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165 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE HUMANIDADES - CH CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS - CESA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NO DISCURSO DE CAMPANHA DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA NAS ELEIÇÕES DE 2002 Maria Andréa Luz da Silva FORTALEZA – CEARÁ 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE

CENTRO DE HUMANIDADES - CH CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS - CESA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NO DISCURSO DE CAMPANHA DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA NAS ELEIÇÕES DE

2002

Maria Andréa Luz da Silva

FORTALEZA – CEARÁ 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE HUMANIDADES - CH CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS - CESA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Democracia, Participação e Cidadania no Discurso de Campanha dos Candidatos à Presidência da República nas

Eleições de 2002

Maria Andréa Luz da Silva

Dissertação apresentada ao Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para obtenção do título de mestre em Políticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Francisco Horácio da Silva Frota.

Fortaleza – Ceará

2005

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S586d Silva, Maria Andréa Luz da Democracia, participação e cidadania no discurso de campanha dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2002/ Maria Andréa Luz da Silva. _____Fortaleza, 2005 175p.; il. Orientador, Prof. Dr. Francisco Horacio da Silva Frota.

Dissertação (M estrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade) Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos

Sociais Aplicados.

1. Política e M ídia 2. Eleições 2002 3. Análise de Discurso. I-

Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados. CDD: 324.23

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Dedicatória

Ao meu pai presente em meu coração.

A minha mãe, companheira de todos os momentos.

M inha força, minha luz.

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Agradecimentos

Ao Prof. Horacio Frota, parceiro neste projeto, por

sua amizade e pela oportunidade de trabalhar e

conviver com uma pessoa tão especial.

A FUN CAP por apoiar e acreditar nesse projeto.

Aos meus irmãos pelo incentivo e apoio em todos os

momentos de minha vida.

Aos amigos do N UPES, companheiros nessa jornada.

Aos amigos fiéis que me incentivaram e vibraram

durante todo esse projeto.

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À medida que viaja, o viajante se desenraiza, solta,

liberta. Pode lançar-se pelos caminhos e pela

imaginação, atravessar fronteiras e dissolver

barreiras, inventar diferenças e imaginar

similaridades. A sua imaginação voa longe, defronta-

se com o desconhecido, que pode ser exótico,

surpreendente, maravilhoso, ou insólito, absurdo,

terrificante. Tanto se perde como se encontra, ao

mesmo tempo que se reafirma e modifica. N o curso

da viagem há sempre alguma transfiguração, de tal

modo que aquele que parte não é nunca o mesmo que

regressa.

O ctavio Ianni

De quando deixei escrito nestas páginas se

desprenderão sempre - como nos arvoredos do

outono e como no tempo das videiras – as folhas

amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no

vinho sagrado. M inha vida é uma vida feita de todas

as vidas: as vidas dos poetas.

Pablo N eruda

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RESUMO O presente estudo representa uma avaliação do discurso político dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2002 no Brasil. Uma análise sobre a forma como os conceitos de democracia, participação e cidadania foram trabalhados pelos candidatos em disputa, visto que tais conceitos foram temas centrais na construção de suas políticas públicas. A estrutura das análises, portanto, foram focalizadas nos programas eleitorais gratuitos na televisão que abordaram as propostas de políticas nas áreas de educação, saúde, emprego e renda e segurança pública. Também deram subsidio a esse estudo os planos de governo de cada candidato, bem como as diversas entrevistas nos meios de comunicação de massa e os debates políticos realizados por várias emissoras. Para efetivação de tais análises, estabelecemos os caminhos metodológicos a partir de um referencial de análise qualitativa que nos permitisse a analise de um discurso político “midático”. Trabalhamos, portanto, com os discursos buscando identificar os elementos ideológicos justificadores para em seguida reconstruí-los de forma crítica. Tal estudo nos permitiu entender melhor as diferenças e semelhanças nos discursos dos candidatos. Por serem integrantes ou originários de partidos de esquerda, possuíam retóricas semelhantes, voltadas para o enfrentamento dos problemas sociais e a crítica a política econômica, no entanto, embora sem grandes distinções de conteúdo, podemos perceber a existência de certas diferenças na forma de elaboração das críticas e das soluções apresentadas pelos candidatos em seus programas eleitorais. Isto nos leva a concluir que as diferenças de discursos entre os candidatos era muito mais da forma de apresentação de suas propostas do que de conteúdo político ideológico. Palavras-chave: Política e Mídia; Eleições 2002; Análise de Discurso.

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DEMOCRACY, PARTICIPATION AND CITZENSHIP IN THE SPEECHES OF THE CANDIDATES RUNNING FOR PRESIDENCY IN 2002

Andréa Luz Abstract The present study represents an evaluation of the political speeches of the candidates for Presidency in 2002 elections in Brazil. An analysis on the way the concepts of democracy, participation and citizenship have been dealt with by the candidates running for presidency, due to the fact that these concepts were main themes in the construction of their public policies. The structure of the analysis, therefore, has been focused on the TV programs which have approached the political proposals in the areas of education, health, employment and income and public security. The government plan of each candidate, as well as the several interviews for the media and the debates carried on by the TV channels have also been part of this work. In order to do these analyses we have established methodological ways from a referential qualitative analysis which allowed us to analyze a “midatic” political speech. This way, we worked with the speeches trying to identify the ideological proven elements to reconstruct them later in a critical way. Such a study has allowed us to understand better the differences and similarities in the candidates’ speeches. Because they belonged to or came from the left wing parties, their rhetoric was very similar, focusing the social problems and criticizing the economical policy. However, although there is not much difference in content, we can acknowledge certain differences in the way they criticize and in the solutions presented by the candidates in their electoral programs. For this reason we can conclude that the differences of speeches among the candidates were much more in the way they presented their proposals than in the ideological political content of them. Key words: Politics and media, elections of 2002, discourse analysis.

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1 INTRODUÇÃO

Essa dissertação se propõe analisar de que forma foram trabalhados os conceitos de

democracia, participação e cidadania no decorrer de toda a campanha para a Presidência da

Republica no Brasil em 2002. O estudo aprofunda uma pesquisa desenvolvida com o apoio

do CNPq, do qual a autora era bolsista de Iniciação Científica, e que, entre outras coisas,

ensejou um projeto monográfico denominado Produção simbólica e política Industrial:

análise do discurso do Governo das Mudanças, defendido em novembro de 2001, na

Universidade Estadual do Ceará.

O objetivo do estudo ora estabelecido caminhou no aprofundamento do que já vinha

sendo estudado. Durante os meses da campanha, esteve em pauta a sucessão presidencial e

a mídia teve papel fundamental na divulgação das propostas de cada partido ou candidato.

Desde que a campanha realmente foi efetivada, existiu a oportunidade de se verificar novas

verdades produzidas e difundidas. Nesse contexto, temas como democracia, participação e

cidadania foram reiteradas, no entanto, foi muito importante o seu balizamento, pois,

embora sejam conceitos aparentemente consensuais, tanto na teoria quanto na prática,

chegam até a ser antagônicos. Tornou-se urgente uma reflexão dos processos históricos no

âmbito dos quais tais conceitos foram elaborados.

Durante todo o processo eleitoral de 2002, como nas eleições de 1998, existiu uma

tônica de campanha na qual foi explorada não só a necessidade de um choque ético como

também a importância de uma visão social e ambiental. Os principais males dessa

sociedade, tais como os latifúndios improdutivos e a existência de famílias sem terra para

plantar, o poder financeiro dos bancos e o sistema industrial necessitando de investimentos,

a corrupção política, a violência e os desmandos do Judiciário, foram alvos da crítica de

todos. Os discursos eleitorais referiram-se aos conceitos de democracia, participação e

cidadania, tendo como base uma realidade influenciada pelas mudanças tecnológicas, a

globalização, o agravamento das polarizações econômicas, a reestruturação produtiva,

novas dinâmicas do trabalho e o deslocamento das estruturas tradicionais do poder. O que

necessitou saber, porém, foi se a formulação de tais conceitos ocorreu de forma distinta, ou

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seja: se os aspectos principais das falas dos candidatos acompanharam as atitudes

ideológicas que fundamentam as distintas práticas políticas.

Diante de tal fato, é necessário se estabelecer os caminhos metodológicos

percorridos a partir de um referencial de análise qualitativa. A necessidade de rever o

conceito de ideologia e suas relações com os meios de comunicação foram fundamentados

no estudo J. B. Thompson, teórico da área de comunicação. Nesse sentido, foi buscada,

principalmente, a estratégia argumentativa do autor quando elabora os seus quatro pontos

revendo tal conceito:

1 fazendo uma reconsideração da história do conceito;

2 discutindo a necessidade de elaboração de um material teórico que possibilite

compreender as características distintivas dos meios de comunicação e o curso específico

do seu desenvolvimento;

3 formulando uma concepção especial de ideologia - uma concepção crítica;

4 elaborando um referencial teórico que possa compreender as características

distintivas dos meios de comunicação.

Portanto, foi preciso perceber não só o que foi dito, mas também igualmente o que

não foi expresso. O discurso não é somente o texto, a gramática, mas também a fala, a

imagem, o som, o silêncio. Tudo isso fez parte de um repertório que precisou ser

contextualizado para que se pudesse apreender o que de real todos esses elementos reunidos

querem dizer.

O segundo momento do referencial metodológico foi o da análise formal ou

discursiva. Tal exame foi importante por se considerar que os objetos e expressões que

circulam o campo social também são construções simbólicas. Essas formas simbólicas

fazem parte de construtos produzidos socialmente, com base em regras que possuem

estrutura articulada. Embora não sendo somente isso, pois elas foram algo mais,

constituiram expressões que procuraram dizer alguma coisa sobre algo. As formas

simbólicas se expressaram em diversas maneiras na comunicação, e os textos aliados à

imagem e ao som trouxeram novas possibilidades simbólicas.

Na medida que as formas simbólicas foram produzidas em contextos sociais

específicos, foi muito importante perceber e reconstruir historicamente as condições sociais

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da campanha e em que tais signos foram produzidos, e como ocorreram a sua circulação e a

sua recepção no campo social.

As formas simbólicas foram também especificamente situadas em certos terrenos de

interações, campos que podem ser analisados como um espaço de posições e um conjunto

de trajetórias, os quais, conjuntamente, determinaram algumas das relações entre pessoas e

algumas das oportunidades acessíveis a elas.

Os candidatos possuíam um conjunto de regras e convenções que, apesar de serem

implícitas, constituíam regras da vida cotidiana e eram reproduzidas naturalmente nas

atividades comuns do dia-a-dia da campanha. Essas regras e convenções fizeram parte de

um saber prático, ou popular, pois indivíduos inseridos num âmbito social ensejaram uma

espécie de conhecimento do senso comum, da vida cotidiana.

A nossa maior preocupação foi identificar os elementos justificadores presentes nos

discursos políticos, visto que estes foram produzidos para o convencimento do eleitor.

Portanto foi necessário que tivéssemos em mente alguns procedimentos importantes para

orientação da análise dos elementos coletados.

Em primeiro lugar, foi preciso desconstruir o discurso em busca de uma racionalidade

que se apresentava como uma cadeia de raciocínios que procuravam defender, ou justificar,

um conjunto de relações ou instituições sociais. Importante, também, foi apreender quais

seriam os elementos justificadores da proposta discursiva, identificando a lógica implícita

das propostas apresentadas, procurando nelas os aspectos positivos e negativos da prática

exercida e fazendo a articulação entre essas práticas estudadas.

As categorias utilizadas em tal análise ideológica tomaram por base o que Thompson

apresenta como elemento justificador ideológico:

Universalização - busca globalizar as propostas. A investigação procura identificar

como, no discurso, é explicada a relação entre o que específico e o que é geral, o que é

naturalizado em função da globalidade.

Narrativação - linha explicativa do surgimento da prática política e como, ao longo

do tempo, essa prática se apresenta. Nela são encontrados os elementos constitutivos da

narrativa, que acabam contando o passado como se fosse o presente e tratando esse presente

como fazendo parte de uma tradição eterna.

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Dissimulação - fatos camuflados no discurso ideológico. Através dela, é possível

identificar como as questões centrais são deslocadas, o que se apresenta como

eufeminização do discurso e o que se pode se identificar como tropo (eufemização - se

apresenta como uma forma de valoralização positiva a partir de ações, instituições ou

relações sociais descritas no discurso; tropo - uso da figura de linguagem ou das formas

simbólicas).

Unificação – unificar os indivíduos numa identidade coletiva, independentemente

das diferenças e divisões que possam separá-los. Este indicador será verificado através da

padronização e simbolização da unidade, tentando, através deles, perceber como e em que

nível esta se dando a padronização no discurso.

Fragmentação - quando o discurso não unifica as pessoas numa coletividade, mas

segmenta-as, fazendo uma diferenciação entre grupos e pessoas, para que não possam ser

capazes de se transformar em um desafio real aos grupos dominantes.

Reificação - os processos transitórios são retratados como coisas, fazendo com que

acontecimentos de um tipo quase natural sejam modificados em seu caráter histórico. Na

reificação, utilizam-se recursos gramaticais e sintáticos como forma de nominalização, ou

seja, quando sentenças ou parte delas transformam em nomes descrições de ações ou de

dados dos participantes nelas envolvidos.

A estrutura das análises, portanto, foram focalizadas nos programas que abordaram

as propostas de políticas nas áreas de educação, saúde, emprego e renda e segurança

pública. Também deram subsidio a este estudo os planos de governo de cada candidato,

bem como as diversas entrevistas nos meios de comunicação de massa e os debates

políticos realizados por várias emissoras de rádio.

Como forma de viabilização da análise dos programas e propostas, a campanha foi

monitorada por um grupo de pesquisa composto por bolsistas de Iniciação Científica e do

qual esta autora é uma das coordenadoras. Na primeira fase, os anúncios foram gravados e

catalogados, passando a fazer parte, então, de um banco de dados, e, no momento seguinte

foram realizadas as análises do material que deu sustentação a essa pesquisa.

Para conhecer as bases dos projetos apresentados pelos candidatos à Presidência da

República foram, analisados os discursos pronunciados em distintos momentos: programa

de abertura de campanha pela televisão; programas esclarecedores dos conceitos estudados;

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programa de cada candidatura; debate entre os candidatos; material coletado em várias

entrevistas dos candidatos. Os conceitos de democracia, participação e cidadania foram

estudados com base nas fontes principais de inspiração das diferentes propostas de governo

veiculadas nos referidos instrumentos de campanha política eleitoral.

O monitoramento constou da gravação de entrevistas com os principais

“presidenciáveis” nos diversos canais de televisão.

Outro momento desse monitoramento sucedeu a partir do inicio do programa

eleitoral na tv e no rádio. Para atender a essa fase das eleições, os programas eleitorais

autorizados pelo TRE foram gravados diariamente. As fitas de vídeo dos programas na tv

foram gravadas em arquivos e copiadas em CD mediante de um programa de computador

de captura de imagens, possibilitando, além de melhor organização dos dados, também

melhor qualidade do material a ser analisado.

O percurso teórico que deu base à dissertação ora apresentada está esmiuçada nos

capítulos seguintes. Indispensável para esse estudo é a reconstrução histórica dos conceitos

de democracia, participação e cidadania e um aprofundamento da discussão sobre produção

de sentido, visto que trabalhamos com o discurso, principalmente o midiático. Para efeito

de contextualização do objeto de investigação é que se fez necessário abordar o tom dos

partidos políticos e o contexto eleitoral das eleições de 2002 detendo-nos nos principais

candidatos: Serra, Lula. Ciro e Garotinho.

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2 DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

A questão principal deste estudo e que nos impulsiona nessa reflexão tem como

ponto de partida a Democracia. Tal conceito por si já insufla grandes discussões, o que nos

leva a crer que o tema não é de longe fácil de se resolver. Também não temos aqui a

pretensão de esgotá-lo, evidentemente, mas apenas contribuir com a discussão, tentando

compreender de que forma esse conceito é utilizado por políticos em seus programas de

governos.

O estudo das diferentes concepções de democracia é um tema central para o

entendimento da nossa realidade. Mais atual do que nunca, haja vista que a Europa,

continente que disseminou idéias como as de liberdade para todo o mundo, ainda é um

projeto democrático inacabado. Teóricos como Gentili (1998) e Boaventura (2002)

observam que projetos antagônicos de sociedade, como conservadorismo e democracia,

transformou-se no decorrer do século XX em união peculiar. Os mecanismos de consenso e

deliberação democráticos que se mostravam historicamente adversos ao conservadorismo,

do ponto de vista teórico e doutrinário, foram sabiamente assimilados por diferentes

correntes de pensamento político. Portanto, são inúmeros os argumentos que apontam para

a atualidade e necessidade de tal reflexão.

Vivemos nas ultimas décadas profundas transformações nas estruturas sociais,

políticas e econômicas. A dinâmica da vida mudou, a vida está sempre em mudança: nada

repousa, tudo pulsa.

Portanto, conceitos como democracia, cidadania e participação refletem tais

mudanças e se transformam tanto quanto as estruturas sociais.

Democracia é um conceito histórico que se amplia e aprofunda em continuidade e

ruptura, em que nem sempre sua finalidade é avançar em políticas públicas que favoreçam

a cidadania, ou incentivem a sociedade organizada a conseguir, cada vez mais e melhor,

controlar a elite e o Estado.

Demo (1995) lembra que uma das conquistas mais importantes do fim do século foi

o reconhecimento de que a cidadania perfaz o componente fundamental do

desenvolvimento. Também sugere que este avanço está na esteira das lutas pelos direitos

humanos e pela emancipação das pessoas e dos povos, bem como reflete o progresso

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democrático possível. A cidadania, porém, nem sempre tem caráter emancipatório,

portanto, muitas vezes, é apenas assistida ou tutelada. Tudo vai depender de como estejam

articulados indicadores que a definam, estabeleçam sua função, constituição e grandeza.

Democracia e cidadania no Brasil seguem um caminho sinuoso, onde a participação

popular esteve sempre limitada e algumas vezes até excluída. Desde a Independência, a

cidadania recebeu uma formulação bastante excludente, com base nas idéias de Benjamin

Constant e em seu liberalismo conservador, cuja noção de voto censitário foi introduzida na

Constituição de 1824. Além da permanência da escravidão, o voto censitário postulava o

argumento de que os indivíduos tivessem tempo e independência para um suposto exercício

racional da cidadania.

No aprofundamento de tal debate, a compreensão teórico-prática dos conceitos de

igualdade e liberdade aponta para um melhor entendimento dos caminhos para a construção

do Estado Moderno. Liberalismo, socialismo, social democracia e nova esquerda são

projetos políticos que resultaram de tal debate e que possuem historicamente amplo lastro

de experiências.

A questão democrática tem que ser observada em seus aspectos históricos,

sociológicos e filosóficos. Como questão sociológica, levam-se em consideração as

instituições democráticas em seus aspectos econômicos e políticos, observando que todo o

caminhar dos últimos tempos com a renovação do pensamento dos projetos políticos há

pouco citados, não conseguiram avançar no pensamento democrático, pois, como considera

Marilena Chauí (2001), democracia significa: igualdade, soberania popular, preenchimento

das exigências constitucionais, reconhecimento da maioria e dos direitos da minoria e

liberdade. Tais critérios não foram respeitados, levando a considerar democracia somente

como um sistema político e não como expressão da sociedade. Seria então necessário

repensar as condições para a democracia.

Nessa perspectiva, as condições sociais da democracia passam por uma

democratização da economia e o fortalecimento do sistema político-partidário. Na esfera

econômica prevaleceria a transformação das relações de classe, do sistema de produção e

de propriedade, e a separação entre trabalho braçal e trabalho intelectual. No âmbito do

sistema político-partidário, a crítica seria focada na fragilidade do sistema pluripartidário,

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que por um lado aceita as divergências e, por outro, como garante da multiplicidade de

posições, não consegue de fato efetivar a democracia.

Concordamos com Chauí, quando ela diz que esse fato ocorre por causa do baixo

nível de qualidade dos partidos políticos que não conseguem dentro da sua estrutura interna

estabelecer os critérios democráticos acima propostos. Internamente eles não respondem a

interrogações básicas tais como: até que ponto as questões sociais são transplantadas para o

interior dos partidos? Efetivamente, tais partidos se realizam no plano político? Assumindo

o poder, mobilizam a sociedade? Possuem um projeto ideológico claro identificado pela

população? Tais questionamentos nos remetem às campanhas políticas eleitorais. Até que

ponto esses critérios são respeitados durante o processo eleitoral? Os políticos estão, de

fato, conseguindo situar nos seus projetos políticos, ou planos de governo, as reais

necessidades sociais? Os seus projetos são claros e bem definidos e de fácil aceso ao

eleitor? Os seus planos de governo atendem a necessidades reais ou são meros projetos

idealizados em época de campanha, mas que se tivessem que ser implementados, na prática,

não funcionariam? Esses pontos serão retomados e aprofundados na análise dos discursos

políticos e dos planos de governos dos candidatos durante a campanha.

No curso da Modernidade, acontece uma mudança radical do chamado pensamento

filosófico para a reflexão política. A política passa a ser pensada não mais nos moldes da

filosofia clássica, mas torna-se uma questão científica1. Dessa transição, nasce o discurso

da filosofia política, e está relacionada não mais com a questão da boa sociedade, mas sim

com a natureza do poder.

Para os antigos, a política tem relação direta com a justiça, pois, como entende

Aristóteles, as cidades se distinguem por suas leis. A justiça nesse caso seria um valor ao

qual a política está agregada. Já com relação ao poder, o pensamento antigo distingue entre

o partilhável o participável, sendo que o primeiro diz respeito aos bens materiais e o

segundo ao poder que não pode ser partilhado, mas participado. Nesse sentido, o valor da

democracia é a liberdade que estabelece condições para que os iguais possam participar do

poder.

1 A boa sociedade e o governo justo e virtuoso é deixado de lado pelo pensamento moderno, que, por meio de dois grandes pensadores, Maquiavel e Espinosa, se voltam para as instituições e práticas necessárias para o bom funcionamento dos regimes políticos.

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Na Modernidade, esses valores mudam e não interessa saber o quanto uma forma

política é mais justa do que a outra, mas o quanto uma é mais livre do que a outra. Nesse

caso, a liberdade é medida pela potência que possui. Espinosa suscita essa discussão,

observando que uma cidade é mais potente e mais livre quando o poder sendo de todos não

possa ser de ninguém. A liberdade, nesse caso, só é possível porque existe a igualdade

política que permite a participação maior na distribuição do poder.

Seguindo Chauí, o seu último enfoque é para o caráter histórico da democracia. A

autora considera que toda sociedade possui conflitos internos incessantemente levados à

discussão. As sociedades são históricas porque nelas existem contradições, dualidades,

lutas de interesses e ideologias. Não podemos é nos deixar levar por concepções que tentam

minimizar essas contradições, camuflando as desigualdades sociais e a dominação política,

como sucede com o capitalismo.

2.1 A elaboração do pensamento democrático

2.1.1 Pensamento dos antigos e modernos

Historicamente, democracia tem raízes no pensamento grego, na sua concepção de

Estado e política, no entanto, para compreender o pensamento dos antigos e sua influência

no debate político atual, é preciso primeiro compreender de que forma se constituía a sua

sociedade.

Para os gregos, o homem se constitui essencialmente como um ser político.Vale

dizer que, entre todas as atividades naturais exercidas pelo homem, duas tinham para os

gregos um valor fundamental: a ação e o discurso. Ambas as atividades ultrapassavam e

excluíam tudo o que era necessário e útil.

Segundo Hannah Arendt (2000), com o surgimento da Cidade-Estado, o homem

grego passou a ter uma espécie de duas vidas2. Na primeira, e ele se realiza como homem

2 Essas duas esferas, ou como diz Arendt, “essas duas vidas”, eram extremamente distintas. A vida familiar ou privada era o ambiente em que os homens viviam juntos por causa das suas necessidades e carências biológicas. A constituição do núcleo familiar se dava a partir essencialmente das necessidades. Os papéis dos agentes eram bem demarcados. O homem comandava a sua família através de um poder coercitivo, pelo qual tanto a mulher, os filhos e os escravos deviam respeito e obediência às normas e às leis impostas pelo senhor. A função maior do homem dentro da família era a da manutenção, tendo ele que trabalhar para suprir as

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social e que exerce atividades puramente privadas. A família grega fazia parte da primeira

vida, em que o homem era, dentro desse núcleo, senhor de tudo. Sua palavra era a ordem

que regia todo esse espaço.

Já na segunda vida, o homem sai de uma esfera privada e cai sobre um campo

público, onde não mais as suas vontades individuais são leis a serem respeitadas. Ele passa

a ocupar esse espaço com outros homens, seus iguais. Com efeito, a ação (práxis)3 e o

discurso (lexis) passam a ser considerados como atividades principais que regerão a esfera

pública.

A polis era, para o homem grego, o romper com esse sistema privado. Enquanto na

esfera familiar ele se sentia um ser aprisionado, no locus público, deslumbrava a

oportunidade de uma liberdade interior. Tinha a chance de estar com outros homens, não

mais exercendo a força, mas estabelecendo outras formas de convivência. Predominarão e

regerão essa esfera, como expresso anteriormente, a ação e o discurso. As pessoas não se

reúnem mais somente para suprir necessidades biológicas, mas para decidir o que era de

interesse coletivo. É o reino da liberdade, onde o homem pode exercer a política e ser

detentor do poder. O poder, nesse caso, não é o poder coercitivo, comum na esfera privada,

mas o poder da argumentação. Na polis, o homem grego deixa de ser o senhor do seu

núcleo familiar e se transforma no cidadão, podendo exercer a sua liberdade mediante a

possibilidade de discursar em um debate público.

Na Antigüidade clássica, eram considerados cidadãos os homens de bem4, ou seja,

aqueles que detinham poder. Todavia, nem todo cidadão possuía as características de

homem de bem capaz de exercer atividade política. Para Aristóteles, o cidadão que tem

condições de exercer a política é o que possui uma virtude diferente da dos outros cidadãos,

virtude essa que o qualifica para a política. Portanto, se em determinado governo houver a

possibilidade de expansão dos grupos que podem ser caracterizados como cidadãos, mesmo

assim, dentre eles haveria de se ter a virtude como critério para a participação na atividade necessidades básicas materiais. Já a mulher ocupava um lugar secundário e, ali, a sua principal importância se mostrou no fato de que seria através dela que se garantiria a sobrevivência da espécie. 3 Para os gregos, viver com outras pessoas não é suficiente. Viver com outro pressupõe ação política, no âmbito da qual as pessoas possam desenvolver suas capacidades para o discurso e a ação. E somente essas duas atividades poderiam ser consideradas exercícios políticos. 4 Na concepção dos antigos, o homem que exerce atividade física, como no caso de servos, não poderia de maneira nenhuma exercer ação política, pois não tinha as qualidades necessárias para tal atividade. O mesmo ocorre com os artesões que, mesmo tendo posses como os homens de bem, não são da mesma forma talhados para a política.

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política. Portanto, Aristóteles considera que a democracia, dentre as formas de governo, é a

que mais amplia o conceito de cidadão, pois, ao considerar que é do povo o poder político,

abre espaço para que os que se encontram excluídos nos outros regimes ganhem status de

cidadão.

Sendo a democracia o governo da maioria, tem como base a ampliação da liberdade

e da igualdade de seus cidadãos. Ocorre uma mudança na concepção da forma de governar.

O poder torna-se distributivo e fica nas mãos de todos, pois, quando se fala de povo, nele

estão incluídos tanto os de posses quanto os que não têm. A virtude, portanto, não é a

determinante para a escolha dos magistrados que guiariam a política, pois, à medida que o

poder passa a ser de todos, esse poder também passa a ser distribuído entre os cidadãos e

entre todas as classes. Essa liberdade, ampliada aos que antes eram excluídos é que vai

garantir a igualdade dos direitos de se fazer política e se beneficiar com ela. 5

Para Noberto Bobbio (2000), a diferença entre esse conceito de democracia dos

clássicos para o de democracia dos modernos é de duas naturezas. Primeiro, para os gregos,

democracia tinha um sentido negativo e não era considerada uma das boas formas de

governo. Esse sentido negativo se explica no fato de que, nesse regime, o poder era dirigido

pelo povo. Já para os modernos, a democracia possui um sentido positivo, pois, se para os

antigos, era imprescindível a participação direta do povo nas decisões, enquanto, para a

Modernidade, essa participação não é mais direta, mas passa a ser representativa.

A segunda é o fato de que, nas sociedades modernas, o individualismo ocupa função

central. O individualismo não vai se constituir somente nas relações sociais modernas, mas

encontrar apoio principalmente nas bases da nova ciência que, ao assumir uma posição de

conceber a sociedade a partir das ações dos indivíduos, leva-os a assumire não mais uma

defesa dos interesses coletivos, como na Antigüidade, mas a buscar a satisfação de

interesses individuais.

O individualismo também se manifesta a partir do segundo modelo, no qual os

indivíduos acabariam se associando a outros; dessa forma, reconciliando-se com a

sociedade e fazendo com que os homens saíssem do estado de guerra e passassem a viver

5 Essa é uma das grandes criticas de Aristóteles com relação ao governo democrático e ao seu processo de igualdade. Se na oligarquia e na monarquia os cidadãos são restritos aos homens de virtude, na democracia, a liberdade possibilita que os artesões, os servos e outros segmentos antes excluídos ascendam e se tornem cidadãos.

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livres, mas, seguindo regras de comum acordo com esse modelo, aporta-se ao que se vai

denominar de individualismo democrático. Esse individualismo clássico vem conferir

novos rumos à sociedade que se vai caracterizar por decisões coletivas tomadas pelos

indivíduos e pelos seus representantes e estará presente também nas idéias dos chamados

contratualistas e jusnaturalistas6. Autores como Hobbes, Locke e Rousseau7 serão

interessados principalmente na concepção de liberdade e igualdade.

A liberdade, entendida por Thomas Hobbes, está no estado de natureza, onde os

indivíduos são de tal modo iguais que podem agir conforme a sua vontade. Sendo o

individuo possuidor de uma natureza agressiva e em constante conflito com os outros

indivíduos, a sua convivência com os outros se torna difícil, daí ele afirmar que, no estado

de natureza, o que predomina é a guerra de todos contra todos.

A única solução para remediar esses conflitos é, para esse autor, a constituição de

um estado forte capaz de manter uma ordem geradora da paz necessária a todos. Portanto,

se tornaria necessário um contrato pelo qual os indivíduos abdicariam de sua liberdade em

favor da vida e depositariam nas mãos de um soberano ou de um representante as suas

liberdades individuais.

O Estado hobbesiano é um estado forte e absoluto que visa exclusivamente à

proteção à vida e os que nele abdicaram da sua liberdade seguem a leis criadas para

preservar a vida que, no Estado de natureza, estaria em eterno perigo.

Na concepção desse autor, nem a democracia e muito menos a cidadania estão

contempladas de forma positiva. O Estado idealizado por Hobbes é aquele capaz de manter

sob controle os ânimos dos indivíduos. Uma democracia não seria capaz de conseguir livrar

os indivíduos de suas paixões que os leva sempre a conflitos. É preciso um poder absoluto e

inquestionável que mantenha a ordem e preserve a paz.

Na base do contrato de Locke também está a legitimação dos interesses burgueses.

O contrato foi, segundo esse autor, uma forma encontrada de preservação da propriedade. 6 Contratualistas porque afirmavam que a origem do Estado e da Sociedade está num contrato, que seria um pacto firmado pelos homens para estabelecer regras para um convívio social. E jusnaturalistas porque acreditavam em um estado de natureza, anterior ao estado civil, onde os homens portavam direitos naturais. 7 O contrato social idealizado pelos pensadores do século XVI é um contrato que busca a legitimidade. O pensamento burguês e o individualismo prevalecem nas idéias desses pensadores. Cada um parte de um ponto para começar a discutir sobre a origem do Estado, mas na realidade o que cada um procura são as formas para legitimá-lo. O contrato foi encontrado por todos eles para justificar a formação desse Estado, apesar de que cada um possui particularidades na concepção desse contrato.

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Diferentemente de Hobbes, Locke concebia o Estado de natureza como um Estado de

relativa paz e onde os homens já eram dotados de razão. Dentre os direitos naturais desse

homem, estavam, além da vida e da liberdade, a propriedade.

O contrato social seria estabelecido pelo fato de que o estado de natureza não

oferecia garantias de proteção para a propriedade. O Estado lockeano é um pacto de

consentimento em cujo contexto os indivíduos se associam em favor da preservação de um

bem natural que é a propriedade.

Rousseau também procura, mediante o contrato social, compreender a formação do

Estado moderno. Na sua concepção, o contrato social firmado pelos indivíduos não pode

ser um pacto que os prive de sua liberdade em favor de outrem que os vai governar. Não se

pode ceder aquilo que é um valor individual, pois a liberdade é algo que o indivíduo possuí

já no Estado de natureza, é um valor, um bem que não se pode trocar ou mesmo conceder.

Ao afirmar que e o homem nasce livre e por toda parte se encontra aprisionado, ele

concebe a idéia de que a liberdade vivida no estado de natureza foi se perdendo à medida

que os indivíduos se associaram e criaram instituições que limitaram essa liberdade. Sua

maior preocupação foi estabelecer as possibilidades de um pacto legítimo, mediante o qual

os indivíduos possam trocar a sua liberdade natural por outra forma de liberdade, a

liberdade civil.

A liberdade civil é que garantiria a repartição igualitária dos bens públicos. Mediante

o pacto, o povo passa a ser soberano e a participar ativamente das decisões, não alienando a

sua liberdade e muito menos colocando-a nas mãos de terceiros para que, por eles, possa

decidir. O que na realidade ocorre é que o poder está inteiramente nas mãos de quem de

fato é o soberano, ou seja, o povo. Dessa forma, seriam garantidos os direitos a qualquer

cidadão, sendo ele proprietário ou não, de, além de obedecer às leis, também elaborá-las; e

o Estado seria subordinado a esse soberano, que teria uma relação de dependência e

submissão à vontade popular.

Os conceitos de democracia e igualdade também são temas tratados no pensamento

de Alexis de Tocqueville. A democracia, entendida por esse autor, consistia na igualdade de

condições, que vai além da questão econômica, passando também pela igualdade cultural e

política, por isso a sua análise sobre a liberdade na América vai se pautar em três aspectos:

o espaço geográfico, as leis e os hábitos e costumes.

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Ao considerar a importância de tais aspectos na construção de democracia na

América, Tocqueville se aproxima da Sociologia. As leis seguramente são a melhor forma

de se estabelecer os direitos e as obrigações da sociedade. Ele considera que o caráter

federativo da Constituição dos Estados Unidos possibilitou a melhor circulação de bens,

pessoas e capital, pois as leis encontram mais espaço em um Estado onde existe uma

centralização do poder no corpo legislativo. Ao realizar esse estudo sobre a realidade

americana, Tocqueville concebe um tipo ideal8 de sociedade, onde a democracia poderia ali

encontrar terreno fértil, onde a liberdade estaria garantida por de um sistema representativo

e por meio de associações bem organizadas.

A representatividade também é um aspecto importante para que as leis possam dar

garantias para a liberdade; como o fato de que nos EUA exista uma pluralidade partidária e

cujos partidos não estão imbuídos de ideologias, como acontece na França, mas que

representem os interesses da sociedade.

Outro ponto importante, segundo o autor, é o fato de que nessa sociedade existe uma

participação efetiva da sociedade nas decisões, nos planos municipal, estadual e até mesmo

federal, das coisas públicas. Para ele, é interessante observar como nos EUA as associações

voluntárias se organizam para tentar resolver problemas que dizem respeito diretamente ao

seu cotidiano. Essas organizações dão o caráter participativo na política.9

Quando compara o papel das instituições voluntárias e da religião na sociedade dos

EUA com a organização popular na França, Tocqueville considera que na França a

liberdade encontrou obstáculos na forma como aquela sociedade se organizou para fazer a

revolução. Os franceses eram movidos pela ideologia que, segundo o autor, eram como se a

política do país fosse conduzida por paixões. O sentimento anti-religioso também impedia o

avanço democrático na França. Outro ponto de crítica está no fato de que a revolução punha

por terra todas as instituições do antigo regime, o que na sua opinião era um grande erro,

8 Quando tenta formular um tipo ideal de sociedade onde a democracia poderia ter suas bases e nela se desenvolver, Tocqueville antecipa a metodologia weberiana sobre tipo ideal. 9 O s costumes também influenciam a formação de uma sociedade mais igual, pois conseguem

unir o espírito da religião com o espírito da liberdade. Dessa forma, a religião dá ao povo dos

EUA o sentido de uma liberdade conquistada, construída durante o decorrer da história e que

tem que ser a todo custo preservada. Isto proporciona a essa sociedade que se interesse mais

pelas coisas públicas, intervenha mais nas decisões e seja mais consciente e participativa nas

questões políticas.

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pois havia no antigo regime instituições sólidas que deveriam ser preservadas para garantir

a igualdade.

Tocqueville, no entanto, tem grande preocupação relativamente às conseqüências de

um Estado democrático que tem nas suas base uma cidadania frágil, de um povo sem

consciência política e pouco participativo nas decisões sobre o que é de interesse público.

Com esse receio, ele considera que devam ser tomadas algumas medidas para que o Estado

democrático não se torne um Estado despótico.

Um dos caminhos apontados por ele para evitar que a democracia se transforme em

despotismo é o fortalecimento das instituições voluntárias. Essas instituições passariam a

ser um espaço de expressão onde as minorias tivessem também a chance de voz e,

conseqüentemente, não fossem esmagadas pela vontade da maioria.10

Outro pensador que também se preocupa muito com a liberdade e o papel das

minorias na construção do Estado democrático é Stuart Mill.

Na medida que Mill aborda a liberdade e faz severas considerações a respeito das

conseqüências da ditadura da maioria, ele abre uma discussão sobre a necessidade de

ampliação da própria cidadania, ou da participação da sociedade nas coisas públicas, como

já havia falado Tocqueville quando defendeu as organizações voluntárias no sistema dos

EUA. Se por um lado Mill, como liberal, defende os interesses da classe burguesa, por

outro lado o seu pensamento se diferencia de outros autores liberais, pois tenta realizar um

diálogo entre o pensamento liberal e as idéias democráticas.

A concepção de liberdade, de Mill, vem do fato de que a sociedade tende a ter

avanços significativos quando os indivíduos nela inseridos são ao mesmo tempo sujeitos e

agentes. Por admitir a diversidade e o conflito entre classes dentro da sociedade é que ele

estabelece a liberdade como um direito de todos e que deve ser preservada a todo custo em

favor da coletividade e não em favor de grupos, sejam eles a maioria ou mesmo a minoria.

10 Essa discussão posta já por Tocqueville sobre a ditadura da maioria é bastante atual. A

democracia como forma de governo traz a perspectiva da igualdade e da liberdade para a

sociedade moderna, ampliando a participação nas coisas públicas, mas, apesar de ser um regime

defendido por muitos, merece cuidados e atenções para que não se transforme em um poder

opressivo e despótico. É justamente por cautela diante de um perigo como esse que se faz

necessária a reflexão sobre o papel das minorias na decisão política.

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Essa é uma das suas grandes preocupações, pois, ao admitir o conflito de classes, Mill

também aceita o fato de que, mesmo na democracia, quando se tem a vontade da maioria

sobrepujando a vontade da minoria, existe um grande perigo de esse poder concedido à

vontade geral, cair em dois erros: o primeiro é o fato de que, quando se estabelece a

vontade da maioria como vontade geral pressupõe-se que essa vontade seja de fato a

vontade do todo da sociedade e não, como de fato o é, a vontade dos indivíduos que

formam a maioria; o segundo é a idéia de que essa vontade individual se estabelece como

verdade e as outras vontades, das minorias que estão fora da vontade geral, são tidas como

não-verdades. O fato de se ter uma vontade geral, sem levar em consideração a vontade dos

pequenos grupos, causa a busca de um consenso que tenta legitimar aquilo que é

estabelecido pela maioria e, a partir daí, se constitui uma tirania da maioria.

