democracia intrapartidária

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DEMOCRACIA INTRAPARTIDÁRIA Desvios do partido pela força política e econômica com a justificativa da autonomia partidária Vladimir Belmino de Almeida 1 A coerência, a convicção, a certeza são demonstrações evidentes - quantas vezes escusadas - de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade. Fernando Pessoa O tema ocupa meu pensamento a muito, dada a verdadeira “feira de ocasião” da negociação de legendas para soma do tempo de direito de antena e da repartição do fundo partidário que se desvenda a olhos vistos. Tanto que quando tendo oportunidade de participar da Marcha dos Vereadores de 2015, em Brasília, a convite do Dr. Anderson Alarcon, meu colega na ABRADEP, abordei esse tema, tendo ótima receptividade. Comecei pensando na questão da fidelidade partidária, que trás problemas ligados aos casos de desejo de mudança de partido ao qual está filiado o vereador e a possível perda de mandato decorrente dessa mudança. Essa matéria sempre é motivo de questionamentos pelos vereadores que comigo se aconselham, geralmente é nosso ponto de partida.

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Page 1: Democracia Intrapartidária

DEMOCRACIA INTRAPARTIDÁRIA

Desvios do partido pela força política e econômica

com a justificativa da autonomia partidária

Vladimir Belmino de Almeida1

A coerência, a convicção, a certeza são

demonstrações evidentes - quantas vezes

escusadas - de falta de educação. É uma falta

de cortesia com os outros ser sempre o

mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los

com a nossa falta de variedade.

Fernando Pessoa

O tema ocupa meu pensamento a muito, dada a verdadeira “feira de ocasião” da negociação de

legendas para soma do tempo de direito de antena e da repartição do fundo partidário que se

desvenda a olhos vistos. Tanto que quando tendo oportunidade de participar da Marcha dos

Vereadores de 2015, em Brasília, a convite do Dr. Anderson Alarcon, meu colega na

ABRADEP, abordei esse tema, tendo ótima receptividade.

Comecei pensando na questão da fidelidade partidária, que trás problemas ligados aos casos de

desejo de mudança de partido ao qual está filiado o vereador e a possível perda de mandato

decorrente dessa mudança. Essa matéria sempre é motivo de questionamentos pelos vereadores

que comigo se aconselham, geralmente é nosso ponto de partida.

Ora, a eleição para vereador sujeita o candidato a situações de ferrenha batalha, havendo certo

consenso que esta é a eleição mais difícil, posto tratar-se de disputa de votos de vizinhos;

finalmente, quando o candidato consegue se eleger vereador a despeito de tudo, sempre é na

maioria das vezes sem o apoio do partido ou da coligação que integrava. De fato, vivemos a

quadra da simples concessão de legenda e isso quando muito, sempre no intuito de propiciar a

soma teórica da possiblidade de alcançar o quociente eleitoral, mantendo os já com mandato em

condições vantajosas de ter maior sufrágio que os demais candidatos da mesma coligação.

Assim, não posso avançar sem registrar que a quase totalidade dos partidos políticos está

representado localmente por uma comissão provisória, sob a espada da dissolução ad nutum.

Basta o “mandachuva” que indicou a comissão provisória determinar que a mesma é desfeita

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para prestigiar outra liderança ou grupo – seus atos às vezes anulados, podendo ser extinta ou

substituída. Tudo em nome do que hoje se diz autonomia partidária e sob diversos pretextos

lógicos mas sempre escondendo mecanismos de dominação partidária vigente hoje no país, seja

por motivo financeiro ou por motivo estritamente de manutenção de poder.

Dessa forma, fica a comissão provisória sob o comando de fato e indireto dos ditos caciques do

partido, ou de quem por ele indicado, quase na forma de uma “capitania hereditária” pela visão

do poder, quando muito obtendo respeito, melhor, tolerância quanto à coligação escolhida pela

comissão provisória dada as características da cena local, mas sempre sob a possibilidade de ser

esta comissão dissolvida e seus atos cancelados. De outro giro, sempre que uma decisão da

comissão provisória for contrária à vontade dos mandatários superiores, essa dissolução e

anulação de atos se reflete na mais profunda alteração fática do quadro eleitoral local.

Então, observadas essas avalições iniciais, várias perguntam se revelam: qual o interesse que

veste a decisão de instância partidária superior para instruir, manter, alterar ou dissolver a

comissão provisória e por que uma decisão dessa é tomada? É legal e legítima a comissão

provisória? É possível e viável mudar esse quadro dentro do aspecto legal? Como é possível

mudar a situação de subjugação da cena política local e quais os benefícios que essa possível

mudança pode gerar?

