democracia y participaciÓn de la sociedad civil en … · baseada no levantamento inicial sobre os...

60
DEMOCRACIA Y PARTICIPACIÓN DE LA SOCIEDAD CIVIL EN LOS PROCESOS DE INTEGRACIÓN MERCADO COMUM DO SUL - MERCOSUL ASC ALIANZA SOCIAL CONTINENTAL OCTUBRE 2007

Upload: buithuan

Post on 18-Jan-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

DEMOCRACIA Y PARTICIPACIÓN DE LA SOCIEDAD CIVIL EN LOS PROCESOS DE INTEGRACIÓN

MERCADO COMUM DO SUL - MERCOSUL

ASC

ALIANZA SOCIAL CONTINENTAL

OCTUBRE 2007

2

Informe realizado por Maureen Cristina Martins dos Santos.

Sumário

Lista de Figuras, Quadros e Gráficos ............................................................................................................ 3

Lista de Siglas .................................................................................................................................................. 4

1. Introdução .................................................................................................................................................... 7

2. Breve histórico sobre a criação do Mercosul............................................................................................. 9

3. Conteúdo democrático e participação social no processo de integração do Mercosul ........................ 15

4. Espaços de participação da sociedade civil no Mercosul ....................................................................... 19

4.1 Espaços Institucionais Oficiais ............................................................................................................. 20 4.1.1. Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul ...................................................................... 20 4.1.2 Reuniões Especializadas .......................................................................................................... 31 4.1.2.1 Reunião Especializada da Agricultura Familiar ......................................................................... 32 4.1.2.2 Reunião Especializada da Mulher .............................................................................................. 38

4.2 Espaços Oficiais ................................................................................................................................... 41 4.2.1 Somos Mercosul............................................................................................................................ 41 4.2.2. Cúpula Social do Mercosul .......................................................................................................... 42

4.3. Espaços não-oficiais ............................................................................................................................ 44 4.3.1 Programa Mercosul Social e Solidário .......................................................................................... 44 4.3.2 Fórum Social do Mercosul ............................................................................................................ 46

4.4 Espaços de Diálogo .............................................................................................................................. 47 4.4.1 Comissão Parlamentar Conjunta/Parlamento do Mercosul ........................................................... 47 4.4.2. Foro de São Paulo ........................................................................................................................ 49 4.4.3. Mercocidades ............................................................................................................................... 50

5- Análise das entrevistas e conclusões ........................................................................................................ 52

6- Considerações Finais ................................................................................................................................. 54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 57

Documentos Oficiais ................................................................................................................................... 58

Anexo I ........................................................................................................................................................... 60

LISTA DE ENTREVISTADOS .................................................................................................................... 60 Entrevistas presenciais ou via chamada telefônica ................................................................................ 60 Entrevistas por questionário via e-mail .................................................................................................. 60 Respostas obtidas de não participação nas entrevistas com justificativa ............................................... 60

3

LISTA DE FIGURAS, QUADROS E GRÁFICOS

Figura 1 Organograma Institucional do Mercosul 13

Quadro 1 Organizações membros do FCES por setor em cada seção nacional

22

Quadro 2 Divisão das Recomendações do FCES ao GMC no período de 1997-2003 por temas gerais

26

Gráfico 1 Distribuição da Composição do FCES por setor 27

Gráfico 2 Distribuição da Composição do FCES por país e por setor 28

Quadro 3 Grupos de Trabalho da REAF e propostas 33

Quadro 4 Conclusões 51

4

LISTA DE SIGLAS

ACU Asociación de Colonos de Uruguay

ALCA Área de Livre Comércio das Américas

ASC Aliança Social Continental

CAC Cláusula de Adaptação Competitiva

CCSCS Coordinadora de Centrais Sindicais do Cone Sur

CCU Centro Cooperativista Uruguaio

CDE Centro de Documentação e Estudos – Paraguai

CEDAC Centro de Ação Comunitária – Brasil

CEFIR Centro de Informação Regional

CEMPED Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito

CENTRAC Centro de Ação Cultural – Brasil

CEPACOOP Central Paraguaya de Producción

CIDEC Centro de Investigación y Documentación sobre Problemas de Economía, el Empleo y las Calificaciones Profesionales – Bolivia

CIOEC Coordinadora de Integración de Organizaciones Económicas Campesinas – Bolivia

CLADEM Comité Latino Americano para la Defensa de la Mujer

CMC Conselho Mercado Comum

CNFR Comisión Nacional de Fomento Rural – Uruguay

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – Brasil

COPPPAL Conferência Permanente de Partidos Políticos de América Latina

CPMC Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul

CPP Centro de Participação Popular – Uruguai

CSL Coordenação Socialista Latino-americana

CTCS Conselho de Trabalhadores do Cone Sul

DESER Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rural

FAA Federación Agraria Argentina

5

FCCP Foro de Consulta e Concertação Política

FCES Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul

FDC Fundación por el Desarrollo y Cooperación – Paraguai

FECOPROD Federación de Cooperativas de Producción – Paraguai

FETRAEP Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Estado do Paraná

FETRAF Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar

FIDA Programa Regional do Fundo Internacional de Desenvolvimento da Agricultura

FOCEM Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul

GAN Grupo de Alto Nível sobre Estratégias de Emprego

GMC Grupo Mercado Comum

IDEP Instituto e Desenvolvimento do Estado e da Participação – Argentina

IGTN Red Interamericana de Genero y Comercio

INCUPO Instituto de Cultura Popular – Brasil

IPL Íntergremial de Productores de Leche – Chile

MCNOC Mesa Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesinas – Paraguai

MCP Movimiento Campesino Paraguayo

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MECAFOR Movimiento Campesino de Formosa - Paraguai

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MPA Movimento dos Pequenos Agricultores

MPP Movimiento de los Pequeños Agricultores y Trabajadores Rurales de Papaya – Haiti

MRE Ministério das Relações Exteriores

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MUCECH Movimiento Unitario Campesino y Etnias – Chile

PAA Programa de Aquisição de Alimentos - Brasil

6

PET Programa de Economia e Trabalho – Chile

PIB Produto Interno Bruto

PICE Programa de Integração e Cooperação Econômica

REAF Reunião Especializada da Agricultura Familiar

REBRIP Rede Brasileira pela Integração dos Povos

REC Reunião Especializada em Cooperativas

RECAM Reunião Especializada de Autoridades cinematográficas e audiovisuais do Mercosul

RECyT Reunião Especializada de Ciência e Tecnologia

RED Reunião Especializada de Autoridades de aplicação em matéria de Drogas, Prevenção de seu uso indevido e Recuperação de dependentes

REDPO Defensores Públicos Especializados em Mercosul

REM Reunião Especializada da Mulher

REMPM Reunião Especializada dos Ministérios Públicos do Mercosul

REOGCI Reunião Especializada Organismos Governamentais de Controle Interno

REPCCM Reunião Especializada de Promoção Comercial Conjunta do Mercosul

RET Reunião Especializada de Turismo

SEPA Serviço Ecumênico de Promoção Alternativa – Paraguai

SICLAC Comitê da Internacional Socialista para América Latina e Caribe

SM Secretaria do Mercosul (antiga SAM, Secretaria Administrativa do Mercosul)

TAL Tribunal Administrativo Laboral

TEC Tarifa Externa Comum

TPR Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul

UAN Unión Agrícola Nacional

UC Unión de Comunidades

7

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa é parte do projeto Democracia e Participação da Sociedade

Civil nos Processos de Integração, promovido pela Aliança Social Continental com apoio

da Fundação Rosa Luxemburgo, e tem por objetivo produzir uma análise sobre como o

Mercado Comum do Sul - Mercosul atende as demandas por participação social no

processo de integração regional por ele realizado.

Foi feito um levantamento dos espaços oficiais e não oficiais de participação no

âmbito do Mercosul e buscou-se, a partir do material coletado e por meio das entrevistas,

suscitar algumas questões referentes à democracia, institucionalidade, trajetória,

transparência, nível de informações disponíveis, participação social, e se esta se traduz

efetivamente em uma mudança na lógica inicial de criação do bloco.

Assim, optou-se pela realização de entrevistas individuais conduzidas

minimamente por um roteiro de perguntas padrão, que serviria posteriormente como

ferramenta para comparar opiniões sobre as questões supracitadas. A flexibilidade do

roteiro permitiu ao entrevistado expressar de forma espontânea sobre o tópico que

achasse mais relevante. Sendo assim, a entrevista adotou o modelo de semi-

estruturação, utilizando um roteiro flexível como norteador, o que favoreceu o diálogo

com o entrevistado, aprofundando aspectos importantes de compreensão de seu

pensamento sobre o assunto em pauta.

Inicialmente, foi montada uma lista de organizações a serem entrevistadas,

baseada no levantamento inicial sobre os espaços de participação formal e informal do

Mercosul. A partir disso, foram iniciados contatos junto a representantes destas

organizações para agendar entrevistas. Neste ponto, as dificuldades ficaram por um lado,

devido a ausência de retorno de algumas pessoas contatadas, e por outro, pelos

recursos financeiros limitados que impossibilitavam a realização de viagens para

entrevistas presenciais. Com isso, para as entrevistas que não foram possíveis serem

8

feitas presencialmente, foram enviados questionários por correio eletrônico e consultas

via chamadas telefônicas. Esta solução também encontrou contratempos, pois poucas

respostas foram recebidas, apesar da insistência por parte da pesquisa na obtenção das

mesmas.

Desta forma, foi realizado um total de 14 entrevistas, sendo duas delas

questionários. Além disso, foram obtidas duas respostas com justificativas de não

participação nos espaços de participação da sociedade civil do Mercosul, que foram

relevantes para o entendimento de por que alguns atores não tinham interesse em

participar do processo.

As entrevistas ofereceram elementos fundamentais para a pesquisa, indicaram

caminhos e passaram uma boa idéia de como funciona cada uma das organizações, sua

participação ou não nos espaços e como elas vêem o Mercosul.

Nesse sentido, a primeira parte descreve um breve histórico da criação do

Mercosul, a partir da década de 70. A segunda apresenta considerações sobre o

conteúdo democrático e a participação social no processo de integração do Mercosul. A

terceira promove um levantamento dos espaços de participação através de quatro

categorias: espaços oficiais institucionalizados com marco normativo próprio; espaços

oficiais criados com objetivo de promover diálogos periódicos; espaços não-oficiais

estabelecidos por iniciativa própria da sociedade civil; e espaços denominados de

diálogo, devido a possibilidade de trabalhar a incidência e o debate da sociedade civil

junto a partidos políticos, municipalidades e parlamento.

Na quarta e última parte são apresentadas as conclusões das entrevistas e uma

análise sobre quais processos permitem melhor atender a demanda por participação das

sociedades envolvidas.

9

2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO DO MERCOSUL Os antecedentes mais próximos da criação do Mercosul vêm das décadas de

1970 e 1980, quando Argentina e Brasil iniciaram aproximações que desencadearam no

fim da rivalidade que sempre caracterizou suas relações.1 Parte desta aproximação

iniciou-se com o fim das disputas diplomáticas entre Brasil e Paraguai, que giravam em

torno do aproveitamento energético das Sete Quedas do rio Paraná, e que também

causavam conflitos junto à Argentina devido a questões especialmente relativas à

segurança nacional.

A resolução do contencioso deu-se em 1979, com a assinatura do Acordo

Trilateral entre Argentina, Brasil e Paraguai, que pôs fim as disputas em relação ao

aproveitamento dos recursos hídricos e à construção da hidrelétrica de Itaipu, que fica a

17 km da fronteira com a Argentina. A assinatura do acordo constituiu um divisor de

águas no processo.

Outros fatores, como o declínio dos regimes militares e o início do processo de

redemocratização, a crescente crise do modelo desenvolvimentista, e as mudanças no

cenário internacional com o declínio da Guerra Fria, favoreceram a aproximação entre os

países, caracterizada por uma série de novos acordos de cooperação durante a década

de 1980 (OLIVEIRA, 2001: 53).

Em 1986, em Buenos Aires, foi firmada por Brasil e Argentina a Ata para a

Integração Argentino-Brasileira que estabeleceu o Programa de Integração e Cooperação

Econômica - PICE. O programa tinha como foco proporcionar um espaço econômico

comum, com a abertura seletiva dos respectivos mercados e o estímulo à

complementação econômica entre setores específicos dos dois países. O Uruguai foi

1 As divergências políticas entre Argentina e Brasil foram fortes durante grande parte do século XX, pois por um lado, a Argentina mantinha a postura de país não-alinhado no período da Guerra Fria, e por outro, o Brasil mantinha uma postura de grande aproximação com os Estados Unidos, com vistas a melhorar sua inserção no contexto internacional. Além disso, a disputa velada pela hegemonia sub-regional também era motivo de desconfianças mútuas.

10

convidado a participar do encontro como observador, para que analisasse as propostas e

futuramente pudesse se associar ao programa (MENEZES; FILHO, 2006: 52).

O estreitamento de laços entre Brasil e Argentina, bem como as transformações

políticas e econômicas que vinham ocorrendo em ambos os países, resultou, em julho

1986, na assinatura do Protocolo de Integração e Cooperação Econômica, que foi

seguido do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento2, em novembro de

1988, no qual os signatários expressaram o desejo de constituir, no prazo de 10 anos, um

espaço econômico comum, através da “remoção dos obstáculos tarifários e não tarifários

ao comércio de bens e serviços”.

