desenvolvimento vs crescimento económico

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* Discentes da U.C de DP. Curso Educação Social – pós laboral. 3º Ano, I Semestre ENSAIO SOBRE A COMPREENSÃO / EFEITO DO DESENVOLVIMENTO E CRESCIMENTO ECONÓMICO Humberto Pires, Isabel Horta, Pascal Reis, Ricardo Palma* Resumo: As considerações que desenvolvemos neste artigo pretendem articular os conceitos de desenvolvimento e crescimento como algo que está intrinsecamente relacionado. Se bem que cada um deles, individualmente, se moldem por valências e princípios bem definidos, não será menos verdade que a ambiguidade de cada um deles só poderá ser entendida mediante uma correlação de indicadores que será essencial para uma correta análise destes conceitos, que tanto contribuem para o bem-estar e a qualidade de vida da população mundial. Palavras-chave: Desenvolvimento, Crescimento, Qualidade de vida, Recursos, Consumo, Ambiente. Abstract: The considerations developed in this article intend to articulate the concepts of development and growth as something that is intrinsically related. Although each of them, individually, is guided by clear principles, it isn’t less true that the ambiguity of each one can only be understood through the correlation of indicators that will be essential for a correct analysis of these concepts, that contribute in such extent to the well-being and quality of life of the world population. Keywords: Development, Growing, Quality of life, Resources, Consumption, Environment.

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Page 1: Desenvolvimento VS Crescimento Económico

* Discentes da U.C de DP. Curso Educação Social – pós laboral. 3º Ano, I Semestre

ENSAIO SOBRE A COMPREENSÃO / EFEITO DO DESENVOLVIMENTO

E CRESCIMENTO ECONÓMICO

Humberto Pires, Isabel Horta, Pascal Reis, Ricardo Palma*

Resumo: As considerações que desenvolvemos neste artigo pretendem articular os

conceitos de desenvolvimento e crescimento como algo que está intrinsecamente relacionado.

Se bem que cada um deles, individualmente, se moldem por valências e princípios bem

definidos, não será menos verdade que a ambiguidade de cada um deles só poderá ser

entendida mediante uma correlação de indicadores que será essencial para uma correta análise

destes conceitos, que tanto contribuem para o bem-estar e a qualidade de vida da população

mundial.

Palavras-chave: Desenvolvimento, Crescimento, Qualidade de vida, Recursos,

Consumo, Ambiente.

Abstract: The considerations developed in this article intend to articulate the concepts

of development and growth as something that is intrinsically related. Although each of them,

individually, is guided by clear principles, it isn’t less true that the ambiguity of each one can

only be understood through the correlation of indicators that will be essential for a correct

analysis of these concepts, that contribute in such extent to the well-being and quality of life

of the world population.

Keywords: Development, Growing, Quality of life, Resources, Consumption,

Environment.

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INTRODUÇÃO:

Não obstante os conceitos de desenvolvimento e crescimento terem vindo a ser

debatidos por vários autores, esgrimindo teorias e diferentes perspetivas de analisar o

fenómeno, muito associado à qualidade de vida, ao bem-estar e à capacidade de um país gerar

riqueza, é por outro lado, um tema de grande importância nas ciências socais e principalmente

para quem pretende contribuir para o desenvolvimento da condição humana per se.

Queremos sublinhar também o quanto é necessário olhar para a sociedade atual numa

perspetiva global. Sociedade esta muito virada para o crescimento económico e sem dúvida

alguma, carecedora de equidade e justiça social, muito caracterizada pela concentração de

riqueza e em que é por demais evidente a centralização de poder económico, cheio de vícios

de exploração de recursos, que por sua vez leva a segregações de classes e à exclusão dos

mais desfavorecidos. Eric Hobsbawm (2009) sintetiza este tipo de preocupação numa

entrevista à revista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da seguinte

forma:

«Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os

impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão

colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o

desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha

crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento

econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que

a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo

capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento

ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer,

haverá uma catástrofe» (Hobsbawm, s/p).

Com este trabalho, pretende-se colaborar para uma melhor compreensão das

diferentes perspetivas, tal como contribuir e fomentar para uma melhor participação e

desenvolvimento na área das ciências sociais e de todos os profissionais da educação como

ferramenta de ação que se pretende seja detentora de um conhecimento universal, atual e

histórico do tema proposto neste artigo. O objetivo deste artigo tem como pano de fundo

compreender as dinâmicas de desenvolvimento e crescimento, para desta forma contribuir

para uma defesa de políticas educacionais que favoreçam a qualidade e o bem-estar de toda a

sociedade.

