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RACHEL RODRIGUES LIMA DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA Belo Horizonte, 2017

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RACHEL RODRIGUES LIMA

DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES

DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Belo Horizonte, 2017

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ii

RACHEL RODRIGUES LIMA

DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA

HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-­

graduação da Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais, como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre em

Educação.

Linha de Pesquisa: Educação e Ciências

Orientadora: Profa. Dra. Rosária Justi

Belo Horizonte Faculdade de Educação

2017

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iii

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida, e pela oportunidade de sempre poder aprender, por me dar

forças e sabedoria.

À minha orientadora Rosária Justi. Muito obrigada por sua amizade, dedicação

e atenção na elaboração desse trabalho, por me auxiliar em todas minhas

dificuldades e, principalmente, por compartilhar seus conhecimentos comigo. A

você, minha eterna gratidão!

Aos queridos amigos do grupo REAGIR – Modelagem e Educação em

Ciências. Obrigada por todos os momentos de discussão e confraternização

vivenciados. Em especial, agradeço à Paula Mendonça, Marina e Cristiane,

pela coleta dos dados analisados.

À minha família. Aos meus pais Geralda e Rubens, e irmão Raphael, muito

obrigada por todo amor, apoio e incentivo em minha vida. Mãe, obrigada por

sempre acreditar em minha capacidade e incentivar a educação de seus filhos.

Aos colegas da Prefeitura de Belo Horizonte, por permitirem que este sonho se

realizasse criando condições para que eu pudesse comparecer às aulas e

reuniões do Grupo de Pesquisa. Obrigada pelo incentivo e por compartilhem

comigo seus diferentes conhecimentos que agregaram na elaboração desse

trabalho.

Aos meus amigos, muito obrigada pela amizade. Pelos nossos momentos de

alegria e de muitas risadas que me deram disposição para continuar.

Aos membros da banca, que gentilmente aceitaram o convite para analisar e

contribuir para esse trabalho.

A todas outras as pessoas que contribuíram para que mais essa etapa da

minha formação fosse concluída. Obrigada!

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RESUMO

Currículos internacionais e vários autores têm defendido a incorporação de discussões sobre Natureza da Ciência (NC) no ensino, alegando que isto favorece a apresentação de uma ciência mais autêntica. Alguns destes autores argumentam que, a partir da História da Ciência, é possível abordar a construção do conhecimento científico, seus aspectos sociais e culturais, tratar seu caráter provisório, apresentar a Ciência como passível de erros, e permitir a reflexão e tomada de decisão sobre fatos sociocientíficos. No entanto, pesquisas realizadas com professores têm revelado que eles possuem visões inadequadas sobre NC, e que o problema parece estar relacionado ao pouco interesse pedagógico para sua inclusão nos programas de formação. A importância da NC para a formação dos professores nos estimulou a avaliar o desenvolvimento do conhecimento de conteúdo de licenciandos em Química, por meio de atividades e discussões explícitas envolvendo controvérsias históricas. Nesse trabalho, considerando aspectos de disciplinas como Filosofia, História, Sociologia, Antropologia, Economia, Psicologia e Cognição, analisamos os dados coletados em encontros semanais de um programa de iniciação à docência de uma universidade pública. Foram analisados dados coletados a partir de questionários, vídeos dos encontros do grupo e produção de material escrito individual e reflexivo. A análise nos permitiu identificar que, a partir das discussões e atividades realizadas, os licenciandos conseguiram ampliar suas visões sobre Ciência, pois ao longo dos encontros foram incorporando em suas falas e ações argumentos e reflexões de diferentes aspectos das várias disciplinas relacionadas à NC. Concluímos que as atividades propostas pelo programa envolvendo controvérsias históricas contribuíram para o desenvolvimento do conhecimento de conteúdo sobre NC dos licenciandos e para a área de formação de professores. A partir de nossas conclusões, reafirmamos a importância da inserção de atividades envolvendo controvérsias históricas no processo de formação de professores como uma maneira de contribuir para o aprendizado de aspectos variados de NC;; e apresentamos contribuições para a literatura da área.

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v

ABSTRACT

Curricula from several countries and many researchers have advocated the inclusion of discussions concerning nature of science (NoS) in science teaching, since this may support the presentation of a more authentic science to students. Some of these authors claim that, from history of science, it is possible to focus the building of scientific knowledge by both discussing its cultural and social aspects, its tentative nature, and showing that mistakes can occur in science. This would allow students to reflect and to make decisions concerning socio-­scientific issues. However, studies have shown that teachers do not have proper views of NoS. It seems one of the origins of the problem is teachers’ lack of interest on education programmes. The importance of NoS to teachers’ education motivated us to study the development of pre-­service chemistry teachers’ content knowledge on NoS from their involvement in activities based on historical controversies. In our study, by taking into account disciplines like Philosophy, History, Sociology, Anthropology, Economics, Psychology, and Cognition, we analysed data collected in weekly meetings of a programme on pre-­service teachers’ education from a Brazilian public university. We analysed data collected from written questionnaires, videos of the meetings, and other written materials produced by students, including portfolios. The analysis showed that, from their participation in the historical activities, the pre-­service teachers developed a comprehensive view of nature of science, since throughout the meetings, they progressively expressed several aspects concerning distinct disciplines that characterise NoS. This was observed from their speech, actins, and reflections. Therefore, we conclude that the activities involving historical controversies contributed to the development of the pre-­service teachers’ content knowledge on NoS. From our conclusion, we both reaffirm our belief on the importance of the inclusion of activities involving historical controversies in teachers’ education as a way to support their learning of several aspects of NoS, and present some contributions to the literature in the area.

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vi

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 2. O QUE SABEMOS E O QUE QUEREMOS SABER 4

NATUREZA DA CIÊNCIA E O ENSINO DE CIÊNCIAS 4

Visões iniciais 5

Uma visão mais contemporânea 10

O Modelo de Ciências para o Ensino de Ciências 14

CONHECIMENTOS DO PROFESSOR 18

Tipos de conhecimentos 18

O conhecimento de conteúdo de professores de Ciências 22

CONHECIMENTO DE CONTEÚDO SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA 25

Caracterização a partir da literatura internacional 25

O cenário nacional 27

QUESTÃO DE PESQUISA 29

CAPÍTULO 3. COMO INVESTIGAMOS 30

A PERSPECTIVA DA PESQUISA 30

CONTEXTO DA COLETA DE DADOS 31

Sujeitos 33

Atividades 35

METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS 40

Questionários 41

Registro em vídeo 42

Portfólios 43

METODOLOGIA DE ANÁLISE DOS DADOS 43

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vii

CAPÍTULO 4. NOSSOS RESULTADOS E INTERPRETAÇÕES DOS MESMOS

47

1º ENCONTRO – APRESENTAÇÃO 47

Disciplinas e Aspectos 49

2º ENCONTRO – ARGUMENTO CULTURAL DA CIÊNCIA 50

Disciplinas e Aspectos 55

3º ENCONTRO – GURADACHUVOLOGIA 57

Disciplinas e Aspectos 64

4º ENCONTRO – É CIENTÍFICO OU NÃO? 66

Disciplinas e Aspectos 72

5º ENCONTRO – A HISTÓRIA 73

Disciplinas e Aspectos 76

Portfólios 76

Questionário Inicial 79

PANORAMA INICIAL 92

6º e 7º ENCONTROS – PREPARAÇÃO DA ATIVIDADE DOS KITS 94

Disciplinas e Aspectos 99

Portfólios 100

8º e 9º ENCONTROS – APRESENTAÇÕES DA ATIVIDADE DOS KITS 103

Disciplinas e Aspectos 120

Portfólios 121

10º e 11º ENCONTROS – PREPARAÇÃO PARA O JÚRI 127

Disciplinas e Aspectos 131

Portfólios 131

12º ENCONTRO – O JÚRI 135

Argumentos iniciais 136

Réplica 138

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viii

Tréplica 140

Disciplinas e Aspectos 142

Portfólios 142

13º ENCONTRO – O VEREDITO 147

Disciplinas e Aspectos 152

Portfólios 152

QUESTIONÁRIO FINAL 158

PANORAMA FINAL 172

CAPÍTULO 5. O QUE CONCLUÍMOS 187

CONCLUSÕES 187

IMPLICAÇÕES 192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 194

ANEXOS 201

ANEXO 1. QUESTIONÁRIO SONDAGEM 201

ANEXO 2. QUESTIONÁRIO INICIAL 202

ANEXO 3. QUESTIONÁRIO FINAL 205

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1. Modelo Visual – Science Eye (Justi & Erduran, 2015, p. 7). 15

Figura 2.2. Diferentes visitantes na cápsula representam as diferentes visões

de Ciências em uma mesma área de conhecimento (Justi & Erduran, 2015, p.

8). 16

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LISTA DE QUADROS

Quadro 3.1.Textos que compõem os kits. 36

Quadro 3.2. Textos entregues para atividade do júri simulado. 38

Quadro 3.3. Aspectos das disciplinas do MoCEC. 45

Quadro 4.1. Quantitativo de citações por disciplina. 80

Quadro 4.2. Exemplos da análise dos argumentos iniciais. 150

Quadro 4.3. Quantitativo de citações por disciplina nas respostas das questões

1, 2, 3, 6 e 7 do questionário final. 159

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xi

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 4.1. Quantitativo de citações dos licenciandos por disciplina

identificadas no portfólio do 5º encontro. 79

Gráfico 4.2. Quantitativo de citações por questão no Questionário Inicial. 81

Gráfico 4.3. Quantitativo de citações por licenciando no Questionário Inicial. 91

Gráfico 4.4. Quantitativo de citações dos cinco primeiros encontros. 93

Gráfico 4.5. Quantitativo de citações dos licenciandos por disciplina

identificadas nos portfólios do 6º e 7º encontros. 103

Gráfico 4.6. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina

identificadas nos portfólios do 8º e 9º encontros. 127

Gráfico 4.7. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina

identificadas nos portfólios do 10º e 11º encontros. 135

Gráfico 4.8. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina

identificadas nos portfólios do 12º encontro. 147

Gráfico 4.9. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina

identificadas nos portfólios do 13º encontro. 158

Gráfico 4.10. Quantitativo de citações por questão no Questionário Final. 160

Gráfico 4.11. Quantitativo de citações por licenciando no Questionário Final.171

Gráfico 4.12. Quantitativo de citações das disciplinas nos encontros e

portfólios. 173

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Capítulo 1 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

1

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

A Ciência é um empreendimento importante e poderoso que se encontra

inserido no sistema social humano. Para melhor compreensão desse sistema,

devem ser considerados aspectos históricos, religiosos, culturais e seus

interesses sociais (McComas, 2004). No entanto, esses contextos e as

pessoas envolvidas na construção do conhecimento científico muitas vezes são

ocultados, resultando na apresentação da Ciência de forma descontextualizada

no ensino.

Para Gilbert (2004), uma saída para esse dilema é tornar a educação

científica mais autêntica. Segundo o autor, é importante tratar os processos de

como a Ciência é conduzida e como seus resultados são socialmente aceitos.

Para isso, ela deve ser representada o mais fielmente possível e de forma

histórica e filosoficamente válida. Também é importante que os estudantes

sejam levados a refletir sobre o papel da criatividade na Ciência;; a fornecer

ideias satisfatórias para as explicações dos fenômenos;; e a ser capazes de

sustentar soluções tecnológicas para os problemas humanos, base para

prosperidade econômica, bem-­estar social e da saúde.

Outros autores como Abd-­el-­Khalick e Lederman (2000) endossam que

a partir da História da Ciência é possível discutir a construção do conhecimento

e apresentá-­la de forma viva e dinâmica. Além disso, para Allchin (2011), a

abordagem histórica é essencial para compreensão da Natureza da Ciência

(NC), pois possibilita abordar aspectos sociais e culturais, discutir o caráter

provisório do conhecimento científico, apresentar a Ciência como passível de

erros, e permitir a reflexão e tomada de decisão em questões sociocientíficas.

Embora tenham ocorrido reformas que resultaram em documentos que

abordam a NC, por exemplo, os editados pela American Association for the

Advancement of Science (AAAS, 1993) e pelo National Research Council

(NRC, 2012), ainda não foi possível evidenciar um impacto significativo das

mesmas na alteração das concepções de estudantes. Lederman (1992), em

um trabalho de revisão da literatura, apresentou pesquisas que mostraram que

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Capítulo 1 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

2

os próprios professores também possuem concepções inadequadas e

influenciam a compreensão de NC de seus alunos.

Para Lewthwaite et al. (2012), mesmo NC sendo um componente

importante para a formação de professores, o problema quanto ao

conhecimento sobre NC parece estar relacionado ao pouco interesse

pedagógico para sua inclusão nos programas de formação. No entanto,

trabalhos como o do próprio Lewthwaite et al. (2012) e o de Niaz (2009)

mostram que, dada a oportunidade de refletir, discutir e participar de uma série

de atividades com base em episódios históricos e controversos da Ciência, a

compreensão dos professores sobre NC foi melhorada.

Sendo os professores multiplicadores do conhecimento, defendemos

que é importante que eles conheçam o conteúdo, sustentem um currículo de

Ciências baseado em um modelo mais autêntico, orientando seus alunos a

uma adequada aprendizagem sobre Ciências (Shulman, 1987), oferecendo

contínuas experiências para desenvolver a compreensão dos alunos sobre NC.

Dessa maneira, temos como objetivo avaliar o desenvolvimento do

conhecimento de conteúdo de professores de Química em formação, por meio

de atividades envolvendo aspectos de História da Ciência que favorecem

discussões explícitas sobre NC. Para dar suporte às nossas discussões, no

capítulo 2 apresentamos ideias relevantes da literatura no campo de NC e suas

contribuições no ensino de Ciências, evidenciando os impactos na formação de

professores e destacamos a importância de uma formação de qualidade para

os mesmos. Neste capítulo, também discutimos sobre os conhecimentos do

professor e os relacionamos à NC, pois julgamos que conhecer sobre ela é

requisito básico para o ensino de Ciências. A partir daí, apresentamos nossa

questão de pesquisa, que sintetiza o objetivo do trabalho.

No capítulo 3, discutimos como este estudo foi realizado. Em outras

palavras, detalhamos as metodologias para coleta e análise dos dados

utilizados como evidências para nossos resultados e conclusões e

descrevemos elementos importantes que contextualizam nossa coleta de

dados e amostra.

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Capítulo 1 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

3

No capítulo 4, apresentamos os resultados de nosso trabalho e os

discutimos de forma a evidenciar as contribuições das atividades realizadas

para o conhecimento dos licenciandos sobre NC.

Finalmente, no capítulo 5, discutimos as conclusões relacionadas à

questão de pesquisa que orienta este trabalho e, a partir da literatura,

buscamos identificar semelhanças e/ou diferenças com nossos resultados de

forma a evidenciar suas contribuições para a área. Além disso, apresentamos

as implicações que o mesmo pode trazer para a formação de professores em

termos do desenvolvimento do conhecimento de conteúdo da NC e,

consequentemente, para o ensino de Ciências.

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Capítulo 2 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

4

CAPÍTULO 2. O QUE SABEMOS E O QUE QUEREMOS SABER

Considerando que o tema central deste trabalho são os conhecimentos

de conteúdo de professores em formação sobre Natureza da Ciência (NC),

este capítulo discute alguns aspectos essenciais da literatura dessas duas

áreas. Tais aspectos foram selecionados visando dar ao leitor uma visão geral

das áreas, assim como contextualizar este trabalho.

NATUREZA DA CIÊNCIA E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Como mencionado no capítulo anterior, documentos oficiais e currículos

internacionais, como os publicados pela American Association for the

Advancement of Science (AAAS, 1993) e pelo National Research Council

(NRC, 2012), têm dado atenção substancial à NC com o intuito explícito de

incluir discussões sobre o tema no ensino de Ciências. Além dos documentos,

vários pesquisadores da área de Educação em Ciências, como Allchin (2012,

2014), McComas (2008), Bartholomew, et al., (2004), Osborne, et al., (2003),

Lederman, et al., (2002) e muitos outros têm defendido a incorporação de

discussões sobre a NC no ensino devido à sua importância para a

alfabetização científica dos estudantes1. Para Allchin (2014), o completo

entendimento da Ciência auxilia estudantes em suas ações como cidadãos e

consumidores, na medida em que contribui para que eles possam ser capazes

de tomar decisões pessoais e sociais responsavelmente.

No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio –

PCN (MEC, 2000), ao tratar das competências a serem desenvolvidas pelos

estudantes nas aulas de Química, apoiam o desenvolvimento de um ensino

que favoreça:

“... a compreensão das transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma abrangente e integrada e assim possam julgar com fundamentos as informações

1 Neste trabalho, entendemos alfabetização científica como a capacidade de compreensão da Ciência por estudantes, como cidadãos e consumidores em uma sociedade contemporânea, na avaliação da confiabilidade das afirmativas científicas, visando a tomada de decisões pessoais e sociais. (Allchin, 2014)

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Capítulo 2 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

5

advindas da tradição cultural, da mídia e da própria escola e tomar decisões autonomamente, enquanto indivíduos e cidadãos. Esse aprendizado deve possibilitar ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas.” (MEC, 2000, p. 31).

Neste trecho do documento, a NC não é explicitamente mencionada,

mas apresenta ideias que remetem a ela em sua proposta, principalmente, ao

abordar que o aprendizado deve possibilitar compreensão dos processos

químicos, da construção do conhecimento científico e de suas relações sociais,

políticas e econômicas.

No entanto, pesquisas realizadas com estudantes e professores têm

revelado que ambos possuem visões inadequadas da Ciência (Lederman,

1992;; Harres, 1999;; Rudge, et al., 2014;; Kind, 2014a;; Mesci & Schwartz, 2016).

Por esse motivo, pesquisas com o objetivo de desenvolver concepções mais

autênticas e completas da Ciência têm sido conduzidas nos últimos anos. Nos

tópicos a seguir, apresentamos algumas das pesquisas e propostas sobre o

ensino de NC relevantes para o campo, visando oferecer um panorama da

pesquisa sobre o tema ao longo dos últimos anos.

Visões iniciais

Norman Lederman é um importante pesquisador da área do ensino de

Ciências e, com seus colaboradores, tem produzido trabalhos relacionados à

NC. Sua proposta é bastante difundida, e tem influenciado outras pesquisas e

fundamentado documentos oficiais do ensino de Ciências.

Para o Lederman,

“NC se refere à epistemologia e sociologia da ciência, ciência como uma maneira de conhecimento, ou valores e crenças inerentes ao conhecimento científico ou ao desenvolvimento científico” (Lederman, 2006, p. 303).

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Capítulo 2 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

6

No entanto, Lederman, et al. (2002) consideram que NC difere de

processos científicos. Segundo os autores, o processo científico está

relacionado com o ato de fazer Ciências, envolvendo observação, coleta,

intepretação de dados, formulação de hipóteses, validação e comunicação do

conhecimento. Por outro lado, NC se relaciona com o conhecimento, os

entendimentos, a criatividade, o fato de a produção do conhecimento ser

guiada por teorias, e não compreende os processos da Ciência.

Na literatura, existem divergências sobre o significado da NC, mas

Lederman (2006) afirma que elas são irrelevantes para o nível de ensino

básico, pois as diferenças de opiniões entre filósofos, historiadores e

educadores da Ciência não são relevantes para tais estudantes. Para propor o

que deveria ser discutido sobre NC com estudantes da escola básica, o autor

considera três critérios: (i) o conhecimento dos aspectos ser acessível aos

estudantes, ou seja, possível de ser entendido;; (ii) existir consenso em relação

aos aspectos de NC;; (iii) os aspectos serem úteis para os cidadãos. A partir

destes critérios, ele propõe uma lista de princípios relacionados ao

conhecimento científico vistos como importantes de serem incluídos nos

currículos e empregados nas aulas de Ciências:

• O conhecimento científico é provisório (objeto de mudança);;

• O conhecimento científico é fundamentado empiricamente;;

• O conhecimento científico é subjetivo (influenciado pelas teorias e

crenças pessoais ou de um grupo);;

• O conhecimento científico envolve a inferência, a imaginação e a

criatividade humana na formulação de explicações;;

• O conhecimento científico é social e culturalmente influenciado.

Ele ainda acrescenta como importantes aspectos da NC a diferença

entre observação e inferência, e entre teorias e leis científicas (em termos de

seus significados e funções);; e a não existência de um método universal de se

fazer Ciência (Lederman, et al., 2002).

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Capítulo 2 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

7

De acordo com a proposta do grupo, esses princípios podem ser

abordados em diferentes níveis de aprofundamento de forma a se adequar às

condições de ensino. Eles também consideram que o entendimento dos

estudantes pode ser facilitado se esses princípios forem utilizados em um

contexto de investigação científica, que inclui o processo científico tradicional e

o desenvolvimento de habilidades relacionadas a: observação, inferências,

previsão, interpretação, análise de dados, entre outros. Porém, a investigação

científica também está relacionada com o processo do conhecimento e

raciocínio científico, sendo que os “estudantes devem ser capazes de fazer

investigação, assim como conhecer sobre a investigação.” (Lederman, 2006, p.

309). Para eles, o desenvolvimento de atividades em um contexto de

investigação científica pode favorecer a desconstrução de imagens distorcidas

da Ciência como, por exemplo, a de que existe um único método científico e

com etapas determinadas a serem seguidas. No entanto, Lederman relata que

essa abordagem deve ser realizada de forma explícita, ou seja, abordando

claramente os princípios da Ciência, a fim de se desenvolver uma

compreensão aprofundada sobre como o conhecimento científico é produzido e

suas implicações.

Nessa perspectiva, abordagem explícita significa trabalhar os vários

aspectos da NC a partir de uma discussão reflexiva, com a participação dos

alunos, e possibilitando experiências sobre a prática da Ciência. Isso pode ser

alcançado, por exemplo, com a realização de investigação orientada e/ou

atividades laboratoriais, envolvendo os alunos em discussões sobre suas

práticas. Assim, o estudo da NC e da investigação científica não seria um

estudo adicional, ou seja, NC não seria um novo conteúdo a ser ensinado. Ao

contrário, seu ensino ocorreria de forma unificada em cada contexto da

Ciência, no qual seriam discutidos princípios e concepções relevantes.

A lista de princípios também foi utilizada por Lederman e seus

colaboradores para desenvolvimento do Views of Nature of Science

Questionnaire (VNOS). O instrumento foi aprimorado até chegar a uma última

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Capítulo 2 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

8

versão conhecida como VNOS-­C2. Seu objetivo é avaliar e obter a opinião dos

estudantes sobre questões relacionadas à NC, solicitando exemplos que

sustentem seus pontos de vista. Após a avaliação dos questionários, são

realizadas entrevistas para esclarecimento de possíveis ambiguidades,

explicação mais detalhada e justificativas das respostas, exploração das linhas

de pensamento e avaliação dos significados atribuídos aos termos (Lederman

et al., 2002).

Diferente de Lederman e colaboradores (2002), que apresentaram uma

lista de princípios que devem ser ensinados sobre NC, Osborne e

colaboradores (2003) buscaram suporte empírico para se pensar no que

ensinar nas escolas sobre NC. Para realização do trabalho, inicialmente foi

selecionado um grupo de experts, composto por educadores, historiadores,

filósofos, sociólogos da Ciência e divulgadores científicos. O estudo foi

realizado utilizando o método Delphi, com aplicação de questionários a

distância aos participantes, de forma anônima. Nesse trabalho, a partir da

questão “O que deve ser ensinado aos alunos sobre a Natureza da Ciência?”,

foram realizadas rodadas de avaliação que permitiram convergência aos nove

temas: métodos científicos e testes críticos;; criatividade;; desenvolvimento

histórico do conhecimento científico;; Ciência e questionamento;; diversidade do

pensamento científico;; análise e interpretação de dados;; Ciência e certeza;;

hipótese e previsão;; e cooperação e colaboração (Osborne, et al., 2003).

Os autores concluíram que existia um acordo suficiente em relação a

esses temas serem incluídos nos currículos de Ciências, mas eles

representariam o mínimo que qualquer explicação simplificada da Ciência

deveria abordar. Outros temas, ainda que significativos, são componentes

adicionais a serem incluídos em relatos mais complexos ou que surjam

naturalmente de um contexto de estudo. Alguns exemplos são: cooperação e

colaboração no desenvolvimento do conhecimento científico;; desenvolvimento

histórico do conhecimento científico;; análises e interpretação dos dados;;

2 Existe também o VNOS-­D, mas ele se destina a professores, e não a estudantes.

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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diversidade do método científico;; criatividade;; métodos científicos e testes

críticos, entre outros. (Osborne, et al., 2003).

Analisando os nove temas propostos neste estudo, observamos que há

categorias não contempladas na lista de princípios de Lederman como, por

exemplo, a diversidade do pensamento científico. Mas ambos os estudos

apresentam características que todos concordam fazer parte da Ciência.

Outro autor que apresentou proposta para a abordagem de NC no

ensino foi William F. McComas. Para ele, a NC é um domínio híbrido,

constituído pela ligação de vários estudos sociais da Ciência como a História,

Sociologia e Filosofia da Ciência, e com áreas cognitivas da Ciência, por

exemplo, a Psicologia (McComas, 2008).

Em seu trabalho, o autor avalia um conjunto de oito livros sobre NC e

Filosofia da Ciência, produzidos por especialistas em NC. Os livros foram

examinados por três pesquisadores a partir de uma lista de ideias chave de

NC, com o objetivo de localizar os exemplos históricos incluídos e que

pudessem esclarecer aspectos importantes de NC. Foram encontradas

aproximadamente 80 vinhetas de diversos campos (Física, Astronomia,

Biologia-­Medicina, Química, Tecnologia-­Engenharia, entre outros), na sua

maioria vinhetas com fatos históricos mais antigos do que contemporâneos.

Todos os exemplos selecionados foram analisados e relacionados às

seguintes ideias chave de NC: ciência depende de evidências empíricas;;

Ciência compartilha várias características comuns em termos de métodos;;

Ciência é provisória, estável e autocorretiva;; leis e teorias não são a mesma

coisa;; Ciência contém elementos criativos;; Ciência contém um componente

subjetivo;; Ciência é social, cultural e politicamente influenciada;; Ciência e

Tecnologia não são a mesma coisa, mas impactam uma na outra;; Ciência não

responde todas as questões (ciência possui limitações). Observamos que

algumas ideias chave apresentadas pelo autor são as mesmas apresentadas

por Lederman, et al., (2002) (por exemplo, a diferença entre leis e teoria, e a

subjetividade da Ciência), enquanto outras são completamente diferentes (por

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exemplo, a ideia de que Ciência e Tecnologia não são a mesma coisa, mas

impactam uma na outra).

Para McComas, o estudo ofereceu um robusto conjunto de vinhetas

históricas para a comunidade de Educação em Ciências, que podem ajudar a

comunicar os aspectos de NC e promover visões mais amplas de Ciências

entre os estudantes. Além disso, os exemplos podem ser utilizados como

recurso pelos professores para aprimorar aulas que abordem princípios de NC,

e para subsidiar o desenvolvimento de currículos e materiais didáticos. No

entanto, ele reconhece que a mera relação das vinhetas históricas com

concepções de NC durante as atividades de classe não necessariamente é

suficiente para o aprendizado de NC. Assim como Lederman (2002), McComas

julga ser necessário que as lições sejam acompanhadas de discussões

explícitas. Além disso, essa proposta também é apresentada em uma lista,

recebendo então críticas como as dirigidas ao trabalho de Lederman e seus

colaboradores.

Uma visão mais contemporânea

Alice Wong e Derek Hodson, em seus trabalhos de 2009 e 2010,

investigaram as visões de cientistas de diferentes ramos de pesquisa e

localidades sobre as práticas científicas e as relações com a sociedade. Para

os autores, as imagens que os cientistas possuem são importantes para

fundamentar o desenvolvimento de casos a serem utilizados no ensino, podem

favorecer o entendimento de NC, e de uma visão mais ampla e autêntica de

Ciências aos professores e estudantes. Em suas palavras:

“Acreditamos que os cientistas que trabalham nas fronteiras da Ciência podem desempenhar um papel importante na referência e no desenvolvimento das visões dos educadores de Ciências sobre as práticas da comunidade científica, a natureza do trabalho científico, os objetivos por trás dele e a inter-­relação com a sociedade em que eles estão inseridos.” (Wong & Hodson, 2009, p. 112).

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Os autores também sugerem a ocorrência de mais diálogo entre a

comunidade científica e os educadores de Ciências sobre NC, Ciência

Tecnologia e Sociedade, e questões curriculares para aprimorar o

entendimento dessas questões.

Nesse trabalho, os cientistas participantes responderam um

questionário, elaborado a partir de uma versão modificada do VNOS-­C,

proposto por Lederman et al. (2002), e participaram de entrevistas. A partir das

listas encontradas nos documentos curriculares oficiais e da identificação de

outros elementos durante as entrevistas (necessários para cobrir princípios não

contemplados pelas listas), os dados foram analisados e discutidos em

reuniões periódicas, gerando oito categorias relacionadas à NC:

1. Métodos de investigação científica – incluindo o papel das hipóteses e

dos desenhos experimentais;;

2. O significado da teoria na investigação científica – incluindo

pensamentos sobre observação e inferência;;

3. A provisoriedade do conhecimento científico – incluindo o

reconhecimento da validade de crenças e o status de leis e teorias;;

4. Criatividade na Ciência – antes, durante e depois da coleta de dados;;

5. Influência social, política, econômica e cultural na Ciência;;

6. Questões de financiamento de pesquisa, liberdade acadêmica, e éticas;;

7. Colaboração e competição;;

8. Revisão por pares.

Para melhor apresentação dos resultados, estas categorias foram agrupadas

em três grandes grupos: (i) métodos da investigação científica, (ii) o papel e

status do conhecimento científico, e (iii) Ciência como prática social.

A partir de comentários dos cientistas sobre suas práticas, os autores

encontraram resultados parecidos e diferentes dos apresentados em outras

pesquisas. Para ilustrar as semelhanças e diferenças, comentários foram

utilizados para exemplificar os elementos de NC dentro e fora das listas e

comparar com a imagem de Ciências e das práticas científicas apresentadas

em livros didáticos e documentos curriculares. Como conclusão, Wong e

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Hodson (2009, 2010) afirmam não existir um conjunto único e estático de

aspectos de NC que se encaixe em todos os contextos.

Outro autor que tem se destacado contemporaneamente é Douglas

Allchin. Ele não apresenta uma definição clara e objetiva do que seria NC, mas,

analisando seus artigos (Allchin, 2011, 2012, 2014) percebemos que, para ele,

Ciência se relaciona tanto com a maneira de saber quanto com as práticas

científicas. Ele defende que o ensino de NC deva incluir e ser fiel às

contribuições de historiadores, filósofos, sociólogos e demais áreas que

estudam a Ciência.

Para Allchin, as listas de princípios sobre NC chamados “consensuais”

existentes na literatura, nos documentos curriculares e nos instrumentos de

avaliação (como o VNOS) são deficientes, incompletas, possuem enfoque

equivocado e não fazem uma contextualização dos princípios que apresentam.

Além disso, não há evidências de que a simples declaração desses aspectos

possa sustentar sua utilização em situações do cotidiano, isto é, eles não

promovem o que ele chama de alfabetização científica funcional.

Allchin acredita também que a lista de Lederman inclui itens irrelevantes

para a compreensão funcional da ciência, como a diferença entre leis e teorias.

Para ele, o que importa não é esclarecer o significado dos termos, mas que se

avalie a confiabilidade de uma afirmativa científica a partir de suas evidências.

Além disso, para ele a lista omite outros aspectos importantes como, por

exemplo, o papel da credibilidade;; dos financiamentos e do julgamento dos

pares;; a interação social entre os cientistas;; o processo de validação de novos

métodos;; as fraudes;; os erros.

A partir do ponto de vista do autor, de desenvolver uma alfabetização

científica funcional que possibilite aos indivíduos tomar decisões públicas e

pessoais, ele propõe o perfil Dimensões de Confiabilidade da Ciência, com

elementos de NC que podem auxiliar no julgamento de situações relacionadas

à Ciência. Esse perfil inclui os seguintes elementos: observação e raciocínio,

métodos de investigação, história e criatividade, contexto humano, cultura,

interações sociais entre cientistas, processos cognitivos, economia ou

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financiamento da Ciência, práticas instrumentais e experimentais, comunicação

e transformação do conhecimento científico. Para Allchin, esse perfil engloba

todas as dimensões da confiabilidade da prática científica sendo, por isso,

denominado Whole Science (Ciência Integral), uma vez que “nutre um

equilíbrio responsável entre as bases da confiabilidade e os limites da Ciência”.

(Allchin, 2011, p. 527).

Sua proposta sugere que o aluno utilize esse inventário de elementos

julgando, por exemplo, se no método de investigação os experimentos foram

controlados, se foram realizadas análises estatísticas dos erros, se o trabalho

pode ser replicado, se o tamanho da amostra foi adequado. Quanto às

interações sociais, o aluno poderia avaliar se o trabalho foi revisado por pares e

sua credibilidade. Além dos exemplos, também podem ser avaliadas questões

como os conflitos de interesse, questões de gênero, o contexto econômico,

entre outros itens que permitam interpretar as afirmativas científicas.

Para promover essa compreensão de como a Ciência funciona, Allchin

(2012;; 2014) propõe atividades que favoreçam articular esses aspectos em

contextos autênticos. Para ele, os estudos de caso são uma boa ferramenta e

podem ser empregados através de situações históricas ou contemporâneas. A

NC deve ser abordada de forma multifacetada, em um trabalho bem delimitado,

detalhado e com contextos ricos, o que contribuiria para proporcionar

experiências e compreensões de como a Ciência realmente se desenvolve.

Um desses contextos defendidos por Allchin é o histórico. Exemplos de

estudos de casos históricos são encontrados na coleção da Universidade de

Minnesota (Allchin, 2012), na qual cada caso proposto destaca elementos de

NC com base em episódios históricos da Ciência. Esses casos foram

elaborados de forma a retratar a provisoriedade da Ciência, o contexto cultural,

a história em seu contexto original;; e a utilizar a aprendizagem por

investigação. Geralmente, eles apresentam um formato de caso interrompido,

ou seja, são constituídos de uma narrativa intercalada com problemas

científicos, motivando discussão e reflexão. Segundo Allchin (2014), para que

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essas atividades sejam eficientes, a história deve ser autêntica e as ações e

pensamentos dos cientistas devem parecer razoáveis aos estudantes.

O Modelo de Ciências para o Ensino de Ciências

Por compartilharmos as críticas feitas às visões tradicionais e

acreditarmos na necessidade de discutir aspectos sobre a Ciência mais amplos

com os estudantes, optamos por trabalhar, neste estudo, com uma das visões

contemporâneas que foi a utilizada no contexto estudado. Ela foi proposta por

Justi e Erduran (2015) a partir de um amplo estudo sobre a literatura da área e

considerando a necessidade de propor um modelo que fosse facilmente

aplicável à formação de professores – foco de nosso interesse. Tal proposta foi

denominada “Modelo de Ciências para o Ensino de Ciências” (MoCEC). Nela,

as autoras consideram a necessidade de levar em conta diversas

interpretações da Ciência, a partir de várias perspectivas disciplinares, para

gerar um amplo ponto de vista sobre Ciências.

O modelo foi baseado em duas premissas:

“A Ciência é uma atividade cognitiva, epistêmica e social complexa, que pode e tem sido caracterizada a partir de uma gama de perspectivas disciplinares. Para que a educação científica ofereça um relato autêntico de Ciências para o ensino e aprendizagem, ela deve basear seus argumentos sobre Ciências em evidências a partir de perspectivas disciplinares que especificam como as Ciências funcionam” (Justi & Erduran, 2015, p. 4).

Assim, as autoras consideram que, para uma educação científica autêntica e

ampla, o ensino deve promover uma compreensão fidedigna do funcionamento

da Ciência segundo diversas perspectivas.

Para auxiliar no entendimento da proposta, foi desenvolvido um modelo

visual chamado “Science Eye”, representado na figura 2.1.

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Figura 2.1. Modelo Visual – Science Eye (Justi & Erduran, 2015, p. 7).

A Science Eye foi inspirada na London Eye, famosa roda gigante de

Londres. O modelo é uma ferramenta pedagógica visual, elemento inédito no

campo de pesquisa de NC, que permite uma visão geral e articulação de vários

aspectos de Ciências. Foi proposto para auxiliar os professores no

desenvolvimento de aulas de Ciências mais autênticas, ajudando a conceituar

e comunicar a interdisciplinaridade entre as diversas áreas do conhecimento,

pois parte do argumento de que a Ciência é um empreendimento complexo que

pode ser estudada por várias disciplinas.

A analogia estabelecida com a London Eye considera que cada cápsula

da roda gigante representa uma área do conhecimento (História, Filosofia,

Sociologia, Economia etc.). Além disso, ela favorece a visualização de

panoramas diferentes de Ciências, assim como cada cápsula da roda gigante

oferece aos visitantes visões diferentes de Londres à medida que gira. Visões

diferentes também podem existir dependendo da localização do visitante dentro

da cápsula. Isso é traduzido no modelo considerando que em uma mesma

disciplina existem perspectivas diferentes, devido à heterogeneidade de visões

e aspectos inerentes e/ou possíveis em cada uma das disciplinas.

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Figura 2.2. Diferentes visitantes na cápsula representam as diferentes visões de

Ciências em uma mesma área de conhecimento (Justi & Erduran, 2015, p. 8).

De acordo com as autoras, as disciplinas, os aspectos e o nível das

discussões devem ser definidos considerando os objetivos de ensino, o nível

escolar, os conhecimentos e as experiências dos alunos. A partir dessa análise

e da seleção de quais áreas do conhecimento serão utilizadas para caracterizar

a Ciência, é possível apresentar e discutir diferentes aspectos. Pode-­se, por

exemplo, utilizar a perspectiva da História ou da Antropologia em determinada

atividade, destacando elementos relevantes dessas áreas e, em outros

momentos, discutir diferentes aspectos a partir de outras disciplinas. Ao

apresentar a proposta, Justi e Erduran indicaram como possíveis áreas:

Filosofia, Cognição, História, Sociologia, Economia, Antropologia e Psicologia,

mas não descartam que novas disciplinas possam surgir e que combinação

entre as áreas sejam estabelecidas (aspecto indicado pelo sinal de

interrogação associado a uma das cápsulas).

Tais disciplinas são caracterizadas como se segue por Justi e Erduran

(2015):

• Filosofia da Ciência: os focos de interesse são o significado da Ciência e

os aspectos epistemológicos relacionados à produção do conhecimento

científico, sua origem e validação. As discussões estão relacionadas às

questões e aos temas discutidos por filósofos (mas não exclusivamente),

e às abordagens utilizadas, ou seja, a lógica, a sistemática do

pensamento e a produção de generalizações. Pela perspectiva filosófica,

podem ser avaliados os seguintes aspectos: objetivos e valores da

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Ciência;; a natureza e escopo do conhecimento, isto é, aspectos

epistemológicos;; processos de produção, validação, revisão,

comunicação e aceitação do conhecimento científico;; as práticas

científicas: investigação, observação, experimentação, análise dos

dados, modelagem, argumentação etc.

• Cognição: área que estuda os complexos processos de aquisição do

conhecimento, ou seja, como as pessoas pensam ao adquirir, produzir

e/ou entender o conhecimento científico, e quais os tipos de raciocínios

utilizados. Esses pontos apontam para a necessidade de focar a

Educação em Ciências no desenvolvimento de várias habilidades que

possam contribuir na aprendizagem de estudantes e professores sobre

as diversas formas de pensamento científico.

• História: área que estuda o desenvolvimento da Ciência e do

conhecimento científico ao longo do tempo, isto é, seus progressos e as

modificações das ideias em contextos específicos. Essa área evidencia

a provisoriedade da Ciência, o processo gradativo e não linear de

produção e validação do conhecimento científico. Como os currículos

estão saturados de conteúdos, é importante que a seleção dos

exemplos históricos aconteça de acordo com o momento e contexto de

ensino.

• Sociologia: disciplina que evidencia a Ciência como prática social.

Discute questões sobre como a Ciência alcança o status social e como

esse poder é reconhecido por pessoas leigas, assim como o efeito

mútuo entre Ciência e sociedade. Suas principais potenciais

contribuições são dar suporte a uma Educação em Ciências mais

autêntica e motivar os estudantes a estudar Ciências e a reconhecer a

Ciência como empreendimento humano.

• Economia: esta disciplina tem como objetivo entender a influência dos

fatores econômicos no comportamento dos cientistas, na aquisição e

distribuição dos recursos necessários à produção e divulgação do

conhecimento científico. Muitos aspectos podem ser discutidos como: o

impacto dos financiamentos e sua influência no desenvolvimento e uso

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do conhecimento científico, e a tensão que a comercialização da Ciência

pode criar no compartilhamento e livre acesso ao conhecimento.

• Antropologia: considera o trabalho científico como forma de ação social

e o desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas

de produção cultural. No ensino de Ciências, a Antropologia pode

favorecer discussões sobre questões sociocientíficas, a influência da

cultura da sala de aula em relação ao conteúdo que está sendo

discutido, as dinâmicas de poder envolvidas em como e porque

concepções científicas são favorecidas, e as tensões entre as normas

culturais dos estudantes e dos empreendimentos científicos.

• Psicologia: área focada no individual. São questões discutidas pela

Psicologia da Ciência: o talento e criatividade dos cientistas;; o uso de

analogias e imagens nos pensamentos científicos;; a influência da

personalidade dos cientistas em sua criatividade e em seu

comportamento;; a influência da estrutura cerebral dos cientistas em

suas performances na solução de problemas. Esses exemplos podem

engajar professores e estudantes no entendimento de fatores

considerados subjetivos e que influenciam a produção e uso da Ciência.

CONHECIMENTOS DO PROFESSOR

Para melhor entendimento dos conhecimentos do professor sobre

Natureza da Ciência, acreditamos ser necessário, inicialmente, abordar os

conhecimentos básicos do professor. Assim, o leitor poderá compreender as

especificidades dos conhecimentos dos professores diante dos demais

profissionais.

Tipos de conhecimentos

Em 1986, na tentativa de definir os conhecimentos básicos do professor,

Lee Shulman identificou três categorias de conhecimentos: conhecimento de

conteúdo (subject matter content knowledge – CK), conhecimento do currículo

(curricular knowledge) e conhecimento pedagógico do conteúdo (pedagogical

content knowledge – PCK). Apesar de reconhecermos a importância de todos

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eles, neste trabalho focamos o conhecimento de conteúdo. Por isso, após uma

breve caracterização dos outros conhecimentos, o caracterizamos de forma

mais detalhada.

O conhecimento do currículo é o conhecimento dos currículos, materiais

didáticos e recursos disponíveis para abordagem dos conteúdos e tópicos.

Espera-­se que o professor conheça as alternativas curriculares disponíveis e

avalie, a partir de suas características e de seus alunos, qual é a melhor opção

para cada contexto de ensino. Segundo Shulman, currículo é:

“representado por toda a gama de programas destinados ao ensino de temas e tópicos específicos em um determinado nível, à variedade de materiais didáticos disponíveis em relação a esses programas e ao conjunto de características que servem tanto como indicações e contraindicações para o uso de currículos específicos ou materiais de programas em circunstâncias particulares” (Shulman, 1986, p. 10).

Além disso, espera-­se que os professores, principalmente os da

educação básica, estejam familiarizados com os materiais curriculares de

outras áreas de estudo utilizados pelos estudantes, a fim de promover a

necessária integração entre as mesmas.

O conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK) é o corpo de

conhecimentos específicos do professor que o distingue dos demais

profissionais. Para Shulman (1987), PCK representa a união dos

conhecimentos de conteúdo e pedagógicos na compreensão de como os

tópicos, problemas e questões são organizados, representados e adaptados

aos interesses do professor e às capacidades dos estudantes.

Shulman (1986) considera que esse conhecimento inclui os diversos

recursos utilizados pelos professores para representação das ideias, como

analogias, ilustrações, explicações e demonstrações, tornando-­as

compreensíveis aos alunos. O autor também considera como elemento do PCK

o entendimento das concepções prévias dos estudantes sobre os assuntos. Ao

professor, cabe conhecer as várias possiblidades de apresentação de um

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tópico, para favorecer o aprendizado e conhecer os estudantes. Essa

consciência é importante, pois auxilia na identificação das facilidades e/ou

dificuldades de compreensão que possam existir, dificultando o aprendizado.