Assim, um novo impulso à integração foi dado com a assinatura, em julho de

1990, da Ata de Buenos Aires, que fixou dezembro de 1994 como data para a criação

definitiva de um mercado comum entre os dois países. Todavia, no mesmo ano, Uruguai

e Paraguai decidiram aderir ao processo em curso, o que culminou na assinatura do

Tratado de Assunção,3 em março de 1991, que estabeleceu o Mercado Comum do Sul -

Mercosul.

Consta no Tratado de Assunção que para atingir o mercado comum, seria

necessário:

A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias á circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e

2 Cf. Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/b_argt_281_758.htm 3 Cf. Tratado de Assunção. Disponível em http://www.mercosur.org.uy

11

O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Nesse sentido, o Tratado inicia o chamado “período de transição”, que seria o

tempo de conformação de uma área de livre comércio e a preparação para uma união

aduaneira, o que era previsto pelo tratado no momento de se fazer uma revisão

institucional no final de 1994.

Do ponto de vista político-estratégico, o Mercosul foi uma resposta regional ao

aprofundamento da globalização e significou uma tentativa de ampliar e melhorar a

inserção dos países da sub-região no cenário internacional. Do ponto de vista econômico,

permitiria uma ampliação dos mercados e das economias de escala dos países e

geração de competitividade (VIGEVANI et. al., 2001: 186).

Em 1994, os países membros firmaram o Protocolo de Ouro Preto,4 que concedeu

personalidade jurídica de direito internacional ao Mercosul, reconhecendo ao bloco

competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de

países e organismos internacionais. O Protocolo estabeleceu a adoção de uma Tarifa

Externa Comum – TEC,5 que significa a aplicação pelos países membros de taxas

comuns aos produtos provenientes dos países não-membros. A implementação da TEC é

a característica principal de uma União Aduaneira.

O Protocolo formalizou a estrutura institucional definitiva do Mercosul, ao aprovar

a continuação dos trabalhos de alguns órgãos estabelecidos no Tratado de Assunção, e

criar outros novos, definindo assim o conjunto de órgãos principais que iriam compor o

bloco, foram eles: Conselho Mercado Comum - CMC, Grupo Mercado Comum - GMC,

Comissão de Comércio do Mercosul - CCM, Comissão Parlamentar Conjunta - CPC, Foro

Consultivo Econômico e Social - FCES e Secretaria Administrativa do Mercosul - SAM.

4 Cf. Protocolo de Ouro Preto. Disponível em http://www.mercosur.org.uy 5 A adoção de uma Tarifa Externa Comum significa a aplicação pelos países membros de taxas comuns aos produtos provenientes dos países não-membros. A implementação da TEC é a característica principal de uma União Aduaneira.

12

Desta forma, foram mantidos com sua composição e atribuição original: o CMC,

órgão supremo de condução política e tomada de decisões; o GMC, braço executivo do

bloco; a CPC, órgão parlamentar de caráter consultivo; e a CCM, que havia sido criada

no mesmo ano da assinatura do protocolo, para apoiar o GMC na gerência dos

instrumentos da política comercial comum. E foram criados: o FCES, que contempla a

representação de setores econômicos e sociais não governamentais (empresários,

trabalhadores e terceiro setor) para debater temas afins ao processo Mercosul; e a

Secretaria Administrativa do Mercosul - SAM, com função operativa.

Com o passar dos anos, outros organismos centrais foram criados, são eles:

Tribunal Administrativo Laboral do Mercosul - TAL, Tribunal Permanente de Revisão do

Mercosul - TPR, Centro Mercosul de promoção do Estado de Direito - CEMPED,

Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul - CRPM. E dois órgãos

mudaram seu status: a primeira foi a SAM que mudou de secretaria operativa para

técnica, passando a se chamar Secretaria do Mercosul - SM e o outro foi o CPC que

terminou seus trabalhos com o estabelecimento do Parlamento do Mercosul. Na figura a

seguir consta o organograma com a estrutura institucional atual do Mercosul.

Figura 1. Organograma Institucional do Mercosul

13

14

Fonte: Site oficial do Mercosul http://www.mercosul.org.uy

15

Atualmente, o Mercosul permanece no estágio6 de União Aduaneira incompleta,

pois persistem certas imperfeições ligadas às muitas exceções na adoção da TEC, bem

como outros problemas sobre o cumprimento de medidas referentes à sua aplicação. Do

ponto de vista da liberalização comercial, não existem mais tarifas de importação

perpetradas entre os Estados partes em praticamente todos os setores de bens no

âmbito do bloco, com exceção do setor de automóveis e açúcar.

Em 2006, a Venezuela aderiu ao Mercosul como membro pleno, o processo se

encontra no estágio de ratificação nos respectivos congressos nacionais dos Estados

partes. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE), com a

adesão da Venezuela, o Mercosul passa a possuir uma área de 12,7 milhões de

quilômetros quadrados, 250 milhões de habitantes e um produto interno bruto (PIB) de

US$ 1 trilhão, 76% do total da América do Sul.

Por fim, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia são membros associados do

bloco, sendo que este último vem negociando desde 2006 sua entrada como membro

pleno e para tanto foi estabelecido em janeiro de 2007 um grupo ad-hoc para discutir

essa possível adesão boliviana como membro pleno ao Mercosul.

3. CONTEÚDO DEMOCRÁTICO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROCESSO DE

INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL

O Mercosul foi criado em um contexto regional no qual os países estavam em

processo de redemocratização. Desta forma, um dos elementos que permitiram a

aproximação entre Brasil e Argentina foi a noção de que valores comuns como a

democracia estavam sendo retomados em ambas sociedades. Embora o termo 'democracia'

6 São cinco os diferentes estágios de integração existentes: 1) Área ou Zona de Livre Comércio, no qual se busca a eliminação das tarifas aduaneiras, estabelecendo a livre circulação de mercadorias; 2) União Aduaneira, além da eliminação das barreiras tarifárias, adota-se uma Tarifa Externa Comum – TEC para o comércio com terceiros países, é o estágio onde se encontra o Mercosul; 3) Mercado Comum, que soma os elementos dos outros estágios à livre circulação dos fatores de produção, ou seja, capital, trabalho, serviços; 4) União Econômica e Monetária, caracterizada pela adoção de uma moeda única e o compartilhamento de políticas macroeconômicas comuns; 5) União Política, quando o poder político e administrativo é transferido à organização supranacional. Todos os diferentes estágios são entendidos como uma integração voluntária pacífica, e cada estágio.

16

não constasse explicitamente no Tratado de Assunção e no Protocolo de Ouro Preto —

documentos mais importantes de fundação do bloco — o princípio esteve presente

implicitamente nas declarações e demonstrações políticas dos países membros. Como por

exemplo, na aprovação definitiva da estrutura institucional do Mercosul, pelo Protocolo de

Ouro Preto, que estabeleceu um espaço de representação dos setores privados e sociais dos

países membros, o Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul.

No entanto, a preocupação em assegurar espaços representativos da sociedade

civil também diz respeito ao fato de que os governos queriam legitimar as negociações

realizadas no processo de integração. Nota-se, portanto, que cada vez mais a

preocupação com o caráter democrático aumenta, na medida em que a integração vai se

aprofundando e os impactos da mesma vão surgindo nos respectivos países

participantes do processo, mobilizando interesses nas sociedades dos mesmos

(VIGEVANI et. al., 2001:184).

Amostra disso é a emergência de atores da sociedade civil, que passam a cumprir

um importante papel na luta por uma hegemonia democrática nas esferas nacionais,

regionais e internacionais. A presença da sociedade civil e as potencialidades da

pluralidade de alianças nacionais, regionais e internacionais existentes entre ONG’s,

sindicatos e movimentos sociais, deram forma a criação de redes e organizações no

âmbito do acompanhamento, monitoramento e incidência nas negociações do Mercosul,

bem como de resistência ao avanço do livre comércio na região e no mundo, sinalizado

especialmente através das negociações para a criação da Área de Livre Comércio das

Américas – ALCA e em relação as negociações perpetuadas pela Organização Mundial

do Comércio – OMC. Constituem exemplos disso, no âmbito nacional a criação da Rede

Brasileira pela Integração dos Povos – REBRIP e da Campanha Nacional contra a

ALCA/OMC, no nível regional a Aliança Social Continental – ASC e a Campanha

Continental contra ALCA.

17

Retomando ao Mercosul, a referência sobre democracia aparece pela primeira

vez em um documento oficial em 27 de junho de 1992, na Declaração Presidencial de

Las Leñas, que afirma que “a plena vigência das instituições democráticas é condição

indispensável para a existência e o desenvolvimento” do bloco. Em 1998, é assinada a

cláusula democrática por meio do Protocolo de Ushuaia,7 ratificando a Declaração

Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul.

Assim, a questão democrática no Mercosul tornou-se um tema aparentemente

homogêneo no interior do bloco. No entanto, somente o fato de estar presente na

compreensão dos Estados partes do Mercosul não quer dizer que o conteúdo

democrático no âmbito regional é seguido a risca pelos mesmos. A aplicabilidade tem

sido vista apenas no âmbito nacional, e isso contribui para uma visão negativa da

sociedade civil em relação ao bloco (VIGEVANI et. al., 2001: 224).

Sobre isso, os entrevistados pela presente pesquisa foram unânimes em afirmar

que existe um grande déficit democrático no Mercosul. Este déficit foi apontado

especialmente em relação aos seguintes pontos:

a) Carência de canais de informações mais ágeis, completos e eficientes: há uma clara

dificuldade no acesso às informações produzidas pelo Mercosul e por todos seus

espaços institucionais, não existe uma página na Internet ou portal que centralize os

documentos produzidos por todos os órgãos existentes, como atas de reuniões,

documentos, recomendações, materiais publicados, declarações, entre outros. A página

oficial do Mercosul (http://www.mercosul.org.uy), em geral, só possui informações sobre

as deliberações e normativas dos órgãos principais como CMC, GMC e CCM, bem como

as declarações presidenciais e os protocolos assinados pelo bloco. É necessário,

portanto, criar alguma ferramenta, como por exemplo, um banco de dados virtual, com as

informações de cada espaço institucional, para que se possa promover o

acompanhamento, bem como proporcionar uma visão geral do processo como um todo.

7 Cf. Protocolo de Ushuaia. www.mercosul.org.uy

18

Atualmente, contabilizam-se 94 espaços incluindo as reuniões técnicas das Comissões.

Entretanto, se adicionar a este número as seções nacionais de alguns órgãos e outros

espaços não listados no organograma oficial, este número aumenta para mais de 200

organismos, entre comitês, comissões, reuniões, grupos, sub-grupos, foros, centros,

b) Falta de transparência no processo de integração do Mercosul, especialmente no que

diz respeito ao acesso às informações: apesar deste ponto parecer semelhante ao

anterior, ele diz respeito especialmente, aos documentos oficiais dos órgãos tomadores

de decisão. Em algumas entrevistas pode-se notar que existe uma demanda real sobre

isso. Até mesmo o FCES, que é o órgão consultivo do bloco, não tem acesso aos

documentos em negociação, muitas vezes nem mesmo recebe oficialmente a agenda a

ser discutida no momento pelo CMC.

c) Limitações em relação à participação de movimentos e organizações sociais: há uma

limitação enquanto quantidade e qualidade dos espaços institucionalizados no Mercosul,

o que demonstra a necessidade de ampliação dos mesmos, a abertura à participação

social de outros espaços até então fechados, ou até a mesmo a criação de novos

espaços. Um interessante debate sobre isso foi constatado nas entrevistas e será

apontado na próxima parte.

d) Falta de conteúdo cidadão: por um lado, no sentido em que grande parte da população

dos países membros não tem uma noção concreta, nem vivem dentro da perspectiva de

que existe um processo de integração em curso do qual também fazem parte; e por

outro, falta inserir ou fortalecer no interior do bloco algumas temáticas relativas ao

cotidiano das populações.

e) Ausência de orçamento para viabilizar e dar seguimento à participação da sociedade

civil nos processos: não existe um orçamento previsto para isso, nem mesmo nos órgãos

oficiais como o FCES e as reuniões especializadas, que contam com a maior participação

da sociedade civil.

19

f) Deficiência ou participação nula por parte da sociedade civil no mecanismo de tomada

de decisões: este ponto também apareceu fortemente nas entrevistas, pois não há

nenhum mecanismo previsto no bloco para que a sociedade civil possa incidir

concretamente no processo de tomada de decisões e os mecanismos existentes como as

recomendações e a consulta ao Foro quase não são utilizados. O sistema de tomada de

decisões no Mercosul é do nível intergovernamental e a decisão está muito centralizada

no poder Executivo dos governos, com uma participação direta dos presidentes das

Repúblicas dos Estados partes nas decisões. Se por um lado, esse sistema restringe a

possibilidade de criação de poderes supranacionais no Mercosul, por outro enfraquece o

próprio sistema intergovernamental estabelecido para o bloco, como o CMC — que foi

criado para ser gerido pelos ministros dos países — ao deixar na mão das autoridades

máximas dos Estados partes o poder de decisões em muitos assuntos que poderiam ser

tratados diretamente pelos ministros nomeados.

Em resumo, sob o ponto de vista formal existe sim atenção à questão democrática

e espaços para participação da sociedade civil, como o Foro Consultivo e outros que

veremos detalhadamente no próximo ponto, mas para que a democracia seja

verdadeiramente parte do processo regional, é necessária vontade política para buscar e

implementar soluções para essas lacunas apontadas acima.

4. ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NO MERCOSUL O Mercosul possui diversos espaços de participação da sociedade civil, sejam

eles formais, institucionalizados ou informais. Para se ordenar o levantamento, dividiu-se

estes espaços em quatro categorias: espaços institucionais oficiais com marco normativo

próprio; espaços oficiais criados com objetivo de promover diálogos periódicos; espaços

não-oficiais estabelecidos por iniciativa própria da sociedade civil; e por último, espaços

de outros setores em que há possibilidade de trabalhar a incidência e o diálogo com a

sociedade civil.

20

4.1 Espaços Institucionais Oficiais

4.1.1. Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul A primeira categoria tem como principal estrutura o Foro Consultivo Econômico-

Social do Mercosul - FCES, que foi estabelecido no artigo 28 do Protocolo de Ouro Preto.

Segundo este artigo, o FCES é “o órgão de representação dos setores econômicos e

sociais e estará integrado por igual número de representantes de cada Estado Parte e

tem função consultiva que se manifestará mediante Recomendações ao Grupo Mercado

Comum” - GMC. Essas recomendações podem ser produzidas por iniciativa própria ou a

partir de consultas realizadas por outros órgãos do Mercosul. O FCES também tem

outros objetivos: avaliar os impactos sociais e econômicos das políticas de integração,

propor normativas e políticas sociais e econômicas relacionadas à integração regional,

contribuir para uma maior participação efetiva da sociedade no processo integrador.8

Entidades sindicais e empresariais de cada país membro instituíram seções

nacionais para construir efetivamente o FCES. A criação foi concluída em maio de 1996,

quando o Regimento Interno do Foro Consultivo9 foi aprovado em plenária, bem como os

demais aspectos de seu funcionamento. O Regimento Interno do FCES foi homologado

pelo Grupo do Mercado Comum - GMC dois meses depois.

Sua estrutura é formada por seções nacionais em cada Estado parte. As seções

possuem autonomia organizativa, são compostas por delegados representantes das

entidades que a compõem10 e definem de forma independente que setores econômicos e

sociais a integrarão, tendo apenas como normativa que para ser membro a organização

deve ser representativa e possuir caráter nacional. As sessões nacionais se reúnem no

8 Cf. Protocolo de Ouro Preto. 9 Regimento Interno do FCES. Disponível em http://www2.uol.com.br/actasoft/actamercosul/ espanhol/ata01.htm 10 A seção nacional argentina foi estabelecida em dezembro de 1995, a brasileira e paraguaia, no início de 1996, e a uruguaia em novembro de 1995. Ver SANCHEZ, M. Pontos críticos da participação da sociedade civil no Mercosul, 2005: 13.

21

Plenário, órgão superior do FCES, sendo que cada sessão poderá enviar nove (9)

delegados representantes, respeitando a paridade empresarial-sindical.11

O Foro está integrado por igual número de representantes de cada país,

composto por entidades empresariais, de trabalhadores e terceiro setor (entidades de

consumidores, cooperativas, instituições acadêmicas, científicas, ONG’s, entre outras).

Tem por principais atribuições: acompanhar, analisar e avaliar o impacto econômico e

social proveniente das políticas destinadas ao processo de integração e as diversas fases

de sua implementação, em todos os níveis. Além disso, o FCES pode propor normas e

políticas econômicas e sociais relacionadas à integração, bem como contribuir para uma

maior participação da sociedade civil no processo de integração regional, difundindo sua

dimensão econômica e social.

Na Argentina, a seção nacional é constituída por: Câmara Argentina de Comércio

- CAC, União Industrial Argentina - UIA, Sociedade Rural Argentina - SRA, Associação de

Defesa do Consumidor - Adelco, Confederação Intercooperativa Agropecuária -

Coninagro, Confederação Cooperativa da República Argentina - Cooperar, Confederação

Geral do Trabalho da República Argentina - CGT-RA e Central de Trabalhadores da

Argentina-CTA. No Brasil, é composta por: Confederação Nacional da Agricultura-CNA,

Confederação Nacional do Comércio - CNC, Confederação Nacional da Indústria - CNI,

Confederação Nacional do Transporte - CNT, Federação Nacional de Empresas de

Seguro Privado e de Capitalização - Fenaseg, Central Autônoma de Trabalhadores -

CAT, Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT, Central Única dos Trabalhadores -

CUT, Força Sindical, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec, Federação de

Órgãos para Assistência Social e Educacional - Fase, Instituto Equit.12

11 Em muitos casos, a Plenária acaba sendo acompanhada por mais membros das seções nacionais, dependendo, por exemplo, do país onde está sendo realizada, pois isso facilita que mais nacionais do respectivo país participem. Todavia, o número extra de participantes tem caráter de observador e não delegado. Este ponto é destacado como um dos necessários de serem alterados no Regimento Interno do FCES, para que seja mais equilibrada formalmente a representação, incluindo no equilíbrio geral o terceiro setor. 12 A FASE e o Instituto Equit ingressaram no FCES no mês de setembro de 2007, ambas organizações são membros da coordenação da Rebrip – Rede Brasileira pela Integração dos Povos, e levam o acúmulo e as

22

No Paraguai é formada por: Federação Paraguaia de Indústria e Comércio -

Feprinco, União Industrial Paraguaia - UIP, Associação Rural Paraguaia - ARP,

Confederação Paraguaia de Cooperativas - Conpacoop, Confederação Nacional de

Trabalhadores - CNT, Central Unitária de Trabalhadores - CUT, Confederação Paraguaia

de Trabalhadores - CPT e Organização de Usuários e Consumidores do Paraguai -

Asucoop. Por fim, a seção nacional do Uruguai é constituída por: Agrupamento

Universitário do Uruguai - Audu, Associação Nacional de Organizações Não

Governamentais - Anong, Conselho Superior Empresarial - Cosupem, Confederação

Uruguaia de Entidades Cooperativas - Cudecoop e Plenário Intersindical de

Trabalhadores/Convenção Nacional dos Trabalhadores - PIT-CNT.

No quadro abaixo, pode-se visualizar a distribuição da composição do Foro

Consultivo por setor e por país. Cabe destacar que não existe ainda página do FCES na

Internet e as atas das sessões nacionais e do Plenário não estão disponíveis no site

oficial do Mercosul, nem nos sites das presidências pro-tempore do mesmo. Desta forma,

as informações apresentadas foram coletadas a partir das atas disponíveis em sites de

membros do FCES ou do material coletado junto aos membros da seção brasileira. Esta

dificuldade em obter informação dificulta a pesquisa, pois impede uma análise mais

precisa sobre a representação.

Quadro 1

Organizações membros do FCES por setor em cada seção nacional

Setor Econômico

Argentina

Câmara Argentina de Comércio União Industrial Argentina Sociedade Rural Argentina Confederação Cooperativa da República Argentina Confederação Intercooperativa Agropecuária

Brasil

Confederação Nacional da Agricultura Confederação Nacional do Comércio Confederação Nacional da Indústria Confederação Nacional do Transporte Federação Nacional de Empresas de Seguro Privado e de Capitalização Organização das Cooperativas Brasileiras

posições da rede para o espaço do FCES. A Rebrip não pode se ingressar no FCES como tal pois não possui personalidade jurídica.

23

Paraguai

Federação Paraguaia de Indústria e Comércio União Industrial Paraguaia Associação Rural Paraguaia Confederação Paraguaia de Cooperativas

Uruguai Conselho Superior Empresarial Confederação Uruguaia de Entidades Cooperativas

Setor Sindical

Argentina Confederação Geral do Trabalho da República Argentina Central de Trabalhadores da Argentina

Brasil

Central Autônoma dos Trabalhadores Confederação Geral dos Trabalhadores Central Única dos Trabalhadores Força Sindical

Paraguai Confederação Nacional dos Trabalhadores Central Unitária dos Trabalhadores Confederação Paraguaia dos Trabalhadores

Uruguai Plenário Intersindical de Trabalhadores - Convenção Nacional de Trabalhadores

Outros Setores

(terceiro setor)

Argentina Associação de Defesa do Consumidor

Brasil Instituto de Defesa do Consumidor Fase- Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional Instituto Eqüit

Paraguai Associação de Usuários e Consumidores do Paraguai

Uruguai Agrupamento Universitário do Uruguai Associação Nacional de Organizações Não Governamentais

Fonte: Atas constitutivas das sessões nacionais e Atas reunião Plenária FCES.13

Ao analisar a composição do FCES, é perceptível que, em geral, ela está dividida

em três grupos de interesse, sendo dois deles os principais: representantes do setor

econômico formado por empregadores da indústria, comércio e agricultura patronal; e

representantes de trabalhadores. O terceiro grupo é o denominado terceiro setor,

formado por ONG’s e entidades acadêmicas. Para facilitar a visualização da

representação, o presente estudo produziu os gráficos abaixo, que apresentam essa

composição por setor e em cada país.

13 Os documentos utilizados para coletar as informações sobre os membros do FCES foram: Relação de entidades que compõe a sessão brasileira do FCES http://www2.camara.gov.br/comissoes/cpcms/index. html/foro.html/ relacaoentidades.html; Ata IX Reunião Plenária FCES Mercosul.http://www.negociacoes internacionais.cni.org.br/negocia.nsf/ef91c10563115477832566ef007546bf/df9ad825540e9075032566ea004c5fd7/$FILE/foroatIX%20reg.doc Ata XII Reunião Plenária FCES Mercosul http://www.negociacoes internacionais.cni.org.br/negocia/fpnegi.htm?URL=/negocia.nsf/web_negocia_html?openform; ALEMANY & LEANDRO. Análises e propostas para a participação social no Mercosul, 2006: 12.

24

Gráfico 1

Distribuição da Composição do FCES por setor

Setor Sindical

29%

Terceiro Setor21%

Setor Econômico

50%

Setor Econômico

Setor Sindical

Terceiro Setor

Gráfico 2

Distribuição da composição do FCES por país e por setor

Argentina

Setor Econômico

62%

Setor Sindical

25%

Terceiro Setor13%

Setor Econômico Setor Sindical Terceiro Setor

Brasil

Setor Econômico

46%

Setor Sindical

31%

Terceiro Setor23%

Setor Econômico Setor Sindical Terceiro Setor

Uruguai

Setor Econômico

50%Setor Sindical

25%

Terceiro Setor25%

Setor Econômico Setor Sindical Terceiro Setor

Paraguai

Setor Econômico

49%Setor

Sindical38%

Terceiro Setor13%

Setor Econômico Setor Sindical Terceiro Setor

25

De acordo com o quadro 1 e com os gráficos acima, pode-se perceber que esta

via institucional de participação acaba demonstrando desequilíbrios representativos nos

níveis interno e externo. No interno, embora os grupos econômicos e sindicais sejam os

mais preponderantes no Foro, mesmo entre eles há disparidade, pois o setor econômico

possui mais representantes do que o setor sindical. Além disso, o critério da paridade

setor econômico-setor sindical na composição da delegação nacional que participará da

reunião plenária, é desigual ao não possibilitar o equilíbrio de representação junto ao

terceiro setor.

No plano externo, o FCES encontra dificuldades para se ampliar a outras

organizações da sociedade civil. A seção brasileira, como apontado anteriormente, está

caminhando neste sentido, mas ainda é preciso que outros setores estejam

representados no Foro. Isso implica em uma baixa interação do processo de integração

do Mercosul com outros setores sociais, e conseqüentemente, em uma baixa

internalização da temática de integração regional nas sociedades dos países membros

do bloco.

Outra dificuldade que prejudica a participação mais efetiva dos membros e a

possibilidade de ampliação é a questão financeira. O FCES não possui sede, nem

orçamento próprio, assim os custos decorrentes de seus encontros, sejam das sessões

nacionais, seja da reunião plenária ou do monitoramento das cúpulas oficiais, ficam a

cargo de cada organização membro. Esta é uma limitação importante, pois além de ser

custoso o deslocamento para as reuniões realizadas cada vez em um Estado parte — já

que de seis em seis meses muda a presidência pro-tempore do Mercosul — acaba

produzindo conseqüências como a dificuldade em produzir publicações, estudos e

pesquisas próprias do organismo.

Em relação aos interesses que motivaram as demandas por participação no

FCES, esses são diversos, e em algumas sessões nacionais observa-se que há ausência

26

de regularidade na participação nas reuniões por parte de alguns membros, o que

possibilita estabelecer algumas hipóteses que podem ser complementares entre si:

(i) o interesse pontual em uma determinada negociação; (ii) a falta de recursos humanos ou financeiros para acompanhar as reuniões do FCES; (iii) satisfação com outras formas de participação ou mesmo de representação no processo de tomada de decisão do bloco; (iv) descrença nessa forma de participação ou no próprio processo de integração [promovido pelo bloco]. 14

Das respostas obtidas nas entrevistas pelos representantes das organizações

sociais que acompanham há mais tempo o FCES — CUT, CTA, CCSCS — pôde-se notar

que as hipóteses mais possíveis são a I e a II, em uma análise específica sobre a

participação destas organizações. A hipótese III não seria verdadeira, em primeiro lugar

porque para estas organizações não há outro espaço oficial que possa proporcionar mais

influência na tomada de decisões; em segundo, porque elas acreditam no Foro como um

espaço que ainda pode produzir bons resultados, desde que se torne mais

representativo, que sejam respeitados os objetivos de sua criação, bem como que

caminhe rumo a uma transformação do Mercosul econômico para um Mercosul que sirva

aos interesses dos povos; e terceiro porque consideram a estrutura do Mercosul

demasiadamente burocrática, então criar outro espaço seria aumentar mais ainda a

burocracia institucional. A análise da III já anula a IV.