Desejamos também deixar expresso algumas preocupações, com as quais o ser

humano se debate e que é fruto de erros cometidos no passado até aos nossos dias mas que

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urge combater para que esses mesmos erros se revertam em boas práticas que conduzam a

uma melhor sustentabilidade do planeta.

O CRESCIMENTO ECONÓMICO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

À volta do significado/conceito de crescimento económico

De acordo com a leitura que fizemos a propósito do conceito – O Crescimento

Económico, os autores Matos e Rovella, parafraseando Adam Smith a partir da publicação

deste no ano de 1776 de “A Riqueza das Nações”, defendem que a formação da riqueza de

uma nação nasce a partir de, «o funcionamento dos mercados e a relação da expansão dos

mesmos para ganhos de escala de produção, onde os custos médios seriam reduzidos e

permitiriam gerar lucros», (p.2). Consideram ainda estes autores que para Smith, o

crescimento económico é tido como uma das principais condições para o desenvolvimento, ou

melhor, como o próprio desenvolvimento. Singer (1997, citado por Lobo e Matos, s/d) define

crescimento económico «…em seu sentido mais amplo, como o aumento contínuo, no seu

tempo, do Produto Nacional Bruto, em termos reais. Em seu sentido mais restrito,

crescimento económico seria o aumento do produto per capita considerado para análise»,

(p.4). Por outro lado, de acordo com Estanque (s/d),

«O declínio do modelo produtivo fordista introduziu novas dinâmicas e

instabilidade de todo o tipo. A velha realidade laboral assente no crescimento

económico, nos mercados nacionais, na produção e consumo de massa, na

estabilidade do emprego, nas políticas sociais e na concertação social entrou em

crise na Europa a partir da segunda metade dos anos setenta. Os anos oitenta foram

cenário de um reforço sem precedentes da competitividade internacional, sob uma

lógica neoliberal, o que se traduziu na tentativa de implantação de modelos

produtivos de tipo lean production» (p.9).

Acresce-nos dizer no entanto que o crescimento económico tem tanto maior

importância para um dado momento, num determinado país ou região, quanto maior for a

crise económica e financeira em que essa região ou país estiver mergulhado. Estamos neste

caso a referir-nos ao nosso país e reconhecendo nas palavras de Moreira (2012)

«…a necessidade de se garantir uma expansão sustentada do potencial de

produtividade que existe na economia, utilizando os recursos existentes, que são

escassos, e combinando-os de forma a se conseguir maximizar os resultados.

Quando esse desígnio é atingido, o nível das pessoas cresce em função do aumento

do rendimento per capita, tal como cresce o emprego, na medida em que esse é um

recurso disponível, e que passa estar sujeito a maior procura. Além disso, geram-se

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maiores rendimentos para o Estado, através das várias formas de tributação sobre

capitais, pessoas e bens, e incentiva-se o investimento em novos meios de

produção, que garantem o crescimento da oferta» (p.123).

Podemos para já, em função daquilo que atrás foi referido, dizer em poucas palavras

que crescimento económico é de índole quantitativo e que, segundo Murteira (1982), citado

por Proença (s/d), tem a ver com o aumento regular do produto nacional a preços constantes.

A importância do consumo

Muito do debate em torno do crescimento é alusivo ao consumo. Giddens (2001)

refere que, «o consumo diz respeito aos bens, serviços, energia e recursos que são utilizados

pelas pessoas, instituições e sociedades», (p.614). O indicador de consumo é positivo por

indicar que existe poder de compra da população, logo, melhor qualidade de vida, consumo

esse que à medida que sejam satisfeitas sobem na pirâmide das necessidades, ou seja, o

consumo está diretamente relacionado com o desenvolvimento económico, as pessoas

poderão adquirir desta forma todos os bens que necessitam, calçado, vestuário, entre outros.

À medida que vão evoluindo as tecnologias, também as modas vão se acentuando, o

consumidor é muitas vezes impelido a adquirir o que a tendência ilustra como sendo

moderno, Campbell defende essa ideia ao afirmar que, a sociedade pós-moderna é uma

sociedade de consumo onde o significado simbólico supera o significado instrumental,

(Caetano, 2005). Podemos constatar então que, o consumo, onde o dinheiro troca de mãos

constantemente é positivo para o crescimento.