O PCK está diretamente relacionado à prática docente, sendo

aprimorado principalmente com os anos de experiência de atuação profissional.

Durante esse período, o professor deve refletir sobre sua ação, identificando as

dificuldades e as melhores formas para favorecer o aprendizado de

determinado tópico ou assunto.

O conhecimento de conteúdo é o que o professor sabe sobre o assunto

que vai ensinar. Para o autor, o conhecimento de conteúdo é a quantidade e a

organização do conhecimento na mente do professor. Dominar o conteúdo não

significa apenas conhecer seus conceitos e fatos, mas também entender seus

processos de produção, representação e validação.

De acordo com Shulman (1987), o professor possui:

“responsabilidades especiais em relação ao conhecimento do conteúdo, servindo como a principal fonte de compreensão dos alunos sobre o assunto. A maneira pela qual essa compreensão é comunicada transmite aos alunos o que é essencial sobre o assunto e o que é periférico” (Shulman, 1987, p. 9).

Dessa maneira, segundo Shulman (1987), o professor deve possuir

profundo entendimento da estrutura da disciplina que leciona para desenvolver

habilidades que possibilitem lidar bem com esse tipo de conteúdo.

“O professor não precisa entender apenas que algo é assim, o professor deve entender melhor, entender porque isso é assim [...]. Além disso, esperamos que o professor entenda porque um tópico é particularmente central para uma disciplina enquanto outro pode ser considerado periférico” (Shulman, 1986, p. 9).

Assim, o conhecimento do conteúdo vai além do entendimento do conteúdo e

tópicos em si, requer também, entender a estrutura da disciplina (Grossman,

Wilson, & Shulman, 1989).

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Shulman se baseou na obra de Joseph Schwab, que classifica as

estruturas da disciplina em substantiva e sintática, estruturas que, segundo

Schwab, não podem ser separadas (Schwab, 1964 apud van Dick, 2014). Na

visão de Shulman, a “estrutura substantiva é a variedade de maneiras pelas

quais os conceitos e princípios básicos da disciplina são organizados para

incorporar seus fatos” (Shulman, 1986, p. 9). Em outras palavras, ela engloba

os conceitos e os fatos que compõem os currículos (Gilbert, 2010) e que são

mais frequentemente adquiridos durante a formação acadêmica do professor

(Grossman, et al., 1989). Por outro lado, a “estrutura sintática é o conjunto de

maneiras pelas quais a verdade ou falsidade, validade ou invalidez, são

estabelecidas” (Shulman, 1986, p. 9). Assim, Shulman entende a estrutura

sintática como uma gramática que contém um conjunto de regras que

determinam o domínio e auxiliam nas avaliações. No campo da Ciência, Gilbert

(2010) esclarece que tal estrutura se constitui das regras necessárias para se

produzir e justificar novos conhecimentos científicos, e que essas regras estão

relacionadas às teorias para produzir modelos e fazer previsões.

Segundo a revisão de Grossman et al. (1989), professores iniciantes

apresentam grandes diferenças quanto aos conhecimentos sintáticos. É

essencial que discussões sobre a estrutura sintática do conteúdo estejam

presentes na formação dos professores, pois a falta desse conhecimento pode

limitar o aprendizado de novas informações do campo.

A discussão da estrutura sintática deve também ser integrada na

educação do professor para ajudá-­lo a entender sua responsabilidade de se

manter a par de, e avaliar criticamente, novos desenvolvimentos;; assim como

de expor seus estudantes às bases nas quais o conhecimento a ser ensinado é

aceito (Grossman, Wilson, & Shulman, 1989). Segundo van Dijk (2014), isso

requer mais do que ensinar uma série de características genéricas do

conteúdo, pois essas são inseparáveis do contexto em que o conteúdo foi

produzido.

Em um trabalho posterior, Shulman (1987) apresentou uma

categorização mais detalhada para os conhecimentos básicos necessários

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para o professor promover a compreensão dos estudantes. São eles:

conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico geral, conhecimento

curricular, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento sobre alunos

e suas características, conhecimentos de contextos educacionais e

conhecimento de fins e propósitos educacionais. Considerando nosso interesse

no conhecimento de conteúdo, e que seu significado não foi alterado nesta

nova categorização, optamos por apenas registrar a proposição dos demais

conhecimentos.

O conhecimento de conteúdo de professores de Ciências

Durante a pesquisa sobre o conhecimento de conteúdos de professores

de Ciências, encontramos publicações que discutem que eles também

possuem crenças vinculadas às disciplinas e seus conteúdos discutidos em

sala. Segundo Gilbert (2010), “crença é a avaliação feita a um item ou tipo de

informação particular” (p. 6). Elas “têm funções afetivas e avaliadoras, atuando

como filtro e impactando em como o conhecimento é utilizado, organizado e

recuperado” (Gess-­Newsome, 1999, p. 55). Diferentemente, o conhecimento

possui critérios, é “evidente, dinâmico, emocionalmente neutro, internamente

estruturado, e desenvolvido com idade e a experiência” (Gess-­Newsome, 1999,

p. 55).

Na revisão de Gess-­Newsome (1999), a autora reconhece que a

distinção entre crenças e conhecimento é complexa, destacando não saber

onde o conhecimento termina e a crença começa. Por esse motivo, ela não faz

separação entre eles. Assim como Gess-­Newsome, nesse trabalho, também

optamos por não diferenciar crenças de conhecimento por julgarmos ser difícil

realizar a separação entre os termos. Além disso, optamos por usar a

nomenclatura “conhecimentos de professores” reconhecendo que crenças –

como definidas anteriormente – podem fazer parte deles.

Segundo Gilbert (2010), um dos muitos desafios para alguém se tornar

um professor de Ciências é ter entendimento dos conceitos a serem ensinados.

Na mesma perspectiva Kind (2014a) reconhece que o “conhecimento do

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conteúdo é um componente vital de um bom ensino de Ciências” e “os

professores precisam de conhecimento preciso, profundo e rico sobre Ciências

para ensinar de forma eficaz” (p. 37).

Entretanto, estudos com professores recém-­formados indicam não ser

possível garantir que eles tenham desenvolvido profundo conhecimento de

conteúdo (CK) e que a graduação garanta entendimento dos conceitos

estudados. Mesmo entre professores academicamente bem-­sucedidos, há

evidências de que problemas de CK existem e influenciam na aprendizagem

dos estudantes. Assim, alunos desses professores podem apresentar as

mesmas concepções inadequadas de seus professores (Gess-­Newsome,

1999;; Gilbert 2010;; Kind 2014a). No trabalho realizado por Vanessa Kind

(2014a), ela verificou que professores de Ciências (Biologia, Física e Química)

possuem concepções inadequadas de conceitos básicos de Química. Foram

investigados cinco tópicos: modelo cinético-­molecular e mudanças de estado

físico, conservação das massas, ligação química, cálculo estequiométrico e

combustão. Para o tópico modelo cinético-­molecular e mudanças de estado

físico, por exemplo, 32% dos participantes apresentaram equívocos ao atribuir

coloração e 22% ao atribuir propriedades macroscópicas a um único átomo de

cobre. No geral, eles demonstraram preocupantes deficiências na

compreensão destes conceitos químicos.

Para Kind (2014b), a maturidade e a formação continuada podem

contribuir para diminuição das concepções alternativas e para melhorar a

confiança dos professores no ensino. Porém, apenas isso não garante a

competência do professor e a efetividade do ensino. É importante conhecer as

concepções dos estudantes e a estruturação dos princípios do conteúdo, além

de entender as diferenças entre o conteúdo escolar e o adquirido durante a

graduação (Grossman, Wilson, & Shulman, 1989;; Kind 2014b).

Além desse problema, a maioria dos professores iniciantes possui o

conteúdo fragmentado, compartimentalizado e organizado de forma muito

simples (Gess-­Newsome, 1999). Isso dificulta o ensino do conteúdo, a

facilitação do acesso ao conhecimento e, consequentemente, o entendimento

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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dos estudantes. Professores com CK robustos possuem conhecimento mais

detalhado, estabelecem mais relações entre tópicos e lidam mais facilmente

com situações problemas.

Diferenças entre professores iniciantes e experientes existem, mas

segundo Grossman et al. (1989), elas não estão necessariamente relacionadas

ao conjunto de conhecimentos que cada um possui. Elas se relacionam, por

exemplo, com a maneira como os professores conduzem o ensino e com como

o conteúdo é abordado. Os mais experientes tendem a estruturar o conteúdo

de forma mais refinada, enquanto para os recém-­formados, a falta desse

entendimento pode impedir a interação dos fatos, dos processos, e a conexão

dos conteúdos escolares com as experiências extraclasse. Por exemplo,

Daehler e Shinohara (2001) compararam o CK de grupos de professores

iniciantes e experientes durante aulas sobre circuitos elétricos, e perceberam

menor progresso nas discussões sobre o tema no grupo dos iniciantes. Uma

das evidências disso foi a observação de que, em suas aulas, eles apenas

apresentaram os conceitos de circuitos, mas não examinaram a relação entre

os diferentes tipos de circuitos.

Professores iniciantes tendem a se apoiar, principalmente, nos materiais

didáticos, nas diretrizes curriculares e a recorrer, com frequência, a colegas

mais experientes. Por sua vez, os veteranos tendem a ser mais críticos aos

materiais, avaliando, por exemplo, a eficiência pedagógica e a facilidade de

implantação (Gess-­Newsome, 1999). Ao longo dos anos, percebe-­se que o

professor acaba sendo influenciado por esses fatores, o que torna seu CK mais

coerente às necessidades do ensino.

Diferenças de CK também são observadas quando professores lecionam

fora de suas disciplinas de formação. Trabalhos como de Kind (2009 e 2014b)

avaliam e comparam essas atuações. Seus resultados mostram que um dos

principais problemas enfrentados pelos professores é a insegurança durante

suas aulas, resultando em atividades menos “arriscadas” e com menor

participação dos estudantes. Além disso, a falta de conhecimento do conteúdo

específico favorece que concepções alternativas sejam repassadas aos

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estudantes e que o ensino de conceitos mais amplos da Ciência não aconteça.

Segundo Gess-­Newsome (1999), tanto professores novatos e experientes

enfrentam dificuldades quando lecionam fora de sua disciplina de formação.

Ambos se baseiam fortemente em seu conhecimento pedagógico formado em

sua área de estudo inicial.

Evidências demonstram que o CK não é um precursor automático da

qualidade das lições e que, sozinho, ele não garante boas práticas escolares. É

importante o professor também possuir conhecimento pedagógico de conteúdo

(PCK) para favorecer o aprendizado dos estudantes (Kind, 2014b).

CONHECIMENTO DE CONTEÚDO SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA

Caracterização a partir da literatura internacional

Mesmo existindo consenso sobre a importância de NC para o ensino de

Ciências, pesquisas realizadas com professores (em formação, iniciantes e

veteranos) têm mostrado que muitos possuem visões simplistas, ingênuas e

estereotipadas da Ciência (Mesci & Schwartz, 2016;; Wahbed & Abd-­El-­Khalick,

2014;; Rudge, et al., 2014;; McDonald, 2010;; Lederman et al., 2002). De modo

geral, eles possuem uma imagem empirista, apoiada no papel da observação e

na produção do conhecimento a partir de um único método científico, ou seja,

não superam concepções tradicionais da Ciência (Harres, 1999). Muito dessa

deficiência dos professores se deve à falta de oportunidade de estudar sobre

NC e epistemologia da Ciência durante a formação (Capps e Crawford, 2013;;

Sorensen, Newton e McCarthy, 2012;; Bartholomew e Osborne, 2004;; Gess-­

Newsome,1999).

Segundo Schwartz e Lederman (2002), “sem o conhecimento de

conteúdo sobre NC, o professor não é capaz de ensinar efetivamente a NC” (p.

206). Diante do problema e da influência dos professores nos conhecimentos

sobre Ciências dos estudantes, considera-­se que, para um ensino efetivo de

NC, é essencial uma adequada formação de professores. Nesse sentido, a

promoção de atividades em que os mesmos participem e se engajem é

fundamental para que eles possam efetivamente se envolver com a NC e

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Capítulo 2 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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desenvolver uma compreensão mais ampla e autêntica de Ciências. Alguns

trabalhos propõem estratégias instrucionais explícitas a partir, por exemplo, do

contexto da investigação científica (McLaughlin & McFadden, 2014;; Capps &

Crawford, 2013), da argumentação (McDonald, 2010), e da História da Ciência

(Rudge, et al., 2014;; Lewthwaite, et al., 2012;; Rudge & Howe, 2009;; Niaz,

2009). No geral, esses trabalhos têm demonstrado que os professores

envolvidos apresentam melhorias de suas concepções sobre a NC.

Trabalhos que possuem a História da Ciência como contexto têm se

mostrado uma das principais alternativas para fomentar o desenvolvimento de

uma melhor compreensão de NC dos professores. Para Allchin (2014, 2011), a

abordagem histórica parece ser essencial para a compreensão da NC, pois ela

possibilita abordar aspectos sociais e culturais, discutir o caráter provisório do

conhecimento científico, apresentar a Ciência como passível de erros, permitir

a reflexão e tomada de decisão sobre fatos sociocientíficos. Além disso, o uso

da história fornece uma perspectiva humana do processo científico e das ações

dos cientistas (McComas, 2008). Rudge e Howe (2009) acreditam que a

história oferece oportunidade de se pensar como cientistas, recapitulando o

que aconteceu historicamente. Dessa maneira, “contar a história real faria com

que nos deparássemos com a natureza da ciência, aquilo que a ciência é”

(Boas, et al., 2012, p. 293).

A partir da história, além da compreensão de aspetos de NC, o professor

pode desenvolver raciocínio crítico sobre os fatos científicos, preparando-­se

melhor para a identificação das concepções inadequadas dos estudantes

(Matthews, 1994) e, consequentemente, tendo maior confiança em suas aulas.

O trabalho de Niaz (2009), por exemplo, utiliza as controvérsias

históricas sobre os modelos atômicos de Thomson, Rutherford, Bohr e a carga

elétrica elementar de Millikan como parte de um curso para professores de

Química que visava favorecer uma melhor compreensão de NC. A partir da

participação em atividades que incluem leitura de textos, apresentações e

discussões, Niaz conclui que a compreensão dos professores sobre NC pode

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ser melhorada a partir de oportunidades de refletir, discutir e participar de

atividades com base em episódios históricos.

Assim, como destacado por McComas (2008), Lederman (2002) e outros

pesquisadores, é importante que, durante as atividades, haja momentos para

discussão reflexiva e explícita dos aspectos da NC. Entretanto, é importante

considerar que esse é apenas o primeiro passo e que não garante a

incorporação de NC em suas práticas escolares. Segundo Bartholomew e

Osborne (2004),

“o conhecimento da Natureza da Ciência é apenas um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para garantir a prática efetiva” (Bartholomew, & Osborne, 2004, p. 678).

Segundo os autores, professores tendem a seguir velhos hábitos e

resistir a mudanças devido às suas visões de ensino-­aprendizagem. Mesmo

que conheçam sobre NC, é preciso reconhecer sua importância para incorporá-­

la no ensino.

O cenário nacional

Entre as pesquisas nacionais observamos que também existem muitos

trabalhos com o objetivo de investigar e desenvolver concepções mais

adequadas de professores de Ciências sobre NC. Investigações sobre o

conhecimento desses aspectos têm apresentado panorama similar às

pesquisas mundiais, isto é, têm identificado que os professores apresentam

visões simplistas da Ciência, baseadas no empirismo, em um único método

científico, com cientistas estereotipados e confusão entre os conceitos de teoria

e hipótese, dentre outras concepções equivocadas.

Analisando os trabalhos apresentados nos últimos três Encontros

Nacionais do Ensino de Ciências (ENPEC), observamos que seis deles

investigaram e/ou realizaram atividades visando o desenvolvimento de

concepções mais adequadas sobre NC de professores. Por exemplo, o

trabalho de Amauro e Gondim (2011), buscou identificar e reconstruir as

concepções sobre Ciências de licenciandos em Química a partir de discussões

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em grupo. Inicialmente, os alunos responderam um questionário e

selecionaram imagens que representavam suas visões sobre Ciência,

Tecnologia e Sociedade, justificando suas escolhas de acordo com as

respostas das questões. Além disso, em pequenos grupos, os alunos

analisaram, discutiram e refletiram sobre as imagens selecionadas, sendo esse

momento importante para a adequada construção do conhecimento científico

sobre Ciências. Observou-­se, pelos questionários e imagens selecionadas, que

85% dos futuros professores apresentaram uma visão positivista-­empirista de

Ciências.

Diante desse cenário, pesquisas brasileiras também têm utilizado

abordagens no contexto da História da Ciência como estratégia de ensino para

favorecer o desenvolvimento de visões mais autênticas de Ciências (Hidalgo,

2009;; Forato, 2009;; Oki, & Moradillo, 2008;; Moreira, Massoni, & Ostermann;;

2007). Hidalgo (2009), por exemplo, desenvolveu um curso com enfoque

explícito dos conteúdos de NC via episódios da História da Ciência na

formação de professores de Física, abordando durante aulas expositivo-­

dialogadas a aceitação ou não da existência do vácuo ao longo da história.

Além disso, foram realizadas leituras de textos sobre episódios da História da

Física e apresentados seminários fomentando discussões e reflexões dos

estudantes. Os resultados mostram que, durante as aulas, os alunos deram

grande enfoque aos aspectos físicos abordados nos textos, e pouca ou

nenhuma atenção às discussões de aspectos da NC, indicando dificuldade de

compreender tais aspectos. Hidalgo sugere que tais conteúdos sobre NC

estejam presentes ao longo de toda a formação dos professores.

Mesmo com essas dificuldades, principalmente as relacionadas com a

superação de concepções fortemente enraizadas dos professores sobre o

ensino, outros trabalhos como o de Oki e Moradillo (2008) conseguiram, com o

emprego de atividades baseadas em História da Ciência, desenvolver

concepções menos simplistas e mais contextualizadas sobre Ciência. Por

exemplo, os professores participantes reconheceram a Ciência como uma

atividade humana, sujeita a erros e conflitos;; o caráter provisório do

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conhecimento científico;; e a complexidade envolvida no contexto das novas

teorias científicas.

Como discutido, observa-­se no cenário nacional movimento para

diagnóstico e desenvolvimento de visões mais autênticas de Ciências dos

professores. No entanto, na revisão da literatura, não encontramos trabalhos

que abordem a NC como um componente do conhecimento de conteúdo.

Percebemos que, no geral, os trabalhos abordam os aspectos da NC como

parte das concepções gerais que os professores possuem sobre Ciências, mas

não especificamente com o significado de conhecimento de conteúdo

apresentado por Shulman em seus trabalhos.

QUESTÃO DE PESQUISA

Como apresentado no início desse trabalho, nosso objetivo é avaliar o

desenvolvimento do conhecimento de conteúdo de professores de Química em

formação, por meio de atividades e discussões explícitas sobre Natureza da

Ciência (NC). Para alcançarmos nosso objetivo, inicialmente definimos quais

seriam os conhecimentos necessários sobre NC que os professores deveriam

aprender para que pudessem atuar de uma maneira diferenciada. Além disso,

nos interessamos particularmente pelas contribuições da participação em

atividades envolvendo controvérsias históricas no desenvolvimento do

conhecimento de conteúdo sobre NC. Assim, este trabalho se orientou pela

seguinte questão de pesquisa:

Como a participação em atividades envolvendo fatos e controvérsias

históricos nas quais são explicitados aspectos de NC pode contribuir para o

desenvolvimento do conhecimento de conteúdo sobre NC de professores de

Química em formação?

Assim, esperamos identificar aspectos positivos e debater as limitações

das atividades e discussões vivenciadas pelos professores em formação,

participantes desse trabalho. Além disso, esperamos estabelecer relações dos

resultados do nosso estudo com os existentes na literatura, de forma que este

trabalho possa contribuir para a literatura da área.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

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CAPÍTULO 3. COMO INVESTIGAMOS

A PERSPECTIVA DA PESQUISA

Para realização desse trabalho, nos baseamos nos preceitos das

pesquisas qualitativas em Educação, segundo Bogdan e Bikle (1994). Para os

autores, o método qualitativo é sustentado por cinco características:

1. O ambiente natural é fonte direta de dados e o investigador é o

instrumento principal de análise. Os dados são coletados em contato

direto e os materiais revisados pelo investigador que se preocupa com o

contexto dos locais.

2. A investigação qualitativa é predominantemente descritiva. Os

resultados geralmente contêm citações com base nos dados para

ilustrar o trabalho. O material é analisado respeitando ao máximo a

maneira como foi registrado e exige que o contexto seja analisado em

detalhes, pois pode contribuir com pistas para melhor compreensão do

estudo.

3. O pesquisador se interessa mais pelo processo do que pelos resultados

ou produtos. O interesse do pesquisador é estudar um problema e

avaliar como ele se mostra nas atividades, procedimentos e nas

interações.

4. O pesquisador tende a analisar os dados de forma indutiva. Dados não

são coletados para confirmar hipóteses prévias. Inferências são

construídas à medida que os dados são coletados e organizados, e

teorias só começam a ser elaboradas após coleta de dados e

convivência com os sujeitos.

5. O significado é de importância vital na pesquisa qualitativa. Ou, em

outras palavras, os investigadores estão interessados em avaliar as

diferentes perspectivas das pessoas.

Tais ideias são corroboradas por Gatti e André (2010), quando resumem

as características do método qualitativo. Para elas, os acontecimentos de uma

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sala de aula, por exemplo, só podem ser entendidos no contexto em que

ocorrem, pois são permeados por uma multiplicidade de significados. Assim, o

investigador busca, inicialmente, compreender a situação, descrever suas

especificidades, revelar a sustentação teórica dos participantes (retratar o

ponto de vista dos sujeitos), para depois elaborar e apresentar suas

generalizações. Os autores também destacam a incorporação de posturas

mais flexíveis para interpretar as questões problemas da área.

Acreditamos que nossa pesquisa se enquadra nas características da

pesquisa qualitativa, pois estamos interessados em avaliar as contribuições

das atividades envolvendo a História da Ciência no desenvolvimento do

conhecimento de conteúdo sobre NC de futuros professores de Química. Para

isso, buscamos compreender o grupo em seu contexto, descrever suas

especificidades e o ponto de vista dos participantes para, então, apresentar

generalizações e elaborar possíveis teorias. Além disso, os dados coletados

são apresentados de forma descritiva, a partir de transcrições das falas dos

licenciandos e dos demais participantes do projeto.

O método de pesquisa qualitativa permite diversos delineamentos.

Nesse trabalho, considerando a natureza de nossa questão de pesquisa,

optamos por realizar análise de conteúdo em todo o material coletado. Tal

opção é explicada e justificada em uma seção posterior deste capítulo.

CONTEXTO DA COLETA DE DADOS

Esse trabalho é integrante de uma pesquisa mais ampla desenvolvida

pelo grupo de pesquisa REAGIR: Modelagem e Educação em Ciências,

coordenado pela professora Rosária Justi, denominada “Favorecimento e

Análise do Desenvolvimento de Conhecimento de Professores a partir da

Integração entre Natureza da Ciência, Modelagem, Argumentação e

Visualização”. Esta pesquisa procurou relacionar, de forma integrada, aspectos

como natureza da Ciência, modelagem, argumentação e visualização à

formação dos professores de Química. Isto foi feito buscando promover uma

melhor compreensão sobre Ciências e favorecer o desenvolvimento dos

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conhecimentos sobre os aspectos citados. Além disso, houve uma

preocupação com a atuação profissional dos licenciandos, em contextos nos

quais eles pudessem apresentar a Ciência de forma ampla e autêntica. Em

outras palavras, houve também uma preocupação explícita com o

desenvolvimento do conhecimento pedagógico de conteúdo (Silva, 2016).

A parte da pesquisa analisada neste trabalho começou a ser

desenvolvida em agosto de 2013 e estendeu-­se até março de 2014. Os dados

foram coletados com uma amostra de licenciandos de um curso de Licenciatura

em Química participantes do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à

Docência (PIBID) de uma universidade pública do interior de Minas Gerais.

Esse grande trabalho foi dividido em três etapas: diagnóstico das concepções

dos licenciandos e problematização relacionada ao ensino de Química numa

perspectiva mais ampla;; estudo de NC a partir de casos históricos;; e estudo de

NC a partir de um caso contemporâneo. Partes dos dados coletados nesse

período foram utilizadas para responder a questão de pesquisa aqui

apresentada, especialmente os coletados durante as duas primeiras etapas,

ocorridas no período de agosto a dezembro de 2013.

A escolha por realizar a pesquisa com alunos do PIBID se deu por esse

programa promover atividades de iniciação à docência, contribuindo para o

aperfeiçoamento da formação em nível superior e melhoria da qualidade da

educação básica, conforme disposto no artigo 1º do Decreto nº 7.219, de 24 de

junho de 2010 (Presidência da Republica, 2010, art. 1º). Esse programa se

adequou à nossa proposta, pois o PIBID promove encontros sistemáticos entre

os coordenadores das instituições de ensino superior, isso é, entre professores

universitários, licenciandos e professores das escolas públicas. Segundo a

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) são

objetivos do PIBID:

“(i) incentivar a formação docente em nível superior para a educação básica;; (ii) valorizar o magistério;; (iii) melhorar a qualidade da formação inicial nos cursos de licenciatura, promovendo integração entre educação superior e básica;; (iv) inserir futuros professores no ambiente das escolas da rede pública, proporcionando oportunidade de criação e

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participação em experiências e práticas docentes, buscando a superação de problemas identificados no processo de ensino-­aprendizagem;; (v) mobilizar professores da rede pública como coformadores dos futuros docentes;; e (vi) contribuir para a articulação entre teoria e prática, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura.” (Presidência da Republica, 2010, art. 3º)

Sujeitos

Inicialmente, o programa contava com dezessete licenciandos, mas ao

longo do processo, por motivos diversos, alguns deles se desligaram e outros

entraram no grupo do PIBID. Em função dos objetivos dessa pesquisa, foram

considerados dados de apenas dez licenciandos que participaram de todas as

atividades e dos quais temos todos os dados disponíveis. Os licenciandos

participantes desse projeto foram selecionados pela professora coordenadora

do projeto, baseado em seus interesses em melhorar sua formação como

futuros docentes dos ensinos básico e médio, e pela disponibilidade de se

dedicar às atividades do projeto por vinte horas semanais.

Tais licenciandos estavam em diferentes semestres do curso, entre o 4º

e o 8º (cinco estavam no 4º semestre, dois no 6º, e três no 8º) quando as

atividades analisadas neste trabalho foram realizadas. Dos alunos, apenas

uma integrante, do 8º período, relatou ter participado de projeto de Iniciação

Científica, por dois anos, nas áreas de Síntese Orgânica e Catálise. Os demais

licenciandos demonstraram interesse em participar, ou terem participado, de

algum projeto de Iniciação Científica por acreditarem que as atividades

vivenciadas em tal contexto poderiam prepará-­los para estudos futuros

(Mestrado), ampliar seus conhecimentos teóricos e práticos relacionados à

Química e, permitir experiências no desenvolvimento de habilidades e

competências para atuar na pesquisa. Dos interessados, uma licencianda citou

interesse em realizar Iniciação Científica na área de Educação.

No geral, todos os participantes relataram ter vivenciado experiências

que contribuíram para sua formação científica, como participação em Semanas

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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de Estudo de Química, Mostra de Profissões, colóquios, minicursos e

conferências científicas diversas.

Questionados sobre suas expectativas em participar do PIBID, os

licenciandos demonstraram interesse em ampliar seus conhecimentos em

relação à prática docente;; aprender mais sobre o ensino de Química e sobre

Educação, visando crescimento pessoal e profissional;; e ter contato com a sala

de aula.

Como consequência de cursarem diferentes períodos do curso, os

participantes do projeto possuíam variados níveis de conhecimento sobre

Química e Ensino de Química. No entanto, julgamos que todos tinham

capacidade de se envolver nas atividades e discussões propostas sobre

aspectos de NC, uma vez que as mesmas não exigiam, por exemplo, nenhum

pré-­requisito que todos não tivessem, por serem alunos de um curso de

Graduação em Química. Por isso, tal grupo se configurou como um

interessante caso para se avaliar o desenvolvimento do conhecimento de

conteúdo sobre NC.

Os encontros do PIBID eram realizados todas as sextas-­feiras, tinham

duração de 4 horas e eram conduzidos pela professora coordenadora do

projeto. Essa professora é graduada em Química Licenciatura e cursou

Mestrado e Doutorado em Ensino de Ciências, todos na Universidade Federal

de Minas Gerais. Na época em que os dados foram coletados, ela possuía

conhecimentos e experiência como professora universitária e do ensino básico,

que foram fundamentais para orientar as discussões e atividades realizadas no

âmbito do projeto.

Os dados analisados neste trabalho foram coletados pela professora

Rosária (orientadora do mesmo), pela coordenadora do PIBID e por outras

duas participantes do grupo de pesquisa REAGIR, cujos trabalhos de Mestrado

(Martins, 2016;; Silva, 2016) também se vinculavam ao mesmo contexto. Todos

os participantes do projeto, alunos e professora, assinaram Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (previamente aprovados pelo Comitê de

Ética em Pesquisa), concordando com a utilização dos dados coletados para

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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fins de pesquisa. Considerando os princípios éticos expressos nesses

documentos, todos os nomes utilizados neste trabalho (com exceção do da

orientadora do mesmo) são fictícios.

Atividades

Nos encontros de formação, os futuros professores foram envolvidos em

duas longas atividades relacionadas ao estudo de NC a partir da História da

Ciência.

Na primeira atividade, o objetivo foi familiarizar os licenciandos com

controvérsias históricas da Ciência, para que eles começassem a pensar sobre

algumas características do processo e desenvolvimento do conhecimento

científico. Para essa atividade, eles foram divididos em quatro grupos, sendo

entregue a cada um deles um kit composto por um conjunto de textos. Três kits

continham de quatro a cinco textos com controvérsias e fatos da Ciência, e um

kit possuía apenas um texto, mas solicitava acompanhamento dos trabalhos de

dois pesquisadores da universidade.

No geral, os textos dos kits eram focados na história do desenvolvimento

científico, em controvérsias científicas e nas ideias de alguns cientistas. Por

exemplo, o Kit Lavoisier era composto por partes do Tratado Elementar de

Química, do próprio Lavoisier, pelo texto “Lavoisier e a Química Moderna” de

Áttico Chassot, e por outros três textos, todos apresentando uma visão mais

realista do cientista, de seu trabalho e papel do mesmo na História da Química.

Em outro kit (Kit Controvérsias) foram discutidas as controvérsias envolvendo

Newton e Liebniz, Derek Freeman e Margaret Mead, e a descoberta ou não da

radioatividade por Becquerel. O objetivo principal desse kit foi discutir como a

Ciência lida com as controvérsias, assim como os argumentos e outros fatores

que levam à construção do conhecimento científico. O quadro 3.1 apresenta a

lista completa dos textos constituintes de cada kit.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Grupo Nome do Kit Textos

1 Kit Lavoisier

Lavoisier, A. L. (1990). Sobre a maneira de ensinar a Química. In Bensaude-­Vincent, B., A View of the Chemical Revolution through Contemporary Textbooks: Lavoisier, Fourcroy and Chaptal, British Journal of the History of Science, 23, 435-­460.

Carneiro, A. (2006). Elementos da História da Química do Século XVIII, Conferência proferida por ocasião da estreia da peça “Oxigênio” de Carl Djerassi e Roald Hoffman, Teatro do Campo Alegre do Porto, 25-­31.

Vidal, P. H. O., Chelon, F. O. & Porto, P. A. (2007). O Lavoisier que não está presente nos livros didáticos, Química Nova na Escola, 26, 29-­32.

Chassot, A. (1997). Lavoisier e a química moderna, A Ciência através dos Tempos, (pp.118-­129). São Paulo: Moderna.

Lavoisier, A. L. (2007). Tratado Elementar de Química. São Paulo: Madras. Parte I -­ Cap. 1, 2, 3 e 4;; Parte III – Cap. Introdução, Cap. 2 e 3

2 Kit Casos Diversos

Farias, R. F. (2008). Karl Friedrich Mohr: Protagonista, não coadjuvante, Para gostar de ler a História da Química. (pp. 19-­25) Campinas, SP: Editora Átomo.

Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru, SP: EDUSC. (Cap. 3 e 4, pp. 97-­168).

Latour, B. (2000). Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora UNESP. (Cap. 3, pp. 169-­238).

3 Kit Controvérsias

Hellman, Hal. (1999). Grandes Debates da Ciência: Dez das maiores contendas de todos os tempos. São Paulo: Editora UNESP. (Cap. 3 e 10)

Martins, R. A. (1990). Como Becquerel não descobriu a radioatividade. Caderno Catarinense de Ensino de Física, número especial (7), 27-­45.

Martins, R. A. (2004). Hipóteses e Interpretação Experimental: A Conjetura de Poincaré e a Descoberta da Hiperfosforescência por Becquerel e Thompson. Ciência & Educação, 10(3), 501-­516.

4 Kit Controvérsias

Latour, B. (2001). A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru, SP: EDUSC. (Cap. 2, pp. 39-­96).

Acompanhamento e descrição do trabalho de dois pesquisadores diferentes.

Quadro 3.1.Textos que compõem os kits.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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Os grupos foram orientados a apresentar os kits de forma criativa e

buscando identificar, em cada história, o produtor, o processo e o produto. Ao

final das apresentações, os futuros professores se envolveram em discussões

a respeito de suas percepções e aprendizados sobre o processo de construção

do conhecimento científico a partir da atividade. As apresentações e a

discussão posterior visavam contribuir para desenvolver a habilidade crítica dos

licenciandos, servindo como preparação para a próxima atividade.

Para a realização da segunda atividade, os futuros professores foram

divididos em dois grupos heterogêneos (compostos por alunos de diferentes

semestres) para simulação de um júri sobre um fato histórico controverso da

Ciência. A controvérsia envolvia o merecimento ou não do Prêmio Nobel de

Química de 1918, por Fritz Haber, pelo desenvolvimento da síntese da amônia.

Esse caso foi escolhido principalmente por possibilitar explorar vários aspectos

da NC, podendo contribuir para desmistificar ideias inadequadas sobre a

Ciência e os cientistas. Além disso, os licenciandos tinham pouco

conhecimento sobre a história do desenvolvimento da amônia, promovendo

discussões mais neutras, ou seja, analisando o fato a partir de seu contexto.

Assim como na primeira atividade, foram fornecidos textos sobre a vida

de Fritz Haber, o processo de desenvolvimento da síntese da amônia e do

contexto histórico da época, a ambos os grupos. O conjunto de textos entregue

foi formado a partir de fontes primárias, como o discurso de Haber durante o

recebimento do prêmio, em 19203, e por fontes secundárias, como artigos

relatando o processo de desenvolvimento da síntese, fatos da vida e caráter do

cientista, e contextualizando o cenário histórico e econômico da época. Além

desse material, os dois grupos poderiam realizar pesquisas sobre o assunto e

utilizar outras fontes para elaboração de suas apresentações. O quadro 3.2

apresenta a lista completa dos textos fornecidos.

3 A entrega do prêmio ocorreu em 1920 porque em 1918 o Comitê do Nobel de Química decidiu que as nomeações do ano não cumpririam os critérios de Alfred Nobel. Assim, o prêmio do ano de 1918 só foi anunciado em 13 de novembro de 1919. (Nobelprize.org Nobel Media AB 2014).

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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Campos, R. C., & Gouveia, J. A. A História da Química contada por suas descobertas. Disponível em: <http://web.ccead.puc-­rio.br/condigital/mvsl/Sala%20de%20Leitura/conteudos/SL_a_historia_da_quimica_contada_por_suas_descobertas.pdf>. Acessado em junho 2017.

Welikson, C. Fritz Haber e a Síntese da Amônia. Disponível em: < <http://web.ccead.puc-­rio.br/condigital/mvsl/linha%20tempo/Fritz_Haber/PDF_LT/LT_Texto_Fritz_Haber.pdf> Acessado em junho 2017.

Haber, F. (1920). The synthesis of ammonia from its elements -­ Award ceremony speech Available from: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/1918/press.html

Henriques, D. História Económica dos Séc. XIX E XX. Disponível em: < http://dthenriques.orgfree.com/Historia_secXIX_XX.pdf>. Acessado em junho 2017.

Araújo, M. C. (2012). O Nobel de Fritz Haber e suas contribuições ao ensino de ciência. Trabalho de conclusão de curso, Instituto Federal de São Paulo, São Paulo.

Huxtable, R. J. (2002). Reflections: Fritz Haber and the Ambiguity of Ethics. Proceedings of the Western Pharmacology Society. 45, 1-­3.

Wisniak, J. (2002) Fritz Haber -­ A Conflicting Chemist. Indian Journal of History of Science. 37(2), 153-­173.

Quadro 3.2. Textos entregues para atividade do júri simulado.

No júri, os grupos deveriam responder a seguinte pergunta: Fritz Haber

foi merecedor do Prêmio Nobel de Química pela síntese da amônia? A partir

desse questionamento, um grupo ficou responsável por defender o

merecimento do prêmio (grupo de Defesa), e outro o não merecimento (grupo

de Acusação).

Justi e Mendonça (2016) informam que a busca pela síntese da amônia

para produção em larga escala, a partir do nitrogênio e do hidrogênio, foi

considerada uma grande descoberta para a época, pois a amônia e o ácido

nítrico eram componentes fundamentais na produção de fertilizantes, e

consequente essenciais na produção de alimentos. Além disso, após o início

da Primeira Guerra Mundial, o acesso a fontes naturais (no Chile) foi dificultado

ou deixou de existir.

No século XX, cientistas como H. L. Le Châtelier e F. W. Ostwald haviam

conseguido sintetizar a amônia, mas não em escala industrial, principalmente

pela dificuldade da reação, que é exotérmica e envolve três gases em estado

de equilíbrio, necessitando, assim, de alta pressão e baixa temperatura. A partir

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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de sua dedicação pessoal e financiamentos, Haber conseguiu se destacar, pois

determinou os valores de temperatura e pressão ideais para a síntese, e

identificou um catalisador que ajudava no controle da pressão. Le Châtelier

chegou a patentear e sintetizar a amônia em altas pressões, mas devido a um

acidente em seu laboratório, ao realizar testes em altas pressões, suspendeu

sua pesquisa. Ostwald também conseguiu produzir amônia e chegou até a

solicitar a patente de seu processo. No entanto, K. Bosch elaborou relatório, a

pedido da empresa BASF (financiadora do projeto de Haber), alegando que a

produção da amônia pelo método de Ostwald ocorria em pequena escala.

Outras dúvidas quanto ao merecimento ou não do Prêmio Nobel

entregue a Haber estão relacionadas, principalmente, ao fato de o cientista ter

contribuído nos estudos que resultaram na produção de gases venenosos e ter

defendido o uso dos mesmos como arma química durante a Primeira Guerra

Mundial. Sua participação nessas atividades foi duramente criticada pela

comunidade científica internacional da época. Além disso, alguns contestavam

quais seriam as reais contribuições dos assistentes de Haber na obtenção da

síntese e sucesso de sua pesquisa.

Para se prepararem para o júri, os grupos tiveram três semanas

destinadas à: leitura, discussão dos textos e seleção dos argumentos. Neste

período, ocorreram dois encontros presenciais para esclarecimento de

possíveis dúvidas. Durante os encontros, os licenciandos foram auxiliados pela

professora coordenadora do PIBID e por uma integrante do grupo REAGIR.

Antes da realização do júri, os grupos também foram orientados sobre a

organização da simulação, dos critérios para o veredito, e em relação a alguns

detalhes da apresentação:

• O júri compreenderia três etapas: apresentação dos argumentos, réplica

e tréplica, cada uma delas com, respectivamente, 40, 20 e 10 minutos

destinados aos grupos de Acusação e Defesa. Entre as etapas de

apresentação dos argumentos e réplica, haveria um intervalo de 40

minutos para elaboração dos contra-­argumentos.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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• Eles só poderiam utilizar fatos ocorridos até data anterior à entrega do

prêmio: 02 de junho de 1920;;

• O veredito avaliaria todos os argumentos utilizados durante o júri.

• Um documento com esses argumentos deveria ser entregue ao final da

apresentação.

• A apresentação dos argumentos deveria ser realizada por um orador e

dois auxiliares.

Além dessas orientações, para maior motivação, foi recomendado que o

júri fosse realmente simulado, ou seja, os participantes poderiam atuar e usar

roupas que caracterizassem um tribunal.

Ao todo, a simulação do júri compreendeu duas horas e meia e teve toda

sua dinâmica organizada pela professora coordenadora, que atuou como juíza.

Para o veredito sobre o merecimento ou não do prêmio, a professora

Rosária, a professora coordenadora do PIBID e integrantes do grupo REAGIR

analisaram todos os argumentos e contra-­argumentos utilizados pelos grupos

durante a simulação. A decisão tomada por essa comissão foi comunicada e

discutida com os licenciandos no encontro seguinte, destacando aspectos da

Ciência que poderiam ter sido utilizados pelos grupos de Defesa Acusação.

Nesse encontro também foram explicados os critérios para análise dos

argumentos.

A partir da contextualização das atividades realizadas nesse projeto,

acreditamos ter fornecido ao leitor entendimento para compreender a

apresentação, análise e discussão dos resultados no capítulo seguinte.

METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS

Neste trabalho, foram utilizadas como técnicas para coleta de dados:

questionário de sondagem, questionários pré-­ e pós-­atividades, registro em

vídeo das reuniões do grupo e elaboração de portfólios semanais pelos

licenciandos. Esses métodos são discutidos detalhadamente nos tópicos a

seguir.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Questionários

Optou-­se por aplicar questionários pois, segundo Cohen et al. (2011),

eles constituem um instrumento muito útil na coleta de informações e são de

fácil análise. Além disso, esta é uma técnica que permite identificar

“sentimentos, crenças, expectativas, situações vivenciadas sobre qualquer

dado que o pesquisador deseja registrar” (Oliveira, 2010, p. 83).

Como nossa amostra era pequena, foi possível elaborar questionários

que continham questões abertas. A partir deles, os licenciandos puderam

apresentar respostas livres, completas e explicá-­las detalhadamente.

Foram aplicados três questionários durante o período analisado nesse

trabalho: questionário sondagem, questionário inicial e questionário final.

O questionário sondagem (Anexo 1) foi aplicado no início do projeto

(terceiro encontro) com o objetivo de identificar o perfil geral dos licenciandos

em relação à formação acadêmica e às experiências vividas na universidade. O

questionário é composto por 11 questões, que solicitam dados gerais, como

ano de entrada no curso, participação ou não em projetos de Iniciação

Ceintífica e conferências. Tal questionário foi essencial para caracterizar a

amostra.

O questionário inicial (Anexo 2) foi aplicado no quinto encontro do projeto, após discussões gerais sobre os objetivos do ensino de Química e

formação de professores, e antes das atividades específicas que visavam

favorecer o desenvolvimento dos conhecimentos dos licenciandos sobre NC a

partir da História da Ciência (descritas na seção anterior). Julgamos que estas

discussões iniciais seriam importantes, pois os licenciandos estavam em

diferentes períodos do curso, a maioria não havia cursado as disciplinadas de

Prática de Ensino e Estágio, e/ou eram novatos no PIBID. Esse momento inicial

foi importante para que ideias básicas fossem discutidas e para que os

participantes tivessem uma certa preparação para as atividades futuras sobre a

NC.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Este questionário contém um texto que conta a história de Alessandra,

uma universitária que, por recomendação de uma nutricionista, inicia uma

reeducação alimentar, pois vinha ganhando peso e seu índice de massa

corporal (IMC) estava na faixa obesidade grau I. A nutricionista recomentou

ingestão de frutas, verduras e legumes coloridos, alimentação de 3 em 3 horas,

e orientou que ela consumisse alimentos orgânicos, alegando serem mais

nutritivos e isentos de agrotóxicos. No entanto, na universidade, em conversas

com alguns amigos e professores, a estudante ouviu várias opiniões e

informações sobre os alimentos orgânicos. Essas diferentes opiniões a

deixaram com um dilema quanto a ingerir ou não alimentos orgânicos. A partir

deste contexto, que caracteriza uma controvérsia científica contemporânea, o

principal objetivo do questionário foi avaliar algumas ideias sobre Ciências dos

licenciandos. Nas questões, os futuros professores foram estimulados a tomar

uma decisão e a argumentar sobre o dilema da universitária, apresentando

suas ideias sobre Ciências. O questionário é composto por 15 questões.

