descolagem de um revestimento cerâmico de fachada

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DESCOLAGEM DE UM REVESTIMENTO CERÂMICO EM FACHADA Daniel Silva Pinheiro * Correio electrónico: [email protected] Luís M. Bragança Miranda Lopes Correio electrónico: [email protected] José L. Barroso Aguiar Correio electrónico: [email protected] Resumo A capacidade de um revestimento cerâmico resistir à descolagem depende da correcta selecção do produto de colagem e do método de colagem. Estes devem ser adequados à intensidade das acções previstas, ao tipo de utilização do revestimento, às características do suporte e ao tipo de revestimento. Uma cuidada concepção do revestimento e a selecção do produto de colagem adequado para cada situação não garante por si só a eficiência da colagem sendo necessário que essas precauções sejam acompanhadas de uma correcta execução. Nesta comunicação apresenta-se um trabalho onde se procedeu à análise das causas da des- colagem de um revestimento cerâmico de uma fachada. Procede-se à caracterização da situação existente e à descrição dos ensaios realizados. Propõem-se soluções de reabilitação e elaboram-se recomendações de aplicação. Palavras-chave: Descolagem, Revestimentos cerâmicos, Diagnóstico, Reabilitação. * Técnico superior, Departamento de engenharia civil da Universidade do Minho. Prof. auxiliar, Departamento de engenharia civil da Universidade do Minho. Prof. Associado, Departamento de engenharia civil da Universidade do Minho.

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comunicação de docentes da UMinho

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  • DESCOLAGEM DE UM REVESTIMENTO CERMICO EM FACHADA

    Daniel Silva Pinheiro*Correio electrnico: [email protected]

    Lus M. Bragana Miranda Lopes

    Correio electrnico: [email protected]

    Jos L. Barroso Aguiar Correio electrnico: [email protected]

    Resumo A capacidade de um revestimento cermico resistir descolagem depende da correcta seleco do produto de colagem e do mtodo de colagem. Estes devem ser adequados intensidade das aces previstas, ao tipo de utilizao do revestimento, s caractersticas do suporte e ao tipo de revestimento. Uma cuidada concepo do revestimento e a seleco do produto de colagem adequado para cada situao no garante por si s a eficincia da colagem sendo necessrio que essas precaues sejam acompanhadas de uma correcta execuo. Nesta comunicao apresenta-se um trabalho onde se procedeu anlise das causas da des-colagem de um revestimento cermico de uma fachada. Procede-se caracterizao da situao existente e descrio dos ensaios realizados. Propem-se solues de reabilitao e elaboram-se recomendaes de aplicao.

    Palavras-chave: Descolagem, Revestimentos cermicos, Diagnstico, Reabilitao.

    * Tcnico superior, Departamento de engenharia civil da Universidade do Minho.

    Prof. auxiliar, Departamento de engenharia civil da Universidade do Minho. Prof. Associado, Departamento de engenharia civil da Universidade do Minho.

  • 1 Introduo O laboratrio de engenharia civil da universidade do Minho elaborou um

    estudo sobre as causas da queda de plaquetas cermicas das fachadas de um edifcio de rs de cho e 4 andares.

    Este artigo descreve os ensaios realizados, analisa os resultados obtidos e

    apresenta uma proposta de reabilitao. Elaboram-se recomendaes de apli-cao.

    2 Visita ao local e anlise documental A visita ao local permitiu verificar que:

    Algumas plaquetas cermicas se destacavam com um simples toque enquanto outras encontravam-se solidamente fixas ao supor-te;

    As juntas entre plaquetas no se encontravam preenchidas. As plaquetas no so vidradas.

    A anlise da documentao existente permitiu conhecer as caractersticas da monomassa que suporta o revestimento (tabela 1) mas no permitiu esclare-cer as caractersticas dos elementos cermicos e do cimento cola utilizado.

    Tabela 1: Caractersticas da monomassa de acordo com o

    catlogo do fabricante. Massa volmica aparente em p 1655 kg/m3

    Massa volmica aparente endurecida 1657 kg/m3

    Resistncia traco por flexo aos 28 dias 3.2 MPa Resistncia compresso aos 28 dias 8.3 MPa

  • 3 Ensaios Com vista a determinao das causas da queda do revestimento realizaram-

    se ensaios de arrancamento in situ, ensaios de determinao da dilatao trmica linear e de determinao da dilatao convencional a humidade gua fervente sobre provetes retirados das fachadas.

    3.1 Determinao da dilatao trmica linear A determinao do coeficiente de dilatao trmica linear foi efectuada sobre 2 provetes de acordo com a ISO 10545-8. O ensaio consistiu no aquecimento dos provetes entre os 20C e os 100 C a uma velocidade de 5 C / min. Os resultados dos ensaios so apresentados na tabela ...