A formação desse consenso dentro da sociedade é a negação das forças contrárias que

nela atuam. Os interesses de classes são a dinâmica desse conflito e desprezá-los é

abandonar a própria natureza da sociedade.

A liberdade, alerta Mill, está sujeita aos caprichos dos interesses de classe, por isso é

necessário um cuidado constante em não fazer que esses interesses coíbam a liberdade, pois

depende dela o desenvolvimento social.

Outra preocupação do autor inglês e que está mais atual do que nunca, nesses tempos

em que a informação11 é o grande condutor da sociedade, é o poder que a opinião tem na

condução da vontade da maioria. Dessa forma, Mill e Tocqueville, ao elaborarem o seu

pensamento, estabelecem a base da corrente liberal.

11 Se na sociedade em que vivemos as relações sociais estão impregnadas de uma simbologia que

nos guia e acaba por nos definir como sujeitos, a preocupação desse e de outros autores,

acerca do poder da opinião da maioria sobre as minorias que não se enquadram na vontade

geral, reflete a nossa preocupação sobre esse poder simbólico que possui forte influência no

que hoje é coletivo.

O s meios de comunicação se tornaram instrumento importante na divulgação do pensamento

ideológico dominante. O avanço tecnológico vem aumentando enormemente o raio de alcance

desse poder e a relação espaço/tempo foi modificada, facilitando a recepção e, em

contrapartida, a absorção dessa ideologia, no entanto, a consciência crítica da nossa sociedade

não atingiu patamares possíveis para se criar condições de filtrar a influência ideológica. Por

outro lado, a fragilidade dessa consciência critica ocorre pelo fato de que a participação dos

agentes sociais é muito débil, quase inexistente.

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2.1.2 Participação e cidadania como formulação histórica

O que nos parece óbvio dentre as angustias pós-modernas é a contradição da

definição de conceitos históricos. A crise conceitual que nos aflige nos parece bem mais um

problema de sempre do que algo decorrido do momento que vive a humanidade. Nos soa

contraditória a fala de alguns, principalmente os que desfecham um discurso político,

muitas vezes partidário, de que em nossa sociedade os princípios democráticos têm que ser

conservados e ao mesmo tempo revistos.

Ampliando a nossa discussão sobre democracia, podemos assimilar que tal conceito

só faz sentido se falarmos em participação e cidadania. Talvez essa frase seja obvia demais

ou até mesmo tenha algo de redundante, mas o fato é que, para se efetivar, a democracia

precisaria resgatar e fortalecer tais princípios. Se partirmos da definição clássica de que

democracia é o governo da maioria, então, se faz necessário que se tenha um povo

participativo nas decisões políticas em favor da coletividade. Caímos então em outra

armadilha conceitual, pois, para que se tenha uma democracia participativa, é necessário

que se defina o que entendemos por povo.

Na definição clássica ocorreu que a democracia deu ao campesinato o staus de

cidadão (WOOD, 2003). Isto decorreu da própria definição de governo da maioria e pela

ausência da valoração da condição econômica. Os antigos conseguiram quebrar a barreira

entre os governantes e os produtores, fazendo com que os camponeses participassem

também das atividades políticas antes reservadas aos chamados homens de bem. Essa

ampliação do poder de deliberar foi ocasionada pela incorporação da aldeia no Estado, o

que possibilitou que as aldeias constituíssem espaço para discussão e deliberação, bem

diferente do que aconteceu com a democracia moderna.

Com a Modernidade, o conceito de democracia foi revisto, bem como o de

cidadania e participação. Partindo de uma análise crítica, Wood (2003) estabelece algumas

semelhanças e diferenças importantes no conceito de cidadania entre antigos e modernos.

Em primeiro lugar, em ambas as concepções o que possibilitou o avanço democrático foi a

existência de uma cultura democrática preexistente fora do espaço político, ou seja, tanto

em uma como em outra, leva a aspirações igualitárias. Mesmo que a democracia grega

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tivesse suas restrições quanto aos membros da sociedade que tinham condições de

participar da discussão política, a sua concepção de igualdade entre esses membros

permanecia pura, pois esses não estavam sujeitos a nenhuma pressão econômica. O que vai

diferenciar uma da outra é o fato de que a Modernidade inclui e universaliza a cidadania,

mas, ao contrário da grega, ela fragiliza a participação da massa nas decisões políticas. Da

forma como foi conduzida pela Modernidade, a democracia abandona alguns de seus

princípios fundamentais e incorpora nova concepção de governo do povo. A ampliação do

titulo de cidadania ao mesmo tempo que incluiu, por outro lado contribuiu para uma

exclusão jamais pensada na democracia clássica. Ao mesmo tempo em que se estabelece o

sufrágio universal, aumentando os direitos de estratos sociais antes marginalizados,

ampliando com isso o alcance democrático, a democracia, estabelece um fosso entre os

cidadãos e a esfera política, ensejando com isso uma cidadania passiva. Essa passividade é

estabelecida pela premissa da representatividade que retira do cidadão a condição de

deliberar e joga nas mãos de representantes a responsabilidade política. Exemplo claro é a

Constituição americana, que sufocou a cultura democrática ao implementar o sistema de

representação, transferindo a esfera política do ambiente das discussões locais para as

assembléias representativas.

Em segundo lugar, Wood alerta para a noção de que o capitalismo deslocou a

democracia da sociedade civil, transferindo-a para a economia. De fato o papel da

democracia moderna, pensada pela corrente liberal, conduz ao individualismo político e

econômico. Por uma lado, amplia os direitos civis e políticos e por outro minimiza a

questão política, induzindo os cidadãos, por meio do sistema de representação, a lutarem

por interesses privados, deixando intactas as relações de propriedade e de poder,

contribuindo assim para aprofundar as desigualdades.

A idéia de “democracia liberal” só se tornou pensável – e quero dizer literalmente pensável – com o surgimento das relações sociais capitalistas de propriedade. O capitalismo tornou possível a redefinição de democracia e sua redução ao liberalismo. De um lado, passou a existir uma esfera política separada na qual a condição “extra-economica” – política, jurídica ou militar – não tinha implicações diretas para o poder econômico, poder de apropriação, de exploração e distribuição. Do outro lado, passou a existir uma esfera econômica com suas próprias relações de poder

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que não dependiam de privilégio político nem jurídico. (W O O D,

2003: 201)

Jürgen Habermas (1984) alerta para as mudanças na esfera pública. Ele faz uma

crítica ao pensamento liberal, quando trabalha a esfera pública burguesa, verificando de que

forma a opinião pública foi impregnada da ideologia burguesa. Em sua análise, considera

que, desde Hobbes, a opinião pública já era levantada, mas que, dependendo de cada

concepção, ela tomou corpo de idéia central. Mesmo os de tradição liberal, como

Tocqueville e Mill, deram importância maior à opinião pública.

Embora esses autores tenham se preocupado com a ampliação da participação social

nas questões políticas, consideravam que deveria existir controle sobre essa opinião para

que não houvesse um poder excessivo que tornasse a opinião pública uma opinião

dominante. A ampliação da esfera pública e a crescente inclusão de novos atores sociais no

poder de decisão política fazem com que a massa crie uma cultura de participação ativa nas

questões políticas. Isto conduz a que se considere que essa massa, ao tomar mais

consciência e ao participar diretamente da vida política, vai se tornar um corpo mais sólido,

passando agora a defender melhor os seus interesses como classe12.

Embora a participação das massas seja defendida por autores liberais, é consenso

entre eles a noção de que essa participação não tenha poder de interferência nas questões

referentes ao Estado e principalmente no que diz respeitos às concepções liberais. A

publicização geraria uma consciência pública mais voltada para os interesses públicos, não

comportando mais a defesa de interesses privados ou dos que possuem a propriedade, pois

as contradições do sistema liberal se tornam mais evidentes à medida que a consciência

crítica é libertada da opinião hegemônica e consegue a partir de suas bases modificar a

esfera pública.

Dessa forma o pensamento liberal encontra na representatividade um caminho para

a desarticulação social, pois, à medida que fortalece as instâncias da representação, fragiliza

as forças sociais. Como assinala Habermas, a massa da população se tornou manipulada e

12 “o público se amplia, primeiro informalmente, através da difusão da imprensa e da propaganda; junto com a sua exclusividade social, perde também o contexto com os institutos da sociabilidade e de um nível relativamente elevado de informação intelectual. Os conflitos, até então contidos na esfera privada, estouram agora na esfera pública; necessidades grupais, que não podem esperar serem satisfeitas por um mercado auto-regulativo, tendem a serem reguladas pelo Estado.” (HABERMAS, 1984:158).

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excluída da discussão e dos processos decisórios, quando as instituições pelas quais essas

informações são mediadas são, elas mesmas, permeadas por ideologias nas quais o poder

exerce uma dominação na defesa de seus interesses. Por isso, a sociedade na sua

concepção, se torna manipulada. Dessa forma, quanto mais informada e consciente a

sociedade estiver, mais condições terá de controle e mais próxima ficará da democracia,

fugindo dessa manipulação.

Marilena Chauí (2001), assim como Habermas, considera o modelo capitalista como

um reogarnizador da esfera pública. Já no seu inicio, o capitalismo consegue estabelecer

novos critérios para a democracia e mesmo para a participação social nas coisas públicas.

Ele reelabora nova condição social, onde o poder se dissocia da sociedade. Isso implica um

distanciamento entre Estado e sociedade, causado por uma centralização do poder nas mãos

do Estado, que, ao mesmo tempo que unifica, fragmenta e fragiliza as relações sociais.

Para Chauí, no entanto, o Estado não é o único a atuar na esfera pública, pois a

sociedade civil também participa através da opinião pública. O que acontece é que o modo

de produção capitalista, associado ao pensamento liberal, constituíram uma nova maneira

de se entender a esfera pública, a sociedade civil e o Estado. Tais afirmações ficam mais

claras quando, acompanhando o pensamento da autora, reconstruímos o caminhar histórico

do rompimento ora mencionado. Primeiro, segundo a autora, a separação entre sociedade e

política acontece já na Era moderna, quando o poder passa das mãos de Deus para as do rei.

Essa passagem ocorre pela própria necessidade do capitalismo emergente. Os princípios

assumidos durante toda a Idade Média se rompem com o surgimento do mercado e a

necessidade advinda de sua própria essência de ampliar-se. O poder, então, passa a ser

pensado como resultado da ação da própria sociedade, que não precisa mais da orientação

divina. O segundo momento, citado pela autora, viria com o desenvolvimento da teoria

política liberal que formula um contrato social, ou o pacto entre os indivíduos em prol de

um bem comum. O poder deixa às mãos do soberano e passa as mãos do Estado. É nesse

ponto, de fato, que se amplia a dissociação entre sociedade civil e Estado, pois a sociedade

civil, para o pensamento liberal, é o ambiente onde se abrigam os interesses particulares ou

individuais, é um espaço de luta e disputas desiguais. Contrariamente, o Estado, para os

liberais, é o espaço de transição do individual para o geral, ou seja, o ambiente de

unificação acima dos interesses particulares ou de classes.

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A opinião pública, mesmo exercida pela sociedade civil, não consegue forças

suficientes para atuar politicamente, pois ela se encontra fragmentada, visto que, para o

liberalismo, a política deixa de ser algo de todos e passa a ser matéria de especialistas. Ao

cidadão não cabe mais se preocupar com questões políticas, mesmo porque ele não tem

competência para tais questões e esse papel fica para aqueles que irão representá-los nas

assembléias.

Outro ator importante na construção da esfera pública, sublinha Chauí, são os

movimentos sociais, haja vista que os mesmos construíram uma história social intensa de

lutas por direitos sociais. Muitas das vezes são as ações desses movimentos que causam as

mudanças sentidas em vários momentos de nossa história. Parece que está nos movimentos

sociais um dos caminhos para restabelecer a ação política como prática social, fazendo com

que o sentido de cidadania se desatrele da concepção de eleição e voto e volte a fazer parte

da agenda de toda a sociedade. Ou como anota Chauí,

Esses movimentos sociais-políticos manifestam alguns traços que vale a pena reter: em primeiro lugar, não pretendem falar em nome da sociedade como um todo, mas em nome das diferenças que desejam ver reconhecidas e respeitadas como tais; em segundo lugar, não pretendem estabelecer prioridades quanto ao reconhecimento de sua existência face a outros movimentos, mas cada qual coexiste com os demais, seja de um modo conflituoso, seja de maneira convergente; em terceiro lugar, não pretendem que o reconhecimento de sua existência e de seus direitos tenha como condição a tomada do Estado, mas passam pela reelaboração prática da idéia e do exercício do poder que não é identificado exclusivamente com o do estado. Surgem, pois como um contra-poder social, na expressão de Lefort, que contrapõe ao poder estatal instituído (vertical, burocrático, hierárquico, administrativo, centralizador) uma outra prática, fundada na participação e na busca de algo que podemos, desde já designar como autonomia frente a heteronomia que determina a existência sócio-política instituída. (2001: 284).

O conceito de autonomia é expresso pela autora em confronto direto com o conceito

de representação. Isso porque o sistema representativo imposto pela concepção liberal não

pressupõe em nenhum momento os sujeitos sociais como agentes diretos da construção

política. A autonomia, no entanto, concede a esses agentes sociais inteira liberdade de

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atuação política, modificando a lógica estabelecida, por uma participação consciente nas

questões públicas.

Portanto a participação surge, no revisar do papel social, como caminho possível

para gerar essa autonomia. A participação nesse sentido não pode ser entendida como uma

dádiva ou concessão, mas como um processo de conquista (DEMO, 1999); conquista

buscada na luta constate com o poder através do que podemos chamar de ampliação da

atuação dos agentes sociais na realidade social e política em que se encontram.

Participação tem, no momento, o desafio de transforma-se e de transformar.

Transformar-se porque deverá deixar os campos teóricos para enfrentar a práxis, ou seja,

realizar na prática o que se define teoricamente. Participação pressupõe uma publicização,

para usar a expressão de Habbemas, ou de seus tradutores, da esfera pública com maior

integração dos agentes sociais e com uma práxis política mais definida e fortalecida na

sociedade. Retomar a sua essência é o que dará à participação a condição de enfrentar o

segundo desafio há pouco mencionado - o de transformar.

Ao recuperar a sua essência, a participação terá condições de estabelecer uma nova

dinâmica social e até mesmo uma nova relação com o poder, pois participação não é a

ausência do poder, mas outra forma de poder (DEMO, 1999) ou de se relacionar com ele.

Essa relação não se identifica pela tutela ou mesmo pela promoção de políticas vindas pelo

processo de imposição, mas será algo gerado por meio da discussão política de todas as

esferas sociais.

Associado a tal debate se encontra o conceito de cidadania, pois, é o ideal da sociedade

a emancipação, que só poderá ocorrer com a participação organizada dos indivíduos que a

compõem, ou seja, os cidadãos; no entanto, como lembra Demo, tal participação é

diferenciada e, dependendo de como seja, pode ser chamada de tutelada, assistida ou

emancipada.

A tutelada reflete as relações nas quais a cidadania se estabelece como concessão de

direitos advindos de um poder extra-social, ou seja, uma política de cima sem a

participação do cidadão na construção política. A cidadania nesse caso só tem peso em

períodos eleitorais em que o voto é o que legitima o cidadão. A exemplo dessa prática estão

as relações clientelistas vivenciadas até os dias atuais em muitas cidades brasileiras,

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principalmente as distantes dos grandes centros urbanos e onde a educação e as lutas sociais

se encontram fragilizadas.

A assistida é caracterizada ainda pela pobreza política, mesmo que de forma amenizada.

O papel do Estado é o de proteção, estabelecendo políticas de cunho assistencialistas que,

ao invés de diminuir as desigualdades sociais, apenas as ampliam e legitimam.

Emancipada é a cidadania entendida uma construção histórica dos sujeitos sociais, uma

conquista através de uma conscientização política que eleva a competência humana de

fazer-se sujeito. A emancipação pressupõe a ruptura das duas concepções anteriores,

libertando o cidadão dos mecanismos de submissão e manipulação, destruindo com isso a

pobreza política presentes na cidadania tutelada e assistida. Outra característica da

cidadania emancipada é a constatação da importância dos atores sociais na elaboração da

realidade social. A consciência crítica leva a uma reflexão da realidade e uma motivação

para a mudança.

O quadro abaixo reflete melhor as principais características levantadas por Demo, ao

analisar cada uma das formas de cidadania há pouco mencionadas na sua relação com o

Estado e o mercado.

Quadro 1 Indicadores de análise de Cidadania

Cidadania Tutelada Assistida Emancipada

Relações de mercado Mais-valia absoluta;

submissão

Mais-valia relativa;

civilização

Meio, instrumento

Relações de sociais Pobreza econômica e

política

Pobreza política Competência

Papel do mercado Regulador absoluto Regulador final Meio

Pobreza Marginalização das

maiorias

Classes médias

majoritárias no centro

Residual

Estado subserviente Protetor Serviço público

Tamanho do Estado Mínimo Máximo Necessário-legítimo

Direitos Humanos Concessão Assistência/protegida Conquista

Organização popular Reprimida Controlada/protegida Base política

Ética Nenhuma Dos mínimos Eqüidade

Ideologia Liberal Direitos sociais

ampliados;

Desenvolvimento

humano sustentado;

matricial

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ampliados; humano sustentado;

matricial

Fonte: Adaptação do quadro desenvolvido por Pedro Demo em seu livro Cidadania Tutelada e Cidadania

Assistida, 1995.

Ao analisarmos a distribuição feita pelo autor percebemos que a cidadania está

ligada tanto ao formato do Estado, às relações econômicas e à forma de participação da

sociedade nas decisões políticas que envolve as diferentes esferas de poder. Quanto mais

participação dos cidadãos nas questões políticas, mais próxima a cidadania fica da

emancipação. Não se pode mais falar de democracia sem o sentido de participação e

conscientização dos indivíduos, pois, como anota Demo, a cidadania, principalmente no

Brasil, ainda é uma cidadania na qual os indivíduos não se associam por uma consciência,

mas por uma necessidade de um novo momento do capitalismo. A organização não vem da

base, mas imposta pelas estruturas que sustentam as relações capitalistas.

A discussão de participação como conquista e cidadania como forma de

emancipação remete ao inicio desse capítulo quando abordamos sobre a democracia, pois a

problemática da democracia no âmbito da contra-hegemonia vem ligada ao reconhecimento

de que a democracia não constitui mero acidente ou simples obra de “engenharia

institucional”. Ela é fruto de um processo no interior da sociedade de conscientização e

atuação política. Como diz Boaventura de Sousa Santos, os autores que se filiam a tal

compreensão tratam a democracia como uma nova gramática histórica.

2.2 O pensamento democrático e os desafios da contemporaneidade

As propostas apresentadas para enfrentar o desafio da democracia no movimento

político se apresentam em algumas correntes de pensamentos, tais como o pensamento

liberal, o socialdemocrata e da nova esquerda. O intuito de recuperação de tais correntes é o

entendimento de questões importantes para a democracia, como a concepção de povo,

cidadania e participação, assim como a influência delas nos discursos políticos durante a

campanha de 2002.

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197

2.2.1 O pensamento liberal

Revendo a democracia européia, realidade em que esteve inserido durante a sua

juventude, Joseph Schumpeter (1979) se pôs a teorizar um modelo alternativo de

democracia que não se degeneraria por si mesmo como a democracia direta e que também

não colocasse em risco a liberdade individual defendida como direito.

Este modelo, que passou a ser considerado como Democracia Americana ou

Democracia Procedimental, traz ao centro do debate a viabilidade e a sustentabilidade da

democracia direta e propõe como mais realista e menos utópico o sistema de representação,

considerando as transformações sociais, como a formação de grandes centros urbanos e a

defesa dos direitos individuais.

A representação parte do princípio de reconhecimento da liderança, de um líder ou de

um grupo de liderança, considerando que o líder político faz melhor, ou seja, este é o

qualificado para tratar das questões políticas. Sendo assim, o sujeito da democracia liberal é

o povo que tem direitos políticos, ou seja, os cidadãos que têm como função básica a

produção de um governo (diretamente ou através de um corpo intermediário) (1979:339) e

a produção do governo significa, na prática, decidir quem será a pessoa na liderança

(1979:341). Esses sujeitos, no entanto, só conseguem participar mediante a associação,

segundo seus interesses e afinidades, aos partidos políticos que têm o papel de

intermediação política do indivíduo com o Estado. Desta forma, a interação da opinião

pública com o Estado acontece sob um novo ângulo - o da representação.

Com relação ao funcionamento da democracia liberal, o procedimentalismo sintetiza

suas acepções que situa o método democrático como aquele acordo institucional para se

chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de

uma luta competitiva pelos votos da população (SCHUMPETER: 1979, 336). Desta

maneira, o modelo democrático permitiria a maximização da liberdade individual, visto que

a vontade individual está expressa na vontade do Estado do qual ele participa como

cidadão. Com relação à igualdade, esta teria papel secundário e somente teria maior valor

quando garantisse a igualdade de direitos políticos e não de bens material.

Portanto, a finalidade desta proposta é preservar a sociedade contra os riscos da tirania,

atendendo a necessidade prática de atribuir à vontade do indivíduo uma independência e

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uma qualidade racional (SCHUMPETER: 1979, 317), isto porque o exercício do poder

direto é considerado uma ameaça às liberdades individuais.

Poderíamos, então, sintetizar que nesta proposta a democracia passa a ser um método de

criação da ordem social, constituído de regras. A vontade da maioria representaria as

vontades individuais e a atividade política seria exercida pelos partidos políticos. A

participação do povo seria na escolha dos seus representantes para compor o parlamento

que mediará os seus interesses com o Estado. O fim a ser alcançado pela democracia

procedimental não é o bem comum, pois esse não existe, mas sim a maximização da

liberdade.

O projeto original da socialdemocracia possuía sua fundamentação na via evolucionista

do socialismo, mas, com as transformações ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, esse

viés foi abandonado e em troca idéias liberais foram incorporadas.

2.2.2 Pensamento da socialdemocracia

Ralph Dahrendorf (1981), assim como Bobbio (1999), se preocupou com os conceitos

de liberdade e igualdade, tema permanente entre o pensamento liberal e o pensamento

socialista. Em sua teoria, Dahrendorf não aceita a separação entre a liberdade positiva e a

liberdade negativa, conforme classificam os liberais. Sua tese é de que essas duas

polaridades não seriam excludentes, portanto, propõe novo sentido à concepção de

liberdade, afirmando que A liberdade de coações e limitações, que procedem meramente de

normas sociais, e a liberdade para a auto-realização são o verso e o reverso de uma

mesma idéia. (DAHRENDORF: 1981, 246). Desta maneira, ele acredita que contrapô-las é

um mal-entendido. Portanto, tenta conciliar as duas liberdade em único tempo.

Com relação à igualdade, Dahrendorf se apóia em Aristóteles, apresentando três

possibilidades: igualdade ideal, relativa e absoluta. E reconhece que a igualdade civil é

importante, mas insuficiente e exprime a igualdade social como sendo a igualdade real.

Então, consciente da limitação da igualdade civil, que se assemelha à liberdade liberal,

propõe uma rede de proteção social que incideria numa igualdade social e parte para o

debate em torno das possibilidades. Sua opção se traduz na afirmação,

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Quem quiser, sobretudo, a liberdade da sociedade, deve fixar o ´status´ básico social do cidadão em um nível antes que baixo, tendo o cuidado, ao mesmo tempo, que o espaço entre o piso elevado da hierarquia do ´status´social e seu ´teto´não seja demasiado estreito (DAHRENDORF, 1981: 256).

O projeto político da socialdemocracia, segundo Dahrendorf, mantém a defesa da

liberdade relativa, ao perpetuar um sistema que permite a manutenção do prestígio e status

social, mas que propõe a proteção social num nível intermediário.

Em seu livro Para além da esquerda e da direita, Anthony Giddens (APUD

ALMEIDA: 2000), um dos teóricos da terceira via, faz uma reflexão sobre a

socialdemocracia até a crise dos anos 1980. No Brasil, suas propostas não obtiveram

repercussão e foram aceitas com certa indiferença tanto pela esquerda quanto pela direita.

Giddens volta a sua discussão para proposta de um novo movimento da

socialdemocracia, de uma democracia a partir das condições atuais. Sua reflexão é no

sentido de tentar entender as conseqüências da dissolução do consenso do Welfare State.

Seu ponto de partida é o entendimento dos projetos pós-socialismo e pós-comunismo.

Segundo esse autor, esses programas não seriam mais viáveis como programas econômicos,

mas, como valores e idéias, deveriam ser preservados de acordo com possibilidade reais.

Sua referência à socialdemocracia tem por base a crise dos anos 1980 e o novo modelo

neoliberal. Dentre as principais características da socialdemocracia estão: o envolvimento

difuso do estado na vida social e econômica; o domínio da sociedade civil pelo Estado; o

coletivismo; a administração keynesiana da demanda somada ao corporativismo; os papéis

restritos para os mercados; o pleno emprego; o igualitarismo forte; o welfare state

abrangente protegendo os cidadãos do berço ao túmulo; a modernização linear; a baixa

consciência ecológica; o internacionalismo e a visão bipolar do mundo.

A nova direita neoliberal segue outros princípios: o governo mínimo; a sociedade civil

autônoma; o fundamentalismo de mercado; o autoritarismo moral, somado ao forte

individualismo econômico; o mercado de trabalho depurável como qualquer outro; a

aceitação da desigualdade; o nacionalismo tradicional; o welfare state como uma rede de

segurança; a modernização linear; a baixa consciência ecológica; a visão realista da ordem

internacional e a adesão a bipolaridade.

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Giddens compara essas duas correntes e apresenta uma crítica ao neoliberalismo e a sua

estrutura de radicalização do livre-mercado. Propõe, então, uma “nova” socialdemocracia,

que não siga os princípios do neoliberalismo nem o estatismo da velha esquerda. Dentre as

suas propostas estão: aceitar o processo de globalização e discutir sua heterogeneidade,

riscos e oportunidade; refletir sobre os sentidos do individualismo nas sociedades

modernas; enfrentar o debate sobre a superação dos conceitos de esquerda e direita; avaliar

fenômenos que apontam a migração da ação política para fora dos mecanismos ortodoxos

da democracia e; incorporar os problemas ecológicos dentro desta nova política.

Ao propor essa nova concepção de socialdemocracia, Giddens contribui para o debate

sobre a democracia e seus principais desafios.

2.2.3 Pensamento da nova esquerda

A democracia na sociedade da informação, mediada pelos meios de comunicação

social, vive transformações não só de caráter conceitual, mas também de transformações

das estruturas de organizações democráticas. Em estudos recentes, Boaventura de Sousa

Santos (2002) traz para esse debate experiências concretas em várias partes do mundo de

projetos democráticos nos quais as políticas públicas fomentam a participação ampliada da

sociedade nas decisões do Estado. Esta concepção traz à discussão o conceito de

democracia nos moldes tradicionais, propondo a contra-hegemonia, que deverá servir de

esteio para as transformações na sociedade.

A problemática da democracia no âmbito da contra-hegemonia vem ligada ao

reconhecimento de que a democracia não constitui mero acidente ou simples obra de

“engenharia institucional”. Como diz Santos (2002), os autores que se filiam a tal

compreensão tratam a democracia como uma nova gramática histórica.

Habermas (1995) abriu o espaço para que o “procedimentalismo” passasse a ser

pensado como prática social e não como método de constituição de governos.

Reintroduzindo a dimensão social, o autor alemão propõe dois elementos no debate

democrático: uma condição de publicidade, capaz de produzir uma gramática societária, e o

papel dos movimentos sociais na institucionalização das diversidades culturais.

Para Habermas, apenas são válidas aquelas normas- ações que contam com o

assentimento de todos os indivíduos participantes de um discurso racional. Portanto, como

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201

diz Santos, o “procedimentalismo” democrático não pode ser, como supõe Bobbio (2000),

um método de autorização de governos. Essa discussão também se encontra em Cohen

(1997), quando ele se refere às formas de exercício coletivo de poder político, cuja base é

um processo livre de apresentação de razões entre os iguais; ou ainda em Castoriadis

(1986), que também critica coerentemente essa teoria hegemônica.

No âmbito do debate sobre a democratização da América Latina, foram inseridos

novos atores na cena política, havendo sido também constituída nova gramática social,

conforme se delineia:

1. foi reposta no debate democrático a relação entre procedimento e participação social ;

2. o aumento da participação social também levou a que se redefinisse a adequação da

solução não participativa e burocrática ao nível local, recolocando o problema da escala

no interior do debate democrático;

3. o problema da relação entre representação e diversidade cultural e social.

Outro conceito estudado no projeto da nova esquerda é o de participação que, por sua

vez, não pode ser esquecido. Trata-se de conquista, portanto, de processo. Em essência, é

autopromoção, não existe como concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário

da política social, mas um dos seus eixos fundamentais. Tal conceito não pode estar

desvinculado da questão da política social, pois a participação alarga sobremaneira o

entendimento da política social, a começar pelo reconhecimento de que nem toda política

social é pública. Em síntese, entender o que é participação significa compreender as três

faces fundamentais da política social: socioeconômica, assistencial e política.

No que toca à democracia participativa, Santos (2002) sintetiza três teses que

fortalecem esse conceito e dão conta da complexidade do conceito de participação na

interseção com o de democracia:

1 o fortalecimento da demodiversidade - implica o reconhecimento de que não existe

nenhum motivo para a democracia assumir uma só forma;

2 fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global - novos

casos nos quais a democracia é fraca; e

3 aplicação do experimentalismo democrático - as novas gramáticas sociais têm

consolidado experiências positivas de participação.

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Sendo assim, o sujeito desta nova proposta democrática é o próprio sujeito por

intermédio da reconexão entre procedimentalismo e representação, em sua coexistência e

complementaridade. Segundo Wood (2003), Gramsci ressuscitou como princípio

organizador central da teoria socialista o conceito de sociedade civil, embora esse conceito

possa confundir e disfarçar tanto quanto revelar. Isto porque sociedade civil pode ser

entendida como um código ou uma máscara para o capitalismo (WOOD: 2003, 210).

Desta maneira, a esquerda tem se mostrado mais sensível às liberdades civis e aos

perigos da opressão do Estado. exemplo disso é a sua defesa a inúmeras bandeiras, como a

liberdade sexual, a ecologia, entre outros, através da pluralidade das relações e práticas

sociais.

Com a bandeira da diversidade, que não está contemplada no projeto liberal e até

mesmo no socialdemocrata por barreiras historicamente adversas que advêm do

conservadorismo e o impedem de ter uma visão mais totalizadora deste momento, se

expressa a heterogeneidade única da sociedade ´pós-moderna´, sem grau sem precedentes

de diversidade, até mesmo de fragmentação, que exige princípios novos, mais complexos e

pluralistas (WOOD: 2003, 219-220).

A partir destes preceitos, percebemos uma ampliação do conceito de democracia, que

passa de adjetivo para verbo ou substantivo concreto, como ação universal. Esta também

apresenta uma finalidade educativa com o fomento da participação, No entanto, a

apropriação destes conceitos não pode ser vazia de conteúdo, pois eles passam de tática

(socialismo) à estratégia, como ação necessária na luta contra-hegemônica.

2.2.4 Caminhos para a “nova democracia”

O atual momento de crise teórica da história contemporânea implica a existência de

um quadro em que novos paramentos e novas perspectivas se tornam de fundamental

importância para se repensar a elaboração de uma sociedade baseada em preceitos

democráticos.

A crise evidente da democracia liberal aponta para problemas de ordem conceitual

que não atendem mais a realidade social. Isto porque seus princípios não se assentam em

propostas de participação dos sujeitos nos processos políticos, mas na sua restrição como

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representantes da vontade e do desejo, tendo como critério a diferenciação social dos

sujeitos, concebendo uns mais qualificados que outros para o exercício político,

fomentando e legitimando as desigualdades.

Por outro lado, a democracia proposta pela nova esquerda, mesmo consciente do

recuo político durante o século XX, reconhece a diversidade e as diferenças e propõe uma

ampliação do conceito de sociedade civil, seguida da participação direta destes atores na

sua base e a representação de suas vontades deliberadas diretamente nas esferas mais altas.

Este projeto desenha tanto a reconexão entre procedimentalismo e participação quanto a sua

coexistência e complementaridade.

A proposta da nova esquerda é a absorção dos mecanismos procedimentais da

democracia liberal, dos direitos sociais da socialdemocracia e a sua radicalização na base

com a participação direta dos sujeitos nas decisões13, seguida da sua representação, assim

como a ampliação dos direitos sociais. Isto porque, historicamente, tem sido apresentado

uma oposição irreal entre participação e representação14.

Com respeito à fundamentação da racionalidade, esta é decorrente da capacidade

dos homens de manterem um diálogo através do discurso político exercido nas assembléias.

A essência da concepção da democracia deliberativa, fundamentada em Aristóteles, é a

razão prática, razão essa que é a busca da verdade mediante o do diálogo. A verdade

política seria o saber prático proposto pelo entrechoque das opiniões no espaço público.O

saber prático, portanto, é formulado dentro da esfera pública e possui uma característica

fundamental para que seja considerado como verdade. Essa característica seria a prudência

que norteia a ação correta.

Este debate se expõe nas correntes de pensamento contemporâneas entre a razão

prática e razão teórica (WEBER), mas é na prática que o homem tem possibilidade de

compreender a sua realidade e elaborar suas concepções. É nela também que se podem

estabelecer os caminhos que irão guiar a ação. A pretensa verdade é constitutiva da razão

prática, pois a racionalidade humana é dotada de prudência que leva a se tomar decisões

para alcançar o bem comum. 13 Esta proposta tem origem na democracia grega, que enfatiza a participação direta do cidadão na deliberação das questões públicas. 14 Patrick Viveret (2001: 08-09) contribui para este debate sinalizando esta dicotomia como mais a uma crise de delegação, ou, em termos mais brutais, a um confisco de poder. O autor enfatiza que a deliberação é o momento de tensão, pois trata do interesse geral, esse horizonte da vida democrática indispensável e também inatingível, em termos de perfeição. E é este momento decisivo que é negado no liberalismo.

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204

3 DISCURSO E PRODUÇÃO DE SENTIDO

3.1 Representações sociais e esfera pública

Considerando as discussões dos conceitos que nortearam todo o capítulo anterior,

podemos agora nos debruçar no estudo sobre a produção e circulação de sentido. Se

pensarmos que o espaço público é permeado por simbologias, podemos considerar que

conceitos como democracia, participação e cidadania são formulados em uma base

simbólica. Dessa forma, é importante reforçar a discussão atual sobre o papel do indivíduo

na sociedade e na elaboração do espaço público.

O homem é um sujeito da sociedade e da história e, dessa maneira, um sujeito que

interage de forma a produzir e assimilar símbolos. Portanto, não pode ser compreendido a

partir de si mesmo, mas somente pela interação com os outros. Ao se compreender o

indivíduo dessa forma, percebe-se que a interação proporciona a construção de uma

identidade social carregada de significação.

O estudo sobre as representações sociais se faz necessário pela importância dessas

representações na compreensão da realidade social. A realidade social por si é um espaço

de elaboração de significados. Se pensarmos no homem envolto nessa realidade, devemos

pensá-lo como um ser capaz de produzir e decodificar símbolos. Assim, como assinala

Langer (1971), o homem não apenas emprega os símbolos para indicar coisas, mas para

também representá-las. Existe, portanto, uma necessidade de simbolização, que é uma

necessidade básica que leva o homem a se diferenciar dos outros animais e é igualmente

comparada com as outras necessidades, como comer beber e dormir.

Essa característica do homem de simbolizar permite-lhe expressar suas idéias aos

outros homens, ocorrendo dessa forma, uma troca simbólica entre indivíduos. O ambiente

social privilegia essa permuta, fazendo com que as ações individuais passem a ser ações

coletivas e retornem para os indivíduos em forma de novas estruturas simbólicas. O papel

das representações sociais ocorre em razão dessa troca permanente no contexto social.

Portanto, é indispensável para o estudo das representações sociais uma recuperação

histórica sobre a formulação do espaço público, pois é aí que as representações são

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produzidas. Daí a sua importância, visto que são dinâmicas e conseguem construir e

reconstruir a realidade de forma autônoma e criativa.

Retomando a discussão levantada por Arent (2000) sobre as conexões entre o

público e o privado, podemos destacar que é pela da ação que o discurso se realiza e que se

constitui de fato a experiência humana. Essa é uma experiência dialógica, visto que

depende da presença da multiplicidade contida em perspectivas diferentes.

Ao longo da trajetória humana, porém, ocorreu uma ressignificação do espaço

público e privado. Nas sociedades antigas, não existia a separação entre essas duas esferas

tal como era encontrado nas sociedades européias da Idade Média. A representação pública

medieval estava vinculada à figura do senhor, que representava o poder. Não havia uma

noção de poder público, mas de poder centrado nos atributos pessoais, principalmente dos

advindos da aristocracia.

A divisão entre o público e o privado aconteceu no final do século XIII. Nesse

período o poder sai das mãos da nobreza e passa para as mãos de uma autoridade pública, o

Estado. A burguesia ascendente se dissocia desse Estado e passa a atuar como uma esfera

privada da sociedade. Essa divisão atende as necessidades da nova base social, ou seja,

reponde às transformações que estavam ocorrendo, principalmente nas relações que

surgiram da troca de mercadorias e informações. Esse também é o período do

desenvolvimento da imprensa e da consolidação do capitalismo. Sem conexões com a

esfera pública, o privado desenvolveu-se no âmbito da sociedade civil, que tem como

função primária a oposição entre Estado e sociedade. Portanto, as noções de público e

privado são categorias históricas que ao mesmo tempo que definem são definidas pelas

transformações que ocorrem na divisão social do trabalho e nas reivindicações associadas

ao poder político (JOVCHELOVITCH, 1995).

Também Habermas (1984) alerta para as transformações nas relações entre público

e privado e estabelece algumas características da esfera pública burguesa: a primeira

característica é constituída por indivíduos privados que se reúnem para discutir questões de

interesse público; e é uma esfera que se encontra no desenvolvimento do capitalismo e por

isso envolve a troca de mercadorias e de trabalho social; essas características propiciam

uma independência econômica, uma imprensa livre, discussão em locais públicos,

alfabetização da população, e o estímulo à reflexão crítica através de livros e da literatura.

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Habermas considera que a nova esfera pública introduz outra concepção de

participação política e de relação entre o Estado e a sociedade que se efetivaria por meio da

racionalidade e de uma prestação de contas. A esfera pública burguesa possibilita que haja

maior discussão sobre questões de interesses privados que seriam levados ao Estado por

canais institucionais e pela imprensa. A publicidade, portanto, é um elemento-chave da

esfera pública de concepção burguesa que ajudou a consolidar essa esfera burguesa. Nesse

aspecto, Habermas destaca a importância dos meios de comunicação de massa como

difusores dos interesses da esfera burguesa.

Seguindo o pensamento de Arent e Habermas, Sandra Jovchelovitch (2000) propõe

um enfoque psicossocial da esfera pública. A autora considera que a esfera pública é um

espaço de subjetividade e pluralidade que se sustenta em função da diversidade humana.

Outro ponto destacado pela autora é que esta é uma esfera de transparência e de prestação

de contas e que encontra sua expressão no diálogo e na ação comunicativa.

Com efeito, a esfera pública é um espaço de pluralidade humana, que introduz a

noção de transparência, no diálogo e na ação comunicativa, portanto, não poderia

abandonar a dialética entre o EU e o Outro (LANGER,1971).

A perspectiva dialética do estudo da subjetividade na esfera pública levanta a

necessidade de se verificar os fenômenos psicossociais nas representações sociais. O

conceito de representações sociais dentro da Sociologia clássica aponta para os estudos de

pensadores como Marx, Weber e Durkheim, que, já em seus estudos sobre a sociedade,

buscaram, cada qual a partir de suas concepções, trabalhar com as relações simbólicas que

permeiam a esfera social. Autores mais contemporâneos também buscam aprofundar e

contribuir com estudos acerca dessa temática, dentre os quais como Moscovici, Berger,

Luckman, Bourdier e comentaristas como Susana Langer, Minayo, Sandra Jovchelovitch e

outros.