Por último, após a participação dos futuros professores nas atividades

envolvendo a História da Ciência, foi aplicado o questionário final (Anexo 3),

que contém 9 questões. Seu objetivo foi avaliar os conhecimentos de conteúdo

dos licenciandos após as discussões e atividades sobre Ciências realizadas no

grupo. Foi solicitado que eles respondessem o questionário da forma mais

completa e ampla possível, mas sem consultar nenhum material.

Registro em vídeo

O registro em vídeo é um recurso importante para analisar um conjunto

complexo das ações humanas, e que são difíceis de serem descritas

detalhadamente no momento das ações (Loizos, 2002). Outro fato importante

das filmagens é que elas permitem rever o material inúmeras vezes.

Como eu não participei dos encontros do grupo PIBID, o registro em

vídeo de todas as aulas foi de extrema importância para que eu pudesse

acompanhar e entender a dinâmica dos encontros, conhecer os participantes e

analisar os dados. No entanto, reconhecemos que a filmagem não proporciona

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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total acesso à realidade vivenciada pelos licenciandos. Por outro lado, julgamos

que ter a possibilidade de assistir inúmeras vezes às aulas permitiu identificar

aspectos importantes do contexto do grupo.

Todos os encontros do grupo foram filmados, inclusive os momentos de

preparação para as atividades dos kits e para o júri simulado, constituindo um

registro amplo dos acontecimentos e discussões do grupo.

Portfólios

Além dos questionários e registros em vídeo dos encontros do grupo,

durante o período em que as atividades foram desenvolvidas, foi solicitado aos

licenciandos que elaborassem portfólios. A análise dos portfólios pode ser útil,

pois, segundo Tremblay (1968 apud Cellard, 2010), esse tipo de documento

favorece a observação do processo de evolução dos indivíduos, grupos,

conceitos, conhecimentos, comportamentos, práticas etc.

A partir do quinto encontro, foi solicitado aos licenciandos a elaboração

de portfólios semanais. Neles, os alunos deveriam registar aspectos relevantes

discutidos durante cada reunião, em seus grupos de trabalho e em momentos

de leitura individual. Além disso, o portfólio deveria conter suas reflexões,

questões, críticas, aprendizados correspondentes aos encontros e relação

entre as atividades e sua futura prática docente.

Consideramos importante coletar esses materiais, pois os mesmos

constituiriam uma fonte de dados e, principalmente, uma forma de avaliar a

evolução das ideias e/ou dúvidas expressas pelos licenciandos no decorrer dos

encontros.

METODOLOGIA DE ANÁLISE DOS DADOS

Inicialmente, assisti e realizei a transcrição de todos os vídeos gravados

nos encontros do grupo nos quais foram discutidos aspectos de interesse

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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dessa pesquisa. Fiz a transcrição na íntegra4 das falas dos licenciandos e da

professora coordenadora. Na maioria dos encontros, exceto na simulação do

júri, foi utilizada apenas uma câmera, o que impediu a transcrição completa,

principalmente dos momentos de preparação das atividades em grupo. Isso

também dificultou a identificação dos licenciandos nos encontros iniciais, pois

dependendo da posição da câmera, nem todos os participantes apareciam nas

filmagens dificultando reconhecer qual licenciando estava falando. Este

problema foi solucionado, visto que assistindo aos vídeos várias vezes

consegui identificar os integrantes do projeto pela voz.

Para análise dos questionários, todas as respostas foram tabuladas em

planilhas MS Excel, visando compilar os dados por questionário, questão e

participante. Dessa maneira foi mais fácil comparar as respostas dos

licenciandos. Na análise do questionário sondagem, foi elaborado um perfil dos

licenciandos, que pudesse auxiliar na caracterização pessoal dos mesmos, de

suas ideias e experiências envolvendo práticas científicas.

Neste trabalho, o processo de análise dos dados ocorreu a partir da

leitura de todos os materiais produzidos pelos licenciandos e das transcrições

dos encontros. Nossa análise envolveu inicialmente seleção, recorte e

classificação dos trechos cujo conteúdo se relacionava com algum aspecto de

natureza da ciência (de acordo com o Modelo de Ciências para o Ensino de

Ciências – MoCEC). Após esta etapa, realizamos contagem de todos os

trechos selecionados de acordo com a classificação das disciplinas e seus

respectivos aspectos. Assim, as disciplinas História, Filosofia, Antropologia,

Economia, Cognição, Sociologia e Psicologia, e seus aspectos foram os

utilizados como as categorias. O quadro 3.3 apresenta os aspectos

relacionados a cada uma das disciplinas do MoCEC.

Durante a classificação dos trechos selecionados, verificamos que

alguns deles abordavam aspectos semelhantes, mas de diferentes disciplinas.

4 A menos de alguns momentos em que as falas eram inaudíveis, pois os licenciandos falavam muito baixo ou ao mesmo tempo. Além disso, os licenciandos e a professora também não utilizaram microfones, o que dificultou a compreensão das falas.

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Isso aconteceu, principalmente, na disciplina da Filosofia que apresenta

aspectos mais abrangentes, por exemplo, o ‘Processo de produção, validação,

revisão, comunicação e aceitação do conhecimento científico’, como o aspecto

da Sociologia ‘Como a Ciência é reconhecida e como alcança o status social’.

Neste caso, observamos que a aceitação do conhecimento científico e como a

Ciência é reconhecida abordam características semelhantes. Em trechos que

esta dupla classificação poderia ocorrer, avaliamos qual o aspecto era mais

específico a partir do contexto no qual aquele trecho se inseria.

Disciplina Aspectos

Filosofia

Natureza do conhecimento científico.

Objetivos e valores da Ciência.

Processo de produção, validação, revisão, comunicação e aceitação do conhecimento científico.

Práticas científicas.

Cognição

Como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico.

Quais os tipos de raciocínio utilizados nos processos de aquisição ou entendimento do conhecimento científico.

História Desenvolvimento da Ciência e do conhecimento científico ao longo do tempo.

Provisoriedade da Ciência.

Sociologia Ciência como prática social.

Como a Ciência é reconhecida e como alcança o status social.

Economia

Influência dos fatores econômicos na produção e divulgação do conhecimento científico.

Utilização do conhecimento científico para fins econômicos (obtenção de lucro).

Antropologia Trabalho científico como forma de ação social.

Desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural.

Psicologia Talento e criatividade do cientista.

Quadro 3.3. Aspectos das disciplinas do MoCEC.

Para análise do questionário inicial, buscamos identificar as visões

iniciais sobre Ciência dos professores quanto aos aspectos de NC relacionados

ao MoCEC. Os mesmos aspectos foram utilizados na análise do questionário

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Capítulo 3 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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final (respondido após a participação no projeto), o que possibilitou identificar

mudanças no conhecimento de conteúdo sobre NC dos futuros professores e,

em alguns casos, confirmar mudanças observadas na análise dos encontros.

Assim como os questionários, todos os portfólios e gravações foram analisados

visando identificar momentos em que as disciplinas e seus aspectos de NC

foram discutidos e ideias sobre o tema foram expressas pelos alunos. Dessa

maneira, foram construídas tabelas (também usando o MS Excel) para cada

material, nas quais registramos as falas separadas por licenciando, para

facilitar a categorização das mesmas.

A partir de todos os dados tabulados, foram contados os momentos em

que os licenciandos fizeram referência aos aspectos relacionados à NC por

disciplina, não sendo contabilizadas múltiplas citações de um mesmo aspecto

pelo mesmo licenciando em um mesmo momento analisado. A contagem

realizada nos proporcionou quantificar quantas vezes cada disciplina havia sido

mencionada nos materiais. Usando recursos do MS Excel, foram construídos

gráficos representando vários relacionamentos entre todas as variáveis

(licenciandos, encontros, disciplinas, aspectos de NC), vários deles

apresentados no próximo capítulo.

A análise do quantitativo de citações das disciplinas por licenciando nos

encontros não foram apresentadas por julgarmos que, nas apresentações (Kits

Históricos e Júri), os licenciandos representavam personagens e não

expressaram suas próprias ideias. Isso ocorreu, principalmente, na simulação

do júri, visto que foram escolhidos alunos para defender os argumentos do

grupo, inviabilizando a participação de demais integrantes.

Finalmente, todos os dados foram analisados por mim e pela orientadora

do trabalho. As divergências identificadas foram discutidas e solucionadas,

tendo a análise final fundamentado a apresentação e discussões dos

resultados e as conclusões concernentes à nossa questão de pesquisa.

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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CAPÍTULO 4. NOSSOS RESULTADOS E INTERPRETAÇÕES DOS MESMOS

Neste capítulo, apresentamos e discutimos os resultados de nosso

estudo considerando os dados de todos os licenciandos participantes, de forma

a favorecer uma visão geral do desenvolvimento do conhecimento de conteúdo

dos mesmos.

A fim de exemplificar as relações estabelecidas, consideramos a ordem

cronológica dos encontros e discutimos: (i) as visões iniciais sobre Ciências

dos licenciandos;; (ii) as ideias expressas pelos mesmos ao longo do processo;;

e (iii) suas visões ao final do processo de coleta dos dados analisados neste

estudo. Em relação às ideias expressas ao longo do processo, isto é feito em

relação a três momentos: discussões iniciais;; primeira atividade: Kits Históricos;;

e segunda atividade: Júri Simulado. Em cada uma dessas partes, também

discutimos dados oriundos dos materiais escritos produzidos pelos

licenciandos, inclusive os portfólios. Para completar a análise, estabelecemos

relações entre os resultados apresentados em (iii) e os demais resultados

apresentados anteriormente. Visando favorecer uma melhor compreensão do

leitor sobre o contexto em que cada ideia foi expressa, para cada um dos

encontros apresentamos uma síntese das atividades realizadas antes de

apresentar e discutir as ideias expressas pelos licenciandos.

1º ENCONTRO – APRESENTAÇÃO

No primeiro encontro do projeto, a professora coordenadora realizou a

apresentação da nova proposta do PIBID 2013-­2014 e solicitou que os

membros do grupo se apresentassem. Neste momento, cada licenciando teve

a oportunidade de dizer nome, período, suas expectativas e objetivos com a

participação no programa de iniciação à docência. Alguns destacaram que

participar do projeto seria uma oportunidade para ter contato com o ambiente

escolar e vivenciar a prática docente ainda durante a graduação, e integrantes

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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que participavam há mais tempo no programa demonstraram mais

interessados com a nova proposta para o PIBID.

Nesse primeiro encontro, o objetivo foi discutir o papel do professor,

seus conhecimentos (de conteúdo e pedagógico de conteúdo) e sua formação

inicial e continuada. Como base para as discussões, foi utilizada parte da

dissertação Formação Continuada de Professores de Química Buscando

Inovação, Autonomia e Colaboração: Análise do desenvolvimento de seus

conhecimentos sobre modelagem a partir do envolvimento em pesquisa-­ação

em um grupo colaborativo, de Figueirêdo (2008), uma vez que, neste trabalho,

os conceitos a serem discutidos com os licenciandos são apresentados de

forma bastante clara.

A professora iniciou as discussões perguntando sobre o que o professor

de Química precisa para ser professor. Os primeiros argumentos dos

licenciandos foram relacionados ao conhecimento de conteúdo, sem

abordarem o conhecimento pedagógico.

“Isso tem haver com o que fala no texto da Kristianne. O professor tem que ter um conhecimento do conteúdo. Isso quer dizer que quando você vai explicar um conteúdo para o aluno, você tem que saber todo o fundamento que leva aquele conceito. Você tem que saber de onde que veio e porque que é assim. Você precisa provar pra ele porque aquilo é daquele jeito. Provar que aquilo não saiu do nada.” (Ana)

Observando que os licenciandos não apresentavam argumentos sobre o

conhecimento pedagógico, a professora mencionou que alguns professores,

apesar de saberem muito conteúdo, possuem dificuldades em “passar” seus

conhecimentos. A partir daí, ela introduziu o conceito de conhecimento

pedagógico de conteúdo, apresentando-­o como o conhecimento que distingue

o professor dos demais profissionais, estando relacionado com a habilidade de

favorecer a aprendizagem e tornar esse processo mais fácil e acessível para o

aluno. Ela também enfatizou que este é um conhecimento que o professor vai

desenvolver ao longo dos anos a partir dos diferentes contextos de ensino e

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destacou o papel do PIBID, pois o mesmo favorece que o licenciando vá para a

escola e que possa desenvolver esse conteúdo.

Depois dessa discussão, dois grupos, definidos em encontro anterior

(que não compõem o escopo dessa pesquisa) apresentaram resumidamente

elementos de dois textos. O primeiro grupo ficou responsável pelo texto

Formação Continuada dos Professores de Química (Lima, 1996). Na

apresentação, os estudantes contextualizaram o trabalho realizado nas escolas

de uma fundação, a participação de seus professores de Química na

elaboração de material didático próprio e estabeleceram relações com a

dissertação discutida naquele encontro. As discussões desse grupo

destacaram a importância do planejamento das atividades em parceria com e

não para o professor. O segundo grupo apresentou o texto Concepções e

Alertas sobre Formação Continuada de Professores de Química (Schnetzler,

2002). A partir deste texto foram discutidos os pontos positivos e negativos da

formação continuada, com destaque para a possibilidade de reflexão sobre a

prática docente como um dos pontos positivos.

Disciplinas e Aspectos

Nesse primeiro encontro, as discussões se voltaram mais para os

conhecimentos dos professores, não favorecendo muito discussões sobre a

visão de Ciências dos licenciandos. Apesar disso, no início, os licenciandos

expressaram ideias relacionadas às suas visões sobre Ciências, sendo

identificados cinco momentos5 em que aspectos das disciplinas Filosofia e

História foram citados, como nos exemplos abaixo6:

“Porque se não você chega lá pega o livro didático explica para o aluno como se fosse um dogma. Se você fala para o aluno: É assim e pronto acabou. O aluno pensa assim: E daí? Você tira a visão crítica do aluno. Aí o aluno não aprende a pensar. É importante isso. Porque se você explica a Química como uma Ciência que pode ser

5 Como destacado no capítulo anterior, esses momentos não consideram o número de vezes em que um mesmo aspecto é citado pelo mesmo licenciando.

6 Na apresentação das falas dos licenciandos, eles serão identificados por nomes fictícios. Também destacaremos as disciplinas e aspectos aos quais o conteúdo da fala se refere.

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renovada, o aluno passa a se interessar. Porque se não ele vai ficar achando que a Química é uma coisa de se decorar.” (Maria – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“A questão da Ciência não como religião que você crê, mas uma coisa que você fundamenta... Que ela não é uma verdade absoluta. Ela vai sendo formada ao longo do tempo. Ela nunca vai acabar. Ela vai estar sempre em construção.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico e processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo)

Considerando todos os cinco momentos em que visões sobre Ciências

foram expressas neste primeiro encontro, em relação à disciplina Filosofia

foram citados os aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de

produção do conhecimento científico’ e ‘processo de aceitação do

conhecimento científico’. Por outro lado, em relação à disciplina História

apenas um aspecto foi contemplado nas ideias expressas pelos licenciandos:

‘desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo’.

2º ENCONTRO – ARGUMENTO CULTURAL DA CIÊNCIA

Para as discussões do segundo encontro, foi solicitado aos licenciandos

leitura de dois textos. O texto Um Currículo de Ciências Voltado para a

Compreensão por Todos (Millar, 2003), apresenta argumentos para se inserir a

disciplina Ciências nos currículos de todos os níveis de ensino, dando destaque

ao argumento cultural, isto é, ao fato de o conhecimento científico ser parte da

cultura humana. O outro texto é um recorte do livro 10 Ideas Claves (Jiménez-­

Aleixandre, 2010) que contém atividades em que se trabalha a investigação

científica e o argumento cultural da Ciência.

A partir dos textos, as discussões desse encontro se fundamentaram

principalmente nos argumentos sobre os objetivos de se estudar Química na

escola. Inicialmente, as respostas foram relacionadas com o argumento da

utilidade (formação de cidadãos) e com o fato de a Química oferecer um

conhecimento diferente de outras disciplinas.

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“Eu tinha a visão que os alunos aprendem para entender melhor o que acontece no seu dia-­dia e cotidiano.” (Clara)

“Para uma disciplina estar na grade curricular tem que oferecer um tipo de conhecimento que outras disciplinas não ofereçam e precisa contribuir para o aluno trazendo conhecimento de alguma forma.” (Ana)

A partir das respostas dos licenciandos, a professora reforçou o exposto

mencionando que a Química é um tipo de conhecimento que outras áreas não

trabalham e que possui sua própria forma de pensar, ou seja, suas lógicas de

raciocínio. Ela também destacou que os conhecimentos químicos, por sua

especificidade, não são obtidos informalmente. A partir daí, ela questionou

sobre particularidades exclusivas do raciocínio químico. Os licenciandos

citaram a abstração e os modelos:

“Porque a química também é boa pra ter esse raciocínio abstrato. Já que se baseia muito em conceitos abstratos.” (Clara – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“A gente não vê. A gente não vê o que está falando. Ensinando uma coisa que a gente nunca viu... O pegar e o olhar da Química é só modelo. É o que a gente acha que é.” (Júlia – Filosofia: práticas científicas)

A professora explicou que, na Química, um dos seus raciocínios mais

característicos é a abstração, pois o cerne de seus conhecimentos está

relacionado com o mundo submicroscópico, representado a partir de modelos.

Retomando o texto, os licenciandos foram questionados se tinham

pensado sobre o argumento cultural como um dos maiores empreendimentos

culturais.

“Nunca! Ele até fala aqui que deve ser pensado do mesmo jeito que a música, a literatura, a arte. Só que a ciência é ainda mais importante, um bem mais importante, do que esses outros bens culturais.” (Clara – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

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“Isso foi uma das coisas que me surpreendeu mais no texto. Para mim um dos impactos maiores da ciência seria pra utilidade. E a utilidade é o que ele menos defende... Aspecto cultural era o que eu menos dava atenção.” (Ana)

Outros alunos também relataram nunca terem pensado na Ciência como

forma de produção cultural. A professora evidenciou a importância do

argumento cultural para retratar a Ciência como um empreendimento humano,

que faz parte da nossa cultura e impacta em nossas vidas.

A professora destacou que pensar em ensinar Ciências apenas pelo

argumento da utilidade não é interessante, porque muitas pesquisas não têm

aplicação num determinado momento, mas pode ser que venham a ter no

futuro. Entretanto, ela também afirmou que hoje em dia isso é quase

impossível, porque os órgãos de fomento querem um retorno para a sociedade,

ou seja, uma aplicação. Mas explicou que nem todas as pesquisas visam isso,

ou que os cientistas se preocupam apenas com essa aplicação. Neste

momento, Júlia pareceu compreender a Ciência como prática social e os

interesses envolvidos à prática científica:

“Ele quer que tenha um retorno pra ele.” [referindo-­se aos órgãos de fomento] (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social)

A discussão seguiu, mas abordando o argumento democrático. A

professora questionou se saber Química favoreceria ao estudante participar

melhor das decisões da sociedade. Para Luiza, o conhecimento poderia auxiliá-­

lo a tomar uma decisão:

“Mas já dele saber, ter a noção, pra ele aquilo ali vai fazer alguma diferença. Ele vai parar e pensar assim: Não, pelo menos eu sei que escova progressiva faz mal. Ai ele vai fazer. Mas ele vai saber julgar no futuro. Estou assim porque eu fiz isso. Então ele vai refletir sobre as ações que ele vai tomar baseado no que ele aprendeu da ciência como um todo.” (Luiza – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

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A professora diz que o argumento democrático trata disso, uma vez que

o aluno sabe que existe uma explicação científica para aquele fato, mas que

não necessariamente irá aplicá-­la à situação. Isto por que a tomada de decisão

é muito mais ampla do que pensar só no conhecimento científico, pois a vida

não é feita só de Ciências, ela inclui outros conhecimentos e formas de pensar.

Após a discussão sobre os argumentos do porquê ensinar Ciências, os

licenciandos foram solicitados a pensar em como inserir a ideia de Ciências

como empreendimento social e cultural no ensino.

“Acho que a contextualização, ajuda a entender. Ajuda bastante, porque você vai abranger e pegar coisas cotidianas dele mesmo. E acaba abrangendo essa parte da formação crítico.” (Hugo)

“Primeiro eu penso que deveria desmistificar essa ideia que todo mundo acha que a ciência é uma coisa que não é humana. Eu começaria dessa forma. Mostrar pra ele que a ciência está em tudo que ele pensa, no que faz e mostrar pra ele que o cientista é um ser humano, que ele vive, come, dorme, que tem todas as outras funções como uma pessoa normal. Mas que ele direcionou a vida dele pra fazer coisas relacionadas à Ciência.” (Luiza – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

A professora apontou que umas das formas de mostrar a Química como

empreendimento humano e cultural é contextualizar, como citado por Hugo,

utilizando os fatos históricos e contemporâneos da Ciência, mas que isso não

pode ser o único argumento importante.

Em outro momento, a professora perguntou sobre o que caracteriza algo

ser científico. As respostas se relacionaram principalmente aos cientistas e

suas práticas, como nos exemplos abaixo:

“Os cientistas falaram.” (Hugo – Sociologia: como a ciência é reconhecida por pessoas leigas)

“Quando foi testado, foi comprovado.” (Júlia – Filosofia: práticas científicas e processo de aceitação do conhecimento científico)

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“Você tem que ver, tem que aplicar o que você estudou ali, você deduz que dá certo, ir lá no laboratório e fazer o teste normalmente. Vai lá faz o teste e vê se teve evolução no caso da berinjela. Você vai lá dá berinjela para o ratinho, vê se funcionou nele ou não. Depois faz testes em humanos pra vê se evoluiu o quadro ou não. E falar que foi comprovado. Se tiver evolução foi comprovado e foi benéfico.” (Maria – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos)

A partir de questões sobre como as pesquisas são consideradas

científicas e sobre como julgar que uma afirmativa tem maior ou menor caráter

científico, a professora expôs que a escola e os professores de Ciências devem

ajudar os alunos nesse processo a se tornarem mais críticos nessas situações.

Ou seja, não basta apenas que os alunos entendam os conteúdos;; é preciso

também que possam entender os processos científicos que fazem parte de

suas vidas.

Para continuar a discussão sobre os argumentos favoráveis à inserção

de Ciências no currículo escolar, a professora descreveu uma atividade e pediu

para que os licenciandos a avaliassem. Na atividade, quatro alunos investigam

se o ciclo da lua afeta o crescimento das plantas. Inicialmente realizam

pesquisas em livros e internet, mas não encontram estudos que demonstrem

tal influência. Dessa maneira resolvem realizar testes para comprovar ou não a

existência de uma relação entre as fases da lua e o crescimento das plantas.

A professora explicou que essa atividade seria aplicada a alunos do

Ensino Médio e questionou como essa investigação poderia ser realizada. Os

licenciandos explicaram como a pesquisa poderia ser realizada descrevendo

experimentos, o controle das variáveis e como coletariam os dados.

“Ia cortar a planta em tal lua e observar o que ia acontecer com ela. Cortar uma na crescente. Fazer quatro, cortar cada uma em um ciclo e avaliar o crescimento.” (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas)

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“Tem que ser em uma estufa pra não variar, em nenhuma hipótese, a temperatura.” (Hugo – Filosofia: práticas científicas)

A professora questionou, também, sobre as próximas etapas do projeto,

como a análise dos dados, a identificação dos erros no processo e a proposta

de novo planejamento. Então outra licencianda destacou:

“É o que acontece com a Ciência. Ela pode ser modificada o tempo inteiro.” (Luiza – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; História: provisoriedade da Ciência)

Fazendo uma relação com a fala de Luiza, a professora concluiu que faz

parte das atividades de um pesquisador perceber, ao término de uma pesquisa,

que não encontrou os melhores resultados, ou que não estava seguindo o

caminho correto, mas que isso contribuiu para seu conhecimento. Explicou

ainda que atividades como essas podem favorecer discutir o significado de

dúvida, além de desenvolver raciocínios e conhecimentos próprios da Ciência.

Ao final da discussão, a professora questionou sobre a relação dessa

atividade com o texto de Robin Millar, ao que Ana respondeu:

“Entender como é o trabalho do cientista. Ele não tira a ideia do nada e fala que vai pesquisar. Ele tem um fundamento do porque ele está estudando aquilo ali e como ele vai tentar provar que aquilo ali, aquela ideia que está querendo apresentar está certa ou errada. Como ele vai fazer isso... Fidedignidade dos seus dados. Tudo isso tem a ver com o que ele fala sobre como funciona o trabalho do cientista.” (Ana – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Disciplinas e Aspectos

No segundo encontro, as discussões foram mais relacionadas aos

argumentos para se inserir Química/Ciências no ensino. Mas, os textos e os

questionamentos da professora favoreceram que os licenciandos

expressassem mais suas ideias sobre Ciências. Ao todo, foram identificadas 19

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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citações relacionadas às disciplinas: História, Filosofia, Antropologia, Cognição

e Sociologia e a seus respectivos aspectos.

A maioria deles se relacionou à disciplina Filosofia e aos aspectos:

‘natureza do conhecimento científico’;; ‘práticas científicas’;; ‘processo de

produção do conhecimento científico’;; ‘processo de aceitação do conhecimento

científico’;; ‘processo de validação do conhecimento científico’ e ‘objetivos da

Ciência’. Vários exemplos de expressão dessas ideias relacionadas à Filosofia

foram apresentados na subseção anterior.

Neste encontro, observamos que a leitura dos textos, as falas e

questionamentos realizados pela professora favoreciam que aspectos como a

Antropologia e Sociologia fossem citados, pois se discutiu muito sobre os

argumentos cultural e democrático para se ensinar Ciências. No entanto, o

número de citações não foi grande, possivelmente porque, para alguns

licenciandos, esses argumentos eram novos, como declarado por muitos deles.

A disciplina Antropologia foi citada duas vezes a partir dos aspectos: ‘trabalho

científico como forma de ação social’ e ‘desenvolvimento do conhecimento

científico como uma das formas de produção cultural’. Para a disciplina

Sociologia também foram identificadas duas citações relacionadas aos

aspectos: ‘como a Ciência é reconhecida por pessoas leigas’ e ‘Ciência como

prática social’.

A disciplina Cognição também foi identificada em dois momentos nas

falas dos licenciandos ao abordarem ‘como as pessoas/cientistas pensam ao

produzir e/ou entender o conhecimento científico’. Por exemplo:

“Entender como é o trabalho do cientista. Ele não tira a ideia do nada e fala que vai pesquisar. Ele tem um fundamento do por quê ele está estudando aquilo ali e como ele vai tentar provar, aquela ideia que está querendo apresentar se está certa ou errada. Como ele vai fazer isso.” (Ana – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico;; Filosofia – natureza do conhecimento científico)

A disciplina História foi identificada apenas em uma passagem quando

Luiza destacou a ‘provisoriedade da Ciência’ (ver fala citada anteriormente).

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3º ENCONTRO – GURADACHUVOLOGIA

No início do terceiro encontro, a professora retomou o que foi discutido

no encontro anterior perguntado aos licenciandos se alguém gostaria de se

manifestar sobre os argumentos fortes e fracos para o ensino de Ciências.

Uma das licenciandas apresentou sua opinião destacando a importância do

argumento cultural da Ciência e não apenas o da utilidade.

“Uma das coisas que acho que realmente foi mais interessante foi quebrar esse paradigma de que a maior importância do ensino de Química tem relação com a utilidade. E o que a gente menos espera que seja é a parte cultural. Na verdade, a parte cultural é uma das coisas mais importantes. Por que uma das coisas que vai ficar pra história é aquilo que o ser humano construiu com a Ciência e Tecnologia durante o período que ele viveu aqui na terra. Então isso é um dos argumentos mais importantes.” (Ana – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

A professora concluiu a discussão inicial argumentando que tratando a

Química apenas como uma disciplina isolada e não como integrante da

Ciência, pouco é atingido do argumento cultural, ou seja, como forma de

produção de conhecimento.

Na sequência, a professora questionou sobre o que é Ciência. Dos

licenciandos que se manifestaram, todos destacaram aspectos relacionados à

produção do conhecimento, tanto para desenvolvimento (novas “descobertas”)

quanto para entendimento do que já foi produzido. Algumas das respostas são

apresentadas nos trechos abaixo:

“Produção de conhecimento. Seria uma coisa do tipo... sempre procurar além do que já se tem. Sempre procurando aprofundar o conhecimento existente. Ou descobrir novos.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico e objetivos da Ciência)

“Produzir e transmitir também. Por que quando se está transmitindo também está fazendo Ciência.” (Hugo – Filosofia: processo de produção do conhecimento

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científico e processo de comunicação do conhecimento científico)

“E é tudo aquilo também que o ser humano conseguiu descobrir e acumular ao longo do tempo também!” (Ana – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

Então, a professora perguntou como é o processo de produção, ou

descoberta, da Ciência. Os licenciandos responderam citando diretamente

aspectos relacionados às práticas científicas.

“Observação.” (Maria – Filosofia: práticas científicas)

“Experimentação.” (Júlia – Filosofia: práticas científicas)

O debate sobre Ciências continuou avaliando seu status de “verdade”.

Os licenciandos confirmaram esse status, alegando que ela é uma maneira de

comprovação.

“Ela tem esse status para muitas pessoas.” (Aline)

“Ela é uma maneira de comprovação. Por que como é uma criação do homem, ele quer sempre... como eu digo... ele mesmo propôs essa questão de comprovação. Como se fosse uma lei que diz que é científico e isso não é. Através de avaliação do fenômeno, do que avalia as evidências, as provas e as contraprovas. Então o homem definiu que o que é científico tem que se encaixar em determinados parâmetros.” (Júlia – Filosofia: práticas científicas e processo de validação do conhecimento científico)

Para impulsionar os debates deste encontro, foi realizada a atividade

Guardachuvologia (Somerville, 1941), com o objetivo de discutir sobre quais

áreas podem ou não ser classificadas como científicas e quais conhecimentos

podem ou não ter esse status. Observamos que mesmo antes desta atividade,

a professora introduziu algumas ideias passíveis de serem discutidas a partir

da mesma ao questionar os licenciandos sobre assuntos relacionados a

Ciências e seu processo de produção e aceitação.

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Esta atividade contém o seguinte texto:

“Um cientista recebeu uma carta de um colega alegando ter descoberto uma nova ciência chamada “guardachuvologia”. Por 18 anos, este colega fez entrevistas de porta em porta questionando sobre: (i) o número de guarda-­chuvas existentes na casa;; (ii) seus tamanhos;; (iii) seus pesos;; (iv) suas cores. Os resultados deste estudo foram publicados em nove volumes. Ele elaborou hipóteses que foram testadas, levando a proposição de um grande número de teorias e leis, como, por exemplo, a Lei da Variação da Cor Relativa ao Sexo do Dono (guarda-­chuvas de mulheres tendem a ter uma maior variedade de cores, enquanto os de homens são quase sempre pretos). A esta lei, foi também dada uma formulação estatística. O proponente da nova ciência destacava também o poder da guardachuvologia para prever o dono do guarda-­chuva, sua base empírica e estatística etc. Entretanto, o autor da carta tinha um amigo que não se convencia de que a guardachuvologia era uma ciência e solicitava ajuda do cientista no sentido de uma tomada de posição.”

A partir da leitura do texto, os licenciandos foram solicitados a responder

duas perguntas: A guardachuvologia é uma ciência ou não? O que a faz mais

(ou menos) científica?

Todos os licenciandos responderam que a guardachuvologia é Ciência e

justificaram suas opiniões principalmente em termos do processo e das

práticas científicas utilizadas no estudo. Por exemplo:

“Eu acho que é Ciência por que é estudo de alguma coisa. Ele estava querendo fazer um estudo que relacionava as pessoas aos tipos de guarda-­chuva que elas tinham. Então, de alguma forma era estudo, então era Ciência.” (Ana)

A professora sintetizou as falas dos licenciandos explicando que o

estudo possui caráter científico, por ter levantamento de hipóteses, dados e

tratamento estatístico, por exemplo. Mas ela também destacou que ele é um

estudo isolado e não pertencente a nenhuma área na Ciência. Em sua opinião,

para que a guardachuvologia fosse considerada ciência, deveria ter um corpus

de conhecimento, de pesquisa, de pesquisadores e de saberes a agregar.

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Como os licenciandos afirmavam que o trabalho tinha caráter científico,

a professora os questionou a que isso estava relacionado. Em suas respostas

(ver exemplos abaixo), eles justificaram que ser científico estava ligado,

principalmente, ao processo de produção do conhecimento científico e às suas

práticas. Após a explicação anterior da professora, eles demostraram ter

entendido que ser reconhecido por uma comunidade também é importante.

“Ter levantado hipóteses, ter pesquisado. Ele não tirou do nada e falou. Ele testou tudo que ele falou. Ele colheu dados durante 18 anos, fez pesquisas, foi de porta em porta. Então, eu acho que isso é científico.” (Ana – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas)

“A gente estava discutindo uma coisa interessante, que pra alguma coisa ser aceita como científica ela tem que ser aceita numa comunidade científica. No caso, ele tinha um amigo que não aceitava aquilo. Então, por mais que você crie hipóteses sobre alguma coisa, que pra você faz sentido e que seus estudos comprovem. Se não for aceito por essa comunidade, de certa forma isso não é científico. Então se essa comunidade “de certa forma” não concordava com o estudo dele. Então, isso tornava a pesquisa dele menos científica.” (Ana – Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social)

Retomando a fala de Ana, a professora questionou sobre o que leva

uma comunidade científica a aceitar um estudo como científico ou não;; e sobre

como avaliar se os dados foram coletados de forma aceitável. Para alguns

licenciandos, os critérios utilizados para avaliar se algo é aceito como científico

estavam relacionados à contribuição que o conhecimento traz à comunidade e

se apresenta algum conhecimento novo. Por exemplo:

“Ela vai olhar se aquilo contribui de uma maneira pra comunidade que outros estudos não contribuíram antes.” (Maria – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

Quanto à avaliação dos dados e sua veracidade, os licenciandos

justificaram:

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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“Se ela cita alguém que já é da comunidade científica e já é conhecida como referência.” (Aline – Sociologia: como o conhecimento científico é reconhecido)

“Às vezes se ele fez referência a alguma coisa da literatura ou de algum pesquisador que já tem alguma coisa naquela área. Isso dá uma credibilidade para o trabalho dele.” (Ana – Sociologia: Ciência como prática social e como o conhecimento científico é reconhecido)

“Se os dados corroboram.” (Júlia – Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico)

“Na verdade, às vezes a pessoa confia. Pega o dado faz outra pesquisa pra ver se realmente aquilo ali é verdade. Você apresentou um trabalho, aí você chegou num resultado fantástico. Então, outros pesquisadores geralmente reproduzem seu trabalho pra ver se... eles não confiam na sua palavra. Só depois que eles reproduzem e chegam na mesma resposta que você é que eles te dão credibilidade.” (Hugo – Filosofia: natureza do conhecimento científico e processo de produção do conhecimento científico)

A partir das respostas, a professora complementou explicando sobre

como é possível avaliar a credibilidade de um trabalho científico. Disse ser

muito difícil ter acesso a todos os dados utilizados, sendo assim necessário

confiar no relato do pesquisador. Ela retomou a fala do licenciando Hugo

explicando que o convencimento é feito com argumentos, dados e que citações

dão credibilidade ao trabalho. Explicou também que a descrição da

metodologia é um dos pontos principais para se avaliar a coerência dos

resultados e conclusões.

Neste mesmo encontro, também foi realizada leitura do texto Ciência e

Religião: Uma Guerra desnecessária (Coutinho e Silva, 2013). O objetivo era, a

partir da leitura do texto, discutir as outras formas de conhecimento, como

enfoque na Religião.

Para iniciar as discussões sobre o texto, a professora solicitou que os

licenciandos comentassem sobre o que o texto afirma sobre a visão

essencialista da Ciência. Para a licencianda Aline:

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“...são características essenciais que você dá à Ciência e à Religião.” (Aline)

A professora complementou explicando que é muito difícil caracterizar a

Ciência por uma lista de características. Esta ideia geral foi complementada

pela licencianda Júlia, que alegou que as Ciências são muito diferentes umas

das outras, sendo muito difícil identificar os aspectos comuns a elas. Ela

exemplificou seu argumento com a não existência de um método universal:

“Elas são muito diferentes entre si, todas as Ciências. Tem umas que são praticamente opostas umas as outras. Então fica muito difícil de achar esses pontos comuns que sempre vão aparecer. Não existe um método universal para a Ciência.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico e processo de produção do conhecimento científico)

A professora explicou que Ciência e Religião são formas diferentes de

produção do conhecimento e as pessoas podem acreditar em ambas. Ela

também destacou que: (i) identificar as diferentes formas de produção de

conhecimento é importante, por que chegando à escola levamos a perspectiva

da Ciência, mas que essas outras formas de pensar não podem ser

desvalorizadas;; (ii) e mesmo dentro das Ciências, existem diferentes formas de

produção do conhecimento (Biologia, Química, Sociologia, Antropologia), cada

uma com suas especificidades. Dessa maneira, a visão essencialista pode ser

vista como incoerente.

A partir das discussões, ela questionou como seria possível apresentar

isso na escola.

“Acho que uma forma de ensinar tudo isso seria realmente trazendo a História, mostrando que não segue uma linearidade.” (Camila – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

A partir da fala da licencianda se referenciando à não linearidade da

Ciência, a professora perguntou se, caso fosse ensinada como linear, qual

seria a visão de Ciência passada aos alunos. A partir deste momento, a

discussão tomou outro rumo, enveredando para características dos cientistas

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(sua natureza humana), seus objetivos, como eles pensam e analisam seus

resultados, e sobre os erros experimentais.

Assim, os licenciandos afirmaram acreditar que os alunos poderiam ter a

ideia de cientista gênio, que vive isolado, que busca sempre novas

descobertas. Ao longo da discussão, eles também destacaram que isso pode

existir, mas não necessariamente.

“Que só vai para o laboratório sempre querendo descobrir alguma coisa... Ele já nasce direcionado pra isso. Ele vai estudar só pra ser cientista.” (Júlia)

“...isso vai dar uma visão de cientista isolado. Realmente que ele trabalha isolado. Só ele descobriu isso e pronto.” (Camila – Sociologia: Ciência como prática social)

“É mostrar e falar: não é assim. Existe o cientista isolado, existe o doidão, mas também existem os normais, que tem uma família e que não fazem só isso da vida. Que não tem um objetivo de ficar mudando a ciência.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

Ao discutirem sobre o erro, os licenciandos abordaram o paradigma do

que se esperava como resultado, reconhecendo que não existem erros e que

esses momentos podem levar os cientistas a desistir de suas pesquisas ou a

buscar novas descobertas.

“É o mesmo do que você fala do experimento não dar errado. É a mesma coisa. Às vezes a pessoa fixa que tem que ficar daquele jeito, que até prefere omitir os dados pra dar aquele resultado do que pesquisar o porquê e fazer uma nova descoberta.” (Hugo – Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

“É igual você fala: experimento não dá errado. Pode ser uma coisa que deu isso, mas não dá errado.” (Camila – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“É uma coisa boa pra falar de alterar os resultados. Por que ele queria achar resultado referente a radiação. Ai ele

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poderia muito bem ter achado aquele resultado e falado: Não. Não é isso que eu quero. Vou fazer outra coisa. Ele não enxergou aquele resultado como um erro, mas como uma nova descoberta.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico, processo de produção do conhecimento científico e objetivos da Ciência;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos)

A professora concluiu a discussão retomando a ideia de que o ensino

não deve passar a ideia de Ciência essencialista, que os professores devem

trabalhar com visões mais adequadas e que a abordagem histórica seria uma

alternativa para basear ações docentes nesse sentido.

Disciplinas e Aspectos

Neste terceiro encontro, o debate foi fomentado pela atividade

Guardachuvologia e discussão do texto sobre Ciência e Religião. A atividade

inicial parece ter sido muito importante, pois favoreceu a discussão de

questões como, por exemplo: O que é Ciência?;; O que é científico ou não?;;

Como um conhecimento é aceito pela comunidade científica?. A partir destes e

de outros questionamentos realizados pela professora, os licenciandos

puderam expressar suas ideias sobre Ciência e refletir sobre elas a partir das

discussões.

A atividade Guardachuvologia favoreceu, principalmente, a discussão

dos aspectos ‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência alcança status

social’, relacionados à Sociologia e dos aspectos ‘práticas científicas’ e

‘processo de produção do conhecimento científico’, relacionados à Filosofia. A

expressão dos aspectos sociológicos foi favorecida, pois se discutiu sobre a

necessidade de o conhecimento científico fazer parte de um corpus de

conhecimento e de ser reconhecido por uma comunidade científica. Por outro

lado, a discussão dos aspectos filosóficos parece ter sido favorecida pelo fato

de a atividade destacar elementos relacionados ao processo de

desenvolvimento do conhecimento científico e às práticas científicas.

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Quanto ao texto sobre Ciência e Religião, as discussões mais

importantes abordaram as diferentes formas de produção do conhecimento e

os diversos modos de interpretação para os fatos. Dessa maneira, foi possível

mostrar que não é possível caracterizar a Ciência de forma essencialista.

Neste encontro, observamos que o número de citações relacionadas à

NC aumentou, sendo identificadas 33. Em ordem decrescente, as disciplinas

mencionadas foram: Filosofia, Sociologia, Cognição, Antropologia, Economia e

História.

A disciplina Filosofia foi mencionada em 18 momentos ao longo do

encontro e os aspectos estavam relacionados a: ‘natureza do conhecimento

científico’;; ‘processo de produção do conhecimento científico’;; ‘práticas

científicas’;; ‘objetivos da Ciência’;; ‘processo de aceitação do conhecimento

científico’ e ‘processo de comunicação do conhecimento científico’. Todos os

aspectos foram exemplificados ao longo da descrição deste encontro,

demostrando a relevância da disciplina Filosofia.

A Sociologia foi mencionada pelos licenciandos em seis momentos e os

aspectos identificados foram: ‘como o conhecimento científico é reconhecido’ e

‘Ciência como prática social’. Alguns exemplos destes momentos também

foram apresentados na subseção anterior.

Quanto à disciplina Cognição, foram identificados quatro momentos

relacionados com ‘como as pessoas/cientistas pensam ao adquirir, produzir

e/ou entender o conhecimento científico’. Isso ocorreu principalmente no final

do encontro, quando da discussão sobre como os cientistas podem interpretar

os erros experimentais. Ao longo da descrição desse encontro, foram

apresentados dois exemplos desses momentos.

A disciplina Antropologia foi mencionada três vezes e os aspectos

destacados foram: ‘trabalho científico como forma de ação social’ e

‘desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de

produção cultural’. Desses aspectos destacamos o trecho abaixo, pois ao

responder se o conhecimento científico é produzido ou descoberto, a

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licencianda se remeteu a um dos principais aspectos trabalhados no encontro

anterior.

“...pode-­se descobrir algo que já existia ali, mas eu apenas não sabia... ou você pode produzir. Por exemplo, tem os elementos da Tabela Periódica, que foram os humanos que fizeram. Então seria uma produção da Ciência. A Tabela seria algo que não existia e agora existe.” (Júlia – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

As disciplinas História e Economia foram citadas apenas uma vez

durante o encontro, estando tais citações relacionadas respectivamente aos

aspectos ‘provisoriedade da Ciência’ e ‘influência de fatores econômicos’:

“É igual à questão do Bohr com Rutherford. Ele apenas adicionou informações, ele não refutou nada.” (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: provisoriedade da Ciência)

“Hoje é muito mais gente pra pensar, questionar e com recurso pra fazer pesquisa.” (Hugo – Economia: influência dos fatores econômicos;; Sociologia: Ciência como prática social)

4º ENCONTRO – É CIENTÍFICO OU NÃO?