É necessário verificar que as comissões provisórias, a rigor, são disponibilizadas aos que

possuem mandatos de envergadura nacional, ou a quem por estes indicados, na intenção nunca

muito diversa de manutenção de poder intrapartidário e de possiblidade de captação de votos na

ponta, fortalecendo seu próprio grupo nessa ponta, formando esse grupo por conta de seus

interesses, garantindo e ampliando sua base.

Assim, qualquer fato ou acordo que acontece na ponta, no município, na comissão provisória,

deve seguir a orientação superior ou , ao menos, não contrariar interesse dessa instância superior,

do “senhor” da comissão e de seus desígnios. O que se evidencia é a perpetuação do poder do

grupo de interesse daquela figura nacional, não do grupo local. Em verdade, com raras exceções,

sequer existe grupo local; esse grupo que ali se encontra na forma de comissão provisória é

reflexo do interesse e benesse superior e existirá enquanto permanecer o interesses ou se

mantiver o “dono” daquela comissão.

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É bom pertencer a um grupo. Ótimo enquanto se faz parte do grupo. A política se faz de grupo.

A sociedade se reúne e acontece em grupo. Mas sob o ponto de vista do que seja a essência de

partido politico e sua finalidade isto se demonstra equivocado pelo fato inicial de dificultar

sobremaneira, ou mesmo impossibilitar, o surgimento de novos nomes políticos ou a alteração

dos cenários locais de representação de poder.

Isso é danoso porque sujeita a cena política local – a realidade, onde se materializa o voto

fisicamente, a uma outra realidade – ficta, sob o ponto de vista que é estrangeira, senão

alienígena. Os interesses que passam a determinar o que pode ou não pode, ou o que é permitido

e tolerado – desde que não afronte os interesses superiores, na quadra política e eleitoral

municipal, onde está instalada a comissão provisória, vive submetida aos interesses de outro

local, ou pior, a interesses que obedecem a outra lógica. De fato, o que deve informar a tomada

de decisão do órgão partidário local, se não for o melhor para o município, deve ser ao menos o

melhor para a realidade politica local.

O que vemos hoje acontecendo país afora, pelo atual instituto da comissão provisória, é que parte

da estrutura partidária idealizada pelo legislador está a serviço do interesse do plano maior, seja

financeiro ou politico nacional. O correto seria que a atuação da comissão provisória se

materializasse conforme o ideal partidário, solidificando esse na conjuntura de poder e política

de execução do município.

Assim, vemos que o que move a instância superior em instruir, manter, alterar ou dissolver a

comissão provisória podem ser várias coisas, menos prioritariamente o interesse local. Este só é

prioridade se favorece o real interesse superior, que é o de que detém o poder de vida e morte

sobre a comissão provisória. No mesmo diapasão, o que move a tomada de decisão quanto a

existência, manutenção e funcionamento da comissão provisória são os motivos de interesse

superior que podem ser relativos a obtenção de voto dos deputados estaduais, dos deputados

federais, dos senadores, prefeitos, governadores e demais figuras de poder intrapartidário.

A tomada de decisão que beneficia a cena política municipal só se dá se algum desses políticos

“maiores” for da localidade, mas quando isso acontece – o que se dá na exceção, ali era para se

ter, via de regra, um diretório partidário instalado e não uma comissão provisória. Os motivos

que definem tudo sobre a comissão provisória não guardam necessariamente relação direta com

os interesses locais. Em verdade os interesses locais são acomodados na conformidade dos

interesses superiores.

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Assim, identificamos que os motivos que determinam a existência, manutenção e funcionamento

das comissões provisórias são exemplificados pela alteração do quadro do poder na instância

superior do partido, seja por não reeleição do mandatário que apadrinhava a comissão provisória,

seja pela migração entre legendas daqueles políticos, seja por ascensão de novo quadro partidário

(o que é mais raro), entre outros motivos similares. Enfim, o motivo da tomada de decisão refoge

ao por quê local, se este não for o por quê superior.

Entretanto, a atual conformação legal que ampara a existência da comissão provisória é perfeita.

