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1 Desafios para a educação no século XXI Reflectir sobre os desafios da educação no futuro, constitui um repto deste Forum que reúne autarcas e professores interessados no desenvolvimento de projectos animados pela Rede Viseu Educa e que nos mereceu a deferência e convite da CMV para esta conferência inaugural. Uma tarefa que assumimos com gosto que nos faz recordar tempos idos em que participámos na instalação do ensino politécnico nesta cidade e distrito, partilhando com diversos colegas e com técnicos do Ministério da Educação, os passos iniciais do lançamento da sua Escola Superior de Educação. Este é um desafio que continuamos a assumir como cidadão, interessado nos caminhos e futuro do sistema de ensino português e na mudança que interna e externamente condicionam a sua missão, evolução, desempenho e responsabilidades. Como os demais sistemas sociais também os sistemas educativos estão sujeitos à variação dos seus contextos interno e externo, à procura dos alunos, à oferta da rede e à disponibilidade do seu corpo docente. Se tal tão bastasse os seus resultados dependem ainda de outros factores relacionados com as políticas educativas que estabelecem metas e objectivos, disponibilizam meios e repartem responsabilidades num processo acrescido de descentralização entre o poder central e as escolas e entre o poder central e o poder local. Neste processo são chamados a família e a comunidade; os alunos e os professores; a escola, enquanto organização pedagógica e as instituições sociais, culturais, desportivas e religiosas locais que acompanham o desenvolvimento humano da população, em particular dos mais jovens.

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Desafios para a educação no século XXI

Reflectir sobre os desafios da educação no futuro, constitui um repto deste Forum

que reúne autarcas e professores interessados no desenvolvimento de projectos

animados pela Rede Viseu Educa e que nos mereceu a deferência e convite da CMV

para esta conferência inaugural. Uma tarefa que assumimos com gosto que nos faz

recordar tempos idos em que participámos na instalação do ensino politécnico nesta

cidade e distrito, partilhando com diversos colegas e com técnicos do Ministério da

Educação, os passos iniciais do lançamento da sua Escola Superior de Educação.

Este é um desafio que continuamos a assumir como cidadão, interessado nos

caminhos e futuro do sistema de ensino português e na mudança que interna e

externamente condicionam a sua missão, evolução, desempenho e responsabilidades.

Como os demais sistemas sociais também os sistemas educativos estão sujeitos à

variação dos seus contextos interno e externo, à procura dos alunos, à oferta da rede e

à disponibilidade do seu corpo docente.

Se tal tão bastasse os seus resultados dependem ainda de outros factores

relacionados com as políticas educativas que estabelecem metas e objectivos,

disponibilizam meios e repartem responsabilidades num processo acrescido de

descentralização entre o poder central e as escolas e entre o poder central e o poder

local. Neste processo são chamados a família e a comunidade; os alunos e os

professores; a escola, enquanto organização pedagógica e as instituições sociais,

culturais, desportivas e religiosas locais que acompanham o desenvolvimento

humano da população, em particular dos mais jovens.

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Esta é uma tarefa complexa a que somos chamados a reflectir numa sociedade em

constante e contínua mutação, alicerçada no contributo sistémico, individual e

colectivo que cada um de nós: organizações escolares, pais, autarcas, alunos e

professores, dão na consecução de projectos direccionados para a vida e desempenho

da escola; no aproveitamento e qualificação dos alunos; na inclusão e o

desenvolvimento humano da população escolar. População que no seu dia transporta

diversas heranças culturais e económicas, familiares e comunitárias, alicerçadas no

seu meio de origem e tantas vezes em confronto com o projecto da organização

escolar que a pretexto da sua missão e carácter - porque aberto a toda a população -,

esquece os objectivos essenciais inscritos no desenvolvimento humano de cada um

dos seus alunos.

É missão da organização escolar, enquanto nó fundamental do sistema educativo,

responder eficazmente às muitas necessidades educacionais – dos alunos, das

famílias, da comunidade - nos nossos dias. Uma missão que passa pela articulação de

saberes e trabalhos centrados em três pilares fundamentais: na instrução e

socialização dos alunos, bem como na sua qualificação e preparação para a vida

activa.