A professora iniciou o encontro solicitando que os licenciandos

realizassem uma atividade de análise de questões que poderiam ou não ser

pesquisadas cientificamente. Ao término da análise, a dinâmica do encontro

seguiu a partir da avaliação de cada uma das questões.

A primeira afirmativa analisada foi: É errado manter golfinhos em

cativeiro.

“Já tá falando, é errado. Não está falando de qual é a concepção de manter golfinhos em cativeiro por exemplo. Já está tendenciando pro lado negativo.” (Júlia)

“Acredito que deveria ser mais voltada com comportamento do golfinho. Uma pergunta voltada a isso.” (Clara)

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A partir da fala das licenciandas, percebe-­se que elas identificaram algo

de errado com a questão. Primeiro por que, segundo Júlia, a questão já afirma

ser errado manter golfinhos em cativeiro, e segundo por parecer limitada. Com

os comentários, a professora explicou que esse tema poderia até ser uma

pesquisa científica dependendo da forma que fosse elaborada a pergunta. Mas

da maneira como foi formulada, ela não é investigável pela Ciência, uma vez

que faz julgamento de valor, envolve o que é certo ou errado, e a Ciência não

trabalha com esses julgamentos.

Durante as discussões sobre esta questão, a professora também

abordou sobre a ética e os comitês que julgam a possibilidade de realização

das pesquisas;; e sobre a necessidade de neutralidade do cientista em sua

pesquisa, ressaltando que isso provavelmente não irá acontecer todo o tempo,

pois a subjetividade é algo inerente ao ser humano. Júlia concordou com a

professora:

“Não pode ser neutro sempre, por que se não você não chega a lugar nenhum.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

A segunda questão avaliada foi: A atmosfera da terra está esquentando?

“Aqui também dá pra observar. Ele não está falando que a terra está esquentando ou não está esquentando. Aqui ele está levantando uma questão para justamente tentar fazer um estudo pra descobrir se sim ou não.” (Ana)

“Pode chegar numa resposta negativa no final.” (Júlia)

“Não está afirmando.” (Aline)

De modo geral, os licenciandos percebem que a questão é limitada pela

falta da solicitação de uma justificativa, pois as únicas respostas poderiam ser

sim e não. A professora, então, questionou como a questão poderia ser

reformulada de forma a se tornar mais científica.

“...se você perguntar assim: O que está acontecendo com a atmosfera da terra? Eu acho mais científico do que você falar se ela está esquentando.” (Maria)

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A professora concordou que a pergunta formulada por Maria era melhor

e lembrou diversas controvérsias sobre o aquecimento global. Ela também

explicou que apenas responder à questão com sim ou não é difícil, pois

existem evidências para o sim e para o não. A partir desse contexto, ela

questionou sobre como avaliar a confiança das pesquisas.

“Depende dos argumentos que a pessoa utilizar pra te convencer. As provas, os argumentos, as pesquisas... E como vai conduzir a pesquisa dele também” (Luiza – Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico e processo de produção do conhecimento científico)

“As provas. As pesquisas que forem feitas. O que ele vai avaliar... se vai ser coerente com os resultados obtidos.... Pesquisando sobre os autores que você lê, você sabe sobre a formação dele. As referências também avaliar, já é uma coisa que contribui. Você sabe se as pesquisas que ele vai fazer são confiáveis.” (Júlia – Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico, processo de produção do conhecimento científico e processo de validação do conhecimento científico;; Sociologia: como o conhecimento científico é reconhecido por pessoas leigas)

A professora concluiu a discussão reforçando a importância de ajudar os

alunos a avaliar a credibilidade das informações a partir desses critérios, e de

como isto pode ajudar na tomada de decisões.

Na sequência, foi discutido se outra questão era passível de

investigação pela Ciência: Existe Deus?

“Não. Mas existe uai. Não tem a Teologia que estuda...” [parece se referir a Deus] (Luiza)

“Estuda a religião. Não estuda Deus. Deus está relacionado com fé.” (Camila)

Neste momento, a professora retomou parte da discussão do encontro

anterior citando o pesquisador Bruno Latour. Ela explicou que, para ele,

Ciência e Religião são formas de produzir verdades diferentes (formas

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diferentes de se pensar o mundo) e investigam coisas distintas. Dessa

maneira, o questionamento sobre a existência de Deus não se enquadra ao

campo da Ciência.

A próxima questão avaliada foi: Eu devo seguir os conselhos do meu

horóscopo diário? Provavelmente a partir das avaliações anteriores, Júlia

rapidamente identificou o verbo dever como o problema da questão.

“Não, não e não. A questão não é nem o horóscopo. É o devo. Como que você faz uma pesquisa para falar eu devo!” (Júlia)

Concordando com a resposta apresentada por Júlia, a professora

exemplificou que pesquisas na área da Nutrição nunca dizem que se deve ou

não comer determinado alimento.

“Não. Pode ser científico igual à guardachuvologia. Talvez a questão devesse ser melhor formulada. Mas, pode ser científico tanto quanto a guardachuvologia.” (Maria)

Após a concordância da professora em relação à não utilização do verbo

dever em questões de pesquisa, outra questão foi discutida: Como os animais

mudam ao longo do tempo?

“Eu não acho ela bem formulada não. Como os animais mudam ao longo do tempo? É muito amplo. O comportamento, a evolução.” (Luiza)

“É mais científica que a segunda, por exemplo.” (Júlia)

Completando a discussão, ainda foram avaliadas outras duas questões.

Em relação à primeira (Entender sobre Ciências contribui para o aprendizado

dos alunos do Ensino Médio?), todos concordaram que aquela era uma

questão científica e apresentaram possíveis repostas. Por outro lado, a última

questão discutida (Quem vai ganhar o campeonato brasileiro de 2013?), teve

respostas variadas:

“Não. Por que você não pode afirmar o futuro.” (Camila)

“Mas pode também ser com base em estatística.” (Ana)

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“Você tem a probabilidade, mas não pode afirmar quem vai ganhar.” (Camila)

“Você pode falar que tem 99% de probabilidade de ganhar.” (Júlia)

Professora concluiu a discussão, explicando que a questão não é

científica, pois não existe uma maneira de investigar quem vai ganhar, mas que

esse tema poderia ser pesquisado se a pergunta fosse reformulada.

Após o término de avaliação das questões, a professora questionou se a

Ciência seria uma forma de produção de verdades.

“Sim. São verdades temporárias, mas não deixam de ser verdades. Em algum momento foi verdade.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Então, a professora questionou se, ao passar aos estudantes uma

imagem relativista, de que tudo passa e se modifica, eles não poderiam

questionar porque estão estudando determinado fato. As licenciadas

responderam:

“Mas pra algum tempo aquilo teve um valor. Pra você entender isso que você está passando agora, você tem que entender aquilo que aconteceu antes.” (Luiza)

“Pra que houvesse essa evolução, você tem que entender como era antes. Por que era daquele jeito antes e agora não é assim.” (Vitória – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Júlia exemplificou citando o modelo proposto por Dalton:

“Estava errada certa parte do modelo dele, mas outra parte ainda é usada. Então, é por isso que estuda o anterior. Por que não é tudo que ele pesquisou e descobriu que estava errado. Partes foram modificadas. Não é como se tudo que ele pesquisou não valesse de nada. Parte dele é usado ainda. Não é tudo que é provisório que é invalidado. Não é por que parte dele deixou de ser verdade, que tudo vai ser invalidado.” (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento

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científico;; História: desenvolvimento do conhecimento ao longo do tempo)

A professora explicou que é necessário e importante discutir que a

Ciência é uma forma de produção de conhecimento, mas que esse

conhecimento pode ser questionado (e modificado) às vezes, ou existir

diferentes formas de pensar um mesmo problema.

Retornando a discussão sobre as verdades da Ciência, a professora

questionou os licenciandos quanto à existência de fatos que seriam mais

verdades do que outros e solicitou exemplos da Química ou da Ciência.

Percebendo a dificuldade dos licenciandos em responder, ela deu o exemplo

do átomo. Alegou que ninguém duvida de o átomo ser divisível, mas que

existem várias controvérsias quanto à existência ou não de subpartículas;; e

concluiu dizendo que essas verdades devem ser explicadas aos alunos com

base em evidências, apresentando o que já foi aceito no passado.

A explicação da professora levou à discussão sobre “as caixas pretas”

da Ciência e a dificuldade de julgar os fatos históricos à luz do contexto de

outro tempo. No diálogo entre Júlia e Ana elas debateram sobre o processo de

desenvolvimento da Ciência e sua provisoriedade.

“É igual na época que diziam que a terra era o centro do universo. Era uma caixa preta, mas não era amarrada assim... Por que chegou e disseram que não era assim. Não quiseram acreditar que era uma caixa preta, mas sim por que era cultura da época. Então, os argumentos de não abrir a caixa eram diferentes dos de agora.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“Mas quem te garante que não era uma caixa preta?” (Ana)

“Era uma caixa preta, mas eu disse que não era amarrada porque não tinha essas evidências e comprovações.” (Júlia)

“Pra gente não, mas pra aquela época talvez.” (Ana)

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“Eles não abriam a caixa, por que era questão da igreja que mandava e falava: Isso é o que estou dizendo. E você acredita nisso. Eles não tinham as provas e as evidências pra refutar as provas.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“Hoje em dia, é um absurdo você falar que a terra é quadrada, mas antigamente aquilo para as pessoas devia ser claro. A gente não sabe avaliar como elas pensavam naquela época. Talvez aquilo pra elas era uma caixa preta. Da mesma forma que as Leis de Newton são uma caixa preta pra gente hoje. Talvez daqui uns anos não seja mais.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

A professora encerrou o encontro dizendo ser importante entender a

dificuldade de fechar e abrir essas “caixas pretas”.

Disciplinas e Aspectos

No quarto encontro, foram discutidas várias questões com o objetivo de

avaliar se elas eram científicas e se estavam bem formuladas. O julgamento

realizado pelo grupo e as considerações da professora possibilitaram que os

licenciandos pudessem reconhecer a importância da adequada elaboração das

questões que orientam uma pesquisa. Discutiu-­se também sobre alguns erros

cometidos, como: o julgamento de valor;; a falta de questionar como;; e o uso

indevido do verbo dever em questões de natureza científica;; e a avaliação de

um conhecimento com base em outro diferente (exemplo: Ciência e Religião).

Neste encontro, devido à natureza da atividade realizada e discutida, o

número de citações às disciplinas e seus respectivos aspectos foi menor do

que no anterior: apenas 15. A disciplina Filosofia, assim como nos demais

encontros anteriores, foi a mais mencionada. Foram identificados 12 momentos

em referência aos aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo

de produção do conhecimento científico’;; ‘práticas científicas, processo de

aceitação do conhecimento científico’;; ‘objetivos da Ciência’ e ‘processo de

validação do conhecimento científico’. Destes aspectos, o único não

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exemplificado na subseção anterior foi ‘objetivos da Ciência’, identificado nas

seguintes falas:

“Por que eu imagino que se você mantiver o golfinho em cativeiro com fins científicos de estudo, pra colher dados, pra você ver como ele cresce, ou sei lá, pra qualquer objetivo. Não é errado se manter em cativeiro. Agora se manter ele em cativeiro por que você quer criar um golfinho. Aí passa a ser errado.” (Luiza – Filosofia: objetivos da Ciência)

“Se eu tivesse feito o estudo de como o cativeiro influencia no comportamento dos golfinhos, no final do meu estudo eu poderia até ter um resultado relacionado a se é prejudicial pro golfinho ou não. Mas eu não posso atribuir valor para aquilo. Se é certo ou se é errado.” (Ana – Filosofia: objetivos da Ciência)

A disciplina Sociologia foi mencionada em dois momentos. Os aspectos

‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida por pessoas

leigas’, foram identificados durante a avaliação da questão sobre as pesquisas

com golfinhos em cativeiro, como exemplificado em:

“É também importante avaliar com quem o pesquisador já trabalhou. Se é confiável ou não.” (Ana – Sociologia: Ciência como prática social e como a Ciência é reconhecida por pessoas leigas;; Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico)

Uma referência ao aspecto ‘provisoriedade da Ciência’ (disciplina

História) foi identificado em um único momento e mencionado ao longo da

descrição deste encontro.

5º ENCONTRO – A HISTÓRIA

No início do quinto encontro, a professora explicou aos licenciandos que

a cada semana eles deveriam entregar um portfólio registrando os aspectos

relevantes das atividades e discussões ocorridas, assim como suas reflexões,

críticas e aprendizados. Após a explicação, foi solicitado que respondessem o

Questionário Inicial com perguntas abordando assuntos relacionados à Ciência.

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Após a aplicação do questionário, a professora citou os textos referência

para o encontro – A Natureza da Ciência e o Ensino das Ciências Naturais:

Tendências e Perspectivas na Formação de Professores (Carvalho, 2001) e

História, Filosofia e Ensino de Ciências: A Tendência Atual de Reaproximação

(Matthews, 1995) – e questionou os licenciandos se os termos Natureza da

Ciência, Epistemologia, História e Filosofia da Ciência são equivalentes.

“Não são a mesma coisa, mas estão relacionados.” (Júlia)

“São diferentes. São visões diferentes, características diferentes. Sociologia da Ciência é diferente de História da Ciência.” (Hugo)

Neste momento, a professora explicou sobre introduzir aspectos

referentes à História, Filosofia e Sociologia (HFS) no ensino e que introduzir

NC no ensino significa discutir questões de como o conhecimento científico é

produzido, desenvolvido, disseminado. Acrescentou ainda que, na escola,

esses conhecimentos devem ser construídos através do trabalho com fatos

históricos e sociológicos. Ao final da explicação, questionou os licenciandos

sobre como seria possível humanizar a Ciência.

“Ela mostra as influências que a Ciência pode receber. Por exemplo, as influências sociais, religiosas, politicas. Tudo que influencia ou não o caráter da Ciência. Por exemplo, uma pesquisa científica que tem que ser financiada, ela é influenciada politicamente e tem que ter um propósito. Então, tem essa questão da não neutralidade da Ciência.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Economia: influência de fatores econômicos)

A professora destacou que é importante que os alunos reconheçam que

a Ciência é humana, que possui seus valores e sofre influências. Para ela,

além de ser importante na formação dos professores, a partir da HFS é

possível tornar as aulas mais reflexivas, favorecer o pensamento crítico dos

estudantes e ajudar na compreensão dos conhecimentos científicos. Ao

abordar sobre os professores, ela questionou se um professor que possui bom

conhecimento de NC iria necessariamente dar boas aulas de Ciências.

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“Acho que ele tem que ser um professor reflexivo e crítico para saber passar pro aluno aquela forma de conhecimento da ciência.” (Aline)

A partir desta fala, a professora salientou ser primordial que os

professores entendam sobre NC, mas que isso não significa que eles saibam

como fazer. Ela explicou que mesmo utilizando a História como contexto é

preciso cuidado para não torná-­la apenas mais um conteúdo, ou para ela ser

representada como uma pseudo-­história ou quasi-­história. Estes possíveis

problemas são alguns dos motivos para que um grupo de autores não defenda

a abordagem histórica no ensino. Os licenciandos pareceram ter entendido

este ponto, como evidenciado em:

“O problema dessas quasi-­ e pseudo-­história é quando você faz esses recortes. Isso não corresponde à verdadeira NC e do conhecimento científico. Porque Lavoisier não pensou: Ah vou fazer esse experimento. Ah deu certo. Ah vou fazer tal coisa. Ah deu certo. Eles colocam as partes que deram certo e as outras partes que deram ‘errado’, ou que não corresponderam às expectativas são ignoradas. Esses aspectos fazem parte do processo de produção do conhecimento científico, mas são ignorados. É outro problema da quasi-­ e da pseudo-­história.” (Ana – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e natureza do conhecimento científico)

Em sua fala, Ana ainda destacou que quasi-­ e a pseudo-­história ainda

podem comprometer o entendimento do conhecimento científico. Considerando

essas dificuldades de se introduzir a História no ensino de Ciências, a

professora questionou os licenciandos se eles achavam válido utilizá-­la.

Júlia, por exemplo, afirmou que é válido utilizar a História, pois:

“...você vai humanizar a Ciência. Você vai trazer isso mais pra perto da realidade dele. Ele vai pensar que o cientista não é uma pessoa isolada, que nunca ninguém vai chegar perto. Que ele nunca seria igual. Ele pode chegar a pensar que seria um cientista, se a Ciência é dessa forma mesmo. É um reflexo positivo.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

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Vitória, por sua vez, ressaltou que:

“...tem que contextualizar e contar isso melhor.” (Vitória).

A professora explicou que desenvolver essa habilidade era um dos

principais objetivos do projeto. A partir desta fala, ela explicou sobre a atividade

que seria realizada nos próximos encontros: a dos kits históricos. Para aquela

atividade, os licenciandos foram divididos em quatro grupos recebendo, cada

um, um conjunto de textos.

Disciplinas e Aspectos

Neste encontro, as discussões conduzidas pela professora tiveram como

objetivo apresentar e justificar a necessidade de se incluir a NC no ensino de

Ciências e apresentar a introdução de História da Ciência como um dos

possíveis meios para fazer isto.

Durante o encontro, poucos foram os momentos em que os licenciandos

expressaram suas ideias sobre Ciências. Apenas três trechos foram

classificados como envolvendo aspectos de Filosofia e de Economia, todos

exemplificados na subseção anterior. Mesmo assim, as discussões foram

importantes para destacar a importância de se inserir a NC no ensino de

Ciências e de abordar, principalmente, seu aspecto humano.

Portfólios

O quinto encontro foi o primeiro encontro em relação ao qual os

licenciandos tiveram que produzir portfólios. Por isso, talvez, ficou nítido em

seus textos a dificuldade de expressar suas reflexões sobre os assuntos

abordados. Assim, a maioria desses primeiros portfólios continha apenas

resumos dos textos sugeridos como leitura, e descrição da dinâmica do

encontro.

Poucos, como Luiza, apresentaram suas opiniões sobre o que acharam

das discussões, disseram se estavam aprendendo, ou se já haviam pensado

sobre os temas discutidos.

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“Após a leitura dos textos e da discussão em sala de aula, achei muito interessante pensar em todos esses pontos relacionados ao ensino de Ciências. Uma visão que antes eu não tinha. Considero que é necessário selecionar o que deve ser falado sobre a Historia da Química nas aulas de Ciências, para que isso não caia em quasi-­história ou em uma pseudo-­história. Por isso considero que, ao selecionarmos o que será dito, todo cuidado é necessário.” (Luiza)

A partir dos portfólios, foram identificamos 19 trechos relacionados a

aspectos da NC. Destes, a maioria (11 citações) se relacionou aos aspectos

‘natureza do conhecimento científico’, ‘processo de produção do conhecimento

científico’ e ‘práticas científicas’, da disciplina Filosofia. Alguns exemplos:

“Com a História da Ciência, os alunos estarão a par de todo o processo de produção científica. Além disso, a História da Ciência narra alguns episódios que podem contribuir para a ideia de que a Ciência não é a verdade absoluta e que nem sempre se encontra os resultados esperados, e nem por isso o cientista fez um experimento que deu errado.” (Clara – Filosofia: natureza do conhecimento científico e produção do conhecimento científico)

“No caso da segunda, relacionada à Derek Freeman e Margaret Mead, vêm: a pesquisa de campo, a generalização de teorias, a necessidade de provas e contra provas, a possibilidade constante de refutação de teorias, a impossibilidade de reprodução de dados em épocas diferentes, entre outros.” [A licencianda se referiu a um dos textos que compunham o kit de seu grupo, recebido no encontro] (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas)

As disciplinas Sociologia e Cognição foram mencionadas em dois

momentos relacionados, respectivamente, aos aspectos ‘Ciência como prática

social’ e ‘como as pessoas/cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou

entender o conhecimento científico’:

“Com isso podemos observar e compreender a importância da comunidade científica para apresentar em sala de aula o mundo da Ciência”. (Aline – Sociologia: ciência como prática social)

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“Para mim, o professor deve sempre discutir com seus alunos a forma como os cientistas trabalham, demonstrando que eles são pessoas comuns que também passam por dificuldades. Muitas vezes, o que faz alguns terem destaque em suas carreiras é a determinação e o senso critico." (Hugo – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos)

O aspecto ‘provisoriedade da Ciência’, relacionado à disciplina História,

foi mencionado uma vez:

“Penso que o estudo de HFS da Ciência permite ao estudante contextualizar aquele conhecimento com as necessidades da época em que ele foi desenvolvido, permitindo assim que ela reflita sobre as adaptações que aquela informação sofreu durante o passar do tempo.” (Hugo – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

A disciplina Antropologia também foi mencionada apenas uma vez:

“Temos que mostrar algum intuito para eles estarem aprendendo tal conteúdo, temos que contextualizar, problematizar, mostrar o significado de um determinado assunto para os alunos. É sempre bom levarmos a ciência para o cotidiano deles, mostrar que precisamos da ciência, que a ciência está em tudo.” (Camila – Antropologia: Ciência como forma de produção cultural)

A partir da análise dos portfólios também foi possível identificar quais

foram as disciplinas mencionadas por cada licenciado. Esta relação é

apresentada no gráfico 4.1. Nele, observamos que Júlia e Hugo foram os que

mencionaram mais vezes aspectos relacionados à NC, respectivamente, cinco

e quatro vezes. Por outro lado, as licenciandas Ana, Maria e Vitória não

mencionaram nenhum aspecto.

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Gráfico 4.1. Quantitativo de citações dos licenciandos por disciplina identificadas no

portfólio do 5º encontro.

Questionário Inicial

Como comentado no capítulo anterior, o questionário inicial (Anexo 1)

possui 15 questões relacionadas a um dilema vivido por uma personagem

fictícia, Alessandra, ao questionar sua alimentação. Tal questionário buscou

traçar um panorama da visão de Ciências dos licenciandos a partir de questões

que abordaram, por exemplo, a definição de Ciência;; que tipo de

conhecimentos uma pessoa precisa desenvolver para entender Ciências;; quais

as características de um cientista e quais práticas ela utiliza em seu trabalho.

Além das questões relacionadas à Ciência, foi perguntado aos

licenciandos se eles haviam pensado nos principais aspectos abordados nas

questões. Metade deles (Ana, Maria, Sofia, Vitória e Clara) disseram nunca ter

pensado nestes aspectos antes da participação no PIBID. Outras dois

participantes (Aline e Hugo) responderam já terem pensado, mas apenas em

alguns aspectos. Os demais integrantes alegaram ter discutido sobre o assunto

durante as disciplinas de Prática de Ensino e Estágio (Luiza, Júlia e Camila,

todas cursando o 8º período). Das licenciandas que afirmaram nunca terem

pensado sobre o assunto, todas estavam no 4º período e eram novas

11

2 2

3

2

11 1 11 1

0

1

2

3

4

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História

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integrantes do PIBID. Elas destacaram que começaram a pensar sobre estas

questões durante os encontros do projeto, conforme relato de uma delas:

“Durante estes encontros do PIBID, algumas atividades propostas e leituras realizadas fizeram com que estas questões fossem levantadas. Penso que nunca antes havia pensado na maioria ou em nenhum destes aspectos por possuir uma visão limitada da Ciência e também por nunca ter sido estimulada a refletir sobre isto ao longo da minha formação.” (Ana)

Como informado anteriormente, a aplicação do questionário inicial foi

realizada após introdução de algumas discussões e leitura de textos que

abordaram algumas ideias sobre Ciências, o que provavelmente fundamentou

algumas das respostas do questionário.

Analisando as respostas dos licenciandos, foram identificadas 223

citações a aspectos relacionados à NC, conforme distribuição apresentada no

quadro 4.1., que destaca o quantitativo por disciplina, e no gráfico 4.2., que

mostra o quantitativo por disciplina e questão.

Disciplinas Nº de Citações Antropologia 13

Cognição 20

Economia 4

Filosofia 140

História 9

Psicologia 1

Sociologia 36

Total 223

Quadro 4.1. Quantitativo de citações por disciplina.

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Gráfico 4.2. Quantitativo de citações por questão no Questionário Inicial.

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Como evidenciado pelo quadro 4.1., as disciplinas mais mencionadas

pelos licenciandos foram Filosofia (140), Sociologia (36) e Cognição (20),

enquanto a disciplina Psicologia foi mencionada apenas uma vez.

Analisando o gráfico 4.2., conseguimos identificar quais questões

favoreceram o maior número de citações aos aspectos de NC. Em ordem

decrescente as questões foram: 3, 1, 11 e 6. A partir delas, optamos por

caracterizar as visões iniciais dos licenciandos sobre Ciências, com as quais

serão comparadas as visões identificadas ao final do processo.

• Questão 1: Como a ciência poderia ajudar Alessandra neste momento?

Ou, em outras palavras, quais características da ciência poderiam ser

usadas para ajudar Alessandra a tomar suas próximas decisões?

Indique cada uma dessas características separadamente.

No geral as respostas dos licenciandos ao dilema de Alessandra

envolveram a confiabilidade e a credibilidade das informações analisadas, visto

que a maioria citou a consulta a especialistas (cientistas) e a leitura de artigos

científicos. Além disso, eles se basearam no empirismo, citando práticas

científicas como realização de experimentos;; testes de hipóteses;; comparações

de dados;; e estudos de casos. As respostas de Ana e Luiza exemplificam estas

ideias.

“Poderia ser realizado também alguma pesquisa que verificasse até que ponto a utilização de adubos naturais pode interferir na qualidade dos alimentos. A descrição de qual foi a metodologia utilizada por cientistas para realizar as pesquisas, dos resultados obtidos e da análise dos dados poderia ser útil para Alessandra, para que ela pudesse ponderar sobre a confiabilidade e a veracidade dos dados apontados pelo estudo.” (Ana – Filosofia: práticas científicas)

“Alessandra poderá buscar analisar, com a ajuda da ciência, cada argumento dos seus colegas baseando-­se: • Na confiabilidade da pesquisa: observando as fontes, se os dados foram retirados de órgãos que possuem uma credibilidade quando se trata de pesquisas, se os dados são coerentes. • Observando quem financiou a pesquisa, com qual interesse. • Observando o objetivo da pesquisa:

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se é evidenciar que os produtos orgânicos são melhores do que os convencionais ou não. • Observando qual é o público alvo das pesquisas. • Observando se a metodologia das pesquisas foram as melhores ou não, se há outras possíveis também, se a metodologia se adequa ao objetivo pretendido.” (Luiza – Filosofia: natureza do conhecimento e processo de produção do conhecimento científico;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Luiza, uma das licenciandas que reconheceu já ter pensado sobre NC

durante as disciplinas Prática de Ensino e Estágio, ainda mencionou ser

importante observar quais os interesses da pesquisa, se ela teve algum tipo de

financiamento e a qual público se destina, demonstrando, assim, compreender

a influência dos interesses na produção do conhecimento científico.

Na análise das disciplinas citadas nesta questão, a única não

mencionada foi a Psicologia. Dos 28 momentos em que aspectos da NC foram

identificados, 15 se relacionavam à Filosofia e abordavam aspectos sobre a

‘natureza do conhecimento científico’;; ‘práticas científicas’;; ‘processo de

produção do conhecimento científico’;; ‘processo de comunicação do

conhecimento científico’ e ‘processo de validação do conhecimento científico’.

Alguns exemplos:

“A Ciência é divida em grandes áreas, sendo que uma teoria que é muito útil para essa área, pode não ser tão útil em outra.” (Clara – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“Sabendo como funciona a avaliação de um estudo em confiável ou não, ela poderia exigir argumentos que validassem as opiniões de cada uma das pessoas que comentaram sobre o assunto.” (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; processo de comunicação do conhecimento científico e processo de validação do conhecimento científico)

A Sociologia foi citada quatro vezes. As respostas categorizadas nesta

disciplina apresentavam os aspectos: ‘como a Ciência alcança status social’ e

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‘como a Ciência é reconhecida’. Em um caso, ambos aspectos foram citados

em uma mesma resposta:

“É a partir da busca sobre informações em fontes confiáveis na área da qual deseja, no caso da Alessandra a área nutritiva, como o contato com o profissional da área, artigos publicados por uma pessoa de credibilidade no assunto, site de órgão da área, entre outros.” (Vitória – Sociologia: como a Ciência alcança status social e como a Ciência é reconhecida)

As demais disciplinas mencionadas (História, Antropologia, Economia e

Cognição) foram citadas uma única vez. A seguir, são exemplificadas falas nas

quais as disciplinas foram identificadas na questão, exceto Economia cujo

exemplo foi apresentado anteriormente.

“A Ciência não é linear;; é um processor dinâmico, por isso sofre mudanças, quando hipóteses são criadas sobre determinados assuntos, e podem ser refutadas se um novo modelo explica melhor tal assunto.” (Aline – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“A forma de preparo do alimento, mesmo ele sendo orgânico, feito de modo inadequado perde-­se todos os nutrientes. A forma de temperar, de cozinhar, de armazenar e até mesmo de acrescentar o acompanhamento na hora da refeição. Saber as reações que acontecem é fundamental, pois assim é fácil entender a diferença.” (Sofia – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

“Na Ciência existem modelos que servem para explicar determinado fenômeno, sendo que cada modelo é útil para determinada situação.” (Clara – Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos)

• Questão 3: Suponha que você tem um colega de outra área

completamente diferente da ciência e cujo único contato com ciências

aconteceu na escolaridade básica. Se você tivesse que explicar o que é

ciência para esse colega, o que diria? Quais características enfatizaria

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para ajudar seu colega a desenvolver um bom entendimento sobre

ciência?

Esta questão foi a que apresentou o maior número de citações aos

aspectos relacionados à Ciência (28), uma vez que exigiu dos licenciandos que

explicassem o que é Ciência e enfatizassem suas características. Diante da

dificuldade em apresentar uma definição para Ciências, as respostas foram

variadas, mas algumas ideias comuns reconhecidas. Por exemplo, os

licenciandos expressaram não ser possível definir Ciências em uma “lista de

características”, relembrando uma das discussões ocorridas durante o 3º

encontro sobre a visão essencialista da Ciência.

“Eu diria que, em primeiro lugar, não há uma definição para o que vem a ser Ciência.” (Júlia)

“Ciência não é algo que enumeremos características para descrevê-­la, e nem se tem um conceito pronto e acabado.” (Vitória)

“Eu diria primeiramente que não tem como definir Ciência, mas falaria que na Ciência existe processo, produtor e produto.” (Camila)

Outra característica comum às respostas foi Ciência como forma de

produção de conhecimento que busca explicar os fenômenos e lidar com os

questionamentos do homem por meio de investigações (realização de testes e

experimentos) para contribuição à sociedade.

“A Ciência é, nessa visão simples e objetiva, a produção de conhecimento gerada através de constantes indagações.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“Ciência não é algo que enumeremos características para descrevê-­la, e nem se tem um conceito pronto e acabado. Ciência é uma verdade, porém não é absoluta, desenvolvida a partir do problema em questão, suposições, pesquisa e resultado que acrescente algo para a sociedade.” (Vitória – Filosofia: natureza do conhecimento científico e prática científicas)”

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“Eu explicaria que Ciência é a atividade humana que busca explicar fenômenos ou comportamento além de investigar novas técnicas e conhecimentos que ainda não são dominados pelo homem. E que as principais características da ciência são a investigação do objeto de interesse, a reflexão sobre o que foi investigado, e a comparação com fenômenos parecidos tentando buscar uma contra prova para as suas conclusões.” (Hugo – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural;; Filosofia: natureza do conhecimento)

Esta fala de Hugo foi, também, a única na qual a Ciência foi

caracterizada como produção humana, aspecto associado à Antropologia.

Outra característica observada nas respostas desta questão foi

apresentar a Ciência como suscetível a modificações ao longo do tempo, ou

seja, provisória.

“A Ciência não possui verdade absoluta, uma hora ou outra pode vir um novo conhecimento e refutar aquele já existente, ela não é acabada. A Ciência não é linear, um fato não acontece para vir a refutar outro, um cientista tentando provar algo, com o embasamento de um modelo ou de um conhecimento, acaba descobrindo que aquele modelo ou conhecimento não está tão adequado, como aconteceu com o modelo de Dalton, mas mesmo assim é utilizado para explicar alguns fenômenos.” (Camila – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“Explicaria ainda que a Ciência se estabelece diariamente e que com ela surgem os modelos tão úteis para compreendermos alguns fatos, sendo que no decorrer do tempo esses modelos podem ser aprimorados para que se possa explicar uma situação nova.” (Clara – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Quanto às disciplinas e aspectos identificados nas respostas desta

questão, destacou-­se novamente a Filosofia com 19 citações relacionadas a:

‘práticas científicas’;; ‘natureza do conhecimento científico’ e ‘processo de

produção do conhecimento científico’. A História e a Sociologia foram ambas

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mencionadas três vezes. No caso da História, as três citações se referiram ao

aspecto ‘provisoriedade da Ciência’;; enquanto em relação à Sociologia foram

mencionados aos aspectos: ‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência

alcança o status social’.

“Utilizaria características como:... que o que é científico precisa ser aceito por uma comunidade ceintífica.” (Aline – Sociologia: como a Ciência alcança seu status social).

A Cognição foi identificada duas vezes, estando relacionada a ‘como as

pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico’,

como no exemplo:

“Diferente das Ciências Exatas e Biológicas, as Ciências Humanas possuem modos diferentes de se produzir conhecimento, uma vez que, ao estudar sobre aspectos como Psicologia, Antropologia, Sociologia, Filosofia etc., que levam em conta aspectos do comportamento e da mente humana. É necessário utilizar métodos diferentes dos que são utilizados em Ciências Exatas para se chegar a teorias e hipóteses.” (Ana – Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

• Questão 6: Quais são as principais características que uma pessoa deve

possuir para ser um bom cientista? Justifique cada uma delas.

Avaliando as respostas, foi possível identificar algumas características

comuns para que uma pessoa seja considerada um bom cientista. Além do

conhecimento técnico necessário para exercer a atividade, para os

licenciandos, um pesquisador deve ser crítico, reflexivo, determinado,

dedicado, criterioso:

“É necessário também possuir senso crítico e reflexivo para levantar questões passíveis de serem estudadas e também para saber ponderar o que distingue algo científico de algo que não é científico.” (Ana – Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

“Deve ser determinado – pois durante suas investigações ele vai encontrar várias barreiras que poderão dificultar

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seus trabalhos. Reflexivo – ele não pode aceitar um resultado simplesmente porque foi o único que ele encontrou. Criterioso – ele deve assegurar que seus resultados não estão contaminados por fatores externos.” (Hugo – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

Outra característica de um bom cientista, mencionada nas respostas, se

relaciona ao seu comportamento ético na condução da pesquisa:

“Também deve ser fiel aos seus dados, não pode ter boas conclusões burlando resultados encontrados, mesmo se eles não são muitas vezes o que se esperava.” (Maria – Filosofia: práticas científicas;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

“Outra característica é que ele deve julgar o que é relevante ou não na pesquisa que ele está realizando, partindo do objetivo dele, assim ele não deve modificar os dados a fim de fazer com que sua pesquisa seja “melhor” ou “pior” e que chegue ao resultado que ele quer.” (Luiza – Filosofia: práticas científicas e natureza do conhecimento científico)

Luiza também evidenciou compreender as relações existentes entre o

pesquisador e os demais participantes de uma comunidade, ao destacar que:

“Também considero que o cientista deve saber trabalhar em grupo, com vários colegas, pois a ciência é feita por todos e não somente por um cientista em separado, o conhecimento se constrói por todos.” (Luiza – Sociologia: Ciência como prática social)

Nesta questão, as disciplinas mencionadas foram: Filosofia,

Antropologia, Cognição e Sociologia. A Filosofia foi citada 11 vezes relacionada

aos aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘práticas científicas’ e

‘processo de produção do conhecimento científico’. A disciplina Cognição foi

identificada seis vezes (maior número em todo o questionário), em momentos

nos quais os licenciandos expressavam ideias de ‘como as pessoas/cientistas

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pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico’. Um

exemplo é a resposta de Hugo apresentada anteriormente.

As disciplinas Sociologia (aspecto: ‘Ciência como prática social’) e

Antropologia (aspecto: ‘trabalho científico como forma de ação social’) foram

citadas, respectivamente, duas e uma vez(es):

“Além disso, penso que o cientista deve ser imparcial também, não deve levar nada para a sua opinião e sim deve buscar respostas para toda uma comunidade, pois as pesquisas são feitas em prol de um bem geral, não de interesses particulares.” (Luiza – Antropologia trabalho científico como forma de ação social)

• Questão 11: Como os conflitos de ideia são resolvidos na ciência?

Nesta questão, os licenciandos apresentaram divergências em suas

respostas. Alguns, como Luiza, demonstraram acreditar que os conflitos não

necessariamente serão resolvidos e que sempre irão existir, pois estão ligados

aos objetivos dos cientistas e ao contexto da época:

“Não considero que os conflitos sejam resolvidos, tudo parte da atmosfera em que o conflito está inserido. Tudo depende dos olhares dos cientistas em uma determinada época e momento, e neste ponto os cientistas que estão em conflito devem julgar o que é mais relevante para a sua época e para o momento em que estava vivendo. Não acho que os conflitos serão resolvidos, pois divergências sempre vão existir...” (Luiza – Sociologia: Ciência como prática social;; Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

Diferente de Luiza, a maioria de seus colegas, acreditava que a partir do

diálogo, da exposição de argumentos, das provas e do embasamento teórico é

possível solucionar os conflitos. Dois exemplos de resposta nesta direção:

“A ideia que for mais embasada, argumentativa e bibliograficamente, é levada mais em consideração, além de a que possuir mais provas.” (Júlia – Filosofia: processo de validação do conhecimento científico e processo de aceitação do conhecimento científico)

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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“A partir de comprovação das hipóteses, como a experimentação, a partir de embasamentos teóricos, como autores mais conceituados e mais citados.” (Camila – Filosofia: práticas científicas;; Sociologia: como a Ciência alcança o status social e como a Ciência é reconhecida)

Para Hugo o conflito também pode ser solucionado medindo-­se a

credibilidade de um cientista, como expresso no trecho:

“...vencem as ideias daquele cientista que possui maior credibilidade entre os outros cientistas” (Hugo – Sociologia: como a Ciência alcança status social)

Avaliando as respostas da questão 11 a partir das disciplinas, os

aspectos relacionados à Filosofia foram novamente os mais citados. Foram

identificados 11 momentos envolvendo os aspectos: ‘processo de validação do

conhecimento científico’;; ‘processo de aceitação do conhecimento científico’;;

‘processo de produção do conhecimento científico’ e ‘natureza do

conhecimento científico’. A Sociologia foi mencionada cinco vezes, em relação

aos aspectos: ‘Ciência como prática social’;; ‘como a Ciência alcança o status

social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’.

Outras disciplinas mencionadas foram: Cognição e História. A Cognição

foi citada quatro vezes, relacionada a ‘como as pessoas/cientistas pensam ao

adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico’, como na resposta

de Luiza, apresentada anteriormente. A História foi identificada uma única vez

na resposta de Maria:

“Muitas vezes a ciência não descarta as pesquisas, tenta usar cada conclusão em ocasiões diferentes. Pode acontecer que uma se sobreponha à outra por explicar melhor um fenômeno do que outra, mas nada pode ser julgado como melhor ou pior.” (Maria – História: desenvolvimento da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

A partir da análise do questionário foi possível também traçar um

panorama do desempenho dos licenciandos por disciplina, como mostrado no

gráfico 4.3.

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Gráfico 4.3. Quantitativo de citações por licenciando no Questionário Inicial.

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Analisando o desempenho dos licenciandos, em média cada um deles

fez 22 citações de aspectos de NC. As participantes que se destacaram e

apresentam maior número de aspectos foram: Luiza (34), Camila (25), Ana,

Maria e Clara (23 cada). Dentre elas, Luiza e Camila estavam no 8º período do

curso e haviam cursado as disciplinas Prática de Ensino e Estágio, o que pode

ter favorecido um maior número de citações. Por outro lado, os licenciandos em

cujas respostas foram identificados menos aspectos foram Hugo e Sofia,

respectivamente do 6º e 4º períodos.

Nenhum dos licenciandos mencionou aspectos de todas as disciplinas.

Júlia e Luiza foram as participantes que expressaram ideias relacionadas a

uma maior variedade de disciplinas, seis cada. Em média, os licenciandos

citaram elementos de quatro disciplinas diferentes, citando sempre Filosofia,

Sociologia e Cognição.

PANORAMA INICIAL

De forma a favorecer uma visão geral das ideias iniciais dos licenciandos

até este momento, sintetizamos alguns elementos importantes para essa

caracterização.

A partir da descrição dos cinco primeiros encontros, da análise do

primeiro portfólio e do questionário inicial, percebemos que a disciplina Filosofia

(especialmente seus aspectos ‘natureza do conhecimento científico’, ‘processo

de produção do conhecimento científico’ e ‘práticas científicas’) foi a mais

utilizada pelos licenciandos na explicitação de suas ideias sobre Ciências. As

demais disciplinas mais mencionadas foram Sociologia e Antropologia.

Acreditamos que isto tenha ocorrido em função, principalmente, das discussões

e leituras do segundo e terceiro encontros, que favoreceram que aspectos

como ‘Ciência como prática social’ e ‘desenvolvimento do conhecimento

científico como forma de produção cultural’ fossem explicitados. Das demais

disciplinas, a com menor número de citações foi a Psicologia, identificada uma

única vez no questionário do licenciando Hugo ao se referir à genialidade dos

cientistas.

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No gráfico 4.4. é possível identificar que o segundo e o terceiro

encontros tiveram uma maior variedade de disciplinas discutidas, assim como

de citações de aspectos de NC.

Gráfico 4.4. Quantitativo de citações dos cinco primeiros encontros.

Até este momento, os licenciandos haviam produzido apenas um

portfólio. E, apesar das orientações recebidas sobre a natureza reflexiva deste

texto, este primeiro portfólio apresentou, em sua maioria, apenas descrição das

atividades e resumos dos textos indicados, não apresentando muitas reflexões

relacionadas à NC. No questionário, os licenciandos tiveram a oportunidade de

expressar mais claramente suas ideias sobre Ciências. Isto foi muito importante

em termos de conhecermos suas ideias, pois durante os encontros, nem todos

os licenciandos participavam das discussões.

Como comentado em certos momentos da discussão do questionário

inicial, percebemos que alguns licenciandos utilizaram alguns argumentos

discutidos durante os encontros para responder algumas questões. Dessa

maneira, acreditamos que as discussões e leituras realizadas antes da

aplicação do questionário tenham contribuído para que isso ocorresse,

principalmente para aqueles que estavam em períodos mais iniciais do curso.

Isso foi evidente em momentos nos quais eles caracterizam a Ciência como

humana;; e comentaram sobre o trabalho coletivo para produção do

1 1 1 1

5

12

18

12

223

1 12

4

2

6

2

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

1º 2º 3º 4º 5º

Qua

ntidad

e de Citações

Encontros

História

Filosofia

Antropologia

Economia

Cognição

Sociologia

Psicologia

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conhecimento científico;; a provisoriedade do conhecimento científico e sobre

as diferentes formas de produção do conhecimento. Todos estes aspectos

haviam sido abordados durante os encontros.

A caracterização de Ciência apresentada por Aline sustenta estas

afirmativas:

“Utilizaria características como: • Explicar como funciona uma pesquisa científica, sua metodologia, que o que é científico precisa ser aceito por uma comunidade científica. • Que a ciência não é linear;; • Que a ciência não é uma verdade absoluta;; • Que existem diferentes formas de conhecimento dentro da ciência.” (Aline – Filosofia: práticas científicas e natureza do conhecimento científico;; Sociologia: como a ciência alcança seu status social)

6º e 7º ENCONTROS – PREPARAÇÃO DA ATIVIDADE DOS KITS

O sexto e o sétimo encontros foram destinados à preparação da

atividade com os Kits Históricos, motivo que nos levou a reunir nesse tópico as

discussões dos dois encontros e elementos importantes dos portfólios redigidos

em relação aos mesmos.

Para apresentação dos acontecimentos ocorridos nos encontros,

optamos por organizá-­los a partir dos quatro grupos de trabalho existentes,

uma vez que as interações ocorreram quase que exclusivamente entre os

componentes dos grupos e a professora.

Durante os dois encontros, os licenciandos basicamente discutiram

entres eles um modo interessante de contar a história dos cientistas abordados

nos textos e elaboraram os roteiros das apresentações (teatro e programa de

entrevista). Nesses momentos, também receberam auxílio da professora na

revisão e melhoria dos roteiros, na identificação do processo, produtor e

produtos das histórias (um dos objetivos da atividade).

