depoimento mpas — o vilão da reforma sanitária? · funrural - fundo de assistência ao...

22
MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? José Saraiva Felipe ** Brasília, DF Julho, 1987 Siglas Utilizadas MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social OMS Organização Mundial de Saúde OPAS - Organização Panamericana de Saúde CENDES - Centro de Desenvolvimento Econômico e So- cial ABEM Associação Brasileira de Educação Médica PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento PREV—SAÚDE Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde MTb Ministério do Trabalho GEIN Grupo Executivo Interministerial MINTER Ministério do Interior MS— Ministério da Saúde SEPLAN-PR - Secretaria de Planejamento da Presidência da República MEC Ministério da Educação FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Pre- vidência Social AIS - Ações Integradas de Saúde CEME Central de Medicamentos CONASP - Conselho Consultivo de Administração da Saú- de Previdenciária CIMS - Comissão Interinstitucional Municipal de Saúde CRIS - Comissão Regional Interinstitucional de Saúde CIS Comissão Interinstitucional de Saúde (estadual) CIPLAN - Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação das Ações de Saúde PAIS - Programa das Ações Integradas de Saúde PIB - Produto Interno Bruto OTN - Obrigações doTesouro Nacional INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor IPC-R - Índice de Preços ao Consumidor - Restrito FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social * As opiniões expressas neste documento refletem a posição do autor, não sendo, necessariamen- te, no todo ou em parte, endossa- das pela instituição à qual está vinculado. * * Secretário de Serviços Médicos do MPAS; Coordenador da Secre- taria Técnica da CIPLAN; Profes- sor Assistente do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. DEPOIMENTO

Upload: haxuyen

Post on 14-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

MPAS — O vilão da Reforma Sanitária?

José Saraiva Felipe **Brasília, DFJulho, 1987

Siglas Utilizadas

MPAS — Ministério da Previdência e Assistência SocialOMS — Organização Mundial de SaúdeOPAS - Organização Panamericana de SaúdeCENDES - Centro de Desenvolvimento Econômico e So-

cialABEM — Associação Brasileira de Educação MédicaPIASS — Programa de Interiorização das Ações de Saúde e

SaneamentoPREV—SAÚDE — Programa Nacional de Serviços Básicos

de SaúdeMTb — Ministério do TrabalhoGEIN — Grupo Executivo InterministerialMINTER — Ministério do InteriorMS— Ministério da SaúdeSEPLAN-PR - Secretaria de Planejamento da Presidência

da RepúblicaMEC — Ministério da EducaçãoFAS — Fundo de Apoio ao Desenvolvimento SocialINAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Pre-

vidência SocialAIS - Ações Integradas de SaúdeCEME — Central de MedicamentosCONASP - Conselho Consultivo de Administração da Saú-

de PrevidenciáriaCIMS - Comissão Interinstitucional Municipal de SaúdeCRIS - Comissão Regional Interinstitucional de SaúdeCIS — Comissão Interinstitucional de Saúde (estadual)CIPLAN - Comissão Interministerial de Planejamento e

Coordenação das Ações de SaúdePAIS - Programa das Ações Integradas de SaúdePIB - Produto Interno BrutoOTN - Obrigações do Tesouro NacionalINPC — Índice Nacional de Preços ao ConsumidorIPC-R - Índice de Preços ao Consumidor - RestritoFUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador RuralAIH — Autorização para Internação HospitalarSAMHPS - Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da

Previdência Social

* As opiniões expressas nestedocumento refletem a posição doautor, não sendo, necessariamen-te, no todo ou em parte, endossa-das pela instituição à qual estávinculado.

* * Secretário de Serviços Médicosdo MPAS; Coordenador da Secre-taria Técnica da CIPLAN; Profes-sor Assistente do Departamentode Medicina Preventiva e Socialda Faculdade de Medicina daUFMG.

DEPOIMENTO

Page 2: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

CNRS - Comissão Nacional da Reforma SanitáriaCNRS/ST-CNRS/Secretaria TécnicaPOI — Programação — Orçamentação IntegradaSUDS - Sistema Unificado Descentralizado de SaúdeCONASS - Conselho Nacional dos Secretários de SaúdeSINPAS — Sistema Nacional de Previdência e Assistência

SocialCEBES - Centro Brasileiro de Estudos de SaúdeABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em

Saúde ColetivaDOU - Diário Oficial da UniãoCNS - Conferência Nacional de SaúdeENSP - Escola Nacional de Saúde PúblicaFIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz

Por trás do véu diáfano das idéias bem-postas ou enfeita-das pela nossa capacidade retórica, que peca por um certoconvencionalismo expressional, medra uma questão: afinalde contas, o MPAS participa, promove ou obstrui a reformasanitária? Variadas suposições são encontradiças aqui e alinas linhas, e sobretudo nas entrelinhas, de algumas publi-cações do nosso movimento sanitário. Sem a pretensão doesclarecimento definitivo, mas com a intenção de assumirresponsabilidades e provocar as contraposições, tão úteisàs correções do que se está fazendo, resolvemos abordardiretamente o assunto, assumindo o ônus e os riscos de es-tarmos numa posição institucional definida.

A reforma sanitária, expressão de uso relativamente re-cente entre nós, precisa ser desdobrada no movimento, quetem uma história de pelo menos duas décadas, pela reestru-turação do nosso modelo (seriam modelos?) de prestaçãode serviços médico-assistenciais, e na caracterização do obje-to (representado no futuro e no desejo) do processo. Trata-se de um sistema de saúde universalizado, igualitário no to-cante ao acesso e consumo dos serviços, racionalizado ehierarquizado em função de uma cobertura integral, quecontemple desde a promoção da saúde até níveis complexosde tratamento dos doentes. A distribuição dos serviçosdeverá estar conforme às necessidades epidemiológicas-so-ciais e ser permeável ao controle social dos usuários.

A partir deste consenso, espraiam-se estratégias que recu-peram o dissenso. À proposta contextualizada de fazê-locrescente e majoritariamente público, se contrapõe odesejo de uma estatização imediata, com a desapropriaçãodos serviços privados, responsáveis por 90% das internaçõeshospitalares e 50% dos atendimentos ambulatoriais.*Essaposição não se compromete com avanços viáveis dentro doatual quadro sócio-político.

Page 3: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

Diferenças à parte, que elas precisam existir, procurare-mos desenvolver brevemente a trajetória do movimento sa-nitário, acreditando que o amadurecimento da proposta, noque ela tem de consensual, possa ser inferido a partir daí.

O movimento questionador da nossa estrutura de saúde eautor (executor em menor escala) de propostas alternativas,encontra, na sua genealogia, na década de 60, o movimentoque resultou na criação dos Departamentos de MedicinaPreventiva e Social nas Faculdades de Medicina e InstitutosUniversitários. De inspiração modernizante, além de sacudiras recomendações fossilizadas das Disciplinas de Higiene eSaúde Pública, a iniciativa recebeu os incentivos de Kelloggou Ford Foundation e foi amparada teoricamente pelaOMS/OPAS (lembram-se do frisson do método OPAS-CENDES?). Mas o populismo agonizante, a nível dos servi-ços, não se sensibilizou. A bossa-nova preventivista ameaça-va seus métodos eleitoreiros com o cisma da racionalidade,e os jovens docentes foram contidos nos limites da acade-mia e seus fóruns de contestação próprios (lembram-se daimportância e das posições indignadas nas reuniões daABEM?).