    Tabela ..: Resultados dos ensaios de determinao do coeficiente de dilatao trmica linear

    Provete A B Mdia Coeficiente dilatao trmica linear 65.00 E-7 /C 65.90 E-7 /C 65.45 E-7 /C

    O coeficiente de dilatao trmica linear determinado foi de 65.45 E-7 / C.

    3.2 Determinao da dilatao convencional por humidade com gua fervente A determinao da dilatao convencional por humidade com gua fervente

    foi efectuada em 7 provetes de acordo com a ISO 10545-10. O ensaio consiste no recozimento dos provetes num forno a uma velocidade de aquecimento de 150 C / h com patamar de 2 horas a 550 15 C. Aps o seu recozimento, os provetes so deixados arrefecer no interior do forno at 70 10 C sendo posteriormente retira-dos e mantidos num exsicador com slica-gel por um perodo de 24 a 32 horas. Aps recozimento procede-se determinao do comprimento inicial dos provetes, aproximado a 0.5 mm, atravs de duas medies intervaladas de 3 horas. Os prove-tes so de seguida mergulhados em gua fervente destilada e desmineralizada durante 24 horas consecutivas. Aps o perodo de imerso em gua fervente os provetes so retirados e deixados arrefecer at a temperatura ambiente. O compri-mento final dos provetes obtido atravs de duas medies efectuadas aps 1 hora da retirada da gua fervente e novamente aps 3 horas de intervalo.

    A dilatao convencional por humidade com gua fervente obtida pela sub-traco da mdia das duas medies aps o tratamento com gua fervente e a mdia das medies aps recozimento. Os resultados dos ensaios so apresentados na tabela .

  • Tabela : Resultados dos ensaios de determinao da dilatao convencional por humidade com gua fervente.

    Provete 1 2 3 4 5 6 7 Expanso por humidade (mm/m) 0.7 0.6 1.2 2.1 1.4 0.2 0.8 Os resultados do ensaio de dilatao convencional por humidade com gua

    fervente esto compreendidos entre os 0.2 e os 2.1 mm/m.

    3.3 Ensaios de arrancamento Os ensaios de arrancamento visam avaliar as condies de aderncia atra-

    vs de ensaios de traco. A resistncia traco foi obtida atravs da colagem de uma pea metlica superfcie das plaquetas que foi depois sujeita a uma fora perpendicular ao seu plano. Os ensaios de arrancamento foram precedi-dos de uma carotagem prvia. Nos locais onde as plaquetas cermicas se des-tacaram durante a carotagem foram realizados ensaios no reboco de forma a avaliar a sua coeso interna / aderncia ao suporte. A fora necessria para provocar o arrancamento foi medida com um dinammetro.

    Os resultados dos ensaios so apresentados nas tabelas , e .

    Tabela : Tenso de aderncia dos provetes com rotura adesiva pela interface plaqueta / cimento cola.

    Ensaio Fora de rotura - kN Dimetro

    mm rea mm

    Tenso MPa Notas

    C1 - - - - Descolou-se / 70% ladrilho, 30% reboco C9 0.70 44.0 1519.8 0.46 80% ladrilho / 20% reboco

    C11 0.10 44.0 1519.8 0.07 90% ladrilho / 10 % reboco

  • Tabela : Tenso de aderncia dos provetes com rotura adesiva pela interface cimento cola / reboco.

    Ensaio Fora de rotura - kN Dimetro

    mm rea mm

    Tenso MPa Notas

    C2 0.60 44.5 1554.5 0.39 C6 0.60 44.2 1533.6 0.39

    Tabela ..: Tenso de aderncia dos provetes com rotura adesiva pela interface reboco

    /alvenaria.

    Ensaio Fora de rotura - kN Dimetro

    mm rea mm

    Tenso MPa Notas

    C3 1.10 44.2 1533.6 0.72 Descolou na carotagem / ensaio reboco C4 0.60 44.2 1533.6 0.39 Descolou na carotagem / ensaio reboco C5 1.35 44.1 1526.7 0.88 Descolou na carotagem / ensaio reboco C7 0.80 44.1 1526.7 0.52 Descolou na carotagem / ensaio reboco C8 1.20 44.2 1533.6 0.78

    C8A - - - - Destacou-se aps carotagem C10 0.60 43.9 1512.9 0.40

    4 Anlise dos resultados e causas das anomalias Os principais factores que afectam a aderncia de revestimentos cermicos

    colados so: As caractersticas das peas cermicas (rigidez, dimenses, cor, etc)

    que determinam as deformaes a que estaro sujeitas e, consequente-mente, as tenses que sero transmitidas ao suporte);

    A aco da temperatura, da humidade, dos ciclos de gelo-degelo e cho-que trmico que afectam a resistncia mecnica dos sistemas de fixa-o;

    A aplicao em obra.