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• Grupo 1: Kit Lavoisier (Luiza, Aline e Sofia)7

A ideia do grupo era mostrar, a partir da conversa de duas alunas, as

dificuldades que elas estavam enfrentando para estudar nomenclatura e, a

partir disso, contar sobre a vida de Lavoisier, destacando algumas das outras

atividades exercidas por ele, a importância da colaboração de sua esposa e

outros cientistas, suas dificuldades no processo de pesquisa e contribuições

para a Ciência. Aline explicou à professora a ideia para a apresentação e o

objetivo do grupo de mostrar que as alunas da peça teatral tinham as mesmas

dificuldades que Lavoisier, por exemplo, quanto à nomenclatura das

substâncias. Após a explicação, a professora sugeriu que elas utilizassem bem

as falas de Lavoisier para descrever os detalhes e destacar sua importância

para a Química.

No sétimo encontro, Aline esclareceu as dúvidas que a professora teve

sobre o roteiro e questionou se era importante falar sobre a formação de

Lavoisier, isto é, sobre os cientistas com os quais ele estudou. Isso porque não

havia ficado claro para Aline em qual curso Lavoisier havia se formado.

“Não fala claramente que ele formou em tal curso. Fala que ele fez várias pesquisas, vários trabalhos acadêmicos, que ele começou no Direito, que ele foi pro lado da Mineralogia. E aí a gente tá meio perdida. Ou a gente afirma que ele é uma coisa ou outra coisa. Porque é importante falar o que ele foi e quem ele foi, no sentido de qual era a formação dele.” (Aline – Filosofia: natureza da Ciência)

A professora esclareceu que os textos destacavam que o cientista tinha

certa genialidade, que se interessava por várias áreas, mesmo enfrentando

diversas dificuldades inerentes ao processo de pesquisa. Então, ela sugeriu

que, na apresentação, fosse mostrado que naquela época não era tão

importante uma formação acadêmica exclusiva, como a que temos hoje. Ela

disse também que, na apresentação, focariam principalmente na conservação 7 Todos os grupos eram compostos por quatro componentes cada. No entanto, como foram analisados dados de 10 licenciandos, alguns possuem menos integrantes. Comentários dos demais integrantes serão apresentados apenas para melhor compreensão do contexto da discussão.

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das massas e na nomenclatura. A professora sugeriu que, ao abordar a

nomenclatura, elas citassem a participação de outros cientistas.

As integrantes do grupo também explicaram que uma delas

representaria a esposa de Lavoisier, mostrando que ela fazia os desenhos das

vidrarias, e que elas tentariam mostrar como era a rotina de pesquisa dele.

Ao longo da apresentação do roteiro para a professora, as licenciadas

foram apresentando vários pontos que julgavam ser importantes destacar

sobre a vida de Lavoisier, por exemplo, que ele: era servidor público (cobrador

de impostos);; era disciplinado com suas pesquisas;; tinha horário para realizá-­

las;; fazia registros com explicações dos experimentos;; e trocava cartas com

outros cientistas discutindo as questões da nomenclatura.

A professora também sugeriu mostrar a dificuldade de comunicação

entre os cientistas para falar da mesma substância, demonstrando a

importância da comunicação. Isto poderia ser feito, por exemplo, em relação ao

oxigênio (ou a ideia do flogisto) e a controvérsia sobre o “postulado” da

conservação da massa.

• Grupo 2 – Kit Casos Diversos (Ana)

Uma das integrantes explicou à professora as ideias do grupo para

apresentação dos textos e esclareceu que a única maneira que encontraram

para reunir todos os cientistas mencionados era se estivessem mortos, pois

cada um deles havia vivido em uma época diferente. Nesse sentido, eles

estavam propondo fazer um teatro contando um sonho de um estudante. No

sonho, os cientistas mencionados nos textos estavam no céu e contavam sobre

seus trabalhos.

No primeiro desses encontros, a professora leu o roteiro do grupo

destacando alguns pontos interessantes sobre como os cientistas seriam

retratados e sugerindo que apresentassem imagens, ou mesmo que

conseguissem algumas das vidrarias utilizadas na época.

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Além disso, a professora e os licenciandos conversaram sobre fatos da

vida de alguns cientistas, o valor da contribuição de cada um e sobre o

processo de modificação das ideias iniciais pesquisadas (caso Diesel).

• Grupo 3 – Kit Controvérsias (Júlia, Hugo e Vitória)

Hugo explicou para a professora que seu grupo iria representar um

debate. Nele, uma escritora estaria produzindo um livro sobre controvérsias

importantes da Ciência. Seu objetivo era selecionar mais uma controvérsia

para completá-­lo. Para isso, especialistas haviam sido convidados a participar

de uma reunião, na qual deveriam apresentar o trabalho dos cientistas que

estudavam, defendendo-­os e convencendo a escritora a incluir a referida

controvérsia em seu livro.

Após essa breve apresentação, Hugo argumentou:

“O pessoal acha que um chegou lá e descobriu tudo sozinho e acabou. Morreu o assunto. No caso, vai ficar bem claro que não é assim. Por isso existem as controvérsias. Por que sempre existe mais de um cientista pesquisando o assunto. Tem que ficar claro que sempre existe mais de um cientista trabalhando com o assunto;; que não é simples propor alguma coisa;; que tem que convencer as pessoas do que você está fazendo. Não é simplesmente: Ah fulano de tal. E todo mundo aceita como verdade absoluta. Existem barreiras, um trabalho científico ali. E a forma que vamos passar é que existe uma cultura para mudar os conceitos. Vamos mostrar que a história não é totalmente linear;; que existem muito fatos isolados;; que a pessoa tem uma vida social.” (Hugo – Sociologia: Ciência como prática social, como a Ciência é reconhecida;; Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico, processo de produção do conhecimento científico e natureza da Ciência;; História: desenvolvimento da Ciência)

A professora questionou sobre quais perguntas seriam feitas pela

escritora e sobre quais fatos das controvérsias seriam utilizados como

argumentos. Ela também sugeriu que o grupo realizasse um fechamento,

explicando como a escritora escolheu a controvérsia para o debate, porque não

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havia escolhido as demais controvérsias, e apresentando slides com dados

sobre a vida dos cientistas abordados.

• Grupo 4 – Kit Controvérsias (Camila, Maria e Clara)

Este grupo decidiu apresentar um programa de entrevistas e um estudo

antropológico dos trabalhos de dois pesquisadores da universidade na qual os

licenciandos estudavam. A professora discutiu com Maria o roteiro do programa

a ser apresentado, deu dicas de possíveis perguntas a serem realizadas aos

pesquisadores investigados, assim como de aspectos e comportamentos a

serem observados durante o estudo antropológico.

A professora orientou sobre a ordem das perguntas a serem feitas aos

pesquisadores: O que é Antropologia?;; O que ela pesquisa?;; Qual a sua

relação com a Ciência?. Ela também sugeriu perguntar sobre a participação da

Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES) nas

pesquisas conduzidas por eles. Nesse momento, ela questionou Clara se ela

achava que a CAPES também realiza a pesquisa.

“Eu acho que ajuda” (Clara – Sociologia: Ciência como prática social;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

A professora questionou como os órgãos de pesquisa investem e se

faziam parte da pesquisa.

“Dinheiro.” [respondendo ao que investem] (Clara)

“Faz. Sem ele a pesquisa não poderia acontecer.” [respondendo sobre a participação dos financiadores] (Camila)

Então, a professora orientou que eles focassem na identificação do

processo, do produto e do produtor. Nesse momento, um integrante do grupo

(não analisado neste trabalho) esclareceu que as perguntas que seriam feitas

aos pesquisadores abordariam esses elementos, investigando, por exemplo, a

ajuda de algum órgão ao processo de pesquisa.

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No segundo encontro destinado à preparação das atividades, a

licencianda Camila retomou a questão dos órgãos que fomentam pesquisas

dizendo:

“Sobre os órgãos que fomentam as pesquisas, eles também são os produtores da pesquisa.” (Camila – Economia: influência dos fatores econômicos;; Sociologia: Ciência como prática social)

Camila também sugeriu outra pergunta visando desmistificar que os

cientistas trabalham sozinhos:

“Eu pensei em mais uma pergunta: Os cientistas trabalham sozinhos ou tem uma equipe de trabalho? É que uma das visões distorcidas da história é que o cientista trabalha isolado. Que ele se mexe sozinho no laboratório, se tranca lá e pronto. Isso estaria mostrando que não é assim.” (Camila – Sociologia: Ciência como prática social)

Disciplinas e Aspectos

Como nestes dois encontros o objetivo principal foi a elaboração das

apresentações, poucos foram os momentos em que aspectos da NC foram

explicitados pelos licenciandos. Foram identificadas citações relacionadas às

disciplinas: Filosofia, Sociologia, Economia e História, todas exemplificadas na

subseção anterior.

A disciplina Filosofia foi mencionada oito vezes, relacionada aos

aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de produção do

conhecimento científico’ e ‘práticas científicas’;; ‘processo de aceitação do

conhecimento científico’. A Sociologia foi mencionada por seis vezes, vinculada

aos aspectos: ‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’.

Os aspectos ‘influência dos fatores econômicos’ (disciplina Economia) e

‘desenvolvimento da Ciência’ (disciplina História) foram citados,

respectivamente, três e uma vez(es).

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Portfólios

Os portfólios produzidos a partir do sexto e sétimo encontros também

foram agrupados pelo mesmo motivo apresentado na subseção anterior.

No início do sétimo encontro, após a leitura dos portfólios, a professora

lembrou aos licenciandos a necessidade de, nesses documentos, expressar

mais suas reflexões sobre as atividades, discussões, dificuldades e

aprendizados. Ela destacou que, apesar de essa orientação ter sido dada

anteriormente, a maioria dos portfólios produzidos até aquele momento

continham descrição do que havia ocorrido nos encontros ou durante as

semanas de preparação do trabalho, tendo poucos licenciandos apresentado

suas reflexões.

Ana e Sofia relataram, por exemplo, sobre suas dificuldades ao

realizarem o trabalho:

“Creio que encontrei algumas dificuldades na elaboração desse trabalho, primeiramente que o tema é um pouco difícil e talvez complicado eu acho, mas conseguimos extrair dos textos usados como referência as ideias centrais de cada um.” (Sofia)

“Um dos obstáculos encontrados ao abordar sobre os cientistas em questão foi o fato de se encontrar poucas referências fidedignas que relatem a história dos mesmos. Durante o processo de produção deste trabalho, houve dúvidas quanto ao desfecho de algumas histórias, como a de Joliot (se ele realmente conseguiu comprovar a possibilidade de se realizar a reação em cadeira) e a de Diesel (porque o motor construído foi batizado com seu nome ainda que ele não tenha contribuído de forma significativa para a produção do mesmo).” (Ana)

Outros licenciandos destacaram a importância dos textos em

desmistificar visões sobre a vida dos cientistas, seu contexto e processo de

trabalho. Luiza, por exemplo, argumentou que, durante o Ensino Médio,

informações sobre os cientistas são apresentadas sem abordagem de um

contexto:

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“Os textos lidos sobre Lavoisier foram importantes para nossa formação, pois verifica-­se que muitas coisas que os livros didáticos trazem sobre a visão de ciência e de Lavoisier são distorcidas da realidade. Isso ajuda a desmistificar erros sobre sua vida, e abrir o leque para outros cientistas que trabalharam para a ciência, e esses nem sempre são citados. Outro aspecto importante que foi falado na reunião foi lembrar que, ao apresentarmos sobre Lavoisier, queremos levar sua vida e obra, abrir a visão sobre a ciência, conhecer como foi feita a construção de suas ideias, hipóteses e teorias.” (Aline – Filosofia: – processo de produção do conhecimento científico)

“Os textos contém muitas informações sobre a vida de Lavoisier como um todo, coisas que eu não tinha nem ideia. É muito bom ver esse outro lado da vida dos cientistas, principalmente pelo fato de que, durante o nosso Ensino Médio, não há nenhuma abordagem deste assunto nas aulas, apenas nos são passadas algumas informações da vida dos cientistas, sem nexo, sem contexto, são simplesmente jogadas sem nenhuma preocupação sobre como vamos usar essas informações.” (Luiza – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

O licenciando Hugo se mostrou empolgado com a atividade, alegando

que as controvérsias eram interessantes e que auxiliariam a discutir sobre o

conhecimento científico. Em outro momento, ele chegou até a utilizar um

aspecto da Filosofia para demonstrar que o trabalho estava servindo para

desmistificar visão sobre o cientista:

“Acredito que tivemos sorte com os temas escolhidos, visto que são controvérsias bem interessantes, que certamente somarão ainda mais para a nossa visão de conhecimento científico. Estou muito empolgado com o trabalho, pois ele permite desmistificar a velha figura do cientista estático que propõe alguma coisa revolucionária do nada e sem ninguém se opor.” (Hugo – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

No compilado dos portfólios produzidos no sexto e sétimo encontros,

foram identificadas 24 citações relacionadas aos aspectos de NC e às

disciplinas Filosofia, Sociologia, Cognição e Economia.

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A disciplina Filosofia foi mencionada 11 vezes associada aos aspectos:

‘processo de produção do conhecimento científico’;; ‘processo de aceitação do

conhecimento científico’;; ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de

comunicação do conhecimento científico’ e ‘práticas científicas’. Por exemplo:

“Outro fator destacado na peça teatral é o quão importante é o convencimento da comunidade científica ao tentar propor algo que é novo e avesso aos conceitos já bem consolidados na ciência, como fica evidenciado na história de Pasteur.” (Ana – Filosofia: processo de comunicação do conhecimento científico e processo de aceitação do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social e como a Ciência é reconhecida)

O número de aspectos mencionados nos portfólios do sexto e sétimo

encontros foi igual ao do encontro anterior, mas a variedade de aspectos

citados foi maior. Acreditamos que esse aumento pode ter sido provocado por

um desenvolvimento da visão de Ciências dos licenciandos a partir das

discussões anteriores, leitura dos textos que compunham os kits e preparação

para as apresentações.

A Sociologia foi mencionada em oito citações relativas aos aspectos:

‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’. Alguns dos

momentos em que a Sociologia foi identificada foram apresentados ao longo

deste tópico.

A disciplina Cognição também foi detectada nos portfólios, quando os

licenciandos abordavam sobre como os cientistas pensam:

“Entre estes aspectos, destaca-­se o fato de que, ao contrário do que se supõe, cientistas não são pessoas de inteligência surreal, que propõem sempre verdades, sendo estas últimas conclusões que foram construídas livres de erros e tentativas frustradas.” (Ana – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos)

O aspecto ‘influência dos fatores econômicos’, relativo à disciplina

Economia, foi citado uma única vez:

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“Já é claro para mim que produtores são todos aqueles que auxiliam na obtenção do produto, sejam eles cientistas, auxiliares de laboratório, financiadores, etc., processo é tudo o que foi feito durante o tempo em que o produto ainda não havia sido obtido/encontrado, e, por fim, o produto é o conhecimento adquirido pelo processo.” (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social;; Economia: influência dos fatores econômicos;; Filosofia: processo de produção do conhecimento)

O gráfico 4.5. apresenta as disciplinas mencionadas por cada

licenciando nesses portfólios. Tal gráfico evidencia que Ana e Júlia,

respectivamente com oito e cinco identificações, foram as que citaram mais

aspectos de NC, enquanto Clara, Luiza e Maria não citaram nenhum aspecto.

Gráfico 4.5. Quantitativo de citações dos licenciandos por disciplina identificadas nos

portfólios do 6º e 7º encontros.

8º e 9º ENCONTROS – APRESENTAÇÕES DA ATIVIDADE DOS KITS

A atividade com os kits históricos foi realizada em duas semanas com

apresentações de dois grupos em cada encontro. Com o objetivo de favorecer

o conhecimento dos licenciandos sobre aspectos de NC, foram retratados de

forma criativa casos históricos de alguns cientistas (Lavoisier, Mohr, Diesel,

Joliot e Pasteur);; controvérsias da Ciência (Newton e Leibniz, Margareth e

2

4

1 1

2

1 111 1 1

3

1

2

1 1

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1

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3

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5

6

Aline Ana Camila Clara Hugo Júlia Luiza Maria Sofia Vitória

Qua

ntidad

e de Citações por Disc

iplin

a

Licenciandos

História

Filosofia

Antropologia

Economia

Cognição

Sociologia

Psicologia

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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104

Derek, e sobre a suposta “descoberta” da radioatividade por Becquerel);; e

realização de um estudo antropológico com dois pesquisadores. Ao final das

apresentações foram discutidos elementos e características relacionados ao

produtor, processo e produto de cada uma das histórias.

Assim como nas descrições anteriores, as discussões do oitavo e nono

encontros são expostas em conjunto e organizadas a partir dos quatro grupos.

Além disso, como justificado anteriormente, não são transcritas as falas dos

licenciandos nos momentos das apresentações, mas são expostos os

principais elementos do trabalho para melhor compreensão das discussões

seguintes.

Estes encontros contaram com a participação de professoras

convidadas, Rosária (coordenadora do projeto), Mara e Denise, todos

previamente apresentados pela professora coordenadora do projeto.

• Grupo 1 – Kit Lavoisier (Luiza, Aline e Sofia)

Principais elementos abordados na apresentação:

ü Informações sobre Lavoisier: funcionário público (cobrador de impostos);;

casado;; estudioso de várias áreas;; metódico e dedicado às pesquisas;;

ü Aspectos químicos discutidos: conservação das massas;; confirmação do

oxigênio;; proposta para nomenclatura dos elementos;;

ü Fatos importantes: trocou informações e contou com a colaboração de

outros cientistas e de sua esposa.

Após a apresentação, a professora coordenadora iniciou as discussões

solicitando que o grupo identificasse produtor, processo e produto do caso

Lavoisier. Aline foi a primeira a se manifestar destacando a participação de

outros pesquisadores no postulado do cientista:

“E pode-­se dizer assim: que ele não pensou sozinho esse postulado... Na verdade, ele leu pesquisas de outros cientistas e outros experimentos pra postular a conservação da massa.” (Aline – Sociologia: Ciência como prática social)

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Em relação ao produto, a licencianda disse que Lavoisier não estava

buscando descobrir alguma coisa, mas fazendo suas pesquisas e estudando. E

durante esse processo trocou cartas com outros pesquisadores percebendo a

dificuldade de comunicação entre eles devido à nomenclatura:

“Ele não buscava realmente descobrir alguma coisa. Ele estava fazendo pesquisa, estudando. Então, através de outro olhar de outros cientistas, ele percebeu também, descobriu essa dificuldade que tinha na nomenclatura.” (Aline – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico, objetivos da Ciência e natureza do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

Luiza também se manifestou citando desconhecer a contribuição de

Lavoisier para a nomenclatura e destacando a importância do trabalho

realizado por ele e pelos outros cientistas. A licencianda enfatizou ainda que:

“Ele tinha uma genialidade... Eu acredito que ele tinha uma coisa que vinha dele. Mas que se não tivesse a ajuda dos outros ele não chegaria a estas conclusões que ele chegou. Ele tem um grande mérito, mas não é só ele sozinho.” (Luiza – Psicologia: o talento e a criatividade do cientista;; Sociologia: Ciência como prática social)

Luiza ainda disse ter uma imagem diferente de cientista após o trabalho,

elencando outras atividades de Lavoisier além da pesquisa, tais como a de

servidor público.

“Eu acho que essa visão que a gente teve após a leitura dos textos é que faz a gente ver esse cientista de uma forma diferente... Ele tinha uma família, teve outras funções, era um servidor público. Ele se dedicava, tinha um tempo para suas pesquisas e tinha a vida dele fora isso também.” (Luiza – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

As licenciandas apresentaram alguns dos objetivos da apresentação e

Sofia argumentou que ao retratar a esposa de Lavoisier quiseram mostrar suas

contribuições para o trabalho dele. Para Sofia, a esposa do cientista também

pode ser caracterizada como produtora do conhecimento científico:

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“Por exemplo, a parte que a mulher dele teve na contribuição dos desenhos das vidrarias.” (Sofia – Sociologia: Ciência como prática social)

Dando continuidade ao debate, professora Mara questionou porque,

para as licenciandas, Lavoisier era um cientista. Aline justificou:

“Eu acho que, por ele ter estudado, mesmo que fossem coisas de outros cientistas, ele buscou. E aí quando ele descobriu o oxigênio, ele testou essa descoberta. E eu acho que o torna ele cientista, além dessas coisas de pesquisa, são a genialidade dele também. Não que cientista seja só um gênio...” (Aline – Filosofia: práticas científicas e processo de produção do conhecimento científico;; Psicologia: o talento e criatividade dos cientistas)

A professora Rosária perguntou por que elas consideravam que

Lavoisier tinha certa genialidade. Neste momento, Aline e Luiza justificaram:

“Por que naquela época ninguém teria o interesse de pegar e estudar outras coisas. Ele estudou muita coisa. Estudou Biologia, Mineralogia e Química.” (Aline)

“Ele buscar e se aprimorar nessas áreas de Botânica, Mineralogia e até pelo Direito. Eu acho que isso que é a genialidade dele.” (Luiza)

Então, a professora Mara retomou a discussão sobre Lavoisier ser

cientista, ponderando o destaque que a apresentação e as falas do grupo

relacionadas ao fato de que ele exercia outras atividades. Neste momento,

Júlia questionou:

“Por que você falou que ele era uma pessoa normal e que ele trabalhava. E isso desvincula ele de ser um cientista?” (Júlia)

As integrantes do grupo responderam que isso não significava que

Lavoisier não era um cientista:

“Ele era uma pessoa normal, mas que fazia pesquisas e que teve produtos.” (Luiza – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

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“Pela visão que temos inicialmente de cientista. É o que nós já discutimos em outros encontros, de ficar só no laboratório e ficar o dia inteiro tentando achar alguma coisa... E às vezes, não é assim.” (Sofia)

A professora coordenadora então questionou que tipo de contribuição

caracteriza uma pessoa como cientista. Aline respondeu:

“Eu acho que o postulado da conservação das massas, a descoberta do oxigênio como elemento químico. Eu acho que um cientista renomado, como Lavoisier, ele teve seus produtos reconhecidos.” (Aline – Sociologia: como a Ciência é reconhecida)

Na sequência, Rosária comentou que é até difícil discutir o que é

cientista e qual sua essência pensando a partir de Lavoisier, que é uma figura

tão significativa. Então, perguntou sobre quem é reconhecido como cientista

hoje e se seu significado havia mudado. A professora Rosária complementou a

pergunta questionando se um cientista hoje faz as mesmas atividades dos

cientistas do passado.

Sofia respondeu imediatamente:

“Eu acho que é a mesma coisa. Por que, se você usar como justificativa o que você falou, que para ser cientista tem que ser aprovado pela sociedade científica, então, hoje em dia também é. Por que você desenvolve uma pesquisa e vai ter várias pessoas que vão falar que está errado e não é assim. Ai a sua teoria não vai pra frente.” (Sofia – Sociologia: como a Ciência é reconhecida;; Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico)

Continuando a discussão, a professora Mara questionou sobre como o

grupo entendeu o processo de desenvolvimento da Ciência a partir do material

lido. A professora coordenadora completou, questionando sobre como foi a

pesquisa sobre Lavoisier, sua metodologia e quais fatores influenciaram seu

trabalho. Luiza respondeu:

“Coisas que os outros não tiveram. Talvez se os outros tivessem as mesmas condições poderiam chegar ao mesmo resultado que Lavoisier. Mas como Lavoisier era

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de família nobre e tinha mais condições, isso colaborou para que ele chegasse nesses resultados.” (Luiza – Economia: influência de fatores econômicos)

Aline complementou citando a participação da esposa de Lavoisier:

“Acho que isso envolve todo o processo da Ciência. Por que o fato dele ser casado pode ter influenciado. Ela fazia os registros dele minuciosamente e os desenhos. Nos textos que a gente leu, vimos os desenhos dela.” (Aline – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo e práticas de produção do conhecimento científico)

Além destes fatos, Aline e Luiza citaram a participação de outros

cientistas e a troca de cartas entre eles como importantes elementos para o

processo de desenvolvimento das pesquisas de Lavoisier, principalmente para

a nomenclatura das substâncias:

“Os outros cientistas também fazem parte desse processo.” (Aline – Sociologia: Ciência como prática social)

“As comunicações deles através de cartas... Principalmente no quesito da nomenclatura. Foi a partir disso que eles começaram a trocar as ideias e ver que eles precisavam falar a mesma linguagem para facilitar a comunicação” (Luiza – Filosofia: processo de comunicação do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social;; Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

Luiza também destacou que a forma como Lavoisier realizava seus

registros (minuciosos e bem explicados) favoreceu a compreensão de seus

trabalhos:

“Se ele não fosse tão minucioso nas anotações dele, talvez cada um que lesse interpretasse de uma maneira diferente. Ele deixou tão bem explicado para que todo mundo pudesse entender o que ele estava fazendo.” (Luiza – Cognição: como os cientistas pensam ao produzir o conhecimento científico)

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Ao final da discussão, Luiza reconheceu antes que não sabia nada sobre

Lavoisier e destacou a importância do trabalho para entender sobre a vida dele

e quebrar alguns dos paradigmas sobre os cientistas.

“Pra mim, e acho que pro grupo também, foi muito importante ler esses textos, por que eu não sabia nada de Lavoisier... E não só acreditar no que a gente vê nos livros didáticos... Saber que eles não são totalmente... que não têm essas características que a gente aprendeu desde pequeno a dar aos cientistas, como uma pessoa esquisita, isolada.” (Luiza)

• Grupo 2 – Kit Casos Diversos (Ana)8

Principais elementos abordados na apresentação:

ü Cientistas retratados: Morh, Joliot, Diesel e Pasteur;;

ü Morh: envolvido na controvérsia sobre a Lei da Conservação de Energia;;

ü Joliot: explicou a reação em cadeia;; foi questionado sobre a contribuição

de outros cientistas;; interesses paralelos na pesquisa que desenvolveu,

como bomba atômica;;

ü Diesel: controvérsia sobre o motor a diesel;; motor foi melhorado por

engenheiros da empresa que inicialmente havia ajudado Diesel;;

ü Pasteur: desenvolvimento da fermentação.

A professora coordenadora iniciou as discussões solicitando que o grupo

explicasse mais sobre a vida dos cientistas e sobre a escolha de a história ser

ambientada no céu.

Os licenciandos explicaram que o grupo escolheu o céu como local de

encontro dos cientistas, visto que cada um tinha vivido em épocas diferentes.

Sobre a representação da personalidade dos cientistas, os licenciandos

esclareceram que, a partir dos textos, identificaram algumas características dos

mesmos e resolveram utilizar no teatro:

“Sobre a personalidade de cada um, o único que a gente sabia era um pouco arrogante e crítico demais era o Morh. Aí a gente pensou em Pasteur ser mais calmo e

8 Os demais integrantes do grupo serão tratados como licenciandos 1, 2 e 3.

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mais teórico, por causa das informações que a gente viu no texto, que ele descreve muito e fala muito. E aí a gente pensou nessa ideia de que ele seria essa pessoa mais devagar, mas foi escolha nossa. E nem sabemos se ele era assim. O que ele escreve não diz sobre a personalidade dele. O Diesel foi também uma questão de ele ser bem... por que no texto fala assim que o tempo todo ele queria o reconhecimento dele, que o motor era dele. Então, a gente pensou muito isso e que ele não admitia que não falasse que o motor não era produzido por ele.” (Licencianda 3)

“Agora Joliot, a gente colocou um caráter mais neutro por que já não falava sobre a posição dele, no que ele pensava ou queria muito.” (Ana)

A professora solicitou que a licencianda 3 contasse mais sobre Joliot. A

licencianda então explicou:

“Joliot queria pesquisar sobre a reação em cadeia, mas precisava de várias coisas. Precisava de dinheiro, de material e de outras coisas. Ele não foi uma pessoa que apenas ficou no laboratório. Ele teve que trabalhar muito. Ele trabalhou com política, ele saiu dando palestras para convencer as pessoas, ele teve cargo de ministro. Ele não ficou só no laboratório pesquisando. Ele teve que se envolver totalmente com questões políticas pra conseguir o objetivo dele.” (Licencianda 3)

A professora Mara comentou que todas as vezes que Joliot encontrava

alguma dificuldade na realização de sua pesquisa, precisava fazer companha

para convencer seus financiadores. Disse também que ele gostava de divulgar

suas pesquisas, mas foi orientado por outro cientista a não fazer isso, pois

estavam em período de guerra. A partir deste comentário, Ana afirmou:

“Uma das preocupações principais do nosso teatro era mostrar que a Ciência não está desvinculada dos fatores políticos, sociais, econômicos. Que tudo isso interfere no modo que a Ciência é produzida. E uma das coisas que achamos muito interessante abordar é essa translação de interesses, que o Latour chama. Que é como você tornar uma pessoa se interessar pelo seu projeto… E no final das contas mostrar que a Ciência não é um cientista trabalhando sozinho num laboratório, trancado o dia

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inteiro e sem precisar de ajuda (como Morh acreditava). Ele é uma pessoa que precisa de apoio de setores diferentes seja de politico, social.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

A professora Mara retomou a discussão sobre Joliot questionando se ele

era cientista apenas quando realizava seus experimentos, ou também quando

foi atrás dos políticos para convencê-­los da importância do trabalho. Ou seja,

ela queria saber se o trabalho do cientista estava restrito apenas ao laboratório.

A Licencianda 3 respondeu alegando que Joliot era cientista, e Ana completou

esclarecendo que o trabalho do cientista não estava vinculado apenas ao

laboratório, pois no caso de Joliot para conseguir avançar com seu projeto de

criar o reator precisava convencer os financiadores sobre a validade da ideia

de reação em cadeia:

“Na verdade, o principal objetivo dele era provar que a reação em cadeia era possível, mas pra isso ele precisava criar o reator.” (Ana – Filosofia: objetivos da Ciência)

Após discussão sobre os trabalhos de Joliot, a professora Mara

questionou os licenciandos sobre quem eles identificaram como produtores da

Ciência nos textos lidos. A licencianda 3 respondeu:

“A gente não fala produtor no singular, por que várias pessoas participam.” (Licencianda 3)

O licenciando 2 também apresentou seus argumentos para julgar uma

pessoa como cientista ou não:

“Eu acho que é muito difícil definir o que é um cientista. Mas vou falar no geral. O cientista estuda, tem várias contribuições. Se ele está certo, pra mim ele é cientista. Se ele está errado, não é cientista. Quando ele joga uma teoria, os pesquisadores vão ver se ela está certa ou está errada. Ela tem que ter a aprovação do meio dos cientistas.... Se a teoria tiver uma contribuição, ele é cientista, mas se ele estiver errado, pra mim não é cientista.” (Licenciando 2)

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A partir do posicionamento do licenciando, Júlia contra-­argumentou;;

“Se você pensa assim, que a teoria dele está errada e ele não contribuiu... Mas ele contribuiu por que a gente sabe o que aquilo não é. Então, é uma contribuição.” (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e natureza do conhecimento científico)

Camila também argumentou na mesma direção:

“Mas uma teoria dita errada, outra pessoa pode ver e tentar. Então, isso foi uma ajuda. Igual foi, por exemplo, do Diesel. Ele contribuiu, não deu certo a dele. Mas ele é um cientista, contribuiu para que seja uma coisa mais pra frente que dê certo. Então, eu acho que isso é uma contribuição pra Ciência.” (Camila – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento da Ciência)

A professora Mara explicou que, para esses casos, existiram produtos

intermediários. A partir disso, perguntou o que os licenciandos identificaram

como produtos, quais características eles estavam atribuindo aos produtos.

“Além dos produtos finais, dos estudos e dos resultados das pesquisas, eu considero, por exemplo, a aliança de Joliot e do Dalton como um produto também, porque se não fosse essa aliança não continuaria as coisas. Então, o produto não é só o resultado final. Como, por exemplo, o motor de Diesel. A gente pode dizer que o produto, mesmo que não funcionou, é um produto. O reator de Joliot que não funcionou é um produto.” (Licencianda 1)

A partir da fala da licencianda 1, a professora Mara esclareceu que as

alianças fazem parte do processo e que são importantes para o produto, mas

não são produtos. Então, Ana comentou sobre casos em que os cientistas não

têm reconhecimento:

“Nem sempre um cientista tem mais êxito, por que ele deu uma contribuição maior. Por que, por exemplo, as contribuições do Morh são inestimáveis. Ele criou a balança analítica, as vidrarias. E nem por isso, a história dele é relatada. Já o Newton, as contribuições dele também foram importantes, mas ele já tinha um status maior e as relações sociais, que tornavam ele uma

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pessoa mais bem vista e reconhecida. Hoje em dia, se você fala em Newton a pessoa já associa logo ao cientista. Agora o Morh não.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social)

Após essa discussão, a professora coordenadora questionou Ana, que

havia representado Diesel no teatro, sobre quem ela considerava produtor do

motor a partir das leituras que realizou. Ana expressou seu dilema com a

questão:

“Nossa! Eu me debati tanto com isso… por que eu queria tanto saber qual foi a importância do Diesel. E se ele realmente merecia ter levado o crédito pela criação do motor, sendo que o motor a diesel não tem nada haver com a ideia original dele. E aí, no final das contas eu realmente não sei. É difícil falar que ele não contribuiu. É como a Camila falou, se ele não tivesse construído alguma coisa que desse errado, outros cientistas poderiam não ter tentado criar um projeto exequível.” (Ana – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo;; Sociologia: Ciência como prática social)

Continuando a discussões, a professora coordenadora questionou se o

critério da aplicabilidade é bom para julgar o que é Ciência. Júlia relembrou que

esse assunto foi debatido no segundo encontro e argumentou que o critério da

aplicabilidade não pode ser o único para julgar o que torna algo científico:

“Não. A gente já discutiu que a questão da aplicabilidade e de ser útil não é uma base forte pra sustentar o que torna algo científico. Não necessariamente algo é útil, mas o conhecimento por detrás disso pode ser útil... É igual o Diesel. A máquina que não deu certo, mas levou outras pessoas a pesquisar e tornar aquilo algo aplicável.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico, objetivos da Ciência e processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo)

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A partir da fala de Júlia, a professora Rosária explicou que algumas

pesquisas, de natureza básica, não são feitas pensando em aplicação, mas em

desenvolver conhecimento, que pode ser usado no futuro, por outras pessoas.

Retomando a pergunta da professora coordenadora sobre os critérios

para julgar algo como científico, Maria acrescentou:

“E eu queria lembrar que a gente já discutiu que também é para o conhecimento cultural. É o mais importante para se produzir ciência.” (Maria)

A professora coordenadora, percebendo confusão no entendimento de

Maria sobre o argumento cultural, explicou que ele não se relaciona à avaliação

de um conhecimento ser mais útil do que o outro.

Ana continuou debatendo sobre o critério da utilidade, exemplificando o

trabalho de Joliot:

“Sobre essa questão da utilidade, eu pensei na história de Joliot. Por que ele chegava para os empresários e falava: Eu preciso que você financie um laboratório pra mim pra avaliar se é possível realizar a reação em cadeia. E o cara: E daí? Mas se você financiar e eu descobri quem ela é possível eu posso construir um reator pra você.” (Ana – Filosofia: objetivos da Ciência;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

A partir do exemplo dado por Ana, a professora coordenadora perguntou

se os licenciandos haviam entendido o que significava o termo translação de

interesses. Hugo exemplificou citando o interesse dos financiamentos:

“Uma pessoa tem interesse de produzir uma coisa e a outra tem interesse no resultado final. Então, uma colabora com a outra. Por exemplo, se que tem interesse final tem o poder aquisitivo pra poder financiar, ela financia.” (Hugo – Filosofia: objetivos da Ciência;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

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A professora Mara concluiu as discussões deste grupo reafirmando que

existem muitos tipos de interesses envolvidos no processo de produção do

conhecimento científico.

• Grupo 3 – Kit Controvérsias (Júlia, Hugo e Vitória)

Os principais elementos abordados na apresentação deste grupo foram:

ü Controvérsias discutidas: Margaret Mead e Derek Freeman;; Newton e

Leibniz;; descoberta da radioatividade atribuída a Becquerel;;

ü Margaret Mead e Derek Freeman: Derek publicou artigo criticando o

estudo realizado por Margaret em Samoa;;

ü Newton e Leibniz: divergência sobre a descoberta do Cálculo;;

ü Becquerel: tentou provar a fosforescência invisível, mas o seu artigo foi

considerado como o que marcou a descoberta da radioatividade.

Como nas apresentações anteriores, a professora coordenadora iniciou

as discussões solicitando aos componentes do grupo que explicitassem sobre

o produtor, processo e produto das controvérsias. Júlia foi a primeira a se

manifestar esclarecendo que:

“No caso da minha controvérsia, os produtores seriam, por exemplo, o Newton e o Leibniz... Os seguidores, eles influenciaram na determinação de quem descobriria, mas na obtenção do produto seriam só os dois cientistas.” (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social)

A partir desta resposta, a professora Mara questionou os demais

licenciandos se eles concordavam sobre o produto e produtor identificados na

controvérsia sobre o cálculo. Camila se manifestou contrária:

“Não, por que teve outras pessoas envolvidas.” (Camila – Sociologia: Ciência como prática social)

Querendo entender o posicionamento de Camila, professora Mara a

questionou se os seguidores citados por Júlia também seriam produtores.

“Acho que sim. Por que eles é que influenciaram para dar esse título pro Newton.” (Camila – Sociologia: Ciência como prática social)

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O questionamento da professora gerou dúvida em Júlia:

“Eu fiquei confusa. Por que, se fosse só a produção do conhecimento, seriam só Newton e Leibniz. Mas se for pra quem descobriu e quem gerou essa fama pro Newton, aí seriam todos.” (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social)

Percebendo a dificuldade dos licenciandos em concluir quem era o

produtor, a professora Mara solicitou que eles pensassem de quem era o

conhecimento científico: de Newton ou de Leibniz. Após pensar um pouco,

Júlia concluiu:

“Dos dois. Por que na Inglaterra era do Newton, mas nos outros lugares, o Leibniz... O Newton não era um matemático conhecido naquela época. Então, fora da Inglaterra ninguém conhecia o Newton.” (Júlia)

Após discussão sobre o produto e os produtores da controvérsia entre

Newton e Leibniz, a professora Rosária questionou se descoberta e produção

do conhecimento científico seriam a mesma coisa e se seria possível dizer que

o cálculo foi uma descoberta. Júlia continuou expressando suas ideias:

“Não. Ele foi construído. Ao longo de cálculos, de pesquisa. Ele publicou como uma descoberta... Ele construiu o cálculo ao longo do tempo.” (Júlia – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Então, a professora Rosária esclareceu que, quando se descobre

alguma coisa, aquilo já existia. Ela também afirmou que o Cálculo foi uma

construção da mente dos cientistas. Parecendo compreender a explicação,

Júlia comparou o Cálculo com a Radioatividade:

“Mas o Cálculo não é uma coisa natural. É uma teorização, que vem da mente do ser humano. A Radioatividade, ela continuaria acontecendo mesmo que não se chamasse radioatividade. Não é igual o Cálculo, que se não tivesse sido proposto, não existiria.” (Júlia – Filosofia: objetivos da Ciência;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

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Após discussão sobre a controvérsia de Newton, a professora Mara

solicitou que o grupo explicasse sobre o caso de Margareth e Derek. Uma das

integrantes (não analisada neste trabalho) respondeu que, para ela, os

produtores seriam os dois cientistas e que o caso envolvia a participação de

outros antropólogos admiradores do trabalho de Margareth. A professora Mara

comentou que o ‘problema’ do Derek não foi fazer a pesquisa 40 anos depois,

mas contrapor uma pesquisa com a outra. Por isso ela questionava a intensão

da publicação de Derek. Parecendo concordar com Mara, Júlia supôs que:

“Ele queria fama... Ele devia ter algum amigo no New York Times. [Jornal onde o artigo de Derek foi publicado] Ele não ia conseguir assim do nada... Tinham outros antropólogos contrários a Margaret e não conseguiram publicar no New York Times.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

A professora Rosária concordou que a matéria poderia ter sido paga, o

que gerou discussão sobre os possíveis interesses de Derek em contestar o

trabalho de Margareth.

Após discussão do caso de Margareth, professora Mara comentou sobre

a controvérsia de Becquerel e sua diferença para as demais, visto que, em

nenhum momento, o cientista disse que havia descoberto a radioatividade.

Júlia comentou que:

“Aqui é a questão de fazer o experimento para comprovar a teoria. Ele já formulou na cabeça dele e depois foi provar, a partir de um experimento, que era verdade.” (Júlia – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico;; Filosofia: práticas científicas)

Hugo destacou que uma das coisas que mais chamaram sua atenção no

caso de Becquerel foi velocidade das publicações:

“Sabe uma coisa que eu achei interessante demais? Foi a velocidade que eles publicavam. De uma semana pra outra. E isso foi bom pro Becquerel. Talvez se ele tivesse ficado receoso, talvez outro teria feito o experimento e descoberto. Simplesmente de uma semana para outra ele

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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ia publicando, publicando...qualquer coisa que ele via. E aí ele via a mesma coisa que os outros viam e publicava também.” (Hugo – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo de comunicação do conhecimento científico)

A partir desta fala, a professora Mara ressaltou que o processo vivido

pelos licenciandos durante a realização daquele trabalho parecia ter sido

importante para que eles compreendessem sobre a influência das publicações

nas pesquisas. Ela também comentou sobre a importância da experimentação

nesta controvérsia e que, até hoje nenhum cientista conseguiu reproduzir os

experimentos de Becquerel. Esta discussão sobre Becquerel encerrou o debate

deste sobre o trabalho do grupo.

• Grupo 4 -­ Kit Controvérsias (Camila, Maria e Clara)

Principais elementos abordados nesta apresentação:

ü Bruno Latour: apresentação como sociólogo e antropólogo;; menção à

realização de pesquisa na Amazônia;;

ü Entrevista com bacharel em Filosofia visando explicar o que é

Antropologia;;

ü Entrevista e estudo antropológico sobre o trabalho de dois professores

pesquisadores da universidade: explicação dos objetivos das pesquisas;;

descrição de um experimento a partir das observações;; discussão sobre

as publicações e os financiamentos das pesquisas.

A discussão sobre o trabalho se iniciou com um licenciando (não

analisado neste trabalho) retomando a fala de um dos pesquisadores

entrevistados pelo grupo, questionando se a formação científica de um aluno

poderia ser considerada um produto científico. Camila, integrante que realizou

a pesquisa com o professor mencionado, expôs seu ponto de vista:

“Eu acho que sim. A formação do aluno é um produto. Não é um produto material. Isso também mostra que pra ser um cientista não precisa ter um produto material. E sim, ele pode só produzir o conhecimento.” (Camila – Filosofia: objetivos da Ciência e natureza do conhecimento científico)

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A professora Rosária confirmou que a formação de pessoas é um dos

produtos mais importantes da Ciência, pois é uma das maneiras de se

perpetuar o conhecimento e de dar continuidade à sua produção.

Seguindo as discussões, Camila identificou os produtores e o processo

nas atividades relacionadas à Iniciação Científica e às pesquisas de

referenciais realizada pelos pesquisadores:

“Eu acho que o produtor nesse caso também seriam os professores pesquisadores e os alunos que trabalham com eles no laboratório... E eu acho que os órgãos que fomentam as pesquisas, eles também são considerados produtores... E, no caso do processo, seria esse processo todo de iniciação científica que ele falou, de estar dentro do laboratório fazendo as coisas. As pesquisas, que ele fica no computador pesquisando. E isso também é um processo. Ele tira base das pesquisas.” (Camila – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

A partir do comentário de Camila, a professora Rosária questionou sobre

onde eles acreditavam que o processo se iniciava. Camila respondeu:

“A partir do momento que você pensa em fazer o projeto.” (Camila)

A professora Mara retomou a discussão sobre os alunos de Iniciação

Científica, informando que eles podem tanto contribuir para a produção do

conhecimento científico quanto desenvolver habilidades de cientistas e novos

conhecimentos sobre Ciência. Ela questionou, então, se essas habilidades

também seriam produtos. Camila respondeu:

“Eu acredito que teve um processo. Por que o conhecimento já está ali e o professor está passando pra ele. O aluno vai gerar um novo conhecimento pra poder chegar num produto. Até o aluno passar por isso tudo, adquirir habilidades, conhecimentos... acho que é o processo todo.” (Camila – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e objetivos da Ciência;; Antropologia: conhecimento científico como prática social)

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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120

Completando a discussão sobre a formação de pessoas, a professora

Mara explicou que a Ciência é uma das áreas que influenciam na formação do

ser humano, e que o homem faz e sofre transformações a partir da Ciência.