Com o golpe autoritário de 1964, que derrocou nossafrágil e enviesada democracia, o novo regime precisava bran-dir contra o populismo, evidenciando as suas mazelas. Osserviços de saúde poderiam ser uma grande superfície decontato para novos projetos. A modernidade preventivista,poderia embasar o discurso social dos feitores do dia, que,ademais, tinham compromissos com a eficientização dealgumas instituições que viessem respaldar projetos econô-micos, tão ambiciosos quanto conservadores socialmente.Este quadro abriu as portas para a transação academias-ser-viços de saúde, propiciando as brechas. Em boa hora e parafazermos bom proveito da oportunidade, já que as contradi-ções não circulam apenas nas ruas e fazendas, mas adentramàs instituições.

O grande achado foi a criação das áreas de planejamentonas Secretarias estaduais de saúde, algo afastadas da rotinade clientelismo, do penoso esforço para a manutenção deredes limitadas e ineficazes e do socorro precário a ser pres-tado aos incêndios sanitários. A partir daí, no interior dosserviços, abriu-se o campo para o exercício do planejamento- mais pedagógico que factível - , da atividade crítica e daintervenção limitada mas expressiva pelo efeito-demonstra-ção. Nestes espaços se formaram muitos técnicos que secomprometeram com o que fazer nas áreas de saúde públicae medicina social. Os exemplos mais significativos talvez te-nham ocorrido em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul.

Paralelamente a estas ocorrências, e ainda contando comos mesmos estímulos externos e internos, que escondiam

Page 4: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

intenções perversas nas frestas de um discurso moderno,incorporador de categorias trazidas das ciências sociais, sur-gia o movimento da medicina comunitária. A mobilizaçãoem torno dele foi importante para a opção de estudantes eprofissionais recém-engajados nos serviços para um novocomprometimento ao nível do conteúdo de suas práticasinstitucionais. Em Minas aconteceram os projetos de Dia-mantina e, depois, da Região Norte de Minas (MontesClaros), que superaram, pela releitura e praxis das propos-tas, as suas formulações oficiais originais, e se tornarampontos de referência de alcance nacional. Nestas regiões,e na de Caruaru em Pernambuco, foram implantadas redesassistenciais primárias em escala.

À mesma época, ou pouco depois (meados da década de70), algumas administrações municipais abriram espaços àmedicina comunitária, como as de Londrina, Campinas,Niterói, etc.

Estas "ilhas da fantasia", de menor ou maior tamanho,não podem ser vistas como mera conseqüência de propostaspolíticas ou técnico-racionalizadoras circunscritas em con-junturas regionais ou locais, de duração efêmera no geral.Para além das circunstâncias, significaram um lugar de en-saio das idéias, funcionaram como elos de articulação de umincipiente mas insinuante movimento sanitário que buscavaespaço para mudanças setoriais progressistas e, mais que tu-do, contribuíram decisivamente para a marcação de quadrostécnicos com determinado perfil. Mesmo a inflação de ex-pectativas, fruto de um voluntarismo algo ingênuo, quandose pretendia influir no quadro político-social a partir dasações setoriais, para muitos de nós faz parte do processo deamadurecimento e aprendizagem, que descortinou novasperspectivas de articulações políticas e institucionais. Masesta vivência não superou de todo o equívoco tecnocráticoou a perspectiva cricunstancialista de que podemos isolar aação setorial, selecionar atores-pessoas e valorizar o seu de-sempenho específico, comumente conjuntural, do seu de-sempenho e compromissos mais gerais, enquanto elementosposicionados e atuantes diante de interesses sociais amplia-dos. Desse artifício pode derivar a fé no príncipe, na suaprodigiosa capacidade de discernimento relacionada com oambiente da seção de poder em que assiste. Os príncipesda nossa devoção setorial têm tido um trágico desempenhono cenário político. E sabemos que condição de saúde eavanço democrático são parceiros siameses.

Deixando de lado as parábolas, o certo é que comopano de fundo dessas situações, perpassava o equívoco me-todológico corrente das propostas desenvolvimentistas ali-mentadas pelo funcionalismo: o planejamento, per se, seriaum instrumento eficaz de mudança social.

Page 5: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

Um outro momento de avanço se deu pela mesma época,com a incorporação de propostas dessa natureza no planofederal, que veio com a PIASS, o PREV-SAÚDE (projetonatimorto importante por que deu o que falar) e as AIS.

O PIASS (1976) representava o espalhamento das pro-postas da extensão de cobertura, através da atenção primá-ria, ao Nordeste rural brasileiro. Através do programa, oMPAS, desmembrado em 1974 do MTb, faz o seu debutna seara do movimento reformista. Além de integrar o Gru-po Executivo Interministerial (GEIN), juntamente com oMINTER o MS, o MEC e a SEPLAN-PR, o MPAS, em1978, passou a financiar alguns projetos do PIASS, na baseda co-participação nos custos operacionais. Anteriormente,perpassando todo o processo de fusões e concentração bu-rocrática, a Previdência elegera como política exclusiva edeliberada, o sucateamento dos seus próprios, privilegiandoa compra de serviços privados. Houve tempo em que o FASfinanciava os investimentos, o INAMPS garantia o custeio ea possibilidade de fraude impune compensava os preços avil-tados, numa trama diabólica que estimulava os apetites maisvorazes e perversos. Reproduzia-se um expediente muitocomum entre nós, através do qual o Estado estimula e ban-ca a iniciativa privada sem nenhum risco.1

As motivações para esta pequena alteração de rotaacham-se esmiuçadas em muitos trabalhos acadêmicos. Re-gistramos a estratégia oficial político-ideológica da persua-são e adesão, ainda que tenham sido excluídos os princi-pais focos de descontentamento, as áreas urbanas; a necessi-dade de modernizar o campo, sobretudo nas regiões maisatrasadas, integrando-as ao processo de capitalização inten-siva e abrupta; o movimento interno ao setor relacionadocom a expansão do mercado de consumo de equipamentose medicamentos - via Estado e consolidação de hábitos -do complexo médico-industrial, reponsável por expressivastaxas de acumulação de capital num contexto oligopolistae internacionalizado2.

Algumas características destes programas de extensãode cobertura primária também já foram analisadas. Haviaum distanciamento entre o discurso moderno e a viabilidadeoperativa, permeada por estruturas administrativas viciadas,afeitas ao clientelismo e à inoperância. O eficientismo pro-punha "custos compatíveis" ou "suportáveis " em nome dareplicação de serviços de baixa qualidade, restritos à am-pliação de uma rede de centros e postos de saúde poucoresolutiva. A utilização de pessoal leigo, após treinamentossumários e descontínuos, significava a decomposição daação assistencial segundo graus de complexidade: açõesmais simples, supostamente repetitivas, executadas por tra-

Page 6: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

balhadores de saúde menos qualificados, preferencialmenteentre as populações sem tradição assistencial e desorganiza-das, portanto menos exigentes. O resultado foi a instituiçãode uma medicina pobre, para pobres.

A insistente proposta da participação comunitária ti-nha um claro conteúdo funcionalista, adestrante e não cons-cientizador, quase sempre utilitarista e desorganizativo.São sinais desta perspectiva, as reuniões paralelas às formasde organização já consolidadas a nível de muitas comunida-des, o desconhecimento da rearticulação do movimentosindical, as discussões em torno das questões específicas erestritas de saúde (de doenças, principalmente) e os muti-rões, descritos, quantificados e fotografados como paradig-mas da participação.

