democracia deliberativa

311

Upload: ronaldo-martins-gomes

Post on 01-Feb-2016

31 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Série de artigos de pensadores atuais que discorrem sobre a democracia deliberativa de Jurgen Habermas e Jon Elster.

TRANSCRIPT

Page 1: Democracia Deliberativa
Page 2: Democracia Deliberativa

1

A DEMOCRAA DEMOCRAA DEMOCRAA DEMOCRAA DEMOCRACIA DELIBERACIA DELIBERACIA DELIBERACIA DELIBERACIA DELIBERATIVTIVTIVTIVTIVA COMO NOA COMO NOA COMO NOA COMO NOA COMO NOVVVVVAAAAA

MAMAMAMAMATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICA:::::

alguns estudos de casosalguns estudos de casosalguns estudos de casosalguns estudos de casosalguns estudos de casos

Page 3: Democracia Deliberativa

2 Políticas de inclusão

Av. Independência, 229396815-900 - Santa Cruz do Sul - RS

Fones: (51) 3717 7462 Fax: (51) 3717 7402E-mail: [email protected]

http://www.unisc.br

ReitorVilmar Thomé

Vice-ReitorEltor Breunig

Pró-Reitora de GraduaçãoCarmen Lúcia de Lima Helfer

Pró-Reitor de Pesquisae Pós-Graduação

Rogerio Leandro Lima da SilveiraPró-Reitor de Administração

Jaime LauferPró-Reitor de Planejamento eDesenvolvimento Institucional

João Pedro SchmidtPró-Reitora de Extensãoe Relações Comunitárias

Ana Luisa Teixeira de Menezes

EDITORA DA UNISCEditora

Helga Haas

COMISSÃO EDITORIALHelga Haas - Presidente

Rogerio Leandro Lima da SilveiraAdemir Müller

Cristina Luisa EickEunice Terezinha Piazza Gai

Mônica PonsSérgio Schaefer

Valter de Almeida Freitas

Page 4: Democracia Deliberativa

3

ORGANIZADOR:

Rogério Gesta Leal

A DEMOCRAA DEMOCRAA DEMOCRAA DEMOCRAA DEMOCRACIA DELIBERACIA DELIBERACIA DELIBERACIA DELIBERACIA DELIBERATIVTIVTIVTIVTIVA COMO NOA COMO NOA COMO NOA COMO NOA COMO NOVVVVVAAAAA

MAMAMAMAMATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICATRIZ DE GESTÃO PÚBLICA:::::

alguns estudos de casosalguns estudos de casosalguns estudos de casosalguns estudos de casosalguns estudos de casos

Santa Cruz do SulEDUNISC

2011

Page 5: Democracia Deliberativa

4 Políticas de inclusão

© dos autores1a edição 2010Direitos reservados desta edição:Universidade de Santa Cruz do Sul

Editoração: Clarice Agnes, Julio C. S. MelloCapa: Denis Ricardo Puhl (Assessoria de Comunicação eMarketing)

D383 A democracia deliberativa como nova matriz degestão pública [recurso eletrônico] : alguns estudos decasos/Rogério Gesta Leal, organizador. - 1.ed. - SantaCruz do Sul : EDUNISC, 2011.

Dados eletrônicos.

Texto eletrônico.

Modo de acesso: World Wide Web:<www.unisc.br/edunisc>

1. Administração pública - Estudo de casos. 2.Democracia deliberativa. 3. Política urbana. I. Leal,Rogério Gesta.

CDD: 351

Bibliotecária: Luciana Mota Abrão - CRB 10/2053

ISBN 978-85-7578-299-6

Page 6: Democracia Deliberativa

5Prefácio

SUMÁRIO

PREFÁCIOLeonardo Avritzer ............................................................... 7

CAPÍTULO PRIMEIRO:DEMARCAÇÕES CONCEITUAIS PRELIMINARES DADEMOCRACIA DELIBERATIVA : MATRIZESHABERMASIANASRogério Gesta Leal ........................................................... 10

CAPITULO SEGUNDO:A TEORIA PROCEDIMENTAL DA DEMOCRACIADELIBERATIVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES À PROBLEMÁTICADA LEGITIMIDADE JUDICIAL NAS DECISÕES SOBREPOLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAISCaroline Müller Bitencourt ................................................ 99

CAPÍTULO TERCEIRO:OS ESPAÇOS DE DELIBERAÇÃO NA PROTEÇÃO DOSRECURSOS HÍDRICOS: UM RECORTE A PARTIR DOSCOMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS NO RSLuciana Turatti .............................................................. 136

CAPÍTULO QUARTO:DEMOCRACIA DELIBERATIVA E JUSTIÇA RESTAURATIVACláudia Taís Siqueira Cagliari ....................................... 179

CAPÍTULO QUINTO:POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS LOCAIS COMOFATOR DE VIABILIZAÇÃO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVAHenrique Mioranza Koppe Pereira .................................. 213

Page 7: Democracia Deliberativa

6 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

CAPÍTULO SEXTO:INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA ELETRÔNICAAPLICÁVEIS AO MODELO DE DEMOCRACIA DELIBERATIVAEverton José Helfer de Borba .........................................242

CAPÍTULO SÉTIMO:DEMOCRACIA Y PARTICIPACIÓN(Sobre la perspectiva centrista)Jaime Rodríguez-Arana ..................................................268

Page 8: Democracia Deliberativa

7Prefácio

PREFÁCIO

O conceito de democracia deliberativa se tornou umdos fundamentos mais importantes das concepções maisradicais de democracia no começo do século XXI. Na suamatriz habermasiana, a democracia deliberativa éclaramente dependente de um processo público decomunicação, através do qual a sociedade debate,argumenta e toma decisões sobre questões políticasrelevantes (HABERMAS,1994). Assim, se estabelece ummodelo de contraste com o liberalismo que pensa adeliberação apenas como normatização constitucional dasoberania e não consegue dar vida ou espírito a umasoberania popular que continua constituindo a base dosistema democrático. Esse sistema constitui o elementofundador do conceito de democracia que para osdeliberacionistas, funda tanto a democracia nos seuselementos mais abstratos, quanto as políticas públicasconcebidas de modo mais concreto. O livro “A democraciadeliberativa como nova matriz de gestão pública: algunsestudos de caso”, organizado por Rogério Gesta Leal,constitui um excelente aporte à parca literatura sobre oassunto existente no Brasil. O livro consegue situar o leitornos principais debates no campo da democraciadeliberativa e, ao mesmo tempo, iluminar a sua aplicaçãoatravés de um conjunto de estudos de caso. Nesta breveintrodução irei comentar e apresentar brevementealgumas destas contribuições.

O capítulo que abre o livro intitulado “Demarcaçõesconceituais preliminares da democracia deliberativa”oferece ao leitor brasileiro um guia seguro do itinerárioque levou a teoria habermasiana até o conceito dedemocracia deliberativa. O autor corretamente diferencia

Page 9: Democracia Deliberativa

8 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

a democracia deliberativa da tradição conhecida comoparticipativa, ancorando esse contraste na noção de açãocomunicativa. Gesta Leal transita com desenvoltura nateoria habermasiana para mostrar ao leitor as dimensõestanto pragmáticas quanto ético-morais que fundam oconceito de comunicação e que colocam para a política epara o direito a tarefa de atualização do próprio conceitode autodeterminação política. Se esse conceito seencontra inscrito na constituição, ele também implica adiscussão entre os cidadãos das condições da boa vida.Assim, tal como aponta Gesta Leal, é fundamental adistinção entre a validade formal das normas e a sualegitimidade social, que deve fazer parte de um processoamplo de discussão de valores e de preferências pelacidadania. É esse o fundamento da relação entredemocracia deliberativa e gestão pública que abarca osseis capítulos restantes do livro.

O livro “A democracia deliberativa como nova matrizde gestão pública” analisa a aplicação do conceito de DDnas seguintes situações: na discussão sobre legitimidadeconstitucional; na política de recursos hídricos; nadiscussão da política da criança e do adolescente comojustiça restaurativa; na discussão de políticaseducacionais; na avaliação da aplicação de meioseletrônicos em processos deliberativos. O livro tambémrealiza uma avaliação geral sobre a participação qualitativados cidadãos na gestão pública. Vale a pena mencionarum aspecto absolutamente original desta coletânea e quea diferencia de outros livros disponíveis na área dedemocracia deliberativa: trata-se da presença de umadiscussão conceitual sobre democracia deliberativa elegitimidade do produtor de políticas públicas que éabordada em detalhes no capítulo 2 e segue presente nosdemais capítulos. Os capítulos 3, 4, 5, 6 e 7 da coletâneapodem ser divididos em duas partes: alguns deles abordamconceito de democracia deliberativa em casos específicos

Page 10: Democracia Deliberativa

9Prefácio

de políticas públicas, como por exemplo, na política derecursos hídricos e na avaliação dos instrumentoseletrônicos para a implantação de processos deliberativos.Esses capítulos têm como principal contribuição oferecerum embasamento teórico analítico para discussões sobreparticipação que já estão em curso no país. Em outros casos,como o da aplicação do conceito de justiça restaurativa napolítica da criança e do adolescente e no artigo sobre aaplicação da democracia deliberativa às políticaseducacionais, há contribuições originais à análise depolíticas específicas. É possível afirmar de forma geral queo livro constitui uma importante contribuição no planoteórico aos estudos sobre democracia deliberativa noBrasil. O leitor encontrará artigos que ajudam a entendera importância política do conceito e também a perceber asua aplicação nos diferentes contextos da sociedadebrasileira.

Leonardo AvritzerProfessor da Universidade Federal de Minas Gerais

Presidente do Observatório da Justiça Brasileira

Page 11: Democracia Deliberativa

10 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

CAPÍTULO PRIMEIRO:

DEMARCAÇÕES CONCEITUAIS PRELIMINARES DADEMOCRACIA DELIBERATIVA: MATRIZES

HABERMASIANAS.1

Rogério Gesta Leal2

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS:

O presente ensaio se insere no debate que tenho hábastante tempo iniciado sobre as possibilidades daDemocracia enquanto regime de gestão de interessespúblicos. Agora, pretendo aprofundar algumasconsiderações históricas, filosóficas e políticas sobre aDemocracia em suas feições deliberativas, notadamentea partir de Jürgen Habermas e seus interlocutores.

Em trabalho a ser desenvolvido posteriormente,esses construtos teóricos vão servir para avaliar como seinsere os Poderes Instituídos do Estado Contemporâneodentro do modelo deliberativo da política e da Sociedade,dando relevo especial aos Poderes Administrativo eJudiciário, inclusive do Brasil.

2 APORTES HISTÓRICOS PRELIMINARES DADEMOCRACIA DELIBERATIVA:

Há certo consenso doutrinário no sentido de que omodelo de Democracia Deliberativa decorre de um processoteórico e prático bem localizado no tempo e espaço, fruto

Page 12: Democracia Deliberativa

11Demarcações conceituais preliminares ...

sucessivo das experiências das chamadas democraciaselitistas schumpterianas, da teoria econômica dademocracia de Downs e do pluralismo democrático deSartori, amadurecidas ao longo das décadas de 1980 e1990.3

Em todos esses modelos teóricos a prática oficial dademocracia era, fundamentalmente, a representativa-parlamentar, na qual a tripartição de poderes e as funçõesinstitucionais de Estado eram pouco questionadas emtermos de legitimidade política – da ação política –,centrando-se mais na discussão de suas eficáciasconjunturais e de mercado a partir de matrizes dedesenvolvimento social desatreladas do crescimentoeconômico.

Em termos da literatura mais clássica e aindamoderna sobre o tema, pode-se referir a Rousseau comopreocupado com a forma de exercício do poder político e dogoverno, na medida em que nos primeiros momentos doseu Contrato Social adverte para o fato de que buscará“trovare una forma di associazione in cui ciascun individuounendosi a tutti non obbedisca tuttavia che a se stesso eresti libero come prima”. E mais adiante: “C’è una solalegge che, per sua natura, esiga un consenso unanime: èil patto sociale; infatti l’associazione civile è, fra tutti, l’attovolontario per eccellenza; essendo l’uomo nato libero esignore di se stesso, nessuno può, sotto nessun pretesto,assoggettarlo senza il suo consenso”. 4

Compreende o autor como liberdade aqui a ausênciade qualquer dependência pessoal por parte do cidadão,proporcionando-lhe, assim, condições materiais esubjetivas de associação não coagida. Por outro lado,entendendo Rousseau que era necessário organizar acomunidade política de modo que o indivíduo fossedependente não de seu semelhante, mas de um enteimpessoal, a saber, a lei, deixou de levar em contaproblemas atinentes ao processo em si de criação da lei

Page 13: Democracia Deliberativa

12 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

(legitimidade democrática), crendo na romântica hipóteseda natureza filantrópica do homem de seu tempo.

Por certo que há em Rousseau, dentre outrosproblemas, um filosófico e político que toca o debate queestou propondo, a saber, como viabilizar consensosgovernativos? Qual o centro de produção de legitimidadedas escolhas públicas, a vontade de todos ou a vontade damaioria (voluntè general)? O autor genebrino sabe que nãoé possível conquistar a todo o tempo a concordância de todossobre projetos de vida e interesses comuns, razão pela qualme filio aqueles que entendem ser esse conceito devontade geral uma “ funzione eminentementemetodologica e un contenuto puramente formale, hannoosservato che attraverso tale nozione l’autore del ContrattoSociale intendeva soltanto identificare «una procedura discelta [...] che aggrega sempre punti di vista individuali,ma riferiti agli interessi che ciascuno può condividere conaltri.” 5

Veja-se que em Edmund Burke este debate tambémvai estar presente, na medida em que, para o autor, umdos principais fins da deliberação é o de produzir amplosconsensos sobre temas de interesse comunitário, atribu-indo verdadeira função epistêmica aos procedimentosdeliberativos, qual seja, a de demarcar, através da discus-são racional, o verdadeiro interesse da Nação, o que sepode visualizar na sua compreensão da assembleia repre-sentativa em França:

Il parlamento non è un congresso di ambasciatoridi interessi diversi e ostili, interessi che ciascunodovrebbe tutelare, come agente e avvocato, controaltri agenti e avvocati. Il parlamento è inveceun’assemblea deliberativa di una nazione, con unsolo interesse, quello del tutto, ove non debbonoessere gli scopi o i pregiudizi locali a guidare ledecisioni, ma il bene comune determinato dallaragione generale del tutto..... Ma governare e

Page 14: Democracia Deliberativa

13Demarcações conceituais preliminares ...

legiferare sono questioni di ragione e di giudizio,non di inclinazione. E che sorta di ragione sarebbemai quella nella quale la decisione precede ladiscussione, nella quale un gruppo di uominidelibera e un altro decide, e nella quale coloro chetraggono le conclusioni sono lontani magari trecentomiglia da coloro che ascoltano le argomentazioni?6

Se os argumentos apresentados não vão sersuficientes para dar conta da complexidade das relaçõessociais que irão advir na Modernidade, não se pode negarsua força argumentativa no sentido de, já a partir de Kant7 ,chegar à conclusão acertada de que se pode assegurar deforma harmônica a autonomia dos indivíduos, tanto noâmbito privado como na sua dimensão de cidadãos, nãorespondendo com total êxito como efetivamente fazer isto.Tenho que é a teoria da democracia e da políticadeliberativa que vão dar a melhor solução possível,superando os fundamentos da política forjados nospressupostos do direito natural racionalista e do contratosocial desde Hobbes e Locke imperantes no Ocidente.8

Passo a verificar, então, os aspectos estruturantesdo que estou chamando de Teoria da DemocraciaDeliberativa, para então verificar, ao depois, as condiçõespragmáticas de sua operacionalização.

3 FUNDAMENTOS PROCEDIMENTAIS DA DEMOCRACIA(DELIBERATIVA) EM HABERMAS:

De pronto quero esclarecer que não vou tratarpontualmente sobre a chamada Democracia Participativaaqui – e a distingo da Democracia Deliberativa -, entendidaenquanto modelo de gestão política de interesses comunscentrada na possibilidade de participação social, cujasorigens mais teóricas encontram-se localizadas ao longo

Page 15: Democracia Deliberativa

14 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

da década de 1960, notadamente na Europa, decorrentedas experiências do movimento operário e estudantil emexigirem voz e vez nas decisões sobre temas que lhesinteressavam.9

Nas palavras de

In estrema sintesi può dirsi che la richiesta dimaggiore partecipazione, espressa dalla società diquegli anni in aderenza al dettato costituzionale,aveva l’obiettivo fondamentale di coinvolgere, neiprocessi decisionali non solo normativi, i soggetti,i gruppi, le classi sociali fino ad allora esclusi. Larichiesta di maggiore partecipazione era peròinteramente contenuta – questo è il trattocaratteristico rispetto ad oggi- all’interno dei circuitidella democrazia rappresentativa. In particolare ilruolo dei partiti come attori indispensabili frappostitra Stato e società non era sostanzialmente messoin discussione. 10

Ou seja, as discussões sobre a necessidade daparticipação social na política não conseguemproblematizar o esgotamento do modelo preponderante/hegemônico de representação política parlamentar fundadono sufrágio que a Modernidade institucionalizou. Talproblematização carece de estatutos epistemológicos efilosóficos aprofundados, até para identificar não só osdéficits de fundamentação e justificação da DemocraciaContemporânea, mas também para aferir qualitativa equantitativamente suas dimensões pragmáticas deoperacionalização.

Para Follesdal, tanto a Democracia Participativa comoa Deliberativa se colocam no mesmo campo teórico, poisse ocupam de igual problema, a saber, como instituir edar efetividade à participação social e à abertura dosprocessos decisionais públicos nos mais diversos níveis

Page 16: Democracia Deliberativa

15Demarcações conceituais preliminares ...

de governo a todos os interessados, destacando que oconceito deliberativo remete a complexos conjuntosteóricos, com conotações fortemente normativas, enquantoque a participação implica aspectos sobretudos aplicativos.Com este raciocínio, o autor conclui, e com ele concordo,que há algumas questões que a matriz deliberativa daDemocracia tem de responder: (a) quais são as suaspretensões pragmáticas específicas; (b) quais osfundamentos teóricos alternativos em que se alicerça; (c)quais são as atuais formas de deliberações assumidas pelamatriz; (d) quais são as condições institucionais eculturais para dar efetividade ao modelo; (e) de que maneiraa realização total ou parcial das condições do modeloincidem sobre a legitimação, racionalidade e justiça doresultado deliberativo. 11

Veja-se que há ligação direta, a partir dessesreferenciais, com os argumentos constitutivos dadeliberação pública forjados pelos teóricos da DemocraciaDeliberativa, enquanto condições de possibilidades daparticipação política efetiva da sociedade na cogestão dosseus próprios interesses como comunidade (e as formasde fazê-lo).

Como minha proposta neste texto, num primeiromomento, é a de aferir o estatuto epistemológico e filosóficoda deliberação pública – mais do que as formaspragmáticas de sua operacionalização –, pretendo me valer,prima facie, dos contributos teóricos que Habermas trazpara o tema, que trata exatamente do que ele chama depolítica deliberativa – um conceito procedimental dedemocracia.12

O pressuposto habermasiano para tanto é o de que aconstituição das relações sociais orientadas pela reta razãoinstitucionalizada pela forma do direito reclama requisitosde validade social, já esboçados na primeira parte doDireito e Democracia, cujos fundamentos epistêmicos efilosóficos se encontram nos procedimentos

Page 17: Democracia Deliberativa

16 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

comunicacionais desenhados na Teoria da AçãoComunicativa –TAC– tudo isso, por certo, em face de seucompromisso (e da Escola de Frankfurt) em “recuperar lavitalidad de la razón ante su deriva instrumental, comopuro instrumento de dominio y no de liberación, aunquetambién las limitaciones del intento para formular unateoría normativa de la sociedade” 13 , associado a duasoutras premissas mais políticas, a saber: a de que há umatensão inexorável entre capitalismo e democracia; a deque a democracia deve ser tratada no interior de uma teoriada relação entre Estado e Sociedade.

Apenas para lembrar alguns conceitos geraisdesenvolvidos na TAC, importa ter presente que não seafigura possível, a partir da modernidade, aceitar relaçõessociais que são, fundamentalmente, relações decomunicação e de linguagem (física, virtual, simbólica,etc.) autoritárias e monológicas, centradas ainda naperspectiva da filosofia da consciência ou do sujeito. A teseda ação comunicativa de Habermas revela-se como ooposto desta, pois se funda numa perspectiva distinta decomunicação, a saber, dialógica, tendo como ponto departida de uma relação intersubjetiva a análise dapragmática da fala e dos seus falantes/ouvintes,pressupondo que todos estão orientados para uma mútuacompreensão voltada ao entendimento (situação ideal defala)14 . Com tal postura, a própria condição de falante eouvinte é indissociável, já que parte do princípio de queeles possuem a capacidade de adotar uma posturaafirmativa ou negativa quando buscam a validade das suascondições existenciais.

Esta capacidade de adoção da postura referida temcomo pressuposto a possibilidade de se construirracionalmente, entre os falantes/ouvintes, um acordosemântico e pragmático para o reconhecimento doscorrespondentes requisitos de validade, verdade,veracidade e exatidão das proposições (assertóricas) que

Page 18: Democracia Deliberativa

17Demarcações conceituais preliminares ...

utilizam na obtenção do entendimento.

Em outras palavras, a linguagem enquanto expressãodas representações e pensamentos humanos permiteperceber qual a estrutura dos mesmos, ou seja, descobrircertas estruturas de racionalidade que nela se manifestam– daí poder-se afirmar a existência de uma “razãocomunicativa”. Em função desta estrutura racional dalinguagem pode-se ver que seu destino original é permitirestabelecer o entendimento entre as pessoas; nestaatividade de produzir o entendimento, as pessoas acabampor instituir um conjunto de sentidos gramaticalmentepredeterminado, que forma um pano de fundo comum apartir do qual os indivíduos socializados se abastecem paracompreender, interpretar e agir sobre o mundo. Daí pode-se afirmar que a linguagem é o verdadeiro traço distintivodo ser humano, pois lhe atribui a capacidade de tornar-seum ser social e cultural, fornecendo-lhe identidade epossibilitando-lhe partilhar estruturas de consciênciacoletiva.15

Veja-se que Habermas defende que todo o falante/ouvinte que atue comunicativamente deve, ao realizar umato de fala (verbal, corporal, simbólico), explicitar osrequisitos de validez universal e supor que tais requisitospodem justificar-se e cumprir-se racionalmente. Osrequisitos de validez universal se estabelecem nasestruturas gerais da comunicação possível e nasestruturas intersubjetivas da reprodução social. Assim,nenhuma disputa sobre o requisito de validez transcendea argumentação racional dos participantes implicados eseus contextos de atuação.16

Em outras palavras, está sustentando Habermas quenão se pode compreender o caráter do mundo vital a menosque se compreendam os sistemas sociais que o configuranos seus processos constitutivos.

Há uma clara aproximação do autor aqui com

Page 19: Democracia Deliberativa

18 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Luhmann, em especial diante a perspectiva sistêmica decompreensão da sociedade, sua constituição e evolver, semdeixar de fazer uma crítica pontual à insuficiência destemodelo teórico, na medida em que, se se entende asociedade como um sistema, não se pode deixar deconsiderar o aspecto da validade deste ser social, ou seja,o fato de que a realidade social consiste na faticidade depretensões de validade reconhecidas, frequentementecontrafatuais, questões que a teoria dos sistemas reduzou sequer dá atenção. E isto pelo fato de que: “compito deuna teoria dell’evoluzione soziale, dunque, è quello dicostruire uno schema dinâmico dove entrambe leprospettive dalle quali può essere guardata la società(quella sistêmico-funzionale e quella della validità pratico-normativa) trovino la giusta collocazione e la reciprocaintegrazione”.17

A validade prático-normativa das relações e açõessociais, por sua vez, necessita, em Habermas, de umaabordagem mais precisa sobre o próprio desenvolvimentodos parâmetros morais que constituem os sujeitos que seenvolverão comunicativamente (em convívios comerciais,parentais, laborais, etc.). Estes parâmetros, por sua vez, oautor alemão vai buscar através de subsídios da psicologiacognitiva de Piaget e de Lawrence Kohlberg (os quais nãotenho condições de analisar aqui).18

O importante é se ter claro que a intenção deHabermas por tais dados e pesquisas diz com a busca demelhores instrumentos para analisar a modernidade, suaspatologias e seus fatores de crises, bem como a questãoda racionalidade, das dimensões de racionalidade dasações e das diferenças internas destas ações, questõesessas que formam, desde Max Weber e passando pela Escolade Frankfurt, um tema necessariamente inter-relacionado. Por isto sua abordagem é filosófica também,pois: “la misión más sublime de la filosofía consiste, paramí, en proclamar la fuerza de la autorreflexión radical

Page 20: Democracia Deliberativa

19Demarcações conceituais preliminares ...

contra toda forma de objetivismo, contra la autonomizaciónideológica, aparente, de ideas y instituciones frente a suscontextos prácticos, vitales, de surgimiento y aplicación”.19

Assim é que, a partir da TAC, a racionalidade de umaação ou de uma expressão comunicativa somente se dáse o interlocutor-falante exprime uma pretensão criticávelde validade, empenha-se a motivá-la e a submetê-la aeventuais críticas de outrem, ao fim de conseguir umacordo racionalmente fundado.20 Posturas comunicativassem esse compromisso não podem gerar entendimentos econsensos duradouros e legítimos.

Gambetta dá um exemplo cotidiano muito ilustrativodessas assertivas, com o seu Teorema da Cultura do Claro!,entendida aqui como a proliferação de comportamentossociais que tendem a menosprezar as opiniões dos demais,com respostas reiteradas como: Óbvio!, Já o sabia!, Nadado que dizes me surpreende!. A deliberação em tais cenáriossucumbe em face destes comportamentos interlocutivosautoritários. Diz o autor:

Los “claristas”, es decir quienes ejercen la culturadel Claro!, se sienten atraídos por quienesanalizan, debaten y discute, pero finalmenteresultan irritados porque presienten que seránfácilmente superados. Sus prejuicios respecto dela superioridad de un argumento encuentran unterreno fértil para descargar-se. Su percepciónoptimista es que fácilmente derrotará a suoponente, lo que lo predispone para provocar unapelea. El clarista jamás admitirá tener dudas ohaberse equivocado y siempre considerará haberganado la partida. 21

Daí porque se afirmar ser o agir comunicativohabermasiano um tipo ideal de comunicação operando soba lógica de que só há um sentido racional a informar nossa

Page 21: Democracia Deliberativa

20 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

capacidade de comunicação linguística, qual seja, a de queela serve fundamentalmente para viabilizarentendimentos e acordos entre os seres racionais. Todavia,este agir comunicativo só se viabiliza pragmaticamentese: “I progetti d’azioni degli attori partecipi non vengonocoordinati attraverso egocentrici calcoli di successo, bensíattraverso atti dell’intendersi. Assim é que este agircomunicativo se distingue per il fatto Che tutti iparecipanti perseguono senza riserve i propri fini illocutiviper raggiungere un’intesa che costituisce la base per uncoordinamento unanime dei progetti di azione perseguitidi volta in volta in modo individuale”.22

Por outro lado, o agir comunicativo se afasta de todasaquelas ações orientadas tão somente ao sucesso dos seusinterlocutores, aqui compreendidas como instrumentais(preocupadas em realizar um escopo no mundo objetivo), ecomo estratégicas (endereçadas à realização de um escopotendo em vista o comportamento igualmente egocêntricodos outros interlocutores), mas, nas palavras do autor, eletenta assimilar a tensão que existe entre facticidade e validade,preservando, de um lado, o engate na interpretação clássicade um nexo interno entre sociedade e razão, não abandonandoao mesmo tempo a idéia de uma condução consciente davida.23

Ao optar por isto, envolve-se num problema:

Como explicar a possibilidade de reprodução dasociedade num solo tão frágil como é o daspretensões de validade transcendentes? O mediumdo direito apresenta-se como um candidato para talexplicação, especialmente na figura moderna dodireito positivo. As normas desse direitopossibilitam comunidades extremamente artificiais,mais precisamente, associações de membros livrese iguais, cuja coesão resulta simultaneamente daameaça de sanções externas e da suposição de umacordo racionalmente motivado.24

Page 22: Democracia Deliberativa

21Demarcações conceituais preliminares ...

Neste sentido, Habermas reconhece que ossubsistemas sociais (econômico, burocrático, cultural, etc.)são realidades impossíveis de serem desconsideradas noâmbito da regulação social como resultado de um processoorganizativo e estruturante da modernidade, razão pela qualeles não podem ser gerados e geridos por um centro unitáriode poder, mas devem ser socialmente integrados com umacomunidade política igualitária e equilibrada, regulada pelomédium do direito, veiculado pela vontade coletiva doprocesso constitutivo destas regras. Em suas palavras:

I sistemi autonomizzati devono essere arginati econdizionati attraverso la potenza discorsiva,radicata in mondi della vita razionalizzati, di sferepubbliche autonome, articolate e autorevoli, capacidi fungere da luoghi in cui si attua uma autenticaformazione democrática della volontà collettiva.25

Referindo-se já ao Estado Democrático de Direito, oautor alemão reforça a ideia de que “lo Statto democraticoha alla sua base il principio della sovranità popolare che,tradotto in termini discorsivi, afferma appunto che ognipotere politico nasce dal potere comunicativo dei cittadini.”Da mesma forma:

Il livello parlamentare tuttavia non può esaurire ilprocesso di discussione e di formazione dellavolontà pubblica: il parlamento dev’essere a suavolta continuamente controllato, nello svolgimentodelle sua funzioni, da un’opinione pubblicainformata e in grado di far sentir ela propria voce,in uno spazio pubblico dove vige il principio delpluralismo político e sul quale possono operareassocizioni e partiti organizati.26

Como o autor ainda leva em conta o pluralismo social,cultural e ideológico presente no tecido social, sustenta

Page 23: Democracia Deliberativa

22 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

que os acordos racionais referidos se dão a partir de trêstipos de discursos racionais: (1) o discurso pragmático, sobrecomo lograr melhor nossos fins27 ; (2) o discurso ético, quese ocupa dos bens, valores e identidadescontingencialmente localizados no tempo e no espaço; e o(3) discurso moral, tocante ao que é justo e imparcial, ouàquilo que vai ao encontro do interesse de todos. Todavia,há que se ter presente que:

Questões morais, no sentido estrito da tradiçãokantiana, são questões de justiça, e, na políticalegislativa, a questão prioritária é saber como umamatéria pode ser regulamentada no igual interessede todos. A confecção de normas é essencialmenteuma questão de justiça, sendo avaliada segundoprincípios que estabelecem o que é igualmente bompara todos. E, diferentemente das questões éticas,as de justiça não estão relacionadas desde oprincípio com uma coletividade específica e suaforma de vida. A lei politicamente sancionada deuma comunidade concreta e legal precisa pelomenos - caso se pretenda legítima - ser compatívelcom princípios morais que reclamam uma validadeuniversal que vá além da comunidade legal. 28

De outro lado, quando o princípio do discurso encontraaplicação em normas de ação que podem assumir a formajurídica, entram em jogo questionamentos políticos devárias espécies. “O tratamento racional dessas questõesexige uma formação da opinião e da vontade que leva aresoluções fundamentadas sobre a persecução de finscoletivos e sobre a regulamentação normativa daconvivência”.29 Essa opinião, todavia, também tem de sefundar em pressupostos válidos e procedimentosemancipatórios de comunicação social, no sentido de que:

La comunicazione, da parte sua, non è intesa nel

Page 24: Democracia Deliberativa

23Demarcações conceituais preliminares ...

senso di mera trasmissione di significati econtenuti fra emittente e ricevente, ma comecostruzione di significati (sociali) e di relazioni.Ognuno dei partecipanti deve poter dare il propriocontributo di conoscenze attraverso le modalitàcomunicative che sono proprie della sua specificacultura o subcultura. Lo scambio dialogico incondizioni «protette» (che evitano possibiliprevaricazioni) incentiva i partecipanti a impiegareargomenti che fanno riferimento al bene comunepiuttosto che a interessi egoistici e,auspicabilmente, a riuscire a vedere le questioniattraverso gli occhi degli altri.30

Já no que tange ao atendimento de interessescoletivos, importa destacar que o processo político exigirá,também de forma muito especial, a negociação e ocompromisso dos envolvidos na confecção dos denominadosacordos racionais – que só serão racionais na medida emque se regularem de modo a assegurar um equitativocontrapeso de interesses. E isto porque é só na qualidadede participantes de um diálogo abrangente e voltado parao consenso que o homem contemporâneo é chamado aexercer a virtude cognitiva da empatia em relação àsdiferenças recíprocas na percepção de uma mesmasituação. Para tanto, Habermas diz que é preciso exercitara progressiva descentralização da compreensãoegocêntrica e etnocêntrica que cada qual tem de si mesmoe do mundo.31 Ou seja, o autor

and his followers do not deny that there will beobstacles to the realization of the ideal discoursebut these obstacles are conceived as empirical ones.They are due to the fact that it is unlikely, giventhe practical and empirical limitation of social life,that we will ever be completely able to leave asideall our particular interests in order to coincide withour universal rational self. This is why the idealspeech situation must be conceived as regulativeidea.32

Page 25: Democracia Deliberativa

24 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Lembra acertadamente Chantal que é por esta razãoque Habermas “accepts that there are issues that have toremain outside the practices of rational public debates likeexistential issues that concern not questions of justicebut of the good life, or conflicts between interests groupsabout distributive problems that can only be resolved bymeans of compromises”.33 De outro lado, com o que nãoconcordo, o mesmo autor sustenta que: “Contrary to themodel of “deliberative democracy,” the model of “agonisticpluralism” that I am advocating asserts that the primetask of democratic politics is not to eliminate passionsnor to relegate them to the private sphere in order to renderrational consensus possible, but to mobilise those passionstowards the promotion of democratic designs”.34 Ocorre queHabermas jamais falou em negar ou eliminar as paixõessociais como forma de alcançar consensos civilizatórios,mas ao contrário, sempre advogou a crença de que a razãoseria capaz de encontrar formas de convivência pacíficaatravés da interlocução constante.35

Daí a importância de se ter consciência de que oDireito confere uma forma determinada não somente àsnormas reguladoras de conflito; ele também impõe certasrestrições à realização de fins coletivos. Na dicção do autor:

Questões pragmáticas colocam-se na perspectivade um ator que procura os meios apropriados pararealização de preferências e fins que já são dados.Mas pode dar-se o caso em que os próprios fins setornam problemáticos. E, a partir daí, não se tratamais de uma simples escolha pragmática dosmeios, e sim, de uma avaliação racional de fins àluz de valores aceitos. A vontade do ator continuasendo determinada por interesses e orientaçõesaxiológicas, porém está aberta a novas alternativasda escolha dos meios ou da colocação de fins. Paraa escolha fundamentada de técnicas ou estratégiasde ação, existem comparações e ponderações queo agente, apoiado em observações e prognoses,

Page 26: Democracia Deliberativa

25Demarcações conceituais preliminares ...

pode desenvolver sob os pontos de vista da eficáciaou de outras regras de decisão. A ponderação defins, orientada por valores, e a ponderaçãopragmática de meios, leva a recomendaçõeshipotéticas que colocam em relação às causas eefeitos, de acordo com preferências axiológicas efinalidades. Essas instruções para a ação têm aforma semântica de imperativos condicionados.36

Ao lado dessas premissas comportamentais, no planonormativo, Habermas está ciente de que, apesar da razãocomunicativa possibilitar uma orientação na base depretensões de validade, ela mesma não fornece nenhumtipo de indicação concreta para o desempenho de tarefaspráticas, pois não é informativa, nem imediatamenteprática, isto porque ela se refere às intelecções e asserçõescriticáveis e abertas a um esclarecimento argumentativo– permanecendo neste sentido aquém da razão prática,que visa à motivação e à condução de vontade.

Com o conceito do poder comunicativo atingimosapenas o surgimento do poder político, não autilização administrativa do poder já constituído,portanto o processo do exercício do poder. Esseconceito tampouco esclarece a luta por posições quedão direito a dispor do poder administrativo. Arendt,sublinha que tanto a utilização do poder como asua aquisição e posteriormente manutenção,dependem da formação e da renovação comunicativadesse poder. Contra as teorias sociológicas, quese limitam aos fenômenos da alocação do poder eda concorrência do poder, ela tem razão em objetarque nenhum poder político pode ampliar as fontesde seu poder a bel-prazer.37

A normatividade no sentido da argumentaçãoobrigatória do agir não coincide com a racionalidade doagir orientado pelo entendimento em seu todo.

Page 27: Democracia Deliberativa

26 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Normatividade e racionalidade cruzam-se no campo dafundamentação de intelecções morais, obtidas numenfoque hipotético, as quais detêm certa força demotivação racional, não sendo capazes, no entanto, degarantir por si mesmas a transposição das ideias para umagir motivado.38

Ocorre que esta motivação para o agir precisadecorrer de um entendimento mútuo discursivo e sinuoso,que leva ao que o autor chama de “cooperação racional”,unicamente possível se as pessoas envolvidas seconvencerem de antemão que esta ação é um “bem emsi” que se deve priorizar em relação a outras formas deinteração. Assim, “o que está subjacente à decisão entrea alternativa da concordância racional e uma confrontaçãoviolenta (mesmo que sublimada, de uma ou de outra forma)é, na verdade, uma preferência que se embasa de maneiramuito mais confiável em orientações de valor comuns, aomenos em comparação com o embasamento fundado emquaisquer interesses particulares”.39

Diante de tais particularidades pode-se entender omodelo habermasiano de democracia deliberativa comouma teoria prenhe de ideias, razões e juízos a partir dosquais se apresenta e se justifica, ainda que pretende – deforma muito clara – operar como parâmetro normativo paraseres reais e localizados na história. Enquanto ideia reitorade projetos de vida em sociedade, a democracia deliberativadesencadeia uma lógica que não proporciona oconhecimento do que efetivamente é, mas desenvolveprocessos ideais que pretendem explicar o acontecerhistórico de determinada realidade. Desta forma, essemodelo democrático não se afigura como uma ideologiaatemporal ou definitiva, mas forja-se no exato tempo emque é elaborada.40

Na lúcida percepção de Seyla Benhabib, “o modelodeliberativo de democracia não representa um

Page 28: Democracia Deliberativa

27Demarcações conceituais preliminares ...

experimento contrafactual, mas se constitui enquanto“teoria que esclarece os princípios já implícitos e a lógicadas práticas democráticas existentes”.41 Nesses termos,a teoria da democracia deliberativa é posta não como umateoria em busca de práticas, mas uma teoria que pretendeelucidar aspectos da lógica das práticas democráticasexistentes. E que práticas são estas? A autora responde:“a importância dos corpos deliberativos nas democracias,a racionalidade da oposição parlamentar, a necessidadede uma mídia independente e livre e de uma esfera deopinião pública, e a base lógica de adotar a regra da maioriacomo um procedimento de decisão.”42

E esse procedimento de decisão finalísticomajoritário vem fundado na lógica sustentada por Elsterde que o processo de deliberação pública não podeprescindir de parâmetros temporais e espaciais à tomadade decisão, caso contrário seria puramente idealista, razãopela qual, mesmo assumindo um período de discussãoilimitado, o acordo racional unânime pode não surgirnecessariamente, em especial pelo fato de que poderiahaver diferenças de opiniões legítimas e irreconciliáveissobre a natureza do bem comum.43 Então, nestassituações, o que fazer?

Ora, reconhecendo que pode haver constrangimentostemporais à discussão, razão pela qual a vontade unânimeraramente surge, é preciso aceitar também o pressupostode que para qualquer constelação de preferênciasdesprovida de unanimidade seria necessário ummecanismo de escolha social para agregá-las, dentre osquais a regra da maioria como decorrência do processodeliberativo aparece como razoável.

Em face disso, o direito, nesse modelo democrático,não representa apenas uma forma de saber, assim comoa moral, mas afigura-se como um componente importantedo sistema de instituições sociais; “ele é um sistema desaber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação. Um

Page 29: Democracia Deliberativa

28 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

sistema de saber que é mantido dogmaticamente, ou seja,é articulado e trazido para um nível científico interligadocom uma moral conduzida por princípios”.44 E enquantosistema de ação, vai demarcar as possibilidadesdecisionais inclusive em situações de exigênciamajoritária à solução de controvérsias públicas.

Em passagem elucidativa, Habermas aprofunda essasassertivas, dizendo que:

As decisões que envolvem a coletividade têm queser vistas como a concretização de direitos, pois,através do médium do direito, as estruturas dereconhecimento, embutidas no agir regulado peloentendimento, passam do nível de interaçõessimples para o das relações abstratas e anônimasentre estranhos. Ao perseguir fins coletivosespeciais, e ao regular determinados conflitos, apolítica gera simultaneamente problemas gerais deintegração. E por estar constituída conforme odireito, a política, especificada funcionalmente emseu modo de operar, mantém uma relação com osproblemas da sociedade em seu conjunto, ou seja,ela continua num nível reflexivo uma integraçãosocial que outros sistemas de ação não conseguemmais desempenhar suficientemente.45

Daqui advém em certa medida a importância dosDireitos Humanos e Fundamentais para o autor alemão,na medida em “que na razão prática corporalizada emprocedimentos e processo está inscrita a referência a umajustiça (entendida tanto em sentido moral quanto jurídico)que aponta para além do ethos concreto de determinadacomunidade ou da interpretação de mundo articulada emdeterminada tradição ou forma de vida”.46 Esse argumentoé tão forte para Habermas que ele vai utilizá-lo parasustentar inclusive que a ideia de democracia deliberativadeve fundar-se em uma compreensão de sociedade

Page 30: Democracia Deliberativa

29Demarcações conceituais preliminares ...

inclusiva para além do Estado Nação, constituídademocraticamente por cidadãos do mundo, cujo marcojurídico e político são os Direitos Humanos de conteúdomoral, os únicos capazes de gerar uma nova solidariedade(pós-kantianamente) cosmopolita.47

Por sua vez, aquela justiça racionalizadapragmaticamente assenta-se em premissas (axiológicase deontológicas) universalizáveis também, já que

....em questões que dizem respeito às nossasobrigações morais como alemães diante defugitivos bósnios ou de sem-teto na própriaAlemanha, bem como em questões jurídicas, taiscomo a regulamentação de situações urgentes quecomeçam a surgir (“violência doméstica”, porexemplo), então sim está em jogo a legitimidadede expectativas e reivindicações que nos impomosnão somente como participantes da situaçãoespecífica, mas também como alheios a ela, paraalém de grandes distâncias geográficas ouhistóricas, culturais ou sociais. Aí não se tratamais do que é “bom” para nós como membros deuma coletividade (caracterizada por um ethospróprio), mas sim do que é “correto” para todos,seja para todos os membros do universo de sujeitoscapazes de agir ou fazer uso da linguagem, sejapara todos os cônjuges de uma comunidade jurídica(seja ela local ou até mesmo global, conforme ocaso).48

Essa compreensão de Direitos, por sua vez, implicaráimpacto ao conceito tradicional de direito subjetivo dossistemas jurídicos modernos, eis que

.....a pessoa de direito abstrata, tal como concebidapela dogmática clássica do Direito, precisa sersubstituída hoje por uma concepção intersubjetiva;a identidade do indivíduo está enredada com

Page 31: Democracia Deliberativa

30 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

identidades coletivas. Como também as pessoasdo Direito só se individualizam por meio dacoletivização social, não se pode garantir suaintegridade sem a defesa dos contextos de vida ede experiência partilhados subjetivamente, nosquais tenham sido formadas suas identidadespessoais e nos quais elas possam estabilizar essasmesmas identidades, caso a caso.49

De outro lado, mantendo coerência com a reflexãoproposta, Habermas sabe que a própria Constituição nãopode ser entendida como uma ordem jurídica global econcreta, destinada a impor, a priori ,determinada formade vida sobre a sociedade. Ao contrário, ela determinaprocedimentos políticos e valores partilhados, segundo osquais os cidadãos, assumindo seu direito deautodeterminação, podem perseguir cooperativamente oprojeto de produzir condições justas de vida (o que significa:mais corretas por serem equitativas).50

Por tais razões é que o direito, a partir da perspectivados atores sociais e comunicantes, pode ser consideradode dois modos diferentes: “da un lato come prescrizionealla quale la razionalità strategica impone di obbedire, persottrarsi al rischio di sanzione, dall’altro come normalegitima, dotata di validità, alla quale quindi sarebbedoveroso obbedire anche se il rischio di sanzione nonsussistesse”.51

Essa perspectiva Habermas vai se realçar, quandoafirma que:

A validade social de normas de direito édeterminada pelo grau em que consegue se impor,ou seja, pela sua possível aceitação fática no circulodos membros do direito. Ao contrário da validadeconvencional dos usos e costumes, o direitonormatizado não se apoia sobre a facticidade deformas de vida consuetudinárias e tradicionais, e

Page 32: Democracia Deliberativa

31Demarcações conceituais preliminares ...

sim sobre a facticidade artificial da ameaça desanções definidas conforme o direito e que podemser impostas pelo tribunal. Ao passo que alegitimidade de regras se mede pela resgatabilidadediscursiva de sua pretensão de validade normativa;e o que conta, em última instância, é o fato deelas terem surgido num processo legislativoracional - ou o fato de que elas poderiam serjustificadas sob pontos de vista pragmáticos, éticose morais. A legitimidade de uma regra independedo fato de ela conseguir impor-se. Ao contrário,tanto a validade social, como a obediência fática,variam de acordo com a fé dos membros dacomunidade de direito na legitimidade, e esta fé,por sua vez, apoia-se na suposição da legitimidade,isto é, na fundamentabilidade das respectivasnormas.52

Por outro lado, vale lembrar a advertência de Niño,ao dizer que “normas positivas que constituyen elconsentimiento deberían ser justificadas sobre la bae deprincípios morales ideales, pues de otro modo la mayoríade las prácticas más horribles estarían justificadas sobrela base del consentimiento”.53

Resta claro que na base fática desse processo estáoutro fenômeno social e político que é a luta porreconhecimento das pretensões veiculadas por interessesmanifestados publicamente, os quais poderão ou não seralbergados pelas instâncias políticas competentes einseridos “nas agendas parlamentares, discutidos e,eventualmente, elaborados na forma de propostas edecisões impositivas”.54 De qualquer sorte, há tambémconsenso sobre o fato de que “The goal of deliberation forHabermas, Cohen, and many theorists is ultimately tolegitimate through democratic decision the necessaryforce with which the state enforces the laws”.55

Não dá para esquecer que o autor alemão acreditana instituição do legislativo-parlamentar e na Democracia

Page 33: Democracia Deliberativa

32 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Representativa institucionalizada, uma vez que a baselegítima desta é sempre a autônoma e emancipadaparticipação social em momento político antecedente àdeliberação parlamentar. Nesse sentido refere:

A competência legislativa que, fundamentalmenteé atribuída aos cidadãos em sua totalidade, éassumida por corporações parlamentares, quefundamentam leis de acordo com um processodemocrático. Leis formam a base para pretensõesjudiciais individuais; estas resultam da aplicaçãode leis a casos singulares, seja pelos caminhos daadministração, seja pelo caminho autoexecutivo.Tais pretensões podem ser reclamadasjudicialmente; daí resulta a garantia dos caminhosdo direito e o princípio da garantia de uma proteçãoindividual jurídica ampla.56

Parece não reconhecer o autor, todavia, se noParlamento os oradores têm de ouvir uns aos outros, o ouvirnesse caso não produz qualquer coisa parecida com umprocesso deliberativo; seu objetivo não é alcançar umacordo entre eles mesmos, mas vencer um debate. “Umdebate é uma disputa entre atletas verbais, e o objetivo éa vitória. Os meios são o exercício da habilidade retórica,a reunião de evidências favoráveis, a depreciação de outrosoradores, o apelo à autoridade ou à celebridade, e assimpor diante”.57 Todos esses meios são evidentes nos debatespartidários no parlamento e nas assembleias, e nosdebates entre candidatos durante o período eleitoral

Em outro texto igualmente importante para este de-bate, Habermas vai trazer à colação o tema – absoluta-mente conexo a este - da relação entre o princípio demo-crático e o Estado de Direito58 . Aqui o autor vai lembrarque “o liberalismo e o republicanismo discutem, entre si,liberdade dos modernos ou a liberdade dos antigos? O quedeve vir antes: os direitos subjetivos de liberdade dos ci-

Page 34: Democracia Deliberativa

33Demarcações conceituais preliminares ...

dadãos da sociedade econômica moderna ou os direitos departicipação política dos cidadãos democráticos?”59

A proposta de Habermas é que há uma relação decooriginariedade entre esses direitos e entre a autono-mia pública e privada, configurando uma verdadeira rela-ção de implicação material, pois,

para fazerem uso adequado de sua autonomia pú-blica, garantida através de direitos políticos, os ci-dadãos têm que ser suficientemente independen-tes na configuração de suas vidas privadas, asse-guradas simetricamente. Porém, os cidadãos da so-ciedade só podem gozar simetricamente sua auto-nomia privada, se, enquanto cidadãos do Estado,fizerem uso adequado de sua autonomia política –uma vez que as liberdades de ação subjetivas, igual-mente distribuídas, têm para eles o mesmo valor.60

Por isso se apresenta como fundamental a distinçãoentre validade formal e legitimidade social das normas deregulação social veiculados pelo médium do direito, umavez que, tanto numa como noutra, o que se impõe sãodeterminados procedimentos – formais e materiais –constitutivos de vontades coletivas que vão representar aadesão dos partícipes e envolvidos nestes processos61 , edaqui decorre o que Habermas chama de solidariedadeconcentrada no papel do cidadão que se constitui no próprioagir comunicativo, gerando práticas de autodeterminaçãoorganizadas, mediadas através de instituições e processosjurídicos, e mesmo através de movimentos autogeridospelos atores sociais (organizações não estatais).

Na dimensão funcional dos sistemas normativos emsociedades altamente complexas, o diálogo de Habermascom a Teoria dos Sistemas é mais intenso, eis que aceitaa tese de que a função dos argumentos jurídicos consisteem elevar o nível de aceitação real de decisões motivadas,

Page 35: Democracia Deliberativa

34 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

diminuindo o caráter de surpresa – em face até do processoconstitutivo-participativo. Todavia, valendo-se dosargumentos de Teubner62, Habermas reconhece, no planodescritivo e analítico, que numa sociedade inteiramentedescentrada, não sobra lugar para uma comunicação socialampla, para a autotematização e a auto-influência destacomo um todo, porque ela se decompôs centrifugamenteem sistemas parciais, os quais só podem comunicarconsigo mesmo, em sua própria linguagem específica. Emtais ambientes, o direito funciona como uma espécie detransformador, o qual impede que a rede geral dacomunicação, socialmente integradora, se rompa.“Mensagens normativas só conseguem circular em toda aamplidão da sociedade através da linguagem do direito;sem a tradução para o código do direito, que é complexo,porém aberto, tanto ao mundo da vida como ao sistema,estes não encontrariam eco nos universos de ação dirigidospor meios”.63

Com esses pressupostos dados, é possível entãooperar interlocuções voltadas à constituição de pactoscivilizatórios e de convívio sustentável entre os atoressociais, não perdendo de vista a advertência de que nasações demarcadoras das possibilidades deste convívio (oque Habermas chama de discursos práticos), é preciso terpresente que as questões identificatórias da vida boa,mesmo quando tratadas sob condições ideais, somentepodem encontrar uma resposta racional no horizonteconfigurado por um esboço de vida já pressuposto comoválido por estes mesmos sujeitos do discurso/ação.64

No plano filosófico isso se projeta também, eis queos problemas morais e políticos, próprios da razão práticadiscursiva de Habermas, não se resolvem pela prudenteoperação da vontade orientada pelo intelecto, mas pelaforma discursivo-comunicativa da razão, orientada aoentendimento.65

Page 36: Democracia Deliberativa

35Demarcações conceituais preliminares ...

Ocorre que isso se torna, muitas vezes, de difícilrealização, notadamente em situações de complexidade,em que:

la società contemporanea si trova a compiere sceltesu questioni oggettivamente complesse (sul pianoetico, tecnico e sociale) e ad affrontare «conflittiintrattabili»: gli impieghi della tecnologia (ogm,biotecnologie, nanotecnologie), il degrado dei beniambientali (cambiamento climatico, inquinamento),l’emergere di questioni valoriali (eutanasia,riproduzione assistita, unioni tra persone dellostesso sesso, ecc.). Il sistema politico-istituzionalesi trova in forte difficoltà nell’affrontare temi sucui la conflittualità all’interno della società risultaspesso molto elevata, tagliando trasversalmenteanche le tradizionali divisioni sinistra/destra.66

Daí que, de forma coerente, para Habermas, amaturidade da democracia mede-se pelo nível dacomunicação pública comunitária, tomando-a aqui comoa constituição política na qual a sociedade obtém aconsciência mais pura de si mesma.

Um povo é tanto mais democrático quanto maior foro papel por ele atribuído ao raciocínio, à reflexão e aoespírito crítico na regulação de seus assuntos públicos,valendo-se o autor, para tanto, do conceito de revoluçãoeducacional de Parsons67 , responsável pelas condiçõesculturais e políticas de uma esfera pública política,marcadas por altos índices de consciência emancipada eautônoma dos sujeitos falantes da comunidade, e de suasigualdades materiais, a fim de gerar legitimidade real àsdeliberações e ações políticas. Na perspectiva do autor:“This argument implies that the project of civic change isstructural, but also, in an important sense, conceptual. Itrequires new institutions, but also new categories of publiclife, new roles and responsibilities, new habits and habits

Page 37: Democracia Deliberativa

36 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

of mind. It is, to put the point differently, as much a matterof culture and socialization as of skills and training”.68

Na dicção de Enrico Grosso isso implica ter comopressuposto desse modelo democrático a inclusão social,eis que “tutti i soggetti in gioco (specie i più deboli) debbonoavere la possibilità di far sentire la propria voce. Ilreclutamento dei partecipanti a tali processi dovrebbequindi prevedere anche sforzi diretti a coinvolgere soggettimarginali che altrimenti non sarebbero presenti perragioni culturali, sociali e materiali.”69

É óbvio que a ausência de igualdade material noâmbito não só do acesso da informação e dos instrumentosde participação, mas também das condições de operar comestes dados (cidadãos que não têm condições cognitivas,intelectuais, de saúde, alimentares, de discernimento paraparticipar efetivamente do debate público e sobre elemanifestar sua vontade autônoma), gera relaçõesinterlocutivas coatadas, configuradas por monólogosautoritários e manipuladores.

Aliás, é preciso dizer que Habermas tem plenaconsciência disso, eis que essas são circunstâncias quecaracterizam bem a comunicação coatada, diferentementedo que afirmam alguns de seus interlocutores no sentidode que as chamadas condições ideais de fala configurariamextremismos transcendentais – metafísicos – do autoralemão.70 Estas condições ideais de fala dizem respeito àscondições subjetivas e objetivas mínimas capazes de levarà emancipada e crítica compreensão do mundo da vida esuas relações, viabilizadora de acordos mútuos possíveis;mesmo assim, “em face de um amplo consenso de fundoacerca de certezas concernentes ao mundo da vida, não éraro que mesmo garantias frágeis sirvam como base parauma aceitação capaz de criar obrigações relevantes paraas consequências da ação”.71 Em outro texto vai lembrar oautor que o procedimento democrático já não obtém suaforça legitimadora, nem em primeiro lugar nem tão

Page 38: Democracia Deliberativa

37Demarcações conceituais preliminares ...

somente, da participação e da expressão da vontade(opinião) pública, mas da real acessibilidade geral eemancipada (autônoma) de um processo deliberativo cujaestrutura justifica a expectativa de resultadosracionalmente aceitáveis. 72 Daqui a insistência deHabermas na tese de que

Uma base autônoma na sociedade civil,independente da administração pública e docomércio privado por intermédio do mercado, éconsiderada uma précondição para a práxis daautodeterminação cívica. Essa base resguarda acomunicação política de ser engolida pelo aparatogovernamental ou assimilada pelas estruturas demercado. Na concepção republicana, a esferapúblico-política adquire, juntamente com sua basena sociedade civil, uma importância estratégica.73

De outro lado não se pode esquecer que, em regra, amodernidade foi criando ao longo do tempo o que se podechamar de uma cidadania apática, ocupada com interessespessoais mais do que coletivos, tendo dificuldade deconceder parte deste tempo ao interesse público/comunitário, chegando a configurar a cidadania ativa comoum desvalor, na medida em que ameaça as estruturas depoder constituídas nas formas tradicionais derepresentação política existentes (como a parlamentar, porexemplo).

Nesse quadro Habermas conclui que quando asoberania comunicativamente diluída dos cidadãos se fazvaler no poder dos discursos públicos que resultam deesferas públicas autônomas e procedemdemocraticamente, tomando forma em resoluções decorporações legislativas politicamente responsáveis, nãose sufoca o pluralismo das convicções e interesses, o qualé liberado e reconhecido em compromissos e decisões damaioria.74

Page 39: Democracia Deliberativa

38 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Se esse reconhecimento recíproco – fruto daformação de vontade pública e emancipatória – não buscarconstituir parâmetros sociais à gestão dos interessescomunitários, vai se fomentando certa autonomização doPoder de forma ilegítima, explicitando o solapamento dopróprio Estado Democrático de Direito.75

No plano pragmático da formatação das regras deconvívio social, seguindo a coerência de sua reflexão,Habermas vai insistir – resgatando de certa maneira partedo debate Hans Kelsen e Carl Scmmit – que o controleabstrato de normas é função indiscutível do legislador. “Porisso, não é inteiramente destituído de sentido reservaressa função, mesmo em segunda instância, a umautocontrole do legislador, o qual pode assumir asproporções de um processo judicial”.76 E porque o legisladortem protagonismo diferido neste cenário normativo?Porque “a decisão judicial, em regra, configura um agirorientado pelo passado, fixado nas decisões do legisladorpolítico, diluídas no direito vigente; ao passo que o legisladortoma decisões voltadas para o futuro, que ligam o agirfuturo, e a administração controla problemas que surgemna atualidade”.77

É preciso ressalvar, aqui, o argumento de boa parteda doutrina norte-americana quando estuda o tema dalegitimidade política das instituições parlamentares emface do Poder Judiciário – inclusive através de pesquisasde opinião pública – , no sentido de que, historicamente,sempre houve certa confiança maior nas estruturasjudiciárias do que nas parlamentares, diante até dosefeitos das decisões das primeiras, associadas ao devidoprocesso legal que dá, em termos, maiores sensações desegurança e certeza à população.78 Em entrevistas a juízesdos EUA, feita por Scherer, essas peculiaridades forammuito bem delimitadas, notadamente no sentido de que acrença no devido processo legal e nas instituiçõesjudiciárias exerciam certa sensação de segurança

Page 40: Democracia Deliberativa

39Demarcações conceituais preliminares ...

propiciadora de acordos e composições processuais.79

É curioso como esse raciocínio vai permitir aHabermas concluir que o Estado de Direito e Estado Socialsão possíveis sem que haja democracia, bastando que oprimeiro se restrinja aos seus aspectos funcionais(instituindo um sistema econômico dirigido pelo mercado)e normativos (garantindo determinadas liberdadesmeramente subjetivas e privadas), e o segundo diga coma instalação de burocracias estatais (aspecto funcional), enormativamente garantam tão somente pretensõescompensatórias à comunidade, sem qualquer tipo defomento ou criação de efetivo espaço à participação realda cidadania – estou falando, pois, da instalação deverdadeiros Estados Assistencialistas, Paternalistas,Populistas, mesmo que com vestes de Bem Estar Social,Providência, etc.80 Daí a necessidade de:

prendere la democrazia in parola, coinvolgiendo ilpopolo (demos), (ri)dandogli un po’ di potere (kratos).Insomma, torniando alle origini. Forse dopo duesecoli abbondanti di sistema rappresentativo —contando a partire dalla rivoluzione americana —,le istituzioni attraverso cui le società democratichesi governano hanno bisogno di una «messa apunto»: il sistema politico è eccessivamentesbilanciato verso la rappresentanza e gruppid’interesse ed esperti esercitano un gradod’influenza che appare incompatibile con gli stessipresupposti democratici. Il popolo è visto daiGoverni spesso come un problema piuttosto checome una risorsa.81

Esta assertiva do autor italiano pode ser facilmentecomprovada em termos de experiência Ocidental das ad-ministrações públicas dos Estados Nacionais, por exem-plo, eis que, em regra, reduzem a participação ao forneci-mento de informações e algumas consultas à população,

Page 41: Democracia Deliberativa

40 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

sem fomentar empoderamento cívico, não oportunizandoenvolvimento e cooperação, gerando tão somente exercíciosimbólico que visa assegurar aos cidadãos/eleitores umaforma de legitimação formal da política. Nestes termos “ilrapporto Governo-cittadino, poi, viene vissuto tipicamentecome un rapporto subalterno genitori-figli piuttosto checome un rapporto tra soggetti adulti. Sotto questo profilo lapartecipazione risulta dunque profondamente diversa dallademocrazia deliberativa, che implica invece un realetrasferimento di almeno una quota del potere decisionaleai cittadini”.82

Ocorre em tais situações o que Robert Dahl chamade encapsulamento do saber e do poder83 , uma vez que apolítica se especializa de tal forma nas teiastecnoburocráticas das instituições que afasta todos os quenão são iniciados em seus meandros, linguagem e estra-tégias de gestão.

É verdade que quando estes cenários de maior parti-cipação social se formam até mesmo setores da democra-cia representativa formal os veem com preocupação, emface da possibilidade de perderem credibilidade e legiti-midade popular, tanto que em algumas experiênciasalienígenas que se ocupam dessas questões, este fenô-meno é bastante explícito, como se pode ver do depoimentode Leighninger: “For some time, a fundamental shift inthe attitudes and capacities of ordinary people has beenaffecting local politics. Though it has been largelyoverlooked by national observers, this shift has creatednew tensions between local officials and their constituents,and inspired a new wave of civic experimentation in localgovernance”.84

Em verdade, não se pode perder o foco da história nosentido de ter presente que o próprio modelo de EstadoLiberal Moderno fomentou o que se pode chamar de Políticada Apatia no âmago da sociedade civil, exatamente para

Page 42: Democracia Deliberativa

41Demarcações conceituais preliminares ...

afastá-la de questões políticas que deveriam caber aoEstado Representante dar cabo, com suas estruturasburocráticas e parlamentares, deixando o resto ao Mercadocontrolar. Vale a lembrança de Baldassarre aqui, nosentido de “Secondo la politica dell’ ‘apatia’ la democrazialiberale può sopravvivere solo se permane fra le masseuna buona dose di disinteresse per la politica e, soprattuttose le istanze di partecipazione alla vita politica non sonodiffuse”.85

Na mesma direção vai Habermas, ao lembrar que o“nervo do modelo liberal não consiste na autodeterminaçãodemocrática das pessoas que deliberam, e sim, nanormatização constitucional e democrática de umasociedade econômica, a qual deve garantir um bem comumapolítico, através da satisfação das expectativas defelicidade de pessoas privadas em condições de produzir”.86

É muito interessante o quadro que Rodolfo Lewanskiapresenta em seu texto em termos de comparação sobreos diversos modelos de democracia em face da participaçãosocial87 :

Com esta transferência real de poder decisional à

Azione Obiettivo La promessa dei decisori

Informare Fornire informazioni ai cittadini affinché abbiano una migliore comprensione di una questione/decisione

Vi teniamo informati

Consultare Ottenere commenti e informazioni dai cittadini (che il decisore usa o meno a propria discrezione)

Vi ascoltiamo

Coinvolgere Operare insieme ai cittadini, le cui opinioni vengono prese in qualche considerazione (peraltro senza alcun impegno)

Le vostre opinioni sono prese in considerazione

Cooperare Identificare e scegliere insieme ai cittadini fra opzioni (ma il potere finale di decidere rimane nelle mani dei decisori formalmente competenti)

Abbiamo bisogno delle vostre opinioni e ci impegniamo a tenerle in considerazione

Trasferire potere decisionale

A decidere sono i cittadini (empowerment) Metteremo in atto le vostre decisioni

Page 43: Democracia Deliberativa

42 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

cidadania, pode-se pensar em uma deliberação pública efe-tivamente democrática, tomada aqui como processo“dialogico strutturato che mira a migliorare lacomprensione e possibilmente a produrre condivisione,contraddistinto da uno status paritario fra i partecipanti,da uno scambio autentico e reciproco di opinioni,dall’ascolto attento delle ragioni altrui, dalla valutazionedelle conseguenze delle opzioni disponibili, dalla ricercadi posizioni condivise”.88

Para Allegretti há algumas vantagens objetivas depronto claramente importantes no modelo da DemocraciaDeliberativa, a saber:

a) Accresce la cultura civica, rendendo ipartecipanti cittadini più consapevoli e attivi nellasfera collettiva. I processi deliberativi sono «scuoledi democrazia» che sviluppano le capacità e lecompetenze di coloro che vi prendono parte, con-trariamente all’incuria che spesso caratterizza icanali democratici tradizionali. Sotto questo profilocontribuisce dunque alla costruzione di capitalesociale, di senso di appartenenza e comunità, dirispetto, di relazioni e fiducia tra cittadini e traquesti e il sistema politico, contrastando i processidi disaffezione discussi prima.

b) Produce decisioni migliori, ovvero più «sagge»,razionali rispetto ad altri tipi di processi: i soggettiinteressati — i semplici cittadini — hanno spessoconoscenze approfondite dei problemi e proposteefficaci in merito alle soluzioni.

c) Consente di giungere a scelte condivise, incor-porando le preferenze delle comunità interessate.Sono i cittadini a definire in cosa consistal’interesse pubblico. Per questo motivo le sceltecompiute risultano più stabili in quanto hanno unamaggiore capacità di resistenza di fronte aicambiamenti delle situazioni nel tempo.

d) Aumenta la legittimità delle decisioni che,raggiunte con il coinvolgimento diretto dellecomunità piuttosto che attraverso l’imposizione

Page 44: Democracia Deliberativa

43Demarcações conceituais preliminares ...

dall’alto o dall’esterno, risultano più accettabili esono percepite come più eque.

e) Accresce la legittimità delle autorità chericorrono a questo tipo di percorsi: coinvolgendo icittadini e le comunità nei processi decisionali, siriduce la percezione che l’agenda sia guidata soloda gruppi d’interesse e dalla distribuzione socialedel potere.

f) Grazie al contributo degli interessati, aumentale probabilità di successo nella fase di attuazionedelle politiche. Sotto questo profilo può ancheinfluire positivamente sull’azione degli apparatiamministrativi che si sentono più responsabiliverso i cittadini.

g) Consente di gestire costruttivamente i conflitti,riducendone l’intensità e trasformandoli inopportunità di produzione di scelte condivise.89

Por isso ganha força a advertência de Robbe, “par ladémocratie partecipative, le citoyen est invité às’impliquer non seulement dans la préparation e l’adoptionde la norme, mais également dans son application voiredans l’évaluation de son efficacité pratique…Il s’agit enquelque sorte d’une démocratie post-decisionnelle.”90 Nãose pode pensar em Democracia Deliberativa, pois, senãoa partir da ideia de cogestão pública dos interessescomunitários, em todas as suas fases existenciais(constitutivas, aplicativas e avaliativas), chamando àresponsabilidade a cidadania como sujeito histórico que é.