A teatralização do consumo, que Caetano menciona, tem a ver com a dicotomia

audiência – consumidor, onde «um consumidor de um produto, fazendo parte da própria

encenação montada de modo espetacular pela máquina capitalista de obtenção de lucro», ou

seja, parece estar no consumo, a resposta para a grande maioria das solicitações

contemporâneas. Este consumo individual parece associar-se à felicidade dos indivíduos que,

tendo a capacidade de adquirir bens e serviços são capazes de experienciar sensações que

Brée sustenta «que resulta da acumulação de pequenos prazeres de que se vai usufruindo (pp.

108-109).

Se analisarmos o contexto socioeconómico atual que vivemos, onde a exigência do

mercado de trabalho, as poucas horas passadas com a família, principalmente com os filhos, o

horizonte nada satisfatório reconhecido faz com que, e para quem tenha condições financeiras

para tal, recorrer à modalidade de consumo direcionada para o lazer como uma forma de

aliviar a tensão. Esta tornou-se em alguns casos, o principal móbil de motivação para o

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trabalho da população do primeiro mundo (Caetano, 2005). Este comportamento poder-se-á

relacionar com a necessidade das pessoas se manterem sãs, num contexto económico geral

nada satisfatório, onde a “fuga” para o consumo de bens e serviços associados ao lazer sejam

uma realidade necessária. Este consumo surge como uma grande alavanca do crescimento

económico.

A especulação do mercado oferece também uma dinâmica de crescimento económico

importantíssima, visto que a cotação dos produtos difere mediante a procura da mesma. Os

agentes deste tipo de mercado usam a especulação para aumentar o consumo, tal como a

valorização das ações cotadas em bolsa. É que cada bem ou produto tem um preço, um valor,

Marx (2004), «reconhece que as mercadorias só têm valor na medida em que as visa uma

procura», (…) «O preço de uma mercadoria oscila acima ou abaixo do seu valor, em função

do estado da oferta e da procura» (p.156).

Será importante compreender a importância e a influência que a especulação do

mercado tem no consumo, no que ao crescimento económico diz respeito, esta modalidade de

influência afigura-se como sendo uma arma de grande abrangência e predadora na circulação

de capital à escala global.

O PIB e as suas carateristicas / O FIB como resposta

O conceito Produto Interno Bruto (PIB) conforme afirma Damásio e Mah (2011)

«(…) como sendo a soma das produções das empresas e demais setores institucionais que

atuam num dado país menos os seus consumos intermédios, enquanto o indicador de

excelência da performance económica dos Estados» contudo, mais à frente, salienta o facto de

que «(…) o PIB traduz-se num indicador insuficiente e insatisfatório, sendo, aliás, alvo de

discussão e de problematização ao longo dos tempos, pois, na prática, o PIB não mede nem o

bem-estar nem a felicidade das pessoas» (p.4). É reconhecido então que esta medição do

crescimento económico, tem os seus constrangimentos limitativos na medida em que aponta

para dados de ótica puramente quantitativa. Mas o PIB não pode ser, segundo este mesmo

autor, o ponto fulcral de desenvolvimento ou progresso de um país. Ele apoia-se em Haq

quando este alertou para o facto de, «em certa medida, uma elevada taxa de crescimento

económico de um Estado não ser, por si só, garante de progresso social, institucional, de bem-

estar e de desenvolvimento», (p.5) salientando ainda que o próprio economista, sendo ele

paquistanês, referia-se ao seu país como «um exemplo onde se atestavam como evidentes as

discrepâncias entre a alta performance das taxas de crescimento do PIB e, opostamente, as

parcas e assimétricas condições de vida da população paquistanesa no seu grosso», (p.5). Será

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legítimo dizermos que o PIB é, sem dúvida, um indicador que tem uma utilidade reconhecida

mas que não se esgota nele a informação pretendida, essencialmente no que toca ao bem-estar

nem a felicidade dos cidadãos.

