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Do Primário ao Primeiro grau: as Transformações da Matemática nas Orientações da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. (1969-1979) Denise Medina 1 -FE-USP Orientador: Profª Drª. Cecília Hanna Mate Resumo Fontes como os impressos direcionados para professores, publicados pelos órgãos oficiais de Educação, constituindo uma literatura cinzenta 2 escolar, aparecem como um instrumento eficaz para os estudos da História da Educação Matemática. A pesquisa em andamento tem como objetivo problematizar de que modo foram construídas as propostas de alterações metodológicas para o ensino de Aritmética, nas séries iniciais, e como foram produzidas as representações de ensino moderno de Aritmética, fundamentadas no ideário do Movimento da Matemática Moderna (MMM), nas publicações da Secretaria Municipal de Educação, no período de 1969 a 1979, e, com isso, indagar sobre seus possíveis efeitos. Para alargar as possibilidades de análise, montamos o cenário de elaboração desses impressos, buscando mostrar como seus elaboradores construíram a representação da necessidade desta produção para implantação das reformas. Na articulação das questões, nos apoiamos nos conceitos de representação, apropriação e estratégias postas por Chartier (1991) e Certeau (1982). Palavras chave: História da educação Matemática, ensino de aritmética, séries iniciais, publicações oficiais, Zoltan Paul Dienes. Considerações iniciais As alterações metodológicas propostas para o ensino de aritmética nas publicações expedidas pela Secretaria de Educação de São Paulo do período estudado são consideradas como meio de divulgação da expansão do ensino em São Paulo e de reformulação no currículo de matemática da escola primária 3 . As intensas mudanças ocorridas nos programas e no currículo, decorrentes, em grande medida, da introdução de novos conteúdos, aos avanços dos estudos de Piaget sobre aprendizagem infantil e as novas metodologias provocaram a procura por subsídios pelos professores. Esta demanda originou a distribuição e elaboração de inúmeras publicações com prescrições de como ensinar a nova matemática. O período também foi caracterizado por muitas experiências educacionais e por grande aglutinação em torno de projetos experimentais, 1 Doutoranda da FE-USP. Educação-Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares. [email protected] 2 Documento não convencional, semipublicado, documento escuro, invisível, informal, fugitivo, efêmero, subterrâneo caracteriza-se por ter circulação restrita, assim como acesso e disponibilidade limitados. [...] não está submetido a um processo de sistematização; apresenta dificuldade de controle bibliográfico e, portanto, é de difícil localização Almeida (2000, p. 3). 3 Chamaremos de ensino primário, ou educação primária ou instrução primária o primeiro estágio da educação escolar obrigatória, sendo normalmente realizado por crianças com idade dos 7 aos 10 anos. Hoje é denominado de ensino fundamental I.

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Page 1: Denise medina texto completo

Do Primário ao Primeiro grau: as Transformações da Matemática nas

Orientações da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

(1969-1979)

Denise Medina1-FE-USP

Orientador: Profª Drª. Cecília Hanna Mate

Resumo

Fontes como os impressos direcionados para professores, publicados pelos órgãos oficiais de Educação,

constituindo uma literatura cinzenta2

escolar, aparecem como um instrumento eficaz para os estudos da

História da Educação Matemática. A pesquisa em andamento tem como objetivo problematizar de que

modo foram construídas as propostas de alterações metodológicas para o ensino de Aritmética, nas séries

iniciais, e como foram produzidas as representações de ensino moderno de Aritmética, fundamentadas no

ideário do Movimento da Matemática Moderna (MMM), nas publicações da Secretaria Municipal de

Educação, no período de 1969 a 1979, e, com isso, indagar sobre seus possíveis efeitos. Para alargar as

possibilidades de análise, montamos o cenário de elaboração desses impressos, buscando mostrar como

seus elaboradores construíram a representação da necessidade desta produção para implantação das

reformas. Na articulação das questões, nos apoiamos nos conceitos de representação, apropriação e

estratégias postas por Chartier (1991) e Certeau (1982).