O problema central ainda é o de se construirmetodologias de interlocução política capazes de viabilizardeliberações públicas compartidas qualitativa equantitativamente, observados os pressupostos efundamentos do que se entende por comunicação e decisãoaté agora tratados.91

Para o enfrentamento dessa questão Habermas seutiliza de alguns construtos de Robert Alan Dahl, no sentido

Page 45: Democracia Deliberativa

44 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

de que é preciso critérios e procedimentos para se chegara decisões obrigatórias que sejam do interesse simétricode todos, a saber:

a) a inclusão de todas as pessoas envolvidas; b)chances reais de participação no processo político,repartidas equitativamente; c) igual direito a votonas decisões; d) o mesmo direito para a escolhados temas e para o controle da agenda; e) umasituação na qual todos os participantes, tendo àmão informações suficientes e bons argumentos,possam formar uma compreensão articulada acercadas matérias a serem regulamentadas e dosinteresses controversos.92

Por certo que o asseguramento de todos esses requi-sitos e fases do processo de deliberação pública por vezespode não se dar, em face até mesmo da natureza da deci-são e do seu tempo de demanda, mas de qualquer sorteservem de parâmetros que devem nortear os interlocutoresda arena política para o que Habermas chama deimplementação aproximativa do processo.93

Veja-se que já se tem hoje exemplos internacionaismais massivos de experimentação democrática no âmbitoda participação política social, notadamente em situaçõesque envolvem interesses comunitários de impacto socialdiferido, como foi o caso da consulta popular em NewOrleans envolvendo cerca de quatro mil (4.000) habitan-tes, para discutirem as prioridades de reconstrução da ci-dade devastada pelo furacão Katrina, oportunizando inclu-sive a participação dos cidadãos que tiveram de evacuar acidade, pela via eletrônica.94

Interessante também o registro da Town Meeting daCalifórnia sobre as reformas da saúde pública no Estado,envolvendo mais de três mil e quinhentos (3.500) cida-dãos, reunidos em oito (08) diferentes cidades, por via

Page 46: Democracia Deliberativa

45Demarcações conceituais preliminares ...

telemática. A chamada para esta reunião deu-se da se-guinte forma: “All are invited to come out and Learn theTruth - Tell Your Story - Kill the Rumors on Thursday,August 27th at 6:30pm. Congresswoman Diane E. Watsonand Speaker of the House Karen Bass will highlight howthe Healthcare Reform will impact you and me and theState of California”.95

Outra experiência recente diz com evento ocorridonos EUA envolvendo a participação social no âmbito dagestão pública, chamado By the People: Citizenship in the21st Century, realizado em novembro de 2007, emWilliamsburg, Va., em que se discutiu o tema Dialogues inDemocracy: Life, Liberty, and the Pursuit of Happiness.96 Essamobilização buscou exatamente discutir em que medidase poderia ampliar os níveis de participação e motivação àparticipação dos cidadãos norte-americanos, notadamenteem face da predisposição do atual Presidente Obama emfomentar comportamentos de cidadania ativa.

Crosby chega a afirmar que ações deliberativas tra-tando de interesses comuns e comunitários devem ocor-rer sob condições favoráveis, o que inclui

…a diverse group of discussants, provision ofbalanced information, and trained mediators thathelp provide some direction to discussion. Otherpractitioners, such as Ross, have developed highlyelaborated methods meant to stimulate cognitionand interaction in pursuit of a more specific notionof what constitutes deliberation. The “favorableconditions” approach to deliberation has somethingto recommend it to the extent that we are not yetcertain what deliberation is and therefore exactlywhat to stimulate in pursuit of deliberation.97

Não me parece que a deliberação pública possa tereste nível de espontaneismo proposto por Crosby, eis que

Page 47: Democracia Deliberativa

46 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

se sabem os perigos que processos discursivos edecisionais sem visibilidade e controle de suas dinâmicaspodem apresentar em termos de manipulação e desviosde finalidades, impondo-se, portanto, mecanismos demonitoramente de todas as fases da tomada de decisão esua execução.

No Brasil talvez a já internacionalmente conhecidaexperiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre,Rio Grande do Sul, possa servir de indicador das condiçõese possibilidades desse modelo, uma vez que foi aprimo-rando ao longo do tempo suas formas de participação edecisão, bem como a execução orçamentária local, igual-mente exposta ao controle da sociedade civil.98

De qualquer sorte, em termos de metodologias departicipação democrática no âmbito da deliberação públi-ca elas já vêm sendo utilizadas em muitas partes do Oci-dente, com resultados bem interessantes. Pode-se citar aexperiência de James Fishkin, professor da Universidadede Stanford, nos Estados Unidos da América, propondo oque chama de Sondagem Deliberativa entre cidadãos pararevelar suas opiniões sobre temas de interesse público,em fóruns deliberativos, demandando que tais pessoassejam informadas adequadamente a ponto de viabilizarreflexão, discussão e deliberação autônoma e crítica sobreos temas propostos. Essa sondagem é feita de diversasformas, dentre as quais o envio de questionáriospreliminares aos cidadãos com informações consistentessobre o tema em pauta, para então discutirem a matériaem pequenos grupos, retirando daí posições preliminaresque serão ainda refletidas e maturadas na resposta deoutro(s) questionário(s) mais pontual.99 Sobre o tema o autorrefere:

Deliberative forums are attempts to createcollaborations between citizens and experts. The

Page 48: Democracia Deliberativa

47Demarcações conceituais preliminares ...

role of experts is limited to participation asorganizers and facilitators of the forums, and asexpert witnesses. Beyond this, forums can take avast variety of forms. There is currently a great dealof experimentation going on to understand andrefine them, an effort that will determine what rolesthey might play a role in our political system.100

Outra técnica que foi se desenvolvendo para envolveros cidadãos nas questões comunitárias diz com a chamadaexperiência Júri de Cidadãos, concebida por Ned Crosby,gestada na década de 1970, e que consiste na reunião depessoas para discutirem e deliberarem sobre temasatinentes aos interesses grupais e da comunidade querepresentam, os quais, ao final de uma pauta ordenada edepois de certo tempo transcorrido – com critérios eobjetivos nas discussões –, chega-se ao resultadodeliberativo e consensual para o caso enfrentado. Nestassituações, o autor refere que

The theorists seek criteria by which to judge adeliberation’s legitimacy—that is, criteria that helpcitizens decide the depth of their obligation to obeythe law resulting from such a deliberation. Thefacilitators we consulted, on the other hand, soughta kind of deliberation that best accomplished thetasks that groups had set themselves. From thisperspective, the ideals of consensus, rationality,freedom, and equality that normative theorists useas criteria of legitimacy take on more instrumentalpurposes and concrete forms. 101

Ou seja, afiguram-se extremamente salutar à Teoriada Democracia Deliberativa as experimentações que têmsido feitas no Ocidente sobre as aplicações dos seuspressupostos e institutos em realidades concretas,podendo--se dar um passo adiante das suas ideias

Page 49: Democracia Deliberativa

48 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

regulativas no sentido de contribuir e mesmo maturar-secom a realidade do mundo da vida. É o que diz Chambersao afirmar que “Deliberative democratic theory has movedbeyond the ‘theoretical statement’ stage and into the‘working theory’ stage”.102

São esses mesmos laboratórios sociais que, não raro,demonstram as fragilidades de metodologias participativasque reproduzem, por vezes, hábitos centralizadores eautoritários de indução de interesses privados nadiscussão de questões de ordem pública, o que, por se darna arena aberta da interlocução comunitária, pode sercorrigido também publicamente. A crítica que Turner fazno ponto é muito elucidativa: “the usual methods ofinvolving citizens, such as public hearings, advisoryboards, commissions, and task forces, which usuallyinvolve citizens with particular interest or expertise in aspecific area of policy, do not provide policy makers withviews and attitudes representative of the general public,and are easily construed as further instances of thedomination of special interests in politics”. 103

Por outro lado, é importante, neste passo, ter claro aadvertência que faz Bobbio sobre a participação políticademocrática, no sentido de que: “1) tutte le forme di dpdanno vita a tecniche dirette a permettere che tutti coloroche sono interessati da una decisione pubblica sianoconsultati ed esprimano una propria posizione; 2) l’effettodella partecipazione non è quello di trasferire il poteredecisionale finale in capo ai partecipanti”.104

Significa dizer que a doutrina especializada teminsistido com a possibilidade de convívio equilibrado entrea democracia participativa e a representativa, redefinidosos polos de legitimidade democrática de cada qual a partirdos fundamentos e razões constituídos pela democraciadeliberativa, os quais vão fazer migrar a lógica da negociação(qualquer que seja) e do voto como consequência desta, para

Page 50: Democracia Deliberativa

49Demarcações conceituais preliminares ...

a interlocução e o convencimento justificado enquanto basede sustentação do sufrágio. Vale a lembrança de Bifulco:

Nella negoziazione, infatti, il consenso è raggiuntoattraverso l’uso di promesse, minacce o altro, manon sulla base di un aperto scambio di punti divista; le parti sono inoltre mosse solo dal propriointeresse. Il voto, invece, rappresenta una meraaggregazione di preferenze preesistenti, differentedalla trasformazione razionale delle preferenzestesse.105

Não é outra a posição do próprio Habermas aosustentar que a interação de uma esfera pública fundadana sociedade civil com a formação da opinião e vontadeinstitucionalizada nos corpos parlamentares e nos tribunaisfornece perspectiva melhor para traduzir em termossociológicos o conceito de política deliberativa. Aliás, noâmbito de sua teoria do discurso, o que ele chama dedesabrochar da política deliberativa não depende tão somentede uma cidadania capaz de agir coletivamente, masfundamentalmente da institucionalização doscorrespondentes processos e pressupostos comunicacionaisanteriormente referidos, “como também do jogo entredeliberações institucionalizadas e opiniões públicas que seformaram de modo informal.”106 Isso é tão presente em suaobra que, mais tarde, chega a afirmar:

De acordo com a visão republicana, o povo é oportador de uma soberania que não pode, porprincípio, ser delegada: em seu caráter soberano, opovo não pode ter outros que o representem. A istose opõe o liberalismo com uma visão mais realista,segundo a qual, no Estado constitucional, todaautoridade emanada do povo é exercida somente“por meio das eleições e do voto e pelos órgãoslegislativo, executivo e judiciário específicos.107

Page 51: Democracia Deliberativa

50 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Há inclusive ponderações que dão conta dos riscosde maximização da democracia participativa e diretaquando aplicações muito localizadas desse modelo, adespeito de servirem para realçar os níveis de legitimaçãodas escolhas públicas, podem também representar índicesde diminuída capacidade do homem contemporâneo deperceber os interesses comunitários, deixando fluir a lógicade mercado na cena política, na medida em que o cidadãoparticipa somente dos debates e das decisões que dizemrespeito a sua vida pessoal (e de sua família) e, no máximo,a do seu vizinho, perdendo o foco universal ou mais geraldo entorno em que vive.108

Daí a validade da assertiva habermasiana de que “ageração de poder comunicativo e de direito legítimo tornanecessário que os cidadãos não recorram a seus direitosdemocráticos exclusivamente como se eles fossemliberdades subjetivas, ou seja, a partir de interessespróprios, mas sim enquanto autorizações legítimas a umemprego público das liberdades comunicativas, ou seja, aum emprego delas orientado pelo bem comum”.109

Mas infelizmente o que tem marcado a pragmáticacívica da Modernidade é a aliança do conceito de cidadaniaà ideia de indivíduo como mônada (sujeito de direitos), oque faz cair por terra a assertiva habermasiana de que:“podemos tomar como ponto de partida a idéia de que aprática da argumentação forma um foco no qual seencontram intuitivamente esforços de entendimento departicipantes da argumentação de diferentesprocedências”110 E essa é uma questão filosófica antiga,lembrando o mesmo autor que “Na sua forma clássica, oproblema hobbesiano tinha se colocado da forma seguinte:de que modo o encontro das perspectivas egocêntricas deindivíduos que agem no interesse próprio pode produziruma ordem capaz de obrigar os atores individuais a levarem conta os interesses dos outros?”111

Page 52: Democracia Deliberativa

51Demarcações conceituais preliminares ...

Interessante a perspectiva de David Ryfe, ao referirque é preciso levar em conta, no âmbito das relações decomunicação, o que ele chama de distúrbios dos hábitosde raciocínios quotidianos (disturbance of everyday reasoninghabits), eis que eles interferem diretamente nas chamadasdecisões vinculativas (deliberative binding) que foramtomadas por processos dialogados democraticamente, emespecial quando de suas execuções, e isso porque: “Peopleprefer to rely on routine scripts to navigate through theirsocial world. Being jolted out of these scripts is, generallyspeaking, a disconcerting experience.”112

O que se encontra, ao contrário e como regra, sãocomportamentos comunicativos de força e coerção, voltadosà conquista da vitória avassaladora do adversário (e nãoparceiro). Claro, adverte o autor alemão que aquelesesforços só podem ser encontrados em sociedades que jápassaram para um nível de fundamentação pós-convencional, “onde se configura um direito positivo, umapolítica secularizada e uma moral racional, e queencorajam os seus membros a assumir um enfoquereflexivo em relação as suas próprias tradiçõesculturais.”113

Mantém-se perene, de qualquer sorte, a preocupaçãode Habermas quanto à indagação sobre até que ponto oque ele chama de inevitáveis momentos de inércia por parteda Sociedade Civil fomenta o surgimento de complexos depoder ilegítimos (como a representação política desviadade seus fins, e mesmo o Poder Executivo com abuso depoder), uma vez que a faticidade social já restouconsiderada quando da formatação da estrutura formal eorganizacional das instituições e do Estado de Direito. Naspalavras do próprio autor:

Levanta-se o problema da inserção imperceptíveldo poder – que se concentra nos sistemas sociais

Page 53: Democracia Deliberativa

52 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

funcionais, nas grandes organizações e nasadministrações estatais – na base sistêmica dofluxo do poder regulado por normas e o problemada eficácia da intervenção do fluxo não-oficial dessepoder não legitimado no circuito do poder reguladopelo Estado de Direito.114

A questão, pois, é o da radicalização do papel daSociedade Civil na esfera pública da política constituintedas condições e possibilidades de organização e convíviosocietal. Como diz Segovia, avançando no debate doconstitucionalismo contemporâneo,

A diferencia de la teoria ilustrada clásica, en lademocracia deliberativa el poder constituyente nodicta la Constitución y luego desaparece para dejaractuar a los poderes constituidos; porque sufunción no es sancionar una constitución sinoaportar argumentos para encender el corazóndemocrático de los Estados constitucionales; luegosu actuación y su presencia es permanente, comoun cerebro que no deja de elaborar argumentos yaducir razones para la actuación del derechopositivo.115

Afigura-se importante essa radicalização porque omodelo clássico da representação política via sufrágio ecorpos parlamentares e executivos que a Modernidadegerou de forma mais institucionalizada e acabada, comoreferi antes, tem acumulado déficits de legitimidade muitograndes, gerando verdadeiros desvios de finalidades dachamada democracia de concorrência entre segmentosformais de interlocução política, dando vezo ao queHabermas vai chamar de política de elites, na qual “sereduz essencialmente o papel do processo democrático àescolha plebiscitária entre dirigentes, portanto umaseleção de condutores”.116

Page 54: Democracia Deliberativa

53Demarcações conceituais preliminares ...

Esta seleção de condutores, todavia, não é suficientepara profissionalizar a Administração Pública a ponto deseu comportamento ser mais preventivo do que curativo,e mesmo como concretizadora de direitos pela via daspolíticas públicas, aliando-se a isto a incapacidadecrescente do Estado regular relações sociais complexas –notadamente as econômicas –, deixando-as livres à ação,o que provoca desequilíbrios institucionais, coletivos,difusos e individuais muito sérios (como a marginalizaçãoe proletarização de grandes contingentes, a violação domeio ambiente, das relações de consumo, etc.).

Impõe-se reconhecer que estas situações ocorremem face do incremento de complexidade daquelas relações,oportunizando descentralizações radicais de deliberaçãopública, dantes focada no Estado como cúspide de umasociedade organizada hierarquicamente, e agoraespargidas em múltiplos espaços – formais e informais –de decisões, por vezes, incontroláveis em termos deterritório físico cuja competência de gestão é unificadanormativamente por regras constitucionais einfraconstitucionais – basta falar-se emtransnacionalização e globalização de mercados. Mas issosignifica perda absoluta e definitiva da autonomia ecapacidade deliberativa dos atores políticos locais,regionais e nacionais? Ou em outras palavras, pelo fatodesta complexidade social implicar descentralizaçõesradicais de ação e protagonismos, pode-se afirmar que éimpossível demarcar responsabilidades políticas (comoquer Luhmann)? Penso que não.117

Daí discordar da teoria dos sistemas quando operacom a lógica de que a interação dos sistemas sociaisautônomos forjados pela sociedade complexa não dependemais das intenções ou interesses dos atores participantes(agora desenraizados de seus determinantes culturais,educacionais, religiosos, etc.), mas do modo de operaçãode cada microssistema. E isso porque a falência do modelo

Page 55: Democracia Deliberativa

54 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

da democracia representativa tem gerado alternativas deabertura radical das instituições a ambientes decomunicação que, pela qualidade da discussão edeliberação, conseguem retomar algumas rédeas definalidades e objetivos comuns perseguidos, redirecionandoo funcionamento daquelas (a política discute com aeconomia, com a cultura, com a religião, etc.).

Por tais razões não se pode aceitar a premissa deque o sistema político pode prescindir das fontesconstitutivas do direito legítimo após a positivação completadeste, eis que se transforma a política num círculo decomunicação fechado em si mesmo. “Essa imagemluhmanniana da autolegitimação de uma política ancoradano aparelho do Estado começa a apresentar rachaduras apartir do momento em que o princípio da teoria do sistemaé confrontado com a tarefa de pensar a teoria do Estado naperspectiva de uma sociedade eticamente responsável eresponsável pela ética”.118

A crítica de Habermas no ponto vale a pena sertranscrita, até para se problematizar:

Parece que a sociedade, transposta para aautopoiesis, caminha para esse beco sem saída:pois os sistemas funcionais dão o último passorumo à autonomia, através de semânticas próprias,as quais, apesar de todas as vantagens oferecidas,suspendem a troca direta de informações com oambiente. E, a partir deste momento, todos ossistemas funcionais passam a construir sua própriaimagem da sociedade. Eles perdem o domínio sobreuma linguagem comum, na qual seria possívelrepresentar, para todos e da mesma maneira, aunidade da sociedade. O entendimento fora doscódigos específicos passa a ser tido como coisaultrapassada. Isto equivale a afirmar que cadasistema perde a sensibilidade em relação aoscustos que inflige a outros sistemas. Não há maisum lugar onde problemas relevantes para a

Page 56: Democracia Deliberativa

55Demarcações conceituais preliminares ...

reprodução da sociedade em sua totalidade possamser percebidos e elaborados. Pois as linguagensespecializadas esgotam de tal maneira a linguagemcomum – e os sistemas funcionais o mundo da vida– que essa linguagem e esse mundo da vida nãorepresentam mais uma caixa de ressonânciasuficientemente complexa para a tematização e otratamento de problemas que envolvem a sociedadecomo um todo.119

Uma perspectiva neoluhmanniana (se é que se podedizer assim), trazida por Helmut Wilke e seusinterlocutores, cria a chamada Teoria dos CorposIntermediários na constituição do espaço público e dapolítica, entendendo como tais movimentos sociaisorganizados que vão se pondo entre Estado e Sociedadecomo lobistas de interesses corporativos (associaçõescomerciais e industriais, movimentos sindicais,movimentos sociais de sem terra, sem teto, deconsumidores, etc.), mas que ainda necessitam do Estado(Supervisor) como instância de integração equalizadorados interesses veiculados e destes novos estamentos,notadamente em face daqueles segmentos sociais aindanão organizados (a maior parte do tecido social).120

Essa análise reconhece que as formas decomunicação são imperativas no processo de formataçãoda matriz democrática que demarca as possibilidades deexercício do poder político, bem como na formatação dopróprio direito, eis que este “não pode assumir a forma deedições sucessivas, nem impor uma regulação autoritária;ele deve assumir, ao invés disso, a figura de programas derelação, que levam o próprio sistema que está gerando osperigos a reorientações na regulação”.121

Tampouco a teoria das escolhas racionais pode seraplicada integralmente em processos de deliberaçãopolítica, eis que opera com a lógica de que é a racionalidadeestratégica e instrumental que impera nestas relações, o

Page 57: Democracia Deliberativa

56 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

que implica reconhecer nível diminuído de importânciaàs referências normativas de regulação social, e mais,nega a possibilidade das preferências dos participantes daarena política vir a ser alteradas pelo processo deconstituição do político e da política em si. Essa teoria tem,notadamente nos EUA, fundamentado outras percepçõesde participação social do indivíduo, como é o caso dachamada Agency Theory, compreendida como:

agency is the capacity to choose and successfullyexecute actions consistent with a coherent andreflectively determined self. This concept of agencyhelps make sense of the claim in deliberativetheory that people can have agency over theirpreferences or values. It is only by reflexivelyconsidering their values and preferences thatpeople exercise agency—that is, only by subjectinguncritically absorbed values and preferences toconscious and thoughtful reflection. Such reflectioncould, at a minimum, create greater coherence andconsistency within a person’s value system. Itmight also draw inferences about derivative valuesfrom more basic ones. Beyond this, some theoryand research suggests that people can reasonabout moral issues and that some forms ofreasoning about values and ethics are moredevelopmentally adequate than others.122

Para outro importante autor com quem Habermasvai dialogar sobre esses pontos, Mead;

agency theory holds that people develop byinternalizing the perspectives of others.Perspectives are mental models, often self-organized, of how others will react in a variety ofcontexts. Perspectives are separated from personalidentities primarily in feelings of ownership andin making the perspective a habitual part of one’sown routine responses. Internalizing external

Page 58: Democracia Deliberativa

57Demarcações conceituais preliminares ...

perspectives makes them part of the self, therebyconstituting personal identity around the social.People internalize social perspectives in partbecause they need to understand themselves andtheir social functions—self-understanding isdifficult and indeed very much like understandingothers.123

Mead opera com a lógica de que “Social perspectiveswill generally dominate the nascent constitution of theself—people are more social than egocentric, thoughcertain societies can encourage socially useful forms ofegocentrism”, o que não deixa de ser um pouco romântico,haja vista todos os condicionantes e externalidadesideológicas, econômicas e culturais que demarcam aspossibilidades de sociabilidade humana. Os teóricos daagency theory creem, com base em Mead, que:

Mere talk can stimulate self-transformation,particularly in a socially desirable direction, bypointing out inconsistencies in people’s action andthinking that must be resolved with more generalperspectives such as the moral one. It can alsostimulate pro-social transformation by suggestingthe conceptual categories and understandingsnecessary for more sophisticated social and politicalunderstandings.124

Torna-se rico, então, o diálogo que Habermas mantémcom Elster para sustentar, de forma mais pragmática eoperacional, haver uma possibilidade de mediação entreracionalidade instrumental e emancipada no debatepolítico, dada pela articulação entre argumentações –sujeitas a critérios de validade, os quais se fundam emcategorias forjadas na ideia de justiça e numa eticidadepolítica –, e negociações – sujeitas a critérios decredibilidade, tudo construído a partir do embate público (o

Page 59: Democracia Deliberativa

58 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

que não resta muito claro nas teorias anteriores).125 Maspara tanto, com Joshua Cohen, é preciso que algunsrequisitos estejam presentes no âmbito das relaçõesintersubjetivas, a saber:

1) Freedom. For Cohen, freedom meant that theparticipants must be unconstrained by the“authority of prior norms or requirements” and ableto act from the results (1989, 22). 2) Reason.According to Cohen, deliberative outcomes shouldbe settled only by reference to the “reasons”participants offer. In this emphasis Cohen joinsJoseph Bessette (who coined the term “deliberativedemocracy” Bessette 1979, 1982, 1994), John Rawls(1993, 1997), Habermas and many subsequenttheorists. 3) Equality. Because deliberation is neverfully free of power, Cohen pointed out thatparticipants in deliberation should be“substantively equal in that the existingdistribution of power and resources does not shapetheir chances to contribute to the deliberation”(Cohen l989, 23). 4) Consensus. Cohen stressedthat deliberation should aim “to arrive at arationally motivated consensus” (Cohen 1989, 23,emphasis in original). His criteria for an idealdeliberative procedure also stipulate that it shouldbe “focused on the common good” (1989, 19), evenif ultimately relying on a majority vote to resolvedisagreement. Deliberation should shape the“identity and interests of citizens…in ways thatcontribute to the formation of a public conceptionof the common good” (Cohen 1989, 19).126

Em outro texto, Cohen vai lembrar ainda que oconceito de liberdade deve estar associado à ideia de que“nenhuma visão moral ou religiosa abrangente forneceuma condição definidora de pertença à cidadania ou ofundamento da autorização para o exercício do poderpolítico”; ao mesmo tempo, no âmbito do conceito deigualdade, mister é que cada cidadão seja reconhecido como

Page 60: Democracia Deliberativa

59Demarcações conceituais preliminares ...

tendo as capacidades exigidas para participar na discussãoem torno da autorização do exercício do poder.127

Por tais razões discordo do pressuposto habermasianode que: “o acordo produzido argumentativamente tem queapoiar-se em argumentos idênticos, capazes de convenceros partidos da mesma maneira. A força consensual de taisargumentos reflete-se na ideia de imparcialidade que guiaos discursos práticos”.128 E isso porque nem sempre osdiscursos práticos podem ser tomados como imparciais,exatamente em face do influxo não controlável de formaabsoluta de argumentos e negociações. Mesmo que aquelepressuposto do autor opere como idéia regulativa dapolítica, ela necessita contrafaticamente de juízos críticosempíricos, inclusive à constituição de novas rotasinterlocutivas, e estes precisam de fundamentos devalidade e pragmaticidade sustentáveiscomunitariamente.

Em face do aumento de complexidade da gestão dosinteresses públicos da maior parte quantitativa dapopulação estar associado a redes multi-diferenciadas deinteresses (globalizados, regionalizados, setorializados,ideologizados, etc.), os pressupostos comunicacionaisreferidos acima são muitas vezes pervertidos ouescamoteados pelo processo político institucional e oficialda democracia representativa, transformando demandasprivadas em públicas, sequer problematizando osargumentos utilizados para tanto pelo viés de sualegitimidade.

Talvez se possa falar de cenários da esfera pública epolítica nos quais há acordos prévios absolutamenteinstrumentais e estratégicos no sentido de demarcaralguns limites às pretensões corporativas e pessoais (comonão permitir o aniquilamento do adversário, sob pena deisso abrir precedente para o próximo), oportunidade emque novos pactos de sobrevivência e proteção surgem, nãoimportando se violadores da legalidade e legitimidade

Page 61: Democracia Deliberativa

60 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

instituída, acima das diferenças aparentementeexistentes. Neste momento, os detratores da repúblicaforjam núcleos de resistência e redes de cooperaçãonecessários à mantença dos benefícios imorais eantiéticos até então praticados; criam metadiscursosdesviantes das condutas mafiosas, em nome de valores eprincípios formais do sistema jurídico vigente, esvaziadosestes de significado e fundamentos legítimos.

Montado tais cenários, eles se autorreproduzem,gerando influências nefastas – e ao mesmo temposofisticadas – na comunidade, ou seja, com Parsons,criando formas simbólicas generalizadas de comunicaçãoque regulam interações comunicativas através dapersuasão.129 “Pessoas ou instituições, por exemplo, podemgozar de uma reputação que lhes permite exercerinfluência sobre as convicções de outras pessoas, sem terque comprovar competências e sem ter que darexplicações.”130

A lição novamente de Rousseau é importante noparticular, ao menos para gerar a reflexão, quando nos dizFassò que:

Pur essendo un ammiratore delle repubblichedell’antichità, egli considerava Atene non unademocrazia, ma «un’aristocrazia decisamentetirannica, governata da uomini di cultura e daoratori». A giudizio di Rousseau una democraziaassembleare come quella ateniese, anche se noncontemplava una delega della sovranità,rappresentava comunque una minaccia costantenei confronti sia dell’autonomia individuale siadell’eguaglianza. L’espressione del consenso erainfatti mediata dalla discussione pubblica, nellaquale finivano inevitabilmente per emergere gliindividui più intellettualmente dotati o più versatinell’arte di parlare in pubblico in modo persuasivo,e quindi capaci di influenzare in modo rilevante lescelte dei cittadini.131

Page 62: Democracia Deliberativa

61Demarcações conceituais preliminares ...

De outro lado, tenho que se afigura falha a seguintecrença de Habermas: “Nestas condições, por exemplo, acamuflagem de interesses não justificáveis publicamenteatravés de argumentos éticos ou morais obriga oproponente a compromissos que poderão desmascará-lo,na primeira ocasião, como inconsistente ou forçá-lo a levarem consideração os interesses dos outros, se quisermanter a sua credibilidade”.132

As elites dominantes do mercado hegemônicocapitalista conseguiram – de certa forma atéinternacionalmente – construir matrizes inéditas deoperação do poder instituído sem adentrar na questão dosseus fundamentos ou justificativas, pois as têm comotécnicas burocráticas e formais de manipulação da coisapública em favor de interesses não publicamente expostosao conhecimento e crítica sociais. Pelo nível de sofisticaçãoe articulação dessas técnicas de exercício do poder, taiscategorias sociais vão imprimindo seus projetos eprioridades através do próprio Estado e Administração,transmutando-os de privados em públicos pelas malhaslegais do processo legislativo e de sua execução pela viade políticas públicas.133 Novamente a crítica de Habermasé pontual:

Só é possível proteger o sistema político como umEstado de Direito, quando as autoridades afirmama sua posição assimétrica em relação aos parceirosde negociação, a qual resulta de seu dever legal derepresentar a vontade das pessoas privadasatualmente não envolvidas. Durante os processosde sintonização não pode romper-se o laço dedelegação de competências de decisão. Somenteassim é possível conservar o vínculo com o públicode cidadãos, os quais têm o direito e se encontramna condição de perceber, identificar e tematizarpublicamente a inaceitabilidade social de sistemasde funcionamento..... Quando o discurso deespecialistas está desvinculado da formação

Page 63: Democracia Deliberativa

62 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

democrática da opinião e da vontade, ele se afirmacontra as pessoas privadas.134

Ora, na medida em que se forjam argumentos,finalidades e informações desta maneira, pergunta-se:quão precisos e críticos devem ser os filtros dasnegociações equitativas e dos discursos racionais napolítica com este perfil desenhado? Quão precisa e críticadeve ser a opinião pública para dar conta de tantasarmadilhas argumentativas construídas por projetos einteresses meramente estratégicos? É no processo dedeliberação radicalmente pública que tais respostassurgirão, expondo as entranhas de toda a deliberação, desdeo seu nascedouro, que são as formas legítimas deidentificar o que interessa à comunidade enquantoconjunto racional de vida humana. Em outras palavras,“Deliberative forms of democratic participation shouldenable citizens not only to discover or forge a common goodbut also to express self-interest and see conflict moreclearly when that conflict has previously been masked byhegemonic definitions of the common good, by elite“nondecisions,” and by other features of the socialcontext”.135

Daí a conclusão acertada no sentido de que “osresultados da política deliberativa podem ser entendidoscomo um poder produzido comunicativamente, o qualconcorre com o potencial de poder de atores que têmcondições de fazer ameaças, e com o poder administrativoque se encontra nas mãos de funcionários”.136 Essa posiçãoé mais consentânea à realidade de uma sociedade deMercado, estando certos os liberais quando aduzem que “oprocesso político de formação da vontade e da opinião naesfera pública e no parlamento é determinado pelacompetição entre as coletividades, que agemestrategicamente tentando manter ou adquirir posiçõesde poder”.137

Page 64: Democracia Deliberativa

63Demarcações conceituais preliminares ...

Já na perspectiva republicana, como quer Habermas,há a preocupação acertada de preservar o significadooriginal de democracia em termos da institucionalizaçãode uma utilização pública da razão conjuntamente exercidapor cidadãos autônomos. “Esse modelo leva em contaaquelas condições comunicativas que conferem forçalegitimadora à formação política da opinião e da vontade.Essas são precisamente as condições sob as quais se podeesperar que o processo político produza resultadosrazoáveis”.138 Mas para que isso ocorra, é mister que aesfera pública reforce a pressão exercida pelos problemas,isto é, “ela não pode limitar-se a percebê-los e a identificá-los, devendo, além disso, tematizá-los, problematizá-los edramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto deserem assumidos e elaborados pelo complexoparlamentar”.139

Tenho ciência de que recentes pesquisas no campoda psicologia social e moral, como quer Thomas Spragens,defendem que:

A great deal of recent empirical research on moralpsychology suggests that we often do not know whywe make the moral judgments and choices that wedo, that they are frequently motivated by emotions,and that many justifications of our moral choicesare post hoc rationalizations. This research showsthat moral perception and judgment are driven bya variety of extremely complex factors and cannotbe reduced to impartial assessments of argumentsor abstract reasoning.140

Ocorre que ainda creio ser os processos racionais econtroláveis publicamente os que dão maiores condiçõesde reconhecimento legítimo da validade de pretensões einteresses poderem ser universalizáveis de forma estávelcontingencialmente. E por que contingencialmente?

Page 65: Democracia Deliberativa

64 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Porque a deliberação pode promover preferências mantidasreflexivamente que potencialmente estejam voltadas aoconsenso, todavia, não há garantia de que irá produzi-lo,razão pela qual em alguns momentos as questões oradebatidas deverão ser colocadas em votação.141

Por tais razões é que um dos fundamentos da políticadeliberativa não é simplesmente a oportunidade demanifestação da opinião de cada um, mas a formataçãode posições sociais – coletivas – sobre informações e temasfocalizados, consensualmente. Assim, o que gera a esferapública não são agregados estatísticos de opiniõesindividuais – por mais críticas que sejam –, masdeliberações forjadas racionalmente entre todos osenvolvidos; ou seja, “a qualidade de uma opinião públicaconstitui uma grandeza empírica, na medida em que elase mede por qualidades procedimentais de seu processode criação. Vista pelo lado normativo, ela fundamenta umamedida para a legitimidade da influência exercida poropiniões públicas sobre o sistema político”.142

Esta opinião pública social, por sua vez, vai interagircom a formação da opinião pública institucional(parlamento, executivo e judiciário), constituindo a políticadeliberativa. Em outras palavras, a influência da opiniãopública social precisa passar pelo filtro dos processosinstitucionalizados da formação democrática da opinião eda vontade, transformar-se em poder comunicativo einfiltrar-se numa legislação legítima, aí sim, passível degerar legitimamente decisões políticas.143 Por essesfundamentos é que se pode concluir que :

La democracia deliberativa es una forma políticaque aspira a convertirse en modelo normativo dela política contemporánea, esto es, prescribir lapolítica que conviene a esta tardomodernidad, a lamodernidad que no reuncia a la construcciónracional del mundo humano de manera autónoma,

Page 66: Democracia Deliberativa

65Demarcações conceituais preliminares ...

reflexiva y secular, en medio de la crisis del Estadonacional de derecho y la formación de una sociedadglobal.144

E o que ocorre quando a tecnoburocracia de Estado,conjugada aos interesses de mercado e das elitesdominantes, radicalizam o afastamento entre gestão dosinteresses comunitários e esferas públicas nãogovernamentais? Dá-se o que Leighninger145 chama deprofessionalization of public management, no sentidonegativo desta expressão, ou seja, causando the alienationbetween citizens and government, e, por sua vez, a rupturada legitimidade do exercício do poder, autorizando osurgimento de várias formas de desobediência civil,entendida como transgressão simbólica nãoviolenta dasregras políticas do jogo democrático, “contra decisõesimpositivas as quais são ilegítimas no entender dos atores,apesar de terem surgido legalmente à luz dos princípiosconstitucionais vigentes”.146

Essa transgressão tem como centro defundamentação a espetacularização da política capaz desensibilizar as esferas públicas institucionais (dentre asquais, a mídia), pois fechadas que estão para os meiostradicionais de interlocução democrática.147 Habermasexplica detidamente isto, o que vale a pena transcrever:

Independentemente do respectivo objeto dacontrovérsia, a desobediência civil sempre reclamaimplicitamente que a formação legal da vontadepolítica não pode se desligar dos processos decomunicação da esfera pública. A mensagem dessesubtexto dirige-se a um sistema político que, devidoà sua estrutura constitucional, não pode se desligarda sociedade civil, a qual, quando em crise, serve-se da opinião pública para atualizar conteúdosnormativos do Estado democrático de direito, e paracontrapô-lo à inércia da política institucional.148

Page 67: Democracia Deliberativa

66 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Discordo do autor tão somente sob a perspectiva deque a sociedade civil somente quando está em crise devevaler-se da opinião pública para atualizar conteúdosnormativos do Estado Democrático de Direito e paracontrapor a inércia da política institucional vigente, istoporque seria até contraditório com a ideia de espaçopúblico discursivo em que se constitui a democraciacontemporânea, permanentemente aberto a todas asinterações possíveis que possam vir a contribuir para aampliação dos entendimentos sobre a dignidade da vidahumana e suas formas exequíveis.149 Ou seja, aparticipação da opinião pública no processo compartido degestão dos interesses comunitários deve ser constante(preventivo das crises) e não somente em momentos decrise (curativos).

Assim, o paradigma da Democracia Deliberativa, emverdade, redefine o próprio Estado Democrático de Direitoatravés do conceito de Sociedade Democrática de Direito(esferas públicas e sociedade civil ativa), tomando a ordem(constitucional) instituída como parâmetro de convíviosocietal (compreensão dinâmica da constituição), ou seja,“um empreendimento arriscado, delicado e,especialmente, falível e carente de revisão, o qual tende areatulizar, em circunstâncias precárias, o sistema dedireitos, o que equivale a interpretá-los melhor e ainstitucionalizá-los de modo mais apropriado e a esgotarde modo mais radical o seu conteúdo”.150 É sempre bomlembrar a advertência de Benhabib, no sentido de que osprocessos de deliberação precisam observar algunsrequisitos, a saber:

1) a participação na deliberação é regulada pornormas de igualdade e simetria; todos têm asmesmas chances de iniciar atos de fala, questionar,interrogar e abrir o debate; 2) todos têm o direitode questionar os tópicos fixados no diálogo; e 3)todos têm o direito de introduzir argumentos

Page 68: Democracia Deliberativa

67Demarcações conceituais preliminares ...

reflexivos sobre as regras do procedimentodiscursivo e o modo pelo qual elas são aplicadasou conduzidas. Não há prima facie regras quelimitem a agenda da conversação, ou a identidadedos participantes, contanto que cada pessoa ougrupo excluído possa mostrar justificadamente quesão atingidos de modo relevante pela normaproposta em questão.151

Por essas razões é que o Estado tem outra funçãoigualmente importante no processo de constituição eoperacionalização deste modelo de democracia, a saber,para além da proteção de direitos privados iguais, a garantiade uma formação abrangente da vontade e da opinião,processo no qual cidadãos livres e iguais chegam a umentendimento em que objetivos e normas se baseiam no igualinteresse de todos.152

Há muito ainda o que discutir.

NOTAS

1 Este texto é fruto preambular do Projeto de Pesquisa intitulado ANATUREZA FILOSÓFICA E POLÍTICA DA DEMOCRACIADELIBERATIVA E PARTICIPATIVA E SEUS EFEITOS PRAGMÁTI-COS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO DEMO-CRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO: limites e condicionantes dodiálogo entre o político e o jurídico, desenvolvido junto ao Programade Mestrado e Doutorado em Direito, da Universidade de SantaCruz do Sul, e vinculado ao seminário Teoria Procedimental daGestão Pública Compartida, ministrada por mim junto ao Doutora-do em Direito da mesma Universidade.

2 Rogério Gesta Leal é Desembargador do Tribunal de Justiça doEstado do Rio Grande do Sul, Doutor em Direito, Professor Titu-lar da Universidade de Santa Cruz do Sul, Professor Colaboradorda Universidade Estácio de Sá. Professor Visitante da UniversitàTúlio Ascarelli – Roma Trè, Universidad de La Coruña – Espanha,e Universidad de Buenos Aires. Professor da Escola Nacional deFormação e Aperfeiçoamento da Magistratura – ENFAM. Membroda Rede de Direitos Fundamentais-REDIR, do Conselho Nacio-nal de Justiça-CNJ, Brasília. Coordenador Científico do Núcleo

Page 69: Democracia Deliberativa

68 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

de Pesquisa Judiciária, da Escola Nacional de Formação eAperfeiçoamento da Magistratura – ENFAM, Brasília. Conselhei-ro do Observatório da Justiça Brasileira.

3 Neste sentido ver os trabalhos de: SCHUMPETER, Joseph A.Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Allison Editors,2008, e do mesmo autor Can Capitalism Survive?: CreativeDestruction and the Future of the Global Economy. New York: AllisonEditors, 2009; DOWNS, Anthony. An Economic Theory ofDemocracy. London: Maccmillan, 1997; SARTORI, Giovanni. TheTheory of Democracy Revisited. New Jersey: Chatham HousePublishers, 1987.

4 ROUSSEAU, Jean Jacques. Il Contratto Sociale. Milano: Einaudi,2000, p.18. Outro importante filósofo italiano contemporâneo,Guido Fassó, chega a afirmar que: Con il “Contratto Sociale”Rousseau, per la prima volta nella storia della filosofia politica moderna,descrive un ipotetico stato etico in cui impegna la “volontà generale”ed in cui il contratto sociale è un patto dei cittadini con loro stessi pergiungere alla fondazione di una società di liberi ed eguali in cui siapossibile una convivenza tra gli individui componenti. FASSÓ, Guido.Historia della Filosofia. Roma: Giuffrè, 2005, p.78.

5 VIROLI, Maurizio. Jean–Jacques Rousseau e la teoria della societàbene ordinata. Bologna: Il Mulino,2007, p.34. O autor lembra quehá teses identificando que “la volontà generale è in realtà qualcosadi simile a una verità matematica o a un’idea platonica, qualcosacioè dotato di una propria esistenza oggettiva”, e com essas posiçõesnão concordo até em face da importância que Rousseau dá, porexemplo, no Emílio, à educação e formação dos indivíduos paraserem capazes de conviver autônoma e criticamente. Mais adiante,Maurizio vai reforçar isto asseverando que “Rousseau, tuttavia,esclude che sia sempre necessaria l’unanimità perché una volontàpossa essere qualificata come “generale” e afferma esplicitamenteche è sbagliato identificare la volontà generale con la volontà ditutti: «Spesso c’è una gran differenza tra la volontà di tutti e lavolontà generale; questa guarda soltanto all’interesse comune,quella all’interesse privato e non è che una somma di volontàparticolari”. (p.43). Quem faz esta crítica também é NIÑO, CarlosSantiago. La constitución de la democracia deliberativa.Barcelona: Gedisa, 2003, p.108.

6 BURKE, Edmund. Riflessioni sulla Rivoluzione in Francia. Roma:Ideazione, 1998, p. 56. É preciso ter em conta, como adverteACCARINO, Bernardo. Rappresentanza. Bologna: Il Mulino, 1999,p.65, que “nell’ottica burkiana il parlamento è un «legislativebody corporate» e che la rappresentanza «non può che essere lasomma degli interessi corporativi della nazione, espressionediretta della sua costituzione sociale, che è anche la suacostituzione naturale”.

7 KANT, Imanuel. La metafísica de las costumbres. Madrid: Tecnos,

Page 70: Democracia Deliberativa

69Demarcações conceituais preliminares ...

1994. Ver também meu livro LEAL, Rogério Gesta. Hermenêuticae Direito. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2001.

8 Ver o excelente comentário de RYFE, David M. The Next Form ofDemocracy. In Journal of Public Deliberation, Vol. 3, nº1,Article 2, 2009, <http://services.bepress.com/jpd/vol3/iss1/art2>. Estas considerações de Ryfe dizem respeito ao texto deLEIGHNINGER, Matt. The Next Form of Democracy. Nashville:Vanderbilt University Press, 2006. Neste trabalho, Leighningerfaz uma boa relação dos efeitos que a democracia deliberativapode provocar na relação entre Estado e Sociedade, dizendo: “Theymay be focused on improving the schools, ending racism, orbalancing the city budget, but their work is about more thanthat: they are trying to transform the ways in which citizensand governments Interact”. (p. 225-226). Já no início de seu textoadvertida que: “You can’t Just involve citizens in ways thatsupplement the political process, but you have to construct newarenas where citizens are at the center of the system”. (p.49).

9 Ver o texto de ATRIPALDI, Valdo. Strutture di potere, democrazia epartecipazione. Napoli: Editoriale Scientifica, 1994. Ver tambémo texto de BEHROUZI, Majid. The Idea of Democracy and ItsDistortions: From Socrates to Cornel West. In Journal of PublicDeliberation, Vol. 4, nº1, Article 13, 2008, <http://services.bepress.com/jpd/vol4/iss1/art13>, acessado em 25/02/2010.

10 BIFULCO, Raffaele. Democrazia Deliberativa e DemocraziaPartecipativa. In: <www.astrid.eu>, acessado em 10/01/2010,p.04. Alerta ainda o autor que o modelo da DemocraciaParticipativa “si occupa per lo più delle forme storiche concreteattraverso le quali, in diversi contesti ordinamentali, si cerca dicoinvolgere direttamente l’individuo/il cittadino nell’esercizio delpotere decisionale pubblico”.

11 FOLLESDAL, Anthony. The Value Added by Theories of DeliberativeDemocracy. Where (not) to Look. In: BOSSON, S.; MARTÍ, J. L.(Eds.) Deliberative Democracy and its Discontents. Aldershot:Ashgate, 2006, p.57. Pergunta ainda o autor: “What constitutesa deliberation, a subject of intensive consideration among politicaltheorists? One key constituent of deliberation, agreed upon bymany theorists, is equality or fairness. All participants andstakeholders should in principle have an equal chance to affectthe topic, contents, and outcomes of the deliberation”.

12 Vou fazer uso da tradução brasileira de HABERMAS, Jürgen. Direitoe Democracia: entre facticidade e validade. Vols. I e II. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 2003.

13 SEGOVIA, Juan Fernando. Habermas y la democracia deliberativa:una utopía tardomoderna. Madrid: Marcial Pons, 2009, p.12.Lembra o autor que, com a TAC, Habermas “pretende dar cuentade una filosofia auténticamente moderna y posmetafísica que

Page 71: Democracia Deliberativa

70 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

comprenda una teoria del conicimiento, uma teoría de la práxis(pragmática, ética y moral) y una teoría crítica social (política yjurídica)” –p.22. No que tange à produção de Habermas para oponto, estou me referindo ao texto HABERMAS, Jurgen. Teoriadell’agire comunicativo. Bologna: Il Mulino, 1986.

14 Não tenho tempo de expandir esta discussão aqui, mas é vital quese tenha igualmente presente que Habermas trabalhasistemicamente com os seus conceitos, ou seja, na acepçãoKantiana de um todo do conhecimento ordenado segundoprincípios; assim, o conceito determina, a priori, não só o alcancedo conteúdo, mas também as posições recíprocas das partes, demodo que conseguimos uma unidade organizada. Isto não querdizer, entretanto, que o pensamento do autor não possa ser con-siderado um “sistema aberto”, capaz de acolher novos problemase de modificar-se continuamente.

15 Diz Habermas: “Na prática, os membros de uma determinada co-munidade de linguagem têm que supor que falantes e ouvintespodem compreender uma expressão gramatical de modo idêntico.Eles supõem que as mesmas expressões conservam o mesmosignificado na variedade de situações e dos atos de fala nas quaissão empregadas. No próprio nível do substrato significativo, osinal tem que ser reconhecido como sendo o mesmo sinal, napluralidade de eventos significativos correspondentes”.HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume I, Op.cit., p.29.

16 Esta discussão pode ser encontrada também no texto HABERMAS,Jürgen. Los usos pragmáticos, éticos y morales de la razón práctica.In: LIMA, Martín Herrera (coord.). Jürgen Habermas: moralidad,ética y política. México: Taurus, 2004.

17 ROSATI, Marcelo. Consenso e razionalità: riflessioni sulla teoriadella’agire comunicativo. Roma: Armando, 1994, p.66.

18 Vale a pena conferir a síntese desta discussão feita por NEVES,Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: MartinsFontes, 2008, especialmente a partir da p.25 até a p.44, uma vezque os estágios de desenvolvimento cognitivo explorados por essesautores vai servir muito bem à exploração do tema que envolve asvariáveis constitutivas da comunicação coatada de Habermas.

19 HABERMAS, Jürgen. La reconstrucción del materialismo histórico.Madrid: Marcial Pons, 1981, p.53.

20 Notadamente as ações linguísticas exprimem três classes de pre-tensões de validade: verdade, correição normativa e veracidade,as quais, por sua vez, correspondem aos três mundos de referênciapresentes em cada discurso, a saber, o mundo objetivo, o mundosocial-normativo e o mundo subjetivo do interlocutor-falante. In:HABERMAS, Jürgen. Teoria dell’agire comunicativo. Op.cit.

21 GAMBETTA, Diego. Claro!: ensayo sobre el machismo discursivo. In:

Page 72: Democracia Deliberativa

71Demarcações conceituais preliminares ...

ELSTER, John (comp.). La democracia deliberativa. Barcelona:Gedisa, 2001, p.37 e seguintes.

22 Idem, p.406. É imenso o diálogo que Habermas mantém com ahistória da filosofia e da sociologia no TAC, dialogando, dentreoutros, com Emile Durkheim, para mostrar a importância de sedetectar as bases do substrato normativo que rege a convivênciasocial – mesmo que ainda em fases de frágil racionalidade, comoé o caso das relações sociais marcadas por vínculos religiosos,eis que daí poder-se-ia extrair os fundamentos de validade destasnormas. De forma textual, refere o autor que: “Em sociedadesorganizadas em forma de Estado, a ordem normativa natural éreformulada em normas de direito. Entretanto, em sociedadestradicionais, o próprio direito ainda se alimenta da força do sagradoreligiosamente sublimado. Na fusão sacral entre facticidade evalidade se enraíza, por exemplo, a hierarquia de leis, da tradiçãojurídica européia, segundo a qual o direito estabelecido pelogovernante permanece subordinado ao direito natural cristão, ad-ministrado eclesiasticamente”. HABERMAS, Jürgen. Direito e De-mocracia: entre facticidade e validade. Volume I, Op.cit., p.45.

23 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume I, Op.cit., p.25.

24 Idem. Neste período da produção de Habermas ele está com contatocom a bibliografia de interlocutores tais como: Charles S. Peircena América, Gottlob Frege e Edmund Husserl na Alemanha, eGherard E. Moore e Bertrand Russell na Inglaterra, todosexplorando aspectos psicologistas do comportamento humano esocial. Ver meu verbete LEAL, Rogério Gesta. Jürgen Habermas.In: BARRETO, Vicente de Paula (organizador). Dicionário deFilosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp.403/408.

25 Idem, p.719. Daí o argumento habermasiano de que: “O pontomais interessante do direito racional que opera com a idéiarousseauniana e kantiana de autodeterminação é o da união entrerazão prática e vontade soberana, a qual liberta o poder políticode tudo aquilo que é apenas natural, conformando o exercício dopoder político ao exercício da autonomia política dos cidadãos”.HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade evalidade. Volume I, Op.cit., p.235.

26 Idem, p.722.27 Lembrando sempre que “Discursos pragmáticos abrangem somente

a construção e a avaliação das consequências de possíveisprogramas, não a formação racional da vontade, a qual só podeaceitar uma sugestão quando se apropria dos fins e valoreshipoteticamente pressupostos”. Idem, p.206.

28 HABERMAS, Jürgen. Três Modelos Normativos de Democracia. In AInclusão do Outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola,2002. p.282.

Page 73: Democracia Deliberativa

72 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

29 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume I, Op.cit., p.199. Em seguida o autor vai chamar aatenção para o fato de que: “A formação política da opinião e davontade, ultrapassando o nível pragmático, onde se procura sabero que podemos fazer em função de tarefas concretas, precisaesclarecer, em primeira linha, três questões, a saber: a que subjazà formação de compromissos, onde se discute a possibilidade deharmonizar entre si preferências concorrentes; a questão ético-política acerca de nossa identidade pessoal e dos ideais queacalentamos realmente; e a questão prático-moral que nos leva ainquirir sobre o modo de agir para sermos justos”. (p.225).

30 LEWANSKI, Rodolfo. La democrazia deliberativa: nuovi orizzonti perla política. Roma: Giuffrè, 2008, p.65. Ver também GASTIL, John.By Popular Demand: Revitalizing Representative Democracy ThroughDeliberative Elections. Berkeley: University of California Press,2006, p. 22: “discussion that involves judicious argument, criticallistening, and earnest decision making .Full deliberation includesa careful examination of a problem or issue, the identification ofpossible solutions, the establishment or reaffirmation of evaluativecriteria, and the use of these criteria in identifying an optimalsolution”.

31 HABERMAS, Jürgen. A ética da discussão e a questão da verdade.São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.10. Mas por que se dão tensõespermanentes no âmbito desta comunicação social? É o autor queresponde: Pelo simples fato de que a aceitação de pretensões devalidade repousa sobre a aceitabilidade de razões dependentesde um contexto, estando sempre expostas ao risco de serem des-valorizadas através de argumentos melhores e processos deaprendizagem que transformam aquele contexto. In: HABERMAS,Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I,Op.cit., p.57. Na mesma direção o trabalho de BARBER, Benjamin.Strong Dmocracy. Berkeley: University of Califórnia Press, 2002,p.174, dizendo que em nível de democracia deliberativa, mister éque os indivíduos tenham acesso garantido a todo fórum públicorelevante, o que envolve não apenas a oportunidade de falar,mas a obrigação de ouvir.

32 MOUFFE, Chantal. Deliberative Democracy or Agonistic Pluralism?In Democracy and Difference. BENHABIB, Seyla (ed.) Princeton:Princeton University Press, 1966, p.03.

33 Idem.34 Idem, p.04.35 Interessante verificar, neste particular, as considerações de Jane

Mansbridge, ao sustentar que é equivocada a dicotomia entre razãoe emoção, como se tivessem de ser excluídas do processo derelações sociais, eis que autores como “Amelie Rorty (1985), MarthaNussbaum (1995), and others have pointed out the flaws in

Page 74: Democracia Deliberativa

73Demarcações conceituais preliminares ...

dichotomizing “reason” and “emotion,” because the emotionsalways include some form of appraisal and evaluation, and reasonitself needs at least an emotional commitment to the process ofreasoning. Nussbaum’s positive account of the role of emotionsin deliberation further singles out the emotion of compassion asan essential element of good reasoning in matters of publicconcern. Other emotions, such as solidarity, play equallyimportant roles”. MANSBRIDGE, Jane. Beyond AdversaryDemocracy. New York: Basic Books, 2001, p.81.

36 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume I, Op.cit., p p.200. Isto pode se aplicar aos DireitosSociais, por exemplo, na medida em que o seu atendimentoenvolve, não raro, escolhas disjuntivas, no sentido de que taisdemandas são infinitas enquanto os recursos para atendê-lassão finitos. Remeto ao meu livro LEAL, Rogério Gesta. Condiçõese Possibilidades Eficaciais dos Direitos Fundamentais Sociais: osdesafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2009.

37 Idem, p,189. Em outro texto clássico, Habermas reforça essa ideiadizendo que, “si la práctica deliberativa es el único recurso delque se dispone en la modernidad tardía para obtener un juicioimparcial en las cuestiones morales, entonces la referencia a loscontenidos de la moral tiene que ser sustituida por la relaciónautorreferencial con la forma de esta práctica”. Ou seja, a razãoprática comunicativa é formal e procedimental, vazia de conteúdopois refere-se aos métodos à obtenção de consensos e entendi-mentos. HABERMAS, Jürgen. Una consideración genealógica acer-ca del contenido congnitivo de la moral. In HABERMAS, Jürgen. Lainclusión del otro. Barcelona: Ariel, 2000, p.75.

38 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume I, Op.cit., p.21. E na sequência assevera que “Oexercício da autonomia política significa a formação discursivade uma vontade comum, porém, não inclui ainda a implementaçãodas leis que resultam dessa vontade. O conceito do políticoestende-se também ao emprego do poder administrativo e àconcorrência pelo acesso ao sistema político”.

39 Idem, p.338. Vai na mesma direção Hoffman, ao lembrar que:“effective deliberation requires much more than rationaldiscourse. It requires attention to how empathic cues are activatedand communicated and the ways in which associations betweenthe social situations of oneself and others produce moralcognition, and broaden awareness of morally salient features ofthe policies and issues under discussion”. HOFFMAN, Martin.Empathy and Moral Development: Implications for Caring andJustice. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p.48.

40 Ver neste sentido o trabalho de HABERMAS, Jürgen. Reconciliaciónmediante el uso público de la razón. In: HABERMAS, Jürgen;

Page 75: Democracia Deliberativa

74 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

RAWLS, Jonh. Debate sobre el liberalismo político. Barcelona:Ariel, 1998, p.63 e seguintes. Este raciocínio responde de certamaneira à dubiedade de alguns autores sobre o fato de ser difícilqualquer forma de discurso poder alcançar um consenso que sejagenuinamente livre e não coercitivo, a não se que os participantesdesfrutem de alguns direitos de privacidade e integridade pessoalintocáveis e imunes às tensões cotidianas, como quer MOON,Donald. Critic, norm and utopia. New York: Columbia UiversityPress, 2004, bem como em seu texto Constructing community: moralpluralism and tragic conflicts. Princeton: Princeton UniversityPress, 2002.

41 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo de legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular,2007, p.75.

42 Idem.43 ELSTER, Jon. O mercado e o fórum: três variações na teoria política.

In: WERLE, Denilson Luis. MELO, Rúrion Soares. A democraciadeliberativa. São Paulo: Editora Singular, 2007, p.235.

44 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I, Op.cit., p.111. Diz o autor ainda que: “Dado quemotivos e orientações axiológicas encontram-se interligados nodireito interpretado como sistema de ação, as proposições dodireito adquirem uma eficácia direta à ação, o que não acontececom os juízos morais. E mais adiante arremata: Enquanto a vontademoralmente livre é, de certa forma, virtual, pois afirma apenasaquilo que pode ser aceito racionalmente por qualquer um, avontade política de uma comunidade jurídica, que também deveestar em harmonia com ideias morais, é a expressão de umaforma de vida compartilhada intersubjetivamente, de situaçõesde interesses dados e de fins pragmaticamente escolhidos”. (p.191)Ele retoma essa ideia mais tarde no texto, com Bill Rehg. (p.339).

45 Idem, volume II, p.120.46 Idem, p.304. Mesmo assim, o autor alemão está consciente de

que: “as garantias dos direitos fundamentais não conseguemproteger por si mesmas a esfera pública e a sociedade civil contradeformações. Por isso, as estruturas comunicacionais da esferapública têm que ser mantidas intactas por uma sociedade desujeitos privados, viva e atuante”. Op. Cit., volume II, p.102.

47 HABERMAS, Jürgen. A constelação Pós-Nacional e o futuro da de-mocracia. In: HABERMAS, Jürgen. A constelação Pós-Nacional:ensaios políticos. SP: Littera Mundi, 2001, p.140.

48 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume I, Op.cit., p.305. Por esta razão é que a Teoria doDiscurso em Habermas “introduz a distinção entre questões éticase morais de maneira que a lógica das questões relativas à justiça

Page 76: Democracia Deliberativa

75Demarcações conceituais preliminares ...

passe a exigir a dinâmica de uma ampliação progressiva dohorizonte, e afirma nesse sentido uma precedência do que é justoem relação ao que é bom. A partir do horizonte de sua respectivaautocompreensão e compreensão de mundo, as diversas partesreferem-se a um ponto de vista moral pretensamente partilhado,que induz a uma descentralização sempre crescente das diversasperspectivas, sob as condições simétricas do discurso (e do apren-der-um-com-o-outro)”. (p.306).

49 Idem, p.310. Tal assertiva vai se fundar na premissa que o autortraz no segundo volume deste trabalho, ao dizer que: “possibilidadesde influência legitimamente reguladas, que repousam sobre umacordo suposto, autorizam a percepção de uma liberdade que seconstitui através da sociedade”. op. cit., Vol.II, p.52.

50 Idem, p.326. Em outras palavras, “os procedimentos que de inícioapenas criam um vínculo interno entre discurso e decisão nãoobtêm sua força legitimadora a partir da fonte cognitiva dediscursos em que se justificam os procedimentos, mas sim a partirde uma fonte volitiva precedente a todos os discursos, qual seja ada inclusão de todos os atingidos no procedimento” – pela viados sistemas jurídicos. (p.340).

51 FERRARA, Antonio. Democrazia e giustizia nelle società complesse.Roma: Donzelli, 2001, p.69.

52 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume I, Op.cit., p.50. Volta o autor ao mesmo temaquando assevera que: “O paradoxo do surgimento da legitimidadea partir da legalidade, portanto, só se dissipa quando a culturapolítica dos cidadãos os predispõe a não insistir em assumir umapostura de integrantes do mercado interessados em si mesmos evoltados ao sucesso, mas sim a também fazer um uso de suasliberdades que se volta ao acordo mútuo, no sentido kantiano deum uso público da razão”. (p.302). Ver também o texto HABERMAS,Jurgen. Further Reflections on the Public Sphere. In: CALHOUN,Craig (ed.). Habermas and the Public Sphere. Cambridge: TheMIT Press, 1991. Em termos de contra-ponto desta discussãover o texto de LACLAU, Ernesto and MOUFFE, Chantal. Hegemonyand Socialist Strategy. Towards a Radical Democratic Politics. London:Verso, 1985.

53 NIÑO, Carlos Santiago. La constitución de la democracia deliberativa.Op.cit., p.129.

54 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit., p.41.

55 GUTMANN, Amy; THOMPSON, Dennis F. Democracy andDisagreement. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2007, p.68.

56 Idem, vol. I, Op.cit., p.215. Mais adiante reitera o autor: “A regrada maioria, segundo a qual questões específicas são decididas

Page 77: Democracia Deliberativa

76 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

em tribunais colegiados, em parlamentos ou órgãos de autonomiaadministrativa, constitui um bom exemplo para um aspectoimportante de uma regulamentação jurídica de processos dedeliberação. (p.223). Mais tarde, no volume II do mesmo trabalho,o autor alemão refere que o núcleo do sistema político é formadopelos seguintes complexos institucionais, já conhecidos: aadministração (incluindo o governo), o judiciário e a formaçãodemocrática da opinião e da vontade (incluindo corporações par-lamentares, eleições políticas, concorrência entre os partidos,etc.).... O complexo parlamentar é o que se encontra mais abertoà percepção e a tematização dos problemas sociais”. (p.87).

57 WALZER, Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE, DenilsonLuis; MELO, Rúrion Soares. A democracia deliberativa. São Paulo:Editora Singular, Esfera Pública, 2007, p.303. Lembraacertadamente o autor que: “os partidos concordam em definir asdiferenças entre eles, e a definição exata depende de um testede força prévio. O programa de ação governamental, numademocracia, é freqüentemente o resultado de um processo denegociação desse tipo , em vez de resultar de um processodeliberativo”.

58 HABERMAS, Jürgen. Era das Transições. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 2003, especialmente a partir da p.153 e seguintes,quando vai discutir a questão do Estado Democrático de Direito.Lembra o autor que “uma das partes insiste no fato de que aautonomia privada dos cidadãos, que é inalterável em sua naturezae garantida pelo poder anônimo das leis, assume forma nosdireitos fundamentais. Na interpretação da outra parte, porém, aautonomia política dos cidadãos incorpora-se na auto-organiza-ção de uma comunidade que cria as suas próprias leis”.

59 Idem. Essa abordagem fora feita classicamente por CONSTANT,Benjamin. The Liberty of the Ancients Compared with that of theModerns. In: Politics Writings. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 1988. pp. 314-32l.

60 Idem, p.155. É a mesma perspectiva que dá GONZALES, JoséMaria. Política Cívica: la esperiencia de la ciudadania em lademocracia liberal. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales,2001. Neste texto pode-se ver claramente a ideia de que “bajo lascondiciones de la igualdad de derechos y la participación em losrecursos de la comunidad los ciudadanos podían, en efecto,reconocerse amigos del Estado”. Op.cit., p.43

61 Ou seja, “as decisões impositivas, para serem legítimas, têm queser reguladas por fluxos comunicacionais que partem da periferiae atravessam as comportas dos procedimentos próprios do Estadode Direito, antes de passar pela porta de entrada do complexoparlamentar ou dos tribunais (e às vezes antes de voltar pelocaminho da administração implementadora). Somente então épossível evitar que o poder do complexo administrativo ou o poder

Page 78: Democracia Deliberativa

77Demarcações conceituais preliminares ...

social das estruturas intermediárias que têm influência no núcleocentral se tornem independentes em relação ao podercomunicativo que se forma no complexo parlamentar”.HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade evalidade. Volume II, Op.cit., p.89.

62 Em especial no texto TEUBNER, Gunther. O direito como sistemaautopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.

63 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume I, Op.cit., p.82. Ver também o texto de ROSATI,Murilo. Consenso e razionalità giuridica. Roma: Armando, 2000.

