democracia racial - a partir de gilberta freyre · 2011. 9. 27. · ate a publicayao de "casa...

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DEMOCRACIA RACIAL - A partir de Gilberta Freyre * Asclemocracias ibero-americanas nasceram sob osigno cia moclerniclacle. E as clemocracias moclernas funclamentam sua legitimiclacle na comuniclacle clos ciclaclaos, nao permitinclo que, na esfera pllblica, se clistingam cliferentes categorias cle pessoas. 0 principio cia igualclaclejuriclica closciclaclaos, como icleal moral cia nayao clemocrMica, proibe, por isto, as prMicas racistas no espayo abstrato da politica. 0 icleal clemocrMico gera, assim, a esperanya cle que 0 racismo tambem seja excluiclo cia socieclacle como assembleia. No Brasil, neste ana cle 2000, celebram-se os 100 anos cle nascimento clo soci610go, antrop610go, fil6sofo social e escritor Gilberto Freyre. Freyre faleceu em 1987, em Recife/Brasil. Entre os seus mais cle 60 livros clestacam- se, entre outros: "Casa Grande & Senzala"(1933), "Sobrados e Mucambos "(1936), "Nordeste "(1937), "0 mundoque 0 portugues criou"(1940), "New World in the tropics "(1959), "Ordem e Progresso"(1959). A contribuiyao mais original cle Gilberto Freyre para a sociologia, a antropologia ea filosofia socialfoi a sua pesquisa sobre a fonnayao clo povo brasileiro clurante a epoca colonial. 0 Comllnicayao apresentada no "VII Simp6sio de la Revista lnternacional de Filosofia Polilica", em Cartagena de lndias/Colombia, no perfodo de 20 a 22 de novembro de 2000 . •• Im\cio Reinaldo Strieder e professor na Gradllayao e P6s-gradllay30 em Filosofia da UFPE/Recife. Membro do GT "Etica eCidadania".

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Page 1: DEMOCRACIA RACIAL - A partir de Gilberta Freyre · 2011. 9. 27. · Ate a publicayao de "Casa Grande & Senzala" pOI'Gilberto Freyre, em 1933, predominava no Brasil a tese de que 0

DEMOCRACIA RACIAL- A partir de Gilberta Freyre *

As clemocracias ibero-americanas nasceram sobo signo cia moclerniclacle. E as clemocracias moclernasfunclamentam sua legitimiclacle na comuniclacle closciclaclaos, nao permitinclo que, na esfera pllblica, seclistingam cliferentes categorias cle pessoas. 0 principio ciaigualclacle juriclica clos ciclaclaos, como icleal moral cia nayaoclemocrMica, proibe, por isto, as prMicas racistas no espayoabstrato da politica. 0 icleal clemocrMico gera, assim, aesperanya cle que 0 racismo tambem seja excluiclo ciasocieclacle como assembleia.

No Brasil, neste ana cle 2000, celebram-se os 100an os cle nascimento clo soci610go, antrop610go, fil6sofosocial e escritor Gilberto Freyre. Freyre faleceu em 1987,em Recife/Brasil. Entre os seus mais cle 60 livros clestacam-se, entre outros: "Casa Grande & Senzala"(1933),"Sobrados e Mucambos "(1936), "Nordeste "(1937), "0mundo que 0 portugues criou"(1940), "New World in thetropics "(1959), "Ordem e Progresso"(1959). A contribuiyaomais original cle Gilberto Freyre para a sociologia, aantropologia e a filosofia social foi a sua pesquisa sobre afonnayao clo povo brasileiro clurante a epoca colonial. 0

Comllnicayao apresentada no "VII Simp6sio de la Revista lnternacional deFilosofia Polilica", em Cartagena de lndias/Colombia, no perfodo de 20 a 22de novembro de 2000 .•• Im\cio Reinaldo Strieder e professor na Gradllayao e P6s-gradllay30 emFilosofia da UFPE/Recife. Membro do GT "Etica e Cidadania".

Page 2: DEMOCRACIA RACIAL - A partir de Gilberta Freyre · 2011. 9. 27. · Ate a publicayao de "Casa Grande & Senzala" pOI'Gilberto Freyre, em 1933, predominava no Brasil a tese de que 0

Brasil de hoje e 0 resultado de 500 anos de miscigenayao.Freyre mostra que 0 Brasil, desde 0 inicio de suacolonizayao, foi um verdadeiro caldeirao de mistura racial.Miscigcnaram-sc brancos e negros, brancos e indios, negrose indios. E esta miscigenayao toda gerou uma "metaraya" noBrasil. 0 homem desta "metaraya" ja nao e mais nemeuropeu, nem africano, nem indio. E um homem novo, 0

homem dos tr6picos, situado na America. Um homem paraalem de qualquer genesia racial. Os estudos dcste homempermitiram, inclusive, a Freyre a criay80 de uma novaciencia sociol6gica: a Tropicologia. No meu entender, asintuicoes de Gilberto Freyre poderiam ser aproveitadas, semgrande dificuldadc, no cstudo da formayao dos povos detoclos os paises ibero-americanos. Pois consta quecolonizadores espanh6is do Peru achavam que Deus Iheshaveria de perdoar os pecados sexuais por causa danecessidade de produzir mestiyos. Tambem nas coloniasespanholas a mestiyagem, principalmente com os indigenas,foi bastante intensa. Isto nao necessita de comprovayaocientifica. Basta olhar para o rostodopovo ibero-americano.