Palavras chave: História da educação Matemática, ensino de aritmética, séries iniciais, publicações

oficiais, Zoltan Paul Dienes.

Considerações iniciais

As alterações metodológicas propostas para o ensino de aritmética nas

publicações expedidas pela Secretaria de Educação de São Paulo do período estudado

são consideradas como meio de divulgação da expansão do ensino em São Paulo e de

reformulação no currículo de matemática da escola primária3. As intensas mudanças

ocorridas nos programas e no currículo, decorrentes, em grande medida, da introdução

de novos conteúdos, aos avanços dos estudos de Piaget sobre aprendizagem infantil e as

novas metodologias provocaram a procura por subsídios pelos professores. Esta

demanda originou a distribuição e elaboração de inúmeras publicações com prescrições

de como ensinar a nova matemática. O período também foi caracterizado por muitas

experiências educacionais e por grande aglutinação em torno de projetos experimentais,

1

Doutoranda da FE-USP. Educação-Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares.

[email protected] 2 Documento não convencional, semipublicado, documento escuro, invisível, informal, fugitivo, efêmero,

subterrâneo – caracteriza-se por ter circulação restrita, assim como acesso e disponibilidade limitados.

[...] não está submetido a um processo de sistematização; apresenta dificuldade de controle bibliográfico

e, portanto, é de difícil localização Almeida (2000, p. 3). 3 Chamaremos de ensino primário, ou educação primária ou instrução primária o primeiro estágio da

educação escolar obrigatória, sendo normalmente realizado por crianças com idade dos 7 aos 10 anos.

Hoje é denominado de ensino fundamental I.

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muitos deles financiados pelo IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e

Cultura) da UNESCO4 (United Nations Educational, Scientific and Cultural

Organization), que injetou grandes recursos financeiros na educação, viabilizando a

mobilização e envolvimento de muitos professores de todos os segmentos de ensino no

desenvolvimento de projetos focalizando ensino–aprendizagem, coordenados por

diferentes instituições.

Por que analisar a representação de como ensinar aritmética nos tempos do

MMM5? São muitas as representações sobre o Movimento, porém é unânime a ideia de

que, ao apresentar uma nova forma de entender e de trabalhar o ensino e a

aprendizagem de matemática, divulgando uma nova proposta, marcou um momento de

ruptura, desencadeando mudanças nas práticas tradicionais em sala de aula. Penso que

se o professor mantiver uma relação histórica com sua profissão, com suas práticas

realizadas no passado e as condições que as produziram, tenderá a desenvolver um

trabalho de melhor qualidade no cotidiano.

Assim, considerando os aportes teóricos de Michel de Certeau (1982) e Roger

Chartier (1991), entre outros, busquei construir meu objeto de pesquisa analisando os

impressos pedagógicos relacionados com as mudanças no tratamento da aritmética para

crianças, procurando apontar como ocorre a emergência de novas propostas

pedagógicas no curso primário por meio das publicações oficiais. Dentro dessa temática

de pesquisa elaborei as seguintes interrogações:

- Que transformações sofre a representação didático-pedagógica do conceito de

número no período analisado (1969-1979) nas orientações publicadas pela Secretaria

Municipal de Educação aos professores? Que estratégias estão nos impressos destinados

aos professores, de modo a garantir as transformações do ensino de aritmética nas séries

iniciais, face ao MMM? O que revelam os impressos da Secretaria Municipal de

Educação em termos de apropriações realizadas dos estudos de Zoltan Paul Dienes6?