64 Idem, p.87. Igualmente no vol.II, da mesma obra, p.89,evidenciando o autor as características do que chama de novomodo de operar da gestão dos interesses públicos centrada naideia de problematização: “Nos casos em que a percepção dosproblemas e as próprias problemáticas são transformadas pelosconflitos, cresce a atenção e se desencadeiam controvérsias naesfera pública, envolvendo aspectos normativos dos problemas,que favorece a regulação da circulação do poder através do Esta-do de Direito, atualizando, portanto, sensibilidades em relaçãoàs responsabilidades políticas reguladas juridicamente”.

65 Ver o texto de HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico:estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p.70e seguintes.

66 LEWANSKI, Rodolfo. La democrazia deliberativa: nuovi orizzontiper la política. Op.cit., p.81. Ver também nesta direção o texto deSTILGOE, Jonh. Nanodialogues. Experiments in public engagementwith science. London: Demos, 2007, e o texto de KNIGHT, Jackand JOHNSON, James. What Sort of Equality Does DeliberativeDemocracy Require?. In: BOHMAN, James and REHG, William.Deliberative Democracy: Essays on Reason and Politics. Cambridge,MA: MIT Press, 1997, p.35/71. 1997: 279-320

67 PARSONS, Talcon. The System of Modern Societies. New York:Englewood Cliffs, 1971.

68 Idem, p.41.69 GROSSO, Enrico. Cittadinanza e vita democratica dell’Unione tra

democrazia rappresentativa e democrazia partecipativa.. InLUCARELLI, Alberto (a cura di). Quaderni della Rassegna di DirittoPubblico Europeo, vol I. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane,2008, p.105.

70 Como quer ZIZEK, Slavoy. Enjoy Your Symptom. London: Routledge,1992. Na mesma direção que Zizek, vai MOUFFE, Chantal.Deliberative Democracy or Agonistic Pluralism? Op.cit., p.37, comseu modelo de Democracia Agonística, afirmando que: “the factthat there can never be total emancipation but only partial ones.This means that the democratic society cannot be conceived any

Page 79: Democracia Deliberativa

78 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

more as a society that would have realized the dream of a perfectharmony or transparency. Its democratic character can only begiven by the fact that no limited social actor can attribute toherself the representation of the totality and claim in that wayto have the “mastery” of the foundation”. O problema é que, paraevitar de maneira democrática a guerra antropofágica de todosos possuidores da verdade sobre o que é bom para todos, é precisoestratégias de entendimentos civilizatórios, por mais precários econtingenciais que sejam.

71 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume I, Op.cit., p.346.

72 HABERMAS, Jürgen. A constelação Pós-Nacional e o futuro da demo-cracia. Op.cit., p.147. É interessante notar o argumento deCHESSA, Omar. La democrazia maggioritaria nell’interpretazionecostituzionale della forma di governo. In Rivista Diritto Pubblico,nº01, gennario-aprible/2004. Roma: Il Mulino, 2004, p.38: “Unadecisione «vincolante per tutti», in assenza di qualsiasi proceduradeliberativa, può essere considerata legittima soltanto se vieneapprovata dall’unanimità dei cittadini. Se tale decisione esprimeunicamente il consenso di una maggioranza – ed è questo il casopiù frequente nella sfera politica - è necessario, come «condizioneessenziale della sua legittimità», che questa sia il frutto di unadeliberazione alla quale tutti abbiano avuto la possibilità dipartecipare. Pertanto «la legittimità della decisione è il risultatodella deliberazione collettiva e non l’espressione della volontàgenerale».

73 HABERMAS, Jürgen.Três Modelos Normativos de Democracia.Op.cit.,p.277.

74 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume I, Op.cit. p.231. Na mesma direção Chantal Mouffe,sustentando que na Democracia Deliberativa é absolutamente im-portante “the distinction between “mere agreement” and “rationalconsensus.” This commands the values of the procedure, whichare impartiality and equality, openness (no one and no relevantinformation is excluded), lack of coercion, and unanimity”.MOUFFE, Chantal. Deliberative Democracy or Agonistic Pluralism?Op.cit., p.02.

75 Estas situações podem gerar o arrefecimento de fundamentalismosde esquerda e de direita. Chantal Mouffe lembra que “As testifiedby the increasing success of the extreme right in severalcountries, western societies are witnessing a growing disaffectionwith democratic institutions. Such a disaffection may have seriousconsequences for the future of democracy”. Idem, p.05.

76 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume I, Op.cit.301.

77 Idem, p.305.

Page 80: Democracia Deliberativa

79Demarcações conceituais preliminares ...

78 TYLER, Tom R. What is Procedural Justice? Criteria Used by Citizensto Assess the Fairness of Legal Procedures. In: Law and SocietyReview, vol.22:301. New York: Macmillan, 2008, p.55. Diztextualmente o autor que: “judicial institutions are viewed as“legitimate” when citizens believe they follow fair procedures;this finding holds true even if the citizen did not receive afavorable outcome”. Também é preciso dizer que há estudiososque sustentam não haver relação direta entre observância do sis-tema normativo e confiança no Poder Judiciário, como GIBSON,James L. and CALDEIRA, Gregory A. Citizens, Courts, andConfirmations: Positivity Theory and the Judgments of the AmericanPeople. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2009.

79 SCHERER, Nancy. Diversifying the Federal Bench: Is UniversalLegitimacy for the U.S. System Possible? In: NorthwsternUniversity Law Review, vol.20. Northwstern: NorthwsternUniversity Press, 2010, p.32/66. É curioso Scherer afirmar quenão há pesquisas sobre esta relação no âmbito das Cortes Estaduaisde Apelo, mas apenas nas Cortes Superiores.

80 Idem, p.109. Nas palavras de Habermas: “direitos de liberdade ede participação podem significar igualmente a renúncia privatistade um papel do cidadão, reduzindo-se então às relações que umcliente mantém com as administrações que tomam providências.Ou seja, a síndrome do privatismo da cidadania e o exercício dopapel de cidadão na linha dos interesses de clientes, tornam-setanto mais plausíveis quanto mais a economia e o Estado, que sãoinstitucionalizados através dos mesmos direitos, desenvolvem umsentido sistemático próprio, empurrando os cidadãos para o papelperiférico de meros membros da organização”.

81 LEWANSKI, Rodolfo. La democrazia deliberativa: nuovi orizzontiper la política. Op.cit., p.83. Deixa o autor muito claro, com oque concordo, que “Una visione repubblicana (nell’accezioneoriginaria di res publica) della democrazia si fonda invece sulpresupposto del diritto dei cittadini all’autogoverno. Si trattaquindi di riscoprire la democrazia, di «approfondirla», coinvolgendodirettamente i cittadini nella cosa pubblica. In questa prospettivanascono, nel Nord America e in alcuni Paesi europei, già a partiredagli anni ’70, una riflessione teorica e prassi concrete che vannosotto il nome di «democrazia deliberativa» o «inclusiva”.

82 Idem, p.89.83 DAHL, Robert Alan. Democracy and its Critics. New Haven: Yale

University Press, 1989, p.339.84 LEIGHNINGER, Matt. The Promise and Challenge of Neighborhood

Democracy: Lessons from the intersection of government andcommunity. Los Angeles: LA Editors, 2008, p.02.

85 BALDASSARRE, Antonio. Il retrobottega della democrazia. In RivistaLaboratorio Político, vol.78. Roma: Enaudi, 1982, p.96. Vai se

Page 81: Democracia Deliberativa

80 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

encontrar defesas arraigadas dos perigos da democraciadeliberativa em PETTIT, Paul. Depoliticising Democracy . InBOSSON, S. & MARTI, J. L. (eds.) Deliberative Democracy andits Discontents. Op.cit., p.93 e seguintes.

86 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume II, Op.cit.20.

87 LEWANSKI, Rodolfo. La democrazia deliberativa: nuovi orizzontiper la política. Op.cit., p.95.

88 BOBBIO, Luigi. Dilemmi della democrazia partecipativa. In:Democrazia e Diritto, Vol.4. Roma: Enaudi, 2006, p.11. Adverteainda o autor que: “Dialogo e deliberazione non sono scienzeesatte: come potrebbero esserlo se in gioco vi sono non numeri edati, ma persone, gruppi, preferenze, valori, opinioni, il tuttosotto l’insegna della diversità? È un campo in divenire, e qui stail suo fascino; è tutto da esplorare e inventare, con una buonadose di creatività e umiltà, procedendo per tentativi ed errori. Aricercare non sono solo e non tanto accademici, ma una pluralitàdi soggetti: amministratori, professionisti, e tanti semplicicittadini. Né è una strada priva di rischi; richiede coraggio elungimiranza — qualità rare nell’orizzonte politico attuale —, echiama in causa un diverso, nuovo tipo di rapporto tra cittadinie governanti. D’altra parte, non imboccarla potrebbe dimostrarsiancor più pericoloso. Per la democrazia tout court. (p.19).

89 ALLEGRETTI, Umberto. L’amministrazione dall’attuazionecostituzionale alla democrazia partecipativa. Roma: Giuffrè, 2009, p.28.

90 ROBBE, Ferdinand. La démocratie participative. Paris: L’Harmattan,2007, p.11.

91 Bobbio lembra alguns métodos já aplicados hoje para tal fim: “Inparticolare com riferimento al requisito dell ’effettivapartecipazione di tutti gli interessati, pensiamo ai criteri perselezionare gli interessati: il metodo della porta aperta, il metododel microcosmo riferito a tutti i punti di vista ovvero al campionecasuale, metodi misti. Con riferimento al requisito del caratteredeliberativo del processo decisionale, pensiamo al ruolo deisoggetti esterni rispetto alla deliberazione da assumere: animatori,accompagnatori, esperti, in qualche caso, addirittura, autoritàindipendenti”. BOBBIO, Luigi. Dilemmi della democraziapartecipativa. Op.cit., p.14.

92 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume II, Op.cit., p.43. O conjunto da obra de Dahl émuito interessante para este debate, em especial os textos: DAHL,Robert A. On Democracy. New Haven: Yale University Press, 2000;—. Democracy and its Critics. New Haven: Yale University Press,1989; —. How Democratic is the American Constitution? New Haven:Yale University Press, 2003; — A Preface to Democratic Theory.New Haven: Yale University Press, 2006; — Polyarchy: Participation

Page 82: Democracia Deliberativa

81Demarcações conceituais preliminares ...

and Opposition. New Haven: Yale University Press, 1991; —. OnPolitical Equality. New Haven: Yale University Press, 2007; —. APreface to Economic Democracy. New Haven: Yale University Press,1991.

93 Idem.94 In <http://www.encyclopedia.com/doc/1G1-154346396.html>,

acessado em 08/01/2010. Diz o texto: Citizens to PrioritizeInfrastructure Investments. NEW ORLEANS, Nov. 13/2006. /PRNewswire/ — The United New Orleans Plan (UNOP), with supportfrom the nonprofit AmericaSpeaks, will convene an unprecedentedfive-city Community Congress on Saturday, December 2. The meetingwill allow displaced New Orleans residents to help prioritize theinfrastructure investments needed to rebuild the city. The CommunityCongress will utilize interactive TV to link thousands of participantsattending events in New Orleans.

95 In <http://la.indymedia.org/news/2009/08/229915.php>,acessado em 08/01/2010.

96 In <http://www.icitizenforum.com/primary-links/resources/di-alogues-democracy/dialogues-democracy-life-liberty-and-pursuit-happiness>, acessado em 11/01/2010.

97 CROSBY, Ned. Healthy Democracy: Empowering a Clear andInformed Voice of the People. New York: Clarence Editors, 1977,p.69. Lembra também o autor que: “To these basic elements ofdeliberation—a verbally defensible resolution to a situation ofuncoordinated action—many deliberative theorists add anotherkey ingredient: that the defense must be based on grounds thatanyone could accept. If the reasons offered in deliberation aremeant to appeal to grounds anyone could accept, then it wouldbe problematic if the discussion were limited to only certainindividuals or if some participants did not have equal standingwith others. A claim that a reason can be accepted by anyonecannot be validated in a situation in which only certain personsare allowed to hear or discuss the claim. Finally, by implyingthat anyone could accept their reasons as reasons, deliberativediscussants also imply their sincerity in seeking to resolveconflict or find coordination exclusively through reason-giving.Deliberation does not involve coercion, strategic action,manipulation, unwillingness to listen to counterarguments, andunwillingness to accept better reasons”. (p.71).

98 Ver o texto de UTZIG, José Eduardo. Orçamento Participativo eperformance governamental. Versão modificada de uma parte de“paper” escrito no programa SPURS (Special Program for Urbanand Regional Studies) no MIT (Massachusetts Institute ofTechnology), Cambridge, Estados Unidos, no primeiro semestrede 1999, In <www.portoalegre.org.gov.br> , acessado em 15/05/2008.

Page 83: Democracia Deliberativa

82 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

99 FISHKIN, James. Debating Deliberative Democracy (Philosophy,Politics and Society). Boston: Blackwell Publishing, 2003. Ver maisinformações em <www.cdd.stanford.edu> . Ver outro texto im-portante nesta abordagem que é o de MANSBRIDGE, Jane, HARTZ-KARP, Janette, AMENGUAL, Matthew, and GASTIL, John Gastil.Norms of Deliberation: An Inductive Study. In: Journal of PublicDeliberation, Vol. 2, nº1, Article 7, <http://services.bepress.com/jpd/vol2/iss1/art7>, acessado em 28/02/2010.

100 FISHKIN, James. When the People Speak: Deliberative Democracyand Public Consultation. Oxford: Oxford University Press, 2009,p.52.

101 CROSBY, Ned. Healthy Democracy: Empowering a Clear andInformed Voice of the People. op. cit. Ver também os textos de:FISHKIN, James. The Voice of the People. New Haven, Conn.:Yale University Press, 2006; FISHKIN, James and LUSKIN, RobertC. The Quest for Deliberative Democracy. In: SAWARD, Michael(ed.). Democratic Innovation: Deliberation, Representation andAssociation. London: Routledge, 2000, p. 17-28.

102 CHAMBERS, Simone. Behind Closed Doors: Publicity, Secrecy, andthe Quality of Deliberation. In Journal of Political Philosophy 12:389-410. New York: Macmillan, 2004, p. 395. Em seguida aautora vai referir que “Deliberative theory has moved away froma consensus-centered teleology – contestation and indeed theagonistic side of democracy now have their place – and it ismore sensitive to pluralism”. Tenho ciência de que o conceito dedeliberação de Chambers é menos ortodoxo do que o de Habermas,eis que, em sua opinião – indo mais à direção de Chantal Mouffe-: “We can say that deliberation is debate and discussion aimedat producing reasonable, well-informed opinions in whichparticipants are willing to revise preferences in light ofdiscussion, new information, and claims made by fellowparticipants. Although consensus need not be the ultimate aimof deliberation, and participants are expected to pursue theirinterests, an overarching interest in the legitimacy of outcomes(understood as justification to all affected) ideally characterizesdeliberation”. (p.401).

103 TURNER, John. Social Influence. New York: Pacific Grove, Ca.:Brooks/Cole, 2000, p.39. A discussão por esse enfoque trabalhacom a lógica de que é preciso demarcar bem a comunidade deinterlocutores no debate político, assim como os critérios departicipação e deliberação, evitando assim cair em armadilhasideológicas, de manipulação e indução de posições nãoautônomas.

104 BOBBIO, Luigi. Dilemmi della democrazia partecipativa. Op.cit.,p.22.

Page 84: Democracia Deliberativa

83Demarcações conceituais preliminares ...

105 BIFULCO, Raffaele. Democrazia Deliberativa e DemocraziaPartecipativa. Op.cit., p.06. De forma muito interessante, lembrao autor que na base dessas discussões se encontram váriasmatrizes teóricas distintas sobre o próprio conceito de democracia,a saber: “Infatti il richiamo a ciascuna di queste forme dicomunicazione connota precise alternative teoriche allademocrazia deliberativa: da un lato, le teorie della democraziaeconomica, in cui il voto e l’aggregazione delle preferenze singolerappresentano le vie per la costruzione delle preferenze collettive(Schumpeter); dall’altro, le teorie della democrazia pluralistica,che enfatizzano il ruolo della negoziazione democratica e delcompromesso tra cittadini e gruppi di interesse (Dahl, Truman,Ely); da un altro ancora, le recenti teorie agonistiche dellademocrazia, che accentuano il ruolo del conflitto e della divisione(Mouffle)”.

106 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit.21. Avança o autor ainda dizendo que:“o fluxo comunicacional que serpeia entre formação pública davontade, decisões institucionalizadas e deliberações legislativas,garante a transformação do poder produzido comunicativamente,e da influência adquirida através da publicidade, em poder apli-cável administrativamente pelo caminho da legislação. (p.22).Por outro lado, o poder disponível administrativamente modificasua composição durante o tempo em que fica ligado a uma forma-ção democrática da opinião e vontade, a qual programa, de certaforma, o exercício do poder político”. (p.23).

107 HABERMAS, Jürgen.Três Modelos Normativos de Democracia.Op.cit., p.284, Grifo meu.

108 Conforme ROBBE, Ferdinand. Démocratie représentative etparticipation. In: ROBBE, Ferdinand (Org.). La démocratieparticipative. Paris: L’Harmattan, 2007, p.11.

109 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume I, Op.cit.368.

110 Idem, Volume II, p.38. Ver o texto de KADLEC, Alison andFRIEDMAN, Will. Deliberative Democracy and the Problem of Power.In Journal of Public Deliberation, Vol. 3, nº1, Article 8, 2009,<http://services.bepress.com/jpd/vol3/iss1/art8>, acessado em24/02/2010.

111 Idem, Volume II, p.78.112 RYFE, David M. Does Deliberative Democracy Work? In Annual

Review of Political Science, vol. 8: 49-71. New York: OxfordUniversity Press, 2005, p.54.

113 Idem. O autor reconhece de certa forma isso, na medida em quediz: “As fontes de participação em comunicações políticas sãogeralmente escassas, ou seja: o tempo do qual cada indivíduo

Page 85: Democracia Deliberativa

84 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

dispõe é exíguo; a atenção prestada aos temas, que têm a suaprópria história, é episódica; a disposição e a capacidade de darcontribuições próprias para esses temas é pouca; finalmente,existem enfoques oportunistas, afetos, preconceitos, etc., queprejudicam uma formação racional da vontade”. (p.54).

114 Idem, op. cit. p.56.115 SEGOVIA, Juan Fernando. Habermas y la democracia deliberativa:

una utopía tardomoderna. op. cit., p.54.116 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-

lidade. Volume II, Op.cit., p.60. No plano histórico, essescondutores podem ser populistas, assistencialistas, paternalistas,etc. Para além disso, eles vão formar plataformas de poder estáveisnas instâncias oficiais, desideologizadas e indenes dedogmatismos partidários, gestando com a tecnoburocracia deestado interesses muito mais corporativos do que públicos, denatureza econômica e/ou poliárquica.

117 Neste sentido ver LUHMANN, Niklas. Politische Theorie imWohlfahrtstaat. München: Universität München, 1981.

118 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume II, Op.cit., p.73. Aliás, lembra o autor que “a teoriados sistemas é incapaz de explicar como sistemas autopoieticamentefechados conseguem romper o círculo da regulação auto-referencialda autopoiesis e da auto-referência”. (p.79).

119 Idem, p.75.120 Neste sentido ver o trabalho de ELLIOTT, Anthony; TURNER,

Bryan S.. Profiles in Contemporary Social Theory. London: SAGEPublications Ltd., 2008, p.249 e seguintes. Diz Habermas que:“Por conseguinte, a visão neocorporativista de Wilke visa àconfiguração das relações entre sistemas parciais autônomos,interdependentes e capazes de ação, os quais não obedecem maisao primado de uma das partes, nem deduzem a racionalidade dosistema global da validade daquilo que é universal, mas daharmonização reflexiva do particular”. HABERMAS, Jürgen. Di-reito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II,Op.cit., p.75.

121 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit., p.77. Esse é o conceito que Wilke dá àideia de Direito Reflexivo a ser adotado em sociedades complexas,aduzindo Habermas que, a partir desse conceito,exemplificativamente, “o direito civil, concebido no espírito doindividualismo, deve ser estendido a atores coletivos e transpostodo contexto pessoal para o das relações do sistema. A proteçãojurídica fornece exemplos para os novos bens coletivos da socie-dade de alto risco: a proteção contra a destruição do meio ambiente,contra a contaminação atômica ou a modificação letal da herança

Page 86: Democracia Deliberativa

85Demarcações conceituais preliminares ...

genética e, em geral, a proteção contra os efeitos colaterais e nãocontrolados que podem ser causados por grandes instalaçõestécnicas, produtos farmacêuticos, experimentos científicos”. Veja-se que Habermas está já falando disso (que no Brasil pode-sechamar de direito civil constitucional) no ano de 1989, já queesta passagem não foi alterada pelas edições posteriores –notadamente a de 1992, que conta com um posfácio importante.

122 HOLZINGER, Katharina. Bargaining Through Arguing: An EmpiricalAnalysis Based on Speech Act Theory. In Political Communication21: 195-222. New York: Macmillan, 2004. Aduz a autora aindaque “The notion that people can develop their ethical and socialthinking is similar to the view that deliberation can transformpeople in personally and socially beneficial ways”.

123 MEAD, George Herbert. Mind, Self, and Society: From the Standpointof a Social Behaviorist. Chicago: The University of Chicago Press,2001, p.38.

124 ROSENBERG, Shawn W. The Not So Common Sense: Differencesin How People Judge Social and Political Life. New Haven, CT:Yale University Press, 2008, p.27.

125 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit., p.69.

126 BESSETTE, Joseph M. The Mild Voice of Reason: DeliberativeDemocracy and American National Government. Chicago:University of Chicago Press, 2004, p.116. Ver também: COHEN,Joshua. Deliberation and Democratic Legitimacy. In Alan P. Hamlinand Phillip Pettit eds. The Good Polity. Oxford: Blackwell, 1989;COHEN, Joshua and ROGERS, Joel. Power and Reason. In ArchonFung and Eric Wright eds. Deepening Democracy. London: Verso,2003.

127 COHEN, Joshua. Procedimento e Substância na DemocraciaDeliberativa. In: WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares.A democracia deliberativa. São Paulo: Editora Singular, EsferaPública, 2007, p.117. Ver na mesma direção outro texto do autorchamado COHEN, Joshua. Democracia y Libertad. In: ELSTER,John (Org.). La Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa, 2001.

128 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit., p.69.

129 PARSONS, Talcott. The Structure of Social Action, Vol. 1: Marshall,Pareto, Durkheim. New York: Macmillann Publishing Co. Inc.,1968, p.39.

130 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit., p.95. Lembra Habermas que “ainfluência alimenta-se da fonte do entendimento, porém se apoianum adiamento de confiança em possibilidades de convencimentoainda não testadas”.

Page 87: Democracia Deliberativa

86 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

131 FASSÓ, Guido. Historia della Filosofia. op. cit., p.84. Agrega oautor que: “In quel contesto il fatto che alcuni fossero in possessodi conoscenze o di capacità oratorie che altri non possedevanocostituiva una fonte di potere e quindi un fattore che alimentavail germe della disuguaglianza. Il dibattito pubblico tendeva inoltrea suscitare e a rafforzare le passioni competitive - come il bisognodi distinguersi e il desiderio di una «reputazione preferenziale»”.

132 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit., p.71. Ver um execelente contrapontodestas idéias em GBIKPI, Bernard. Dalla teoria della democraziapartecipativa a quella deliberativa: quali possibili continuità? In RivistaStato e mercatoQuadrimestrale di analisi dei meccanismi e delle istituzionisociali, politiche ed economiche. Nº01, aprile, 2005. Roma: IlMulino, 2005.

133 É esta a opinião de ALEEN, Anita § REGAN, Milton C. DebatingDemocracy’s Discontent. Essays on American Politics, Law and PublicPhilosophie. Oxford: Oxford University Press, 1998, no sentidode que, geralmente, “rational choice agents interact with othersnot to determine the best collective goals of the community butinstead to horse-trade to best achieve their predeterminedpreferences, which are often assumed to be self-interested”.(p.61). Habermas tem plena ciência disto, conforme aborda o temano HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade evalidade. Volume II, Op.cit., p.106. Ver igualmente o texto deDAHL, Robert A. Decision-Makin in a Democracy: the Supreme Courtas a national policy-maker. In Role of Supreme Court Symposium.Vol. I. New York: New York University Press, 2001, p.21.

134 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e vali-dade. Volume II, Op.cit., p.83. Agrega ainda o autor que: “quandoos processos de sintonia entre o Estado e os atores sociais tornam-se independentes em relação à esfera pública política e à formaçãoda vontade parlamentar, resultam prejuízos, tanto do ponto de vistada legitimação, como do conhecimento. Sob ambos os pontos devista, recomenda-se que a base ampliada do saber de uma admi-nistração reguladora assuma feições de uma política deliberativa,que se caracteriza pelo debate público entre especialistas econtraespecialistas, controlado pela opinião pública.” (p.84).

135 BARBER, Benjamin R. Strong Democracy. op. cit. p.39. Ver nestadireção o texto de JOHNSON, John. Argumentos en favor de ladeliberación. In: ELSTER, John (Org.). La Democracia Deliberativa.Barcelona: Gedisa, 2001, p.219 e seguintes.

136 Idem, p.73. Ver também o texto de DRYZEK, John S. DiscursiveDemocracy: Politics, Policy, and Political Science. London:Cambridge University Press, 2008.

137 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. op.cit., p.286.

Page 88: Democracia Deliberativa

87Demarcações conceituais preliminares ...

138 Tenho ciência de que recentes pesquisas no campo da psicologiasocial, como quer , “a great deal of recent empirical research onmoral psychology suggests that we often do not know why wemake the moral judgments and choices that we do, that they arefrequently motivated by emotions, and that many justificationsof our moral choices are post hoc rationalizations. This researchshows that moral perception and judgment are driven by a varietyof extremely complex factors and cannot be reduced to impartialassessments of arguments or abstract reasoning”. Ocorre que aindacreio ser os processos racionais e controláveis publicamente osque dão maiores condições de reconhecimento legítimo da validadede pretensões e interesses poderem ser universalizáveis de for-ma estável contingencialmente.

139 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, Op.cit.,p.91. É neste ponto que Habermas vailembrar que esfera pública deve ser compreendida, primeiro, comofenômeno social; ao depois, como uma “rede adequada àcomunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nelaos fluxos de comunicação são filtrados e sintetizados, a ponto dese condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temasespecíficos”. Por fim, como uma “estrutura comunicacional doagir orientado pelo entendimento”, tendo a ver mais com o espaçosocial do que com funções ou conteúdos da comunicação cotidiana.(p.92).

140 SPRAGENS, Thomas. Reason and Democracy. Durham, NC: DukeUniversity Press, 2001, p.79.

141 Ver a instigante reflexão que neste sentido fazem KNIGHT, Jack;JOHNSON, James. Agregação e deliberação: sobre a possibilidadeda legitimidade democrática. In: WERLE, Denilson Luis; MELO,Rúrion Soares. A democracia deliberativa. São Paulo: EditoraSingular, Esfera Pública, 2007, p.265.

142 Idem, p.94. Habermas igualmente reconhece isto no textoHABERMAS, Jürgen. A constelação Pós-Nacional e o futuro da de-mocracia. Op.cit., p.142, quando lembra que falta à cultura políticada sociedade mundial uma dimensão ética e política comum, aqual seria necesária para a formação de uma comunidade e umaidentidade global. Agregaria à tese do autor que isso também seaplica, conforme o referido, à própria sociedade civil dos EstadosNacionais.

143 Idem, p.105. Isso não significa que somente pelas viasinstitucionais se possa veicular pretensões legítimas a seremobservadas por todos, as esferas de participação não institucionalganham cada vez mais força em todos os recantos do Ocidente,gerando empoderamento social e mesmo maturação política dosenvolvidos.

144 SEGOVIA, Juan Fernando. Habermas y la democracia deliberativa:una utopía tardomoderna. op. cit., p.16.

Page 89: Democracia Deliberativa

88 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

145 LEIGHNINGER, Matt. The Promise and Challenge of NeighborhoodDemocracy: Lessons from the intersection of government andcommunity. Op.cit., p.91. O autor faz boa análise do debateacadêmico desta matéria, afirmando que: “Some scholars arguethat most citizens prefer to “monitor” rather than participate ingovernment (HIBBING and THEISS-MORSE, 2002; SCHUDSON,1998). Others argue that the issue is more structural thanindividual: communities have not built citizen structures withthe capacity to entice more civic participation (cf. FUNG, 2004;PUTNAM, 2000). Citizens wish to participate, this argument goes,but the costs of doing so are still too high, and its benefits tooindirect, for it to happen easily or routinely”.

146 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Volume II, op. cit., p.117.

147 Diz o autor: “Às vezes é necessário o apoio de ações espetaculares,de protestos em massa e de longas campanhas para que os temasconsigam ser escolhidos e tratados formalmente, atingindo onúcleo do sistema político e superando os programas cautelososdos velhos partidos”. (op. cit., p.117).

148 Idem. Ver o aprofundamento desta discussão no texto CASPARY,William R. On Dewey, Habermas and Deliberative Democracy. InJournal of Public Deliberation, Vol. 4, nº1, Article 10, 2009,<http://services.bepress.com/jpd/vol4/iss1/art10>, acessadoem 28/02/2010.

149 Neste sentido ver o texto de GUTMANN, Amy and THOMPSON,Dennis. Why Deliberative Democracy? Princeton, N.J.: PrincetonUniversity Press, 2007.

150 Idem, p.118. Comparte esta opinião Segovia, ao dizer que: “Comodice em Facticidad y Validez, en esta etapa de la modernidad quetransitamos, somos conscientes de su contingencia, por lo quedebemos valernos de una razón procedimental, esto es, de unarazón que se pone a prueba a sí misma, pues la crítica de la razónes obra de la razón misma”. SEGOVIA, Juan Fernando. Habermasy la democracia deliberativa: una utopía tardomoderna. Op.cit.,p.28.Na mesma direção ver o texto de ROSANVALLON, Pierro. La contro-democrazia. La democrazia nell’era della diffidenza. In RivistaRicherca di Storia Política. Vol.III, novembre/2006. Roma: IlMulino, 2006.

151 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo de legitimidadedemocrática. Op.cit., p.51.

152 HABERMAS, Jürgen.Três modelos normativos de democracia. op.cit., p.279.

Page 90: Democracia Deliberativa

89Demarcações conceituais preliminares ...

REFERÊNCIAS

ACCARINO, Bernardo. Rappresentanza. Bologna: Il Mulino,1999.

ALEEN, Anita; REGAN, Milton C. Debating Democracy’sDiscontent. Essays on American Politics, Law and PublicPhilosophie. Oxford: Oxford University Press, 1998.

ALLEGRETTI, Umberto. L’amministrazione dall’attuazionecostituzionale alla democrazia partecipativa. Roma: Giuffrè,2009.

ATRIPALDI, Valdo. Strutture di potere, democrazia epartecipazione. Napoli: Editoriale Scientifica, 1994.

BALDASSARRE, Antonio. Il retrobottega della democrazia.Rivista Laboratorio Político,Roma: Enaudi ,vol.78, 1982.

BARBER, Benjamin R. Strong Democracy: ParticipatoryPolitics for a New Age. Berkeley: University of CaliforniaPress, 2002.

BEHROUZI, Majid. The Idea of Democracy and Its Distortions:From Socrates to Cornel West . In Journal of PublicDeliberation, Vol. 4, nº1, Article 13, 2008, <http://services.bepress.com/jpd/vol4/iss1/art13>, acessado em25/02/2010.

BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo delegitimidade democrática. In: WERLE, Denílson Luis;MELO, Rúrion Soares. Democracia deliberativa. São Paulo:Singular,2007.

BESSETTE, Joseph M. The Mild Voice of Reason: DeliberativeDemocracy and American National Government. Chicago:University of Chicago Press, 2004.

BIFULCO, Raffaele. Democrazia Deliberativa e DemocraziaPartecipativa. In <www.astrid.eu>, acessado em 10/01/2010.

BOBBIO, Luigi. Dilemmi della democrazia partecipativa.

Page 91: Democracia Deliberativa

90 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Democrazia e Diritto, Vol.4. Roma: Enaudi, 2006.

BURKE, Edmund. Riflessioni sulla Rivoluzione in Francia.Roma: Ideazione, 1998.

CASPARY, William R. On Dewey, Habermas andDeliberative Democracy. Journal of Public Deliberation,Vol. 4, nº1, Article 10, 2009, <http://services.bepress.com/jpd/vol4/iss1/art10>, acessado em28/02/2010.

CHAMBERS, Simone. Behind Closed Doors: Publicity,Secrecy, and the Quality of Deliberation. Journal of PoliticalPhilosophy, 12: 389-410. New York: Macmillan, 2004.

CHESSA, Omar. La democrazia maggioritarianell’interpretazione costituzionale della forma di governo.Rivista Diritto Pubblico, n.1, gennario-aprible/2004. Roma:Il Mulino, 2004.

COHEN, Joshua. Deliberation and Democratic Legitimacy.In: Alan P. HAMLIN and Phillip PETTIT (Ed.). The Good Polity.Oxford: Blackwell, 1989.

—— and ROGERS, Joel. Power and Reason. In: ArchonFUNG and ERIC Wright eds. Deepening Democracy. London:Verso, 2003.

——. Procedimento e Substância na DemocraciaDeliberativa. In: WERLE, Denilson Luis; MELO, RúrionSoares. A democracia deliberativa. São Paulo: EditoraSingular, Esfera Pública, 2007.

CONSTANT, Benjamin. The Liberty of the AncientsCompared with that of the Moderns. In: Politics Writings.Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

CROSBY, Ned. Healthy Democracy: Empowering a Clear andInformed Voice of the People. New York: Clarence Editors,1977.

DAHL, Robert A. On Democracy. New Haven: Yale UniversityPress, 2000.

Page 92: Democracia Deliberativa

91Demarcações conceituais preliminares ...

———. Democracy and its Critics. New Haven: YaleUniversity Press, 1989.

———. How Democratic is the American Constitution? NewHaven: Yale University Press, 2003.

——— A Preface to Democratic Theory. New Haven: YaleUniversity Press, 2006.

——— Polyarchy: Participation and Opposition. New Haven:Yale University Press, 1991.

———. On Political Equality. New Haven: Yale UniversityPress, 2007.

———. Decision-Makin in a Democracy: the SupremeCourt as a national policy-maker. In: Role of Supreme CourtSymposium. Vol. I. New York: New York University Press,2001.

DOWNS, Anthony. An Economic Theory of Democracy.London: Maccmillan, 1997.

DRYZEK, John S. Discursive Democracy: Politics, Policy, andPolitical Science. London: Cambridge University Press,2008.

ELLIOTT, Anthony; TURNER, Bryan S.. Profiles inContemporary Social Theory. London: SAGE Publications Ltd.,2008.

ELSTER, Jon. O mercado e o fórum: três variações na teoriapolítica. In: WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares.A democracia deliberativa. São Paulo: Editora Singular,2007.

FASSÓ, Guido. Historia della Filosofia. Roma: Giuffrè, 2005.

FERRARA, Antonio. Democrazia e giustizia nelle societàcomplesse. Roma: Donzelli, 2001.

FISHKIN, James. Debating Deliberative Democracy(Philosophy, Politics and Society). Boston: BlackwellPublishing, 2003.

Page 93: Democracia Deliberativa

92 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

——. When the People Speak: Deliberative Democracy andPublic Consultation. Oxford: Oxford University Press, 2009.

——. The Voice of the People. New Haven, Conn.: YaleUniversity Press, 2006.

——. and LUSKIN, Robert C. The Quest for DeliberativeDemocracy. In: SAWARD, Michael (ed.). DemocraticInnovation: Deliberation, Representation and Association.London: Routledge, 2000.

FOLLESDAL, Anthony. The Value Added by Theories ofDeliberative Democracy. Where (not) to Look. In: BOSSON,S.; MARTÍ, J. L. (Eds.) Deliberative Democracy and itsDiscontents. Aldershot: Ashgate, 2006.

GAMBETTA, Diego. Claro!: ensayo sobre el machismodiscursivo. In:ELSTER, John (Comp.). La democraciadeliberativa. Barcelona: Gedisa, 2001.

GASTIL, John. By Popular Demand: RevitalizingRepresentative Democracy Through DeliberativeElections. Berkeley: University of California Press, 2006.

GBIKPI, Bernard. Dalla teoria della democraziapartecipativa a quella deliberativa: quali possibilicontinuità? Rivista Stato e mercato Quadrimestrale di analisidei meccanismi e delle istituzioni sociali, politiche edeconomiche, n.1, aprile, 2005. Roma: Il Mulino, 2005.

GIBSON, James L. and CALDEIRA, Gregory A. Citizens,Courts, and Confirmations: Positivity Theory and theJudgments of the American People. Princeton, NJ:Princeton University Press, 2009.

GONZALES, José Maria. Política Cívica: la esperiencia dela ciudadania em la democracia liberal. Madrid: Centro deEstúdios Constitucionales, 2001.

GROSSO, Enrico. Cittadinanza e vita democraticadell’Unione tra democrazia rappresentativa e democraziapartecipativa. In: LUCARELLI, Alberto (a cura di). Quaderni

Page 94: Democracia Deliberativa

93Demarcações conceituais preliminares ...

della Rassegna di Diritto Pubblico Europeo, vol. 1. Napoli:Edizioni Scientifiche Italiane, 2008.

GUTMANN, Amy; THOMPSON, Dennis F. Democracy andDisagreement. Cambridge, MA: Harvard University Press,2007.

—— Why Deliberative Democracy? Princeton, N.J.: PrincetonUniversity Press, 2007.

HABERMAS, Jürgen. A constelação Pós-Nacional e o futuroda democracia. In: HABERMAS, Jürgen. A constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001.

——. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo:Martins Fontes, 2005.

——. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol.I e II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

——. Era das transições. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,2003.

——. Further Reflections on the Public Sphere. In:CALHOUN, Craig (Ed.). Habermas and the Public Sphere.Cambridge: The MIT Press, 1991.

——. La reconstrucción del materialismo histórico. Madrid:Marcial Pons, 1981.

——. Los usos pragmáticos, éticos y morales de la razónpráctica. In:LIMA, Martín Herrera (Coord.). JürgenHabermas. Moralidad, ética y política. México: Taurus, 2004.

——. Pensamento Pós-Metafísico: estudos filosóficos. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 1990.

——. Reconciliación mediante el uso público de la razón.In:HABERMAS, Jürgen; RAWLS, Jonh. Debate sobre elliberalismo político. Barcelona: Ariel, 1998.

——. Teoria dell’agire comunicativo. Bologna: Il Mulino, 1986.

——. Una consideración genealógica acerca del contenido

Page 95: Democracia Deliberativa

94 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

congnitivo de la moral. In: HABERMAS, Jürgen. La inclusióndel otro. Barcelona: Ariel, 2000.

——.Três modelos normativos de democracia. In: A inclusãodo outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.

HOLZINGER, Katharina. Bargaining Through Arguing: AnEmpirical Analysis Based on Speech Act Theory. In: PoliticalCommunication, 21: 195-222, New York: Macmillan, 2004.

<http://la.indymedia.org/news/2009/08/229915.php>,acessado em 08/01/2010.

< h t t p : / / w w w . e n c y c l o p e d i a . c o m / d o c / 1 G 1 -154346396.html>, acessado em 08/01/2010.

<http://www.ici t izenforum.com/primary-l inks/resources/dialogues-democracy/dialogues-democracy-life-liberty-and-pursuit-happiness>, acessado em 11/01/2010.

KADLEC, Alison and FRIEDMAN, Will. DeliberativeDemocracy and the Problem of Power. In Journal of PublicDeliberation, vol. 3, n.1, Article 8, 2009, <http://services.bepress.com/jpd/vol3/iss1/art8>, acessado em24/02/2010.

KANT, Imanuel. La metafísica de las costumbres. Madrid:Tecnos, 1994.

KNIGHT, Jack and JOHNSON, James. What Sort ofEquality Does Deliberative Democracy Require?. In:BOHMAN, James and REHG, William. DeliberativeDemocracy: Essays on Reason and Politics. Cambridge, MA:MIT Press, 1997, pp.35/71.

——-. Agregação e deliberação: sobre a possibilidade dalegitimidade democrática. In: WERLE, Denilson Luis.MELO, Rúrion Soares. A democracia deliberativa. São Paulo:Editora Singular, Esfera Pública, 2007.

LACLAU, Ernesto and MOUFFE, Chantal. Hegemony and

Page 96: Democracia Deliberativa

95Demarcações conceituais preliminares ...

Socialist Strategy. Towards a Radical Democratic Politics.London: Verso, 1985.

LEAL, Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficaciaisdos Direitos Fundamentais Sociais: os desafios do PoderJudiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2009.

——. Hermenêutica e Direito. Santa Cruz do Sul: Edunisc,2001.

——. Jürgen Habermas. In: BARRETO, Vicente de Paula(Org.). Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro:Renovar, 2006.

LEIGHNINGER, Matt. The Promise and Challenge ofNeighborhood Democracy: Lessons from the intersection ofgovernment and community. Los Angeles: LA Editors, 2008.

——. The Next Form of Democracy. Nashville: VanderbiltUniversity Press, 2006.

LEWANSKI, Rodolfo. La democrazia deliberativa: nuoviorizzonti per la política. Roma: Giuffrè, 2008.

LUHMANN, Niklas. Politische Theorie im Wohlfahrtstaat.München: Universität München, 1981.

MANSBRIDGE, Jane. Beyond Adversary Democracy. NewYork: Basic Books, 2001.

———, HARTZ-KARP, Janette, AMENGUAL, Matthew, andGASTIL, John Gastil. Norms of Deliberation: An InductiveStudy. In: Journal of Public Deliberation, vol. 2, n.1, article 7,<http://services.bepress.com/jpd/vol2/iss1/art7>,acessado em 28/02/2010.

MEAD, George Herbert. Mind, Self, and Society: From theStandpoint of a Social Behaviorist. Chicago: The Universityof Chicago Press, 2001.

MOON, Donald. Critic, norm and utopia. New York: ColumbiaUiversity Press, 2004.

Page 97: Democracia Deliberativa

96 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

——-Constructing community: moral pluralism and tragicconflicts. Princeton: Princeton University Press, 2002.

MOUFFE, Chantal. Deliberative Democracy or AgonisticPluralism? In: BENHABIB, Seyla (ed.). Democracy andDifference. Princeton: Princeton University Press, 1966.

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil.São Paulo: Martins Fontes, 2008.

NIÑO, Carlos Santiago. La constitución de la democraciadeliberativa. Barcelona: Gedisa, 2003.

PARSONS, Talcon. The System of Modern Societies. New York:Englewood Cliffs, 1971.

——. The Structure of Social Action, vol. 1: Marshall, Pareto,Durkheim. New York: Macmillann Publishing Co. Inc., 1968.

ROBBE, Ferdinand. Démocratie représentative etparticipation. In: ROBBE, Ferdinand (Org.). La démocratieparticipative. Paris: L’Harmattan, 2007.

ROSANVALLON, Pierro. La contro-democrazia. Lademocrazia nell’era della diffidenza. In: Rivista Richerca diStoria Política, vol.3, nov.,2006. Roma: Il Mulino, 2006.

ROSATI, Murilo. Consenso e razionalità giuridica. Roma:Armando, 2000.

ROSENBERG, Shawn W. The Not So Common Sense:Differences in How People Judge Social and Political Life.New Haven, CT: Yale University Press, 2008.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Il Contratto Sociale. Milano:Einaudi, 2000.

RYFE, David M. The Next Form of Democracy. In: Journalof Public Deliberation, Vol. 3, nº1, Article 2, 2009, <http://services.bepress.com/jpd/vol3/iss1/art2>.

——. Does Deliberative Democracy Work? In: Annual Reviewof Political Science, vol. 8: 49-71. New York: Oxford UniversityPress, 2005.

Page 98: Democracia Deliberativa

97Demarcações conceituais preliminares ...

SARTORI, Giovanni. The Theory of Democracy Revisited. NewJersey: Chatham House Publishers, 1987.

SCHERER, Nancy. Diversifying the Federal Bench: IsUniversal Legitimacy for the U.S. System Possible? In:Northwstern University Law Review, vol.20. Northwstern:Northwstern University Press, 2010.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalism, Socialism, andDemocracy. New York: Allison Editors, 2008.

——. Can Capitalism Survive? Creative Destruction and theFuture of the Global Economy. New York: Allison Editors,2009.

SEGOVIA, Juan Fernando. Habermas y la democraciadeliberativa: una utopía tardomoderna. Madrid: MarcialPons, 2009.

STILGOE, Jonh. Nanodialogues. Experiments in publicengagement with science. London: Demos, 2007.

TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.

TURNER, John. Social Influence. New York: Pacific Grove,Ca.: Brooks/Cole, 2000.

TYLER, Tom R. What is Procedural Justice? Criteria Usedby Citizens to Assess the Fairness of Legal Procedures.In: Law and Society Review, vol.22:301. New York:Macmillan, 1988.

UTZIG, José Eduardo. Orçamento Participativo e performancegovernamental. Versão modificada de uma parte de “paper”escrito no programa SPURS (Special Program for Urban andRegional Studies) no MIT (Massachusetts Institute ofTechnology), Cambridge, Estados Unidos, no primeirosemestre de 1999, In <www.portoalegre.org.gov.br> ,acessado em 15/05/2008.

VIROLI, Maurizio. Jean–Jacques Rousseau e la teoria dellasocietà bene ordinata. Bologna: Il Mulino,2007.

Page 99: Democracia Deliberativa

98 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

WALZER, Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE,Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares. A democraciadeliberativa. São Paulo: Editora Singular, Esfera Pública,2007.

ZIZEK, Slavoy. Enjoy Your Symptom. London: Routledge,1992.

Page 100: Democracia Deliberativa

99A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

CAPÍTULO SEGUNDO:

A TEORIA PROCEDIMENTAL DA DEMOCRACIADELIBERATIVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES À

PROBLEMÁTICA DA LEGITIMIDADE JUDICIAL NASDECISÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS

Caroline Müller Bitencourt1

1 INTRODUÇÃO

Pelo fato da ciência jurídica ser uma ciênciaconstrutivista e não descritiva que necessitaconstantemente ser revisada e revisitada em seusparadigmas diante dos novos contextos que permeiam asociedade e fazem nascer novos anseios sociais, imperiosodiscutir as decisões sobre as questões fundamentais dasociedade, sobre as escolhas que envolvem e refletem paratodos em um Estado democrático.

O novo paradigma que a pós-modernidade apresentaé o da legitimidade, quem pode escolher e o porquê podeescolher, pois falar de políticas públicas é falar de escolhasante a complexidade das relações que se impõem. Por isso,a democracia deve ser tratada no interior das relaçõesentre Estado e sociedade, não como garantias dosresultados do procedimento democrático, mas como umagarantia da renovação crítica do exercício do poder, e, nestecaso em tela, do poder de decidir questões sobre políticaspúblicas sociais.

Frente à indeterminação do texto constitucionalsomente se pode pensar em Constituição em termos deuma Constituição interpretada , estes espaços dearticulação podem ser lidos a partir de uma perspectiva

Page 101: Democracia Deliberativa

100 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

procedimental, onde os lugares de participação são meiosde produção e de legitimação dos discursos, e em umacomunidade aberta aos intérpretes, capaz de buscar acontribuição de diversos atores sociais: cidadãos,associações, representações institucionalizadas, enfim,todos aqueles que serão atingidos por esse processo deinterpretaçã/aplicação.

Nesta esteira, o presente artigo tem por finalidadeelucidar o procedimento “ideal” para a tomada de decisão.Considerando-se que um juiz está inserido numasociedade altamente pluralista que alimenta diferentesexpectativas com relação ao próprio direito, não há comoa jurisdição constitucional fechar-se ante asmanifestações da esfera pública, que em nome doparadigma da legitimidade tem sido chamada a participardo processo de decisão, como é o caso das audiênciaspúblicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Também quer se identificar o que se poderia chamarde uma decisão correta, no sentido de que uma decisãotende a criar condições emancipatórias a partir de umaação comunicativa e não obstacularizar a realização dademocracia. Procurar-se-á então demonstrar a perspectivada resposta correta, entendida como aquela que preencheas condições ideais de fala e emancipação dos sujeitos.

2 A DECISÃO CORRETA E SEUS CRITÉRIOS SOB A ÓTICADA AÇÃO COMUNICATIVA

No chamado contexto da “pósmodernidade”2 , oconhecimento acerca dos conteúdos, conceitos, da próprialinguística apresenta-se de forma fragmentada,mostrando-se como mais um desafio: o de reconstruir ossignificados em conformidade com a realidade em que elesse apresentam. Para decidir nesse contexto, o intérprete

Page 102: Democracia Deliberativa

101A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

constitucional terá que desvelar ou construir uma sériede significados, inclusive, o significado que cidadão pós-moderno – complexo e fragmentado – possui acerca doconteúdo dos direitos fundamentais.

Apenas relembrando que o intérprete interpreta paraaplicar o direito e aplicar a um caso concreto. Essaaplicação se dá mediante a formulação dessa decisãojudicial. Pode-se afirmar que essa norma aplicada é“construída” pelo seu intérprete no decorrer do processode concretização do direito, inexistindo, dessa forma,interpretação sem concretização, ou seja, o conjunto detextos e enunciados normativos é apenas um ordenamentoem potência, um conjunto de possibilidades deinterpretação3 . Assim, ao aplicar o direito através de umadecisão, o juiz, que também está inserido na historicidadee comprometido com a ordem jurídica e com a tarefa depacificação dos conflitos, agregada à ideia de máximarealização dos direitos fundamentais e sociais deve decidirem benefício da coletividade, tendo em mente a unidadedo próprio sistema jurídico e a emancipação do sujeito.Logo, interpretar, concretizar em matéria de direitosfundamentais sociais cuja decisão envolve também umconteúdo moral, a norma produzida pelo juiz deve buscarrefletir as aspirações sociais:

Uma das dificuldades a enfrentar na formulaçãodessa distinção é o fato do pluralismo de valores econcepções de bem característicos das sociedadescontemporâneas. Como compatibilizar um igualrespeito por cada uma das distintas concepçõesde bens existentes no domínio privado com oconjunto particular de valores que deve serassociado às regras de deliberação pública, essasnecessariamente imparciais e equânimes quantoas preferências valorativas particulares?4 .

Page 103: Democracia Deliberativa

102 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Habermas apresenta, no início da obra, suapretensão de formulação de uma teoria do direito, capazde descrever a política como um processo que envolveformas de argumentação e de negociação. Ou seja, acriação correta, e, portanto, legítima do direito dependerádos processos e pressupostos da comunicação, em que arazão assume uma figura procedimental – ou seja, umacomunicação racional mediada pelo procedimento5 .Segundo ele, tal processo não necessita da cobertura deuma filosofia da história, pois está aparado pela premissasegundo a qual o modo de operar de um sistema político,constituído pelo Estado de Direito, não poderá ser descrito,ainda que somente em um nível empírico, sem que seconsidere a “dimensão de validade do direito e a forçalegitimadora da gênese democrática do direito”6 .

Estabelecido alguns parâmetros essenciais,certamente a missão de decidir e, consequentemente,fundamentar decisões que envolvem a concretização dedireitos fundamentais sociais e, portanto, que envolvempolíticas públicas nos moldes de uma teoria crítica, exigeum alto grau de maturação das ciências jurídicas e de seusoperadores, que busquem a complexidade como uma formade construir a unidade através de um modelo teórico queé construído a partir de uma ideia de uma dimensão devalidade, isto é “ideal”, “universal”, não no sentido de forada história (metafísico), mas sim sob a forma umaentificação mínima de uma construção capaz, construídacomunicativamente7 .

Ao analisar criticamente o modelo do juiz Hércules,Habermas busca elucidar o que ele entende como ser aresposta correta a ser produzida pelo poder judiciário,apresentando-se correta por considerar três dimensões, oumelhor, três perspectivas. Sendo assim, a resposta corretaé aquela que considera o paradigma do Estado democráticode direito, é aquele que considera os discursos de aplicaçãoe a que é considera a legitimidade em termos de abertura.

Page 104: Democracia Deliberativa

103A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

Com relação ao primeiro aspecto: ao analisar o deverde coerência do juiz Hércules de Dworkin, Habermasentende que uma postulada teoria do direito, quepossibilita decisões corretas, deve considerar que a decisãoà luz de uma norma superior significa que um sistema denormas válidas é esgotado quando considerada todas asimportantes circunstâncias; mas se este sistema seencontra em constante movimento, em constante mutaçãodiante do fato que situações preferenciais podem se alterarem conformidade com os novos fatores que surgem. Essatarefa tende a sobrecarregar a jurisdição na busca dessadecisão correta, motivo pelo qual, no lugar dos “ideais” dedecisão, devem entrar em cena os paradigmas, que contémdescrições generalizadas de situações de um determinadotipo, formando um pano de fundo contextual no qual asavaliações das situações e os correspondentes juízosmorais, em um primeiro momento, estão contidos8 .

Logo, uma decisão correta é a que considera oparadigma de fundo que envolve o intérprete da norma.Assim se está tratando de observar o paradigma do EstadoDemocrático de Direito:

Ora, é interessante constatar que o elemento capazde aumentar a segurança do direito e de atuar asexigências ideais que cercam a teoria do direito éo mais propenso a formação de ideologias. Osparadigmas se coagulam em ideologias, na medidaem que se fecham sistematicamente contra novasinterpretações das situações e contra outrasinterpretações dos direitos e dos princípios,necessárias à luz de novas experiências históricas.Paradigmas fechados que se estabilizam através demonopólios de interpretação, judicionalmenteinstitucionalizados, e que podem ser vistosinternamente, somente de acordo com medidas próprias,expõem-se além disso a uma objeção metódica, querecoloca em cena o ceticismo jurídico realista: aocontrário da exigida coerência ideal do direito vigente,

Page 105: Democracia Deliberativa

104 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

as interpretações dos casos coerentes permanecem emprincípio indeterminadas no interior de um paradigmafixo, pois elas concorrem com interpretações igualmentedo mesmo caso em paradigmas jurídicos alternativos.Isso já é uma razão suficiente para a compreensãoprocedimentalista do direito delineie um nível no qualos paradigmas jurídicos, agora reflexivos, se abramuns aos outros e se comprovem na pluralidade deinterpretações da situação9 . (grifo nosso)

O segundo pressuposto de uma decisão correta éidentificado pela lógica da teoria discursiva do direito10 ,dos discursos de aplicação, que analisa a aceitabilidadeou a validade racional dos juízes na aplicação do direito,sob a lógica da qualidade dos argumentos e da própriaestrutura do processo argumentativo, que, logicamente,se apoia na ideia de que a qualidade argumentativa nãose encontra apenas na dimensão lógico-semântica daconstrução dos argumentos e da ligação das proposições,mas considera a dimensão pragmática do processo defundamentação.

Assim, não se pode considerar uma teoria daverdade11 para apreciação da correção dos juízosnormativos, uma vez que a correção é entendida apenascomo aceitabilidade racional apoiada em argumentos.Então, se a validade de um juízo é definida com opreenchimento dessas condições de validade, a única formade análise das condições de preenchimento é através dateoria do discurso12 , pelo caminho de uma fundamentaçãoque acontece argumentativamente13.

Assim, o conceito amplo de uma racionalidadeprocedimental através de uma dimensão pragmática dedisputa, que se regula com o uso argumentos, possibilitaa complementação e atualiza o potencial de motivaçãoracional contidos nos bons argumentos. Logo, o princípiodo discurso promove um tipo de prática, que quandodesejamos nos convencer mutuamente, confiamos em uma

Page 106: Democracia Deliberativa

105A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

prática em que supomos que se aproxime de uma condiçãoideal de fala, em que exista igualdade entre seusparticipantes, ligando essa prática com a intenção doparticipante de conseguir o assentimento do auditóriouniversal, numa disputa não coercitiva em que osmelhores argumentos têm por base as melhoresinformações. Assim, explica o autor o que ocorre nosdiscursos de aplicação14. Vejamos o por que a respostacorreta deve considerar os discursos de aplicação:

Em discursos de aplicação as perspectivasparticulares dos participantes têm que manter,simultaneamente, o contato com a estruturageral de perspectivas que, durante os discursosde fundamentação, esteve atrás de normassupostas como válidas. Por isso, a interpretaçãodos casos singulares, que são feitas a luz deum sistema coerente de normas, dependem daforma comunicativa de um discurso constituídode tal maneira, do ponto de vista social-ontológico, que as perspectivas dosparticipantes e as perspectivas dos parceirosdo direito, representadas através de um juizimparcial, podem ser convertidas umas nasoutras. Essa circunstância explica também porque o conceito de coerência, utilizados parainterpretações construtivas, é alheio acaracterizações semânticas, apontando parapressupostos pragmáticos da argumentação15 .

Como já descrito pelo autor, se a correção dasdecisões judiciais mede-se pelo preenchimento dascondições comunicativas da argumentação, o discurso16

não pode manter-se fechado em seu universohermenêutico. É impossível ampliar a práticaargumentativa sem que se agregue novos argumentos,novos participantes para que abram o círculo dos

Page 107: Democracia Deliberativa

106 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

intérpretes e possibilitem a troca de argumentos para adecisão estar ancorada na comunicação pública dos seuscidadãos. A legitimidade no processo se mede pelo maiorauditório, quanto maior for abertura do processo, maiorserá sua legitimidade.

Segundo Queiroz, o poder judicial é entre os poderesdo Estado o poder que se encontra mais perto de ascendera uma compreensão “procedimental do direito”,descobrindo o significado dos valores constitucionais e, poroutro lado, encontra-se na prática limitado, ou algumasvezes constrangido pelo desejo, a ânsia de concretizar aconstituição. Logo, ele fica dividindo-se entre dois mundos:o ideal e o da prática, do valor público e o mundo daspreferências subjetivas, entre constituição e política. “Deriva a legitimidade de apenas um deles, mas encontra-se necessariamente a si próprio no outro”17 .

Quando se tem por base a teoria procedimental, alegitimidade das normas jurídicas será medida pelaracionalidade do processo democrático da legislaçãopolítica, uma vez que a legitimidade se mede pela correçãodos juízos morais, mas também, pela disponibilidade, aquestão da relevância, a produtividade da elaboração dasinformações bem como a pertinência e a escolha dainformação, pela autenticidade dos valores fortes, e aigualdade dos compromissos obtidos, dentre outros18 . Areferida legitimidade se dará, em termos de abertura, aparticipação do processo de tomada de decisão.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS E SEU PROCESSO DEFORMAÇÃO COMUNICATIVA COM IDEALEMANCIPATÓRIO

Pode-se dizer que o próprio conceito de políticapública19 é um conceito que é construído discursivamente

Page 108: Democracia Deliberativa

107A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

pelos atores sociais, na medida em que, a Constituiçãonão estabeleceu juridicamente um conceito de políticapública e sequer definiu exaustivamente um rol depolíticas públicas de ação governamental, e nem o poderiafazer, na medida em que uma política pública visajustamente atender uma necessidade a partir de umarealidade histórica, social e cultural dentro de um espaçode tempo.

Entende-se que análise de uma política pública nãopode ser feita de forma fragmentada e nem de modo a tomá-la isoladamente dos objetivos do Estado e da sociedade,uma vez que é a partir desses campos que as políticaspúblicas adquirem “vida”, como resultado da própria política,do exercício do dever Estatal, e somente podem sercompreendidas à luz das instituições e dos processospolíticos que estão diretamente ligados com os interessessociais.

Assim é que se assistiu ao debate sobre o deverestatal e o dever da sociedade civil, em diferentes medidas,com a prestação de direitos sociais, ou seja, com o deverde formular e concretizar políticas públicas sociais.

De todo modo, a política pública é um dos modos peloqual os cidadãos atuam sobre si mesmos. O que caracterizaa política pública é uma certa organização de ações notempo. Isso significa que uma política pública envolve umou mais objetivos, órgãos para tanto, atos de planejamentoe execução, tudo isso dentro de uma janela de tempo quenão pode ser instantânea, mas sim com uma certaregularidade:

“que as condições para a formação política racionalda vontade não devem ser procuradas apenas emnível individual das motivações e decisões dosatores isolados, mas também no nível social dosprocessos institucionalizados de formação deopinião e deliberação. Estes podem ser

Page 109: Democracia Deliberativa

108 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

considerados como arranjos que influenciam aspreferências dos participantes, pois elesselecionam os temas, as contribuições, asinformações, de tal modo que somente os que sãoválidos conseguem atravessar, em caso ideal, osfiltros das negociações equitativas e os discursosracionais, assumindo importância para a tomadadas decisões (...) Os resultados da políticasdeliberativa podem ser entendidos como um poderproduzido comunicativamente, o qual concorre como potencial de poder de através que tem condiçõesde fazer ameaças, e com o poder administrativoque se encontra nas mãos de funcionários.20”

O processo de constituição, formulação de umapolítica pública pode ser descrito como um processo denegociação, de troca e de concessão, processos estes quepodem se realizar de forma imediata, como podem serlentos, e recorrentes, seja através de trocas de favores, devotos, de apoio político para ações futuras. O tipo de açõesdependerá dos atores políticos envolvidos e daspossibilidades e oportunidades propiciadas pelo ambienteinstitucional. Diga-se que também a credibilidade e acapacidade de garantir o cumprimento das promessas eacordos futuros serão definidores para que os atorespolíticos se engajem ou não em determinadas ações21 .

Esse, por sua vez, é abstrato, sem que ninguém possadefini-lo, senão em termos que nada acrescentem. Oproblema do interesse público e do interesse geral é a suaincognoscibilidade, a priori. Isto é, não se nega que possaser identificado um interesse público. O problema é a suaidentificação antes de um procedimento democrático desua definição e identificação.

Note-se que o conceito de política pública deveencontrar respaldo em uma “ação conjunta”, no sentidode que não se pode delegar a difícil tarefa de formulaçãodas prioridades em um único gestor, como se o mesmo

Page 110: Democracia Deliberativa

109A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

tivesse o dom de solipsisticamente compreender o“interesse público”. Por isso, entende-se que as políticaspúbicas devem ser um espaço de constante interlocução,de formulação conjunta através de uma ação comunicativaque envolve e privilegia o maior número de atores,buscando uma construção comunicativa da coletividadevoltada ao interesse público.

Nesse sentido, a própria construção da ideia deinteresse público necessita de uma ação coletiva entre osdiversos setores e atores sociais, tornando o processo deformulação de uma política pública um verdadeiro espaçopara a deliberação entre a ação estatal e sociedade civil,onde as trocas entre ações, interesses e prioridadesdeverão se dar em uma esfera acessível a todos osinteressados, que poderão atuar como interlocutores dessaação. É deste debate aberto, com argumentos voltados aointeresse público, que leve em conta o maior número depossibilidades, que deve pensar a formulação de uma “boapolítica pública”. No debate público, os argumentosindividuais tendem a não ser expostos por seu caráterparcial, ou, se expostos, tendem a ser refutados pelo público.

Assim, o procedimento ideal para a formulação deuma política pública, deve atender aos critérios de umaboa ação comunicativa. Um procedimento que se pretendeinclusivo na pluralidade regula-se, a partir do princípio dodiscurso, por uma ideia de que: a) os procedimentos sãoargumentativos, inclusivos e públicos; b)há necessidadede não coação externas, internas, ou seja, igual chancede contribuição; c) a possibilidade de revisitar as opiniões,mas, por outro lado, concluídas, de modo a possibilitar aação pelo Direito; d) contribuições não estão circunscritas;e, f) as deliberações políticas permitem as contribuiçõesvariadas.22

Habermas acredita que esse público “fraco” (nosentido de opiniões multifacetadas) que é o sujeito daopinião pública, realiza a formação dessa opinião através

Page 111: Democracia Deliberativa

110 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

de uma rede pública e inclusive de esferas públicassubculturais, que são fluidas e sobrepõem-se umas asoutras nas fronteiras reais, temporais e sociais. Sendoque a estrutura pluralista da esfera pública se forma comoalgo espontâneo, e é justamente através da esfera públicaque organizam os fluxos comunicacionais, formando umcomplexo que não se deixa organizar completamente. Noentanto, tem a vantagem de ser um meio de comunicaçãoilimitado, no qual se tem a possibilidade de captar novosproblemas, conduzir discursos de autoentendimento (queocorre em locais determinados) e conduzir de forma maislivre as identidades coletivas e as interpretaçõesnecessárias. Diga-se que para desenvolver o potencial deum pluralismo cultural, numa sociedade secularizada queaprendeu enfrentar de forma consciente sua complexidade,a comunicação desses conflitos dá origem à única fontede solidariedade entre estranhos, que trabalhamcooperativamente para a convivência, sem abandonar odireito de permanecerem estranhos entre si23 .

A elaboração de políticas públicas é uma tarefacomplexa. Levar até o fim uma determinada“reforma política” é um processo que envolve muitosatores ao longo de várias fases do processo deformulação de políticas públicas. A tarefa requerações específicas de parte dos agentes econômicose sociais e, portanto, exige diversas formas decooperação, além de expectativas positivas quantoa durabilidade e a outros aspectos da política. Ouseja, para que seus resultados sejam eficazes, aspolíticas públicas requerem muito mais do que ummomento mágico na política que gere “a políticapública correta”. Não existe uma lista universalde políticas públicas “corretas”. As políticas sãorespostas contingente à situação de um país. Oque pode funcionar em um dado momento dahistória, em um determinado país, pode não darcerto em outro lugar, ou no mesmo lugar em outromomento24 .

Page 112: Democracia Deliberativa

111A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

Desconcentrar a tomada das grandes decisões emtermos de interesse público nas mãos de um único agente,partido ou ideologia, é realizar um dos preceitosfundamentais do sistema republicano e federalista: adesconcentração de poder, da tomada de decisão. Logo, umúnico agente ou partido é mais manipulável, vulnerável ainteresses privatizados, não públicos, que beneficiem aspartes e não o todo. Não se está a dizer que a própria esferapública não pode ser manipulável, ou melhor, poderá até oser, mas não em seu todo.