Após o encerramento das discussões do grupo 4, a professora Denise

questionou se os licenciandos estavam percebendo o ganho com a atividade e

as consequências deste momento para a atuação deles como professores.

Camila foi a primeira licencianda se manifestar reconhecendo os ganhos com

as atividades como um produto científico:

“Eu acho também que isso é uma forma de produto científico. Justamente, por que a gente pesquisa, busca as informações, discute as informações, troca informações. E com isso vai produzindo conhecimento maior na gente. E isso seria um produto científico.” (Camila – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Além disso, alguns integrantes também destacaram a importância do

trabalho para o conhecimento das histórias dos cientistas e da História no

Ensino de Ciências:

“Quando você está estudando. Aí eu gravei toda a história do Morh. Passou uma semana eu esqueci. Aí se você me perguntar tudo agora eu sei contar tudo que Morh fez ainda hoje. Vai ficar na minha memória por muito tempo.” (Licenciando 2)

“Você pode ensinar e ver o conteúdo pela História.” (Júlia)

No final do encontro, a professora coordenadora explicou sobre a

próxima atividade (Júri Simulado), separando os licenciandos em dois grupos

(Defesa e Acusação) e entregando os textos para seleção dos argumentos.

Disciplinas e Aspectos

A partir da atividade com os kits históricos, os licenciando se envolveram

na elaboração de apresentações e discussões que favoreceram a identificação

e explicitação de aspectos de NC durante os encontros. Neles foram

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explicitados aspectos relacionados a todas as disciplinas, o que não havia

ocorrido antes desta atividade.

Nestes dois encontros, foram identificados 70 momentos em que

aspectos de NC foram expressos, sendo 33 deles relacionados à disciplina

Filosofia e aos aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de

produção do conhecimento científico’;; ‘práticas científicas’;; ‘objetivos da

Ciência’;; ‘processo de aceitação do conhecimento científico’ e ‘processo de

comunicação do conhecimento científico’. A Sociologia foi citada 16 vezes,

relacionada aos aspectos: ‘Ciência como prática social’;; ’como a Ciência

alcança o status social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’. Economia foi

identificada seis vezes, quando os licenciandos abordavam sobre a ‘influência

dos fatores econômicos’ e quanto à ‘distribuição dos recursos necessários à

produção do conhecimento científico’. A disciplina Antropologia foi mencionada

cinco vezes a partir dos aspectos: ‘trabalho científico como forma de ação

social’ e ‘desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de

produção cultural’. A disciplina Cognição foi citada quatro vezes e identificada

quando o aspecto ‘como as pessoas/cientistas pensam ao adquirir, produzir

e/ou entender o conhecimento científico’ foi abordado. História e Psicologia

foram citadas cada uma três vezes, e relacionadas, respectivamente, aos

aspectos: ‘desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo’ e

‘talento e criatividade do cientista’. A disciplina Psicologia foi identificada pela

primeira vez durantes as discussões do grupo 1 sobre a genialidade de

Lavoisier.

Exemplos de momentos em que todas as disciplinas foram identificadas

estão apresentados ao longo da descrição destes encontros.

Portfólios

Diferente dos portfólios produzidos nos encontros anteriores, os

documentos elaborados a partir das apresentações e discussões relativas à

atividade dos kits históricos foram muito mais reflexivos. Além de apresentarem

a descrição das apresentações dos quatro grupos, os licenciandos

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conseguiram expor suas opiniões sobre a importância da História para o ensino

de Ciências;; comentaram sobre a participação deles na atividade;; e,

principalmente, se expressaram sobre os aspectos da Ciência debatidos a

partir dos textos, demonstrando compreensão dos mesmos.

Quanto aos aspectos da Ciência, foram identificados vários momentos

em que sua característica humana foi mencionada, como ao abordarem sobre

a vida e as demais atividades realizadas por Lavoisier:

“Na peça, tentamos desmistificar a visão distorcida da Ciência, para mostrar que o cientista é uma pessoa como as outras e têm suas necessidades humanas.” (Aline – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“O fato de Lavoisier ter trabalhado como coletor de impostos, além do trabalho em suas pesquisas científicas, e de ter sido casado com Marie-­Anne, ajuda a reforçar a característica da Ciência que diz que cientistas possuem vida social, não somente vivem das pesquisas.” (Júlia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Outro aspecto recorrente nos documentos foi o reconhecimento da

influência sofrida pela Ciência por fatores econômicos, políticos, sociais,

religiosos, entre outros. Ana destacou que:

“Pessoalmente, penso que este foi o aspecto que mais me marcou e me fez pensar durante e posteriormente às discussões. Ao considerar todos os fatores – econômicos, sociais, políticos, ideológicos, religiosos – que interferem de forma direta ou indireta no processo de produção do conhecimento, vale ressaltar que muitas vezes são estes que motivam e impulsionam novas ideias. Um exemplo que ilustra este fato é o caso do cientista Diesel, que propôs um modelo de máquina que funcionasse de acordo com os princípios do Ciclo de Carnot, visto que, naquele contexto histórico, havia a necessidade de se criar novas máquinas, dado que as máquinas a vapor existentes na época possuíam baixa eficiência. Isto serve para contrapor a ideia de que os cientistas definem suas questões de pesquisa de forma aleatória e despropositada.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico e objetivos da Ciência;; Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

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“Tentamos levar ao público que a Ciência não trabalha sozinha, que outros aspectos influenciam como cultura, economia e outros fatores”. (Aline – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

O aspecto ‘Ciência como prática social’ também foi muito citado pelos

licenciando nos portfólios, visto que esta característica da Ciência foi

explicitada por todos os grupos e discutida quando dos questionamentos sobre

os produtores do conhecimento científico. A colaboração de outros cientistas,

de familiares (esposa de Lavoisier) e apoiadores (controvérsia Newton e

Leibniz) foram elementos que evidenciaram este aspecto:

“Quando se discutiu os produtores, sempre tive o conceito de que todos fizeram descobertas sozinhos. Após os trabalhos serem apresentados, cheguei à conclusão de que minha concepção era errada, que na verdade todos tiveram contribuição de outros cientistas e pesquisadores dos assuntos tratados, mas que isso infelizmente não é tão divulgado para a sociedade.” (Sofia – Sociologia: Ciência como prática social)

“Além disso, elas conseguiram mostrar que ele não era um cientista isolado, isto é, ele mantinha comunicação com outros cientistas, e sua esposa também o ajudava com seus desenhos.” (Clara – Sociologia: Ciência como prática social)

Os objetivos da Ciência também foram mencionados pelos licenciandos

quando abordavam, principalmente, os produtos da Ciência, a formação de

pessoas, e mesmo a produção de conhecimentos intermediários:

“Quando se pensa no produto da Ciência, vale ressaltar que este pode ser algo palpável, mas ao mesmo tempo, pode não ser algo concreto. A formação de pessoas e o desenvolvimento destas, por exemplo, também pode ser considerado um produto da Ciência.” (Ana – Filosofia: objetivos da Ciência)

“Definimos também que produto não necessariamente seja uma coisa material, em um projeto de pesquisa, por exemplo, como foi abordado por um dos últimos grupos apresentados, o produto do projeto de pesquisa ou de uma Iniciação Científica é além do que se pesquisa é a

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formação do bolsista, o que o projeto contribui para sua formação é também considerado um produto, e deverá ser igualmente valorizado e reconhecido.” (Sofia – Filosofia: objetivos da Ciência)

“As discussões sobre produto, processo e produtor ampliaram a minha visão sobre tal, de forma que agora passo a enxergar o processo científico de forma muito mais complexa. Após as duas apresentações, as discussões me levaram a tomar conhecimento de que o produto científico não tem necessariamente que ser uma coisa concreta. Na verdade, por mais que o cientista não consiga chegar no resultado esperado para sua pesquisa, não quer dizer que ele não obteve um produto, pois produto científico neste caso, ao meu ver, seria todo o conhecimento que pode de alguma forma contribuir para a Ciência.” (Clara – Filosofia: objetivos da Ciência e processo de produção do conhecimento científico)

A influência dos fatores econômicos no processo de produção do

conhecimento científico também foi identificada em vários momentos dos

portfólios, principalmente quando os licenciandos abordaram os financiamentos

de pesquisa e a condição financeira de Lavoisier:

“A necessidade de acordos na Ciência, que nem sempre são voluntários, é comum. Por exemplo, quando o cientista precisa de financiamento e o detentor do dinheiro necessário precisa do produto final que o cientista obterá, um acordo é feito para que ambas as partes sejam beneficiadas.” (Júlia – Economia: influência dos fatores econômicos)

“Lavoisier ter possuído uma grande quantidade de recurso monetário na época de suas pesquisas e descobertas serve de exemplo para dizer que isto é um fator que interfere, e muito, na Ciência.” (Júlia – Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Além das reflexões sobre os aspectos da Ciência, os licenciandos

relataram que, a partir da leitura dos textos, aprenderam mais sobre a vida dos

cientistas. Eles também demonstraram interesse em utilizar o contexto histórico

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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no ensino de Ciências para desmistificar visões inadequadas da Ciência e

favorecer a compreensão de conteúdos.

“Com esse grupo [2], aprendi e compreendi muitas coisas que não tinha ideia sobre a vida de alguns cientistas. O trabalho do grupo foi muito bem elaborado e eu usaria o mesmo em algum momento das minhas aulas.” (Luiza)

“O que posso concluir é que, sem dúvida existem diversas formas de inserir a História da Ciência durante as aulas de maneira interessante, sem tornar a aula chata. O conhecimento sobre a História da Ciência, de como os fatos realmente aconteceram, pode ajudar os alunos a compreender melhor os conteúdos a serem ensinados, além de proporcionar aos mesmos o conhecimento sobre o processo científico e tornar esta realidade mais próxima dos alunos.” (Clara)

“Bom, todos os quatro trabalhos me mostram o quanto é importante o conhecimento da História da Ciência para que saibamos ensinar essa de maneira coerente os nossos alunos. Foi transmitido claramente que há como se ensinar a História da Ciência de maneira dinâmica, descontraída e de modo que não se ensine aos alunos uma pseudo-­história, pois essa retrata de maneira errônea algumas ideias da Ciência.” (Vitória)

Os licenciandos também demonstraram satisfação em terem participado

da atividade, destacando o trabalho como uma oportunidade de reflexão e

melhoria de suas concepções sobre Ciências:

“Se pudesse definir em uma só palavra esses dois encontros eu diria que foi simplesmente fantástico! Os grupos se empenharam ao máximo, de forma que as apresentações foram maravilhosas e, pelo menos eu, não conseguia desviar minha atenção por um só momento do grupo que estava apresentando.” (Clara)

“Esse trabalho trás muitas reflexões. Ao mesmo tempo em que constrói algo, destrói também. É um pouco confuso, mas foi assim que me senti na hora das discussões.” (Camila)

“Para mim ficou claro “processo/produto/produtor” pela realização do trabalho... foi possível esclarecer um pouco

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através da discussão. Esse trabalho me ajudou a entender um pouco mais sobre a Ciência, foi uma boa experiência.” (Maria)

Nos portfólios produzidos nestes encontros, foram identificadas 47

menções a aspectos de NC relativos a todas as disciplinas, exceto a

Psicologia. Aspectos da Filosofia foram citados em 24 vezes e estavam

relacionados a: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de produção

do conhecimento científico’;; ‘processo de aceitação do conhecimento

científico’;; ‘processo de comunicação do conhecimento científico’ e ‘objetivos

da Ciência’. A Sociologia foi identificada 12 vezes, tendo sido abordados os

aspectos: ‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’.

As demais disciplinas foram poucas vezes mencionadas: Economia

quatro vezes, Cognição e História três vezes cada, e Antropologia uma vez.

Exemplos de momentos em que Cognição e História foram identificados:

“Neste trabalho, o que mais me marcou foi o fato de Becquerel perceber que o urânio emitia uma radiação, mas ter interpretado o fato como se fosse uma fosforescência invisível.” (Clara – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

“Embora o seu projeto não tenha sido empregado com a finalidade que ele desejava, o mesmo contribuiu para que aprimoramentos fossem realizados, e se tornasse o motor diesel que se conhece.” (Clara – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo)

O gráfico 4.6. apresenta as disciplinas mencionadas nos portfólios do

oitavo e nono encontros.

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Gráfico 4.6. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina identificadas nos

portfólios do 8º e 9º encontros.

Este gráfico evidencia que todos os licenciandos citaram aspectos de

pelo menos uma disciplina em seus portfólios. Júlia e Ana, respectivamente

com nove e seis identificações, novamente foram as que citaram mais aspectos

de NC.

10º e 11º ENCONTROS – PREPARAÇÃO PARA O JÚRI

Assim como para a preparação da atividade dos kits históricos, dois

encontros (10º e 11º) foram destinados à preparação da atividade do júri

simulado. Por esse motivo, foram reunidos neste tópico alguns dos principais

argumentos9 selecionados pelos grupos para utilização da apresentação, assim

como elementos importantes dos portfólios produzidos. Como para a atividade

do júri os licenciandos foram divididos em dois grupos (Acusação e Defesa), na

apresentação destes encontros as discussões seguem a mesma organização,

uma vez que as interações ocorreram, principalmente, entre os componentes

de cada um dos grupos e a professora.

9 Durante as filmagens não foi possível acompanhar a sequência das discussões de cada grupo, pois foi utilizada apenas uma câmera que se alternava entre os grupos.

1 1 1

2

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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A atividade do júri simulado envolveu o julgamento do merecimento ou

não do Prêmio Nobel de Química de 1918, por Fritz Haber, pelo

desenvolvimento da síntese da amônia. Os grupos de Acusação e Defesa

foram compostos, respectivamente, por sete e oito componentes.

Durante os dois encontros destinados à preparação, os grupos

basicamente discutiram os textos e produziram argumentos e contra-­

argumentos para serem utilizados na apresentação, principalmente

relacionados à vida de Haber e aos contextos político, econômico e social da

época (até 1920). Além disso, os licenciandos elaboraram o roteiro;; traçaram

estratégias para melhor utilização e apresentação dos argumentos;; e definiram,

por exemplo, os componentes que representariam os oradores da Acusação e

da Defesa.

Durante a discussão dos grupos, a professora coordenadora esclareceu

dúvidas sobre os textos, dando dicas sobre possíveis fatos a serem

observados por cada um deles, e sugeriu a utilização de fotos e vídeos como

forma de embasamento dos argumentos. Além disso, ela orientou os grupos

para se comportarem e se vestirem a caráter no dia da representação.

Alguns trechos importantes dessas discussões são destacados a seguir.

• Grupo Acusação – Clara, Maria, Hugo, Aline e Sofia:

Aline comentou sobre a religião do cientista:

“Pelo o que eu entendi, ele se converteu para o cristianismo para assumir o cargo de professor na Universidade. Só que não era uma pessoa que se ligava às origens religiosas não.” [Haber era de origem judaica.] (Aline – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Clara leu um trecho do comitê do Prêmio Nobel de Química comentando

que, em 1918, nenhum cientista havia preenchido os critérios e que a

comunidade científica da época se revoltou quando soube que Haber receberia

o prêmio:

“... o fato também da comunidade científica não ter aceitado que ele ganhou. Ter tido aquela revolta na

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comunidade científica quando se soube que ele ia ganhar.” (Clara – Sociologia: como a Ciência é reconhecida)

A partir daí, um dos integrantes do grupo (não analisado neste trabalho)

sugeriu que eles pesquisassem quais os critérios necessários para

merecimento do Prêmio Nobel.

Em outro momento, Hugo comentou sobre as pesquisas realizadas por

Haber no desenvolvimento de armas químicas e Clara completou que, apesar

de a Alemanha ter sido proibida de utilizar este tipo de arma, o cientista

continuou pesquisando:

“E outro detalhe. Se não bastasse o primeiro ter sido bem sucedido e ter matado várias pessoas, ele ainda fez gases mais potentes.” (Hugo – Filosofia: objetivos da Ciência e processo de produção do conhecimento científico)

“Ele ainda continuou pesquisando. A Alemanha foi proibida de fazer essas pesquisas... Temos que usar esse argumento!” (Clara – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Hugo citou que poderiam questionar se Haber merecia receber o prêmio

sozinho, pois recebeu contribuições de outros pesquisadores:

“E a gente pode questionar se ele merecia sozinho, por que teve um monte de gente contribuindo. Por exemplo, dois especialistas que ajudaram a montar os equipamentos.” (Hugo – Sociologia: Ciência como prática social)

• Grupo Defesa – Ana, Vitória, Júlia, Luiza e Camila:

As discussões se iniciaram em torno do tema produção de alimentos e

das condições necessárias para tal:

“Outra coisa que a gente vai ter que defender é a produção de alimentos.” (Vitória)

“Eles não queriam mais depender do Chile.” (Luiza)

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O grupo também selecionou possíveis contra-­argumentos para a defesa

de Haber. Por exemplo, Camila citou sobre a importância de justificar a

participação do cientista no desenvolvimento de armas químicas:

“Temos que contra argumentar que a intensão não foi sair matando todo mundo, mas defender seu país. Seria um argumento contra a utilização da amônia nas armas.” (Camila – Filosofia: objetivos da Ciência)

Durante as discussões, Júlia também destacou a dedicação do cientista

ao abordar sobre sua formação acadêmica. Para ela isso também poderia ser

utilizado como argumento de defesa.

“Naquela época o cara era muito fera, né! Ele não era especialista em físico-­química e fez o que fez.” (Júlia – Psicologia: talento e criatividade do cientista)

Em determinado momento, a professora coordenadora participou das

discussões e sugeriu ao grupo que olhasse quais os critérios utilizados pela

organização do Prêmio Nobel. Foi então, a partir dos textos, que Ana

esclareceu que os critérios do prêmio eram apenas por méritos pessoais:

“Os critérios para selecionar as pessoas para o prêmio Nobel são simplesmente os méritos pessoais. Você não pode levar em consideração raça, religião, etnia, nada disso. Simplesmente pelos méritos da pessoa.” (Ana – Sociologia: como o conhecimento científico é reconhecido)

Júlia também disse ser possível utilizar como argumento o fato de outros

países também terem sintetizado e utilizado gases tóxicos contra a Alemanha:

“Podemos argumentar que, depois de Haber, os outros países começaram a sintetizar gases tóxicos e utilizar contra a Alemanha. Ele não foi o único a sintetizar gases. Quando ele iniciou o uso todos os outros começaram a usar também. Então, os outros também devem ser condenados.” (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social)

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Camila ainda sugeriu falar sobre as pesquisas que Haber havia realizado

antes daquele ano, mostrando que ele foi um estudioso, e justificar a síntese da

amônia em termos de seus benefícios para a sociedade:

“A síntese da amônia foi para desenvolvimento da sociedade, para gerar alimentos. Ele não ganhou o prêmio Nobel por causa da guerra.” (Camila – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social;; Filosofia: objetivos da Ciência)

Disciplinas e Aspectos

Como nestes dois encontros o objetivo principal foi a produção de

argumentos para a simulação do júri, em poucos momentos foram identificados

aspectos da NC expressos claramente. Nos momentos em que isto aconteceu,

as disciplinas mencionadas foram: Filosofia, Sociologia, Antropologia e

Psicologia.

A disciplina Filosofia foi mencionada 11 vezes, relacionada aos

aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de produção do

conhecimento científico’;; ‘práticas científicas’ e ‘objetivos da Ciência’. A

Sociologia foi mencionada sete vezes, vinculada aos aspectos ‘Ciência como

prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’. Os aspectos ‘trabalho

científico como forma de ação social’ (disciplina Antropologia) e ‘talento e

criatividade dos cientistas’ (disciplina Psicologia) foram citados ambos uma vez.

Portfólios

A maioria dos portfólios produzidos nos encontros destinados à

preparação da atividade do júri continha descrição das atividades realizadas

pelos grupos para a apresentação. Os licenciandos relataram especialmente

sobre os encontros extras para produção dos argumentos, elaboração dos

roteiros e suas dificuldades. Alguns licenciandos também listaram os

argumentos e contra-­argumentos produzidos nesses encontros.

Nos portfólios dos licenciandos em que houve predomínio da reflexão

dos textos e da atividade (especialmente Ana e Clara), foi possível identificar

alguns aspectos de NC, tais como: ‘natureza do conhecimento científico’;;

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‘Ciência como prática social’ e ‘desenvolvimento do conhecimento científico ao

longo do tempo’. Clara, por exemplo, quando expôs sua dúvida sobre o

merecimento ou não do Prêmio Nobel de Haber, relacionou o aspecto

‘desenvolvimento da Ciência ao longo do tempo’ às dificuldades enfrentadas

pelo pesquisador durante o processo de síntese da amônia:

“Ao refletir sobre as tentativas anteriores de síntese da amônia, também me questionei sobre o merecimento ou não do prêmio, já que Le Chatelier já havia direcionado estudos no sentido de produzir amônia em altas pressões. Ele só não continuou as pesquisas devido a uma explosão que ocorreu durante o processo. Harber afirma que só tomou conhecimento destes estudos de Le Chatelier quando já tinha conseguido sucesso em seus experimentos, mas não estou totalmente convencida a este respeito. Este fato serviu também para me convencer de que Harber não merecia de fato o prêmio. Na verdade, Harber conseguiu esta síntese através da ajuda de Bosch, que ajudou com máquinas que possibilitavam este trabalho a alta pressão.” (Clara – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Ana também utilizou aspectos de NC para apresentar suas reflexões,

quando afirmou que a história de Haber foi a que talvez tenha mais contribuído

para reforçar a visão humana da Ciência:

“Refletindo sobre a história de Fritz Haber percebo que, entre todas as histórias de cientistas já discutidas, talvez esta seja a que mais contribua para reforçar a visão humanizada sobre a ciência. Uma vez que a ciência é o produto da produção de seres humanos, é impossível que sentimentos, sonhos e desejos não interfiram no modo como o conhecimento é produzido.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

Nos portfólios, os licenciandos também apresentaram suas opiniões

sobre o merecimento ou não do prêmio, independente do grupo do qual

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participavam. Hugo, por exemplo, integrante do grupo de Acusação, se

manifestou a favor do título dado ao cientista:

“Para mim foi algo meio desafiador, pois acredito que ele mereceu o prêmio que recebeu pelo seu brilhante trabalho.” (Hugo)

Porém, outros licenciandos, como Sofia (Acusação) se manifestou

contrária ao prêmio por julgar que, ao continuar com a pesquisa, Haber

provocou a morte de vários soldados:

“Eu concordaria com a premiação de Haber se ele tivesse apenas pesquisado e chegado à conclusão da síntese da amônia. Mas a partir do momento que ele dá continuidade às pesquisas, o intuito inicial que era de ajudar a alimentar as pessoas de seu país acaba se perdendo quando, em campo de batalha, chegaram a matar 15 milhões de soldados inimigos.” (Sofia – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social;; Filosofia: objetivos da Ciência;; processo de produção do conhecimento científico).

Os licenciandos também se mostraram empolgados com a realização da

atividade, destacando-­a como uma oportunidade para desenvolvimento da

habilidade de argumentação e do conhecimento de NC, o que provavelmente

auxiliaria sua prática docente:

“Estou ansiosa pela data da apresentação. Acho que vai ser muito relevante para aprendermos de fato como a argumentação funciona, além de ajudar na nossa formação, pois a argumentação é uma das ferramentas mais importantes para se aprender e ensinar sobre ciência. Como nunca apresentei um trabalho parecido, acho que será uma experiência enriquecedora para minha formação.” (Aline)

“Posso concluir até o momento que adorei fazer esse trabalho, mesmo demandando muita dedicação e uma boa leitura, meu conhecimento sobre a Natureza da Ciência fica cada vez mais enriquecedor e embasado.” (Aline)

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“Realizar esse tipo de trabalho é bom para exercitarmos as nossas habilidades de argumentação, que são muito importantes para a formação de nóos futuros professores.” (Luiza)

Nos portfólios produzidos nestes encontros foram identificadas 33

citações à aspectos de NC relativos as disciplinas: Filosofia, Antropologia,

História, Sociologia e Economia. Aspectos da Filosofia foram citados 18 vezes

e estavam relacionados a: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de

produção do conhecimento científico’ e ‘objetivos da Ciência’. A Antropologia

foi identificada sete vezes envolvendo os aspectos: ‘trabalho científico como

forma de ação social’ e ‘desenvolvimento do conhecimento científico como uma

das formas de produção cultural’. A História foi mencionada quatro vezes,

relacionada ao aspecto ‘desenvolvimento do conhecimento científico ao longo

do tempo’. Por exemplo:

“A história de Haber também nos faz atentar para o fato de que o conhecimento não é produzido de forma linear, direta e livre de obstáculos. Muitas vezes os cientistas encontram diversas dificuldades durante seus estudos, como foi o caso de Haber. Alguns aspectos como o fato da síntese da amônia ser estudada por outros cientistas, mas sem grande êxito, além da aparente inviabilidade desta síntese, contribuíram para que Haber às vezes se sentisse desmotivado e desanimado. Haber demorou alguns anos a chegar a algum resultado satisfatório...” (Ana – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social;; História: o desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo)

Sociologia e Economia foram citadas duas vezes cada, respectivamente

em relação aos aspectos ‘Ciência como prática social’ e ‘distribuição dos

recursos necessários à produção do conhecimento científico’.

A partir da análise dos portfólios, também foi possível identificamos

quais foram as disciplinas mencionadas por cada licenciado nestes encontros.

Esta relação é apresentada no gráfico 4.7., que evidencia que Ana foi a

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licenciada que mais citou aspectos de NC, além da ausência destes elementos

nos portfólios de Camila e Maria.

Gráfico 4.7. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina identificadas nos

portfólios do 10º e 11º encontros.

12º ENCONTRO – O JÚRI

Após duas semanas de preparação, a partir de leituras sobre a vida do

cientista Fritz Haber, a síntese da amônia e o contexto mundial da época, os

grupos de Acusação e Defesa realizaram a encenação de um júri avaliando a

seguinte controvérsia: “O cientista Fritz Haber foi merecedor do Prêmio Nobel

de Química de 1918 pela síntese da amônia?”.

Para a simulação do júri, foram selecionados um orador e dois auxiliares

de cada grupo. Do grupo de Acusação, os representantes foram: Sofia

(oradora) e Aline e Licenciando 5 (auxiliares);; do grupo Defesa: Júlia (oradora)

e Aline e Luiza (auxiliares). A figura do juiz foi representada pela professora

coordenadora. Durante a encenação, os licenciandos usaram figurino e

vocabulários próximos aos característicos de um tribunal.

O júri foi dividido em três principais momentos: (i) apresentação inicial

dos argumentos (com no máximo de 40 minutos para cada grupo) e intervalo

1 1 1 11

6

1 1

3

1

2

3

2 2

1

2

1 11 1

0

1

2

3

4

5

6

7

Aline Ana Camila Clara Hugo Júlia Luiza Maria Sofia Vitória

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ntidad

e de Citações por Disc

iplin

a

Licenciandos

História

Filosofia

Antropologia

Economia

Cognição

Sociologia

Psicologia

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de 40 minutos para seleção dos argumentos da réplica;; (ii) réplica para

apresentação dos contra-­argumentos e intervalo de 20 minutos para seleção

dos argumentos da tréplica;; e (iii) tréplica, com debate entre os grupos.

Seguindo esta mesma organização, apresentamos os principais argumentos

utilizados pelos grupos com trechos dos textos produzidos e das falas

utilizadas durante a replica e a tréplica.

Argumentos iniciais

Grupo de Acusação

Na apresentação do grupo de Acusação, foram utilizados basicamente

cinco argumentos para contestar o Prêmio Nobel de Química recebido por

Haber. O grupo acusou o pesquisador de ser extremamente nacionalista e

militarista, questionando seu caráter e apresentando como evidências sua

participação no desenvolvimento de armas químicas utilizadas pelo exército

alemão contra tropas adversárias, o que resultou na morte de milhares de

pessoas.

Outro argumento apresentado pela acusação foi de que outros cientistas

já haviam previsto a síntese da amônia, ou seja, para eles Haber não foi o

primeiro a fazer isto e negou conhecer os trabalhos anteriores:

“Le Chatelier anteriormente já tinha concluído pelo seu próprio princípio, que o processo de síntese da amônia era possível a partir de altas pressões e temperatura na presença de um catalisador. No entanto, o que impossibilitou a produção por Le Chatelier foi a falta de equipamentos e recursos para tal, por exemplo, reatores resistentes a altas pressões e temperaturas. Inclusive, Le Chatelier já havia patenteado estes estudos sob um pseudônimo. Haber afirma que “Isso só veio ao meu conhecimento muito tempo depois da conclusão bem sucedida dos meus experimentos”.” (Acusação – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

O grupo também argumentou que Haber não trabalhou sozinho ao

alegar que a síntese da amônia, em escala industrial, só foi possível graças a

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seus colaboradores, principalmente Carl Bosch, que elaboraram equipamentos

resistentes a alta pressão.

A acusação foi concluída alegando que o cientista não cumpria os

requisitos para receber o prêmio por ir contra os critérios definidos por Nobel

aos ganhadores.

“É possível afirmar que o acusado não é digno do prêmio. Ao ler a carta testamento de Alfred Nobel, verifica-­se que o mesmo destina parte de sua fortuna “...para a pessoa que deverá ter feito o maior, ou melhor, trabalho para a fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e para a realização e promoção de congressos...” Sendo assim Vossa Excelência, é possível perceber que Nobel foi um defensor da paz, e de acordo com os fatos descritos nesta peça vestibular, o réu apresentou atitudes que são totalmente contrárias aos princípios da boa fé e probidade...” 10 (Defesa)

Grupo de Defesa

Para defender o merecimento do prêmio, a Defesa se embasou em

quatro argumentos e em evidências relacionadas ao contexto histórico da

época e à biografia de Haber. O primeiro argumento utilizado pelo grupo foi

apresentar o pesquisador como um grande cientista ao, por exemplo,

descrever várias de suas qualidades:

“Apesar de todas as dificuldades encontradas na nova cidade, Haber superou todas elas e, por isso, destacou-­se por suas grandes qualidades, entre elas: enorme capacidade de trabalho, tenacidade, rigor exaustivo, grande conhecimento teórico e capacidade associativa. Ele também lecionava assuntos diversos como química dos gases, corantes e eletroquímica.” (Defesa)

Outro recurso empregado pela Defesa foi destacar as causas nobres

motivadoras dos estudos realizados por Haber, como a busca por fertilizantes a

serem utilizados na produção de alimentos11. A colaboração da indústria nas

10 Este argumento se referia ao Prêmio Nobel da Paz. 11 Em seu discurso, Haber negou que a busca por fertilizantes tenha sido o que motivou suas pesquisas.

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pesquisas para a síntese também foi mencionada como argumento ao ser

citada a ajuda recebida por Haber pela empresa BASF no processo da síntese:

“Todo esse processo de síntese da amônia durou cerca de dez anos e não seria possível sem a ajuda da empresa BASF...” (Defesa – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

O grupo finalizou seus argumentos também fazendo referência os

critérios do Prêmio Nobel para justificar o merecimento do pesquisador, pois

Haber contribuiu significativamente para o desenvolvimento da Ciência e da

humanidade.

Réplica

Grupo de Acusação

Na réplica, a Acusação alegou que Haber foi apenas um colaborador da

síntese, justificando que os conhecimentos utilizados por ele já eram

conhecidos por outros cientistas:

“Do desenvolvimento da síntese da amônia, Haber foi um mero colaborador, pois só os conhecimentos dele não foram suficientes. Pesquisadores como Le Chatelier e Bosch foram fundamentais para o sucesso do processo. Para sermos generosos com Haber, podemos somente dizer que ele foi apenas uma boa liderança, e não merecedor de um prêmio Nobel de Química.” (Acusação – Sociologia: Ciência como prática social)

A Acusação contestou o argumento da Defesa de que Haber era uma

pessoa comum, questionando se pessoas comuns teriam coragem de matar

milhões, liderar um exército e direcionar esforços da Ciência para fazer parte

de uma guerra. A Acusação também contestou se ele seria uma pessoa

nacionalista mesmo sendo excepcionalmente egocêntrico.

A Acusação também reforçou a participação do pesquisador no

desenvolvimento de armas químicas, explicando que ele chegou até a avaliar o

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sentido dos ventos ao lançar as armas e solicitar criação de um instituto para

armas químicas:

“Então era tudo planejado como que ia mandar os gases, qual era a coordenada do vento, pra que lado soprava, quantos dava para matar, qual o vento mais forte para levar os gases... E por que, mesmo após o fim da guerra, sugeriu a criação do instituto de armas químicas?” (Acusação – Filosofia: processo de produção do conhecimento)

Grupo de Defesa

A Defesa iniciou a réplica contestando a qualificação egocêntrica

atribuída pela Acusação, questionando se uma pessoa egocêntrica iria para a

frente de batalha defender sua nação. Na sequência, o grupo reforçou a

argumentação de que Haber havia recebido o Prêmio Nobel de Química pela

síntese da amônia contribuição para a Ciência e a humanidade:

“Quanto ao merecimento do prêmio Nobel, vale lembrar que Haber foi premiado com o Prêmio Nobel de Química e não o da Paz. Sendo assim, o que deve ser considerado é a contribuição do cientista para o desenvolvimento da Ciência e da humanidade.” (Defesa – Sociologia: como a Ciência é reconhecida;; Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

Quanto ao argumento da Acusação de que Haber seria apenas um

colaborador do processo da síntese, foi explicado que Le Châtelier havia

abandonado os estudos após um acidente em seu laboratório, mas que Haber

superou todas as dificuldades da síntese:

“Há provas de que Le Châtelier tentou mesmo sintetizar a amônia. Mas como eram necessárias altas pressões, após um acidente em seu laboratório que resultou na morte de um de seus colaboradores, ele abandonou o projeto... Haber foi contemplado com o prêmio Nobel por ter superado todas as adversidades que envolviam o processo de síntese da amônia, o que outros cientistas não foram capazes de fazer.” (Defesa – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Sociologia: Ciência como prática social)

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Para justificar o uso de armas químicas, a Defesa argumentou que, para

Haber, elas não eram diferentes de outras armas, que sua utilização poderia

antecipar uma vitória alemã, o que poderia diminuir a mortalidade. Outro

argumento utilizado foi o de que outras nações passaram a utilizá-­las também.

Ao final da réplica, a Defesa ainda esclareceu que Haber nunca se negou

trabalhar com colaboradores, e que sua relação com a BASF foi necessária

para financiar a síntese em larga escala.

Tréplica

Durante a tréplica, a dinâmica de apresentação dos argumentos foi

diferente e os grupos de acusação e defesa alternaram suas falas.

A Defesa iniciou alegando que Haber foi apenas um administrador da

síntese e que Le Châtelier havia pesquisado sobre a mesma anteriormente. A

Acusação contestou, contra argumentando que 10 anos de pesquisa não

poderiam ser considerados mera contribuição. A Acusação completou sua fala

alegando que:

“Com certeza, não trouxe nenhuma novidade para o processo. Ele usou conhecimentos que já estavam sendo trabalhados por outros cientistas. Então, o tempo que ele trabalhou não quer dizer o peso da colaboração que ele teve.” (Acusação – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Uma ajudante do grupo de Defesa enfatizou que foi o trabalho de 10

anos de Haber que conseguiu superar todas essas adversidades para que a

amônia fosse sintetizada industrialmente, e que outros cientistas já haviam

abandonado seu estudo. A oradora completou afirmando que nenhum cientista

requereu o título de responsável pela síntese da amônia, o que significava que

a acusação não tinha fundamento. A Acusação contestou o argumento,

dizendo que Le Châtelier chegou a reivindicar esse título, mas não teve parecer

favorável.

O grupo de Acusação contestou novamente as intenções de Haber com

a produção da amônia em larga escala para a produção de alimentos:

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“Como que ele tinha o intuito de produzir a síntese da amônia em larga escala, se na I Guerra Mundial, Haber ajudou a organizar o Ministério da Guerra da Alemanha, que foi o setor responsável pelos gases tóxicos?” (Acusação – Filosofia: objetivos da Ciência)

A Defesa, então, alegou que Haber foi convidado a participar destes

estudos e destacou sua contribuição:

“E vale ressaltar que se não fossem os estudos de Haber a partir desses gases, hoje eles seriam desconhecidos. Não saberíamos a ação deles.” (Defesa – História: desenvolvimento da Ciência)

Neste momento, a Acusação questionou se a utilização de um

conhecimento justificaria a morte de milhares de pessoas;; e informou que, ao ir

para o campo de batalha, Haber estava em condições seguras e pode orientar

o momento certo para utilização das armas químicas.

“Ele estava ali justamente para orientar da melhor forma os soldados... Ele era tão cruel que trabalhou em gases que causavam irritação para que os soldados retirassem as máscaras e morressem envenenados por outro gás.” (Acusação)

Após discussão entre os grupos, a professora coordenadora (juíza do

tribunal) solicitou que os argumentos fossem direcionados claramente à

controvérsia discutida, isto é, se Haber mereceu ou não do prêmio e que

fossem citados os argumentos envolvendo aspectos químicos do processo. No

entanto, os grupos continuaram apresentando os mesmos argumentos

anteriores, sem mencionar aspectos químicos que pudessem ser usados a

favor de cada uma das posições defendidas

No final do júri, a professora solicitou que os grupos listassem

rapidamente seus argumentos em termos químicos, históricos, sociais,

econômicos dizendo se Haber merecia ou não o prêmio. Nenhum argumento

ou aspecto novo foi mencionado neste momento final.

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Disciplinas e Aspectos

A atividade do júri simulado, a partir do contexto do desenvolvimento da

síntese da amônia, favorecia que vários aspectos de NC fossem evidenciados,

uma vez que a controvérsia envolvia vários fatos históricos, políticos,

econômicos e da vida de Fritz Haber. No entanto, aspectos das disciplinas

Cognição e Psicologia não foram mencionados.

Ao todo foram 24 citações das disciplinas: Filosofia;; Sociologia, História,

Antropologia e Economia. A Filosofia foi identificada 11 vezes, relacionada aos

aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘processo de produção do

conhecimento científico’;; ‘práticas científicas’ e ‘objetivos da Ciência’. A

disciplina Sociologia foi citada sete vezes, destacando os aspectos: ‘Ciência

como prática social’;; ‘como a Ciência alcança o status social’ e ‘como a Ciência

é reconhecida’.

As demais disciplinas foram citadas duas vezes cada: Antropologia em

relação aos aspectos: ‘trabalho científico como forma de ação social’ e

‘desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de

produção cultural’;; História, relacionada ao ‘desenvolvimento da Ciência’;; e

Economia à ‘distribuição dos recursos necessários à produção do

conhecimento científico’.

Portfólios

No geral, os portfólios produzidos a partir da atividade do júri simulado

continham especialmente relatos sobre a dinâmica do julgamento e das

contribuições proporcionadas pelo trabalho. Estes estavam relacionados

principalmente ao favorecimento de visão mais autêntica da Ciência a partir do

contexto histórico. Ana, por exemplo, destacou que todo o trabalho realizado,

especialmente a atividade relacionada à história de Haber, favoreceu o

desenvolvimento de uma visão mais ampla e humana da Ciência:

“Nos encontros anteriores do PIBID, muito se discutiu sobre aspectos como a história e a natureza do conhecimento científico, bem como a importância de se conhecer esses aspectos para se conceber uma visão

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mais ampla e humanizada da Ciência. Todos estes aspectos foram se esclarecendo ao longo dos encontros. Contudo, eles se tornaram mais nítidos ao ler a história de Fritz Haber.” (Ana)

Clara também relatou que, a partir da controvérsia histórica debatida, foi

possível compreender mais sobre como é a Ciência e de seu processo de

desenvolvimento:

“...o que valeu mais neste trabalho foi a possibilidade de conhecer mais uma história fascinante, onde um cientista que se tornou bastante reconhecido é tido por uns como herói e por outros como assassino de massas. Assim, a cada atividade nós nos aproximamos mais do que realmente é a Ciência e de como ela é construída realmente.” (Clara)

Além do conhecimento sobre Ciências, alguns licenciandos expressaram

que a atividade proporcionou que habilidades como a argumentação e análise

crítica fossem desenvolvidas. Por exemplo:

“Essa atividade proporciona desenvolver várias habilidades como a capacidade de argumentação, senso crítico, saber se posicionar perante a uma história, saber questionar, etc.” (Camila)

“Sobre esse tipo de atividade, acho que ela é muito favorável para desenvolver habilidades referentes à argumentação, habilidades que podem favorecer o pensamento critico dos alunos, habilidade de escrita... Gostei muito de realizá-­la, foi a atividade que mais me motivou ao longo desses três meses de projeto.” (Luiza)

Nos documentos, os licenciandos novamente declararam que o trabalho

a partir da História da Ciência os motivou a utilizar a mesma no ensino, visto

que a partir dela a Ciência pode ser retratada de forma real. Para Clara,

histórias como a de Haber podem, por exemplo, retratar as relações

estabelecidas e o desenvolvimento não linear do processo científico:

“Em geral, foi uma ótima experiência, e a partir dela pude concluir que algumas histórias, tais como a de Haber, se levadas para o ensino, podem mostrar aos alunos que na

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Ciência existem certas controvérsias e que ela não acontece de forma linear. O aluno que tiver contato com tal história poderá se posicionar a favor ou contra Haber e, mais do que isto, poderá perceber que os conhecimentos científicos existentes podem ser construídos a partir de contribuições e aperfeiçoamentos.” (Clara – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo)

Assim como Clara, Ana e Júlia também argumentaram sobre os

benefícios da História para o Ensino de Ciências:

“Neste sentido, penso que é muito válido utilizar a história de Haber para ensinar Química. Além da possibilidade de abordar inúmeros conteúdos, é possível abordar aspectos inerentes à natureza do conhecimento científico...” (Ana)

“Humanizando a Ciência, através da história, os alunos se tornam muito mais próximos desta, o que dá um significado para o aprendizado, já que eles veem que o conhecimento científico não é apenas uma ferramenta que lhes permite ascensão social e econômica, mas sim que engrandece a cultura destes, tornando-­os cidadãos que sabem atuar na sociedade de forma crítica e reflexiva, que se posiciona a partir de suas concepções e convicções.” (Júlia)

Quanto aos aspectos de NC, não foram identificadas citações em todos

os portfólios, visto que alguns licenciandos apenas relataram sobre a atividade

do júri sem refletir sobre os elementos da Ciência envolvidos no contexto.

Naqueles em que a reflexão se fez presente, principalmente nos portfólios de

Ana, Júlia e Clara, foram mencionados aspectos relacionados, por exemplo, ao

‘processo de produção e desenvolvimento da Ciência’, e às suas ‘práticas

científicas e coletivas’:

“Ao ler sobre o estudo realizado por Haber ao longo de 10 anos, foi possível constatar o caráter não linear e descontínuo da Ciência. É comum a concepção de que o trabalho de um cientista se resume a levantar uma questão, elaborar hipóteses e realizar experimentos que surpreendentemente irão fundamentar estas hipóteses, fazendo com que estas se tornem “verdades”. Ao

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averiguar o trabalho que Haber e de cientistas anteriores, é possível perceber que a Ciência está imbuída de tentativas frustradas, resultados que nem sempre correspondem às expectativas, e vários outros obstáculos.” (Ana – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir ou entender o conhecimento científico;; História: desenvolvimento da Ciência e provisoriedade da Ciência)

“As principais características da Ciência foram muito bem trabalhadas e demonstradas, como: o cientista que quase nunca trabalha isolado;; os diversos valores (políticos, sociais, econômicos, religiosos) que interferem na Ciência;; a necessidade de provas e contraprovas na Ciência, que determinam quem terá a voz mais próxima da “verdade”;; a importância do trabalho coletivo (no caso da síntese da amônia, que se deveu a isso, e no caso da construção dos nossos argumentos);; a importância da publicação dos trabalhos científicos, pois, sem isso, o Haber não teria o auxílio das teorias de Le Chatelier e Nernst;; entre outras.” (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: natureza do conhecimento científico, processo de validação conhecimento científico, processo de aceitação do conhecimento científico e processo de comunicação do conhecimento)

Nos portfólios deste encontro, foram identificadas 19 citações a aspectos

de NC relacionados a todas as disciplinas, exceto Psicologia. Aspectos da

Filosofia foram citados nove vezes, estando relacionados a: ‘natureza do

conhecimento científico’;; ‘processo de produção do conhecimento científico’;;

‘processo de validação do conhecimento científico’;; ‘processo de aceitação do

conhecimento científico’;; ‘processo de comunicação do conhecimento científico’

e ‘objetivos da Ciência’. A Sociologia foi mencionada quatro vezes, todas

envolvendo o aspecto ‘Ciência como prática social’.