«Outra das limitações do PIB é a de não contabilizar trabalho doméstico e o

trabalho voluntariado não remunerado, subestimando, deste modo, o valor das

produções nacionais. Ainda no que concerne ao voluntariado chamamos a atenção

para um fenómeno algo contraditório. Desta feita, se uma associação, numa

determinada região, se dedicar a campanhas de saúde preventiva, daí decorrem

reduções da mortalidade infantil, bem como do número de hospitalizações, por

conseguinte, da taxa de doentes e, obviamente, do consumo de medicamentos,

logo, um aumento de bem-estar dos indivíduos. Por outro lado, do ponto de vista

económico, tal redução do consumo de medicamentos implica uma quebra no PIB,

o que, naturalmente, evidencia a ideia, referida há pouco, da escassa capacidade do

PIB em espelhar o bem-estar dos indivíduos» ( p.4).

Ora, estas e outras evidências estão hoje a ser levantadas por muitos especialistas em

economia, que no âmbito do crescimento e desenvolvimento, começam a colocar em questão

este indicador na medida em que pela sua musculosidade de dados meramente quantitativos

os padrões de vida dos cidadãos não são relevados.

É portanto nesta ordem de ideias que queremos aqui deixar bem expresso que há

outros índices que hoje estão a ser levados muito em consideração. Estamos muito

especialmente a referir-nos para já, ao índice da Felicidade Interna Bruta (FIB). Conforme

refere Silva, (2011) foi criada uma comissão no ano de 2008, presidida por pessoas tais como

Stiglitz, Sen e Fitoussi, que apresentou um relatório o qual sugere, em traços gerais que,

«(…) se dê mais ênfase ao rendimento e ao consumo do que à produção, para

permitir uma avaliação mais adequada do bem-estar material. Nesta perspetiva, a

distribuição do rendimento torna-se mais importante do que o rendimento médio

per capita. Em vez de nos focarmos no PIB, devemos focar-nos no FIB,

considerada como um indicador de bem-estar social, que exprime, num dado pais,

o “stock” de felicidade das pessoas (…)», (p.207).

A própria Organização das Nações Unidas (ONU) já aprovou, por unanimidade, uma

resolução (Resolução 65/309 de 19 de Julho de 2011), que declara entre outros aspetos o

seguinte,

«Conscious that the pursuit of happiness is a fundamental human goal, Cognizant

that happiness as a universal goal and aspiration embodies the spirit of the

Millennium Development Goals, Recognizing that the gross domestic product

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indicator by nature was not designed to and does not adequately reflect the

happiness and well-being of people in a country, Conscious that unsustainable

patterns of production and consumption can impede sustainable development, and

recognizing the need for a more inclusive, equitable and balanced approach to

economic growth that promotes sustainable development, poverty eradication,

happiness and well-being of all peoples, Acknowledging the need to promote

sustainable development and achieve the Millennium Development Goals»,

(United Nations, 2011, p.1).

Sugere então que os seus quase 200 Estados-membros promovam políticas públicas

que incluam a importância da felicidade e do bem-estar nas suas apostas para o

desenvolvimento.

Contudo, avança Flavio Comim do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (Pnud), a propósito da análise que a ONU faz «(…) o FIB sofre de um

conjunto de limitações inerentes ao uso das métricas subjetivas. A felicidade é um conceito

intuitivo a todos os seres humanos, mas a sua medida é sujeita a distorções, muitas de caráter

psicológico (…)» e complementa este raciocínio da seguinte forma «(…) pessoas que passam

por longos processos de privação desenvolvem mecanismos de defesa contra dificuldades,

aprendem a ficar contentes com pouco. Não ligam que a vida seja difícil. Quando perguntadas

sobre a vida, minimizam os problemas, e, via regra, demonstram um alto nível de felicidade».

(cit in, compêndio de indicadores de sustentabilidade de Nações).

À LUZ DO DESENVOLVIMENTO / CRESCIMENTO ECONÓMICO

A inter-relação dos conceitos – desenvolvimento / crescimento

Nos séculos XIX e XX a taxa de crescimento económico foi a mais alta do que em

qualquer outro período da história da humanidade, o nível de vida das populações evoluiu de

forma rápida e favorável, sendo que o processo de crescimento económico tem consequências

muito grandes no bem-estar humano. Segundo Diniz (2010, p.29), desenvolvimento

pressupõe crescimento, a partir de um determinado momento, tendo subjacente a ideia de

progresso.

