democracia e internet: a transparência de gestão nos portais
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA
FACULDADE DE COMUNICAO - FACOMPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM
COMUNICAO E CULTURA CONTEMPORNEAS
Paula Karini Dias Ferreira Amorim
Democracia e Internet: a transparncia de gesto nos portais eletrnicos das capitais brasileiras
Salvador2012
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Paula Karini Dias Ferreira Amorim
Democracia e Internet: a transparncia de gesto nos portais eletrnicos das capitais brasileiras
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas, Faculdade de Comunicao, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Othon Fernando Jambeiro
Salvador2012
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Amorim, Paula Karini Dias FerreiraA524d Democracia e Internet: a transparncia de gesto nos portais
eletrnicos das capitais brasileiras. / Paula Karini Dias Ferreira Amorim, Salvador, 2012
347 f. il.
Orientador: Prof Dr. Othon Fernando Jambeiro Tese (Doutorado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicao, Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contempornea, Salvador, BR-BA, 2012.
1. Democracia. 2. Internet Transparncia digital. 3. Brasil. 4. Governo Municipal. I. Ttulo II. Comunicao.
CDU: 316.774 CDU: 316.774
Ficha catalogrfica elaborada pela Bibliotecria Maria Madalena de Camargo CRB8/298.
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A Enzo e Josu,
meus amores.
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AGRADECIMENTOS
Esta tese certamente no se teria tornado uma realidade se eu no tivesse tido a oportunidade
de contar com pessoas muito valiosas. Assim, resta-me agradecer profundamente a cada um
daqueles que, ao seu modo, contriburam e acabaram se tornando coautores deste trabalho.
Ao professor Doutor Othon Fernando Jambeiro, orientador desta tese, agradeo pela acolhida,
pelos valiosos e rigorosos conhecimentos, assim como pela pacincia e seriedade.
Ao professor Doutor Wilson Gomes, coordenador do curso, pelos ensinamentos essenciais
para o meu amadurecimento acadmico, pela ateno e pelo profissionalismo.
Aos professores Andr Lemos, Jos Carlos e Marcos Palacios, por terem promovido espaos
genunos de aprendizagem e produo acadmica.
Aos colegas do CP-redes, que me acolheram com carinho e que proporcionam debates e
contribuies fundamentais para a minha pesquisa, de modo especial, agradeo Jussara
Borges, Neuma Dantas, Suzana Andrade e Samuel Barros.
Aos colegas do Centro de Estudos Avanados em Democracia Digital e Governo Eletrnico,
pelas discusses e pelas sugestes.
Capes, por fomentar a formao de doutores para a regio Norte do pas.
Unitins, por propiciar a oportunidade de cursar este doutorado.
Ao professor doutor Geraldo, pelos dilogos frutferos.
Aos professores doutores Joel e Waldecy, pela gentileza e pelos prestimosos conhecimentos
estatsticos.
A Andr vila e Mileni Cunha, pela ajuda e colaborao.
Aos meus colegas Igor Yepes, Marco Firmino, Fredson Costa, Snia Mara, Mariana Carla,
Kyldes e Darlene, por estarem sempre dispostos a compartilhar conhecimento e esperana.
minha me, meus irmos Csar e Leonardo, ao cl Amorim e a Sebastiana, pela presena e
pelo apoio.
A Josu Amorim, pelo carinho e amor em todos os momentos deste rduo processo de
doutoramento.
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Para ser grande, s inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
S todo em cada coisa. Pe quanto s
No mnimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis), 14 fev. 1933.
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RESUMO
O modelo hegemnico de democracia contempornea abraa a formatao liberal e concentra-se essencialmente na representao poltica. Esse trao caracterstico tem sido alvo de crticas por inmeros tericos, pesquisadores, organizaes civis e cidados a respeito do nvel de legitimidade. Atualmente h muitas reivindicaes no sentido de se criarem meios de fortalecer esse sistema poltico por intermdio da participao poltica do cidado, de maior abertura do Estado esfera civil, da deliberao pblica e do uso dos recursos da Internet como meio para superar barreiras de tempo e espao. Ao assumir que a transparncia um valor comum aos modelos de democracia, bem como instrumento que pode favorecer maior proximidade, cognicidade e controle dos negcios do Estado pelo cidado, prope-se os seguintes elementos para uma anlise sistematizada da transparncia dos websites governamentais: usabilidade, acessibilidade, hiperlinks, informaes contextuais, informaes institucionais, informaes e servios financeiro-oramentrios, informaes e servios administrativos, comunicao com o pblico e responsividade. Esta investigao teve por finalidade compreender os modos pelos quais os governos municipais das capitais estaduais e da capital federal do Brasil empregam os mecanismos de Internet para ofertar informao e servios que visem transparncia de gesto para a esfera civil. A partir das questes-problema levantadas para esta pesquisa, procurou-se compreender como os governos das capitais estaduais e da capital federal do Brasil utilizam os seus sites oficiais com a finalidade de favorecer a transparncia da gesto, aferir o nvel de desenvolvimento da transparncia dos sites pesquisados e verificar se existe associao entre o nvel de transparncia do portal e indicadores socioeconmicos (produto interno bruto, ndice de desenvolvimento humano, analfabetismo, populao, insero digital e partido poltico). O estudo foi realizado por meio de cinco etapas: reviso bibliogrfica, identificao dos experimentos, estudo exploratrio, navegao estruturada nos portais e anlise comparativa dos resultados. O corpus emprico foi composto pelos websites das capitais brasileiras e Distrito Federal. A anlise dos resultados revelou na maioria dos portais a transparncia digital moderada e que h uma associao entre a transparncia do municpio e o seu desenvolvimento econmico e social.
Palavras-chave: Democracia. Internet. Transparncia digital. Governo municipal.
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ABSTRACT
The hegemonic model of contemporary democracy holds the liberal form and concentrates itself essentially in political representations. This characteristic have been criticized by a number of theorists, researchers, civil organizations and citizens, regarding the level of legitimacy. Currently there is several claims aiming to create forms to strengthen the political system through political participation of citizens, increased openness from the State to civil sphere, public deliberation, and usage of Internet tools as a mean to overcome barriers of time and place. As we undertake that transparency is a common value to democracy models, as well as an instrument that could favor a greater proximity, cognition and control of the State business by the citizens, we propose the following elements for a systematic analysis of government websites transparency: usability, accessibility, hyper links, contextual information, institutional information, financial-budget information and services, administrative information and services, communication with the public and responsibility. This research intends to comprehend the manner in which the local government from the capital cities of Brazilian States and the capital of Brazil itself employ Internet mechanisms to offer information and services which directs management transparency to civil sphere. From the research question surveyed for this study, we tried to comprehend how the government from the capital cities mentioned above use their official websites aiming to favor management transparency, assess the development level of the websites that take part of this study and check if there is any type of association between the level of transparency of the website and social-economic indexes (gross domestic product, human development index, illiteracy, population, Internet usage and political parties adherence). The study was performed in five stages: literature review, experiment identification, exploratory study, structured browse in the sites, and comparative analysis of the results. Empirical corpus was made by the capital cities websites. Results analysis showed that in most websites digital transparency is moderate and there is an association between local transparency and local social-economic development.