    No que diz respeito s caractersticas das peas cermicas verifica-se que o quadro normativo internacional (ISO) ou europeu (EN), no contm metodologias para definio dos domnios de utilizao dos materiais existentes no mercado. Esse quadro normativo no estabelece, portanto, um mtodo que, a partir das carac-tersticas determinadas de acordo com as normas, permita avaliar a adequao para o uso pretendido. Por outro lado, para um grande nmero de caractersticas, no so fixadas exigncias, nem mesmo nveis mnimos de comportamento. De forma a ultrapassar as lacunas da normalizao vigente e para a especificao de ladrilhos cermicos, o Laboratrio Nacional de Engenharia Civil (LNEC) tem vindo a esta-belecer nveis exigenciais fixos ou por classes para todas as caractersticas previs-

  • tas na norma ISO 13006. Para paredes exteriores em geral, o LNEC recomenda em [1] a utilizao de ladrilhos cermicos com valores da dilatao com a humidade inferiores ou iguais a 0.1 mm/m. Atendendo aos resultados dos ensaios de dilatao convencional por humidade com gua fervente, os ladrilhos apresentam valores da dilatao convencional humidade superiores a 0.1 mm/m pelo que, de acordo com [1], no so adequados utilizao em paredes exteriores.

    A norma ISO 13006 no fixa exigncias para o coeficiente de dilatao trmica linear de ladrilhos pelo que as exigncias devero ser fixadas por parte dos clientes ou dos projectistas em funo das condies particulares de utilizao. Neste caso, dado que o coeficiente de dilatao trmica linear das plaquetas cermicas est de acordo com os valores habitualmente encontrados nos produtos cermicos e os mesmos no sero sujeitos a amplitudes trmicas elevadas considerou-se que eles possuem caractersticas de dilatao trmica adequadas utilizao em fachadas.

    Os ensaios de arrancamento mostram que as condies de aderncia so bas-tante hetergeneas. A aderncia praticamente nula (nos locais onde o revestimen-to se destacou por toque e em C11), muito baixa nos locais onde se destacou duran-te as carotagens e aceitvel a muito boa nos restantes locais. Refira-se que nos ensaios de adeso dos produtos de colagem com vista sua homologao exigido quer para aplicaes normais, quer sob aco de temperatura, humidade, etc., um valor nunca inferior a 0.5 MPa.

    Os resultados dos ensaios de arrancamento realizados sobre a monomassa mos-tram que esta apresenta tenses de aderncia parede de alvenaria superior ou igual a 0.3 MPa pelo que atendendo a [5] esta possui uma aderncia ao suporte ade-quada. A resistncia a traco por flexo e compresso aos 28 dias apresentadas na tabela 1 mostram que esta possui boas caractersticas mecnicas para servir de suporte a um revestimento cermico.

    As anomalias devem-se ainda a uma deficiente aplicao em obra. As roturas adesivas na interface plaqueta cermica / cimento-cola podem indiciar a utilizao de um adesivo que j tinha ultrapassado o seu tempo mximo de abertura ou adesi-vo inadequado para o grau de porosidade do revestimento. As roturas adesivas na interface cimento-cola / suporte podem indiciar uma contaminao do suporte por produtos pulverulentos, suporte excessivamente quente ou seco no momento da aplicao ou adesivo inadequado para o seu grau de porosidade. O descolamento do revestimento da fachada pode dever-se molhagem do suporte devido a inexis-tncia de juntas entre plaquetas e, eventualmente, pela aco de temperaturas, cho-que trmico e ciclos gelo-degelo.

    5 Proposta de reparao das anomalias Para a reparao das anomalias sugere-se a completa remoo das plaquetas

    cermicas dado no serem adequadas utilizao em paramentos exteriores de paredes [1]. As principais caractersticas do material cermico a aplicar so apre-

  • sentadas na tabela (para outras caractersticas tais como resistncia qumica, ao desgaste, formao de ndoas, etc., consultar [1]).

    Tabela ..: Principais caractersticas do revestimento cermico a aplicar.

    Caracterstica Modo determinao Requisito desempenho Absoro de gua (A) ISO 10545-3 3 % A < 6 % Dilatao com a humidade ISO 10545-3 0.1 mm / m Resistncia a flexo ISO 10545-4 35 MPa Dureza superficial EN 101 7

    O sistema de revestimento a colocar dever ser compatvel com o seu suporte do ponto de vista mecnico (mdulo de elasticidade e resistncia traco), geo-mtrico (planeza e regularidade superficial) e qumico. O produto de colagem e o mtodo de colagem devero ser adequados no s a intensidade das aces previs-tas, mas tambm ao tipo de utilizao do revestimento, s caractersticas do suporte e ao tipo de produto cermico. Aquando do seu assentamento, a superfcie do suporte ou o tardoz das peas cermicas devero estar isentos de produtos que pos-sam prejudicar a aderncia tais como produtos pulverulentos ou gordurosos. Essas superfcies podero, caso seja necessrio, ser preparadas pela aplicao dum prim-rio para favorecimento da aderncia.