Voltemos, novamente, para as analises deGilberto Freyre sobre a formayao do povo brasileiro. ParaFreyre, a "metaraya" brasileira surgiu do cruzamento docolonizador com a mulher india e com a escrava africana.Isto, no entanto, nem sempre ocorrera de forma pacifica erespcitosa. Nao poucas vezes 0 colonizador demonstrarasado-masoquismo na explorayao e opressao das femeasindias e af'ricanas. Freyre fala de uma verdadeira"entoxicayao sexual" no Brasil colonia, em que muitosportugueses rIse atolaram no pecado cia carne", inclusivesifilizanclo as populayoes indigenas e africanas.

Por bem, ou pOl' mal, os povos da Ibero-americade hoje san frutos clesta ampla miscigenayao, iniciacla nosprim6rdios da colonizayao de nosso Continente. E, em face

aos trayos raclals mlJltiplos presentes nos rostos. claspopulayoes ibcro-americanas, se~ia ridiculo entre n6s_surglr~mmovimentos ideol6gicos que visassem a depurayao racIal,com fins cle buscarem a constituiyao de uma raya pura. Nemmesmo teorias que pregam um branqueamento progressivocia humanidade podem ser sustentadas em nosso meio.

Sem duvida. a miscigenayao historica, e aposterior imigrayao de' mldtipl~s. etnias na ib~ro-americ~,construiram a base para uma solIda e perene democraclaracial" em nosso Continente. Na verdacle, contudo, hojefalta aincla muito para que esta "democracia racial" sejaassumida na convivencia efetiva dos cidadaos brasile}ros eibero-americanos, em geral. Na maioria dos paises da Ibero-amenca ainda existem exclusoes e discriminayoesvergonhosas em relayao a contingentes populacionais comcaracterfsticas predominantemente indigenas e negras.Muitas destas populayoes se encontram em lamentavelsituayao de miseria. Pennitir a continuidade de situayoes demiseria de contingentes populacionais questiona alegitimidade de qualquer democracia, no senti do m?derno.Ainda mais quando tais democracias tambem devenam ser"democracias raciais". Perguntamos, por isto, como superarem nossos paises a falta de "democracia racial"?

Ate a publicayao de "Casa Grande & Senzala"pOI' Gilberto Freyre, em 1933, predominava no Brasil a tesede que 0 atraso brasileiro se devia ao mal da mestiyagem.Acreditava-se, inclusive, num branqueamento progressivoda populayao. Neste sentido, 0 projeto de imigrayao para 0

Brasil, desde a independencia do pais, em 1822, visavatrazer apenas populayoes brancas. As elites politicasbrasileiras acreditavam numa diferenya racial essencial. Por

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isto, uma 1111lgrac;:aode negros norte-amcricanos para 0

Brasil foi rejeitada. Talvez a raiz da falta de sensibilidade degrandc parte das elites brasileiras para com as berrantes eescandalosas desigualdades sociais existentes no pais cstejaaqui. Ainda hoje candidatos a cargos politicos, provenientesdas elites, afirmam que seus adversarios, oriundos declasses trabalhadoras, ou com caracteristicas raciais nao-brancas, nao estao qualificados para assumirem cargosmajoritarios na sociedade. Nao os qualificam apenas comodesiguais, mas como diferentes. Pois as desigualdades sepoderiam superar, mas as diferenc;:as nao. N~sta linhaideologica de qualificac;:ao dos cidadaos, os negros, osindios, os mestic;:os e os mulatos saG considerados"contingentes raciais" inferiores aos brancos. E, por isto,fatores de atraso nacional. Este modo de pensar fez com queate hoje as elites politicas brasileiras nunca tivessem feitoum projeto serio e eficiente de inclusao das populac;:oesnegras, indigenas e mestic;:as no desenvolvimento nacional.

Gilberto Freyre tentou romper esta ideologiaracial discriminatoria, mostrando a vantagem de sermestiyo. Segundo Freyre, 0 futuro do Brasil, e sua melhorcontribuic;:ao para a convivencia entre os povos, seriajustamcnte a sua multiracialidade, a morenidade do povobrasileiro, testemunho da relac;:ao fraternal entre as rac;:as.Para Freyre, 0 Brasil, por causa de sua mltltiplamiscigenac;:ao racial, e modelo para a humanidadc futura,que tende para uma metarac;:a universal. Na medida em queesta metarac;:a se afirmar, as democracias superarao, de fato,as diferenc;:as etnicas, c procurarao ••di.:ninuir as desigualdadessociais e culturais da populac;:ao.