4

De acordo com Oliveira Filho (2010), os maiores recursos financeiros foram cedidos pela Fundação

Ford e Fundação Rockefeller, com a colaboração da National Science Foundation e Pan American Union. 5 O chamado MMM refere-se a um conjunto de ações ocorridas em grande parte do mundo, originadas

pelo descompasso entre o desenvolvimento da disciplina matemática e o ensino. Foram muitas as

propostas de mudanças divulgadas, sobretudo na década de 1960. Os adeptos do Movimento, de um

modo geral, objetivavam modernizar o ensino de Matemática, alterando e atualizando os conteúdos e

métodos de ensino, incentivando a participação de professores em eventos em que se discutia o tema. 6

Matemático húngaro nascido em 1916 obteve o título de Doutor em Matemática e Psicologia, pela

Universidade de Londres em 1939. É um dos grandes pioneiros dos estudos alusivos à metodologia para o

ensino nas séries iniciais e considerado referência no campo da educação matemática em decorrência de

suas teorias sobre a aprendizagem. Seus estudos exploram principalmente a construção de conceitos,

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Acredito que a problematização sobre o que era ensinar aritmética e as

metodologias sugeridas para este ensino nas séries inicias possa contribuir para o

entendimento do processo de aprendizagem de matemática e como esse processo

influenciou − e continua influenciando – a didática da matemática no quadro

educacional atual.

O cenário para mudanças

Nas últimas décadas, os documentos produzidos para a escola ou pela escola

vêm despertando o interesse de pesquisadores, no âmbito da educação, na tentativa de

entender os bastidores do cotidiano escolar. Segundo Valente (2010), aos poucos

“novos tipos de fontes vão ganhando importância como ingredientes fundamentais para

a escrita do trajeto histórico que o ensino de Matemática seguiu em nosso país”.

Deste modo, a importância desse tipo de fonte neste estudo, relaciona-se ao

reconhecimento do valor atribuído às publicações elaboradas num período de expansão

e criação dos sistemas de ensino no Brasil, com transformações na estrutura, no

funcionamento, nos programas e no currículo de Matemática, de acordo com as

normativas impostas pelas LDB 4024/61 e LDB 5672/71. Por esses motivos pode

fornecer subsídios para problematizar o contexto atual e propor alternativas. Diante

disso, esta pesquisa tem como objetivo problematizar de que modo foram construídas as

propostas de alterações metodológicas para o ensino de Aritmética nas séries iniciais do

Ensino Fundamental e como foram produzidas as representações de ensino moderno de

Aritmética, fundamentadas no ideário do Movimento da Matemática Moderna, nas

publicações da SME, no período de 1969 a 1979, e, com isso, indagar sobre seus

possíveis efeitos. O período histórico da pesquisa foi determinado pelas fontes

selecionadas, após um levantamento das publicações existentes (Implantação da escola

municipal de oito anos, de 1969, e os quatro volumes do Modelo de Desenvolvimento

do Currículo (MDC), de 1974, 1976, 1977 e 1979) na Memória Técnica Documental do

Município de São Paulo e no APLBS7.

Para complementar a análise foi necessária também problematizar as

dificuldades do trabalho com esta literatura cinzenta escolar como fonte. A escassez de

pesquisas que utilizam tais fontes pode ser explicada pela profusão desses textos que,

processos de formação do pensamento abstrato e o desenvolvimento das estruturas matemáticas desde os

primeiros anos na escola. 7 Arquivo Pessoal Lucília Bechara Sanchez.

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apesar de emanados de um mesmo órgão público, têm fases diferentes, consoante os

grupos que os produziram. Dessa forma foi urgente, para alargar as possibilidades de

análise, montar o cenário de elaboração desses impressos oficiais, buscando revelar a

estrutura organizacional da Secretaria e dos órgãos responsáveis pela sua elaboração

assim como das assessorias técnicas privadas contratadas para a normatização dos

currículos e programas de Matemática, que construíram a representação da necessidade

da produção dessas publicações para implantação das reformas. Considerei ainda

entrevistas realizadas com participantes dos grupos que corroboravam as propostas do

MMM, ou seja, suas memórias, que aqui foram tratadas como fonte, como um

conhecimento produzido, reconstruído por meio da crítica e da reinterpretação do

passado, sob o olhar do presente. Na articulação das questões, fiz uso da abordagem da

história cultural e me apoiei nos conceitos de representação, apropriação e estratégias

postas por Chartier (1991) e De Certeau (1982).