As opiniões na esfera pública até podem sermanipuladas, mas não obtidas através do uso da força, dacoerção. Portanto, antes de ser dominada por atores sociaisque agem estrategicamente, a esfera pública tem que poderreproduzir-se a partir de si mesma, buscando configurar-se como uma estrutura autônoma. Não pode tambémdeixar de se formar a partir de contextos das pessoasvirtualmente atingidas, porque o público que lhe deve darsuporte também está na totalidade das pessoas privadas –uma vez que também são atingidos e influenciados atravésde interações cotidianas (por exemplo, pelo aparelho doEstado), pois estas opiniões ao entrarem na esfera públicatambém tornam-se passíveis ao debate e a tomada deopiniões25 .

Sob esse aspecto, alerta-se que a liderança funcionalfacilita a cooperação e as transações intertemporais quemelhoram a qualidade da política pública. Em verdade, énos momentos de maiores tensões que se aprecia melhoro valor da liderança, especialmente nos momentos demudança. Para que exerçam influência e poder, de modoa conter tensões em épocas de crise, os líderes funcionaisprecisam direcionar a mudança para a renovação dosquadros institucionais. No entanto, em uma democracia,raramente se pode atribuir a liderança funcional a umasó pessoa26 .

Page 113: Democracia Deliberativa

112 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Indiscutivelmente, o conceito de democracia estáassociado a uma pluralidade de líderes que atuam comocatalisadores dos processos deliberativos, que ocorrem umuma esfera “não institucionalizada” que permitem aspolíticas e as instituições a adaptar-se às solicitações deuma sociedade aberta. Esse, talvez, é um dos maioresdesafios que se lançam aos líderes políticos, que consisteem articular princípios políticos e técnicos para produzirpolíticas públicas de alta qualidade27 .

No tocante ao conceito de sociedade civil, não se podedizer que é o mesmo nem com relação à esfera pública,sequer com a esfera privada:

A sociedade civil compõe-se de movimentos,organizações e associações, os quais captam osecos dos problemas sociais que ressoam nasesferas privadas, condensam-nos e os transmitem,a seguir, para a esfera pública política. O núcleoda sociedade civil forma uma espécie de associaçãoque institucionaliza os discursos capazes desolucionar problemas, transformando-os emquestões de interesse geral no quadro de esferaspúblicas28 .

Acerca das condições de associação, explicaHabermas que não constituem o elemento mais evidentede uma esfera pública, que vias de regra é dominada pelosmeios de comunicação de massa, pelas instituiçõesencarregadas de opinião pública, pelas grandes agências,bem como o trabalho da publicidade e de propaganda dospartidos e organizações políticas. Ainda assim, por maisque haja uma manipulação da opinião pública, a mesmajamais poderá ser “comprada” em face de sua totalidade29 .

Nessa seara é que se vê o processo de formação deuma política pública como uma ação conjunta, em que osatores debatem na construção das prioridades em termos

Page 114: Democracia Deliberativa

113A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

de “uma boa política pública”, e os líderes assumem ogrande papel de transformar as prioridades públicas emverdadeiras ações concretas voltadas ao benefício dacoletividade. Sob esse aspecto, vê-se a participação daesfera pública apenas no debate no tocante à formulação,à escolha de uma ou outra política.

As estruturas de comunicações da esfera públicaestão muito ligadas ao domínio da vida privada, fazendocom a periferia, ou seja, a sociedade civil possui umasensibilidade maior aos novos problemas, conseguindocaptá-los e identificá-los antes mesmo do que o centro dapolítica. “Não é o aparelho do Estado, nem as grandesorganizações ou sistemas funcionais da sociedade quetomam a iniciativa de levantar esses problemas. Quem oslança são os intelectuais, pessoas envolvidas, profissionaisradicais, “advogados” autoproclamados”. Partindo dessaperiferia, os temas dão entradas em revistas e associaçõesinteressadas, clubes, academias, universidades, etc., ondese encontram tribunas, iniciativas de cidadãos e outrostipos de plataforma; em vários casos transformam-se emnúcleo de cristalização de movimentos sociais e de novassubculturas30 .

Assim, tem-se um conceito de cidadania voltado àparticipação e à ação social. Pode-se atribuir essasmudanças ao própria conceito de cidadania, que desde adécada de 1980 tem ocupado o centro do pensamento sociale político brasileiro, e sua relevância está no modo comovem intervindo no debate público sob os agudos níveis deexclusão social e política no país. O conceito de cidadaniaem sua noção retalhada pela passagem da formaautoritária de governo para uma democracia ampliada,somado à tragédia do processo neoliberal em curso, quevisa a desregulamentação do público estatal da economiade mercado, cujo funcionamento se vê cada vez mais livredas limitações públicas. Todos esses acontecimentoslevaram a uma noção de cidadania que pode-se dizer estar

Page 115: Democracia Deliberativa

114 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

“ intimamente relacionada com a importância dasdistinções analíticas claras entre espaço público einteresse privado, como base para a compreensão críticado aprofundamento da exclusão social e política”31 .

4A LEGITIMIDADE DA DECISÃO POR FORÇA DAPARTICIPAÇÃO: COMO A DELIBERAÇÃO AJUDA NAESCOLHA CORRETA EM TERMOS DE DIREITO SOBREPOLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS

Uma vez identificada a necessidade de comunicaçãopara o direito ser coerente com o discurso jurídico e arealização de políticas públicas sociais que também é, porsua vez, um conceito construído discursivamente, acomunicação tende a atender os pressupostosdemocráticos como forma de legitimação, ou seja, umprocedimento democrático tem a função de produção deuma decisão mais legítima em termos sociais. Isso, pois,as ações sociais são interações a partir das quais há umuso da linguagem em um pano de fundo comum32 .

Para el modelo comunicativo de acción el lenguajesolo es relevante desde el punto de vistapragmático de que los hablantes, al hacer uso deoraciones orientándose al entendimiento, contraenrelaciones con el mundo, y ello no sólodirectamente, como en la acción teleológica, en laacción regida por normas o en la accióndramatúrgica, sino de un modo reflexivo33 .

Por tal motivo, pode-se dizer que o conceito de açãocomunicativa retroliga-se com o conceito de racionalidadediscursiva, motivo pelo qual pressupõem-se que, para umaação comunicativa através do uso da linguagem, os atoresque interagem sejam capazes de se posicionar frente àspretensões de validade apresentadas pelos outros atores.

Page 116: Democracia Deliberativa

115A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

Na ação comunicativa cada interlocutor suscitauma pretensão de validade quando se refere a fatos,normas e vivências, e existe uma expectativa queseu interlocutor possa, se assim o quiser,contestar essa pretensão de validade de umamaneira fundada (begründet), isto é, comargumentos. É nisso que consiste a racionalidadepara Habermas: não uma faculdade abstrata,inerente ao indivíduo isolado, mas umprocedimento argumentativo pelo qual dois ou maissujeitos se põem de acordo sobre questõesrelacionadas com a verdade, a justiça e aautenticidade. Tanto no diálogo cotidiano como nodiscurso, todas as verdades anteriormenteconsideradas válidas e inabaláveis podem serquestionadas; todas as normas e valores vigentestêm de ser justificados; todas as relações sociaissão consideradas resultado de uma negociação naqual se busca o consenso e se respeita areciprocidade, fundados no melhor argumento34 .

O ideal de legitimidade democrática é aquela queatenda os pressupostos desta ação comunicativa, ou seja,a autorização para exercer o poder estatal necessitaemergir das decisões coletivas dos integrantes dessasociedade que dialogam entre si, pois serão diretamenteafetados pelo exercício daquele poder, por isso,necessariamente, tende haver a interlocução.

Ainda, com referência ao caráter institucional dademocracia, a legitimidade surge das deliberações, dasdiscussões e decisões dos seus membros, especialmentequando são formuladas e manifestadas por meio deinstituições sociais e políticas que reconheçam erespeitem a autoridade coletiva dos seus membros.35 Hátrês elementos essenciais da democracia deliberativa, navisão de Ralws:

O primeiro consiste numa ideia de razão pública,ainda que nem todas as ideias sejam a mesmas. Osegundo diz respeito a um quadro de instituições

Page 117: Democracia Deliberativa

116 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

democráticas constitucionais que especifica ocenário que atuarão os corpos legislativosdeliberativos. O terceiro consiste no conhecimentoe no desejo por parte dos cidadãos de seguir a razãopública e realizar seu ideal em sua conduta política.(...) A deliberação pública tem que se fazer possível,reconhecida como uma característica básica dademocracia, e libertar-se do concurso do mercado.De outra forma, a política permanece dominada porinteresses corporativos, que por meio de largascontribuições para campanhas distorcem ou mesmoexcluem a discussão pública e a deliberação. 36

Para Cohen, uma concepção deliberativa dademocracia pressupõe um pluralismo razoável, mais umaconcepção substantiva da democracia. Ainda hoje, oconceito de liberdade é muito mais ampliativo do querestritivo (ex: fazer tudo aquilo que a lei não proíbe), umconceito muito mais negativo do que positivo. O conceitoque hoje necessitamos ter de liberdade moderna é umconceito muito mais focado na razão pública do que narazão privada, em face da complexidade das relaçõessociais que se apresentam. Assim, “a democracia écomumente pensada para ser o modo segundo o qualdevemos decidir como nossos valores políticos têm de serordenados, e não simplesmente um valor político a sercombinado com os outros37 .

Através do diálogo, a grande função de democracia éjustamente transformar os interesses38 a partir doprocesso democrático: “ (…) aspiro a justificar la democraciaen términos de su poder para transformar los interesesde la gente de un modo moralmente aceptable”.39 . Paratanto, a doutrina de Niño defende uma concepção dialógicada democracia:

“La teoría que defiendo es una concepción dialógica.Mientas algunas visiones de este tipo conservanla separación entre política y moral, mi concepción

Page 118: Democracia Deliberativa

117A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

visualiza estas dos esferas como interconectadasy ubica el valor a la democracia en la moralizaciónde las preferencias d ellas personas. Desde mipunto de vista el valor de la democracia reside ensu naturaleza epistémica con respecto a lamoralidad social. Sostengo que una vez hechosciertos reparos, se podría decir que la democraciaes el procedimiento más confiable para poderacceder al conocimiento de los principiosmorales”.40

Ocorre que as sociedades democráticas se encontramcom o desafio central de assegurar três bens públicos: 1) alegitimidade; 2) o bem-estar econômico; 3) sentimentoviável de identidade coletiva; sendo que esses bensapresentam-se numa relação complexa uns com os outros,uma vez que a realização de um pode exigir de certa formao sacrifício do outro, ou apenas podem entrar em conflito.A preocupação central refere-se à realização do bem dalegitimidade, concebida como o resultado de umadeliberação livre e não constrangida de todos em torno dasquestões de preocupação comum41 .

De acordo com o modelo deliberativo de democracia,para alcançar a legitimidade e a racionalidade nosprocessos de tomada de decisão coletiva em umacomunidade política, a condição necessária é quesuas instituições estejam de tal forma arranjadas,de modo que o que é considerado do interessecomum de todos resulte dos processos dedeliberação coletiva conduzidos de modo raciona eequitativo entre indivíduos livres e iguais42 .

Obviamente que na realidade prática, se osindivíduos tomam uma decisão que concerne à sociedade,nunca poderão dispor de todas As informações necessárias.Certamente eles possuem alguma informação que éfragmentada e incompleta, agravada pelo fato que devem

Page 119: Democracia Deliberativa

118 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

chegar a decisão em um tempo limitado, o que, na verdade,prejudica a busca da informação completa. Diante dadeliberação coletiva e individual, a informação que noinício apresenta-se incompleta, com a deliberação torna-se firme, ainda que incompleta. Vale lembrar que diantea complexidade que se mostra na vida social atualmente,jamais a informação poderia estar completa nadeliberação43.

O procedimento deliberativo ideal é um modelo parainstituições de tomada de decisão coletiva; não éuma situação inicial onde os agentes idealizadosdefinem princípios para instituições justas dasociedade. As instituições democráticas reais sãojustificadas na medida em que se assemelham ouse aproximam do procedimento deliberativo ideal44 .

Segundo o modelo deliberativo, os procedimentos dedeliberação geram a legitimidade, bem como asseguramalgum grau de racionalidade prática. Mas quais seriamas pretensões de racionalidade prática desses processos?Pode-se dizer que existem três motivos pelos quais oprocesso deliberativo é essencial para as tomadas dedecisão coletiva: 1) esses processos são processos quecomunicam informações, são elas: 2) ninguém poderáprever ou antecipar a variedade das questões éticas epolíticas que serão debatidas por cada indivíduo; 3) nenhumindivíduo é capaz de concentrar toda a informação para atomada de decisão que afeta a todos os indivíduos45 .

Ainda, sobre a concepção de democracia deliberativa,a autora acredita ser importante adicionar três concepçõesadicionais: 1) o desafio para a racionalidade democráticaé alcançar formulações aceitáveis do bem comum, apesarde inevitável pluralismo de valores; 2) o modelo dedemocracia deliberativa não assume somente como pontode partida o conflito de valores, mas também o conflito de

Page 120: Democracia Deliberativa

119A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

interesses da vida social – os procedimentos democráticostêm de convencer que as condições de cooperação mútuasão mais legítimas, mesmo em condições em que osinteresses próprios de um indivíduo ou de um grupo sãoafetados de modo negativo; 3) qualquer modeloprocedimentalista de democracia deliberativa é maisaberto ao argumento de que nenhuma sociedade modernapode organizar suas questões acreditando na ficção deuma assembleia de massas realizando, ao mesmo tempo,todos as suas deliberações em coletividade46 .

Interessa aqui apontar uma breve discussão acercado critério da maioria e a questão do próprio consenso nateoria procedimental da democracia deliberativa, ou seja,como decidir quando não há consenso, ou ainda, se podese decidir apenas com o critério da maioria. Levando-seem consideração que a natureza do conceito deunanimidade é puramente conceitual, a unanimidadecomo resultado de algo é uma síntese constitutiva, que,por sua vez, é diferente de suas partes constitutivas

Quando se propõe basear o critério de legitimidadepolítica na unanimidade, não se pode rechaçar o modelocom base no fato, que, a priori, parece ser irracional antea individualidade dos sujeitos envolvidos. Assim como opoder político e as regras promulgadas por este não podemter outra base legítima que não seja a vontade dessesindivíduos iguais, pois serão destinadas e geramobrigatoriedade a todos os membros da comunidade.Portanto, as regras podem ser legítimas apenas quandoengendradas pela vontade de todos e representando avontade de todos, no entanto, para ser realista e dar contada pluralidade de demandas, pode-se dizer que “essaunanimidade não é exigida para cada decisão individual,mas antes para os princípios e regras a partir dos quaisderivam as decisões particulares” 47 .

Page 121: Democracia Deliberativa

120 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Na esfera política, é a unanimidade que provê osprincípios da legitimidade. Contudo, a maioria dasteorias democráticas não diz respeito apenas alegitimidade, mas também está ligada a eficiência.Dessa forma, podem introduzir um princípio datomada de decisão mais realista do que o daunanimidade, a saber, o princípio da maioria.Todavia, os meios de que dispõe para reconciliar oprincípio da tomada de decisão (pela maioria) como princípio da legitimidade (unanimidade) sublimammais fortemente a exigência pela unanimidade emsua concepção do que em qualquer pensamentopolítico baseado no individualismo.

Por mais que venhamos a ter esclarecimentos sobreas demandas públicas, ainda assim não podemos terconsensos – nesse momento, é que entra em cena atécnica da decisão majoritária que vai ter que construirseus próprios argumentos a partir de irreconciliáveisinteresses em debate. Assim: “Por esta razão, em geral,nem mesmo um procedimento deliberativo ideal produziráconsenso. Mesmo se há divergência, e a decisão é feitapela regra da maioria, os participantes podem recorrer aconsiderações que são, de modo geral, reconhecidas comotendo peso considerável”48. Logo: “A ideia principal é a deque a concepção deliberativa exige mais do que atribuiruma consideração igual dos interesses dos outros;demanda, também, que encontremos razões aceitáveispoliticamente – razões que são aceitáveis para os outros,dando o pano de fundo de diferenças de convicçõesprudentes - princípio da inclusão deliberativa”49 .

A teoria da democracia deliberativa não querestabelecer medidas, mas sim princípios regulativos paraavaliar, gerar lógicas das práticas democráticas.

Os modelos procedimentos de racionalidade sãoindeterminados. Entretanto, o modelo discursivo

Page 122: Democracia Deliberativa

121A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

adota algumas precauções contra seus própriosabusos e maus usos, pois a condição dereflexibilidade embutida no modelo possibilita queos abusos e maus usos no primeiro nível sejamconfrontados num segundo nível, o metanível dodiscurso. Do mesmo modo, a chance igual de todosos implicados iniciarem tal discurso de deliberaçãosugere que nenhum resultado é prima facie fixado,mas pode ser revisado e sujeito a reavaliação. Nissoreside a justificação normativa da regra da maioriaenquanto procedimento de decisão derivado dessemodelo: em várias instâncias a regra da maioria é ummodelo justo e racional, não porque a legitimidadereside no número, mas sim porque quando uma maioriaestá convencida de que a alternativa A é a coisa certa ase fazer, com base em razões formuladas tãoprecisamente quanto possível, como o resultado de umprocesso de deliberação discursiva, então essaconclusão pode permanecer válida e até ser mudada,com boas razões, por algum outro grupo50 . (grifo nosso).

Essa concepção de democracia não justifica apenasa soberania da maioria. Há certas ações que a maioriadeve ser obrigada a fazer, como, por exemplo, não excluirninguém do direito ao voto, de alguém a participar doprocesso de deliberação, ainda, não pode suprimir asliberdades fundamentais necessárias para o exercícioefetivo desses direitos, como a liberdade de consciência,de opinião, de fala e de associação. Diga-se igualmente,que a maioria também não pode eliminar as diversidadesdas soluções propostas Conclui-se no sentido de que ateoria da democracia deliberativa não oferece, nem podeoferecer, um método perfeito para a tomada de decisão maisrazoável, mas esse processo torna a realização deresultados razoáveis mais prováveis, especialmente seconsiderarmos o tempo e o efeito educativo de um processode constante deliberação51 .

Contudo, o processo de formação de uma políticapública que se dá comunicativamente também pode ser

Page 123: Democracia Deliberativa

122 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

pensado em termos de formação da decisão judicialresponsável pela implementação ou não em sede judicial,pois se o conceito de democracia e de pragmática do EstadoDemocrático do direito traz intrínseca a proteção, garantiae concretização de direitos fundamentais, há que se pensarna contribuição da democracia deliberativa também naesfera institucionalizada da tomada de decisões por partedo poder judiciário, bem como a abertura desse poder aosargumentos trazidos pela esfera pública através de diversosatores sociais. Isso quer dizer que não pode o poderjudiciário quando decide em termos de políticas públicas,ignorar as preferências, opiniões e interesses comuns eopostos que existem na esfera pública, pois, como vistoanteriormente, uma boa política pública é aquela que seforma na esfera pública através da deliberação entre ossujeitos e as instituições.

Leal, analisando o pensamento de Harbermas notocante os limites da ação do poder judiciário nademocracia contemporânea, ensina que as CortesConstitucionais enquanto intérpretes da Constituiçãodevem se ocupar de procedimentos e de normas deorganização das relações sociais, pois estas vão efetivar alegitimidade do processo democrático. Nesta senda, nãopode desconsiderar a importância da democraciarepresentativa e da sua maturação política racional, capazde oportunizar uma cidadania ativa e corresponsável nagestão dos interesses públicos, das escolhas públicas; porisso que o problema de cumprimento ou não das normasconstitucionais não é um problema exclusivamentejurídico, mas um problema político, cultural, econômico,e, por isso, não pode se fechar ao debate público,democrático52 .

É possível ampliar as condições concretas daintegridade, da coerência do direito a partir dosmecanismos de reflexão do agir comunicativo, da práticaargumentativa e da troca que um participante é capaz de

Page 124: Democracia Deliberativa

123A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

travar com o outro, mas para isso faz-se necessário atenderaos ideais feitos à teoria do direito no ideal político de umasociedade aberta dos intérpretes da Constituição,ampliando o rol dos atores integrantes do processo deinterpretação, ao invés de ficar restrito aos ideaissolipsistas de um juiz singular. A pré-compreendão doparadigma do direito só é capaz de colocar limites noprocesso de decisão que se inicia se este for compartilhadosubjetivamente por todos os parceiros do direito que seexpressam para uma autocompreensão constitutiva dasociedade. Também é válida tal premissa com relação àteoria procedimental do direito, que conta com aconcorrência discursivamente regulada de diferentesparadigmas. “O juiz singular tem que conceber suainterpretação construtiva como um empreendimentocomum, sustentado pela comunicação pública dos seuscidadãos”53 .

Logo, uma atuação, uma decisão judicial nos termosde uma teoria da interpretação de uma sociedade que seapresenta fechada, reduz o espaço para a interpretação,pois ficará apenas no âmbito do poder judiciário e nosprocedimentos formalizados. Necessita-se de uma teoriaque considere a Constituição, bem como a realidadeConstitucional, e que, para tanto, necessita daincorporação das ciências sociais e das teorias jurídico-funcionais e de métodos hermenêuticos, ainda, a aberturado círculo de seus intérpretes que despertem o interessee sejam voltados precisamente ao entendimento doscidadãos, na realização do bem-estar de todos54 . Oentendimento que a interpretação da Constituição deveser a mais aberta possível, não devendo restringir-se noâmbito da jurisdição, exsurge do fato de que, segundo oautor, a Constituição é um produto cultural, de nossavivência em sociedade, e, portanto, em um constanteprocesso de mutação que tende a acompanhar as novasânsias e expectativas.

Page 125: Democracia Deliberativa

124 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Habermas refuta uma objeção à teoria discursiva:

Parece que as limitações específicas, que atingemo agir forense das práticas ante o tribunal, nãopermitem que o evento do processo seja medidopelo discurso racional. As partes não estãoobrigadas à busca cooperativa da verdade, uma quetambém podem perseguir seu interesse numasolução favorável do processo “introduzindoestrategicamente argumentos capazes deconsenso”. Contra isso é possível objetar, comgrande plausibilidade, que todos os participantesdo processo, por mais diferentes que sejam osseus motivos, fornecem contribuições para umdiscurso, o qual serve, na perspectiva do juiz, para aformação imparcial do juízo. Somente essaperspectiva é constitutiva para a fundamentaçãoda decisão55 .

Assim, ao buscar a definição da legitimidade dajurisprudência constitucional, o autor explica que oprocesso na visão republicana da política lembra o “ nexointerno entre o sistema de direitos e a autonomia doscidadãos”, por isso, tomando-se essa premissa, o TribunalConstitucional precisa utilizar os meios disponíveis noâmbito de sua competência para que o processo denormatização jurídica se realize nas condições da políticadeliberativa, que lhe dá legitimidade. Por tudo isso, estáinterligada a pressupostos comunicativos nas arenaspolíticas que não podem estar limitados à formação davontade institucionalizada a órgãos parlamentares, masdeve estender-se a toda esfera pública, bem como ao seucontexto social e cultural, assim: “ Nessa limitaçãoclássica contra a tirania das forças sociais, que pecamcontra o princípio da separação entre Estado e sociedade,o republicanismo renovado também entende o papel dotribunal constitucional como guardião da democraciadeliberativa”56.

Page 126: Democracia Deliberativa

125A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

(...) uma interpretação apoiada numa teoria dodiscurso insiste em afirmar que a formaçãodemocrática da vontade não tira sua forçalegitimadora da convergência preliminar deconvicções éticas consuetudinárias, e sim depressupostos comunicativos e procedimentos, osquais permitem que, durante o processodeliberativo venham à tona os melhoresargumentos. A teoria do discurso rompe com aconcepção ética da autonomia do cidadão; por isso,ela não precisa reservar o modo da políticadeliberativa a um estado de exceção. E um tribunalconstitucional que se deixa conduzir por umacompreensão constitucional procedimental nãoprecisa deixar descoberto seu crédito paralegitimação, podendo movimentar-se no interiordas suas competências da aplicação do direito –claramente determinadas na lógica daargumentação – quando o processo democrático queele deve proteger, não é descrito como um estadode exceção57 .

Por todo exposto, é que a teoria procedimental dademocracia, baseada na ação comunicativa, podecontribuir para a decisão “correta” por parte da jurisdição,na medida em que a abertura do processo de interpretaçãovolta-se para a deliberação pública, a troca de argumentose informação permitem maior legitimidade das decisões,que pressupõem uma maior aceitação social por estadecisão refletir, de certa forma, aos argumentos trazidospara a esfera institucionalizada, levando a uma produçãomais legítima do próprio direito.

Legitimidade esta que se dá pela troca discursiva,que amplia o leque de informações trazidas à esfera judiciale que permite abrir o horizonte interpretativo dos juízesao aplicarem o direito, especialmente, em conteúdos queenvolvem interesses sociais e coletivos, como é o caso daspolíticas públicas sociais.

Page 127: Democracia Deliberativa

126 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se demonstrar, nesse breve ensaio, que oprocesso de formação de uma política pública que se dácomunicativamente, também pode ser pensado em termosde formação da decisão judicial, propiciado com a aberturade espaços no processo de decisão judicial para o debate, ainterlocução, a ação comunicativa, a deliberação quepermite a troca de informações e amplia os horizontesinterpretativos do juiz para a tomada de decisão, como é ocaso das audiências públicas ocorridas no SupremoTribunal Federal.

Logo, se a pragmática do Estado Democrático do direitotraz intrínseca a proteção, garantia e concretização dedireitos fundamentais sociais, há que se pensar nacontribuição da democracia deliberativa também na esferainstitucionalizada da tomada de decisões por parte do poderjudiciário, justamente porque quando decide em termosde políticas públicas, em nome da legitimidade de suadecisão, o poder judiciário não deve ignorar aspreferências, opiniões e interesses comuns e opostos queexistem na esfera pública, pois, como visto anteriormente,uma boa política pública é aquela que se forma na esferapública através da deliberação entre os sujeitos e asinstituições.

É possível sim ampliar as condições concretas daintegridade, da coerência do direito a partir dosmecanismos de reflexão do agir comunicativo. É precisocompreender as inúmeras vantagens e contribuições quea teoria procedimental da democracia deliberativa agregapara a decisão correta, ou seja, aquela que toma como panode fundo o paradigma do Estado democrático de direito, queatende aos critérios dos discursos de aplicação e élegitima, em termos de procedimento democrático.

Page 128: Democracia Deliberativa

127A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

NOTAS

1 Doutoranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.Mestre em Direito. Especialista em Direito Público. Professorada graduação e pós-graduação da Universidade de Santa Cruz doSul. Integrante do grupo de pesquisa Jurisdição ConstitucionalAberta, vinculado ao CNPq. Advogada.

2 Por pós-modernidade, entende-se como o momento em que decerta feita o homem está ameaçado em sua capacidade de produzirsignificações, como um tipo de degradação simbólica, capaz deprovocar um verdadeiro vazio existencial, fruto da indiferença aserviço do lucro, da tecnologia que nos distancia dos demaisindivíduos apresentando-se como uma expressão da verdade,tornando a “sensibilidade humana informatizada”. Em um primeiromomento, caso não ocorra um processo transformador da realidade,acredita-se que na pós- modernidade não existirá acesso a realidadea partir do eu. WARAT. Luis Alberto. Introdução geral ao direitoIII.O Direito não estudado pela teoria jurídica moderna. SérgioAntônio Fabris: Porto Alegre, 1997, p.33-35.

3 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.30-1.

4 BOEIRA, Nelson. Sobre as deliberações em questões de moralidadepública (coleção filosofia).19.., p.54.

5 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.09.

6 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.09.

7 HABERMAS. Jürgen. A ética da discussão e a questão da verdade.Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fonte,2004, p. 31.

8 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.274-75.

9 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.275-76.

10 Para Leal: “Ratificando a crença nas teorias contratualistas defundamentação do poder político e mesmo da noção de sociedadedecorrentes daí, Habermas vai além, porque a partir de uma viradalinguística e em uma Teoria do Discurso, constrói o que se podechamar de um novo fundamento para o poder político e seuexercício institucional e social, qual seja, o entendimentodeontológico da condição de cidadania e sujeito de direito. Emoutras palavras, o modelo de discurso/ação deliberativo nademocracia refunda a noção de contrato social, no sentido de

Page 129: Democracia Deliberativa

128 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

conceber a comunidade regulada normativamente como constituídanão pela forma do contrato jurídico avençado entre seus pares ecriador do Estado, mas constituída pelo processo discursivo/ativoda construção de consensos fundada em valoresconstitucionalmente compartilhados”. LEAL, Rogério Gesta. OEstado-juiz na democracia contemporânea – uma perspectivaprocedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.64.

11 A “verdade”de proposições descritivas significa que os estados decoisas enunciados “existem”, enquanto as “correções”dasproposições normativas refletem o caráter obrigatório dos modosde agir prescritos (ou proibidos). Kant pretende fazer justiça aesse saber epistêmico e saber prático distinguindo, relativamentea faculdade de conhecer e desejar, uso teórico de um uso práticoda razão. Embora a razão teórica seja produtiva em um sentidotranscendental, a razão prática tem uma força “legisladora” numoutro sentido, num sentido construtivo, como podemos dizer comRawls. A pressuposta unidade de um mundo, espontaneamentegerado, de objetos da experiência possível unifica a multiplicidadede conhecimentos empíricos, enquanto o “reino dos fins” projetadopela razão prática indica a maneira como os sujeitos agentes devem,pela autodeterminação inteligente de sua vontade, gerar ouconstruir um mundo de relações interpessoais bem –ordenadas –“uma república universal segundo as leis da virtude”.HABERMAS,Jürgen. Verdade e justificação. Tradução de Milton Camargo Mota.São Paulo: Loyola, 2004, p. 269-70.

12 Assim, mais uma ponto crucial ao debate proposto é a distinçãoapresentada por Günther acerca dos discursos de fundamentaçãoe aplicação. Diz que: “Para a fundamentação é relevanteexclusivamente a própria norma, independentemente de suaaplicação em cada uma das situações. Importa se é do interessede todos que cada um observe a regra, visto que uma normarepresenta o interesse comum de todos e não depende de suaaplicação, mas dos motivos que conseguimos apresentar para queela tenha de ser observada por todos como uma regra. Emcontraposição, para a sua aplicação cada uma das situações érelevante, não importando se a observância geral tambémcontempla o interesse de todos. Em vista de todas ascircunstâncias especiais, o fundamental e se e como a regra teriade ser observada em determinada situação. Na aplicação devemosadotar, “como se estivéssemos naquela situação”, a pretensão danorma de ser observada por todos em toda situação (isto é, comouma regra), e confrontá-la com cada uma de suas características.GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral:justificação e aplicação. São Paulo: Landy, 2004, p.69-70.

13 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.281-82.

Page 130: Democracia Deliberativa

129A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

14 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.283-84.

15 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 284-85.

16 Assim, a teoria do discurso na perspectiva habermasiana, atribuiao processo democrático, por um lado, maior conotação normativaque o modelo liberal e mais fraco que o modelo republicano,compondo em um modelo novo. Isso, pois, em considerando alinha do republicanismo, a teoria do discurso coloca-se no centrodo processo político de formação da opinião e vontade pública –sem, com isso, entender a constituição do Estado de direito comoalgo secundário. Dessa forma, a política deliberativa não dependede uma cidadania que seja capaz de agir coletivamente, mas sim,da institucionalização dos processos correspondentes e dospressupostos comunicacionais - bem como, do jogo entre asdeliberações institucionalizadas e das opiniões públicas que seconstituirão de modo informal. Nesse aspecto, entende-se que ateoria do discurso conta com os processos de intersubetividadesituado em nível superior realizáveis através do procedimentodemocrátcio ou na rede de comunicação de esferas públicas, queocorrem dentro e fora dos complexos parlamentares e de suascorporações – implicando na imagem de uma sociedadedescentralizada. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entrefaticidade e validade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003,p.21-2.

17 QUEIROZ, Cristina. Interpretação constitucional e poder judicial.Coimbra: Coimbra, 2000, p. 323.

18 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 284-85.

19 Pode-se entender política pública como um “caminho do fazerestatal”, isto é, o modo de operar do Estado. Esta produção depolítica pública visa principalmente analisar o modo defuncionamento da máquina Estatal, tendo como um marco iniciala identificação das características das agências e instituições “fazedoras de políticas públicas” , incluindo os mecanismos, oscritérios, dos estilos decisórios utilizados por essas instituiçõesVIANA, Ana Luiza. Abordagem metodológicas em políticas públicas.In: Revista de Administração pública. Rio de Janeiro. Vol.302,mar/abr 1996, p. 6.

20 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 72.

21 Banco Interamericano de Desenvolvimento. A política das PolíticasPúblicas. Relatório 2006. Banco Interamericano deDesenvolvimento. Rio de Janeiro: Elsevier Washington DC: BID,2006, p.18.

Page 131: Democracia Deliberativa

130 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

22 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.29-30.

23 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.33.

24 Banco Interamericano de Desenvolvimento. A política das PolíticasPúblicas. Relatório 2006. Banco Interamericano deDesenvolvimento. Rio de Janeiro: Elsevier Washington DC: BID,2006, p.15.

25 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.97.

26 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade:novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.28:“É Habermas que, novamente, vem desenhar os quadrantes destarealidade, ao dizer que desde o modelo mais liberal do Estado deDireito, nós constatamos que a soberania popular não se encontramais encarnada no conjunto de cidadãos reunidos em assembleiasde forma autônoma e perfeitamente identificáveis, mas ela migrapara outros espaços, verdadeiros círculos de comunicação deinstituições e corporações, lócus em que os sujeitos se encontramdespersonificados (sem faces nem corpo definidos). Com esta formaanônima que o poder se comunica, delimitado pelo sistema jurídicode forma geral, conectando interesses multifacetados e por vezesantagônicos, é que o Estado Democrático de Direito vai surigr,como espaço político e jurídico de gestão comunicacional e, pelavia do seu corpo administrativo, desenvolvendo ações políticasde gestão ainda e tradicionalmente forjadas em manifestaçõesmonológicas, não afetas à maturação interlocucional com os demaisatores sociais envolvidos ou alcançados por suas deliberações”.

27 Banco Interamericano de Desenvolvimento. A política das PolíticasPúblicas. Relatório 2006. Banco Interamericano deDesenvolvimento. Rio de Janeiro: Elsevier Washington DC: BID,2006, p.14.

28 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.99.

29 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 100.

30 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.115.

31 PAOLI, Maria Célia Paoli. Empresas e responsabilidade social osenredamentos da cidadania do Brasil. p. 383. In: SANTOS,Boaventura de Souza de. (Org). Democraticar a democracia. Rio deJaneiro: Civilização brasileira, 2002, p. 376-77.

32 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la Acción Comunicativa, I. Madrid:Taurus, 1999, p.137.

Page 132: Democracia Deliberativa

131A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

33 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la Acción Comunicativa, I. Madrid:Taurus, 1999, p.143.

34 FREITAG, Bárbara. A Teoria Crítica ontem e hoje. São Paulo:Brasiliense, 1988, p. 60.

35 COHEN, Joshua. Procedimento e substância na democraciadeliberativa. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.115.

36 RAWLS, John. A ideia de razão pública revisitada. In: WERLE,Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares. Democracia Deliberativa. SãoPaulo: Singular, 2007, p....

37 COHEN, Joshua. Procedimento e substância na democraciadeliberativa. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.118.

38 Segundo o autor: “Las teorías de la democracia que hemos discutidopreviamente toman por dados, a veces felizmente y otras no tanto,los intereses y preferencias de las personas. Las teorías que severán a continuación parten de la idea opuesta. Ellas sostienenque, para justificar la democracia, debe concebirla como unmecanismo que transforma los intereses originales de losindividuos. Estas concepciones no separan el dominio de lapolítica del de la moral, ya que reconocen que la politicainvolucrainlinaciones morales, juicios morales y responsabilidadesmorales”. (…). Detrás de estas teorías se encuentra el espíritu deRousseau. Apesar de que su justificación general de las estructuraspolíticas se apoya sobre la base del consentimiento que surge delcontrato social, fundamenta la regla de la mayoría sobre la basede transformación de la voluntado de cada individuo en unavoluntad general que se propone alcanzar el bien común. Elmecanismo a ser utilizado para lograr esta transformación haintrigado siempre a los filósofos políticos”. NIÑO, Carlos Santiago.La Constitución de la Democracia Deliberativa. Madrid: Gedisa, 1996,p.132.

39 NIÑO, Carlos Santiago. La Constitución de la Democracia Deliberativa.Madrid: Gedisa, 1996, p.104.

40 SANTIAGO NINO, Carlos, La constitución de la democraciadeliberativa, cit., p. 154.

41 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo da legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.47-8.

42 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo da legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.50.

43 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo da legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.

Page 133: Democracia Deliberativa

132 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.50.44 CHRISTIANO, Thomas. A importância da democracia deliberativa.

In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares. DemocraciaDeliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.102.

45 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo da legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.53.

46 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo da legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.56-8.

47 MANIN, Bernard. Legitimidade e deliberação política. In: WERLE,Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares. Democracia Deliberativa. SãoPaulo: Singular, 2007, p.19.

48 COHEN, Joshua. Procedimento e substância na democraciadeliberativa. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.122-3.

49 COHEN, Joshua. Procedimento e substância na democraciadeliberativa. In: WERLE, Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.126.

50 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo da legitimidadedemocrática. In: WERLE, Denílson Luis e MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p.55.

51 MANIN, Bernard. Legitimidade e deliberação política. In: WERLE,Denílson Luis e MELO, Rúrion Soares. Democracia Deliberativa.São Paulo: Singular, 2007, p.42-4. Passim.

52 LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea –uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2007, p. 60.

53 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.278.

54 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade abertados intérpretes da Constituição: contribuição para umainterpretação pluralista e procedimental da Constituição. Traduçãode Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Editora Sérgio AntônioFabris, 1997, p.11.

55 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.288.

56 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p.340-1.

57 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade evalidade. v.I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.345-6.

Page 134: Democracia Deliberativa

133A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

REFERÊNCIAS

BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Apolítica das Políticas Públicas. Relatório 2006. BancoInteramericano de Desenvolvimento. Rio de Janeiro:Elsevier Washington DC: BID, 2006.

BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo dalegitimidade democrática. In: WERLE, Denílson Luis;MELO, Rúrion Soares. Democracia deliberativa. São Paulo:Singular, 2007.

BOEIRA, Nelson. Sobre a deliberação em questões públicas.In: NYTHAMAR, Fernandes de Oliveira; SOUZA, DraitonGonzaga de. Justiça e Política. Homenagem a Otfried Hoffe.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofiado direito. Tradução de Márcio Pugliese. São Paulo: Ícone,1995.

CHRISTIANO, Thomas. A importância da democraciadeliberativa. In: WERLE, Denílson Luis e MELO, RúrionSoares. Democracia deliberativa. São Paulo: Singular, 2007.

COHEN, Joshua. Procedimento e substância na democraciadeliberativa. In: WERLE, Denílson Luis e MELO, RúrionSoares. Democracia deliberativa. São Paulo: Singular, 2007..

FREITAG, Bárbara. A teoria crítica ontem e hoje. São Paulo:Brasiliense, 1988.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5. ed. São Paulo: Malhheiros, 2009.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedadeaberta dos intérpretes da Constituição: contribuição parauma interpretação pluralista e procedimental daConstituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1997.

Page 135: Democracia Deliberativa

134 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

HABERMAS, Jürgen. A era das transições. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 2003.

___________. Direito e Democracia: entre facticidade evalidade. v.I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

___________. Direito e Democracia: entre facticidade evalidade. v.II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

___________. Verdade e justificação. Tradução de MiltonCamargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004.

___________. Pensamento pós-metafísico. Estudos filosóficos.Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Universitário, 1990.

___________. Teoría de la Acción Comunicativa, I. Madrid:Taurus, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria Geral da Normas. Tradução de JoséFlorentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,1986.

LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública eSociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2006.

____________. O Estado-juiz na democracia contemporânea –uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2007.

PAOLI, Maria Célia Paoli. Empresas e responsabilidadesocial os enredamentos da cidadania do Brasil. 383. In:SANTOS, Boaventura de Souza de. (Org.). Democraticar ademocracia. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2002.

MANIN, Bernard. Legitimidade e deliberação política. In:WERLE, Denílson Luis e MELO, Rúrion Soares. DemocraciaDeliberativa. São Paulo: Singular, 2007.

NIÑO, Carlos Santiago. La Constitución de la DemocraciaDeliberativa. Madrid: Gedisa, 1996.

Page 136: Democracia Deliberativa

135A teoria procedimental da democracia deliberativa e suas...

QUEIROZ, Cristina. Interpretação constitucional e poderjudicial. Coimbra: Coimbra, 2000.

RAWLS, John.A ideia de razão pública revisitada. In:WERLE, Denílson Luis e MELO, Rúrion Soares. DemocraciaDeliberativa. São Paulo: Singular, 2007.

VIANA, Ana Luiza. Abordagem metodológicas em políticaspúblicas. In: Revista de Administração Pública. Rio deJaneiro. v.302, mar./abr., 1996.

WARAT. Luis Alberto. Introdução geral ao Direito III.O Direitonão estudado pela teoria jurídica moderna. Sérgio AntônioFabris: Porto Alegre, 1997.

Page 137: Democracia Deliberativa

136 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

CAPÍTULO TERCEIRO:

OS ESPAÇOS DE DELIBERAÇÃO NA PROTEÇÃO DOSRECURSOS HÍDRICOS: UM RECORTE A PARTIR DOS

COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS NO RS

Luciana Turatti1

1NOTAS INTRODUTÓRIAS

Nas últimas décadas o quadro mundial foi marcadopor uma grande degradação dos recursos naturais, gerandouma crescente deterioração do meio ambiente e,consequentemente, à qualidade de vida da população.Nesse cenário também estão inseridos os recursoshídricos.

Segundo estimativas do Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento, até 2050, faltará água para 40%da população mundial.2

Para alterar tal situação e frear o crescimento daescassez são necessários órgãos de gerenciamento emonitoramento dos recursos hídricos, voltados paragarantia dos padrões de qualidade e quantidade destes ,abertos à participação e deliberação popular, uma vez queuma temática de tamanho interesse e importância nãopode ser decidida por poucos.

Os Comitês de Bacia Hidrográfica, instituídos pelaPolítica Nacional de Recursos Hídricos, podem absorver talfunção, mas, para tanto, sua composição e as formas dedeliberação devem observar os ditames da proposta dedemocracia participativa e deliberativa.

Page 138: Democracia Deliberativa

137Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

Outrossim, para que se atinja tal ideal deve-se terbem presente as características da democraciaparticipativa e deliberativa, e ainda da denominadaparticipação emancipada.

Pretende-se, assim, abordar a temática relativa àbusca da verdadeira democracia, que englobe umaconcepção contemporaneamente adequada do ser humanocomo ser social, e, com isso, contribuir para os processosde deliberação acerca dos interesses públicos em sociedade.

Para tanto, num primeiro momento, serão traçadosos contornos acerca da evolução do pensamentodemocrático no século XX, com o objetivo de analisar asimplicações deste reconhecimento. Em seguida, serãoabordadas as formas de democracia participativa edeliberativa como uma alternativa ao modelo instituídode democracia representativa-parlamentar, voltada paraa inclusão dos atores sociais nos espaços de decisão.

Uma vez definidos os parâmetros para construção deuma proposta de democracia deliberativa, far-se-ãocomentários acerca dos recursos hídricos dentro do contextobrasileiro, com o objetivo de introduzir o assunto e delimitaro papel dos órgãos de gerenciamento e monitoramento.

Ainda dentro deste contexto, pretende-se fazer umaanálise dos Comitês de Bacias Hidrográficas, responsáveispela descentralização da gestão das águas, e seu papel napromoção dos espaços de deliberação sobre os recursoshídricos.

2 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO DEMOCRÁTICO AOLONGO DO SÉCULO XX

Tendo em vista que este trabalho tem como alicerce

Page 139: Democracia Deliberativa

138 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

de sustentação a discussão acerca da própria democracia,faz-se necessário, num primeiro momento, recuperar,ainda que brevemente, os aspectos centrais da evoluçãodo pensamento democrático, com o objetivo de elucidar,num segundo momento, suas implicações ecaracterísticas.

Como ponto de partida, vale lembrar que na obra deBoaventura de Souza Santos e Leonardo Avritzer encontra-se uma passagem na qual os autores referem que, quandorecentemente perguntado sobre o acontecimento maisimportante do século XIX, Amartya Sen havia respondidosem hesitação que tal evento corresponde à emergênciada democracia. De outro lado, em uma visão maispessimista, ou, quem sabe, realista, ImmanuelWallerstein questionava-se sobre como uma aspiraçãorevolucionária do século XIX poderia ter se transformadoem algo tão vazio no século XX.3

Independentemente da concepção - positiva ounegativa - percebe-se que a democracia alcançou um lugarde destaque no século XX e transformou-se em uminescapável norte para a maioria das nações e povos.

Conforme Souza e Avritzer4 , na primeira metade doséculo XX as questões giravam em torno da desejabilidadeda democracia. Já ao final das duas guerras mundiaispredominava a ideia de restrição às formas de participaçãoe necessidade de um procedimento eleitoral para escolhados governos e ainda sobre as condições estruturais dademocracia, ou sobre a compatibilidade ouincompatibilidade entre democracia e capitalismo.5

O período pós-guerra fica assim caracterizado comoaquele em que acontece a ascensão da democracia, ou dochamado Estado Democrático de Direito. Em apertadasíntese, tem-se que, por um lado, a Revolução Francesapermitiu a consolidação do Estado de Direito, e, de outro, oreconhecimento da necessidade de proteção da nova classe

Page 140: Democracia Deliberativa

139Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

social que emerge da revolução industrial e impôs osurgimento do Estado Social. Assim, a junção dos referidosmodelos possibilitou o advento e a consolidação do EstadoDemocrático de Direito, cujo ápice se verifica após aSegunda Guerra Mundial.

Para Perez Luño

La exigencia de que el Estado de Derechosupusiera la realización material de lasaspiraciones y necesidades reales de la sociedad,unido al desencanto producido por la pervivencia yaparición de fenómenos claramente contrarios aese logro en el Estado social de Derecho(centralismo de Estado, marcadas desigualdadessociales y económicas, sociedades multinacionalesy grandes monopolios típicos del neocapitalismo,manipulación de la opinión públlica a través de losmass-media...), han motivado el esfuerzo doctrinalreseñado del sector más progresista de losintérpretes de la Grundgesetz, tendente apotenciar la virtualidad del principio democráticoen el seno del Estado social de Derecho.6

Lembra Perez Luño que isso não significou oafastamento ou a substituição do Estado Social, pelo EstadoDemocrático, mas sim, como fora dito anteriormente, umaconexão entre os princípios das duas propostas. 7

O Estado Democrático de Direito, segundo Elías Diaz,se traduz no intento de organização jurídico-política e derealização socioeconômica, em liberdade e com igualdade,dos melhores postulados humanistas e também os maisprofundamente liberais (críticos ou pluralistas) dosocialismo.8

Koh defende que “la democracia es un sistema queno sólo convierte preferencias en preferencias colectivas,sino que también crea un foro para la discusión de losvalores que acepta la sociedad”.9

Page 141: Democracia Deliberativa

140 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

No entanto, se tal período ficou marcado pelaconsolidação da democracia, em especial a representativa-parlamentar, também é a este período que se atribui osurgimento das chamadas forças contra-hegemônicas.

A preocupação que está na origem destas forças é amesma da concepção hegemônica da democracia, qualseja: “negar as concepções substantivas de razão e asformas homogeneizadoras de organização da sociedade,reconhecendo para tanto a pluralidade humana”. 10

Além das questões apontadas pelas teorias contra-hegemônicas, o próprio sistema representativo-parlamentar apresentou fragilidades ao longo do seuperíodo de implantação. Tais fragilidades foraminfluenciadas pelo modelo liberal em que os interessespessoais sempre tiveram maior importância que oscoletivos, e a garantia oferecida girava em torno de umbem comum apolítico, orientado pela satisfação dasexpectativas de felicidade de pessoas privadas emcondições de produzir.11

Embora se reconheça que a proposta mais adequadade democracia deve possibilitar uma participação de todos,percebe-se que, não obstante a ampliação dosinstrumentos e institutos de representação, há sempreuma minoria desprovida de representatividade.

As teorias procedimentalistas e substancialistassurgem em meio a este cenário de dúvidas e incertezasquanto ao futuro da própria democracia, com o objetivo deservirem de fundamentos filosóficos de sustentação desta.

Como explica Joshua Cohen, as teoriasprocedimentalistas estão centradas no exercício coletivodo poder político cuja base seja um processo livre deapresentação de razões entre iguais.12

A partir dessas propostas, surgem questionamentosacerca dos procedimentos utilizados pelas formas de

Page 142: Democracia Deliberativa

141Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

democracia representativa, como a agregação deinteresses e vontades, em que se escolhe segundo avontade da maioria, apresentando-se, em contrapartida,propostas de procedimentalismo participativo.

Já as teorias substancialistas preocupam-se com aessência do pensamento democrático. Além disso,apresentam questionamentos, uma vez que, se ademocracia se justificar pelo valor dos seus resultados,seu atrativo será frágil e contingente, visto que se poderiaalcançar melhores resultados mediante outrosprocedimentos. Não bastasse isso, se poderia dizer que oprocedimento democrático, por algumas vezes, produzresultados moralmente inaceitáveis.

Se, por outro lado, a democracia estiver justificadana troca, nos valores inerentes ao seu procedimentodiferenciado, seu valor deveria ser ponderado com osresultados alcançados através dele.

Independentemente da teoria adotada – mesmoporque a democracia é legítima, não somente por meio doseu mecanismo formal, mas também devido aos seusvalores substanciais – permanece o questionamento: emque medida é possível ir além das ferramentas dos modelosda democracia representativa? A resposta deve serorientada por uma busca na inclusão de todos os cidadãosnos processos de deliberação.

Conforme sustenta Koh “la representación esnecesaria, pero no suficiente para el logro de lademocracia. Las instituciones deben proteger los derechosindividuales contra la voluntad de la mayoría, y esasinstituciones no pueden ser controladas por las mismasmayorías”.13

Em vista do exposto, faz necessário que, no próximotópico, sejam realizados apontamentos sobre a democraciaparticipativa como um caminho viável para implantaçãoda democracia deliberativa.

Page 143: Democracia Deliberativa

142 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

3 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Conforme exposto anteriormente, a democraciaparticipativa surge com o intuito de questionar osprocedimentos adotados de agregação de vontades. Aproposta de democracia participativa já era citada porRousseau, na obra O Contrato Social, onde ele identificaduas proposições para retratar a importância desta. Aprimeira proposição está relacionada à possibilidade de oscidadãos participarem da tomada de decisões políticas,ocorrendo assim uma expansão da cidadania e a inclusãodaqueles que, de outra forma, não participariam dosassuntos da comunidade.14

A segunda proposição está relacionada a umaemancipação psicológica, haja vista que esta participaçãodar-se-ia livre de coerção, permitindo a expressão daautonomia dos participantes.15

Na concepção de Rousseau, o indivíduo deve possuirliberdade para decidir pela associação ou não, mas aomesmo tempo deve ser dependente da lei.

Sakhela Buhlungu, por sua vez, pondera que

provas reais demonstram que a maioria dastransições democráticas não resultamnecessariamente na inclusão da maioria emprocessos de tomada de decisão, nem levam àemancipação psicológica teorizada por Rousseau.Resultam, sim, em uma forma de democracia emque a participação da maioria é limitada àparticipação em eleições periódicas.16

Essa crítica pode ser facilmente percebida no cenáriobrasileiro, pois, embora a Constituição Federal de 1988tenha estabelecido três formas de participação direta (o

Page 144: Democracia Deliberativa

143Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

plebiscito, o referendo e os projetos de iniciativa popular)estas estão bastante distantes de se tornarem realidadesefetivas. Relativamente ao primeiro mecanismo, valelembrar da experiência relacionada ao único plebiscitoque ocorreu após a promulgação da Carta de 1988. No anode 1993, todos os brasileiros foram convocados a escolhera forma de organização do Estado, tendo que optar entreparlamentarismo, presidencialismo e monarquia. Ocorreque a maioria da população, naquele momento, nemmesmo sabia a diferença entre as propostas apresentadas.

Relativamente ao segundo mecanismo, em 23 deoutubro de 2005, foi realizado um referendo sobre aproibição da comercialização de armas de fogo e munições,com vistas à aprovação ou não do denominado Estatuto doDesarmamento (da Lei nº 10.826/2003 – art. 35). Nessereferendo, os eleitores podiam votar pelo “sim”, a favor daproibição, ou pelo “não”, contra a proibição. A maioria doeleitorado optou pelo “não”, e não houve a proibição.

No que tange a projetos de iniciativa popular,percebe-se que são bastante raros e dificilmenteconseguem lograr êxito. Não há de passar desapercebidoque, desde a promulgação da Constituição de 1988, apenas4 (0,04%) das 10.792 propostas legislativas que foramconvertidas em normas jurídicas no período, originaram-se de projetos de iniciativa popular.17

Constata-se claramente, pois, um total descaso comas formas de participação direta e uma preocupaçãoexacerbada com as propostas de democraciarepresentativa. Isso é facilmente justificado, visto que aspropostas de participação atingem de forma direta osinteresses hegemônicos, o que faz com que taismovimentos ergam indestrutíveis bandeiras contra taispropostas, tornando a participação vulnerável e ambígua.

O poder dos interesses hegemônicos fica evidentena proposta de democracia liberal, implantada como modelo

Page 145: Democracia Deliberativa

144 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

único e universal, até mesmo por imposição pelo BancoMundial e pelo Fundo Monetário Internacional, quando daconcessão de empréstimos e ajuda financeira.

Neste sentido, é importante lembrar que ahegemonia do mercado que sustenta a proposta dedemocracia liberal impõe a lógica da exclusão social,pautada nos gastos, no apelo ao consumo e noindividualismo.

Como forma de oposição, Souza e Avritzer apresentamo que denominam de “teses para o fortalecimento dademocracia participativa”. A primeira tese versa sobre ofortalecimento da “demodiversidade”, visto que, noentendimento dos autores, a democracia não precisaassumir uma única forma. O multiculturalismo e algumasexperiências de participação demandam uma deliberaçãopública ampliada e o aumento da participação.18

A segunda tese trata do fortalecimento da articulaçãocontra-hegemônica entre o local e o global. Os autoresretomam aqui exemplos como o do Orçamento Participativode Porto Alegre e referem que novas experiênciasdemocráticas precisam do apoio de atores democráticostransnacionais quando a democracia é considerada fraca.19

Por fim, a terceira tese refere-se à ampliação doexperimentalismo democrático. Experiências bem-sucedidas podem gerar novas gramáticas sociais nas quaiso formato de participação pode ser adquiridoexperimentalmente. É necessário para a pluralizaçãocultural, racial e distributiva da democracia que semultipliquem experimentos em todas essas direções.20

Referindo-se ao contexto brasileiro, Leal tambémapresenta alternativas para o aumento da participação,

a densificação da democracia à sociedade brasileiraimplica, salvo melhor juízo, não só oportunidadesmateriais de acesso da população à gestão pública

Page 146: Democracia Deliberativa

145Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

da comunidade, mas fundamentalmente defórmulas e práticas de sensibilização e mobilizaçãodos indivíduos e das corporações à participação,através de rotinas e procedimentos didáticos quelevem em conta as diferenças e especificidades decada qual.21

E segue o autor,

Neste novo modelo de Estado e Sociedade Civil, afunção do primeiro não é só garantir a igualdadede oportunidades aos diferentes projetos deinstitucionalidade democrática, mas deve tambémgarantir padrões mínimos de inclusão, que tornempossível à cidadania ativa criar, monitorar,acompanhar e avaliar o desempenho dos projetosde governo e proteção da comunidade. Essespadrões mínimos de inclusão são indispensáveispara transformar a instabilidade institucional emcampo de deliberação democrática. 22

Contribuindo para formação de uma nova propostade democracia, Isaac e Heller defendem que umademocracia efetiva possui duas características inter-relacionadas: uma sociedade civil robusta e um Estadocapaz.

Para os autores uma sociedade civil livre e dinâmicagarante a participação popular em momentos diversos daseleições periódicas, o que atribui mais responsabilidadeao Estado e aos seus agentes. Neste meio, asrepresentações da sociedade civil organizada comomovimentos sociais, associações e sindicatos têm o condãode mobilizar novos atores e levantar novas questões. Asaúde da democracia é medida tanto pela naturezaqualitativa dos seus padrões de associação, quanto pelocaráter formal das suas instituições.23

Page 147: Democracia Deliberativa

146 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

As regras promulgadas devem representar a vontadedos indivíduos iguais, tornando-se obrigatórias para todos.Assim, a legitimidade das regras está condicionada pelavontade de todos.

Manin refere que isso aparece claramente emRousseau e se torna particularmente aparente nosignificado que se atribui a deliberação. Conforme o autor:

Seguindo um uso que remete a Aristóteles, para atradição filosófica deliberação significa o processode formação da vontade, o momento particular queprecede a escolha, e na qual o indivíduo ponderadiferentes soluções antes de se filiar a uma delas.Rousseau usa o termo deliberação num sentidodiferente, que é aceito no uso da linguagem comum,significando “decisão”. Podemos ver a diferença quesepara as duas definições:no vocabulário dafilosofia, deliberação descreve o processo queprecede a decisão; nos escritos de Rousseau, elasignifica a própria decisão. 24

Para Rousseau a vontade pública deve prevalecer.Esta somente não estará certa se, uma vez seduzidos porpessoas astutas e influentes, os indivíduos optarem peladefesa de interesses particulares ou especiais. Assim, adeliberação pública difere da vontade geral. 25

O que fica evidente a partir do exposto é que paraconcretização da democracia participativa não basta agarantia formal, é necessário que os mecanismosutilizados alcancem um grau satisfatório de concretizaçãoe, com isto, possam merecer o rótulo de substancialmentedemocráticos.

3.1 Democracia participativa e democracia deliberativa

Uma vez constatada a insuficiência e uma combalida

Page 148: Democracia Deliberativa

147Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

eficácia dos mecanismos de participação direta, examina-se a suposta dicotomia existente entre a democraciaparticipativa e deliberativa.

Vale mencionar que Follesdal defende que tanto aDemocracia Participativa como a Deliberativa se colocamno mesmo campo teórico, pois se ocupam de igual problema.“As duas formas se preocupam com a instituição eefetividade da participação social e à abertura dosprocessos decisionais públicos, nos mais diversos níveisde governo, a todos os interessados, destacando que oconceito deliberativo remete a complexos conjuntosteóricos, com conotações fortemente normativas, enquantoque a participação implica aspectos sobretudosaplicativos”.26

Verifica-se assim que não é possível falar em umadistinção entre democracia deliberativa e participativa,mas sim numa junção das duas.

Na concepção de Werle democracia é

um modelo para a organização do exercício públicoe coletivo do poder nas principais instituições deuma sociedade com base no princípio segundo oqual as decisões que atingem o bem-estar de umacoletividade podem ser vistas como o resultado deum procedimento de deliberação livre e racionalentre indivíduos considerados iguais política emoralmente.27

A legitimidade das instituições em um modelodeliberativo é alcançada quando estas são arranjadas deforma que, o que é considerado do interesse comum detodos, resulte dos processos de deliberação coletivaconduzidos de modo racional e equitativo entre indivíduoslivres e iguais. 28

Page 149: Democracia Deliberativa

148 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Para Werle29 , o processo de deliberação deve observaralgumas características para que normas sejamconsideradas válidas. Entre elas estariam: a participaçãoordenada por normas de igualdade em que todos possuemos mesmos espaços, as mesmas chances de inciar umafala, questionar, abrir o debate; todos poderiam promoverquestionamentos sobre a pauta do diálogo; e, ainda, todospoderiam introduzir argumentos reflexivos sobre aspróprias regras do procedimento discursivo.

O pressuposto essencial para composição de ummodelo deliberativo engloba a idéia de uma “esfera pública”de formação da opinião, de debate, de deliberação econtestação entre os indivíduos e organizações de umacomunidade política.30

A autora John Dryzek desenvolveu a tentativaaparentemente mais corajosa de traduzir a normativa dademocracia deliberativa em uma realidade político-institucional. Sobre o “arranjo discursivo” menciona:

Indivíduos devem participar como cidadãos, nãocomo representantes de um estado ou qualqueroutra corporação e corpo hierárquico; nenhumindivíduo interessado deve ser excluído; o focoda deliberação deve incluir as necessidades einteresses indivíduos ou coletivos dos indivíduosenvolvidos, mas não deve ser limitado por eles; nointerior do arranjo discursivo não deve haverhierarquia de regras formais, ainda que o debatepossa ser governado pelos cânones informais dodiscurso.31

A deliberação pública transforma, modifica eesclarece as crenças e preferências dos cidadãos de umasociedade política. Quando e por que esse processo évalioso?

Page 150: Democracia Deliberativa

149Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

Para Werle, há três tipos de valores que a deliberaçãopública deve ter:

Em primeiro lugar, a deliberação pública pode servaliosa devido a seus resultados. Geralmente,esperam-se da democracia deliberativa três tiposde resultados. Um resultado é o de que adeliberação pública geralmente melhora a qualidadedas decisões ao aperfeiçoar a compreensão doscidadãos sobre sua sociedade e sobre os princípiosmorais que a devem regular. Sociedades queexperimentam considerável grau de discussão bem-intencionada e debate racional entre os cidadãossobre os méritos de propostas alternativas tendema ser mais justas e a proteger melhor a liberdade.Aqui a justiça das leis e instituições sociais podeser ampliada pelo processo de discussão. Umsegundo resultado é o de que as leis dessassociedades podem frequentemente tender a sermais bem justificadas, do ponto de vista racional,aos olhos de seus cidadãos do que naquelassociedades que não passaram por um processointensivo de deliberação sobre a legislação. Comose diz frequentemente, a deliberação leva a umacordo nacional (reasoned agreement) entre oscidadãos sobre os méritos da legislação. Nessecaso, a legitimidade da sociedade é ampliada peloprocesso de deliberação. Um terceiro resultado édo que são aperfeiçoadas certas qualidadesdesejáveis nos cidadãos quando têm de participardo processo de deliberação. Muitos acreditam queas pessoas que participam frequentemente dadeliberação como cidadãos livres e iguais são maisaptas a desenvolver as características deautonomia, racionalidade e moralidade. Nessecaso, as virtudes dos cidadãos são ampliadas peloprocesso. 32

Os resultados obtidos com o processo deliberativo nãoapresentam uma garantia de propostas universais, masse aproximam ou até mesmo estimulam a generalização.

Page 151: Democracia Deliberativa

150 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Quanto mais universais as propostas mais legítimas serãoas decisões.

Para que o resultado do processo deliberativo sejaaceito, é necessário que a própria pauta de discussão sejaestabelecida de forma deliberativa, sob pena, do contrário,de se determinar por meio da escolha da pauta, o resultadodo processo.

Conforme Manin, “a teoria da deliberação ofereceum método imperfeito para o processo de tomada dedecisão o mais razoável possível”. Não há garantias de queo processo de deliberação, mesmo que sujeito a regraspreestabelecidas, seja sempre racional. Não obstante isso,é bem provável que a adoção do processo deliberativo venhaa influenciar os resultados que serão considerados maisrazoáveis. 33

Finalmente, segundo Burke34 uma das principaisfinalidades da deliberação é a de produzir amplos consensossobre temas de interesse comunitário. Ao fazê-lo, permite-se que, por meios dos processos deliberativos, possa-sedemarcar, através da discussão racional, o verdadeirointeresse da nação.

Do exposto até o momento, há de se colher uma sériede lições que se mostram aptas a servir de inspiração àsolução de problemas bem concretos de uma realidade, quese apresenta de uma forma cada vez mais complexa emultifacetada.

Entre elas, pode-se afirmar que uma democracia quequeira servir de modelo ao século XXI deve levar em contauma concepção contemporaneamente adequada do serhumano como um ser social, reconhecendo em cada umo direito/dever de contribuir no processo de deliberaçãoacerca dos interesses públicos em sociedade.

Dentro deste contexto, inescapavelmente há de sereconhecer que uma participação desta natureza implica

Page 152: Democracia Deliberativa

151Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

o enfrentamento de uma das questões que ocupam o espaçocentral da preocupação coletiva nesta quadra da história:a questão ambiental.

Quando se aborda a matéria ambiental, desponta comuma cristalina importância a necessidade de se discutirquestão da utilização dos recursos hídricos, especialmenteneste privilegiado local do planeta, em que tais recursossão tão abundantes e qualificados.

Em uma análise preliminar, poder-se-ia imaginarque, justamente em vista da abundância, colocar adiscussão sobre os recursos hídricos no centro do debatesignificaria dar uma desnecessária importância ao tema.No entanto, isso não resistiria a uma análise maisaprofundada, uma vez que, não obstante taiscaracterísticas, constata-se uma inequívoca desigualdadeno processo de distribuição desse fundamental recurso,bem como se impõe levar em consideração de que taisrecursos, se indevidamente explorados, tornam-serapidamente finitos.

4 OS RECURSOS HÍDRICOS NO CONTEXTO BRASILEIRO

A água tem grande importância para a sobrevivênciada humanidade, mas tal importância passou a serpercebida somente após a constatação de que esse recursoambiental se encontra escasso. Atualmente, segundodados da ONU, estima-se que mais de 1 bilhão de pessoasnão dispõe de água suficiente para o consumo e que em25 anos cerca de 5,5 bilhões estarão vivendo em locaiscom falta de água. Em 2050, faltará água para 40% dapopulação mundial 35 .

Água é vida, já que participa de todos os processosnaturais no planeta, e, como o direito à vida é um direitofundamental de 1ª geração, o direito à água também o é,

Page 153: Democracia Deliberativa

152 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

e, pautado no princípio da dignidade da pessoa humana, épreciso que se garanta o acesso à água potável, dequalidade. Daí a importância da instituição de órgãosresponsáveis pelo destino e aplicação dos recursoshídricos, como se dá no caso brasileiro, com os Comitês deBacia Hidrográfica, que serão alvo deste artigo maisadiante.

