desenvolvimento de isoladores suporte para uso sob chuva ... · artigo apresentado no xxiv snptee -...

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E m novembro de 2009, um “apagão” no sistema elétrico brasileiro atingiu 18 esta- dos, e também afetou o Paraguai. O relatório 435/2009 do MME - Ministério de Minas e Energia atribuiu o fato a fenômenos climá- ticos severos, como a ocorrência de “chuva intensa acompanhada de descargas elétricas e rajadas de vento” na subestação Itaberá, de Furnas. O documento citou ainda que não haviam isoladores comer- ciais projetados para a classe de tensão de 800 kV aplicável a con- dição de chuvas intensas, e elabo- rou um plano de ação para insta- lação de booster sheds nos isola- dores suporte de 800 kV para su- portar tal condição. Os booster sheds são defletores de chuva, normalmente compostos de silicone ou EPDM, em forma de anel, para colocação entre as aletas do isolador suporte, com o objeti- vo de aumentar a suportabilidade elétrica dos isoladores sob regime de chuvas intensas — são conside- radas chuvas intensas as precipita- ções de até 5 mm/min; os valores atualmente normalizados cobrem uma faixa de 1 a 2 mm/min. O equipamento é uma adaptação, ne- cessita de manutenção e pode sofrer perda de hidrofobicidade, além de ser um material caro e importado. Tais fatos motivaram o desen- volvimento de isoladores suporte 800 kV que suportassem chuvas intensas sem a necessidade de dis- positivo auxiliar e também atendes- sem a outros requisitos das normas brasileiras. Foi iniciado então o projeto de um novo perfil de isola- dor suporte que permitisse à chuva de elevada intensidade fluir pelo equipamento sem provocar curto- circuito entre as aletas. Para tanto, o isolador deveria possuir aletas com diâmetros diferentes, de forma intercalada, com formato especial e grande diferença entre os diâme- tros. A fabricação desse isolador exigiu uma tecnologia de produção de isoladores suporte pouco usual no Brasil, a de isolador de núcleo sólido, onde a parte isolante de por- celana é maciça — não há cimenta- ção entre partes de porcelana. Desenvolvimento de isoladores suporte para uso sob chuva intensa Para aumentar a suportabilidade dos isoladores convencionais, em nível de 800 kV, quando de fortes tempestades, eram usados defletores de chuva, solução cara e inadequada por exigir vistorias frequentes e colocar em risco a eficácia do equipamento. Um isolador suporte foi então desenvolvido para atender todas as exigências das normas técnicas sob condição de chuvas muito intensas, como mostra este artigo. Roberto Paulo da S. P. Junior (Furnas) e Claudio da Costa Teixeira (Grantel Equipamentos) TECNOLOGIA 70 EM OUTUBRO, 2017 Fig. 1 – Booster shed [2] 70-73 - Tecnologia - Desenvolvimento de isoladores.indd 70 18/10/2017 16:28:49

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Page 1: Desenvolvimento de isoladores suporte para uso sob chuva ... · Artigo apresentado no XXIV SNPTEE - Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, realizado

TECNOLOGIA

E m novembro de 2009, um “apa gão” no sistema elétrico brasileiro atingiu 18 esta-

dos, e também afetou o Paraguai. O relatório 435/2009 do MME - Ministério de Minas e Energia atri buiu o fato a fenômenos climá-ticos severos, como a ocorrência de “chuva intensa acompanhada de descargas elétricas e rajadas de vento” na subestação Itaberá, de Furnas. O documento citou ainda que não haviam isoladores comer-ciais projetados para a classe de tensão de 800 kV aplicável a con-

dição de chuvas intensas, e elabo-rou um plano de ação para insta-lação de booster sheds nos isola-dores suporte de 800 kV para su-portar tal condição.

Os booster sheds são defletores de chuva, normalmente compostos de silicone ou EPDM, em forma de anel, para colocação entre as aletas do isolador suporte, com o objeti-vo de aumentar a suportabilidade elétrica dos isoladores sob regime de chuvas intensas — são conside-radas chuvas intensas as precipita-ções de até 5 mm/min; os valores

atualmente normalizados cobrem uma faixa de 1 a 2 mm/min. O equi pamento é uma adaptação, ne-cessita de manutenção e pode sofrer perda de hidrofobicidade, além de ser um material caro e importado.

Tais fatos motivaram o desen-volvimento de isoladores suporte 800 kV que suportassem chuvas intensas sem a necessidade de dis-positivo auxiliar e também atendes-sem a outros requisitos das normas brasileiras. Foi iniciado então o projeto de um novo perfil de isola-dor suporte que permitisse à chuva de elevada intensidade fluir pelo equipamento sem provocar curto-circuito entre as aletas. Para tanto, o isolador deveria possuir aletas com diâmetros diferentes, de forma intercalada, com formato especial e grande diferença entre os diâme-tros. A fabricação desse isolador exigiu uma tecnologia de produção de isoladores suporte pouco usual no Brasil, a de isolador de núcleo sólido, onde a parte isolante de por-celana é maciça — não há cimenta-ção entre partes de porcelana.