Antropologia foi identificada duas vezes em relação ao aspecto ‘trabalho

científico como forma de ação social’, como em:

“Outra reflexão concebida pelas leituras é que muitas vezes o conhecimento é produzido a partir das necessidades da sociedade. O contexto de Haber era caracterizado pelo monopólio por parte da Inglaterra, do

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

146

salitre e do guano (produtos utilizados como fertilizantes) oriundos do Chile e Peru. A Prússia necessitava importar grandes quantidades desse produto. Sendo assim, uma alternativa à utilização dos mesmos necessitava ser criada.” (Ana – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

A História também foi mencionada duas vezes, envolvendo aspectos

diferentes: ‘desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo’ e

‘provisoriedade da Ciência’. Cognição e Economia foram citadas ambas uma

vez, respectivamente em relação aos aspectos ‘como as pessoas pensam ao

adquirir, produzir ou entender o conhecimento científico’ e ‘distribuição dos

recursos necessários à produção do conhecimento científico’:

“A história de Fritz Haber também é um exemplo nítido de que cientistas não são pessoas sozinhas e solitárias. Haber contou com a ajuda de outros cientistas para que seus estudos pudessem progredir, como Carl Bosch, que contribuiu no sentido de viabilizar a produção de amônia em larga escala. Além disso, Haber contou com o apoio financeiro da empresa BASF para realizar sua pesquisa.” (Ana – Sociologia: Ciência como prática científica;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

O gráfico 4.8. apresenta as disciplinas mencionadas por cada

licenciando. Ele evidencia a significativa participação de Ana como a

licencianda que mais vezes mencionou as disciplinas analisadas;; seguidas de

Clara, Júlia e Luiza.

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147

Gráfico 4.8. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina identificadas nos

portfólios do 12º encontro.

13º ENCONTRO – O VEREDITO

O 13º encontro do projeto (último analisado neste trabalho) foi realizado

para apresentação do veredito do júri e discussão geral dos aspectos de NC

abordados durante a atividade, destacando a relevância do trabalho com a NC,

a História da Ciência e a Argumentação.

A professora coordenadora e a professora Rosária explicaram que para

determinarem o veredito, inicialmente foram selecionados todos os argumentos

utilizados nos três momentos do júri (argumentação inicial, réplica e tréplica)

sendo analisados a partir dos seguintes critérios: (i) se o argumento tinha

justificativa e evidência;; (ii) se as justificativas e evidências apresentadas eram

fortes ou fracas;; (iii) se o contexto histórico utilizado era relevante para a

argumentação;; e (iv) se os licenciandos realizaram algum tipo de inferência.

Todos os argumentos foram organizados em uma planilha e analisados por

professores e pesquisadores participantes de nosso Grupo de Pesquisa. A

partir da análise, determinou-­se qual grupo foi melhor em cada momento do júri

e chegou-­se ao veredito final.

1 1

4

2 2

11 111

2

1 1

0

1

2

3

4

5

6

Aline Ana Camila Clara Hugo Júlia Luiza Maria Sofia Vitória

Qua

ntidad

e de Citações por Disc

iplin

a

Licenciandos

História

Filosofia

Antropologia

Economia

Cognição

Sociologia

Psicologia

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

148

Para iniciar as discussões, a professora solicitou que um representante

de cada grupo explicasse como foi a estratégia de trabalho e elaboração dos

argumentos. O licenciando 5 (grupo de Acusação) esclareceu que, ao ler os

textos, seu grupo observou que um dos argumentos mais fortes para acusar

Haber era utilizar sua participação na guerra e em suas consequências. Clara,

componente do mesmo grupo, explicou que era difícil negar que ele não

merecia o prêmio por causa da guerra, pois para ela Haber havia, de fato,

contribuído para a síntese da amônia. O licenciando 5 retomou a palavra e

explicou que alguns fatos foram omitidos pelo grupo:

“Acabou que nós tivemos que omitir alguns fatos também. Por que, por exemplo, após ler o testamento do Nobel, lá falava que destinava o prêmio a pessoas que fizeram de bom, mas que desse continuidade a alguma coisa. E isso o Haber fez.” (Licenciando 5)

Ele também relembrou que a professora havia solicitado que focassem

nos argumentos químicos, mas que isso foi difícil para o grupo, pois sobre isso

não havia o que questionar. E, além disso, uma das estratégias traçadas pelo

grupo era nunca atacar utilizando argumentos sobre síntese da amônia, o que

foi muito difícil para o grupo, pois alguns integrantes eram totalmente a favor da

concessão do prêmio.

Neste momento, Ana (grupo de Defesa) explicou que o grupo já

esperava que a Acusação utilizasse, por exemplo, argumentos da participação

na guerra. Por isso, haviam se preparado utilizando o nacionalismo de Haber:

“Tinha esse contexto nacionalista. Era a nação dele. Ele fez milhões de coisas pela Ciência, para pátria que ele amava tanto.” (Ana – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social;; Filosofia: objetivos da Ciência)

Além disso, Ana explicou que vários outros soldados haviam morrido na

guerra e que ela concordava com Haber em relação às armas químicas não

serem diferentes de outras armas:

“E quanto à morte de milhares de outras pessoas de outros lugares, a gente pensou que vários soldados

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alemães morreram do mesmo jeito e por outros tipos de armas. A vida deles não foi poupada por que eles não morreram por armas químicas. Se for olhar por essa lógica outras pessoas também deveriam ser acusadas como criminosos de guerra, por isso. Haber falava isso. E eu concordo. Uma arma química não é diferente de qualquer outro tipo de arma.” (Ana)

A partir da discussão sobre o contexto histórico, a professora questionou

porque eles acharam tão importante retratá-­lo e porque o grupo de Defesa não

utilizou argumentos sobre a síntese. Júlia (grupo de Defesa) esclareceu que o

grupo quis contar mais sobre a história do que aconteceu e não tinham

pensado que o foco era a química do processo. A licencianda 1 (grupo de

Acusação) também se manifestou, justificando que:

“A gente viu que o contexto do Haber era muito mais interessante do que ficar falando puramente aspectos químicos. Por que o que diferenciava um pesquisador de outro em termos de aspectos químicos... não era uma coisa muito diferente. Por exemplo, era um catalisador.” (Licencianda 1)

Neste momento, Ana enfatizou exatamente esta contribuição de Haber:

“Acho que ele teve a sacada certa do que dizia respeito à pressão, temperatura e essas coisas para chegar num resultado satisfatório. Que fosse viável e num projeto executável. Eu acho que isso que diferenciava o trabalho dele, nem tanto pela reação assim.” (Ana – Filosofia: processo de produção;; Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico).

Júlia também acrescentou que Haber teve a habilidade de desenvolver a

síntese em altas pressões, o que Le Châtelier não havia conseguido. Neste

instante, a professora Rosária perguntou por que eles haviam citado Le

Châtelier com tanta frequência. Clara esclareceu:

“A gente, da Acusação, focou mais nele, por que teve um texto que a gente leu que falava que ele tinha esse conhecimento e só parou por causa de uma explosão que teve. Ele não tinha os reatores. Não teve equipamentos

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150

necessários que suportasse isso.” (Clara – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Após essa discussão inicial, as professoras apresentaram alguns dos

argumentos mais relevantes utilizados pelos grupos para exemplificar a análise

feita e apresentar o veredito. Como o objetivo de nosso trabalho não é julgar

qual grupo foi o ‘vencedor’, optamos em apresentar, no quadro 4.2, apenas

dois exemplos da análise dos argumentos iniciais de cada grupo. A análise

completa destes dados pode ser encontrada em Justi e Mendonça (2016).

Grupo Síntese do argumento Afirmativas do grupo Evidência Observações

Acusação

Haber não trabalhou sozinho

Desta forma, o único empecilho para Le Châtelier foi a falta de equipamentos resistentes à altas pressões e temperaturas. Haber ao associar-­se à empresa BASF dispôs de tais equipamentos, e somente devido a isto, e principalmente à ajuda de Bosch a síntese em escala industrial foi possível.

Fraca

As evidências são verdadeiras (a menos a de que foi a BASF que se associou a ele, não o contrário), mas não desmerecem o reconhecimento do trabalho de Haber. Em seu discurso, ele mesmo destacou várias contribuições recebidas de outros cientistas.

Defesa Haber era

um grande cientista

... um dos maiores físico-­químicos conhecidos até hoje, tendo aprendido quase tudo sozinho. Apesar de todas as dificuldades encontradas na nova cidade, Haber superou todas elas e, por isso, destacou-­se por suas grandes qualidades, entre elas: enorme capacidade de trabalho, tenacidade, rigor exaustivo, grande conhecimento teórico e capacidade associativa. Ele também lecionava assuntos diversos como química dos gases, corantes e eletroquímica.

Forte Síntese do caráter e das qualidades de Haber.

Quadro 4.2. Exemplos da análise dos argumentos iniciais.

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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151

Durante a discussão, elas esclareceram alguns entendimentos

inadequados sobre os fatos históricos, justificando a classificação dos

argumentos e apresentando outros que poderiam ter sido utilizados, como os

de fundamento químico. A não apresentação de argumentos envolvendo

aspectos químicos levou a professora a questionar os licenciandos se eles

haviam realmente entendido a parte química. Júlia respondeu que não

acharam a parte química tão relevante por imaginar que o júri era composto por

pessoas leigas. A licencianda 4 completou que, nos textos, o caráter de Haber

também estava mais evidente do que as partes químicas. Então a professora

enfatizou que o julgamento estava avaliando o merecimento ou não do prêmio

pela síntese da amônia, isto é, pela produção do conhecimento relacionada ao

processo químico.

Ao final da discussão sobre a análise dos argumentos utilizados nos três

momentos do júri, as professoras apresentaram as considerações para cada

um deles. Na argumentação inicial foi destacado que ambos os grupos

apresentaram pontos positivos e negativos, mas sem que nenhum deles

tivesse sido mais convincente. Por outro lado, na réplica e na tréplica, no geral,

o grupo da Defesa foi melhor na argumentação, apesar de não evidenciar quais

foram as reais contribuições de Haber que o tornariam merecedor do Prêmio

Nobel.

Como conclusão, o júri avaliou que, apesar de nenhum dos grupos ter

usado argumentos químicos, que seriam essenciais na discussão do

merecimento do prêmio, considerando os aspectos argumentativos, o grupo da

Defesa havia argumentado melhor. No entanto, apesar disso, a Defesa não

apresentou argumentos que evidenciaram e convenceram o júri de que Haber

foi o responsável pela descoberta da síntese. Então, em uma situação real, a

não utilização dos argumentos químicos faria com que a corte fosse adiada

para apresentação de mais provas convincentes.

O encontro foi concluído com considerações dos licenciandos sobre o

veredito, suas dificuldades no trabalho e dos erros cometidos durante o júri.

Eles também destacaram a importância da atividade no desenvolvimento da

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152

habilidade de argumentação e a relacionaram com suas futuras práticas em

sala de aula. A professora coordenadora encerrou o encontro relembrando a

importância da História da Ciência para contextualizar a NC e os conteúdos

químicos.

Disciplinas e Aspectos

Durante o encontro para divulgação do veredito do júri simulado, foram

poucos os momentos em que os licenciandos mencionaram aspectos de NC.

Apenas no início do encontro, quando explicaram sobre as estratégias

utilizadas no júri, 10 aspectos de NC foram identificados.

A Filosofia foi identificada em cinco momentos relacionada ao ‘processo

de produção do conhecimento científico’;; aos ‘objetivos da Ciência’ e à

‘natureza do conhecimento científico’. A Antropologia foi citada duas vezes, por

menção ao aspecto ‘trabalho científico como forma de ação social’. As demais

disciplinas foram citadas uma vez cada, Cognição (‘o que as pessoas pensam

ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico’) e Economia e

Sociologia, nas seguintes falas:

“Não que os outros cientistas tivessem menos conhecimento. A questão é de que ele teve o financiamento.” (Júlia – Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

“O conhecimento Le Châtelier já tinha e sabia que em alta pressão ia dar certo. Já sabia o que tinha que fazer. Só não tinha o que fazer. Então, o Haber teve a qualidade nisso. Não que Le Châtelier não soubesse. A questão era em larga escala.” (Júlia – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Portfólios

Ao final da primeira parte do projeto (analisada neste trabalho) ficou

evidente que os portfólios produzidos apresentaram muito mais reflexões sobre

as atividades e discussões realizadas. Tal fato foi comprovado pelos

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documentos elaborados após o 13º encontro, no qual os licenciandos

expressaram, principalmente, depoimentos sobre os conhecimentos adquiridos

e habilidades desenvolvidas com a participação nas atividades do projeto. Ana

e Sofia, por exemplo, relataram que as atividades envolvendo História

favoreceram o conhecimento sobre a Ciência:

“Ao longo de todo o processo vivenciado no PIBID, foi possível aprender muito sobre a natureza do conhecimento científico. Se antes eu possuía uma visão limitada sobre Ciência, agora esta foi ampliada em virtude das discussões e atividades realizadas.” (Ana)

“Após os últimos encontros, foi possível notar uma evolução no meu modo de ver a Ciência. Com esses encontros e principalmente as discussões que o grupo vem tendo, é possível analisar situações e trocar opiniões que são importantes para o nosso amadurecimento pessoal e evolução na nossa visão científica.” (Sofia)

Outros, como Hugo e Camila, destacaram a importância da atividade no

desenvolvimento de habilidades relacionadas à prática docente, como a

argumentação e o senso crítico:

“Para mim, foi muito produtivo participar deste “julgamento”, pois esse foi um momento em que pude analisar minha postura no momento de defender uma ideia. Percebo que tenho que evoluir mais nesse aspecto para quando eu estiver exercendo a docência conseguir trabalhar melhor as informações com meus alunos.” (Hugo)

“Com as atividades realizadas nos encontros, eu percebi que podemos desenvolver várias habilidades como futuros professores e nos alunos, para quem iremos transmitir nossos aprendizados. Essas habilidades que desenvolvemos ao longo desse período são de criatividade, senso crítico, tomar decisões conscientes, etc.” (Camila)

Especialmente nesses portfólios, os licenciandos reconheceram a

possibilidade de utilizar o contexto histórico no ensino de Ciências para

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favorecer compreensão do processo de produção do conhecimento e dos

conteúdos químicos. Clara e Camila relataram:

“Sem dúvida, seria maravilhoso poder inserir esta história no ensino. Primeiramente porque o aluno aprenderia de forma contextualizada, de modo a observar como o contexto histórico também pode influenciar nas descobertas científicas...” (Clara)

“Com essas atividades e as discussões, posso perceber que a História da Ciência não é uma disciplina a mais a ser introduzida e sim um complemento;; que dentro da própria história podem ser abordados os conteúdos da disciplina, nesse caso, Química.” (Camila)

Nestes portfólios, além da descrição e reflexão do encontro, foi solicitado

pela professora que licenciandos definissem e caracterizassem como viam a

Ciência naquele momento. Ana e Júlia reconheceram a tarefa como difícil:

“Tenho convicção de que não seja possível atribuir uma definição exata para o que é Ciência, pois qualquer tentativa de fazer tal coisa, talvez acabe por criar uma imagem minimalista e limitada desta.” (Ana)

“Primeiramente, é preciso deixar claro que, com tudo o que aprendi até agora, eu sei que não há como definir o que vem de fato a ser a Natureza do Conhecimento Científico.” (Júlia)

Mas, no geral, todos conseguiram apresentar características da Ciência

discutidas durante os encontros, como: Ciência como prática social;; Ciência

como forma de produção cultural;; Ciência influenciada por fatores sociais,

políticos e econômicos. Além disso, muitos licenciandos mencionaram sobre

práticas e processos científicos.

Alguns licenciandos utilizaram exemplos de casos discutidos no projeto

na caracterização de suas visões. Tal fato que pode ser considerado uma

evidência de que os textos lidos e as atividades nas quais eles participaram

favoreceram o desenvolvimento do conhecimento sobre Ciências. Ana, por

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

155

exemplo, citou as pesquisas de Haber e Diesel ao comentar sobre os objetivos

da Ciência e de como ela é influenciada pelas necessidades da sociedade:

“Muito daquilo que os cientistas se propõem a estudar não provém de ideias aleatórias, e sim de alguma necessidade, como é o caso de cientistas como Fritz Haber e Diesel. O primeiro enxergou a síntese da amônia como uma possibilidade de aumentar as fontes de nitrogênio, componente importante para a produção de fertilizantes, que era uma necessidade no período histórico em que este cientista se encontrava. O segundo propôs um motor que utilizava como princípio o Ciclo de Carnot, com o objetivo de aumentar a eficiência das máquinas, dado que a eficiência das máquinas a vapor disponíveis até então era muito baixa. Neste sentido, podemos notar que a conhecimento não se desenvolveu ao longo do tempo de forma espontânea e natural. Ao contrário, existiram e ainda existem fatores sociais que impulsionam o avanço da Ciência.” (Ana – Filosofia: objetivos da Ciência;; Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

Clara também utilizou o contexto da síntese da amônia para abordar as

relações estabelecidas durante o processo de produção do conhecimento

científico, ou seja, caracterizar a prática social da Ciência:

“O produto da Ciência, ou seja, o conhecimento científico, pode ser realizado a partir de contribuições e aperfeiçoamentos, como no caso da síntese da amônia, em que outros cientistas já haviam tentado sintetizar em larga escala, e já tinham certos conhecimentos. A partir de aperfeiçoamentos, Haber pode realizar a síntese. Além disso, é comum a parceria, como no caso de Haber, que teve apoio da empresa BASF para desenvolver equipamentos que resistissem a altas pressões e temperaturas.” (Clara – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento da Ciência;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Ao abordarem a característica humana da Ciência, alguns licenciandos

apresentaram visões distorcidas sobre os cientistas e fatos reais relacionados à

vida deles. Isto pode ser evidenciado, por exemplo, em:

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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156

“As visões sobre os cientistas que muitas pessoas possuem são, principalmente: que eles são isolados, doidos, superdotados, viciados em trabalho, só realizam experimentos o tempo todo etc. Mas com as discussões realizadas durante este período do projeto, eu pude perceber que não, é como se isso tudo fosse mentira. É claro que vão existir os cientistas que se encaixam nestas características, o que nós (professores em formação) precisamos saber para mostrar a nossos futuros alunos é que não são todos assim.” (Júlia – Filosofia: natureza da Ciência)

“Os textos que lemos e discutimos nos encontros mostram Ciência como algo que qualquer pessoa pode fazer e descobrir. Vi também a ciência muito mais humanizada, e não como algo impossível de se alcançar, como muitas vezes, até hoje, é tratada por alguns. Vi que cientistas levam vidas normais (tem famílias, filhos, tem trabalhos e obrigações) e enfrentam obstáculos normais (falta de dinheiro, falta de recursos, falta de materiais e falta de apoio).” (Sofia – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Outra reflexão a ser destacada foi o reconhecimento das licenciandas,

Aline e Luiza sobre a importância da adequada compreensão de Ciência pelos

professores e da necessidade de formação docente que favoreça esse

desenvolvimento:

“Um docente não pode ensinar Ciência se tem concepções distorcidas sobre a mesma. É preciso que o docente adquira concepções mais adequadas sobre Ciências, para repassar seu conhecimento de forma coerente, uma vez que o mesmo é o porta voz da Ciência na sala de aula.” (Aline)

“Nas salas de aulas esse processo da discussão da Ciência não é focado, é algo que os professores ignoram e passam despercebidos. Acredito que isso aconteça pelos mesmos não possuírem uma preparação durante a graduação para trabalhar esse tema. Acredito que essa formação que eu passei no PIBID durante esse semestre me fez perceber e refletir como posso trabalhar com a história da Ciência em sala de aula. Como exemplo, as peças de teatro que foram apresentadas, há aspectos

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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variados discutidos nelas que colaborariam para discutir o que é Ciência e como se faz a Ciência.” (Luiza)

Nesses últimos portfólios produzidos analisados neste trabalho, foram

identificados 50 momentos nos quais os licenciandos mencionaram aspectos

de NC relacionados às disciplinas: Filosofia, História, Sociologia, Antropologia,

Economia e Cognição. Aspectos da disciplina Filosofia foram identificados 27

vezes, relacionados a: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘práticas

científicas’;; ‘objetivos da Ciência’;; ‘processo de produção do conhecimento

científico’;; ‘processo de validação do conhecimento científico’ e ‘processo de

comunicação do conhecimento científico’. Os aspectos ‘processo de validação

e comunicação do conhecimento científico’ foram identificados, por exemplo,

em:

“É importante ressaltar também que, em Ciência, para que uma ideia seja considerada verdadeiramente um fato, é necessário haver o convencimento dos pares, isto é, ao propor uma ideia deve-­se respaldá-­la com toda espécie de argumentos plausíveis do ponto de vista científico para que a comunidade científica possa considerá-­la válida.” (Ana – Filosofia: processo de comunicação do conhecimento científico e processo de validação do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social e como a Ciência é reconhecida)

A disciplina História foi identificada nove vezes, quando foram

mencionados os aspectos ‘desenvolvimento da Ciência’ e ‘provisoriedade da

Ciência’. Sociologia foi citada cinco vezes, todas envolvendo o aspecto ‘Ciência

como prática social’. As demais disciplinas Antropologia, Economia e Cognição

foram identificadas três vezes cada. Os aspectos destacados em cada uma

delas foram: Antropologia, ‘trabalho científico como forma de ação social’;;

Economia, ‘distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento

científico’;; e Cognição, ‘como as pessoas/cientistas pensam ao adquirir,

produzir e/ou entender o conhecimento científico’. Este último pode ser

exemplificado no texto de Vitória:

“Entendo ciência como um estudo que cria hipóteses para explicar algo;; executa essas para observar se tem falha,

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se é boa para explicar alguma(s) característica(s) ou até mesmo se está completamente errônea;; avalia os seus resultados e cria modelos capazes de representar algum(s) aspecto(s).” (Vitória – Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Exemplos para as outras disciplinas foram mencionados ao longo desta

subseção.

O gráfico 4.9. evidencia que todos os licenciandos citaram ao menos

dois aspectos de uma disciplina nos portfólios do 13º encontro, e que a

disciplina Psicologia não foi mencionada. Ana e Clara foram as licenciandas

que mais disciplinas mencionaram (cinco) e com maior variedade de aspectos

(oito).

Gráfico 4.9. Quantidade de citações dos licenciandos por disciplina identificadas nos

portfólios do 13º encontro.

QUESTIONÁRIO FINAL

O questionário final (Anexo 3) foi aplicado ao final de todo o projeto,

sendo constituído por nove questões relacionadas à Ciência, às atividades

realizadas nos encontros, às intervenções nas escolas;; e à formação de

1

2 2 2

1 1

2

3 3 3

2

5

3

2 2 2

1 1 11 1 11 1 11 1 1 1 1

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1

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3

4

5

6

Aline Ana Camila Clara Hugo Júlia Luiza Maria Sofia Vitória

Qua

ntidad

e de Citações por Disc

iplin

a

Licenciandos

História

Filosofia

Antropologia

Economia

Cognição

Sociologia

Psicologia

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

159

professores. Neste trabalho foram analisadas apenas as questões que

favoreciam investigar um possível desenvolvimento dos licenciandos quanto às

suas ideias sobre Ciências e NC: questões 1, 2, 3, 6 e 7.

Analisando as respostas dos licenciandos, foram identificadas 64

citações de aspectos relacionados à NC, conforme distribuição apresentada no

quadro 4.3. e no gráfico 4.10., que mostra o quantitativo por disciplina e

questão.

Disciplinas Nº de Citações Antropologia 7

Economia 2

Filosofia 36

História 10

Sociologia 9

Total 64

Quadro 4.3. Quantitativo de citações por disciplina nas respostas das questões 1, 2, 3,

6 e 7 do questionário final.

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Capítulo 4 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Gráfico 4.10. Quantitativo de citações por questão no Questionário Final.

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Como evidenciado pelo quadro 4.3., as disciplinas mais mencionadas

pelos licenciandos foram Filosofia (36), Sociologia (10) e Cognição (9),

enquanto as disciplinas Cognição e Psicologia não foram mencionadas. Na

sequência, apresentamos as principais ideias expressas pelos licenciandos nas

questões analisadas.

• Questão 1: Hoje, como você caracterizaria a Ciência?

A partir das respostas dos licenciandos, a Ciência é caracterizada,

principalmente, como produção humana de conhecimentos em constante

processo de evolução e transformação. Isso é evidenciado nas explicações de

Ana, Aline e Luiza:

“Eu definiria Ciência como sendo uma forma de produção de conhecimento e uma construção humana.” (Ana – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural)

“Ciência para mim é uma forma de conhecimento que pode sofrer transformações com o tempo (ex. com observação de novos fenômenos ou com novas evidências do mesmo, você pode encontrar novas evidências que modifiquem suas ideias acerca do fenômeno).” (Aline – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“A meu ver, Ciência seria todo um processo que os conhecimentos e as descobertas percorrem. A Ciência não é em si o ponto final, e sim o caminho que é percorrido.” (Luiza – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: provisoriedade da Ciência)

Alguns também demonstraram compreender que a Ciência sofre

influencias do contexto no qual é produzida, assim como de interesses

pessoais e coletivos, como exemplificado em trechos das respostas de Maria,

Ana e Clara:

“Também posso dizer que a ciência não é totalmente neutra, ela é influenciada pela cultura dos produtores e pelo contexto em que é produzida.” (Maria: Filosofia: natureza do conhecimento científico)

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“Uma vez que é produzida pelo homem, a ciência é influenciada por aspectos de caráter social, cultural, psicológicos, políticos e econômicos.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

“Desta forma, o conhecimento científico, não é totalmente objetivo, já que a influência da subjetividade do cientista, da economia, da política, etc. podem interferir no processo de produção do conhecimento científico. Além de sofrer influência, a Ciência também influencia em vários aspectos a sociedade, a economia entre outras áreas...” (Clara – Filosofia: natureza do conhecimento científico;; Economia: influência dos fatores econômicos)

Outra característica identificada se referiu aos métodos de produção da

Ciência. Camila e Clara, por exemplo, expressaram reconhecer a existência de

diversos modos de produção do conhecimento.

“Esses conhecimentos são estruturados com métodos, nem sempre iguais...” (Camila)

“Além disso, como é constituída por muitas áreas, a Ciência não apresenta um único modo de investigação. Existem situações nas quais podem ser realizados experimentos e testes, mas em alguns casos isto não é possível, como é o caso da astronomia, por exemplo.” (Clara – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Além desses elementos, os licenciandos reconhecem a Ciência como

prática social ao descrever sobre as relações envolvidas em todo seu

processo. Por exemplo, Clara ressaltou o processo de colaboração entre os

cientistas e de comunicação do conhecimento produzido:

“Os cientistas trocam conhecimentos, ou seja, o processo de construção do conhecimento científico é colaborativo. Além disso, para ser aceito, o conhecimento deve ser aprovado por uma comunidade científica. Para isto, o cientista deve argumentar bem à luz de evidências e justificativas para convencer os demais.” (Clara – Sociologia: Ciência como prática social, como a Ciência é reconhecida;; Filosofia: processo de comunicação do conhecimento científico e processo de aceitação do conhecimento científico)

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“Ela é feita por todos... os cientistas trabalham em conjunto e os conhecimentos são divulgados...” (Luiza – Sociologia: Ciência como prática social)

A partir da caracterização apresentada pelos licenciandos, parece ser

notório que, ao final do projeto, os principais aspectos relacionados à Ciência

foram compreendidos por eles. Isto porque eles conseguiram expressar

coerentemente ideias trabalhadas e discutidas durante o processo de formação

dos mesmos.

Analisando as disciplinas citadas nesta questão, foram identificados

aspectos da Filosofia, História, Antropologia, Sociologia e Economia. Dos 33

momentos em que aspectos da NC foram identificados, 15 se relacionavam à

Filosofia e abordavam: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘práticas

científicas’;; ‘objetivos da Ciência’;; ‘processo de produção do conhecimento

científico’;; ‘processo de comunicação do conhecimento científico’ e ‘processo

de aceitação do conhecimento científico’.

A História e a Antropologia foram citadas seis vezes cada,

respectivamente, em relação aos aspectos: ‘provisoriedade da Ciência’;;

‘trabalho científico como forma de ação social’ e ‘desenvolvimento do

conhecimento científico como uma das formas de produção cultural’.

A Sociologia foi citada cinco vezes, tendo sido identificados os aspectos:

‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’. O aspecto

‘influência dos fatores econômicos’ foi citado uma única vez nesta questão.

• Questão 2: O que mudou em sua visão de ciência no início do projeto

(ou quando você começou a participar dele)?

A maioria dos licenciandos reconheceu que possuía visão limitada ou

distorcida da Ciência, como Ana e Luiza. A partir dos relatos destas e de outros

integrantes do projeto, observamos que suas visões se alteraram

principalmente quanto à caracterização de cientista, as práticas científicas e os

produtos da Ciência:

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“No início do projeto, eu possuía uma visão bem limitada de Ciência. Neste sentido, eu não tinha a noção dos diferentes aspectos que podem influenciar na produção da Ciência (sociais, culturais, psicológicos...) e pensava também que havia um método científico por meio do qual a Ciência se desenvolvia.” (Ana – Filosofia: natureza do conhecimento científico, processo de produção do conhecimento científico)

“Antes do projeto eu tinha uma visão limitada do que era a Ciência. Depois de entrar e começar a participar do processo que vivenciamos, eu modifiquei a minha visão de Ciência no seguinte sentido: a Ciência se tornou para mim algo muito mais relevante do que uma forma de conhecimento, passou a ser uma forma de interpretar o mundo com outros olhos. Estudar sobre as características de Ciência me trouxe a visão de que esta é muito mais importante do que eu realmente sabia.” (Aline – Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Outros licenciandos reconheceram possuir ideias semelhantes às dos

estudantes das escolas no qual foram realizadas as intervenções12:

“O que eu pensava, não é muito diferente das respostas dos alunos que responderam o questionário que elaboramos. Eu pensava que Ciência estava relacionada à pesquisa, e que as únicas pessoas que poderiam desenvolver esses processos científicos eram os cientistas, pessoas que se dedicavam exclusivamente à pesquisa.” (Vitória – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico)

Das três licenciandas que já haviam cursado as disciplinas de Prática de

Ensino e Estágios (8º período), Júlia e Camila responderam não terem suas

visões tão fortemente modificadas. Entretanto, elas reconheceram que as

atividades do projeto favorecem o aprofundamento de seus conhecimentos

sobre Ciências. Por exemplo:

“Como já havia tido as disciplinas de Estágio e Prática de Ensino, não foi uma novidade, mas pude aprofundar e ver a importância da Ciência para a humanidade e como ela

12 Na segunda parte do projeto os licenciandos foram para escolas realizar intervenções a partir de planos de aulas preparados por eles e que tinham o objetivo de abordar a NC.

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pode ser trabalhada de maneira que favoreça o aprendizado do aluno.” (Camila)

Júlia respondeu não ter modificado suas visões de Ciências porque:

“A minha visão sobre Ciência não modificou, pois como entrei depois de cursar todas as Práticas de Ensino e Estágios, eu já possuía uma visão ampla da Ciência.” (Luiza)

Nesta questão, foram identificados oito momentos em que aspectos da

NC foram mencionados às disciplinas Filosofia e História. A disciplina Filosofia

foi mencionada seis vezes, principalmente em relação aos aspectos: ‘natureza

do conhecimento científico’ e ‘processo de produção do conhecimento

científico’. Finalmente, a Sociologia foi citada duas vezes contemplando os

aspectos: ‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida por

pessoas leigas’. Por exemplo:

“Também acreditava anteriormente que cientistas trabalhavam sozinhos, porém hoje sei que a produção do conhecimento pode ser colaborativa entre vários cientistas e áreas da Ciência.” (Clara – Sociologia: Ciência como prática social)

• Questão 3: Quais atividades mais contribuíram para que você tivesse a

visão de Ciência que tem hoje? Por quê?

No geral para os licenciandos as atividades com os kits históricos e do

júri de Haber foram as que mais contribuíram para suas visões de Ciências.

Por exemplo, Ana destacou que as atividades estimularam a análise e reflexão

das características da Ciência:

“Acredito que as atividades que mais contribuíram para que eu tivesse a visão de Ciência que possuo hoje foram aquelas realizadas ao início do período de formação, como a dos kits históricos e a do júri simulado do Fritz Haber. Isto porque nestas atividades não nos foram transmitidos uma lista de características de Ciência a serem identificadas nos casos históricos, mas, ao contrário, nós mesmos tivemos que analisar e refletir sobre quais as características inerentes à Ciência

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poderiam ser discutidas por meio dos casos históricos.” (Ana)

Enquanto Maria destacou a importância das leituras para realização das

atividades a esclarecer visões erradas que possuía sobre Ciências:

“A leitura e discussões dos textos iniciais e o júri simulado. A leitura me ajudou a esclarecer muitas visões deformadas que eu tinha, por exemplo, a de Ciência como algo pronto, e o júri me ajudou a ver a Ciência como um processo, e pude perceber aspectos que influenciam nesse processo.” (Maria – Filosofia: Ciência como processo)

Foram citadas também outras atividades, como a da Guardachuvologia

e as discussões sobre argumentação (realizadas a partir do veredito do júri).

Nesta questão foram identificados seis momentos da disciplina Filosofia

relacionados aos aspectos: ‘natureza do conhecimento científico’;; ‘práticas

científicas’;; ‘processo de produção do conhecimento científico’;; e ‘objetivos da

Ciência’. A resposta da licencianda Clara contempla a maioria destes aspectos:

“Todas as atividades e discussões foram importantes para ampliar minha visão sobre Ciência, mas algumas foram mais impactantes como: Apresentação dos kits (no meu caso Kit sobre etnografia do trabalho de cientistas): Esta atividade foi importante, pois pude perceber as diferentes formas de produção do conhecimento científico;; que os produtores da Ciência não são somente os cientistas, mas também pessoas ou órgãos que estão envolvidos, como por exemplo os financiadores;; que o conhecimento científico demanda tempo, e que pode ter aplicações ou somente teórico. Além disso, as discussões sobre os outros kits ajudaram a entender que na Ciência existem controvérsias, e que alguns conhecimentos já são caixas pretas, mas alguns ainda estão em ascensão.” (Clara – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; objetivos da Ciência e natureza da Ciência)

O aspecto ‘provisoriedade da Ciência’, relacionado à História, foi citado

uma única vez por Aline na explicação da atividade realizada nas escolas:

“Quando aplicamos nas escolas sobre os modelos, Rutherford, Bohr os alunos apresentaram grande

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dificuldade de entender seus processos evolutivos, mas com o passar das apresentações, eles começaram a vivenciar o processo de modificação dos modelos e através das evidências, entender porque tal modelo era refutado ou modificado para atender as novas necessidades.” (Aline – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

• Questão 6: Numa de nossas discussões, você foi introduzido à ideia da

“Science Eye” como uma maneira de representar as várias

características da Ciência. Você acha que a “Science Eye” lhe ajuda a

pensar nessas características? Como?

A maioria dos licenciandos reconheceu a Science Eye como uma

maneira de representar a Ciência. Para eles o modelo organiza as

características relacionadas por cada disciplina;; favorece uma visão completa

da Ciência e das possíveis relações entre as disciplinas;; e direciona as

discussões:

“Sim. Pessoalmente, acho que a Science Eye permite uma organização de ideias. Isto porque quando se reflete sobre cada uma das áreas da Ciência separadamente (Filosofia, Sociologia, História, Economia...) – que são representadas pelas cápsulas – é possível entender quais características de Ciência estão compreendidas em cada área e quais as implicações destas características para o desenvolvimento do conhecimento científico. Por exemplo, a Filosofia da Ciência compreende os aspectos epistemológicos da Ciência, o fazer científico.” (Ana – Filosofia: natureza da Ciência)

“Sim, pois a Science Eye propicia uma visão mais ampla e complexa da Ciência. Além disso, aspectos que se encontram em uma área também podem se encontrar em outras áreas. A analogia criada foi muito importante, pois possibilitou o melhor entendimento destes aspectos. Além disso, o modelo possibilita que tenhamos um “controle” sobre quais aspectos iremos discutir, e quais ainda podem ser discutidas.” (Clara – Filosofia: natureza da Ciência)

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Apenas a licencianda Júlia relatou não ter utilizado a proposta da

Science Eye, visto que para ela os textos que explicaram as características das

disciplinas foram mais úteis.

Na questão 6, foram identificados cinco momentos relacionados às

disciplinas Filosofia – quatro vezes, aspectos: ‘natureza do conhecimento

científico’ e ‘práticas científicas’ – e História – uma vez, na resposta de Aline:

“Ajuda e muito, pois a ideia da “Science Eye”, análoga a das áreas da Ciência, como uma cápsula da roda gigante, a ser preenchida à medida que novas coisas podem ser incorporadas às características de ciência. E não como uma coisa pronta e acabada, o que funciona bem para a Ciência (uma vez que esta não é acabada).” (Aline – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

• Questão 7: Se você fosse convidado a participar de uma equipe que tem

a tarefa de elaborar um programa de formação de professores voltado

para a inclusão de características sobre Ciência no ensino, quais seriam

suas sugestões? Em outras palavras, quais aspectos você acharia

essenciais de serem abordados com os licenciandos? Quais

experiências você acha que eles deveriam viver? Por quê?

Apenas as licenciandas Maria, Sofia e Clara conseguiram responder

esta questão apresentando quais características deveriam ser abordadas e de

que forma. Para elas, deveriam ser discutidos, por exemplo, o caráter humano

da Ciência, suas práticas sociais, quais fatores a influenciam, além de

elementos de seu processo de produção. Clara foi a licencianda que mais

mencionou possíveis aspectos a serem abordados:

“Entre os aspectos, acredito que os principais seriam: •A Ciência é uma produção humana, e é controlada por ele;; •O conhecimento científico demanda tempo e estudo, ou seja, não aparece de forma imediata;; •A Ciência pode ser caracterizada por várias áreas;; •O conhecimento científico pode ser produzido de forma colaborativa;; •A Ciência pode impactar várias áreas como a econômica, social, política. E estas também podem influenciar a Ciência;; •O conhecimento científico sofre evoluções e por isso, a

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Ciência não pode ser vista como verdade absoluta.” (Clara – Antropologia: desenvolvimento do conhecimento científico como uma das formas de produção cultural;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e natureza do conhecimento científico Sociologia: Ciência como prática social;; Economia: influência dos fatores econômicos)

Para abordagem destas características, Sofia sugeriu a realização de

estudos sobre a vida dos cientistas e sobre fatos atuais:

“Gostei muito das atividades que envolviam os estudos da vida dos cientistas, pois acho que elas favoreceram trabalhar vários aspectos relevantes como: a humanização, a argumentação, o contexto histórico, o trabalho colaborativo, a Ciência não como verdade absoluta, entre outros pontos importantes. Também acredito ser muito relevante estudar temas da atualidade, para auxiliar na questão de tomada de decisões como na atividade dos alimentos transgênicos...” (Sofia – História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico)

Os demais licenciandos citaram várias formas de abordagem, como

leitura e discussão de textos e criação de atividades para favorecer o

aprendizado sobre Ciência, mas não apresentaram quais características seriam

evidenciadas.

Nas respostas desta questão foram identificadas, principalmente na

resposta de Clara, as disciplinas: Filosofia, Sociologia, História, Economia e

Antropologia. Os aspectos relativos à Filosofia – ‘natureza do conhecimento

científico’ e ‘processo de produção do conhecimento científico’ – foram citados

cinco vezes. A Sociologia foi mencionada duas vezes, focando os aspectos:

‘Ciência como prática social’ e ‘como a Ciência é reconhecida’:

“Além disso, ter acesso à Ciência em construção também é muito importante para discutir que existem visões diferente acerca de um determinado conhecimento, e que para convencer é necessário uma boa argumentação com base em evidências.” (Clara – Sociologia: como a Ciência é reconhecida)

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A ‘provisoriedade da Ciência’ (aspecto da disciplina História) também foi

citada duas vezes. Antropologia (aspecto ‘desenvolvimento do conhecimento

científico como uma das formas de produção cultural’) e Economia (aspecto

‘influência dos fatores econômicos’) foram citadas uma vez cada.

A partir das questões 1 e 7, é possível estabelecer relação entre a

caracterização da Ciência dos licenciandos e a inclusão destes aspectos no

ensino. As respostas de ambas as questões demonstram que as principais

características da Ciência foram compreendidas, como o caráter humano da

Ciência, suas práticas sociais, quais fatores a influenciam, os elementos de seu

processo de produção. Além disso, essa relação corrobora a defesa da

implementação adequada desses aspectos em práticas de ensino futuras.

A partir da análise do questionário, foi possível também traçar um

panorama do desempenho dos licenciandos por disciplina, mostrado no gráfico

4.11. Analisando o desempenho dos licenciandos, as participantes que se

destacaram e apresentam maior número de aspectos foram: Clara (22), Aline

(9), Ana e Maria (7 cada), enquanto os licenciandos em cujas respostas foram

identificados menos aspectos foram Vitória e Júlia.

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Gráfico 4.11. Quantitativo de citações por licenciando no Questionário Final.

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PANORAMA FINAL

De forma a favorecer a compreensão geral das visões de Ciência dos

licenciandos após participação das atividades propostas no projeto,

sintetizamos alguns elementos importantes para sua caracterização a partir das

disciplinas analisada neste trabalho. Também realizamos a comparação de

suas ideias iniciais de maneira a identificar indícios de um possível

desenvolvimento de seus conhecimentos sobre aspectos de NC.

Ressalvamos que seria impossível apresentar dados de cada um dos 10

licenciandos analisados, devido à quantidade de dados coletados. Outro fator

que também influenciou na não discussão das ideias de cada licenciando está

relacionado à participação dos mesmos durante os encontros, dado que

alguns, como Maria, Vitória e Clara tiveram menor participação talvez por

timidez. Nestes casos, os materiais individuais (portfólios e questionário) foram

os melhores para avaliação de suas ideias.

A disciplina Filosofia e seus aspectos foram os mais identificados em

todos os dados analisados. Tal fato é evidenciado no gráfico 4.12., que

apresenta o número de citações de cada disciplina nos encontros e portfólios.

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Gráfico 4.12. Quantitativo de citações das disciplinas nos encontros e portfólios.

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Os aspectos mais recorrentes da Filosofia foram: ‘natureza do

conhecimento científico’;; ‘processo de produção do conhecimento científico’,

‘práticas científicas’ e ‘objetivos da Ciência’, identificados desde o início do

projeto, uma vez que estão relacionados à origem e produção da Ciência –

aspectos que, de alguma forma, foram discutidos desde o primeiro encontro.