A comissão provisória, do ponto de vista do fracionamento partidário, está completamente dentro

da legislação. Mas todavia, sob o aspecto de corresponder ao ideal partidário, sob o ponto de

vista de responder obrigatoriamente aos arranjos locais de poder e execução de sua existência,

sob a perspectiva de existir objetivamente para consecução do bem local por aplicação de seu

ideal, a comissão provisória não atinge a legitimidade. E essa perspectiva começa ser objeto de

preocupação de vários doutrinadores, a exemplo de Ana Cláudia Santano2, e do Tribunal

Superior Eleitoral, por meio da Resolução nº 23.465/20153.

Ou seja, há uma crise esquizofrênica no instituto da comissão provisória quanto à sua natureza.

Ela deveria servir para ampliar a base partidária, facilitando a expansão partidária e de seus

ideais aonde, porventura, fosse inicialmente difícil a implantação de diretório. Mas hoje a

comissão provisória existe, na prática, voltada a outro fim, colimado no que acima destacado de

manutenção de poder e financeiro.

A comissão provisória, que existe fora do ideal partidário, e que se destina a outra coisa que não

a preparação da fertilidade de onde se instala para evoluir a diretório municipal, está amparada

legalmente. Mas sob o ponto de vista da legitimidade ela não obtém sucesso, não é

prioritariamente voltada ao atendimento das necessidade municipais, seja quanto a execução das

politicas locais ou quanto à distribuição e execução de poder dos quadros partidários locais.11 Advogado, Secretário-geral da Subseção de Santana na OAB/AP, Presidente da Comissão de

Direito Eleitoral da OAB/AP, Secretário Adjunto do Colégio de Presidentes de Comissões

Eleitoral do OAB, Fundador e Tesoureiro da ABRADEP.2 Santano, Ana, in http://jota.uol.com.br/e-leitor-vamos-discutir-os-deveres-dos-partidos-na-

democracia-brasileira, 14.3.20163 Resolução TSE nº 23.465/2015, in http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-se-res-tse-

23465-2015-1453375201523, 14.3.2016

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Essa crise de legitimidade é bem presenciada quando se observa o deslocamento de filiados ao

mesmo tempo que determinada figura política partidária de expressão maior sai do partido. Junto

com este líder vão vários filiados em movimento solidário, desequipando a comissão provisória

que detinham e equipando outra. Por vezes o que se vê, esdruxulamente, é que só muda a

legenda, ou seja, os membros partidários mudam de partido junto o com o “dono” da comissão e

equipam a nova comissão. A legalidade da comissão provisória existe, mas a legitimidade, as

escâncaras, não.

De fato, Resolução TSE nº 23.465/20154, em seu artigo 39, sinalizou a intenção de controlar esse

desvirtuamento prevendo que as anotações relativas aos órgãos provisórios teriam validade de

120 dias. Entretanto, por meio da alteração do artigo 39, promovida pela Resolução TSE

23.471/20165, esse prazo foi suspenso por um ano6. Ou seja, houve tolerância a farra das

comissões provisórias, muito por conta da grita geral ante a impossibilidade fática de adequação

a tempo e modo para as eleições vindouras. Sobre o caso, resta a crítica sobre o que “prazo

razoável diverso” a vir ser analisado dentro dos estatutos partidários, um tipo aberto sujeito ao

“bom senso da ocasião”.

Bem, o que deve ser objeto de reflexão é se é possível mudar a lei e como isso pode ser feito.

Vale relembrar que os partidos políticos, embora regulados pela Lei nº 9.096/95, estes são

instituídos no código civil, no artigo 44, inciso V, com natureza de pessoa jurídica de direito

privado, tendo o parágrafo 3º indicado que os partidos políticos são organizados e funcionarão

conforme disposto em lei específica, ou seja, daí a Lei nº 9.096/95.

A lei dos partidos políticos, por sua vez, em seu artigo 3º, informa que é assegurado ao mesmo

autonomia para definir sus estrutura interna, organização e funcionamento. E é daqui que advém

a autorização legal para criar comissões provisórias, devendo serem instituídas no estatuto do

partido, ou seja, a comissão provisória também é, por derivação, pessoa jurídica de direito 4 Redação da pela Res. TSE 23.465/2015, já cancelada: Art. 39. As anotações relativas aos

órgãos provisórios têm validade de 120 (cento e vinte) dias.5 Redação dada pela Res. TSE 23.471/2016, em vigor: Art. 39. As anotações relativas aos órgãos

provisórios têm validade de 120 (cento e vinte) dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer

prazo razoável diverso.6 Notícia do site do TSE, in http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Marco/suspenso-

por-um-ano-artigo-que-trata-de-prazo-de-validade-de-comissoes-provisorias, 14.03.2016

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privado. Impende destacar que, não há guarida constitucional para a comissão provisória, esta é

de cunho estatuária, posto que sequer está prevista na Lei nº 9.096/95; o que há ali é um

permissivo de organização interno, que dentre outras coisas, resulta na criação da comissão

provisória.