As fontes utilizadas foram selecionadas, especialmente no APLBS8

A apropriação das ideias de Dienes no Modelo de Desenvolvimento do Currículo

As publicações em análise foram expedidas pela Secretaria Municipal de

Educação (SME), distribuídas a todos os professores de 1ª e 2ª séries da rede municipal,

produto de uma parceria entre o Estado e Município da cidade de São Paulo. O primeiro

Modelo de Desenvolvimento do Currículo (MDC)-74 foi produzido, a partir da

experiência municipal da escola de 8 anos9, do Instituto Municipal de Educação e

Pesquisa (IMEP). O grupo do IMEP, coordenado pela professora Lydia Lamparelli10

,

era constituído por professores tanto da rede municipal como estadual. O trabalho tinha

como objetivo projetar a reformulação, organização e uniformização nos programas de

8 A professora Lucília Bechara Sanchez, destaca-se como figura-chave da educação matemática

brasileira, relativamente às séries iniciais. Sempre envolvida com discussões sobre ensino aprendizagem,

foi uma das primeiras a trazer para as salas de aula do estado de São Paulo os estudos de Zoltan Dienes.

Some-se, ainda, o fato de ser co-autora do primeiro livro didático de matemática para o Ensino Primário,

que inclui Matemática Moderna, coleção didática com grande sucesso editorial nos anos 70. Seu arquivo

pessoal, doado por ela ao Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil (GHEMAT),

encontra-se em processo de organização e catalogação, disponível em:

http://www.unifesp.br/centros/ghemat/paginas/arq_pessoais.htm (acesso em 20 abr. 2011). 9 Por meio do Decreto 7.834 de 12 de dezembro de 1968, funda o Instituto Municipal de Educação e

Pesquisa (IMEP), que ficou responsável pelos cursos de treinamento com professores ingressantes no

projeto da escola municipal integrada, que aconteciam em um centro de treinamento criado para subsidiar

a comunidade engajada no projeto de ensino integrado. 10

Sócia fundadora do GEEM- Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, fundado em 1961, autora de

livros didáticos, e responsáveis pela elaboração de diversos impressos oficiais, veiculando as propostas de

mudança no ensino fundamentadas no ideário do MMM.

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Matemática nas séries iniciais, num contexto de expansão e democratização dos

sistemas de ensino brasileiros na época. Sua elaboração foi feita em consonância com as

normativas da Secretaria Estadual de Educação (SEE). Os MDCs seguintes (76, 77,78 e

79) foram balizados pelos Guias Curriculares do Estado, divulgados em 197511·

, que já

faziam circular as novas diretivas.

Cotejando o texto das publicações, com os livros de Zoltan Dienes, muito

divulgados no Brasil, percebe-se a apropriação por parte dos elaboradores dos

argumentos de convencimento utilizados por ele, ao anunciar as propostas de mudança.

Como Dienes, as publicações constroem a representação de ensino moderno a partir de

críticas ao antigo, apontando equívocos, ineficiência e inadequação da metodologia

antes adotada. A análise empreendida no discurso de convencimento utilizado nas

publicações revela que, em grande medida, foi estruturado a partir da critica da situação

atual do ensino. A partir da crítica, as publicações partem para o anuncio da necessidade

de modernização, de modo a abarcar tanto as exigências do novo modelo da escola de

oito anos como as descobertas da psicologia da aprendizagem. Mais ainda, ressaltam

uma representação de sucesso, que é justificada com o argumento que, nesta nova

metodologia, as atividades são elaboradas de maneira a permitir maiores interações da

criança com o meio, respeitando as etapas do desenvolvimento infantil. “A publicação

atende às recomendações de matemáticos de todo o mundo, que nos últimos anos vêm

se preocupando com a pedagogia da Matemática” (São Paulo, 1976).