Estas hipóteses, de certa forma, podem ser aplicadas para a discussão mais geral

sobre participação do processo Mercosul, pois para outras organizações como a Iniciativa

Paraguaia pela Integração dos Povos e o Jubileu Sul Argentina, somente a hipótese IV

seria verdadeira.

Retomando ao FCES, os principais assuntos do ano de 2006 discutidos nas

seções brasileiras do Foro, e das quais saíram recomendações foram: a Cláusula de

Adaptação Competitiva - CAC, a Dupla Cobrança da TEC; o Fundo para Convergência

Estrutural do Mercosul - FOCEM; a instalação do Grupo de Alto Nível sobre Estratégias

14 Com adaptações. SANCHEZ, M. Pontos críticos da participação da sociedade civil no Mercosul, 2005: 17.

27

de Emprego - GAN; a incorporação da Venezuela como estado pleno do Mercosul; além

da situação atual e perspectivas futuras do Mercosul.

Cabe destacar o papel que o movimento sindical vem desempenhando em

relação ao Foro. A maioria das organizações de trabalhadores membros do FCES estão

reunidas na Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul – CCSCS15, uma

organização fundada em 1986 e que esteve presente durante todo o período da evolução

da participação da sociedade civil na estrutura institucional do Mercosul. A CCSCS

participa das reuniões do subgrupo sobre trabalho e emprego, bem como de outros

espaços de discussão das questões trabalhistas no Mercosul. Além disso, possui uma

comissão de mulheres muito atuante nas discussões de eqüidade de gênero e políticas

para as mulheres no Mercosul, especialmente no âmbito da Reunião Especializada da

Mulher – REM.

A institucionalidade existente atualmente no Mercosul no campo do mundo do

trabalho, embora ainda apresente fragilidades, é fruto das formulações que partiram das

centrais sindicais, e que foram sendo incorporadas pelos governos ao longo do tempo, se

transformando em instrumentos e políticas efetivas no interior do bloco. Nesse sentido,

desde a criação do FCES, outros organismos e espaços para debater regulação sobre o

tema trabalho foram estabelecidos em diversas instituições do bloco: o CMC conta com o

Grupo de Alto Nível Estratégia Mercosul para crescimento do emprego, o GMC conta

com as recomendações do subgrupo de trabalho 10 sobre Assuntos Laborais, Emprego e

Seguridade Social e a Comissão Sócio-Laboral do Mercosul – CSLM. Além desses, foi

fundado o Tribunal Administrativo Laboral do Mercosul – TAL, assinada pelos chefes de

Estado dos países membros do Mercosul uma Declaração Sócio-Laboral, em 1998, na

15 A CCSCS é composta atualmente pelas centrais sindicais da Argentina (CGT e CTA), do Brasil (CGT, CUT e FS), do Chile (CUT), do Paraguai (CUT) e do Uruguai (PIT/ CNT). Ver website da CCSCS, disponível em http://www.ccscs,org

28

qual os mesmos se comprometiam a adotar diversos princípios em matéria trabalhista, de

acordo com as convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT.16

Segundo Declaração sindical Mercosul – Comunidade Andina, resultado de um

encontro realizado em 2000, em Brasília, os movimentos sindicais reunidos na CCSCS,

no Conselho Consultivo Laboral Andino e no Conselho de Trabalhadores do Cone Sul -

CTCS, declaram que é fundamental para a democratização do processo de participação

na integração que os governos valorizem os espaços institucionais que criaram – como o

Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul – fazendo com que eles façam parte do

processo de tomada de decisões.17

Este tema do processo decisório do Mercosul é um dos mais controversos

segundo informações coletadas nas entrevistas com representantes do setor de

trabalhadores. Primeiro, pois o FCES, como órgão oficial consultivo do Mercosul,

somente foi consultado três vezes em quase 10 anos de existência. Ou seja, o Foro foi

criado para ser o espaço em que as decisões principais que afetam a sociedade, seja do

ponto de vista econômico, produtivo, do trabalho, ou em geral, seriam colocadas na mesa

para serem debatidas com a sociedade, para que a sociedade fosse ouvida. No entanto,

não é isso que ocorre.

Uma análise do período de 1997 à 2006, mostra que o FCES realizou 35 reuniões

plenárias e fez 28 recomendações ao GCM. Para visualizar melhor, foi feito um exercício

dividindo as recomendações em temas gerais, conforme estão apresentadas no quadro

abaixo:

16 A Declaração Sócio Laboral é uma das conquistas apontadas por representantes de organizações sindicais nas entrevistas. Cf. Declaração Sócio-Laboral. 17 Cf. Declaração Sindical Mercosul – Comunidade Andina: integração com desenvolvimento social, soberania e democracia. http://www.sindicatomercosul.com.br/documento_texto.asp?noticia=18

29

Quadro 2

Divisão das Recomendações do FCES ao GMC no período de 1997-2006 por temas

Temas Gerais

Recomendações Número Título

Negociações comerciais

01/97 Alca

03/97 Negociações Mercosul com terceiros países da Aladi

01/99 Negociações União Européia-Mercosul I 02/99 Abertura, Participação e Transparência 02/00 Relacionamento Chile-Mercosul 02/02 Negociações Européia-Mercosul II 01/04 Negociações União Européia-Mercosul III 01/05 Rodada de Doha da OMC I 04/05 Rodada de Doha da OMC II 01/06 Rodada de Doha da OMC III

Medidas para facilitar e consolidar o comércio intra-

Mercosul

02/97 Barreiras não tarifárias e entraves burocráticos no comércio intra-Mercosul

04/97 Medidas unilaterais dos governos que possam vir a afetar o comércio intrazona

01/00 Acesso a mercados

01/03 Programa para consolidação da união aduaneira e para lançamento do mercado comum “Objetivo 2006”.

Integração Transfronteiriça

03/00 Integração transfronteiriça I 01/02 Integração transfronteiriça II

03/02 Criação do grupo ad-hoc sobre integração transfronteiriça

Aspectos gerais Mercosul

03/99 Situação atual e futura do Mercosul I 01/01 Situação atual e futura do Mercosul II 03/05 Adesão da Venezuela ao Mercosul 02/06 Adesão da Venezuela 04/06 Iniciativa Niñ@sur

Legislação trabalhista e políticas de emprego

05/97 Políticas de promoção de emprego

04/99 Ratificação dos convênios 138 e 182 da OIT sobre trabalho infantil

Defesa do consumidor 01/98 Harmonização das normas de defesa do consumidor no âmbito do Mercosul

Cooperativas 05/99 Criação de reunião especializada em matéria de cooperativa

Tratamento de Assimetrias 02/05 Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul

Fortalecimento FCES 03/06 Consulta Preceptiva Fonte: Baseado nas recomendações FCES do período 1997-2006.

Algumas recomendações foram adotadas pelo GMC, em sua totalidade ou em

parte, de acordo com o que foi possível analisar a partir da comparação entre as

recomendações enviadas e as decisões adotadas sobre o assunto. São elas: a criação

da Reunião Especializada em Cooperativas - REC,18 políticas de apoio às micro,

18 Cf. MERCOSUL/GMC/RES.Nº35/01.

30

pequenas e médias empresas,19 garantia contratual de defesa do consumidor,20 e

Políticas de Promoção de Emprego. Outras recomendações foram adotadas diretamente

pelo CMC, como é o caso da criação do Grupo Ad-Hoc sobre Integração Transfronteiriça

- GAHIT.21 No entanto, em nenhuma dessas normativas é declarado que foram propostas

discutidas e levantadas pelo FCES.

Outras propostas que saíram do FCES como a sobre constituição de fundos de

financiamento que reduzam as assimetrias entre os países da região, e Parlamento, são

bastante coincidentes com as decisões do CMC sobre FOCEM e Parlamento do

Mercosul (E: MELO, 2007). 22

A análise geral do FCES permite concluir que o espaço apresenta muitos limites

em seu funcionamento e demonstra ser necessária a ampliação para outras

organizações e setores nas seções nacionais, o estabelecimento de um equilíbrio de

representação nas três esferas de participação instituídas em seu Regimento Interno: o

setor econômico, sindical e o terceiro setor, bem como o fortalecimento no interior do

desenvolvimento institucional do Mercosul. A democratização da participação no

processo de integração regional passa pela valorização dos espaços institucionais

criados pelos próprios Estados. Desta forma, mecanismos de intervenção mais concretas

do FCES no interior do GMC devem ser considerados, além da inclusão de alguma forma

de participação social no processo de tomada de decisões do Mercosul.

Passos neste sentido já foram dados pelo FCES como o Documento de Córdoba,

de julho de 2006, sobre uma maior e efetiva participação da sociedade civil organizada

no processo de integração do Mercosul, e com críticas aos governos dos Estados Partes

pelo “duplo discurso entre a apelação pela participação da sociedade civil e a realidade

19 Cf. MERCOSUL/GMC/RES N°59/98. 20 Cf. MERCOSUL/GMC/RES Nº42/98. 21 Cf. MERCOSUL/CMC/DEC Nº05/02. 22 Quando a letra E maiúscula for inserida antes da referência bibliográfica significa que o conteúdo provêm da entrevista.

31

de ser ignorada na prática”. 23 E a Recomendação sobre Consulta Preceptiva, para que

sejam mais efetivas as consultas para o FCES.24 Porém, poucas foram as respostas

obtidas a essas demandas.

Por fim, um instrumento é fundamental para que o diálogo entre o FCES e as

instâncias decisórias do Mercosul possa fluir melhor e o Foro efetivamente possa se

enquadrar na função para a qual foi criado, ou seja, a de um espaço consultivo de

representação da sociedade: a vontade política dos governos. Amostra disso, é que

quando há vontade política, os processos caminham, como é o caso do acordo firmado

entre o recém criado Parlamento do Mercosul e o FCES para que seja realizado pelo

menos semestralmente uma reunião entre os órgãos, com objetivo de discutir temas de

interesse comuns (E: BERASAIN, 2007).

4.1.2 Reuniões Especializadas As Reuniões Especializadas do Mercosul foram constituídas pelo Conselho

Mercado Comum - CMC, a partir de 1991, para discutir temas não incluídos nos

Subgrupos de Trabalho. São órgãos auxiliares do GMC e funcionam como espaços

institucionais de diálogo político, que devem refletir os acordos sobre os temas de sua

competência, em recomendações adotadas por consenso, com representantes de todos

os países membros do bloco e de países associados. As recomendações são levadas

para a apreciação do GMC.

De acordo com o site oficial do Mercosul:

A criação da Reunião Especializada não implica na geração de estruturas burocráticas, mas a institucionalização de uma situação pré-existente, onde estava expressada, pelos fatos, a vontade de trabalho comum entre os órgãos governamentais nacionais da região com competência em matéria cooperativa, e em coordenação com as organizações nacionais representativas do setor. A institucionalidade atingida permite uma efetiva articulação, harmonizando aspectos legislativos e produtivos, a complementação de atividades produtivas e/ou de serviços e potencializar espaços comuns e recursos do setor e dos Estados. Com relação ao GMC, estabeleceu-se um nexo de atuação, que permite retroalimentar o sistema no momento da tomada

23 Cf. Documento de Córdoba. 24 Cf. MERCOSUL/FCES/XXXV/Recomendação N° 03/2006

32

de decisões, redundando, sem dúvida, em uma inserção positiva e dinamizadora de todo o processo de aprofundamento do MERCOSUL.

As Reuniões são organizadas e financiadas, assim como no caso do FCES, por

meio de Seções Nacionais. Além disso, algumas delas possuem grupos de trabalho (GT).

Durante a etapa preparatória das recomendações, contam com a participação de

representantes da sociedade civil envolvidos no tema da respectiva Reunião, tanto nas

Sessões quanto nos GTs.

Atualmente, estão em funcionamento doze Reuniões Especializadas, são elas:

Reunião Especializada da Agricultura Familiar - REAF, Autoridades cinematográficas e

audiovisuais do Mercosul - RECAM, Autoridades de aplicação em matéria de Drogas,

Prevenção de seu uso indevido e Recuperação de dependentes - RED, Ciência e

Tecnologia – RECyT, Cooperativas - REC, Defensores Públicos Especializados em

Mercosul - REDPO, Juventude – REJ, Mulher - REM, Ministérios Públicos do Mercosul -

REMPM, Organismos Governamentais de Controle Interno - REOGCI, Promoção

Comercial Conjunta do Mercosul - REPCCM, e Turismo - RET.

No presente levantamento, focamos particularmente em duas, que possuem forte

presença de organizações da sociedade civil, que são a Reunião Especializada da

Agricultura Familiar - REAF e a Reunião Especializada da Mulher - REM.

4.1.2.1 Reunião Especializada da Agricultura Familiar A REAF foi proposta pelo Brasil, a partir da articulação entre o Ministério do

Desenvolvimento Agrário - MDA25 e do Ministério das Relações Exteriores - MRE, no

contexto da reorientação da política externa brasileira para a integração regional e uma

maior aproximação Sul-Sul.

25 No Brasil, a divisão de políticas públicas para o tratamento da agricultura é algo recente, de pouco mais de dez anos. Teve início com a criação do PRONAF – Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, correspondendo a uma primeira política importante de caráter federativo para a agricultura familiar. No governo Luis Inácio Lula da Silva, a questão agrícola passou a ser dividida em dois ministérios: o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, para cuidar das questões referentes à reforma agrária e promoção do desenvolvimento sustentável da agricultura familiar; e o Ministério do Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, para cuidar do desenvolvimento da agropecuária e do agronegócio.

