escolar.

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ANEXO B - PLANO DE ENSINO do PETI/PMS – Educação e Tecnologia

Habilidades Aplicativos Situação Didática Áreas do Conhecimento

Lê e escreve, mediado pelos suportes tecnológicos

Word Internet Explorer Front Page Power Point

Visitas e pesqusas a sites na Internet; Produção de textos diversos (poesias, bilhetes, e-mails); participação em chats.

Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, História, Geografia, Ciências

Constrói os conceitos lógicos-matemáticos de classificação, seriação, inclusão e construção usando jogos eletrônicos e tabelas

Word (construção de tabelas) e Jogos Eletrônicos (Memória, Paciência)

Construção de tabelas utilizando dados obtidos em atividades das diversas áreas do conhecimento, dando ênfase a Matemática e Ciências e interação com jogos eletrônicos

Matemática e Ciências

Lê, canta e acompanha a letra da música, ajudando na construção da base alfabética através da atividade lúdica

Internet Explorer (site “Cante”) e Paintbrush

Visita ao site “Cante” a partir de uma música trabalhada em sala para depois ouvir, cantar e acompanha-la no computador

Língua Portuguesa Música

Desenvolve a acuidade visual e auditiva através de músicas e re-elabora o conhecimento adquirido

Internet Explorer (site “Cante”) e Paintbrush

Visita ao site “Cante” para ouvir e acompanhar a música. Criação de desenhos no Paintbrush a partir da música

Língua Portuguesa Artes Plásticas Música

Desenvolve a inteligência sensório-motora e a criatividade através da interação com o Paintbrush

Paintbrush Criação de desenhos no Paintbrush a partir de situações trabalhadas nas diversas áreas do conhecimento

Todas as áreas do conhecimento

Consegue analisar e sintetizar mediante a realização de pesquisa na Web, construindo seu próprio texto.

Internet Explorer Pesqisa em conteúdos das diversas disciplinas em sites da Internet para produção de seus próprios textos

Todas as áreas do conhecimento

Demonstra pensamento reversível, isto é, classificando, incluindo, seriando, organizando informações sobre determinada temática

Word Front Page Power Point

Construção de páginas da Web de acordo com o eixo temático da escola (sites e Home Page)

Todas as áreas do conhecimento

Sistematiza as informações obtidas durante atividades realizadas, desenvolvendo as habilidades de leitura e escrita, organização espaço -temporal, análise e síntese

Word Front Page Power Point

Construção de jogos educativos baseados nos conteúdos estudados

Todas as áreas do conhecimento

Interpreta e analisa textos informativos, construindo resenhas críticas

Word Internet Explorer

Pesquisa na Internet, leitura de revistas e jornais e posterior construção de textos.

Todas as áreas do conhecimento

Recursos Computadores multimídia com acesso à Internet, sistema operacional Windows e de aplicativos como Word, Internet Explorer, Front Page, Power Point, Paint, Front Page

Avaliação A avaliação será processual a partir da observação direta da interação dos alunos com os suportes tecnológicos, o desenvolvimento das diversas atividades, bem como a produção dos mesmos registrando o perfil de cada aluno e/ou turma na ficha própria.

Fonte: NET/CENAP/SMEC/PMS

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ANEXO C – FORMULÁRIO de entrevista de professores da PMS.

