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Tradução: Inês Pimentel
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Copyright © S. G. Browne 2010
Todos os direitos reservados.
Tradução para a língua portuguesa ©Texto Editores Ltda., 2010
TíTulo original: Fated
direTor ediTorial: Pascoal Soto
ediTora: Mariana Rolier
Produção ediTorial: Suria Scapin
Tradução: Inês Pimentel
Preparação de texto: Santiago Nazarian
Revisão: Tulio Kawata / Marília Chaves
Diagramação: Marcelo R. Rodrigues
Capa: Retina 78
Texto Editores Ltda.
Uma editora do Grupo Leya
Av. Angélica, 2163 – Conj. 175/178
01227-200 – Santa Cecília – São Paulo - SP
www.leya.com
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP-Brasil)Ficha catalográfica elaborada por Oficina Miríade, RJ, Brasil.
Browne, S. G. (Scott G.), 1965-Desastre / S. G. Browne ; tradução: Inês Pimentel. – São Paulo : Leya, 2010.272 p.
Tradução de: Fated. ISBN 978-85-8044-028-7
1. Ficção americana. 2. Literatura americana. I. Título.
CDD 813
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Para meus pais.
Obrigado por acreditarem.
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Regra #1: Não se envolva.
Uma regra de fato tão simples. Mas aqui estou eu, sentado em um
shopping em Paramus, Nova Jersey, e me sentindo frustrado.
Irritado.
Decepcionado.
Oitenta e três por cento dos seres humanos são criaturas previsíveis,
quanto a seus hábitos, e ficam presos em rotinas, estilos de vida e vícios
ou passam a vida trocando um vício por outro.
Meus oitenta e três por cento. Meus seres humanos. Todos os cinco
bilhões e meio deles.
O shopping é um dos melhores lugares para ver a natureza humana no
que ela tem de melhor. Ou pior, dependendo de como você quer olhar para
isso. Homens e mulheres, adolescentes e crianças, comprando, comendo,
fofocando, preenchendo o vácuo de suas vidas com terapia de varejo e ca-
lorias vazias. Meus shoppings favoritos são os da antiga. Aqueles não tão
grandes como o Sri Lanka, onde ainda há praças de alimentação com Oran-
ge Julius, Panda Express, e Hot Dog on a Stick. Nos Estados Unidos, o nú-
mero de centros comerciais é o dobro do que o de escolas de ensino médio
e esses lugares substituíram as igrejas como templos de veneração cultural.
Numa sociedade que incentiva seus cidadãos a calcular seu valor por seu
sucesso financeiro e propriedades materiais, os americanos gastam seu or-
çamento mais em sapatos, relógios e joias do que em educação superior.
Com certeza isso dá trabalho a Ganância e Inveja, mas transforma
minha existência num verdadeiro inferno.
Lá atrás, no tempo em que os seres humanos ainda estavam na fase
da caça e coleta, a vida era toda voltada para a sobrevivência, satisfazendo
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as necessidades básicas de alimentação, vestuário e abrigo, portanto não
havia tantas opções para uma vida melhor. As comidas não eram prepara-
das por Martha Stewart. As roupas não tinham de ter uma etiqueta Calvin
Klein. E moradias não precisavam de cortinas Ralph Lauren, combinando
com os edredons.
O problema dos seres humanos é que eles são viciados em produtos.
Consumidores habituais. Famintos por satisfação. Autômatos da
gratificação. Programados para necessitar, querer e comprar. Aparelhos
de MP3. Xboxes. PlayStation 3. Gravador de vídeo. Som surround. Tevês
de tela plana com alta definição.
Milhares de canais a cabo com filmes, música e pay-per-view.
Distraídos por seus desejos, sobrecarregados com suas necessidades
e carências, eles nunca permanecem nos caminhos que teriam de trilhar.
Seus futuros perfeitos. Seus fados mais benéficos.
Esse sou eu. F maiúsculo. E os a-d-o em minúsculas.
Coloco meus seres humanos na trilha desde o nascimento, designando
sinas que vão de criminosos de carreira a executivos de companhias petrolí-
feras – os quais, na realidade, não são lá muito diferentes, quando você pensa
bem a respeito. Mas não importa quão promissora seja a sina que eu defino
para alguém – um diretor de estúdio cinematográfico, um estrategista da liga
nacional de futebol, o governador da Califórnia –, a maioria deles estraga tudo.