Apesar de todas as distorções, presumíveis ou constata-das a posteriori, foi possível, aqui e ali, dar uma substânciatécnica e política mais consistente às proposições oficiais.Os limites e as contradições embutidas no discurso foramevidenciadas, o que alimentou a polêmica e o conflito,abrindo novos horizontes em cima do cheque sem fundodas esperanças suscitadas em termos de atenção médico-assistencial e de participação comunitária. Uma vez mais oenvolvimento consciente de profissionais de saúde foi decisi-vo para, atravessando o pântano e sujando os pés, assinalaros caminhos da necessária reformulação do nosso sistemasanitário. Não raro os embates e as derrotas mostraram afragilidade política dos espaços conquistados, mas nem porisso o esforço foi menos válido. O acúmulo de conhecimen-to e força permitia um ressurgimento, num outro lugar, sobnovas circunstâncias.

A estratificação do atendimento, conforme a inserçãodas camadas sociais no mercado produtivo, e o beco semsaída da rede primária sem referência, foram rechaçadospela população, que repudiou tal estrutura. O desapareci-mento ou a agonia dos serviços, superada a excitação doprocesso de implantação, acabou sendo trágica, com o des-perdício de capital social inativado em milhares de ambula-tórios. O avanço, a nível de concepção, passou pela ambiçãoem termos de cobertura de massa e abrangência da interven-ção realizada, que incorporou ações de saneamento básico.A implantação de sistemas simplificados de abastecimentode água em comunidades rurais praticou o reconhecimentode que a saúde se liga à qualidade de vida. Também a reali-zação maciça de obras através dos governos municipais, comêxito considerável, contribuiu para o recuo dos preconcei-tos quanto à descentralização. A administração municipaldiluiu-se enquanto locus privilegiado de dispersão de recur-sos públicos.

Page 7: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

A abrangência nacional, com a extensão do PIASS a ou-tras regiões do País, fez aglutinar segmentos interessadosno fortalecimento do setor público na prestação de serviçosde saúde.

Um novo ciclo de proposições se inicia quando estouroua crise do financiamento previdenciário em decorrência darecessão econômica, com epicentro na passagem dos anos70 para os 80. A retração dos gastos com saúde dentro daPrevidência, considerados compressíveis em relação a gastoscom benefícios* o que tem amparo na própria legislaçãoprevidenciária que os considera sujeitos às disponibilidadesorçamentárias e financeiras, forçou a nova construção teó-rico-discursiva que propunha a reorientação do sistema mé-dico-assistencial, com o privilegiamento das ações desenvol-vidas ao nível do setor público3. Esta atitude representouum corte, na medida em que retirou esses serviços da condi-ção de marginalidade quanto à condução hegemônica dapolítica setorial. Na prática, a viabilização das novas diretri-zes mostrava-se difícil, pelo comprometimento institucionalcom o modelo engendrado, que implicou no desmonte ouestagnação dos serviços públicos próprios ou conveniados.A proposta do CONASP, consubstanciada nas AIS4, comoapanágio de medidas racionalizadoras e saneadoras, incor-porou muito de todas as experiências anteriores que suma-riamente relatamos. Apareciam como resposta à irracionali-dade da expansão de leitos e internações pelo país, aimpossibilidade de crescimento dos gastos com a absorçãode tecnologia intensiva e obsolescente, muitas vezes discutí-vel em termos de eficácia e utilização social, e a premênciade consertar o modelo privatista sustentado pela interme-diação do Estado.

Embora, dentro da preocupação com a integração de re-cursos e ações institucionais, as AIS tenham nascido comoentrelaçamento do nível federal com o estadual e munici-pal, o MPAS assumiu não apenas a condução de fato da po-lítica setorial, pelo peso dos recursos financeiros, mas tam-bém a hegemonia no tocante às iniciativas de reformulaçãosetorial.

Dois ou três anos depois, alguns de nós, instalados emoutras posições institucionais, movidos quem sabe pela ca-tegoria menos nobre das perspectivas imediatistas e pessoais— discursivamente intoleráveis, mas tão presentes no dia-a-dia do jogo das posições políticas e institucionais - inves-tiram contra a origem das AIS: entulho autoritário, últimorebento setorial da ditadura. A sensação que me ocorreufoi a da rejeição da paternidade de um ente promissor, cujaspotencialidades mal podiam ser entrevistas.

O que se repara nessa postura circunstancial não é oreconhecimento das insuficiências da proposta, mas a ten-

Page 8: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

tativa inoportuna de sua exclusão ou desqualificação, o seudesconhecimento como estratégia válida para fazer avançaro movimento democrático na área de saúde.

A aprovação em 28/05/85, pelo Congresso Nacional,de uma "lei delegada" que, desnecessariamente, delegavapoderes ao Presidente da República, que ainda dispõe depoder do decreto-lei, para promover a reestruturação dosMinistérios da Saúde e da Previdência Social, açulou os âni-mos. Se é verdade que os Ministros das duas pastas tinhamrazões políticas e pessoais para, de um lado, pressionar pelatransferência do INAMPS para o MS e, de outro, para resis-tir à proposta, o certo é que, apesar de inúmeros documen-tos sugerirem a medida, foi fácil neutralizar a sua consecu-ção: representações classistas dos trabalhadores, parte signi-ficativa do Clero e muitos políticos se posicionaram contraa medida. A solução salomônica veio com a transferência daCEME para o MS. Alinhamentos corporativos resultaramem enfrentamentos técnicos-burocráticos entre o MPASe o MS, o que, sem dúvida, retardou e até imobilizou odispendio de energias em favor das transformações real-mente necessárias e factíveis.

Lamentavelmente, e uma vez mais assumo o ônus daqueixa numa posição institucional definida, a transferênciado INAMPS para o MS, viável ou não politicamente, para al-guns passou a ser o leit motiv da reforma sanitária, a suaúnica expressão, a ponte obrigatória entre o caos irremediá-vel e a solução de todos os problemas. A ação necessária seencolheu na defesa ardorosa da medida.

Esquecidas ficaram as análises sobre o espaço contra-ditório do Plano CONASP5, posicionamentos importantescomo o de Eleutherio Rodriguez Neto que fez as seguintesconsiderações sobre a fusão INAMPS/MS: "Não há dúvidaque esse deve ser o destino do processo de implementaçãoda política preconizada. No entanto, cabe a discussão daoportunidade de efetivação da fusão. O que se aventa é agrande dificuldade administrativa que isso acarretaria, dadasas dimensões exageradas das máquinas burocráticas dasduas instituições, podendo impedir a consolidação de algunsprocessos de avanço mais funcional que poderiam se dar noperíodo, como preparação para mudanças estruturais signi-ficativas a serem conquistadas através da Constituinte6

(grifos nossos). Tal posicionamento foi também expressoem documento da Câmara dos Deputados quando preco-nizara a "implantação de um Sistema Unificado de SaúdeFederalizado e Democrático. Este processo deve ser consti-tuído a partir do aprofundamento das AIS, que coordenamos diversos serviços, no sentido de se intensificar a integra-ção das diferentes instituições de saúde"7

Page 9: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

O importante a ressaltar é que o Sistema Único deSaúde para o país, desejado e necessário, não se resume nemse esgota nas alterações burocráticas que o conformarão. Oprofessor Sérgio Arouca, que tem uma clara posição acercada sua conveniência, procurando situar historicamente oobjeto, nos adverte: "La creación de un Sistema Único deSalud en el interior de una sociedade capitalista, nada mases que una actualización técnico-administrativa de um apa-rato estatal, sin que su esencia misma de relaciones socialeshayan sido modificadas"8.