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ANEXO D - PROJETO IDENTIDADE DIGITAL - 1ª Etapa (113 Infocentros) Município Região Geográfica QTD Município Região Geográfica QTD Alagoinhas Litoral Norte 2 Itamarajú Extremo Sul 1 Amélia Rodrigues Paraguaçu 1 Itaparica Metropolitana de Salvador 2 América Dourada Irecê 1 Itapetinga Sudoeste 2 Barra Médio São Francisco 1 Jacobina Piemonte da Diamantina 3 Barreiras Oeste 3 Jaguaquara Sudoeste 1 Bom Jesus da Lapa Médio São Francisco 1 Jequié Sudoeste 4 Brumado Serra Geral 1 Juazeiro Baixo Médio São Francisco 3 Buritirama Médio São Francisco 1 Jussarí Litoral Sul 1 Caetité Serra Geral 1 Lauro de Freitas Metropolitana de Salvador 3 Camaçari Metropolitana de Salvador 4 Medeiros Neto Extremo Sul 1 Campo Formoso Piemonte da Diamantina 2 Paramirim Chapada Diamantina 1 Canavieiras Litoral Sul 1 Paulo Afonso Nordeste 2 Candeias Metropolitana de Salvador 1 Ribeira do Pombal Nordeste 1 Coribe Oeste 1 Salvador Metropolitana de Salvador 25 Cruz das Almas Reconcavo Sul 1 Sta. Maria da Vitória Oeste 1 Dias D'Ávila Metropolitana de Salvador 1 Santo Amaro Reconcavo Sul 1 Euclides da Cunha Nordeste 1 S. Antônio de Jesus Reconcavo Sul 3 Eunápolis Extremo Sul 2 Santo Estevão Paraguaçu 1 Feira de Santana Paraguaçu 3 São Félix Reconcavo Sul 1 Guanambí Serra Geral 2 Seabra Chapada Diamantina 1 Ibotirama Médio São Francisco 1 Senhor do Bonfim Piemonte da Diamantina 2 Igaporã Serra Geral 1 Serrinha Nordeste 2 Iguaí Sudoeste 1 Simões Filho Metropolitana de Salvador 2 Ilhéus Litoral Sul 3 Teixeira de Freitas Extremo Sul 3 Ipirá Paraguaçu 1 Valença Litoral Sul 1 Irecê Irecê 1 Vera Cruz Metropolitana de Salvador 1 Itaberaba Paraguaçu 1 Vit. da Conquista Sudoeste 2 Itabuna Litoral Sul 2 Total 113

Fonte: SECTI.

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Anexo E – Escolas de Informática e Cidadania do CDI-Bahia.

EIC Instituição Endereço Cidade/CEP tel Alphaville Centro de Convivência e

Aprendizado de Alphaville Rua Tamburuji, s/n, Paralela

Salvador 41.515-006

3367-5190

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE/CTP

Av. Frederico Pontes, 343, Calçada

Salvador 40.460-000

3313-6788

Bagunçaço Grupo Cultural Bagunçaço Rua Anísio Gonçalves, s/n, Jardim Cruzeiro

Salvador 40.430-510

3313-7207

Bairro da Paz Centro Comunitário Bairro da Paz Rua Nossa Senhora da Paz, 69 - Bairro da Paz

Salvador 41.515-000

CADEC Centro Adventista de Desenvolvimento Comunitário

Rua Alte. Alves Câmara, 82 Engenho Velho de Brotas

Salvador 40.240-430

3244-3890

CESEP Centro Suburbano de Educação Profissional

Rua Almeida Brandão, 13 – Escada

Salvador 40.710-110

3218-3503

CIAS Centro Integrado de Ação Social Vila Coletora 1, N. 66, Cajazeiras IV

Salvador 41.330-050

3215-3116 /3309-3079

Colônia Laf. Coutinho

Colônia Penal Lafayete Coutinho Terceira etapa, s/n - Castelo Branco

Salvador 41.320-010

tel

Cotegipe Escola Municipal Profª Lícia Brito Vila Poty, nº 15 – Cotegipe Sim. Filho 43.700-000