É da natureza humana não desenvolver todo seu potencial. Não vi-
ver de acordo com sua plena capacidade. É verdade que a sina não com-
porta muitos delírios de grandeza. Você não vai ganhar o Prêmio Nobel
da Paz ou se tornar um Stephen King. E quando o futuro de alguém en-
volve doença mental, dependência a drogas ou uma carreira política, eu
não posso mesmo esperar surpresas agradáveis. Quando eu defino uma
sina, já está feito. É o melhor que eu posso esperar. Mas isso não quer
dizer que as coisas não possam dar errado.
Na sina predestinada a cada ser humano, há significativos momentos
de decisão que vão definir se e como eles seguirão seus caminhos. Escolhas
que influenciarão a maneira como viverão suas vidas.
Com integridade.
Com compaixão.
Com ganância.
Cada uma dessas escolhas que cada um de meus humanos faz exige
uma reavaliação do futuro dele ou dela. Uma redefinição da sina dele ou dela.
E a cada escolha, eu noto que a imensa maioria deles toma a decisão errada.
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Enquanto me sento em um banco entre a loja de calçados Foot Lo-
cker e a de roupas Aéropostale, comendo meu espetinho do Hot Dog on
a Stick e bebendo meu suco Orange Julius, eu analiso com atenção meu
estoque de humanos inclinados a errar e seus inevitáveis fracassos.
Há um atleta de uns dezenove anos de idade, com um telefone ce-
lular e uma bolsa da GameStop; ele poderia ter uma carreira de sucesso
como jogador de beisebol capaz de substituir colegas em qualquer posição
no time Philadelphia Phillies. Mas não... aos trinta e dois anos de idade,
gordo, careca e desempregado, ele vai ficar se masturbando três vezes por
dia com a revista de sacanagem Juggs. A asiática evangélica de vinte e um
anos que está pregando para compradores do lado de fora da loja Bebe
encontrará o homem de seus sonhos quando chegar aos trinta, mas vai
se divorciar e fazer sexo com homens que terão metade de sua idade ao
chegar aos quarenta e cinco.
E o moleque de onze anos, com cabelos curtos e rostinho angelical,
devorando uma rosquinha coberta de chocolate da Dunkin’ Donuts, tem
potencial para ser um pai maravilhoso, mas em vez disso, quando tiver
vinte e nove anos, vai ficar pensando em molestar sua filhinha de cinco.
Em momentos como esse, eu desejaria que Morte e eu tivéssemos
um relacionamento melhor.
Com certeza, o garoto de onze anos é apenas uma criança, mas eu
poderia salvar sua filha de uma longa vida de traumas e terapia se pu-
desse contar com Morte para me ajudar, mas isso seria interferir, o que
definitivamente está na categoria do nem-que-a-vaca-tussa. Sem mencio-
nar as ramificações cósmicas do fato de evitar o nascimento de sua filha.
Entretanto, Morte e eu não estamos nos falando, então essa possibilidade
nem existe.
Eu apenas me sento no banco, como meu espetinho e fico olhando o
desfile infinito de futuros delinquentes sexuais.
Nem todos os seres humanos têm algum tipo de disfunção sexual ou
desordem ou desejo esperando para ser realizado. Mas muitos america-
nos têm. Provavelmente, isso tem alguma coisa a ver com o fato de que
os Estados Unidos demonizam o sexo e reprimem a energia sexual. Pes-
soalmente, eu prefiro os italianos e os franceses. Para eles, sexo é apenas
uma parte da cultura.
Falando em sexo...
No shopping, a meio caminho entre a loja Macy’s e eu, além do
quiosque da T-Mobile e de um fluxo constante de americanos com desa-
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fios para o futuro, uma nuvem de cabelos vermelhos está caminhando em
minha direção. Espero que não seja quem estou pensando, mas quando a
multidão magicamente desaparece, sob o cabelo vermelho está o beatifi-
cado e sorridente rosto de Destino.
Perfeito. Isso é tudo o que eu preciso para me animar. A imortal
personificação de tudo o que eu não sou. Tudo o que eu cobiço. Tudo o
que me é negado.
Pense em aversão.
Pense em ressentimento.
Pense em tumor maligno.
“Que tal a sua salsicha?”, Destino pergunta ao se sentar e fica olhan-
do para meu espetinho do Hot Dog on a Stick.
O problema de Destino é que ela é ninfomaníaca.
Está usando uma camiseta vermelha, uma minissaia vermelha de
couro, um par de botas de cano alto da mesma cor e seu eterno sorriso.
Está sempre de bom humor. Por que não estaria? Não é ela que tem de
passar a eternidade lidando com molestadores de crianças, consumidores
compulsivos e mais de cinco bilhões e meio de fracassados que parecem
não saber como juntar toda sua merda.