Entre os conceitos desenvolvimento e crescimento estabeleceram-se relações tão

fortes e estreitas, que se torna difícil por vezes distingui-los. O crescimento e o

desenvolvimento caminham de mãos dadas até ao ponto em que a economia perde a sua

capacidade de adaptação a novas condições. Há uma sintonia entre os dois conceitos no início

do processo, no entanto é impossível pensar-se em desenvolvimento sem crescimento

económico, uma vez que qualquer alteração tem subjacente uma mudança, e enquanto

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determinada economia não conseguir produzir mais do que consome, através do seu

crescimento, torna-se inexequível a canalização de excedentes (Kindel-berger, 1976, citado

por Diniz, 2010, p.33). Desenvolvimento é um conceito normativo, sinónimo de melhoria de

condições de vida (Seers, 1977, citado por Diniz, 2010, p.33).

As ciências económicas têm como grande objetivo o crescimento e a valorização

material, contudo, e tal como refere Lopes (2006), no livro de Stiglitz, não poderá nunca

descurar nem perder de vista o homem e a sua realidade envolvente (Stiglitz, 2002). Na

mesma obra, Lopes, ainda defende que, «Só o altruísmo pode garantir a sobrevivência do

processo de globalização como processo de desenvolvimento», (p.20).

O próprio Adam Smith propôs uma teoria de crescimento e desenvolvimento que

ainda nos dias de hoje tem a sua influência. Na opinião deste autor, «(…) expandindo-se os

mercados, aumenta-se a renda e o emprego» (Souza, 2009, p.25). Smith preocupou-se em

identificar os critérios de classificação que formavam a riqueza, e nesse âmbito, no ano de

1776, desenvolveu a obra, “A riqueza das nações”. Neste trabalho foi elucidativo o objetivo

de Smith em atribuir o desenvolvimento e o bem-estar de uma nação ao que é proveniente da

divisão do trabalho, visto que este «é o principal fator para o surgimento de novos

investimentos; logo, aumento no número de empregos: o capital, a tecnologia e população são

complementares; os salários sobem e os lucros não caem» (Souza, 2009, p.26).

As incompatibilidades entre o desenvolvimento e o crescimento económico

É um facto, ao fenómeno global está inerente o conceito de crescimento económico,

se verificarmos a expansão das grandes multinacionais em direção a países onde a mão-de-

obra é pouco qualificada, logo mais barata, depressa chegaremos à conclusão que esta acarreta

muitos riscos sociais.

A perda identitária, tal como os hábitos de vida e de consumo, são alguns dos riscos

que, quem quer “apanhar” o comboio da globalização a isso está sujeito. Stiglitz (2002)

aponta nessa direção rematando que, «Uma das razões pelas quais a globalização é atacada é

porque ela parece minar os valores tradicionais» (p.297). Além dos riscos sociais atrás

referidos, a população poderá nada ganhar em termos de desenvolvimento, «o

desenvolvimento implica transformar as sociedades, melhorar a vida dos pobres, permitir que

todos tenham uma hipótese de vencer e acesso aos cuidados de saúde e à educação» (p.302).

Também não será menos importante verificar que, «os padrões de consumo podem

destruir os recursos ambientais de base e exacerbar os padrões de desigualdade», (Giddens,

2001, p.614). Para obtermos um desenvolvimento sustentável, na verdadeira aceção da

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palavra, será importante termos em conta a eficiência dos recursos utilizados. A

sustentabilidade não deriva somente na relação preço custo como fator de sustentabilidade,

tem a ver com uma panóplia de princípios que Giddens promove, referindo que, «O

desenvolvimento sustentável foi definido como o uso de recursos renováveis para promover o

crescimento económico, a proteção das espécies de animais e da biodiversidade, e o

compromisso de manter o ar, a água e a terra limpos», (Giddens, 2001, p.613).

Por outro lado, ao falarmos de crescimento sustentável, concluiremos rapidamente que

esta afirmação não passará de uma utopia e à luz do que foi anteriormente referido

compreende-se que a natureza é finita, pode haver crescimento durante uma determinada

época ou período de tempo contudo, esta não poderá ser sustentável. O clube de Roma teve

um papel relevante nesta matéria quando mencionou que, «(…) as taxas de crescimento

industrial não são compatíveis com a natureza finita dos recursos das terra e a capacidade do

planeta para comportar o crescimento populacional e absorver a poluição», (Giddens, 2001,

p.613). O mesmo autor ainda reflete que, a sociedade atual deverá ser consciente na utilização

dos recursos, o conceito de vida não se pode resumir à época atual em que vivemos, virão

outras gerações que necessitarão dos recursos do mundo natural, tais como água, a madeira, o

peixe, os animais e a vida vegetal (Giddens, 2001).