Tomando como exemplo o ensino básico - enquanto elemento estruturante dos

saberes fundamentais da criança -, a instrução reparte-se por ciclos distintos da vida

escolar do aluno, destinados à consolidação e ao alargamento de aprendizagens de

matérias fundamentais no domínio das línguas, da matemática, das ciências, das

ciências sociais, das artes e da tecnologia.

Trata-se de uma missão articulada com actividades e vivências promotoras do

desenvolvimento socio-afectivo e das relações interpessoais da população escolar,

acompanhada pelos efeitos de uma socialização que promove a sua inserção na vida

social. Na sua complementaridade e concretização, as aprendizagens deste ciclo de

estudos visam a qualificação e autonomia do aluno, tendo em vista o seu desempenho

pessoal e mais tarde profissional, conferido pelo ciclo obrigatório de ensino

secundário e/ou profissional.

No dia a dia da sua vivência escolar, o aluno segue o aprofundamento de um

programa escolar, elaborado em função de um conjunto de aprendizagens e de

actividades tidas como essenciais à formação e ao desenvolvimento de competências

disciplinares e pessoais, orientadas pelo corpo docente. Salientamos as competências:

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- intelectuais, relacionadas com a aprendizagem e exploração da informação, a

resolução de problemas, o pensamento crítico e criativo;

- metodológicas, baseadas no método de trabalho, no domínio das tecnologias de

comunicação e de informação;

- pessoais e sociais, garantidas pelo auto-conhecimento e cooperação;

- comunicacionais, promotoras da inserção no seu meio.

Reconhecendo que os esteios desta formação são os professores, é fundamental o

papel e apoio da família como garante do processo formativo do aluno, da sua

integração escolar e social, do seu desenvolvimento humano e pessoal durante o ciclo

de vida escolar e fora dele. Para tanto cabe ao Estado - ao poder central e ao poder

local -, assumir as suas responsabilidades e deveres na construção de uma sociedade

justa, inclusiva, democrática e participativa.

O conjunto destes considerandos remete-nos para um referencial de funções e de

atribuições do sistema educativo, centrado na Escola e na acção comunitária, nos

interesses da população escolar e na sua integração social e cultural. Mais ainda:

obriga-nos a centrar a nossa atenção sobre os contextos imediatos da sua evolução e

desenvolvimento, baseados em previsões construídas na actualidade. Tomamos em

especial atenção o contexto demográfico, responsável pela procura e frequência

futura; pela oferta e adequação da rede e de cursos; pela alteração da matriz

organizacional e configuração do próprio sistema.

Diversas perspectivas de análise podem ser utilizadas: da Economia à Sociologia,

da Ciência Política à História; do Direito à Demografia. Optamos por esta última que

se preocupa com os aspectos quantitativos do sistema: as entradas e saídas; o

processo e o sucesso, com os valores de aproveitamento e retenção, do desperdício

escolar, isoladamente e na sua relação com outras situações como o nº de

professores, os equipamentos e salas de aula, a relação com os grupos etários da

população em idade escolar, o ratio professor/aluno. Estes são apenas alguns

aspectos que cabem no domínio de uma análise actual e prospectiva do sistema

educativo na sua relação com factores demográficos e sociais, também económicos e

culturais, que hoje e aqui podem se apreciados. Vejamos alguns aspectos.

Tendo em conta a evolução da população portuguesa, verifica-se que a nossa

situação demográfica tem vindo a agravar-se no decurso do último meio século,

através de um crescimento moderado de habitantes – nos últimos anos, mesmo a sua

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redução – e uma variação em sentido inverso dos movimentos migratórios: acréscimo

da emigração e redução da imigração.

Tal situação tem conduzido a um panorama de Inverno demográfico traduzido

numa redução acentuada dos nascimentos, crescimento moderado dos habitantes,

aumento progressivo dos idosos. A variação dos movimentos migratórios, comprova

os efeitos de um regime de transição demográfica em evolução, marcado por amplas e

profundas mudanças sociais. Estas decorrem das alterações nas condições de vida e

de emprego, que têm vindo a reforçar a tendência para o “crescimento zero” dos

habitantes no nosso país, para a “dependência demográfica” em que vivemos e para o

“despovoamento estrutural” que tende a acentuar-se em grande parte do nosso

território.