Minayo15 (1995) nos lembra que Durkheim foi o primeiro autor a trabalhar o

conceito de representação social. Ao elaborar o conceito de consciência coletiva como uma

consciência que reflete a média das consciências individuais, o autor estabelece, a partir

15 Em seu texto sobre as representações sociais, Maria Cecília Minayo busca identificar o conceito de representações sociais presentes nos estudos de Durkheim, Marx e Weber. O interesse da autora ao elaborar esse artigo é identificar como é trabalhado, por todos esses pensadores, o conceito de representações sociais, tentando compreender as principais divergências e convergências do pensamento de cada um deles.

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desse ponto, que os indivíduos possuem uma consciência individual, mas que é a média

dessas consciências que determina o modo de pensar, agir e sentir da sociedade. Nesse

mesmo ponto, ele relaciona essa consciência coletiva com o conceito de representações

sociais, pois as representações sociais, na sua concepção, também são representações

coletivas. Elas fazem parte da realidade social onde são criadas.

As representações sociais possuem características similares às dos fatos sociais:

(...) consistem em maneira de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e por meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais.16

Segundo tal definição, elas se caracterizam por uma exterioridade em relação às

consciências individuais, por exercerem ação coercitiva sobre as consciências individuais e

por haver um distanciamento entre sujeito e objeto, garantindo neutralidade e maior

objetividade.

A principal crítica feita a essa concepção vem dos marxistas e é com relação ao

poder coercitivo atribuído à sociedade sobre os indivíduos. Para os marxistas, essa visão

elimina o pluralismo fundamental da realidade social, principalmente no que diz respeito às

lutas de classe.

Se, para Durkheim, é a partir da sociedade que se elaboram as representações

sociais, para Weber, o caminho é inverso. Ele parte da ação cotidiana dos indivíduos para

entender a sociedade e acentua que essa conduta é carregada de significação.

La acción social ( incluyendo tolerancia u omisión) se orienta por las acciones de otros, las cuales pueden ser pasadas, presentes o esperadas como futuras ( venganza por previos ataques, réplicas a ataques presentes,medidas de defensa frente a ataques futuros).(...) Por“relación” social debe entenderse una conducta plural - de varios – que, por el sentido de encierra, se presenta

16 DURKHEIM, Émile – As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Nacional,1968.

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como recíprocamente referida, orientándose por esa reciprocidad.(...)17

Com sua sociologia compreensiva, Weber diz que o que prevalecer na formulação

dessas representações é a visão de mundo; e que a significação é dada tanto pelas condições

materiais como pela idéias. As idéias para Weber são um juízo de valor que os indivíduos

possuem. Para ele, não são só os interesses materiais que governam diretamente a conduta

do homem, mas as idéias também possuem grande influência na conduta dos indivíduos.

Já para Marx, as representações sociais são determinadas pelo modo de produção

material. Marx trabalha com uma categoria-chave que é a consciência.

La falla fundamental de todo el materialismo precedente (incluyendo el de Ferbach) reside em que solo capta la cosa (Gegenstand), la realidad, lo sensible, bajo la forma del objeto (Objekt) o de la contemplación ,no como actividad humana sensorial, como práctica; no de modo subjetivo.18

As representações, ou seja, as idéias e os pensamentos, fazem parte de uma

consciência determinada pela base material. Segundo Marx, essa é uma relação dialética, na

qual, apesar de se ter uma consciência determinada por pensamento dominante de uma

classe sobre a outra, as contradições fazem com que haja uma reação consciente de classe.

Gramsci, um autor marxista, trabalha com o senso comum, reafirmando a importância da

base material de Marx e acrescentando o caráter transformador das condições sociais.

Lukács também aprofunda o pensamento de Marx, quando estabelece ênfase maior na idéia

de visão de mundo. Segundo esse autor, a visão de mundo é precisamente esse conjunto de

aspirações, de sentimentos e de idéias que reúnem os membros de um grupo (mais

freqüentemente de uma classe social) e as opõem aos outros grupos. Esses dois autores

trabalham principalmente sobre o caráter ideológico das representações sociais.

Gramsci é o primeiro autor, no entanto, a atribuir às instituições da sociedade civil a

função estratégica (função dialética) de conservar e minar as estruturas sociais. Por isso é

chamado o teórico das superestruturas. Contrapondo-se ao pensamento de outros marxistas,

principalmente os da escola de Frankfurt, Gramsci considera que as instituições do Estado

17 WEBER, Max – Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. 18 MARX, K –Tesis sobre Feuerbach , In: La Ideologia Alemana. Montevideo: Ediciones Pueblos Unidos, 1974.

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209

possuem duplo aspecto: o de reproduzir a ideologia dominante e o de produzir uma

ideologia contrária à hegemônica. Não satisfeito em entender o Estado apenas como um momento exclusivo da coação e da violência, Gramsci o divide em duas esferas: a

sociedade política, onde se concentra o poder repressivo (governo, polícia, exército etc.); e

a sociedade civil, constituída pelas associações privadas (igrejas, escolas, meios de

comunicação de massa etc.).

A sociedade civil, portanto, assume um sentido novo dissociado da esfera pública.

Nela são difundidos os valores ideológicos hegemônicos que se transformam em senso

comum por do consenso. A função hegemônica se realiza plenamente quando a classe

dominante consegue paralisar a circulação de contra-ideologias, suscitando o consenso e a

colaboração da classe oprimida que vive sua opressão como se fosse a liberdade. Nesse

caso, houve uma interiorização absoluta da normatividade hegemônica. É por essa

característica de circulação de ideologias que a sociedade civil pode se transformar em um

campo fértil para uma contra-hegemonia. Para tanto é preciso que haja uma consciência

crítica da classe oprimida. A contra-ideologia, na forma de uma “pedagogia do oprimido”,

pode apoderar-se das instituições, corroendo-as, refuncionalizando-as, ao mesmo tempo em

que a nova ideologia nela se institucionaliza para divulgar sua nova concepção de mundo.

Bourdieu e Bakhtin também consideram a fala como expressão das condições de

existência. Para Bourdieu, a fala é o símbolo da comunicação porque representa o

pensamento, ou seja, por meio dela, são reveladas as condições estruturais, sistemas de

valores, normas e símbolos, por isso, a considera como um fenômeno ideológico. Nesse

ponto, ele se aproxima do pensamento de Bakhtin, que também aponta a fala como um

instrumento ideológico.

3.2 Mídia e Política

Ao afirmarmos que as representações sociais influenciam os espaços públicos e

privados e por eles são influenciados é que se torna importante avaliar o papel dos meios de

comunicação na elaboração e circulação das mensagens simbólicas; mesmo porque

vivemos em uma espécie de globalização da informação, onde a transmissão e recepção de

mensagens assume um papel novo no processo de interação dos indivíduos. Não mais

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210

podemos ignorar a influência dos meios de comunicação de massa na política, na vida

cotidiana, nas relações pessoais, ou seja, tanto na esfera pública quanto na esfera privada.

O poder de alcance desses meios de comunicação de massa ultrapassa hoje todas as

fronteiras físicas possíveis, chegando ao cyber espaço com a utilização da Internet como

veiculo de informação.

O ambiente em que se encontram os meios de comunicação se transformou à medida

que tecnologias foram sendo descobertas e utilizadas para facilitar a transmissão de

mensagens, possibilitando, assim, ampliar sua dimensão simbólica.

A comunicação é um intercâmbio de sinais e símbolos pelos quais os indivíduos estão

na realidade realizando uma troca simbólica. Essa relação é intrinsecamente simbólica, pois

a comunicação é feita a partir de um contexto histórico em que ambos os agentes estão

inseridos. Essa relação também é dialética, pois, ao estabelecerem uma comunicação, os

indivíduos o fazem a partir de uma representação social que, ao ser decodificada, é

reelaborada, pois, como acentua Geertz, o homem é um ser animal suspenso em teias de

significado que ele mesmo teceu.

A comunicação é uma forma de ação e como tal se caracteriza por ser uma relação de

poder, haja vista que as pessoas, ao se comunicarem, estão formulando uma ação

intencional. Essa ação é realizada no que Pierre Bourdier chama de campos de interação.

Nesses campos é que os indivíduos se encontram e podem exercer alguma forma de poder.

Ao realizar um estudo sobre a mídia e a Modernidade, John B. Thompson define o

poder como

(...) um fenômeno social penetrante, característico de diferentes tipos de ação e de encontro, desde as reconhecidamente políticas dos funcionários públicos até os encontros mais prosaicos entre indivíduos na rua (1998: 21).

O poder, então, é exercido em muitas instâncias, em muitos contextos que não só

aqueles institucionalizados. Na rua, no dia-a-dia, o poder está presente e se manifesta de

maneiras diferentes. Thompson trabalha com quatro tipos de poder: o poder econômico,

caracterizado pela atividade produtiva; o poder político, sendo a atividade que algumas

organizações têm de coordenação e regulação; o poder coercitivo, caracterizado pelo uso da

ameaça e da força; e o poder simbólico, relacionado com a atividade de produção,

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transmissão e recepção das formas simbólicas. Todos esses poderes confluem e estão

presentes em vários contextos sociais ao mesmo tempo.

Os meios de comunicação passam a ser importantes porque é através deles que as

formas simbólicas são produzidas e difundidas nos contextos sociais. O uso desses meios

envolve a produção, a transmissão e a recepção das formas simbólicas por meio de vários

aparatos técnicos. Para Thompson, os meio técnicos constituem a materialização das

formas simbólicas ou o elemento material com que, ou por meio do qual, a informação ou

conteúdo simbólico é fixado e transmitido do produtor para o receptor19. Thompson, então,

distingue alguns atributos dos meios técnicos.

O primeiro desses atributos é a fixação. Dependendo do meio utilizado para a

transmissão da mensagem simbólica, esse tem a capacidade de fazer com que os indivíduos

armazenem as informações, dando certa durabilidade àquilo que foi transmitido.

Outro atributo é a reprodução, ou seja, a capacidade de multiplicar as cópias de uma

forma simbólica, podendo ser reproduzidas em uma velocidade muito grande e

possibilitando uma distribuição maior das mensagens simbólicas. 20

O terceiro atributo é a capacidade de um distanciamento espaço-temporal dos meios

técnicos. As formas simbólicas, quando permutadas, estão distantes dos contextos onde

foram produzidas. Esse afastamento é tanto espacial quanto temporal. Ao serem difundidas,

são transmitidas em contextos diferentes daquele onde foram produzidas.

O último atributo levantado por Thompson é acerca das habilidades, competências e

formas de conhecimento nos usos dos meios técnicos. A essas habilidades o autor

estabelece a competência para a codificação e decodificação das mensagens.

A comunicação de massa se apropria desses meios técnicos e de seus atributos para a

produção, transmissão e fixação de suas mensagens. Para melhor entender o que significa a

expressão comunicação de massa, Thompson aborda cinco características que ajudam a

perceber o sentido que esse conceito, construído historicamente, adquiriu nos tempos de

hoje: a primeira corresponde ao desenvolvimento dos meios técnicos e institucionais de

produção e difusão; a segunda é a mercantilização das formas simbólicas; a terceira diz

19 THOMPSON, John B. (1998). A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ. Vozes. 20 A reprodução é um dos elementos que possibilita a mercantilização das formas simbólicas. Ela está na base da exploração comercial e modifica as formas simbólicas em mercadarias a serem comercializadas.

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respeito às distorções entre o processo de produção e recepção das formas simbólicas; a

quarta é o prolongamento da disponibilidade dos produtos da mídia no tempo e no espaço;

e por último, a circulação pública das formas simbólicas mediadas, visto que as mensagens

estão disponíveis a públicos distintos.

A comunicação de massa, portanto, se beneficia do avanço das novas tecnologias, ao

permitirem que as informações possam chegar de modo mais rápido em diferentes

contextos sociais, o que possibilita as mensagens poderem ser reproduzidas mais

facilmente, transformando-as em algo que possa ser explorado comercialmente. Na

comunicação de massa, a produção simbólica está dissociada da sua recepção, ou seja,

existe um distanciamento entre o contexto em que as informações foram produzidas e o

âmbito em que vai ocorrer a recepção, ocorrendo, com isso, um intercâmbio restrito, pois

não estabelece um canal direto com os receptores das mensagens, fazendo com que não

ocorra um retorno ou um fluxo de mão dupla, possibilitando uma resposta sobre as

mensagens difundidas.

Outro ponto importante nessa discussão é a nova organização do espaço e do tempo

que o desenvolvimento tecnológico proporcionou, alterando não só a noção de passado e

presente, de longe ou perto, mas também a percepção dos indivíduos sobre as coisas.

Acerca desse aspecto dos meios de comunicação é importante salientar que as formas

simbólicas são produzidas, como já afirmado, em contextos sociais específicos. A recepção

dessas mensagens também ocorre em contextos que, por serem diferentes daqueles onde

ocorreu a produção, fazem com que os receptores não apenas recebam as mensagens, como

também a interpretem e a reelaborem. Essa característica da recepção é que a faz uma

atividade situada e de rotina, impondo habilidades e competências, historicamente

construídas, para a realização especializada21 da decodificação e reinterpretação das

mensagens simbólicas transmitidas.

Essa interação modificada no contexto das comunicações de massa também tomou

formas distintas durante a campanha eleitoral de 2002. A interação face a face, ou seja, a

disputa pelo voto dos candidatos em contato direto com o eleitor, se modifica rapidamente

21 Thompson trabalha com três características da recepção: a recepção como algo não passivo, uma atividade; como uma rotina, sendo parte da atividade cotidiana; e como uma realização especializada para a decodificação das mensagens.

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com o avanço tecnológico. Com as novas tecnologias, outros tipos de relacionamentos

sociais surgem atendendo as novas necessidades da comunicação.

Três tipos de interações são identificados por Thompson em sua análise e puderam

ser observados no pleito analisado. O primeiro diz respeito à interação face a face, que tem

um caráter dialógico e onde existe um compartilhamento espaçotemporal. Outra

característica dessa forma de interação é a possibilidade de uma troca simbólica direta, em

que os indivíduos usam de vários gestos para transmitir e decodificar mensagens.

Já as interações mediadas22 se utilizam de meios técnicos para a realização da troca

simbólica. Diferentemente da interação face a face, a mediada transmite as informações

para indivíduos situados em espaços distintos, diminuindo as possibilidades da utilização

de gestos na interação. Por outro lado, outras formas de deixas simbólicas 23são utilizadas,

como, por exemplo, na escrita.

A interação quase-mediada é a que se utiliza dos meios de comunicação de massa.

As formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de indivíduos em

contextos espaçotemporais diversos. Por abranger uma infinidade de receptores, a

comunicação simbólica passa a ser de via única, diferente das outras duas formas de

interação que possuem um canal aberto de ida e volta para a comunicação. Na interação

quase-mediada não, pois esse canal é restrito à transmissão da informação, possuindo assim

um caráter monológico.

O quadro abaixo demonstra melhor a classificação, feita por Thompson, dos três tipos

de interação e suas principais características.

Quadro 2.

Tipos de Interação segundo Thompson Características

interativas Interação face a face Interação mediada Interação quase

mediada Espaço-Tempo Contexto de co-

presença; sistema referencial espaço-temporal comum

Separação dos contextos; disponibilidade estendida no tempo e no espaço

Separação dos contextos; disponibilidade estendida no tempo e no espaço

Possibilidade de deixas simbólicas

Multiplicidade de deixas simbólicas

Limitação das possibilidades de deixas simbólicas

Limitação das possibilidades das deixas simbólicas

22 Fazem parte dessa forma de interação meios técnicos como papel, fios elétricos, ondas eletro-magnéticas, etc. 23 A expressão é utilizada por Thompson para identificar os gestos utilizados na interação para a transmissão e decodificação das mensagens.

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simbólicas deixas simbólicas Orientação da atividade Orienta para outros

específicos Orienta para outros específicos

Orienta para um número indefinido de receptores potenciais

Dialógica/monológica Dialógica Dialógica Monológica Fonte: Quadro extraído do livro A Mídia e a Modernidade: uma teoria social da mídia.

Os três tipos relacionados nesse quadro não esgotam as possibilidades de interação,

mas nos dão forte indicação de como os às relações sociais se modificaram com o avanço

das novas tecnologias e dos meios de comunicação de massa.

No Brasil, por exemplo, podemos observar um avanço tecnológico significativo nas

áreas de telecomunicações e energia elétrica. O País, nos últimos anos, ampliou muito a sua

capacidade de geração e distribuição de energia. Construiu usinas e passou a usar outras

fontes de energia, como a nuclear, o que possibilitou a ampliação da sua rede elétrica.

Difícil, hoje, é encontrar lugares onde não existam um poste e uma lâmpada acesa. Difícil,

também, encontrar lugares que a televisão, o rádio ou telefone não alcance. As novas

tecnologias sem dúvida modificaram a relação espaço e tempo. Não existem mais

distancias intransponíveis. A informação chega a um número maior de lugares em um

espaço de tempo cada vez mais curto, o que significa que, em alguns casos, como o da

televisão, o do rádio e o da Internet, a mensagem possa ser veiculada em tempo real.

A televisão e o rádio continuam sendo os dois maiores veículos de comunicação de

massa do País. Ambos possuem uma tradição histórica e estão na preferência da população.

São eles os responsáveis pela principal fonte de informação e lazer.

A televisão, no entanto, se destaca dos outros meios de comunicação, talvez por

algumas especificidades: a imagem proporciona uma proximidade com o público; a sua

programação é direcionada a públicos específicos; a informação pode ser repassada de

maneiras diferentes por meio das novelas, telejornais e outros programas voltados para

grupos específicos, como é o caso dos jovens etc.

Esses aspectos da mediação, principalmente da eletrônica, influenciam muito o

mundo da política. Existe uma preocupação geral com a visibilidade, com a elaboração e

difusão da imagem política. Desde dos anos 1980, vivemos no Brasil uma revolução na

estruturação das campanhas eleitorais.

A utilização dos meios técnicos possibilitou uma transformação no formato dos

programas eleitorais, veiculados, principalmente, na tv. Não só os programas eleitorais

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foram afetados, mas, mesmo a discussão política passou a ser influenciada pela mídia.

Ocorreu uma transferência do debate político que deixou o palco do partido para se

estabelecer nos meios de comunicação de massa. As campanhas passam a ser formuladas e

orientadas por pesquisas de opinião pública e por uma agenda estabelecida pela própria

mídia (CHAIA, 2004).

Em um artigo publicado na revista Sociologia Política, denominado Dossiê “Mídia

e Política” , Luis Felipe Miguel (2004) estabelece quatro dimensões da presença da mídia

nas práticas políticas no Brasil: a) a mídia como instrumento de contato entre a política e os

cidadãos; b) o discurso político transformando-se e adaptando-se às formas dos meios de

comunicação de massa; c) a mídia como o principal responsável pela produção da agenda

pública; e d) os candidatos tendo que adotar uma preocupação central com a visibilidade.

O fato de a agenda política estar hoje associada diretamente à pauta da mídia nos

leva a crer que o papel antes exercido pelos partidos políticos foi reduzido nos últimos

tempos, isto porque as estratégias de campanha são focalizadas na figura do candidato e nas

suas propostas, deixando em segundo plano o partido político que ele representa. Muitos

eleitores se acostumaram a votar no candidato, fazendo, com isso, uma escolha pessoal e

não ideológica. Nesse caso, a ajuda da mídia é indiscutível, pois é ela que melhor

estabelece o contato direto do eleitor com o político. Continuam, de fato, sendo adotadas

velhas estruturas de campanha, como no caso dos comícios e visitas a locais de grande

concentração eleitoral e outros artifícios do chamado corpo a corpo, mas o que prevalece

nas atuais estratégias de campanhas é o horário eleitoral na televisão e no rádio, pois tais

estratégias conseguem atingir um público maior do que qualquer comício.

Para que possa ser efetivo, no entanto, o discurso midiático tem que ser absorvido

pelos candidatos. Eles têm que passar por uma adaptação à linguagem midiática, deixando

de lado as formas tradicionais de apresentação política e aderindo ao estilo dos meios de

comunicação de massa. Passam a se preocupar também com a sua visibilidade na mídia. A

aparência ou o visual se tornou moeda forte na atual política, principalmente se esse visual

for compatível com os padrões midiáticos. Exemplo disso foi a candidatura de Fernando

Collor de Melo, que soube usar de forma inigualável os veículos de comunicação de massa.

Explorou ao máximo que pode sua imagem, criando assim condições para que um

candidato, desconhecido em termos nacionais, fosse para o segundo turno com o candidato

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Lula do PT, derrubando políticos tradicionais como Ulisses Guimarães e Mário Covas e

sendo eleito o primeiro presidente civil do Brasil depois do processo de redemocratização.

De fato a mídia sozinha não garante eleição, como não garantiu a de Collor, mas o

que é importante salientar é o seu papel na construção das representações sociais. Outros

fatores também influenciam, como desde sempre influenciaram, as disputas eleitorais. O

fato, contudo, é que o político de agora tem outra preocupação - a sua adequação ao que

podemos chamar de padrões midiáticos. Sua atitude, sua voz, sua expressão facial, tudo

passa por transformações para uma adaptação melhor ao padrão televisivo. Para tanto,

conta ele com a orientação do profissional de Marketing.

Por mais que a mídia influencie nas disputas eleitorais, porém não é ela que

determina os vencedores. As relações políticas são muito mais complexas e a mídia é

apenas um dos caminhos por onde essas relações podem se orientar. Nada se sustenta

apenas na base da apresentação. O discurso, por mais que seja algo entoado ou escrito

possui uma significação voltada para a realidade. Não adianta elaborar um discurso,

seguindo rigorosamente todos os padrões midiáticos, pois, ao se desconstruir tal discurso,

nele não encontramos a racionalidade condizente com o que está sendo proposto.

3.3 Mídia e democratização da informação

Uma reflexão sobre a democracia nas sociedades contemporâneas impõe uma

necessidade de se estabelecer relações com os mecanismos de comunicação de massa. A

mídia tornou mais acessível a informação, a expôs ao acesso de todos. Por outro lado,

contribuiu para tornar a esfera pública cada vez mais dependente dos meios de

comunicação de massa, pois retirou as discussões do âmbito das instituições políticas, no

caso os partidos políticos.

Algumas inquietações, no entanto, nos são pertinentes: a mídia de fato realiza uma

democratização da informação? Ela se constitui como um poder paralelo às instituições? E

da forma como se apresenta contribui para a construção de uma democracia participativa?

Tais questões não se apresentam como de fáceis respostas. Para respondê-las, é

preciso identificar quais os fenômenos envolvidos em tais problemáticas. Em primeiro

lugar, é preciso identificar o caráter mercantil da mídia. Ela é por si um resultado do avanço

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do capitalismo no século XIX. São empresas capitalistas, em sua maioria privadas, que têm

na notícia a forma de obtenção do lucro. Estão presentes na esfera pública, embora

representem interesses privados. A notícia é a nova mercadoria que circula e a qual

consumimos nos jornais, revistas, noticiários etc.

Para Francisco Fonseca,

O poder da mídia implica, portanto, num instável equilíbrio entre: a) formar opinião, b) receber as influências de seus consumidores (leitores, ouvintes, telespectadores, internautas, entre outros) e sobretudo de toda a gama de fornecedores e regulatórias), c) auferir lucro e d) atuar como aparelho privado de hegemonia.24

Essa característica mercantil da informação implica diretamente na representação

política. A inclusão de novos atores na escolha de seus representantes não representou o

fortalecimento da cidadania. Ao contrário, esses novos atores ou grupos sociais assimilaram

as práticas e continuam exercendo seus direitos políticos apenas em época de campanha

eleitoral. O que de fato ocorre é um ampliação da cidadania política sem a inclusão no

processo decisório. A cidadania política nos moldes das democracias modernas sofre com a

falta da participação efetiva de seus atores que exercem sua cidadania apenas no ato de

votar.

Outro ponto relevante é a quantidade de informação circulando nos meios de

comunicação de massa. O aumento das mensagens difundidas e a ampliação do acesso a

elas facilitaram a vida do público, mas trouxe outros dilemas. Para que o cidadão possa

optar politicamente precisa estar bem informado sobre quais os projetos em disputa, quem

os apóia, quais interesses eles promovem e quais prejudicam, e também sobre o mundo

social, isto é, quais são os desafios a serem enfrentados, as alternativas possíveis e suas

conseqüências (MIGUEL, 2004). Os veículos de comunicação, principalmente os

jornalísticos, suprem essa necessidade do cidadão moderno de se informar.

(...) o trabalho jornalístico consiste em recolher informações dispersas (através de uma rede de repórteres), “empacotá -las através de determinados processos técnicos (jornal, rádio, televisão) e, enfim, distribuir o produto final a uma audiência diversificada. (MIGUEL, 2004: 02).

24 Artigo Publicado na Revista Sociologia Política Nº 22 em junho de 2004, intitulado “Mídia e democracia: falsas confluências”.

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É sem dúvida um trabalho especializado. Ele cumpre o papel de fazer circular a

notícia, mas essa especialização tem caráter negativo, pois concentra a mídia nas mãos de

um pequeno grupo de empresas que possuem interesses comuns e monopolizam a

informação.

A quantidade de informação circulando é tanta que fica humanamente impossível

qualquer um acompanhar o ritmo imposto. Ocorre, portanto, uma seleção. Não lemos todas

as revistas publicadas, nem todos os jornais em circulação na cidade. No máximo,

escolhemos os artigos com os quais temos afinidades e interesses. Ampliamos o nosso

espaço de informação saindo do que era divulgado no plano local para adentrarmos global.

O acompanhamento diário de tudo o que é noticiado, porém, passa necessariamente por um

processo de seleção que não inicia com o receptor, mas acaba nele. São os veículos de

comunicação os primeiros a selecionar o que devem ou não ser publicado. O que é de

interesse ou não do público.

A escolha das manchetes e imagens passam necessariamente por essa seleção. As

notícias são divulgadas principalmente pela sua relevância para a opinião pública, o que na

prática significa a opinião privada, visto que são empresas privadas voltadas a um público

restrito, certas camadas sociais que têm acesso aos principais veículos de comunicação,

principal mente os da mídia impressa25.

E, quando se trata de notícias internacionais, os veículos de comunicação brasileiros

se apóiam nas informações das agências de notícias internacionais, principalmente as

americanas, pois os Estados Unidos possuem, atualmente, a maior rede de informação do

mundo. Poucos são os meios de comunicação no Brasil que enviam correspondentes a

outros países. A notícia nesse caso é mais fragmentada ainda, pois é repassada com o

recorte dado por empresas multinacionais de informação. Quando, por exemplo, obtemos

informações sobre a invasão do Iraque pelos Estados Unidos é quase sempre por meio

dessas agencias. As imagens da guerra a que todos assistiram ao vivo só foram possíveis

25 No caso, mídia eletrônica, principalmente rádio e tv, é um pouco diferente, pois esse veiculo atinge um número maior de pessoas em todas as camadas sociais, mas mesmo assim, as matérias por ela divulgadas passam por uma seleção e também recebem as mesmas influencias que a mídia impressa. Já a Internet deixa de fora os que não têm acesso a computadores e à rede.

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porque a imprensa, principalmente a americana, teve acesso ao local do conflito, muitas

vezes acompanhando os próprios soldados americanos no campo de batalha.

Essas mesmas agências americanas, no entanto, não as únicas a divulgarem tais

informações. Na contramão da mídia americana, diversos outros veículos de comunicações

independentes divulgavam diariamente notícias que muitas vezes ficaram fora da pauta das

agências americanas. As primeiras imagens sobre a tortura de iraqueanos por soldados

americanos na prisão de abrugah foram veiculadas na Internet e só depois os outros meios

de comunicação passaram a abordar tais acontecimentos.

Apesar da mídia estar presente em um evento histórico como esse a sua versão dos

fatos ainda continua valendo. As imagens e matérias produzidas ainda são vinculadas a

interesses. No caso da guerra, destacamos o interesse do governo americano, que queria

mostrar ao mundo a sua força militar, e, no caso das agências, a chamada guerra da

informação, em que os grandes conglomerados disputam espaço por via da manipulação da

notícia.

Dessa forma, o papel do leitor de decodificar a informação se torna cada vez mais

difícil visto que esta chega a ele de forma fragmentada. A velocidade com que as

informações são divulgadas impossibilita que o indivíduo possa acompanhar tudo o que

acontece no mundo, fazendo ele mesmo a seleção.

O papel dos meios de comunicação, de informar as pessoas, tem sua importância na

formação de uma opinião pública. Por isso a sua responsabilidade é com a sociedade e não

com grupos ou conglomerados, mas a forma como os mass medias agem, como uma

instância de poder paralelo, acabam por influenciar de forma direta na decisão do cidadão

comum.

Luis Felipe Miguel estabelece quatro modelos de mídia para uma política justa. A

sua principal discussão é tentar identificar o papel dos méd ia nas principais correntes

democráticas contemporâneas.

O primeiro modelo a ser trabalhado pelo autor é o Liberal Pluralista, presente nos

principais regimes do Ocidente e tem como características básicas a concorrência eleitoral,

a liberdade e direitos formais, a competição entre as elites e a comunicação sendo regida

pelo mercado. O segundo modelo é o lenilista, que busca promover o interesse da parcela

majoritária da população e tem a comunicação como sendo um instrumento de elevação da

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consciência de classe, de organização política. O terceiro modelo diz respeito à democracia

deliberativa, que tem as características do modelo da esfera pública de Habermas com a

discussão ampla dos assuntos de interesse coletivo. O último modelo é o que o autor

denomina de democratas radicais, que não difere muito do anterior, mas considera

importante a ampliação da capacidade de intervenção política dos grupos marginalizados.

Esse modelo responde as necessidades de um novo projeto para a esquerda.

É interessante observar como o autor procura identificar dentre as principais

características de cada modelo a sua intercessão com os media. Para tanto, ele traça três

linhas divisórias. A primeira contrapõe os modelos que admitem que a transmissão da

informação é feita de forma imparcial (liberal e esfera pública) com os que admitem que a

informação reflete interesses particulares (lenilistas e democratas radicais), a segunda

contrapõe os de características plurais (liberais e democratas radicais); contra aqueles que

minimizam a importância da pluralidade (lenilistas e deliberacionistas); e a terceira linha os

que situam a informação de modo central (democratas radicais e deliberativos), como

podemos observar no quadro:

Quadro 3 Modelos Utópicos de Comunicação de Massa para a Democracia

Liberal

Pluralista

Lenilista Esfera Pública Democrata Radical

Conteúdo da

mídia

Pluralidade

gerada pelo

mercado

“linha justa”

garantida pelo

partido

Discussão

imparcial

Pluralidade

promovida por

mecanismos extra-

mercantis.

Provedores de

informação

Profissionais

imparciais

Profissionais

engajados

O próprio

público

Múltiplos grupos;

redução do peso dos

profissionais.

Papel da

mídia/objetivo

s

Apresentação

objetiva do

mundo real;

orientação da

opinião pública.

Ampliação da

consciência de

classe

Apresentação

objetiva do

mundo real;

Esclarecimento

sobre as

questões de

interesse

público.

“Emponderam ento”

dos diferentes

grupos sociais

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221

questões de

interesse

público.

Mecanismos Controle mútuo

inerente à

competição

mercantil

Controle

estatal/partidári

o restrito;

centralismo

democrático.

Depuração

inerente à

discussão

racional

Incentivo estatal a

formas alternativas

da mídia

Financiamento

da mídia

Privado Estatal Privado Múltiplas formas de

financiamento

Fonte: Quadro retirado do Texto Modelos utópicos da comunicação de massa para a

democracia.

O que nos chama a atenção nesse modelo estruturado por Miguel é a forma como

ele estabelece a relação entre diferentes formas de democracia e a mídia. No modelo

Liberal os media estão associados à forma capitalista de competição de mercado e do

controle privado da informação. Nesse modelo, não há como ter autonomia da opinião

pública, pois esta está diretamente influenciada por esses interesses. Já na lenilista, o papel

dos meios de comunicação apesar de também refletirem interesses, não mais os de

mercado, mas os do partido, o modelo considera que a comunicação é um instrumento

importante para a consciência de classe. No modelo da Esfera Pública, ocorre uma

necessidade maior a discussão de assuntos de interesse público para que se possa

estabelecer a democracia. Os media seriam, portanto, esses espaços. É no quarto modelo,

no entanto, o democrata radical, que, segundo o autor, os princípios democráticos estão

bem estabelecidos.

A corrente democrata radical não difere muito da deliberativa, principalmente nas

críticas que faz ao modelo liberal, mas é no âmbito da representação política que ela se

destaca, pois amplia a zona de discussão, abrangendo tanto as desigualdades concretas

quanto as disputas políticas nas sociedades contemporâneas.

(...) entende a centralidade da comunicação nos processos políticos contemporâneos e enfatiza a ampliação da pluralidade efetiva das

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222

fontes de informação como medida necessária, ainda que insuficiente, para o emponderamento dos grupos subalternos. O que está em foco, então, é a questão do controle da mídia”. (MIGUEL, 2004: 08)

O importante seria, portanto, estabelecer diversas formas de controle dos media

possibilitando, dessa forma, encontrar caminhos para o que o Thompson chama de um

“pluralismo regulado”, ou seja, formas de garantir a existência de uma pluralidade de

instituições dos media independentes e inseridas nas diferentes esferas da comunicação de

massa (THOMPSON, 1995).

É necessária uma reformulação dos media para que ocorra um aprofundamento da

democracia. É preciso que haja uma conscientização da responsabilidade dos meios de

comunicação de massa na sua função de representação, de mediação; uma dissociação da

produção de informação do controle do poder econômico e do poder político (MIGUEL,

2004).

É preciso, também, acrescentar a esse pluralismo a inclusão de novos atores sociais

à discussão política, diminuindo assim a imensa desvantagem que tais grupos têm ao serem

excluídos dos processos de tomadas de decisões políticas.

3.4 O Marketing na campanha política

Como já citado, nos últimos tempos a política agregou formas para difusão de suas

mensagens. Duas características desse novo momento podem ser claramente percebidas: o

fato de as novas tecnologias possibilitarem a mediação do discurso a um público cada vez

maior; e as transformações ocorridas nos discursos políticos que passaram a absorver

elementos da linguagem midiática. A essas características vêm associados dois elementos

importantes na discussão sobre as campanhas eleitorais nos moldes midiáticos. O primeiro

elemento é a contratação de especialistas do Marketing para construção de toda a imagem

dos partidos políticos, programas e candidatos. O segundo diz respeito à utilização das

pesquisas de opinião na elaboração das estratégias de campanha.

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223

Entender essa nova perspectiva da política é um dos dilemas enfrentados por

estudiosos da comunicação. Rejane Vasconcelos26, por exemplo, utiliza o termo

mostrabilidade para compreender a relação entre mídia e política. Para ela, (...) só adquire

sentido político o que entra no campo da notícia, ou seja, o que se coloca em posição de

ser notado publicamente.

A frase apareceu na tv, que se tornou fala popular, reflete bem a importância da

notícia “oficial” produzida pelos media. É como se tudo que for divulgado por ela receba

automaticamente uma significação de verdade. Qualquer fato ocorrido hoje tem o seu

respaldo nas informações divulgadas nos veículos de comunicação, sejam eles de ordem

política, econômica ou social. O privado vai a público de maneira tal, que com ele se

confunde. A televisão nos aproxima dos fatos, mas, mais do que tudo das pessoas públicas.

É o que ocorre com a política. Os media, principalmente os eletrônicos, estabelecem

relações de familiaridade com os personagens políticos, no entanto, os discursos políticos

perdem sua centralidade para dar espaço à figura do político, que deve ter características de

apresentação condizentes ao padrão midiático. Nesse aspecto, os políticos que trabalham a

imagem levam vantagem. Por isso o Marketing se consolidou como estratégia de

apresentação, dos discursos e dos candidatos, nas campanhas eleitorais.

Outros autores trabalham o conceito de espetáculo político27 para estudar o

fenômeno dos media na política. Em um artigo intitulado Espetáculo, Política e Mídia,

Antônio Albino Canelas Rubim28 faz uma reflexão teórica acerca da sociedade midiática,

levando em consideração os estudos sobre o espetáculo e sua relação com o poder e com a

política.

(...) uma reflexão que queira enfrentar verdadeiramente o problema da espetacularização da política em uma contemporaneidade estruturada em rede e ambientada pela mídia não pode deixar de reconhecer que o recurso à emoção, a sensibilidade, à encenação, aos ritos e rituais, aos sentimentos e aos formatos sociais, aos espetáculos. Em suma em tudo aquilo que, em conjunto com o debate e a argumentação racional, conformam a política. (RUBIM,2002:8)

26 CARVALHO, Rejane Vasconcelos A (1999). Transição democrática brasileira e padrão midático publicitário da política. Campinas: Pontes Editores/UFC. 27 Autores como Luis Felipe Miguel, Afonso de Albuquerque e Antônio Albino Canelas Rubim desenvolvem estudos sobre os processos eleitorais no Brasil e o papel dos meios de comunicação de massa. 28 Trabalho apresentado no XI Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPOS), Rio de Janeiro - RJ de 4 a 7 de junho de 2002.

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224

Não é de hoje que o espetáculo está associado a relações de poder e até mesmo à

política. Não foi a “midiatização” que colocou o espetáculo do ambiente político.

Albuquerque (1999) nos lembra que os espetáculos e a propaganda foram muito utilizados

por dirigentes políticos como instrumentos de legitimação política já nos séculos XVII e

XVIII. Exemplo claro está nos estudos de Peter Burke, ao analisar a construção da imagem

de Luís XIV. Segundo Burke, nesse período, a propaganda montada para a divulgação da

imagem do monarca abrangeu os órgãos oficiais do governo, bem como os meios técnicos

de reprodução da obra de arte da época.

O espetáculo, portanto, faz parte da vida em sociedade e se assemelha às

encenações, ritos, rituais e representações. Está presente em todas as sociedades e práticas

sociais, dentre elas o poder político e a política (RUBIM, 2002:1).

Outro autor citado por Albino Rubim na sua incursão sobre o conceito de espetáculo

foi Guy Debord. Esse autor define o espetáculo a partir de dois eixos: 1 a relação do

espetáculo com o sistema capitalista, onde sociedade midática se caracteriza por ser uma

forma avançada do capitalismo e; 2 a separação entre real e representação, pois o

espetáculo propicia um distanciamento do mundo material dando destaque a novas formas

de mediação que privilegiam a visão.

As principais criticas às concepções de Debord são de duas ordens: a primeira o fato

de esse autor atribuir ao espetáculo uma conotação negativa reduzindo o espetáculo a um

determinismo econômico associado diretamente ao capitalismo; o segundo é a

contraposição entre o real, que é tratado de forma positiva, e a representação, considera de

forma negativa. Tal contraposição revela uma fragilidade na concepção de Deorad, pois

esta situa a representação como algo inferior e dissociada da realidade, mas Rubim

considera que,

(...) não existe a possibilidade de uma relação direta, não mediada, com a realidade: que a representação não só faz parte da realidade, como aparece como dispositivo imprescindível de sua construção social e que o estatuto da realidade da representação nada fica a dever aquele atribuído ao restante da realidade, aliás, só possibilita através do recurso às mediações. (RUBIM,2002: 18)

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225

Tais considerações são importantes do ponto de vista do entendimento da sociedade

midiática, principalmente do seu papel nas relações políticas. O que nos parece quando

verificamos os diversos estudos acerca dessa temática é uma espécie de determinismo do

espetáculo na política contemporânea, o que autores como Rubim refutam. Existe de fato

uma adequação aos padrões midáticos, mas o espetáculo não é a única possibilidade de

realização da política. Não podemos ter uma visão tão simplista de algo que é tão complexo

quanto as relações políticas, principalmente as que se apresentam na atualidade.