Keywords: Democracy. Internet. Digital transparency. Local government.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Elementos da transparncia............................................................................. 62Figura 2 - As direes da transparncia........................................................................... 69Figura 3 - Imagem de fragmento do vdeo gerado durante a navegao no portal da Prefeitura de Aracaju....................................................................................................... 100Figura 4 - Modelo do formulrio utilizado para a navegao orientada.......................... 101
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Estado da transparncia digital dos portais das capitais brasileiras............... 151Grfico 2 - Pontuao da dimenso informaes gerais dos websites avaliados, por cidade................................................................................................................................153Grfico 3 - Pontuao da dimenso informaes e servios tcnicos dos websites avaliados, por cidade........................................................................................................ 157Grfico 4 - Dimenses agrupadas, por regio.................................................................. 168Grfico 5 - Resultado da transparncia digital, por regio...............................................168Grfico 6 - Resultado da transparncia digital com PIB per capita, por regio............................................................................................................................... 169
Grfico 7 - Resultado da transparncia digital com IDH-M, por regio..........................170Grfico 8 - Resultado da transparncia digital com percentual de utilizao da Internet, por regio........................................................................................................... 171Grfico 9 - Resultado da transparncia digital com percentual de analfabetismo, por regio................................................................................................................................ 172Grfico 10 - Comparativo da transparncia digital com os indicadores escolhidos para a pesquisa, por regio....................................................................................................... 173Grfico 11 - Correlao entre o ndice da transparncia e o IDH-M............................... 176Grfico 12 - Correlao entre o ndice da transparncia e o PIB per capita dos municpios........................................................................................................................ 177
Grfico 13 - Correlao entre o ndice da transparncia e a populao........................... 178Grfico 14 - Correlao entre o ndice da transparncia e a insero digital...................179Grfico 15 - Correlao entre o ndice da transparncia e o analfabetismo.....................180Grfico 16 - Resultados da transparncia, por partido..................................................... 181Grfico 17 - Radar correlao entre o ndice da transparncia e o partido poltico......... 182Grfico 18 - Coeficientes de correlao entre o ndice de transparncia digital e as variveis socioeconmicas das capitais brasileiras.......................................................... 183
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Comparao das concepes habermasianas sobre esfera pblica................ 43Quadro 2 - Leis de acesso informao na Amrica Latina............................................ 51Quadro 3 - Os tipos de obstculos transparncia da informao................................... 66Quadro 4 - Transparncia processual versus transparncia eventual............................... 70Quadro 5 - Cidade e o seu respectivo endereo eletrnico.............................................. 98Quadro 6 - Aspectos avaliados na categoria cidade......................................................... 108Quadro 7 - Aspectos avaliados na categoria internet....................................................... 109Quadro 8 - Aspectos avaliados na categoria usabilidade................................................. 110Quadro 9 - Aspectos avaliados na categoria acessibilidade............................................. 112Quadro 10 - Aspectos avaliados na categoria hiperlink................................................... 114Quadro 11 - Aspectos avaliados na categoria informaes contextuais........................... 115Quadro 12 - Aspectos avaliados na categoria informaes institucionais........................ 116Quadro 13 - Aspectos avaliados na categoria informaes financeiro-oramentrias..... 119Quadro 14 - Aspectos avaliados na categoria informaes administrativas.................... 121Quadro 15 - Aspectos avaliados na categoria comunicao com o pblico..................... 124Quadro 16 - Aspectos avaliados na categoria responsividade.......................................... 126
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Pontuao dos conceitos.................................................................................. 105Tabela 2 - Intervalo percentual para a atribuio do conceito global............................... 108Tabela 3 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria internet.................................... 109Tabela 4 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria usabilidade.............................. 112Tabela 5 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria acessibilidade.......................... 113Tabela 6 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria hiperlink.................................. 114Tabela 7 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria informaes contextuais......... 116Tabela 8 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria informaes institucionais...... 118Tabela 9 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria informaes financeiro-oramentria..................................................................................................................... 120Tabela 10 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria informaes administrativas. 124Tabela 11 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria comunicao com o pblico.. 125Tabela 12 - Valor dos pesos dos indicadores da categoria responsividade...................... 127Tabela 13 - Resultados globais, por cidade na escala de pontuao dos conceitos da transparncia..................................................................................................................... 148Tabela 14 - Resultados da avaliao parcial e final da transparncia dos portais, em ordem crescente................................................................................................................ 150Tabela 15 - Caractersticas gerais dos portais.................................................................. 152Tabela 16 - Usabilidade dos portais................................................................................. 155Tabela 17 - Acessibilidade dos portais............................................................................. 155Tabela 18 - Hiperlink dos portais..................................................................................... 156Tabela 19 - Informaes e servios contextuais dos portais............................................ 159Tabela 20 - Informaes e servios institucionais dos portais......................................... 160Tabela 21 - Informaes e servios financeiro-oramentrios dos portais...................... 162Tabela 22 - Informaes e servios sobre processos internos.......................................... 163Tabela 23 - Comunicao com o pblico......................................................................... 164Tabela 24 - Responsividade.............................................................................................. 165Tabela 25 - Variveis da anlise correlacional................................................................. 174Tabela 26 - Estimativa dos determinantes dos ndices transparncia digital nas capitais 185
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SUMRIO
..............................................................................................................................1 INTRODUO 16
....................................................2 CONTEXTUALIZAO E DELIMITAO DA PESQUISA 182.1 OBJETIVOS, HIPTESES E VARIVEIS 222.2 PERCURSO METODOLGICO, CORPUS EMPRICO E MTODOS 242.3 MATRIZ METODOLGICA 272.4 LIMITAES DA PESQUISA 28
..............................................................................................3 DEMOCRACIA E INFORMAO 293.1 O CONTEXTO DA DEMOCRACIA CONTEMPORNEA 293.2 DEMOCRACIAS LOCAIS 343.3 PUBLICIDADE: A BASE DO PODER VISVEL 383.3.1 Publicidade como anttese do segredo 393.3.2 Publicidade como conceito vinculado esfera pblica 423.4 ACESSO INFORMAO GOVERNAMENTAL: UM REQUISITO PARA A DEMOCRACIA 453.4.1 Direito informao 463.4.1.1 Princpios do sistema de direito informao 493.4.2 Acesso informao pblica na Amrica Latina 513.5 TRANSPARNCIA COMO A MELHOR FORMA DE GOVERNO 563.5.1 Transparncia: evoluo histrica, doutrina e conceito 583.5.2 Diferena entre a transparncia, abertura e accountability 633.5.3 Tipos de transparncia 653.5.4 Variaes da transparncia 67
................................................................................................4 TRANSPARNCIA E INTERNET 744.1 DEMOCRACIA DIGITAL 744.2 GOVERNO ELETRNICO 804.3 TRANSPARNCIA DIGITAL 844.3.1 Transparncia, participao e deliberao 854.3.2 Os limites da transparncia digital 884.3.3 Dimenses analticas para a transparncia digital 904.3.3.1 Dimenso geral da transparncia digital 914.3.3.2 Dimenso tcnica da transparncia digital 924.3.3.3 Dimenso especfica da transparncia digital 92