A receita federal, por sua vez, determina na instrução normativa nº 1.005/2010, a qual dispõe

sobre o cadastro nacional da pessoa jurídica, em seu artigo 11, parágrafo 4º, inciso I, que são

obrigados a se inscrever no CNPJ, na condição de estabelecimento matriz, as comissões

provisórias. Portanto, pouco trouxe de inovação a Resolução TSE nº 23.465/2015. Dessa forma,

a comissão provisória tem autonomia ante a receita federal, e vale lembrar que normas e decisões

versam sobre a solidariedade entre candidatos e partidos/coligações7, o que em breve pode

indicar entre as comissões provisórias e as instâncias partidárias superiores.

Pelo que se observa, os partidos políticos tem fundamento no Código Civil, que também prevê

que a organização e funcionamento serão na forma da Lei nº 9.096/95. Já a comissão provisória

nasce do texto estatutário do partido, amparado pelo autorizativo legal da lei dos partido

políticos. Neste sentido, a Lei nº 9.096/95 poderia determinar normas quanto a existência, forma

e limites das comissões provisórias, se assim o desejasse, sem ferir em nada o texto do código

civil. Entretanto é relevante e primaz verificar se isso é interessante do ponto de vista cena local,

o que perpassa pela análise do quadro fático atual.

Quem pode mudar a lei dos partidos políticos é o congresso nacional, ou seja, os políticos de

maior expressão. Daí já se antevê certa impossibilidade lógica de que que isso aconteça, posto

que é risível esperar que alguém legisle contra si próprio. Ainda mais esperar que vereadores, ou

interesses locais, lado mais fraco nessa disputa, orquestrem isso, soa demasiado romântico, daí a

preferência do TSE por sua Resoluções.

De fato, se isso mudar e conferir certa perenidade à cena política municipal, vai empoderar os

vereadores, que passarão a exigir a composição da organização política local. Uma célula política

forte pode exigir melhor repartição do fundo partidário, pode exercitar a política mais voltada

para os interesses da comunidade onde se estabelece, pode ampliar seu arco de poder entre um

grupo sem o problema da destituição, transferindo a energia gasta nesta insegurança para

7http://temasselecionados.tse.jus.br/temas-selecionados/propaganda-eleitoral/penalidade/

responsabilidade-solidaria, em 14.03.2015

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dedicação do trato com outro atores da cena local e maior ênfase na disputa eleitoral, para aí sim,

manter-se no poder e aplicar seu ideal partidário.

São inúmeros os benefícios práticos de cunho teórico do empoderamento local do partido, como

pode se ver. Argumentos de ordem prática acima expostos – fundo partidário, relação

institucional com os atores políticos locais, fortalecimento das relações de poder intrapartidárias

–, mas também às benesses aos sistema se somam aos montes, todas elas decorrentes da ideia da

democracia intrapartidária, muito longas para esse momento, mas que será tratado em artigo

próprio, ficando este de semente.

Dessa forma, é ilógico pensar que os legisladores do planalto, as figuras maiores do partido

político, alterem uma lei que os beneficia, soma-se a isto, por vezes, a dependência financeira da

campanha municipal. O que se verifica, de quando em quando, é uma patrimonialização do

partido. Aquele que banca a eleição tem, por direito, o poder de decisão sobre a esfera partidária

local. Nesse sentido, a eleição municipal dependendo do investimento “externo”, cria-se um

ciclo vicioso que se torna aparentemente impossível de romper, somente na aparência.

A nova Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, veio para impor limites mais precisos aos

gatos de campanha, ou seja, atua do partido para fora, na intenção de evitar o caixa 2 e a

corrupção derivada do financiamento público (proibido, exceto o do fundo partidário) e privado.

Mas tal lei não impede ainda o domínio econômico dentro do partido, a lei não funciona para

atingir os princípios democráticos intrapartidários.