33

A proposta de constituir uma reunião especializada diz respeito ao entendimento

por parte do governo brasileiro da necessidade de incluir a produção familiar no processo

de integração regional, a partir do fortalecimento das políticas públicas rurais e da busca

de geração de renda, haja vista que os Estados partes do Mercosul possuem grande

parte de sua produção de alimentos destinada ao mercado interno, ligada a este setor

(REAF, 2006:16).

O mandato da REAF está baseado em dois pilares: o fortalecimento de políticas

públicas específicas para a agricultura familiar e a facilitação do comércio dos produtos

produzidos pela agricultura familiar (E: BRADY, 2007). A REAF recebe apoio financeiro e

técnico do Programa Regional do Fundo Internacional de Desenvolvimento da Agricultura

- FIDA MERCOSUL.

O chamado Primeiro Ciclo da REAF foi realizado nos dias 28 e 29 de outubro de

2004, em Foz do Iguaçu e o Segundo Ciclo, em 13 de novembro do mesmo ano, em

Brasília. Ambos os encontros incorporaram organizações da sociedade civil e tiveram

presença substantiva de organizações sociais e sindicais do campo de todos os países

membros do bloco, bem como dos membros associados e de países convidados como o

Haiti. Sobre a participação da sociedade civil, o artigo 9° do Regimento Interno da REAF

define: 26

Nas reuniões da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar as delegações de cada Estado Parte serão integradas por representantes governamentais e da Sociedade Civil. Os representantes da sociedade civil participarão das deliberações da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar, sendo a fase decisória da Reunião reservada à participação dos delegados governamentais de cada Estado Parte, nos termos do Artigo 16 da Decisão CMC Nº59/00. Os representantes da Sociedade Civil contribuirão com idéias, propostas e projetos relacionados à Agricultura Familiar, objetivando o aprimoramento dos trabalhos da REAF.

Assim, participaram do primeiro e segundo encontro da REAF, pela Argentina a

Federación Agraria Argentina - FAA; pelo Brasil a Confederação Nacional dos

Trabalhadores da Agricultura - CONTAG, o Departamento de Estudos Sócio-Econômicos

26 Cf. Regimento Interno da REAF.

34

Rural - DESER, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Estado do

Paraná - FETRAEP, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar - FETRAF, o

Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA e o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra - MST; pela Bolívia o Centro de Investigación y Documentación sobre

Problemas de Economía, el Empleo y las Calificaciones Profesionales - CIDEC e a

Coordinadora de Integración de Organizaciones Económicas Campesinas -CIOEC; pelo

Paraguai a Fundación por el Desarrollo y Cooperación - FDC, o Movimiento Campesino

Paraguayo, a Mesa Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesinas -

MCP/MCNOC, Unión Agrícola Nacional - UAN e a Unión de Comunidades - UC; pelo

Uruguai a Asociación de Colonos de Uruguay - ACU, Comisión Nacional de Fomento

Rural - CNFR e Íntergremial de Productores de Leche - IPL; pelo Chile participaram o

Movimiento Unitario Campesino y Etnias - MUCECH; e por fim, pelo Haiti o Movimiento

de los Pequeños Agricultores y Trabajadores Rurales de Papaya - MPP. Além dessas,

participaram OXFAM Internacional e Actionaid Brasil (REAF, 2006: 33).

Além desses, a Coordenadora de Organizações de Produtores Familiares do

Mercosul – Copofram, participa como convidada em todos os encontros da REAF e tem

como associados parte importante das entidades acima mencionadas.

Desde então, foram realizadas cinco sessões da REAF, e a participação da

sociedade civil variou de acordo com a localidade de cada reunião, ou seja, os ciclos

realizados no Brasil tiveram grande delegação brasileira, o na Argentina a mesma coisa e

assim por diante. No entanto, é relevante destacar o papel de algumas organizações que

estiveram presentes em todos ou em quase todos os encontros e que vêm atuando

fortemente nas seções nacionais de seus respectivos países e nos Grupos de Trabalhos

da REAF. Da Argentina, destacam-se a FAA e o Movimiento Campesino de Formosa -

MECAFOR; do Brasil a CONTAG, FETRAF e o Movimento de Mulheres; do Paraguai a

UAN, Federación de Cooperativas de Producción - FECOPROD e a Central Paraguaya

de Producción - CEPACOOP; do Uruguai o ACU, CNFR e IPL (REAF, 2006: 33-39).

35

A REAF possui cinco Grupos de Trabalho em funcionamento: GT Acesso a Terra

e Reforma Agrária, GT Gênero, GT Facilitação de Comércio, GT Seguro Agrícola e GT

Juventude.27 As propostas principais de cada GT podem ser visualizadas no quadro

abaixo:

Quadro 3

Grupos de Trabalho da REAF e propostas

Grupo de Trabalho Proposta Principal

GT Acesso a Terra e Reforma Agrária

Criar uma rede de instituições no Mercosul ampliado28 com objetivo de facilitar o tratamento de temas relativos às políticas agrárias de acesso a terra e reforma agrária em cada sessão nacional da REAF e apoiar as delegações a definirem suas posições.

GT Gênero29

Consolidar a institucionalidade necessária para a implementação de políticas direcionadas às mulheres camponesas, a fim de facilitar a participação das mesmas nos debates sobre políticas regionais e comércio.

GT Facilitação de Comércio

Definir o conceito de agricultura familiar, contemplando a diversidade regional e as diferentes fases de institucionalização do setor em cada país membro do Mercosul.30

GT Seguro Agrícola Produzir o intercâmbio de informações técnicas entre governos e sociedade civil e formular propostas de políticas públicas para a cobertura dos riscos climáticos inerentes às plantações agrícolas.

GT Juventude Estabelecer a educação não formal por meio do Programa Regional de Educação Não-Formal e políticas regionais de geração de renda para os jovens.

Fonte: Adaptado a partir das informações do Primer Ciclo REAF, 2006.

A participação nos encontros da REAF varia de país para país e de acordo com a

realidade existente em cada um deles, em relação ao nível de articulação existente, etc.

O Paraguai foi citado nas entrevistas como um país que possui grande possibilidade de

27 A seção brasileira da REAF possui seções para cada grupo de trabalho, ou seja, as reuniões são realizadas em separado para poder aprofundar os temas e garantir a qualificação das propostas (E: BRADY, 2006). 28 Entende-se por Mercosul ampliado o espaço formado pelos membros plenos mais os membros associados do bloco. 29 Este GT é articulado com a REM e conta com participantes da mesma em suas reuniões. 30 A definição de agricultura familiar é importante para garantir critérios comuns de apoio à mesma, bem como poder indicar dados para a promoção de censos agropecuários nacionais e, desta forma, realizar um censo agropecuário em todo o Mercosul ampliado. Ver REAF, Primer Ciclo, 2006: 47.

36

fortalecimento da organização dos movimentos do campo e da pequena produção, mas

necessita de muita capacitação e articulação com os movimentos que existem em outros

países (E: RODRIGUES, 2007).

Os três anos de existência da REAF são chamados de primeiro ciclo, no qual o

trabalho foi focado na elaboração de políticas públicas, no conhecimento, intercâmbio de

experiências, cooperação, consolidação do espaço no Mercosul e busca de lacunas onde

os Estados precisam ter uma integração mais ativa para poderem fortalecer o setor.

Atualmente, a REAF está entrando em um segundo momento com vistas a um

aprofundamento dessas questões (E: BRADY, 2007).

Algumas recomendações emanadas dos GT’s se transformaram em políticas

concretas como é o caso do desenvolvimento do seguro agrícola e créditos de

financiamento para pequenos produtores da região e normativas para implementar

políticas comuns ao tratamento especial e diferenciado da agricultura familiar.

Um ponto comum que surgiu em todas as entrevistas realizadas com

representantes de entidades da sociedade civil atuantes na seção brasileira da REAF,

bem como com o representante do MDA, são as externalidades provocadas pelo

processo da REAF no interior dos Estados partes e associados.

Estas externalidades podem ser exemplificadas a partir da evolução no debate e

proposição de políticas públicas para a agricultura familiar nesses países. O Uruguai, por

exemplo, está passando por um processo de forte mobilização na construção da política

de segurança alimentar a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA do

Brasil, e estão com um plano para a agricultura familiar na área do crédito, assistência

técnica e comercialização. A Argentina instituiu o Fórum Nacional da Agricultura Familiar

— com mais de 490 organizações do campo — e vem delineando no âmbito do fórum

políticas para a agricultura familiar como a provisão de recursos, e definindo o que é a

agricultura familiar, conceito que não existia na Argentina anterior a esta articulação. E no

Paraguai, apesar da frágil relação entre governo e organizações do campo, o debate está

37

sendo colocado, e há um projeto piloto de seguro agrícola para a agricultura familiar

paraguaia. A mesma dinâmica está acontecendo no Chile e na Bolívia, que também

participam da REAF (E: FACCO, 2007).

Desta forma, segundo as organizações, o mais valioso é toda essa movimentação

das organizações do campo pressionando os governos, buscando sensibilidades dentro

dos mesmos que venham a apoiar os movimentos sociais a fazer estas mudanças, e se

fortalecendo no âmbito nacional e regional. Este processo vai muito além das

recomendações ao GMC (IDEM, 2007).

Para concluir, nota-se que a REAF vêm se consolidando como uma importante

frente institucional de diálogo entre governos e sociedade civil do Mercosul sobre

agricultura familiar. Há participação efetiva das organizações sociais, e esta participação

é convertida concretamente em recomendações que em parte são adotadas pelo GMC e

em parte se transformam em externalidades significativas para o desenvolvimento e

fortalecimento da agricultura familiar nos países da região.

A Reunião Especializada da Agricultura Familiar atualmente é reconhecida como

um exemplo pelos próprios governos e pelos órgãos do Mercosul como CMC e GMC,

como uma reunião especializada muito produtiva, com pauta, cronograma e

especialmente propostas concretas, que envolvem outros setores e países para além dos

sócios plenos do Mercosul e outros setores de governo em um processo de discussão (E:

FACCO, 2007; BRADY, 2007).

No entanto, cabe destacar que por ser a REAF um organismo intergovernamental,

a participação da sociedade civil acaba tendo limitações. Se por um lado, as

organizações têm consciência de que estão validando um processo, por outro, tentam

garantir a implementação de políticas públicas no Mercosul que favoreçam a agricultura

familiar. (E: RODRIGUES, 2007).

Há propostas para que ou a estrutura da reunião especializada seja modificada

para adotar uma dinâmica não só governamental ou que seja criada outra instância como

38

um Conselho, que traduzisse os anseios da sociedade, e ao mesmo tempo que lhe

possibilitasse ter voz e fazer política, pois atualmente as organizações propõem políticas,

mas estas não necessariamente serão executadas (E: RODRIGUES; FACCO, 2007).

Finalmente, apontam-se duas questões para reflexão. A primeira diz respeito à

necessidade de discutir medidas para a ampliação da Reunião, haja vista que

movimentos sociais importantes e representativos nacionalmente e que não estão

presentes na REAF, como no caso brasileiro o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra- MST e no caso paraguaio o Movimento Camponês Paraguaio, Mesa

Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas MCP-MCNOC. Ambos

participaram dos primeiros ciclos e depois não enviaram mais representantes. A segunda

é relacionada ao equilíbrio representativo de organizações entre as sessões nacionais,

pois nota-se que as entidades brasileiras participantes são em maior número e possuem

maior poder de intervenção, o que pode ser explicado em parte pela abertura e atenção

dada pelo governo brasileiro nos últimos anos à agricultura familiar.

4.1.2.2 Reunião Especializada da Mulher A Reunião Especializada da Mulher - REM foi estabelecida em 1998 por demanda

de organizações feministas, que desde 1995, a partir da articulação regional que surgiu

após as discussões de Beijing+5 e do primeiro seminário “Mulheres no Mercosul”,

realizado no Parlatino, em São Paulo, apresentaram análises sobre a situação trabalhista

da mulher nos países do Mercosul, e fizeram propostas em matéria de legislação, política

pública e criação de um setor específico de coordenação e políticas para as mulheres

dentro do bloco. As organizações reivindicaram também a participação nos subgrupos da

Saúde, Indústria, Trabalho, Emprego e Seguridade Social (MINEIRO; CASTRO, 2005: 8;

E: RODRIGUEZ, 2007; CELIBERTI, 2007).

Na época, o movimento de mulheres do Brasil e de vários países do mundo vivia

um processo muito ligado a institucionalidade dos mecanismos de participação da

mulher, como secretarias, coordenadorias, ministérios. Esta discussão foi levada para o

39

âmbito regional e a partir daí foi proposto a criação da Reunião Especializada da Mulher -

REM (E: RODRIGUEZ, 2007).

Assim, a Resolução n° 20 do GMC31 institui a REM e aponta como principal

objetivo estabelecer um âmbito de análise da situação da mulher com relação à

legislação vigente nos Estados-parte do Mercosul, no que se refere ao conceito de

igualdade de oportunidades.

Nos anos seguintes a criação da REM, o processo de participação nas instâncias

do Mercosul foi dificultado e, por conseguinte, o mesmo aconteceu andamento das

propostas. Somente a partir de 2004, com as mudanças nos governos do Brasil e

Argentina, especialmente, que foi retomada pouco a pouco a agenda que estava sendo

discutida anteriormente na REM (IDEM, 2007).