Mas o assunto fora sobejamente discutido, o consen-so chegara ao âmago dos lares, era preciso aliviar a Consti-tuinte, "à qual se postergaria até a aprovação das mais co-nhecidas receitas de bolo". A transferência não veio, atocontínuo é extrair culpados.

O INAMPS, com suas burras cheias e sua política pri-vatista, saecula saeculorum, é um bom saco de gatos e depancadas. Com isso pode-se até esconder a própria inépciade ter reduzido a ação à ruminação de slogans. As filas e odengue só têm solução na vala comum da unificação. Ou is-to, ou o país empesteado, sem resgate possível.

Divergências, ou melhor, circunstâncias à parte, creioque podemos situar a importância ("dois passos à frente")9

das AIS. Em primeiro lugar, ao aumentar significativamenteo volume de recursos repassados ao Setor Público - atravésdos estados e municípios — com a possibilidade de amplia-ção e melhoria da rede. No entanto, o fato político geradofoi mais significativo. A Previdência, como detentora de80% do gasto público federal com a função saúde e de 50%do gasto público total, se consideradas as despesas dos esta-dos e municípios com serviços de saúde, passou a ter umnovo interlocutor, de vigor político incontestável. A forçade vereadores, prefeitos, parlamentares e governadores, arti-culados com instâncias político-burocráticas, passou a exer-cer pressão na disputa pelos recursos previdenciáriosdestinados à saúde, antes reivindicados e arrancados, tam-bém com algum grau de articulação lobista entre políticose burocratas, pelo setor privado. A efetiva abrangência na-cional das AIS, que hoje incorpora todos os estados e cercade 2.500 dos 4.104 municípios brasileiros, garante a irrever-sibilidade da maior participação dos gastos federais com aárea pública de saúde. Diante das resistências organizadas,por temor à redução dos recursos que lhe eram destinados,revelou-se a fragilidade do setor privado em termos de arti-culação e força política. Periférico em relação ao grande ca-pital e alheio à estratégia da grande burguesia nacional, quepreconiza a ausência do Estado da produção de mercadoriase a sua presença e eficientização na oferta de infra-estruturae produção de serviços para consumo coletivo (saúde,

Page 10: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

educação, transportes, etc), como subsidiamento do salário(salário indireto), a mobilização privatista não conseguiudeter o processo de redistribuição dos recursos.

As AIS, herança do autoritarismo alarmado com odescontrole setorial e nascida sob a égide do marginalismoe da maquilagem racionalista, ganhou fôlego no novo go-verno de transição, ofereceu a oportunidade para a integra-ção possível, alteou-se como bandeira dos setores - nos vá-rios níveis político-administrativos — inconformados com adiscriminação e a exclusão praticadas nos nossos serviçosde saúde, e até, aqui e ali, propiciou a aproximação dosusuários com os serviços, chamando-os à participação nasinstâncias colegiadas gestoras do programa (CIMS, CRIS eCIS). Assim, ao invés de se tentar redescobrir a roda, o quese fez foi fazê-la girar com mais desenvoltura, melhorando ealargando a estrada, certo de que o longo e penoso trajetoabria caminho a um sistema de saúde mais justo, que passapela unificação do sistema e vai adiante. Um mérito incon-testável (embora minoritariamente, contestado em determi-nada conjuntura) foi não praticar a descontinuidade admi-nistrativa leviana, tão ao gosto do nosso paroquialismo po-lítico e burocrático.

Além de difundir propostas históricas como a da uni-versalização e equanimidade, da integração e participação,num enfoque mais preciso de controle social sobre os servi-ços, as AIS fortaleceram o princípio federativo e buscarama incorporação do planejamento à prática institucional,constituindo-se em importante instrumento (ou momento)pedagógico de planejamento descentralizado e integrado.

A CIPLAN, no plano federal, tem representado umesforço positivo na articulação interministerial (MS, MPAS,MEC e MTb) para a condução da política setorial.

A universalização da utilização dos recursos previ-denciários se deu na prática, contrariando o meridianoartificial que separa as ações curativas (médico-individuais)e preventivas (de alcance coletivo)*. Nos níveis estadual emunicipal os recursos serviram à compra de medicamentos einsumos, pagamento de pessoal, etc, para a rede ambulato-rial e de hospitais públicos, abertas ao conjunto da popula-ção. A questão da integralidade da atenção devida veio à to-na, com a utilização ampliada dos recursos previdenciários.

Enfim, as AIS - ex-PAIS —, livres do p fatídicodos projetos e programas, que albergam o agouro da brevi-dade e finitude, foram erigidas à condição de estratégiasetorial comum e revelaram potencialidades, tanto na mo-bilização de forças políticas articuladas e poderosas quan-to na reestruturação do setor público como prestador deserviços de saúde.

Page 11: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

Os recursos absorvidos, 4% do orçamento do INAMPSem 1984 ou 207 bilhões de cruzeiros, saltaram para 1,7trilhão de cruzeiros em 1985, ou 10% do orçamento doINAMPS, e para 5,6 bilhões de cruzados em 1986, ou seja,12% do orçamento do INAMPS. Os números e percentuaissão importantes num país acostumado à dissociação entrea retórica e a prática.

As pedras no meio do caminho que passa pelas AISprecisam ser lembradas. Estão nas dificuldades de integra-ção devidas a zelos institucionais das burocracias, temerosasda perda de poder, nos desalinhamentos políticos entrerepresentantes institucionais ou níveis de governo e até nafalta de tradição para a tomada de decisões coletivas. Odesequilíbrio na distribuição regional dos recursos, queainda persiste, está ligado à própria forma de pagamentopor produção de serviços. Esta, por um lado, aparentementeestimula a ampliação dos mesmos, mas, por outro, privilegiaestados e municípios que têm redes maiores e maior capaci-dade de investimento, porquanto o aporte de recursos maissignificativos, o previdenciário, se destina apenas a custeio.

A situação do desequilíbrio assistencial se agrava namedida em que a concentração de serviços contratados, econseqüentemente, de recursos, obedece à mesma tendên-cia. Em São Paulo, por exemplo, temos mais de 4 leitos porl .000 habitantes, enquanto que em alguns estados do Nor-deste, menos de 2. Um parâmetro recomendado é 2,3 leitospor 1.000 habitantes. Obviamente, a incorporação dos ser-viços pelo INAMPS se deu de acordo com a pressão da ofer-ta, correlacionada com o peso dos interesses expressos poli-ticamente, e em dissonância com o perfil de necessidades,passível de ser estabelecido em termos epidemiológico-so-ciais. Assim é que, enquanto o parâmetro internacional re-comenda como razoável 6,0 internações/100 hab/ano e oINAMPS trabalha com uma média histórica de 10, o Nor-deste se situa abaixo desta média e um estado da federa-ção propôs, sem êxito, 23,5 internações por 100 habitantespor ano, como meta para 1987*

Outra dificuldade observada diz respeito à substitui-ção de recursos. O encolhimento dos orçamentos estaduaise municipais, detectados esporadicamente à falta de instru-mentos eficazes de acompanhamento e avaliação, é umaameaça à perspectiva de somação de recursos e conseqüenteexpansão e melhoria dos serviços postos à disposição dapopulação. O total de recursos destinados hoje à saúde pelosetor público, estimado aproximadamente em 270 bilhõesde cruzados (150 bilhões do MPAS/INAMPS, 40 bilhõesdo MS, 40 bilhões dos estados e 40 bilhões dos municí-pios), não alcança 4% do PIB, o que nos coloca em nítida

Page 12: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

desvantagem quanto a gastos com saúde mesmo no contex-to da América Latina. Não permitir o recuo e lutar pelaampliação e eficientização dos gastos, precisa ser um com-promisso comum e abrangente.