No espirito das considerac;:oes aeima, repara-seque Gilberto Freyre assume uma posic;:ao otimista emrelayao a mistura de rac;:as. Nunca calcula a porcentagem desangue com que as diversas rayas deveriam contribuir para

que 0 mestic;:o fosse dotado com qualidades positivas, aexemplo das considerac;:oes do Conde De Gobineau noseculo XIX, na Franya, ou de Ingenieros, na Argentina.Freyre se empenha, em sua obra, para mudar a mentalidaderacial preconceituosa no Brasil. Segundo ele, a mai01'ia dapopulac;:ao brasileira de hoje tem contingentes de sangueportugues, indigena e africano. E isto e motivo de orgulho,pois nisto consistiria, justamente, agrandeza da "brasilidade".

Segundo Freyre, a historia colonial do Brasil etoda ela tambem uma historia de miscigenayao. Desde 0

inicio da colonizayao do Brasil, os portugueses, nao tendomulheres de sua propria rac;:a com quem se relacionarsexualmente, passaram a faze-Io com as indias da terrarecem-descoberta, e depois com as mulheres negras. 0proprio portugues ja nao era puro de raya. Desde temposhistoricos antigos a peninsula iberica fora lugar de contato ede passagem para muitos povos. Celtas, fenicios, gregos,romanos, barbaros, mouros e judeus pOl' ali transitaram. Alonga ocupac;:ao moura, segundo Freyre, deixou marcasprofundas na etnia e na mentalidade dos povos ibericos.Devido a esta influencia muc;:ulmana 0 cristianismoportugues tambem tinha caracteristicas proprias. A prMicacatolica do povo portugues pouca imporHincia dava aortodoxia dogmMica. A sua religiosidade compunha-semuito mais de crendices, com raizes pagas de diversasorigens culturais. Dos mouros haviam aprendido um certomisticismo que desconsiderava os componentes etnicos eraciais da religiao. POl' isto, segundo Freyre, as missoesportuguesas, e tambem as espanholas, nao foram etnicas,mas cristocentricas. Nao importava que os missionarios,aqui atuantes, fossem italianos, franceses, alemaes ouaustriacos. Contanto que pregassem 0 catolicismo da coroaportuguesa. Os adventicios, que queriam entrar no Brasil,nao eram examinados em relayao a sua origem etnica, mas

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em relayao a sua fe. Segundo Freyre, a primeiraconfraternizayao entre europeus e amerindios foi a sexuaL aqual se seguiu a confraternizayao pela fe. Estaconfraternizayao se ampliou em muito, especialmente noBrasil, quando se come yOU a trazer escravos da Africa.Desta forma, na visao de Freyre, aconteceu uma verdadeira"entoxicayao sexual" na colonia, e muitos portugueses se"atolaram na carne". Mas nem sempre esta relayao entrecolonizador, indigenas e negros respeitava a fraternidade.Muitos senhores deixaram sinais de praticas sado-masoquistas nas relayoes com os seus escravos e escravas.A miscigenayao, pOl'tanto, nao foi apenas resultado de umaprazerosa confraternizayao de rayas, mas conseqUencia deuma terrivel opressao do homem pelo homem. Contudo,deve-se considerar que 0 fato de 0 portugues tao facilmentese cruzar com a india e a negra revel a que, na mentalidadeportuguesa, estas rayas nao eram totalmente diferentes dasua pr6pria. 0 que distinguia 0 colonizador do indio e donegro era a sua condiyao sociaL Portanto, desigualdades, emprincipio, superaveis. Num sentido filos6fico, as diferenyaseram acidentais e nao essenciais. Nesta compreensao jaestavam como "\atentes as potencialidades duma democraciaracial. Mas sera que, nestes tempos coloniais, real mente seiniciou a gestayao da alegada democracia racial? sera queem algum canto do Brasil, ou da tbero-america, seimplantou uma tal democracia? Vejamos.

Uma pesquisa recente do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatistica (IBGE), sobre as desigualdadesraciais no Brasil, mostra que 0 indice de mortalidade decrianyas negras e bem superior ao da populayao branca.Nesta pesquisa, que sera apresentada na terceira conferencia

mundial da Organizayao das Nayoes Unidas (ONU) sobreracismo, em agosto de 2001, fica claro que no Brasilpersistem disparidades raciais chocantes nas condiyoes devida, na distribuiyao de renda, no grau de escolaridade, etc.Na regiao metropolitan a de Sao Paulo a taxa de desempregoentre homens negros e de 20,9%, enquanto entre os brancose de 13,8%. 0 valor do salario medio dos negros e R$ 2,94(cerca de U$ 1,50) e dos brancos, R$ 5,5 (cerca de U$2,70), nas cidades capitais dos estados brasileiros. A maiorparte dos trabalhadores negros ganha ate dois salariosminimos (cerca de U$ 150,00).