tel

Dona Canô Projeto Adolescente Aprendiz Av. Waldemar Falcão, 567, Brotas

Salvador 40.296-710

3356-6034 3276-0026

Engenho do Futuro

Soc. Ben. de Defesa e Recreativa do Engenho Velho da Federação

Rua Apolinário Santana, 154 – Eng. V. da Federação

Salvador 41.220-101

3203-6304

Filadélfia Centro. Comunitário Igreja Batista Filadélfia

Rua Saldanha Marinho, 113 Caixa D’água

Salvador 40.323-010

3244-0324 / 3381-7395

Fundaç Lar Harmonia

Escola Alan Kardec FLH I Rua da Fazenda, 560 - Piatã

Salvador 41.650-020

Ilê Aiyê Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê

Rua do Curuzu, nº 197 – Liberdade

Salvador 40.395-000

3256-1013 /1014

Lar Fabiano de Cristo

Lar Fabiano de Cristo Av. Suburbana, s/n, Parque Setúbal - Periperi

Salvador 40.760-010

3521-1940

LBV Legião da Boa Vontade - LBV Rua Porto dos Mastros, 19, Ribeira

Salvador 40.423-840

3312-0555

Liceu Liceu de Artes e Ofícios da Bahia Rua Guedes Brito nº 14 – Pelourinho

Salvador 40.020-260

3321-9159 - R. 258

OAF Organização do Auxílio Fraterno – OAF

Rua do Queimado, n° 17, Lapinha

Salvador 40.325-250

3242-3699

Olodum Escola Criativa do Olodum Rua das Laranjeiras nº 24 – Pelourinho

Salvador 40.025-280

3322-8069

Palmares Escola Luiza Mahin Conjunto Santa Luzia, QD. 05, nº 18 – Uruguai

Salvador 40.450-300

3314-2148

Paripe Centro Comunitário de Paripe Rua Rui Barbosa, nº 30 – Paripe

Salvador 40.820-050

3307-6708

PRODEB Cia de Processamentos de Dados do Estado da Bahia

Av. 4, nº 410, CAB Salvador 41.745-002

3115-7730

Pró-Mar Pró-Mar.net Av: Beira Mar, 13, Mar Grande – Ilha de Itaparica

Salvador 44.470-000

3633-4259

Sociedade 1º de Maio

Sociedade Primeiro de Maio Rua Nova Esperança nº 1 - São João de Plataforma

Salvador 40.717-130

3401-0700

Sol Data Instituto Sol End. Rua Francisco Drumond, 15/17, Centro

Camaçari 42.800-500

Tel. (71) 3622-8999

Tenda de Olorum

Associação Tenda de Olorum Rua Lopes Trovão nº 146 – Massaranduba

Salvador 40.435-030

3495-4629

Araci ? Rua Vicente Ferreira, s/n - Centro Cultural

Araci-BA 48.760-000

(075) 3266-2144

Biritinga ? Praça 23 de Abril, nº 423 - Centro

Biritinga 48.780-000

(075)3267-2118/ 2046

Muritiba Soc. Beneficente de Defesa e Amparo a Menores Carentes

Rua Sabino Santiago, 70 Muritiba 44.340-000

(075)3424-2280

Serrinha ? Rua Mariano Ribeiro, 45 - Centro

Serrinha 48.700-000

(075)3261-6359

Fonte: www.cdi-ba.org.br

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Anexo E (continuação) - MATERIAL INSTITUCIONAL DO CDI-BA.

O CDI-BA vem desenvolvendo um trabalho comprometido com a causa da Inclusão Digital e Social no estado (da Bahia). O maior resultado são as Escolas de Informática e Cidadania (EICs)., bem como a formação dos alunos. Vide dados na tabela abaixo:

26 em Salvador e na RMS 4 no interior N.º de EICs

2 em fase de inauguração Alunos formados por ano Aproximadamente 2000 alunos Alunos formados desde 1998 Aproximadamente 10.000 alunos

Proposta Político-Pedagógica (PPP) do CDI.

Além de proporcionar melhor qualificação profissional para nossos alunos, a proposta político-pedagógica do CDI objetiva a promoção da cidadania, utilizando a informática para fomentar a formação de cidadãos críticos, a igualdade de oportunidades e a democracia.