A política midiatizada significaria tão somente a política que transita na contemporânea dimensão pública de sociabilidade, buscando adequar-se a este espaço e as linguagens próprias da mídia, sem com isso importar uma tal lógica produtiva que impeça a política de se realizar e buscar suas pretensões. (...)A adequação ao novo ambiente, não resta dúvida, implica em mudanças relevantes da dinâmica política, inclusive com a absorção de novos atores (mídias e peritos de diversas ordens, tais como marqueteiros, publicitários, analistas de sondagens quantitativas e qualitativas, comunicólogos etc); novos instrumentos operativos (a exemplo das sondagens, dos planejamentos estratégicos, dos dispositivos potentes de produção de imagens plásticas e sociais etc.); novas linguagens e modos de comunicar; nova relevância para as imagens plásticas e sociais e novas tensões produtivas, especialmente entre os (antigos) profissionais da política e os (novos) profissionais midiáticos, muitos deles, a rigor, agora também com pertença ao campo político. (RUBIM,2002: 25)

São esses profissionais do Marketing que agora assumem papel

importante nas campanhas eleitorais. As estratégias eleitorais são agora

montadas sob sua supervisão. Sua função principal é “influenciar” a

opinião pública em relação às idéias e propostas de um determinado

candidato ou partido. São na maioria das vezes da área da comunicação

com ampla experiência em publicidade, acostumados ao mundo do

consumo, onde as imagens são de fundamental importância. Trazem essa

experiência para a política, onde por meio de técnicas como as pesquisas

de opinião que eram antes utilizadas para avaliar o mercado a fim de

montar as estratégias de campanha.

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226

As pesquisas de opinião, tanto quantitativas quanto qualitativas, são

utilizadas com o intuito de estabelecer os caminhos para as decisões de

campanha. A sondagem eleitoral possibilita uma margem de acerto porque

comporta elementos estatísticos para definição da sua amostra, ou público

a ser entrevistado. Claro que nenhuma pesquisa reflete a realidade mas dá

indícios do comportamento dos agentes que foram entrevistados e

possibilita identificar quais as principais tendências de opinião. Refletem

um determinado momento e é esse momento que interessa aos que

organizam uma campanha.

A utilização de técnicas da publicidade nas campanhas eleitorais acontece

primeiramente nos Estados Unidos no final do século XIX e inicio do século XX, mas foi

entre as décadas de 1930 e 1960 que ocorreu uma maior inserção da publicidade na política.

As eleições presidenciais nos Estados Unidos em 1960, Kennedy versus Nixon, foram um

marco, pois a televisão foi utilizada de modo intensivo durante a campanha. Foi realizada

uma série de debates televisionados que marcaram a história das eleições americanas.

No Brasil, a utilização da publicidade e dos profissionais do

Marketing em campanhas eleitorais se solidificou no final do século vinte

após a redemocratização. Algumas experiências foram marcantes, como a

campanha de 1985, em Fortaleza, para prefeito, onde a candidata do PT

Maria Luiza Fontenele soube aproveitar as técnicas de publicidade nos

programas eleitorais que iam ao ar todos os dias. O resultado foi um

programa mais bem elaborado, mais chamativo, diferente de todos os

outros.

Inúmeros exemplos poderiam ser citados, mas destacamos aqui o

caso mais marcante das eleições de 1989 para a Presidência da República.

Vários fatores favorecem para que essa eleição seja considerada histórica:

a primeira após a redemocratização; a mais ampla porque abrangia um

número muito grande de eleitores; a presença maciça dos meios de

comunicação de massa na cobertura jornalística de todo o período

eleitoral; o candidato Collor soube como nenhum outro político utilizar o

Marketing na elaboração de sua imagem; mas não se pode atribuir a vitória

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de Collor à propaganda eleitoral na televisão e ao formato desenvolvido

pelos marketeiros, mas o que podemos tirar de significativo para o nosso

estudo é que no Brasil a midiatização da política trilha caminhos firmes e

veio com força e para ficar. A cada nova eleição, mais e mais são utilizadas

as técnicas de Marketing nas campanhas.

Nas eleições de 2002, detectamos isso de forma bem clara. Os

programas estão cada vez mais atraentes, interessantes. A utilização de

videoclipes e dos programas gravados fora dos estúdios dão aos programas

eleitorais na tv um dinamismo; saem daquela coisa parada que eram os

antigos programas. A participação de artistas famosos e de políticos

conhecidos dão um ar de credibilidade. A adaptação dos políticos ao estilo

“midiático” colaboram para melhor aceitação da imagem. Todos esses

elementos associados a outros transformaram a propaganda política em

um espetáculo “midiático” onde políticos podem encenar.

A utilização de meios técnicos dos mais diversos na campanha de 2002 proporcionou

uma série de novas alternativas para difusão da mensagem. Programas em rádios e tv mais

elaborados foram a grande tônica, deixando de lado características comuns de outros

tempos, como a interação face a face. As campanhas anteriores eram marcadas por grandes

comícios, onde os candidatos tinham um encontro mais direto com os seus eleitores. Nas

suas agendas estavam programados comícios em todas as regiões do País. Essas atividades

eram mais empregadas porque valorizavam o carisma do candidato e a capacidade que ele

tinha de reunir multidões. A interação, nesse caso, é direta, pois a mensagem é transmitida

sem a presença de nenhum meio técnico e a recepção é imediata, podendo haver uma

resposta à mensagem transmitida. Muitas eleições eram decididas nesses eventos. Os

programas eleitorais de rádio e tv tinham um papel secundário por não prenderem muito a

atenção do eleitorado. Os programas eram mal elaborados e não acompanhavam o tempo da

campanha.

Nas eleições de 2002 esse quadro foi se modificando. Os comícios perderam espaço

para a televisão, transformaram-se em um evento secundário na formulação de estratégias

eleitorais, devido ao fato de que tal de estratégia eleitoral abrange um público restrito, que

se encerra na cidade ou região onde ocorreu o evento, não podendo ser estendido a todo o

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País. O discurso não é disseminado nacionalmente, a não ser nas chamadas dos telejornais,

ou nos programas eleitorais gratuitos.

Os comícios, portanto, passaram por reformulações que pudessem atrair o público

eleitor. Alternativas como showmícios que levavam artistas para realização de shows

durante os comícios foram tomadas possibilitando atrair o maior número possíveis de

pessoas aos eventos. Mas apesar perderem espaço na agenda dos candidatos para a

televisão, esses eventos, garantiam imagens importantes para compor o cenário político de

cada candidato. Imagens dos comícios eram inseridas nos programas eleitorais na televisão

dando a entender que a campanha estava nas ruas e ganhava a cada dia a adesão popular.

Nesse ponto, veículos como a televisão levam vantagem. Apesar de não estabelecer

uma interação direta com o receptor, a tv e outros meios conseguem melhor desempenho,

pois alcançam uma quantidade maior de pessoas em contextos espaciais e temporais

diferentes. Outro ponto é o fato de que se tem a possibilidade de trabalhar em tempo real,

ou seja, com as novas tecnologias, os telejornais e a própria emissora como um todo podem

empregar meios técnicos que possibilitam noticiar um fato no momento em que ocorre em

qualquer lugar do País ou do mundo. Essas novas tecnologias deram um novo formato aos

telejornais que se utilizaram delas para elaborar uma agenda capaz de dar conta do

momento eleitoral.

Acompanhando as transformações na cobertura dos media nas eleições, os candidatos

investiram mais nos programas gratuitos em rádio e tv. Foram contratadas equipes

especializadas em Marketing e propaganda e o resultado foram programas mais elaborados

visualmente, explorando vários aspectos dos próprios candidatos, como sua trajetória

política e história de vida, bem como seus programas de governo.

Dentro desse novo formato dos programas eleitorais os conceitos sobre democracia,

participação e cidadania foram introduzidos no debate mediante a da fala dos candidatos e

dos programas de governo. Novos elementos foram incorporados a essa discussão e foram

explorados nos programas de rádio e tv. Todas essas novas informações que as eleições de

2002 trouxeram irão ser aprofundadas em capítulos posteriores.

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229

4 OS PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

4.1 Esboço histórico dos partidos políticos no Brasil

A história da democracia brasileira possui capítulos marcantes de ruptura e

retomada da democracia. Desde a sua independência da Coroa portuguesa, o Brasil busca

construir sua identidade política, a qual passa necessariamente pelos caminhos

democráticos. Podemos afirmar, porém, que existe uma contradição presente na realidade

política do País, visto que tais caminhos foram formulados em bases antidemocráticas. A

política de interesses sempre esteve presente na história política brasileira. O autoritarismo

por vezes mostrou a cara em momentos importantes, quando a participação social nas

questões públicas se fortalecia e ameaçava os interesses de classe.

É justo, no entanto, admitirmos que não houve somente pontos negativos em todo o

processo democrático. Mesmo sendo a participação e a cidadania algo a se conquistar,

avanços significativos nesses dois aspectos da democracia já podem ser sentidos na nossa

história recente.

As eleições de 2002 foram realizadas dentro de um clima de fortalecimento dos

instrumentos democráticos. Essa eleição, que foi a quarta após a redemocratização,

confirmou a tendência de que no Brasil o processo democrático vem se consolidando

através de dois fenômenos recentes da nossa política: o fortalecimento dos partidos

políticos e uma participação popular maior nas questões políticas do País.

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Com o fim do regime autoritário, os partidos políticos brasileiros puderam

estabelecer uma continuidade de suas funções partidárias, o que, no Brasil, é algo recente,

haja vista as várias quebras do processo democrático por que a Nação passou. Os partidos

conseguem trilhar caminhos mais contínuos e ampliar suas bases no plano nacional. O

quadro atual contribui, não só para partidos de maior tradição como também para

agremiações pequenas e com menor tempo de existência. O fato é que essa continuidade do

processo democrático e o fortalecimento dessas instituições vão a cada nova eleição

mudando nosso perfil político.

Outro ponto é o fato de que, durante toda a história do Brasil, a política sempre foi

direito de poucos, o que possibilitou que grupos restritos estivessem sempre no poder. A

grande parte da população brasileira nem mesmo tinha direito ao voto. Aos poucos, os

direitos foram ampliados, refletindo o que hoje são as eleições e de cujo processo a maioria

da população participa. Esse fato não quer dizer, ainda, que a participação ocorre de forma

consciente, ou que toda a população participe ativamente da política, pois o voto não é a

única expressão da participação política nem a eleição se restringe ao ato de votar. Ao

contrário, o conceito de política, e mesmo de participação política, é bem mais amplo,

como afirmado anteriormente. Apesar, porém, da nossa participação ainda ser muito frágil,

o caminho está sendo trilhado e a cada nova eleição essa participação se amplia não só

quantitativa, mas também qualitativamente, por meio do debate político cada vez mais

intenso.

4.2 Os partidos antes e durante a ditadura

A estrutura do sistema partidário brasileiro, pós 1945, tornou-se marcante, pois

estabeleceu dois momentos distintos de realinhamento político para o País: promoveu em

um momento a ampliação e em outro o encolhimento do sistema partidário.

Após 1945 quando se restaura no País o Estado de Direito, com a Constituição de

1946, iniciou-se um pluripartidarismo moderado, no qual partidos puderam se organizar

nacionalmente, embora na prática somente o PSD, a UDN e o PTB alcançassem tal

dimensão. Tais partidos são considerados de grande porte e disputavam a arena política

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com outros de médio (PSP e PDC) e pequeno porte (PR, PL, PTN, PST, PRT e MTR).

Além destes, os chamados partidos ideológicos (PCB, PRP, PSB e ED) também tiveram

muita importância na elaboração do sistema partidário da época que inicia em 1945 e tem

um novo realinhamento em 1965 com o inicio do regime militar.

Quadro 4: Principais Partidos durante o período de 1945 a 1965

Partidos Principais Características

Partido Social Democrático

(PSP)

• Foi organizado por Getúlio Vargas em 1945. • Teve papel importante em todo o país como organizador e difusor das idéias varguistas. • Teve ampla maioria no congresso Nacional. • Elegeu dois Presidentes da Republica: o general Eurico Dutra (1945) e Juscelino Kubitschek (1955).

União Democrática Nacional

(UDN)

• Foi a herdeira da União democrática Brasileira. • Reuniu as forças de oposição urbanas e rurais a Getulio. • Chegou a Presidência da República em dois momentos: com Café Filho em 1954 e 1961 na gestão de Jânio Quadros. • Foi superada como segundo maior partido do Congresso pelo PTB.

Grande Porte

Partido Trabalhista Brasileiro

(PTB)

• Assim como o PSP o PTB também foi criado por Getulio com o intuito de atingir a população urbana e os sindicatos. • Apesar de ser concebido para ser um partido de pequeno porte o PTB cresceu tanto a ponto de ser considerado um partido de massas ameaçando o próprio PSP. • Era considerado um partido nacionalista e populista de esquerda.

Médio Porte

Partido Democrata Cristão

(PDC)

• Criado em 1945 em grande parte por pessoas ligadas à Liga Eleitoral Católica. • Sua base era formada principalmente por intelectuais, profissionais liberais, empresários moderados e alas do setor operário e estudantes universitários. • Chegou a ser o quinto maior partido no Congresso. • Aliou-se a Jânio Quadros nas eleições ao Governo de São Paulo e à Presidência da República.

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Partido Social Progressista

(PSP)

• Era considerado um veículo político do interventor e depois governador Ademar de Barros. • Ajudou a eleger Getulio Vargas. • Era considerado um partido populista de direita.

Partido Comunista Brasileiro

(PCB)

• Foi criado em 1922 e possuiu uma longa história política. • Foi para a clandestinidade em 1948, mantendo destacada atuação política. • A partir de 1950 começou a eleger alguns de seus quadros por outras legendas.

Partido da Representação

Popular (PRP)

• Foi o herdeiro do Integralismo. • Era liderado pó Plínio Salgado. • Sua ideologia se aproximava da ideologia fascista.

Partido Social Brasileiro

(PSB)

• Foi fundado em 1950 e aglutinou forças tanto da Esquerda Democrática quanto da Vanguarda Socialista. • Não foi um partido de expressão política. • Seu quadro era formado principalmente por intelectuais.

Ideológicos

Esquerda Democrática

(ED)

• Foi fundado por dissidentes da UDN antes das eleições de 1945. • Em 1950 reuniu-se com a Vanguarda Socialista para formar o PSB.

Fonte: Quadro produzido pela autora

O legado do período do governo militar pode ser visto em dois aspectos: o primeiro

através das instituições políticas sob as quais o governo militar operava; e o segundo pelo

modelo de desenvolvimento econômico seguido e suas conseqüências.

Em 1966, surge o bipartidarismo, mexendo novamente com o sistema partidário

brasileiro. Apesar do golpe ser instaurado em 1965, o geral Castelo Branco mantém as

eleições diretas para governador marcadas para outubro de 1965. Tal atitude recebeu

inúmeras críticas por parte alguns militares que assumiam o governo e que desejavam um

controle maior dos mecanismos eleitorais, no entanto tais mecanismos foram preservados.

Fleischer (2004) salienta, que ao serem mantidas as eleições durante o regime militar, o

novo governo se diferencia de outros países da América do Sul. Somente no decorrer do

regime é que novas medidas no sistema eleitoral foram tomadas, invialibizando a

participação de partidos pequenos na arena política. Com o bipartidarismo, novas regras

foram implementadas. Dentre elas, podemos destacar o fato de as organizações partidárias

terem que agremiar 120 deputados federais e 20 senadores. Tal imposição tornava difícil a

formação de partidos, o que na prática beneficiou a Aliança Renovadora Nacional –

ARENA ligada ao governo militar. Também o MDB foi atingido diretamente com o novo

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panorama político e teve dificuldades em reunir os 20 senadores necessários para continuar

na cena política, sendo necessária a filiação temporária de dois senadores.

Maria D’Alva Kinzo29 (2001) segue a mesma linha de analise de Fleischer (2004). Em seu artigo A democratização Brasileira: um balanço do processo político desde a

transição, a autora afirma que o período da ditadura militar era marcado por um paradoxo,

pois, por um lado, existia uma disputa interna de poder, o que levou ao conflito setores

moderados e radicais do governo militar e, por outro, uma estrutura montada pelo regime

militar que permitiu continuar em funcionamento os mecanismos e procedimentos de uma

democracia representativa, embora controladas. Esses dois aspectos foram um diferencial

das outras ditaduras da América Latina nesse período, pois combinavam aspectos de

autoritarismo e democracia.

(...) o Congresso e o Judiciário continuaram em funcionamento, a despeito de terem seus poderes drasticamente reduzidos e de vários de seus membros serem expurgados; manteve-se a alternância na presidência da República; permaneceram as eleições periódicas, embora mantidas sob controles de várias naturezas; e os partidos políticos continuaram em funcionamento, apesar de a atividade partidária ser drasticamente limitada. Em síntese, era um arranjo que combinava traços característicos de um regime militar autoritário com outros típicos de um regime democrático. Este arranjo peculiar foi o responsável, em grande medida, por sucessivas crises políticas que acompanharam o regime, fazendo-o se caracterizar por fases alternadas de repressão e liberalização permeadas por crises políticas resultantes de conflitos dentro do exército e entre estes grupos e a oposição democrática (KINZO, 2001:02).

Tais características do regime militar podem ser apontadas como facilitadoras do

processo de transição democrática no Brasil. A tese defendida por Kinzo é de que a

abertura política e a retomada da democracia foi um processo lento e gradual que começou

a ser materializado em meio ao regime militar e contando com a participação dos próprios

militares. Esses constantes momentos de crises internas do regime, aliadas ao anseio das

massas, levaram a inevitável retomada da democracia. A autora divide esse momento em

três fases: a) período em que a transição estava nas mãos dos militares (1974 a 1982); b)

29 KINZO, MARIA D'ALVA G. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo Perspec. out./dez. 2001, vol.15, no.4, p.3-12. ISSN 0102-8839.

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período em que atores civis passam a ter um papel importante no processo político (1982 a

1985); c) período no qual os políticos civis e setores organizados da sociedade atuam de

forma intensa no processo de transição democrática (1985 a 1989).

A primeira fase inicia-se com a indicação de Geaisel a Presidência em 1974,

quandomedidas de abertura política começam a ser tomadas como a revogação parcial da

censura à imprensa e a realização de eleições mais livres que culminaram em um melhor

desempenho do MDB, partido de oposição ao regime.30

A intensificação do processo de liberalização democrática se deu a partir de 1978,

quando foi revogado o ato institucional Nº 5. Outro momento importante nesse processo foi

a aprovação, pelo Congresso Nacional, da anistia, depois de um pressão social organizada

por vários setores da sociedade civil. A anistia permitiu o retorno, ao País, de militantes

políticos exilados. A reforma partidária, também, representou um momento importante da

retomada da democracia. Ela possibilitou que vários partidos saíssem da clandestinidade e

pudessem novamente se organizarem e atuarem politicamente.

A segunda fase foi marcada pelas eleições de 1982, que se seguiram a todos os

eventos há pouco citados e teve um caráter diferente, o que demonstra os novos rumos que

o País tomava. Pela primeira vez desde 1965, o povo pôde escolher seus representantes

estaduais. A eleição direta de governadores, senadores e deputados possibilitou ao PMDB,

maior partido de oposição, ampliar o seu quadro de representantes. Nesse período, o partido

conquistou 200 cadeiras na Câmara dos Deputados, o que na época refletia o desejo da

sociedade de mudança na estrutura política do País, mas o governo militar não saía de todo

enfraquecido desse processo. Os militares garantiram a maioria no colégio eleitoral, o que

asseguraria o voto na escolha das regras da sucessão presidencial.

Em 1985, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 25, que restabelecia a

liberdade de atuação dos partidos políticos que viviam na clandestinidade e a formação de

novos partidos. Saíram beneficiados dessa abertura, principalmente, os partidos de esquerda

que atuavam de forma clandestina em partidos como o PMDB.

A sucessão presidencial seria, nesse momento, a batalha mais importante travada

entre governo e oposição. De um lado a sociedade civil e os partidos de esquerda, que

30 Embora desse sinais de uma abertura democrática, o governo Geaisel continuou a tomar medidas de repressão muito em função de manter sob controle a oposição interna e externa ao regime.

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235

queriam a eleição direta para presidente da República e de outro os militares que temiam

um governo civil sem nenhum tipo de controle do regime militar e realizavam manobras

para a indicação de um candidato de sua escolha que atendesse aos seus interesses. Para que

as eleições ocorressem a oposição iniciou intensa mobilização social que culminou no

movimento das Diretas Já em todo o País. Durante alguns meses, o País viveu em clima de

discussão política que envolvia todas as esferas sociais; algo que seria marcante para todo o

processo de retomada democrática e que ficará na memória como um movimento político

popular e democrático.

Apesar de toda a sua amplitude, a mobilização em prol das Diretas Já não foi

possível mudar as regras da sucessão presidencial. Prevaleceu a indicação do Colégio

Eleitoral, no entanto, os partidos de esquerda buscaram alternativas para que as mudanças

na estrutura política fossem efetivadas. A primeira delas seria buscar simpatizantes dentro

do próprio governo e a segunda seria via movimento social. Qualquer dos dois caminhos a

seguir era importante para que os partidos de esquerda pudessem se unir em torno de um

consenso que melhor encaminhasse o processo de redemocratização. Era preciso, portanto,

estabelecer linhas de entendimento com partidos como PT, PTB e PDT, que tinham se

posicionado contra a emenda das diretas em troca de cargos no governo.

A terceira fase teria inicio com o governo Sarney, após a eleição e morte repentina

do presidente Tancredo Neves. Dentre as principais características desse novo processo

estariam a intensificação da democratização com a revogação de todas as medidas que

cerceavam a liberdade política e a elaboração de uma nova Carta Magna com a

Constituição31 de 1988.

4.3 Os partidos na redemocratização

A nova Carta Constitucional de 1988 foi o mecanismo final de consolidação da

retomada da democracia e desaparecimento de todo o processo autoritário vivido no País

31 Segundo Kinzo, a Constituinte seria a maior experiência na história constitucional brasileira, pois os seus trabalhos foram organizados de forma descentralizada, por ter sido, toda ela, amplamente divulgado pelos media, o que possibilitou que a opinião pública pudesse acompanhar todo o processo e, por ter se tornado palco de ampla discussão política, fazendo com que tudo fosse amplamente debatido. O resultado dessa Constituinte foi a garantia de todos os mecanismos da democracia representativa.

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236

nas ultimas décadas. Uma verdadeira onda de mudanças ocorria na esfera política. As

principais conseqüências dessa carta foram: retomada de eleições diretas em todos os

níveis; ampliação do número de eleitores. Na prática, significou eleições diretas para

presidente em 1989, a primeira desde 1960, e a inclusão dos analfabetos e dos jovens de 18

e 17 anos na escolha direta de seus representantes.

Após as eleições de 1989, novos rumos foram seguidos no panorama político do

País. Políticos descontentes com os rumos do Partido do Movimento Democrático

Brasileiro – PMDB decidiram se afastar e criar um partido o PSDB - Partido da

Socialdemocracia Brasileira. Tal cisão mexeu com a Casa Lesgislativa e mudaria os rumos

da liderança do PMDB como partido de oposição.

As mudanças também possibilitaram um novo reordenamento. Ocorreu uma

expansão do sistema partidário, fazendo com que, em 1989, fossem habilitados 22 partidos

para que pudessem concorrer às eleições à Presidência daquele ano. Os empecilhos à

organização dos partidos foram retirados facilitando a obtenção do registro provisório no

TSE, no entanto, para que se conseguisse o registro definitivo, o trâmite ficou mais

rigoroso, o que levou a um quadro interessante: aumentou o número de pedidos de registro

provisório para novos partidos, mas o número dos que o conseguiram o registro permanente

era muito inferior à quantidade de pedidos.32

Novas mudanças foram sentidas no sistema partidário. Merecem destaque: a

legalização das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. As doações

devem ser feitas através de bônus e devem ter sua origem e quantia registradas no TSE; a

redução do mandato presidencial de 5 para 4 anos; e as eleições para o Congresso, bem

como, para governadores, passariam a ser realizadas no mesmo período das eleições para

presidente da República;

A Lei 8.713 definiu restrições para que os partidos políticos pudessem lançar

candidaturas em 1994: a filiação partidária teria que ser definida em período determinado

pelo TSE; e somente os partidos de mais de 3% de representação na Câmara dos Deputados

poderiam lançar candidatos a presidente e governador.

32 De 1985 a 1995, foram realizados 68 pedidos de registro junto ao TSE, mas somente 23 conseguiram o registro definitivo.

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237

Essa última restrição afetou diretamente as candidaturas de partidos pequenos que

se sentiram lesados. Um desses partidos foi o PSC, que desejava lançar a candidatura de

José Sarney (ainda no PMDB) e foi impedido pelas novas regras. O partido entrou com

recurso junto ao STF que resultou na inconstitucionalidade da segunda restrição, mas

manteve a data para a filiação, o que impossibilitou a ida do Ex-presidente e senador pelo

PMDB – AP para o partido.

Novamente em 1995 o sistema partidário esteve envolto por transformações. Passou

por outro encolhimento, o que possibilitou um realinhamento em 1996. Nesse período o

PPR e o PP realizam uma fusão que geraria depois um novo partido, o PPB - Partido

Progressista Brasileiro. Já eram 16 os de partidos no Congresso Nacional.

Em 1997, outra medida causou impacto nas estruturas políticas do país. O

Congresso Nacional aprovou a emenda da reeleição permitindo que governadores e

presidente pudessem concorrer ao segundo mandato em 1998. Essa medida privilegiou

especialmente o presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994 pelo PSDB.

Todas essas ocorrências no sistema partidário desde a abertura política, configuram

as complexas relações políticas de uma democracia que começa. O País, de fato, se

fortalece democraticamente a cada eleição e aprende, no desenrolar de tantos eventos, que a

democracia é algo conquistado e elaborado no seio de toda a sociedade. Apesar dos

atropelos de um caminhar histórico marcado pelas relações clientelistas, de luta de

interesses e por uma política partidária com apelos populistas o Brasil, sem dúvidas,

consolida-se nos princípios democráticos e avança sem novas ameaças autoritárias.

4.4 Partidos de esquerda e agremiações de novo tipo

A redemocratização permitiu que o quadro político brasileiro se reestruturasse e

novos partidos fossem organizados, perseguindo cada qual suas convicções política-

ideológicas. Políticos de longa trajetória na história se reorganizaram em torno do ideal de

formulação das estruturas democráticas sólidas. Dentre estes, o PMDB, o PT, o PFL e o

PSDB foram os principais protagonistas das eleições de 2002. Em torno desses quatro

partidos, se agruparam outros que também desempenharam papéis importantes durante o

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processo eleitoral. Para nosso estudo, no entanto, preferimos destacar os que foram

mencionados há pouco pelo fato de que tais partidos polarizaram as discussões,

estabelecendo no decorrer das eleições duas correntes fortes para a disputa eleitoral.

O PFL teve origem no antigo PDS. O partido foi formado basicamente por

dissensões do PDS durante a sucessão do presidente João Batista Figueiredo. O ponto

central das divergências, que levam à cisão no partido, foi a candidatura de Paulo Maluf,

apoiado pelo PDS. Para alguns pedessistas, esse apoio era inaceitável, o que os levou a sair

do partido e fundar o Partido da Frente Liberal, PFL.

O PFL, junto com outros grêmios, formou a Aliança Democrática, que apoiava a

candidatura de Tancredo Neves, governador de Minas Gerais. A campanha foi vitoriosa e

colocou novamente no poder um civil, quebrando anos de ditadura militar.

O seu lançamento oficial como partido político ocorreu em janeiro de 1985 e teve

como base na sua formação políticos do Nordeste. A presença de uma elite nordestina na

formação do partido foi de grande importância, principalmente na sua consolidação como

entidade de penetração nacional e é até hoje a grande garantidora de votos para o partido.

Apesar dessa característica, o PFL se organizou primeiramente no plano nacional,

dando ênfase à política nacional e os cargos federais. Teve participação efetiva em vários

governos com de cargos ministeriais, Câmara Federal e Senado. Posteriormente o partido se

voltou para o fortalecimento de suas bases regionais.

O programa da Frente Liberal foi concebido dentro dos princípios liberais e constam

em seu documento alguns itens, conforme relacionados:

• restauração do regime democrático;

• convocação de uma assembléia nacional constituinte;

• apoio irrestrito ao pluripartidarismo;

• revigoramento da Federação;

• universalização do princípio da representação política; e

• reorganização do Estado;

No decorrer de todos esses anos, o PFL se consolida como portador de concepções

liberais e situando-se à direita. A posição assumida por essa agremiação permite demarcar

um posicionamento de direita, contrário à posição assumida por órgãos partidários de

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tradição na esquerda. Dessa forma, o partido também se assume como conservador, mas

demonstrou um caráter moderno, ao se aliar com novas concepções, quando apoiou o

governo FHC.

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro é um dos mais antigos do País.

Sua fundação ocorreu durante o regime autoritário e teve suas raízes no antigo Movimento

Democrático Brasileiro, o MDB. Desde o seu surgimento, teve caráter oposicionista, o que

possibilitou agregar dentro dele as mais diversas matrizes ideológicas, como o MR8, o PCB

e o PC do B, todos em busca da restauração do processo democrático.

Divergências internas no MDB possibilitaram a criação do PMDB. Os partidários se

dividiam entre os que defendiam uma atitude mais moderada com relação ao regime

autoritário e os que pregavam uma resistência mais agressiva contra o governo e suas

políticas governamentais. Com a reforma partidária de 1979, que restituiu o sistema

pluripartidário, os mais radicais do MDB o reformaram e assumiram a legenda do PMDB.

Apesar dessa reforma, a associação partidária continuou por muito tempo sendo o maior

grêmio político de esquerda do Brasil.

O PMDB também foi um dos articuladores das Diretas, movimento em prol das

eleições diretas a presidente da República, e da campanha de Tancredo Neves à

Presidência. O Partido é, sem dúvida, um dos grandes defensores da democracia no País e

em sua trajetória se destaca pela luta e defesa dos direitos democráticos.

O PMDB, partido de oposição, se confronta com o partido do governo e crescem as

divergências internas. Se durante muito tempo lutou pelo retorno da democracia, quando

isso ocorre, o partido passa a enfrentar novos desafios, fazer parte do governo.

Divergências internas marcaram o período Sarney, quando o partido apresentava um

comportamento ora de governo, ora de oposição. Alguns peemedebistas pregavam sua

independência em relação ao Governo Federal. Essa idéia foi posta em pauta em uma

reunião da Comissão Executiva do Diretório Nacional. Os partidários alegavam não se

sentirem representados pelos companheiros de partido que compunham os cargos federais.

Apesar de no final da reunião a reivindicação ter sido aprovada, o PMDB continuou

apoiando e fazendo parte do governo. Outros fatos ocorreram durante a trajetória do Partido

que levaram em vários momentos a aflorar as divergências internas, o que culminou na sua

cisão e na criação do PSDB.

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Episódios como esse não se constituem em novidade na trajetória peemedebista, povoada de constantes divergências internas. Contudo, com o fim do regime autoritário e do período de transição, tornou-se mais difícil administrar tais conflitos, ou pelo menos estes adquiriram uma outra dinâmica. Não havia mais o catalisador – representado pela defesa da democratização do país – que viabilizou a convivência das diferentes correntes dentro do partido. (IDEM:157).

Exemplo mais recente dessas divergências ocorreu durante as últimas eleições

presidenciais, quando, mesmo não fazendo um apoio declarado, uma parcela do Partido

apoiava a candidatura de Luis Inácio da Silva, enquanto outra mantinha a mesma posição

daquela praticada durante todo o governo FHC, ao apoiar a candidatura de José Serra.

O PMDB vem, ao longo de todos esses anos, reafirmando sua atitude ideológica,

defendendo idéias de cunho nacionalista e políticas de desenvolvimento para a diminuição

das desigualdades sociais. Em um documento de 1994, intitulado Democracia com

Desenvolvimento: novo programa doutrinários do PMDB, este reafirma os seus princípios

e traça outras diretrizes. Dividido em quatro capítulos, o documento aborda questões de

ordem político-partidária, desenvolvimento econômico e problemas sociais.

Este Novo Programa Doutrinário do PMDB, elaborado de forma concisa e objetiva, identifica na defasagem entre poder político democrático e política econômica efetivamente praticada o grande problema a superar. O desafio está em como construir a saída para a crise e em como superar os problemas estruturais que tornam a situação presente, especialmente em relação a emprego e salário, inaceitável, em face da atrofia do mercado interno, do baixo investimento, da insegurança quanto ao futuro da economia e da inflação. Desenvolvimento é a palavra-síntese para superar este desafio. Desenvolvimento econômico, social, político e cultural. Expandir nossa capacidade produtiva e convertê-la em bem-estar para a maioria da população, com crescente controle popular sob os destinos do País33.

Esse documento revela a preocupação do Partido diante de novos desafios e o seu

posicionamento frente a questões de ordem econômica, política e social.

33 Trecho retirado do documento do Partido, acima referido.

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Outro partido importante para o nosso estudo é o Partido da Socialdemocracia

Brasileira, PSDB. Fundado em 25 de junho de 1988, constituiu-se politicamente, em

especial, com políticos dissidentes do PMDB. Eram membros do PMDB que, descontentes

com as posições tomadas pelo Partido frente à elaboração da Constituição, e com o rumo

que tomava o governo Sarney, resolveram deixá-lo e fundar outro com características da

socialdemocracia. Nomes importantes para o PMDB, como os dos então senadores

Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, ambos de São Paulo, do ex-governador de São

Paulo, Franco Montoro, e dos então deputados José Serra (SP) e Pimenta da Veiga (MG)

encabeçaram a lista dos dissidentes e, que posteriormente, fizeram parte da cúpula do novo

partido. Todos os nomes ora citados foram atuantes durante todo o processo de

redemocratização.

Logo no seu inicio, o PSDB tornou-se o terceiro maior partido do Congresso

Nacional, com 37 deputados federais e 8 senadores. Na primeira eleição a que concorreu o

partido, este conseguiu eleger 18 prefeitos e 214 vereadores. Também teve participação

importante nas eleições presidenciais de 1989, quando o seu candidato à Presidência, o

senador Mário Covas, obteve o quarto lugar no primeiro turno. Já no segundo turno, o

Partido resolveu apoiar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva.

Nas eleições seguintes, o PSDB já podia ser considerado como partido forte e com

uma base de apoio cada vez mais ampla, contando com a participação de importantes

lideranças nordestinas. Foram eleitos 38 deputados federais, 67 deputados estaduais, 9

senadores e um governador - Ciro Gomes, no Ceará.

Durante o Governo Collor, o PSDB foi por diversas vezes convidado a participar do

governo mas a sua executiva sempre votou contra a essa participação, pois considerava esse

governo contrário aos princípios da socialdemocracia, pelos quais o partido se orientava.

Após o impeachment de Collor e com o governo do presidente Itamar Franco, o partido se

sentiu mais à vontade para participar do quadro executivo do governo. Convergências

políticas possibilitavam essa participação. A grande contribuição se deu na área econômica,

com a elaboração do Plano Real, pelo tucano Fernando Henrique Cardoso e sua equipe.

O Plano Real, além de servir para a estabilização da moeda, foi também vitrine para

a campanha de Fernando Henrique à Presidência da República em 1994. Com uma

trajetória política muito curta como partido político, o PSDB assumiu em 1995 o cargo

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mais importante do País - o de presidente da República. Conseguiu a sua reeleição em

1998, permanecendo no poder por oito anos.

Marcado também pelas transformações políticas-sociais ocorridas no País nos anos

1970 e 1980, o Partido dos Trabalhadores teve em sua trajetória política o envolvimento

com as lutas sociais. Fundado em outubro de 1979, originou-se dos movimentos sociais que

buscavam o fim do regime autoritário e reivindicavam melhoria das condições de vida para

a população. Lutavam pela ampliação dos direitos trabalhistas, melhorias no setor de saúde

e educação e saneamento básico, necessidades básicas, bem como por direitos políticos.

Considerado como um partido classista, o PT surgiu para organizar os

trabalhadores, dando-lhes representatividade política. Sua base vinha do movimento

sindical que durante toda a década de 1970 foi importante na luta pelos direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais. Bem organizados, esses sindicatos pressionavam o governo

de forma a obter conquistas importantes para os trabalhadores. Destaca-se nesse período o

papel importante dos sindicatos dos metalúrgicos do ABC Paulista, o maior pólo industrial

do País. Esse sindicato obteve fama nacional pelas várias manifestações que promovia e

pelo grau de mobilização que alcançava.

Membros de vários sindicatos de trabalhadores achavam que por si os sindicatos

não conseguiam diminuir as diferenças de classes históricas no País. Era preciso que os

trabalhadores se organizassem melhor, de forma que pudessem defender os seus direitos

não somente no chão da fábrica em negociação direta com os empresários, mas que os seus

direitos fossem levados às esferas governamentais e ampliados para a classe trabalhadora

como um todo. Daí a necessidade de se criar um partido para os trabalhadores com

representatividade procedente dos sindicatos atuantes e outras entidades que lutavam pelos

direitos sociais.

Desde a divulgação dessa idéia, existiu certa divisão de opiniões. Tanto os partidos

de esquerda quanto os de direita, e mesmo o movimento sindical, divergiam sobre a criação

de um partido somente para os trabalhadores, principalmente porque já existia um partido

forte de oposição, o MDB.

(...) o aparecimento e a consolidação do PT contrariou as expectativas de lideranças localizadas à direita, ao centro e a esquerda do espectro político. Pela esquerda e o centro, ele foi visto como um “divisor das oposições” que segundo concebiam, deveriam manter-se unidas num único partido. Para a direita,

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albergada no interior do Estado autoritário e gestora da reforma político-eleitoral de 1979 – voltada para o enfraquecimento dos movimentos democratizantes e para a obtenção de uma sobrevida do regime – o PT, ainda que aceito enquanto possível “divisor das oposi ções”, aparecia, entretanto, em virtude da postura autonomista e antiinstitucional que adotava, como séria ameaça às pretensões do governo de controle sobre a sociedade civil (César, 2002:51).

Segundo Thomas Skidmore, alguns integrantes dos sindicatos tinham muitas

desconfianças do MDB pelo fato de que esse partido recebia apoio do PCB e do PC do B,

contrários à inserção dos sindicatos nas disputas eleitorais, achando que o papel dos

sindicatos deveria se limitar à organização sindical.

O PCB opunha-se fortemente à criação do PT, alegando que Lula e seus sequazes deviam limitar-se à organização sindical. Mas Lula respondia que os trabalhadores jamais poderiam conquistar influência política enquanto não tivessem um partido que falasse ‘exclusivamente’ por eles. (SKDMORE, 1988:430).

Outro ponto das divergências, principalmente dentro do movimento sindical, era o

fato de que o PT serviria como palco para a atuação individual de Lula. O PT já nasceria

com a sombra de um líder forte que encobriria o brilho das concepções socialistas da

agremiação.

Tais divergências não desanimaram os idealizadores do Partido. Realizaram eventos

nos quais a proposta era debatida e com isso foram conseguindo adesões e apoio para a

criação da Entidade. A fundação do PT contou com a participação de vários lideres

importantes do sindicalismo brasileiro, intelectuais e de outras entidades ligadas aos

movimentos sociais.

Fundou-se nesse momento o PT, articulado a partir de propostas lançadas por algumas das mais expressivas lideranças sindicais do período, majoritariamente operárias, mas congregando também número significativo de adeptos originários de movimentos sociais díspares e de extração social diversificada. Na tentativa de construção de um espaço de atuação política autônoma, as lideranças do “novo sindicalismo brasileiro” agiram, na verdade, como força centrípeta sobre os militantes dos demais “novos movimentos sociais”, atraindo -os para a

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construção de um novo partido político e, portanto, para o espaço da ação política institucionalizada (CÉSAR, 2002:50).

O programa partidário do Partido dos Trabalhadores se pautou pelas concepções

socialistas, levando em consideração a realidade brasileira e suas especificidades.

Crítico das propostas socialistas existentes e já em crise na época de sua fundação, o PT definiu-se, não obstante estes fatos, como um partido classista que, tendo o socialismo como referência, propunha-se organizar politicamente as massas trabalhadoras no país, com vistas à construção de um socialismo adequado às condições da sociedade brasileira (IDEM: 241).

Desde a sua criação, o PT teve a sua base em São Paulo, pelo fato de lá estar situado

o grande pólo industrial do País, MMs também em seu inicio teve grande apoio nas

principais áreas urbanas como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.