Uma alternativa que se apresenta a longo prazo é a insurgência do quadro local, o que também se

assemelha romântico, posto que não é razoável supor – segundo nos informa a realidade – que

irá romper com o quadro político superior por um ideal que não existe. Ninguém vai deixar de

ser amigo do Rei. Mesmo que a eleição dependa dos vereadores, mesmo que cada voto que

elegeu o vereador seja o que pretenda conquistar para cargo majoritário maior, o vereador não

consegue negociar, com raras exceções, a liberdade para trabalhar sua base com independência.

Entretanto, mantendo-se a figura da comissão provisória, mas reenquadrada na forma de sua

intenção originária, preservando sua fonte legal, conservando sua legalidade de autonomia de

organização e funcionamento partidário, esta fosse gravada por forma diferenciada de poder para

concessão de legenda, essa medida poderia afetar o quadro local, como é a tendência da nova

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Resolução. Entretanto, repisa-se, isso serve só de começo, exterioriza a vontade de evitar o

“adonamento” do partido, mas não satisfaz o conceito de democracia intrapartidária.

Em verdade, já sofre a comissão provisória limitação na concessão de legenda aos que disputam

a eleição municipal, como delineado acima, essa limitação decorre da autonomia que não detém,

que está entregue ao “dono” da comissão provisória. A comissão provisória só pode lançar

candidatos que venham a viabilizar posteriormente a candidatura superior, a comissão provisória

só pode coligar com quem autorize a instância superior. O máximo da autonomia que a comissão

provisória detém é de praticar os atos que não atrapalhem às instâncias superiores.

Assim se verifica novamente a esquizofrenia que atribui liberdade e autonomia partidária, mas

não a transfere para a base. É a democracia do poder fazer, conquanto que seja do meu jeito, é o

jogo de futebol no qual o dono da bola acaba a partida se estiver perdendo. Isso em nome da

ideia de formação dos partidos políticos deve ser banido, deve ser alterado e, a princípio, uma

forma é impedir que comissões lancem candidatos (como fez a Resolução), ou se o fizer, isso se

realize de forma diferenciada da do diretório partidário (o que não foi aventado no estudo da

Resolução).

A noção é de que por ser seção do partido, por ser da mesma natureza, para ter os mesmos

privilégios e atribuições, tem que ter a mesma dimensão em tudo. Seria o princípio da

correspondência aplicado na instituição partidária.

O que se vê é que, sendo os princípios que regem os partidos políticos, autonomia de

organização e funcionamento, entre outros, estes só são possíveis por um fundamento maior, a

liberdade, a democracia. Então, em nome da democracia e da liberdade, quando o partido se

fraciona deve transmitir essa independência de autonomia e organização para aquela parcela

fracionada.

Essa autonomia vem do entendimento que a célula política local fortalecida irá contribuir mais

efetivamente para os políticos maiores, posto que se fortalecido o cenário local, com ele se pode

contar verdadeiramente. A parcela do fundo partidário que é devida à seção partidária municipal

será efetivamente entregue e empregada no desenvolvimento partidário local.

Por essa lógica, pode-se falar em verdadeira autonomia partidária, em unicidade de

representação. Por este meio pode-se aplicar mais eficazmente a fidelidade partidária, pelo viés

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do ideal partidário ou pela perseguição política interna, que na letra da lei é a mudança

substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou por grave discriminação pessoal.

Mas fica de certeza que esse início de tratamento dado às comissões provisórias são o

nascedouro da verdadeira democracia, que irá atingir coerentemente todo o sistema de

representação partidária. Em verdade, nas reformas políticas que vemos alardeadas, e também

nas capitaneadas pelo TSE, a exceção dessa última intervenção consistente na transformação de

comissões provisórias em diretórios, nada tem se falado sobre democracia intrapartidária. O que

temos é um bolo muito bem confeitado, essa tal de reforma, mas por baixo do confeito, a massa é

podre.

Nas palavras de Ana Cláudia Santano2, “o fato é que a proximidade atual dos partidos com o

Estado brasileiro forma um cenário muito pouco favorável para a democracia. As organizações

políticas nasceram para servir aos interesses da sociedade, não do Estado, e não é exatamente o

que vemos”. Enfim, a que se considerar que a vida política, embora hoje seja definida no

planalto, nasce e é verdadeira no município, onde os vereadores veem os eleitores todo dia, o dia

todo.

Trabalhando em sentido contrário, não trabalhando ou mesmo trabalhando pela metade na

democracia intrapartidária, temos perfume francês em corpo suado, temos um lindo caixão,

como a esquecer dentro levamos um defunto.