A pesquisa tambem mostra que os esforyos dogoverno brasileiro para acabar com as desigualdades sociaisentre negros e brancos tem sido insuficientes. Segundooutra pesquisa nacional de 1996, a taxa de mortalidade decrianyas negras no Brasil e de 62,3 por mil nascidas vivas,contra 37,3 por mil no caso das brancas.

Quanto ao acesso a educayao, a pesquisa mostrauma baixa escolaridade dos descendentes de africanos noBrasil. Enquanto a media de estudo e de 5,3 an os dapopulayao brasileira, em geral, ados negros e pardos e de,4,2, e ados brancos 6,2 anos. A desigualdade e ainda maiorno ensino superior. 0 numero de brancos que concluem 0

ensino medio ou superior no Brasil e quatro vezes maior doque 0 de negros.

A pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografiae Estatistica conclui que a situayao do negro no Brasil,quanta ao plano mundial de desenvolvimento humano, sesitua elTI 108° lugar. Desta forma, a situayao do negro noBrasil, quanta a expectativa de vida, renda per capita,escolaridade, se en contra em pi ores condiyoes do que osnegros na Africa do SuI, que esta em 103° lugar, con forme 0

indice de desenvolvimento humano, elaborado pela ONU.Diante deste quadro brasileiro, que certamente

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ainda seria plor se pesquisassemos a situayao dosdescendentes de indfgenas, podemos ainda falar emdeniocracia racial?

A diversidade populacional do Brasil decorre desua longa historia de escravidao, e das imigrayoes provindasde todo 0 mundo. Muitos dos habitantes do Brasil esquecemaspectos de sua propria identidade, misturando as suasorigens com experiencias vividas na nova pcitria. Contudo,os aspectos raciais sao um elemento importante na busca daidentidade do brasileiro. Assim, temos no Brasil osdescendentes de africanos, os brancos e os nao-brancos.Esta classificayao racial evoca uma serie de questoesrelativas a compreensao doqueseentende por"rac;a" noBrasil.

A maioria das pesquisas raciais no Brasil saofeitas entre descendentes de africanos. Tais pesquisas sejustificam pela quantidade de afro-brasileiros, mas tambemrefletem aspectos ideologicos. No censo de 1991, 47% dapopulayao brasileira se identificou como negra ou mulata;em 1890, eram 56% os que assim se identificavam.Tamb6TI existem muitas pesquisas sobre a miseria e apobreza das populayoes afro-brasileiras. Naturalmente, asituayao de penuria destas populayoes ainda e conseqUenciadireta do periodo de escravidao. De fato, 0 governobrasileiro nunca se empenhou seria e eficazmente paraincluir os descendentes de escravos num projeto de cidadaniaefetiva, com participayao no desenvolvimento nacional.

Mas, como entender a problemcitica racial noBrasil? Antes da aboliyao da escravatura, em 1888, os nao-brancos eram todos identificados como pretos da Africa, esua etnia definida a partir de seu lugar de nascimento. Osnegros, provindos da Africa, eram qualificados de acordo

com seu lugar de origem. Uns valiam mais do que os outros,por causa de supostas habilidades racia}s diferentes. Ja osdescendentes dos escravos vindos da Africa, nascidos noBrasil, eram qualificados diferentemente de seus pais.Depois da abolic;ao da escravidao as diferenc;as naqualificayao dos libertos, por causa de seu lugar de origemna Africa, foram ignoradas pel a legislayao.

Desde a independencia do Brasil, em 1822,iniciou-se um processo de imigrayao para 0 Brasil. 0objetivo destas imigrac;oes tanto era povoar vastas regioesde~abitadas, como aos poucos substituir 0 trabalho escravo.Nesta politica de imigrac;ao, que duroll, mais ou menos ate a2" Guerra Mundial, 0 fator racial foi muito importante.Inicialmente foram trazidos ao suI de Brasil imigrantesvindos dos pafses de lingua alema e italianos. Na medidaem que as leis abolicionistas foram sendo incrementadas,por volta de 1870, 0 Brasil se tornou mais atrativo para aimigrayao de outros povos. Apos a depressao de 1930 esteatrativo diminuiu, inclusive por causa de uma novalegislayao imigratoria. Mas, mesmo depois desta data, 0