Por exigência de uma nova lei eleitoral, o Partido teve que apresentar candidatos em todos

os estados da Federação, o que levou o PT a espalhar os seus militantes para todo o país e

com isso disseminar o Partido e suas propostas.

Ao longo de sua trajetória política o PT foi levado a reformular as suas diretrizes. O

Partido da formação hoje carrega novas bandeiras e se diz renovado. Tais bandeiras foram

se incorporando ao programa do partido em razão das necessidades exigidas no campo

político, o que exigiu do PT abandonar idéias iniciais e repensar o partido e sua estratégia

política. Dessa forma foi que em 1992 foi elaborado o Projeto PT 2000, que tinha como

metas:

• Resgatar a imagem do PT como único partido nacionalmente enraizado na

sociedade, especialmente nas camadas populares, com um ideário definido e

programa concreto de ação para o Brasil até o ano 2000;

• Combater o antipetismo, que cresce na mesma proporção do próprio PT;

• Planejar as atividades do Partido até 1999, com atividades e estruturas

profissionais permanentes, evitando as improvisações das campanhas

eleitorais, em que estamos sempre correndo atrás do prejuízo;

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• Estimular a participação de todos os setores organizados da sociedade nas

instâncias partidárias, promovendo ampla campanha nacional de filiação e

democratizando as deliberações em todos os níveis;

• Reforçar os esquemas de arrecadação financeira do partido, de forma a

permitir a gradativa profissionalização dos quadros e a multiplicação de

diretórios em todo o território nacional;34

Tais propostas foram elaboradas no momento em que o partido tinha a confiança da

vitória nas eleições de 92. Era preciso assumir posicionamentos firmes que ajudassem o

partido a elaborar sua governabilidade. Portanto, a preocupação em consolidar o PT em

plano nacional e mudar a imagem que as pessoas tinham do partido e dos seus políticos, em

especial de Lula, candidato pela segunda vez à Presidência, Lula, na campanha com Collor,

tinha tido sua imagem, bem como a do partido, atacada de forma enfática.

A concretização dessas idéias veio com as viagens de Lula pelos lugares remotos do

país, intitulada de Caravana da Cidadania, que tinham como principal finalidade fazer

chegar a esses lugares as principais idéias do Projeto PT 2000.

A pesar de não obter êxito nas eleições de 1992 e posteriormente nas de 1998, o PT

continuou com a estratégia estabelecida a partir do relatório de 1992. Ampliou os seus

diretórios, consolidou-se como poder administrativo, realizou projetos importantes como o

orçamento participativo em Porto Alegre, os Agentes de Saúde em Icapuí, dentre outros. O

partido mudou a sua imagem diante da população e se consolidou como grêmio de força

nacional. Um reflexo dessa mudança está na imensa votação que obteve nas eleições de

2002, conseguiu chegar ao cargo mais alto do poder no País e ampliou o número de

deputados e governadores.

O PT hoje possui diretório em todo o Território nacional e vem conseguindo ao

longo de todos esses anos ampliar a sua participação nos planos municipal, estadual e

federal. Participou ativamente das primeiras eleições diretas presidenciais do Brasil depois

da retomada do processo democrático. Teve como candidato o ex-metalurgico, ex-

sindicalista e um dos fundadores do partido, Luis Inácio Lula da Silva. Lula foi candidato a

presidente por quatro eleições (1990, 1994,1998 e 2002). Em todas elas levou a disputa 34 DIMENSTEIN, Gilberto e SOUZA, Josias de. A história Real: trama de uma sucessão. Editora Ática. São Paulo, 1994.

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eleitoral para o segundo turno e conseguiu reunir vários partidos para compor uma base de

apoio a sua candidatura. Venceu as últimas eleições, concorrendo com o candidato apoiado

pelo presidente Fernando Henrique, o tucano José Serra.

O PPS também é uma partido que tem origem em um partido de esquerda atuante na

história política brasileira. Ele surgiu durante o X Congresso do Partido Comunista

Brasileiro, o PCB, realizado em janeiro de 1992. Nesse período, o PCB passava por uma

renovação interna, reflexo do que ocorria no mundo socialista, queda do muro de Berlim e

a derrocada do “socialismo real” no leste europeu. O P artido decidiu que era o momento de

mudanças internas e desde então alterou sua sigla para Partido Popular Socialista – PPS.

Em um balanço, posterior à troca da sigla, foi constatado que o Partido havia incorporado

milhares de filiados e estava organizado em todo o Brasil.

O PPS continuou com sua tradição de partido de oposição e atuou como tal durante

todo o governo Fernando Henrique. Lançou candidato próprio a presidente nas eleições de

1998 e 2002. O candidato era Ciro Gomes, ex-ministro do governo Itamar Franco e ex-

tucano.

O Partido Social Brasileiro tem origem no movimento chamado Esquerda

Democrática. Esse movimento foi fundado por intelectuais e políticos que buscavam

soluções para os problemas sociais através de uma solução socialista. Em abril de 1947,

durante a Segunda Convenção do Partido Esquerda Democrática, se transformou no Partido

Socialista Brasileiro-PSB.

Desde a sua fundação, o PSB traçou uma linha ideológica pautada na

compatibilização entre socialismo e liberdade, em um socialismo democrático. A

participação política do Partido foi intensa em vários momentos importantes da nossa

história. Em seus mais de cinqüenta anos de existência, passou por momentos críticos,

como o período da ditadura militar, que interrompeu o avanço democrático e posicionou

partidos políticos na ilegalidade. No decorrer desses vários processos históricos, o PSB

sempre defendeu seus ideais e se mostrou presente e atuante. Participou da formação das

ligas camponesas e de vários outros movimentos sociais, como os movimentos sindicais, as

Diretas-já e a retomada do processo democrático.

No âmbito da política atual, o Partido tem mantido a sua linha de oposição. Nas

eleições de 2002, lançou a candidatura de Antony Garotinho, ex-governador do Rio de

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Janeiro. Com a derrota do seu candidato já no primeiro turno, decidiu compor a aliança que

apoiou o candidato Lula no segundo turno.

Os partidos até aqui comentados foram importantes para o pleito de 2002. O fato de

que uma eleição como essa haver possibilitado que partidos com uma tradição histórica

como o PMDM, PSDB, PFL, PT, PSB e PPS lançassem candidatura própria para a

Presidência do País só reafirma a certeza de que a democracia cada vez mais se fortalece.

Todos esses partidos tiveram papel importante na retomada da democracia e se consolidam

como agremiações partidárias portadoras de propostas democráticas.

5 A CAMPANHA ELEITORAL DE 2002

5.1 O contexto do processo eleitoral

O primeiro de janeiro de 2002 chegou trazendo grandes novidades no cenário

político do País. O governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

passava pela sua pior crise desde que assumiu o poder em 1994. Existia uma insatisfação da

população com: o alto índice de desemprego, o aumento da violência, o baixo valor do

salário mínimo, dentre outros aspectos do governo FHC. O cenário econômico não era mais

tão tranqüilo e as expectativas de uma mudança de governo traziam reações negativas ao

mercado, caracterizado por assumir sempre posição pessimista diante de qualquer ameaça

de mudança. As principais manchetes do País refletiam o nervosismo do mercado interno e

externo com relação à possibilidade de um governo de esquerda no poder.

As indefinições e preocupações relativas à sucessão presidencial repercutiram no

Exterior, passando o Brasil a fazer parte da agenda dos noticiários dos americanos,

europeus e latino-americanos. O mundo olhava com interesse o que se passava no Brasil.

Organismos financeiros como o Fundo Monetário Internacional – FMI, também, por

diversas ocasiões durante o período eleitoral, demonstraram preocupação com os rumos da

política econômica e uma possível troca de orientação política.

Dessa forma, o ano começa em um cenário de extremo nervosismo, alimentado

principalmente pela proximidade da eleição presidencial. De fato, porém, podemos afirmar

que todo o processo que culminaria na escolha do novo presidente teve seu inicio bem antes

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desse momento. As eleições presidenciais de 2002 começaram a ser gestadas ainda em

1998.

Apesar da derrota dois candidatos saíram do pleito de 98 como candidatos fortes

para as eleições de 2002 - Lula e Ciro - ambos pautaram suas candidaturas pela oposição ao

governo FHC, o que os caracterizava como propostas alternativas frente a um governo que

se dizia socialdemocrata e que nos últimos oito anos implantou no País políticas neoliberais

financiadas principalmente pelo Banco Mundial.

Outra possível candidatura surge como alternativa ao país. Em novembro de 2001, o

Partido da Frente Liberal – PFL exibe em rede nacional seu programa partidário. Nele o

partido dá destaque à então governadora do Maranhão Roseana Sarney como exemplo de

uma administração de sucesso do PFL. A repercussão do programa foi tamanha que logo

em seguida a governadora era apontada pela mídia como possível candidata à sucessão

presidencial com forte tendência a ganhar a eleição. O “fenômeno Roseana”, como foi

chamada a pré-candidata, surpreendeu a todos com o seu carisma e aceitação pelas massas.

Seu próprio partido, o PFL, não tinha a dimensão de que tinha nas mãos a chance de

encabeçar a chapa da sucessão de Fernando Henrique, visto que o PFL sempre foi um dos

partidos da base de apoio do governo do PSDB.

A candidatura de Roseana, no entanto, não consegue sobreviver às denúncias de

corrupções que foram feitas ao seu marido e a pré-candidata abandonou o cenário da

disputa eleitoral, o que ocasiona um racha no apoio político do PFL ao PSDB, que insiste

em candidato próprio.

Mesmo superado o episódio Roseana Sarney, o partido do presidente Fernando

Henrique tem pela frente uma disputa interna para resolver. Quadros importantes do

partido, como o então governador do Ceará, Tasso Jereissati, o ministro da educação Paulo

Renato e o ministro da saúde José Serra, são apontados como nomes possíveis para a

sucessão presidencial. Ocorre, então, uma disputa interna no PSDB para a indicação do

nome que iria concorrer às eleições. Apesar de contar com o apoio de uma parcela

importante do partido, Tasso Jereissati perdeu a disputa interna para José Serra, o que gerou

uma divisão no partido e levou o governador do Ceará e seu grupo a apoiarem a

candidatura de Ciro Gomes.

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249

Outro candidato, Antonny Garotinho, governador do Rio de Janeiro, surge também

como alternativa ao atual governo. Sua candidatura ia na contramão até do seu partido, o

PSB, que acreditava em uma aliança com o PT de Lula.

Tal cenário demonstra que as eleições que se aproximavam de nada se

assemelhavam com as eleições de 1994 e 1998. Primeiro pelo fato de que em 94, o então

candidato Fernando Henrique Cardoso dominou a cena política pela implementação do

Real e a possibilidade de uma instabilidade econômica capaz de combater a inflação,

problema grave na visão da saciedade brasileira. Já em 98, o cenário era de reeleição e de

otimismo diante de todos os avanços do primeiro governo FHC. Em 2002 já com o governo

mal avaliado e diante de uma nova crise, este perde força e encontra resistência no anseio

por mudanças vivido pela população.

Os media também têm papel fundamental nas diferenças encontradas entre esses

pleitos. Tanto em 94 quanto 98 o papel dos veículos de comunicação foi muito tímido. A

cobertura feita se restringia a comentários e ao acompanhamento da agenda dos candidatos.

No geral seguiam os rumos da candidatura de Fernando Henrique, dando ênfase em 94 ao

sucesso do Plano Real e em 98 na reeleição de FHC e na estabilidade de uma candidatura

que desse continuidade a tudo o foi sendo conquistado. Em 2002, todavia, a mídia logo

percebera o avanço inevitável das candidaturas de oposição, principalmente a do candidato

do PT, o que levaria a uma mudança radical na política nacional. Tais fatos fizeram com

que os media elaborassem uma cobertura mais intensa de toda a campanha.35

Os media então passam a exercer uma cobertura ampla; os telejornais a exibir, além

da agenda diária, entrevistas com os principais candidatos e matérias sobre o quadro

político e econômico do País. Os jornais destacam seções especiais só sobre as eleições e

passam a acompanhar o dia-a ia dos candidatos. A Internet também é um outro veiculo que

permite a ampliação da informação sobre as eleições.

Albino Rubim (2004) identifica três momentos diferente que marcaram as eleições

de 2002: um pré-eleitoral, um eleitoral anterior ao horário eleitoral gratuito e o último, que

tem inicio com o horário eleitoral gratuito no rádio e televisão. Para o autor, esta divisão

35 Vera Chaia levanta alguns motivos para a cobertura massiva dos media nas eleições de 2002. O primeiro motivo seria o fato de que grande parte da população não tinha conhecimento dos candidatos que se apresentavam como mudança ao governo FHC. A exceção nesse caso seria Lula que disputava a sua quarta campanha. O segundo motivo seria a busca da credibilidade dos media na cobertura de campanhas eleitorais.

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possibilita-nos identificar melhor o papel dos media durante a campanha e a visibilidade

dada por ela para os candidatos.

O primeiro momento diz respeito ao período em que foram acionados os

mecanismos “midiáticos” através dos profissionais de Marketing que potencializaram o uso

da propaganda partidária com intuito de identificar os atores do jogo político. Também

neste período os media começaram a ser utilizados como veículos de uma disputa prévia da

campanha, ocasionando uma visibilidade da política nunca antes registrada em campanhas.

O segundo momento antecede o programa eleitoral gratuito em rede de televisão e

rádio. Neste período, as candidaturas já estavam consolidadas e os media trabalham dando

mais ênfase ao monitoramento diário dessas candidaturas.

No terceiro período, a propaganda gratuita no rádio e na televisão já foi liberada. Os

media passam, então, para uma outra etapa da cobertura das eleições, sendo realizadas

entrevistas e debates com os candidatos.

A campanha de 2002 pode ser avaliada pelo aprofundamento da relação entre

política e os meios de comunicação de massas. Já no primeiro momento, como aponta

Rubim, os partidos se preparam para o enfrentamento nas urnas, assumindo novas posições

de sedução do eleitorado; “velha” campanha, na qual o embate direto com o eleitor não

causa mais os efeitos os efeitos esperados. É preciso, então, assumir “novas” atitudes,

adaptar-se às novas formas se fazer política que passam pela adoção de mecanismos

utilizados pelos meios de comunicação de massas.

Com a possibilidade da utilização de novas tecnologias de produção e reprodução

de imagens e com ampliação dos meios de comunicação, com as emissoras de televisão

chegando em todas as regiões do País, os programas eleitorais na tv ganharam outro status.

A inclusão dos profissionais do Marketing publicitário nas estratégias das campanhas

políticas possibilitou a mudança do formato dos programas eleitorais veiculados nas redes

de televisão.

No Brasil essas mudanças são percebidas já desde 8636, quando os políticos

começaram a investir em campanhas mais elaboradas, com estratégias definidas por

36 No Ceará essas estratégias foram utilizadas pelo candidato Tasso Jereissati já na sua primeira campanha ao governo do Estado em 1988. Tasso montou uma equipe permanente que incluía cientistas políticos, profissionais do Marketing e estrategistas políticos. Os seus programas eleitorais passavam por uma

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pesquisas de opinião e a utilização de recursos visuais, slogans e vídeosclipes nos

programas que iriam ao ar no horário eleitoral gratuito.

Um exemplo claro dessa nova maneira de se fazer política é a campanha de 89. Mas

do que ninguém, o então candidato Fernando Collor de Melo soube utilizar a mídia e as

novas tecnologias para promoção de sua campanha. Já no inicio do seu mandato de

governador em Alagoas, Fernando Collor conseguiu promover o seu governo com

reportagens de repercussão nacional, como o Globo Repórter sobre a Caça aos Marajás e

uma reportagem de capa na revista Veja sobre o mesmo tema. Durante a campanha

presidencial, Fernando Collor manteve sua aproximação com os media, não somente

construindo alianças com os grandes conglomerados do no país, mas porque também se

mostrava um homem manipulador de sua imagem. Sabia aproveitar bem dos veículos de

comunicação ao seu dispor. Elaborou a imagem de homem jovem, comprometido com o

futuro e contra as forças do atraso. Encampou uma campanha nacional de combate à

corrupção e fazia um tipo esportivo, corajoso e comprometido com os descamisados.

Vestia-se com estremo cuidado, sempre bem barbeado, usando ternos elegantes ou roupas

esportivas. A sua imagem sempre evocava o homem de negócios, o político corajoso e

esportista.

No transcorrer dos anos, podemos notar que cada vez mais os processos eleitorais

estão submetidos às estratégias polícos-midiáticas. A construção da imagem dos candidatos

em 2002 pôde ser sentida já nas primeiras intervenções partidárias na televisão. Os

programas são cada vez mais elaborados e focalizados para atender as expectativas

predeterminadas em pesquisas de opinião que são muitas vezes realizadas antes, durante e

após as aparições dos programas. Tais pesquisas auxiliam na orientação que é dada pelos

especialistas do Marketing para o encaminhamento da campanha. Cada detalhe é

minimamente checado. Demonstra o fato a figura abaixo, onde o “marketeiro” Duda

Mendonça, contratado pelo PT para comandar a campanha do candidato Lula, examina

pessoalmente todos os detalhes da imagem do candidato.

Imagem 1 Preparação de Lula par o programa eleitoral

sondagem de opinião prévia e iriam ao ar caso aprovados pelos eleitores. Essas estratégias foram seguidas desde então, não somente pelos candidatos majoritários.

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O formato mais moderno e dinâmico dos programas eleitorais chamam a atenção

não só do eleitorado em geral mais também dos media que passam a acompanhar mais de

perto o processo eleitoral de 2002. Mas Rubim (2004) alerta:

(...) a visibilidade, principalmente aquela ensejada pela cobertura jornalística, não se concentra nos programas dos candidatos, na sua trajetória político-partidária, nas suas realizações ou até mesmo no perfil das coligações partidárias e sociais que sustentam as candidaturas, mas se centrou naquilo que supostamente os candidatos gostariam de expor: desde suspeita de corrupção dos candidatos ou seus partidários até alianças consideradas “imorais”.

Talvez a maior novidade na cobertura da mídia nessas eleições tenha sido a nova

posição da cobertura político-eleitoral adotada pele Rede Globo. Diferentemente das outras

eleições, a maior rede de informação do País elaborou uma estrutura nos seus principais

telejornais para o acompanhamento das eleições. A Globo já tinha realizado uma cobertura

intensa nas eleições de 1989, mas não comparada ao aparato que foi mobilizado para o

momento eleitoral de 2002. O Jornal Nacional, por exemplo, realizou entrevistas ao vivo

com os quatro principais candidatos no primeiro turno e repetiu a dose com Serra e Lula no

segundo turno. Além das entrevistas, o maior telejornal do País apresentou várias

reportagens sobre os principais problemas brasileiros, além de matérias sobre cidadania e

eleições.

A cobertura da emissora não se manteve apenas nos telejornais. Os candidatos

participaram também de entrevistas em programas como o Jô onze e meia, além dos

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debates, algo inédito na emissora. O dia da eleição ganhou atenções especiais, com

chamadas ao vivo de todo o País, mostrando as pesquisas de boca de urna, o dia de cada

candidato e contando com a participação de analistas políticos. A cobertura, porém, não

findou com o encerramento das urnas e a apresentação do candidato vencedor. No dia

seguinte à eleição, já como presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva vai aos estúdios do

Jornal Nacional na Central Globo de Jornalismo para participar ao vivo de todo o jornal.

Imagem 2 Lula no Jornal Nacional

Tal atitude da Rede Globo ensejou em outros veículos a disputa pela informação.

Além da Rede Bandeirantes, tradicional na exibição dos debates políticos, outras emissoras

aderiram a uma cobertura mais intensa das eleições. Essa exposição excessiva dos

candidatos nos media ajudou e muito o eleitor a conhecer melhor os candidatos, além de

garantir circulação maior da informação.

Imagem 3 Cobertura dos media - Serra

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Imagem 4

Cobertura dos media - Lula

A atitude dos media diante dessa eleição deve ser analisada tendo como base

algumas questões centrais. O cenário de 2002 não permitia mais o que ocorrera nas eleições

de 94 e 98, quando os veículos de comunicação pouco exerceram o seu papel fundamental

de informar, visto que nesses dois momentos havia uma nítida predileção à candidatura de

Fernando Henrique Cardoso. Tal atitude foi alvo das criticas mais severas aos media e ao

seu comportamento diante de fatos importantes que dizem respeito à Nação. No pleito de

2002, aos media não detiveram mais a exclusividade da imagem política. Os próprios

partidos e candidatos se encarregaram de começar a disputa política. Os programas

partidários exibidos no final de 2001 e início de 2002 revelaram a tônica da nova eleição e

pressionaram os principais veículos de comunicação do País a reverem sua posição diante

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do novo quadro eleitoral. É fato que o interesse dos media se dava mais em desvendar os

bastidores das candidaturas do que por interesse nas propostas políticas.

Os eleitores também tiveram participação em pressionar os veículos de

comunicação a acompanhar o dia-a-dia da campanha. O eleitor está cada vez mais

interessado nas questões políticas. Exemplo disso são a expressiva audiência dos programas

eleitorais gratuitos, bem como as entrevistas e debates com os candidatos exibidos em

várias emissoras. A campanha ganhou as ruas e o público quer cada vez mais ser

informado, mesmo porque hoje ele tem mais acesso à informação, visto que os veículos de

comunicação se ampliaram e estão mais acessíveis. A concorrência à informação também

ajudou nessa ampliação da cobertura das eleições. Não só mais os jornais impressos e os

telejornais possuem a o caráter hegemônico de informar. As revistas semanais alcançaram

um patamar de assinantes expressivo em todo o País e a Internet entrou com força na

corrente contrária dos media oficiais, onde a notícia não possui censura nem restrições.

Será a democratização da informação? Temos dúvidas de que vivemos uma radicalização

democrática da informação, mas o fato é que a notícia consegue circular mais fácil e

rapidamente na sociedade.

5.2 Os principais candidatos

5.2.1 Serra o candidato da “continuidade”

O candidato do PSDB nas eleições presidenciais de 2002 saía de dentro do governo

FHC; era José Serra, amigo pessoal do presidente Fernando Henrique desde os anos 1970,

quando coordenou a sua campanha ao Senado, e um dos seus principais ministros de

Estado, pois estava à frente do Ministério da Saúde desde 1998. Não foi por acaso que FHC

assumiu a defesa do seu ministro à frente do partido e conseguiu à custa de divergências

internas a indicação de Serra à sucessão presidencial. Era o homem que iria dar

continuidade ao projeto político do PSDB.

Nascido em São Paulo, José Serra começou sua carreira política bem jovem, quando

participou do movimento estudantil na Universidade de São Paulo, onde estudava

Engenharia Civil. Aos 21 anos se tornou presidente da União Nacional dos Estudantes –

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UNE, sendo depois perseguido e exilado pela ditadura militar. Longe do País, Serra

procurou exílio no Chile e depois nos Estados Unidos, onde estudou Economia. De volta ao

Brasil, deu continuidade a sua carreira política: foi membro da Ação Popular – AP

(organização política com base cristã); secretário de Planejamento do governo Franco

Montoro (83/86); deputado federal constituinte eleito pelo PMDB (87/91); deputado federal

eleito pelo PSDB (91/95); senador eleito pelo PSDB (1995/2003); ministro do

Planejamento e Orçamento (95/96) e da Saúde (98/2002) no governo Fernando Henrique

Cardoso.

Considerado por muitos de temperamento forte e centralizador, Serra tem passagens

interessantes da sua vida política. Sua fama de centralizador começou quando assumiu o

cargo de secretário de Planejamento do governo Franco Montoro, em 1983. Neste período,

sua influência era tanta que era considerado mais poderoso dentro do governo do que o

próprio Governador. Outra passagem interessante de sua vida política foi durante o

lançamento do Plano Real, pelo então ministro da Fazenda do governo Itamar, Fernando

Henrique Cardoso. Na ocasião Fernando Henrique Cardoso reuniu o comando tucano –

Serra, Mário Covas, Tasso Jereissati e Ciro Gomes – para falar que faria o Real. Pedia

então o apoio deles, pois seria um plano ousado e arriscado com chances de não funcionar e

por isso precisava de apoio público irrestrito de todos ali. Dentre os presentes somente o

Serra não apoiou de pronto a proposta do Real, chegando a fazer restrições e críticas.

Com a chegada de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, Serra

teve a sua frente o desafio de ajudar a elaborar o governo que iniciava. Primeiramente

assumiu o ministério do Planejamento e em 1998 foi para o Ministério da Saúde, onde teve

o total apoio político e financeiro do Presidente, para que promovesse mudanças

importantes nas políticas de saúde. Seu desempenho foi tão bom que gerou prêmios

internacionais, como o de melhor ministro da Saúde de todos os países em 2001, por sua

atuação no combate ao desvio e desperdiço de recursos financeiros e a quebra de patentes

de medicamentos para doenças graves, como no caso da aids.

Sua candidatura, no entanto, não foi de pronto aceita por alguns setores do PSDB e

por partidos aliados, apesar de seu bom trabalho à frente do Ministério da Saúde. O

primeiro grande embate se deu com o PFL, pois pretensões de levar adiante candidatura de

Roseana Sarney, que vinha ascendendo nas intenções de votos. A desarticulação da

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campanha de Roseana com nítida influência do tucano gerou uma fratura na aliança política

em entre PSDB e PFL. Outro embate se deu dentro de seu partido, quando Serra é acusado

de trabalhar contra a candidatura de Tasso Jereissati o que originou um mal-estar entre os

tucanos e uma aproximação do Governador do Ceará à candidatura de Ciro Gomes.

Vencidos os primeiros desafios, o candidato da situação precisaria construir sua

imagem mediante a campanha que se iniciava. Tal momento não foi de modo algum

tranqüilo, pois Serra teria que assumir a defesa de um governo mal avaliado pela população

diante de uma crise econômica e social. A grande dificuldade seria como assumir a defesa,

durante a campanha, de um governo que recebia críticas dos adversários políticos baseados

nos baixos indicadores sociais apresentados durante 8 anos de governo Fernando Henrique

Cardoso. A política econômica não detinha o mesmo brilho das duas campanhas de

Fernando Henrique Cardoso, o que agrava a situação. Para contornar, Serra resolveu não

“assumir” tão claramente nos seus programas de televisão e nos seus pronunciamentos e

entrevistas uma defesa ou mesmo menção ao governo e à figura do Presidente.

Tal estratégia revelou-se frágil diante dos argumentos de seus adversários e diante

até da própria população, que o identificava como sendo o candidato do Planalto. Sua

candidatura passou muito tempo tentando resolver o problema da identidade do candidato

com o governo Fernando Henrique Cardoso. Por isso sofreu inúmeros ataques de seus

adversários, principalmente de Ciro e Garotinho, que o responsabilizavam, assim como o

governo do qual fez parte e que “negava” todos os problemas sociais, econômicos e

políticos que o País estava vivenciando.

Apesar de sua boa base argumentativa, Serra se vê obrigado a partir para o ataque.

Tal estratégia é noticiada pelos media como, por exemplo, a revista Isto É, que traz na capa

a foto do candidato Serra fazendo o V da vitória e com o título: A reação de Serra. O

candidato tucano bate em Ciro Gomes na tevê, cresce nas pesquisas, mas o mercado

continua nervoso. 37

Como noticia a revista, após constantes ataques ao candidato Ciro Gomes em seus

programas eleitorais, Serra apresenta uma reação que se reflete nas pesquisas de intenção

de voto. Em pesquisa realizada pelo IBOPE entre os dias 17 e 19 de agosto de 2002, Serra

detinha 11% das intenções de voto, o que o deixava empatado em terceiro lugar com

37 Capa da revista Isto É de 04 de setembro de 2002.

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Garotinho. Na pesquisa seguinte38 e após a nova estratégia de ataque, o candidato salta dos

11% anteriores para 17% pontos percentuais, o que significa uma subida expressiva de 05

pontos, o que lhe garante um inicio de reação que o levaria ao segundo turno com o

candidato do PT.

Também Lula é alvo dos ataques políticos de Serra que alardeia o despreparo do seu

principal opositor em questões de gestão pública. Desconfia das intenções e da mudança de

posição política do candidato do PT e de seu partido. Utiliza-se de artistas conhecidos da

grande massa para difundir mensagens como o medo. Caso que teve grande repercussão foi

a utilização da imagem da artista “global” Regina Duarte, com um discurso teatral sobre o

seu sentimento de medo causado pela possibilidade do Lula ganhar as eleições.

Tais jogadas políticas de desqualificação dos opositores não melhoraram a imagem

nem os problemas de identidade do candidato, como analisa Antônio Fausto Neto

(2002:81);

À procura de um perfil, a campanha de Serra não conseguiu criar uma marca para ele, com outro tempo, com outra “sintaxe” (...) Competente no argumento, afeito ao debate parlamentar, Serra é um candidato mais adequado para a dimensão simbólica, diria lingüística, da economia midiática, do que para a “economia do contato”. Sua chegada à candidatura, lhe vale muitas rejeições e este capital teve que ser enfrentado, sem êxitos, somado ao cenário de crise; a bem preparada campanha dos adversários, a sua imagem de um guerreiro perdido, agressivo, diferente do parlamentar convincente, argumentativo de idéias claras, e sempre preparado para o debate. Se quis colocar seus adversários em condição de suspeições, não se livrou, porém com seus ataques, da figura de alguém que passa por cima, sem escrúpulos quando quer chegar em algum lugar.

Serra, como afirma o autor, não conseguiu adequar a sua imagem sisuda a

exigências de uma campanha política pautada nos moldes “midiáticos”. Apesar de trabalhar

com Nizan Guaneas um dos maiores nomes do Marketing político do País, que trabalhou a

imagem de Roseana Sarney pré-candidata, o Marketing não reuniu forças suficientes para

obter nas urnas o resultado esperado. Os programas de Serra foram bem estruturados, com a

38 Pesquisa realizada pelo IBOPE entre os dias 24 a 26 de agosto de 2002.

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presença constante de atores globais e com a presença quase diária do apresentador

dominical do SBT Gugu Liberato, além de artistas como Chitãozinho e Chororó, Elba

Ramalho e KLB. 39

Imagem 5 Gugu Liberato

Imagem 6 Artistas na campanha de Serra

Dinâmico e com músicas de fácil memorização, o programa era feito em um

formato que permitia um certo escamoteamento das fragilidades da imagem do candidato

em termos “midiáticos”. Apesar do prepa ro para as questões públicas, da polidez da sua

fala, e da competência sempre lembrada e do bem elaborado programa eleitoral, Serra,

dentre os quatro principais candidatos, era o que menos possuía carisma e empatia com o

“público” eleitor.

5.2.2 Lula, a esperança

Luis Inácio Lula da Silva, sem dúvidas era o mais conhecido entre os candidatos

que concorreriam as eleições presidenciais de 2002. Veterano nas disputas eleitorais, Lula,

como é mais conhecido, veio de uma família humilde e imigrante. Nordestino, foi para São

Paulo ainda pequeno. Não estudou muito, logo foi trabalhar, passando por várias profissões

até se tornar metalúrgico. Nesse período, engajou-se na lutas dos operários passando, a ser

membro importante para o sindicalismo nacional. Criou, em conjunto com intelectuais,

sindicalistas e políticos o Partido dos Trabalhadores. 39 Esses artistas são considerados aglutinadores de massa. No que diz respeito a Chitãozinho e Chororó atinge público do interior do País; no caso da Elba, uma classe mais elitizada da sociedade, apesar de fazer um grande sucesso entre o chamado povão. Já o público do KLB está entre os adolescentes.

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Sua trajetória de luta política o levou a disputar as eleições presidenciais de 1990

com grandes chances de vitória, mas o medo do PT, o receio do socialismo e o temor do

próprio Lula determinaram a tônica da campanha, fazendo com que toda ela fosse voltada

para a desqualificação do candidato. Frases como o comunista amigo de Fidel, o analfabeto,

críticas à sua aparência, barba grande, roupas de operário, fala ofensiva, baixa escolaridade

e idéias pouco convencionais sobre política levantadas com ênfase por seus adversários e

difundidas pelos media levaram uma grande parcela da população a criar um sentimento

anti-Lula e anti-pt.

Imagem 7 O Lula sindicalista

O Partido dos Trabalhadores tinha no seu epicentro um grupo de jovens intelectuais

vindos da luta contra a ditadura, ex-militantes da esquerda perseguida durante o período da

repressão militar, muitos deles vindos do exílio. O próprio Lula, como Presidente do

sindicato dos metalúrgicos foi preso e teve seus direitos políticos caçados.

Com a reabertura política e anistia para os exilados políticos surgem com força

várias manifestações para a redemocratização à realização de eleições diretas para a

presidência da República. Lula atuou diretamente no movimento das Diretas-Já. Foi eleito

deputado em 1986 ajudando a elaborar a nova Constituição.

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Mesmo com todo seu histórico de luta sindical e sua atuação no processo de

redemocratização do Brasil, Lula e o PT não conseguiram romper com o sentimento de

desconfiança e preconceito. Suas idéias, seu projeto político e sua trajetória de vida

atingiam a classe intelectual, mas a grande massa da população via-se presa à imagem

passada pela classe dominante e durante três eleições seguidas não conseguiu chegar ao

poder.

A experiência ganha nessas três eleições fez com que fossem revistas as diretrizes

do partido. O PT queria chegar ao poder, já tinha conseguido isso em algumas cidades,

assumindo prefeituras. Era preciso, então, combater esse sentimento negativo, essa antipatia

da população brasileira.

Medidas políticas foram tomadas. O PT saiu em campo, realizou caravanas por todo

o País. Preparou debates, seminários e se organizou em lugares até então não acessíveis a

sua militância. A sua imagem como partido também foi trabalhada. A idéia de partido

baderneiro, causador de confusão, comunista, foi retrabalhada para um partido atuante, com

políticos sérios e honestos. As administrações petistas começaram a ter repercussão

nacional, pela seriedade com que tratavam das questões de saúde e educação. O orçamento

participativo em Porto Alegre alcançou resultados positivos e serviu como exemplo para ser

seguido em várias outras cidades.

Mudanças também foram sentidas no formato dos programas do partido para a tv.

Desde a eleição de 94, o partido optou por trabalhar com profissionais do Marketing. Os

resultados dessa adesão foram programas mais elaborados, limpos de imagens e das cores

fortes. A imagem de Lula foi suavizada, ele começou a aparecer com a barba bem feita,

cabelo bem cortado e penteado, e usando ternos; figurino totalmente modificado se

comparado com os tempos do movimento sindical e das greves no ABC paulista. O

vermelho, cor-símbolo do partido, foi mantida, mas de forma menos predominante, sendo

suavizada pelo branco, o verde e o azul. É possível sempre ver Lula vestido em ternos

escuros com gravatas vermelhas, ou mesmo com um discreto botoon do partido.

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Imagem 8 Lula 2002, o cuidado com a aparência

Em seu artigo intitulado As imagens de Lula Presidente, Antônio Albino Canelas

Rubim enfatiza que as mudanças ocorridas na imagem do candidato Lula nas eleições de

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2002 não foram mera produção publicitária, mas reflexo das mudanças internas do Partido

dos Trabalhadores.

Tais imagens foram tratadas pelo Marketing de forma a inverter a imagem

produzida até então do Lula e do PT. A reconstrução dessa imagem não foi algo somente

“mídiatico”, uma roupagem pa ra a época de campanha, mas uma necessidade de fazer

visíveis características do homem político utilizadas em outras campanhas de forma

negativa.

Partindo de uma leitura interpretativa do senso comum, podemos atribuir a essas

imagens uma visão de um homem do povo, humilde, semi-analfabeto, feio, obstinado,

radical.

Durante a campanha de 90, todas essas características de Lula foram utilizadas de

modo a desqualificá-lo. Em confronto direto com a imagem do Collor, Lula era o sapo

diante do príncipe, o ignorante diante do culto, o comunista radical diante do homem que

lutava em nome dos descamisados. Numa interpretação da Doxa todas essas características

do candidato Lula levavam à discussão sobre o caráter, a competência e até a capacidade

intelectual do candidato para governar. Foi estabelecida uma relação negativa entre o

homem e sua trajetória política, o que levava a desqualificar a sua atuação nas lutas

sindicais, e na formulação de um partido de esquerda. Os media estiveram presentes na

construção dessa imagem, valendo lembrar a atuação das Organizações Globo e seu apoio

explicito à candidatura de Collor.

Nas duas outras eleições disputadas, em 94 e em 98, Lula também foi alvo das

mesmas investidas desqualificantes, quando concorreu com o sociólogo Fernando Henrique

Cardoso as eleições presidenciais, porém não com o mesmo êxito da campanha contra

Collor. Entre os fatores pelos quais os argumentos não encontraram sustentação está a

mudança conjuntural desde a eleição de 1990 e o fato de que tais argumentos não

condiziam com a realidade. Lula não era mais o semi-analfabeto e sua experiência política

o qualificava para o embate eleitoral e uma possível vitória. Ele teve o cuidado de se

qualificar, estudou, correu o Brasil durante as campanhas e na época das caravanas, indo a

todos os lugares deste País. Também realizou viagens a diversos países da Europa e aos

Estados Unidos, entre outros. Virou personalidade intrigante, alvo das mais duras críticas e

de muita curiosidade. Participou de eventos nacionais e internacionais onde discutia suas

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idéias sempre com clareza e determinação, mesmo para um público no qual não gerava

nenhuma simpatia ou segurança. A base intelectual que lhe faltou, por não ter freqüentado a

universidade, foi suprida pelo espírito extremamente inteligente e perspicaz do político nato

e do homem humilde acostumado a vencer as adversidades.

Imagem 9 Lula e a mídia

As imagens obtidas em tempos de militância sindical mostram um Lula barbado de

camisa de meia, quase sempre no meio dos trabalhadores nas greves do ABC. Em outras

imagens, vemos o mesmo Lula ao lado de companheiros que formavam a cúpula do PT.

A contraposição dessas duas imagens foi ressaltada na última campanha de forma

positiva. A inversão da polaridade dessas imagens ocorre pela necessidade de mostrar esse

novo Lula, que não é outro, mas que não é mais o mesmo. O papel do Marketing não foi o

de criar uma imagem, mais de resgatá-la e retrabalhá-la, de forma que a história política do

candidato tivesse um sentido simbólico de luta política e compromisso com o povo.

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265

A racionalidade desse novo discurso leva em conta as alterações reais vivenciadas

pelo candidato. A justificação de tais mudanças, todavia, utiliza-se de uma argumentação

distinta. A compreensão das mudanças ocorridas varia em função de ser uma mídia a favor

ou contra o candidato. As mudanças políticas e suas implicações frente às alterações em

âmbito internacional passam a ser utilizadas de forma favorável ou desfavorável.

A propaganda do candidato trabalha a imagem de um Lula que prefere o embate de

idéias à desqualificação política. A tônica de seu projeto político e programa eleitoral foi a

da análise da situação brasileira e das formas de superação dos seus grandes problemas;

tudo acompanhado de apresentações musicais e jingles. Outro ponto enfatizado por sua

propaganda era o da competência. O cenário da abertura de seus programas mostrava a

equipe montada para pensar um programa de governo. O processo de unificação buscou

com eficiência associar o nome do candidato ao dos intelectuais apresentados no programa.

A proposta era fazer chegar ao eleitor a competência técnica envolvida em todas as

propostas lançadas durante a campanha; nomes importantes do partido, técnicos de renome

e intelectuais conceituados desfilavam pelo vídeo diariamente.

A construção simbólica do programa eleitoral do candidato Lula, em formato que

foi produzido, rebatia as críticas ora mencionadas e originava novas formas simbólicas com

elementos racionais para o discurso político ali situado.

Quando a revista Isto é diz que Lula não assusta mais, na verdade, trata-se mais de

um processo de desqualificação, discurso de natureza predominantemente ideológica, do

que a tentativa de entender as mudanças e rupturas vivenciadas pelo Partido e pelo

candidato. O embate vivido pelos media do discurso da esperança se contrapondo ao

discurso do medo traduz um embate entre o entendimento das mudanças acontecidas e as

que foram meramente utilizadas ideologicamente.