A Constituição Federal de 1988 incorporou apreocupação com os recursos hídricos ao dispor em seuartigo 225 o direito fundamental ao meio ambienteecologicamente equilibrado, sendo este compreendidocomo essencial para garantia da sadia qualidade de vidadesta e das futuras gerações, sendo dever da comunidadee do Poder Público protegê-lo. Silva36 destaca a proteçãoaos recursos naturais como sendo um direito fundamental:

O objeto de tutela jurídica não é tanto o meioambiente considerado nos seus elementos constitutivos.O que o direito visa proteger é a qualidade do meioambiente em função da qualidade de vida. Pode se dizerque há dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que éa qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é asaúde, o bem estar e a segurança da população, que sevem sintetizando na expressão “qualidade de vida””.

O meio ambiente, assim, é um direito constitucional,de todos os cidadãos, pois é um bem de uso comum do povoe como tal deve ser garantido pelos entes públicos, aquiincluídos os recursos hídricos. Para a proteção dos recursosexistentes a Constituição definiu competênciaslegislativas e administrativas para os entes federados.Nestas se abordam os recursos hídricos e outros temascorrelatos a questão ambiental. 37

Conforme o disposto no artigo 22, IV, competeprivativamente à União legislar sobre águas. Há tambéma competência concorrente, prevista no artigo 24, onde seestabelece que compete concorrentemente à União, aos

Page 154: Democracia Deliberativa

153Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

Estados e ao Distrito Federal legislar sobre matérias, comoconservação da natureza, defesa do solo e dos recursosnaturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

Quanto à competência material ou administrativa,tem-se no artigo 23, VI, que compete a todos os entesfederados a proteção do meio ambiente e o combate apoluição em qualquer de suas formas. Verifica-se aqui ainclusão dos municípios na tutela das águas.

A Constituição também refere regras dedominialidade, mencionando que a União é titular doslagos, rios e outras correntes de águas de seu domínio ouque banhem mais de um Estado ou atravessam os limitesde outros países, bem como os terrenos marginais e aspraias fluviais (art. 20).

Os Estados, por sua vez, possuem o domínio sobre aságuas superficiais ou subterrâneas, fluentes ouemergentes ou em depósito, ressalvadas aquelasdecorrentes de obras da União. O que significa dizer quequando se tratar de bens de domínio dos Estados, as águassubterrâneas que estiverem no seu território serão objetode regulamentos administrativos estaduais, o que tambémnão exclui a aplicação das normas gerais da União.

Portanto, as outorgas e concessões de uso destaságuas serão concedidas pelos órgãos estaduais, comnormatizações estaduais, que certamente cumprirão asnormas federais e resoluções do Conselho Nacional doMeio Ambiente – CONAMA– e do Conselho Nacional deRecursos Hídricos – CNRH– e a Lei Federal 9.433/1997que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos38 .

A partir da Política Nacional dos Recursos Hídricos,Lei 9.433/1997, a visão geral das águas no Brasil passoupor um processo de transformação, no qual as águaspassaram a ter um caráter público e não mais privado comoo era no Código das águas, de 1934. A Política Nacional deRecursos Hídricos, criou um Sistema Nacional de

Page 155: Democracia Deliberativa

154 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Gerenciamento de Recursos Hídricos, que deve receberinformações de todas as bacias hidrográficas brasileiras.

Solange Teles da Silva39 reforça a importância dosistema nacional dos recursos hídricos, posicionando-seda seguinte forma:

A necessidade de uma gestão integrada das águassuperficiais e subterrâneas é afirmada pela ResoluçãoCNRH 15, de 11/01/2001 ao estabelecer que deverá serconsiderada a interdependência das águas superficiais,subterrâneas e meteóricas na formulação de diretrizespara a implementação da Política Nacional de RecursosHídricos (art. 2º). Assim, nas outorgas de direito de uso deáguas subterrâneas deverão ser considerados critérios, queassegurem a gestão integrada das águas, visando evitar ocomprometimento, qualitativo e quantitativo dos aquíferos,e dos corpos de água superficiais a eles interligados.

Para a implantação do Sistema Nacional deGerencimento de Recursos Hídricos a PNRH, em seu artigo2°, nomeou alguns objetivos, conforme se verifica abaixo:

Artigo 2º - São objetivos da PNRH:

I - assegurar à atual e às futuras gerações anecessária disponibilidade de água, em padrões dequalidade adequados aos respectivos usos;

II- a utilização racional e integrada dos recursoshídricos, incluindo o transporte aquaviário, comvistas ao desenvolvimento sustentável;

III- a prevenção e a defesa contra eventoshidrológicos críticos de origem natural oudecorrentes do uso inadequado dos recursosnaturais.

Entre os objetivos listados merece destaque oprimeiro, uma vez que este impõe a adoção de medidas

Page 156: Democracia Deliberativa

155Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

preventivas com o intuito de se garantir água de qualidadee em quantidade para as futuras gerações.

Enfim, dada à amplitude, não cabe aqui citar todosos regramentos existentes no contexto brasileiro acercada temática. Entre estes foram destacados apenas dois: aConstituição Federal de 1988 e a Lei Federal 9.433 de 1997.Assim se fez, haja vista que esses dois instrumentosrepresentaram o maior avanço no tratamento das águasbrasileiras, à medida que reconhecem e atribuem àságuas o caráter de bem público.

Passa-se a seguir a analisar de que forma a LeiFederal 9.433 de 1997 propôs a descentralização da gestãodos recursos hídricos, com o advento dos Comitês de BaciaHidrográfica.

4.1 Os Comitês de Bacia Hidrográfica

Dentre os órgãos que compõem o Sistema Nacionalde Gerenciamento de Recursos Hídricos os Comitês deBacia Hidrográfica são os responsáveis pelo atendimentoao disposto no inciso VI do art. 1º da Lei da Política Nacionalde Recursos Hídricos, que, ao estabelecer os fundamentosda Política, refere que a gestão dos recursos hídricos deveser descentralizada e contar com a participação do PoderPúblico, dos usuários e das comunidades.

As competências dos Comitês de Bacia nacionais sãoapontadas no artigo 38 da Lei 9.433 de 1994 e entre estasdestacam-se: promover o debate das questões relaciona-das a recursos hídricos e articular a atuação das entida-des intervenientes; arbitrar, em primeira instância ad-ministrativa, os conflitos relacionados aos recursoshídricos; aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos dabacia e sugerir as providências necessárias aocumprimento de suas metas; propor ao Conselho Nacional

Page 157: Democracia Deliberativa

156 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acu-mulações, derivações, captações e lançamentos de poucaexpressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade deoutorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordocom os domínios destes; estabelecer os mecanismos decobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valoresa serem cobrados; estabelecer critérios e promover o rateiode custo das obras de uso múltiplo, de interesse comumou coletivo.

Segundo a Agência Nacional de Águas os Comitêsde Bacia Hidrográfica são

organismos colegiados que fazem parte do SistemaNacional de Gerenciamento de Recursos Hídricose existem no Brasil desde 1988. A composiçãodiversificada e democrática dos Comitês contribuipara que todos os setores da sociedade cominteresse sobre a água na bacia tenhamrepresentação e poder de decisão sobre sua gestão.Os membros que compõem o colegiado sãoescolhidos entre seus pares, sejam eles dosdiversos setores usuários de água, das organizaçõesda sociedade civil ou dos poderes públicos. Suasprincipais competências são: aprovar o Plano deRecursos Hídricos da Bacia; arbitrar conflitos pelouso da água, em primeira instância administrativa;estabelecer mecanismos e sugerir os valores dacobrança pelo uso da água; entre outros. 40

Os Comitês são instâncias formadas por represen-tantes dos poderes públicos (municipal, estadual e fede-ral), da sociedade civil e dos usuários da água (dos setoresde irrigação, abastecimento humano, energia elétrica, na-vegação, lazer, turismo e pesca), podendo ter caráter na-cional ou estadual. Para se tornar membro de um Comitêé necessário que os pretendentes concorram à vaga pormeio de um processo eleitoral, e, uma vez eleitos, os

Page 158: Democracia Deliberativa

157Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

mesmos são empossados pelo governo do Estado, commandatos de dois anos. 41

Os Comitês representam a base da gestãoparticipativa e integrada da água, além de possuíremcaráter deliberativo, por isso são constantementedenominados de Parlamento das Águas.

Uma vez eleitos, os membros dos Comitês passam aexercer suas atribuições e entre outras, vale destacar aelaboração dos Planos de Bacia42 e a posterior discussãoacerca das características dos mananciais que compõema mesma, para, a partir da realidade destas, dialogar comos interessados e os representantes escolhidos, as formasde revitalização da bacia e a indicação de propostas para aresolução dos conflitos de interesse relacionados aos usosda água.

Os Planos de Bacia têm como finalidade o estabele-cimento de parâmetros para definição das políticas e açõesa serem desenvolvidas, uma vez que, nos planos, realiza-se uma espécie de inventário ou diagnóstico acerca dasituação dos recursos hídricos existentes. Estes tambémpermitem aos Comitês a instituição de parâmetros para aconcessão das outorgas de uso da água e a cobrança daágua, como forma de controle da quantidade e qualidadedos recursos hídricos.

O funcionamento dos Comitês é orientado pelas re-soluções dos Conselhos Nacionais e Estadual de RecursosHídricos, bem como pelos regimentos internos aprovadospelos membros.

O Comitê, a partir de um Calendário Anual aprovadoem plenária, deve propor reuniões ordinárias, podendotambém, quando for o caso, reunir-se extraordinariamen-te por convocação do seu Presidente ou por um terço dototal de seus membros.

As reuniões do Comitê são sempre públicas, ou seja,

Page 159: Democracia Deliberativa

158 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

qualquer cidadão pode participar, tendo direito à voz, masnão ao voto. Já os membros, além de terem direito à voz,também podem votar. Para as deliberações, votam os mem-bros eleitos e em matérias de sua competência, por meiode deliberações retiradas em plenária por votações de seusmembros. Em relação às matérias que não sejam de suacompetência, o Comitê pode se manifestar por meio demoções.

4.2 Os Comitês de Bacia no RS

A Política Estadual de Recursos Hídricos, estabelecidapela Lei Estadual 10.350, é o instituto que prevê a organi-zação dos Comitês de Bacia Hidrográfica no RS, desde 1994.

Conforme prevê o artigo 13 da referida lei, cada Co-mitê será constituído por:

I - representantes dos usuários da água, cujo pesode representação deve refletir, tanto quantopossível, sua importância econômica na região e oseu impacto sobre os corpos de água;

II - representantes da população da bacia, sejadiretamente provenientes dos poderes legislativosmunicipais ou estaduais, seja por indicação deorganizações e entidades da sociedade civil;

III - representantes dos diversos órgãos daadministração direta federal e estadual, atuantesna região e que estejam relacionados com osrecursos hídricos, excetuados aqueles que detêmcompetências relacionadas à outorga do uso daágua ou licenciamento de atividadespotencialmente poluidoras.

Dentro do termo “usuários da água” sãocompreendidos indivíduos, grupos, entidades públicas eprivadas e coletividades que, em nome próprio ou no de

Page 160: Democracia Deliberativa

159Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

terceiros, utilizam os recursos hídricos como: a) insumoem processo produtivo ou para consumo final; b) receptorde resíduos; e/ou c) meio de suporte de atividades deprodução ou consumo.

O segmento “usuários” é composto por pessoas físicae jurídica, que possuem outorga ou dispensa de uso de águapara desenvolver as suas atividades, podendo estarrepresentadas através das categorias de indústria,abastecimento e efluentes urbanos, agricultura,agropecuária, irrigantes, mineração, aquicultura, turismoe lazer.

O segmento do Poder Público deve ter no Comitê deBacia representantes da Administração direta e indireta.Assim como os demais, os Municípios garantem sua par-ticipação por meio de processo eleitoral, uma vez que sãogarantidas vagas para os mesmos na composição dos Co-mitês.

As vagas para sociedade civil são distribuídas con-forme a categoria de associações, organizações não gover-namentais e movimentos sociais com atuação voltada paraos recursos hídricos ou com objetivo de defesa de interes-ses difusos e coletivos, instituições de ensino e pesquisa,povos e comunidades tradicionais, incluídos aqui tambémos representantes do poder legislativo.

Os comitês de bacia hidrográfica encontram-sehierarquicamente vinculados aos Conselhos de RecursosHídricos, no que se refere às decisões acerca doplanejamento em recursos hídricos.

As atribuições dos Comitês gaúchos são referidas noartigo 19 da Lei 10.350 de 1994. Segundo a orientação doartigo são atribuições destes:

I - encaminhar ao Departamento de RecursosHídricos a proposta relativa à bacia hidrográfica,

Page 161: Democracia Deliberativa

160 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

contemplando, inclusive, objetivos de qualidade,para ser incluída no anteprojeto de lei do PlanoEstadual de Recursos Hídricos;

II - conhecer e manifestar-se sobre o anteprojetode lei do Plano Estadual de Recursos Hídricospreviamente ao seu encaminhamento aoGovernador do Estado;

III - aprovar o Plano da respectiva bacia hidrográficae acompanhar sua implementação;

IV - apreciar o relatório anual sobre a situação dosrecursos hídricos do Rio Grande do Sul;

V - propor ao órgão competente o enquadramentodos corpos de água da bacia hidrográfica em classesde uso e conservação;

VI - aprovar os valores a serem cobrados pelo usoda água da bacia hidrográfica;

VII - realizar o rateio dos custos de obras deinteresse comum a serem executados na baciahidrográfica;

VIII - aprovar os programas anuais e plurianuaisde investimentos em serviços e obras de interesseda bacia hidrográfica tendo por base o Plano darespectiva bacia hidrográfica;

IX - compatibilizar os interesses dos diferentesusuários da água, dirimindo, em primeira instância,os eventuais conflitos.

Os Comitês de Bacia Hidrográfica funcionam comose fossem os parlamentos das correspondentes bacias,onde serão tomadas as principais decisões políticas sobrea utilização das águas.

Para Granziera compete ao Comitê “o debate dasquestões relacionadas a recursos hídricos e articular aatuação das entidades intervenientes, em que sediscutem e se resolvem, ao menos em primeira instância,as questões atinentes ao uso. Essas questões serão mais

Page 162: Democracia Deliberativa

161Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

ou menos extensas ou complexas, conforme a escassez dorecurso e a existência de conflitos de uso”. 43

Criados com o intuito de prover a necessária gestãodescentralizada entre todos os órgãos e entidades atuantesna política do uso de recursos hídricos, os comitês atuamcomo órgãos colegiados, com funções consultivas edeliberativas, sendo considerados a instância maisimportante de participação e integração do planejamentoe das ações na área dos recursos hídricos, posto que setrata do fórum de decisão sobre a utilização da água noâmbito das bacias hidrográficas.

Embora o Comitê não possua competência parao exercício do poder de polícias das águas, os órgãos eentidades competentes dele devem participar,representando o poder público.

Vistos os ditames legais referentes aosComitês de Bacia no RS, pretende-se, a seguir, analisar aforma de organização dos Comitês que serão alvo de umaapreciação pormenorizada, quais sejam, o COMITESINOSe o Comitê Taquari-Antas.

4.3 As particularidades do COMITESINOS e do ComitêTaquari-Antas

a) O COMITESINOS

O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográficado Rio do Sinos – COMITESINOS– foi criado pelo DecretoEstadual no 32.774, de 17 de março de 1988, que, por suavez, foi alterado pelo Decreto Estadual no 39.114, de 8 dedezembro de 1998. Assim como os demais comitês, oCOMITESINOS integra o Sistema Estadual de RecursosHídricos, previsto na Lei no 10.350, de 30 de dezembro de1994.

Segundo o art. 3°, do regimento interno do

Page 163: Democracia Deliberativa

162 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

COMITESINOS, a área de atuação deste compreende aárea da bacia hidrográfica do rio dos Sinos.

O COMITESINOS tem em sua composição asentidades ou organismos representativos dos usuários daágua, da população da bacia hidrográfica e dos órgãos daadministração direta, estadual e federal, relacionados comos recursos hídricos.

Dentre estes destacam-se:

GRUPO I - Representantes dos usuários da água:

a) Categoria Abastecimento Público: Serviços deÁgua e Esgoto de Novo Hamburgo – COMUSA; CompanhiaRiograndense de Saneamento – CORSAN; e, ServiçoMunicipal de Água e Esgoto de São Leopoldo – SEMAE.

b) Categoria Esgotamento Sanitário e ResíduosSólidos: CORSAN, SEMAE E COMUSA, Prefeitura Municipalde Canoas e Prefeitura de Sapiranga.

c) Categoria Drenagem: Prefeitura de Santo Antônioda Patrulha.

d) Categoria Geração de Energia: CompanhiaEstadual de Energia Elétrica – CEEE.

e) Categoria Mineração: Associação dos ExtratoresMinerais, Comerciantes e Garimpeiros dos Vales do Sinose Paranhana.

f) Categoria Lazer e Turismo: Instituto MartimPescador.

g) Categoria Produção Rural: Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Novo Hamburgo, São Leopoldo,Sapucaia do Sul e Santo Antônio da Patrulha e Associaçãodos Arrozeiros de Santo Antônio da Patrulha.

h) Categoria Indústria: Associação das Indústrias deCurtume do Rio Grande do Sul – AIC-Sul; Sindicato dasIndústrias de papel, papelão e cortiça do Rio Grande do Sul

Page 164: Democracia Deliberativa

163Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

– SINPASUL; Sindicato das Indústrias Químicas do Estadodo Rio Grande do Sul – SINDIQUIM.

GRUPO II - Representantes da população:

a) Categoria Legislativo Municipal Estadual:Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul;Câmara de Vereadores de Santo Antônio da Patrulha e deSão Leopoldo.

b) Categoria Associações Comunitárias: Associaçãocomunitária do distrito de Entrepelado, e Grupo de EscoteiroPeregrino.

c) Categoria Instituições de Ensino, Pesquisa eExtensão: Associação Riograndense de Empreendimentosde Assistência Técnica e Extensão – EMATER;Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS;Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo(ASPEUR) – FEEVALE; Sociedade Porvir Científica –UNILASALLE.

d) Categoria ONGs Ambientalistas: União Protetorado Ambiente Natural – UPAN; Movimento Roessler paraDefesa Ambiental; Projeto Mira-Serra.

e) Categoria Associações Profissionais: Associaçãode Arquitetos e Engenheiros Civis de Novo Hamburgo –ASAEC; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária eAmbiental – ABES/RS.

f) Categoria Organizações Sindicais: Sindicato dosProfessores Municipais de Canoas – SINPROCAN.

g) Categoria Clubes de Serviços: Rotary Club NovoHamburgo 25 de julho; Lions Clube Sapucaia do Sul -Figueira; Rotary Clube Novo Hamburgo.

GRUPO III - Representantes do Governo do Estado.

a) Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio;Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento

Page 165: Democracia Deliberativa

164 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Urbano; Secretaria do Meio Ambiente / FundaçãoZoobotânica; Secretaria de Estado da Saúde; Secretariada Ciência e Tecnologia; Secretaria de Energia, Minas eComunicações, (havendo duas vagas não preenchidas).

No que se refere à realização das reuniões, oregimento interno prevê que além do membros nomeadose suplentes, poderá participar das reuniões qualquerpessoa que tenha interesse.

Para deliberar sobre os assuntos de pauta, oregimento prevê que poderão votar os representantes dasentidades membros titulares e, na sua ausência, osrespectivos suplentes. As votações só podem ocorrer coma presença de metade mais um dos representantes comdireito a voto, e as decisões se darão por maioria simples.

b) O Comitê Taquari-Antas

O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográficado Rio Taquari/Antas – Comitê Taquari/Antas, foi criadopelo Decreto Estadual N.º 38.558, de 08-06-1998. O mesmotambém integra o Sistema Estadual de Recursos Hídricos,previsto na Lei Estadual n.º 10.350, de 30 de dezembro de1994.

O Comitê Taquari-Antas tem como membros asentidades ou organismos representativos dos usuários daágua, da população da bacia e dos órgãos da administraçãodireta, estadual e federal, relacionados com recursoshídricos, conforme os artigos 13 e 14 da Lei Estadual n.º10.350/1994.

Compõem o presente Comitê:

GRUPO I - REPRESENTANTES DOS USUÁRIOS DEÁGUA:

a) Categoria do Abastecimento Público: ServiçoAutônomo Municipal de Água e Esgoto de Caxias do Sul –

Page 166: Democracia Deliberativa

165Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

SAMAE; Companhia Riograndense de Saneamento –CORSAN; Prefeitura Municipal de Triunfo; UniãoEncantadense das Sociedades de Água – UESA.

b) Categoria do Esgotamento Sanitário, Drenagem,Gestão Urbana e Ambiental: SAMAE, CORSAN, PrefeituraMunicipal de Triunfo e Prefeitura Municipal de Lajeado.

c) Categoria da Geração de Energia: CooperativaRegional de Eletrificação Teutônia Ltda. – CERTEL; eCompanhia Energética do Rio das Antas – CERAN.

d) Categoria da Produção Rural: Sindicatos dosTrabalhadores Rurais de Lajeado, Encantado, Caxias do Sule Estrela.

e) Categoria Indústria: Sindicato da Indústria daConstrução de Estradas, Pavimentação e Obras deTerraplenagem em geral do RS – SICEPOTCâmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias doSul Sindicato das Indústrias do Papel, Papelão e Cortiçado Estado do RS – SINPASUL; e Câmara de Indústria eComércio de Garibaldi.

f) Categoria Navegação e Mineração: Sociedade dosMineradores de Areia do Rio Jacuí Ltda. – SMARJA.

g) Categoria de Lazer e Turismo: vaga disponível.

GRUPO II - Representantes da população:

a) Categoria Legislativos Municipais: CâmarasMunicipais de Vereadores de Garibaldi, Guaporé, Taquari,Bento Gonçalves e São Francisco de Paula.

b) Categoria Associações Comunitárias e Clubes deServiços Comunitários: Rotary Clube de Venâncio Aires eTaquari.

c) Categoria Instituições de Ensino, Pesquisa eExtensão: Universidade de Caxias do Sul – UCS; CampusUniversitário da Região dos Vinhedos – FERVI; CentroUniversitário UNIVATES.

Page 167: Democracia Deliberativa

166 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

d) Categoria Organizações Ambientalistas: FundaçãoPró-Rio Taquari; Grupo de Urbanismo e Meio Ambiente –GRUMA; Associação Bento Gonçalves de Proteção aoAmbiente Natural – ABEPAN.

e) Categoria Associações de Profissionais:Associação Brasileira de Engenharia Sanitária eAmbiental – ABES;

f) Categoria Organizações Sindicais: Sindicato dosTrabalhadores nas Empresas Coop. de Eletrificação eDesenvolvimento Rural do RS – SITRACOOPER.

g) Categoria Órgãos Estaduais e Federais: Secretariade Estado de Planejamento e Gestão; Secretaria de Estadode Ciência e Tecnologia; Secretaria de Estado do Turismo,Esporte e Lazer; Secretaria de Estado da Educação;Secretaria de Estado das obras públicas e saneamento;Secretaria de Estado da Saúde; Secretaria de Estado daAgricultura, Pecuária, Pesca e Agronegócio; Secretaria doMeio Ambiente; Ministério do Meio Ambiente –SRH E MMA.

As reuniões do Comitê funcionarão com a presençade, no mínimo, um terço dos representantes, e asdeliberações ocorrem por meio da maioria absoluta dosseus membros.

Para as reuniões serão sempre convocados osrepresentantes das entidades titulares e convidados osrepresentantes das entidades suplentes.

Segundo o art. 17 do Regimento Interno todorepresentante terá direito à palavra no Comitê, que oPresidente assegurará pelo tempo definido pela mesacoordenadora dos trabalhos, sendo este previamentecomunicado, não podendo, entretanto, desviar-se dadiscussão proposta. O representante membro do Comitêpoderá conceder apartes, segundo critério seu, dentro dotempo da sua inscrição.

O Comitê poderá convidar, para participar de suas

Page 168: Democracia Deliberativa

167Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

reuniões, sem direito a voto nas deliberações, pessoasfísicas ou jurídicas, com atuação na bacia hidrográfica oude interesse para suas atividades.

5 OS ESPAÇOS DE DELIBERAÇÃO DENTRO DOSCOMITÊS DE BACIA: UMA APRECIAÇÃO A PARTIR DOSCOMITÊS DE BACIA TAQUARI-ANTAS E DOS SINOS

Apresentadas as particularidades dos Comitês quesão alvo desta análise, pode-se traçar comentários acercadas formas de deliberação destes, bem como, sobre suaforma de composição.

Em relação à composição dos Comitês, Guy Caubetpromove uma crítica aberta em sua obra A Água, A Lei, APolítica...E o meio ambiente?, conforme segue:

A análise pormenorizada dos textosregulamentadores dos Comitês de BaciaHidrográfica indica que a participação não deveráser de todos, a não ser de maneira nominal. Ascategorias de participantes são taxativamenteenumeradas e verifica-se que a lei garante 80% doespaço para duas categorias de representantes: a)os dos poderes públicos que emanam do poderpolítico executivo da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios (40% do total); b) os dasatividades econômicas (outros 40%) quecorrespondem aos usos reputados dominantes esão chamados de usuários. Os que pensam que asociedade civil deverá ter uma influência,associada a um poder de decisão real, haverão deconstatar que o conceito de sociedade civil recebeuma aplicação numérica mais do que modesta (20%do total de participantes), nas definições da lei. Oaspecto quantitativo deve ser complementado poruma análise qualitativa: as ONG’s e outrasentidades deverão ter características de OSCIP?

Page 169: Democracia Deliberativa

168 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Cabe mais uma pergunta: quem está identificadocom a sociedade civil teve alguma possibilidade deopinar, já nas definições das instituições quedeverão gerir as águas brasileiras? Quem decidesobre o fato de pertencer à sociedade civil? Ascategorias de usuários são imanentes: suaexistência pode ser comprovada por leis físicas?Neste último caso, a própria prática ensinou quea resposta é negativa. A lei criou seis categoriasde usuários, mas a pressão de interesseseconômicos particulares tratou de incluir mais uma:a dos mineradores. Essa inclusão parece acertada:o impacto da mineração sobre os recursos hídricoscertamente justifica a criação dessa categoria deusuários. Mas isso comprova, se houvernecessidade, que a definição dos usuários é umprocesso de natureza política. Ocorre que o assuntonão foi objeto de nenhum debate políticocompatível com sua relevância.44

O que pode ser constatado a partir da crítica acimaé que a participação nos Comitês é elitizada. Fica evidenteque a participação, ou até mesmo a representação juntoaos órgãos, está limitada a uma parcela muito restrita dapopulação, especialmente identificado com o próprio PoderPúblico.

Conforme Caubet “não há dúvida, para os que tentamconquistar um espaço democrático em nome da sociedadecivil, do fato de que a exigência de possuir determinadosconhecimentos técnicos, para poder participar, constituiuma versão moderna da antiga exigência do votocensitário”.45

Mesmo que se enalteça que a eleição paracomposição dos Comitês ocorra de forma democrática, nemmesmo desta escolha se permite a participação dapopulação. Da mesma forma, a inclusão dos nomes paraconcorrer para as vagas dos Comitês é realizada pelospróprios órgãos. Não se tem nenhuma garantia de umaescolha aberta em relação a essas opções.

Page 170: Democracia Deliberativa

169Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

Percebe-se, enfim, que a deliberação sobre a gestãodos recursos hídricos não permite a participação popular.A ideia de que o cidadão é prioritário na elaboração dasnormas fica subjugada a um papel coadjuvante.

Por se constituir na instância responsável pelagestão dos recursos hídricos, os Comitês instituídosdeveriam primar pela ampliação do espaço político e pelatransformação de práticas dominantes em matériademocrática, como a prevalência da maioria. No entanto,sua composição demonstra que tais barreiras ainda nãoforam derrubadas.

Isso é facilmente perceptível na composição doCOMITESINOS e do Comitê Taquari-Antas. Apesar de cadaComitê contemplar vinte vagas para os representantes dosusuários da água e vinte vagas para os representantes dapopulação, verifica-se que estas são preenchidas, em suamaioria, por órgãos de pouca representação, quando nãoelitizados.

Quanto às formas de deliberação, pode-se constatarque o COMITESINOS prevê em seu regimento que asdecisões serão tomadas pela maioria simples dos votos.Ora, permitir que a aprovação de um Plano de Bacia, ouaté mesmo que uma manifestação em torno da instalaçãode uma hidrelétrica ocorra por meio da maioria simplesdos votos, é tratar de forma pouco responsável o tema emcomento. O processo de decisão deveria comportar formasde apreciação diferenciada, segundo a importância datemática em votação.

No caso do Comitê Taquari-Antas as decisões sãotomadas pela maioria absoluta dos votos. Neste sentido,tece-se a mesma crítica quanto à inexistência deprocedimentos diferenciados de votação segundo aimportância do assunto.

Enfim, mostra-se imprescindível alterar a forma decomposição dos Comitês, bem como a forma de deliberação

Page 171: Democracia Deliberativa

170 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

atualmente utilizada para construção das decisões. Alémdisso, de uma forma geral, é necessário que cadaparticipante tenha a exata noção da importância de suasposições e deliberações, pois, em última análise, assumema condição de atores privilegiados na concretização dodireito fundamental ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado para essas e pode-se dizer, em especial, paraas futuras gerações, nos termos preconizados pelaConstituição Brasileira.

Daí a importância de um processo de participaçãonão coatada ou emancipada, sobre a qual serão traçadosalguns contornos a seguir.

5.1 Participação emancipada

Como refere Rousseau, citado anteriormente, aparticipação do cidadão deve ser livre de qualquer força decoação.

É neste sentido também que se verificam ascontribuições da teoria de Habermas, uma vez que um dostemas centrais da sua teoria gira em torno da razão.Habermas procura formular um novo conceito para razãoutilizando-se da análise linguística. O autor busca por meioda linguagem a formulação de um conceito de razãoadequado à proposta de fundamentação científica de umideal utópico: o entendimento como base para aemancipação. 46

As ideias de mundo devem passar pela apreciaçãoda razão. A razão deve ser trazida ao mundo com o objetivode se alcançar um mundo mais justo.

Atrelando a ideia de Habermas à deste artigo, o autorsustenta que a teoria do discurso ou da comunicação,demonstra que processos e pressupostos comunicativosda formação democrática da opinião e da vontadefuncionam como a comporta mais importante para a

Page 172: Democracia Deliberativa

171Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

racionalização discursiva das decisões de um governo ede uma administração vinculados ao direito e à lei. 47

De forma emancipada, a opinião pública,transformada em poder comunicativo segundo processosdemocráticos, é capaz de direcionar o poder administrativo.48 Daí o poder da participação emancipada e a necessidadede se buscar a mesma.

Percebe-se assim, que uma das preocupações deHabermas relaciona-se ao estabelecimento de uma teoriacrítica, na qual põe em questão as relações comunicativasatravés do discurso argumentativo, que, por sua vez, écompreendido como o verdadeiro caminho daconscientização e da libertação política do homem. 49

Para Baumgarten em um conceito ideal decomunicação, a única força coercitiva admitida vincula-se ao melhor argumento. Desta forma,

diante da possibilidade de chances simétricas, dasinceridade na expressão das intenções, daexclusão de privilégios que gerariam obrigaçõesunilaterais, a situação ideal de comunicaçãoantecipada em todo e qualquer discursosimultaneamente anteciparia uma nova forma devida que, pautada na justiça, liberdade e verdade,se faria instância crítica de avaliação da realidadevigente frente à vida desejada. 50

Acompanhando tal pensamento, Sampaio refere que

O pensamento político habermasiano vimos seraquele que quer despertar a sociedade para a suaemancipação, pela conscientização do caráterideológico da linguagem e, consequentemente, a suaorientação na direção de uma comunicaçãoincoagida, simetricamente aberta a todos os seusparticipantes, pois, à medida que o homem mais

Page 173: Democracia Deliberativa

172 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

perceber, no curso dialético da História, os traçosdeformantes de suas ações, mais ele estaráaflitamente atento ao espaço de sua emancipação.51

Verifica-se assim que a ideia de participaçãoemancipada impõe como pressuposto o conhecimento, umavez que é por meio dele que se conquista a liberdade.

Deve-se ressaltar, no entanto, que o conhecimentonão é o único pressuposto para implementação daparticipação não coatada.

Em situações como a brasileira, em que os níveis dedesigualdade social ainda são visivelmente insatisfatórios,é necessário o desencadeamento de políticas públicasvoltadas para a concretização dos direitos fundamentais,em especial os direitos sociais, para que, sanadas asnecessidades básicas, os cidadãos possam exercer seudireito de participação, sem que sejam alvos da pressãode grupos de interesse organizados ou ainda da eliteeconômica e intelectual.

Será por meio dessa forma de participação querealmente se atingirá o ideal da democracia deliberativa,entendida aqui como o processo de formatação conjuntada gestão a partir de uma reciprocidade absoluta.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez consolidado o ideal democrático ao longo doséculo XX, deve-se agora pensar nas possibilidades deampliação dos espaços de participação, permitindo, emconsequência, um exercício substancial do processo dedeliberação.

O que se busca é um processo de constituição de umideal participativo orientado pela inclusão do maior número

Page 174: Democracia Deliberativa

173Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

possível de interessados na determinação do bem comum.

Para tanto, na esteira de Boaventura de SousaSantos é necessário experimentar, assumindo-se os riscosque todo processo de construção do novo significa. Nãoexiste uma fórmula prévia e única em matéria departicipação. Nessa linha, há de se pensar em fomasalternativas e experimentais, também no que diz respeitoà estruturação dos Comitês de Bacia Hidrográfica,permitindo uma maior participação da população nadeliberação da gestão dos recursos hídricos.

É certo que a substancialização da democraciaencontra dificuldades na crescente complexidade dasociedade contemporânea, sendo que, especificamente naquestão abordada neste trabalho, o processo de deliberaçãonão pode desprezar o conhecimento técnico.

Entretanto, não há de se admitir que isso signifiquesimplesmente que a opinião pública possa serpraticamente descartada, como se verifica no atualprocesso de estruturação e deliberação dos Comitês deBacia Hidrográfica.

A forma como ora se apresentam vai de encontro aospreceitos mais elementares de uma concepção decidadania que seja contemporaneamente adequada. Aideia de ser o homem um ser social, com direitos e deveres,passa ao largo da realidade na discussão sobre umatemática que afeta a todos.

Verifica-se assim que a sociedade necessita deinstâncias de retroalimentação permanentes, pois o riscode práticas antidemocráticas é permanente, em face aoexaurimento das forças mobilizadoras da participaçãopopular, devido aos interesses “autointeressados”, oegoísmo e o individualismo, típicos desse tempo.

Se o que se persegue ao longo deste século é aimplantação do verdadeiro Estado Democrático de Direito,

Page 175: Democracia Deliberativa

174 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

não há de admitir que tais práticas alimentem oimaginário coletivo e produzam toda gama deconsequências negativas que lhe são inerentes.

Enfim, faz-se necessária a busca de instrumentosque auxiliem no desenvolvimento da propostasubstancialmente democrática e que permitam aparticipação responsável de seus integrantes, visando àconstrução de uma boa sociedade, não apenas para “mimou para os meus”, mas para todos, pois esse é ocompromisso histórico que vincula cada cidadão brasileiro,não só em relação aos seus pares, mas também em relaçãoaos pósteros.

NOTAS

1 Professora do Centro Universitário UNIVATES, Mestre em Direitopela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC e aluna doPrograma de Pós-Graduação em Direito - Doutorado da Universidadede Santa Cruz do Sul - UNISC.

2 PNUD. Programa Nações Unidas Desenvolvimento. Relatório dasNações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano de 2006:<www.pnud.org.br/rdh/>. Acesso em: 27 nov. 2009.

3 SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a Democracia. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 39.

4Idem, ibidem, p. 39 e 40.

5 Conforme Sousa e Avritzer “Amartya Sen é um dos que celebraperda de credibilidade da idéia das condições estruturais quandoafirma que a questão não é a de saber se um dado país está preparadopara a democracia mas antes de partir da ideia de que qualquerpaís se prepara através da democracia”. SANTOS, Boaventura deSousa. Op. cit, p. 41.

6LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos Humanos, Estado deDerecho y Constitución. 9. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2005, p.235.

7Idem, ibidem, p. 235.

8 Idem, ibidem, p. 236.

Page 176: Democracia Deliberativa

175Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

9KOH, Harold Hongju; SLYE, Ronald. Democracia Deliberativa yDerechos Humanos. Madrid: Gedisa, 1999, p. 169.

10SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p. 51.

11HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade evalidade. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,2003, p. 20.

12SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p. 53.

13 Koh, Harold Hongju; SLYE, Ronald. Op. cit., p. 168.14

Sakhela Buhlungu in SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p.156.

15Sakhela Buhlungu in SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p.157.

16 Sakhela Buhlungu in SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p.157.

17Em www.abong.org.br. (site da Associação Brasileira dasorganizações não governamentais), acesso em 17 de agosto de2010.

18SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p. 77 .

19 SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p. 77.20

SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p. 78.21

LEAL, Rogério Gest; STEIN, Leandro Konzen. Esfera Pública eParticipação Social: possíveis dimensões jurídico-políticas dosdireitos fundamentais civis de participação social no âmbito dagestão dos interesses públicos no Brasil. Revista Eletrônica sobrea Reforma do Estado, número 13, Salvador, 2008, p. 18.

22LEAL, Rogério Gesta. Op. cit., p. 21.

23 Patrick Heller, T.M.; Thomas Isaac, em SANTOS, Boaventura deSouza. Op. cit., p. 605.

24Bernard Manin em WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares.Democracia Deliberativa. São Paulo: Singular, 2007, p. 23-4.

25Bernard Manin em Werle, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares.Op. cit., p. 24.

26 FOLLESDAL, Anthony. apud LEAL, Rogério Gesta. Demarcaçõesconceituais preliminares da democracia deliberativa: matrizeshabermasianas. Texto não publicado.

27 WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares. Op. cit., p. 48.28

Idem, ibidem, p. 50.29 Idem, ibidem, p. 51.

Page 177: Democracia Deliberativa

176 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

30Idem, ibidem, p. 68.

31 WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares. Op. cit., p. 78.32

Idem, ibidem, p. 82.33 Bernard Manin em WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares.

Op. cit., p. 44.34

BURKE, Edmund em LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituaispreliminares da democracia deliberativa: matrizes habermasianas.Texto não publicado.

35PNUD. Programa Nações Unidas Desenvolvimento .Relatório dasNações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano de 2006:<www.pnud.org.br/rdh/>. Acesso em: 27 nov. 2009.

36SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed.São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2009, p. 81.

37GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Outorga de direito de uso daágua: aspectos legais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo,ano 07, n. 26, abr./jun. 2002, p. 154.

38 BRASIL, Lei n. 9433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a PolíticaNacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional deRecursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 daConstituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/civil_03/LEIS/L9433.htm> Acesso em 26/10/2009.

39SILVA, Solange Teles da. Aspectos jurídicos da proteção das águassubterrâneas. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, ano 04, n.32, p. 216, abr./jun. 2004.

40Em www.cbh.gov.br, acesso em 24 de julho de 2010.

41 A título de ilustração cabe referir que, atualmente, no estado doRS, existem 23 Comitês de Bacias Hidrográficas. Informaçõesobtidas junto à página da Secretaria Estadual de Meio Ambientewww.sema.rs.gov.br em 14 de agosto de 2010.

42O artigo 26 da Lei Federal 9.433 de 1997 apresenta uma definiçãodos Planos de Bacia, conforme segue: Art. 26 - O Planos de BaciaHidrográfica têm por finalidade operacionalizar, no âmbito de cadabacia hidrográfica, por um período de 4 anos, com atualizaçõesperiódicas a cada 2 anos, as disposições do Plano Estadual deRecursos Hídricos, compatibilizando os aspectos quantitativos equalitativos, de modo a assegurar que as metas e usos previstospelo Plano Estadual de Recursos Hídricos sejam alcançadossimultaneamente com melhorias sensíveis e continuas dosaspectos qualitativos dos corpos de água.

43GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas: disciplinajurídica das águas doces. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.159.

Page 178: Democracia Deliberativa

177Os espaços de deliberação na proteção dos recursos hídricos

44 CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política...e o meio ambiente?

Curitiba: Juruá, 2004, p. 189-90.45

CAUBET, Christian Guy. Op. cit., p. 109.46

BAUMGARTEN, Maíra. Habermas e a emancipação: rumo àdemocracia discursiva? Cadernos de Sociologia. n.10, p. 137-78.Porto Alegre: PPGS, 1998, p.6.

47 HABERMAS, Jürgen. Op.cit., p. 23.

48 HABERMAS, Jürgen. Op. cit., p. 23.49

Baumgarten, Maíra. Op. cit., p. 2.50 BAUMGARTEN, Maíra. Op. cit., p. 4.51

SAMPAIO, Tania Maria Marinho. A emancipação política emHabermas. Síntese - Rev. de Filosofia, Belo Horizonte, 1999, v. 26,n. 85, p. 259-68.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃOGOVERNAMENTAIS. <www.abong.org.br>, acesso em 17de agosto de 2010.

CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política...e o meioambiente? Curitiba: Juruá, 2004.

COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS. <www.cbh.gov.br>,acesso em 24 de julho de 2010.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Outorga de direito deuso da água: aspectos legais. Revista de Direito Ambiental.São Paulo: RT, ano 07, n. 26, abr./jun., 2002.

______. Outorga de direito de uso da água: aspectos legais.Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, ano 07, n. 26,abr./jun., 2002.

______. Direito das águas: disciplina jurídica das águasdoces. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidadee validade. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

Page 179: Democracia Deliberativa

178 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

2003.

KOH, Harold Hongju; SLYE, Ronald. Democracia Deliberativay Derechos Humanos. Madrid: Gedisa, 1999.

LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminaresda democracia deliberativa: matrizes habermasianas. SantaCruz do Sul: EDUNISC, 2011.

LEAL, Rogério Gesta; STEIN, Leandro Konzen. EsferaPública e Participação Social: possíveis dimensões jurídico-políticas dos direitos fundamentais civis de participaçãosocial no âmbito da gestão dos interesses públicos no Brasil.Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, número 13,Salvador, 2008.

PNUD. Programa Nações Unidas Desenvolvimento.Relatório das Nações Unidas sobre o DesenvolvimentoHumano de 2006: <www.pnud.org.br/rdh/>. Acesso em: 27nov. 2009

SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a Democracia.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SECRETARIA ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE.<www.sema.rs.gov.br>, acesso em 14 de agosto de 2010.

SILVA, Solange Teles da. Aspectos jurídicos da proteçãodas águas subterrâneas. Revista de Direito Ambiental. SãoPaulo, ano 4, n. 32, abr./jun., 2004.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7.ed. São Paulo: Malheiros Editores , 2009.

WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares. Democraciadeliberativa. São Paulo: Singular, 2007.

Page 180: Democracia Deliberativa

179Democracia deliberativa e justiça restaurativa

CAPÍTULO QUARTO:

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E JUSTIÇARESTAURATIVA

Cláudia Taís Siqueira Cagliari1

“O intelectual deve fazer uso público do saber profissionalque possui, por exemplo, na qualidade de filósofo, escritor, físico

ou cientista social, independentemente de seus contratos pessoaisou de instâncias superiores. Sem deixar de lado sua

imparcialidade, ele tem de manifestar-se à luz da consciência desua falibilidade. Deve limitar-se a temas relevantes e fornecer

informações, além de bons argumentos. Deve, por conseguinte,envidar esforços para melhorar o nível discursivo das

controvérsias públicas, o que é, ainda, lastimável.”

Jürgen Habermas

1 INTRODUÇÃO

A destranscendentalização do sujeito cognoscente,efetuada pela teoria do agir comunicativo em umaperspectiva pós-platônica, convence Habermas de que aautoconsciência – a qual configurava o polo principal doparadigma da filosofia moderna, em que era o centrogerador de sentido – não pode constituir-se a si mesmanem ser tida como um fenômeno único e isolado.Porquanto o espírito subjetivo adquire, por assim dizer,conteúdo e estrutura a partir de uma ancoragem noespírito objetivo de relações intersubjetivas que seestabelecem entre sujeitos que, por natureza, são seresque se socializam em determinados contextos enecessitam, terminantemente, dessa socialização para se

Page 181: Democracia Deliberativa

180 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

tornarem eles mesmos, seres autônomos e individuais.

Por conseguinte, na linha dessa interpretaçãointersubjetiva, a consciência particular do sujeito jamaispode ser considerada, a rigor, privada, já que ela, de fatoaté mesmo nos movimentos mais recônditos, alimenta-se de fluxos de uma rede cultural de valores e pensamentospúblicos expressados simbolicamente por linguagem ecompartilhados intersubjetivamente. Tal pressuposto, queconstitui, sem dúvida alguma, uma das molas mestras dopensamento habermasiano, transparece,inequivocamente, na seguinte passagem: “Jamaisconsegui aceitar a ideia de que a autoconsciência constituipor si mesma um fenômeno originário [...] somente nostornamos conscientes de nós mesmos nos olhares que um‘outro’ dirige a nós”.2

Todavia, Habermas não se limita a tecerconsiderações poéticas sobre tema fascinante daconstituição social e política do sujeito humano. Ao invésdisso, ele se dedica ao trabalho multifacetado, longo ecomplexo de soletrar sistematicamente essa ideia em umateoria crítica da sociedade, em uma teoria moral e emuma teoria política. E levado por tal propósito, ele buscainicialmente apoio na clássica fórmula aristotélica “zoonpolitikon” e no conceito “animal sociale et politicum”, deTomás de Aquino3 , que amplia e radicaliza a ideiaaristotélica. Ele traduz os dois conceitos para a seguinteasserção: o homem é um animal que vive em um espaçopúblico. Ou seja, ele é um ser vivo que conseguedesenvolver as competências que o transforma em umapessoa graças à sua inserção originária em uma realidadepública de relações sociais. Tal ideia é reforçada, aindamais, por esta outra: “Nós, homens, aprendemos uns dosoutros. E isso somente é possível no interior de um espaçopúblico capaz de fornecer estímulos culturais”.4

É interessante constatar que a escolha do paradigma

Page 182: Democracia Deliberativa

181Democracia deliberativa e justiça restaurativa

da constituição intersubjetiva do espírito humano permitiua Habermas configurar uma teoria do agir comunicativocom teor normativo. Este é obtido pelo viés da prática deargumentação ou do discurso5 , que se estabelece entresujeitos interessados em entendimento sobre algo que sefaz presente no seu mundo cotidiano, e, não, pelo viés deuma constituição ontológica do ente ou da subjetividadetal como é proposto pela fenomenologia.

De posse desse núcleo de ideias e pressupostos, elese dedica ao trabalho de pensar uma nova teoria crítica dasociedade que permite entender os fenômenos sociais emum contexto mais amplo e dinâmico. Ora, esse núcleo éimportante já que ele interpreta tais fenômenos naperspectiva de determinados processos de modernizaçãoou racionalização social, especialmente os que sedesencadeiam nos inícios das democracias americana efrancesa.

2 O HOMEM, A LIBERDADE E A AÇÃO COMUNICATIVAEM HABERMAS

No princípio dos anos setenta Habermas arrisca umpasso que será decisivo, não somente para afundamentação da sua concepção política, mas tambémpara o seu trabalho teórico posterior, isto é, ele substituia razão prática kantiana – que constitui uma faculdadesubjetiva – por outra razão, comunicativa, plural eargumentativa, ligada ao entendimento intersubjetivo.

Isso significa que ele retira, de certa forma, a razãoprática do nível kantiano onde ela constitui uma faculdadesubjetiva concentrada exclusivamente no elemento morale a transporta para o interior da linguagem. Aqui elaassume forma comunicativa prestando-se a três modosde utilização distintos e, ao mesmo tempo, interligados, a

Page 183: Democracia Deliberativa

182 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

saber: continua mantendo uma ligação, agora não maisexclusiva, com o elemento moral; pode ser utilizada paraa construção ou descrição de estruturas da consciência;presta-se a explicações empíricas e a interpretaçõesfuncionais.

Tal racionalidade inerente ao entendimentointersubjetivo mediante a linguagem forma um conjuntode condições pragmáticas que são paradoxalmentetranscendentais e, a um só tempo, destranscenden-talizadas.

Para tornar claro o argumento de Habermas sobre asubstituição da razão prática kantiana pela razãocomunicativa, reconstrói-se o conceito de razãocomunicativa no propósito de demonstrar que é possívelorientar o entendimento entre os participantes pela viada comunicação.6

Nota-se a atenção do autor para com a racionalidadeinerente ao entendimento intersubjetivo. Demonstrou-seque sua pretensão foi substituir a razão prática kantianapela razão comunicativa, assim a forma comunicativa sepresta à utilização de modos distintos.

De acordo com o autor, quem age comunicativamenteé obrigado a apoiar-se em pressupostos contrafactuais einevitáveis. Esse fator concentra a racionalidade existentenos pressupostos pragmáticos da própria linguagem comounificadores de elementos voltados para o entendimentomútuo. No entender do autor,

[...] essa racionalidade comunicativa exprime-se naforça unificadora da fala orientada ao entendimentomútuo, discurso que assegura aos falantesenvolvidos um mundo da vida intersubjetivamentepartilhado e, ao mesmo tempo, o horizonte nointerior dos quais todos podem se referir a um únicoe mesmo mundo objetivo.7

Page 184: Democracia Deliberativa

183Democracia deliberativa e justiça restaurativa

O meio linguístico é o modo pelo qual as interaçõessociais se interligam e as formas de vida se estruturam,desse modo, ele pode desempenhar a função deentendimento entre os participantes das açõescomunicativas. Assim, a racionalidade inscrita nacomunicação se configura como entendimento sobrepretensões de validade de atores sociais.8

A razão comunicativa, assim proposta, fornece aoindivíduo a possibilidade de orientar suas ações com baseem pretensões de validade. Ela se desdobra num amplocampo de pretensões de validade, que inclui não somentea verdade proposicional e a veracidade subjetiva, mastambém a correção das normas sociais, as quais sãocriticáveis, ou seja, abertas a um esclarecimentointersubjetivo pela via da argumentação.

A ideia diretriz que conduz a teoria da razãocomunicativa é, em síntese, a seguinte: quando qualquerator fizer uso da linguagem natural com o objetivo de umentendimento com o outro sobre algo no mundo, sente-seforçado a adotar um enfoque performativo, e o enfoque deum participante em uma interação, o qual o obriga aaceitar determinados pressupostos. Os participantes dasinterações comunicativas têm que tomar como ponto departida o fato de que cada um deles, ao perseguir semreservas seus fins, é obrigado a reconhecerintersubjetivamente as pretensões de validade. Já adisposição de aceitar a obrigatoriedade relevante àsconsequências das interações que resultam do consensosão de responsabilidade de cada sujeito que participa dasinterações comunicativas.

O ponto de inflexão é o entendimento que, ao mesmotempo, é o elemento norteador. Ou seja, os participantesenvolvidos em questões controversas fazem ofertas naforma de pretensões de validade através de atos de fala ebuscam encontrar assentimento intersubjetivo, no sentidode orientar-se intersubjetivamente. Desse modo, a oferta

Page 185: Democracia Deliberativa

184 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

contida no ato de fala poderá ser sobre pretensões deverdade, de correção de normas morais e de sinceridade.

Nota-se no fragmento citado, que o autor leva emconta a realidade social como também as ordenações dasociedade as quais os atos de fala regulativos se referem,pois estão ligadas desde o início com as pretensões devalidade normativa. Para ele: “As pretensões de valideznormativa mediatizam manifestamente, entre alinguagem e o mundo social, uma dependência recíprocaque não existe para a relação da linguagem e do mundoobjetivo [...]”.9

Porquanto é possível afirmar a importância da razãocomunicativa para a compreensão do pensamento políticohabermasiano, uma vez que as próprias decisões políticastêm a ver com pretensões de validade sobre questõesenvolvendo a correção de normas, já que os jogoscomunicativos dos atores políticos buscam alcançar aformação da opinião e da vontade coletiva de todos. Destaforma, o agir comunicativo regulado por pretensõesnormativas busca orientar as tomadas de posição dospróprios atores na arena social onde se discutempretensões de validade. Tal discussão racional é livre epossível graças à liberdade comunicativa inerente à razãocomunicativa.

A natureza intersubjetiva do homem descrita pelateoria de Habermas parte da ação comunicativa inerenteàs relações humanas. A razão comunicativa é pressupostano interior das relações quando elas se orientam peloentendimento. Por essa razão, as interações sociais sãofundamentais para a formação coletiva da vontade e paraa estruturação das ações políticas. Por isso, o autor defendeque a mediação comunicativa intersubjetiva éfundamental para o desenvolvimento da esfera pública eda esfera privada sob o ângulo da autonomia.

A liberdade comunicativa pode ser tida como um

Page 186: Democracia Deliberativa

185Democracia deliberativa e justiça restaurativa

pressuposto da própria razão comunicativa. Pois constituia possibilidade de alguém se posicionar discursivamentea respeito de exteriorizações de um interlocutor e arespeito de pretensões de validade que dependem dereconhecimento recíproco.

Nesse sentido, a liberdade comunicativa depende deuma relação intersubjetiva vinculada com aobrigatoriedade ilocucionária, uma vez que ao dizer algo olocutor sempre realiza algo. O que significa afirmar: aoproferir uma frase um falante levanta implicitamente umapretensão de validade do que está declarando e assume,ao mesmo tempo, a obrigação de apresentar argumentoscapazes de justificar tal pretensão, caso ela venha a sercontestada por um ouvinte que faz uso de sua liberdadecomunicativa, isto é, que se posiciona criticamente emrelação à pretensão de validade do falante.

De acordo com Siebeneichler:

Neste sentido, a liberdade comunicativa dependede uma relação intersubjetiva vinculada àquilo queAustin designa como ‘obrigatoriedadeilocucionária’, já que, ‘ao dizer algo’ o locutor ‘fazalgo’. Isso significa que o falante ou locutor sempreatribui algo ao seu ato ilocucionário num contextode locução específico.10

A liberdade de tomar posição frente a pretensões devalidade é entendida por Habermas como um direito políticofundamental. Tal liberdade comunicativa atribuídareciprocamente não pode ser confundida com as liberdadessubjetivas protegidas por direitos, as quais caracterizama autonomia privada garantida pelo direito. Desse modo,toda a tomada de posição apoiada na liberdade subjetivanão busca fundamentar as pretensões de validade emrazões aceitáveis por todos, pois os demais sujeitospossivelmente não poderiam aceitar as mesmas razões.

Page 187: Democracia Deliberativa

186 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Por isso, a autonomia privada é garantida pelo direito,e pode ser entendida como liberdade negativa que confereao participante o direito de retirar-se das obrigaçõesilocucionáiras que todos se atribuem reciprocamente noato comunicativo. Neste espaço privado o participante podeassumir uma atitude de observador, ou mesmo, umaatitude estratégica.11

A primordialidade da liberdade comunicativa édecisiva para o projeto político habermasiano, pois ela tornapossível o exercício da autonomia política pública nocontexto de direitos de cidadãos de um Estado democrático.Por isso, o gozo dos direitos fundamentais12 e a liberdadesubjetiva negativa constituem uma prática deautodeterminação de sujeitos imputáveis no direito e naspretensões de validade. Mas isso não afeta a importânciado direito e da democracia na política.

Por conseguinte, a liberdade comunicativa não afeta,de forma alguma, a importância do direito e da democraciana política. Mas, no projeto político habermasiano, aautodeterminação de sujeitos imputáveis se apoia sobreo resgate discursivo de pretensões de validade e o direito.É importante destacar que o princípio da democraciaradical que pretende viabilizar a configuração de umsistema de direitos que faça jus à autonomia privada deum sujeito de direitos e, ao mesmo tempo, à públicadepende tanto de uma quanto de outra.

Para Habermas, uma política adequada à naturezasocial e subjetiva tem de ser pensada em termos de umaordem a ser criada por cidadãos, apoiado em um sistemade direitos e em instituições democráticas, porque oscidadãos participam de discursos práticos em umdeterminado espaço público político.

O caminho proposto pelo princípio do discurso visagarantir que as negociações possam ser igualitárias nosentido de participação igual de todos.

Page 188: Democracia Deliberativa

187Democracia deliberativa e justiça restaurativa

Nesse sentido, cita o autor:

[...] por isso, o caminho do princípio do discurso,que deve garantir um consenso não coercitivo, éindireto, desdobrando-se através de procedimentosque regulam as negociações sob pontos de vistada imparcialidade. Desta maneira, o poder denegociação não neutralizável deve ser disciplinado,ao menos através de uma distribuição igual entreos partidos. Se a negociação de compromissosdecorrer conforme procedimentos que garantem atodos a participação nas negociações e nainfluenciação recíproca, bem como na concretizaçãode todos os interesses envolvidos, pode-sealimentar a suposição plausível de que os aspectosa que se chegou são conformes à equidade.13

De acordo com o autor, existe uma ligação estreitaentre direito, política e moral. A política não somentefornece ao direito os meios de uma sanção legal, comotambém se aproveita, por seu turno, do direito para aconcretização de suas próprias metas, ao passo que odireito que funciona como um meio de organização do poder,tem que ser justificado de um ponto de vista moral, mesmoque não possa ser fundado nela. Isso se deve ao fato deque as matérias carentes de regulamentação jurídicaexigem, na maioria dos casos, justificações complexas –em discursos e argumentações práticas – que envolvemvários tipos de argumentos: empíricos, éticos, estratégicos,pragmáticos, morais, etc.

Visto que o poder político constitui, no entender deHabermas, o único meio de que dispomos para domesticarou influenciar de modo coercitivo as condições sistêmicase as formas institucionais de nossa existência social.Trata-se, evidentemente, de uma “domesticação” jurídico-institucional do poder político a ser controladademocraticamente. Contudo, o poder político não se deixa

Page 189: Democracia Deliberativa

188 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

moralizar diretamente por nenhum tipo de modelo, sejaele inspirado na ideia platônica do bom senhor ou na ideiade uma práxis revolucionária utópica.

Por ora, os conceitos chaves apresentados acimaformam recursos valiosos para Habermas nafundamentação da sua teoria sobre a democracia. Issotudo, porque a esfera pública é o principal elemento, ouseja, desde as primeiras investigações filosóficas o autorjá assinala a preciosidade que ela detém em um sistemademocrático. A esfera pública produz o âmbito político nodecorrer da história. Na teoria de Habermas, ela é umaespécie de caixa de ressonância que detecta os problemascomo um todo, isto, através dos canais de comunicação(discurso).

Para a democracia habermasiana só faz sentido aesfera pública se também for possível estabelecer umacomunicação libertária que permita a cada participantedo discurso fazer uso dos direitos de participação no âmbitopúblico político. Com esse fim, o princípio do discursoassume forma de um princípio democrático na medida emque todos os participantes das questões controversas sãoouvidos e atendidos de modos iguais e equânimes. É emposse desses conceitos que Habermas estrutura suapolítica em uma democracia radical.

3 ESTADO E DEMOCRACIA DELIBERATIVA

É possível observar um pressentimento otimista paracom a política no pensamento de Habermas.

A soberania se faz e acontece via democracia,entendida no seu sentido radical, no modo possível depromover a participação de todos os indivíduos no processode escolha dos representantes administrativos do estado.

Page 190: Democracia Deliberativa

189Democracia deliberativa e justiça restaurativa

Para dar conta de uma teoria política que culminacom uma democracia radical, o autor elenca algunsconceitos essenciais que são elementos chaves parafundamentar a sua política. Dentre eles: esfera pública,liberdade comunicativa e princípio do discurso.

A noção de esfera pública busca revitalizar o processopolítico incluindo a comunicação e a moralidade comocaracterísticas fundamentais do próprio processo.14

Nesse contexto a liberdade comunicativa é umconceito chave para responder adequadamente o processopolítico pensado por Habermas. Nesse sentido, a liberdadecomunicativa é descrita como a liberdade de tomar posiçãofrente às pretensões de validade, com isso, ela tornapossível o exercício da autonomia política. Contudo,qualquer participante pode abandonar a discussão política,pois este tem direito de manifestar ou não seuconsentimento, este potencial inerente à própriacomunicação forma uma situação anárquica, que éimprescindível no caso da comunicação. As fontes deliberdade comunicativa estão fundamentadas nalegitimidade do processo que os espaços públicos fornecemmediante a participação política.

Se a esfera pública encontra-se munida da liberdadecomunicativa, faz-se necessário um modo de analisar asquestões controversas em um sentido legítimo enormativo. Desse modo, Habermas propõe um princípio dodiscurso que se destina à fundamentação de pretensõesde validade. E, através deste princípio o autor forma a baseconceitual para o princípio moral e o princípio dademocracia. Assim, só podem pretender validade asnormas que obtiverem o assentimento de todos os possíveisatingidos e, por conseguinte, todos os que forem atingidosfuturamente pelas leis regulamentadas.

Ora, os conceitos chaves na teoria política deHabermas são fundamentais para dar conta do

Page 191: Democracia Deliberativa

190 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

pressentimento sobre a democracia, tendo em vistasempre a soberania popular como um processo que seencontra em constante desenvolvimento em sentidohistórico e dialético.

Objetiva-se explorar o direito fundamentado na teoriado agir comunicativo. Com isso, fundamentar umademocracia deliberativa, reinterpretando os conteúdos dapolítica secularizada.

A participação política antes controlada por umsistema técnico passa a ser aberta a todos os possíveisenvolvidos em questões que lhe atingem. Visto que aparticipação política é o resultado da formação do poderpela via da comunicação, o que torna legítimo tudo aquiloque a comunidade e/ou sociedade achar necessário e seraceita por todos, ou pela grande maioria. Neste processo,a comunicação conta com o direito, a moral e a democraciacomo método para eleger as causas questionáveis.

Por isso, o autor atribui à sociedade civil um pesoimportante já que esta é uma forma de tornar os processoscomunicacionais em canais para expor patologias sociais.A sociedade civil se compõe de organizações, movimentos,associações que captam os problemas sociais etransmitem para a esfera pública no intento de solucionaisos mesmos. Para a efetiva funcionalização da sociedadecivil é necessário o exercício da autonomia dos cidadãosgarantidos pelo Estado na forma de direitos de participação.

O Estado pensado sob a estrutura de direitofundamentados na teoria do agir comunicativo conseguemoldar a soberania popular interligada internamente coma liberdade subjetiva, em que todo poder político parte dopovo. Por isso, a ideia do Estado de direito exige emcontrapartida uma organização do poder público que obrigaa poder político a se legitimar.

A democracia pensada por Habermas depende,também, da solidariedade. Mas, a característica primordial

Page 192: Democracia Deliberativa

191Democracia deliberativa e justiça restaurativa

deste modelo de democracia consiste na ligação entre opoder comunicativo e a soberania popular. O autor salientaque diante do panorama atual onde a única forma deentendimento entre os sujeitos é a comunicação, épossível configurar a democracia com a razãocomunicativa.

A soberania popular, na compreensão do autor, é oresultado de um Estado que promove a participação dosseus cidadãos através da formação da vontade política. Ditode outro modo, o autor converte o conceito de ágora emarena, espaço formado pelos debates sobre as questõespertinentes à esfera pública. Cabe a cada sujeito participarou não do processo de formação das deliberações.

Ora, vale a pena destacar a importância que o autorpromove para com os cidadãos, ou seja, a cidadania só épossível quando existir liberdade comunicativa. Então, aação dos participantes e pertencentes a um Estado sãotratados de modo igual, com seus direitos e deveres.15 Umacaracterística intrínseca deste processo é a noção dedemocracia que assume um papel diferenciado, pois aoatribuir a comunicação o processo principal desta é possívelocorrer o dissenso em questões controversas, este risco éo que se paga pelo fato de desejar uma democracia radical.

Se as deliberações são tomadas através dasparticipações dos cidadãos, e estes possuem seus direitosguardados pelo Estado, então a legitimidade do processodemocrático ocorre a partir da legalidade. Ou seja, paraque algo seja legítimo todos devem poder dar o seuconsentimento, de outro modo, para se julgar se algo ébom para todos. A validade é o resultado do assentimentode todos neste caso. A legitimidade é característica dopróprio processo democrático, e a legalidade significa aobediência do processo em relação aos padrõesestabelecidos pelo Estado.16

A partir dos apontamentos de Habermas sobre o

Page 193: Democracia Deliberativa

192 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Estado de direito e as características do processodemocrático é possível mostrar a co-originariedade entredireito, moral e democracia. Tal demonstração é notávelou perceptível na arena de onde parte as deliberações.Contudo, os três elementos são distintos: a moral seconstitui num nível interno da argumentação e faz partede cada sujeito, o direito regula a participação dos sujeitosno processo e a democracia constitui o método pelo qualos sujeitos elegem as suas deliberações e/ourepresentantes.

O processo democrático tem o papel de salvaguardara autonomia privada e a autonomia pública, com isso, apolítica consiste em uma transformação de formasvoluntárias e conscientes em uma associação de parceiroslivres e iguais em direitos. Dito de outro modo, o ato políticoque fundamenta as decisões coletivas desembocam naformação da vontade geral.

Em um mesmo sentido, a concepção política dademocracia deliberativa consiste em primeira linha naautodeterminação ética de uma comunidade jurídica.Disso resulta uma política que parte da eticidade concretada comunidade em relação aos direitos humanos.

O ponto de fundamentação desse modelo dedemocracia é o princípio do discurso. Assim, ainstitucionalização da formação da vontade políticaracional depende do meio pelo qual a vontade geral éexpressa. Com isso, as determinações desse processogeram aos seus destinatários compromissos que devemser adequados de acordo com as decisões estabelecidas, oque permite uma participação não coativa de todos e, aomesmo tempo, forma resultados aceitáveis por todos.

Em resumo, a democracia deliberativa é constituídade um processo político que parte do discurso, assegura aliberdade comunicativa e por meio de uma arena políticaou ato político elege as melhores maneiras de coordenar o

Page 194: Democracia Deliberativa

193Democracia deliberativa e justiça restaurativa

aparato estatal. Nesta formulação o processo democráticoassume um papel inovador e radical, pois ele faz uso dasformas de comunicação supostamente ancoradas na morale no direito, tratando os espaços públicos com poderes deadequação à complexidade social deste período histórico.Uma vez que não é mais possível imaginar um espaçopúblico homogêneo, igualitário. O panorama atual deve darconta de adequar o ingresso de novos grupos na esferapública e a expansão dos direitos de cidadania.17 Diantedisso, a democracia radical amplia o âmbito da atividadepolítica, fertilizando-a com os fluxos comunicacionaisprovenientes da sociedade civil.