5 METODOLOGIA DE ANLISE DA TRANSPARNCIA PBLICA DOS WEBSITES DE ..........................................................................................................MUNICPIOS BRASILEIROS 96
5.1 WEBSITES MUNICIPAIS: OBJETO DE INVESTIGAO 965.2 PARMETROS PARA A NAVEGAO ORIENTADA 995.3 CRITRIOS PARA A AVALIAO DA TRANSPARNCIA DIGITAL DOS WEBSITES DAS CIDADES BRASILEIRAS 1025.3.1 Descrio dos aspectos avaliados e critrios de avaliao, por categoria de anlise 108
....................6 O ESTADO DA TRANSPARNCIA DIGITAL DAS CAPITAIS BRASILEIRAS 1286.1 ARACAJU - SE 1286.2 BELM - PA 1296.3 BELO HORIZONTE - MG 1296.4 BOA VISTA - RR 1306.5 BRASLIA - DF 131
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6.6 CAMPO GRANDE - MS 1326.7 CUIAB - MT 1326.8 CURITIBA - PR 1336.9 FLORIANPOLIS - SC 1346.10 FORTALEZA - CE 1356.11 GOINIA GO 1366.12 JOO PESSOA - PB 1366.13 MACAP - AP 1376.14 MACEI - AL 1386.15 MANAUS - AM 1396.16 NATAL - RN 1406.17 PALMAS - TO 1406.18 PORTO ALEGRE - RS 1416.19 PORTO VELHO - RO 1426.20 RECIFE - PE 1426.21 RIO BRANCO - AC 1436.22 RIO DE JANEIRO - RJ 1446.23 SALVADOR - BA 1456.24 SO LUS - MA 1456.25 SO PAULO - SP 1466.26 TERESINA - PI 1476.27 VITRIA - ES 1486.28 RESULTADOS CONSOLIDADOS DA TRANSPARNCIA DIGITAL 148
.............................................................................................7 DISCUSSO DOS RESULTADOS 1527.1 EXAME DAS CARACTERSTICAS DA TRANSPARNCIA DOS MUNICPIOS ESTUDADOS 1527.1.1 Caractersticas tcnicas dos portais 1547.1.2 Caractersticas especficas da transparncia dos portais 1577.2 NDICE DA TRANSPARNCIA DIGITAL DAS CAPITAIS BRASILEIRAS, POR REGIO 1677.2.1 Anlise do ndice de transparncia com o PIB per capita, por regio 1697.2.2 Anlise do ndice de transparncia com o IDH-M, por regio 1697.2.3 Anlise do ndice de transparncia com percentual de insero digital, por regio 1707.2.4 Anlise do ndice de transparncia com percentual de analfabetos, por regio 1717.2.5 Resultado comparativo dos indicadores agrupados, por regio 1727.3 CORRELAO ENTRE O NDICE DA TRANSPARNCIA DIGITAL E O QUADRO SOCIOPOLTICO E ECONMICO DAS CAPITAIS BRASILEIRAS 1737.3.1 ndice de transparncia digital e o ndice de Desenvolvimento Humano por Municpio 1757.3.2 ndice de transparncia digital e o PIB per capita dos municpios 1767.3.3 ndice de transparncia digital e a populao 1777.3.4 ndice de transparncia digital e a insero digital 1787.3.5 ndice de transparncia digital e analfabetismo 1797.3.6 ndice transparncia digital e o partido poltico 1807.4 ANLISE MULTIVARIADA DAS CAUSAS DA VARIAO DO NDICE DE TRANSPARNCIA DIGITAL DAS CAPITAIS BRASILEIRAS 182
..............................................................................................................................8 CONCLUSO 187
...............................................................................................................................REFERNCIAS 196
....................................................................................................................................APNDICES 209
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1 INTRODUO
Os governos (em todas as esferas) tm sido pressionados pela sociedade e rgos
reguladores a promoverem uma crescente racionalizao dos seus processos e maior
eficincia e qualidade na prestao dos servios pblicos, bem como a insero de novas
prticas/modelos gerenciais com nfase em resultado. Como desdobramento desses
fenmenos, questes como a exigncia de novos parmetros em relao responsabilidade e
controlabilidade das aes do gestor pblico passam a fazer parte da agenda da sociedade.
Alm do componente social, sabidamente posicionado frente das estratgias
governamentais, preciso observar com mincia a necessidade de atender aos requisitos
legais da responsabilidade fiscal. No caso do Brasil, por fora da Lei Complementar n 101,
de 4 de maio de 2000, nos artigos 48 e 49, a Unio, os Estados e os Municpios esto
obrigados a dar ampla divulgao, inclusive em meios eletrnicos de acesso pblico, a seus
planos, oramentos e leis de diretrizes oramentrias; suas prestaes de contas e respectivo
parecer prvio; relatrio resumido da execuo oramentria e do relatrio de gesto fiscal.
Para dar conta das demandas geradas pela necessidade de tornar pblico os
investimentos, os gastos e as decises, os governos utilizam os recursos da Internet, atravs de
seus portais eletrnicos, para noticiar, criar canais de comunicao, publicar relatrios, planos
de ao, prestaes de contas, quadros, grficos, textos e outros tipos de documentos nos mais
variados formatos. O que se observa que, em geral, apesar do avano tecnolgico, ainda h
muito a se conhecer sobre os usos que os governos fazem de seus portais com vistas a tornar
transparentes suas aes e decises. Via de regra, os usos mais avanados das TIC so
observados naquelas cidades com maior desenvolvimento econmico e social, conforme Cruz
et al (2012), Jambeiro, Andrade e Sobreira (2008) e Santana Jnior (2007), e tendem a se
concentrar em servios que geram arrecadao, tais como emisso de documentos de tributos
e impostos.
Segundo Margetts (2006), o emprego do governo digital para a transparncia, a
depender do uso, tem contornos extremamente variveis em todo o mundo. A maioria tem a
transparncia como um dos aspectos da ampla agenda de governo eletrnico, o que resulta em
diferentes performances de governo eletrnico e em distintas implicaes sobre a
transparncia digital.
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Esta pesquisa teve como objetivo principal compreender como governos das capitais
brasileiras esto empregando os mecanismos digitais para dar transparncia de gesto, bem
como verificar se existe associao entre o desempenho da transparncia digital e os
indicadores socioeconmicos dos municpios pesquisados. Para realizar o estudo, foi proposto
um modelo de avaliao dos portais eletrnicos que permitisse analisar as informaes e
servios ofertados sociedade com o fim especfico de tornar os governos mais transparentes.
A presente tese est estruturada em seis partes. A primeira tem a finalidade de
apresentar a contextualizao e a delimitao do tema da pesquisa, os objetivos e as hipteses,
o percurso metodolgico, o corpus emprico, os mtodos empregados e as limitaes da
pesquisa.
A segunda parte, intitulada Democracia e informao, tem o objetivo de dar conta da
discusso em torno do contexto da democracia contempornea, considerando as democracias
locais, o princpio da publicidade como base do poder visvel, o acesso informao
governamental como requisito para a democracia. Trata tambm da transparncia como a
melhor forma de governana e aborda a evoluo histrica, a doutrina e o conceito, bem como
as diferenas entre transparncia, abertura e accountability e as caractersticas da
transparncia.
Na terceira parte, denominada Transparncia e Internet, so tratados os efeitos da
adoo de tecnologias de informao e comunicao para a democracia, na seo
Democracia digital, e para os governos, na seo Governo eletrnico. Em Transparncia
digital, so propostos elementos constitutivos para a anlise da transparncia digital dos
municpios brasileiros.
A quarta parte desta tese, intitulada Metodologia de anlise da transparncia pblica
dos websites de municpios brasileiros, tem a finalidade de esclarecer os parmetros
metodolgicos empregados para a anlise da transparncia pblica dos websites dos
municpios brasileiros.
Nas duas ltimas partes so apresentados os resultados decorrentes da pesquisa emprica
realizada nos portais das prefeituras das capitais brasileiras e Distrito Federal e o exame das
caractersticas e tendncias da transparncia, bem como a influncia que os aspectos
econmicos, sociais e polticos exercem sobre a transparncia digital.
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2 CONTEXTUALIZAO E DELIMITAO DA PESQUISA
No recente a discusso em torno da imperiosa necessidade de os governos
realizarem seus atos pblica e esclarecidamente. Em 1802, Thomas Jefferson escreveu sobre a
esperana de se ter as finanas do governo de forma clara e inteligvel para favorecer a
compreenso e o consequente controle pela sociedade. No ano de 1822, foram encontrados
registros de uma carta enviada por James Madison a William Taylor Barry 1. Nessa carta,
escreveu que um governo popular sem informao popular ou meios para obt-la o incio de
uma farsa, ou uma catstrofe. O auto-governo tem como requisito fundamental o poder dado
pelo conhecimento. Assim, o conhecimento deve suplantar a ignorncia. Um pouco mais
tarde, em 1843, Jeremy Bentham, na obra Of publicity, esclareceu que a discusso sobre a
publicidade deve se assentar nas razes para tal, no exame dos seus objetivos, nas
excepcionalidades, nos aspectos sobre os quais a publicidade deve se ampliar, nos meios e nos
critrios a serem observados para a sua prtica na Inglaterra (BENTHAM, 1843).
No campo da poltica, a origem da transparncia vem da necessidade de reforar a
atuao democrtica dos governos, dos princpios constitucionais que regem a organizao e
o funcionamento do Estado e da urgncia de modernizao do modelo de gesto pblica. O
primeiro resultado da expresso ideolgica, o segundo tem fora coercitiva, lei, e o
terceiro fora competitiva, desafio a ser assumido pelos governos. Dessa forma, veem-se
compromissos eleitorais dos candidatos, fundamentos das polticas de governo e justificao
das aes governamentais, bem como iniciativas da sociedade civil organizada sustentando-se
na transparncia como valor basilar para o bom funcionamento dos negcios pblicos.