5.2.3 Ciro, o polêmico

Considerado o candidato mais polêmico das eleições presidenciais de 2002, Ciro

Ferreira Gomes, da coligação Frente Trabalhista (PPS, PDT e PTB) é um político

experiente. No seu currículo estão: a Prefeitura de Fortaleza em 1989; o governo do Estado

do Ceará em 1991; o Ministério da Fazenda, do governo Itamar Franco, em 1994; além de

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duas tentativas de chegar à Presidência da República, a primeira em 1998 e a segunda nas

eleições aqui analisadas (2002).

De temperamento forte, é considerado um “h omem sem papas na língua”. Várias de

suas frases tornaram-se famosas por caracterizarem ora um momento político ora embates

com adversários. Também sofreu, porém, inúmeras críticas pela sua “língua solta”.

Algumas vezes o que falava se voltava contra ele e prejudicava sua imagem como político.

Orador competente, Ciro sabe lidar com as palavras. Em sua fala, sempre aparenta

tranqüilidade e personalidade quando inquirido. Seu aparente conhecimento de causa nas

questões políticas se dá pelo fato de sua argumentação estar sempre pautada em dados e

números estatísticos. Por vezes arrogante, Ciro foi muitas vezes comparado com Fernando

Collor de Mello. A comparação com o ex-presidente se dava pelo fato de ambos

apresentarem posições radicais ao criticarem seus adversários, serem muito jovens,

possuírem uma tradição política apoiadas por grupos tradicionais em seus estados (Collor

em Alagoas e Ciro no Ceará) e saberem lidar muito bem com sua imagem. Tal comparação

sempre irritou muito o candidato, que não apoiou Collor e sempre foi um crítico do seu

governo.

Dde fato Ciro Gomes, apresenta um caminho político interessante. Descendente de

uma linhagem de políticos começou na carreira política ainda na Faculdade de Direito. Foi

deputado pelo antigo PDS em 1983, ocasião em que conheceu o empresário e então

presidente do Centro Industrial do Ceará, Tasso Jeressati. Começava aí uma amizade que

perdura até os tempos atuais.

Quando governador do Estado do Ceará, Tasso pôde contar com o apoio do

deputado Ciro, já no PMDB, que passou a ser o líder do governo na Assembléia

Legislativa. Em 1986, foi eleito prefeito de Fortaleza com o apoio político de Tasso e logo

em seguida (1990) foi para o governo do Estado como sucessor de Tasso para continuar

promovendo as ações iniciadas pelo chamado “Governo das Mudanças”. Nesse período, já

estava filiado ao PSDB. Assim como na Prefeitura de Fortaleza Ciro não chega ao fim do

mandato. Em 1994 foi indicado pelo presidente Itamar Franco para assumir o Ministério da

Fazenda e tentar resolver a crise política instaurada pelo ministro Rubens Ricupero40, a

40 Em setembro de 1994, o então ministro Rubens Ricupero havia sido flagrado por câmeras e microfones em um programa de TV dizendo que para beneficiar seu candidato, o governo escondia as coisas ruins que

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quem substituía, e consolidar o Plano Real. O êxito na sua administração no Ministério

ajudou a eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência em 1994.

Em 1997, resolveu ingressar no PPS depois de várias divergências pessoais do

partido, principalmente José Serra e Fernando Henrique Cardoso. No ano seguinte

candidatou-se pela primeira vez à Presidência, acabando a disputa em terceiro lugar com

11% dos votos, o que o encorajou a prosseguir como candidato para as eleições de 2002.

Apesar de ter menos tempo de programa eleitoral no rádio e televisão e de não

contar com o mesmo aparato “midiático” que os candidatos Serra e Lula, Ciro começou

bem a disputa eleitoral de 2002. Soube aproveitar bem os frutos da última disputa eleitoral

onde o seu nome passou a ser melhor conhecido em todo o País, chegando a ficar a frente

do candidato do PT em pesquisa realizada no mês de agosto encomendada pela revista Isto

É41. Na pesquisa, Ciro aparece com 34,3% das intenções de votos contra 33,6% de Lula e

contra 13,8% de Serra. É justo lembrar que tais índices são anteriores ao inicio do horário

eleitoral gratuito, mas que já dão uma indicação de como seria a disputa da imagem.42

O seu programa deveria ter como prioridade exaltar atributos do candidato já

evidentes para a população, como um homem capaz de governar; preparado para o cargo; e

com visão de futuro. Também seria explorada a imagem do intelectual e homem de família,

bem como de sua esposa, a atriz Patrícia Pillar, figura presente em comícios, passeatas e

programas eleitorais. Patrícia iria também a ajudar a amenizar a imagem do homem rude e

grosseiro que por vezes se atribuía ao candidato. Segundo reportagem da revista Isto É, a

história trágica do câncer de patrícia Pillar também ajuda. A idéia de que o marido

“abandonou tudo para ficar ao lado da amada” emociona o eleitor, principalmente num país

onde o público e o privado se confundem até na política.43

aconteciam na economia. Tal evento gerou uma crise no governo, que deveria ser contornada em razão da proximidade das eleições de 1994. 41 A revista Isto É durante a campanha realiza várias pesquisas encomendadas ao Instituto Toledo & Associados. Tal pesquisa foi divulgada no dia 7 de agosto de 2002. 42 Um fato responsável pela queda da preferência eleitoral foi a campanha desqualificante do candidato Serra, destacando as incoerências das falas do candidato. A televisão e o rádio apresentavam a fala atual e logo após sua fala em situações anteriores que negavam a veracidade das mesmas. 43 Reportagem assinada pelos jornalistas Inês Garçoni e Weiller Diniz intitulada Ciro Furacão publicada na isto É no dia 31 de julho de 2002.

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Imagem 10 Patrícia Pillar na campanha

Polêmico também com a imprensa, o candidato Ciro Gomes foi protagonista de

inúmeros atritos com os meios de comunicação de massa. Lembramos aqui do episódio da

entrevista à revista Época, quando o candidato se dizia perseguido pela revista e em vários

momentos da entrevista deixou bem clara a sua insatisfação com as perguntas feitas pelos

jornalistas. A revista publicou na integra a entrevista, dando ênfase às respostas agressivas

do candidato. Tais fatos justificam a fama do candidato de “pavio curto” e homem

polêmico.

5.2.4 Garotinho, o único com possibilidade de mudar

Encabeçando mais uma candidatura de esquerda estava o governador do Rio de

Janeiro, Anthony William Garotinho Mateheus de Oliveira, pelo PSB. Político astuto, o

candidato se mostrava como a única possibilidade real de mudança, defendendo bandeiras

de cunho nacionalista e populista.

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Garotinho iniciou sua campanha à Presidência da República ainda em 1999. Na

época, ele tinha 78% da aprovação de sua administração e pousava para a foto de capa da

revista Isto É intitulada “Quero ser presidente”. Tal capa fazia uma associação à foto de

Garotinho no escritório com seu filho brincando no chão e a famosa foto de John Kennedy

e seu filho na sala oval da Casa Branca nos EUA.

Imagem 11 Garotinho na Isto É

Com formação marxista-lenilista, Garotinho inicia sua carreira política no

movimento estudantil. Ajuda a formar o PT no Rio de Janeiro e se torna admirador de Lula.

Em 1983 trocou o PT pelo PDT de Brizola e em 1986 foi eleito o deputado estadual mais

votado do Estado do Rio de Janeiro. Foi eleito duas vezes prefeito da cidade de Campos e

após terminar o primeiro mandato assumiu a Secretaria de Agricultura, Abastecimento e

Pesca do Estado do Rio, a convite do governador Leonel Brizola. Também com o apoio de

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Brizola, foi eleito governador em 1998 com ampla aliança de esquerda que envolvia o PDT,

o PT, o PSB, o PC do B e o PCB. Já em 2002, disputa a eleição sob nova legenda, o PSB,

depois de constatar a falta de apoio a sua candidatura de partidos como o PDT e o PT.

A administração de Anthony Garotinho à frente do Governo de Estado do Rio foi

marcada por medidas populistas, como os restaurantes populares que vendem refeições a

R$ 1,00 e a distribuição de cheques para complementação de renda para famílias pobres.

Tais medidas, segundo o próprio candidato, revelariam a sua capacidade de colocar as

necessidades do povo como prioridade na sua administração.

Garotinho também sabe muito bem utilizar os veículos de comunicação de massa ao

seu favor. Talvez pelo fato de ter sido durante muito tempo radialista, tenha tanta

intimidade com as câmeras e microfones. 44 Mostrou-se bem à vontade diante de seus

adversários políticos nos debates de que participou, sendo protagonista das mais hilárias

situações quando saía para ao ataque e criava frases de efeito para designar os adversários

ou suas propostas de campanha.

Considerava-se dentro do jogo apesar de ocupar o quarto lugar e se dizia a

alternativa para o País, visto que Serra estava comprometido com o governo FHC, que tinha

promovido o desmonte do estado brasileiro ao entregar o País ao capital estrangeiro; o Ciro

não faria as mudanças necessárias, pois se associara ao PFL de Antonio Carlos Magalhães e

achava; Lula despreparado para o cargo.

Sua imagem era construída em cima da figura do candidato, associando-o a grandes

nomes da política brasileira, como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Sua associação a

tais figuras políticas revela o caráter populista-ideológico de seu discurso que se apropria

da imagem e do que representaram tais políticos para apresentar suas principais propostas

de campanha como, por exemplo, a geração de emprego e renda.

44 Seu apelido de Garotinho vem dessa época.

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Imagem 12 Garotinho, o político

Imagem 13 Garotinho, o religioso

Também na elaboação da imagem do candidato foram apropriados elementos

religiosos visto que foi utilizada a vinculação de Garotinho e sua família à igreja

evangélica, associando sua imagem à do homem religiosos, pai de família que governaria o

País dentro dos princípios da ética e da moral cristã.

5.3 Os Programas Eleitorais

5.3.1 Programa de Serra

Tempo do Programa:10 minutos

Coligação: PSDB/PMDB

Estrutura

A estrutura dos programas de José Serra era voltada para o enfrentamento à

principal crítica a sua candidatura - a continuidade do governo Fernando Henrique. Com o

estigma do continuísmo, Serra viveu o dilema de se mostrar novo sem que com isso

pudesse abandonar a sua vinculação com o governo que ajudou a formular, e no qual

exerceu papel importante. É possível perceber a estratégia de associação com o governo e

dissociação, quando essa lhe é favorável. A construção simbólica de seus programas está

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fundada: ora na associação ora na diferenciação com o governo; na apresentação da

imagem de um candidato independente, competente, experiente; e na diferenciação da sua

candidatura com relação às outras.

A associação da candidatura de Serra a ao governo do presidente Fernando

Henrique é explicita, não dá para fugir, mas o candidato tenta deixar claro no seu discurso

que é o candidato da continuidade não do continuísmo. Em uma de suas falas, durante o

horário eleitoral gratuito, o candidato afirma,

Muita gente tem me perguntado qual seria a diferença de um governo meu para o governo do presidente Fernando Henrique. Para ser bem objetivo, a resposta é simples. Há duas áreas onde o meu governo vai ser totalmente diferente do atual governo. Essas áreas são, desemprego e o papel do governo federal no combate a violência. Porque isso? No governo Fernando Henrique quem se ocupava da questão do emprego era o ministério do trabalho. No meu governo além do ministério do todos os outros ministérios vão estar voltados para essa questão, que para mim é a questão central de um governante neste momento da vida brasileira. (...) Na questão da violência eu quero dizer que nós vamos mudar a constituição se for necessário e não vamos mudar apenas porque eu queira, não, mais porque o país quer (...) Esses são os dois grandes exemplos de diferenças entre o meu governo e o governo atual. Governo em que eu servi em duas o ocasiões como ministro, governo em relação ao qual eu me orgulho pelas conquistas que teve colocando 98 % das crianças na escola, eliminando doenças importantes e sobretudo pela instabilidade da nossa moeda o real. Olha, cada governante enfrenta desafios e cumpre as tarefas mais urgentes do seu tempo. Como candidato a ser o primeiro presidente eleito nesse novo século eu digo vocês que me sinto preparado para responder os desafios desse novo tempo.

Em sua argumentação, o candidato estabelece as diferenças de um futuro governo

seu com o atual. Da forma como foram apresentadas tais diferenças, fica evidente a

dualidade entre o novo e o antigo. O novo que busca apoio nas ações positivas do antigo

governo mas que procurará atingir melhoras nas áreas em que o governo Fernando

Henrique não obteve bons resultados. Por isso ele vai pautar as diferenças, entre as

administrações, em duas políticas públicas, geração de emprego e segurança pública. Não

por acaso nessas específicas áreas, pois, nos últimos anos de governo Fernando Henrique, o

desemprego alcançou altos índices, o mesmo ocorrendo com a violência. Também essas

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duas áreas foram responsáveis pela queda na popularidade do governo e do próprio

presidente. Na fala do candidato, no entanto, não é aprofundada a discussão que envolve

tais questões e sua problemática, não entrando em detalhes sobre a condução do governo no

enfrentamento especificamente dessas duas áreas. Dessa forma o candidato não se

compromete, pois não atribui culpas nem faz críticas, mas apenas percebe o problema do

desemprego e da violência como algo conjuntural e retira do seu campo discursivo as

responsabilidades do governo do qual, como afirma, fez parte.

Em um de seus programas, são utilizadas estratégias para enfrentar a discussão do

desemprego no País, deslocando a problemática para uma questão mundial, ou seja, o

discurso do candidato propõe que o problema do desemprego é globalizado e que todas as

nações estão enfrentando as conseqüências de uma recessão e de um desemprego em

massas. Dessa forma, o discurso unifica o específico ao global, pois o Brasil está inserido,

não foge das conseqüências de uma globalização e se assemelha, ao menos nesse aspecto, a

países como os EUA. Para a difusão dessa mensagem, o candidato Serra exibe um

programa especial sobre o primeiro emprego para os jovens. Nesse programa, é feito um

paralelo entre a eleição brasileira e a americana.

Apresentadora:

Nessa eleição no Brasil o grande tema é o emprego, mas para que você jovem entenda o que está acontecendo da uma olhada em qual é o tema mais discutido nas últimas eleições do país mais rico do mundo, os Estados Unidos.

Após essa fala são exibidos comerciais das eleições americanas: Al Gore falando;

trabalhadores nas fábricas; estatísticas sobre desemprego; as palavras trabalho e recessão

escritas em inglês; filas de desempregados; e manchetes de jornais. Tais imagens indicam

que em um país tão rico como os Estados Unidos o desemprego também é um problema

grave e é a principal pauta das discussões políticas nas eleições locais para a sucessão

presidencial. E o programa continua:

Narrador:

O que você está vendo são comerciais das últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos, a maior economia do mundo. O que eles estão discutindo? Emprego. Agora, comerciais das eleições a prefeito de Nova York a mais importante cidade do

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mundo. O que eles estão discutindo? Emprego. Texas a terra do petróleo um dos Estados americanos mais ricos. O que os candidatos a governador estão discutindo? Emprego. O problema do emprego hoje é mundial. Jovens do mundo inteiro estão preocupados com o emprego.

Em conjunto com as falas, aparecem imagens de jovens de várias nacionalidades

falando a palavra trabalho em sua língua de origem, o que ajuda a implementar a idéia de

que o desemprego é um problema global. A seqüência das falas e imagens desse programa

dão bem a dissimulação empreendida no discurso do candidato, visto que desloca o

problema do desemprego do local, ou seja, de um problema da administração do governo

Fernando Henrique, e o insere em de uma conjuntura global.

Portanto, o programa do Serra estabelece uma referência positiva ao governo do

presidente Fernando Henrique. Realiza uma associação ao que é considerado ponto positivo

do governo e um distanciamento ou deslocamento do que seria negativo. Exemplo claro é a

utilização da imagem do presidente e do seu depoimento com relação ao candidato:

O Brasil vai escolher um novo presidente depois desses 8 anos. O que está em questão não é o que realizamos ou deixamos de realizar, e eu tenho consciência de que fizemos muito, embora tenhamos por fazer. O que está em jogo é o futuro do Brasil. E a eleição é o momento de escolher quem é o mais preparado para ser o próprio presidente da república. Eu apoio José Serra pela competência, experiência e o equilíbrio que ele demonstrou como ministro da saúde e nada fala melhor sobre o seu desempenho, sobre o que ele pode fazer por você do que José Serra ser escolhido pelo Fórum Mundial em 2001 o melhor ministro da saúde de mundo.

Na fala do Presidente, estão alguns elementos importantes para tentar entender o

discurso que permeia todo o programa eleitoral do candidato Serra. O primeiro confirma a

análise feita anteriormente da aproximação de idéias e projetos, unificando as propostas do

candidato com as ações do governo e um deslocamento do candidato às questões mais

sensíveis e passíveis de críticas. O segundo elemento é a adjetivação do candidato, sendo

em vários momentos levantada a bandeira da competência, da experiência e da seriedade e

luta constante pelos direitos sociais. O terceiro elemento é o da bandeira da mudança com

responsabilidade, que também é utilizada como adjetivo do candidato.

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A experiência e a competência são vinculadas principalmente à atuação do

candidato enquanto Ministro da Saúde no governo Fernando Henrique e são expressas em

vários momentos durante o programa: na abertura; nos slogans; nas músicas; na fala do

candidato; na fala dos apresentadores, dos entrevistados e dos apoiadores de sua

candidatura.

O programa de Serra tinha a participação de dois apresentadores, Gugu Liberato e

Valéria Monteiro. O primeiro é do apresentador de um programa de grande audiência nas

tardes de domingo a outra é jornalista, que durante muito tempo atuou como âncora de

telejornais na rede globo. A presença desses dois apresentadores tinham um sentido de

utilização da imagem de duas pessoas conhecidas do grande público, dando ao programa

um sentido de credibilidade por se tratarem de figuras conhecidas. Tanto que o

apresentador do domingo legal do SBT costumava terminar suas participações com a

seguinte frase:

Eu posso falar, eu acredito nesse homem porque eu vi o que ele fez. (Gugu Liberato).

Gugu Liberato também era o responsável, além das propostas, pela apresentação do

candidato, da sua vida política e suas ações na área da saúde como ministro. Tais

apresentações eram feitas seguindo o mesmo padrão de quadros do seu programa da

televisão, quando da história de vida dos artistas convidados para seu programa. O tom

emocionado da apresentação contribuía para familiarizar a história de vida do candidato

com o eleitor na tentativa de fazer com que este acabasse por se identificar com a história

do candidato.

Já o papel da jornalista era dar um caráter mais profissional, apresentando os dados

das pesquisas, as suas principais propostas de campanha, as entrevistas com os convidados

e apoiadores do candidato e as ações deste como ministro. Na sua fala, também era corrente

a associação das propostas do candidato com o que ele teria desenvolvido à frente do

Ministério da Saúde:

Para gerar os 8 milhões de empregos que o Brasil precisa o homem que fez o programa dos genéricos, fez o programa saúde da família, o programa saúde da mulher, vai realizar se eleito presidente o projeto segunda feira. (Valéria Monteiro)

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Os slogans associados, as imagens e as músicas-tema da campanha também fazem

referência à experiência do candidato adquirida durante o período em que foi ministro,

reafirmando a mensagem de competência para realizar o que promete.

Slogans:

Dito e Feito Serra sabe o que fazer Serra vai fazer a mudança de que o Brasil precisa O nome da mudança é emprego e o homem para fazer essa mudança é José Serra

Músicas:

O quero-quero cantou na minha janela. Brasil tem esse direito, o que é melhor pra gente. Se José Serra já fez tanto na saúde. É o mais preparado pra ser nosso presidente. Eu quero quero José Serra. É José Serra pra mudar. Com ele não tem lero-lero. Vão ouvindo, eu quero quero. José Serra eu quero já.

Também foram muito utilizadas as participações de artistas, políticos, empresários e

eleitores de Serra nos programas eleitorais. Tais participações tinham um determinado

sentido, formar uma imagem de credibilidade, confiança e respeito do candidato. Podemos

perceber tais intenções nas falas seguintes.

Apoiadores:

Eu vou votar no Serra porque eu tenho uma família que trabalha toda na área da saúde e realmente a gente viu o empenho dele, as mudanças que ele fez e no momento ele, para mim, é o melhor porque se ele fez na área da saúde com certeza ele vai fazer nas outras áreas.

Eleitora de São Paulo

Todo mundo sabe que eu sou uma pessoa sincera que só faço as coisas com o coração. Então, se eu estou apoiando o Serra é porque eu vi as coisas que ele fez, por isso eu acredito nesse homem.

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Nana Caymi – Cantora

Eu voto no serra pelo magnífico trabalho que ele fez no ministério da saúde. Por sua coragem na quebra de patentes e particularmente por colocar o Brasil como referência internacional no combate a AIDS. Eu acho que é de um homem assim que agente precisa para governar nosso país.

Lucinha Araújo – Mãe do Cazuza

Tais falas representam amostra significativa de como foram inseridas nos programas

eleitorais pessoas como Lucinha Araújo, mãe do cantor Cazuza, que morreu de AIDS, e

que faz um trabalho nacional ajudando a pessoas portadoras do vírus. A fala dela concede

credibilidade ao discurso da competência, que é associado ao trabalho intenso do ministro

José Serra na quebra das patentes dos remédios e no combate à doença. Também a

competência é reafirmada na fala da eleitora, que diz conhecer bem as ações do Ministério

da Saúde no comando do candidato e no depoimento emocionado de Nana Caymi ao falar

do candidato.

5.3.2 Programa de Lula

Tempo do Programa: 05 minutos no primeiro turno e 10 minutos no segundo turno

Coligação: PT/PL/PC do B/PMN/PCB

Estrutura

O programa de Lula presidente foi marcado por cuidadoso trabalho de Marketing

concebido por uma equipe coordenada por Duda Mendonça. Desde o começo, Duda

preferiu conferir a Lula e sua campanha um tom diferente do que até então tinha sido

trabalhado na imagem do candidato nas três eleições em que haviadisputado.

Alguns desafios deveriam ser enfrentados de imediato: primeiro o desgaste da

imagem de Lula, em razão, segundo o “marketeiro”, de medidas errôneas no formato das

campanhas anteriores que contribuíram para divulgar a imagem de um candidato agressivo,

baderneiro, incompetente e semi-analfabeto; segundo, seria retrabalhar a imagem do

próprio PT, partido do candidato, que também era considerado pela grande maioria da

população um partido radical e com “idéias perigosas” para o País, o que colaborava para a

imagem do candidato. O terceiro grande desafio era enfrentar o próprio PT, principalmente

a chamada ala mais radical, e convencer o partido de que as mudanças na imagem e na

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linguagem dos programas eleitorais eram necessárias para alcançar a vitória nas urnas. Em

entrevista, Duda considera que retirou do próprio candidato as condições necessárias para

realizar com êxito a campanha:

Eu acho que a minha maior vitória nessa campanha é ter deixado o Lula natural. Incentivar ele ir para a televisão sendo ele mesmo. Ele tinha um peso. Era muito fechado, carrancudo. Hoje ele rir, ele brinca. Talvez muito preso a estrutura política do PT. O PT não se comunicava bem. Também ninguém faz tudo direito. Então agora não. Entrou um esquema de comunicação profissional e hoje ficou muito confortável para o Lula porque (...) o que eu me revoltava antes é que eu não via na televisão o Lula que eu via ao vivo nas outras campanhas. O Lula que rir que chora, o Lula que brinca. Então esse é o Lula que eu tive a oportunidade de participar e incentivar que ele fosse para a televisão nessa campanha assim.45

Nesta perspectiva, o programa do candidato Lula foi conduzido de modo a mudar

radicalmente a imagem do presidenciável, realizando para tanto uma série de estratégias

que iam desde o corte de cabelo ao tom da voz do candidato e ao enquadramento na tela.

No quadro abaixo, verificamos algumas estratégias que auxiliaram para retrabalhar a

imagem durante a campanha de 2002.

Quadro 5 Imagens do candidato Lula

Qualidades exploradas

Imagens associadas Sentidos

Competência e

Preparo

• Apresenta-se sempre de terno e gravata quando fala de suas propostas.

• Estar cercado de especialistas.

• Sua candidatura tem o apoio de intelectuais de renome no cenário nacional e que compõem a equipe que ajudou a construir seu plano de governo.

• Na imagem de um homem que mesmo tendo nascido pobre e não ter tido condições de estudar participou na prática da vida política o que lhe uma experiência única.

Experiência • Cenas do movimento sindical.

• Imagens do candidato com vários chefes de estado.

• Quando retoma sua história política desde as lutas no sindicato, na constituinte, fundação e construção do Partido dos Trabalhadores, nas caravanas da cidadania que percorrem todo o país, nas três eleições disputadas.

45 Entrevista concedida por Duda Mendonça durante a cerimônia de posse do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva em 1 de janeiro de 2003 e exibida no documentário O espetáculo Político: um documentário não autorizado sobre a ascensão do PT ao pode,r produzido pela ONG Mídia Independente.

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chefes de estado.

que percorrem todo o país, nas três eleições disputadas.

Sensibilidade • Ao lado da esposa. • Quando fala da sua

experiência de metalúrgico ou da morte da primeira esposa.

• Nas cenas de riso e que se tornaram freqüente e deram uma ar mais leve ao candidato.

• Nas cenas em que se emociona ao recordar os momentos difíceis por que passou na vida.

• Quando fala da sua experiência de vida de menino pobre e retirante, de metalúrgico, marido e pai de família.

Carisma • Cenas dos comícios em todo o País.

• Sendo abraçado por onde anda.

• Imagens do candidato sorrindo.

• Mostra as diversas manifestações sindicais aonde Lula fala para milhares de trabalhadores.

• Os vários comícios que atraiam multidões nas três eleições disputadas.

• A adesão de grande boa parte de artistas que manifestam publicamente a sua adesão a candidatura de Lula.

Persistência • Imagens que associam a sua história de vida: emigrantes do nordeste que vão para o sul. O movimento sindical.

• Um homem simples que luta por seus ideais e persiste no caminho que segundo ele não escolheu mais foi escolhido.

Consensualidade • A sua atuação no sindicato.

• Imagens suas em reuniões com empresários e trabalhadores

• Imagens de intelectuais, artistas, empresários, trabalhadores, jovens, velhos e crianças.

• Busca ampliar sua base de apoio e consegue aglutinar forças antagônicas para sua candidatura.

• É o candidato da maioria. • O candidato da mudança.

Fonte: Quadro produzido pela autora.

Em um programa especial podemos perceber bem as estratégias de mudança da

imagem do candidato e do partido. Trata-se de um programa para o reaver a história

política de Lula; a maneira de justificar a sua quarta disputa ao cargo de Presidente da

República e a preferência do eleitorado na sua candidatura. O programa mencionado foge

das características dos outros, pois possui um tom emocional que pretende aflorar a

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lembrança de quem já era eleitor de Lula desde 89 e despertar o interesse de quem está

indeciso em votar pela primeira vez no candidato do PT.

O programa inicia com a uma apresentadora jovem, que convida os eleitores a fazer

uma viagem no tempo. Ela veste uma blusa branca com uma estrela pequena do partido no

peito. Ao fundo vê-se uma estrela vermelha no canto esquerdo do vídeo, sobreposta a cores

claras.

O dia da eleição está chegando. E nesse momento gostaríamos de convidar você para uma viagem no tempo. Uma volta ao passado. Mais precisamente ao ano de 1989. Depois de mais de 29 anos de ditadura o povo comemorava a volta da democracia plena e o direito de escolher de forma livre e soberana o seu presidente da república. E campanha de Luis Inácio Lula da Silva contagia o país de ponta a ponta.

Essa introdução dá a dimensão do que o programa se propõe trazer à tona as

lembranças da história política de um homem que viveu os momentos difíceis da ditadura

militar, contribuiu para a abertura política e participou como candidato da primeira eleição

presidencial após a redemocratização. Em seguida ouve-se a voz de um locutor que narra a

história das eleições de 1989, enquanto Lula aparece em close. Seu olhar não está

direcionado à câmera parece perdido no tempo, perdido nas próprias lembranças. Surgem,

então, imagens em preto-ebranco de uma multidão carregando Lula. Tais imagens sugerem

um momento de recordação que é ao mesmo tempo do candidato e de seus eleitores que o

acompanharam desde a disputa de 89. Associada às imagens está música-tema daquela

campanha que colabora para criar o clima nostálgico da cena.

Pela primeira vez na história do Brasil um líder verdadeiramente popular e um partido formado por trabalhadores, intelectuais, artistas e profissionais liberais competia em pé de igualdade com as forças tradicionais da política brasileira.

Na seqüência aparecem imagens, já coloridas, dos comícios realizados em 89 em

algumas cidades - São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Também aparecem imagens de

artistas cantando a música da campanha de 89. As imagens dos artistas são mescladas com

imagens das multidões com bandeiras vermelhas e brancas. Em seguida, aparecem Lula e

Collor em cenas do debate da Band. Retornam as imagens dos artistas e das multidões.

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Durante o refrão Olé, olé, olá, Lula, aparecem os cantores Gilberto Gil, Chico Buarque e

Djavan que cantam em um estúdio, mas que na cena puxam o coro dos artistas e depois das

multidões. E o locutor continua,

Eram milhões de pessoas nas ruas em todas as partes do Brasil. Era o sonho de um Brasil livre, justo e soberano mais alegre e mais feliz que contagiava todos. Depois de tantos anos a alegria derrotava o medo. E o Lula Lá soava como um grito de esperança de um novo Brasil atravessado durante tantos anos na garganta do povo brasileiro.

Outro apresentador dá seqüência à narração, lembrando, agora, que mesmo não

tendo sendo eleito Lula não desistiu. Procurou melhorar seus conhecimentos sobre o Brasil

e o mundo. E salienta que o PT nessa fase também se modificou e passou a exercer cargos e

funções administrativas. Nesse momento, podemos observar que são utilizados os

mecanismos de narrativação para dar a entender ao eleitor que tanto Lula quanto o PT

possuem uma história de lutas políticas e que crescem a cada dia, conseguindo eleger

vereadores, deputados, prefeitos, governadores e senadores. Não é mais só um partido de

propostas mas também de participação e de execução.

Mais a história e o destino tem seus caprichos e por pouco o sonho não se tornou realidade. De lá para cá muita coisa aconteceu. Nas duas eleições seguintes apesar de não ter chegado a presidência o PT na parou de crescer acumulando mais experiência política e administrativa. Lula também não parou mais.

Ao término dessa fala, aparece uma seqüência de imagens, mostrando Lula com

chefes de Estado de vários países que são citados no texto a seguir, além do abraço no Papa

João Paulo II e em Nelson Madela. Mostra também Lula discursando na França para uma

platéia que o aplaudia de pé. Tais imagens revelam uma associação do candidato a grandes

líderes mundiais, colocando-o no mesmo nível destes. Existe uma unificação da imagem do

Lula com esses chefes de Estado, revelando que o candidato já mesmo sem ser eleito é uma

figura respeitada fora do País, que pode representar o País em qualquer lugar e em qualquer

ambiente, refutando as críticas de que não é culto, não sabe falar outras línguas e que não

iria ser bem aceito na comunidade internacional, barreiras essas que são desmistificadas nas

imagens que seguem,

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Viagens, debates e conferências internacionais na França, Alemanha, Portugal, Cuba, Estados Unidos, Rússia, China e Japão deram a Lula uma outra dimensão. Durante todo esse tempo ele acumulou enorme experiência e notável conhecimento.

O mesmo apresentador passa então a discutir o panorama das eleições de 2002,

considerando que tanto Lula quanto o PT já estão maduros suficientemente para governar

um país como o Brasil. Reporta-se às experiências acumuladas do candidato e das

administrações do partido. A associação entre o passado e o presente dá a dimensão de que

o PT e o Lula galgaram a experiência necessária para governar o Brasil.

Hoje Lula e o PT se encontram em outro patamar e é com maturidade e experiência de quem administra com sucesso 186 prefeituras e 5 governos estaduais que Lula e o PT chegam a essa primeira eleição presidencial do século XXI.

Após a fala do apresentador escuta-se a multidão gritando o refrão Olé, olé, olá

Lula-lá e depois uma imagem de Lula visivelmente emocionado. Tem a partir desse

momento uma seqüência de imagens:

• multidões em Salvador e Recife;

• imagem de Lula e a esposa;

• toda a sua equipe da campanha de 2002 aplaudindo de pé Lula, que segura em

uma das mãos o documento do seu programa de governo;

• o discurso inflamado de um jovem que diz: eu sou brasileiro, amo meu país.

Viva São Paulo, viva o Cristo Redentor, viva a Amazônia e viva Luiz Inácio

Lula da Silva;

• lula falando para trabalhadores;

• discursando para militantes do partido;

• todos do partido em pose para foto tendo atrás uma enorme bandeira do Brasil;

• sendo aplaudido de pé por vários artistas; e

• uma paisagem da cidade do Rio tendo ao fundo o Pão-de-Açúcar, onde estão

reunidos vários artistas, a então governadora do rio Benedita da Silva. Lula está

à frente. Alguns seguram estrelas vermelhas e uma bem mais ao centro na frente

do candidato.

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A apresentação desse programa tem o intuito claro de mexer com as emoções dos

eleitores, realizando através das imagens o que muitos discursos não conseguem: preparar

pela simbologia do que foi dito e mostrado a sensibilidade do eleitor. Tal estratégia serve

como forma de legitimar e consolidar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva.

A exceção do exemplo ora referido, os programas do candidato Lula seguem o

mesmo estilo. A abertura dos programas se dava sempre da mesma forma. Inicia com a

imagem de um escritório com assessores e colaboradores da campanha de Lula, divididos

em várias equipes como se estivessem discutindo sobre as propostas de governo.

Dependendo da temática a ser abordada, o candidato se aproximava de uma determinada

equipe enquanto um locutor anunciava: Atenção Brasil, começa agora o Programa Lula

Presidente. Então o próprio candidato falava sobre qual tema iriam aborda no programa.

Um locutor dava seqüência ao programa, apresentando os especialistas que foram

indicados para trabalhar junto com o candidato as propostas de cada área do seu programa

de governo. A apresentação era feita sempre mostrando a imagem da pessoa e ao lado eram

escritos o nome e a sua formação. Montada dessa forma, a apresentação da equipe de

profissionais oferece credibilidade por se tratar quase sempre de pessoas ligadas a grandes

universidades brasileiras ou estrangeiras.

Após a apresentação da equipe o candidato aparece para falar do tema proposto. Ele

aparece em foco, seu nome e número e a estrela do PT aparecem logo abaixo sobrepostas

no verde e amarelo, cores da bandeira brasileira. O cenário é o do comitê e o candidato

aparece no primeiro plano enquanto no fundo se nota a movimentação de pessoas

trabalhando.

Já nessa introdução, podemos perceber que o vermelho tradicional do Partido dos

Trabalhadores é suavizado. A medida é adotada por ser o vermelho uma cor muito intensa e

simbolizar luta, paixão, sangue, rebeldia etc; mas o vermelho não foi de todo retirado,

permaneceu intenso mas não agressivo. Estava presente na gravata e na pequena estrela no

peito do candidato. A estrela do partido estava presente em quase todos os momentos do

programa: na abertura do programa; na apresentação da equipe; em algum assessório da

roupa do candidato; nas bandeiras; no cenário dos apresentadores; na apresentação dos

apoiadores da campanha; e em vários efeitos gráficos utilizados nos programas.

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Geralmente, porém, o vermelho da estrela vinha acompanhado pelo branco, dando um tom

suave na apresentação do símbolo do partido.

Podemos identificar em outros momentos a utilização de estratégias para despertar a

emoção. Desses momentos são as dramatizações para falar dos principais problemas do

País, como, por exemplo, o caso da segurança pública: a dramatização inicia narrando a

história de dois rapazes. O primeiro aparece em um bar bebendo, mexendo em uma arma

posta na cintura. Parece estar numa favela. A imagem escurece e logo aparece o outro

rapaz, feliz com seus pais, recebendo a chave de seu carro. Ele entra em seu carro e aos

poucos tudo escurece novamente e reaparece o primeiro rapaz na rua. Ao ver os carros

pararem no sinal, o primeiro garoto aponta a arma para o segundo e tenta assaltá-lo, mas no

nervosismo ele acaba atirando e sai correndo. Uma arma cai no chão e escutam-se sirenes

de policia. Aos poucos a imagem escurece. Toda a ação ocorre de acordo com a narração

do locutor.

Narrador:

Pedro tem 16 anos, não tem mãe, não estuda, não trabalha e sabe que não tem futuro. Seu pai está desempregado a muitos anos. Hoje, mais uma vez, ele vai à luta. Paulo tem 18 anos, seu pai é um grande empresário, sua mãe advogada. Hoje é seu aniversário, Paulo ganhou um carro de presente. Onze horas da noite, o destino de Pedro e Paulo se cruzam... Pedro mata Paulo. A polícia mata Pedro e o pai de Pedro tão pobre e o pai de Paulo tão rico, por um instante são dois homens iguais que sentem exatamente a mesma dor, a mesma revolta.

A estratégia aqui utilizada introduz a problemática da violência de uma forma a

retratar a realidade vivida hoje nas grandes cidades brasileiras. Ela narra o cotidiano e se

apropria de elementos “midiáticos” para falar das mazelas sociais e atingir em cheio uma

população que vive com medo trancada em suas casas. Prepara também o caminho para as

propostas que o candidato em seguida apresenta. Estabelece uma relação de conhecimento

profundo dos problemas sociais e preparo do candidato para enfrentá-los.

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Candidato:

Mas afinal, o que será que aconteceu com o Brasil? Qual será a causa desse aumento brutal da violência ? A violência é causada por um conjunto de fatores como o aumento do consumo das drogas, do álcool, do crescimento da miséria, do desemprego, das faltas de oportunidades e agravadas pela impunidade e pela corrupção policial. E o mais triste: pelo descaso das grandes autoridades deste país. Um projeto pra Segurança Pública para dar certo tem que atacar em três frentes:

Outra forma encontrada para trabalhar a emoção do eleitor foi o depoimento de

alguns jovens sobre o processo eleitoral e a oportunidade de mudança, bandeira da

candidatura de Lula. Em um desses depoimentos, um jovem vai à frente de uma platéia e

para falar de sua experiência de vida, de menino pobre que conseguiu com muito esforço

entrar na faculdade. Fala com entusiasmo do seu país e na crença de que tudo pode mudar a

partir da confiança que tem em Lula em seu governo. Fala de si, mas também de milhares

de jovens que vivem sem perspectiva, sem oportunidade; jovens que como ele acreditam no

País, acreditam em si. É uma relação entre o individual e o coletivo, pois nesse depoimento

é apresentada a realidade dos jovens no Brasil.

Eu acabei de entrar na faculdade, não foi fácil, mas eu consegui e agora tenho a oportunidade. Nada nunca foi fácil pra min. Estudei em escola pública, fui criado pela minha mãe, nunca tive pai, nunca tive nada. Minha mãe mal sabe ler, mas confia em Deus e em mim e eu vou realizar seus sonhos custe o que custar. Mas quantos iguais a mim, melhores do que eu, mais inteligentes que eu nunca tiveram oportunidade na vida? Tão nas ruas, nas drogas, no crime. Ninguém nasce mal, ninguém nasce bandido, é tudo uma questão de oportunidade, oportunidade! O jovem da favela também quer ter um tênis novo, uma camisa nova, o direito de sonhar como todo mundo. Esse é um país de todos! Meu nome é João, eu sou brasileiro, amo meu país! Viva o Brasil, viva São Paulo, viva o cristo redentor, viva a Amazônia! Viva Luís Inácio Lula da Silva!

Algumas entrevistas também foram realizadas que abordavam os problemas sociais

do País. Eram realizadas em com pessoas em filas de hospitais, na rua à procura de

emprego etc. Alguns políticos, empresários e sindicalistas também apareceram, expondo

suas opiniões sobre as principais propostas de governo do candidato Lula; mas uma

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entrevista em especial nos chama atenção, pois é realizada com o próprio Lula para falar da

sua experiência com a precária condição da saúde pública no País. A entrevista é realizada

em tom de conversas entre amigos, quando Lula faz confidencias. Conta de forma

emocionada como foram as condições em que sua primeira mulher e seu filho morreram em

um hospital público em São Paulo. O cenário da conversa oferece uma atmosfera de

casualidade e intimidade que se estabelece entre quem conta sua história e quem escuta,

não só o entrevistador, mas todo o povo brasileiro, que se identifica com sua história.