Frente ao panorama político atual, o autor destacaque sua teoria é uma via alternativa, pois compartilhaelementos com o republicanismo e o liberalismo. Ou seja,o modelo habermasiano de democracia enfatiza oautoentendimento ético (republicanismo) na forma decompromisso entre as partes (liberalismo).

Em contraponto, a neutralidade de conflito que ademocracia habermasiana enfatiza pode ser analisada noseguinte contexto: as diferenças culturais, sociais epolíticas constatadas no âmbito dos Estados são cada vezmais penetrantes. Na interpretação da democraciadeliberativa a neutralização de conflitos de valores noâmbito de um Estado de direito oscila entre a garantia dacoexistência em igualdade de direitos e o asseguramentoda legitimação mediante procedimentos.

De posse desses apontamentos é possível afirmar quea teoria política de Habermas se compõe em umademocracia radical, pois supera as duas outras formas depolíticas, os liberais e os republicanos. Tal postura podeser entendida como resultado de uma construção metódicada política sobre a teoria comunicativa. Disso resulta apossibilidade de fundamentar uma democracia numasociedade mundial.

Page 195: Democracia Deliberativa

194 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Em suma, os indícios de uma sociedade mundial jáexistem, necessitamos de uma democracia deliberativapós-nacional, que possa regular a participação igualitáriae assumir o processo democrático com objetivo deassegurar a participação igualitária e justa de todos osatingidos pelas decisões sobre as questões controversassem afetar a compreensão ética e moral dos indivíduos.

4 O DIALOGAL COMO INSTRUMENTO DO PROCEDERRESTAURATIVO

As práticas restaurativas representam umaalternativa de resolução de conflitos que se valem doprocedimento do discurso, ou seja, as partes interessadasno conflito reúnem-se e abordam de maneiraargumentativa sobre as necessidades e consequênciasocasionadas pelo dano. Cada sujeito tem seu momento defala e exposição de seus sentimentos e argumentos sobreo fato.

A Justiça Restaurativa está voltada para a promoçãode um espaço favorável ao diálogo entre os atores sociaisdispostos a cooperarem e entenderem-se mutuamentesobre o conflito, visando um processo de socialização e deinclusão social dos mesmos, fazendo com que se sintamparte de sua comunidade, diferentemente da aplicação friada lei, quando não são levadas em consideração asquestões sociais e emocionais da vítima e do ofensor.

O que se busca com as práticas restaurativas pelajustiça é que as partes envolvidas no processo tenham apossibilidade de ser escutadas e principalmente queconsigam escutar, bem como reconhecer as necessidadesbásicas e humanas do outro. Do mesmo modo, que ao criare possibilitar um espaço para se exercer atoscomunicativos e se buscar acordos mútuos, espera-se que

Page 196: Democracia Deliberativa

195Democracia deliberativa e justiça restaurativa

os atos violentos ou instrumentais sejam deixados de lado,dando lugar ao entendimento e à compreensão mútua,proporcionando a condição de sujeitos de direitos, quetambém se dá pelo reconhecimento da sua efetivacidadania.

Discutir, portanto, justiça restaurativa é umacontribuição para a construção de alternativas à justiçaretributiva, ou tradicional vigente, e aos seus resultadosinsatisfatórios, visando uma sociedade mais justa.

Na medida em que se apresenta como um novomodelo não adversarial de resolução de conflitos, no qualas pessoas implicadas decidem conjuntamente as soluçõespara o conflito e seus impactos – por meio da cooperaçãopara o alcance do que é tido como justo pelas partes –,surge a hipótese de que tais características, entre outras,possibilitam pensar a justiça restaurativa como umapossível via para a humanização da resolução de conflitos,ou seja, uma nova proposta de justiça.

Portanto, o que se busca, tendo como cenário de fundoa permanente revisão crítica do proceder pelo sistemaacusatório da tradição retributiva, a busca de algo novo,focado nas necessidades dos protagonistas do fato, queforam direta e indiretamente atingidos pelasconsequências,é a instalação de um diálogo como oinstrumento básico para a busca por respostas.

Acredita-se nos aspectos positivos da ressocializaçãodo adolescente, resgatando sua autoestima econscientizando-o de seu papel como cidadão,reintegrando-o à comunidade em que vive, sempreconceitos.

Apesar da Justiça Restaurativa ainda se encontrarnum estágio embrionário no Brasil, a mesma vem sendoutilizada em países como Nova Zelândia, Inglaterra,Alemanha, Estados Unidos, entre outros, há mais de trintaanos. Os bons resultados práticos colhidos nesses países

Page 197: Democracia Deliberativa

196 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

impulsionaram o Conselho Econômico e Social das NaçõesUnidas a editar a Resolução 2002/12 – Princípios BásicosPara Utilização de Programas de Justiça Restaurativa emMatéria Criminal, na qual há recomendações para que aJustiça Restaurativa seja implantada em todos os países.Nessa resolução, a proposta de Justiça Restaurativa édefinida como um “programa que use processosrestaurativos e objetive atingir resultados restaurativos”.Nesse programa, a vítima e o ofensor, bem como membrosda comunidade que foram afetados pelo conflito emquestão, participam ativamente na resolução das questõesoriundas desse conflito, com a ajuda de um facilitador oumediador.

Essa nova abordagem promovida pela JustiçaRestaurativa é o que a torna tão especial perante osdemais processos alternativos. A busca pela reparação nãoé só do bem violado, mas do sentimento da vítima, doinfrator e de toda a comunidade afetada, buscando aindauma efetiva ressocialização do infrator e reparação dedanos, saciando a sede por justiça da sociedade. É nessesentido que Damásio de Jesus18 ressalta a importânciada Justiça Restaurativa com a finalidade especial de supriras necessidades emocionais das vítimas e,consequentemente, fazendo com que o ofensor assuma aresponsabilidade por seus atos.

Sabe-se que o sistema de Justiça Retributiva apenaspune os transgressores, não levando em consideração asnecessidades emocionais e sociais das pessoas envolvidasno crime. Nesse contexto surge a Justiça Restaurativa,no incentivo pela mudança de paradigmas buscandorestaurar sentimentos e relacionamentos positivos entrea comunidade.

Diante da realidade da aplicação fria da lei, em quenão são levadas em consideração as questões sociais eemocionais da vítima e do ofensor, pretende-se estudaras questões atinentes à Justiça Restaurativa voltada ao

Page 198: Democracia Deliberativa

197Democracia deliberativa e justiça restaurativa

adolescente infrator, visando um processo de socializaçãoe de inclusão social do mesmo, para que ele se sinta partede sua comunidade19 e não simplesmente um infrator queé julgado e estigmatizado.

O ato infracional para a Justiça Restaurativa nãodeve ser visto apenas como conduta típica que atentacontra o patrimônio de alguém, mas, antes disso, deve servisto como uma violação nas relações entre o infrator/ofensor, a vítima e a comunidade. Assim, a justiça vaiverificar as necessidades e obrigações oriundas dessaviolação, bem como o trauma causado que deve serrestaurado.

Tal verificação, de acordo com Pinto20 , se dará pormeio do diálogo, oportunizando e encorajando as pessoasenvolvidas a chegarem num acordo, afinal os mesmos sãoos sujeitos centrais do processo. Assim, a justiça fará comque as responsabilidades pelo cometimento do delito sejamassumidas e, em consequência, que as necessidadesprovenientes da ofensa sejam satisfatoriamente atendidasvisando uma cura, ou seja, que um resultado socialmenteterapêutico seja alcançado.

O mesmo autor salienta, ainda, que o pedido dedesculpas, a reparação do dano, a prestação de serviçoscomunitários podem reparar o trauma moral e emocional,visando a restauração do bem e principalmente a inclusãodo menor infrator.

Enfatiza-se a importância do diálogo para a JustiçaRestaurativa, pois acredita-se inicialmente que ele trarábenefícios para a vítima propiciando a ela uma sensaçãode que está sendo tratada de forma mais justa que noproceder acusatório da tradição retributiva.

Além de trazer benefícios para a vítima, acredita-seque os benefícios são ainda maiores para o ofensor,especialmente se este for um adolescente que se encontracom todas as crises típicas de sua idade, afinal o encontro

Page 199: Democracia Deliberativa

198 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

com a vítima propicia uma maior consciência dos danosproduzidos, além de fazer perceber a justiça do tratamentoque, de acordo com o posicionamento de Konzen, é fatorrelevante para compreender a necessidade de respeitar alei, sendo que o diálogo instrumentaliza a prevenção dareincidência, buscando a ressocialização e a inclusão.

Por essa forma de perceber o proceder pelarestauratividade, o diálogo tem valor em si mesmo,que se vê anulado quando o proceder obedece arigidez formal do proceder pelo sistema acusatório,em que a solução, ao final, é imposta pelo juizindependente da vontade ou até mesmo à reveliados argumentos debatidos pelas partes.21

Portanto, a Justiça Restaurativa está fundamentadaem valores morais e éticos, mas também no respeito àparticipação ativa no processo do ofensor, do ofendido edas suas respectivas comunidades, afinal, o papel do Estadoé preservar a ordem social, mas cabe também àcomunidade a busca constante pela ordem social e aressocialização de seus ofensores.

Destarte, a Justiça Restaurativa tem se desenvolvidocom uma abordagem esperançosa para os interlocutoresdo conflito. Pois é um instrumento de construçãocomunitária. O ofensor, a vítima e a comunidade possuemuma parcela de corresponsabilidade sobre o fato que gerouo ato infracional.

O Estado deve consolidar no espaço local políticaspúblicas com a família, a escola e com a comunidade.Quando se fala em instituição estatal, direciona-se,também, para o poder Judiciário, que deve mobilizar osdemais atores sociais para afrontar a violência. Por isso,a construção da emancipação dos atores sociais, citadosacima, carece de políticas públicas que venham aoencontro de explorar os capitais sociais e humanos.

Page 200: Democracia Deliberativa

199Democracia deliberativa e justiça restaurativa

Nos últimos anos, a questão comunitária vem setornando muito mais parte da justiça restaurativa,mas também mais complexa e contenciosa. Muitosdefensores da justiça restaurativa entendem queela não estará completa a menos que a comunidadeesteja plenamente representada no processorestaurativo. Alguns argumentam que asabordagens de justiça restaurativa, com osprocessos circulares, têm potencial para incentivaruma forma mais participativa de democracia noâmbito da comunidade. Eles sugerem que um doscritérios de avaliação da justiça restaurativa sejajustamente sua capacidade de fortalecer acomunidade. Seja como for, as comunidades têminteresse porque em certa medida elas também sãovítimas, e também têm obrigações.22

Nota-se, nesse contexto, que para se conseguir êxitona Justiça Restaurativa é de extrema importância aparticipação ativa da comunidade, de modo cooperativo,solidário e responsável. Para tanto, é necessárioreconhecer o capital social e o seu fortalecimento com aspolíticas públicas.

A composição de uma comunidade define-se comoum espaço instituído de pessoas coesas, dispõe de umaopulenta fonte de atrelamento a ser explorada – o capitalsocial.23 Portanto, o capital social é um instrumento degrande valia para o estabelecimento da comunicação e doentrosamento para dirimir conflitos sociais e zelar pelacooperação de seus membros no enfrentamento de taisquestões.

As práticas da Justiça Restaurativa, definidas pelasNações Unidas em 2002, referem-se a um processo emque todas as partes envolvidas em um ato que causouofensa unem-se para decidir coletivamente como lidar comas circunstâncias decorrentes desse ato e suasimplicações. Para tanto, a Justiça Restaurativa, de acordocom Vasconcelos, tem como paradigma:

Page 201: Democracia Deliberativa

200 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

[...] o protagonismo voluntário da vítima, do ofensorda comunidade afetada, com a colaboração demediadores, a autonomia responsável e nãohierarquizada dos participantes e acomplementaridade em relação à estruturaburocrática oficial, com respeito aos princípios deordem pública do Estado Democrático de Direito.24

Portanto, esse novo paradigma consiste numprocesso voluntário relativamente informal, o qual ocorreem espaços comunitários25 , com a intervenção defacilitadores, permitindo o uso de técnicas de mediação,conciliação e transação com o objetivo de alcançar umacordo restaurativo que supra com as necessidadesindividuais e coletivas das partes, logrando, porconseguinte, a integração social de todos os envolvidos noconflito.

A Justiça Restaurativa se apresenta como umaabordagem diferente à justiça penal, eis que se focalizana reparação dos danos causados às pessoas e aosrelacionamentos, em detrimento da mera respostapunitiva aos transgressores. Isto é, a Justiça Restaurativabusca promover a inclusão da vítima e ofensor a partir decomunidades de assistência, permitindo, desta forma, queas partes diretamente envolvidas ou afetadas possamparticipar de processos colaborativos, cujo objetivo se dána redução do dano ao mínimo possível.

A Justiça Restaurativa voltada ressocialização doadolescente infrator tem se mostrado eficaz em relaçãoaos jovens infratores. As medidas socioeducativasapresentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescentealiadas ao sistema restaurativo se apresentam, de acordocom Konzen, como um novo paradigma que desafia opensamento jurídico para novas exigências.

Para Konzen, muitos defensores do Estatuto daCriança e do Adolescente se recusam a falar em penas

Page 202: Democracia Deliberativa

201Democracia deliberativa e justiça restaurativa

para os jovens menores de 18 anos, afinal, o ECA apenasdetermina medidas socioeducativas, que são cumpridasem instituições socioeducativas. Portanto, não haveriapenas privativas de liberdade, mas tão somenteinternações com fins socioeducativos.

Entendo os motivos e as boas intenções. Mas asconsequências desse purismo conceitual sãoparadoxais: a opinião pública acredita no que ouve,compra gato por lebre e acaba convencida de queos jovens infratores ficam impunes, divertindo-secom aulas de boas maneiras. Resultado: cobrampunições. Na verdade, quem já frequentou umadessas instituições ‘socioeducativas’ logocompreenderá o que são as tais medidas‘socioeducativas’. Elas nada têm de minimamenteparecido com o sentido elevado da expressão queos legisladores cunharam, sonhando outros brasis.A garotada fica mesmo enjaulada, frequentementeem condições sub-humanas, muito pouco diferentedaquelas em que se encontram os presídios - estesestágios superiores para os quais a prepara eempurra o inferno das Febens e Degases.26

Portanto, deve-se, independente de conceitos ouexpressões, defender uma verdadeira aplicação do ECA emostrar que, se a meta é castigar e vingar, a violênciainstitucional já está de bom tamanho, mas se o objetivo éafastar o jovem do crime, Konzen defende que é preciso iralém, ou seja, oferecer uma oportunidade de mudança aojovem infrator, estimulando-o a se desenvolver, comopessoa, fortalecendo sua autoestima e, principalmente,separar o futuro do passado, ou seja, não deixá-lo amarrado,estigmatizado pela infração cometida.

O autor supracitado reforça ainda que na construçãode um modelo penalógico minimalista redutor de danos,como pretende a Teoria Garantista, a pena se apresentacomo guardiã do direito do infrator, na condição de ser ou

Page 203: Democracia Deliberativa

202 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

não punido pelo Estado, dando um novo olhar ao direto penale ao processo penal, não mais direcionado à tutela social,mas sim à proteção da pessoa que se encontra em situaçãode violência privada. Assim, de acordo com Ferrajoli:

Precisamente, a tutela daqueles valores ou direitosfundamentais, cuja satisfação, mesmo contra osinteresses da maioria, constitui o fim justificantedo direito penal, vale dizer, a imunidade doscidadãos contra a arbitrariedade das proibições edas punições, a defesa dos fracos mediante regrasdo jogo iguais para todos, a dignidade da pessoado imputado, e, consequentemente, a garantia dasua liberdade, inclusive por meio do respeito à suaverdade.27

Nesse sentido, existe uma questão ainda nãoresolvida em relação ao paradoxo de privar ou restringir aliberdade alimentando, ao mesmo tempo, a expectativa dever superadas as causas do infringir do ordenamentojurídico penal. Portanto, Konzen afirma que pelaincapacidade do sistema prisional de cumprir com a suafunção de devolver o apenado ao convívio social, a pena deprisão encontra-se em crise pelos altos riscos dereincidência. Situação semelhante acontece nosprogramas de execução das medidas socioeducativas.

Diante dessa realidade, pretende-se refletir acercada Justiça Restaurativa como um novo modo de resolver oconflito que não seja necessariamente através do procederoferecido pelo sistema acusatório da tradição retributiva.A partir da origem e dos fundamentos do movimentorestaurativo, pretende-se relacionar o tema à pertinência,às limitações, às conveniências, às perspectivas e àsrepercussões no âmbito do proceder para a apuração doato infracional atribuído ao adolescente.28

As infrações penais cometidas por menores de 12 a

Page 204: Democracia Deliberativa

203Democracia deliberativa e justiça restaurativa

18 anos no Brasil são puníveis pela Lei 8.069 de 13 dejulho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.Assim, em especial o artigo 126 deste Estatuto, refere-seao instituto da remissão do processo, ou seja, mecanismosde exclusão, suspensão ou extinção da aplicação dasmedidas socioeducativas aos adolescentes infratores.

Neste sentido, esse instituto pode ser utilizado comomeio para adoção de práticas restaurativas, desde que asautoridades dela encarregadas, como os membros do Mi-nistério Público e o Juiz, busquem a promoção da partici-pação do adolescente, de seus familiares e, inclusive, davítima, na busca de uma efetiva reparação dos danos e deuma responsabilização consciente do menor infrator.

Konzen apoiado nos ideais de Elena Larrauri acreditano diálogo para a resolução dos conflitos, defendendo que omesmo trará benefícios tanto para a vítima quanto para oofensor, afinal escutando as necessidades da pessoa dequem se discorda permite soluções tratadas comflexibilidade diante das fragilidades humanas.

Se o adolescente infrator se dispuser a ouvir avítima, tal encontro propiciará a ele uma conscientizaçãodos danos produzidos, além de fazer com que ele perceba ajustiça do tratamento, ou seja, o proceder pelarestauratividade. Assim, o diálogo29 tem valor em simesmo, que perde o sentido quando o proceder obedece arigidez formal do sistema acusatório, em que a solução éimposta pelo juiz à revelia dos argumentos debatidos.

Portanto, o que se busca, tendo como cenário de fundoa permanente revisão crítica do proceder pelo sistemaacusatório da tradição retributiva, a busca de algo novo,focado nas necessidades dos protagonistas do fato, queforam direta e indiretamente atingidos pelasconsequências, a instalação de um diálogo como oinstrumento básico para a busca por respostas. Acreditandoque “as respostas postas pelo diálogo, nesse sistema, têmprimazia sobre as soluções impostas”.30

Page 205: Democracia Deliberativa

204 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Assim, a Justiça Restaurativa almeja, a partir doprocesso cooperativo, o envolvimento de todas as partesinteressadas na determinação da melhor solução ao conflitoe reparação do dano causado, buscando a satisfação da vítimae a inclusão social do ofensor.

Acredita-se nos aspectos positivos da ressocializaçãodo adolescente, resgatando sua autoestima econscientizando-o de seu papel como cidadão, reintegrando-o à comunidade em que vive, sem preconceitos.

5 CONCLUSÃO

Esse artigo pretendeu demonstrar de que modo oprincípio da democracia habermasiana pode serfundamentado na aceitabilidade racional de seusresultados e, também, que a institucionalização jurídicade todo e qualquer procedimento exige, ao mesmo tempo,duas garantias: a dos direitos liberais (autonomia privada)e a dos direitos políticos (autonomia pública). Portanto, oâmago da compreensão do princípio da democracia nessesmoldes serve-se de noções advindas do processointersubjetivo que consiste precisamente na troca denegociações com auxílio da comunicação.

Noutras palavras, é possível defender uma viademocrática que assume aspectos elementares doliberalismo político e do republicanismo. Por essa razão, oseu aspecto radial e inovador resulta principalmente dofato de submeter à concepção da política à comunicação eao entendimento.

Para a aplicação da Justiça Restaurativa com oobjetivo de afastar o jovem do crime, é preciso,inicialmente, oferecer oportunidade de mudança para oadolescente; estimular o jovem a se desenvolver comopessoa e ter consciência de sua participação como cidadão;

Page 206: Democracia Deliberativa

205Democracia deliberativa e justiça restaurativa

fortalecer sua autoestima e sua inserção na comunidade;separar o futuro do passado, ao invés de amarrá-lo um nooutro, que é o que acontece com muitas instituiçõessocioeducativas, que estigmatizam estes jovens que ficamrotulados e não conseguem se reinserir em suascomunidades, causando a exclusão e principalmente areincidência no mundo do crime.

Tendo em vista que vários exemplos na aplicação daJustiça Restaurativa já mostraram o sucesso narecuperação de jovens infratores, cabe aos operadoresjurídicos do Brasil apostar nessa nova modalidade derestauração dos conflitos, a fim de criar um novo olhar aoadolescente infrator.

Afinal, independentemente de se tratar da vítima oudo ofensor, ambos estão envolvidos no fato e buscam arestauração de sua dignidade. O modelo restaurativo surgecomo uma proposta de diálogo. Sabe-se que suaimplementação e efetivação dependem de uma luta árduapor parte de seus defensores, mas que com certeza trarábons resultados num futuro próximo.

NOTAS1 Doutoranda e Mestre pela Universidade de Santa Cruz do Sul –

RS, UNISC. Especialista em Direito Público pela UniversidadeRegional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.Coordenadora do Curso de Direito e Professora de Direito Civil,Introdução à Ciência do Direito e Ética Geral e Jurídica da FAI –Faculdade de Itapiranga/SC. E-mail:[email protected].

2 HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos.Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 2007, p.18.

3 Idem. Teoria e práxis. Estudios de filosofía social. Tradução deSalvador Mas Torres y Carlos Moya Espí. Madrid: Tecnos, 1997,p. 55.

4 HABERMAS, Jürgen. Teoria e práxis. Estudios de filosofía social.Tradução de Salvador Mas Torres y Carlos Moya Espí. Madrid:Tecnos, 1997, p. 88.

Page 207: Democracia Deliberativa

206 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

5 A reformulação do conceito kantiano por Habermas despertouinúmeras interpretações. É possível ver isto na obra de DUTRA,Delamar. Kant e Habermas: a reformulação do discurso moral.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. A obra foi lançada em 2002 eapresenta minuciosamente a construção da questão ética atravésda razão comunicativa feita por Habermas. Em contrapartida, paraFREITAG, Bárbara. Itinerários de antígona: a questão damoralidade. 2. ed: São Paulo: Papirus, 1997, Habermas se esforçapara resgatar o conceito de razão comunicativa, pois de acordocom a autora, a teoria da ação comunicativa se confundeparcialmente com a reformulação da moral kantiana. Ver p. 233ss.

6 A reformulação do conceito kantiano por Habermas despertouinúmeras interpretações. É possível ver isto na obra de DUTRA,Delamar. Kant e Habermas: a reformulação do discurso moral. PortoAlegre: EDIPUCRS, 2002. A obra foi lançada em 2002 e apresentaminuciosamente a construção da questão ética através da razãocomunicativa feita por Habermas. Em contrapartida, paraFREITAG, Bárbara. Itinerários de antígona: a questão da moralidade.2. ed: São Paulo: Papirus, 1997, Habermas se esforça pararesgatar o conceito de razão comunicativa, pois de acordo com aautora, a teoria da ação comunicativa se confunde parcialmentecom a reformulação da moral kantiana. Ver p. 233 ss.

7 HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos.Tradução de Miltom Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, p.107.

8 HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos.Tradução de Miltom Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, p.183.

9 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Traduçãode Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989,p. 82.

10 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Considerações sobre a relevânciado político e do potencial anárquico inerente ao conceito deliberdade comunicativa. Ethica - Cadernos acadêmicos, Rio deJaneiro, v. 14., nº 2., 2007, p. 104.

11 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares dademocracia deliberativa: matrizes habermasianas. Projeto dePesquisa: A NATUREZA FILOSÓFICA E POLÍTICA DA DEMOCRACIADELIBERATIVA E PARTICIPATIVA E SEUS EFEITOSPRAGMÁTICOS NO ÁMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADODEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO: limites econdicionantes do diálogo entre o político e o jurídico, desenvolvidojunto ao Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UNISC.O autor citado comenta que a linguagem é o traço distintivo doser humano, pois lhe atribui a capacidade de tornar-se um serhumano, porque lhe atribui a capacidade de tornar-se um sersocial e cultural, dando-lhe identidade e possibilitando-lhe

Page 208: Democracia Deliberativa

207Democracia deliberativa e justiça restaurativa

partilhar estruturas de consciência coletiva.12 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e

validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. II., p. 119. “Os direitosfundamentais e os princípios do Estado de direito explicitamapenas o sentido performativo da autoconstituição de umacomunidade de parceiros do direito, livres e iguais. Essa práticaé perenizada nas formas de organização do Estado democráticode direito. Toda constituição histórica desenvolve uma duplarelação com o tempo: enquanto documento histórico, ela relembrao ato de fundação que interpreta (ela marca um início no tempo, esimultaneamente, enuncia o seu caráter normativo, ou seja,relembra que a tarefa de interpretação e de configuração do sistemados direitos se coloca para cada geração, como uma nova tarefa);enquanto projeto de uma sociedade justa, a constituição articulao horizonte de expectativas de um futuro antecipado no presente.E sob a ótica desse processo constituinte, duradouro e contínuo,o processo democrático da legislação legítima adquire um estatutoprivilegiado.”

13 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade evalidade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997, p. 208, v. I.

14 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade evalidade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997, v. I.

15 HOLMES. Stephen. El constitucionalismo, la democracia y ladesintegración del estado. In: KOH, Harold Hongju e SLYE, Ronald.Democracia Deliberativa y Derechos Humanos. Madrid: Gedisa, 1999,p. 163. “Depende de los lideres democráticos, en el arduo procesode construcción de organizaciones partidarias de la nada y de lamovilización del apoyo político, el convencer a sus seguidores delas virtudes de la coexistencia y el autocontrol. Los jueces, cuyacapacidad para hablar con ciudadanos comunes, […] no deberíaexagerarse, pueden grabar los derechos de las minorías en tablasde piedra, pelo sólo los líderes parlamentarios pueden darlesvida a esos derechos.” Tradução livre: “Depende dos líderesdemocráticos, no árduo processo de construção de organizaçõespartidárias de um nada e da mobilização do apoio político, oconvencer a seus seguidores das virtudes da coexistência e oautocontrole. Os juízes, cuja capacidade para falar com cidadãoscomuns, […] não deveria exagerar-se, podem gravar os direitosdas minorias em pranchas de pedra, porém somente os líderesparlamentares podem dar vida a esses direitos.

16 WALZER. Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE,Denílson Luis e MELO, Rúrion Soares (orgs.) Democracia Deliberativa.São Paulo: Singular, 2007, p. 299. Walzer denota que a deliberaçãodescreve um modo particular de pensar: sossegado, reflexivo,

Page 209: Democracia Deliberativa

208 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

aberto a um conjunto amplo de evidências, respeitoso com asdiferentes visões. É um processo racional de ponderar os dadosdisponíveis, considerar as possibilidades alternativas, argumentarsobre a relevância e o mérito, e a partir daí, escolher a melhorpolítica ou pessoa.

17 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade evalidade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. II., p. 107-108. “Emsociedades complexas, a esfera pública formam uma estruturaintermediária que faz a mediação entre o sistema político, de umlado, e os setores privados do mundo da vida e sistemas de açãoespecializados em termos de funções, de outro lado […]. Os direitosà inclusão e à igualdade ilimitada, embutidos em esferas públicasliberais, impedem mecanismos de exclusão do tipo foucaultianoe fundamentam um potencial de autotransformação. No decorrerdos séculos XIX e XX, os discursos universalistas da esfera públicaburguesa não conseguiram imunizar-se contra uma crítica oriundadentro dela mesma. O movimento dos trabalhadores e o feminismo,por exemplo, retomaram esses discursos, a fim de romper asestruturas que eles tinham constituído inicialmente, como ‘o outro’de uma esfera pública burguesa. […] quanto mais o público forunido através dos meios de comunicação de massa e incluir todosos membros de uma sociedade nacional ou até todos oscontemporâneos, o que o transformaria numa figura abstrata, tantomais nítida será a diferenciação entre os papéis dos atores que seapresentam nas arenas e dos espectadores que se encontram nagaleria.”

18 JESUS, Damásio. Justiça Restaurativa no Brasil. Disponível em<http://cjdj.damasio.com.br/?page_name=art_257_2005&category_id=31> Acesso em 18. jul. 2010.

19 MONCADA, Belén. Los presupuestos comunitaristas. Una síntesis.In: ADÁN, José Perez (coord.). Comunitarismo: cultura desolidariedad. Madrid: Sekotia, 2003, p. 113-22. Moncada enfatizaque nos últimos anos o comunitarismo começou a tomar forçacomo alternativa intelectual e política dentro do horizonte dopensamento sociológico. E, ainda, o autor complementa que ocomunitarismo entende que a felicidade não é uma questãoindividual, mas sim coletiva, porque constitui a saúde social, asociologia da virtude.

20 PINTO, Renato Sócrates Gomes. A Construção da JustiçaRestaurativa no Brasil. O impacto no sistema de justiça criminal.Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/news/renatoarticle/>. Acesso em 18. jul.2010.

21 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional:desvelando sentidos no intinerário da alteridade. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007, p. 83.

Page 210: Democracia Deliberativa

209Democracia deliberativa e justiça restaurativa

22 ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um foco sobre o crime e ajustiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena,2008, p. 254.

23 PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia – A experiência daItália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993.

24 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de Conflitos e PráticasRestaurativas. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 125.

25 ROMÁN, José A. Ruiz San. La recepción del pensamiento deEtzioni en España. In: ADÁN, José Perez (coord.). Comunitarismo:cultura de solidariedad. Madrid: Sekotia, 2003, p. 73. Etzioniapoia-se em dois fundamentos. Em primeiro lugar, as comunidadesproporcionam laços de afeto que transformam grupos em entidadessociais semelhantes a famílias amplas. Em segundo lugar, ascomunidades transmitem uma cultura moral compartilhada:conjunto de valores e significados compartilhados que caracterizamo que a comunidade considera virtuoso frente ao que consideracomportamentos inaceitáveis e que se transmitem de geração emgeração.

26 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional:desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007, p. 38.

27 FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão. São Paulo: Revista dostribunais, 2002, p. 271.

28 SCURO NETO, Pedro. Modelo de Justiça para o Século XXI. In:Revista da EMARF. Rio de Janeiro, v. 6, 2003, p. 01. Cabe lembrarainda das palavras de Scuro Neto, a Justiça Restaurativa encarao crime como um mal causado, acima de tudo, às pessoas ecomunidades. A ênfase no dano implica considerar asnecessidades da vítima e a importância desta no processo legal.Implica, ademais, em responsabilidade e compromisso concretosdo infrator, que o sistema de justiça convencional interpretaexclusivamente através da pena, imposta ao condenado paracompensar o dano, mas que, infelizmente, na maior parte dasvezes, é irrelevante e até mesmo contraproducente. Salienta aindaque o atual processo penal pouco atua no sentido de fazer o ofensorcompreender as consequências de seus atos, a tal ponto deconsiderar o mal causado às suas vítimas. Ao contrário, atua deforma a não reconhecer sua responsabilidade, utilizandoestereótipos e racionalizações para distanciar-se das pessoasprejudicadas. Assim, “a sensação de alienação em relação àsociedade, que a maioria dos infratores sentem o sentimento deque eles próprios são vítimas, é maximizado pelo processo legal epela experiência da prisão”

29 SCURO NETO, Pedro. Fazer justiça restaurativa – padrões epráticas. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/ARTIGO+-+JR+-+PADR%D5ES.HTM>. Acesso

Page 211: Democracia Deliberativa

210 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

em 22/Jul/2009, p. 06. O autor ensina que a Justiça Restaurativapor meio da mediação, se torna um diálogo facilitado em que seusinterlocutores negociam um compromisso. Salienta que asexperiências em outros países têm mostrado que a aplicação detal justiça aos casos de violência doméstica, por exemplo, nãoobtiveram resultados favoráveis. Por outro lado, as mesmasexperiências mostram que em relação aos adolescentes infratoresos resultados são muitos positivos, especialmente na NovaZelândia e vários outros países: “O ‘Estatuto da Criança e doAdolescente’ neozelandês – e com o estabelecimento de novasposturas sobre a conveniência de se conferir às famílias e àscomunidades autoridade suficiente para decidir o que fazer comseus jovens infratores, contando para isso com a participaçãodas vítimas e de grupos de apoio. O procedimento foi adotadotambém na Austrália, Inglaterra, País de Gales, Canadá e EstadosUnidos, países em que as CRs têm proporcionada elevados índicesde satisfação dos participantes e de restituição (entre 90% e 95%),resultados devidamente comprovados através de pesquisacientífica, além de desenvolvimento de empatia entre infrator evítima, mudança de comportamentos inadequados, melhoria norelacionamento entre famílias, comunidades e autoridades,sucesso de medidas socioeducativos, bem como alívio da demandasobre o sistema de justiça.”

30 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional:desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007, p. 84.

REFERÊNCIAS

DUTRA, Delamar. Kant e Habermas: a reformulação dodiscurso moral. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do GarantismoPenal. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 271, 2002.

FREITAG, Bárbara. Itinerários de Antígona: A questão damoralidade. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião: estudosfilosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 2007.

______. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução

Page 212: Democracia Deliberativa

211Democracia deliberativa e justiça restaurativa

de Miltom Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004.

______. Teoria e práxis. Estudios de filosofía social. Traduçãode Salvador Mas Torres y Carlos Moya Espí. Madrid: Tecnos,1997.

______.Consciência moral e agir comunicativo. Tradução deGuido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989.

______. Direito e democracia: entre facticidade e validade.Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. I e II.

HOLMES. Stephen. El constitucionalismo, la democraciay la desintegración del estado. In: KOH, Harold Hongju eSLYE, Ronald. Democracia Deliberativa y Derechos Humanos.Madrid: Gedisa, 1999.

JESUS, Damásio. Justiça Restaurativa no Brasil. Disponívelem <http://cjdj.damasio.com.br/?page_name=art_257_2005&category_id=31> Acesso em 18. jul. 2010.

KONZEN, Afonso Armando. Justiça restaurativa e atoinfracional: desvelando sentidos no intinerário daalteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminaresda democracia deliberativa: matrizes habermasianas. SantaCruz do Sul: EDUNISC, 2011.

MONCADA, Belén. Los presupuestos comunitaristas. Unasíntesis. In: ADÁN, José Perez (coord.). Comunitarismo:cultura de solidariedad. Madrid: Sekotia, 2003.

PINTO, Renato Sócrates Gomes. A Construção da JustiçaRestaurativa no Brasil. O impacto no sistema de justiçacriminal. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/news/renatoarticle/>. Acesso em 18. jul.2010.

PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia – A experiênciada Itália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Page 213: Democracia Deliberativa

212 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Vargas, 1993.

ROMÁN, José A. Ruiz San. La recepción del pensamientode Etzioni en España. In: ADÁN, José Perez (coord.).Comunitarismo: cultura de solidariedad. Madrid: Sekotia,2003.

SCURO NETO, Pedro. Modelo de Justiça para o Século XXI.In: Revista da EMARF. Rio de Janeiro,a.?, v. 6,mês??página?? 2003.

___________. Fazer justiça restaurativa – padrões e práticas.Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/ARTIGO+-+JR+-+PADR%D5ES.HTM>.Acesso em 22 Jul. 2009.

SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Considerações sobre arelevância do político e do potencial anárquico inerenteao conceito de liberdade comunicativa. Ethica - Cadernosacadêmicos, Rio de Janeiro, v. 14., nº 2., p. 99-115. 2007.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos epráticas restaurativas. São Paulo: Ed. Método, 2008.

WALZER. Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE,Denílson Luis; MELO, Rúrion Soares (Orgs.). DemocraciaDeliberativa. São Paulo: Singular, 2007.

WERLE, Denílson Luis e MELO, Rúrion Soares (Org.).Democracia deliberativa. São Paulo: Singular, 2007.

ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um foco sobre o crime ea justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: PalasAthena, 2008.

Page 214: Democracia Deliberativa

213Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

CAPÍTULO QUINTO

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS LOCAIS COMOFATOR DE VIABILIZAÇÃO DA DEMOCRACIA

DELIBERATIVA

Henrique Mioranza Koppe Pereira1

1PREMISSAS INTRODUTÓRIAS

O presente trabalho tem como objetivo realizar umestudo sobre a ação da democracia deliberativa nasociedade, a partir dos procedimentos das políticaspúblicas, legitimados pelo consenso entre cidadãos eentidades governamentais. Dessa forma, pretende-severificar, também, as condições sociais necessárias, paraque se produza esse consenso deliberativo nas localidadeso que, no contexto brasileiro, leva a refletir sobre políticaspúblicas educacionais para a consolidação da cidadania.Essas observações se fazem pertinentes na jovemdemocracia brasileira, que conta com uma cidadaniaainda em processo de consolidação e que, ao mesmo tempo,exige o engajamento dos cidadãos nos processosdeliberativos, para que assim se possibilite a açãocomunicativa habermasiana no espaço público.

Ao se perceber o universo plural e multicultural,presente na América Latina, este estudo focar-se-á nasreflexões da ação comunicativa, na perspectiva do espaçopúblico local como uma alternativa para viabilizar aintervenção em favor dos direitos do cidadão. Pois, comosalienta Gurvitch, ao propor uma nova concepção de direitosocial, extrapola-se a vinculação ao processo legislativooficial, ampliando para a sociedade a regulação e o controle

Page 215: Democracia Deliberativa

214 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

das decisões, em face da estreita relação do direito à vidasocial.2

Sendo assim, a partir de políticas públicas locais eda difusão da deliberação democrática, possibilita-se umdiagnóstico mais preciso das demandas sociais, umamelhor visualização da forma de implementação e deintervenção, que deverá ser realizada nesta região, quantoa esse problema, assim como o engajamento do cidadãona participação e no desenvolvimentos de sua localidade.Todavia, alerta-se que o objetivo deste trabalho não éapresentar uma solução imediata ou universal para oproblema proposto, mas demonstrar a realidade em quese encontram as discussões deliberativas e a participaçãodo cidadão no espaço público, de forma que se possa refletirsobre a consolidação da democracia de modo horizontal.

Por isso, pretende-se realizar, como desfecho final,uma discussão sobre as políticas públicas educacionaispara a consolidação da participação democrática local,debate que possui discursos inovadores, que rompemparadigmas e que, ao mesmo tempo, revestem-se decautela para não gerar consequências prejudiciais àsociedade local, a partir de intervenção subjetivadecorrente das referidas políticas. A importância dasintervenções educacionais não importa somente paraestimular o cidadão a participar dos processosdeliberativos, mas para dar subsídios à libertação e àformação do sujeito participante, o que, em outras palavras,vem constituir a emancipação dos cidadãos e de suaslocalidades, a partir de um ponto de observação individual,que dialoga com a perspectiva coletiva.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS: A DEMOCRACIA NA AÇÃOGOVERNAMENTAL

Iniciam-se as discussões do presente trabalho a

Page 216: Democracia Deliberativa

215Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

partir de um levantamento conceitual sobre democraciadeliberativa e políticas públicas, assim como quais serãoos procedimentos a serem realizados, para que estaspossam ser efetivadas em um contexto de sociedademoderna brasileira. A partir desse entendimento, poder-se-á vislumbrar como um governo pode agir e como umasociedade pode reivindicar atuações públicas em favor dodesenvolvimento social consumidor e como elas sãoaplicadas no cenário brasileiro.

2.1 Democracia deliberativa

A democracia deliberativa é fundamental para aconcretização dos princípios democráticos, por possibilitardiálogo com o cidadão sobre ações governamentais quedizem respeito à sociedade. O termo deliberação descreveo processo que precede a decisão; para Rousseau, elesignifica a própria decisão. “Conclui-se do precedente quea vontade geral é sempre certa e tende sempre à utilidadepública; donde não se segue, contudo, que as deliberaçõesdo povo tenham sempre a mesma exatidão. Deseja-sesempre o próprio bem, mas nem sempre se sabe onde eleestá. Jamais se corrompe o povo, mas frequentemente oenganam e só então é que ele parece desejar o que émau.”3 Sobre esse escrito comenta Manin:

Nesta passagem as deliberações das pessoas sereferem obviamente às escolhas que as pessoasfazem, e não ao processo que leva a escolhas. Nãohaveria sentido em dizer que o processo émoralmente justo ou não. No Discours sur l’économiepolitique, o termo é usado da mesma maneira.Rousseau mostra como a existência de“associações parciais” prejudica a vontade geral.Ele diz “tal deliberação pode ser vantajosa parauma pequena comunidade, mas muito prejudicial

Page 217: Democracia Deliberativa

216 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

para a grande comunidade”4 Aqui, de novo, adeliberação claramente significa decisão: esta é adecisão tomada por um grupo, que pode ser tantobenéfica para o pequeno grupo quanto prejudicialpara a sociedade como um todo.5

Portanto, a deliberação é a escolha em si, do indivíduoou de uma parcela da população, que decide por um bemcomum a partir de sua perspectiva. Sendo assim, essadecisão não se vincula, necessariamente, com umadecisão voltada ao bem comum de toda a sociedade, mastão somente daqueles que a deliberaram.Necessariamente, deve-se apresentar procedimentosequânimes para a sua realização6 e, debatidasracionalmente, como expõe Knight, “as propostas devemser defendidas e criticadas com razões. O objetivo éarticular os problemas urgentes, identificar suas soluçõesconvenientes e exequíveis, e persuadir em vez de obrigaraqueles que possam talvez estar pensando de outro modoa reconhecer sua conveniência e exequibilidade”. 7

A deliberação, a partir da oitiva das questões e depossíveis soluções, elimina o acúmulo de discussões queimpede que sejam tomadas decisões, porque sem elas ostatus quo prevalece e, para muitos conservadores, o statusquo é per se uma posição moralmente permissível, e a únicaque poderia mudá-la seria um consenso majoritário. Essasituação é bastante presente em muitos países da AméricaLatina, em que, ao encontrarem-se formações corporativase interesses entrincheirados, há um resultado oposto aoideal buscado pelo pluralismo.8 Portanto, com o diálogo entreas questões existentes na pragmática social e aspossibilidades de ações governamentais, viabiliza-se aabordagem de todos os contextos e das situações em quese encontram os cidadãos, no universo plural da sociedadebrasileira.

Esse contexto democrático implica encarar

Page 218: Democracia Deliberativa

217Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

diretamente o pluralismo do século XXI, o que tende aapresentar uma sensação de insegurança, deinstabilidade, pois dificilmente se encontram soluçõessimples, desprovidas de uma complexidade social plural, aqual requer um refinamento das reflexões sobre aintervenção governamental. No desafio da pluralidademoderna não há absolutamente nada seguro, estável,garantido, eterno e absoluto.9 Portanto, é importante quese aprenda a conviver com a incerteza e com as mudanças,pois elas virão, quer se esteja preparado ou não.

Observa-se que os processos de deliberaçãodemocrática possibilitam uma legitimidade maisconsistente dos atos e das decisões governamentais, porpossuírem o apoio das populações envolvidas no processodeliberativo. Porém, é fundamental que as decisões sejamrealizadas a partir da democracia, para que se evite umprocedimentalismo, a fim de legitimar decisões, comoacautela Boaventura:

Portanto, o procedimentalismo democrático nãopode ser, como supõe Bobbio, um método deautorização de governos. Ele tem de ser, como nosmostra Joshua Cohen, uma forma de exercícioscoletivo do poder político, cuja base seja umprocesso livre de apresentação de razões entreiguais. Desse modo, a recuperação de um discursoargumentativo associado ao fato básico dopluralismo e às diferentes experiências é parte dareconexão entre procedimentalismo eparticipação.10

Uma máquina procedimental, para legitimardecisões governamentais, distorceria, portanto, todo ofundamento de democracia participativa, que tem porobjetivo aproximar o cidadão da ação governamental, a fimde torná-la mais efetiva para o desenvolvimento social. E

Page 219: Democracia Deliberativa

218 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

a legitimação procedimental somente iria reforçar aexploração dos cidadãos, para a sustentação de um sistemaprocedimentalista.

É importante, para que se entenda o processo dedeliberação democrática, compreender os conceitos-basedas ações governamentais e todos os procedimentos queincidem nas políticas públicas, desde a detecção dosproblemas pragmáticos até a avaliação das intervençõesda gestão sobre esses problemas. Sendo assim, o próximotópico explana sobre essas questões, para que se possaposteriormente refletir sobre dar incidência à democraciadeliberativa em âmbito local.

2.2 Políticas públicas e seus procedimentos

Inicialmente, pode-se dizer que as políticas públicasconstituem um ramo da ciência política, que buscaentender como os governos democráticos agem e por quetomam determinadas decisões,11 assim como seintenciona apontar as melhores maneiras de atuaçãogovernamental, para a melhoria social e a manutençãodo Estado Democrático.

Não existe uma única, nem melhor, definição sobreo que seja política pública. Mead (1995) a definecomo um campo dentro do estudo da política queanalisa o governo à luz de grandes questõespúblicas e Lynn (1980), como um conjunto de açõesdo governo que irão produzir efeitos específicos.Peters (1986) segue o mesmo veio: política é a somadas atividades dos governos, que agem diretamenteou através de delegação, e que influenciam a vidados cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição depolítica pública como “o que o governo escolhe fazerou não fazer”. A definição mais conhecida continuasendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises

Page 220: Democracia Deliberativa

219Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

sobre política pública implicam responder àsseguintes questões: quem ganha o quê, por quê eque diferença faz.12

Portanto, as políticas públicas terão como escopo oagir governamental, levando em conta toda a complexidadeda sociedade moderna e democrática, dando ouvidos àpopulação, para que possam ser alcançados os resultadosque atendam às necessidades sociais, mediante melhoresdecisões e técnicas possíveis, para resolver os problemasdemandados. E a decisão pelo direcionamento à esfera localjustifica-se porque as esferas mais determinadas, demenor extensão, possibilitam uma participação maisefetiva dos atores sociais, que, por muitas vezes, sãoincapazes de influenciar os processos complexos dearticulação no espaço nacional. E, principalmente, essaperspectiva redefine o centro do debate acerca dos locaisde poder, o que contribui para a centralidade do cidadão,que se apresenta como uma figura ofuscada pela atualconjuntura da economia globalizada.

O processo que envolve todo o enredo das políticaspúblicas é composto de quatro procedimentos ou fasesprincipais: construção da agenda, formulação de políticas,implementação de políticas, e avaliação de políticas. Aconstrução da agenda é o momento de formação da agendade atuação de um governo, que é quando os atoresgovernamentais decidem o que será realizado pelo governoatuante e o que não será realizado. Na perspectiva daspolíticas públicas, essa fase é fundamental, pois ela vaidemonstrar se há interesse do governo representativo derealizar ou não tal política.13

Existem dois diferentes grupos de atores sociaispresentes nessa fase: atores governamentais e nãogovernamentais. Os primeiros são aqueles que têm vínculodireto com o governo, como funcionários, parlamentares,vereadores. E o segundo é composto por grupos de pressão

Page 221: Democracia Deliberativa

220 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

ou interesse: acadêmicos, pesquisadores, consultores,mídia, participantes de campanhas eleitorais, partidospolíticos e opinião pública.14 É visível que, para se conseguirespaço na agenda de um governo, é necessário o apoiodesses atores sociais, e que, em termos de eficácia, o apoiode atores governamentais do alto staff da administraçãotem mais potencial de decisão que o apoio de grupos depressão.

Deve-se ter consciência de que existe umainstabilidade nessa arena, a qual permeia a construçãoda agenda governamental, pois a fragmentação política eas alterações de governo podem ser decisivas para umareadequação do plano de governo. E isso pode resultar naincorporação ou no descarte de uma política pública naagenda. Além disso, uma política pode depender do que sechama de national mood, que pode apresentar um quadrofavorável ou não para a sua incorporação no cenáriogovernamental.

Dessa forma, a construção da agenda se dará daseguinte forma: inicialmente, se reconhece umdeterminado problema, isso pode vir a mobilizar grupos depressão (atores não governamentais), sensibilizar onational mood ou influenciar atores governamentais. Comisso, esse problema será levantado na discussão deformulação da agenda, que decidirá quais são as políticaspúblicas de prioridade para o governo gestor. Após adecisão, saber-se-á, então, se a política em questão teráou não espaço na agenda governamental, para que possaser realizada.

Em seguida, há o processo de formulação de políticas,que consiste em um diálogo entre ações e intenções daspolíticas públicas, isto é, um processo de reflexão paradentro e a ação para fora.15

A fase da formulação pode ser ainda desmembradaem três subfases: primeira, quando uma massa dedados transforma-se em informações relevantes;

Page 222: Democracia Deliberativa

221Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

segunda, quando valores, ideais, princípios eideologias combinam com informações factuais paraproduzir conhecimentos sobre ação orientada; eúltima, quando o conhecimento empírico enormativo é transformado em ações públicas, aquie agora.16

Então, nessa fase se realiza o estudo de toda asituação em que se pretende atuar. Isso envolve olevantamento de dados atuais e de como se deverá agir,para que se realizem os resultados desejados com o mínimode externalidades – efeitos colaterais – possíveis. Por isso,a autora coloca ser um momento de diálogo e de reflexãosobre a ação, pois aqui será decidido sobre a açãogovernamental na pragmática social. Esses estudos têmum vínculo direto com a complexidade sistêmica dasociedade, o que implica a observação holística dos reflexoscolaterais desses atos, como já mencionadoanteriormente.

Em um terceiro momento, realizar-se-á aimplementação de políticas públicas, que implicam arealização fática dos estudos realizados nos processosanteriores. Nessa fase, é importante observar a quantidadede mudanças que envolvem a implementação e o consensopor parte da população envolvida. Pois, quanto maismudanças forem geradas pela ação, maior será aresistência da população. Sem o consenso da população –foco da ação política – é inviável, em um EstadoDemocrático de Direito, a realização de qualquer alteraçãona vida pública. Por isso, essa é a preocupação principaldo processo de implementação e, para que se alcance esseconsenso, é importante que a população compreenda apolítica atuante, e que esta não implique modificaçõessociais além dos resultados desejados, para que se evite aresistência populacional. Além disso, o enredo daimplementação de políticas envolve também atores nãogovernamentais, que poderão influenciar, de acordo com

Page 223: Democracia Deliberativa

222 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

seus interesses, de forma positiva ou negativa, aimplementação, como, por exemplo, a mídia ao agir emfavor ou contra determinada ação pública.

E, por fim, realiza-se a avaliação da política pública,que consiste em verificar os resultados positivos enegativos da ação governamental. Esse procedimento podeser dividido em quatro tipos: investigação, investigaçãoavaliativa, avaliação e monitoramento. Portanto, não é umprocedimento simples. O primeiro tipo, investigação, implicao levantamento dos resultados finais; o segundo tipo,investigação avaliativa, para avaliação dos resultados; oterceiro tipo, avaliação, consiste na avaliação dos efeitosgerais ocasionados pela política pública de uma perspectivaholística, para verificar as externalidades das ações, se osobjetivos propostos foram atingidos e se os resultados foramsatisfatórios ou não, e, finalmente, o monitoramento, essetipo de avaliação é utilizado nas situações em que aspolíticas públicas permanecem atuantes, mesmo depoisde atingirem seus resultados iniciais e objetivosprimordiais, por haver a possibilidade de continuarbeneficiando a comunidade, a partir de sua manutenção.Sendo assim, o monitoramento irá manter sob vigilânciao bom andamento das ações governamentais, a partir dapolítica pública em questão.17

Cada um desses procedimentos apresenta umadecisão específica. A fase de construção da agenda propiciaestudos de processo decisório; a fase de formulação, deprocesso decisório e de custo/benefício e de custo/efetividade; a fase de implementação, de processodecisório e de avaliação do processo de implementação; ea fase de avaliação, de estudos avaliativos.18 Portanto, cadauma dessas etapas representa um momento procedimentalimportante das políticas públicas e a competência darealização de cada um deles irá influenciar diretamenteos impactos sociais diretos e indiretos, decorrentes dasações, tanto em perspectivas temporais quanto emperspectivas espaciais locais.

Page 224: Democracia Deliberativa

223Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

3 POLÍTICAS PÚBLICAS LOCAIS

Nesse momento pretende-se dialogar sobre como sedefinem as políticas públicas em um Estado Democráticode Direito, no que se refere a necessidades sociais de umadeterminada localidade. E, para isso, não se pode dar umapostura radical em favor de uma intervenção estatal direta,para banir um determinado conflito ou sanarobjetivamente um problema em uma determinada região.Opta-se inicialmente pelo viés do direito como integridadetrazido por Dworkin,19 mas não somente isso, atenta-seprincipalmente para onde se está decidindo sobre o futurodas políticas públicas, para que assim se verifique como sedecidirá. Portanto, os elementos fundamentais, para quese realizem as políticas públicas, de acordo com asnecessidades sociais e com preceitos democráticosparticipativos. Tais elementos são respondidos a partir dosconceitos de espaço local, empoderamento local e capitalsocial, que possibilitam um diálogo entre a dicotomiaDireitos Sociais versus Necessidades Econômicas, ao observaro local de incidência do problema e os reflexos das açõesgovernamentais sobre esses, em perspectivas domésticase globais. Pois, como dito em outros escritos, “a efetividadedos espaços de democracia participativa está diretamenterelacionada à consolidação da cidadania e à consequenteparticipação no processo de obtenção do consenso”.20

Tendo em vista os argumentos e as situaçõesapresentadas, questiona-se: Como se pode garantir aproteção dos direitos dos cidadãos no contexto de sociedadeglobalizada? Haveria a possibilidade de se realizarempolíticas públicas voltadas a isso, mesmo perante atoresglobais, como multinacionais, outros Estados, ou mesmodiante do conflito de interesses entre o cidadão e entidadesestrangeiras? Quais são os espaços políticos em que sedarão essas questões?21

Page 225: Democracia Deliberativa

224 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Primeiramente, pode-se afirmar que o espaço localserá sede da discussão dessas questões, pois, apesar deum universo globalizado, os efeitos, tanto positivos comonegativos dessa forma de produção globalizada, incidemem locais específicos, em uma população específica, quearcará com estes ou deles regozijar-se-á. Portanto, ao sefalar de políticas públicas em prol do cidadão, é mistercompreender que se deve voltar a uma atuação local, sejaem âmbitos nacional, regional, municipal, seja em âmbitocomunitário, para que se detecte um problema específicoem uma determinada população, causado por situaçõescontemporâneas ou transnacionais e se atue sobre elas,a partir de ações governamentais ou comunitárias.Certamente, não se descarta a possibilidade de açõespolíticas globais; porém, a proposta do presente trabalho éaveriguar as possibilidades de ações de proteção, a partirdo espaço local, para que se apresentem decisões com maisceleridade quanto às demandas sociais locais, e se evitea espera de uma postura global para atuar em problemasespecíficos de uma região.

Sendo assim, pode-se explicar o espaço local a partirdas palavras de Costa:

O cidadão exerce sua cidadania num espaço físicodeterminado. Nesse espaço ele vive, trabalha, serelaciona com os demais cidadãos e exerce seusdireitos civis, políticos e sociais. Esse espaço é oespaço local, que se constitui a partir da atuaçãodo cidadão: quanto mais participativo ecomprometido, maiores as possibilidades dedesenvolvimento do espaço local que está, dequalquer modo, inserido num contexto mais amplo,seja regional, nacional ou global. 22

Portanto, a delimitação do espaço local não é algoque se restringe apenas ao município; também não équalquer lugar sem critérios de especificidade. Assim, o

Page 226: Democracia Deliberativa

225Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

espaço se dará onde acontece a prática cidadã dosindivíduos observados,23 e os governos ali presentes serãoos gestores responsáveis pela execução de políticaspúblicas adequadas para o fortalecimento da qualidade devida dos cidadãos.24

Para que ocorra a atuação do poder local sobreproblemas sociais, que atingem a vida dos cidadãos, éfundamental que se tenha o empoderamento social local,pois somente a partir desse elemento é que os gestorespúblicos serão capazes de fomentar e realizar tal políticapública. O empoderamento local “implica os agentes aparticiparem de forma atuante na busca de soluções paraos problemas sociais, assim, percebe-se que somente sepode falar de cidadania se houver aumento do espaçodiscursivo, permitindo aos indivíduos e gruposparticiparem na constituição de transformações sociais”.25

Esse engajamento de que trata o autor será realizado tantopor indivíduos singulares, a partir do voto, quanto por atoressociais governamentais ou não governamentais, comoexposto anteriormente. Dessa forma, esses agentes, aofomentarem o empoderamento local, possibilitam que oproblema em questão seja discutido na formulação daagenda governamental.

Todo esse movimento deixa clara a desmitificaçãoda dicotomia Estado versus Sociedade; todavia, não se podedeixar de lado os possíveis conflitos gerados por grupos deinteresses, que podem subordinar direta ou indiretamenteatores políticos governamentais ou não governamentais,de forma decisiva, ao futuro da ação política.26 Por isso, oempoderamento possui uma importância vital para o bomandamento das políticas públicas, pois quanto mais agentessociais se engajarem na questão,\ mais se consolidará avontade plural da população, a ideologia motriz, e mais seassegurará a justiça na decisão democrática tomada pelogoverno gestor.

Page 227: Democracia Deliberativa

226 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

A partir disso, pode-se questionar: O que poderiaassegurar que realmente ocorra essa sucessão deacontecimentos? O que garante que a população sesensibilize, que os atores governamentais apoiem asreivindicações, que os grupos de pressão se voltem a favorda causa defendida pela intenção de política pública?

Nesse momento, observa-se o chamado capital social.Esse elemento “refere-se, a redes, normas e valores quefavorecem a cooperação entre as pessoas em busca deobjetivos comuns, incluindo aspectos da estrutura sociale da dimensão psicológico cultural”.27

O elemento central na relação entre capital social edemocracia é a comunidade cívica ou compromisso cívico. Acomunidade cívica segundo Putnam se caracteriza pelaexistência de fortes obrigações dos cidadãos com acomunidade, expressas em intensa participação,mecanismos de igualdade política, sentimentos desolidariedade, de confiança e de tolerância, e densas redesde associações. O compromisso cívico se expressa noempenho dos cidadãos em prol de bens públicos.28

O capital social também está diretamente ligado aosentimento de solidariedade que uma pessoa, ou um grupo,sente pelos outros, e que desencadeiam-se, mediante ouso de redes sociais .29 As redes sociais são viascomunicativas de influências que possibilitam que asinformações cheguem até os agentes sociais, para quetomem conhecimento dos argumentos e das discussõesque permeiam a população. Com isso, gera-se preocupaçãocoletiva, a atenção da sociedade para aquele determinadoproblema. Portanto, esse elemento acaba por serfundamental para a participação democrática e para oexercício da cidadania. Pois, além de viabilizar informaçõesessenciais para o engajamento, irá criar sentimentos desolidariedade entre os cidadãos, o que fomenta diretamenteas reivindicações e o apoio dos grupos de pressão; amobilização dos agentes governamentais e assim

Page 228: Democracia Deliberativa

227Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

sucessivamente. Pode-se dizer que o capital social acabapor ser o coração das políticas públicas e da democracia,pois carrega com ele o sentimento do cidadão e bombeia aforça da voz que reivindica em nome da sociedade.

3.1 Políticas Públicas locais como possibilidade deefetivação dos direitos do cidadão em um universoglobalizado

Após o que foi exposto, pode-se apresentar,diretamente, uma possibilidade de abordagem dasdemandas locais, a partir de teorias dispostas pela ciênciapolítica, que apontam a atuação governamental local, paraque se efetivem os direitos dos cidadãos brasileiros nocontexto contemporâneo globalizado. Milton Santos apontaa situação em que se encontra a globalizaçãocontemporânea, que justifica o fortelecimento de umposicionamento local:

Dentro de um mesmo país se criam formas e ritmosdiferentes de evolução, governados pelas metas edestinos específicos de cada empresa hegemônica,que arrastam com sua presença outros atoressociais, mediante a aceitação ou mesmo aelaboração de discursos “nacionais-regionais”alienígenas ou alienados.30

É importante salientar que a proposta que seapresenta neste trabalho, assim como a obra do autorcitado, não é a de fomentar um levante contra as técnicasà globalização, muito pelo contrário, propõe-se um diálogoaberto e claro entre as necessidades sociais e as situaçõesque se apresentam como necessidades econômicas globaise demandas locais. Por isso, é necessária uma retomadado empoderamento local e da identificação entre o Direito,

Page 229: Democracia Deliberativa

228 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

a ação estatal e o cidadão, para que se reconheçam edialoguem, a fim de concretizar políticas públicas de acordocom as necessidades da sociedade e do mercado.

Tem-se, então, um momento diferenciado naHistória da humanidade, um instante em que aglobalização elimina as fronteiras para a imposição de umpoder único, a partir da fragmentação dos poderesregionais. Desestabilizam-se as deliberações voltadas àsdemandas específicas daquele lugar, para dar espaço àrealização das demandas globais, que são executadas emespaços locais. O Direito se encontra em uma posiçãobastante especial, pois não perde seu espaço deimportância e, mesmo com a queda das fronteiras, elecontinua a regular sobre seus territórios; todavia é alvode conquistas de parte de poderes econômicos, queadquirem vantagens ao controlar as normatizações dosespaços territoriais para adequá-las às suas condições deviabilidade.31

A esse respeito, Gurvitch aponta o direito como fatosocial com sua legitimidade, a partir da própria sociedadee que remete a uma lógica reflexiva, segundo a categoriahabermasiana, pois os atores sociais são simultaneamenteautores e destinatários do direito.32 O autor destaca alegitimidade e garantia a partir da própria sociedade, poisessa concepção de direito “não exige necessariamenteuma ligação com a coação”.33

Com isso se alcança um direito social como produtoda articulação das organizações complexas, para sesuperar o reducionismo dogmático do direito social positivoe aproximar-se de um processo de ação comunicativa,como aponta Habermas.34 Tal modelo de ação estimula adesvinculação do direito social em relação à concepçãoindividualista-formal, própria do modelo liberal de Estado,para uma articulação complexa, para um acréscimo delegitimidade pela produção coletiva e pelo debate.35 Comisso, haveria um diálogo mais efetivo entre as

Page 230: Democracia Deliberativa

229Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

regulamentações jurídicas e os cidadãos que, além dalegitimação, proporcionaria maior engajamento dossujeitos participantes da sociedade. Tal engajamentoparticipa do processo de instituição da norma e conheceseu funcionamento, na perspectiva de obrigações quantode direitos de todas as entidades participantes: Estado,cidadãos e/ou empresas. Nessas condições é possível ainterlocução dos interesses desses três polos, para que seestabeleçam as prioridades e se concretizem asdeliberações democraticamente.

Eis que é exatamente nesse momento, estabelecidonos paradigmas globais de desenvolvimento, que seapresentam as dificuldades para a ação, a partir dasexigências locais, pois o progresso, as técnicas e aglobalização não estão a serviço da humanidade, eles nãose expandiram e se desenvolveram para resolver osproblemas do cidadão. O projeto global possui sua finalidadeem si mesmo, precisa dos territórios e dos indivíduos parase desenvolver, sendo assim, não abre espaço para asolidariedade e para a cidadania e impele os indivíduos aserem consumidores e trabalhadores, de acordo com asnecessidades da ordem. E as decisões políticas passam aser feitas no mercado, o que impede a solidariedade doEstado e o altruísmo das empresas e entrincheira osinteresses mercadológicos contra as demandas locais.36

Além disso, o contexto brasileiro apresentadificuldades para o engajamento do cidadão na participaçãopolítica, não somente em oportunidades de expressar avontade individual, mas principalmente em sustentarcoerentemente o descontentamento das ações estatais. Ainformação é de difícil acesso e quando chega ao cidadãotem difícil compreensão; com isso, o cidadão passa a deixarde crer na democracia e a desconfiar do Estado, o quedificulta o processo comunicativo, enfraquece o capitalsocial e fragmenta o empoderamento local. Exigem-se,assim, alternativas para a consolidação do processo

Page 231: Democracia Deliberativa

230 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

comunicativo proposto por Habermas. Tendo em vistaessas dificuldades, presentes no contexto latino-americano, uma das alternativas que pode possibilitar aconsolidação da cidadania é a partir da informação e daeducação do cidadão; todavia, não se fala de não a partirde uma perspectiva doutrinária, mas de uma libertaçãovia construção dos sujeitos individuais.

4 EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DECONSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA E DA DEMOCRACIADELIBERATIVA

Para que o democrático atinja a sociedade de formauniversal e alcance uma efetividade de ação instrumentale de ação comunicativa, é necessário que todos osparticipantes compreendam o contexto deliberativo.Todavia, no momento brasileiro em que uma boa partedos cidadãos se encontra em um estado de alienação anteas reflexões democráticas, é emergente a necessidade dainclusão comunicativa de todos os cidadãos, para que essesreconheçam a estrutura da linguagem, ao depararem-secom o discurso e ao perceberem o direito como umapossibilidade de demandar as políticas públicas necessáriasde modo eficaz.37 Pode-se constatar essa situação com oafastamento dos cidadãos dos processos deliberativos, queforam ocasionados pela perda da legitimidade do Estado,pois este se mostra ineficiente para atender as demandassociais.

Como expõe Leal,

Em outros termos, não basta que se garantam asliberdades civis e políticas tradicionais dos umbraisda Idade Moderna, pois os indivíduos nacontemporaneidade devem ter a possibilidadematerial de imprimir a estas a autonomia cognitiva

Page 232: Democracia Deliberativa

231Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

que exige uma efetiva inserção e participaçãosocietal, fundada em uma interlocução não coatadapelos discursos e práticas totalitárias das elitesdominantes (com suas linguagenstecnoburocráticas e enclausuradas em si próprias),só assim oportunizando que o sistema social possaser gerido compartilhadamente; esta possibilidadede interlocução deve contar, por sua vez commecanismos e espaços oficiais de diálogos,deliberações e execuções de políticas públicasvoltadas para tal desiderato.38

Percebe-se então que, no século XXI, não é maissuficiente o estabelecimento positivo das liberdades civise a atuação das políticas, a partir de um poder centralizado;é fundamental, hoje, que se viabilize a expressãoautônoma do sujeito; que o cidadão possa expressar suasnecessidade, suas angústias e ouça as do Outro; quedialoguem, cheguem a um consenso e deliberem em favordas políticas públicas; que tornem possível o atendimentodas demandas compreendidas como prioritárias pelapopulação.