Convenhamos que há perguntas que têm e que devem ser feitas enquadradas nesta

discussão para que fique claro por um lado, a correta interpretação dos conceitos e, por outro,

até que ponto se encontra a resposta mais assertiva para a questão central que é a de que se

está ou não a atingir os devidos patamares de desenvolvimento. Julgamos que Lopes, citando

Seers (1969), faz isso muito bem quando diz que

«(…) as perguntas a formular acerca do desenvolvimento de um país, de uma

região, são simplesmente estas: o que vem acontecendo com a pobreza? Com o

desemprego? Com as desigualdades? Se os três têm reduzido (a pobreza, o

desemprego, as desigualdades), não pode duvidar-se de que houve

desenvolvimento no país ou região em questão. Se um ou dois destes problemas

centrais se têm agravado, especialmente se se agravaram os três, seria no mínimo

estranho falar de desenvolvimento, ainda que o crescimento tivesse feito duplicar a

capitação do rendimento», (pp. 43-44)

DESENVOLVIMENTO HUMANO

A Importância do conceito e Medição do Desenvolvimento Humano

De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano (2011), e em relação à

situação mundial do desenvolvimento humano, o PNUD, no relatório de 1990 analisa a

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história da evolução do desenvolvimento humano, e ainda segundo Diniz (2010, p.35), sendo

que o desenvolvimento é ainda um processo que conduz ao alargamento das possibilidades

oferecidas a cada indivíduo, e as mesmas são limitadas e vão evoluindo com o passar do

tempo. Para além dos parâmetros já referidos temos que ter em conta o facto do

desenvolvimento humano englobar outras dimensões como” a liberdade política económica e

social, a criatividade, a produtividade, e a garantia pelo respeito dos direitos humanos

fundamentais, apresentando por isso dois aspetos, por um lado a criação de capacidades

pessoais, e por outro o uso que os indivíduos dão a essas capacidades, seja qual for a sua

finalidade, produtivo de lazer, políticos, culturais ou sociais. Segundo este ponto de vista, o

desenvolvimento para além de uma acumulação de riqueza e rendimento, deve-se centrar-se

no ser humano.

Esta filosofia de desenvolvimento difere das abordagens tradicionais que dizem

respeito ao desenvolvimento económico, do desenvolvimento de recursos humanos, do bem-

estar, e das necessidades essenciais do ser humano. As teorias da formação de capital

humano, e do desenvolvimento de recursos humanos, vêm o ser humano como um meio, mais

do que um fim. O ser humano deve ser olhado, não como uma máquina produtiva de bens de

consumo, mas também como beneficiário do processo, na medida em que para além das

estruturas de produção, aparecem em primeiro lugar as políticas de redistribuição, sendo que a

abordagem pela via das necessidades essenciais relega para segundo plano o problema das

condições de vida, e da liberdade da condição humana (Diniz, 2010, p.36).

Segundo o PNUD, citado por Diniz (2010, p.35), as pessoas são a verdadeira riqueza

das nações, e o desenvolvimento humano é baseado na criação de um ambiente em que

possam desenvolver o seu potencial com vidas produtivas e criativas, de acordo com as suas

necessidades e interesses.

Índice de desenvolvimento humano e suas críticas

O índice Desenvolvimento Humano mede as realizações médias num país em três

dimensões básicas do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável, medida pela

esperança de vida á nascença; conhecimento, medido pela taxa de alfabetização de adultos e

pela taxa de escolarização; e um padrão de vida digno, medido pelo produto interno bruto

(PIB) (IDH, 1990).

Muitas críticas e opiniões já foram feitas ao IDH, desde a sua criação em 1990, desde

concordância, a críticas pertinentes. Em relação aos objetivos e requisitos do IDH, o grupo do

relatório de desenvolvimento humano procura ativamente formas para melhorar os

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indicadores nestes últimos anos, muitas podem contribuir para fortalecer o campo teórico e os

propósitos do IDH, (Raworth e Stweart, s/d).