Segundo Marques (2008), por meio da aplicao dos princpios da publicidade e da
visibilidade do poder, os agentes pblicos oferecem aos cidados a possibilidade de avaliar
como feita a conduo dos negcios de interesse comum. Mediante a informao e o
conhecimento dos assuntos pblicos, a avaliao se converte num instrumento coletivo e
poltico, que possibilita a cada cidado conhecer e julgar, livremente, a esfera poltica e
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1 Disponvel em: http://classicliberal.tripod.com/madison/barry.html. Acesso em: 22 out. 2011.
http://classicliberal.tripod.com/madison/barry.htmlhttp://classicliberal.tripod.com/madison/barry.html
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decidir quem rene as melhores condies para governar e poder, assim, corrigir possveis
malversaes da coisa pblica.
Modernamente, o princpio da publicidade se aproxima da noo de transparncia.
Esta favorece a avaliao das aes governamentais, promove o descortinamento dos
negcios pblicos e favorece a participao do cidado no governo ao longo do exerccio do
mandato eletivo. Tradicionalmente, as eleies marcam o momento de participao do
cidado no processo governamental. Contudo, em razo da sua periodicidade ter um espao
de tempo longo (as eleies municipais, estaduais e federais ocorrem a cada quatro anos), esse
modelo de participao pode causar prejuzos democracia e ao exerccio da cidadania. O
acesso informao um requisito fundamental para a transparncia, a existncia de
mecanismos equitativos e oportunos de manifestao de razes e vontades so requisitos
necessrios ao cidado para tomar parte no debate acerca das decises que lhe afetam. No
Brasil, diferentemente de outros pases que adotam o regime democrtico, a lei sobre o acesso
informao pblica recente e ainda no produziu efeitos.
As possibilidades comunicativas e transacionais da Internet representam uma grande
promessa para revigorar a democracia, de modo particular no que tange relao governo-
sociedade e a tornar as aes do Estado mais transparentes e efetivas. Os recursos tcnicos
que a rede mundial de computadores dispe podem ser empregados para oferecer esfera
civil o acesso s informaes e a servios pblicos de qualidade, ao debate racional,
participao social e a accountability necessrios para nortear a construo das razes
pblicas que conduzem o processo decisrio do poder constitudo (GOMES, 2005).
Barnett (1997) afirma que as novas tecnologias oferecem grande potencial para
expandir os horizontes da comunicao poltica e superar alguns dos problemas associados
mdia tradicional na promoo do processo democrtico. As novas formas de comunicao
podem promover maior interesse e participao dos cidados no processo poltico, de modo a
favorecer o fortalecimento da democracia. Por meio de uma nica plataforma de
comunicao, o cidado pode fiscalizar detalhadamente a aplicao de verbas e denunciar a
m administrao do dinheiro pblico. Marques (2008, p. 269) refora que
o papel do estado enquanto, por exemplo, provedor de informao poltica e enquanto agente a ofertar dados de naturezas diversas (tanto acerca de esclarecimento quanto sobre seu prprio funcionamento, estrutura e mecanismos de transparncia) conta com todas as condies tcnicas de se concretizar.
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Alm das condies tcnicas, deve-se levar em conta a necessidade da existncia das
condies polticas e sociais, pois a cultura poltica do cidado, para utilizar as possibilidades
que a Internet oferece, o acesso e a capacitao para fazer uso crtico das informaes e
servios fornecidos pelos governos mediante as TIC Tecnologias da Informao e da
Comunicao, so aspectos que desafiam a concretizao das potencialidades da internet.
A apropriao das ferramentas da Internet pelos gestores pblicos, atravs de sites e
portais de governo eletrnico, iniciou-se no Brasil em meados dos anos 90 e tem se
expandido, expressivamente, pela aplicao da Internet nos diferentes nveis de governo
(federal, estadual e municipal). Esse novo modelo de gesto de organizaes governamentais
visa ao menor custo, a uma maior integrao e um melhor relacionamento entre governo e
governo (G2G), governo e cidados (G2C) e governo e fornecedores (G2B) na oferta de
servios e informaes 7 dias por semana, 24 horas por dia.
O governo eletrnico (e-gov) se vale de sistemas avanados de informao que
possibilitam o aumento da eficcia e da eficincia da gesto, a melhoria da qualidade dos
servios, a transparncia e a ampliao das possibilidades de fiscalizao das aes e dos
servios em planejamento, em andamento e j executados pelas instituies pblicas
(LEMOS; ROCHA, 2007; SANTOS, 2004; TEIXEIRA, 2004). Um e-gov planejado e
executado com a finalidade de promover e de facilitar o controle social pode possibilitar a
participao dos atores sociais no processo de gesto dos municpios em favor da viso
estratgica definida para a cidade.
por meio de portais eletrnicos que os governos concentram e organizam contedo,
linguagem e servios (DUARTE, 2004). De acordo com Santos (2004), alguns elementos
devem ser centrais na concepo dos portais: foco no cidado-usurio, interao usurio-
governo, transaes digitais que permitam eliminar intermedirios e soluo de problemas dos
cidados, com nfase no autoatendimento. H, tambm, outros elementos que podem ser
acrescidos aos descritos anteriormente, como: linguagem acessvel e simples, contedo
minucioso, atualizao frequente, usabilidade, navegabilidade e outros.
Atualmente, um nmero expressivo de tericos, polticos, membros de movimentos
sociais e de organismos da sociedade civil tem tratado a transparncia como valor inerente
democracia. Apesar de os modelos contemporneos de democracia tencionarem seu foco para
a participao ou para a discusso ou a argumentao pblica como alternativa ao
20
-
distanciamento gerado entre Estado e sociedade pelo modelo liberal, observa-se a existncia
de processos mistos que conformam participao, deliberao e representao (SILVA, 2009).
Os mecanismos digitais de comunicao tem colocado o Estado frente ao desafio de
explor-los como novas formas de interao poltica com a sociedade. Exemplo disso so os
portais governamentais na Internet como canal de comunicao em larga escala, de baixo
custo e variadas funcionalidades. Esses dispositivos so repositrios pblicos de informao
que podem ser potencialmente acessados por qualquer cidado, rompendo os
constrangimentos de tempo e lugar; fornecem condies tcnicas para a oferta de servios
pblicos; possibilitam a comunicao dialgica ou discursiva e at mesmo consultas,
sondagens e eleies on-line. Pipa Norris (2001, p. 113) ressalta, contudo, que
existe uma preocupao generalizada de que o pblico tenha perdido a confiana no desempenho das principais instituies que representam o governo e desejam um governo mais aberto e transparente, com servio de distribuio mais eficiente a ponto de ajudar a restaurar a confiana pblica2.
Nota-se que os media digitais fornecem uma gama de possibilidades em razo das suas
mltiplas funes, talvez por isso existam inmeras pesquisas empricas que abordam
governo eletrnico e portais visando compreender como o Estado se apropria desse meio para
ofertar servios e informaes e estabelecer parmetros para a participao e deliberao
pblicos (AKUTSU, 2005; LEMOS; ROCHA, 2007; PINHO, 2008; MARQUES, 2008;
SILVA, 2009). Outra abordagem que tambm vem ganhando destaque a da publicidade no
mbito da comunicao poltica. Silva (2009, p. 113) ressalta que,
embora os desafios da publicidade online se configurem como um tema inevitvel para a comunicao poltica, curiosamente no um problema aprofundado pela atual literatura sobre democracia digital. bastante comum ver o termo publicidade tratado como sub-tpico de abordagens mais populares como participao poltica e internet, esfera pblica e internet ou como sub-item do debate sobre deliberao online. Ao se apontar a publicidade como um dos trs requisitos democrticos para o ambiente digital, o intuito dar o devido lugar a um dos pilares da democracia moderna e da comunicao poltica, tentando pensar seus pormenores neste processo.