Brasil continuou a receber muitos imigrantes. Calcula-seque, entre 1881 e 1942, entraram no Brasil 4,2 milhoes deimigrantes. Com isto a populayao brasileira deve tercresci do cerca de 15%. Neste periodo a maioria dosimigrantes veio da Italia, da Espanha e de Portugal.Efetivamente, estes imigrantes nao provocaram problemasraciais, e foram sendo assimilados como brasileiros ebrancos. No entanto, grupos menores de imigrantesrepresent.aram problema maior para a identiticayao racial.Pois a classificayao racial no Brasil costumava-se fazerapenas com os conceitos de "brancos" e de "nao-brancos".Entre os "nao-brancos" estavam os negros, os mulatos, ospardos ... e, inclusive, os indigenas. E muitas vezes nao sefazia distinyao entre os conceitos de "ra<;a"e de "etnia". Ao

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menos, pelos fins do seculo XIX, a concepyao racialbrasileira parece ter raizes neo-Iamarckianas. Estaconcepyao racial encontrou dificuldades em caracterizarracialmente imigrantes asiiticos. Principalmente quando setratou de aceitar imigrantes japoneses, que nao erambrancos, nem nao-brancos conforme a classificayaoconvencional. Mas, sobre isto falarei mais adiante. Pois, emseguida, quero me deter um pouco mais sobre 0 temaespecifico de minha comunicayao: a democracia racial, apartir dos estudos de Gilberto Freyre.

4. A ra~a e os afro-brasileiros

o problema racial brasileiro, referente aos afro-brasileiros, pode ser visto a partir de dois aspectos. 0primeiro refere-se a ideia, bastante espalhada, de que 0Brasil e wn "paraiso racial", ou, em expressoes maisrecentes, uma "democracia racial". 0 segundo aspectoconsidera que 0 Brasil e uma sociedade "pluri-racial", emcontraste com a sociedade "bi-racial" dos Estados Unidos.

Embora Gilberto Freyre nao use 0 conceito da"democracia racial" em seus escritos, contudo foi ele queprovocou a discussao academica sobre este tema, com seulivro "Casa Grande & Senzala"(J 933). Interessante e que ospoliticos e os latifundiarios, ja na metade do seculo XIX,proclamavam 0 Brasil como um "paraiso racial". Mesmoassim, preocuparam-se em trazer ao Brasil exclusivamentetrabalhadores europeus de raya branca. Mas a imagem do"paraiso racial", onde povos, com diferentes caracteristicasraciais, vivem em harmonia, e um conceito importante parainterpretar a realidade social do Brasil. Na compreensao dosproprietarios de terras, os imigrantes europeus contribuiriamna exparisao da produyao agricola, na modernizayao daforya de trabalho e no "embrancamento" da populayao. Com

Demacracia Racial - A partir de Gilberta Freyre

base em tais ideias, foi montado 0 projeto de imigrayao dogoverno brasileiro, e comeyou-se a recrutar europeus paraemigrarem ao Brasil. 0 projeto imigrat6rio brasileirofundamentava-se, portanto, num conceito ideol6gico racista.o Brasil abriu-se apenas paraa imigrayao branca. Entretantoocorreu um fenomeno interessante: alguns negrosamerican os queriam emigrar para0 "paraiso racial" brasileiro.E 0 governo brasileiro teve que intervir diplomaticamentepara inibir estes desejos, ja que 0 plano imigrat6rio doBrasil desejava "branquejar" a populayao. A alegayao paranao receber imigrantes negros era que, assim, se queriaevitar a entrada de ideologias ativistas do pan-africanismo.

Gilberto Freyre, com seus estudos sobre 0periodo colonial, intensificou a imagem do "paraiso racial"brasileiro. Segundo ele, a miscigenayao foi 0 resultado deum relacionamento benigno e voluntario entre 0 portugues,a india e a mulher africana. Para Freyre, a era colonial estaconectada ao seculo xx pela estrutura patriarca I oligarquicada familia brasileira, pelas leis que protegiam aos escravos,pelas categorias raciais adscriptivas, mais do que aspuramente hereditarias, epela ausencia de leis discriminat6riascontra os afro-brasileiros depois da aboliyao da escravidao.Esta interpretayao positiva das relayoes inter-raciais,assumida por Freyre, esta influenciada por sua origempatriarcal e por seus estudos nos Estados Unidos. Freyreestudou antropologia na Columbia University, e teve comoprincipal orientador Franz Boas. Segundo Freyre, as boasrelayoes entre senhores e escravos no Brasil colonial fezcom que surgisse no Brasil do seculo xx a atual harmoniaracial, contrariamente ao que ocorre nos Estados Unidos,onde acontecem constantes conflitos raciais. As relayoessociais idilicas entre senhores e escravos levou Freyre adesenvolver 0 conceito de "metaraya".

Outros antrop610gos, soci610gos e fil6sofos

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sociais no Brasil nem sempre estao de aco.rdo com ainterpretayao freyreanado relacionamento ~redomlOan:ementebenigno e harmonioso que teria caractenzado 0 pe~~odo.daescravidao negra no Brasil, e que teria resultado no paralsoracial" brasileiro. Interpretay6es menos complace~t~s. doque as de Freyre, decorrentes da filosofia posltivista,admitem uma hierarquizayao racial, em que aparecem rayasdominantes e rayas dominadas. Inclusive, tomando comoreferencia a cor da pele.