Enquanto o candidato fala, aparecem as fotos do seu primeiro casamento. A entrevista é

interrompida pela emoção do candidato. Nesse momento, podemos perceber o esforço da

equipe de Marketing de mostrar ao eleitor a outra face do candidato. Não o Lula

carrancudo, briguento, mas o Lula emocionado ao falar de suas experiências pessoais. A

sua senilidade o aproxima das pessoas, deixa-o em igual condição com qualquer outro

brasileiro. Desmistifica a imagem e quebra preconceitos.

5.3.3 Programa do Ciro

Tempo do Programa: 04 minutos

Coligação: Frente Trabalhista (PPS/PDT/PTB)

Estrutura

A campanha de Ciro Gomes à Presidência da República pode ser considerada a

terceira de maior vulto das eleições de 2002. Ciro reuniu uma equipe de intelectuais

renomados para a elaboração de seu programa de governo. Dentre eles estavam: Roberto

Manguabeira Unger, filosofo e professor da universidade de Harvard; Maurício Dias David,

economista um dos fundadores do PSDB; e Mauro Benevides Filho, economista e deputado

federal da bancada do Ceará elo PPS. As suas propostas para governar o País estavam

principalmente baseadas nas idéias de Unger com as quais o candidato desde muito tempo

tinha afinidade, chegando a escrever junto com o filosofo um livro publicado no Brasil

intitulado O próximo passo46 onde propõe uma nova alternativa para o País.

No decorrer do período eleitoral, Ciro chegou a ameaçar a campanha de Lula

quando em agosto de 2002 ultrapassou o petista e alcançou 34,3% das intenções de votos

46 GOMES, Ciro e Unger, Mangabeira (1996). O próximo passo: uma alternativa prática ao neoliberalismo. Rio de Janeiro, Topbooks.

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contra 33,6% de Lula47; mas apesar do empate técnico, o que Ciro provocou mesmo foi

uma grande dor de cabeça ao tucano José Serra que assumia o terceiro lugar com 13,8%. A

diferença entre os dois candidatos chegava naquele momento a 13 pontos percentuais o que

levou a muitos analistas a considerarem a ida de Ciro ao segundo turno.

A ascensão de Ciro nas pesquisas de intenção de voto pode ser analisada a partir de

algumas variáveis importantes, como, a queda significativa de Lula pela repercussão do

caso da morte do prefeito Celso Daniel e pelas denúncias de propina que envolviam petistas

na Prefeitura de Santo André e a avaliação negativa do governo Fernando Henrique

Cardoso e seu candidato José Serra, em razão do agravamento da crise econômica. A boa

campanha Ciro na televisão no horário eleitoral gratuito também irá se tornar fator positivo

para ampliação das intenções de voto do candidato.

A estrutura de seu programa era pautada principalmente na apresentação das

principais propostas do candidato. Iniciava quase sempre com a bandeira do Brasil

tremulando e no centro da tela a logomarca do candidato com Ciro 23, presidente, enquanto

um locutor falava:

Está começando agora o programa com as propostas para o Brasil

mudar, para melhor.

Podemos destacar que mudar para melhor é o slogan que se encontrava explicito e

implícito em distintos momentos e de várias formas no programa eleitoral. Desde a fala do

próprio candidato, às imagens apresentadas e nas músicas-tema do programa.

Outra mensagem presente no programa de Ciro é o nacionalismo. As cores da

bandeira brasileira e a própria bandeira fazem parte de todos os momentos do programa

desde a abertura até o encerramento, durante a fala do candidato e na apresentação das

propostas. Nas músicas, podemos destacar a universalização que identifica como sendo

eleitor de Ciro aquele que tem o sentimento de orgulho por ser brasileiro e que identifica o

candidato como uma possibilidade de mudança.

47 Pesquisa encomendada pela revista Isto É a Toledos & Associados realizada entre os dias 25 e 27 de julho com uma amostra de 3108 entrevistados e margem de erro 1,8% para mais ou para menos. A pesquisa foi divulgada pela revista em 7 de agosto de 2002.

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Música 1:

Eu sou brasileiro Com muito orgulho Com muito amor (Bis) Eu sou brasileiro E vou com Ciro Quero mudar meu país (Bis)

Música 2:

A todo mundo eu dou psiu, Ciro, Ciro Pra mudar o meu Brasil, Ciro, Ciro, Ciro Ciro é honesto e competente Experiente é 23 É Ciro Gomes presidente, Ciro, Ciro, Ciro Ele sabe a diferença E sabe como fazer Pra mudar o meu país O que agente quer é ser feliz A todo mundo eu dou psiu, Ciro, Ciro Pra mudar o meu Brasil, Ciro, Ciro, Ciro Ciro é honesto e competente Experiente é 23 Ciro Gomes Presidente, Ciro, Ciro, Ciro48

Também nas imagens que aparecem no decorrer no programa se reportam a

símbolos nacionais como: o maracanã; a urna eletrônica; as favelas; a cidade de Olinda etc.

São utilizadas também personalidade nacionais, políticas ou não, que dão crédito à

candidatura de Ciro Gomes. Dentre elas, podemos destacar: Leonel Brizola, um dos

políticos brasileiros mais consagrados e fundador do PDT, partido da coligação da Frente

Trabalhista; Patrícia Pillar, esposa e atriz global que sem dúvidas contribui com sua

imagem carismática para a campanha; Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado. Tais figuras

ajudam na divulgação da imagem do próprio candidato, pois realizam um processo de

48 A segunda letra é uma versão da música de Luis Gonzaga que é um símbolo da cultura do Nordeste e conhecida em todo o País.

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narrativação para justificar à candidatura de Ciro a Presidência da República. A

apresentação de Gattai nos chama atenção:

Narrador:

Bahia, terra de Jorge Amado, um lugar que atrai gente de todo o mundo, como a paulista Zélia Gattai, apaixonada pelo Jorge, pela Bahia, e pelo Brasil.

Zélia Gattai:

“Acompanho há muitos anos a trajetória política de Ciro Gomes. Quando ele foi governo do Ceará, Jorge e eu estivemos lá, e pudemos constatar de perto, sentir a força, a seriedade do jovem governador a enfrentar os problemas do seu estado. Hoje, eu voto em Ciro Gomes para a presidência da república sem medo de errar.”

A mulher de Jorge Amado apresenta-se, falando sobre a vida política do candidato

no Ceará, Estado onde foi governador e exalta a seriedade e força com que por ocasião

administrou o Estado. A retomada da história política do candidato no Estado em que

conduziu grande parte de sua carreira política é uma estratégia que visa a relacionar um

passado não tão distante com futuro próximo na mesma linha de Garotinho, quando afirma

que fez no Rio de Janeiro e vai fazer no Brasil. A questão da competência está presente

também em uma passagem interessante presentes em um dos programas.

Narrador:

Nas mãos de quem sabe como fazer nasce um belo jarro, nas mãos de quem sabe como fazer nasce um delicioso bolo, nas mãos de quem sabe como fazer nasce uma bela jóia, nas mãos de quem sabe como fazer o Brasil um grande país. Ciro 23.

As imagens que aparecem junto com a passagem ora referida são de mãos de quem

esculpem um jarro, fazem um bolo e lapidam uma pedra valiosa. Por fim aparece o

candidato sentado à mesa de seu escritório assinando alguns papéis. Tais imagens

associadas ao texto simbolizam a competência de quem com as mãos e com arte fazem

belos objetos, e, no caso, o candidato se apropria da simbologia para reafirmar sua

competência, pois sabe como fazer e seu compromisso de governar o País.

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Candidato

O candidato é apresentado em seu programa de tv principalmente em dois

momentos distintos. O primeiro é na rua em lugares públicos no corpo-a-corpo da

campanha. As cenas são geralmente dos comícios, carreatas ou em palestras para grupos de

leitores. Nessas ocasiões, ele está geralmente vestido de jeans e camisa de listra, o que

lembra bem a época das campanhas a prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. No

segundo momento as cenas se passam geralmente dentro do estúdio, que lembra um

escritório, com computador, mesa etc. O azul, o verde e o amarelo também estão presentes

nesse ambiente pintados em uma parede. O candidato geralmente usa terno e gravata e fala.

Esse é o momento escolhido para a fala do candidato. Diferente do primeiro momento,

quando o que predomina são as imagens, as músicas e sons das ruas, dos comícios e

passeatas. A fala geralmente acontece para a apresentação dos principais problemas do País

e quais seriam as suas propostas para o enfrentamento desses problemas. 49

Em algumas de suas falas, o candidato segue um roteiro interessante. Primeiro ele

exalta o Brasil e seu povo forte e trabalhador para depois falar das suas mazelas.

Com essa terra maravilhosa que Deus nos deu e com esse povo capaz, trabalhador e honesto como o povo brasileiro é, esse tipo de tragédia não precisava estar se espalhando no campo e na cidade no Brasil. Na verdade essa tragédia tem uma causa, é conseqüência de muita corrupção e de um modelo econômico que se rendeu a uma globalização perversa e desumana que nos é imposta pelos interesses da especulação financeira internacional.(...)

Em seguida, aponta sua candidatura como uma possibilidade possível de mudança.

(...) Isso tem solução e é contra isso se levanta a nossa candidatura e a proposta de um novo e espaçoso projeto nacional de desenvolvimento. Não se trata de promessas mirabolantes. (...)

49 Em alguns programas esse momento também é utilizado para rebater críticas.

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Utiliza um discurso de desqualificação para identificar os seus adversários.

Distancia o seu próprio discurso, diferenciando-o dos outros candidatos e colocando em sua

candidatura a única possibilidade real de alternativa de mudança.

O Lula promete criar 10 milhões de empregos, talvez pela sua inexperiência. O Serra que estava nesse governo 8 anos e que ajudou a criar esse modelo desumano de globalização, está prometendo criar 8 milhões de empregos. Eu não tenho coragem de fazer isso por respeito a você, brasileiro, mas é claro que sendo Presidente da República vou procurar o máximo de empregos criar, porque já fiz isso na industria no Ceará. (...)

Podemos então concluir que a propaganda eleitoral de Ciro Gomes traz o discurso

da mudança, da competência, da seriedade, no entanto, o seu discurso vai sendo aos poucos

desmontado pelo seu principal opositor, José Serra, que vê em Ciro uma possibilidade de

segundo turno com Lula, ficando o tucano de fora. Os ataques de Serra são constantes, aos

quais Ciro responde. Por ter seu tempo menor do que adversário, Ciro perde muito tempo

do seu horário se defendendo e atacando e perde com isso a oportunidade de dar

continuidade à apresentação de suas propostas. Isso não se reflete somente no horário

eleitoral. Foram constantes as trocas de acusações entre os dois candidatos em programas

de tv, entrevistas em jornais e revistas e debates políticos.

5.3.4 Programa do Garotinho

Tempo do Programa:02 minutos

Coligação: Frente da Opção Popular (PSB/PGT/PTC)

Estrutura

O programa do presidenciável Antony Garotinho tinha uma estrutura simples e bem

definida. Constava de uma parte inicial de apresentação do nome do candidato e do seu

número. Em seguida o narrador apresentava a temática abordada no programa. Vale

ressaltar que a figura do narrador não aparece. Depois da apresentação, vinham algumas

entrevistas ou com populares e ou políticos ou mesmo profissionais das áreas em que o

programa se direcionava. Da mesma forma como no caso do narrador, a figura do

entrevistador não aparecia, sendo o recorte dado diretamente para o entrevistado e para a

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sua fala. As entrevistas eram quase sempre em lugares públicos de muito movimento,

dando a impressão de que a campanha estava nas ruas e buscava a opinião do povo em

geral.

Após esse primeiro momento, o candidato entrava reforçando a problemática

apresentada e falando quase sempre da sua experiência enquanto governador do estado do

Rio de Janeiro e como tal situação foi enfrentada no Rio, fazendo sempre a referência de

como ele enfrentaria no Brasil.

O programa também se utilizava muito de elementos da imprensa nacional para

reforçar sua argumentação, como, por exemplo, no caso da promessa de aumento do salário

mínimo feita pelo candidato.

Narrador:

O governo de Fernando Henrique e José Serra vai dar aumento de 11 reais no salário mínimo. Garotinho vai aumentar o salário mínimo para 280 reais. Se você quer um mínimo de 211 reais vote no Serra, mas se você quer um salário mínimo de 280 reais vote no Garotinho.

As imagens que acompanham essa passagem são em primeiro lugar a manchete do

jornal o Globo que diz: orçamento prevê mínimo de 211. A manchete é apresentada

destacada do jornal em um plano avançado e logo abaixo acompanhando o andamento da

fala do narrador aparecem no mesmo plano da manchete duas somas:

SERRA: R$ 200 + R$ 11 R$ 211

GAROTINHO: R$ 200 + R$ 80 R$ 281

Tal estratégia, além de fazer referência a sua proposta de aumento do salário

mínimo, faz também uma crítica ao governo do Presidente e ao candidato do governo José

Serra. Ele tenta desta forma mostrar que com Serra não há uma mudança e sim uma

continuação do modelo político e econômico que está no poder.

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A mesma estratégia de utilização de manchetes de jornais é utilizada quando o

programa demonstra o bom desempenho do candidato nas pesquisas de intenção de voto.

Em determinado programa, são apresentados os dados da pesquisa CNT/Sensus,

confirmando o empate técnico entre os três candidatos, Serra, Ciro e Garotinho, no segundo

lugar.

Narrador:

Pesquisa CNT/Sensus confirma. Embola a eleição entre Garotinho, Serra e Ciro. Garotinho foi quem mais cresceu e quem tem mais chances de ir ao segundo turno. Chegou a vez do Brasil para os brasileiros. Garotinho 40.

Ao final da narração, ouvem-se várias pessoas gritando o nome de Garotinho. O fato

de tais afirmações serem feitas associadas às imagens de jornais concede credibilidade ao

discurso, ou seja, legitima a enunciação mediante a credibilidade de tais veículos de

informação.

Também são presentes ao programa as imagens da campanha nas ruas em comícios

e passeatas. Tais imagens são do candidato abraçando as pessoas, fazendo o V da vitória e

discursando para milhares de pessoas presentes nos comícios. Não existe no seu programa a

participação de artistas ou celebridades, nem musicais. A maioria dos convidados a

participar como apoiadores da campanha é ligada aos partidos da coligação ou pessoas

vinculadas a religião, que afirmam:

Estarei dando meu voto a um candidato cujo compromisso de amor ao próximo é testemunho maior de nossa fé. (Padre Herculano) Voto no Garotinho pelo seu projeto social, porque é competente e tem fé no Brasil. (Pastor e Deputado Federal Mário de Oliveira)

A presença de tantos religiosos no programa revela que a própria candidatura de

Garotinho, que é evangélico, traz a bandeira da religião para a campanha política. Tal

relação, política e religião, concede ao candidato um discurso mais voltado para as formas

tradicionais de política, onde não está presente a racionalidade nas discussões das propostas

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294

políticas, mas a indicação das igrejas, que a cada nova eleição ganham mais e mais espaço

político, que levam seus fiéis a abraçarem a candidatura dos que adequam suas propostas

aos interesses da igreja. Exemplo disso é o PFL, que tem relações estreitas com a Igreja

Universal do Reino de Deus e onde uma boa parcela de seus pastores está hoje exercendo

algum mandato parlamentar. São várias as passagens verificadas nos programas que

associam a religiosidade à imagem de Garotinho.50

Não é à toa que a música-tema da campanha tem no seu refrão a palavra fé. Dessa

forma pode-se relacionar o homem de fé em Cristo e o homem político, em que os seus

eleitores podem confiar de que será ele capaz de promover as mudanças e melhorar o País.

Fé no Brasil Fé na vitória Fé no Brasil pra mudar nossa história Garotinho... 40 é PSB è no 40 que eu vou votar Garotinho é o Brasil da gente Garotinho é o Brasil que faz

Abertura

O programa começa sempre com a fala do narrador, referindo-se ao candidato e ao

tema do programa, como no exemplo abaixo:

Narrador

Começa agora o programa de quem vai aumentar o salário mínimo para 280 reais em maio de 2003. Garotinho, Presidente.

As imagens que aparecem nessa passagem também mudam, dependendo das

propostas abordadas, mas as ações são as mesmas. Geralmente é uma criança (menino ou

menina) correndo, se aproximando cada vez mais perto da câmera. Quando fica bem

próximo, ergue a bandeira do Brasil que toma a tela inteira. Logo em seguida aparecem a

50 Podemos destacar: a letra da musica-tema da campanha; as imagens do casal Garotinho em reuniões das igrejas; imagens do candidato rezando etc.

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logomarca Garotinho Presidente e seu número. A imagem fica congelada por alguns

segundo antes de iniciar a fala do narrador.

Candidato

Apesar de uma carreira pública de mais de vinte anos, o presidenciável Antonny

Garotinho é um dos mais desconhecidos da maioria dos brasileiros. Sua força política

sempre esteve no Estado do Rio, onde foi prefeito da cidade de Campos e governador do

estado. Para resolver tal problema, seu programa foi preparado de modo a informar ao

eleitor quem era o candidato, qual sua trajetória política e suas principais ações como

prefeito e governador. Apesar de todos os programas fazerem referências ao trabalho

desenvolvido por Garotinho como governador, foi preparado um programa especial falando

do homem, do político e do candidato Antony Garotinho.

Narrador

Começa agora o programa de quem vai foi considerado pelo Datafolha o melhor governador do Brasil. Garotinho Presidente.

E continua,

Narrador

Garotinho foi o deputado estadual mais votado no Rio. Duas vezes prefeito de campos e considerado o melhor governador do país. Secretário de agricultura. Governador do rio de janeiro com 88% de aprovação no estado.

Esse inicio já revela que Garotinho foi governador do Rio de Janeiro e que foi um

bom governante pois considerado por um importante instituto de pesquisa o melhor

governador do País. A apresentação feita revela a experiência política do candidato e de

como o seu governo foi bem avaliado. As imagens associadas a essa segunda fala são:

Garotinho despachando em seu gabinete; na rua com crianças; em uma plantação colhendo

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laranjas; verificando obras com trabalhadores devidamente fardados e com equipamentos

de segurança como capacete e botas. Verificamos que tais imagens são de vários períodos

da vida política do candidato, o que reforça a argumentação de sua experiência política e

legitimam o seu discurso de homem trabalhador. Algumas mostram o candidato muito

jovem, ao lado de trabalhadores e no meio de canteiro de obras.

A fala que segue é a do próprio candidato e reforça o que já havia sido dito:

Garotinho

A minha experiência foi construída ao longo de mais de 20 anos de vida pública. Foi isso que me permitiu governar um estado como o Rio de Janeiro. A segunda economia do Brasil. Maior que o Chile. Quando assumi o estado estava falido, 26 bilhões de reais de dívida coma a União de salários atrasados. Com a minha experiência negociei a dívida pública e coloquei os salários em dias e fiz o maior número de obras e programas sociais que o estado já viu. Fiz um duro combate a violência. Levei várias empresas para o estado. Criei vários empregos e fui o primeiro governador a dar um salário mínimo maior que o governo federal. Se eu merecer o seu voto é com essa experiência que eu quero comandar o Brasil

O discurso do candidato revela claramente uma estratégia argumentativa. Primeiro,

são apresentadas as experiências de administração pública do candidato, o que o

credenciaria para governar o País. Os argumentos mais fortes são pautados principalmente

com relação ao salário mínimo, que é uma das principais reivindicações da classe

trabalhadora, visto que nos últimos anos o salário sofreu perda significativa com relação ao

avanço da inflação. Essa bandeira foi assumida pelo candidato como uma das suas

principais propostas. Daí o fato de ele afirmar ter sido o primeiro governador a ir de

encontro ao aumento concedido pelo Governo federal e aumentou acima do que fora

determinado o salário dos funcionários públicos do Estado.

Outras frases ditas em outros programas no decorrer da campanha continuam na

mesma linha argumentativa, associação com as ações desenvolvidas no Rio de Janeiro e o

que o candidato pode vir a fazer na Presidência se eleito.

Narrador

Quem foi o melhor governador vai ser o melhor presidente. Vote 40. Vote Garotinho

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Garotinho

Eu fiz no Rio agora vou fazer em todo o Brasil você pode confiar.

Durante, a fala a imagem que se vê é a do candidato. O enquadramento da câmera

está focado do peito para cima, dando a impressão de que o candidato fala no olho do

eleitor. Sua voz é tranqüila e bem pausada. Ao fundo se vê um degradê das cores da

bandeira do Brasil.

Também como forma de reforçar a imagem do candidato, o programa traz o

depoimento da esposa de Garotinho, Rosinha Garotinho, que ressalta, além da figura do

político, a do homem e do marido e pai.

Rosinha Garotinho

Olá, eu sou Rosinha Garotinho, mulher de Garotinho. E nesses 22

anos que eu o conheço e tenho a felicidade de dividir a vida com

um ser humano muito especial. Foi por esse Garotinho que faz

tudo com o coração que eu me apaixonei. Foi com ele que construí

uma família maravilhosa e foi com a foca da nossa união, do nosso

amor e da nossa parceria que juntos criamos nossos nove filhos.

Mas eu quero que você saiba que além dele ser esse bom

administrador ele é um excelente pai e uma pessoa maravilhosa.

No decorrer da fala de Rosinha, aparecem imagens de Garotinho com a família no

jardim e reunida na mesa do café-da-manhã, fazendo uma oração. A fala da esposa de

Garotinho reflete a importância do papel da família na construção da imagem do candidato;

mas Rosinha não representa somente a esposa do candidato. Ela também atua na arena

política. Na campanha de 2002, Rosinha colhia os frutos da administração do marido e era

eleita governadora do Estado. Esse papel influente da mulher na campanha dos

presidenciáveis ajuda os candidatos a atingirem também o público feminino, 50,8% do

eleitorado. Aliás, todos os candidatos em determinados momentos vão explorar essa

mensagem.

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De um modo geral, o programa de Garotinho limitou-se, até mesmo pelo pouco

tempo disponível, à apresentação do candidato e de algumas de suas propostas. Priorizou a

política salarial e de emprego e renda. Seus programas pouco falaram do problema da

violência talvez por ser essa uma das grandes mazelas que aflige o seu Estado de origem e a

qual ele como governador não conseguiu minimizar.

As mensagens difundidas fizeram sempre a associação com alguns elementos

importantes para análise. Em primeiro lugar, como já foi afirmado, associou sua imagem à

de um administrador competente, reportando-se sempre às ações desenvolvidas por seu

governo no Rio de Janeiro. Em segundo, regatou as imagens de Getúlio Vargas e Juscelino

Kubitschek e se denominou o herdeiro do trabalhismo de Getúlio, o que confirmaria a sua

imagem de homem honesto e trabalhador sensível as demandas sociais e capaz de enfrentar

o desafio de assumir o comando de um país como o Brasil. E em terceiro lugar estaria essa

aliança entre política e religião.

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299

6 OS FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA CAMPANHA

Este estudo vem caminhando no sentido de entender como a democracia impulsiona

a reflexão dos principais candidatos desse pleito, ou seja, como eles estão articulando os

desafios democráticos aos conceitos de cidadania e participação. As indagações feitas

anteriormente sobre os óbices para construir uma sociedade com maior participação e

menor desigualdade continuam válidas; identificar os fundamentos políticos da campanha é

tentar responder até que ponto as questões sociais são transplantadas para o interior dos

partidos; saber, efetivamente, se os candidatos estão se propondo enfrentar tais desafios no

plano político; procurar identificar nas falas dos candidatos se, assumindo o poder,

pretendem mobilizam a sociedade; sublinhar no projeto ideológico dos partidos e dos

candidatos a preocupação com a população.

Nesse sentido, vamos nos debruçar sobre as propostas políticas dos principais

candidatos para o enfrentamento de questões como saúde, educação, segurança pública,

emprego e renda. A escolha da análise de tais políticas se faz tanto pela importância do

assunto para a vida da população quanto pela reiteração de tais temas no discurso de todos

os postulantes à Presidência da República.

O Estado brasileiro vem tendo dificuldades de atender os direitos básicos da

sociedade, como o acesso à educação pública e de qualidade, a universalização da saúde,

condições de sustentabilidade e uma distribuição de renda capaz de diminuir ou ao menos

amenizar os indicadores de pobreza.

Conforme já assinalamos, a democracia moderna, pensada pela corrente liberal, tem

conduzido ao individualismo político e econômico; por um lado ampliando os direitos civis

e políticos e por outro minimizando a questão política, induzindo os cidadãos, através do

sistema de representação, a lutarem por interesses privados, deixando intactas as relações

de propriedade e de poder, contribuindo assim para aprofundar as desigualdades. O Brasil

é hoje a 14ª economia do mundo, com o PIB brasileiro atingindo os US$ 604.855 bilhões

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300

em 2004, mas, segundo os dados da ONU, apesar do seu crescimento nos últimos anos, não

conseguiu diminuir as desigualdades sociais.51

Embora a participação das massas seja defendida por todos os candidatos, é

importante identificar a percepção que eles possuem do formato do Estado, das relações

econômicas e da forma de participação da sociedade nas decisões políticas que envolvem as

diferentes esferas de poder. Portanto, buscaremos tal leitura na síntese das propostas dos

candidatos apresentadas nos quadros seguintes.

Quadro 6

PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE EDUCAÇÃO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2002

Serra Lula Ciro Garotinho • Valorização do

professor, por meio da formação continuada, de incentivos à carreira e de mudanças nas condições de trabalho.

• Ampliação do acesso das crianças de 4 a 6 anos à pré-escola, com a criação de 4 milhões de vagas.

• Consolidar a universalização já alcançada do ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos.

• Dobrar a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio.

• Aumentar em 50% o número de matrículas na educação profissionalizante.

• Erradicar o analfabetismo dos jovens e adultos com menos de 30 anos nos moldes do programa Alfabetização Solidária.

• Universalizar o ensino do nível pré-escolar até o médio e garantir de acesso à creche.

• Ampliar o FUNDEF para todo o ensino básico e contar com recursos suplementares do governo federal.

• Recuperar a rede pública, tanto no nível fundamental quanto no médio e nas universidades, valorizando principalmente a qualidade.

• Ampliar o número de vagas nas universidades públicas e reformular o sistema de crédito educativo vigente.

• Conceber a educação como um sistema nacional articulado, integrado e gerido em regime de colaboração (União, estados e municípios) e de forma democrática, com a participação da sociedade.

• Reorientar o conteúdo do ensino em todos os níveis para torná-lo mais analítico e capacitador.

• Construção de um ensino público de qualidade, capaz de atrair a classe média, que passaria a ser fiadora dessa qualidade em proveito de todos.

• Construção federal de escolas de segundo grau em todas as áreas do país onde haja necessidade.

• Manter e ampliar o Fundef para fortalecer a participação do governo federal no desenvolvimento da rede de pré-escolas.

• Implantar sistema federal de retreinamento de professores do primeiro e segundo ciclos. Criar um fundo federal de complementação salarial para estimular a qualificação do professorado.

• Restaurar o artigo do Plano Nacional de Educação que prevê um crescimento da receita para a área de educação até atingir 7% do PIB Nacional em 2010.

• Atendimento, em creches de, no mínimo, 25% da faixa etária de 0 a 3 anos de idade.

• Atendimento em pré-escolas de, no mínimo, 50% da faixa etária de 4 a 6 anos de idade.

• Capacitação permanente de todos os professores nos diversos níveis e modalidades de ensino. Universalização do ensino médio gratuito, em três turnos.

• Ampliação do Fundef como Fundeb.

• Descentralização político-administrativa da Educação Fundamental e Infantil (municipalização).

51 Atualmente o Brasil ocupa o 63º lugar no ranking do IDH. Segundo o relatório da ONU publicado em 2005 o Brasil melhorou o seu desempenho em áreas como educação e saúde, mas continua distribuindo mal a sua renda.

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301

menos de 30 anos nos moldes do programa Alfabetização Solidária.

• Ampliar o crédito educativo para os estudantes universitários de menor renda.

• Ampliar O Fundef para a educação infantil (de 4 a 6 anos de idade) e para o ensino médio.

(União, estados e municípios) e de forma democrática, com a participação da sociedade.

• Criar programas consistentes para melhorar a qualidade do ensino. Formar, retreinar e remunerar melhor os professores, a partir de critérios de desempenho.

fundo federal de complementação salarial para estimular a qualificação do professorado.

• Acabar com o vestibular. Substituí-lo por provas federais administradas aos alunos em cada um dos três últimos anos do segundo ciclo.

• Organizar sistema universitário hierárquico e descentralizado. Cada universidade federal será uma fundação autônoma.

• Erradicação do analfabetismo vinculado a programas de qualificação profissional.

• Educação pública, gratuita e de qualidade com um adequado funcionamento das Instituições Federais de Ensino Superior.

• Ampliação do programa de crédito educativo.

Quadro 7

PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE SAÚDE DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2002

Serra Lula Ciro Garotinho Reduzir a mortalidade infantil e materna, aumentando os exames e o atendimento pré-natal às gestantes ao longo de toda a gravidez. Criar 30.000 novas equipes para o Programa Saúde da Família e 15.000 para o Programa de Saúde Bucal. Expandir o Sistema Único de Saúde (SUS), ampliar a distribuição gratuita de medicamentos e duplicar os recursos do programa de Assistência Farmacêutica Básica. Aumentar o número de transplantes de 7.200, em 2001, para 11.300, em 2006. Transferir 3 bilhões de reais a fundo perdido para que os municípios possam investir em saneamento básico.

• O projeto prevê a implantação completa do Sistema Único de Saúde (SUS), incorporando modelos da gestão que levem à melhoria da qualidade e à otimização do recursos. Planeja-se ainda garantir acesso aos medicamentos essenciais e de uso continuado, incentivar a produção de genéricos e a políticas de saúde preventiva.

• A proposta é atrair a classe média para o serviço público de saúde e transformá-la em fiadora do sistema em benefício de todos. O programa defende a manutenção dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no sistema público e o controle dos preços dos medicamentos.

• Implantação de uma rede de ouvidoria em todos os níveis do governo e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Maior integração das políticas dos Ministério da Saúde e da Educação para fortalecer a rede de hospitais universitários integrada ao SUS e a criação de hospitais especializados em doenças epidemiológicas.

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Quadro 8 PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE EMPREGO E RENDA DOS

CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2002 Serra Lula Ciro Garotinho

• O candidato defende a criação de 8 milhões de empregos direitos e indiretos, a flexibilização das leis trabalhistas e o combate à informalidade do mercado de trabalho. Criação do Sistema de Amparo ao Trabalhador, com informações sobre o mercado de trabalho.

• . Lula defende a criação de 10 milhões de postos no próximo mandato. Este resultado seria conseguido por meio de um crescimento médio da economia de 5% ao ano. O PT quer modificar a Constituição para reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais e pretende ampliar o prazo de cobertura do seguro-desemprego, que passaria dos atuais cinco meses para até doze.

• O plano é aumentar as oportunidades de emprego adotando medidas emergenciais como a construção de moradias populares e o incentivo à agricultura. O projeto prevê também o fim dos encargos sobre a folha salarial. As contribuições à previdência incidiriam sobre o faturamento líquido das empresas.

• O projeto é reduzir as taxas de juros, aumentar o crédito ao produtor e promover a reforma tri

Quadro 9

PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE SEGURANÇA DOS CANDIDATOS ÀPRESIDÊNCIA EM 2002

Serra Lula Ciro Garotinho • Criação do

Ministério da Segurança Pública, que teria como órgãos subordinados a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, para combater o crime organizado. Promover a unificação do registro de ocorrências policiais. Criar uma central de mandados de prisão em âmbito nacional. Implementar uma divisão fardada da Polícia Federal e aumentar o efetivo de 8.000 para 20.000 profissionais. Revisar os Códigos Penal e de Processo Penal.

• Há a proposta da criação da Agência Nacional de Segurança, composta por um colegiado de ministros ligados à presidência. Os Estados poderão ter mais de uma polícia, dividida por áreas de atuação, como capital e interior. E revisão total do código penal e do sistema prisional.

• O governo federal incentivará Estados e municípios a implementarem o policiamento comunitário e deverá aparelhar a Polícia Federal para que possa atuar como polícia de inteligência. Outras propostas: construir uma rede de penitenciárias federais em regiões inóspitas, reformular o processo penal, desarmar a população e estatizar a indústria de armamentos de todos os tipos.

• O plano é triplicar o efetivo da Polícia Federal, que hoje conta com 8.000 homens e criar uma agência nacional de cadastramento de informações criminais subordinada ao Ministério da Justiça. Ainda, extinguir os privilégios penais e acabar com a comercialização de armas de fogo.

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303

6.1. Identidade de propostas

a primeira leitura dos quadros expostos nos leva À conclusão de que existe uma

grande aproximação entre todos os quatro candidatos e que, portanto, temos que refletir não

só sobre as razões de tal identidade como também suas implicações eleitorais.

6.1.1 Universalização do Ensino Público do pré-escolar até o médio

Quadro 10

Confluência das propostas sobre Educação Serra Lula Ciro Garotinho

• Valorização do professor, por meio da formação continuada, de incentivos à carreira e de mudanças nas condições de trabalho.

• Ampliação do acesso das crianças de 4 a 6 anos à pré-escola com a criação de 4 milhões de vagas.

• Consolidar a universalização já alcançada do ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos.

• Dobrar a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio.

• Aumentar em 50% o número de matrículas na educação profissionalizante.

• Erradicar o analfabetismo dos jovens e adultos com menos de 30 anos nos moldes do programa Alfabetização Solidária.

• Ampliar o crédito educativo para os estudantes universitários de menor renda.

• Universalizar o ensino do nível pré-escolar até o médio.

• Ampliar o FUNDEF para todo o ensino básico e contar com recursos suplementares do governo federal.

• Construção federal de escolas de segundo grau em todas as áreas do país onde haja necessidade.

• Manter e ampliar o Fundef para fortalecer a participação do governo federal no desenvolvimento da rede de pré-escolas.

• Atendimento, em creches de, no mínimo, 25% da faixa etária de 0 a 3 anos de idade.

• Atendimento em pré-escolas de, no mínimo, 50% da faixa etária de 4 a 6 anos de idade.

• Universalização do ensino médio gratuito, em três turnos.

• Ampliação do Fundef como Fundeb.

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crédito educativo para os estudantes universitários de menor renda.

• Ampliar Fundef para a educação infantil e para o ensino médio.

A política educacional iniciada com a eleição de Tancredo Neves apresenta uma

grande indefinição de rumos, pois, segundo Kuenzer (1990), há uma busca de caminhos e

uma ausência de clareza no que se refere a políticas e planos. Embora nas intenções haja

uma preocupação com a universalização do ensino básico, a concepção de alternativas

inovadoras para atingir tal objetivo não constitui prioridade.

No governo Collor, não foi diferente, pois sua prioridade nas intervenções no plano

da economia fez com que a política educacional ficasse subestimada. Somente em fevereiro

de 1991, foi lançado o documento Brasil: um projeto de reconstrução nacional, no entanto,

o seu governo já não tinha legitimidade.

A tentativa de retomada de uma política educacional vem acontecer no governo de

Itamar Franco com os debates em torno do Plano Decenal de Educação para Todos (1993)

e a realização da Conferencia Nacional de Educação para Todos (1994). Não obstante, é

no governo seguinte que este movimento vai se explicitar (VIEIRA, 2003).

No governo de Fernando Henrique Cardoso, não há um documento geral ou setorial

para anunciar as ações desenvolvidas, mas um amplo conjunto de medidas que são

deflagradas no sentido de: intervir nos Estados, caso estes não apliquem o mínimo exigido

por lei; rever o dever do Estado na oferta de ensino fundamental para os que a ele não

tiverem acesso em idade própria e de ensino médio; definir as responsabilidades das

diferentes esferas do Poder Público em relação à oferta de ensino; detalhar os recursos

aplicados pela União na erradicação do analfabetismo e na manutenção do ensino

fundamental; e prever a criação de fundo de natureza contábil para a manutenção e

desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do seu magistério (Emenda

Constitucional nª14,1996).

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Em seguida, são aprovadas duas outras Leis: a de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (1996) e a que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (1996).

O governo de Fernando Henrique Cardoso põe em prática uma agenda acordada

com o Banco Mundial durante a década de 1990. Para o Banco e diversos economistas

brasileiros, a questão educacional é fundamental para a sustentabilidade do crescimento. O

argumento é de que a elevação do nível educacional da população aumenta, genericamente,

a produtividade da economia. Segundo Pastore, “a taxa de crescimento do capital humano é

hoje muito mais importante que o capital físico”.

Os indicadores demonstram resultados positivos no que se refere à ampliação da

oferta de matrículas, no entanto os seus aspectos qualitativos ficam a desejar. Nesse

sentido, os quatro candidatos à Presidência não contestam o caminho perseguido no

governo anterior e indicam o desejo de melhorar a qualidade do ensino e aprofundar o

ingresso da população do pré-escolar ao nível médio. Em síntese, existe concordância com

a Constituição de 1988, uma adequação ao discurso das agências internacionais (Consenso

de Washington) que destacam a necessidade da educação para o desenvolvimento do País e

as propostas de universalização do ensino, ampliação e melhoria da qualidade,

financiamento para o pré-escolar e o ensino médio.

6.1.2 Defesa do Sistema Único de Saúde - SUS

Quadro 11 Confluência das propostas sobre Saúde

Serra Lula Ciro Garotinho Expandir o Sistema Único de Saúde (SUS).

• Implantação completa do Sistema Único de Saúde (SUS).

• O programa defende a manutenção dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no sistema público e o controle dos preços dos medicamentos.

• Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

As propostas dos candidatos à Presidência sobre saúde estão em torno da

viabilização do SUS – Sistema único de Saúde. Não por acaso os discursos confluem, pois

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a saúde é um pressuposto básico para a cidadania e a democracia e sua universalização

garantem a inclusão social e o acesso às políticas públicas, deixando de lado as relações

assistencialistas mais atrasadas.

Tal concepção, no entanto, está inserida em uma discussão recente que reorienta o

papel da saúde na sociedade.

A preocupação com o locus da vida humana foi a temática de várias cúpulas

mundiais, haja vista o processo gradativo de inviabilização do meio ambiente

acompanhado de relações sociais desiguais que ameaçam a existência até dos privilegiados

e desafiam soluções das grandes potências. No âmbito específico da saúde, a comunidade

internacional também se reuniu em diversos momentos para repensar o conceito de saúde e

as formas como deve ser esta tratada.52

O debate dentro e fora do País aponta para um novo modelo assistencial

denominado de Vigilância à Saúde: trata-se de uma combinação de práticas sanitárias que

intervêm nos diversos estágios e dimensões do processo saúde/doença, buscando satisfazer

as necessidades individuais, assim como as necessidades coletivas de saúde.

A idéia de produção social da saúde, além de dar conta de um estado de saúde em

permanente transformação, permite a ruptura com a noção de um setor saúde isolado ou

administrativamente definido. A saúde deixa de ser mero resultado de uma intervenção

especializada e isolada sobre fatores e passa a ser vista como produto social resultante de

fatores econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos.

Somente na década de 1980 é que a saúde no Brasil passou a contar com a

participação de novos sujeitos nas discussões das condições de vida da população. O que se

observa desde a origem da organização contemporânea do setor saúde do Brasil é a

separação política, ideológica e institucional da assistência à saúde individual,

eminentemente pelo Estado, em relação às ações dirigidas à saúde coletiva e ao meio

ambiente.

52 Conferência Internacional sobre Cuidados Primários - 1978, Alma-Ata (Declaração de Alma-Ata -

documento fundamental para a melhoria dos níveis de saúde) – Casaquistão/Ex-URSS;

I Conferência Internacional pela Promoção da Saúde-1986, no Canadá e; Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, 1992, em Santa Fé de Bogotá (onde foi definido o significado que deveria ter a promoção da saúde nas Américas) - Colômbia.