Assim, faz-se necessria uma anlise mais minuciosa e detalhada do fenmeno da
apropriao dos meios de comunicao poltica on-line pelo Estado, buscando compreender
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2 Traduo livre da autora do original: There is widespread concern that the public has lost faith in the performance of the core institutions of representative government, and it is hoped that transparent government and more efficient service delivery could help restore public confidence.
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as peculiaridades internas dos websites. Sero consideradas, de modo particular, a visibilidade
das aes governamentais, o processo comunicacional dos portais governamentais mediante o
estabelecimento de relaes densas de comunicao com discursos translcidos ao cidado
comum sobre os negcios pblicos. Isso sinaliza razes para investigar os portais como
mecanismos de fortalecimento do bom governo, pois, medida que forem mais desenvolvidos
e utilizados, mais impactantes sero seus efeitos na comunicao poltica e, mais ainda, ser a
sua influncia na reduo do dficit democrtico e na contribuio para um modelo forte de
democracia (SILVA, 2009). Dessa forma, o uso da Internet, como dispositivo para cumprir
alguns requisitos democrticos, como a transparncia, deve transcender o nvel normativo.
O corpus emprico desta pesquisa formado pelos portais eletrnicos das prefeituras
de todas as capitais brasileiras, inclusive o Distrito Federal. A escolha desse corpus se deve ao
fato de que as capitais so cidades mais desenvolvidas econmica e socialmente, o que se
configuram fatores favorveis para o desenvolvimento tecnolgico. Interessa para esta
pesquisa verificar as experincias do esforo governamental de dar visibilidade s suas aes.
O estudo visa compreender os modos pelos quais os governos municipais das capitais do
Brasil e da capital federal empregam os mecanismos de Internet para ofertar informao e
servios que visem transparncia de gesto para a esfera civil. Assim, a partir da reflexo
exposta, lanam-se as questes norteadoras desta pesquisa: os governos das capitais
estaduais e da capital federal do Brasil fornecem, atravs dos seus websites, informaes
e servios que favoream a transparncia de gesto? E ainda, qual a relao entre o
nvel de transparncia dos websites e fatores sociais (IDH-M e insero digital), polticos
(ideologia partidria do chefe do poder executivo) e econmicos (PIB) da cidade?
2.1 OBJETIVOS, HIPTESES E VARIVEIS
Conforme anunciado na seo anterior e tendo em vista a compatibilizao dos
estudos que envolvem os temas relacionados democracia, comunicao poltica, Internet,
s iniciativas de governo eletrnico, ao governo das cidades e transparncia de gesto, o
estudo proposto tem por objetivo compreender os modos de emprego dos mecanismos de
Internet, pelos governos das capitais do Brasil e da capital federal, para ofertar informao e
servios que visem transparncia administrativa para a esfera civil.
E, de maneira especfica, esta pesquisa pretende:
22
-
identificar, nas teorias da democracia, os aspectos que interessam ao argumento da
Internet como modalidade de comunicao a ser empregada para o
aperfeioamento das formas de governo democrticas, notadamente os
mecanismos que favorecem a transparncia;
propor, por meio da reviso de literatura, parmetros e indicadores que permitam
examinar o estado da transparncia digital do portais eletrnicos dos municpios
pesquisados;
avaliar o estgio de desenvolvimento das ferramentas de informao e
comunicao digital utilizados pelos governos municipais com a finalidade de
favorecer a transparncia pblica;
analisar, comparativamente, o desempenho da transparncia digital dos websites
das prefeituras com os seus respectivos indicadores socioeconmicos e polticos
para verificar se existe associao entre eles, bem como identificar os indicadores
que melhor explicam o estado da transparncia.
Para percorrer a trilha de informaes, premissas, argumentos e contra-argumentos, foi
necessrio definir orientaes que guiariam o alcance dos objetivos propostos para esta
pesquisa sem extrapolar os limites e as especificidades da pesquisa. Nesse sentido, foram
testadas, discutidas e ponderadas ao longo do trabalho as seguintes hipteses primrias:
Hiptese 1: os governos das capitais brasileiras empregam as potencialidades de
comunicao poltica dos seus websites com a finalidade de dar transparncia pblica
de gesto com variados estgios de desenvolvimento.
Hiptese 2: existe associao entre o desempenho dos indicadores socioeconmicos e
o partido poltico do chefe do executivo das cidades pesquisadas e o estgio de
desenvolvimento da transparncia digital dos governos.
A partir das hipteses anunciadas acima, apresenta-se como desdobramentos e
detalhamentos as seguintes hipteses secundrias:
a) o ndice de desenvolvimento humano do municpio tem poder preditivo para
explicar a transparncia digital;
b) o produto interno bruto do municpio tem poder preditivo para explicar a
transparncia digital;
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-
c) o nmero de habitantes do municpio tem poder preditivo para explicar a
transparncia digital;
d) o percentual de utilizao da internet entre a populao acima de 10 anos do
municpio tem poder preditivo para explicar a transparncia digital;
e) o percentual do analfabetismo tem poder preditivo para explicar a transparncia
digital;
f) o partido poltico do chefe do poder executivo tem efeito preditivo para explicar a
transparncia digital.
As variveis consideradas para a pesquisa deste trabalho so:
a) variveis independentes ou explicativas: produto interno bruto, ndice de
desenvolvimento humano, nmero de habitantes, insero da internet entre a populao
acima de 10 anos, o percentual de analfabetismo do municpio e a inclinao partidria
do prefeito.
b) varivel dependente: ndice da transparncia digital de cada cidade pesquisada.
2.2 PERCURSO METODOLGICO, CORPUS EMPRICO E MTODOS
Os procedimentos metodolgicos que orientaram a realizao deste estudo, bem como
de comprovao das hipteses levantadas foram organizados da seguinte forma:
Etapa 1: pesquisa bibliogrfica para o aprofundamento terico dos pressupostos, das
relaes e das influncias das temticas publicidade e visibilidade, democracia
digital, sociedade da informao, governo local, transparncia e governo eletrnico;
Etapa 2: caracterizao dos experimentos por meio de pesquisa nas ferramentas de
busca da Internet, visando catalogar os sites oficiais das cidades que foram objeto de
estudo;
Etapa 3: estudo exploratrio com a finalidade de compreender fenmenos e
experincias que pudessem fundamentar e/ou testar as hipteses, bem como auxiliar
na elaborao e na validao do conjunto de indicadores que pudesse compor modelo
de anlise do estgio de desenvolvimento da transparncia digital dos sites
pesquisados;
Etapa 4: coleta de dados atravs de navegao orientada nos sites das prefeituras das
capitais brasileiras e do Distrito Federal visando acumular um conjunto de
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-
informaes, observaes e dados necessrios compreenso e anlise do problema.
Foram escolhidas cidades por serem as instncias governativas mais prximas do
cidado e as capitais em funo da posio poltica e econmica que representam para
os estados;
Etapa 5: anlise dos casos estudados levando em conta os parmetros definidos para a
aferir o estgio de desenvolvimento da transparncia nos portais dos governos das
cidades pesquisadas;
Etapa 6: anlise comparativa dos casos, por meio da tcnica da estatstica descritiva e
da anlise de regresso multivariada, visando verificar a existncia de associao do
ndice de transparncia com os indicadores sociais, econmicos e polticos das
respectivas cidades estudadas.
A pesquisa exploratria parte integrante da pesquisa e tem carter de estudo
preliminar realizado com a finalidade de melhor construir e adequar o instrumento de anlise
da realidade que se pretendia conhecer (PIOVESAN; TEMPORINI, 1995). Esse tipo de
pesquisa possibilita a compreenso das variveis de estudo, do significado e do contexto, bem
como favorece a percepo da realidade tal como ela e no como o pesquisador pensa que
seja.
Foram estudados e analisados os casos dos portais de cada cidade. Para Yin (1987),
esse tipo de pesquisa indicada quando o pesquisador no exerce controle sobre os eventos
observados e quando o objeto a ser estudado refere-se a um fenmeno contemporneo que
ocorre em um contexto real.