Ao contrário do que pensa a maioria dos seres humanos, destino e
fado não são a mesma coisa. O destino não pode ser impingido à força
para alguém. Se a pessoa é pressionada por circunstâncias, então isso é
um fado. E o fado está morbidamente associado com o inevitável, com a
possibilidade de que alguma coisa sinistra está para acontecer.
Seu fado está selado.
Uma doença fatal.
Um fado pior do que a morte.
Olha só, que desafio pode ser pior do que Morte, em uma escala
distópica?
Destino, por outro lado, é de natureza divinatória e implica um des-
fecho favorável, o que geralmente traz consigo uma conotação mais po-
sitiva.
O destino sorriu para ele.
Ela estava destinada à grandeza.
Era o destino dela.
“Posso provar a sua carne?”, Destino pergunta, projetando tanta pai-
xão e beleza, que eu simplesmente quero esmagar o resto do meu cachor-
ro-quente no rosto dela.
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A sina predetermina e ordena o curso da vida de uma pessoa. Mas
mesmo quando meus humanos tomam decisões ao longo de sua jornada
que podem ter impactos adversos em seu futuro, eles não podem dizer
nada em relação à mudança em suas sinas. Você não tem nenhuma chance
comigo. Eu não colaboro.
Pense em solidão.
Pense em autoerotismo.
Pense em Henry David Thoreau.
E mesmo se eu quisesse ajudar, mesmo se eu quisesse oferecer algu-
ma orientação, fazer uma sugestão ou dar uma indiretazinha sutil, eu não
posso. É uma questão de “livre-arbítrio”. Os humanos têm permissão de
fazer suas próprias escolhas e de viver com as consequências.
Pense em meus humanos como crianças desobedientes que não po-
dem abrir a boca a respeito da severidade do castigo que levaram.
Mas, no caso de Destino, os seres humanos dela estão mais envol-
vidos no processo, porque sem a participação voluntária do sujeito não
há o que resulte do destino. Os humanos dela escolhem seu destino pela
opção de diferentes caminhos na vida. Eles até podem errar, mas aqui
estamos falando de dois prêmios Oscar em vez de três. Talvez um Pulitzer
em vez de um Prêmio Nobel da Paz.
Pense em Destino humano como um grupo de ótimos estudantes
que podem escolher qualquer faculdade onde queiram estudar.
Eu deveria ter lido as letras miúdas na descrição de funções de meu
trabalho.
“Que tal me deixar chupar o seu canudinho?”, Destino pede.
“Estou ocupado”, digo. “Por que não vai incomodar Presteza ou Ca-
ridade?”
“Ah... deixa disso, Fááááááááááááááááááááááábio, Só estou querendo
me divertir um pouquinho.”
Sempre que Destino me chama pelo pseudônimo, ela estica a primei-
ra sílaba, como se estivesse curtindo com a minha cara.
Nem todos nós temos pseudônimos. Destino prefere seu próprio
nome, enquanto Morte adotou o de Dennis. A maioria dos Sete Pecados
Capitais tem nomes falsos porque ninguém quer realmente ser chamado
de Ira, Inveja ou Cobiça. Todas as Sete Virtudes Celestiais assumiram seus
nomes formais, exceto Temperança, que prefere ser chamado de Tim.
“Então, quando é que você voltou?”, pergunta Destino, enrolando
o cabelo de um jeito sedutor e me fitando com imensos olhos de sexo.
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Embora não seja tão provocante como Luxúria, ela definitivamente tem
seus momentos.
“Não sei”, digo, terminando meu espetinho e chupando meu suco
até a última gota, fazendo o fundo do copo roncar. “Há alguns dias.”
Muitos de nós chamamos Nova York de nosso lar, embora não per-
maneçamos ali o ano inteiro. Com mais de seis bilhões e meio de pessoas
no planeta, temos de ser bem onipresentes.
“Mais alguém por aí?”
“Remorso e Esperança”, ela informa. “Alguns dos outros sete, com
certeza. E eu soube que Preconceito está tentando montar um jogo de
pôquer, mas sem muita sorte.”
O problema de Preconceito é que ele tem síndrome de Tourette.
Destino e eu nos sentamos no banco por alguns minutos, em si-
lêncio, observando passar os zumbis cambaleantes do shopping, seus
cérebros primitivos concentrados em triângulos amorosos, iPods e enro-
ladinhos de canela.
“Interessado em sexo sem contato?”, pergunta Destino.
Destino pode provocar, em mim, intensos sentimentos de ira e in-
veja, mas isso não quer dizer que eu não esteja interessado em vê-la tirar
sua minissaia vermelha.
“Claro”, eu digo. “Na sua casa ou na minha?”
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