Em grande medida, a organização das publicações procura reforçar essa

representação de ensino adequado, e divulgam sugestões metodológicas para essa nova

abordagem da aritmética, produzidas a partir da apropriação das ideias de mudanças

didáticas para o ensino de Matemática, divulgada pelos defensores do ideário do MMM

e fundamentada nos pressupostos de Dienes. A análise mostra que tanto a organização

seqüencial dos conteúdos priorizados, quanto à metodologia sugerida, procuram

acompanhar àquelas orientações.

Outro ponto a destacar é o caráter de urgência dada a implantação das reformas

propostas. Para isso, os elaboradores procuram validar a nova concepção de

aprendizagem adotada, citando estudos científicos: “Segundo os mais recentes estudos

na Europa e na América, em relação à reforma da educação matemática, aprender

11

O recém-criado Sistema Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo naquela época ainda não tinha

currículo próprio e, por esse motivo, acompanhava as diretrizes da Secretaria de Educação do Estado.

Vide os documentos Guias curriculares do Estado de São Paulo, 1975 e Subsídios para implementação

dos Guias Curriculares, 1981, que anunciam as reformas pretendidas.

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Matemática significa descobrir, compreender e combinar as estruturas matemáticas e o

modo como elas se relacionam.” (São Paulo, 1976).

Porém, ainda era preciso auxiliar ao professor como operacionalizar esta

concepção de abordagem da matemática para o ensino de aritmética nas séries iniciais.

Era preciso transformar preceitos teóricos em orientações para as práticas pedagógicas

dos professores da rede de ensino. De maneira geral, o estudo até o momento mostra

que essas publicações tentam exemplificar aos professores o modo como introduzir os

conteúdos matemáticos, de acordo com a nova abordagem da Matemática como uma

estrutura única12,

ou seja, oferecendo sugestões de atividades em consonância com seus

preceitos teóricos.

Destaco que os livros didáticos mais vendidos, utilizados por escolas de

prestígio entre educadoras, já faziam circular a representação de como ensinar,

constituindo-se como um contexto de sustentação13

para a implantação da nova didática

para o ensino de número proposta oficialmente. Logo era indispensável preencher as

lacunas entre a teoria e a prática do professor. As publicações ofereciam a aquisição de

repertório de maneiras de ensinar, conduzindo metodologicamente sua prática, nesta

nova perspectiva.

Pode-se dizer que as publicações reproduzem modelos já divulgados em

diversos meios pedagógicos. Estes modelos procuravam traduzir a concepção

estruturalista da matemática em formas de como ensinar em diálogo direto com a

atuação prática em classe. Para isso, não só estas, como todas as outras publicações

expedidas pela SME, eram estruturadas em três partes: uma introdução, contendo

argumentos de convencimento para adoção da nova metodologia, uma rápida orientação

teórica dos conteúdos matemáticos e os modelos de como ensinar, descriminados aula

por aula.

Para melhor compreender de que forma, as publicações procuravam normatizar

ações do professor, descrevemos uma sugestão de Plano proposto para as vinte

primeiras aulas, do MDC-76, a fim de possibilitar a visualização da nova distribuição

dos conteúdos a serem explorados antes da introdução ao conceito de número. O

planejamento detalhado em minúcias, continha o modelo para cada uma das aulas, com

12 .

A abordagem da Matemática como uma estrutura, por meio da linguagem da teoria dos conjuntos supõe

maior facilidade na aprendizagem dos conteúdos. 13

Segundo Valente (2010), os contextos de sustentação remetem aos processos de inteligibilidade onde

uma teoria é posta em funcionamento. Nesses contextos estão presentes, dentre outras formas, as leituras

que se faz do passado sobre um determinado tema.

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informações sobre as atividades, indicações do tempo para a exploração de cada uma

com as referidas sugestões de intervenções. Isto pode retratar a hierarquização atribuída

a alguns conteúdos matemáticos nesta nova representação de como ensinar, além de

trazerem uma nova organização pedagógica.