A coleta dos dados e informaes do estudo emprico deu-se por meio de navegao
orientada com base em um instrumento construdo a partir de subsdios classificados em
aspectos essenciais, para as informaes e servios com previso legal e, aspectos
necessrios, para aqueles que tivessem, em outros estudos, elementos para a comunicao
poltica, a governana, a participao e o controle sociais, bem como a interao homem-
mquina. De forma resumida, as trs dimenses de anlise (informaes gerais, informaes e
servios tcnicos e informaes e servios especficos) foram assim consideradas:
a) Aspectos essenciais: Constituio da Repblica Federativa do Brasil 1988; Lei n
8.666/1993; Lei n 9.755/1998; Lei Complementar n 101/2000; Lei n 10.257/2001; Lei
Complementar n 131/2009; Lei n 12.527/2011.
25
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b) Aspectos necessrios: Association of Government Accountants (2009); Bragatto
(2008); Fundo Monetrio Internacional (2008); ndice Latino-americano de
Transparncia Oramentria (2009); International Budget Partnership (2010); Jambeiro
et al (2008); Kondo (2002); Lemos (2007); Macintosh; White (2008); Manual dos Dados
Abertos (2011); Marques e Miola (2007); Indicadores e Mtricas para avaliao de e-
servios (2007); West (2000); Prez, Bolvar e Hernndez (2008); Pinho (2008); Rover
(2010); Santos (2004); Silva (2009); Valente (2004); Vaz (2003); Villela (2003); Welch e
Hinnant (2003).
Neste estudo, a navegao orientada foi a principal fonte de dados. Por meio desse
tipo de navegao, foram estipulados a forma de transitar pelos links e pginas, assim como
os critrios e parmetros para qualificar os objetos catalogados na navegao conforme as
categorias validadas e estabelecidas na etapa da pesquisa exploratria. Como complemento
navegao orientada, foram feitos testes e simulaes on-line para checar se os dispositivos
encontrados nos sites estavam em funcionamento3.
A interpretao dos dados coletados, inicialmente, passou por uma anlise qualitativa
e, em seguida, baseou-se nos fundamentos da estatstica descritiva e da anlise de regresso
multivariada. A estatstica descritiva tem por finalidade sumarizar, descrever e avaliar um
grupo por meio de mtodos grficos e mtodos numricos (PETERNELLI, s/d).
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3 Mais detalhes sobre a metodologia consultar o captulo 5 desta tese.
-
2.3 MATRIZ METODOLGICA
A partir da problemtica anunciada no incio desta seo apresenta-se, a seguir, matriz
metodolgica com a finalidade de evidenciar a coerncia e a articulao dos objetivos
propostos para esta pesquisa com os mtodos definidos para testar as hipteses.
Objetivos Estratgias metodolgicas Resultados alcanados- - Introduo1) identificar, nas teorias da democracia, os aspectos que interessam ao argumento da Internet como modalidade de comunicao a ser empregada para o aperfeioamento das formas de governo democrticas, notadamente os mecanismos que favorecem a transparncia.
Pesquisa bibliogrfica para o aprofundamento terico dos pressupostos, das relaes e das influncias das temticas publicidade e visibilidade, democracia digital, sociedade da informao, governo local, transparncia e governo eletrnico;
Captulos 2 e 3.
2) propor, por meio da reviso de literatura, parmetros e indicadores que permitam examinar o estado da transparncia digital do portais eletrnicos dos municpios pesquisados.
Caracterizao dos experimentos por meio de pesquisa nas ferramentas de busca da Internet, visando catalogar os sites oficiais das cidades que foram objeto de estudo;Estudo exploratrio com a finalidade de compreender fenmenos e experincias que pudessem fundamentar e/ou testar as hipteses, bem como auxiliar na elaborao e na validao do conjunto de indicadores que pudesse compor modelo de anlise do estgio de desenvolvimento da transparncia digital dos sites pesquisados; Captulos 4, 5 e 6.
3) avaliar o estgio de desenvolvimento das ferramentas de informao e comunicao digital utilizados pelos governos municipais com a finalidade de favorecer a transparncia pblica;
Coleta de dados atravs de navegao orientada nos sites das prefeituras das capitais brasileiras e da capital do Distrito Federal visando acumular um conjunto de informaes, observaes e dados necessrios compreenso e anlise do problema.Anlise dos casos estudados levando em conta os parmetros definidos para a aferir o estgio de desenvolvimento da transparncia nos portais dos governos das cidades pesquisadas
Captulos 4, 5 e 6.
4) analisar, comparativamente, o desempenho da transparncia digital dos websites das prefeituras com os seus respectivos indicadores socioeconmicos e polticos para verificar a existncia de associao entre eles, bem como identificar os indicadores que melhor explicam o estado da transparncia.
Anlise comparativa dos casos, por meio da tcnica da estatstica descritiva e da anlise de regresso multivariada, visando verificar a existncia de associao do ndice de transparncia com os indicadores sociais, econmicos e polticos das respectivas cidades estudadas.
Captulo 7.
- - Concluso
27
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2.4 LIMITAES DA PESQUISA
Um aspecto limitador que mesmo com reconhecimento vasta riqueza e diversidade
de literatura que trata de democracia, publicidade e visibilidade, democracia digital, sociedade
da informao, governo local, transparncia e governo eletrnico, devem-se considerar as
restries inerentes tentativa de compreender um fenmeno to complexo e que est em
pleno desenvolvimento. Outro fator limitante que a observao do emprego das tecnologias
pelos governos tem recebido contribuies de diversas reas do conhecimento (Comunicao,
Administrao, Cincia da Informao, Cincia Poltica, Sociologia, Cincias da
Computao). Isso ao mesmo tempo bom, pois permite uma anlise mais ampla do
fenmeno, mas um elemento dificultador, pois torna ainda mais complicada a integrao das
diferentes metodologias de anlise desenvolvidas para a compreenso do objeto.
Empiricamente, ressalta-se limites quanto coleta de dados e informaes, devido ao
estudo se concentrar unicamente na anlise das evidncias dos portais, sem realizar
entrevistas com agentes da prefeitura ou com usurios dos websites. Como medida para
minimizar esse limite, apostou-se na robustez e no rigor de um modelo de anlise. Ainda se
pode considerar um aspecto limitante a temporalidade da pesquisa, por no apresentar um
carter longitudinal. Espera-se que pesquisas futuras adicionem esse carter ao estudo da
transparncia digital.
Finalmente, o fator mais delicado a exiguidade de tempo para elaborao, anlise e
concluso de uma pesquisa de doutorado. Esse o elemento que limita uma maior imerso do
pesquisador. Contudo, como a cincia e a pesquisa tm a dicotomia como trao essencial,
nessa hora cabe ao pesquisador escolher o que se apresenta com maior relevncia e exercer,
com rigor e tica, a descrio do fenmeno assumido sabendo reconhecer os aspectos
limitantes e potenciais dos resultados para estudos futuros.
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3 DEMOCRACIA E INFORMAO
Este captulo est constitudo por cinco sees. A primeira tem por objetivo apresentar
o contexto da democracia contempornea, tranando as interfaces entre o modelo hegemnico
e os modelos alternativos de democracia, e est denominada de O contexto da democracia
contempornea. Na segunda seo, chamada Democracias locais, so abordadas as
implicaes da democracia contempornea para o governo das cidades. Na terceira seo, sob
o ttulo Publicidade: a base do poder visvel, o objetivo traar as bases da publicidade sob
dois ngulos: (a) a que trata da publicidade como um valor oposto ao segredo e (b) a que
vincula publicidade a noo de esfera pblica. Em Acesso informao governamental: um
requisito para a democracia, h um esforo para tratar do acesso informao como um
direito fundamental, bem como discutir os seus princpios e o seu estado atual. Finalmente, na
seo Transparncia como a melhor forma de governana, a tentativa traar um panorama
histrico e conceitual com nfase nos tipos e variaes da transparncia, tratando da
transparncia como prtica da boa governana.