    As juntas entre ladrilhos devero ser definidas em funo das caractersticas de deformabilidade dos ladrilhos face as solicitaes a que estaro sujeitos, em parti-cular as de carcter higrotrmico, no se recomendando valores inferiores a 6 mm [4]. O produto de preenchimento das juntas dever ser adequado e seleccionado em funo da sua impermeabilidade, resistncia gua, ao calor, aos ataques qumicos, ao desenvolvimento de microorganismos, resilincia e compressibilidade. Os pro-dutos de preenchimento das juntas devero ser capazes de garantir uma boa ade-rncia aos bordos dos ladrilhos. Atendendo a [4] poder usar-se uma argamassa tradicional composta por 2 volumes de cimento para 1 de areia ou produtos indus-triais especiais para juntas.

    As juntas de dilatao do suporte devero ser integralmente respeitadas, isto , no podem ser recobertas pelo revestimento nem terem a sua largura reduzida e devem ser capazes de absorverem os movimentos previstos. Devero ser previstas juntas flexveis de contorno em todas as fronteiras confinadas do revestimento. Para a reduo do nvel de tenses no revestimento devero ser executadas juntas de fraccionamento que devero definir painis com rea no superior a 36 m [2]. As juntas de fraccionamento devero atravessar toda a espessura do revestimento e o reboco e devero ter uma espessura de pelo menos 6 mm. Essas juntas devero ser preenchidas com mastique sobre fundo de junta ou, preferencialmente, com perfis prefabricados [2].

  • 6 Concluses O descolamento dos ladrilhos cermicos deve-se a uma deficiente concepo e

    a uma deficiente aplicao em obra. A deficiente concepo traduz-se na inadequada escolha dos ladrilhos cermi-

    cos que, atendendo a [1], no so adequados utilizao em paramentos exteriores de paredes. A elevada heterogeneidade das condies aderncia e as roturas adesi-vas na interface plaqueta cermica / cimento-cola e cimento-cola / suporte indiciam a existncia de uma deficiente aplicao em obra. A inexistncia de um material de preenchimento das juntas entre ladrilhos permite a molhagem do suporte prejudi-cando dessa forma a aderncia.

    Para reparao das anomalias sugere-se a completa remoo das plaquetas cermicas e a utilizao de um material com caractersticas apropriadas utilizao em paramentos exteriores de paredes. As juntas entre ladrilhos devero ser preen-chidas. Devero ser executadas juntas de fraccionamento para a reduo do nvel de tenses no revestimento.

    O produto de colagem a utilizar dever ser adequado ao uso previsto, ao tipo de plaqueta, ao tipo de suporte e aplicado em rigoroso cumprimento das recomenda-es do Documento de Homologao.

    7 Bibliografia [1] Lucas, J. A. Carvalho. Azulejos ou ladrilhos cermicos Descrio geral, exigncias normativas, classificao funcional. ICT, Informao Tcnica Materiais de Construo ITMC 33, Lisboa: LNEC, 2003.[2] Lucas, J. A. Carvalho. Anomalias em revestimentos cermico colados. ICT, Informao Tcnica Materiais de Construo ITMC 28, Lisboa: LNEC, 2001. [3] Goldberg, Richard P. Direct adhered ceramic tile, stone and thin brick fa-ade Technical design manual. Xxxxxxxxxxxxxxxx. [4] APICER et al. Manual de aplicao de revestimentos cermicos. Coimbra: Associao Portuguesa da Industria de Cermica, 2003. [5] Lucas, J. A. Carvalho. Exigncias funcionais de revestimentos de paredes. ICT, Informao Tcnica Edifcios ITE 25, Lisboa: LNEC, 1990. [6] Lucas, J. A. Carvalho & Lucas, Miguel M. Mendes. Revestimentos cermi-cos colados descolamento. ICT, Informao Tcnica Patologia e Reabilita-es das Construes ITPRC 4, Lisboa: LNEC, 2005.

    1 Introduo 2 Visita ao local e anlise documental 3 Ensaios 3.1 Determinao da dilatao trmica linear 3.2 Determinao da dilatao convencional por humidade com gua fervente 3.3 Ensaios de arrancamento 4 Anlise dos resultados e causas das anomalias 5 Proposta de reparao das anomalias 6 Concluses 7 Bibliografia