Como é sabido, na perspectiva estruturalista, a metodologia para a abordagem do

conceito de número14, indica que inicialmente sejam enfocadas atividades que

explorem as noções de conservação, seriação e classificação. As publicações

veiculavam estas ideias defendidas por Dienes. Segundo ele (1967, p.33) Piaget “foi o

primeiro a perceber que o processo de formação de um conceito toma muito mais tempo

do que se supunha anteriormente”.

Como Dienes, as publicações inserem-se nesse cenário, propondo alterações

didáticas, seguindo a perspectiva do „aluno piagetiano‟. Os modelos de atividades

propostos tomam como ponto de partida, estruturas lógicas elementares e suas

combinações, de modo a adequar a Matemática Elementar ao desenvolvimento da

construção do pensamento da criança.

Para o início do ano letivo, foram previstas vinte aulas para o mês de março,

assim distribuídos: “Aula 1-reconhecimento de atributos, Aula 2-reconhecimento de

atributos comuns, Aula 3-negação de atributos, Aula 4-utilização de informações, Aula

5-ideia de ordenação, Aula 6-identificação de uma diferença entre os atributos de dois

objetos, Aula 7-identificação de uma diferença entre os atributos de mais de dois

objetos, Aula 8- Conjunto - conjunto e elemento, Aula 9-pertinência, Aula 10-definição

de conjunto universo – conjunto unitário, Aula 11-representação gráfica (diagrama de

Venn), Aula 12-Conjunto pela negação de atributos, Aula 13-relação, Aula 14-

correspondência entre os elementos de dois ou mais conjuntos, Aula 15-relação entre os

conjuntos, Aula 16-numeral 1 e 2, Aula 17-fixação dos numerais 1 e 2, Aula 18-numeral

3 e 4, Aula 19-fixação dos numerais 1, 2, 3, e 4, Aula 20-numeral 5.” (São Paulo, 1976).

A determinação e distribuição dos conteúdos, mais uma vez confirma que a

publicação corrobora com Dienes, ao reservar espaço para exploração e

desenvolvimento de noções lógicas elementares, exigidas à compreensão da noção de

número. São propostas atividades lógicas, em situações artificialmente criadas,

utilizando materiais estruturados que possibilitem a ação, de modo a chegar à

14

“O número é uma propriedade dos conjuntos” (Dienes, 1967). Os números são considerados

propriedades que se referem às coleções de objetos, são propriedades de um conjunto de objetos e não do

objeto propriamente dito, sem existência concreta.

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descoberta de novas estruturas. A novidade desta abordagem, trazidas por Dienes para a

didática da Matemática é a revelação da necessidade de uma „Matemática anterior‟.

Trata-se de uma pré-matemática, que explora atividades condizentes com o período de

desenvolvimento psicológico.

Como informar ao professor os novos protocolos metodológicos? Como propor

atividades, utilizando objetos físicos disponíveis a uma rede de ensino em expansão,

que permitissem a concretização de conceitos matemáticos, guiando o professor na sua

prática diária? O modelo de capacitação do professor adotado pela rede municipal a fim

de concretizar a implementação da nova metodologia, foi majoritariamente atrelado a

distribuição de orientações técnicas de como agir dentro da nova pratica pedagógica,

por meio de publicações. Esta característica utilizada, em razão da urgente implantação

da escola de oito anos, impingiu especificidade à política de formação de professores da

SME.

Assim, o desafio das publicações é operacionalizar as novas prescrições teóricas,

transformando-as em metodologia adequada, segundo a leitura que os elaboradores

faziam à época, da rede escolar, sugerindo modos de fazer possíveis para que os

professores consigam concretizar em práticas, a teoria balizadora. Em suma: produzir

uma metodologia que retrate, dentre outros elementos, a nova concepção para o ensino

de número. Era preciso mostrar ao professor, como colocar em marcha, nas aulas, a

modernidade do ensino, ou seja, oferecer orientações claras de como agir na nova

metodologia, sugerindo a seqüência de aulas, as estratégias que favorecem o trabalho

em grupo, a participação ativa dos alunos em atividades variadas com complexidade

crescente, atendendo aos comportamentos reconhecidos como pré-requisitos para a

aprendizagem do conceito de número.