3.1 O CONTEXTO DA DEMOCRACIA CONTEMPORNEA
A democracia contempornea surgiu como resposta ao problema da quantidade
populacional e da extenso territorial. Sua difuso alcanou os pases ocidentais, por ser
compreendida como a melhor forma de governo. A principal distino entre a democracia
moderna e a democracia antiga (direta), segundo Bobbio (2000), refere-se forma de
governo. Na primeira, prevalece a noo de que democracia sinnimo de governo exercido
diretamente pelos cidados. Na segunda, em razo do surgimento das sociedades complexas,
da ampliao da noo de cidadania e da incluso do povo entre os cidados chamados a
escolher, o exerccio do poder se d pela mediao dos seus representantes. a denominada
de democracia representativa.
Sabe-se que, nos dias atuais, o exerccio do poder direto pelo cidado revela-se numa
aplicao impossvel, em face de inmeros aspectos de vo desde a quantidade de cidados,
passam pela estrutura governamental capaz de suportar tal empreendimento, at a vasta
29
-
extenso territorial do Estado brasileiro. Esse problema no exclusivo da sociedade
moderna. Na Grcia antiga, bero da democracia, a noo de democracia como melhor forma
de governo era restrita. A participao na vida poltica era exclusiva daqueles que detinham o
direito ou o privilgio de exercer o poder de deciso. Arendt (1991) destaca que a participao
nas atividades polticas era um direito especial dos homens livres por serem detentores de
posses e estarem livres de preocupaes relativas aos meios de sobrevivncia. Assim,
diferentemente dos escravos e das mulheres (que no tinham o direito de participar dos
assuntos da polis), os homens livres no tinham obrigaes manuais e podiam se dedicar
produo de ideias e decises polticas. O que diferencia substancialmente uma concepo da
outra que, na democracia grega, o princpio da igualdade no se traduzia como um dos
fundamentos democrticos.
Na perspectiva moderna, o direito igualdade entre os homens (mesmo conceito
absorvido pela Revoluo Francesa em 1789 atravs do lema igualdade, liberdade e
fraternidade) surge e ganha fora num momento histrico bastante propcio, pois ocorria a
formao dos Estados ocidentais acompanhada do movimento opositor soberania do
prncipe. Nesse mesmo tempo histrico, desenvolveram-se as teorias da democracia fundadas
na soberania popular. Bobbio (1999, p. 87) acrescenta que a democracia foi um modelo que
restou no tempo com forte intensidade nos momentos de gestao de uma nova ordem como
modelo ideal do governo pblico em pblico.
Conforme dito anteriormente, a democracia contempornea caracterizada pela
representao poltica, isto , por uma forma de representao na qual o representante, sendo
chamado a perseguir os interesses da nao, no pode estar sujeito a um mandato
vinculado (BOBBIO, 1997, p. 24). Ainda segundo o mesmo autor, a representao poltica
a anttese do princpio da representao dos interesses, em que o representante, devendo
atender aos interesses particulares do representado, est sujeito a um mandato vinculado.
Em complemento s ponderaes feitas ao instituto da representao, Marques (2008)
aponta que os pensadores clssicos da democracia liberal4 atriburam valor superior aos
princpios da prestao de contas e da visibilidade do poder, bem como delimitao da ao
participativa do cidado aos momentos de eleio. Segundo Jambeiro e Borges (2010), os
expoentes do pensamento liberal defendem que o ponto nuclear da democracia liberal a
30
4 Outra forma de se referir democracia moderna.
-
constituio de um arranjo institucional que permite a construo das decises polticas por
aqueles que chegam ao poder pela luta competitiva dos votos. O processo decisrio ficaria
restrito s elites, aos que so considerados capacitados para tal. Para essa corrente
democrtica, altos nveis de participao popular poderiam gerar instabilidade ao sistema. O
nvel de participao desejvel aquele que faz a mquina funcionar, e qualquer outra
interferncia da esfera civil nas decises polticas negativa ao processo
democrtico (JAMBEIRO; BORGES, 2010, p. 127).
Pouco antes da segunda metade do sculo XX, esse modelo comeou a ser alvo de
crticas, por no dar conta das novas configuraes que a sociedade ganhava. No difcil
encontrar autores que levantam a bandeira de que a democracia estaria passando por uma
crise ou, pelo menos, por uma instabilidade. Contudo h outros pensadores que acreditam que
a democracia nunca esteve to bem. Para Bobbio (2000), apesar de a democracia no mundo
no estar gozando de tima sade, no foi suplantada pelos regimes ditatoriais desde a
Segunda Guerra Mundial. O que houve foi o contrrio: pases ditatoriais lutaram para instalar
o regime democrtico.
Norris (2001), ao analisar o debate em torno da crise do sistema poltico, afirma que o
que ocorre uma tenso entre a ampliao das expectativas do cidado moderno em relao
efetivao dos ideais democrticos e a capacidade real do Estado de atender s demandas que
lhe so apresentadas. A sociedade passa a colocar em questo demandas reprimidas, ou
mesmo, demandas que no existiam at ento. Essa dinmica gera para os governos novas
perspectivas de ao para a oferta do servio pblico. Dessa feita, por no estarem preparados
para atender a essas demandas com as condies desejadas pela sociedade, gerada uma
sensao de crise do sistema poltico.
Gomes (2005) explica que o que ocorre no uma crise da democracia, haja vista que
nunca se teve notcia de tantos regimes democrticos em processo e tanta valorizao dos
princpios democrticos no mundo como nos dias atuais. H, no seu entendimento, dficits no
regime democrtico moderno, notadamente, em relao participao democrtica que
resulta: na apatia dos eleitores (que leva ao declnio dos ndices de engajamento cvico), no
distanciamento entre sociedade poltica e a esfera civil, na queda da confiana na sociedade
poltica e na informao poltica distorcida. O que se pode notar um aumento do debate em
torno da necessidade de reformas e melhorias no sistema democrtico, pois um fenmeno
perceptvel nas discusses sobre democracia o distanciamento entre a esfera poltica
31
-
(domnio no qual so produzidas as decises no mbito do Estado) e a esfera civil (domnio
que legitima o poder da esfera poltica).
Nesse contexto, surgem modelos alternativos ao modelo liberal de democracia com
reivindicaes de maiores inputs civis na vida pblica. Um dos primeiros surgiu a partir dos
anos 70 com a denominao de democracia participativa e um mais recente, data dos anos 90,
e vem sendo chamado de democracia deliberativa (HELD, 2009; HABERMAS, 1995). H
dois pontos comuns e fundamentais nesses modelos: (1) criticam o modelo liberal e o papel
que dado ao cidado na democracia representativa e (2) propem reformas que visem
maiores oportunidades de participao do cidado na vida pblica (SILVA, 2009).
Esses modelos alternativos, para Gomes (2007b), renovaram e avanaram, em pelo
menos trs ou quatro dcadas, a hegemonia do modelo elitista do sculo passado,
[...] na direo do acolhimento de agendas mais decididamente interessadas em valorizar e reconhecer a cidadania em sua relao com o Estado ou em incluir a justia social como parte do projeto de justia poltica. Temas do passado, como autogoverno, soberania popular, participao do povo, engajamento cvico, opinio pblica, justapem-se a ideias recentes como esfera pblica, deliberao civil, controles sociais do governo, visibilidade, formando uma torrente direcionada retomada do Estado pela sociedade civil (GOMES, 2007a, p. 17-18).