Segundo o IDH (1990), e para que IDH fosse um instrumento efetivo de sinalização

de desenvolvimento humano, foram instituídos dois princípios, que o IDH se mantenha

simples para proporcionar uma boa compreensão, e que tenha por base as dimensões

fundamentais do desenvolvimento humano. Para se atingir as dimensões acima referidas do

IDH, muitos críticos propõem a inclusão de indicadores alternativos, ou adicionais, sendo que

para serem incluídos, como indicadores, devem ser comparáveis internacionalmente; estarem

disponíveis para vários países; terem uma qualidade razoável, serem válidos e relevantes para

as políticas. Os dados do IDH são divulgados para agências internacionais de estatísticas, no

entanto muitas séries internacionais não estão disponíveis para todos os países nos quais o

IDH é calculado atualmente, logo a validade de um indicador é mais difícil de ser

determinada, não existe uma regra simples e um procedimento caso a caso. Para além disso o

fato de não incluir índices ecológicos como critérios, de não analisar os países a partir de uma

perspetiva global, mas sim de forma independente, e ainda o facto dos aspetos medidos,

referirem-se sempre aos mesmos já estudados (Raworth e Stweart, s/d).

Ainda segundo Raworth e Stweart (s/d), o IDH deveria aprofundar a sua análise

conceitual, embora permanecendo como uma ferramenta muito utilizada visando a elaboração

de políticas, e funcionando como uma medida síntese da situação de desenvolvimento

humano num determinado país, sendo as criticas construtivas, para o cumprimento dos seus

propósitos, sendo que algumas das criticas feitas ao longo dos anos foram incorporadas, e

outras não, o problema aponta para a necessidade contínua de dados de melhor qualidade.

REFLEXÃO/CONCLUSÃO:

Estes dois conceitos (desenvolvimento e crescimento económico) têm sido muito

debatidos, especialmente porque muitos dos países, chamados em vias de desenvolvimento,

para obter crescimento económico, abdicam do desenvolvimento, pouco se preocupando em

olhar para as condições precárias em que a sua sociedade se encontra. Embora exista uma

certa paridade entre crescimento e desenvolvimento, estes apresentam características e

significados diferentes. É também certo que ambos se complementam, contudo, o fato de

existir crescimento económico não significa que exista desenvolvimento. De uma forma

sintetizada, entendemos que o crescimento económico não pode depender formalmente do

desenvolvimento social, uma vez que não é o crescimento mas sim a sua qualidade que

determina a melhoria das condições de vida das pessoas. O desenvolvimento leva-nos a ser

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entendido como a livre capacidade de escolher, melhor repartição da distribuição de poder e

da riqueza, da plena democracia e cidadania, do acesso à saúde e educação, enfim, da

equidade social.

Ao longo dos anos, a sociedade, em constante mudança e evolução, toma

conhecimento que o conceito de crescimento económico não vai para além da geração de

riqueza e aumento da produção (PIB como principal indicador). Desta forma, o crescimento

começa a ser visto com desconfiança, uma vez que não mostra dados credíveis que de facto,

por si só, aumentam a qualidade de vida das sociedades. Antes desta crise económica

“disparar”, os países desenvolvidos tentaram conciliar crescimento económico com

desenvolvimento social, em todas as abrangências “do” social, mas, esta compatibilidade tem

sido posta em causa, pois com o acentuar da crise e a crescente pressão dos governos para

apresentarem valores positivos nesta fase complicada da economia, leva a que os políticos

deixem para segundo plano o desenvolvimento e cometa-se o erro de seguir as pisadas de

alguns países em vias de desenvolvimento, como a China ou a Índia (por exemplo). Estes dois

países, como é público ultimamente, têm apresentado valores de crescimento económico

extremamente elevados, contudo, apresentam graves lacunas na organização da sociedade

levando a uma falta “gritante” de qualidade de vida da população.

No nosso caso específico (Portugal), sabemos que o país está a atravessar uma fase

extremamente delicada em termos económicos, balizando os resultados dos últimos e dos

próximos anos e impedindo a concretização de valores no crescimento económico que sejam

significativamente positivos e relevantes.

Entendemos assim que estas duas conceções, embora dependentes, são indissociáveis,

apesar de os governos nem sempre se preocuparem com o desenvolvimento, que por razões

óbvias tem de ser encarada como um processo moroso, e olhem mais a curto prazo e para a

necessidade de haver crescimento económico. Sem existir um acompanhamento do

desenvolvimento social paralelo ao crescimento económico, nunca será possível satisfazer as

necessidades de uma sociedade.

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Bibliografia:

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