Para estes aspectos, observamos que houve evolução da complexidade em

que eles foram apresentados ao longo dos encontros. Por exemplo, nos

primeiros encontros, os aspectos ‘processo de produção do conhecimento

científico’ e ‘práticas científicas’ apareciam muito vinculados à realização de

experimentos e testes em laboratórios, como na fala de Maria e Júlia:

“Você tem que ver, tem que aplicar o que você estudou ali, você deduz que dá certo, ir lá no laboratório e fazer o teste normalmente. Vai lá faz o teste e vê se teve evolução no caso da berinjela. Você vai lá dá berinjela para o ratinho, vê se funcionou nele ou não. Depois faz testes em humanos pra vê se evoluiu o quadro ou não. E falar que foi comprovado. Se tiver evolução foi comprovado e foi benéfico.” (Maria [2º encontro] – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas;; Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científicos)

“Só não falaram de uma maneira assim: que levou para um laboratório. Mas é científico. Se é provado que ele tem determinados nutrientes, é científico.” (Júlia [2º encontro] – Filosofia: práticas científicas e processo de aceitação do conhecimento científico)

As discussões da atividade para avaliar possíveis questões científicas e

a leitura do texto Ciência e Religião – Ciência como uma forma de produção de

conhecimento contribuíram para abordar as diferentes formas de produção do

conhecimento. Isto pode ter favorecido que Ana expressasse as seguintes

ideias no questionário inicial:

“As Ciências Exatas, assim como as Ciências Biológicas possuem uma forma de produzir conhecimento que lhes é característica. Estas, se utilizam bastante da observação de fenômenos naturais e de metodologias e/ou

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experimentos que possam levar a algumas hipóteses.... Existem também estudos de caso, que também são úteis para se chegar a alguma conclusão, o que é bastante comum na Biologia. Diferente das Ciências Exatas e Biológicas, as Ciências Humanas possuem modos diferentes de se produzir conhecimento, que levam em conta aspectos do comportamento e da mente humana. Então, é necessário utilizar métodos diferentes do que são utilizados em Ciências Exatas para se chegar a teorias e hipóteses.” (Ana [Questionário Inicial] – Filosofia: práticas científicas e processo de produção do conhecimento científico)

Outros aspectos, como ‘processo de comunicação, validação e

aceitação’ foram menos mencionados, mas os casos como os de Becquerel,

Lavoisier e de Haber parecem ter favorecido a abordagem dos mesmos e o

desenvolvimento de ideias mais complexas. Ana, por exemplo, em seu portfólio

final, expressou compreender a importância desses elementos para o

desenvolvimento da Ciência, diferentemente do que ela havia manifestado

inicialmente:

“É importante ressaltar também que, em Ciência, para que uma ideia seja considerada verdadeiramente um fato, é necessário haver o convencimento dos pares, isto é, ao propor uma ideia deve-­se respaldá-­la com toda espécie de argumentos plausíveis do ponto de vista científico para que a comunidade científica possa considerá-­la válida.” (Ana [Portfólio 13º encontro] – Filosofia: processo de comunicação do conhecimento científico e processo de validação do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social e como a Ciência é reconhecida)

“Tudo tem uma explicação. As coisas não vêm do nada. Você tem que ter uma coisa que prove que aquilo é daquele jeito.” (Ana [1º Encontro] – Filosofia: processo de validação do conhecimento científico e processo de aceitação do conhecimento científico)

A Sociologia foi a segunda disciplina com aspectos mais citados pelos

licenciandos, não tendo sido identificada apenas no primeiro encontro,

conforme evidenciado pelo gráfico 4.12. Seus aspectos mais frequentemente

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mencionados foram: ‘Ciência como prática social’;; ‘como a Ciência é

reconhecida’ e ‘como a Ciência alcança o status social’. Os encontros em que o

número de citações destes aspectos foi mais expressivo ocorreram durante a

discussão da atividade Guardachuvologia (3º encontro), na apresentação dos

dois primeiros grupos da atividade Kits Históricos (Lavoisier e Casos Diversos,

8º encontro) e durante a simulação do júri (12º encontro).

Na atividade Guardachuvologia, a expressão de aspectos sociológicos

foi favorecida e os licenciandos abordaram a necessidade de o conhecimento

científico fazer parte de um corpus de conhecimento e de ser reconhecido por

uma comunidade científica. Nesta atividade, inicialmente eles afirmavam que o

trabalho tinha caráter científico, principalmente, em função de seu processo de

produção e de suas práticas. Por exemplo, durante o encontro, Ana afirmou:

“Ter levantado hipóteses, ter pesquisado. Ele não tirou do nada e falou. Ele testou tudo que ele falou. Ele colheu dados durante 18 anos, fez pesquisas, foi de porta em porta. Então, eu acho que isso é científico.” (Ana [3º encontro] – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico e práticas científicas)

Mas após a discussão, eles demostraram ter compreendido que ser

reconhecido por uma comunidade também era importante, como evidenciado

na fala de Ana:

“A gente estava discutindo uma coisa interessante, que pra alguma coisa ser aceita como científica ela tem que ser aceita numa comunidade científica. No caso, ele tinha um amigo que não aceitava aquilo. Então, por mais que você crie hipóteses sobre alguma coisa, que pra você faz sentido e que seus estudos comprovem. Se não for aceito por essa comunidade, de certa forma isso não é científico. Então se essa comunidade “de certa forma” não concordava com o estudo dele. Então, isso tornava a pesquisa dele menos científica.” (Ana [3º encontro] – Filosofia: processo de aceitação do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social)

Este aspecto da Sociologia parece ter sido compreendido pelos

licenciandos, pois ao longo do processo foram identificados outros momentos

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em que outros licenciandos demonstraram reconhecer a aprovação da

comunidade científica:

“O conhecimento científico, além de ter passado por uma série de etapas comprobatórias para seu estabelecimento, deve ser aceito pela comissão científica. Portanto, o conhecimento científico é muito bem fundamentado”. (Clara [Questionário inicial] – Filosofia: processos de validação do conhecimento científico;; Sociologia: como a Ciência alcança status social e como a Ciência é reconhecida)

“Além disso, para ser aceito, o conhecimento deve ser aprovado por uma comunidade científica. Para isto, o cientista deve argumentar bem à luz de evidências e justificativas para convencer os demais.” (Clara [Questionário final] – Sociologia: como a Ciência alcança status social e como a Ciência é reconhecida;; Filosofia: processos de validação do conhecimento científico)

Outro aspecto em que as ideias sobre licenciandos parecem ter se

desenvolvido se relaciona à prática social da Ciência. Os 8º e 13º encontros,

nos quais os casos de Lavoisier e Haber foram discutidos, favoreceram a

abordagem deste aspecto, pois neles o trabalho colaborativo dos cientistas

ficou destacado. Na citação de Clara que precede este parágrafo, é possível

identificar essa compreensão quando ela afirma que os cientistas trocam

conhecimentos e que o processo de construção do conhecimento é

colaborativo. Luiza também manifestou essa compreensão ao comentar sobre

o caso de Lavoisier.

“Ele juntamente com outros cientistas. Depois que eu vi os textos, que eu vi que teve contribuição, que eles se comunicavam e que isso foi muito importante para sistematizar a Química que a gente tem hoje.” (Luiza [8º encontro – Caso Lavoisier]

A Antropologia e o seu aspecto ‘desenvolvimento do conhecimento

científico como forma de produção cultural’ foi abordada, principalmente, nos

encontros iniciais em que o argumento cultural, para se inserir o estudo da

Química/Ciência, foi discutido. No segundo encontro (discussão do argumento

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cultural), Clara e Maria manifestaram nunca terem pensado na Ciência como

forma de produção cultural:

“Nunca! Ele até fala aqui que deve ser pensado do mesmo jeito que a música, a literatura, a arte. Só que a Ciência é ainda mais importante, um bem mais importante, do que esses outros bens culturais.” (Clara [2º encontro] – Antropologia desenvolvimento do conhecimento científico como forma de produção cultural)

“Não! Achei que era mais assim essa cultura de cinema...” (Maria [2º encontro])

No entanto, no encontro seguinte Ana evidenciou ter compreendido tal

aspecto, ao reconhecer as construções humanas como bem cultural:

“E o que a gente menos espera que seja é a parte cultural. Na verdade, a parte cultural é uma das coisas mais importantes. Por que uma das coisas que vai ficar pra história é aquilo que o ser humano construiu com a Ciência e Tecnologia durante o período que ele viveu aqui na terra. Então isso é um dos argumentos mais importantes.” (Ana [3º encontro] – Antropologia desenvolvimento do conhecimento científico como forma de produção cultural)

O outro aspecto relacionado à Antropologia, ‘trabalho científico como

forma de ação social’, foi identificado no questionário inicial, principalmente,

quando solicitado aos licenciandos que explicassem sobre como os cientistas

escolhem quais questões são investigadas. Em suas respostas, foi evidente

que um dos critérios utilizados está relacionado às necessidades e interesses

da sociedade, como exemplificado em:

“Os cientistas decidem o que vai ser pesquisado através do que está em alta, dos interesses da sociedade, dos impactos que trazem para a mesma e, assim, determinam o foco a ser pesquisado.” (Camila [Questionário Inicial] – Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

“Se o cientista quiser ser financiado para que sua pesquisa seja melhor, não é qualquer questão que será financiada, precisa haver uma aplicabilidade, um retorno

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para a população...” (Júlia [Questionário Inicial] – Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico;; Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

Além das discussões iniciais, as atividades com os kits e do júri

favoreceram o debate sobre aspectos de Antropologia. Por exemplo, tanto no

caso de Diesel quanto no de Haber, havia uma necessidade de

desenvolvimento de um produto científico por demanda da sociedade. Este fato

foi exemplificado no portfólio final de Ana:

“Muito daquilo que os cientistas se propõem a estudar não provém de ideias aleatórias, e sim de alguma necessidade, como é o caso de cientistas como Fritz Haber e Diesel. O primeiro enxergou a síntese da amônia como uma possibilidade de aumentar as fontes de nitrogênio, componente importante para a produção de fertilizantes, que era uma necessidade no período histórico em que este cientista se encontrava. O segundo propôs um motor que utilizava como princípio o Ciclo de Carnot, com o objetivo de aumentar a eficiência das máquinas, dado que a eficiência das máquinas a vapor disponíveis até então era muito baixa.” (Ana [Portfólio 13º encontro] – Filosofia: objetivos da Ciência;; Antropologia: trabalho científico como forma de ação social)

Tais exemplos evidenciam que os textos, as discussões e as atividades

realizadas favoreceram a compreensão de aspectos da Antropologia, uma vez

que os licenciandos demonstraram entendimento do trabalho científico como

bem cultural e reconheceram sua importância e utilidade para a sociedade

fazendo menção aos conteúdos dos mesmos.

Em relação à História, os aspectos ‘desenvolvimento da Ciência’,

‘desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo’ e

‘provisoriedade da Ciência’ foram mais identificados em momentos em que os

licenciandos foram solicitados a se expressar sobre Ciências e a apresentar

suas características, o que ocorreu no questionário inicial, no portfólio do 13º

encontro e no questionário final.

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A partir do questionário inicial, notamos que as três citações referentes à

História estavam relacionadas à provisoriedade da Ciência. Por exemplo:

“Algumas características que poderiam ser ditas a ele: é que a Ciência muda ao longo do tempo, que hoje em dia sabemos mais coisas que antigamente, que novas pesquisas são feitas e com isso sabemos de algo novo, que muda algumas teorias já existentes, ou mesmo complementam.” (Aline [Questionário Inicial] História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico).

“Explicaria ainda que a Ciência se estabelece diariamente e que com ela surgem os modelos tão úteis para compreendermos alguns fatos, sendo que ao decorrer do tempo esses modelos podem ser aprimorados para que se possa explicar uma situação nova.” (Clara [Questionário Inicial] História: provisoriedade da Ciência;; Filosofia: natureza do conhecimento científico).

Nas atividades que envolviam História da Ciência explicitamente (Kits

Históricos e Júri), a História foi mais frequentemente mencionada quando os

licenciandos discutiram o processo de desenvolvimento do motor a diesel e a

síntese da amônia. Ao comentarem sobre estes processos, os licenciandos

abordaram os aspectos ‘desenvolvimento da Ciência e do conhecimento

científico ao longo do tempo’, caracterizando tais desenvolvimentos como

processos gradativos, destacando as dificuldades enfrentadas ao longo dos

processos e a existência de diferentes contribuições. Dois ótimos exemplos são

encontrados no portfólio de Camila e na argumentação do grupo de Defesa

durante o júri:

“Mas uma teoria dita errada, outra pessoa pode ver e tentar. Então, isso foi uma ajuda. Igual foi, por exemplo, do Diesel. Ele contribuiu, não deu certo a dele. Mas ele é um cientista, contribuiu para que seja uma coisa mais pra frente que dê certo. Então, eu acho que isso é uma contribuição pra Ciência... É igual o Diesel. A máquina que não deu certo, mas levou outras pessoas a pesquisar e tornar aquilo algo aplicável.” (Camila [8º encontro] – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento da Ciência)

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“Eles tinham estudado à síntese da amônia, mas eles não tinham conseguido executar. E foi o trabalho de 10 anos de Haber que deu conta de superar todas essas adversidades. Por que a síntese da amônia já era um assunto que os cientistas não queriam estudar devido às grandes dificuldades que eles viam no estudo dessa síntese.” (Ana [12º encontro – argumento Defesa] – Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; História: desenvolvimento da Ciência)

No questionário final, quando os licenciandos foram solicitados a

caracterizar a Ciência, suas respostas evidenciaram que eles haviam

compreendido os progressos e mudanças da Ciência ao caracteriza-­la em

constante transformação. Por exemplo:

“A Ciência para mim é uma forma de conhecimento que pode sofrer transformações com o tempo (ex. com observação de novos fenômenos ou com novas evidências do mesmo, você pode encontrar novas evidências que modifiquem suas ideias acerca do fenômeno).” (Aline [Questionário Final] – História: desenvolvimento do conhecimento científico ao longo do tempo;; Filosofia -­ natureza do conhecimento científico)

A disciplina Economia e seus aspectos ‘influência dos fatores

econômicos’ e ‘distribuição dos recursos necessários à produção do

conhecimento científico’ foram identificados com mais frequência a partir dos

encontros destinados à preparação da atividade dos kits históricos. Durante as

discussões iniciais do projeto, a Economia havia sido mencionada apenas uma

vez pelo licenciando Hugo ao abordar sobre os recursos destinados à

pesquisa:

“Hoje é muito mais gente pra pensar, questionar e com recurso pra fazer pesquisa.” (Hugo [3º encontro] – Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Mas a partir dos encontros de preparação da atividade dos kits

históricos, os licenciandos começaram a expressar, nos debates e portfólios, a

influência dos fatores econômicos no desenvolvimento e uso do conhecimento

científico. O oitavo encontro e os portfólios relacionados ao mesmo foram os

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momentos que apresentaram o maior número de citações aos aspectos de

Economia, conforme evidenciado no gráfico 4.12. Neste encontro, foram

apresentadas as histórias de Lavoisier e Joliot, que tiveram seus trabalhos

influenciados pelos fatores econômicos. Este aspecto ficou registrado, por

exemplo, nos comentários de Aline e Ana:

“Pois como foi apresentado, Lavoisier era um nobre e cobrador de impostos que teve um laboratório muito bem equipado e conhecia pessoas da alta burguesia, o que influenciava diretamente em sua pesquisa, além da sua vida pessoal, pois sua esposa contribuiu com registros de seus trabalhos.” (Aline [Portfólio 8º e 9º encontros] – Sociologia: Ciência como prática social;; Filosofia: processo de produção do conhecimento científico;; Economia: influência dos fatores econômicos)

“Sobre essa questão da utilidade, eu pensei na história de Joliot. Por que ele chegava para os empresários e falava: Eu preciso que você financie um laboratório pra mim pra avaliar se é possível realizar a reação em cadeia. E o cara: E daí? Mas se você financiar e eu descobri que ela é possível eu posso construir um reator pra você.” (Ana -­ [8º encontro] – Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Além disso, em dois portfólios Júlia demonstrou compreender essa

relação de interesses e a necessidade de financiamentos para o

desenvolvimento de pesquisas:

“A necessidade de acordos na Ciência, que nem sempre são voluntários, é comum. Por exemplo, quando o cientista precisa de financiamento e o detentor do dinheiro necessário precisa do produto final que o cientista obterá, um acordo é feito para que ambas as partes sejam beneficiadas.” (Júlia [Portfólio 8º e 9º encontros] – Economia: influência dos fatores econômicos)

“... por exemplo, para que uma pesquisa científica consiga avançar e gerar produtos, é de extrema importância que haja um investimento de capital econômico, pois sem dinheiro, não tem como realizar procedimentos que necessitam, por exemplo, de instrumentos avançados tecnologicamente, o que auxilia o trabalho, o torna mais fidedigno.” (Júlia [Portfólio 13º encontro] – Filosofia:

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natureza do conhecimento científico;; Economia: distribuição dos recursos necessários à produção do conhecimento científico)

Comparando o único momento em que a Economia foi identificada antes

do início das atividades (“Hoje é muito mais gente pra pensar, questionar e com

recurso pra fazer pesquisa.” -­ 3º encontro) e exemplos mencionados ao longo

destas, é possível afirmar que os licenciandos desenvolveram conhecimento

sobre a influência dos fatores econômicos na produção do conhecimento e

apresentaram visões mais coerentes sobre esses aspectos.

Antes das atividades dos kits históricos e do júri, a disciplina Cognição,

especialmente o aspecto ‘como uma pessoa pensa ao adquirir, produzir e/ou

entender o conhecimento científico’ foi identificada no terceiro encontro;; e nas

respostas às questões 6 e 8 do questionário inicial. No entanto, no terceiro

encontro durante discussão sobre modelos atômicos e análise de resultados

experimentais, os licenciandos apenas citaram fatos que levaram à proposição

dos modelos, mas sem aprofundar nos raciocínios realizados. Por exemplo:

“Talvez um modelo explique melhor do que o outro. Mas não falando que o outro está errado.” (Ana [3º encontro] – Cognição: como uma pessoa pensa ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

No questionário inicial, quando questionados sobre quais características

uma pessoa deve ter para ser considerada um bom cientista, os licenciandos já

destacaram algumas qualidades (crítico, reflexivo, determinado, dedicado,

criterioso), relacionando-­as a algumas atividades exercidas por um

pesquisador:

“É necessário também possuir senso crítico e reflexivo para levantar questões passíveis de serem estudadas e também para saber ponderar o que distingue algo científico de algo que não é científico.” (Ana [Questionário Inicial] – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

“Alguns fazem para que, a partir das observações feitas acerca do experimento, possam associar com seus

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conhecimentos prévios e suas expectativas e interpretar estas observações.” (Júlia [Questionário Inicial] – Cognição: como as pessoas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

Nos portfólios redigidos após os 8º e 9º encontros, Júlia e Sofia

expressaram ideias sobre como os cientistas pensam ao avaliar resultados

experimentais e elaborar conclusões. Isto indica que as discussões destes

encontros favoreceram a expressão desse aspecto da disciplina Cognição:

“Ao mesmo tempo que da observação de experimentos associada a conhecimentos prévios são tiradas conclusões interpretativas, experimentos podem ser realizados para comprovar uma teoria anteriormente organizada.” (Júlia [Portfólio 8º e 9º encontros] – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

“Que realmente cientista tem um olhar diferente para os acontecimentos e experimentos feitos, pois ele é instigado a sempre querer saber mais, o porque das coisas estarem acontecendo e como acontecem, se caso mudar algo continuará a acontecer.” (Sofia [Portfólios 8º e 9º encontros] – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

No portfólio do 13º encontro, Clara também mencionou um aspecto da

Cognição, mas relacionado com a produção de modelos.

“Além disso, a Ciência não leva sempre a verdades absolutas, muitas vezes obtêm-­se modelos que servem para explicar determinados aspectos, o que não implica em dizer que determinado fenômeno ocorre exatamente daquela forma.” (Clara [Portfólio 13º encontro] – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

Consideramos que isto também demonstra que, diferente do ocorrido

nos encontros iniciais, os licenciandos conseguiram expressar, melhor ou de

forma mais completa, suas ideias sobre como as pessoas pensam ao adquirir,

produzir e/ou entender o conhecimento após a realização das atividades

envolvendo História da Ciência.

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Dos casos históricos, o que provavelmente mais favoreceu para que a

disciplina Cognição fosse abordada foi o do cientista Becquerel. Este permitiu

discutir como os cientistas interpretam seus resultados, como evidenciado no

comentário da licencianda Júlia durante as discussões do caso, e no portfólio

produzido por Clara:

“Aqui é a questão de fazer o experimento para comprovar a teoria. Ele já formulou na cabeça dele e depois foi provar, a partir de um experimento, que era verdade.” (Júlia [9º encontro] – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico;; Filosofia: práticas científicas)

“Neste trabalho, o que mais me marcou foi o fato de Becquerel perceber que o urânio emitia uma radiação, mas interpretou o fato como se fosse uma fosforescência invisível.” (Clara [Portfólio 8º e 9º encontros] – Cognição: como os cientistas pensam ao adquirir, produzir e/ou entender o conhecimento científico)

A disciplina Psicologia foi a menos mencionada pelos licenciandos

durante o projeto. O aspecto ‘talento e a criatividade do cientista’ foi mais

discutido durante o 8º encontro, no qual foram apresentados os trabalhos dos

kits históricos, especialmente o caso de Lavoisier.

“Ele [Lavoisier] tinha uma genialidade... Eu acredito que ele tinha uma coisa que vinha dele.” (Luiza [8º encontro] – Psicologia: talento e a criatividade do cientista;; Sociologia: Ciência como prática social)

Neste encontro, as licenciandas do grupo 1 (Aline, Luiza e Sofia) justificaram a

genialidade de Lavoisier avaliando seu interesse pelo estudo de diversas

áreas, como Biologia, Mineralogia, Química e até Direito.

Algumas semanas depois, a Psicologia só foi novamente identificada

quando Júlia se referiu a Haber durante a seleção dos argumentos do júri:

“Naquela época o cara [Haber] era muito fera, né! Ele não era especialista em físico-­química e fez o que fez. (Júlia [10º encontro] – Psicologia: o talento e a criatividade do cientista)

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Nos demais dados analisados (portfólios e questionários), foi identificado

apenas um momento em que a Psicologia foi mencionada, quando Hugo

respondeu porque alguns trabalhos científicos permanecem sendo discutidos

por anos, mas sem aprofundar sua resposta:

“Muitos trabalhos são discutidos ao longo do tempo por sua [do cientista] genialidade...” (Hugo [Questionário inicial] – Psicologia: o talento e a criatividade do cientista)

A nosso ver, aspectos relacionados à Psicologia da Ciência não são

comumente mencionados, visto que estão relacionados a fatores da produção

e uso da Ciência considerados subjetivos. No entanto, nossos resultados

mostram que o estudo de casos históricos envolvendo o contexto de criação do

conhecimento científico, como o de Lavoisier, podem favorecer que estes

aspectos sejam abordados.

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CAPÍTULO 5. O QUE CONCLUÍMOS

CONCLUSÕES

Segundo Allchin (2014), a alfabetização científica funcional é a

capacidade de compreensão e avaliação da confiabilidade das alegações

científicas para a tomada de decisões pessoais e sociais. Para o

desenvolvimento dessas habilidades, o autor propõe o uso do contexto

histórico como uma das formas de auxiliar no julgamento de situações

relacionadas à ciência a partir dos elementos da Natureza da Ciência (NC).

Sendo os professores multiplicadores do conhecimento, em nosso

trabalho, defendemos que eles tenham conhecimentos sobre o conteúdo de

NC para apresentar a Ciência a seus alunos de forma mais autêntica, de forma

a contribuir para que eles desenvolvam compreensões adequadas sobre o

significado e as características da Ciência. No entanto, estudos têm mostrado

que muitos professores possuem visões simplistas, ingênuas e estereotipadas

da Ciência (Mesci & Schwartz, 2016;; Wahbed & Abd-­El-­Khalick, 2014). Tendo

em vista as deficiências dos professores quanto o conhecimento de aspectos

de NC, neste trabalho, avaliamos o desenvolvimento do conhecimento de

conteúdo de licenciandos de Química, por meio de atividades e discussões

explícitas sobre NC utilizando fatos e controvérsias históricos da Ciência.

A partir dos resultados e da discussão dos mesmos apresentados no

capítulo anterior, com o intuito de responder nossa questão de pesquisa (Como

a participação em atividades envolvendo fatos e controvérsias históricos nas

quais são explicitados aspectos de NC pode contribuir para o desenvolvimento

do conhecimento de conteúdo sobre NC de professores de Química em

formação?), apresentamos nossas conclusões que evidenciam como as

atividades envolvendo o contexto histórico contribuíram para o

desenvolvimento do conhecimento de conteúdo de NC dos licenciandos

analisados nesse trabalho.

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Nossos resultados demonstraram que o envolvimento dos licenciandos

de forma criativa (teatro, entrevista e programa de TV) no desenvolvimento das

atividades (Kits Históricos e Júri), e as discussões geradas a partir delas

favoreceram o desenvolvimento de conhecimentos relacionados a vários

aspectos da Ciência e do processo de produção do conhecimento científico.

Nos encontros, foram identificados aspectos, como a influência dos fatores

políticos, econômicos e sociais na produção do conhecimento científico

(relacionados à disciplina Filosofia), por exemplo, nas apresentações dos casos

de Diesel, Joliot e Haber. A ciência como prática social (aspecto da Sociologia)

foi abordada no caso de Lavoisier, quando os licenciandos retrataram a

participação de sua esposa e de outros cientistas em suas pesquisas. A

influência dos financiamentos de pesquisa na produção do conhecimento

científico (aspecto da disciplina Economia) também foi discutida nas

apresentações dos casos de Joliot e Haber. Todos estes aspectos são

considerados, por diversos autores (por exemplo, Allchin, 2014;; McComas,

2008;; Wong & Hodson, 2009, 2010) como muito importantes de serem

ensinados aos alunos.

Foram identificados, neste trabalho, aspectos de todas as disciplinas

propostas pelo Modelo de Ciências para o Ensino de Ciências – MoCEC de

Justi e Erduran (2015). Mesmo aspectos das disciplinas Psicologia e Cognição,

não comumente abordadas no ensino de Ciências, foram mencionados. A

Psicologia foi identificada, por exemplo, quando das discussões sobre a

genialidade de Lavoisier e Haber em seus trabalhos, e a Cognição no caso de

Becquerel, quando os licenciandos debateram sobre a interpretação de seus

estudos sobre a radioatividade.

Nossos resultados também evidenciam que os conhecimentos

desenvolvidos pelos licenciandos se relacionaram às estruturas substantiva e

sintática, proposta por Schwab e utilizada por Shulman. A estrutura

substantiva, “variedade de maneiras pelas quais os conceitos e princípios

básicos da disciplina são organizados para incorporar seus fatos” (Shulman,

1986, p. 9), foi trabalhada quando os aspectos de NC eram abordados durante

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as atividades e as discussões em grupo. Por outro lado, a “estrutura sintática é

o conjunto de maneiras pelas quais a verdade ou falsidade, validade ou

invalidez, são estabelecidas” (Shulman, 1986, p. 9), ou seja, é a estrutura

constituída de regras para se produzir e justificar os novos conhecimentos

científicos, teorias, modelos e fazer previsões (Gilbert, 2010). Está parte

também foi abordada, pois durante todo o projeto, os licenciandos foram

estimulados a julgar a produção do conhecimento científico nas diversas

situações históricas abordadas. Segundo Grossman et al. (1989), o

conhecimento sintático é essencial na formação dos professores, auxiliando-­os

a avaliar e expor criticamente a seus estudantes as bases nas quais o

conhecimento foi construído e é aceito. Nossos resultados demonstram que o

conhecimento de ambas as estruturas foi desenvolvido, de maneira interligada,

durante as atividades dos kits e do júri simulado, pois os licenciandos

conseguiram expressar – nos portfólios, nas discussões e nas atividades – os

aspectos de NC e características da construção e validação do conhecimento

cientifico.

Destacamos que estes e outros aspectos mencionados ao longo do

capítulo anterior foram expressos pelos próprios licenciandos a partir do

envolvimento dos mesmos nas atividades. Além disso, a prática colaborativa

estabelecida entre licenciandos e a equipe do projeto também favoreceu e deu

suporte para que, muitas vezes de forma autônoma, fosse desenvolvido o

conhecimento de NC. Isso demonstra que dada a oportunidade de participar,

discutir e refletir sobre episódios históricos da Ciência, foi possível

desenvolvimento das visões de Ciências dos participantes do projeto, o que

corrobora os resultados de Lewthwaite et al. (2012) e de Niaz (2009) sobre a

utilização do contexto histórico no Ensino de Ciências, e os benefícios da

prática colaborativa elencados na pesquisa de Figueirêdo (2008).

Outra contribuição da realização deste projeto para o conhecimento dos

licenciandos está relacionada ao reconhecimento da importância do uso da

História para melhoria de seus conhecimentos sobre Ciências e como

ferramenta no Ensino de Ciências. Isto é, eles reconheceram o papel da

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História para o desenvolvimento de suas próprias visões de ciências e a

identificaram como um possível contexto para abordagem da Ciência em suas

aulas. Assim, as atividades históricas favoreceram tanto o desenvolvimento do

conhecimento de conteúdo e quanto ao conhecimento pedagógico do conteúdo

dos licenciandos (este último analisado em Silva, 2016).

Além disso, o projeto favoreceu que os licenciandos refletissem sobre

suas futuras práticas docentes. Especialmente nos portfólios e no questionário

final, muitos deles reconheceram a importância da adequada compreensão da

Ciência por professores e da necessidade de formação docente que favoreça o

desenvolvimento desse conhecimento.

No entanto, como apresentado em nossa revisão, para Bartholomew

(2004), possuir conhecimento de NC é apenas um requisito necessário, mas

não suficiente, por si só, para garantir a prática efetiva dos aspectos de NC. É

preciso também que os professores reconheçam sua importância e tenham

confiança em seus conhecimentos para incorporá-­lo no ensino. Nossos

resultados sugerem que o interesse expresso dos licenciandos em utilizar o

contexto histórico em suas futuras práticas docentes e o nível de detalhamento

dos aspectos mencionados nos materiais coletados podem ser vistos como

evidências de que as atividades realizadas contribuíram para reflexão e

conscientização da necessidade de práticas que favoreçam uma real

caracterização da Ciência e seus processos no contexto de ensino.

Apesar de nosso trabalho apresentar bons resultados relacionados ao

desenvolvimento do conhecimento de conteúdo de NC dos licenciandos a partir

do uso de fatos e controvérsias históricas, reconhecemos que existem

obstáculos para realização de atividades que envolvam o contexto histórico da

Ciência, visto a dificuldade de obtenção de materiais completos e confiáveis

sobre casos históricos. Em nossa pesquisa, isso foi identificado, por exemplo,

quando a licencianda Ana expressou vontade de conhecer mais sobre a

história de Diesel por não ter encontrado, nos materiais fornecidos,

esclarecimento sobre o porquê do nome do cientista ter sido dado ao motor,

mesmo ele não sendo seu criador.

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Capítulo 5 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

191

Outro obstáculo para realização das atividades envolvendo o contexto

histórico está em julgar os fatos à luz do contexto de outro tempo. Durante o

quarto encontro, quando Ana e Júlia discutiam sobre as “caixas pretas” da

Ciência, elas reconheceram essa dificuldade ao avaliar os fatos a partir de uma

época totalmente diferente. Isso também foi percebido durante o júri, quando

os licenciandos foram solicitados a utilizar apenas dados históricos até 1920

em suas análises e argumentos.

Nosso trabalho também se diferenciou de outros encontrados na

literatura. Por exemplo, no trabalho de Hidalgo (2009), os resultados mostram

que os licenciandos deram grande enfoque aos aspectos físicos abordados nos

textos, e pouca ou nenhuma atenção às discussões de aspectos da NC,

indicando dificuldade de compreender os aspectos abordados durante o curso.

Em nossa pesquisa, nas apresentações, principalmente do júri, os licenciandos

não abordaram os conceitos químicos como argumentos para contestar e

defender o prêmio Nobel de Haber pela síntese da amônia. Como discutido

anteriormente, estes argumentos poderiam ter sido utilizados por ambos os

grupos, o que não ocorreu. Pelas falas dos licenciandos, eles não julgaram que

tais aspectos seriam importantes. A nosso ver, isto pode indicar também um

desconhecimento do próprio conteúdo químico e/ou a não percepção de como

integrar conhecimentos de diferentes naturezas. Por isso, defendemos que, em

uma próxima oportunidade para aplicação da atividade do Júri, seria importante

que, durante o momento de preparação, os licenciandos fossem, de alguma

maneira, incentivados a pensar na importância dos conceitos químicos

envolvidos no processo. A nosso ver, isto poderia significar uma contribuição

maior da atividade para a formação dos licenciandos, visto que além do

desenvolvimento dos conhecimentos de NC, eles poderiam também aprender

os conceitos químicos numa outra perspectiva.

À luz dessas conclusões, destacamos a importância do desenho deste

projeto, inserido no subprojeto PIBID-­Química daquela Universidade, pois ele

favoreceu a participação de professores em formação em atividades que

estimularam seu desenvolvimento profissional a partir de uma preocupação

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Capítulo 5 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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explícita com aprendizagem diferenciada e com real integração da universidade

e a escola básica – característica reconhecida por alguns dos próprios

participantes. Por isso, a partir dos bons resultados obtidos, acreditamos que

atividades como as realizadas neste projeto deveriam fazer parte do período de

formação inicial de todos os licenciandos, oferecendo oportunidade para que

todos desenvolvessem adequado conhecimento de conteúdo sobre NC.

IMPLICAÇÕES

Como apresentado no tópico anterior, nossos resultados e discussões

demonstram que as atividades envolvendo o contexto histórico da Ciência

contribuíram expressivamente para o desenvolvimento do conhecimento de

conteúdo de NC dos licenciandos em Química que participaram deste estudo.

No Brasil, documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio – PCN (MEC, 2000), ao tratar das competências de

Química, contemplam ideias sobre a NC mesmo o termo não sendo

explicitamente utilizado no documento. Dessa maneira, é fundamental que os

professores possuam conhecimento de NC para que promovam um ensino de

Ciências mais adequado. No entanto, como apresentados em nossos

referencias, muitos professores possuem deficiência sobre esses

conhecimentos pela falta de oportunidade de estudar sobre eles durante sua

formação. Por isso, considerando nossos resultados e conclusões, acreditamos

que nosso trabalho apresenta contribuições significativas para a formação dos

professores sobre NC e para realização de pesquisas futuras.

A partir dos resultados positivos, a realização deste projeto nos leva a

acreditar na importância de que programas de formação de professores

criassem oportunidades para que licenciandos participassem de atividades que

abordem os elementos e processo de produção da Ciência. Dessa maneira, os

licenciandos podem desenvolver uma compreensão mais adequada das

características da Ciência e ter consciência da importância desses aspectos no

ensino. Em nosso trabalho, como discutido, as diversas oportunidades que os

licenciandos tiveram de refletir e trabalhar coletivamente para elaboração de

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Capítulo 5 DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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apresentações criativas dos fatos e controvérsias históricas foi fundamental

para o desenvolvimento de seus conhecimentos sobre vários aspectos de NC.

Ainda considerando nossas conclusões, julgamos que esses programas

devem ser planejados e conduzidos de forma a utilizar a reflexão (como

também defendido por Allchin, 2014) e o trabalho coletivo para que os próprios

licenciandos possam desenvolver seus conhecimentos e reconheçam sua

importância como mediadores dessas ideias a seus alunos.

Em termos metodológicos, nosso trabalho contribui para a literatura ao

evidenciar a importância da utilização de referencias teóricos claros e

contemporâneos tanto para a elaboração das atividades utilizadas quanto na

análise dos dados. Acreditamos que o uso da abordagem histórica proposta

por Allchin foi fundamental para criar o contexto necessário para discussão e

reflexão sobre os fatos e controvérsias que favoreceu o desenvolvimento do

conhecimento dos professores. Por outro lado, a utilização da Science Eye no

processo de análise das ideias expressas pelos licenciandos possibilitou que

identificássemos os diversos aspectos inerentes à Ciência e suas relações a

partir de diferentes perspectivas, o que não é possível em referenciais que

apresentam caráter essencialista da Ciência.

Ainda nesta perspectiva, destacamos também a importância da

utilização dos portfólios como instrumento de coleta de dados em função de

eles terem favorecido a expressão das ideias e reflexões individuais dos

licenciandos. Considerando a riqueza das análises advindas dos dados desta

fonte, defendemos que esse tipo de instrumento seja utilizado em outras

pesquisas cujos objetivos requeiram que o pesquisador tenha acesso às ideias

e reflexões individuais dos sujeitos.

Assim, finalizamos constatando nossa satisfação por termos participado

de um trabalho que oferece contribuições para a literatura tanto para a

formação dos professores;; e reafirmando nossa crença de que a inclusão de

aspectos de História da Ciência pode contribuir significativamente para o

desenvolvimento do conhecimento de conteúdo de NC de professores em

formação.

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Anexos DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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ANEXOS

ANEXO 1. QUESTIONÁRIO SONDAGEM

1. Nome

2. Ano de entrada no curso de Licenciatura

3. Nesses períodos de universidade, você fez, ou faz Iniciação Científica ou já

desenvolveu ou algum trabalho em laboratório que não as aulas práticas

das disciplinas?

( ) Sim ( ) Não

4. Em caso de resposta afirmativa na questão 3: Em que área você fez, ou faz,

Iniciação Científica ou desenvolveu algum outro trabalho em laboratório?

5. Em caso de resposta afirmativa na questão 3: Em termos de sua formação

científica, quais foram suas experiências mais significativas na Iniciação

Científica ou no trabalho no laboratório? Justifique sua resposta.

6. Em caso de resposta negativa na questão 3: Você pretende fazer Iniciação

Científica? Justifique sua resposta.

( ) Sim ( ) Não

7. Você já participou de alguma conferência científica?

( ) Sim ( ) Não

8. Em caso de resposta afirmativa na questão 7: Qual?

9. Em caso de resposta afirmativa na questão 7: O que motivou sua

participação nessa(s) conferência (s)?

10. Você já viveu alguma outra experiência que contribuiu para sua formação

científica? Identifique-­a e comente como ela contribuiu para isso.

11. Quais são suas expectativas em reação à participação no PIBID?

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Anexos DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE PROFESSORES SOBRE NATUREZA DA

CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

RACHEL RODRIGUES LIMA

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ANEXO 2. QUESTIONÁRIO INICIAL

Leia o texto abaixo:

Alessandra tem vivido um dilema. Com o corre-­corre de sua rotina, ela

não tem dado muita atenção a seus hábitos alimentares.

Desde que entrou na Universidade, há três anos, ela tem percebido um

aumento frequente de peso, algo que se acelerou ainda mais a cerca de 8

meses, quando começou a vivenciar o estresse de conciliar estudo e trabalho.

Vida pessoal? No way! Nesse período, a cada fim de semestre, Alessandra se

matriculava em uma academia, mas sua frequência ia tendendo a zero já no

primeiro mês de volta às aulas. Da última vez (dois meses atrás), ela ficou

assustada com os resultados de sua avaliação física, que indicou um

condicionamento ruim e um índice de massa corporal (IMC) correspondente à

faixa de obesidade grau I.

Realmente preocupada com sua saúde, Alessandra decidiu procurar um

especialista. Fez uma série de exames e optou por seguir rigorosamente as

orientações passadas por sua nutricionista, Dra. Beth. Além de recomendar

hábitos mais saudáveis como ingestão regular de frutas, verduras e legumes

coloridos, alimentação de 3 em 3 horas, a nutricionista orientou que Alessandra

consumisse alimentos orgânicos, pois estes seriam mais nutritivos e isentos de

agrotóxicos.

Mês passado, estando de férias da Universidade, Alessandra iniciou e

seguiu fielmente sua dieta voltada para reeducação alimentar. Ela estava bem

motivada, embora essa nova rotina tenha “pesado no bolso”. Todavia, mal

começaram as aulas e ela já está sentido grandes dificuldades em manter a

disciplina. Tendo que almoçar fora de casa, ela reconhece que não pode ter

muito controle sobre a qualidade dos alimentos que irá ingerir em suas

refeições e, por isso, faz ainda mais questão de que as frutas compradas por

ela e seus sanduíches naturais sejam predominantemente orgânicos. Esta tem

sido uma tarefa árdua, pois a disponibilidade desses produtos no mercado

ainda é limitada.

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CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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Não bastasse isso, Alessandra está muito confusa com os comentários

feitos por seus colegas. Na Universidade, dois de seus amigos que cursam

Direito lhe disseram que não acreditam que exista diferença entre alimentos

convencionais e orgânicos quanto aos aspectos nutritivos e que, com relação

aos resíduos de pesticidas, existe uma Portaria da ANVISA que regulamenta o

limite máximo de resíduos (LMR) nos alimentos convencionais tal que garanta

a qualidade destes e a segurança da população. No entanto, um outro colega

que faz Geografia e estagia no IBGE argumentou que a fiscalização dos

produtos nem sempre é confiável e que uma vez uma pesquisa feita levando

em conta dados registrados pelo IBGE nos anos de 1995 e 1996 indicou

excesso de resíduos em produtos como arroz, feijão, frutas cítricas e tomate.

Para completar, ontem, na escola onde trabalha, ela presenciou na hora do

recreio a professora de Português contando para o professor de Biologia que

viu uma reportagem no Jornal Nacional falando sobre as vantagens dos

alimentos orgânicos por serem isentos de produtos químicos. O professor de

Biologia, acrescentou que já viu várias pesquisas indicarem que o teor nutritivo

desses alimentos também é maior do que o dos convencionais. Quando ela

pensou em participar da conversa, a professora de Química interviu dizendo:

“Pra começar, nada é isento de química! Além disso, vocês ficam só

defendendo os produtos orgânicos porque nunca viram o cultivo deles. Vai lá

ver o uso de adubo natural, ou melhor, esterco animal, e depois me digam se

eles são mais limpos mesmo...”. Aí, pronto... ela começou a imaginar o que a

professora tinha dito e ficou definitivamente desesperada, completamente

perdida. Seu grande dilema se relaciona com o que fazer: apostar nos

alimentos orgânicos ou não? Estaria ela se esforçando para ter uma vida mais

saudável ou jogando tempo e dinheiro fora?

Responda as questões:

1. Como a ciência poderia ajudar Alessandra neste momento? Ou, em outras

palavras, quais características da ciência poderiam ser usadas para ajudar

Alessandra a tomar suas próximas decisões? Indique cada uma dessas

características separadamente.

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2. Em relação a cada um desses aspectos dessas características, que

argumentos deveriam ser considerados? Por quê?

3. Suponha que você tem um colega de outra área completamente diferente

da ciência e cujo único contato com ciências aconteceu na escolaridade

básica. Se você tivesse que explicar o que é ciência para esse colega, o

que diria? Quais características enfatizaria para ajudar seu colega a

desenvolver um bom entendimento sobre ciência?

4. Por que você selecionou as características mencionadas na questão 3?

5. O que uma pessoa precisa aprender para que você considere que ela

entende ciências?

6. Quais são as principais características que uma pessoa deve possuir para

ser um bom cientista? Justifique cada uma delas.

7. Como os cientistas decidem quais questões serão investigadas?

8. Por que cientistas fazem experimentos?

9. Que critérios são usados para distinguir um bom trabalho científico de outro

que é ruim?

10. Por que alguns trabalhos científicos permanecem sendo discutidos ao longo

do tempo enquanto outros são esquecidos?

11. Como os conflitos de ideia são resolvidos na ciência?

12. Quais profissionais têm, em geral, uma boa visão sobre ciências? Por quê?

13. O que distingue um conhecimento científico de um não científico?

14. O que você pensa sobre ciência influencia sua visão sobre o ensino de

ciências? Como?

15. Você já havia pensado sobre os principais aspectos enfatizados nessas

questões antes? Quando? Por quê?

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ANEXO 3. QUESTIONÁRIO FINAL

Ao longo de vários meses, discutimos muitas características da ciência e

de seu ensino. Sem consultar nenhum material, por favor, responda as

questões a seguir da forma mais completa/ampla possível.

1. Hoje, como você caracterizaria a Ciência?

2. O que mudou em sua visão de Ciência no início do projeto (ou quando você

começou a participar dele)?

3. Quais atividades mais contribuíram para que você tivesse a visão de

Ciência que tem hoje? Por quê?

6. Numa de nossas discussões, você foi introduzido à ideia da “Science Eye”

como uma maneira de representar as várias características da Ciência.

Você acha que a “Science Eye” lhe ajuda a pensar nessas características?

Como?

7. Se você fosse convidado a participar de uma equipe que tem a tarefa de

elaborar um programa de formação de professores voltado para a inclusão

de características sobre Ciência no ensino, quais seriam suas sugestões?

Em outras palavras, quais aspectos você acharia essenciais de serem

abordados com os licenciandos? Quais experiências você acha que eles

deveriam viver? Por quê?