Sendo assim, as política públicas educacionaisrepresentam um papel importante para a consolidação dacidadania, pois, a partir delas, podem ser transmitidasinformações essenciais sobre os direitos e deveres docidadão, assim como podem ser instruídas as formasdisponíveis de participação política, por parte da sociedade,nos mecanismos de deliberação democrática, de forma queos indivíduos passem a ter a compreensão dosprocedimentos e do discurso estrutural necessário para acomunicação democrática. Porque, logicamente, quantomaior o entendimento sobre o assunto, mais seguro estaráo indivíduo sobre sua escolha e sobre a decisão tomada porconsenso. Todavia, o conhecimento profundo sobre asquestões específicas a serem verificadas não é umpressuposto para a participação do indivíduo na deliberaçãodemocrática, pois a “deliberação tende a aumentar a

Page 233: Democracia Deliberativa

232 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

informação e a localizar as preferências dos indivíduos. Issoos ajuda a descobrir aspectos das soluções propostas e deseus próprios objetivos que antes não haviam percebido”.39

Dessa forma, as políticas públicas de educação cidadãnão têm o caráter de efetivação de um direito, mas deconstrução de um contexto democrático, que é umpressuposto básico para o exercício de um EstadoDemocrático de Direito, pois “a cidadania não é um direito,é uma relação”40 e, quando há o desequilíbrio entre osestratos sociais, passam a se consolidar formasautoritárias paralelas à Constituição. Portanto, a educaçãocidadã fortalece o potencial emancipatório da população,que não apenas conhece seus direitos, como sabe que éseu dever reivindicá-los;41 engajar-se nos processos doespaço público, para mostrar os problemas à sociedade, embusca da solução democrática. Repudia-se, assim, a posturaapática do cidadão e afastam-se as posturas autoritáriasde detentores de poder, que fazem uso do paternalismo,clientelismo e de outras formas autoritárias de dominaçãolegítima.

Então, nesse viés, as políticas públicas de educaçãocidadã atuariam como um fator de construção do espaçopúblico democrático, para que se permita a açãocomunicativa entre o Estado, o cidadão e as demaisentidades, como empresas e outros Estados. Dessa forma,a participação dos sujeitos passa a fomentar a emancipaçãoe um desenvolvimento social cujas reivindicações perdemo caráter de insurgência, de revolta e assumem umapostura organizada de discussão e de opinião de diferentesgrupos presentes na sociedade.

A educação precisa estar em consonância com essanova visão do mundo, com a sociedade almejada nofuturo, e, para tanto, é necessário criar oentendimento da condição humana, a preparaçãodo cidadão para exercer sua cidadania, para uma

Page 234: Democracia Deliberativa

233Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

participação mais responsável na comunidade locale planetária, tendo como prioridade o cultivo devalores humanitários, ecológicos e espirituais. Issorequer novos métodos de ensino, novos currículose novos valores, e novas práticas educacionaisabsolutamente diferentes das que estamosacostumados a encontrar em nossas escolas.42

Para Freire, todo conhecimento está em processo deconstrução e reconstrução, de criação e recriação.Portanto, esses novos métodos de ensino consistem nainteração de conhecimentos interdisciplinares em suanatureza, que se expressa pela constituição de equipesinterdisciplinares e que, em sua metodologiaproblematizadora, procuram observar os mais diferentesângulos temáticos e escolher um tema dedesenvolvimento, que promova a síntese interdisciplinara ser explorada nos “círculos de investigação temática”.43

Sendo assim, possibilitar-se-ia a alcançar a emancipaçãoque aponta Morin. Ele que afirma que a ciência liberta enão aprisiona, pois as instâncias científicas não podemignorar nem alienar o indivíduo dos problemas dahumanidade, em relação aos aspectos sociais, psíquicos,éticos e morais, que vêm transformando os sujeitos emseres individualistas, egocêntricos, sem noções de éticae solidariedade, desconhecedores do significado do amor eda compaixão.44

Fica claro, então, que para se concretizarem essaspremissas de uma educação cidadã, característica doséculo XXI, é necessário haver a consolidação e atuaçãode políticas públicas educacionais, que desenvolvamambientes de aprendizagem e que possibilitem a vivênciade processos criativos e de construção do sujeito individuale que, ao mesmo tempo, viabilizem o acesso àsinformações globais, de maneira crítica e reflexiva. Comisso, apresentar-se-ia ao cidadão um aprendizado reflexivo,que lhe permite aprender a aprender; a fazer; a conhecer;

Page 235: Democracia Deliberativa

234 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

a conviver; a ouvir; a sentir; a ser e a amar, para queassim esteja em condições de agir com consciência,autonomia e responsabilidade. Responsabilidade consigomesmo e com a sociedade.45

5 CONCLUSÕES PRELIMINARES

Diante do exposto, pôde-se averiguar os conceitosbásicos da democracia deliberativa e como ela se efetiva,em decorrência das políticas públicas governamentais.Sendo assim, verificou-se, a partir das reflexõeshabermasianas, a importância fundamental dalegitimidade dos procedimentos deliberativos, para que asações governamentais atinjam sua finalidade. Com isso,percebe-se que a legitimidade se consolida na formaçãodo consenso entre os cidadãos, a ordem governamental ea deliberação proposta. Portanto, o consenso passa a serum elemento basilar para a concretização de umademocracia deliberativa.

Todavia, ao se pensar a efetivação deliberativa, apartir do consenso, em um contexto de localidadesbrasileiras, verifica-se a necessidade de umareestruturação dos conceitos de cidadania, que se fazempresentes na atualidade. Dessa forma, apresenta-se apossibilidade dessa reconstrução cidadã, por intermédiode políticas públicas educacionais para a criação de umnovo paradigma de cidadania. Uma nova cidadaniaembebida de capital social, que impulsiona o indivíduo aengajar-se nos processos deliberativos e a reivindicar emfavor das demandas sociais. E, para isso, as políticaspresentes não podem incutir uma nova forma de cidadania,um novo modelo, mas devem viabilizar a reconstrução dosujeito a partir de si mesmo e de sua localidade. Com isso,possibilita-se visualizar as verdadeiras demandas sociaislocais emergentes e que a população, após reconhecer-se

Page 236: Democracia Deliberativa

235Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

como tal e entender quais suas necessidades, possadialogar com as instituições públicas, para buscar oconsenso entre os interesses em evidência.

Portanto, as políticas públicas educacionais devematuar com cunho emancipatório e não formativo, para queo cidadão tenha acesso às informações procedimentais etenha conhecimento dos processos deliberativos. Alémdisso, é fundamental a criação de um ambiente deinteração social para a construção do sujeito individual edo sentimento coletivo, pois, a partir desses elementos,fortalecer-se-á o capital social e, consequentemente,haverá o empoderamento local. Com isso, a população deuma determinada localidade passa a deter poder de diálogocom as instâncias de poder administrativo e conseguealcançar um patamar comunicativo, para que se concretizea ação democrática.

É importante deixar claro que um novo paradigmade cidadania não prescinde do modelo de Estado nacional,nem nega o processo de globalização como se demonstrouanteriormente, mas constitui um modelo de convivência,coexistência de diferentes esferas de poder. Nessaperspectiva, o poder local é percebido como espaço simples,que proporciona eficácia e a manifestação dos interessesda sociedade e de produção de mecanismos de regulaçãode controle social, legitimados pela participação dapopulação. Sendo assim, essas políticas podem suprir alacuna pragmática que o positivismo jurídico não conseguepreencher e viabilizar a concretização das demandassociais locais, que estão inseridas no contexto global doséculo XXI.

NOTAS

1 Doutorando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul(Unisc); Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos

Page 237: Democracia Deliberativa

236 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Sinos (Unisinos); Bacharel em Direito pela UCS; professor-pesquisador e colaborador no Grupo de Pesquisa MetamorfoseJurídica da UCS.

2 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagema partir do direito social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Edunisc/IPR, 2007. p. 29.

3 ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril, 1983. p.46,L. II, Cap. 3.

4 Apud ROUSSEAU, J.J. Discours sur l’économie politique. Paris:Oruvres complètes, p. 246, Vol III.

5 MANIN, Bernard. Legitimidade e deliberação política. In: WERLE,Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares.(Org.) Democracia deliberativa.São Paulo: Editora Singular, Esfera Pública, 2007. p. 24.

6 KNIGHT, Jack; JOHSON, James. Agregação e deliberação. In:WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares. Democraciadeliberativa. São Paulo: Singulare: Esfera Pública, 2007. p. 268.

7 Ibidem, p. 269.8 NINO, Carlos Santiago. La constituición de la democracia deliberativa.

Barcelona: Gedisa, 2003. p. 231.9 BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo de legitimidade

democrática. In: WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares(Org.). Democracia deliberativa . São Paulo: Singulare: EsferaPública, 2007. p. 56.

10 SANTOS, Boaventura de Sousa; ARITZER, Leonardo. Introdução:para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura deSousa (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democraciaparticipativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 53.

11 SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura.Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 22, jul./dez.2006.

12 Ibidem, p. 24.13 VIANA, Ana Luiza. Abordagens metodológicas em políticas públicas.

Rio de Janeiro: RAP, 1996. p. 8.14 Idem.15 Ibidem, p.13.16 Idem.17 BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. A política

das políticas públicas: progresso econômico e social da AméricaLatina. Rio de Janeiro: Campus, 2006. p. 3.

18 VIANA, loc. Cit., p. 30.

Page 238: Democracia Deliberativa

237Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

19 Tendo em vista as deficiências tanto da concepçãoconvencionalista quanto da concepção pragmatista, Dworkin vaiapostar suas fichas em uma nova concepção de direito, que elepropõe sob o nome de integrity.Tal como o convencionalismo, odireito como integridade de Dworkin é uma concepção que valorizaa coerência entre as decisões jurídicas e as pretensõesjuridicamente asseguradas por decisões políticas do passado. Mas,diferentemente do convencionalismo, a concepção de direito,como integridade, justifica essa exigência de coerência entre adecisão e a lei. Mas não no sentido semântico, e sim no sentidode decisão política. Não no fato de ser necessária a previsibilidade,a segurança jurídica e a equidade processual, mas porque essacoerência é necessária para garantir a igualdade entre os cidadãos.(DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge: Harvard UniversityPress, 1986. p. 96).

20 HERMANY, loc. cit., 2007, p. 250.21 Para fins de conceituação, é de se expor que o consumidor aqui

relatado é o cidadão que se reveste com essa entidade, a partir deuma relação de consumo.

22 COSTA, Marli Marlene Moraes da; REIS, Suzéte da Silva. Espaçolocal: o espaço do cidadão e da cidadania. In: HERMANY, Ricardo(Org.). Gestão local e políticas públicas. Santa Cruz do Sul: IPR,2010. p. 103.

23 Ibidem, p. 105.24 HERMANY, loc. cit., 2007, p. 263.25 HERMANY, Ricardo. O empoderamento dos setores da sociedade

brasileira no plano local na busca de implementação de políticaspúblicas sociais. In: HERMANY, Ricardo (Org.). Empoderamentosocial local. Santa Cruz do Sul: IPR, 2010. p. 78.

26 Ibidem, p. 79.27 SCHMIDT, João Pedro. Os jovens e a construção de capital social

no Brasil. In: BAQUERO, Marcello (Org.). Democracia, juventude ecapital social no Brasil. Porto Alegre: UFRGS, 2004. p.147.

28 Ibidem, p.149-150.29 ROBISON, Lindon J.; SILES, Marcelo E.; SCHMID, A. Allan. El

capital social y la reducción de la pobreza: hacia un paradigmamaduro. In. ATRIA, Raúl; SILES, Marcelo (Org.). El capital socialy la reducción de la pobreza en America Latina y en Caribe. Santiagode Chile: CEPAÇ, 2003. p.52.

30 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo/Rio deJaneiro: Record, 2009. p. 87.

31 Ibidem, p. 78.32 HERMANY, loc. cit., 2007, p. 30.

Page 239: Democracia Deliberativa

238 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

33 GURVITCH, G. Tratado de sociología. 2. ed. Rio de Janeiro:Iniciativas Editoriais, 1968. p. 261.

34 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validadeI. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1997, p. 35, v. 1.

35 HERMANY, Ricardo. loc. cit., 2007, p. 33.36 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo/Rio de

Janeiro: Record, 2009, p. 65.37 PORTO, Rosane Teresinha Carvalho; CASSOL, Sabrina. A

educação no exercício da imunidade tributária: um caminho maispróximo da inclusão social. In: RODRIGUES, Hugo Thamir;COSTA, Marli M.M. Direito & políticas públicas II. Porto Alegre:Imprensa Livre, 2008. p. 62, v.II.

38 LEAL, Rogério Gesta. Possíveis dimensões jurídico-políticas locaisdos direitos civis de participação social no âmbito da gestão dosinteresses públicos. In: LEAL, Rogério Gesta.(Org.) Administraçãopública e participação social na América Latina. Santa Cruz do Sul:Edunisc, 2005, p. 389.

39 MANIN, loc. cit., p. 32.40 HELLER, Patrick; ISAAC, T.M. Thomas. O perfil político e

institucional da democracia participativa: lições de Kerala, Índia.In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Democratizar a democracia:os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2002. p. 606.

41 BUHLUNGU, Sakhela. O reinventar da democracia participativana África do Sul. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.).Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 158.

42 MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente.Campinas: Papirus, 2003. p. 112.

43 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987. p. 97.

44 MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN,D.F. (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre:Artes Médicas, 1996.

45 MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente.Campinas: Papirus, 2003. p. 227.

Page 240: Democracia Deliberativa

239Políticas públicas educacionais locais como fator de viabilização ...

REFERÊNCIAS

BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Apolítica das políticas públicas: progresso econômico e socialda América Latina. Rio de Janeiro: Campus, 2006.

BENHABIB, Seyla. Sobre um modelo deliberativo delegitimidade democrática. In: WERLE, Denilson Luis;MELO, Rúrion Soares(Org.). Democracia deliberativa. SãoPaulo: Singulare, Esfera Pública. 2007.

BUHLUNGU, Sakhela. O reinventar da democraciaparticipativa na África do Sul. In: SANTOS, Boaventura deSousa (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos dademocracia participativa. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2002.

COSTA, Marli Marlene Moraes da; REIS, Suzéte da Silva.Espaço local: o espaço do cidadão e da cidadania. In:HERMANY, Ricardo (Org.). Gestão local e políticas públicas.Santa Cruz do Sul: IPR, 2010.

DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1986.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paze Terra, 1987.

GURVITCH, G. Tratado de Sociologia. 2. ed. Rio de Janeiro:Iniciativas Editoriais, 1968.

HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade evalidade I. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1.

HELLER, Patrick; ISAAC, T.M. Thomas. O perfil político einstitucional da democracia participativa: lições de Kerala,Índia. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.).Democratizar a democracia: os caminhos da democraciaparticipativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Page 241: Democracia Deliberativa

240 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: umaabordagem a partir do direito social de Gurvitch. SantaCruz do Sul: Edunisc/IPR, 2007.

___________. O empoderamento dos setores da sociedadebrasileira no plano local na busca de implementação depolíticas públicas sociais. In: HERMANY, Ricardo (Org.).Empoderamento social local. Santa Cruz do Sul: IPR, 2010.

KNIGHT, Jack; JOHSON, James. Agregação e deliberação.In: WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares(Org.).Democracia deliberativa. São Paulo: Singulare: EsferaPública. 2007.

LEAL, Rogério Gesta. Possíveis dimensões jurídico-políticaslocais dos direitos civis de participação social no âmbitoda gestão dos interesses públicos. In: LEAL, RogérioGesta(Org.). Administração pública e participação social naAmérica Latina. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005.

MANIN, Bernard. Legitimidade e deliberação política. In:WERLE, Denilson Luis; MELO, Rúrion Soares(Org.).Democracia deliberativa. São Paulo: Singulare: EsferaPública. 2007.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacionalemergente. Campinas: Papirus, 2003.

MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In:SCHNITMAN, D.F.(Org.). Novos paradigmas, cultura esubjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, ano 1996.

NINO, Carlos Santiago. La constituición de la democraciadeliberativa. Barcelona: Gedisa. 2003.

PORTO, Rosane Teresinha Carvalho; CASSOL, Sabrina. Aeducação no exercício da imunidade tributária: umcaminho mais próximo da inclusão social. In: RODRIGUES,Hugo Thamir; COSTA, Marli M.M. Direito & políticaspúblicas II. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2008. v.II.

ROBISON, Lindon J.; SILES, Marcelo E.; SCHMID, A. Allan.

Page 242: Democracia Deliberativa

241Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

El capital social y la reducción de la pobreza: hacia unparadigma maduro. In: ATRIA, Raúl; SILES, Marcelo (Org.).El capital social y la reducción de la pobreza en AmericaLatina y en Caribe. Santiago de Chile: CEPAÇ, 2003.

ROUSSEAU, J.J. Discours sur l’économie politique. Paris:Oruvres complètes, Vol III.

SANTOS, Boaventura de Sousa; ARITZER, Leonardo.Introdução: para ampliar o cânone democrático. In:SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Democratizar ademocracia: os caminhos da democracia participativa. Riode Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 2009.

SCHMIDT, João Pedro. Os jovens e a construção de capitalsocial no Brasil. In: BAQUERO, Marcello (Org.). Democracia,juventude e capital social no Brasil. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão daliteratura. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16,p. 22, jul./dez., 2006.

VIANA, Ana Luiza. Abordagens metodológicas em políticaspúblicas. Rio de Janeiro: RAP, 1996.

Page 243: Democracia Deliberativa

242 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

CAPÍTULO SEXTO

INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA ELETRÔNICAAPLICÁVEIS AO MODELO DE DEMOCRACIA

DELIBERATIVA

Everton José Helfer de Borba1

1CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente estudo tem por objetivo analisar aspossibilidades de utilização das chamadas ferramentastecnológicas, utilizadas dentro do contexto da democraciaeletrônica para ampliar e qualificar a participação populardentro do modelo de democracia deliberativa.

Assim, inicialmente, serão analisados osinstrumentos tecnológicos disponíveis e os principaisconceitos relacionados à cibercultura e à democraciaeletrônica, assim como sua influência na formação daopinião pública e as possibilidades de utilização dosreferidos instrumentos dentro de um modelo democráticoque aproxime o cidadão do centro de tomada de decisões.

Em seguida, passa-se à reflexão crítica sobre aviabilidade da utilização dos referidos instrumentostecnológicos como forma de instituir e dar efetividade àparticipação social e à abertura dos processos decisionaispúblicos nos mais diversos níveis de governo.

Por fim, serão apresentadas experiências nacionaise internacionais de utilização de meios eletrônicos emprocessos democráticos, acrescentando-se à proposta aspossibilidades trazidas pelos instrumentos de democraciaeletrônica.

Page 244: Democracia Deliberativa

243Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

2 INSTRUMENTOS UTILIZADOS PELOS SISTEMAS DEDEMOCRACIA ELETRÔNICA

Inicialmente, cumpre identificar os instrumentostecnológicos colocados à disposição do cidadão e suacontribuição na esfera participativa democrática, a partirde uma sociedade que incorporou um novo modelo decultura, nominado de cibercultura2 , num contextocivilizatório que se direciona à idéia de telepresençageneralizada.

No entanto, é preciso destacar que a comunicaçãopor meio de redes de computadores não tem por escoposubstituir a presença física, mas se apresenta como umcomplemento adicional. Da mesma forma, asmanipulações e enganações são possíveis tanto nascomunidades virtuais, como em qualquer outro lugar,necessitando, dessa forma, de cidadãos atentos que secomuniquem com outros cidadãos atentos.

De qualquer modo, é preciso compreender que ascomunidades virtuais exploram uma nova relação deopinião pública que, por sua vez, encontra-se intimamenteligada ao destino da democracia moderna, contextualizadaem um ambiente que propicia novas alternativas para ocampo do debate coletivo, dentro de uma prática maisaberta e participativa.

Destaque-se, todavia, que não se trata de pensar emuma substituição da participação presencial pelaeletrônica, mas sim de complementação, uma vez que avia eletrônica permite driblar situações de tempo e espaçoque podem dificultar e, em certos casos, até mesmoinviabilizar a participação presencial.

Com isso, a utilização de certas ferramentaseletrônicas pode possibilitar a participação dedeterminadas categorias de indivíduos interessados, queestariam impossibilitados em razão das limitações

Page 245: Democracia Deliberativa

244 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

referidas. Assim, estaria possibilitada uma ampliação daparticipação, aproximando-se grupos que estariamexcluídos do debate em caso contrário; sem exclusão daparticipação tradicional3 .

Nesse contexto, Lévy afirma que

O efeito espontâneo da expansão do ciberespaço éaumentar as capacidades de controle estratégicodos centros de poder tradicionais sobre as redestecnológicas, econômicas e humanas cada vez maisvastas e dispersas. Ainda assim, uma políticavoluntarista da parte dos poderes públicos, decoletividades locais, de associações de cidadãos ede grupos de empresários pode colocar ociberespaço a serviço do desenvolvimento de regiõesdesfavorecidas explorando ao máximo seu potencialde inteligência coletiva: valorização dascompetências locais, organização dascomplementaridades entre recursos e projetos,trocas de saberes e de experiências, redes de ajudamútua, maior participação da população nasdecisões políticas, abertura planetária para diversasformas de especialidades e de parceria.4

Desse modo, o que se busca por meio da democraciaeletrônica consiste em encorajar, dentro do possível, aexpressão e a elaboração dos problemas da cidade pelospróprios cidadãos, a auto-organização das comunidadeslocais, a participação nas deliberações por parte dos gruposdiretamente afetados pelas decisões, a transparência daspolíticas públicas, assim como sua avaliação peloscidadãos.5

Da mesma forma, os instrumentos tecnológicospermitem aproximar administradores e administrados pormeio de formas de organização cooperativa, valorizando ecompartilhando a inteligência distribuída em toda partenas comunidades conectadas e colocá-las em sinergia emtempo real.6

Page 246: Democracia Deliberativa

245Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

Assim, os referidos instrumentos tecnológicos, demodo cooperativo, possibilitam a participação da vida emsociedade a partir de centros locais, consideradosinstrumentos de comunicação coletivos e interativos,caracterizando um processo social de inteligência coletiva.Dessa forma, pode-se pensar nas possibilidades técnicasque o ciberespaço tornaria facilmente praticáveis,possibilitando formas inéditas de democracia direta emgrande escala, possibilitando a colaboração cooperativa,concreta, o mais próximo possível dos grupos envolvidos,por meio de conferências eletrônicas que permitam oconfronto de interpretações contraditórias, de sugestõesde melhorias, assim como a troca de informações.7

Por conseguinte, se torna possível impulsionar ademocracia e a justiça social garantindo que os governosapoiem o potencial das tecnologias de informação econhecimento para proporcionar informação pertinente eatualizada sobre temas de interesse comum, permitindoao cidadão participar das decisões de caráter público.8

Por sua vez, é importante destacar que nessecontexto parte-se do pressuposto, de caráter democráticoe social, que todos têm o direito de participar, ou seja, dentroda possibilidade de universalização da participação de todosos cidadãos nas mudanças tecnológicas, considerando osdiferentes níveis de acesso dos cidadãos.9

Por outro lado, é preciso, também, estabelecerprincípios genéricos de caráter democrático na sociedadeda informação, visando assegurar um acesso equilibradoaos sistemas de informação a todos os grupos políticos esociais, buscando, assim, resguardar o pluralismodemocrático.

Do mesmo modo, outras questões deverão serpensadas, tais como a rapidez de transmissão dainformação e os reflexos disso na formação da opiniãopública, uma vez que não se é possível permitir a

Page 247: Democracia Deliberativa

246 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

desvalorização do conhecimento, nem do debate e doamadurecimento, próprios de uma consciência crítica einformada.

De qualquer modo, a utilização da tecnologia nocampo da democracia abre novas possibilidades para oscidadãos, necessitando, por sua vez, da adaptação das leisexistentes e, talvez, da criação de outras mais que venhama acrescentar novos direitos, permitindo adequar os ideaisde antigamente à nova realidade.10

Dentro desse contexto, não se pode olvidar dadiscussão que surge acerca da possibilidade de substituiçãode um modelo de democracia parlamentar por umademocracia direta eletronicamente mediada, quepossibilitasse assegurar uma participação real e efetivados cidadãos na tomada de decisões, possibilitando aosgovernantes conhecerem, em tempo real, a opinião dosgovernados. Assim, importa destacar questõesrelacionadas com a possibilidade de alienação pessoal ecom a possibilidade de utilização das tecnologias como meiode apenas legitimar decisões fechadas e preconcebidas.11

Todavia, as referidas questões, na verdade, estãopresentes tanto em um modelo eletrônico de democracia,quanto em um modelo tradicional. Utilizando a últimaquestão, a título de ilustração, é possível analisar o exemplodo referendo sobre o desarmamento, uma vez que naquelaocasião foi realizado um referendo que apresentava umadecisão fechada e preconcebida para que o cidadão apenasconcordasse ou não (como foi o caso), mas sem possibilitarnenhum tipo de discussão ou de apresentação desugestões12 . Destacando, ainda, que na ocasião apenasuma parcela quase insignificante da lei sobre odesarmamento foi submetida à apreciação.

Dessa forma, verifica-se que os referidos problemassão próprios do modelo democrático, pouco importando osinstrumentos que são utilizados; tradicionais ou

Page 248: Democracia Deliberativa

247Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

eletrônicos. Na verdade, o que pode diferenciar é o serhumano que opera os referidos instrumentos e suasintenções13 .

De qualquer modo, é preciso, dentro desse novouniverso que se apresenta, que se garanta a igualdade deoportunidades na participação por parte do cidadão; sejapor meio de um modelo de democracia eletrônica outradicional. Ou seja, o que está em discussão não se tratade um modelo de democracia parlamentar tradicionalfrente a um modelo de democracia eletrônica, uma vezque não existe o referido modelo.

A questão que se coloca é sobre a possibilidade deevolução de um modelo parlamentar tradicional para ummodelo de democracia direta, que estaria ancorado eminstrumentos tecnológicos eletrônicos, assim como dequestionar se esse modelo seria viável. Com isso, adiscussão mantém seu centro de debate no modelo dedemocracia. A chamada democracia eletrônica apenasacabaria com o argumento, até então visto como definitivo,de que a democracia direta seria inviável na sociedadecontemporânea em razão de limites temporais e espaciais;que, agora, podem ser superados com a utilização detecnologias eletrônicas.

Além disso, importa analisar, ainda, a relação entretecnologia, inclusão social e a formação de capital social,visto como categoria de relações sociais e de confiançaentre as pessoas capaz de acumular benefícios por meioda força dos seus relacionamentos pessoais e daassociação em redes e estruturas sociais específicas,caracterizando-se como insumo do desenvolvimentohumano e como fator de mudança que afeta outrosinsumos.14

Nesse aspecto, o poder associativo da internet,apesar de não poder criar capital social, pode ser exploradopara suplementar o capital social, combinando as forças

Page 249: Democracia Deliberativa

248 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

da internet com outras formas de interação, que podemser alcançadas a partir de três níveis que envolvemrelações pessoais próximas (amigos, colegas e parentes),distantes (instituições governamentais) e intermediárias(associações de voluntários e organizações políticas). Emsuma, é possível utilizar a tecnologia como ferramentaadicional para fomentar o capital social e odesenvolvimento comunitário, sem torná-la um fim em simesmo. 15

Da mesma forma, considerando a importância derelações harmoniosas e positivas entre Estado e sociedade,é possível, no macro nível, alcançar a população tornandoo governo transparente (ofertando informação edocumentação) e obtendo um retorno por parte do cidadão(consultas públicas e reclamações).

Ainda, no que se referem à democracia, estudosdemonstram existir correlação entre a difusão da internete a abertura política e a democratização, melhorando acomunicação horizontal, mas sem esquecer que a internetem si não causa democratização ou abertura política, masque a sua difusão tem o potencial de criar novas aberturasna luta em favor da democracia.16

Do mesmo modo, em um nível intermediário, assimconsiderando as associações civis e a sociedade civil, osinstrumentos tecnológicos possibilitam a realização dereuniões e discussões por meio de fóruns, atendendo umaquantidade ilimitada de cidadãos, assim como permitemagregar e manifestar demandas. Sendo que referidasdemandas podem ser apresentadas por ONGs e movimentospopulares com agendas políticas ou sociais explícitas,mobilizando seus membros e organizando atividades.17

Desse modo, é necessário, e possível, agregar aspossibilidades trazidas pelo chamado governo eletrônico,caracterizado pelo fornecimento de serviços eletrônicos18 ,pela “e-governance”19 (atividades de suporte digital para

Page 250: Democracia Deliberativa

249Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

elaboração de políticas públicas, para a tomada de decisõese gestão pública) e, principalmente, pela democraciaeletrônica20 (“e-democracy”), como formas de possibilitara atuação do cidadão, de forma cotidiana, na gestão pública.

Com isso, é possível enfatizar o aspecto qualitativoda relação do governo com a sociedade, valorizando o papeldo cidadão. No entanto, para que isso seja possível se faznecessária a adoção de uma política que permita o acessoa equipamentos eletrônicos por parte da população, ou seja,uma política pública de inclusão digital21, por meio decriação de telecentros ou mesmo pela facilitação naaquisição de máquinas pela população, tanto em áreasrurais quanto em ambientes urbanos. Do mesmo modo, épreciso que se invista em políticas públicas dealfabetização tecnológica, dentro da chamada educaçãodigital, criando, assim, uma cultura digital.22

Além disso, é essencial que se supere uma posiçãoconservadora, baseada em uma burocracia arcaica e emchefias nada arrojadas, pouco acostumadas com projetosque envolvam planejamento a médio e longo prazo naaplicação das mudanças necessárias.23

Nesse sentido, Rover afirma que:

é preciso investir em possibilidades que vão alémdo simples voto, tais como a participação diretados cidadãos no processo legislativo e nos demaisprocessos de tomada de decisão políticos. Podemosaté falar em democracia direta, factível com as redesdisponíveis.

A democracia digital é uma possibilidade que ofuturo nos apresenta graças à evolução das novastecnologias. Para tanto é necessário odesenvolvimento de políticas que reconheçam aexistência de um novo direito, qual seja, o direitode acesso à rede, o que implica a chamada inclusãodigital e tudo o que ela representa. Tornar real odireito ao acesso, um direito fundamental. 24

Page 251: Democracia Deliberativa

250 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

O autor acrescenta, ainda que

Do ponto de vista da democracia digital, aparticipação popular nas decisões governamentaisé uma possibilidade de avanço do governoeletrônico, notadamente se utilizando de processosemergentes da própria internet. Mesmo hoje jáseria possível o acesso do cidadão a procedimentosde seu interesse ou da coletividade e quedependam da ação política. O aumento da agilidadedesse processo junto com a disseminação deconhecimento e de ações políticas podem ampliaro nível da participação e da consciência político-social. (...)

Diferente da democracia formal pode-se construircom o novo mundo da rede algo próximo da visãode Dewey25 (apud GARCIA, 2004), que vê asociedade democrática como uma forma decooperação social contínua, a qual cada sujeitoparticipa, é responsável e tem confiança nesseprocesso cooperativo e colaborativo. Se o Estado,concebido como é atualmente, ainda permanececomo a instituição que organiza o debateinstitucional das convicções individuais e valorescoletivos, isto só o futuro dirá. Se a emergênciafor avassaladora poderemos ter uma e-democraciaque dispense este velho Estado moderno poucotransparente e dado a pouca colaboração com asociedade, sua criadora.26

Por tudo isso, seja como for que se dê a participaçãodo cidadão, o importante é que sejam buscadas alternativasque possibilitem a participação democrática e de formadireta, o que só é possível a partir do espaço local; dacomunidade local.

No entanto, conforme refere Dallari, é preciso,também, preparar o cidadão para participar e compreender,um mínimo que seja, “sobre as diferentes teorias políticas,sobre a organização política da sociedade e o funcionamentodas instituições políticas”. Ainda, é “fundamental ter

Page 252: Democracia Deliberativa

251Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

interesse e procurar melhorar os conhecimentos, ter maisinformação e discutir assuntos políticos, pensando nointeresse de todos”, ou seja, “preparar-se para aparticipação política é fazer reflexões, perceber com clarezaque todos somos seres humanos, temos de viver junto comoutros seres humanos e queremos conviver com justiça”.27

Mais ainda, afirma que “só a intensa participaçãopopular poderá mudar a situação, melhorando a qualidadedos representantes do povo, fazendo pressão constante sobreo governo e os legisladores”. Sendo que pode fazer isso“apresentando propostas, inclusive projetos de lei,comparecendo às audiências públicas para receberinformações e aprovar ou rejeitar as ideias e os projetos,segundo o interesse público”.

Dessa forma, o cidadão poderá fazer pressão sobre ospartidos e sobre os representantes eleitos, sendo assim,organizado em associações, procurará influir diretamentenas principais decisões sobre assuntos de interessepúblico.

3 MODELO DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA EPOSSIBILIDADES ELETRÔNICAS

Passa-se a ver, agora, a possibilidade de utilizaçãodos instrumentos tecnológicos para auxiliar em um dosproblemas da democracia contemporânea, que seria deidentificar mecanismos que possibilitem instituir e darefetividade à participação social e à abertura dos processosdecisionais públicos nos mais diversos níveis de governoa todos os interessados28 .

Nesse aspecto, questiona-se se a utilização deequipamentos tecnológicos, inseridos no conceito dedemocracia eletrônica, pode auxiliar na criação depossibilidades de participação efetiva da sociedade na

Page 253: Democracia Deliberativa

252 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

cogestão de seus interesses enquanto comunidade.

Dessa forma, partindo da premissa de que alinguagem se caracteriza como o verdadeiro traçodistintivo do ser humano, atribuindo a capacidade de setornar um ser social e cultural, o que possibilita possuiruma identidade própria, além de compartilhar deestruturas de consciência coletiva, cabe identificar se ecomo os meios tecnológicos podem auxiliar noestabelecimento do entendimento entre as pessoas29 .

Por isso, é preciso constatar se os referidosinstrumentos possibilitam a expressão de pretensõescomunicativas motivadas, passíveis de críticas,viabilizando entendimentos e acordos entre seresracionais, assim como identificar a possibilidade deinterferências vindas dos subsistemas sociais (econômico,burocrático, cultural,...)30 .

Desse modo, se o poder político nasce do podercomunicativo do cidadão, é possível utilizar os meioseletrônicos como forma de ampliar a participação noprocesso de discussão e de formação da vontade pública,caracterizando uma participação social autônoma eemancipada anterior à deliberação parlamentar.

Todavia, é necessário destacar que os meiostecnológicos podem contribuir com o modelo de democracia,contudo, a democracia eletrônica não é um modelodemocrático, mas sim um instrumento colocado àdisposição dos cidadãos, sendo que o êxito de sua utilizaçãodepende diretamente da forma como serão empregados.

No entanto, os referidos meios talvez possam auxiliarna melhora d o nível de comunicação pública comunitária,ampliando os espaços destinados ao raciocínio, à reflexãoe ao espírito crítico na regulação dos assuntos públicos,com o objetivo de gerar legitimidade real às deliberaçõespúblicas31 .

Page 254: Democracia Deliberativa

253Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

Por outro lado, cumpre ressaltar que a chamadademocracia eletrônica possibilita uma ampliação daparticipação, mas, no entanto, não garante umaqualificação dessa participação, principalmente seobservada a partir de uma perspectiva centrada naigualdade material, seja no aspecto relacionado com oacesso à informação, seja na utilização dos instrumentosde participação e na capacidade de compreender e utilizaros dados obtidos.

Nesse aspecto, cumpre referir um alerta que fazCubas

Muchos de los profetas del ciberespacio, por outrolado, recurren para defender sus tesis a umplanteamiento que en el fondo oculta una granfalácia que es identificar el voto con la democraciareal. [...] La possibilidad de respuesta de losciudadanos vía tenología no se correspondenecesariamente con un aumento de su poder. Porel contrario, puede conducir a un crecimientosustancial de la legitimación de quien tiene elcontrol del medio técnico adoptado. Lainteractividad, en otros términos, puede ser puestaal servicio de procedimientos de mera ratificaciónem una deriva plebiscitaria32 .

Desse modo, não há garantias de ampliação efetivada participação no debate público por meio da manifestaçãoautônoma de vontade, assim como surgem outros aspectos,próprios dos ambientes tecnológicos, relacionados com asegurança e inviolabilidade dos sistemas de informação,além de questões relacionadas com a identificação dosusuários e a certeza de que são os mesmos que estãooperando os instrumentos.

Algumas dessas questões talvez sejam facilmenteresolvidas, com a utilização de leitores biométricos e outros

Page 255: Democracia Deliberativa

254 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

artifícios tecnológicos. No entanto, talvez o maior desafioencontre-se na possibilidade de processamento eaproveitamento, por parte do cidadão, de todas asinformações, argumentos e justificativas que serãolançados no espaço virtual. Do mesmo modo, não há certezade que haverá de fato um empoderamento cívico capaz deoportunizar envolvimento e cooperação gerando mais doque uma legitimação formal apática da política33 .

Por tudo isso, é preciso adaptar os meios tecnológicos,próprios da democracia eletrônica, ao modelo dedemocracia deliberativa capaz de gerar uma transferênciareal de poder decisional à cidadania, por meio de umadeliberação pública efetivamente democrática34 .

Nesse ponto, surgem outras questões relacionadascom a igualdade material. Em primeiro lugar, para quehaja a inclusão de todas as pessoas envolvidas, se faznecessário desenvolver políticas públicas que possibilitema todos o acesso aos meios eletrônicos que serão utilizados.Assim, é preciso que sejam ampliados os meios de acessoà internet, por meio da criação de telecentros e damultiplicação de pontos de acesso via “wireless”, assimcomo deverá ser facilitada a aquisição de equipamentos;necessária uma completa inclusão digital da população.Todavia, sem esquecer que isso representa apenas umadas faces da questão que está relacionada com os meiosfísicos; a outra face relaciona-se com a capacidade decompreensão e de conhecimento.

A segunda questão relaciona-se com a possibilidadede participação real no processo político, uma vez que apossibilidade de responder a uma consulta ou de participarde um fórum não traz a garantia de que as consideraçõesfeitas pelo cidadão serão ouvidas, compreendidas e levadasem consideração pelos demais; ainda mais considerandoa infinita quantidade de informações e opiniões queabastecerão os canais de participação virtual.

Page 256: Democracia Deliberativa

255Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

Do mesmo modo, deve-se questionar a forma comoeste cidadão vai tomar conhecimento das opiniões dosdemais e como estas opiniões influenciarão na sua tomadade decisão e vice-versa. Isso, em razão de que asdeliberações devem ser mais do que a soma das opiniõesindividuais construídas racionalmente entre todos osenvolvidos no processo de criação e da formação da opiniãopública35 .

Em terceiro lugar, deve ser possibilitado ao cidadãoatuar na escolha dos temas e na fiscalização e controle daagenda, de modo semelhante ao que vem acontecendo emalgumas iniciativas, entre as quais pode ser citada apolítica dos micromovimentos na Índia, onde a conversãopara o nível horizontal das estruturas verticais dehierarquia social, através do esforço da política paralelade democracia participativa local, auxiliou na solução doproblema de

tornar as instituições de governo, em todos osníveis, mais responsáveis, transparentes eparticipativas e, por outro lado, criam novosespaços políticos fora da estrutura do Estado nosquais as próprias populações sejam capazes detomar decisões coletivas sobre assuntosdiretamente relacionados com suas vidas.36

Em síntese, “referidos movimentos concebem ademocracia participativa como uma política paralela deintervenção social, criando e mantendo novos espaços paraa tomada de decisões (ou seja, para o autogoverno) pelaspopulações nas matérias que afetam diretamente suasvidas”. Assim, a democracia participativa se tornou umprocesso político e social destinado a criar um “novosistema de governo, múltiplo e sobreposto, que funcioneatravés de uma participação e de um controle mais diretodas populações envolvidas (ou seja, daqueles que são

Page 257: Democracia Deliberativa

256 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

afetados por esses governos)”37 .

Com isso, verifica-se a necessidade de identificaçãode soluções que permitam confiar na inviolabilidade dosistema, criar políticas públicas de inclusão digital,possibilitar a participação real no processo político econquistar novos espaços para a tomada de decisões.

4 EXPERIÊNCIAS DE UTILIZAÇÃO DE MEIOSELETRÔNICOS EM PROCESSOS DEMOCRÁTICOS

Uma vez analisada a democracia eletrônica e aviabilidade da utilização de meios eletrônicos comoinstrumento a serviço do modelo de democraciadeliberativa, é possível passar a analisar alguns casos emque os referidos instrumentos foram utilizados.

a) Consulta popular em New Orleans: reconstruçãodas cidades devastadas pelo furacão Katrina

Inicialmente, cumpre destacar a experimentaçãodemocrática ocorrida em New Orleans, quando dareconstrução da cidade, devastada pelo furacão Katrina,onde foram ouvidos inclusive aqueles moradores que seencontravam impossibilitados de participar da consultapopular realizada, em função de terem sido obrigados aevacuar a cidade. Dessa forma, como era inviável aparticipação física dos cidadãos, foi possibilitada aparticipação a distância dos cidadãos que teriam seusfuturos afetados pelas decisões que seriam tomadas naconsulta38 .

No caso em tela, é possível verificar a possibilidadede ampliação da participação popular na tomada dedecisões, a partir da utilização de instrumentos de consultamediados pelos meios eletrônicos, sem descartar a

Page 258: Democracia Deliberativa

257Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

participação presencial. Observe-se que a utilização da viaeletrônica não teve por objetivo suprimir a participaçãopresencial, mas sim possibilitar a participação, inclusive,daqueles que não tinham como se fazer presentes.

Dessa forma, os meios eletrônicos possibilitaramuma ampliação da participação popular, superandoobstáculos de tempo e de espaço. Com isso, mostraram-seadequados ao modelo deliberativo.

b) Processo administrativo Uruguaio

Também cumpre destacar a experiência ocorrida noUruguai, onde, em consequência do vertiginosodesenvolvimento tecnológico no campo da informática edas telecomunicações, verificou-se uma transformação daadministração, com iniciativas que tiveram por objetivopotencializar a participação do administrado a partir doque nominaram de governo digital, destacando que sepassou a reclamar que os cidadãos passassem a buscartornarem-se legítimos colaboradores e protagonistas daprópria administração na gestão39 .

Nessa experiência, cumpre destacar que foramacrescidos meios de participação virtual aos meiospresenciais já existentes, evidenciando as iniciativasrelacionadas aos procedimentos administrativos e àcontratação administrativa aumentando a transparênciano serviço público, a difusão da informação administrativae uma maior aproximação da sociedade, assim como oincremento da participação do administrado a distância,mediante o emprego de meios telemáticos einformáticos40 .

Nesse caso, também se tornou possível verificar comoa utilização de meios eletrônicos de participação pode serum instrumento útil para a democracia. Todavia, não sepode olvidar que a simples disponibilização de serviços à

Page 259: Democracia Deliberativa

258 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

população não caracteriza por si só a democraciaeletrônica.

Conforme referido anteriormente, o governoeletrônico possui, basicamente, três faces (serviçoseletrônicos, atividades de suporte digital e a democraciaeletrônica propriamente dita), sendo que no exemplo doUruguai é possível verificar a presença das duas primeirasfaces, sendo necessário, ainda, aprofundar-se a terceiraface, possibilitando a participação efetiva do cidadão pormeio de consultas e deliberações “on-line”.

c) Projeto Gyandoot na Índia

Outro exemplo interessante é o projeto Gyandoot(fornecedor de conhecimento), desenvolvido na região deDhar, na Índia, que se caracteriza como um exemplo degovernança eletrônica. O projeto foi criado pela liderançaadministrativa da comarca com o objetivo de superar apobreza e a marginalização social, destacando-se o fatoque sua criação se deu a partir da iniciativa defuncionários públicos locais.

O objetivo do projeto é fornecer melhores informaçõese serviços governamentais visando intensificar odesenvolvimento econômico e social, por meio de criaçãode um conjunto de quiosques de internet espalhados emtoda a comarca, que são geridos por empresários locaisque operam a custos simbólicos e fornecem aulas deinformática para as crianças. Além disso, foi criada umaintranet que abrange a comarca, destacando-se em facede que, enquanto na internet, em regra, não é utilizada alíngua local (híndi), na intranet as informações encontram-se no idioma local, sendo utilizada especialmente emrelações com a administração para acesso a documentospúblicos e informações sobre programas governamentais.

Contudo, o destaque na intranet encontra-se na

Page 260: Democracia Deliberativa

259Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

seção destinada à educação eletrônica e ao canal quepermite aos cidadãos poder, além de receber informações,também enviá-las, em especial, gerando um “feedback”para a administração41 .

Nesse exemplo, inicialmente, como no exemploanterior, ainda não parecem estar presentes todas as facesdo governo eletrônico, todavia, importa destacar doisfatores: a inclusão digital e a comunicação adequada.

Em primeiro lugar, fica claro que não há como sediscutir democracia eletrônica sem que os cidadãosestejam preparados e qualificados para a utilização deinstrumentos tecnológicos. São necessárias políticaspúblicas de inclusão tecnológica. Nisso se destaca oexemplo da Índia, na medida em que a preocupação inicialse deu exatamente em buscar fornecer para a populaçãoos meios mínimos necessários para a inclusão digital.

Em segundo lugar, destaca-se o fato de que foramutilizados dois sistemas tecnológicos (a internet e aintranet), em que o último possui duas características quese encontram diretamente relacionadas com o temadebate: a utilização do idioma local. Assim, seconsiderarmos que para que seja possível a comunicaçãose faz necessária a existência de interlocutores quecompreendam a mensagem, a utilização do idioma localpara operar as ferramentas tecnológicas é essencial. Alémdisso, observe-se que a comunicação com a administraçãopública se dá exatamente por meio da intranet, ou seja,no idioma local.

d) Rebeldes zapatistas do Sul do México

Do mesmo modo, experiência interessanterelacionada com a utilização de instrumentos eletrônicosrelaciona-se com o movimento social antiglobalização,quando os rebeldes zapatistas do Sul do México deflagaramuma rebelião armada, onde desde o início as liderançaszapatistas demonstraram grande habilidade para explorar

Page 261: Democracia Deliberativa

260 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

a internet e outras mídias internacionais a favor de suacausa.

Na ocasião, foi criada uma página extraoficial domovimento e hospedada no servidor da rede da FaculdadeSwarthmore, nos Estados Unidos, além do estabelecimentode listas de correio eletrônico e “websites” zapatistas emtodo o México.

Então, os rebeldes realizaram consultas, em queforam ouvidas cerca de 81 mil pessoas, sendo a maioriapela internet, que mostrou-se decisiva para o apoiocoordenado entre um conjunto diversificado de grupos,caracterizando-se pelo fato de que a internet nãosubstituiu outras formas de comunicação, mas assuplementou e expandiu42 .

No caso em discussão, em que pese o fato de não setratar de um modelo de gestão pública oficial, é possívelverificar a viabilidade da utilização de referidosinstrumentos tecnológicos para nortear a tomada dedecisões, assim como as alternativas para organização,debate e iniciativas populares.

e) e-inclusão e e-governo no Brasil

No caso brasileiro, por se tratar de um Estadofederativo, surgem diversos desafios, pois além deimplantar o governo eletrônico, é preciso integrar ossistemas nos três níveis da federação. Com isso, é possívelidentificar a existência de algum tipo de governo eletrônicoem todos os estados brasileiros e em um número crescentede municípios. Entretanto, referidas iniciativas não seencontram integradas, possuindo variações em termos dequalidade e sofisticação dos sistemas utilizados, tendomuito a evoluir ainda.

Contudo, também se podem encontrar excelentesiniciativas relacionadas com a implantação do governo

Page 262: Democracia Deliberativa

261Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

eletrônico, entre elas destacam-se as iniciativas voltadaspara a inclusão digital, como o projeto Sampa.org, surgidoa partir de iniciativa de um Instituto de Políticas Públicasque tinha por objetivo elaborar um projeto de políticapública para o futuro governo eletrônico da administraçãode São Paulo. Sendo que a referida iniciativa serviu demodelo para os telecentros do governo eletrônico, servindopara unir espaços públicos virtuais aos presenciais criadospela prefeitura. Do mesmo modo, se destaca umaexperiência desenvolvida na favela da Rocinha no Rio deJaneiro, a partir de uma iniciativa da ONG Viva Rio, ondeforam instalados centros comunitários e mais de 300pontos de conexão à internet a partir da utilização de redessem fio43 .

Dessa forma, verifica-se, nos casos citados,exatamente o reconhecimento de que qualquer iniciativarelacionada com a utilização de instrumentos tecnológicosno campo democrático deve ser precedida de políticaspúblicas de inclusão digital.

Por fim, cabe destacar algumas iniciativasrelacionadas ao chamado governo eletrônico em âmbitobrasileiro, destacando iniciativas como a Rede Rio (1 e 2)e a conferência da ONU sobre meio ambiente, que utilizoua internet como base de sua infraestrutura decomunicação. Referidas iniciativas contribuíram para aimplantação do governo eletrônico no Rio de Janeiro44 , ondese encontram mais de 110 serviços públicos para acessopela internet.

Do mesmo modo, no Paraná existe experiência nogoverno eletrônico (e-Paraná), que se sobressaiu porcolocar o foco no cidadão e não só nos interessesburocráticos, destacando-se entre os melhores sistemasbrasileiros, juntamente com a prefeitura de Porto Alegre45 .

Todavia, os referidos exemplos não alcançam, ainda,a terceira face do governo (democracia eletrônica), se

Page 263: Democracia Deliberativa

262 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

restringindo apenas às duas primeiras faces (serviçoseletrônicos e atividades de suporte digital – “e-governance”).

5CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a simples utilização de meios tecnológicosnão caracteriza a democracia eletrônica, muito menos asimples consulta popular caracteriza um modelo dedemocracia participativa. Para tanto é preciso ir além. Noque se refere à democracia eletrônica, é preciso adentrarem procedimentos de voto eletrônico, de consulta e dedeliberação “on-line”. Enquanto que, no que se refere àutilização da democracia eletrônica a serviço de um modelodeliberativo, é preciso criar ferramentas capazes depossibilitar a efetiva discussão e debate, anteriores àtomada de decisão, uma vez que a simples utilização deconsultas populares, fóruns e audiências públicas nãocaracterizam, por si só, a democracia deliberativa. Épreciso que a tomada de decisão seja precedida de umamplo debate, no qual todos os argumentos possam serapresentados, analisados e discutidos.

Talvez, este seja o ponto crucial do debate sobre apossibilidade de utilização dos instrumentos tecnológicosa serviço de um modelo de democracia deliberativa: comogarantir que a participação não seja apenas quantitativa?Como garantir que todas as vozes sejam ouvidas e todosos argumentos considerados no processo de deliberação?

Diante de todo o exposto, se verifica que a democraciana sociedade contemporânea deve ter como foco o direitode participação do cidadão na construção de uma novasociedade e de um novo modelo de Estado de formacooperativa. Do mesmo modo, é possível constatar que os

Page 264: Democracia Deliberativa

263Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

meios tecnológicos podem contribuir para uma transiçãoque leve a um novo modelo de democracia, contudo, ademocracia eletrônica não é um modelo democrático, massim um instrumento colocado à disposição dos cidadãos,sendo que o êxito de sua utilização depende diretamentedo indivíduo que se encontra por trás da máquina.

NOTAS

1 Doutorando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.2 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 127.3 Ibidem, p. 130.4 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 186.5 Ibidem, p. 186.6 Ibidem, p. 188.7 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 195.8 BRAVO, Álvaro Sánchez. A nova sociedade tecnológica: da inclusão

ao controle social. A Europa é exemplo? Santa Cruz do Sul:EDUNISC, 2010, p. 21.

9 Ibidem, p. 60.10 BRAVO, Álvaro Sánchez. A nova sociedade tecnológica: da inclusão

ao controle social. A Europa é exemplo? Santa Cruz do Sul:EDUNISC, 2010. p. 64.

11 Ibidem, p. 67.12 “a lei em vigor independe do resultado do referendo, uma vez que

o registro de armas de fogo continuará com restrições severas e oporte proibido para civis até que seja comprovada a extremanecessidade”. In: <http://www.metodista.br/cidadania/numero-28/lei-do-desarmamento-nao-muda-apos-o-referendo/> ou “Nãofomos chamados sequer a discutir o Estatuto do Desarmamento,que por sinal, já foi aprovado em dezembro de 2003.” In: <http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2005/10/21/o-referendo-a-democracia-1-28196.asp>

13 Nesse aspecto, “a experiência de Cingapura é ilustrativa. Guiadapor um governo forte, competente, Cingapura abraçou plenamentea modernização tecnológica como um instrumento dedesenvolvimento. Ao mesmo tempo, é considerada um dos sistemasautoritários mais sofisticados da história. Tentando encontrar

Page 265: Democracia Deliberativa

264 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

um meio-termo entre essas duas políticas, o governo de Cingapuratentou expandir o uso da internet entre seus cidadão, ao mesmotempo em que conservava controle político sobre seu uso,censurando os provedores de serviço da Internet. No entanto, oestudo de Ho e Zaheer (2000) mostra como, mesmo ali, a sociedadecivil pôde usar a internet para ampliar seu espaço de liberdade,articular a defesa dos direitos humanos e propor ideias alternativasno debate político”. In: CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet:reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio deJaneiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 135.

14 WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusão social: a exclusão digitalem debate. São Paulo: Ed. Senac, 2006, p. 211.

15 Ibidem, p. 217.16 Ibidem, p. 249.17 WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusão social: a exclusão digital

em debate. São Paulo: Ed. Senac, 2006, p. 259.18 É a faceta do ponto de vista do Estado e a mais conhecida do

governo eletrônico. É uma forma instrumental de administraçãodas funções do Estado (Poder Executivo, Poder Legislativo e PoderJudiciário) e de prestação dos serviços de utilidade pública. Essasatividades podem ser divididas em três categorias: G2G, queenvolve compras ou transações entre governos; G2B caracterizadopela relação entre governo e fornecedores e G2C, relação entregoverno e cidadãos. As duas primeiras categorias ainda são asresponsáveis pela maior parte dos investimentos já realizados. Adisponibilização e acesso à informação seria aqui o ponto central.In ROVER, Aires José. Governo e democracia digitais: transição deum modelo hierárquico para um modelo emergente. <http://c o n p e d i . o r g / m a n a u s / a r q u i v o s / a n a i s / s a l v a d o r /aires_j_rover.pdf>. (Acesso em 14/02/2010)

19 Tem como base a organização de conhecimento que permitirá quemuitos atos e estruturas meramente burocráticas simplesmentedesapareçam e a execução de tarefas que exijam uma atividadehumana mais complexa seja facilitada. In ROVER, Aires José.Governo e democracia digitais: transição de um modelo hierárquicopara um modelo emergente. Ibidem.

20 Democracia Eletrônica (“e-democracy”), que começa com o votoeletrônico, seguido de experiências de consulta e deliberação “on-line” dos cidadãos, enfim, a chamada e-participação. É o pontode vista da sociedade definindo e aprofundando os fins do EstadoDemocrático de Direito. In ROVER, Aires José. Governo edemocracia digitais: transição de um modelo hierárquico para um modeloemergente. Ibidem.

21 A Inclusão Digital é um processo único, abrangente e paulatinode democratização do acesso à informação, à cultura, ao

Page 266: Democracia Deliberativa

265Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

conhecimento e à rede que exige diversas formas de ações, doqual fazem parte três elementos essenciais: o sujeito ou grupo desujeitos que busca o acesso, os agentes que de alguma forma sãoresponsáveis por esse acesso, tais como o Estado e as instituiçõesprivadas, e as tecnologias de informática e comunicação com suasinfraestruturas e superestruturas tecnológicas de “hardware” ede “software”. Ibidem.

22 ROVER, Aires José. Governo e democracia digitais: transição de ummodelo hierárquico para um modelo emergente. <http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/aires_j_rover.pdf>. (Acesso em14/02/2010)

23 Ibidem.24 Ibidem.25 Segundo o pensamento de Dewey de que a democracia se trata de

um projeto comunitário local, razão pela qual deve começar emâmbito local, caracterizando uma conexão entre liberdade,democracia e cooperação capaz de criar um espaço públicodemocrático, repleto de indivíduos que participam de formavoluntária e cooperativa em grupos para resolver problemas eaproveitar oportunidades, apontando a necessidade de um espaçopúblico democrático. In: FRANCO, Augusto de. In DEWEY, John.Democracia Cooperativa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 20.

26 ROVER, Aires José. Governo e democracia digitais: transição de ummodelo hierárquico para um modelo emergente. <http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/aires_j_rover.pdf>. (Acesso em14/02/2010)

27 DALLARI. Dalmo. Direito de participação. P. 98.In:<http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=WpakqHwMNAYC&oi=fnd&pg=PA85&dq=related:Ox5qOFXayFIJ:scholar.google.com/&ots=3ChTKlYGsq&sig=hMNx9q82s7lKz_VBltm4T8MahJ0#v=onepage&q=&f=false>.(Acesso em 14/02/2010)

28 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares dademocracia deliberativa: matrizes habermasianas. Santa Cruz do Sul,EDUNISC. 2001.

29 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares dademocracia deliberativa: matrizes habermasianas. Santa Cruz do Sul.EDUNISC, 2011.

.

30 Ibidem, p. 11.31 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares da

democracia deliberativa: matrizes habermasianas,ano??? p. 21.32 CUBAS, Joaquín Martín. Democracia e internet. Valencia: UNED,

2001, p. 195.33 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares da

Page 267: Democracia Deliberativa

266 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

democracia deliberativa: matrizes habermasianas, ano???,p. 2334 Ibidem, p. 28.35 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares da

democracia deliberativa: matrizes habermasianas, Santa Cruz do Sul,EDUNISC. 2011.

36 SHETH, D. L. Micromovimentos na Índia: para uma nova políticade democracia participativa. In: SANTOS, Boaventura de Sousa.Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 127.

37 SHETH, D. L. Micromovimentos na Índia: para uma nova políticade democracia participativa. In: SANTOS, Boaventura de Sousa.Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 127.

38 LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituais preliminares dademocracia deliberativa: matrizes habermasianas, Santa Cruz do Sul.EDUNISC. 2011.

39 DELPIAZZO, Carlos E. Dimensiontecnologica de la participacion deladministrado em el derecho uruguayo. In LEAL, Rogério Gesta.Administração pública e participação social na América Latina. SantaCruz do Sul: EDUNISC, 2005, p. 117.

40 DELPIAZZO, Carlos E. Dimensiontecnologica de la participaciondel administrado em el derecho uruguayo. In LEAL, Rogério Gesta.Administração pública e participação social na América Latina. SantaCruz do Sul: EDUNISC, 2005, p. 133.

41 WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e Inclusão Social: a exclusãodigital em debate. São Paulo: Ed. Senac, 2006, p. 240.

42 WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e Inclusão Social: a exclusãodigital em debate. São Paulo: Ed. Senac, 2006, p. 258.

43 CHAIN, Ali. e-gov: o governo eletrônico no Brasil e no mundo.São Paulo: Prentice Hall, 2004, p. 253.

44 <www.governo.rj.gov.br>45 CHAIN, Ali. e-gov: o governo eletrônico no Brasil e no mundo.

São Paulo: Prentice Hall, 2004, p. 305.

REFERÊNCIAS

BRAVO, Álvaro Sánchez. A nova sociedade tecnológica: dainclusão ao controle social. A Europa é exemplo? SantaCruz do Sul: EDUNISC, 2010.

Page 268: Democracia Deliberativa

267Instrumentos de democracia eletrônica aplicáveis ao ...

CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobrea internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: JorgeZahar Ed., 2003.

CHAIN, Ali. e-gov: o governo eletrônico no Brasil e nomundo. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

CUBAS, Joaquín Martín. Democracia e internet. Valencia:UNED, 2001

DALLARI. Dalmo. Direito de participação. P. 98. In <http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=WpakqHwMNAYC&oi=fnd&pg=PA85&dq=related:Ox5qOFXayFIJ:scholar.google.com/&ots=3ChTKlYGsq&sig=hMNx9q82s7lKz_VBltm4T8MahJ0#v=onepage&q=&f=false>. (Acesso em 14/02/2010)

DELPIAZZO, Carlos E. Dimensiontecnologica de Laparticipacion Del administrado em el derecho uruguayo.In: LEAL, Rogério Gesta. Administração pública e participaçãosocial na América Latina. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.

FRANCO, Augusto de. In: DEWEY, John. Democraciacooperativa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

LEAL, Rogério Gesta. Demarcações conceituaispreliminares da democracia deliberativa: matrizeshabermasianas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2008.

ROVER, Aires José. Governo e democracia digitais: transiçãode um modelo hierárquico para um modelo emergente.<http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/aires_j_rover.pdf>. (Acesso em 14/02/2010)

SHETH, D. L. Micromovimentos na Índia: para uma novapolítica de democracia participativa . In:SANTOS,Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: oscaminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2002.

WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusão social: aexclusão digital em debate. São Paulo: Ed. Senac, 2006.

Page 269: Democracia Deliberativa

268 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

CAPÍTULO SÉTIMO:DEMOCRACIA Y PARTICIPACIÓN(Sobre la perspectiva centrista)

Prof. Dr. Dr. H. C. Jaime Rodríguez-Arana

Catedrático Y Director del departamento de DerechoAdministrativo de la Universidad de La Coruña (España)

Miembro de la Academia Iberoamericana de DerechoElectoral

1 INTRODUCCIÓN

A medida que terminaba el siglo, a medida queentramos en un nuevo milenio, es más frecuenteescuchar, o leer, que la crisis que atraviesa el mundomoderno es de carácter moral. Este diagnóstico lo heencontrado, por poner ejemplos elocuentes y sólidos, endos estudios recientes de dos famosos pensadoresfranceses. Michael CROZIER, en su trabajo “La crisis dela inteligencia” y Alain TOURAINE en una conferenciareciente sobre la fragmentación del mundo. Esa crisismoral, que tiene un obvio reflejo en la situación de lademocracia en el mundo, se nos ha presentado en esteúltimo tiempo bajo forma de aguda y dolorosa crisisfinanciera y económica.

Para CROZIER, la cuestión es clara: “la crisis quevivimos es, ante todo, una crisis moral e intelectual”.CROZIER plantea el tema en relación con la falta deadecuación de las élites a la realidad actual y señala que

Page 270: Democracia Deliberativa

269Democracia y participación

una de las claves del desarrollo futuro será precisamentela importancia creciente del hombre y de sus cualidadesde comprensión, análisis, desarrollo conceptual y espíritude investigación e innovación. Es más, termina CROZIERsu libro señalando que “nuestra única medida es el serhumano”. La reflexión, aguda y penetrante, permitecuestionar también, por supuesto, la progresivadeshumanización en que ha incurrido, en este tiempo, laaplicación práctica de la democracia en tantas partes delglobo. El ser humano, que es el centro del pensamiento yla praxis democrática, el fin de KANT, está siendocosificado, reducido a puro instrumento, cuándo no a meranúmero, a pura estadística que la tecnoestructura,financiera o política, utiliza como le viene el gana.

Alain TOURAINE, por su parte, reflexiona sobre laidea de que la humanidad camina hacia un mundounitario pues la sociedad de la información pareceimparable y cada vez estamos más cerca de todos y de todo.En un mundo en el que ha terminado el Estadovoluntarista, en el que se ha globalizado la economía, enel que predomina la economía financiera..., resulta que elproblema capital es de orden moral. Tan es así que elestallido de 2008, de orden financiero, ha traido consigoevidentes coonotaciones morales y éticas. La razón es biensimple, la economía, o está regida por la dimensión éticay el derecho, o termina por aherrojar y dominararbitrariamente. En estos años lo hemos visto y algunoslo han sufrido en sus carnes.

Ciertamente, la experiencia de estos últimos añosnos enseña lo que cabe esperar de planteamientoseconomistas y de construir, a través del sueñointervencionista, un modelo de hombre manipulable, sincapacidad crítica, y que constituye la justificación para laperpetuación de élites que no buscan más que su propiobeneficio. La cuestión es de orden moral y será el marcode la moral el ámbito en el que puedan encontrarse las

Page 271: Democracia Deliberativa

270 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

soluciones. Soluciones que aunque complejas, parece que,al menos, pasan por recuperar la confianza en el hombre,en sus capacidades, en su libertad y por replantear esosvalores humanos que han hecho prosperar lascivilizaciones: la equidad y la justicia.

Vivimos un principio de siglo muy interesante. Desdeel punto de vista de las ideas y de los sistemas depensamiento, las transformaciones operadas en el siglopasado han sido, si bien sorprendentes, no menosesperadas. Ha caído el marxismo y, lo que es más grave, laépoca actual, tildada por algunos como de crisis de lasideologías, se caracteriza por una notable falta decompromiso frente a los valores. Me refiero ahora a esosvalores que exigen esfuerzo y trabajo para su ejerciciopersonal, porque los simples valores vitales, aquellosincorporados a la estructura social misma, como el dinero,el triunfo o el placer, se imponen por si mismos. Paraalgunos, los valores que necesitan una justificaciónintelectual y un esfuerzo personal para ser vividos, sonconsiderados como ideología. ¿ Cómo es posible ? Porqueuna vez enterrado el marxismo como ideología, lospseudomarxistas, que aún quedan muchos, pretenden quelos demás abdiquemos y renunciemos a nuestros valoresporque las ideologías han fracasado. Pues bien, esteplanteamiento no solo es profundamente falso sino queadmitir que, una vez fracasada la crítica materialista delcapitalismo, es imposible una crítica ética supone,parafraseando al profesor BUTTIGLIONE el gran problemafilosófico y político de muestro tiempo. Sin embargo, unavez que las ideologías que han fracasado se plantean susupervivencia, parece que no dudan en adornarse conplumas ajenas. En el fondo, también en esta cuestión lateun cierto complejo ante la crisis de la izquierda.