Reduzir a capacidade ociosa do setor público(estimada em 40% no tocante a hispitalizações e atendimen-tos ambulatoriais) seria relevante para que não se desse mar-gem à ampliação do setor privado típico.

As AIS se ressentiram, ainda, do seu confinamento nogueto da atenção primária. Na medida em que os leitos pú-blicos em funcionamento (aproximadamente 90.000) sãoescassos e concentrados, a questão da referência hospitalarpassou a ser crucial para a consolidação das atividades. Umgrande passo foi dado com a incorporação dos hospitais fi-lantrópicos dentro de uma modalidade convenial que padro-niza a forma de remuneração, garante o seu atendimentouniversal e institui um índice de valorização que excede asua qualificação técnica restrita, premiando a sua articulaçãodentro das redes municipais ou locais de saúde*.

O reposicionamento da rede classificada como filan-trópica ou beneficente, que representa em torno de 50%dos leitos implantados no país, considera "extensão dosetor público prestador de serviços de saúde", representou,ainda, o resgate do INAMPS - como representante dosetor público - da incômoda situação de refém incondicio-nal. Recentemente, as tentativas de lock-out do setor tipi-camente privado (conveniados-lucrativos) esbarravam nanão adesão das entidades filantrópicas, o que fez fracassaro movimento ou reduziu-lhe o ímpeto e as conseqüências.

O novo relacionamento estabelecido com o subsetortem sido estrategicamente fundamental tanto para a conso-lidação das AIS, quanto para a redefinição de forças intra-setoriais no embate para a construção de um sistema nacio-nal de saúde mais perto das necessidades de saúde da grandemaioria da população.

Na mesma linha, situa-se a instituição de uma minutade contrato-padrão* afeita às normas do direito público,que, ao mesmo tempo, normaliza as relações da Previdênciacom os seus serviços contratados e garante o direito inalie-nável da atenção à saúde dos usuários, para além das dispu-tas (justas, por sinal) de melhor remuneração pelos serviçosprestados. A propósito, no período de janeiro de 1983 a1985, a remuneração dos atos médicos acumulou uma de-fasagem de 26%, com relação à variação do valor da OTN.Desde então, graças a aumentos escalonados que superaramos índices oficiais da inflação, a recuperação pode ser apre-sentada com defasagem positiva de 77%, com relação aosalário mínimo, 82% com relação à OTN e 71% com relaçãoao INPC/IPC-R*.

Page 13: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

É evidente a necessidade de aproximar custos reaispelos serviços contratados, pois faz parte do resgate dadignidade do atendimento devido à população. A deteriora-ção da qualidade, o faturamento indevido, a pressão por co-branças extras, a restrição da internação de pacientes cober-tos com recursos previdenciários, a reutilização de materiaisdescartáveis, etc. são expedientes compensatórios condená-veis e passíveis de severa punição. Mas é preciso lembraro pacto que, implicitamente, vigorou nos anos de aplasta-mento do valor dos salários e aumento do desemprego,coincidentes com uma retração sem precedentes dos gastosprevidenciários com saúde. Aos preços aviltados se contra-punha a possibilidade das fraudes, de naturezas diversas,que conviviam com a pouca disposição do poder públicoem exercitar o seu papel de fiscalização adequada. Destaforma, empresários, políticos e burocratas se eximiam dadenúncia da situação de fundo: a retração ignominiosa dogasto social, advinda com a recessão, e a insensibilidade só-cio-política, num momento perverso de agravamento dosproblemas.

Acrescente-se o continuado esforço para a recupera-ção dos hospitais próprios e universitários. Esses últimos,de 149 milhões de cruzeiros destinados em 1984, receberam1,1 trilhão de cruzeiros em 85 e 2,0 bilhões de cruzadosem 86*

Uma série de medidas foi adotada no campo da igua-lização da forma de remuneração pelos serviços prestadosa trabalhadores urbanos e rurais. Esses, sob o "modeloFUNRURAL" - pagamento aos serviços contratados porsubsídio fixo, que foi se deteriorando - , passaram a ser re-chaçados. Isso porque os serviços mantinham outros convê-nios mais vantajosos, e porque a Previdência, sem condi-ções de uma fiscalização adequada, pagava independente-mente dos serviços serem ou não prestados, de forma auto-mática, com base em informação prestada burocraticamen-te. O convênio hospitalar das AIS, que universalizou aclientela, e a autorização que equiparou a forma e os valo-res de remuneração para o conjunto dos segurados, faz par-te da estratégia de eliminar as discriminações. Só para exem-plificar, em 1984, para cobrir os 25% da população brasilei-ra rural, o INAMPS havia programado a utilização de apenas3% do seu orçamento. A resistência para a aceitação destasmedidas foram e são muitas. Em alguns estados do país,onde a concentração de pequenos produtores e outros estra-tos rurais com alguma capacidade de consumo é maior, estafaixa da clientela fora escolhida para pagar diretamentepelos serviços, sobretudo hospitalares. Os valores cobradosexcediam aos do "Sistema de Assistência Médico-Hospitalarda Previdência Social (SAMHPS - "Sistema AIH"), que re-

Page 14: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

munera por procedimentos a atenção prestada aos previden-ciários urbanos, e, portanto, a equiparação contrariava osinteresses dos profissionais e das instituições privadas, quese posicionaram corporativamente através de suas associa-ções representativas. Nas mesmas regiões, a situação acha-se agravada pelo descredenciamento coletivo de especialis-tas, como os anestesistas, que passaram a fixar livremente osvalores de sua remuneração profissional, impondo preçosao conjunto dos doentes que recorrem aos seus serviços.Daí a necessidade, expressa no texto do novo contrato-pa-drão, que os hospitais relutam em assinar, de os convêniosexigirem da instituição contratada a integralidade da aten-ção prestada a cada doente.

Considerando o longo processo em que se vem desdo-brando a reforma sanitária brasileira, que passou pelos mo-mentos anteriormente descritos e por muitos outros não ali-nhavados, em virtude do meu interesse em enfocar a parti-cipação do MPAS, um corte significativo está sendo viven-ciado a partir de maio de 1987. Trata-se da estadualizaçãodas atribuições do INAMPS, com a passagem para as Secre-tarias Estaduais de Saúde da gestão dos próprios (hospitais- 41, com 9.761 leitos; postos de assistência médica -PAM - 610, com 8.333 consultórios médicos) e dos convê-nios (com a rede privada credenciada). Os hospitais contra-tados somam 3.823, e 195.074 leitos, entre os lucrativos efilantrópicos.