A continuidade e os efeitos destas situações acarretam alterações de vida na actual

e nas gerações vindouras, não só a nível nacional, mas também no contexto da UE28 e

dos países mais desenvolvidos do globo. Trata-se de um fenómeno radicado nas

mudanças económicas, sociais e culturais que advêm da industrialização e da

concentração dos excedentes rurais nas áreas urbanas, da emancipação da mulher e

da sua participação no mundo do trabalho, da terciarização da sociedade e do

aumento de instrução dos habitantes, da alteração profunda dos padrões culturais

dominantes, da revolução social e reprodutiva em curso.

Não bastassem estas razões acresce a evolução do mundo do trabalho, o acréscimo

do desemprego, a inserção tardia dos jovens no mercado de emprego, a dependência

destes em relação aos seus familiares, a alteração das vivências e dos núcleos

familiares, a intensificação dos fenómenos de mobilidade e a precariedade dos

vínculos laborais.

Estas situações convergentes no tempo actual, no espaço e na sociedade

portuguesa em regime de dependência demográfica e financeira, justificam um olhar

atento sobre o futuro da nossa sociedade, que no seu conjunto aponta para uma

redução ainda mais acentuada de habitantes e de alunos a entrar no nosso sistema

educativo. Regista-se, assim:

- a tendência de um crescimento moderado da população traduzida num aumento

de apenas de 150 milhares de habitantes entre 2001 e 2011 (Total de 10,542 Milhões

de habitantes) e de uma quebra a partir de então;

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- o crescimento negativo das componentes do saldo natural (decréscimo de

nascimentos, que baixaram para valores inferior a uma centena de milhar em 2011 –

cerca de 82,0 milhares na actualidade - e variação dos óbitos e do saldo migratório

(aumento da emigração e quebra da imigração), a partir de 2010;

- o aumento da esperança de vida à nascença (76,67 anos para os homens e 82,59

anos para as mulheres, em 2012), do envelhecimento na base (por redução de

nascimentos) e no topo (por acréscimo de idosos) da nossa pirâmide demográfica.

Desde 2000 a percentagem de idosos (> 65 anos) é superior à dos jovens (<14

anos), representando em 2011, 19% da população residente e esta, 14,9%. Em 2012,

por cada 100 jovens residiam 131 idosos, com o inevitável abaixamento do Índice de

renovação da população em idade activa: 143,1 em 2000 e 88,8, em 2012- e do índice

de dependência dos idosos. No início do novo século por cada pessoa a trabalhar,

registavam-se 24,2 idosos e em 2012, 29,4. Estes são alguns dados relativos à nossa

situação de Inverno demográfico;

Os dados acima referidos traduzem os efeitos de uma mudança social ancorada

numa alteração do velho paradigma - que tinha a mulher como “meio natural de

reprodução” - para uma outra situação em que o seu contributo passa a ser

condicionado por outros factores, nomeadamente os custos de oportunidade e a

satisfação pessoal e familiar da procriação. O decréscimo do índice sintético de

fecundidade para valores inferiores aos que permitem a renovação das gerações ou

seja, abaixo de 2,1: 1,55 em 2000 e 1,28 em 2012, configura uma situação de não

retorno difícil de ultrapassar própria da Revolução reprodutiva em curso. Daí que, no

futuro, tenhamos uma cohorte reduzida de alunos a entrar no sistema educativo cujo

valor, tendo em conta dos dados de 82,0 milhares de nascimentos, poderá manter-se

com as reservas inerentes à evolução dos movimentos migratórios.

A tendência para a evolução negativa de nossa população escolar em todos os

subsistemas de ensino levanta sérios problemas à gestão da rede e dos equipamentos,

dos recursos humanos e da sua formação; à oferta e à diversidade de cursos; às

perspectivas de sobrevivência, de crescimento e de inovação de diversos sectores da

nossa sociedade. Mais ainda, conduz ao registo de diversos tipos de desperdício,

nomeadamente ao registo da “fuga” de cidadãos academicamente qualificados - brain

drain - para o estrangeiro, e à sua não realização profissional no país, defraudando as

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sus expectativas pessoais e a dos cidadãos que com os seus impostos alimentam os

sistemas de vida da sociedade portuguesa.