En efecto, estos años pasarán sin duda a los analesde la historia como importantes para nuestra civilización.Muchos acontecimientos sorprendentes hemos podido

Page 272: Democracia Deliberativa

271Democracia y participación

observar, pero quizás sea la caída del socialismo real unode las características más singulares del final de estesiglo. En efecto, el comunismo ha pasado a la historia. Elcomunismo como alternativa al capitalismo ha sidoincapaz de ganarse la confianza de los hombres porque secaracterizó precisamente por la anulación sistemática dela libertad y del libre desarrollo del hombre. El socialismocomo sistema ha fracasado. Su aparición a mediados delsiglo pasado como fenómeno de reacción ante la nuevasociedad industrial y frente a un incipiente e inhumanocapitalismo tiene su justificación. Sin embargo, suentramado interno, su auténtico rostro, lo representaronelementos ya tan caducos como la lucha de clases, ladictadura del proletariado, el marxismo, el control delEstado sobre la sociedad, la expansión del Estado, lanegación de la propiedad privada, el intervencionismo, laplanificación de la economía o la preferencia de la igualdadsobre la libertad. La historia ha sido implacable pues hademostrado la inoperatividad de la metodología socialistade una manera quizás dramática. El caso de la ahora ex-URSS es paradigmático: falta de libertad, pobreza, malacalidad de vida, despotismo, dictadura del partido “salvador”,corrupción, etc.

Pero no sólo ha caído el comunismo. También elsocialismo en estado puro se ha ido agotando. Incluso lossistema socialdemócratas, que siempre han sido, portradición, poco amigos de la iniciativa privada han falladoy han acabado reconociendo sus errores. Asistimos, portanto, al resurgimiento de una peculiar forma de“socialismo” de marcado carácter liberal que más bien separece a lo que se ha venido en llamar economía social demercado y que algunos han bautizado como “tercera vía”.Es lo que ha pasado en un reciente congreso extraordinariodel partido socialista francés: se defiende la economíamixta y se propone un modelo de sociedad que no sediferencia casi de los modelos democráticos tradicionales

Page 273: Democracia Deliberativa

272 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

de la Europa occidental. Parece que la estrepitosa crisisdel socialismo real implica la importación de elementosliberales como si ambas maneras de entender la sociedady la convivencia fuesen compatibles. Más bien, podríapensarse que el indiscutible triunfo de la idea liberal y delos valores de la persona han borrado del mapa cualquierfórmula de carácter intervencionista. Y, sin embargo, elhecho de que los socialistas no paren de importarelementos característicos del liberalismo es laconstatación más clarividente de su fracaso. El paso deltiempo y la experiencia de la libertad y de la fuerza creadoradel libre desarrollo de la persona acabará por convertirlesen fervientes defensores de la economía de mercado y dela iniciativa privada en el marco del desarrollo social.

El capitalismo actual también, si bien no desde unaperspectiva de eficacia o eficiencia, ha supuesto unaprofunda decepción como fórmula de articulación social yde progreso real. La absolutización del libre mercado hatraído consigo una nueva modalidad es esclavitud, si sequiere más sutil que la socialista, pero más destructorade la capacidad de reflexión y de crítica del hombre: elmaterialismo consumista. A medida que se eleva el nivelmaterial de vida, desciende el nivel de la verdadera vidaha escrito Octavio PAZ. Aumenta la insensibilidad social,un conformismo pesimista se ha adueñado de no pocosambientes y se han perdido los valores en aras de unautilidad y un precio a veces inconfesables. En este sentido,me parece interesante la aportación de ALBERT en suúltimo libro “Capitalismo contra capitalismo”. ALBERT, quedenuncia la obsesión por un beneficio empresarial incapazde generar función social, apuesta por un nuevocapitalismo que debe recomenzar su andadura y semuestra partidario de la llamada economía social demercado como fórmula de capitalismo a favor del éxitocolectivo y del consenso social con una visión a largo plazode proyectos industriales generadores de empleo establecualificado.

Page 274: Democracia Deliberativa

273Democracia y participación

El discurso de los valores, tan importante en lostiempos que corren, procede a encubrir, si no se hace conrigor, incluso una perspectiva de falta de compromiso conla verdad y de práxis materialista. ¿ Es posible ?. Claro quesi. Si partimos del hecho de que hoy hablar o escribir sobreÉtica es siempre bien recibido, podemos encontrarnos,como explica certeramente BUTTIGLIONE, con que eldiscurso de los valores se realiza siempre que no impliquecompromiso personal y si compromiso para otros. Esta esuna de las grandes paradojas del momento presente: sehace compatible la exaltación de los valores con la ausenciade compromiso personal. Es claro, pues, que la situaciónactual es una situación de un claro dominio del egoísmodel que decía LEOPARDI que ha sido siempre la peste de lasociedad; cuanto mayor ha sido, tanto peor fue la condiciónde la sociedad.

Pensar que el sistema democrático es perfecto y quefunciona sólo es un gran error. Es lo que BenjamínCONSTANT describió tan lúcidamente en el caso delgobierno jacobino en Francia. Y es lo que ha advertido unode los más famosos liberales como el recientementefallecido Isaiah BERLIN. Pues bien, en el libro “IsaiahBERLIN en diálogo con Ramón JOAHNBEGLOD”, el famosopensador, ante la pregunta que le hace su famosocontertulio JOAHNBEGLOD sobre el apoyo que puede dar ala democracia su teoría del pluralismo, BERLIN no dudaen reconocer que en ocasiones la democracia puede seropresiva para las minorías y los individuos, porque lademocracia no es necesariamente pluralista; puede sermonista: la mayoría hace lo que quiere, por cruel, injustoo irracional que parezca. Es más, BERLIN señala que puedehaber democracias intolerantes. La democracia no espluralista “ipso facto”. Para el conocido liberal superspectiva de la democracia, sin embargo, parece quedista mucho de lo que se ofrece en nuestro tiempo porquepara el filósofo liberal la democracia debe ser plural en lamedida que exige consulta y compromiso, y que reconoce

Page 275: Democracia Deliberativa

274 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

las reivindicaciones -los derechos- de grupos e individuosa los cuales, excepto en situaciones de crisis extrema,está prohibido excluir de las decisiones democráticas.

Es bastante frecuente escuchar la vieja apelaciónmaquiavélica de que lo público y la privado son tandistintos como lo son lo político y lo ético. En otras palabras,la Ética que reine en la intimidad privada, si es que loconsigue, y que en lo público se busque ese espaciocolectivo de libertad en el que nadie imponga su moral,dónde reine la máxima del prohibido prohibir y así cadauno encuentre la felicidad a su manera.

En el fondo, cuando se escuchan estasargumentaciones aparece inevitablemente esta cuestión.¿Es que la función de la Ética es sólo establecer unosmínimos neutrales para convivir?. Me parece que cuandouna sociedad baja el listón de los valores, luego pasa loque pasa. Además, ¿se puede decir seriamente que la Éticaes neutral? Me parece que cuando están en entredicholos derechos humanos, sea dónde sea y sean quienes seanlos sujetos pasivos de los atentados, no hay neutralidadque valga. Tantas veces, detrás de esa “neutralidadintelectualoide” se esconde un miedo real a la libertad yuna necesidad de aferrarse como sea a lo “políticamentecorrecto”.

Para algunos, esta tendencia a vaciar de contenidoético la vida pública lo que consigue es relajar lascualidades democráticas y, lo que es más grave, que sevaya perdiendo el sentido de la dignidad de la persona afavor del poder, del lujo o del interés particular. Entonces,se parte, como premisa única que permite desvelar todoslos movimientos, de que la única causa de la acciónhumana es el interés personal y, por ello, la ley, nadamenos que la ley, se fundamenta sobre la autoridad y nosobre la verdad. Llegados a este punto, aparece una de losgrandes problemas de la fundamentación de la ética: elprocedimiento o los principios.

Page 276: Democracia Deliberativa

275Democracia y participación

Sí, aunque parezca ridículo, para mucha gente loimportante en la Ética son los procedimientos y lastécnicas. En definitiva, la posición de poder. Sin embargo,como ha señalado el filósofo LLANO, admitir la apertura ala verdad, la posibilidad de que, a través del diálogo, vayamosacercándonos a consensos con carga ética, no es unplanteamiento utópico, lo que es realmente sorprendentees pensar que el problema de la diversidad o divergenciade planteamientos se puede resolver por reglas formales oprocedimientos. Las formas, los procedimientos, endefinitiva la técnica, debe estar al servicio de los derechoshumanos, de la dignidad de la persona. Cuando seanteponen, nos encontramos con esperpénticassituaciones que claman al cielo y que, por desgracia,tenemos bien presentes: Bosnia, Chechenia...

Cada vez es más importante subrayar el contenidoético de la democracia liberal. No debemos olvidar que lospadres fundadores de la democracia americana, losdemócratas ingleses, los grandes clásicos del liberalismonunca pensaron que se podría llegar a una situación comola actual. ¿Por qué? Porque es connatural a la democraciala referencia ética en la búsqueda de soluciones, en eldiálogo, o en la discusión de posturas diversas o diferentes.Como TOCQUEVILLE, los clásicos del liberalismoentendieron que la apertura a la verdad facilitaría el usogeneroso, benevolente, solidario de la libertad personal yacrecentaría las posibilidades de establecer lazoscomunitarios, de llegar a entenderse mejor.

Es fundamental que resplandezcan los principios dela democracia. Sí, pero todavía es más importante que lascualidades democráticas presidan el comportamientocotidiano de todos los ciudadano. Y, para eso, cada cosa ensu sitio y, sobre todo, que la técnica no rebase su esferade influencia y, en todo caso, que se use al servicio de losderechos humanos y de la dignidad de la persona.

Fue TOCQUEVILLE, me parece, el que acuñó esa

Page 277: Democracia Deliberativa

276 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

fantástica expresión que tan bien describe lasintomatología de las democracias enfermas: el despotismoblando. Sí, cuando el efecto de la acción política -oficial-consigue anular la capacidad de iniciativa de losciudadanos y cuando la gente se recluye en lo más íntimode su conciencia y se retrae de la vida pública, entoncesalgo grave pasa.

Sabemos que fruto de ese Estado de malestar queinundó Europa en los ochenta del siglo pasado, fue elprogresivo apartamiento de la gente de las cosas comunes.Poco a poco, los intérpretes oficiales de la realidad pintancon pingües subvenciones el paisaje más proclive para losque ansían la perpetuación en el poder. Se narcotizan laspreocupaciones de los ciudadanos a través de una ranciapolítica de promesas y promesas que se entonan desde esacúpula que amenaza, que señala y que etiqueta. Quienquiera levantar su voz en una sintonía que no sea la de lanomenclatura está condenado a la marginación. Quien seatreva a poner el dedo en la llaga, corre serios peligros deperder hasta su puesto de trabajo. Hay quien sabe que viveen un mundo de ficción, pero no tiene los arrestosnecesarios para levantar el telón. Es el miedo a la libertadde la gente, es el pánico a escuchar los problemas realesde la gente, es la comodidad de no complicarse la vida, esel peligro de perder la posición. En una palabra, es la “mejor”forma de controlar una sociedad que vive amordazada.

Uno de los pensadores más agudos del momento,Charles TAYLOR, nos advierte contra uno de los peligrosque gravita sobre la saludable cultura política de laparticipación, sea en el entramado político o comunitario,al señalar que cuando disminuye la participación, cuandose extinguen las asociaciones básicas que operan comovehículos de ella, el ciudadano individual se queda sóloante el vasto Estado burocrático y se siente, con razón,impotente. Con ello, se desmotiva al ciudadano aún más,y se cierra el círculo vicioso del despotismo blando.

Page 278: Democracia Deliberativa

277Democracia y participación

Ciertamente, con la caída del Muro de Berlín, se dioun paso de gigante en la lucha por los derechos humanosy las libertades de la gente. Ciertamente, el comunismo,esa gran ficción, no está hoy muy boyante que digamos.Pero, no lo olvidemos, todo poder, aún formalmentedemocrático, tiende al uso de la fuerza para imponerse alos demás y mantenerse. Sí, todo “viejo” poder, porque elpoder “moderno” es de la gente, trabaja con la razón y elhumanismo y se “impone” con el convencimiento, lacooperación y la escucha atenta a todos los interlocutores.Por eso, no está de más, identificar actitudes de“despotismo blando” que, quizás, no están tan alejadas denosotros, como nos hubiéramos imaginado.

La dictadura de lo políticamente correcto parece serhoy una realidad que atemoriza a no pocas mentes. Hayque decir lo que se puede decir y escribir lo que se puedeescribir porque, de lo contrario, la espada de la todopoderosatecnoestructura se encarga de condenar al ostracismo o ala marginalidad a quien ose salirse del carril permitido.En el fondo, es un ambiente en el que un modo de pensarmecanicista, cerrado y dogmático, aherroja la libertad delos ciudadanos por temor a las expectativas que puedanderivarse de la presencia y participación de la gente en laesfera pública. En todo caso, así razonan los representantesde la más ortodoxa verticalidad, la vida pública debe estarregida por una “ética de mínimos”, -lo correcto- mientrasque la excelencia o la aspiración a la vida humana debequedar circunscrita al entorno privado.

¿Por qué tanto interés en que un listón elevado éticodeba quedar reservado a la vida privada y solo se debeaspirar en la vida pública a un consenso de mínimos quea veces es irreconocible?. Me parece que por miedo a lalibertad y por miedo a la fuerza real de una ciudadaníalibre y con sentido crítico. Por miedo a que la gente pienselibremente, por miedo a la sana crítica y, por miedo, a queun nivel ético exigente en la vida pública ocasione

Page 279: Democracia Deliberativa

278 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

perjuicios, a veces irreparables, a los que autoproclamansupremos intérpretes del interés general.

Sin embargo, tengo la impresión de que las personascada vez exigen más calidad y rigor al espacio público. Es,parece, el momento de arrumbar pacíficamente esa doblemoral que domina el tecnosistema actual que perpetúa,bajo la apelación a una razón política supuestamenteneutral, el totalitarismo de lo políticamente correcto.Porque, ¿es que la técnica es neutral? ¿Es que la razóntécnica está por encima de la moral o de la ética?. Hoy, larazón técnica que nos domina debe transformarse en razónhumana y debe abrirse a la realidad, a los derechos de laspersonas para constituir un marco adecuado para mejorarel bienestar general de los ciudadanos.

Es necesario recuperar el empeño por la propialibertad. Es importante que se tome mayor autoconcienciade la libertad de cada ciudadano para que,articuladamente, el bienestar general deje de ser la razóntécnica imperante para ser la razón humana que es capazde divisar los problemas reales de cada mujer y de cadahombre concretos.

Por todo ello en los últimos años, los de fin de unsiglo y comienzo de otro nuevo, en los que tantos cambiosse están produciendo, no deja de llamar la atención laconstante apelación, de carácter universal, que se vienehaciendo desde distintos puntos de vista, a la necesidadde mejorar el sistema democrático como forma de gobiernoy también, como estilo de vida caracterizado por labúsqueda de la libertad solidaria.

Se trata de reflexionar sobre el sistema políticoconsolidado en los países desarrollados porque se handetectado quiebras y no pequeñas, en su funcionamiento.En el fondo, pienso que la crisis -si es que se puede hablarde crisis, y parece que si - afecta a los pilares básicos de lafilosofía democrática: la efectiva participación de los

Page 280: Democracia Deliberativa

279Democracia y participación

ciudadanos en las opciones públicas, el sometimiento a laley y el respeto a los derechos humanos por parte del poderejecutivo en sus diferentes niveles.

Pero los síntomas se acumulan -en todos los paísesdemocráticos- y los análisis sobre estos fenómenos semultiplican desde las más variadas perspectivascientíficas e ideológicas: la preservación de la división depoderes ante la progresiva subordinación a los ejecutivos,la desconexión entre partidos y sociedad, la vertebraciónterritorial en un contexto geopolítico profundamentemodificado y cambiante, la superficialidad del discursopolítico y la trivialización de la cultura democrática, lapeligrosa identificación que se ha producido en no pocosforos entre los intereses públicos y privados o de grupo -sea este económico, ideológico, político o territorial-. Noson más que ejemplos de los problemas que afectan alsistema democrático y que llevan a unos a hablar de lanecesidad de regeneración, a otros de la urgencia derenovar el sistema, y a los de más allá de la importanciade profundizar en la democracia.

2 LA RECUPERACIÓN DE LOS PRINCIPIOSDEMOCRÁTICOS.

En el contexto general que enmarca estasintomatología y que los estudiosos entienden como unasituación de crisis, la democracia moderna, como productopolítico de la confianza en la razón, propia del momentoilustrado, se establece sobre el supuesto de que losgobiernos deben tener presente precisamente que la razónha de presidir la discusión que alimenta la vida pública.Discusión que, lógicamente, debe orientarse a losfundamentos mas racionales de las cosas,independientemente de las posiciones partidistas, es decir,es la razón humana quien debe constituirse como guía

Page 281: Democracia Deliberativa

280 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

última del discurso democrático, y no la razón partidista,la razón estratégica, la razón técnica, o la razón de Estado.

En este sentido conviene siempre preguntarse hastaque punto los gobiernos toman en consideración lasopiniones de los distintos interlocutores para buscarsoluciones razonables que posibiliten el consentimientogeneral de quienes participan -o deben participar- en lavida política. Aunque es igualmente pertinentecuestionarse hasta qué extremo algunos interlocutoresexageran su desacuerdo haciendo primar principiosideológicos o estrategias de desgaste de los gobiernos sobreel interés general de la comunidad.

Por eso, desde la razón, es preciso llamar la atenciónsobre la importancia de la configuración de la persona comocentro del sistema, y simultáneamente señalar lareferencia básica de que la democracia es el camino idóneopara promover las condiciones necesarias para el plenodesarrollo del ser humano y para el libre ejercicio de susderechos. El sistema democrático -en el sentido másamplio de la participación ciudadana en la vida pública-es una exigencia incuestionable de la condición personaldel hombre.

En definitiva, la democracia debe aportar en estetiempo la recuperación de sus valores primigenios, ypropiciar un ambiente de solidaridad, equidad, convivenciay tolerancia, y de sensibilidad ante los problemas de lasmujeres y de los hombres de nuestro tiempo.

En 1992, a finales, la editorial Paidós tradujo alcastellano el libro del profesor emérito de Ciencias Políticasen la Universidad de Yale Robert. A. DAHL, titulado “Lademocracia y sus críticos”. El libro está escrito en 1989 yno tiene desperdicio. Para lo que aquí interesa, convienedestacar que DAHL, como es lógico, está convencido deque la democracia tiene que ser criticada para que mejore,sobre todo después de lo que está ocurriendo. En concreto,

Page 282: Democracia Deliberativa

281Democracia y participación

DAHL, como el filósofo MACINTYRE, piensa que en estostiempos del llamado posmodernismo es necesariopotenciar la civilidad, la vida intelectual y la honradezmoral. Porque, sin valores, falla el fundamento de lademocracia y, sin darnos cuenta, se rebaja el grado de ladignidad humana y, a la larga, se fomenta una culturaconsumista que anima a los ciudadanos, más que apreocuparse a ser hombres libres y responsables, aobsesionarse por poseer cada vez más bienes.

Es necesario regenerar la democracia. Y, para ello,nada mejor que volver a los principios. Y, en este marco,reviste especial importancia la exigencia de un nivel éticoelevado. No es solo necesaria la existencia de códigos deconducta sino, sobre todo, transparencia en cada uno delos aspectos en que la vida privada se encuentra con lapública. Si la Ética es, o debe ser, una condición intrínsecaa la democracia , la situación actual nos invita a buscarfórmulas para colocar la exigencia ética, hoy tan baja, enel lugar que debe ocupar. Pero para ello hay que articularsistemas educativos que formen en los valores de la libertady de la democracia en un ambiente de humanización dela realidad.

Quizá lo que se está perdiendo son los hábitos vitalesde la democracia que, en opinión del filósofonorteamericano John DEVEY, se resumen en la capacidadde perseguir un argumento, captar el punto de vista delotro, extender las fronteras de nuestra comprensión ydebatir objetivos alternativos.

Es evidente, como se ha dicho hasta la saciedad, quea mayor intervención pública, mayor probabilidad decorrupción. Y, en este proceso de crisis del Estado delBienestar en el que llevamos ya anclados, de forma más omenos consciente, un buen número de años, hay quereconocer que, unida a la también evidente -no quiero nideseo generalizar- falta de verdaderas vocaciones para elservicio público, el campo de la discrecionalidad ha crecido

Page 283: Democracia Deliberativa

282 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

desproporcionadamente al tiempo que la confusión deintereses públicos o privados o de grupo ha hecho acto depresencia con inusitada fuerza. Pero de ello trataremosmonográficamente en un epígrafe especial.

En este ambiente, el Estado puede ir absorbiendo pocoa poco a la sociedad civil hasta destruir la iniciativa social.Es lo que ha ocurrido, sin exagerar, en el Estado delBienestar como consecuencia de lo que profetizaraTOCQUEVILLE hace muchos años al referirse a lo quepodría ocurrir si se confundía el ideal democrático con latiranía de la mayoría. Porque, en el fondo, no lo olvidemos,está la crisis del planteamiento ético y el abandono, quizásno consciente en el primer momento, de los valoresoriginarios del ideal democrático: libertad, igualdad yfraternidad.

La democracia, cuando no se fundamenta en la Éticapuede fácilmente desvirtuarse. Entonces aumenta lacorrupción pues la sociedad civil desaparece prácticamentede escena y se produce lo que HABERMAS calificó de crisisde legitimación que, en esencia, no es más que laausencia de los ciudadanos del proceso democrático. Lacorrupción, lo señalaba hace poco BRADEMAS, presidentede la Fundación para la democracia, es un freno para lademocracia. Por eso no conviene que la sociedad civil seaun concepto retórico o evanescente sino una realidadsólida que garantice una relación solvente entreciudadanos y gobernantes. La Ética es fundamental en elpensamiento democrático.

Es necesario subrayar, recuperar, si se han perdido,los valores democráticos. En esta tarea, difícil, debe ocuparun lugar central un sistema educativo coherente.ARISTÓTELES ya lo decía en el libro VII de “Política” cuandorecordaba que -para la estabilidad política- es de la máximaimportancia la educación de acuerdo con el régimenporque de nada sirven las leyes más útiles, aún ratificadasunánimemente por todo el cuerpo civil, si los ciudadanos

Page 284: Democracia Deliberativa

283Democracia y participación

no son educados y entrenados en el régimen. Es decir, laeducación en los valores propios del sistema democráticoes una condición de estabilidad política y, lo que es másimportante, permite que esos valores se manifiesten enla sociedad y se “interioricen” y se “vivan” por la mayoríade la ciudadanía. En este marco, habría que preguntarsehasta que punto se explican los valores de la libertad, dela responsabilidad, de la igualdad, de la fraternidad, de latransparencia, de la honestidad, de la integridad, enescuelas y en todos los grados del escalón educativoempezando por el familiar, que es el contexto más adecuadopara ejercitarse en los hábitos democráticos. La respuestaa esta cuestión no podemos contestarla en este momento,porque excede de este estudio, pero es fundamental. Esquizá mejor analizar el papel que los Gobiernos estánasignando a la educación, a la televisión o a la familia. Elresultado no es más que la lógica consecuencia de laspolíticas que se practican, sobre todo si tenemos en cuentaque la pasada por el Estado del Bienestar ha producido untriste efecto de casi aniquilación de la sociedad civil y,en todo caso, de la anulación de la iniciativa privada. Sedirá, por ejemplo, que la solución pasa por el ejercicio delas virtudes públicas pero lo cierto, como acaba dereconocer A. WOLFE, es que lo mejor es no dejar aisladasla dimensión pública y privada de la persona sino tenderun puente que las una. Porque la única Ética que puedecoadyuvar a que la situación cambie sustancialmente esuna Ética personal que se apoye en el ejercicio de actospersonales orientados por la recta razón hacia los valoresdemocráticos.

Es necesario que las sociedades democráticas velenpor el desarrollo de las virtudes públicas, y también por lasprivadas, pero no conviene olvidar, como nos recuerdaLAMBERTI que el Antiguo Régimen fracasó precisamentepor la degradación de las hoy tan cacareadas virtudespúblicas.

Page 285: Democracia Deliberativa

284 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Una forma de defensa de la democracia parte de lanecesidad de enseñar a los ciudadanos a salir de susasuntos privados para combatir su tendencia alaislamiento y conseguir que los hombres y mujeresencuentren en las instituciones intermedias en ejerciciode su libertad, una ocasión para la elevación moral y unadefensa inexpugnable frente a la presión, hoy casiasfixiante, de unos poderes públicos que quieren, a todacosta, controlar la vida de las personas.

Ciertamente, desde 1974 más de cuarenta paíseshan “abandonado” los sistemas autoritarios o dictatorialespara engrosar las filas del movimiento democrático. Sinembargo, los peligros que acechan al sistema democráticono son pequeños: el clamor a favor de la autodeterminaciónha resucitado conflictos étnicos de funestas consecuenciasy, sobre todo, la enorme disparidad económica entre elNorte y Sur suscita inestabilidad y problemas en lo que serefiere a la explotación de los recursos naturales. Además,los avances tecnológicos pueden provocar que las armasnucleares sean utilizadas ilegítimamente. Ahora bien, lospeligros y la autocrítica de la democracia sólo puedencombatirse eficazmente, insisto, si esos valores propios,genuinos del ideal democrático, son encarnados por todoslos ciudadanos.

FUKUYAMA, en su célebre teoría del final de lahistoria, decía que tal vez somos testigos del punto finalde la evolución ideológica del hombre y de launiversalización de la democracia liberal del occidentecomo la forma definitiva del gobierno humano.Personalmente deseo que la democracia, perfeccionada,sea el sistema definitivo de gobierno, pero dudo que laevolución ideológica del hombre haya llegado a un puntosin retorno. Pues bien, uno de los flamantes críticos deFUKUYAMA es Ken JOWITT, conocido profesor de CienciaPolítica en la Universidad de Berkeley. El profesor JOWITTes el autor, entre otras teorías, de la tesis de “extinción

Page 286: Democracia Deliberativa

285Democracia y participación

leninista”. Tesis que viene a significar muyresumidamente y a los efectos que ahora me interesan,que el vacío creado a raíz del derrumbamiento marxistapuede ser colmado por nuevas ideologías que, a mi juicio,parten del credo democrático. Me explico, JOWITT piensa,si no me equivoco, en una nueva ideología que traigaconsigo una “nueva forma de vida” que, es mi opinión, aúnquizás traicionando la tesis y la intención de JOWITT, debeimplicar una puesta al día, un “aggiornamento” de lademocracia que, en esencia, no es más que larecuperación ética y la vuelta a los derechos humanos y ala participación social.

Jean DANIEL, director del semanario francés “LeNouvel Observator” escribía a principios de 1993 uninteresante artículo en el diario “El Pais” -el 23 de febreropara más señas- que titulaba “La democracia y los casos”×Se trata de un análisis sincero y riguroso de algunos delos supuestos más sangrantes de la historia reciente dela democracia y la importancia, en su esclarecimiento,del llamado periodismo de investigación que, como essabido, fue iniciado por los fundadores del “Der Spiegel”.Al final de su reflexión, un comentario que me parecepertinente traer ahora a colación: “la democracia, régimenque invita al vicio, está condenada a la virtud si no quieredesaparecer”. La frase es francamente buena y constituye,en la línea que se defiende en este trabajo, una ocasiónpara plantearse hasta que punto el mundo actual necesitade personas con cualidades democráticas; de gente queaspire vivir en clave de valores, de ciudadanos que esténen sintonía con la grandeza que encierra la dignidadhumana y quieran defenderla con una vida íntegra,responsable y libre. Porque, repito, una democracia sinvalores desemboca en un sistema en el que se pierden loshábitos democráticos y florece, o puede florecer, unpseudototalitarismo enemigo de cualquier tolerancia.

Ciertamente, el modelo estático del Estado de

Page 287: Democracia Deliberativa

286 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Bienestar ha traído consigo una cierta anulación de losvalores individuales. Todo lo ha fiado en la fuerza de lopúblico, de lo oficial. El protagonismo lo ha asumido elEstado. El aparato público ha sido el gran configurador, elgran definidor de los intereses colectivos de maneraexclusiva. Se ha hablado mucho de los problemas de loshombres, de la pobreza, del subdesarrollo, de la necesidadde salvar al hombre de la miseria. Se han destinadocuantiosos fondos a la provisión social y, sin embargo, elresultado no ha podido ser más desalentador.

La razón del desaguisado es bien sencilla y simple:el sistemático olvido de la persona y el convencimiento deque la estructura pública, la poderosa burocracia, a la queno se reparó en dotar de toda clase de medios, ya seencargaría de solucionar todos los problemas. Lo que pasó,y lo que pasa todavía en algunos países, es que no se llegaa la persona concreta; todo se queda en Decretos yProgramas.

En este contexto, no pocas veces el Estado haintentado absorber a la sociedad apoderándose, sinempacho alguno, de los grupos y pequeñas comunidadesque podrían levantar la voz para protestar ante tanto abuso.El Estado-Providencia intentó definir lo que necesitan losciudadanos, sin contar con ellos. Las demandas departicipación han quedado sin contestación y, lo que esmás grave, se ha suscitado una manera de estar en lasociedad a merced del poder público.

Sin embargo, el ciudadano está llamado a configurarlos intereses públicos y, por tanto, el bien de todos, porqueen el sistema democrático todos son, o deben ser,responsables de los intereses generales.

Es decir, también desde el poder se debe fomentar laparticipación. La participación es posible cuando el Estadoes sensible a las iniciativas de los individuos. Laparticipación es posible, y auténtica, cuando existe el

Page 288: Democracia Deliberativa

287Democracia y participación

convencimiento de que todos los ciudadanos pueden, ydeben, aportar y colaborar en la determinación de losasuntos públicos. La participación es posible cuando seestimula, cuando se promueve, cuando se desea formarpersonas que se tomen en serio su papel en la promocióndel bien general.

Desde luego, no hay vocación de estimular laparticipación cuando el Estado facilita todos los serviciosa los ciudadanos, cuando el Estado se hace omnipresentepara subvenir a todos los problemas. Entonces, se vaeliminando poco a poco la fuerza de la participación, seliquida, también lentamente, la responsabilidad, y se vaconfigurando un tipo de ciudadano preocupado de cómoconseguir más del Estado, sin dar nada a cambio. En unasituación de este tipo, no hay que pensar mucho para caeren la cuenta que la dependencia de los ciudadanos delEstado trae consigo evidentes peligros.

3 ¿DEMOCRATIZAR LA DEMOCRACIA?

Desde los presupuestos señalados se puedenestablecer las coordenadas que nos pueden ayudar aconseguir la madurez democrática que se pretende. Estascoordenadas las cifro en un método, en una actitud y enuna mentalidad.

Un método que consiste en el entendimiento. Elentendimiento como método supone el derroche de energíasnecesario para superar el enfrentamiento o la imposicióncomo sistema. La generosidad de ese esfuerzo paraconvenir con los agentes políticos, los sectores de población,los variados intereses que se entrecruzan en la vida de lasociedad, recibe su fuerza de la estructura constitutiva dela persona: de su carácter racional, de su condiciónafectiva, de su naturaleza social en definitiva. En el fondo,

Page 289: Democracia Deliberativa

288 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

se trata de combatir la tentación de los hábitos autoritariostodavía tan presentes en el escenario de la resolución deproblemas, ya sea en el mundo privado o público.

Una actitud solidaria que se deriva de poner al hombre,a las personas, a la gente, en el centro de interés de todaacción política o social, y que conducirá necesariamentea buscar las soluciones y a orientar las actuaciones enlos ámbitos de la cooperación, de la convivencia y de laconfluencia de intereses. La persona y su dignidad es laclave y la fuerza que da sentido a esta apremiantenecesidad de “democratizar” la democracia o “liberar” lalibertad.

Una mentalidad abierta a la realidad que se muestraplural, dinámica, multifacética, compleja, y que traeconsigo la desconfianza hacia las fórmulas simplistas osimplificadoras, y el rechazo de las preconcepciones de laorganización social tan claras y tan sabidas que, en suesfuerzo por conformarla a su manera acaban porliquidarla.

Estas coordenadas definen el marco de una de lasexpresiones de la nueva política que se puede denominarcentrista, y que no hace referencia a una posición tácticao estratégica, ni siquiera a un posicionamiento en elespectro ideológico o en el arco político, sino que quieresignificar un modo de entender la política centrado en lapersona, respecto a su condición plural, dinámica ymultidimensional, y en la búsqueda de accionescooperantes y de integración mediante el diálogo.

Por eso, el centro, ya lo adelanto, ni es un partido, nies producto del marketing político. Es un espacio políticode compromiso con la dignidad de la persona que disponede unas coordenadas, una determinada caracterizacióny, por ello, un entramado ético bien sólido. Es todo eso,pero sobre todo, se manifiesta en la acción políticaconcreta.

Page 290: Democracia Deliberativa

289Democracia y participación

4 LA RELEVANCIA DE LA PARTICIPACIÓN

El centro significa poner como centro lapreocupación de la gente, es decir, sus aspiraciones, susexpectativas, sus problemas, sus dificultades, susilusiones. Por eso, el centro no puede depender de unaideología en la conformación de su proyecto y de suprograma, ya que el espacio de centro se delimita hoy, enprimer lugar, por una renuncia expresa a tododogmatismo político. La ideología -en el sentido en queaquí se aborda-, en cambio, aporta ante todo una visióncompleta y cerrada de la realidad social y de la historia,así como las claves programáticas para la resolución delproblema social, que tienen tanto de dogmáticas cuantode ideológicas.

En este sentido, la política de centro tampoco puedeatender tan sólo los intereses de un sector, de un grupo,de un segmento social, económico o institucional, ya queuna condición de la política de centro es el equilibrio,entendiendo por tal, moderación y atención a los interesesde todos. Hacer política para el interés de algunos, aunquese trate de grupos mayoritarios, significa prescindir deotros, y consecuentemente practicar un exclusivismo quees ajeno a una política auténticamente centrista.

Por eso, la determinación de los objetivos de unapolítica centrista no puede hacerse realmente si no esdesde la participación ciudadana. La participaciónciudadana se configura como un objetivo político deprimer orden, ya que constituye la esencia misma de lademocracia. Una actuación política que no persiga, queno procure un grado más alto de participación ciudadana,no contribuye al enriquecimiento de la vida democráticay se hace, por lo tanto, en detrimento de los mismosciudadanos a los que se pretende servir. Pero laparticipación no se formula solamente como objetivo

Page 291: Democracia Deliberativa

290 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

político, sino que una política centrista exige la prácticade la participación como método político.

Hablar de la participación como método político eshablar de la apertura de la organización política que laquiere practicar, hacia la sociedad. Una organizaciónpolítica cerrada, vuelta sobre sí misma, no puede pretendercaptar, representar o servir los intereses propios de lagente, de los vecinos. La primera condición de esa aperturaes una actitud, una disposición, alejada de la suficienciay de la prepotencia, propias tanto de las formulacionesideológicas como de las tecnocráticas. Pero las actitudes ylas disposiciones necesitan instrumentarse, traducirse enprocesos y en instrumentos que las hagan reales. Y laprimera instrumentación que exige una disposiciónabierta es la comunicativa, la comunicación.

Si ser de centro, o estar en el centro significacentrarse en la gente, el giro al centro debe traducirse,en primer lugar, en estar receptivos, tener la sensibilidadsuficiente para captar las preocupaciones e intereses dela sociedad en sus diversos sectores y grupos, en losindividuos y colectividades que la integran. Pero no setrata simplemente de apreciaciones globales, depercepciones intuitivas, ni siquiera simplemente deestudios o conclusiones sociométricas. Todos esoselementos y otros posibles son recomendables y hastaprecisos, pero la conexión real con los ciudadanos, conlos vecinos, con la gente, exige diálogo real. Y diálogo realsignifica interlocutores reales, concretos, que son los queencarnan las preocupaciones y las ilusiones concretas,las reales, las que pretendemos servir.

Parece que los objetivos políticos son unasconcreciones de la pretensión genérica de alcanzar unamejora de la sociedad, del tipo que sea: económica, socialo cultural. Ciertamente, se entiende que todos queremosuna sociedad más próspera, más libre y solidaria. Ahorabien, a la hora de concretar el modelo de sociedad, o a la

Page 292: Democracia Deliberativa

291Democracia y participación

hora de perfilar cual es la vía para aproximarse a ella, esposible incurrir, a veces inconscientemente encontradiciones que puedan, llegar a ser incluso graves.

Por eso, aunque todos coincidamos en la expresióngeneral de las metas, tenemos sin embargoplanteamientos y objetivos políticos diferentes. Si lo queestá en juego es la mejora efectiva de la sociedad, seentenderá que el acierto en la definición de objetivos esla clave para el desarrollo de una actividad política eficaz.¿Cuál es, entonces, la finalidad de la política que pretendehacerse desde el nuevo centro que, poco a poco, se estáapoderando del escenario europeo?. A mi juicio, una delas finalidades -si no la principal- que mejor define lapolítica de centro es la de la participación, la libreparticipación de la gente en los asuntos públicos.

Sí, en la libre participación encontramos un elementocentral de la vida individual y social de los hombres y delas mujeres, un elemento que contribuye de formainequívoca a definir el centro de que hablamos, que lo quehace es poner en el foco de su atención a las mismaspersonas.

La participación, en efecto, supone el reconocimientode la dimensión social del individuo, la constatación deque sus intereses, sus aspiraciones, sus preocupacionestrascienden el ámbito individual o familiar y se extiendena toda la sociedad en su conjunto. Sólo un serabsolutamente deshumanizado sería capaz de buscar conabsoluta exclusividad el interés individual. Launiversalidad de sentimientos tan básicos como lacompasión, la rebelión ante la injusticia, o el caráctercomunicativo de la alegría, por ejemplo, demuestran estadisposición del ser humano, derivada de su propiacondición y constitución social.

Afirmar por tanto la participación como objetivopolítico tiene la implicación de afirmar que el hombre, cada

Page 293: Democracia Deliberativa

292 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

individuo, debe ser dueño de sí mismo, y no ver reducidoel campo de su soberanía personal al ámbito de suintimidad. Una vida humana más rica, de mayor plenitud,exige de modo irrenunciable una participación real entodas las dimensiones de la vida social, también en lapolítica.

Sin embargo, hay que resaltar que la vida humana,la de cada hombre, no se diluye en el todo social. Si resultamonstruoso un individuo movido por la absolutaexclusividad de sus intereses particulares, lo que resultainimaginable e inconcebible es un individuo capaz de vivirexclusivamente en la esfera de lo colectivo, sin referenciaalguna a su identidad personal, es decir, alienado, ajenoenteramente a su realidad individual.

Por este motivo la participación como un absoluto,tal como se pretende desde algunas concepcionesorganicistas de la sociedad, no es posible. De ahí que meresulte preferible hablar de libre participación. Porque lareferencia a la libertad, además de centrarnos de nuevoen la condición personal del individuo, nos remite a unacondición irrenunciable de su participación, su carácterlibre, pues sin libertad no hay participación. Laparticipación no es un suceso, ni un proceso mecánico,ni una fórmula para la organización de la vida social. Laparticipación, aunque sea también todo eso, es más:significa la integración del individuo en la vida social, ladimensión activa de su presencia en la sociedad, laposibilidad de desarrollo de las dimensiones sociales delindividuo, el protagonismo singularizado de todos loshombres y mujeres.

Aunque los factores socioeconómicos, por ejemplo,sean importantísimos para la cohesión social, ésta no seconsigue solo con ellos, como puedan pensar lostecnócratas y algunos socialistas. Aunque losprocedimientos electorales y consultivos sean llave parala vida democrática, ésta no tiene plenitud por el solo hecho

Page 294: Democracia Deliberativa

293Democracia y participación

de aplicarlos, como pueden pensar algunos liberales. Laclave de la cohesión social, la clave de la vida democráticaestá en la participación de todos los ciudadanos en losasuntos públicos.

En este sentido la participación no puede regularsecon decretos ni con reglamentos. Sólo hay realparticipación -insisto- si hay participación libre. De lamisma manera que la solidaridad no puede ser obligada.Esta relación de semejanza entre participación ysolidaridad no es casual, por cuanto un modo efectivo desolidaridad, tal vez uno de los más efectivos, aunque nosea el más espectacular, sea la participación, entendidacomo la preocupación eficaz por los asuntos públicos, encuanto son de todos y van más allá de nuestros exclusivosintereses individuales.

Ahora bien, al calificar la participación como libre,quiero referirme no sólo a que es optativa sino también aque, en los infinitos aspectos y modos que la participaciónes posible, es cada vecino quien libremente regula laintensidad, la duración, el campo y la extensión de suparticipación. En este sentido, la participación -al igualque la solidaridad- es resultado de una opción, de uncompromiso, que tiene una clara dimensión ética, ya quesupone la asunción del supuesto de que el bien de todoslos demás es parte sustantiva del bien propio. Pero aquínos encontramos en el terreno de los principios, en el quenadie puede ser impelido ni obligado.

De este modo, y aunque sea provisionalmente,cerramos el círculo, en cuanto que se vuelve la atencióna la persona concreta, enfrentada a su quehacer políticoen toda su dimensión social. En esto parece consistir laconcepción que se preconiza desde el espacio de centro:son los hombres y mujeres singulares y concretos quienesreclaman nuestra atención, y para ellos es para quienreclamamos el protagonismo. Y por esto mismo la libreparticipación en la vida de la sociedad, en sus diversas

Page 295: Democracia Deliberativa

294 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

dimensiones -económica, social, cultural, política- puedeerigirse como el objetivo político último, ya que unaparticipación plenamente realizada significa la plenitudde la democracia.

La doble consideración de la participación, comoobjetivo y como método, podemos, pues, considerarla otrorasgo que define este nuevo espacio que se abre en elterreno político de las democracias europeas. Constituyetambién otro paso -o es una consecuencia- en el procesode desideologización de la vida política que parece vivirseen este momento. Además, me parece que es el inicio deuna respuesta a la sentida necesidad de profundizar yreavivar la vida democrática. No obstante una cuestiónsigue en pie, la de la articulación concreta, objetiva, real,de esa participación, tanto en el método como en el objetivo.La respuesta sólo puede darse desde un programa y desdela acción política.

No sólo se define el perfil político de una formación,de un grupo o de un líder por la consecución de susobjetivos, no es suficiente con eso. Sería suficiente talvez en los perfiles políticos de carácter tecnocrático, delsigno que sean. Pero en realidad, ni siquiera en ese caso,porque las políticas se definen como tecnocráticas cuandoconsideran reducibles a procedimientos técnicos laconducción de la vida política.

Además de la relación de objetivos, para poder definirun perfil político es necesaria la referencia al método. Pormétodo se puede entender el modo de realizar la tareapolítica. Si se considera que uno de los objetivos esencialesde las posiciones políticas de centro es la participación,debemos llamar ahora la atención sobre el hecho de quela participación se constituye también como método parala realización de esas políticas. Es más, desde lospresupuestos que definen el espacio de centro no podríaser de otra manera.

Page 296: Democracia Deliberativa

295Democracia y participación

Suponer que la participación es un objetivo que sólose puede alcanzar al final de un proceso de transformaciónpolítica, sería caer en uno de los errores fundamentalesdel dogmatismo político implícito en las ideologías cerradas.El socialismo con la colectivización de los medios deproducción; el fascismo con la nacionalización de la vidasocial, económica, cultural y política; el liberalismodoctrinario -aunque aquí serían necesarias ciertasmatizaciones- con la libertad absoluta de mercado,pretenden alcanzar una libertad auténtica que despeje lossucedáneos presentes de la libertad, que no son sinoespejismos, engañiflas o cadenas que nos sujetan.

Desde el centro la percepción es bien distinta. Lalibertad y la participación que se presentan como objetivosno son de naturaleza diferente a la libertad y participaciónde cada ciudadano. Si la libertad y la participación de quegozamos hoy en las sociedades democráticas occidentalesno fueran reales y auténticas, poco importaría prescindirde ellas -como desde ciertas posiciones ideológicas sepuede afirmar-, pero no es así. La raíz de la libertad estáen los hombres y mujeres concretos, singulares, no en lavida y en el ser nacional, ni en la liberación de una clasesocial a la que se reduce toda la sociedad.

Por eso precisamente, porque no es necesario liberaruna clase ni una nación para que haya en algún gradolibertad auténtica, es por lo que se puede afirmar laautenticidad de la libertad -mejorable, pero auténtica- queen distinta forma y medida todos hemos alcanzado.Proponer la participación como objetivo político no significaotra cosa, pues, que desde el estadio presente de libertady de participación caminar hacia cotas y formas de mayoralcance y profundidad que las actuales, pero contando conlo que tenemos y sin ponerlo frívolamente en juego.

Pretender recorrer este camino sin contar con laspersonas para quienes se reivindica el protagonismoparticipativo sería contradictorio, se incurriría en una

Page 297: Democracia Deliberativa

296 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

incoherencia inaceptable. Y el rigor y la coherencia sonvalores políticos de primer orden, cuya pérdida traeríaconsigo la pérdida también de los valores de equilibrio ymoderación que nos sitúan en el centro. Se trata, pues,de poner en juego todas las potenciales formas departicipación que en este momento enriquecen los tejidosde nuestra sociedad, como condición metodológica paraalcanzar no sólo grados de participación más altos, sinotambién nuevos modos de participación.

Desde el punto de vista político tal pretensión pasanecesariamente por la permeabilidad de las formacionespolíticas, de los partidos. La permeabilidad de los partidosquiere decir que los partidos tienen que desarrollarse comoformaciones abiertas y sensibles a los intereses reales dela sociedad, que son los intereses legítimos de susintegrantes, tomados bien individualmente bien en susmúltiples y variadas dimensiones asociativas, bien en lasdiversas agrupaciones producto del dinamismo social.

Se comprende perfectamente -la experiencia denuestra vida democrática lo refrenda- que esta pretensiónes ya de por sí un reto político de primer orden, por cuantola conjugación de la necesaria cohesión - ¿disciplina?-interna de los partidos, con la flexibilidad a que me refiero,constituye por sí misma un ejercicio de equilibrio políticoimprescindible, de cuyo éxito, me parece, depende elasentamiento en el espacio de centro.

En efecto, flexibilizar, permeabilizar, es al mismotiempo una aspiración y un reto. Un partido abierto quieredecir un partido capaz de ponerse en sintonía con losgrupos, sectores, segmentos sociales, y capaz, por tanto,de ejercer con eficacia y reconocimiento surepresentación. Pero es al mismo tiempo, un partido queaumenta aparentemente su vulnerabilidad anta lasagresiones derivadas de las ambiciones personales o delos intereses particulares del tipo que sean.

Page 298: Democracia Deliberativa

297Democracia y participación

Sin embargo, esta dificultad es salvableprecisamente desde el centro político, por la razón simplede que el centro político carece del corsé ideológico, que sipor una parte parece ofrecer cohesión y correlativamentefortaleza a la formación política basada en una ideología,por otra la cierra y hermetiza a la vida social. Es por elloprecisamente por lo que a este tipo de formaciones sóloles cabe como objetivo la conquista de la sociedad, comoefectivamente las formaciones ideológicas pretenden deforma declarada.

En efecto, la formación ideológica, si podemosllamarla así, nada tiene que aprender de nadie. La vidasocial y cultural no tiene nada que ofrecerle paraenriquecerla, ya que la ideología le proporciona las clavescompletas de interpretación universal, de interpretaciónde toda la realidad, en su conjunto o en sus partes. Desdeel punto de vista de la ideología, cualquier interpretacióno apreciación que se aparte de la ortodoxia ideológica esalienación, disidencia o revisionismo -por simplificar-, yla evolución del pensamiento ideológico parecetransformarse finalmente en una escolástica.

En cambio, la mentalidad abierta que caracteriza alcentro, su carácter no dogmático, facilita como un rasgoconstitutivo la necesidad del diálogo, del intercambio, elimperativo de percibir el sentido de los intereses y lasaspiraciones sociales, que constitutivamente estánsujetos a permanente mutación.

Es verdad que en las formaciones que denominoideológicas se producen adaptaciones a lastransformaciones sociales, pero, a mi entender, éstas sólopueden tener dos sentidos: el de la atemperación de loscontenidos ideológicos, que puede revestir -y ha revestidohistóricamente- formas diversas, lo que nos situaría anteuna auténtica, aunque fuese lejana, aproximación alcentro. El otro tipo posible de adaptación sería el de merasacomodaciones tácticas, es decir, cambios de

Page 299: Democracia Deliberativa

298 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

procedimientos en la estrategia de conquista que todaideología implica.

Desde esta perspectiva, podría suponerse, de acuerdocon acusaciones que se han vertido, el caráctercamaleónico del centro político y su correlativa falta deconvicciones políticas. Sin embargo no hay tal cosa. Elnivel o la intensidad de la convicción que la participaciónen un proyecto de centro exige no es menos que el nivelde convicción que reclama la participación en un proyectode tipo ideológico, digamos. La diferencia donde seencuentra es en la extensión de las convicciones.

Mientras que los proyectos ideológicos suponen -comovengo repitiendo en ocasiones- visiones completas,cerradas y definitivas de la realidad social -también en ladimensión histórica de esa realidad- los proyectos decentro, al elaborarse en un contexto de convicciones sobrela sociedad más restringido, propician un mayor consensosocial, y no hipotecan ni ponen en suspenso la libertadpersonal de quien se suma al proyecto.

Podría finalmente afirmarse que desde el centro sepropone una acción política construida sobre la consulta ola prospección permanente del sentir social. Pues no enabsoluto. La política así concebida no deja de responder auna concepción tecnocrática, a una reducción de la políticaa la exclusiva actividad gestora. Este fantasma se diluyesi volvemos a la consideración primera de que el objetivode la participación consiste en propiciar el protagonismodel ciudadano en la vida y la acción públicas. La implicacióninmediata es que no hay lugar para un nuevo despotismoilustrado que conciba la política como una satisfacción delos intereses de los ciudadanos sin contar con ellos en suconsecución.

La diversificación de intereses, impulsados por unclima de participación y compromiso cada vez mayores conlos asuntos públicos, sobre todo -aunque no

Page 300: Democracia Deliberativa

299Democracia y participación

exclusivamente-, por parte de los jóvenes, ha culminadoen el establecimiento de un denso tejido asociativo, conintereses, sensibilidades e incluso planteamientospolíticos diversos. En ese tejido deben buscarse -sinexclusiones preestablecidas- a los interlocutores:asociaciones y colegios profesionales, asociaciones depadres de alumnos, asociaciones de amas de casa, demujeres, grupos juveniles; entidades deportivas yculturales, organizaciones no gubernamentales, grupos,entidades y asociaciones de la tercera edad, asociacionesparroquiales, grupos y asociaciones ecologistas, sectoresindustriales y empresariales, consumidores, asociacionesy movimientos vecinales, entidades educativas, órganosde la administración particularmente dirigidos a laatención al público; comisiones de fiestas, medios decomunicación, sociedades gastronómicas, instituciones derecreo y tiempo libre, sociedades de caza y pesca; etc., etc.,etc. La capacidad para establecer un diálogo con el másamplio número de representantes sociales será unindicativo de su apertura real a la sociedad.

En ese diálogo no debe olvidarse el objetivo principalque se persigue. No se trata de convencer, ni de transmitir,ni de comunicar algo, sino ante todo y sobre todo, en primerlugar, de escuchar. Y debe recordarse que en diálogoescuchar no comporta una disposición pasiva, sino alcontrario, es una disposición activa, indagatoria, que buscael alcance de las palabras del interlocutor, comprender sumanera de percibir la realidad, la conformación de suspreocupaciones y la proyección de sus ilusiones y objetivos.Por eso el punto de partida es la correcta disposición deapertura. Sin ella el diálogo será aparente, sólo oiremoslo que queremos oír e interpretaremos de modo sesgado loque se nos dice. La pretensión de centrarse en los interesesde la gente será ilusoria.

Ese diálogo debe caracterizarse además por suflexibilidad. Es decir, no se trata de un intercambio rígido

Page 301: Democracia Deliberativa

300 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

y formalista; no es una encuesta, está abierto, y han deponerse en juego los factores personales y ambientalesnecesarios para hacerlo más confiado y fructífero. En esemismo sentido ha de tenerse en cuenta el talante personaldel interlocutor y contar también con el propio, para quela condición de los interlocutores no sea un elemento dedistorsión en la comunicación. El diálogo debe conducirsesin limitación en los temas salvo que atente a la dignidadde la persona. También interesa conocer, cuando sea elcaso el descontento que producimos, a quien y por qué. Yen medio de la multitud de propuestas de solución que sedarán, habrá que resaltar que interesa considerarlas todas,pero de modo muy especial las que tengan como rasgo elequilibrio propio del centro, es decir, las que toman enconsideración a todos los sectores afectados por el problemaque se trate o la meta que se persiga, y no sólo al propio.

El diagnóstico que se pretende constituye unejercicio político real, por su objetivo -comprender lasaspiraciones de nuestra sociedad en su complejidadestructural-, por el procedimiento -comunicación-, por losjuicios de valor que lleva aparejados -en cuanto aurgencia, importancia y precedencia de las cuestiones quese planteen-. Por otra parte, sustanciar un diálogo en estascondiciones comporta una mejora ética del político, porquesólo con un ejercicio de sinceridad y autenticidad podráponerse en el lugar de la gente a la que sirve.

No hay mejor modo de transmitir a la gente laimportancia y la necesidad de su participación en losasuntos públicos, y el enriquecimiento político personal ysocial que comporta su ejercicio, que practicarlaefectivamente. Cuando se dice que el giro al centro esuna operación de marketing político se hace unaapreciación inexacta; el único marketing político queinteresa a un partido de centro es la participación efectiva,real, de los ciudadanos en la vida pública.

Page 302: Democracia Deliberativa

301Democracia y participación

BIBLIOGRAFÍA

-ARISTÓTELES, La política, Madrid, 1974.

-LORD ACTON, A study in conscience and politics, SanFrancisco, 1993

-M. ALBERT, Capitalisme contra capitalisme, París, 1990

-G. ANDREOTTI, De Gasperi il suo tempo, Trento, 1974

-J.L. ARANGUREN, Etica y Política, Madrid, 1985

-A. ARGANDOÑA, La dimensión ética de las institucionesy los mercados financieros, Madrid, 1995

-F. BACON, La gran restauración, Madrid, 1985

-H. BALZAC, La comedia humana, Madrid, 1980

-J. BALLESTEROS, Postmodernidad, Madrid, 1989

-BAQUÍLIDES, Odas y fragmentos, Madrid, 1988

-G. BEAUCHENE, Los hombres y las cosas, Madrid, 1959

-I. BERLIN, Cuatro ensayos sobre la libertad, Madrid, 1998

-L. BERNALDO DE QUIRÓS, Nuevos tiempos, Madrid, 1992

-P- BINI, Quando l´economia parlara alla societá, Roma,1995

-N. BOBBIO, Diccionario de la política, Madrid, 1991

-J. BODINO, Los seís años de la República, Madrid, 2006

-J. BRADEMAS, Contra la corrupción internacional, Madrid,1988

-R. BUTTIGLIONE, El hombre y el trabajo, Madrid, 1984

-E. BURKE, Reflexiones sobre la revolución en Francia,Madrid, 2003

-G. CAIDEN, The dinamics of Public Administration, NewYork, 1971

Page 303: Democracia Deliberativa

302 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

-V. CAMPS, Virtudes públicas, Madrid, 1990

-G. CANTÚ, El desafío de la derecha, México, 1987

-A. CÁNOVAS DEL CASTILLO, Discursos parlamentarios,Madrid, 1987

-G. CARDUCCI, Degli spiriti e delle forme nella poesía diGiucamo Leopardi, Milán, 1898.

-M. CERVANTES SAAVEDRA, Don Quijote de La Mancha,Madrid, 1994

-P.S. CODERCH, Libertad de expresión y conflictoinstitucional, Madrid, 2003

-J. COLTON, A history of modern world, Londres, 1984

-B. CONSTANT, Escritos Políticos, Madrid, 1989

-P. CORNEILLE, Theatre complet, París, 1873

-D. CORTES, Lecciones de Derecho Político, Madrid, 1984

-F. COSSIGA, La passion e la política, Milán, 2000.

-D.J. COULD-JA AMARO REYES, The effects of corruptionon administrative performance, Washington, 1893

-N. COWPER, The menace of communism, Sidney, 1948

-D.G. CREIGHTON, Dominion of the North, Londres, 1958

-DALAI LAMA, Ethics for the new millennium, New York,1999

-R.A. DAHL, La democracia y sus críticos, Barcelona, 1992

J. DAHLMANN, El estudio de las lenguas y las misiones,Madrid, 1893

-J.R. D´ALEMBERT, Artículos políticos de la enciclopedia,Madrid, 2002

-J. DANIEL, Viaje al fondo de la nación, Madrid, 1995

-P. DANKERT, Europe together, America Apart, New York,1983

Page 304: Democracia Deliberativa

303Democracia y participación

-R. DE GOURMONT, La cultura des idèes, París, 1956

-V. DE GUEVARA, Reinar despues de morir, Madrid, 2002

-D. DE SAAVEDRA FAJARDO, Empresas políticas, Madrid,1999

-A. DEL NOCE, Agonía de la sociedad opulenta, Pamplona,1999

-J. DEWEY, Democracia y educación, Madrid, 1997

-D. DIDEROT, Artículos políticos sobre la enciclopedia,Madrid, 2002

-B. DISRAELI, The two nations, Londres, 1919

-F. DOSTOIEWSKI, Crimen y castigo, Madrid, 2004

-A. DUMAS, Los tres mosqueteros, Madrid, 1853

-J.A. DURAN I LLEIDA, Catalunya y España plurinacional,Barcelona, 1995.

-A. ECKER, Teoría moderna de la organización educativa,Madrid, 1992.

-U. ECO, Tratado de semiótica general, Madrid, 1977

-C.S. FISCHER, The urban experience, Londres, 1984

-J. FONTANA, Historia: análisis del pasado y proyectosocial, Barcelona, 1999.

-C.J. FOX, Postmodern public, New York, 1999

-A. FRANCE, Le liuse de mona mí, París, 1895

-C.J. FRIEDRICH, Totalitarian dictatorship and autocracy,Londres, 1956.

-J.P. FUSI, España: de la dictadura a la democracia, Madrid,1983

-F. FUKUYAMA, El fin de la historia y el último hombre,Madrid, 1992

-J. GARCIA AÑOVEROS, ¿Crisis en las Haciendas

Page 305: Democracia Deliberativa

304 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

Autonómicas?, Madrid, 1986

-M. GARCIA DE LA HUERTA, Reflexiones americanas::ensayos de intra-historia, Santiago de Chile, 1999

-E. GARCIA DE ENTERRÍA, Reflexiones sobre la ley y losprincipios generales del Derecho, Madrid, 1984.

-J. GARDINER, Means, New York, 1967

-J. GOULD, A dictionary of the social sciences, New York,1964

-M. GIBBONS, The new production of knowledge: thedynamics of science and research in contemporarysocieties, Londres, 1994

-W. GLADSTONE, Political, speeches in Scotland, London,1880

-R. GÓMEZ PÉREZ, Problemas morales de la existenciahumana, Madrid, 1980

-J- GONZÁLEZ PÉREZ, La dignidad de la persona, Madrid,1986

-A. GRAF, Roma nella memoria immaginazioni delMedioevo, Roma. 1883

-F. GUIZOT, historie de la civilisation en Europe, París,1846

-J. HABERMAS, El discurso filosófico de la modernidad,Madrid, 2008

-D. HAMMARSKJOLD, Markings, Londres, 1982

-V. HAVEL, The end of the modern era, New York, 1992

-G. HEGEL, Filosofía del Derecho, Madrid, 1968

-HERODOTO, Los nueve libros de la Historia, Madrid, 1960

-A.J. HEIDENHEIMER, Political corruption, New York, 1989

-T. HOBBES, Leviathan, Oxford, 1998

Page 306: Democracia Deliberativa

305Democracia y participación

-V. HUGO, Do grotesco e do sublime, Sao Paulo, 2004

-D. HUME, Tratado de la naturaleza humana, Madrid, 1984

-D. INNERARITY, El Nuevo espacio público, Madrid, 2006

-A. IZQUIERDO, Etica y Administración, Madrid, 1994

-R. JOHANBEGLOO, Conversation with Isaiah Berlín,Londres, 1992

-H. JOHNSTON, Social movements and culture, Cornell,1995

-M.G. JOVELLANOS, Memoria sobre educación pública,Madrid, 2007

-JUVENAL, As satyras, Lisboa, 1839

-K. JOWITT, The new world disorder: the lenninistextinction, Londres, 1993.

-K. KERNAGHAN, The new public organization, Otawa, 2000

-H. KISSINGER, The control handbook, Boston, 1996

-J.C. LAMBERTI, La notion d´individualisme chezTocqueville, Paris, 1970

-H.D. LASSWELL, Power and society, Yale, 1950

-J.S. LAFONTAINE, The category of person: anthropology,philosophy, history, Cambridge, 1985

-S. LANZA, Páginas escogidas e inéditas, Madrid, 1918

-G. LEOPARDI, Opere morali, Milán, 1998

-W.S. LEVINE, The control handbook, Boston, 1996

-P. LOPEZ DE AYALA, Crónicas de los Reyes de Castilla,Madrid, 1875

-N. MAQUIAVELO, Discursos sobre la primera década deTito Livio, Madrid, 2000.

-P. MARIANA, Del Rey y de la instrucción de la dignidad

Page 307: Democracia Deliberativa

306 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

real, Madrid, 1845

-J. MARÍAS, Discurso de metafísica, Madrid, 1967

-A. MACINTYRE, A short history of ethics, Londres, 1995

-E. MANDEL, Late capitalism, Londres, 1975

-F. MAYOR ZARAGOZA, Un mundo nuevo, Madrid, 2000

-V. MÁXIMO, Hechos y dichos memorables, Madrid, 2003

-D. MELÉ, Etica en la dirección de empresas, Madrid, 1997

-Y. MENY, Las políticas públicas, Madrid, 1992

-J. MESSNER, La cuestión social, Madrid 1960

-A. MILLÁN PUELLES, La formación de la personalidadhumana, Madrid, 1963

-F. MITERRAND, La coup d´Etat permanent, París, 1964

-I. MONTANELLI, Storia d´Italia, Roma, 1980

-H. MONTHERLANT, Le solsticie de juin, París, 1941

-C.S. MONTESQUIEU, Del espíritu de las leyes, Madrid, 2003

-L. NAMIER, History and political cultura, Londres, 1970

-E. NARDUCCI, Lucano: un´epica contra l´impero, Roma,2002

-U. NIETO DE ALBA, Etica de gobierno y corrupción, Madrid,1996

-F. NIETZSCHE, Así habló Zaratrusta, Madrid, 1998

-J.F. NYE, Power and interdependence, Londres, 1975

-C. OFFE, Contradictions of the welfare state, London, 1984

-A. OLLERO, Interpretación del derecho y positivismlegalista, Pamplona, 1982

-J. ORTEGA Y GASSET, La decadencia de Occidente,Madrid, 1958

Page 308: Democracia Deliberativa

307Democracia y participación

-O. PAZ, Corriente alterna, México, 1997

-G. PECES BARBA, Derechos fundamentales, Madrid, 1976

-G. PERELMAN, Tratado de la argumentación, Madrid, 1989

-E. PISANI, Pour l´Afrique, París, 1988

-T. PETERS, Liberation management, Londres, 1992

-PITACO, Tragedia en tres actos, Madrid, 1822

-K. POPPER, La sociedad abierta y sus enemigos, Madrid,1981

-M. RAMIREZ, La participación política, Madrid, 1985

-J. REVEL, El conocimiento útil, Madrid, 1989

-R. RICHTER, Institutions and economic theory, Michigan,2005

-A. ROGOW, Power, corruption, and rectitude, Londres, 1993

-S. ROMANO, El ordenamiento jurídico, Madrid, 1963

-S. ROSE-ACKERMAN, Corruption and development,Washington, 1997

-J. ROUSSEAU, The social contract, Yale, 2002

-B. RUSELL, The history of western philosophy, New York,1945

-A. SABAN GODOY, El marco jurídico de la corrupción,Madrid, 1991

-G. SARTORI, Homo videns: la sociedad teledirigida, Madrid,2001

-J.C. SCOTT, Domination and the arts of resistence:hidden transcript, Yale, 1990

-J. SEBRELI, El asedio a la modernidad, Madrid, 1992

-J. STUART MILL, Sobre la libertad, Madrid, 1995

-L.A. SENECA, Cartas a Lucilio, Madrid, 1982

Page 309: Democracia Deliberativa

308 A democracia deliberativa como nova matriz de gestão pública

-P. SERNA, Positivismo conceptual y fundamentación delos derechos humanos, Pamplona, 1990

-W. SHAKESPEARE, The tempest, Londres, 2002

-A. SMITH, La riqueza de las naciones, Madrid, 1996

-I. SOTELO, Educación y democracia, Madrid, 1995

-R. SPAEMANN, Etica:cuestiones fundamentals, Madrid,1998

-TÁCITO, Anales, Madrid, 2007

-J. TARKOWSKI, Centralized systems and corruption, NewYork, 1988

-R. THEOBALD, Reworking sucess: new communities atthe millenium, Londres, 1997

-A. DE TOCQUEVILLE, La democracia en América, Londres,2003

-L. TOLSTOI, Guerra y paz, Madrid, 1970

-A. TOURAINE, Crisis de la modernidad, Madrid, 1993

-J. TUSELL, El conocimiento inútil, Madrid, 1989

-J. USLAR PETRI, La creación del nuevo mundo, Madrid,1992

-L. VAN OUTRIVE, Crime et justice en Europe, Bruxellas,1993

-L. VÉLEZ DE GUEVARA, El diablo cojuelo, Madrid, 1988

-H. VON TREITSCHKE, Historiche und politische Aufsätze,Frankfurt,

1891

-M. WEBER, La religion protestante y la crítica alcapitalismo, Madrid, 2003

-E.U. WEIZSACKER, The new report to the Club of Rome,Londres, 1997

Page 310: Democracia Deliberativa

309Democracia y participación

-S. WELCH, Politics, corruption and political culture, NewYork, 1997

-H.H. WERLIN, Revisiting corruption: with a new definition,New York, 1994

-A. WOLFE, The power elite, Oxford, 2000

-R.C. ZINKE, Public Administration and the code of Ethics,New York, 1989

Page 311: Democracia Deliberativa