Nesta discussao racial no Brasil ha bastantesdivergencias. Mas nestes debates aparece. um pont~ emcomum, pelo qual a dinfunica do desenvolvl1nen.to racIal seorienta para um "enbranquecimento" popula~l~nal. Es~edesejado enbranquecimento da populayao brasileira estanafundamentado na superioridade genetic a da raya branca, eno incentivo a imigrayao branca.

Na segunda metade do seculo xx as idei~s sobreo "paraiso racial" ea "democracia racial" foram q~estlOnadaspelo mundo academico brasileiro. AIg~ns ~rofessores ~esociologia e de hist6ria da USP (Umversldade. de ~aoPaulo) questionaram a "benignidade" com qu.e tenam ~Idotratados os escravos no Brasil. Segundo estes lOtelectuals, 0

problema da escravidao deveria ser a~alisad? nao taI:to apartir do conceito de "raya", mas mm.to ~na.ls a_partir dosistema iniquo de produyao, e das dlSCnmlOay~eS a qu~foram submetidos os descendentes dos negros. A enfase fOlcolocada mais nas estruturas de opressao, e na concorrenciadesleal com os brancos, a quem ficaram submetidos osdescendentes deescravos, mesmoapOsaaboliyao daescravidao.

Recentemente, 0 enfoqueracialno Brasil novamentemudou. Hoje se debate abertamente a questao. r~cial noBrasil, principalmente no ambiente afro-brasI1~lro. Istoindependentemente da condiyao social dos envolvldos. E ~spesquisas empiricas tentam refutar a ideia de que no BrasIl

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exista uma democracia racial. De fato,a maioria da populayaonegra se encontra em grande penuria econ6mica no pais.

A segunda opiniao, muito espalhada, e de que apopulayao brasileira e uma populayao "multirracial", emcontraste com 0 bi-racialismo dos Estados Unidos. Por istoo problema racial brasileiro nao poderia ser analisadosimplesmente pel a dicotomia conceitual de "branco/negro".o "multirracialismo" cria um continuo de categorias raciaisinfinitamente divisivel. Em 1980 0 censo do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatistica identificou 136 termosusados no Brasil para caracterizar categorias raciais, ou decor. Mas este "multirracismo" tem uma forte conotayaoideol6gica, pois permite sustentar 0 idealdo branquejamentoda populayao brasileira. E, consequentemente, acreditar nasuperioridade da raya branca. Sem se sacrificar 0 conceitodo "multirracismo", comeyou a se afirmar que a sociedadebrasileira se comp6e de uma unica raya, oriunda damiscigenayao entre portugueses, indigenas e africanos.Intelectuais e politicos, que buscavam fortificar a identidadenacional, sempre incentivaram a ideia de uma raya brasileiraunica. Pois, no confronto da raya branca e negra, a ideia daraya unica sempre favoreceu a superioridade da raya branca.Por isto, procurou-se caracterizar 0 Brasil como um pais deraya branca. E aqui cabe perguntar, 0 que significaria, numasociedade multirracial, uma "democracia racial"? A ideia domultirracismo foi aceita, no Brasil, principalmente pelosintelectuais e as elites politicas. A ideologia domultirracismo inibe, em grande parte, 0 surgimento deassociay6es ativistas que defendam 0 pan-africanismo. Detempos em tempos surgem no Brasil movimentos ativistasnegros. Mas, geralmente, sem grande sucesso. Contudo,quando expressam a sua filosofia e as suas estrategias,sempre ac.entuam a desvantagem dos descendentes negrosnuma sociedade racialmente dicotomizada. A "Frente

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Brasileira Negra de Sao Paulo", por exemplo, foi ativasomente na decada de 1930. Quando 0 Brasil, por 1920,proibiu a imigrayao de nnegros norte-americanos alegou quequeria evitar a imigrayao de elementos politicos pan-africanistas. Com certeza, a ideologia da "raya (mica", da"metaraya" de Gilberto Freyre, do "paraiso racial" e da"democracia racial" inibiram movimentos de luta pelaigualdade racial no Brasil. E 0 mito da superioridade racialbranca sustenta a mentalidade do racismo cientffico de quebrancos e nao-brancos SaG diferentes, e nao apenasdesiguais. A desigualdade e possivel superar, a diferenya,nao. Desta forma, as elites brasileiras continuamacreditando que 0 atraso do Brasil se deve ao contingentemuito alto da presenya negra no pais.