Neste contexto importa por isso acentuar que as previsões de crescimento

demográfico da nossa sociedade partem de um valor máximo de 10,4 Milhões de

habitantes em 2011 para valores significativamente mais baixos – entre 9,2 milhões e

6,3 milhões de habitantes em 2060. Tal significa que a sociedade e a Escola que

estamos a construir deve prever a redução de cerca de 1/3 da sua população discente

no próximo meio século. Compreende-se assim o efeito dos desequilíbrios estruturais

que podem afectar os nossos sistemas sociais, incluindo o sistema educativo, no seu

conjunto e a necessidade de se repensar a sociedade como um todo, como um sistema

aberto que embora sujeito aos efeitos do seu contexto internacional externo, tem de

repensar as suas próprias fragilidades internas e de encontrar as situações de

equilíbrio que lhe garantam a sua subsistência e continuidade.

Tomando como referência a história recente do sistema educativo português

temos presente o elitismo do sistema educativo até meados de Novecentos e os

esforços da democratização do ensino desde então. Daqui decorre o aumento da

procura da educação, o alargamento da rede escolar e as medidas de política

educativa, também social e económica, facilitadoras da acessibilidade dos alunos a

todos os níveis de ensino, da educação infantil ao ensino básico, do ensino secundário

à educação terciária.

Da enorme fase de procura registada no último quartel de Novecentos -, animada

pelos contingentes demográficos alimentados por valores de natalidade muito

superiores a uma centena de milhares de nascimentos anuais – segue-se a sua quebra

que coexiste com a capacidade da rede instalada e dos recursos humanos disponíveis;

com a política de racionalização e contenção de despesas e, também, com os alertas

dos efeitos da revolução demográfica sobre o sistema educativo, o sistema económico,

o sistema de saúde e outros sistemas sociais conexos.

Num futuro próximo, como vamos então conviver com um sistema educativo

marcado pela redução da sua rede e à concentração de serviços em centros de maior

acessibilidade e dimensão? Como vamos acompanhar as necessidades de formação do

seu corpo docente e à sua distribuição por áreas territoriais, por áreas científicas e

Escolas? Como vamos ultrapassar as necessidades imediatas das famílias, residentes

em áreas de despovoamento, em territórios de baixa densidade e considerando-os,

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eufemisticamente, como territórios de elevado potencial? Como vamos encontrar

interlocutores à altura de estabelecerem o diálogo necessário à paz social entre os

desfavorecidos de hoje - e de amanhã - e as élites urbanas que residem junto aos

centros de poder?

Acreditamos que as soluções de ajustamento e de reforma necessárias, têm de ser

encontradas na Escola e no Poder local; nos cidadãos e nas organizações escolares; no

Estado e na sua administração para que promovam contratos sociais que superem as

“barreiras de exclusão” que se estão a acentuar no nosso território e sociedade.

No contexto demográfico de uma perda continuada da população escolar como vai

lidar a Escola e o sistema educativo com as hierarquias sociais que acompanham os

dualismos há muitos identificados na nossa sociedade? E como vamos superar as

dificuldades de acesso, de sucesso escolar e de desenvolvimento humano que tendem

a agravar os desperdícios que identificam o nosso sistema educativo? Mais ainda,

como vamos combater as diferentes formas de literacia que a Escola actual, na sua

concepção, práticas e desempenho está a promover junto de parte significativa dos

nossos alunos?

Se é certo que as questões da acessibilidade física há muito tendem a ser resolvidas

pela maior cobertura da rede escolar, pela oferta de transportes escolares e por

apoios de outra natureza, parece-nos que as barreiras de exclusão que pesam sobre a

população escolar exigem muita e melhor cooperação entre a escola, a família e a

comunidade – sobretudo a comunidade educativa – desenhada em torno da Escola,

dos agrupamentos escolares e da sua população.