Desenvolvimentode isoladoressuporte para

uso sob chuva intensa

Para aumentar a suportabilidade dos isoladores convencionais, em nível de 800 kV, quando de fortes tempestades, eram usados defletores de chuva, solução cara e inadequada por exigir vistorias frequentes e colocar em risco a eficácia do equipamento. Um isolador suporte foi então desenvolvido para atender todas as exigências das normas técnicas sob condição de chuvas muito intensas, como mostra este artigo.

Roberto Paulo da S. P. Junior (Furnas) eClaudio da Costa Teixeira (Grantel Equipamentos)

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Fig. 1 – Booster shed [2]

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A tecnologia empregada até então na fabricação dos isolado-res suporte 800 kV compreendia a cimentação de partes de aletas de porcelana pré-moldadas umas sobre as outras até a formação do isolador e a cimentação das ferragens nas extremidades. Este processo, porém, não é adequado

para a fabricação do novo isola-dor, como veremos adiante.

Utilização de booster sheds

A utilização de booster sheds foi a solução mais rápida e viável para habilitar os isoladores supor-te já instalados — projetados para suportar eletricamente chuvas en-tre 1 e 2 mm/min — a chuvas de até 5 mm/min.

Como os isoladores estavam em pleno funcionamento, sua substi-tuição seria muito custosa e exi-giria numerosos e demorados des-ligamentos, o que poderia gerar inviáveis cobranças de multas por parcela variável. Outro agravante é que, até então, não existiam iso-ladores suporte de 800 kV aptos a suportar chuvas de 5 mm/min sem necessidade de dispositivo adicio-nal [8, 10].

A figura 1 [2] apresenta alguns booster sheds e a 2 [3] mostra um isolador 800 kV utilizando boos-ter sheds.

Como o uso de booster sheds é uma adaptação ao projeto origi-nal, há efeitos colaterais:• Pode ocorrer estresse elétrico entre a junção do isolador com o booster shed, devido ao depósito

Fig. 3 – Disposição e quantidade de booster sheds por modelo de isolador (adaptado de [7])

Fig. 2 – Isolador 800 kV utilizando booster shed [3]

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não uniforme de poluição, cau-sando atividade elétrica e danos ao isolador. É necessária inspeção periódica de corona, ruído audível e radiointerferência.•O booster shed inviabiliza a la-vagem do isolador. A lavagem acelera o processo de perda da hi drofobicidade do booster shed, que é composto de material poli-mérico. Sem hidrofobicidade, o equipamento traz problemas para o isolador e perda de sua eficácia. Por sua vez, sem a lavagem do isolador, há acúmulo de poluição, o que diminui a vida útil deste.• O booster shed exige vistoria e manutenção em períodos diferentes dos isoladores onde está instalado.•O uso do booster shed deve ser planejado para cada modelo de isolador; a quantidade e a locali-zação devem ser determinadas por ensaio. Em geral, são utilizados diversos booster sheds em cada modelo, conforme mostra a figura 3 (adaptada de [7]).

Isolador desenvolvidoO isolador foi desenvolvido para

uso em ampliações, substituições ou novas construções de subestações com isoladores de 800 kV. Foi pro-jetado com as mesmas dimensões e altura de conexões dos isoladores já existentes, para permitir intercam-

biabilidade. Para atender a critérios de chuvas intensas, as distâncias de arco e de escoamento são superiores às dos isoladores tradicionais.

Era necessário que o novo isola-dor simulasse a mesma condição ob-tida com a adição dos booster sheds aos equipamentos convencionais. Ou seja, o efeito cascata, que provo-ca curto-circuito entre as aletas do isolador no caso de chuvas intensas, deveria ser eliminado.

Com aletas bem mais largas e intercaladas com aletas menores — resultando em grande diferença de diâmetro entre aletas —, o projeto do novo equipamento exigiu o em-prego de uma tecnologia de produ-ção até então não utilizada nos iso-ladores de 800 kV no Brasil — a de isoladores de núcleo sólido.

A solução usualmente empre-gada para fabricação de isoladores suporte de 800 kV se demonstrou ineficiente para produção dos no-vos equipamentos. Ela se baseia na produção de aletas de porcelana através de moldes e sua cimentação umas nas outras. Para atender aos

requisitos dos novos isoladores, se-ria necessário produzir aletas mui-to largas e finas. Com isso, elas se tornariam muito frágeis, pois o pro-cesso de secagem nos moldes não

Fig. 4 – Exemplo de torneamento de um isolador de núcleo sólido

Fig. 6 – Isolador montado para teste

Fig. 5 – Perfil do isolador suporte para atender a chuvas intensas

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seria uniforme — devido ao fato das aletas serem finas nas extremi-dades e grossas no centro, haveria secagem mais rápida nas partes fi-nas, podendo gerar fraturas.