Alguns teoricos alegam que a dicotomia racial noBrasil se deve mais a uma situayao de pobreza e miseria damaioria da populayao negra do que simplesmente a cor desua pele. A hierarquizayao social, em geral, e feita a partirde suas posses economicas. Dali se usar, muitas vezes, adicotomia ricos/pobres, elite/povo na hierarquizayao socialda populayao brasileira. Mas como a maioria dos miseniveise pobres brasileiros SaG de descendencia afro e indigena,esta hierarquizayao tem motivayao racial. Esta compreensaotem como conseqUencia a considerayao de que os outrosimigrantes do Brasil (italianos, alemaes ... ) nao SaG rayas,mas etnias. Por isto, em grande parte, a linguagem racial noBrasil permanece dicotomizada entre brancos e negros.Intelectuais e ativistas politicos, ultimamente, estaoquestionando com mais intensidade a ideologia do"plurirracismo" brasileiro, instrumento ideologico nas maosdos racistas para continuarem a sustentar a superioridade daraya branca e 0 branqueamento da populayao, inibindomovimentos raciais reinvindicat6rios.

o debate racial no Brasil, no momento,praticamente se restringe ao ambiente dos afro-brasileiros.Embora existam estudos raciais em relayao a todas as etniasque emigraram para 0 Brasil. Antes da liberayao daimigrayao de qualquer grupo etnico para 0 Brasil,examinavam-se as suas caracteristicas relativas a cor dapele. de sua estrutura familiar, propensao para 0 trabalhomanual, criminalidade, sujeiyao politica, etc .... averiguandoa sua capacidade de integrayao na sociedade brasileira. Taisaveriguayoes raciais derrubam a tese de que na lei brasileiranao ha discriminayao racial.

As leis de 1890, no inicio do sistema republicano,proibiam a imigrayao de africanos e asiMicos. Quando seautorizou a imigrayao de japoneses, se alegou que nao eram"asiMicos", e nem foram classificados como "brancos" ou"negros". 1a em 1923 estabeleceu-se uma quota de 5% paraimigrantes de ray a negra e raya amarela. Ainda em 1945 0Brasil se reservava 0 direito de determinar a composiyaoracial de seus imigrantes, em funyao de .determinadashabilidades que cad a raya teria para 0 trabalho. Por exemplo,arabes e judeus eram mais habeis para 0 comercio, outrasrayas mais para 0 trabalho agricola ou industrial.

Em relayao aos motivos para a imigrayao,geralmente, se alegavam "razoes economicas" para autorizara imigrayao de determinados grupos, e "razoes raciais" paranao autoriza-Ia. Quando se tratou de trazer trabalhadoreschineses ao Brasil, houve muita resistencia, pois se alegavaque os chineses eram preguiyosos, criminosos, ten dentes aosuicfdio, e de dificil aculturayao.

. Os imigrantes, muitas vezes, sentiram gran desdI1iculdades de assumirem a sua nova identidade debrasileiros. 0 proprio governo nunca fez grande esforyopara esta integrayao. A impos~ibilidade de um retorno aospaises de origem fazia com que, pela terceira ou quartagerayao, os descendentes de imigrantes se considerassemdefinitivamente brasileiros e estivessem aculturados. ,mclusive lingUisticamente. Ainda temos muitas regioes no

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predominantemente da questao racial negra, decorrente dosistema de escravidao. Tangencialmente tambem consideroua miscigenayao do europeu com os povos indigenas, a pontode concluir que a "brasilidade" racial brasileira sesintetizava num homem moreno, em cujas veias correriasangue portugues, africano e indigena. Por isto, 0 Brasil naodeveria ser definido como um pais de brancos, nem denegros, mas como um pais miscigenado. E destamiscigenayao ecIetica teria surgido a "metaraya". Uma rayaque resumiria, em Llltima analise, todas as rayas, todas ascores, todas as etnias e todas as culturas. Uma conseqtiencia16gica para uma origem populacional destas seria de que,num pais destes, s6 poderia existir uma forma deorganizayao politica efetiva, que seria a "democracia racial",onde todas as rayas teriam as mesmas oportunidades legais.Com esta ideologia conciliadora, baseada numainterpretayao hist6rica de convivencia predominantementebenigna entre senhores e escravos, Gilberto Freyrecontribuiu, certamente, para um encaminhamento politicofuturo da questao racial no Brasil. Para uma convivenciaracial pacifica no Brasil nao convem incentivar"arianismos", nem "pan-africanismos" raciais. Mas tambemnao se pode alegar a existencia efetiva de uma "democraciaracial" num pais onde existe uma terrivel discriminayao eexclusao racial-social. A politica brasileira, sob a alegayaode que na democracia todos os cidadaos sao iguais perante a!ei, sempre se omitiu em executar projetos orientados para amclusao das populayoes provindas da escravidao, e dosgrupos indigenas marginalizados pelo processo colonizador.Por isto, hoje, no Brasil, nos encontramos diante dumasituayao social tragicamente escandalosa. Os miseraveis dasfavelas, os sem-teto e os sem-terra, os prisioneiros, osanalfabetos e os alienados de todas as form as sac em sua. . 'malOna, descendentes dos escravos e dos indigenas. Osrostos destas pessoas ainda nao refletem nada desta bela"metaraya" morena brasileira. A miseria das populayoesne.gras e mestiyas das favelas leva it marginalidade, ao~rune, it prostituiyao e ao sexo-turismo, it mortalidademfantil, it subnutriyao, a todo tipo de doenya e ao