Em causa está o desenvolvimento humano dos alunos, o cumprimento das suas

expectativas pessoais e familiares e, acima de tudo, a vivência da cidadania exigida

num Estado e regime democrático. Acresce também o cumprimento das funções, de

todas as funções, que o poder local tem vindo assumir, no sentido de promover a

qualidade de vida dos munícipes e a elevação do seu nível de bem-estar cultural,

social e económico.

Na sua repartição de riqueza o nosso Estado vê-se confrontado com os

desequilíbrios inerentes à atenuação dos efeitos perversos da quebra da população

infantil e do aumento da população idosa; da disponibilidade de oferta de

equipamentos escolares e de equipamentos sociais; da necessidade de desenvolver as

actividades económicas e laborais e com a escassez de recursos humanos

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indispensáveis para o fazer. Não o podendo fazer isoladamente, cada Município tem

de se articular com o conjunto das Comunidades Intermunicipais e Regiões, no

sentido de promover a afectação de recursos, de meios, de iniciativas e de realizações

que permitam assegurar o funcionamento das suas Escolas, o desenvolvimento dos

Programas, o sucesso dos alunos e participação dos pais e da comunidade.

Importa aqui salientar que a análise dos indicadores relativos ao estado,

composição e estrutura da população acompanham-se da quebra dos valores de

natalidade e da fecundidade para valores inferiores aos que permitem a “renovação

das gerações” - e as alterações profundas da nupcialidade, conjugalidade e

parentalidade da população portuguesa.

Da conjugação de diversos factores, individuais, familiares e societais, resultam

interpretações variadas sobre a marcha da natalidade e a evolução da “revolução

reprodutiva” (Díaz e 1MacInnes, ) centrada no estudo do “contexto social da

reprodução” incidindo sobre a criança, o seu bem-estar, a alocação de recursos e

desenvolvimento humano é encarada como um factor de ajustamento populacional e

de dinâmica intergeracional. Esta assenta no ajustamento da fecundidade, na

eficiência do sistema demográfico e na alteração do papel da mulher como tradicional

“meio de produção”.

Pode a Escola manter-se fora da discussão e da remediação destas situações

demográficas? Podem as senhoras e os senhores docentes experienciar estes

fenómenos sem que o seu desempenho seja afectado? Pode o poder central manter a

sua visão centrípeta dos problemas sem o apoio e a procura de sinergias com o poder

local? Podemos assim satisfazer as necessidades reais de uma sociedade, cada vez

mais letrada, sem um olhar crítico e aprofundado sobre o germe da inovação e do

desenvolvimento?

Hoje mais do que nunca, a mobilidade da nossa população, por razões geográficas,

laborais, culturais e científicas, exige leituras adequadas - na hora -, da sua marcha e

progressão. Como em tempo assinalou Durkheim, as baixas densidades demográficas

traduzem-se em práticas simples de produção, em tecnologias primitivas, em regras

de conduta bastante rígidas entre a população, em práticas de uma solidariedade

mecânica entre os membros do mesmo grupo. 1 MacInnes, J. e Pérez, J. (2008): “La tercera revolución de la modernidade: la reproductiva”

Reis: Revista española de investigaciones sociológicas (122): 89-118

In: http://digital.csic.es/bitstream/10261/3482/1/MacinnesPerez2008.pdf 2MAI14

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Como se compagina esta situação de despovoamento estrutural do solo português

com as necessidades de inovação que daí decorrem? E com os equipamentos e as

novas redes urbanas que se vão constituir? E com a Escola do futuro?

Estes são alguns dos aspectos a reter no debate renovado sobre os desafios da

educação no presente. Debate este que deve envolver os diversos actores sociais

interessados na problemática do crescimento e nos condicionantes impostos pela

geografia da “dependência demográfica” da população portuguesa. Não sendo

uniforma à escala nacional, nem tão pouco a nível das diversas regiões e municípios,

esta tem vindo a acentuar-se com as disparidades espaciais que acompanham a

litoralização das áreas metropolitanas e o despovoamento do interior.