É bom ressaltar que a unificação resultante dacriação dos Sistemas Unificados Descentralizados de Saúde- SUDS*faz parte de todas as propostas, como elementoestratégico, para a consecução da reforma sanitária, quetem passagem pela unificação do sistema de saúde do país.Assim, no documento encaminhado aos Senhores Ministrospela CNRS* encontramos o seguinte: "Não se trata, portan-to, simplesmente, como poderia parecer à primeira vista,da construção abstrata, numa perspectiva de organizaçãosistêmica do setor saúde, de um novo Arcabouço Institu-cional estabelecido por dispositivos legais. É necessário,considerando os atuais objetivos, distorções e tendênciasdo sistema de saúde existente, definir uma estratégia detransição que estabeleça as condições para a institucionali-zação do novo Sistema Nacional de Saúde, sujeito, de acor-do com as peculiaridades de cada Estado brasileiro, a ajustese correções ao longo de sua implantação (grifos nossos). Omesmo documento, mais adiante, ao se referir a Diretrizesda Rede Nacional de Serviços de Saúde, no que tange à suaorganização, diz no item 1: "Integração Institucional comcomando único em cada esfera de governo - isso significaa existência de uma única instituição pública em cada nívelde governo, responsável pelas atribuições correspondentes -

Page 15: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

ao nível federal, o novo Ministério da Saúde; no estadual,as Secretarias Estaduais de Saúde e no municipal, as Secre-tarias Municipais de Saúde ou equivalentes".10

Também a VIII Conferência Nacional de Saúde, oevento mais significativo de quantos tivemos no setor, seposicionou transparentemente ao aprovar a recomendaçãoda transferência para os estados e municípios de "todos osserviços federais de caráter local que tenham relaçõesdiretas com o atendimento da população"11.

Recentemente, a CNRS distribuiu uma publicação,complementar à proposta de texto constitucional, com a"Proposta de conteúdo para uma nova Lei do SistemaNacional de Saúde", que, no item onde estão discriminadasas atribuições dos Estados, Territórios e Distrito Federal,consagra como funções deste nível, o "planejamento, ges-tão, coordenação, controle e avaliação do Sistema Nacionalde Saúde em nível estadual"10.

A propósito, é bom lembrar que a estratégia da unifi-cação via Estados e Municípios não só já vinha sendo pro-posta no interior da Previdência12, como mobilizou mem-bros da CNRS, que, antes da posse dos governadores elei-tos em novembro de 1986, procurou, através de visitas, in-centivá-los, através de suas equipes de saúde em formação,a lutarem pelo fortalecimento dos Sistemas Estaduais deSaúde. Esse passo reconhecia um fato novo e significativoque emergia das urnas: a força dos governadores no cenáriopolítico do país, na direção da restauração do federalismo.Ademais, por grandes que tenham sido os esforços, os avan-ços imediatos e substanciais no plano federal, quanto à reor-ganização setorial da saúde, se mostravam politicamenteinviáveis no curto prazo. A perspectiva passou a ser a Cons-tituinte, que se propunha a debruçar-se sobre a questão.Por isso, rechaçamos a pecha de novidosa à iniciativa, aomesmo tempo em que estranhamos os apelos ao engessa-mento da estratégia, que nega a sua própria condição comotal, da reforma sanitária. Se as diretrizes da descentraliza-ção e da unidade de comando referida a uma base geográfi-ca (estado, região, município, distrito) são pressupostosda reforma sanitária, parece-nos um contra-senso, de ana-crônica inspiração positivista-castilhista, a crença de que aunificação do sistema de saúde deva obedecer a etapas, apartir do nível central, desdobrando-se sucessivamente nasinstâncias mais periféricas, num mecanicismo descolado dadinâmica da realidade.

Uma outra linha de crítica, que não se mostrou aindano seu aprofundamento analítico, aponta para o açodamen-to da iniciativa do MPAS e do INAMPS, à pouca estrutura-ção dos processos de estadualização em curso, a diversifica-ção dos modelos adotados de estado para estado, etc.

Page 16: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

Em primeiro lugar, desconhecer a oportunidade, namedida em que podemos influenciar mas não controlamosos tempos e as conjunturas políticas, de fortalecer a açãofederativa no campo de saúde, parece-nos um descalabro.Mesmo o argumento de que iniciativas dessa ordem preci-sam ser precedidas por uma nova Lei do Sistema Nacionalde Saúde, para evitar desvios ou caos, é frágil.

Afinal, num país heterogêneo como o nosso, comuma larga tradição de ignorar ou interpretar as leis segundoas conveniências, a nossa esperança e o nosso empenho de-vem se concentrar no crescimento da consciência e da orga-nização política e democrática da população, que é quemdeve, participando, interferir decisivamente nos rumos dapolítica de saúde em todos os níveis. A heterogeneidade,marcada por inclinações distintas das políticas estaduais emunicipais, além de mero dado conjuntural, tem muitomais chance de operar no sentido de aprofundar as contra-dições, as diferenças, além de ter mais próximo o objetosobre o qual devem ser exercidas as pressões, ou seja, os go-vernos estaduais e municipais. A alternativa a esta situaçãono contexto político que experimentamos, é o prevaleci-mento histórico das pressões retrógradas, concentradas e deabrangência nacional, responsáveis no âmbito da saúde pelasdistorções na conformação do nosso quadro sanitário, nasvertentes epidemiológico-social e de configuração dos servi-ços. Se bem que descentralização não deva se confundir,mecanicamente, com democratização, a personificação e odeslocamento do processo de gestão para mais perto dosusuários, poderá contribuir para uma maior eficiência e eficá-cia, a depender do nível de controle social, que passa pelacobrança. O que tem sido esquecido nestas discussões éque o principal recorte da nossa sociedade não são as perti-nências administrativo-burocráticas ou geográficas, mas asclasses sociais. Aliás, por viés profissional e corporativo,a reforma sanitária não tem conseguido sair do discurso edas proposições de cunho administrativo para trabalhar aquestão do sistema de saúde real, com as suas distorçõesinternas relacionadas com o próprio conteúdo das práticasmédicas, nem tem conseguido avançar na questão da arti-culação do sistema de saúde existente ou proposto com asua própria razão de existir, a população a que serve. A su-perveniência de um novo modelo médico-assistencial, semdúvida importante, não resolve todos estes problemas. Es-tas observações são absolutamente pertinentes quanto aopróprio direcionamento deste texto*

Consideramos válidas, no que diz respeito ao processoem foco, juntamente com a reiteração de que não somosos donos do tempo e das contingências que desencadearamas estadualizações, as observações de Solon Magalhães Vian-

Page 17: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

na, ao discutir a saúde sob os prismas da descentralizaçãoe desburocratização: "Para os mais cautelosos, assunto detal magnitude e complexidade deveria ser conduzido poretapas graduais, ainda que irreversíveis. A experiência na-cional em assuntos dessa natureza, paradoxalmente, sugereconduta oposta. Na área social há exemplos recentes de te-rapias radicais bem-sucedidas"13

A questão de que os recursos ainda são oriundos dogoverno federal, que os repassa a outras instâncias, precisaser desdobrada e aprofundada mais conseqüentemente. Emprimeiro lugar, no atual quadro de concentração tributária,não conseguimos vislumbrar outra alternativa. Atrelar todoo processo da reforma sanitária à expectativa de uma refor-ma tributária torna-se problemático. Mesmo porque não seconhecem as dimensões e a natureza dessa reforma e, no casodos recursos previdenciários destinados à saúde, parecepouco provável - inclusive, pelas tendências verificadas naatual Assembléia Nacional Constituinte — que ocorra doisdesmembramentos: o da parcela destinada à saúde a partirda contribuição e a sua retenção por instância de arrecada-ção. Há que se considerar, ainda, as questões da necessáriaredistributividade dos recursos e a impossibilidade, no curtoprazo, da substituição dos gastos previdenciários com saúde.