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Esse dualismo se faz presente na base da própria divisão institucional de atribuições,

de um lado o Ministério da Saúde, as secretarias estaduais e as secretarias municipais,

responsáveis pelas atividades de prevenção e promoção, e do outro, o INPS e depois o

INAMPS, responsável pelas atividades curativas, como consultas, exames, hospitalização.

Por essas razões foi chamado de modelo “hospitalocêntrico” por alguns e modelo

medicocêntrico por outros. Esse modelo tradicional concentra sua atenção no doente e não

na pessoa saudável, pressupõe o predomínio quase exclusivo do poder médico, organiza os

serviços colocando como centro dominante o hospital, desenvolve ações verticalizadas

desconhecendo as peculiaridades e autonomias locais, atua predominantemente sobre a

demanda espontânea, desagrega sua atenção para partes do corpo humano e geralmente não

compreende ou não informa sobre os fatores socioeconômicos.

Na década de 1970, com fim da expansão econômica e iniciada a abertura política

lenta e gradual, surgem propostas para a saúde na tentativa de mudanças na sua

configuração e expansão. A proclamação do direito à saúde como um dos direitos

fundamentais da pessoa humana e definidor das linhas básicas da organização do Sistema

Único de Saúde – SUS está presente na Constituição de 1988. A Lei Orgânica da Saúde, nº

8.080, de 19 de setembro de 1990, define os princípios e as diretrizes do SUS, como sendo:

democratização da saúde, universalidade de cobertura de acesso, integralidade da atenção,

igualdade da atenção à saúde, descentralização, integração executiva, conjunção dos

recursos, capacidade de resolução, utilização da epidemiologia, utilização do planejamento

participativo e participação da comunidade. Tais princípios e diretrizes nortearam os

Estados na organização dos seus Sistemas Estaduais de Saúde – SES.

Mesmo após mais de uma década de criação do SUS, no entanto, o sistema de saúde

não conseguiu resolver problemas básicos como estava previsto na lei. Na prática a saúde

está mergulhada em um caos. Os setores primário, secundário e terciário não funcionam de

forma integrada, gerando com isso desordenamento das funções de cada um desses setores.

A população não encontra uma cobertura satisfatória na ponta, postos de saúde,

ambulatório, ocasionando com isso uma sobrecarga nos setores secundário e terciário.

Ao analisarmos as propostas de governo de cada candidato, podemos perceber que

tais propostas procuram dar conta da reestruturação do SUS como forma de viabilizar os

direitos garantidos em lei do acesso a saúde.

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308

6.1.3 Desoneração do capital / desenvolvimento / geração de emprego

Quadro 12

Confluência das propostas sobre Emprego e Renda Serra Lula Ciro Garotinho

• Criação de 8 milhões de empregos direitos e indiretos.

• Flexibilização das leis trabalhistas.

• Combate à informalidade do mercado de trabalho. Criação do Sistema de Amparo ao Trabalhador, com informações sobre o mercado de trabalho.

• Criação de 10 milhões de postos no próximo mandato.

• Crescimento médio da economia de 5% ao ano.

• Aumentar as oportunidades de emprego adotando medidas emergenciais.

• Reduzir as taxas de juros, aumentar o crédito ao produtor e promover a reforma tributária.

Na disputa pela Presidência da República não podiam deixar de ser tratadas as

concepções relativas às condições de crescimento, geração de emprego e transição para a

economia liberalizada.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, na cabeça dos criadores do Plano Real

e, parcialmente, no discurso dos candidatos, passou a existir um posicionamento oscilando

entre duas posição:

1 Para os que se identificavam mais com o Plano Real, o discurso tendeu

mais para a defesa da estabilização da economia. O desafio era

apresentado como sendo o de recompor os fundamentos

macroeconômicos como forma de garantir o crescimento, haja vista que

as políticas de estabilidades são para sempre, e estabilização e

viabilização de crescimento são a mesma coisa - a agenda de estabilidade

era apresentada como agenda de crescimento. No discurso dos apoiadores

do Plano, as reformas (política, fiscal, da previdência e trabalhista)

deveriam fazer parte fundamental da agenda política. Nesse sentido,

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309

defenderam a abertura e a privatização como caminho para o aumento da

produtividade. A lógica foi que a privatização vem sendo favorável por

seus efeitos fiscais. As empresas privatizadas, nessa compreensão, fazem

investimentos, têm maiores lucros e, portanto, pagam impostos e geram

empregos.

2 Outro discurso foi mais pessimista -não acreditava na possibilidade do

Brasil voltar a crescer de forma sustentada, mantidas as atuais tendências.

O argumento era que a globalização não impedia a existência de uma

política industrial. Portanto, não havia por que abandonar o paradigma

das políticas compensatórias, bastando acrescentar os conceitos de

democracia e estabilidade. Nesse discurso, o que cria emprego é

investimento. Portanto, se tornava necessário um projeto de crescimento

do qual os empregos seriam conseqüência.

As duas posições que estavam subjacentes nos discursos que apresentavam como

proposta a geração de emprego não foram bem discutidas por algumas razões muito

específicas dessa campanha. Os candidatos Serra e Ciro estavam comprometidos com o

Plano Real e buscavam os loiros da estabilização econômica. Portanto, as críticas se faziam

de duas maneiras: Serra dizendo não se curvar aos interesses internacionais e Ciro fazendo

críticas às privatizações. Lula, que se tinha caracterizado nos anos anteriores pela crítica

contundente ao Plano Real, após a Carta aos Brasileiros, também abrandou as críticas a

política econômica anterior e deixou de fazer o combate sistemático ao Consenso de

Washington. Restou Garotinho, que caminhava mais livre, com um discurso afinado com a

segunda posição, contudo, sem ter um projeto real de crescimento.

Nesse sentido, os dois campos de percepção sobre política industrial e

desenvolvimento do País ficaram praticamente limitados a única alternativa. O debate

político ficou empobrecido e os fundamentos do que poderia ser a alternativa para um novo

governo ficaram mais na forma do debate do que propriamente no conteúdo de suas

propostas.

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310

6.1.4 Ampliação do efetivo policial / mudanças organizativas / revisão da legislação

Quadro 13 Confluência das propostas sobre Segurança Pública

Serra Lula Ciro Garotinho • Criação do

Ministério da Segurança Pública.

• Aumentar o efetivo de 8.000 para 20.000 profissionais.

• Revisar os Códigos Penal e de Processo Penal, além da Lei de Execuções Penais.

• Criação da Agência Nacional de Segurança.

• Os Estados poderão ter mais de uma polícia, dividida por áreas de atuação, como capital e interior.

• E revisão total do código penal e do sistema prisional.

• Policiamento comunitário.

• Construir uma rede de penitenciárias federais em regiões inóspitas.

• Reformular o processo penal.

• Triplicar o efetivo da Polícia Federal.

• Criar uma agência nacional de cadastramento de informações criminais.

• Extinguir os privilégios penais e acabar com a comercialização de armas de fogo.

Os quatro candidatos tratam com destaque o problema da violência, haja vista ser

essa um fenômeno social nem moderno nem contemporâneo. Ela está encravada na história

da humanidade, desde os seus primórdios, quando os conflitos normalmente eram

resolvidos por meio da força, da agressão, da violência sobre o outro. O processo

civilizatório, que nos ergueu ao patamar em que nos encontramos hoje, consiste, sobretudo,

na substituição da violência, como forma de resolver conflitos de interesses, por ações

regulatórias, e no auto-controle dos instintos e sentimentos de cada um de nós, para que a

convivência social seja possível e agradável para todos.

A idéia de que a violência é inaceitável, e injustificável, é o resultado de um longo

processo civilizatório, que nos alçou à Modernidade: esta representação social de que os

homens são iguais e livres. É ela que nos faz repudiar, no interior de cada um de nós, a

violência como um mal a ser reduzido, senão banido de nossa sociedade.

No entanto, o final do século XX, no entanto, quase todo o mundo assistiu a um

crescimento desmesurado da violência, sobretudo aquela realizada no espaço urbano. O

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311

Brasil não ficou isento deste fenômeno. A violência urbana no Brasil cresceu entre o final

do século XX e o início do presente século; particularmente a partir dos anos 1980, quando

o tráfico de armas e de drogas se encontraram; mas não é apenas o crime organizado que

ocupa com destaque as manchetes dos nossos meios de comunicação. Aumentou também a

incidência cotidiana de pequenos furtos, roubo a mão armada e homicídios por motivos

relativamente banais. A violência urbana banalizou-se. Penetrou o cotidiano de cada um de

nós, em especial nas grandes cidades.

Nos últimos 40 anos, o Brasil conheceu um acelerado fenômeno de urbanização,

que resultou numa redução do controle social, e um maior desenvolvimento da escolaridade

e dos meios de comunicação, tendo, entre outras conseqüências, maior percepção da

desigualdade e forte sentimento de injustiça social no âmbito das camadas menos

favorecidas.

Em uma campanha pautada pelo debate dos problemas sociais, os candidatos a

Presidência não poderiam deixar de dar ênfase a tal tema. O problema da violência foi

abordado levando em consideração, não somente as desigualdades sociais, mas envolveu

também as formas organizadas de criminalidade que nos últimos anos colocaram o País na

rota internacional de tráfico de drogas.

É nesse panorama que está inserida toda a proposta sobre a política de segurança na

campanha de 2002. Portanto, são comuns no discurso dos candidatos três aspectos: a

ampliação do efetivo policial; as mudanças organizativas; e a revisão da legislação.

6.2 - Necessidade de ser diferente

Após breve relato de como os candidatos encaminharam suas propostas políticas

nas questões fundamentais estabelecidas nos seus planos de governo, podemos deduzir que

nas propostas para a Saúde, Educação, Segurança e Geração de Trabalho e Renda não

existem diferenças fundamentais que justifiquem a disputa entre os quatro candidatos.

Conforme foi demonstrado, existem apenas algumas ligeiras diferenças, no entanto,

as questões de fundo, de natureza mais ideológica, não fizeram parte da disputa dos

principais candidatos da campanha em estudo.

A defesa do SUS, da escola pública, de uma segurança pública que respeite os

direitos humanos e uma política de desenvolvimento com a garantia da estabilidade foi

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312

parte constitutiva do discurso dos quatro candidatos. O que poderia ser um grande divisor

de águas, a luta contra qualquer um desses pontos, não aconteceu. Os defensores abertos da

iniciativa privada nas políticas públicas não estavam entre os principais candidatos à

Presidência da República.

Uma resposta para tal situação pode ser encontrada na origem de tais candidaturas:

todas nasceram de partidos e grupos sociais com grandes afinidades políticas e parceiros de

outras campanhas políticas.

Sendo assim, a diferença para os eleitores tinha que ser demarcada na forma de

apresentar suas propostas, encaminhar sua campanha e se posicionar como defensor ou

crítico do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Nesse sentido pode ser observado como o discurso dos candidatos utilizou-se de

recursos como universalização, narrativação, dissimulação, unificação, fragmentação e

reificação para validar suas candidaturas. No intuito de melhor analisar tal afirmativa, e

evidenciar como a diferenciação entre os candidatos foi sendo buscada, foram elaborados

quadros exemplificativos de tais comportamentos.

Quadro 14 Argumentos utilizados para as distintas políticas

Serra Lula Ciro Garotinho ...)Projeto fundamental de nosso governo é a rede Quero-Quero de creches e pré-escola (...) (...) quando uma pessoa chega na farmácia e compra um remédio genérico gastando menos, quando um idoso volta a enxergar depois que fez a operação de catarata, quando uma mãe ver seu filho nascer com saúde pelo atendimento que teve durante a gravidez, quando alguém doente de AIDS recebe p alívio dos medicamentos adequados. Tudo isso me dá uma sensação muito boa de dever cumprido e junto com ela vem a vontade enorme de continuar trabalhando muito

(...)É verdade que hoje em dia existem mais brasileiros na escola e o PT contribuiu muito com isso. (...)Essa diferença entre a educação dos filhos dos que podem mais e a educação dos filhos dos que podem menos é uma dos mais sérios problemas brasileiros. (...)O sofrimento, a humilhação, e muitas vezes o risco de quem vai a um hospital Público é muito grande. Eu já senti isso na pele. . (...)para sair da crise o Brasil precisa mudar de rumo, se continuar na mesma só iria enfraquecer ainda mais o país e aumentar o sofrimento do povo brasileiro.

(...)O futuro de uma

grande nação como o

Brasil, tem que ser

construído todos os

dias.

(...)Na escola o ensino tem que ter qualidade e preparar para a vida e para o trabalho. (...) A política da saúde terá cinco diretrizes: saneamento básico; complementação alimentar e difusão de práticas de higiene e vacinação; elevar o investimento em saúde; assegurar que a maior parte do dinheiro do SUS fique no sistema público; defender o interesse popular diante dos empresários privados da saúde e da indústria farmacêutica.

poupado para eliminar de nosso panorama social esse flagelo que impede o exercício da cidadania por parte de milhões de brasileiros. (...) Investir em saneamento e em esgotamento sanitário. (...) também se preocupar com a saúde da gestante, do recém-nascido, da criança, do idoso e dos portadores de necessidades especiais, assistindo-os por meio de políticas específicas, cujos resultados serão monitorados e acompanhados pela sociedade.

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313

continuar trabalhando muito (...)A diferença é que eu tenho dito claramente onde vou fazer, como vou fazer, detalhadamente.

(...)O Governo José Serra criará o Ministério da Segurança Pública, ao

qual ficarão subordinadas a Polícia

Federal e a Polícia Rodoviária Federal.

Paralelamente ao enfrentamento imediato do crime organizado, o

Ministério da Segurança Pública, articulado com as autoridades estaduais, proporá e coordenará a execução de uma ampla

reestruturação dos órgãos de segurança.

enfraquecer ainda mais o país e aumentar o sofrimento do povo brasileiro.

(...)Um projeto para Segurança Pública para dar certo tem que atacar

em três frentes: a primeira coisa a fazer é colocar para fora todas

os policiais corruptos de todas as patentes, em

segundo temos que ter uma polícia bem

equipada e em terceiro é fundamental também

criar o projeto d primeiro, investir em

educação, lazer, esporte e cultura.

empresários privados da saúde e da indústria farmacêutica. (...) não abrirei mão do meu dever de presidente para impor o cumprimento das leis contra o crime organizado e a violência.

(...)fiz como governador do Rio de Janeiro. Agora, como Presidente vou fazer em todo o Brasil: criar empregos, construir casas populares, aumentar o salário mínimo. (...) O programa ‘jovens pela paz’ ofereceu bolsas de 250 reais para jovens de 15 a 24 anos que passaram prestar serviço de saúde, educação, esporte e lazer as populações mais carentes.

O candidato Serra apresentou-se sempre como um professor. O seu argumento foi

racional e a tônica foi dizer que sabe fazer acontecer. O centro do seu discurso foi que nos

distintos momentos de sua atuação política soube retirar do papel os projetos e transformá-

los em realidade. A sua atuação como estudante, professor, secretário de governo e ministro

foi sempre utilizada de forma pedagógica. Os projetos como o de combate a AIDS, de

combate ao fumo e da produção de fármacos conhecidos como genéricos serviram para

enfatizar a capacidade de gestão do candidato.

Lula, por sua vez, explorou sempre a emoção e a sua vivência pessoal.

Diferentemente de todos os candidatos, sua história foi a de uma pessoa pobre, nordestina,

trabalhadora, que conheceu os dramas da desigualdade no País e tinha todas as condições

de resgatar o débito social. A competência na gestão e a validação do programa sempre foi

apresentada como resultante de equipes de profissionais do mais alto nível do País.

Ciro apresentou-se como um político que possuía experiência administrativa e

possuía um programa que é resultante do encontro dele com o cientista político Roberto

Mangabeira Unger. Apresentou-se como um crítico do “neoliberalismo compungido e do

discurso mentiroso do tudo pelo social”. O seu perfil como candidato era o de um homem

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314

corajoso e disposto a criar a alternativa para acelerar a política transformadora e superar a

divisão do Brasil entre vanguarda e retaguarda. As suas propostas enfatizaram a

necessidade de financiar e construir um Estado capaz de liderar um projeto de

desenvolvimento.

Garotinho utilizou-se também do seu passado: homem público comprometido com o

povo, pai devotado à família e bom cristão. O recorte explorado foi o de um gestor

competente e comprometido com os interesses da maioria do povo. Seus exemplos

procuraram fazer a relação do que fez com o que foi feito por Getúlio e Juscelino. Nesse

sentido, até as críticas de populismo foram rebatidas com o argumento de que as mesmas

acusações eram feitas aos dois presidentes escolhidos como modelo. O importante para o

candidato era afirmar que faria o que estava prometendo, mesmo sem dizer como poderia

chegar a tal resultado.

Os quatro candidatos abordaram a questão democrática como uma necessidade de

participação efetiva da sociedade nas decisões, nos planos de governo e nas coisas públicas.

Contudo, os conceitos de cidadania implícitos nas apresentações, contudo, variaram de uma

cidadania assistida (quando o discurso caminhava para o populismo – como no caso do

Garotinho) para uma cidadania emancipada (como em algumas falas do Lula). A

evidênciancia de tais concepções se fizeram quando os discursos trataram do formato do

Estado, das relações econômicas e das formas de participação da sociedade nas decisões

políticas que envolvem diferentes esferas de poder.

Quadro 15 Depoimento de apoiadores

Serra Lula Ciro Garotinho Rita Camata (vice na chapa de Serra): “Nós mulheres sabemos que tem muita coisa boa que não pode parar de uma hora para outra, Eu acompanho o trabalho de José Serra a muito tempo,

O que está em questão não é o que realizamos ou deixamos de realizar,O que está em jogo é o futuro do Brasil.

Luís Marinho (Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC): Todo projeto que cria mais postos de trabalho será visto com muita simpatia pelos sindicatos. Esse projeto do Lula para o primeiro emprego é um bom exemplo disso. Ivo Rosset ( Presidente da Valiseree): sem dúvida o seu projeto para o primeiro emprego sinaliza o começo de uma nova relação entre governo, empresários e trabalhadores onde todos vão ganhar.

Paulinho (vice na chapa do candidato): Nos enganamos duas vezes. Hoje são mais de 11 milhões e 700 mil desempregados e estão querendo nos enganar de novo.

Zélia Gattai: “Acompanho há muitos anos a trajetória política de Ciro Gomes.

Padre Herculano: “Estarei dando meu voto a um candidato cujo compromisso de amor do próximo é testemunho maior de nossa fé.”

Arleir Bellieny: “Estou com Garotinho por ver nele um homem preparado para ser presidente de todo o povo brasileiro.”

Pastor Silas Malafaia: “Pra presidente da república, Garotinho 40”.

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jogo é o futuro do Brasil.

Nana Caime – Cantora: se eu estou apoiando o Serra é porque eu vi as coisas que ele fez, por isso eu acredito nesse homem.

Lucinha Araújo – Mãe do Cazuza:Eu voto no serra pelo magnífico trabalho que ele fez no ministério da saúde. Roberto Rodrigues (presidente da Associação Brasileira de Agronegocios): Regina Duarte (atriz): To com medo. Faz tanto tempo que eu não tinha esse sentimento. Porque eu sinto que o Brasil nessa eleição corre o risco de perder toda a estabilidade que foi conquistada..

sinaliza o começo de uma nova relação entre governo, empresários e trabalhadores onde todos vão ganhar.

Hoje, eu voto em Ciro Gomes para a presidência da república sem medo de errar.”

Patrícia Pillar (atriz): Todo mundo sabe que sou a mulher do Ciro. Mas não pense que o meu amor é cego. Se o Ciro não fosse honesto, competente e apaixonado pelo Brasil certamente eu não me envolveria nessa batalha.

Garotinho 40”.

Gisela Mclaren (Vice presidente de um estaleiro): “O Garotinho foi o único governador que na realidade defendeu a construção naval e foi o responsável para que os estaleiros voltassem a empregar o que hoje eles vêm empregando de funcionários .”

Rosinha Garotinho: Olá, eu sou Rozinha Garotinho, mulher de Garotinho. E nesses 22 anos que eu o conheço e tenho a felicidade de dividir a vida com um ser humano muito especial.

A universalização e “narrativação” foram duas formas de abordagem muito

utilizadas pelos apoiadores dos candidatos nos seus depoimentos nos programas eleitorais.

Os apoiadores na quase totalidade dos casos se situaram no âmbito da narrativa, de uma

história contada, de um discurso que narrava uma seqüência de acontecimentos. Embora os

apoiadores tenham variado conforme a estratégia de cada candidato, a sistemática utilizada

foi a mesma.

Serra explorou personalidades políticas, intelectuais e artísticas envolvidas em

projetos oficiais; Lula buscou a intelectualidade e o mundo artístico reconhecido como de

esquerda e de elevada competência; Ciro procurou mais personalidades reconhecidas como

competentes e ligadas ao seu governo ou Ministério; e Garotinho buscou religiosos e

sindicalistas ou lideranças do Rio de Janeiro.

Quadro 16 Exemplos utilizados

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Serra Lula Ciro Garotinho Serra disse que ia aprovar a lei do genérico. Dito e Feito.. Serra disse que ia ampliar o programa Saúde da Família. Dito e Feito. Serra disse que ia acabar com a longa fila para cirurgia de catarata. Dito e Feito. Serra disse que ia cuidar da saúde das mulheres. Dito e Feito.

(...) O Deputado Eduardo Jorge do PT, o mesmo que criou a lei dos remédios genéricos, me chamou a atenção para um projeto muito interessante que já existia em Pernambuco. Uma rede de farmácias com remédios a preços populares. (...) Marta Suplicy (prefeita de São Paulo): Este é o programa Vai e Volta da prefeitura de São Paulo. Além de garantir transporte de graça para as crianças que moram longe da escola, o programa também dá o uniforme completo e mochila com todo o material básico que a criança precisa para estudar, como caderno, régua, tesoura e lápis de cor.

Patrícia Pillar: Agente sabe que quando o Ciro foi governador do Ceará foi considerado o melhor do Brasil. Patrícia: E um bom governo agente nunca esquece. Quem viveu no Ceará durante o governo do Ciro está com ele. População: Votar no Ciro é vê o Brasil crescer. Votar no Ciro é vê a continuidade do que ele fez no Ceará; Ele fez uma revolução (...) Ele é o presidente do povo (....) (...) Fez muito pelo Ceará e vai fazer muito pelo Brasil;

(...) Garotinho aumentou o salário no Rio de Janeiro para 240 reais. Agora, para chegar aos 280 que Garotinho vai dar em maio de 2003 só falta 40. (...)Quando foi governador, Garotinho trouxe grandes empresas, entre elas a CINTRA , a VÉSPER e a INTELIG. Garotinho criou em todo o estado mais de 180 mil novos empregos. Beneficiária 2: Esse cheque cidadão do Garotinho mudou, sabe. Porque agora eu não preciso mais pedir nada a ninguém. Beneficiária 3: Nem comer comida de latão de lixo com os meus filhos.

Os exemplos utilizados pelas propagandas dos candidatos seguiram a mesma lógica

utilizada nas críticas. Unificar quando era o interesse eleitoral e fragmentar, ou seja, se

distanciar, quando a campanha assim impunha.

Quadro 17 Exemplo de críticas

Serra Lula Ciro Garotinho

“O desemprego é grave em todo o mundo. No Brasil nove em cada 100 pessoas economicamente ativas estão sem emprego. Na Argentina são 21 %, na Venezuela, 16%, na Espanha 11%, na França 9%, na Alemanha 8%. Até nos Estados Unidos são 6 desempregados em cada 100. Tudo isso é reflexo de uma crise mundial que vem afetando todos os países. No Brasil não é diferente a economia brasileira teve crescimento lento nos últimos anos e esse é um dos motivos do desemprego.

O governo conduziu a economia brasileira para ficar dependente do capital externo. Eu acredito que se esqueceu no Brasil uma lição que toda mulher e homem sabe, que agente só vai para frente se trabalhar, se produzir, e o Brasil esqueceu de produzir.

Na verdade essa tragédia tem uma causa, é conseqüência de muita corrupção e de um modelo econômico que se rendeu a uma globalização perversa e desumana que nos é imposta pelos interesses da especulação

Esse modelo econômico que privilegia os banqueiros, deixando a milhões de brasileiros sem emprego especialmente os jovens, sofrem todos os jovens, mas principalmente os das periferia.

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países. No Brasil não é diferente a economia brasileira teve crescimento lento nos últimos anos e esse é um dos motivos do desemprego.

Agente vê o governo mandar encomendas que poderiam gerar trabalho para o exterior, quando agente poderia está gerando empregos e recuperando a nossa industria naval. O grande problema do Brasil é que algumas autoridades brasileiras não querem conhecer o Brasil. Porque se as nossas autoridades conhecessem ertamente eles iam ver tanta miséria que eles iriam tentar fazer com que o emprego passasse a ser obsessão de todo mundo.

As críticas utilizadas durante a campanha foram pródigas em fragmentar e

unificação do discurso. Dependendo do caso e da necessidade dos candidatos em cada

momento do pleito, um ou outro recurso de tal natureza foi utilizado. Cada candidato,

sabiamente, ou seus marqueteiros, se afastaram de casos ou situações-problema e uniram-

se a outros fatos quando a lógica eleitoral assim recomendava.

Todos os candidatos opositores de Serra se afastaram das iniciativas do governo

Fernando Henrique Cardoso e fizeram tudo para demarcar a situação de opositores. Ciro

teve que fazer crítica à política econômica, sem deixar de dizer que fez parte do grupo que

criou o Plano Real. Lula tinha que defender o financiamento da educação, sem poder fazer

as críticas que fazia anteriormente ao FUNDEFE. Garotinho tinha que ser o novo sem

deixar de responder pelo que foi feito no governo do Rio de Janeiro. Até mesmo o Serra

tinha que defender o governo anterior e dizer que não seria a mesma coisa do governo que

defendia.

Os quatro candidatos não tinham uma história de defensores de uma política

econômica monetarista, vinham de outras experiências; embora teoricamente defendessem

o desenvolvimentismo, as práticas políticas fizeram com que moderassem suas teses. Serra

tinha que compatibilizar suas idéias com as do governo de Fernando Henrique Cardoso,

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Ciro, como governador, teve que no final do seu governo adequar-se aos paradigmas

internacionais; Lula assinou a “Carta aos Brasileiros” e Garotinho, embora com seu

discurso populista, não podia negar a necessidade de ter adequado seu governo à realidade

econômica do País e do mundo.

No tocante à participação popular, todos os candidatos fizeram promessas e

salientaram a importância da opinião popular no desenvolvendo de seus programas

políticos. O discurso mais próximo de uma visão de cidadania emancipada, todavia, foi o

do Lula: o candidato sempre destacou o saber popular e disse que sua pretensão era se

apoiar em todos e se beneficiar de tal conhecimento; no entanto, seus opositores ficaram

mais próximos de uma defesa de cidadania tutelada, haja vista que falaram de participação

mais como forma pedagógica de administrar as coisas públicas. Serra, Ciro e Garotinho

sempre defenderam a participação popular, todavia o discurso da competência de ambos fez

com que o conceito de cidadania ficasse limitado: o saber e a experiência sempre eram os

dos candidatos.

Nesse sentido, os conceitos de democracia, participação e cidadania nos discursos

do primeiro e segundo turnos não evidenciaram mudanças substanciais. A matriz ideológica

entre os quatro candidatos com maior perspectiva eleitoral e os dois que foram para o

segundo turno transformou a campanha numa disputa muito mais voltada para a conquista

da credibilidade. A luta deixou de ser programática para se voltar para a conquista da

imagem do futuro presidente, ou seja, transformou-se secundariamente numa luta por

projetos governamentais e, prioritariamente, pela confiança do eleitorado na experiência do

candidato, lucidez do próximo presidente, conhecimento dos anseios do povo, honestidade

e compromisso com as reivindicações populares.

A vitória de Lula foi a prevalência da paixão sobre a razão. A conquista pela

emoção, pelos sentimentos de identidade e pela confiança no futuro: a esperança se

sobrepondo ao medo. O que em outras campanhas tinha sido utilizado como ponto negativo

se afirmou como ponto forte na distinção entre os quatro candidatos: Lula era quem vinha

de baixo. Lula se diferenciava de todos porque era o único que tinha vivido o que

denunciava. Todos puderam afirmar e explicar seus programas. Todos, com maior ou

menor capacidade de convencimento, foram bons professores e oradores; todavia, somente

um podia dizer que sabia o que dizia porque tinha vivido o drama de ter nascido no seio de

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uma família pobre do meio rural nordestino, tinha vivido as dificuldades de quem procura

emprego em São Paulo, de ter sido operário, líder sindical e fundador de um partido com

forte inserção nos movimentos populares.

A distinção dos conceitos estudados não se faz com ênfase nos discursos

programáticos, mas, sobretudo, nas práticas dos respectivos candidatos. O que fez a

diferença foram as histórias de vida. O operário metalúrgico gerou mais confiança do que o

engenheiro que sabe ser professor, o advogado e político desaforado e o político popular.

Os conceitos de democracia, participação e cidadania – para a maioria do eleitorado –

foram entendidos como algo parecido com o que o candidato mostrava familiaridade: o seu

dia-a-dia de líder popular.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender o discurso dos candidatos à Presidência da República às eleições de 2002

foi para o nosso estudo uma tentativa de esmiuçar e desconstruir sentidos, principalmente

em razão da a alta competitividade de tal pleito, que colocava as esquerdas brasileiras em

confronto direto. Os candidatos que se apresentaram nessa disputa identificavam-se com a

mudança, a ruptura e com a possibilidade de solução para os problemas urgentes do País. A

democracia esteve presente na fala de cada um dos quatro candidatos, embora sem

diferenciação muito clara de tal conceito. Em seus planos de governo, os princípios

democráticos foram a base da definição de suas políticas públicas, levando-nos a questionar

se existiam ou não diferenças fundamentais nos discursos dos candidatos, visto que cada

um procurava delimitar sua diferença do outro.

Para identificar as nuanças que cercam as falas e os discursos propostos, foi preciso

em primeiro lugar reaver os conceitos de democracia, participação e cidadania, visto que

neste estudo tais conceitos nos permitiram entender melhor o sentido condutor da

campanha e do pleito de 2002.

Como afirmamos no primeiro capítulo, democracia é um conceito construído

historicamente que tem seus fundamentos no pensamento grego, que passou mudanças

importantes de definição na Modernidade e está em permanente formulação. Talvez por sua

importância nas sociedades modernas, tal conceito seja sempre revisto, reavaliado e

reestruturado. Nesse sentido é que as correntes ideológicas procuraram nos últimos tempos

adequar os princípios democráticos a formas específicas de exercício do poder. O

pensamento liberal recobra o pensamento democrático modificando a base da deliberação

para dar ênfase ao conceito de representação e delegação. Conduz a sociedade democrática

para um individualismo, distanciando-se do sentido de participação ampla e de uma

cidadania emancipada. A socialdemocracia combina princípios liberais com os

fundamentos do socialismo, conservando a liberdade e a igualdade de direitos. Distancia-se,

no entanto, da concepção de liberdade positiva e negativa dos liberais por considerar a

importância dos direitos sociais. O surgimento do neoliberalismo da década de 1980 induz

a uma reavaliação de princípios e introduz novos elementos ao pensamento

socialdemocrata a partir do que foi determinado no Consenso de Washington. A

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globalização como fenômeno desse novo modelo intensificou segundo Guiddens, as

relações sociais, realizando, no sentido mais extremo do termo, uma interconexão das

nações, fenômeno esse que encurta as distâncias, revela as diferenças e amplia a

comunicação, levando as sociedades contemporâneas a uma proximidade exacerbada a uma

identidade global; mas, longe de serem consensuais as idéias sobre a positividade das novas

relações globais, os críticos desse novo modelo apontam as divergências internas dos

princípios neoliberais que se espalham com a globalização. Existem interesses antagônicos

no cerne do modelo neoliberal muitas vezes escamoteados pelo discurso global. São

conflitos no campo social, político, econômico e cultural que devem ser analisados para

melhor compreensão do momento histórico que enfrentamos. Por isso a nova esquerda

propõe uma reavaliação de tal ideologia por considerar que tanto o neoliberalismo quanto a

globalização contribuíram para a ampliação das desigualdades sociais, não mais em termos

locais ou nacionais, mas globais. As experiências nacionais tiveram que ser fortalecidas

para com isso estabelecer uma corrente contrária ao discurso neoliberal. É a realização de

uma contra-hegemonia que estabelece novos caminhos para o enfrentamento de problemas

sociais locais, advindos de respostas encontradas para pressões globais.

Nessa perspectiva, se inserem as propostas políticas que permeiam as eleições de

2002. Os candidatos estabelecem suas ideologias com base na consolidação das instituições

democráticas e na proposta de políticas públicas de inclusão.

Isto nos leva a observar que os quatro candidatos em disputa, por serem integrantes

ou originários de partidos de esquerda, possuíam retóricas semelhantes, voltadas para o

enfrentamento dos problemas sociais e a crítica à política econômica. Embora sem grandes

distinções de conteúdo, no entanto, podemos perceber a existência de diferenças na forma

de elaboração das críticas e das soluções apresentadas pelos candidatos em seus programas

eleitorais.

O candidato Serra cumpria o seu papel de difusor do governo Fernando Henrique

Cardoso, apesar de se dizer um candidato independente, com um plano de governo próprio;

contudo preservava aquilo que considerava positivo e modificava o que achava negativo no

governo de que fazia parte e o apoiava. Sua atitude política-ideológica reafirmava que

voltaria seus esforços para realização de ampla rede de proteção social: principalmente

quando destacava as políticas implementadas durante sua gestão no Ministério da Saúde.

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Assim como Serra, Ciro também possuía parte de sua base política na esquerda

(PPS), fundamentada em princípios que variavam da socialdemocracia para a nova

esquerda. Foi do PMDB e depois ajudou a fundar o PSDB, onde participou ativamente na

estruturação do partido no plano nacional. Ajudou a conceber e implementar o Plano Real.

Nas eleições de 2002 apresentou-se com um discurso crítico ao neoliberalismo e às

políticas implementadas no governo Fernando Henrique Cardoso. Elaborou um programa

de governo alternativo em conjunto com Mangabeira Unger, um dos teóricos da Terceira

Via.

Garotinho, apesar de ter construído sua vida política nos partidos de esquerda,

aparece com um discurso populista. A sua fala está apoiada principalmente na sua atuação

à frente do governo do Estado do Rio de Janeiro e no resgate de símbolos importantes da

política nacional, como Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek. Fez duras críticas ao

neoliberalismo e ao governo socialdemocrata do presidente Fernando Henrique Cardoso e

se apresentava como a alternativa viável para recuperar o desenvolvimento do País. Seu

discurso ressaltava o nacionalismo e utilizava-se do elemento religioso como forma de

demarcar sua conduta ética e política.

O candidato Lula, no entanto, foi, dentre os quatro, o mais próximo da chamada

nova esquerda. Sua história política sempre o aproximou dos movimentos sociais:

Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, fundador da Central Única dos

Trabalhadores - CUT e fundador do maior partido de esquerda da América Latina. Lula

chegou às eleições de 2002 como favorito: reconhecidamente era de oposição; vinha de três

tentativas de chegada à Presidência da República – portanto nome conhecido do eleitorado;

o governo de Fernando Henrique Cardoso se encontrava muito mal avaliado pela

população; a conjuntura internacional fazia com que a situação econômica do País piorasse;

o candidato se mostrava como tendo se preparado durante toda a sua militância para superar

os entraves conjunturais do País e contava com o apoio da sociedade civil. O medo das

elites com relação à possibilidade de um processo de “esquerdização” foi respondido

inicialmente com a escolha de um empresário para ser o seu candidato a vice-presidente e,

posteriormente, com a “Carta ao Povo Brasileiro”, o que tornava o seu discurso mais

próximo dos demais candidatos.

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323

Para melhor compreendermos o clima político das eleições de 2002, no entanto,

consideramos indispensável analisar a forma como foram tratadas todas as questões

levantas há pouco no ambiente dos programas eleitorais na televisão, visto que os meios de

comunicação de massa foram nesse pleito, como já tinham sido em processos eleitorais

anteriores, um dos grandes responsáveis pelo resultado final das eleições. Sem dúvida, as

mensagens simbólicas foram absorvidas de maneira mais rápida e intensa pelo público

eleitor através dos media, haja vista que a ocorrência de tal fato decorre principalmente da

adequação da política e dos próprios candidatos ao formato midiatico.

Podemos, então, verificar que a utilização dos veículos de comunicação de massa

teve inicio bem antes do processo eleitoral, já no inicio do ano de 2002 (ou até bem antes se

considerarmos a trajetória do Lula), visto que, desde o inicio, o debate eleitoral tomou

conta dos jornais, revistas, telejornais e outros veículos de comunicação, o que possibilitou

ao eleitor maior acesso à informação; no entanto, o debate político nos meios de

comunicação de massa não foi fomentado apenas pelo jornalismo político, mas contou com

o interesse de partidos políticos e dos próprios candidatos ou pré-candidatos. A disputa,

portanto, não era apenas política/eleitoral, mas também de visibilidade, o que ocasionou

uma disputa acirrada pelo controle da agenda política. Também nos programas eleitorais

gratuitos na televisão podemos perceber tal disputa. Todos os candidatos se valeram de

profissionais do Marketing na orientação de seus programas de tv que utilizaram todos os

recursos da publicidade para construção da imagem de seus candidatos. Apesar de não ser a

primeira vez que especialistas da mídia coordenaram campanhas políticas, o pleito de 2002

se caracterizou por ser uma campanha de um Marketing intenso.

As principais propostas políticas dos candidatos estavam pautadas em quatro

principais eixos: educação, saúde, geração de emprego e renda e segurança pública. De

fato, tais temas refletiam as dificuldades enfrentadas pela população e não poderiam deixar

de ser temas centrais no debate político. As criticas e propostas advindas da discussão

desses temas levaram os candidatos a se deterem de forma mais detalhada na elaboração de

propostas de políticas que viessem a enfrentar os desafios em áreas tão complexas. Dessa

forma, podemos perceber as identidades e diferenças nas propostas apresentadas pelos

candidatos, ou seja, em que tais propostas se aproximavam e em que se distanciavam.

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A identidade das propostas dos candidatos Serra, Ciro, Lula e Garotinho é muito

clara, pois houve não diferenças profundas, não estabeleceu um debate ideológico. Todos

os candidatos defenderam o SUS, o papel da segurança pública no respeito aos diretos

humanos, a universalização do ensino e uma política de desenvolvimento com garanta da

estabilidade do País.

As diferenças, no entanto, foram identificadas na forma de apresentação do

discurso, no posicionamento de cada um, na atitude de defensor ou crítico do Governo

Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos foram utilizados sistematicamente e de forma

competente como forma de legitimação ideológica. Os programas eleitorais difundiram

mensagens que ora universalizaram, dissimularam, unificaram ou fragmentaram as

propostas conforme os interesses. A desconstrução das falas, das imagens e dos sons nos

permitiu concluir que as propostas políticas se aproximaram no seu conteúdo e se

diferenciaram na forma dos candidatos apresentá-las.

A conclusão chegada, contudo, impõe uma reflexão: o pleito de 2002 deixou de

centrar sua campanha nos aspectos programáticos para privilegiar as formas e

possibilidades da tecnologia midiática. Portanto, a fala dos candidatos cedeu lugar aos

Maqueteiros. O político real ficou escondido, ou parcialmente desvelado, no que deveria

ser o fundamental de uma campanha para Presidente da República. Essa constatação

fundamenta uma convicção da necessidade de repensar as campanhas políticas: horário dos

programas, imagens externas, editoração de imagens, depoimentos, manipulação de dados,

tudo que vem sendo priorizado no momento, ou seja, maquiagem dos candidatos.

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Revistas:

Veja

Exame

A Carta

Isto é

Primeira Leitura

Jornais:

O Povo

Diário do Nordeste

Folha de São Paulo

Jornal do Brasil

Correio Brasiliense

Documentos de Campanha:

Plano de Governo do Candidato Ciro Gomes.

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Plano de Governo do candidato Garotinho.

Plano de Governo do candidato Lula.

Carta ao Povo Brasileiro.

Plano de Governo do candidato José Serra.