As clareiras demográficas existentes obrigam-nos a um olhar atento sobre a

oportunidade de certos “investimentos demográficos” polarizados por Agrupamentos

escolares e associações locais permitem reduzir a dependência social e fomentar a

manutenção de certas formações laborais. É aqui que a escola, enquanto organização

social, com a sua missão, objectivos, estrutura interna, normas, população e deveres,

assume um papel de relevo na sua função específica e na sua relação com a

comunidade onde se insere. Trata-se de uma missão complexa tendo em conta a

diversidade e a tipologia destas unidades orgânicas, a sua afiliação hierárquica, os

recursos de que dispõe, o “ethos” organizacional que a identifica, a população que

acolhe.

Por natureza as relações que a Escola estabelece com a sua população firmam-se

em contratos laborais e de aprendizagem, avaliados anualmente pelo rendimento dos

alunos e desempenho dos professores. Também, pelos projectos que estabelece com

as autarquias e pela reflexão que promove em torno do seu desenvolvimento e

resultados. Uma avaliação que se quer menos Taylorista e Fordista, mas centrada na

pessoa e no desenvolvimento humano dos alunos, na sua preparação para a vida em

sociedade, no incentivo à carreira académica. Tudo isto, juntamente com a superação

de tantas necessidades – reais e ocultas – que carreia a população escolar.

Importa aqui salientar o valor inqualificável da vida e das boas práticas

institucionais centradas no desenvolvimento humano do aluno, no diálogo parental,

na cooperação social, nas sinergias da organização escolar com as demais instituições

sociais, que promovem e garantem o desenvolvimento harmonioso do aluno e da sua

personalidade, da sua realização pessoal e projectos futuros. Mais ainda, do respeito

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pela sua origem e diversidade e da confiança que estabelece entre os seus

colaboradores e parceiros de formação.

Como é possível construir um cenário idílico de Escola, no meio de uma “arena” de

interesses e obrigações, de incertezas e responsabilidades, de diversidades culturais e

diferenciadas?

Face às prioridades estabelecidas por Portugal no horizonte 2020 e aos objectivos

e medidas estratégicas em domínios e temáticas nas áreas de: competitividade e

internacionalização; inclusão social e emprego; capital humano; sustentabilidade e

eficiência no uso de recursos, a Escola tem de ser chamada a participar. Com ela as

autarquias locais devem garantir o cumprimento das metas que permitam

ultrapassar as barreiras das desigualdades socias, económicas e culturais que hoje

nos assistem.

Neste contexto importa continuar a acreditar nos “custos de oportunidade” das

reformas da educação como uma tarefa colectiva, dando particular realce ao papel do

poder central e do poder local, à família e às organizações escolares. Mais ainda, à

pessoa do aluno, ao seu contexto demográfico e familiar que assumem os efeitos

adversos:

- de uma alteração dos níveis e qualidade de vida;

- do envelhecimento demográfico da população;

- da evolução populacional comprometedora da realização de níveis de inovação

capazes de susterem a desertificação humana e a fuga de recursos humanos mais

qualificados;

- da situação de dependência do nosso país em relação aos movimentos

migratórios externos, direccionados para os países mais desenvolvidos da União.

A situação anterior, que não é apenas demográfica, reflecte-se na capacidade

produtiva dos países, no mercado de trabalho, nas despesas públicas e na qualidade

de vida dos cidadãos. Por isso, deve ser considerada numa perspectiva

multidimensional que tenha em consideração os efeitos espaciais dos contrastes

socias, há muito evidentes, e dos perigos da sua perpetuação.

Embora sendo de enumerar a existência de diversos factores que condicionam o

processo de desenvolvimento regional na sua dupla perspectiva, espacial e temporal

pensamos, à semelhança de outros autores (Perroux; 1981 e Carneiro; 1988) que a

formação de recursos humanos, sobretudo de nível superior, constitui um dos pilares

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fundamentais da "modernização humana, cultural, económica e social do país"

(Carneiro, ob. cit, 23). Como regista o autor (loc. cit.), entendemos que aquelas

instituições devem desempenhar "um papel vital no apetrechamento e contínuo

aperfeiçoamento das lideranças regionais capazes de romper o círculo vicioso do

subdesenvolvimento interior". Esta afirmação será tanto mais adequada quanto mais

diversificada e extensa for a respectiva rede de formação e as aprendizagens se

orientarem para as necessidades produtivas locais, capazes de suster a fuga da

população activa e jovem e de atrair novos moradores em idade de procriação.