Em segundo lugar, no que diz respeito ao financia-mento, importa menos que a nível de governo recolha os tri-butos do que o estabelecimento de regras e mecanismos cla-ros que regulem os repasses e transferências.

De qualquer forma, para tentar fugir ao que já foichamado "administração convenial"14, vem sendo trabalha-da a inclusão da globalidade dos recursos programados paraos estados na Programação Orçamentação Integrada (POI)das ações de saúde, o que automatiza os repasses, de acordocom o desempenho, sem a instável necessidade de negocia-ção de convênios e aditivos, ano a ano. A POI, conforme de-creto presidencial, passa a ser o único instrumento de rela-cionamento entre as instâncias federais de saúde e os esta-dos. Daí o empenho em inverter o seu enfoque: ao invés dedestinar-se à captação de recursos, mormente previdenciá-rio, que passe a ser um instrumento de programação do con-junto das ações e, correlacionadamente, da orçamentaçãosetorial, consolidada a partir dos agregados estaduais.

O processo de estadualização* apontando para umadescentralização maior em direção à municipalização, vemsendo discutido caso a caso, a partir de uma proposta bási-ca, com as equipes estaduais de saúde, procurando-se respei-tar as condições de absorção das novas estruturas e novasatribuições pelos Estados. A diversificação obedece "às pe-culiaridades da reforma e à heterogeneidade do país, que

Page 18: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

exigem que temas como o da descentralização obedeçam,em sua implementação, a ritmos próprios em cada regiãoou localidade".13

O objetivo do MPAS/INAMPS, até o final do ano, éretirar-se inteiramente da área de execução, direta e indire-ta, de serviços de saúde, transferindo esta atribuição a Esta-dos e Municípios e transformando-se -já sediado em Brasí-lia e com uma equipe reduzida e ágil - num órgão de acom-panhamento e avaliação do desempenho setorial, no quetange às ações co-financiadas com recursos previdenciários.A aproximação com o MS, MEC e MTb privilegiará a açãocoordenadora da CIPLAN, e a proposta é a integração orgâ-nica neste espaço comum das áreas de planejamento e dosórgãos normativos das instâncias federais que lidam com aquestão saúde (28).

Além do fortalecimento e da abertura das instânciasgestoras das AIS, na sistemática de implementação dosSUDS, o CONASS vê ampliada a sua participação na condu-ção geral da política de unificação.

A estadualização, assim, não só contribui para umanova configuração do sistema de saúde do país, comoaporta recursos capazes de fortalecerem as estruturas esta-duais e municipais do setor. Anteriormente, a Previdênciase limitava a participar do custeio.

Outros avanços são relacionados com a inclusão, nesteprocesso, da viabilização dos planos estaduais de cargos esalários, possibilitando o direito à ascensão funcional e àequiparação dos salários entre as equipes estaduais e previ-denciárias. Ainda, na área de recursos humanos, possibilitaa contratação - via estados e municípios - de novos profis-sionais (ou opção dos já em exercício) em regimes de tempointegral ou dedicação exclusiva.

Além de levar muito adiante a proposta de universa-lização, com o fim das clientelas cativas, deve ser menciona-da, também, a adoção generalizada da co-gestão (co-custeioe co-administração), superando a relação compra e venda deserviços. A reformulação organizacional acha-se contempla-da na proposição de implantação dos distritos sanitários,que, dimensionada as necessidades assistenciais à luz de no-vos parâmetros, e vinculando mais consistentemente seg-mentos definidos da população aos "seus" serviços, apontapara a necessária revisão dos conteúdos das práticasmédicas e assistenciais*.

Em suma, todas estas iniciativas se inserem no corpodoutrinário e na praxis da reforma sanitária, que não podeser concebida, cartesianamente, como um processo quetem princípio, meio e fim, desvinculada da luta política dasforças sociais que interagem na nossa sociedade.

Page 19: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

Só se concebida abstratamente, como projeto intelec-tual e burocrático, pode-se pressupor um ponto final, de-marcado por medidas administrativas, que significarão nãomais do que o resultado provisório de um processo queavançará sempre mais com a democratização da sociedade.Como nos ensina Solon M. Vianna: "Mudanças não aconte-cem da noite para o dia só porque determinadas no DiárioOficial. Entre o formal e o real nem sempre a distância écurta e sem obstáculos"13. Este é o caso da estadualizaçãoe da unificação. Os exemplos estão aí, basta acompanhar oque vem acontecendo nesta área na Alemanha, na Espanha,na Itália e em outros países, envolvidos neste mesmo esfor-ço há muito mais tempo.

A resistência mais objetiva ao processo de estadualiza-ção das ações previdenciárias tem vindo do setor privadolucrativo, temeroso com a desconcentração da administra-ção dos contratos e das negociações, o que diluirá o alvodas pressões. Também alguns superintendentes regionaisdo INAMPS, assustados com a previsível perda do podere influência, têm reagido, até mobilizando os seus funcio-nários, receosos com a perda de direitos funcionais adquiri-dos a duras penas. Quanto a estes últimos, os textos dosconvênios asseguram o vínculo com a administração federal,as vantagens progressivamente adquiridas e aquelas que fu-turamente atinjam os funcionários federais e, particular-mente, do SINPAS. Ademais, os problemas de saúde nãopodem se confundir corporativamente com os problemasdos trabalhadores da saúde.

Saindo um pouco das iniciativas e de sua justificação,abordaremos as críticas mais gerais que são feitas ao MPASe ao INAMPS, já há algum tempo. Gostaríamos de dizerque, apesar da atitude de autodefesa instintiva, furto dadificuldade em nos desfazermos de um corporativismo ins-titucional atávico, elas têm nos remetido a reflexões e corre-ções de rumo, na medida em que somos levados a relativizara verdade, a nossa e a do outro, que, além de provisória,será sempre verdade aproximada, como nos ensina Bache-lard.

Estas críticas, em uma de suas vertentes, mencionamdesvios na condução institucional, buscando mostrar, comeste e aquele episódio, que as decisões não se enquadramnuma linha de coerência, de linearidade de atitudes. O quegostaríamos de lembrar é que, em uma instituição comple-xa como a Previdência Social, à qual se vincula o segundomaior orçamento público desse país, há, permanentemente,uma tensão entre interesses diferentemente articulados,além da necessidade de se utilizar de expedientes emergen-ciais para apagar incêndios e aliviar pressões diuturnas. Oque precisa ser relevado é a resultante das decisões e práti-

Page 20: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

cas institucionais assumidas - isto, ao fim, é que configuraa política institucional, para além dos episódios que possamser privilegiadamente enfocados.

Nestes apontamentos, a verdade comprometida, ou odesejo de exercê-la, precisa, numa relação necessariamentedialética, encontrar a sua contrapartida, que é a recupera-ção das ações institucionais na perspectiva da própria popu-lação seja na representação que ela faz (ou, pior, nem faz)das mudanças que se está operando, seja na tentativa desentir e dimensionar a natureza da qualidade e o impactodas ações terminais do processo, razão última de todas aselaborações. No bojo desta reflexão, vale lembrar de quefora dos aparatos institucionais oficiais há instituições, noâmbito da sociedade civil, que acompanham e atuam emfavor dos avanços, pari passu com os esforços — aindainsuficientes - que podem ser envidados através da açãodo governo. Citaria a atividade parlamentar que, a partirdo I Simpósio sobre Política de Saúde da Câmara (1979),tem hoje espaço nobre para o encaminhamento das ques-tões na Assembléia Nacional Constituinte; o movimentosindical que tem questionado crescentemente as condi-ções de vida e de saúde da classe trabalhadora, a exemplodas associações de moradores e outras organizações. OCEBES e a ABRASCO, além do peso de sua capacidade demobilização, exercitam um papel elaborativo e críticoem relação às formulações e iniciativas setoriais. O certo éque, enquanto movimento que se define por seus compro-missos, extrapolamos obrigatoriamente os meios institucio-nais. Articulando e somando todas as nossas energias talvezpossamos recuperar as nossas propostas, traduzidas hoje emalgumas iniciativas institucionais, a partir da perspectivada população, que é o que importa mais, insisto.