Na tecnologia de produção de isoladores de núcleo sólido, tam-bém chamada de processo seco, é produzido um cilindro de porcela-na, o qual é usinado em um torno para ter o formato do perfil deseja-do. Depois as ferragens terminais são cimentadas nas extremidades. A figura 4 apresenta o processo de torneamento de um isolador de nú cleo sólido. Já o perfil do isola-dor projetado para atender aos re-quisitos de chuvas intensas é mos-trado na figura 5. Este isolador foi submetido e aprovado em todos os ensaios de tipo das normas brasi-leiras e internacionais. Os testes foram realizados no Cepri - Chi-na Electric Power Research Insti-tute, em Pequim. O equipamento foi ensaiado sob chuvas intensas, bem superiores às exigidas na norma IEC, e obteve aprovação com níveis de 5 e 6 mm/min — os demais fatores da norma foram mantidos constantes, como, por exemplo, a resistividade da água. Em todos os ensaios foi utilizada a cadeia montada completa.

No ensaio de verificação da ten-são suportável, foi aplicada tensão de 885 kV durante um minuto, após pré-umidificação de 15 minutos e resistividade da água de 100 Wm. No teste mais rigoroso, foi utiliza-da componente horizontal de chu-va de 6,4 mm/min e componente vertical de 6,1 mm/min. Não hou-ve descarga disruptiva durante o ensaio.

Os ensaios de rotina e de rece-bimento foram feitos no laborató-rio do fabricante. O equipamento foi novamente aprovado em todos os testes, estando apto para uso em sistemas de 800 kV, atendendo aos requisitos de chuvas intensas e a outros normatizados, sendo ain-da mecanicamente intercambiável com isoladores tradicionais.

Também foi observado que esse isolador possui características

mecânicas superiores às do isola-dor convencional. A figura 6 mos-tra o isolador completo e em teste.

ConclusãoO isolador projetado para utili-

zação em chuvas intensas atende a todos os requisitos das normas vi-gentes e ao nível de chuva intensa sugerido pelo Relatório 435/2009 do MME - Ministério de Minas e Energia. Ele dispensa o uso de booster sheds, o que lhe confere melhor desempenho e durabilida-de, uma vez que não há acúmulo de poluentes no booster shed, e é possível lavá-lo sem diminuir seu desempenho.

O isolador é indicado para uso em ampliações e novos sistemas de 800 kV, e também na substituição de isoladores antigos de 800 kV. O equipamento se mostrou elétrica e mecanicamente superior ao iso lador tradicional.

Referências

[1] Ale-Emran, S.; Farzaneh, M.: Experimental design of booster-shed parameters for post insulators under heavy icing conditions. IEEE Transactions on Power Delivery, vol. 30, no 1, fevereiro de 2015.

[2] Ale-Emran, S.; Farzaneh, M.: Parametric studies and improved hypothesis of Booster-Shed effects on post insulators under heavy icing conditions. IEEE Transactions on Dielectrics and Electrical Insulation, fevereiro de 2015.

[3] Borges Filho, O.; Mello, D. R.; Neves, A.; Ferreira, L. A.: Experience with massive application of booster sheds as a remedy for improving the performance of 800 kV insulators under heavy rain. 45th Cigré Session, no 12044, Group Ref. A3, Question no Q.3-4. Paris, 2014.

[4] IEC 60168: Tests on indoor and outdoor post insulators of ceramic material or glass for systems with nominal voltages greater than 1000 V. 2001.

[5] Farzaneh, W.; Chisholm, W. A.: Insulator for icing and polluted environments. IEEE Press. New Jersey, 2009.

[6] Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2009.

[7] Oliveira Filho, O.; Cardoso, J. A.; Mello, D. R.; Azevedo, R.; Carvalho, S. G.: Use of booster bheds to improve performance of 800kV multicone type insulators under heavy rain. High Voltage Engineering, vol. 37, no 11, novembro de 2011.

[8] ONS: Perturbação no Sistema Interligado Nacional – SIN no dia 10/11/2009 às 22h13min. Rio de Janeiro, 2009.

[9] Mello, D.R.; Oliveira Filho, O.; Tierno, D.L.: Estado da arte de isoladores tipo suporte para aplicação em subestações classe 800 kV em corrente alternada. IV Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos. Goiânia, 2012.

[10] Mello, D.R.; Oliveira Filho, O.; Cardoso, J. A.; Azevedo, R. M.; Carvalho, S. G.: Melhoria do desempenho de isoladores utilizados em subestações classe 800 kV sob chuva intensa. Florianópolis, 2011.

[11] MME. Relatório Final GT Portaria MME no 435/2009. Brasília, 2010.

Artigo apresentado no XXIV SNPTEE - Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, realizado de 22 a 25 de outubro 2017, em Curitiba, PR.

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