Nesta perspectiva, subentende-se ser dever das instituições, universitárias e

politécnicas, contribuírem para a "mobilização eficaz da totalidade dos recursos

endógenos em cada região", nomeadamente através da sua ligação com o meio e da

fixação dos seus diplomados. Este constitui um poderoso desafio da educação dos

nossos dias. Desafio, este, que exige um “contrato social” alargado, atento à evolução

da sociedade destes tempos, de ócio forçado a que muitos são obrigados sem o

usufruto de direitos comuns a outros grupos de cidadãos e a deveres impostos aos

“servos da gleba”, deixando de fora alguns grupos de cidadãos.

As medidas executadas pelos Municípios com vista à redução das condições de

fixação dos seus habitantes e de despovoamento estrutural do território; ao

equilibrar da balança demográfica e da contabilidade social (o deve-haver dos

movimentos naturais e dos movimentos migratórios) merecem o nosso apoio se

baseadas na consistência de propostas e iniciativas ajustadas no tempo, no espaço e

em número, que marquem a sua razoabilidade e adequação ao “processo civilizatório”

(Darcy Ribeiro) em curso. Com elas estamos a cumprir a educação e a fortalecer o

sistema social e o sistema educativo do futuro.

Este esforço não pode ser entregue, apenas, aos eleitos do poder local. É forçoso

que o poder central e as suas hierarquias sejam capazes de se articular com os

Municípios na socialização e sucesso escolar dos alunos; na sua inserção laboral; na

promoção da mobilidade social da população e na melhoria da qualidade da Escola –

de todas as escolas – enquanto organizações sociais e educacionais, e na valorização

do seu corpo docente. Neste aspecto a municipalização de funções diversas da

educação – da competência do poder central - podem atenuar os riscos de uma

desertificação ainda maior do território português, do êxodo dos seus habitantes, da

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desadequação da organização educativa aos seus contextos, da falência da escola no

seu todo.

Porque as organizações sociais devem ser constantemente avaliadas, desejamos

que a realização deste Fórum permita encontrar caminhos mais assertivos para

projectos que se mostrem menos eficazes; fortalecer os que apostem no

desenvolvimento humano e na promoção social das populações e, quiçá, descobrir

novos temas e rumos dos programas pedagógicos que permitam o desenvolvimento

educativa e formativo de crianças e jovens. Estas tarefas têm de contar com a

colaboração de todos os agentes do sistema educativo – pais, associações, empresas e

autarquias – no sentido de fortalecer o compromisso estratégico e a cooperação

efectiva entre o Poder Central e o Poder Local.

Tal é possível se aliarmos às sinergias entre o poder local e o poder central a

conjugação das medidas de política social, educativa e cultural do país, com metas de

crescimento, de inovação e mudança a cumprir num horizonte próximo. Apesar de

envelhecido, dispomos de um capital humano fortalecido por indicadores de uma

escolaridade terciária, solicitada a executar no terreno os ensinamentos teóricos de

uma formação superior. Ou será que esta não foi devidamente adequada para o futuro

que já hoje vivemos?

Não é aqui que que tal assunto deve ser redimido. Defendemos no entanto a

necessidade de reformas estruturantes solidificadas:

- na construção de um edifício organizacional, pedagógico e científico assente em

experiências locais sólidas;

- orientado por profissionais e pensadores devidamente certificados, críticos e

empenhados na condução do sistema educativo centrado no desenvolvimento

humano do aluno;

- suficientemente audaz para garantir um futuro melhor desta casa que hoje

continuamos a construir.

Estas são algumas questões que se colocam à sociedade, à educação e aos seus

actores no início da actual centúria. Como exemplo de resposta, desejamos que se

mantenha vivo o empenhamento, a execução e a avaliação crítica do “Programa Viseu

Primeiro” na sua expansão e porvir.

J.A.

7/JUL/2015 (CMViseu)