Sobre a dificuldade de incorporação do tema integração regional na agenda das

mulheres, aponta-se:

La dificultad de inserción del MERCOSUR en la agenda de las mujeres se debe, entre otros factores, a que el proceso de integración regional se ha centrado en una agenda comercial que en el mejor de los casos ha sido permeable a los lobby de sectores económicos exportadores, mientras que para la ciudadanía en general es un proceso poco beneficioso a sus intereses, y escasamente transparente en sus procedimientos. La agenda social recién comienza a estar presente en el discurso institucional del MERCOSUR en el año 2004 (CELIBERTI, 2007: 5) .

Desde sua criação, a REM era diretamente subordinada ao GMC. Todavia, em

2002, o CMC decidiu transferir as reuniões de caráter não-econômico, dentre as quais a

REM, para o âmbito do Foro de Consulta e Concertação Política. A REM é composta por

representantes dos Estados partes e Estados Associados, pelas seções nacionais e

conta com a participação de organizações regionais de mulheres no caráter de

observadoras (SICE, 2006).

Atualmente, as organizações regionais da sociedade civil mais atuantes na REM

são: o Comitê Latino Americano para la Defensa de la Mujer - CLADEM, Coordinadora de

31 Cf. MERCOSUL/GMC/RES N° 20/98

40

Centrales Sindicales del Cono Sur - CCSCS, Red Interamericana de Género y Comercio -

IGTN, Articulación Feminista Marcosur e Foro de Mujeres del Mercosur. Essas

organizações vêm fazendo um importante trabalho sobre o reconhecimento das mulheres

como sujeitos fundamentais para o processo de integração regional.

Em 2006, a Reunião centrou suas discussões sobre violência de gênero, tráfico

de mulheres e fortalecimento institucional, obtendo nesse tema grandes avanços ao

implementar sua secretaria executiva permanente. Atualmente, está sendo debatida uma

proposta ainda bem inicial de que o FOCEM possa ser um elemento de apoio às políticas

paras as mulheres na região.

Assim, como no caso da REAF, as entrevistas feitas com representantes de

mulheres na REM apontam que o processo vem produzindo externalidades no interior

dos países. A diferença no caso da REM é que o encaminhamento das propostas via

mecanismos da mulher no âmbito nacional tem sido um caminho mais fácil, do que no

âmbito regional.

Destaca-se, contudo, a participação das mulheres nos subgrupos de saúde e

trabalho, que apresentam resultados importantes como a incorporação pelas Reuniões

de Ministros da Saúde, Ministros da Justiça dos temas políticas em relação à saúde e

direitos reprodutivos, igualdade de direitos trabalhistas. Nesse sentido, a proposta mais

concreta que saiu da REM é a questão da harmonização da legislação dos Estados

partes, especialmente no que diz respeito aos padrões trabalhistas (E: RODRIGUEZ,

2007).

Por fim, a REM é um espaço que vem se consolidando como referência no âmbito

do Mercosul como um campo de diálogo propositivo relativo à discussão de políticas

públicas regionais para as mulheres e que tem reconhecimento por parte dos outros

órgãos do Mercosul. Porém, aponta-se a necessidade de que este espaço seja ampliado

para a participação de outras organizações de mulheres da região, especialmente para

os movimentos sociais e organizações de mulheres indígenas e do campo, que trarão

41

uma fundamental contribuição para a REM, bem como abrirão o leque de temas no

sentido de incorporar essas dimensões tão essenciais para a discussão de integração

regional.

4.2 Espaços Oficiais

4.2.1 Somos Mercosul No decorrer dos anos, os Estados partes a partir de propostas de seus órgãos

governamentais vêm criando novos espaços de participação da sociedade civil. Como

exemplo, o Programa Somos Mercosul lançada pela Presidência pro tempore uruguaia,

em 2005, com o objetivo principal de envolver organizações da sociedade civil da região

no processo de integração do Mercosul, a partir de uma nova frente de diálogo entre

estas e os governos dos países membros do bloco, para debater, formular demandas e

incidir nos processos decisórios.32

O Somos Mercosul possui natureza tripartite ao contemplar em sua estrutura

governos dos países membros, organizações da sociedade civil, e as instituições do

Mercosul Foro Consultivo Econômico e Social, Comissão Parlamentar Conjunta (agora

Parlamento do Mercosul) e Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul.

A secretaria técnica do Somos Mercosur se encontra instalada na cidade de

Montevidéu, no Centro de Formação para a Integração Regional - CEFIR, que apoia as

presidências pro tempore do Mercosul. A coordenação da iniciativa é composta por cinco

pontos focais, denominadas coordenações nacionais de cada governo dos países-

membros, que definem a agenda de ação e de diálogo para cada semestre. Recorda-se

que a presidência pro tempore do Mercosul é exercida no período de seis meses por

cada Estado parte.

Desta forma, o programa têm como objetivos gerais: promover a cidadania

mercosuliana como ferramenta para a participação e transformação social; construir uma

identidade regional do Mercosul; impulsionar estratégias para o crescimento econômico e

32 Cf. página oficial na Internet do Somos Mercosul http://www.somosmercosur.org

42

a criação de empregos; fortalecer os mecanismos de participação cidadã; prover

informações e transparência.

Atualmente, a iniciativa promove espaços de participação da sociedade civil, e

apoiou integralmente a Cúpula Social do Mercosul, realizada pela presidência Pro

Tempore brasileira, por partilharem dos mesmos objetivos finais. Nesse sentido, a Cúpula

Social como tal é inserida dentro do programa Somos Mercosul e por isso deixaremos

para avaliar sua efetividade e funcionamento no próximo ponto, por entender que as duas

iniciativas são parte de um mesmo tipo programa de caráter governamental.

4.2.2. Cúpula Social do Mercosul A Cúpula Social do Mercosul33 é uma iniciativa lançada em 2006 pela Presidência

Pro Tempore Brasileira, com a finalidade de ampliar a participação da sociedade civil no

processo de integração regional.

A coordenação do projeto ficou a cargo da Secretaria Geral da Presidência da

República do governo brasileiro, que procurou diversas ONG’s e movimentos sociais,

sindicais, de mulheres, da região para que pudessem participar da organização da

iniciativa. A idéia inicial era fazer o evento aproveitando a realização da XXXII Reunião do

Conselho do Mercado Comum e Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, que seria

realizada em dezembro de 2006. No entanto, apesar da Reunião do CMC e dos

presidentes terem sido transferidas para janeiro de 2007, a organização da Cúpula

decidiu manter a data inicial.

Desta forma, a Cúpula Social foi realizada nos dias 13 e 14 de dezembro, em

Brasília nos dias 13 e 14 de dezembro de 2006, ratificando a Agenda Social que saiu do I

Encontro por um Mercosul Produtivo e Solidário, realizado em julho do mesmo ano, na

Argentina. A Cúpula buscou ampliar a participação social no MERCOSUR, propor uma

agenda ambiental para o bloco, promover a perspectiva política e cultural, influir na

agenda política regional e aprofundar o programa Somos Mercosur. 33 Cf. Cúpula Social do Mercosul. http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/ sec_geral/internacional/cupula_mercosul/

43

Durante a Cúpula foram realizados dez grupos de trabalho, cuja organização era

compartilhada entre uma organização da sociedade civil e um Ministério ou secretaria

ministerial do governo brasileiro: grupo 1 sobre Agricultura Familiar, Reforma Agrária,

Cooperativismo, Economia Solidária, Segurança Alimentar; grupo 2 Gênero, Raça, Etnia;

grupo 3 Cultura, Juventude, Educação, Comunicação; grupo 4 Empregos, Migrações,

Direitos Humanos, Pequenas e Médias Empresas; grupo 5 Meio Ambiente, Recursos

Naturais e Água, Infra-estrutura e Energia; grupo 6 Tratados de Livre Comércio,

Integração e Modelos de Desenvolvimento, Investimentos; grupo 7 Participação Cidadã e

Instituições do Mercosul; grupo 8 Saúde; grupo 9 Parlamento do Mercosul; e grupo 10

Desenvolvimento Local.34

Como resultado do encontro uma Declaração Final foi assinada pelos

participantes. Esta declaração foi entregue em janeiro de 2007, durante a XXXII Reunião

do Conselho do Mercado Comum e Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, no Rio de

Janeiro. Na ocasião, o presidente da CUT Arthur Henrique da Silva Santos, leu a

declaração para os Chefes de Estado presentes no encontro.

Uma primeira observação a ser feita sobre os resultados da Cúpula Social é que

devido a Declaração ter sido assinada pelo grupo tripartite, ou seja, governos, sociedade

civil e instituições do Mercosul, os temas explorados na mesma não puderam ser muito

aprofundados e a Declaração acabou deixando de fora temáticas mais controversas do

ponto de vista dos governos, mas demandadas pela sociedade civil.

Outra análise sobre a Cúpula diz respeito a sua concepção. Há críticas por parte

de algumas organizações que acreditam que uma cúpula social deveria ser emanada

pela sociedade civil e não o contrário. Isso também desencadeou discussões e

controvérsias entre instituições do Mercosul e a coordenação do evento.

O programa Mercosul Social e Solidário participou da I Cúpula Social e avaliou

que apesar da metodologia ter tido seus problemas, a construção da Cúpula em si foi

34 Ainda não foram publicados os resultados dos grupos de trabalho.

44

interessante e seu resultado teve alguns ganhos, sendo o principal, uma proposta que

saiu do papel, que existiu concretamente e que as organizações puderam participar e

debater sobre o Mercosul. Mas percebe-se que o processo Cúpula Social não é ainda

uma iniciativa regional, pois de país para país (E: MELLO, R., 2007).

Por último, uma investigação dos resultados demonstra que os mesmos ficaram

muito aquém da prosposta da Cúpula, de propor uma agenda ambiental para o Mercosul

e promover a perspectiva política e cultural, influindo na agenda política regional. A

declaração, como foi observado, não produziu grande euforia em relação aos governos, e

mesmo as conclusões dos grupos de trabalho, que poderiam ser mais bem aproveitadas,

sequer foram publicadas.

No entanto, como continuidade, os presidentes acolheram a proposta de que as

Cúpulas Sociais passassem a constituir uma atividade permanente das organizações da

sociedade civil no marco das reuniões de Chefes de Estado do Mercosul. Apesar de não

ter sido realizada durante a última reunião de Cúpula do Mercosul, em Assunção, em

julho de 2007, está em processamento a discussão para realização da II Cúpula Social,

durante a XXXVI Reunião do Conselho do Mercado Comum do Mercosul, com data ainda

não confirmada.

4.3. Espaços não-oficiais

4.3.1 Programa Mercosul Social e Solidário35

O Programa, criado em 2003, é uma plataforma de ação integrada por dezoito

ONG's de cinco países membros e associados do Mercosul que buscam incorporar a

dimensão social no processo de integração regional. Da Argentina participam Acción

Educativa por la Participación Popular, Canoa, Cenepp, Fundación Ecumênica de Cuyo,

Instituto de Desenvolvimento do Estado e da Participação - Idep, Instituto de Cultura

Popular - Incupo, Indeso-mulher e Nueva Tierra; do Brasil Centro de Ação Comunitária -

Cedac, Centro de Ação Cultural - Centrac e Instituto Polis; do Chile Eco – Educação e

35 Cf. Programa Mercosul Social e Solidário http://www.mercosursocialsolidario.org

45

Comunicação e Programa de Economia e Trabalho - Pet; do Paraguai: Centro de

Documentação e Estudos - CDE, Decidamos e Serviço Ecumênico de Promoção

Alternativa - Sepa e; do Uruguai: Centro Cooperativista Uruguaio - CCU e Centro de

Participação Popular - CPP.

Essas organizações trabalham com mais de 100 organizações de base que, em

geral, estão excluídas das discussões sobre integração regional e muitas sequer tem

esta temática incluída em sua agenda. Isso em parte porque o processo de integração

do Mercosul desde sua criação tem sido apropriado por uma agenda essencialmente

econômica (E: ZAGRI, 2007).

O objetivo geral da iniciativa é promover a incorporação da dimensão social no

processo de integração regional e a melhora do exercício da cidadania dos países da

região, privilegiando os setores e lugares nos quais existe maior necessidade de

potenciar a participação cidadã. De acordo com as organizações membros do

Programa, a idéia é construir no Mercosul o ideal de que o mais importante sejam os

direitos e o bem-estar do povo, baseado na participação ativa da sociedade, sua

incidência e seu envolvimento, superando as idéias economicistas, que sempre

privilegiaram o mercado e certos interesses empresariais, excluindo os mais amplos

setores sociais.

O programa conta com apoio da União Européia através do Comitê Católico

contra a Fome e pelo Desenvolvimento - CCFD e uma das contribuições principais que

têm levado para o Mercosul é o tema da economia solidária (E: MELLO, R. 2007).

Uma das críticas que podem ser levantadas sobre este espaço é que ele é muito

restrito em pelo menos dois sentidos, além de estar limitado ao campo das ONG’s, não

é muito amplo do ponto de vista regional e nacional no sentido de participação de atores

e articulações que trabalham com o tema Mercosul.

46

4.3.2 Fórum Social do Mercosul O Fórum Social do Mercosul36 foi realizado em Curitiba, Brasil, nos dias 05 a 07

de julho de 2007. O Fórum, apesar de não ser um evento do marco do Fórum Social

Mundial-FSM, compartilha os ideais do FSM e se orienta pelos conceitos exortados na

Carta de Princípios.

A proposta do Fórum é expandir a relação entre os povos dos paises sul-

americanos, visando uma maior integração social e cultural na região, reunir dirigentes

latino-americanos e ampliar a discussão sobre as desigualdades sociais existentes

nestes países, encontrando alternativas ao neoliberalismo a partir de exemplos de

experiências bem-sucedidas de governos populares na América Latina.