O trabalho do educador brasileiro Paulo Freire serviu de referencial para a formulação da PPP, pois, assim como Freire, o CDI acredita que a verdadeira educação deve ser voltada para a conscientização e a transformação da sociedade, visando à construção de um mundo mais fraterno e justo. Em resumo, os principais objetivos da proposta político-pedagógica do CDI são os seguintes:

• Oferecer capacitação de qualidade para o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs), permitindo sua apropriação social pelas comunidades;

• Fomentar um processo de conscientização dos indivíduos e sua reflexão sobre a sociedade em que vivem;

• Favorecer a criação de um espaço físico para discussão, participação e ação comunitária;

• Possibilitar a construção de conhecimento útil, a fim de que indivíduos e comunidades exerçam sua cidadania e garantam seu desenvolvimento social, político e econômico.

A equipe do CDI trabalha junto com os educadores e coordenadores dos espaços comunitários que abrigam as EICs, fortalecendo-os por meio de leituras, debates, capacitações e oficinas. A intenção é que, tornando-se mais conscientes e conhecendo melhor a realidade em que vivem, estes agentes possam motivar suas comunidades a se engajarem em ações para transformar a sociedade.

Na relação com os alunos, a proposta do CDI se concretiza por meio de cursos e de grupos de trabalho que se organizam fora do horário das aulas. A abordagem tem sempre como ponto de partida o cotidiano dos envolvidos - educando, educador e comunidade. Espera-se que, com o decorrer do tempo, os alunos sejam capazes de fazer uma leitura crítica do mundo, articulando-a com a situação econômica, política e cultural de seu país.

Vários instrumentos são usados para esse fim, como debates, análise de fatos históricos, dados estatísticos, textos de jornais, livros, poesias, músicas, pesquisas na Internet e entrevistas na comunidade. Ao promover essa reflexão em suas EICs, o CDI pretende possibilitar a identificação das verdadeiras causas dos problemas sociais e a conscientização de que a sociedade em que vivemos - desigual e excludente - foi historicamente construída pelo ser humano, podendo, portanto, ser transformada pela sua ação.

Em todos os momentos do curso, as ferramentas computacionais - como editor de textos, planilha eletrônica, gerenciador de banco de dados, e outras - são usadas para apoiar o trabalho de pesquisar, analisar e organizar os conteúdos, permitindo que as pessoas expressem sua própria síntese da realidade. Em geral, a motivação inicial da maioria dos educandos - aprender informática para obter um emprego - se desdobra em outras, que envolvem sua mobilização e organização em torno da reivindicação de políticas públicas para a garantia de seus direitos, como a geração de trabalho e o investimento em projetos sociais.

Enquanto vão desvendando o mundo que os cerca, percebendo-se como sujeitos da História, os alunos descobrem também as possibilidades de uso da tecnologia, que se desmistifica, deixando de ser percebida como uma fórmula mágica que irá solucionar tudo. Assim, fica claro que a transformação só é possível se o indivíduo estiver à frente do processo de mudança.

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ANEXO F - PORTARIA MEC Nº 522 (cria o PROINFO).

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO / GABINETE DO MINISTRO Portaria nº 522, de 9 de abril de 1997

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, no uso de suas atribuições legais, resolve:

Art. 1º Fica criado o Programa Nacional de Informática na Educação – ProInfo, com a finalidade de disseminar o uso pedagógico das tecnologias de informática e telecomunicações nas escolas públicas de ensino fundamental e médio pertencentes às redes estadual e municipal.

Parágrafo único. As ações do ProInfo serão desenvolvidas sob responsabilidade da Secretaria de Educação a Distância deste Ministério, em articulação com a secretarias de educação do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios.

Art. 2º Os dados estatísticos necessários para planejamento e alocação de recursos do ProInfo, inclusive as estimativas de matrículas, terão como base o censo escolar realizado anualmente pelo Ministério da Educação e do Desporto e publicado no Diário Oficial da União.

Art. 3º O Secretário de Educação a Distância expedirá normas e diretrizes, fixará critérios e operacionalização e adotará as demais providências necessárias à execução do programa de que trata esta Portaria.

Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

PAULO RENATO SOUZA Fonte: MEC (www.mec.gov.br)

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