A grande ruptura na metodologia proposta em relação à anterior é o uso de

material concreto desde a primeira aula, em jogo livre que, pode-se dizer foi à

representação eleita como a metodologia adequada característica da época. Verifica-se

ainda que o material estruturado adotado majoritariamente para concretização das

estruturas propostas são os blocos lógicos.

O diferencial em relação às recomendações de Dienes refere-se à sugestão

quanto à variedade de materiais estruturados. Tudo indica que a formação de um grande

número de professores determinou a decisão de apresentar somente os blocos lógicos

como sugestão na realização nas atividades de lógica ou para a concretização da

propriedade numérica dos conjuntos.

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Considerando as dificuldades que a nova metodologia representou para as

professoras ingressantes na rede, pode-se indagar como garantir o uso da nova

metodologia para a aprendizagem na nova concepção de tratar à matemática? Como

operacionalizar as teorias de Dienes de maneira a conquistar o professor ao ponto de

arriscar tantas rupturas?Algumas escolhas teriam que ser feitas para garantir maior

aceitação e implantação das novas propostas.

O primeiro passo foi convencer o professor que didaticamente, o ensino por

meio da teoria dos conjuntos proporcionaria facilidade para construir e reproduzir

concretamente as estruturas lógicas, com materiais estruturados para este fim. Os

seguidores do ensino moderno afirmavam que assim feito, depois da vivência das

crianças em atividades explorando as estruturas lógicas, poder-se-ia combiná-las,

transformando-as em outras mais complexas e, mais tarde, facilmente aplicá-las nos

conjuntos numéricos. As orientações nas publicações procuraram sugerir atividades que

retratassem tal afirmação.

Seguindo as orientações das publicações, conforme a representação de ensino

moderno, gradativamente, a manipulação é deixada de lado, passando à concretização

por raciocínio operatório, chegando à simbolização, usando linguagem ou símbolos

numéricos, isto é, a representação simbólica das propriedades abstratas.

Apesar da preocupação em detalhar e argumentar ao professor, a importância de

cumprir a sequência das atividades nesta abordagem de conjuntos, observa-se alterações

significativas na sequência sugerida, o que é justificado na Introdução da publicação:

“Justifica-se tal posição devido a: complexidade dos temas, dificuldade da criança com

7 anos, em assimilar corretamente os conceitos de tais temas, falta de carga horária

suficiente para se desenvolver tais temas, de maneira a propiciarem a real compreensão

do aluno.” (São Paulo, 1976).

Nessa nova perspectiva, as atividades são seqüenciadas, iniciando-se com o

estudo dos conjuntos de diferentes tamanhos pelas crianças, que logo se acostumam

também a „descobrir‟ a propriedade numérica desses conjuntos e a associar um símbolo

fixo a todos os conjuntos do mesmo tamanho. Aqui cabe mencionar que a propriedade

numérica era indicada por jogos de correspondência utilizando blocos lógicos. Para a

representação desta propriedade numérica usavam-se os numerais já conhecidos pela

criança, em lugar da criação de novos símbolos, visto que não aparecem atividades que

incentivem tal possibilidade.

Page 10: Denise medina texto completo

Dada a dificuldade de elaboração de atividades para cada uma das etapas a

serem vencidas antes da introdução do conceito de número e tendo em vista a

insegurança dos professores, em relação a essa nova forma metodológica foi necessário

apropriações. Uma das soluções encontradas foi utilizar representações simbólicas

simples. Foi decidido pelas autoras, adotarem símbolos comuns usados por todos para

representar a propriedade numérica dos conjuntos, no caso os algarismos indos-

arábicos. A partir daí, os símbolos numéricos tornam-se um conjunto que se usados na

sua ordem, oferece uma maneira de encontrar o número de qualquer outro conjunto.