Em relação à coordenação e organização do Fórum, o Comitê Organizador foi

formado por organizações da sociedade civil como a CEBRAPAZ e a CUT-PR e

representantes do Governo do Estado do Paraná, o qual também financia o evento. Cabe

destacar que essa forma de coordenação por si só caracteriza uma diferença em relação

ao FSM, que não contam com representantes governamentais na organização, estes se

restringem ao apoio financeiro e logístico do evento.

Os principais temas trabalhados dizem respeito a trabalho e renda, cidadania

mercosuliana, soberania popular, defesa dos bens comuns como água, florestas,

nacionalidade e exercício das profissões. Atividades em relação ao Banco do Sul, no

marco da discussão sobre integração regional da América do Sul, também foram

realizadas.

O Fórum, talvez por ser sua primeira edição, não teve uma divulgação muito

grande, e por isso não entrou na agenda de muitas organizações brasileiras. Além disso,

a participação de organizações e indivíduos dos outros países do Mercosul para além do

Brasil foi reduzida.

36 Cf. Fórum Social do Mercosul http://www.forumsocialdomercosul.org

47

No entanto, a iniciativa é interessante no sentido de criar um espaço de debates

entre organizações e indivíduos dos países do Mercosul e de incitar uma visão mais

regionalizada das questões e demandas levantadas pelas populações dos países.

4.4 Espaços de Diálogo

4.4.1 Comissão Parlamentar Conjunta/Parlamento do Mercosul Desde 1991, a participação do Poder Legislativo no Mercosul foi garantida por

meio da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul - CPC, prevista no Tratado de

Assunção, e que a partir do Protocolo de Ouro Preto se tornou um dos órgãos parte da

estrutura institucional definitiva do Mercosul.

Assim, CPC foi estabelecida pelo artigo 24 do Tratado de Assunção e a definição

de sua estrutura institucional e competência foi dada pelos artigos 22 a 27 do Protocolo

de Ouro Preto e conforme o artigo 22 do mesmo, a Comissão Parlamentar Conjunta é o

"órgão representativo dos Parlamentos dos Estados partes no âmbito do Mercosul".37

Suas principais competências eram: acompanhar o processo de integração e

informar os congressos nacionais a respeito; solicitar aos órgãos institucionais do

Mercosul informações acerca da evolução do processo de integração; emitir

recomendações no que tange à condução do processo de integração; realizar estudos

necessários à harmonização das legislações dos Estados partes e desenvolver as ações

pertinentes à instalação do Parlamento do Mercosul. Além disso, a Comissão buscou

servir de canal de comunicação entre as instâncias negociadoras e suas respectivas

sociedades civis.

Entretanto, esse espaço institucional não necessariamente resultou numa real

influência sobre o andamento da integração e defesa dos interesses políticos e sociais da

sociedade (VIGEVANI; MARIANO; OLIVEIRA, 2001:184). Por um lado, pois a previsão

de ampliação de suas funções — ao se constituir como órgão parte da estrutura

institucional — não se concretizou, e por isso a CPM não exerceu um papel formal de

37 Cf. Protocolo de Ouro Preto.

48

controlador dos processos, nem fomentador do debate democrático no interior do bloco.

Por outro lado, como a integração foi pensada mais do ponto de vista econômico, deu-se

mais importância à participação de funcionários de governos e empresários – atores

dinâmicos – do que à representação legislativa (IDEM: 196).

Apesar disso, é importante destacar o papel da CPC no investimento, preparação

e implementação das ações necessárias à instalação do Parlamento do Mercosul.

Assim, em dezembro de 2006 foi criado o Parlamento do Mercosul, por meio da

aprovação da Decisão n°49/04 do CMC e do Protocolo Constitutivo do Parlamento do

Mercosul, emanado da XXIX Reunião do Conselho do Mercado Comum, em 2005, em

Montevidéu.

A instituição do Parlamento reafirma alguns princípios essenciais do Mercosul

como a vontade regional de construir uma integração política, reforçar cada vez mais o

conteúdo democrático e estabelecer um espaço de análise sobre o conceito de

soberania, não no sentido de negar a soberania dos Estados, mas de introduzir um novo

plano de soberania compartilhada (CPMC; KONRAD ADENAUER, 2006:16).

Porém, revela-se ainda muito insuficiente a discussão acerca do estabelecimento

do Parlamento, bem como a divulgação de sua criação entre as populações dos países

membros do bloco. Isso traz a necessidade de que seja explicada e disseminada de

forma ampla à população como se dará o processo interno do Parlamento, para que ele

serve, entre outras informações, pois dentro de alguns anos a eleição para o mesmo será

por sufrágio universal e o povo que escolherá quem serão seus representantes e sua voz

no interior do Mercosul.

O Parlamento do Mercosul, por ser um órgão novo e com uma agenda em

construção, deveria entrar na agenda das organizações da sociedade civil como um

interlocutor fundamental para se discutir o processo de integração e as bases pelas quais

ele é firmado. O fortalecimento do Parlamento como um espaço que possa ter

verdadeiramente um poder de influência e decisão dentro do bloco é imprescindível para

49

que o processo de tomada de decisão reflita o conteúdo democrático proclamado nas

declarações oficiais do bloco.

Por fim, ainda sob o ponto de vista da interlocução com a sociedade civil, o

Parlamento estabeleceu um acordo com o Foro Consultivo para realizar reuniões

periódicas e tratar de temas comuns aos dois espaços. Ademais, vem recebendo

propostas de outros organismos como da REM, que propôs uma articulação junto aos

parlamentares dos países membros do Mercosul para a criação de um Grupo de

Trabalho conjunto para discutir mecanismos nacionais e regionais para maior

participação da mulher no processo de integração.

4.4.2. Foro de São Paulo O Foro de São Paulo38 foi instituído em 1990 e congrega partidos políticos e

organizações sociais de toda América Latina e Caribe. O espaço realiza reuniões e

congressos periódicos com objetivo de discutir uma alternativa ao neoliberalismo, assim

como promover a integração econômica, política, social e cultural da região.

A rede mantém relações com outras iniciativas que aglutinam partidos políticos

latino-americanos e caribenhos, como com a Conferência Permanente de Partidos

Políticos de América Latina - COPPPAL, a Coordenação Socialista Latino-americana -

CSL e o Comitê da Internacional Socialista para América Latina e Caribe - SICLAC.

Além disso, o Foro de São Paulo mantém uma forte interlocução com

representantes dos movimentos e organizações sociais do continente, tendo por objetivo

a construção de agendas e ações comuns.

As reuniões do Foro acontecem anualmente e contam com mais de cem partidos

e movimentos de esquerda como membros. No contexto atual, a organização vive uma

fase muito interessante, com vários governos sob o comando de seus partidos membros.

O último encontro foi realizado em janeiro de 2007, em El Salvador. De acordo

com o documento final do encontro, em que o neoliberalismo é apontado como doutrina

38 A página oficial na Internet do Foro de São Paulo não se encontra disponível.

50

hegemônica do mundo imposta pelos centros do poder global, "o enfrentamento em

ascenso dos povos à sua seqüela de concentração da riqueza e massificação da

exclusão social favorece uma acumulação de forças sem precedentes por parte da

esquerda latino-americana" (CARTA MAIOR, 2007).

Um dos desafios apontados em seu encontro é fortalecer sua forma de atuação.

Por volta do ano 2000, o Foro passou por períodos de turbulência, com irregularidade na

realização dos seus encontros anuais e sofreu questionamentos de parte de seus

integrantes sobre a necessidade da sua existência. Nesse sentido, a reunião de El

Salvador buscou apontar para iniciativas mais concretas de cooperação. Duas delas são

a construção de um observatório eleitoral e a criação de uma escola de formação política

para os partidos e movimentos que integram a rede (CARTA MAIOR, 2007).

O Foro vem acompanhando o processo de integração do Mercosul e teve um

encontro durante a Cúpula de Presidentes do Mercosul, realizada em Assunção, em julho

de 2007. O Foro, na política de aproximação e diálogo junto aos movimentos e

organizações sociais, realizou uma reunião com a Aliança Social Continental para discutir

uma agenda de diálogo sobre integração regional.

4.4.3. Mercocidades A Rede Mercocidades39 é principal rede de municípios do Mercosul. Foi fundada

em 1995 por iniciativa das autoridades e prefeitos da região, tem por objetivo favorecer a

participação dos municípios no processo de integração regional, promover a criação de

um espaço institucional para as cidades no interior do Mercosul e desenvolver o

intercâmbio e a cooperação horizontal entre as municipalidades da região, segundo prevê

seu Estatuto.

A rede vem sendo ampliada desde sua criação e atualmente, conta com 181

cidades associadas de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile e Bolívia e

busca a participação cada vez maior dos municípios dos países membros do Mercosul.

39 Cf. Mercocidades http://www.mercociudades.org

51

Alguns princípios e objetivos da Mercocidades vão de encontro aos traçados por

alguns espaços vistos anteriormente, como o de conscientizar e ampliar a participação

cidadã no processo de integração e difundir uma cultura democrática e democratizadora

a nível nacional e regional, estabelecendo uma relação mais estreita de cooperação entre

os diversos sujeitos do processo de integração. Ao fazer isso, busca-se o

aprofundamento da participação dos mesmos na construção de um Mercosul que

contemple não só a dimensão comercial, como também a social, política e cultural.

Um ponto interessante a sublinhar é que dentro desse marco, a rede aprovou a

integração de seus trabalhos com outros atores para além dos governos locais,

estendendo o diálogo aos sindicatos, setores empresariais, organizações não

governamentais, universidades, como forma. Um exemplo foi o acordo firmado junto ao

Programa Mercosul Social e Solidário, com a proposta de gerar espaços comuns de

reflexão e discussões sobre temas de interesse comuns como globalização, integração

regional, acordos comerciais e Mercosul.

No último plano de trabalho aprovado pela rede para o período 2006/2007 consta

entre outros pontos: trabalhar fortemente no projeto de integração da Rede Mercocidades

ao Mercosul, atuando como protagonista no Foro Consultivo de Municípios, Estados

Federados, Províncias e Departamentos; aprofundar os eixos político, social, cultural e

econômico nas unidades temáticas e instâncias de trabalho das Mercocidades; promover

a integração entre o setor público e privado, garantindo uma rede de serviços comuns

entre as cidades da Rede e o setor privado; cooperar com outras redes de cidades e

organizações da sociedade civil que tenham os mesmos objetivos e papel idêntico ao da

Mercocidades (MERCOCIUDADES, 2006: 6).

Por último, foi aprovada uma campanha de comunicação das mercocidades, com

o objetivo de difundir na sociedade civil organizada e populações em geral, o sentimento

de pertencimento ao Mercosul; gerar cidadania do Mercosul; contribuir e gerar opinião

positiva sobre o Mercosul; mostrar que o processo de integração se constrói no cotidiano;

52

mostrar a relação cada vez mais estreita entre o local, regional, global e mundial;

contribuir com a transparência e a democratização das informações no Mercosul; e

visualizar as atividades da Mercocidades e suas opiniões a respeito do processo de

integração regional (IDEM: 9).

5- ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONCLUSÕES

As entrevistas possibilitaram um aprofundamento de questões relevantes para o

entendimento do processo de integração promovido pelo Mercosul, tais como:

democracia, solidez da estrutura institucional, tratamento de assimetrias, atores com mais

capacidade de intervenção, reforma e/ou criação de espaços de participação. Estas

questões foram analisadas e no quadro abaixo são apresentadas as conclusões

principais. Grande parte destas conclusões já apareceram nas considerações finais de

algumas partes do texto, como no debate sobre democracia e sobre alguns espaços de

participação analisados.

Quadro 4

Conclusões dos temas principais levantados pela pesquisa

QUESTÕES

CONCLUSÕES

Democracia40

A discussão sobre democracia centrou-se essencialmente no tema participação social. Todas as entrevistas apontaram que existe um imenso déficit democrático no Mercosul, tanto em relação à qualidade quanto à quantidade dos espaços de participação disponíveis, ao nível de informações disponibilizadas e a reduzida intervenção no processo de tomada de decisões. Foi demonstrado também que não há uma democracia propriamente do bloco e sim existem democracias nacionais e que, por isso, os procedimentos de participação social ainda estão relacionados à como cada governo se relaciona com sua sociedade civil e como cada país se insere politicamente no bloco.

40 O tema democracia foi um dos mais trabalhados na pesquisa e as conclusões são apresentadas de forma mais detalhada no item 3 do presente estudo.

53

Solidez da estrutura institucional

Na opinião da maioria dos entrevistados, a estrutura institucional do Mercosul é sólida, porém muito burocrática, com pouca consistência e com muitas lacunas, especialmente em relação à participação no interior do bloco.

Tratamento de assimetrias

Todas as entrevistas sublinharam que existem assimetrias de vários níveis dentro do bloco. Seja entre países, no que diz respeito ao nível de desenvolvimento da economia, geografia, demografia, seja sobre as diferenças entre as populações e como cada uma se relaciona com o Mercosul. A maioria das respostas apontou que nos últimos cinco anos, o Mercosul vem vivendo um momento de revigoramento, no qual os governos estão mais atentos a esta questão das assimetrias e buscando medidas para reduzi-las. No entanto, com exceção da criação do FOCEM, poucas medidas neste sentido no âmbito sub-regional foram adotadas. A maioria das propostas nesse sentido vem sendo feita no nível bilateral, especialmente a partir do Brasil.