Brasil onde 0 povo fala predominantemente alemao,italiano, polones, japones, ou linguas indigenas. Alias, hoieha movimentos culturais que incentivam a conservayao das!inguas e dos costumes de origem de cada grupo etnico,Juntamente com a sua aculturayao ao modo de ser brasileiro.Talvez a existencia desta variedade cultural e etnicajuntamente com a consciencia da unicidade na brasilidade'reafirme a ideia de que 0 Brasil e um pais pluri-racial, en~que a convivencia pacifica de muitas rayas exige uma"democracia racial" efetiva. Hoje, embora mais de 50% dapopulayao brasileira seja nao-branca, as elites brasileirascontinuam caracterizando 0 Brasil como um pais debrancos, e acreditando no branqueamento da "metaraya(?)"brasileira. Desta forma, muitos grupos de imigrantes,certamente, se devem perguntar qual sera seu lugar nestademocracia racial. Descendentes de japoneses e chinesesnao sac brancos, nem negros, sera que continuaraoamarelos? Os negros, os mulatos, os cafuzos e os mestiyos,em geral, sera que deixarao de ser discriminados numasociedade que quer trabalhadores brancos? E qual sera 0lugar dos arabes, dos judeus, dos ciganos, dos asiciticos edos indigenas nesta "democracia racial"?

Diant~ de tantas questoes raciais no Brasil, queanalogamente eXIstem em todos os paises ibero-americanospoderiamos continuar a questionar a exisH~nciade um Brasdcomo "paraiso racial", como "democracia racial", onde sepens a que a "plurirracialidade" possa culminar numa Lmica"metaraya" brasileira.., .Mas, penso que a') considerayoes feitas, ate agora,Janos penmtem tirar algumas conclusoes. Poristo,concluindo.

Efetivamente, a populayao brasileira e formadapor representantes de todas as "rayas" existentes nahumanidade (embora se deva advertir que 0 conceito de"raya", sociologicamente, e um constructo social tendo em. 'vIsta que num sentido estrito existe apenas uma rayahumana). Os estudos de Gilberto Freyre se preocuparam

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analfabetismo. As pris5es brasileiras estao abarrotadas demorenos, numa situayao desumana talvez nunca vista nahistoria da humanidade; verdadeiros infernos na terra, comimagens, as vezes, mais terriveis do que as descritas porDante Alleghieri na Divina Comedia. Um assinte ahumanidade e a civilizayao. Este e 0 verdadeiro quadro emque se encontra 0 alegado "paraiso racial" e a "democraciaracial" do Brasil, neste momenta da historia. 0 problemaracial do Brasil de hoje e, principal mente, um problemasocial, de miseria e de exclusao de enormes contingentes dapopulayao do processo de desenvolvimento global. E ai estaum dos grandes problemas brasileiros de hoje. A politicaneoliberal, ao lado da globalizayao, intensificouenormemente a injustiya social e a exclusao. A distribuiyaode renda desigual e injusta piorou, apesar do crescimentoeconomico do pais. Nos ultimos 8 anos a populayaobrasileira ficou ainda mais pobre, as custas dum enormeenriquecimento das elites economicas. E as principaisvitimas foram as populay5es negras e mestiyas. Qual deveser entao a reayao diante desta situayao que 0 povobrasileiro nao merece, nem tem necessidade que exista?

Com uma maior conscientizayao da sociedadecivil, ja surgiram iniciativas que pressionam as elites e ospoliticos para executarem projetos que permitam a inclusaodas populayoes negras, indigenas e mestiyas num verdadeirosistema democr<itico, onde todos tenham iguaisoportunidades com participayao. Ate 0 Banco Mundial, emseu Relatorio 2000/200 I, fala em "empoderamento"(e/1'lpOWerment) dos pobres. Projetos sociais, neste senti do,no Brasil, tambem serao, muitas vezes, projetos raciais. Defato, no Brasi I preconceitos raciais estao intimamenteligados ao status social das pessoas. Por isto, ate 0 nossoidolo do futebol Pele, muitas vezes, e considerado branco,por ter tido sucesso economico. Isto demonstra que as"rayas" so coexistirao democraticamente na medida em queeconomica, social e culturalmente se aproximarem entre si.Enquanto existirem fossos sociais intransponiveis napopulayao, nem pode existir democracia e, muito menos,"democracia racial".

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