Assim pode-se corresponder este conjunto ordenado dos nomes dos números a qualquer

outro conjunto. O último emparelhamento mostra o tamanho do conjunto.

Vale a pena ressaltar que em todas as publicações estudadas os elaboradores,

iniciavam o diálogo com o professor, tentando convencer das vantagens da nova

abordagem dado a Matemática, como uma estrutura única. Argumentavam que as

crianças aprendendo a contar concretamente, manipulando intuitivamente a estrutura do

sistema de numeração, poderiam empregar números, mais inteligentemente em

situações subsequentes.

Algumas considerações

Cotejando as sugestões dos modelos de atividades contidas nas publicações, com

a bibliografia aconselhada e os objetivos a serem alcançados, pode-se verificar que a

representação construída de como ensinar partiu de um processo de apropriação das

ideias de Dienes pelas equipes elaboradoras destes documentos. Há ênfase na

metodologia por meio de jogos estruturados, com a criança agindo em situações criadas

artificialmente, de acordo com seu desenvolvimento psicológico, explorando

concretamente a construção de conceitos, processos de formação do pensamento

abstrato e o desenvolvimento das estruturas matemáticas. Porém, há apropriações.

Entendo que as diferenças encontradas referem-se às possibilidades de

operacionalização.

É fato, ainda, que vários contextos de sustentação permitiram a apropriação,

circulação e institucionalização das propostas de Dienes na rede pública do Estado de

São Paulo. Cito, primeiramente, a eleição, pelos elaboradores do MDC, da

representação construída por Dienes para metodologia, como a mais adequada para a

nova abordagem estrutural da Matemática. Sendo assim, buscaram transformar as

prescrições teóricas e metodológicas em modelo técnico pedagógico para a aplicação

Page 11: Denise medina texto completo

imediata em sala de aula, visto a urgência da reforma imposta pela LDB 5692-71. Além

disso, o prestígio dos integrantes do GEEM e os cargos de chefia por eles ocupados

tanto na SME como na SEE, ou seja, o lugar de poder ocupado pelos participantes do

MMM possibilitou grande divulgação das novas metodologias como alternativa de

sucesso.

Segundo Dienes (1967, p.33) Piaget “foi o primeiro a perceber que o processo de

formação de um conceito toma muito mais tempo do que se supunha anteriormente”.

Estas afirmações originam propostas de reformulação na organização dos conteúdos,

tomando como ponto de partida, estruturas lógicas elementares e suas combinações, de

modo a adequar a Matemática Elementar ao desenvolvimento da construção do

pensamento da criança.

Posso ainda considerar a farta distribuição de alguns kits15

, nos cursos de

formação oferecidos aos professores da rede municipal (1969 a 1977) como forte

contexto de sustentação à nova proposta, visto que permitiu a construção de um cenário

receptivo a circulação e oficialização desta representação de como ensinar. Em grande

medida as ideias de Dienes trouxeram implicações na maneira de conceber o número,

que incidem na forma como se deve ensinar. A metodologia de ensino sugerida, como

atividades com jogos em grupo pouco usuais, na época distinguia-se do método

tradicional e, por isso, foi utilizado como um diferencial divulgado como fator de

sucesso na representação construída. Tudo indica que a nova didática foi, em grande

medida, um dos elementos responsáveis pelas mudanças ocorridas no funcionamento da

escola na época, visto que introduziu novos elementos a serem considerados no

cotidiano da sala de aula, como os materiais manipuláveis, planejamento, mobiliário

especifico reorganização curricular, outras maneiras de ensinar, de aprender e de

conceber o aluno, entre outros.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1961.

______. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, 1971.

15

PMSP. Coletânea de apostilas para 1ª série, 1969. PMSP. MDC (Modelo de desenvolvimento

curricular) 1973, 1974, 1977, 1978, entre outros.

Page 12: Denise medina texto completo

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