Atores com mais capacidade de intervenção

Parte dos entrevistados destacou os atores econômicos, como o empresariado, como os com mais capacidade de intervenção no processo. Outra parte destacou as organizações sindicais, que estão há mais tempo participando do Mercosul, levando suas demandas e conquistando políticas regionais importantes em relação a discussão de legislação trabalhista do Mercosul. O movimento de mulheres e as organizações da agricultura familiar também foram citados. Além disso, conclui-se também que estes atores sociais fazem a ponte para que outras organizações que estão fora do processo, possam levar suas demandas.

Reforma e/ou criação de espaços de participação

Este tema dividiu as opiniões dos entrevistados. Por um lado, uns defenderam que o Mercosul já é demasiado burocrático para se criarem novos espaços de participação e que por isso é importante aproveitar os já existentes como o FCES e fortalecê-los e amplia-los no sentido de atender as diversas expressões e setores sociais dos Estados partes; e por outro lado, outros defenderam que o Mercosul não avançou na construção de um espaço que permita uma participação efetiva da sociedade civil, e que por isso é importante aproveitar este momento político que a região está vivendo para construir um Mercosul que vá de encontro com as necessidades e demandas dos povos. Outros ainda, não acreditam que os espaços atuais sirvam para atender a um processo de integração dos povos.

54

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa demonstrou como se dá a participação da sociedade civil em alguns

dos espaços principais do Mercosul. Conclui-se que o conceito de participação expressa

na estrutura e no entendimento dos tomadores de decisão do Mercosul ainda está muito

aquém do que a sociedade civil organizada entende como participação social. Percebe-

se uma falta de clareza em como estes espaços, especialmente os institucionais, podem

oferecer uma participação que extrapole o diálogo e se amplie para uma influência efetiva

no processo de tomada de decisões, bem como na transparência e no controle por parte

da sociedade civil do andamento da integração.

Ficou claro que o Mercosul possui uma dimensão política, para além da

econômica, mas é necessário que se desenvolva mais plenamente esta dimensão. Ou

seja, é fundamental a criação de um marco político favorável às alianças políticas,

culturais e sociais para o bem-estar dos povos dos países envolvidos. Embora tenham

sido criadas comissões e elaboradas Declarações presidenciais em temas sociais e

políticos (Declaração sobre compromisso democrático, 1996; Declaração Sócio-Laboral,

1998; Fórum de Consulta e Concertação Política, etc.), sua influência nas decisões e nas

normativas nacionais são de uma abrangência significativamente menor que as

negociações, comissões e disposições econômicas.

Outro ponto, nesse sentido, é a percepção de que o processo decisório, que é de

caráter intergovernamental, tende a se concentrar nos âmbitos nacionais, dificultando o

estabelecimento de estruturas e mecanismos comunitários que possibilitem uma visão de

futuro do bloco (E: BERRÓN, 2007). A criação do Parlamento do Mercosul é uma

importante transformação em relação a esta tendência, mas é necessário que o mesmo

possa atuar de forma a construir verdadeiramente um espaço de integração comum.

Demonstraram-se as lacunas existentes no FCES, mas ao mesmo tempo, as

interessantes novidades expressas pelas reuniões especializadas, que constituem um

importante canal não só de diálogo entre os governos e a sociedade civil, mas também

55

de ações concretas. Ademais, notou-se que os espaços de diálogo proporcionados pela

Rede Mercocidades, o Foro de São Paulo e o Parlamento do Mercosul são essenciais

para que governos em seus diversos níveis, partidos políticos e organizações sociais

possam juntos debater e construir o processo de integração que atenda aos interesses

dos povos.

Ainda falta muito há fazer. É necessário que os governos dos Estados partes

demonstrem vontade política para ampliar e fortalecer os espaços de participação não só

quantitativamente quanto qualitativamente, promovam uma real interlocução com a

sociedade civil em relação aos temas relevantes para a integração mercosuliana, e

possibilitem uma efetiva incidência da sociedade no processo de tomada de decisões,

bem como priorizem as questões sociais frente a lógica puramente comercial, herança

trazida desde a criação do bloco, durante o auge da implementação do modelo

neoliberal.

Deste modo, a democratização da participação no processo de integração

regional passa pela valorização dos espaços institucionais criados pelos próprios

Estados. Mecanismos de intervenção mais concretas no interior do GMC e do CMC

devem ser considerados, além da inclusão de alguma forma de participação social no

processo de tomada de decisões do Mercosul, via ampliação do FCES para outros

setores sociais ou mesmo a criação de outros espaços de intervenção efetiva da

sociedade civil.

Destaca-se o papel do movimento sindical, dos movimentos de mulheres, de

trabalhadores(as) rurais, bem como de ONG’s que lidam especialmente com temas

transfronteiriços, além de redes e articulações da sociedade civil focadas na resistência

ao livre comércio, na solidariedade entre os povos e na busca de uma alternativa de

integração. Essas organizações vêm construindo o processo das Cúpulas dos Povos há

algum tempo, que expressam um novo momento de articulação dos movimentos e

56

campanhas, adicionando ao debate de resistência ao livre comércio a busca de

alternativas na integração regional.

As cúpulas dos povos sobre integração regional, neste formato mais recente de

criação de propostas e diálogo com os governos, tiveram seu momento fundamental no

ano de 2006, em Córdoba, em julho, em paralelo à Cúpula de presidentes do Mercosul, e

em Cochabamba, em dezembro, paralelamente à reunião de presidentes da Unasul. A

próxima Cúpula dos Povos no âmbito das discussões sobre Mercosul e integração está

prevista para Montevidéu, em dezembro de 2007, como um momento para fortalecer a

articulação entre as organizações da sociedade civil do Mercosul ampliado, e dar

continuidade aos temas desenvolvidos nos encontros anteriores.

Por fim, grande parte das organizações sociais expressaram nas entrevistas que o

espaço das Cúpulas dos Povos não pode ser substituído por espaços institucionalizados,

pois a autonomia das organizações é elemento essencial na construção de uma

integração que surge dos povos, e que seria muito difícil no interior de um bloco como o

Mercosul, a conquista de um espaço com tanta vitalidade.

57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMÉRICA DO SUL: segundo semestre de 2006. Brasília: FUNAG, 2007.

BOLETIM DA REM. La REM tendrá a partir de ahora una Secretaría Técnica permanente. Disponível em http://200.130.7.5/spmu/portal_pr/ eventos_internacionais/mercosul/boletim%20REM/boletin_REM.htm

CARTA MAIOR. Foro de São Paulo. Em ascensão, esquerda latino-americana quer superar 'etapa neoliberal'. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/ templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13464&editoria_id=4. Acesso em: maio 2007.

CASTRO, Maria Silvia Portella de. "A estratégia da ação sindical no Mercosul". Revista Brasileira de Política Internacional - Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), n.2, ano 39, 1996.

CÚPULA SOCIAL DO MERCOSUL. Declaração Final. Brasília: Secretaria Geral da Presidência da República, 2006.

ENCONTRO SINDICAL MERCOSUL – COMUNIDADE ANDINA. Declaração Sindical Mercosul – Comunidade Andina: integração com desenvolvimento social, soberania e democracia. http://www.sindicatomercosul.com.br/documento_texto.asp? noticia=18

GINESTA, Jacques. El Mercosur y su contexto regional e internacional. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 1999.

MENEZES, Alfredo da Mota e FILHO, Pio Penna. Integração Regional: os blocos econômicos nas Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

MERCOCIDADES. Site oficial da Rede Mercocidades. http://www.mercociudades.org

_______. Mercociudades: un compromiso de las ciudades por la integración regional. UNESCO, 2006.

MERCOSUL. Legislação e Textos Básicos. Brasília, 2005. 4º ed.

MERCOSUL. Site oficial do Mercado Comum do Sul. http://www.mercosur.org.uy

MERCOSUL. Site oficial do governo brasileiro sobre o Mercosul. http://www.mercosul.gov.br

REAF. Reunião Especializada da Agricultura Familiar. Brasília: MRE; MDA; PPTB, dezembro 2006.

SANCHEZ, Michelle Ratton. Pontos críticos da participação da sociedade civil no Mercosul. Texto para discussão. São Paulo: Escola de Direito da FGV, janeiro de 2005. Mimeo.

SICE. Reunião Especializada da Mulher. Disponível em http://200.130.7.5/spmu/ portal_pr/eventos_internacionais/mercosul/eventos_mercosul.htm Acesso maio 2007.

58

VIGEVANI, Tullo. Globalização e Regionalização no MERCOSUL: a intervenção dos sindicatos no processo de integração. Cadernos CEDEC nº 50. São Paulo: CEDEC, 1995.

VIGEVANI, Tullo; MARIANO, Karina P.; OLIVEIRA, Marcelo F. Democracia e atores políticos no Mercosul. Disponível em http://www.somosmercosur.org/files/ democracia%20e%20atores%20pol%C3%ADticos%20no%20Mercosul.Tullo%20vigevani_0.pdf Acesso dezembro 2006

VIZENTINI, Paulo. MERCOSUL: dimensões estratégicas, geopolíticas e geoeconômicas. In LIMA, Marcos C (org.). O Mercosul no Limiar do Século XXI. São Paulo: Cortez, 2005: 27-41.

HOFMEISTER, Wilhelm. O Brasil e seus vizinhos: Reivindicação de Liderança Regional na América do Sul. In: Análises e Informações. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stifitung, n. 13, setembro de 2003.

Documentos Oficiais

FCES Ata da Constituição da Seção Brasileira do Foro Consultivo Econômico e Social. http://www.negociacoesinternacionais.cni.org.br/negocia.nsf/42f89699fd90 d2d9832566cf004cb69f/09977184ac276a36032567140067e435/$FILE/Ata%20de%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20da%20SB%20do%20FCES.htm acesso em 2/06/2007. Atribuições e marco normativo do Foro Econômico Social do Mercosul. http://www2.camara.gov.br/comissoes/cpcms/index.html/foro.html/atribuicaoefuncionamento.html acesso em 26/05/2007. FCES/Reunião Plenária/Ata Nº 4/98. Ata IX Reunião Plenária FCES Mercosul.http://www.negociacoesinternacionais.cni.org.br/negocia.nsf/ef91c10563115477832566ef007546bf/df9ad825540e9075032566ea004c5fd7/$FILE/foroatIX%20reg.doc acesso em 23/05/2007. FCES/REUNION PLENARIA/ACTA Nº 3/99. Ata XII Reunião Plenária FCES Mercosul.http://www.negociacoesinternacionais.cni.org.br/negocia/fpnegi.htm?URL=/negocia.nsf/web_negocia_html?openform acesso em 23/05/2007. Recomendações 1997-2003. http://www.camara.gov.br/mercosul/ Forum_ Consultivo/ Recom%201997-2003%20 port-18-06-2004.doc acesso em 05/06/2007. Recomendações 1997-2006. MERCOSUL - http://www.mercosul.org.uy Declaração Sócio-Laboral, 10 de dezembro de 1998. Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul, 18 de fevereiro de 2002.

59

Protocolo de Ouro Preto. Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile, 24 de julho de 1998. Tratado de Assunção, 28 de março de 1991. CMC/DEC.N°05/02. Grupo Ad-hoc sobre Integração Transfronteiriça, 05 de julho de 2002. CMC/DEC.Nº 26/03. Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006, 15 de dezembro de 2003. CMC/1996/ACTA01/DECLARA-PRESIDEN_ES_CompDemocratico. Declaração sobre Compromisso Democrático do Mercosul, 25 de junho de 1996. http://www.mercosul.org.int acesso em 18/05/2006. GMC/RES.Nº35/01. Reunião Especializada em Cooperativas, 10 de outubro de 2001. GMC/RES Nº68/96. Regulamento Interno do Foro Consultivo Econômico e Social – FCES, 21 de junho de 1996. GMC/RES Nº42/98. Direito do Consumidor - Garantia Contratual, 08 de dezembro de 1998. GMC/RES Nº59/98. Políticas de apoio às micro, pequenas e médias empresas, 08 de dezembro de 1998. GMC/RES Nº68/96. Regulamento Interno do Foro Consultivo Econômico e Social – FCES, 21 de junho de 1996. GMC/RES Nº84/00. Incorporação perspectiva de gênero no âmbito do Mercosul, 07 de dezembro de 2000. SB/FCES. Relação de entidades que compõe a sessão brasileira do FCES. http://www2.camara.gov.br/comissoes/cpcms/index.html/foro.html/relacaoentidades.html acesso em 26/05/2007.

60

ANEXO I

LISTA DE ENTREVISTADOS

Entrevistas presenciais ou via chamada telefônica

1. Carlos Zagri – Ação Educativa/Mercosul Social Solidário – Argentina 2. Graciela Rodriguez – Instituto Eqüit – Brasil 3. Gonzalo Berrón – Aliança Social Continental – Brasil 4. João Germano Batista – FETRAF – Brasil 5. Luiz Vicente Facco – CONTAG – Brasil 6. Guilherme Brady – MDA – Brasil 7. Ricardo Mello – CEDAC/Mercosul Social e Solidário – Brasil 8. Manoel Messias Mello – CUT – Brasil 9. Justo Carlos Marecos – Iniciativa Paraguaia – Paraguai 10. Fernando Berasain – CCSCS - Uruguai 11. Fátima Mello – FASE/REBRIP – Brasil

Entrevistas por questionário via e-mail 12. Lílian Celibeti – Articulación Feminista Marcosur – Argentina 13. Juan Gonzalez – CTA – Argentina

Respostas obtidas de não participação nas entrevistas com justificativa 14. Rogério Mauro – MST - Brasil 15. Beverly Keene – Jubileu Sul - Argentina