Para terminar, respondendo à indagação inicialmentecolocada, de como vejo a atuação do MPAS e do INAMPSe de seus atuais dirigentes no processo em curso da reformasanitária, abusarei da complacência para descartar o vilão.Acredito que, explorando o possível de forma decidida,vamos diminuindo a distância entre a intenção e o gesto.Mesmo porque não existe ação no futuro ou transformaçãosubstanciada apenas no desejo e nos slogans.

REFERÊNCIAS

* Estes percentuais se reduzem para 65% e 45% se considerarmos,como o INAMPS vem fazendo, a dissociação entre setorprivado não lucrativo filantrópico e o setor lucrativo conve-niado.

Page 21: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

1 BRAGA, José Carlos de Souza e GÓES DE PAULA, S. Saúde ePrevidência, CEBES/HUCITEC, São Paulo, 1981. Capítulo 2:Industrialização e Políticas de Saúde no Brasil.

2 Capítulo 4: Desenvolvimento do Capital Industrial no SetorSaúde.

* 29,6% em 1967; 30% em 1979; 20% em 81/82; 26,7% em 85 e25,3% em 86. MPAS/Secretaria-Geral. Dimensões da Previ-dência e Assistência Social no Brasil. Brasília, março de1987.

3 BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Reorien-tação da Assistência à Saúde no âmbito da Previdência So-cial. 2 ed. Brasília, 1982, 42 p.

4BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. InstitutoNacional de Assistência Médica da Previdência Social. Progra-ma de Ações Integradas de Saúde. 14 pág, mimeos. d.

5 TEIXEIRA, S. M. F. Reorientação da Assistência Médica previ-denciária: um passo adiante ou dois atrás? Rio de Janeiro,EBAP, 183, 15 f. mimeo.

6 RODRIGUEZ NETO, E. Subsídios para a definição de uma po-lítica de atenção à saúde para um governo de transição demo-crática. Saúde em Debate n° 17, Belo Horizonte, 1985.

7BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Comissão de Saúde.Proposta política para um programa de saúde. Saúde em De-bate n° 77, Belo Horizonte, 1985.

8 AROUCA, A. S. da S. Salud en las sociedades en transición. Re-vista Centroamericana de Ciencias de la Salud, n° 21, Enero-Abril, 1982.

9PAIM, J. S. Ações Integradas de Saúde (AIS): por que não doispassos atrás. Saúde, Crises e Reformas. Universidade Federalda Bahia/PROED, Salvador, 1986.

* Ver Lei do Sistema Nacional de Saúde, Decreto Presidencial6229 de 17.07.75.

* Outras informações contidas nas Notas para a apresentação doMinistro Waldir Pires na Comissão Parlamentar de Inquéritoda Câmara dos Deputados sobre a Previdência Social, Brasí-lia, Agosto, 1985, 16 f. mimeo."A rede hospitalar contratada se compõe de aproximada-mente 3.500 hospitais, com 350 mil leitos instalados, dosquais 200 mil contratados pelo INAMPS. Utilizando parâme-tros tecnicamente aceitáveis, esses 350 mil leitos possuemuma capacidade de produzir 1,8 milhão de internações/mês.Uma resolução da Comissão Interministerial de Planejamen-to e Coordenação (CIPLAN), composta pelo MPAS, MEC eMS, a de n° 3, de 11. 03.85, fixou - com base em indicado-res técnicos e necessidade verificada - em 750.000/mês o li-mite máximo de internações necessárias ao atendimento dapopulação. De acordo com os mesmos parâmetros utilizadosacima, este teto situa a necessidade de leitos em torno de ape-nas 150 mil. Se considerarmos que um médico é capaz de seresponsabilizar por 10 leitos, precisaríamos de apenas 15 milmédicos. Entretanto o INAMPS tem cadastrados 75 mil mé-dicos desenvolvendo suas atividades nesses hospitais. Querdizer, temos 200 mil leitos e 50 mil médicos "ociosos", malaproveitados e, sobretudo, mal distribuídos". A questãoda concentração é séria, quando constatamos que 7% dos mé-dicos faturam entre 60 e 70% dos procedimentos pagos pelaPrevidência.

* Portaria do Ministro Raphael de Almeida Magalhães n° 3.728de 23.04.86. Publicação DOU de 24.04.86.

Page 22: DEPOIMENTO MPAS — O vilão da Reforma Sanitária? · FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural AIH — Autorização para Internação Hospitalar SAMHPS - Sistema de

* Portaria do Ministro Raphael de Almeida Magalhães n° 3.893de 11.12.86. Publicação DOU de 18.12.86.

* Ver Citação da página* Ver Citação da página

*Ver Decreto Presidencial n° 94657, de 13.07.87, publicado noDOU em "que dispõe sobre a criação de Sistemas Unificadose Descentralizados de Saúde nos Estados (SUDS) e dá out rasprovidências " e o texto da Exposição de Motivos (E. M.)interministerial (MPAS/MS), que estabelece as diretrizes doSUDS. Aprovada pelo Presidente da República em 13.07.87(11 pág.). Documentos publicados no DOU de 21.07.87.

* Comissão Nacional da Reforma Sanitária. Criada através daPortaria interminister ial MEC/MS/MPAS n° 2/086. Publica-da no DOU de 22.08.86.

10CNRS/ST. Proposta de Conteúdo para uma Nova Lei do SistemaN acionai de Saúde, RJ, maio de 1987 (7 pág.).

11 . Documentos I. Relatório Final da 8a Conferência Na-cional de Saúde (março de 1986) págs. 11-24, RJ, 1987.

CNRS/ST. Op .c i t . (20).12 CORDEIRO, Hésio. A Reforma Sanitária - Bases Estratégicas e

Operacionais para a Descentralização e Unificação do Sis te-ma de Saúde (Reflexões e Controvérsias), 10 pág., mimeo,1986.

* Algumas dessas considerações foram desenvolvidas, e eu as apro-veitei, na fala do professor Adolfo Horacio Chorny no Cursode Especialização em Programação e Gerência da ENSP/FIOCRUZ, realizado em ju lho de 1987.

13 V1ANNA, Solon M. Saúde: Descentralização e Desburocrat iza-ção. Brasília, DE, Setembro, 1986, 19 pág., mimeo,

14 MENDES, Eugênio Vilaça. Reformulação do Sistema Nacionalde Saúde. 8a. CNS, Brasília, DE, março de 1986, 76 pág.

* As assinaturas dos convênios de es tadual ização t iveram inícioem 21.05.87 e, até 22.07.87, incluíam RN, PE, AL, BA, MT,GO, RJ , SP, PR e RS.

Op. cit. (25)* Ver referência à organização dos distr i tos sanitários, E. M. op.

cit. páginaOp. cit.