Dahl (2001) advoga que, para o bom funcionamento da democracia representativa
moderna, sua manifestao deveria ir alm das eleies. O autor acrescenta que necessria a
existncia de outras instituies polticas bsicas. Essas instituies abrangeriam os seguintes
mecanismos:
governantes eleitos: os cidados escolhem os seus representantes nas esferas
legislativa e executiva, delegando-lhes poder temporrio para as decises de governo;
eleies livres, idneas e frequentes: realizao de eleies nas pocas previstas, de
forma harmnica e pacfica e sem coeres ou ameaas aos eleitores um dos sinais
mais peculiares da democracia;
liberdade de expresso: a condio essencial para que as pessoas participem de fato
da vida poltica e para que alcancem esclarecimento das aes do governo;
variedade de informao: est ligada liberdade de expresso, aos direitos de
informao previstos legalmente e diz respeito, principalmente, aos meios de
comunicao;
32
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liberdade de formar e aderir a organizaes: diz respeito ao direito de pessoas
formarem grupos, organizaes ou entidades, como partidos polticos, sindicatos a fim
de obter direitos necessrios ao funcionamento das instituies polticas democrticas;
cidadania inclusiva: todos os direitos anteriores devem ser estendidos a todos os
cidados adultos residentes permanentemente no pas. A noo de cidadania expressa
pela ideia republicana de que as pessoas que fazem parte da sociedade democrtica
detm direitos polticos e jurdicos iguais e so portadores, individualmente, de uma
frao da soberania.
J Bucy e Gregson apud Gomes (2005, p. 216-217) apontam que os requisitos
necessrios para uma democracia satisfazer a questo da participao civil em um nvel
socialmente aceitvel so:
a) um volume adequado de conhecimento poltico estrutural e circunstancial, um estoque apropriado de informaes no distorcidas e relevantes, suficientes para habilitar o cidado a nveis adequados de compreenso de questes, argumentos, posies e matrias relativas aos negcios pblicos e ao jogo poltico; b) possibilidade, dada aos cidados, de acesso a debates pblicos j comeados e possibilidade de iniciar novos debates desta natureza, onde a cidadania deveria exercitar a oportunidade de envolver-se em contraposies argumentativas, de desenvolver os seus prprios argumentos, de envolver-se em procedimentos deliberativos no interior dos quais pode formar a prpria opinio e deciso polticas; c) meios e oportunidades de participao em instituies democrticas ou em grupos de presso - mediante aes como voto, afiliao, comparecimento a eventos polticos ou atravs de outras atividades polticas nacionais ou locais; d) habilitao para e oportunidades eficazes de comunicao da esfera civil com os seus representantes (em nvel local, nacional ou internacional) e para deles cobrar explicaes e prestao de conta.
Na perspectiva habermasiana, o funcionamento da democracia numa sociedade
descentralizada deve estar sustentado em dois pilares: (1) a institucionalizao dos requisitos
necessrios e dos procedimentos para estabelecer a comunicao entre os cidados e (2) a
interseco entre a tomada de deciso institucional e a opinio pblica racionalizada.
Habermas apud Maia (2008) assume que a teoria de democracia deliberativa baseia-se em
dois planos dependentes: um relativo ao processo de institucionalizao da constituio da
vontade pblica e o outro relativo regulao dos procedimentos democrticos orientados
para a tomada de deciso da esfera poltica.
De modo geral, o que se v nas teorias democrticas so modelos democrticos que
enfatizam diferentes valores que no so totalmente antagnicos, pelo contrrio, parecem se
complementar. Na concepo liberal, valoriza-se a proteo dos direitos, da liberdade e da
33
-
autonomia do indivduo. Na perspectiva participacionista, defendem-se altos nveis de inputs
do cidado no processo de tomada de deciso que, em seu nvel extremo, se aproximam da
democracia direta. A perspectiva deliberacionista d importncia existncia de espaos
prprios e adequados para uma discusso poltica de qualidade que possa alcanar a
deliberao pblica entre seus participantes.
Segundo Silva (2009), apesar da hegemonia da corrente liberal, h em funcionamento
mecanismos de participao e deliberao que demonstram a coexistncia de dispositivos
mistos que acomodam publicidade, accountability, deliberao pblica e representao
fiduciria e delegativa com processo de votao ao final para a tomada de deciso. Assim,
independente das reivindicaes liberais, deliberativas ou participacionistas e respeitados
limites de cada modelo, assume-se que, no contexto da democracia contempornea, interessa
o aperfeioamento dos mecanismos que visam ampliar e fortalecer a democracia.
3.2 DEMOCRACIAS LOCAIS
Tendo em vista a finalidade deste estudo, faz-se necessrio compreender minimamente
a influncia dos postulados da democracia moderna no funcionamento governamental das
cidades. Uma vez que nas cidades que se concentram os homens, suas necessidades e
possibilidades de toda a espcie, so tambm as cidades o lcus onde est reunida grande
capacidade de organizao e transformao da sociedade. Bobbio (1999, p. 88) destaca que,
juntamente com os estudos das teorias do governo democrtico, desenvolveu-se
[...] um outro tema estreitamente ligado ao do poder visvel: o tema da descentralizao entendida como revalorizao da relevncia poltica da periferia com respeito ao centro. Pode-se interpretar o ideal do governo local como um ideal inspirado no princpio segundo o qual o poder tanto mais visvel quanto mais prximo est.
Dessa forma, o autor destaca que a visibilidade no se limita apenas apresentao em
pblico de quem est investido do poder, mas depende da proximidade espacial entre o
governante e o governado. Assim, tem-se nas cidades o nvel de governo que grande parte das
atividades e dos servios necessrios legitimao da cidadania ofertada educao, sade,
saneamento, transporte pblico, coleta de lixo, iluminao pblica etc. Como responsveis
pela promoo do desenvolvimento social, espera-se que os agentes pblicos municipais
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operem em bases que convirjam para o mesmo ponto trs necessidades: entender a
informao como matria-prima para o desenvolvimento das estratgias e polticas
pblicas; fomentar maior transparncia nas relaes pblico-privadas, com nfase no controle
social dessas relaes; e, por consequncia, reduzir a burocratizao dos processos decisrios
e da execuo das decises, evitando as disfunes outrora observadas em muitas esferas da
gesto pblica.
A cidade, portanto, , ao mesmo tempo, sujeito e objeto. objeto por existir
materialmente. sujeito porque exerce influncia sobre os seus habitantes tanto em termos de
atitudes e quanto de impulsos. Como o homem utiliza e molda a cidade, a cidade faz o mesmo
(BEAUJEAU-GARNIER, 1980). O crescente processo de urbanizao gerou novas e ampliou
antigas demandas por bens e servios, o que imps cidade novos desafios (LEAL IVO,
2000).
No Brasil, observa-se que as ltimas dcadas foram marcadas por profundas mudanas
polticas e institucionais. A nova Constituio 1988 desencadeou o processo de
redemocratizao do pas e estabeleceu uma ampla agenda de reformas econmicas
estruturais que culminou na adoo de polticas de liberalizao econmica e a privatizao
de empresas estatais. Nesse mesmo perodo, assistiu-se a uma crescente transferncia de
responsabilidades e de competncias do governo nacional para os governos locais. Essas
alteraes impulsionaram profundas transformaes nas instituies de governo local do pas,
que modificaram o sistema de decises municipais e as prticas dos atores polticos. Santos
Jnior (2000, p. 27) expe que,
desde ento, verifica-se um crescente e generalizado processo de fortalecimento da esfera local de governo, centrado na descentralizao e na municipalizao das polticas pblicas. Tal processo tem ensejado mudanas na organizao e no funcionamento dos governos locais, que tm sido incorporadas de forma diferenciada segundo as diretrizes adotadas e o grau de instituio tanto de canais de gesto democrtica como de instrumentos redistributivos da renda e da riqueza produzidas nas cidades.
A perspectiva da descentralizao municipal tem sido empregada com frequncia na
literatura para designar os processos de municipalizao poltica e de descentralizao
administrativa, significando uma ampliao das competncias e dos recursos disposio dos
municpios. Sobre esse processo, Santos Jnior (2000) explica que, por um lado, mediante
uma clara oposio aos processos de centralizao, a perspectiva da descentralizao se
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identifica com a cultura democrtica contempornea, em que descentralizar sinnimo de
democratizar. Por outro, ela est intrinsecamente vinculada noo de autonomia municipal,
compreendida como a proteo legal capacidade de auto-organizao, s competncias
exclusivas e especficas, ao direito de agir em todos os campos de interesse geral da cidadania
e disponibilidade de recursos prprios no condicionados (CASTELLS; BORJA, 1996, p.
158).
A discusso central decorrente da descentralizao municipal e da autonomia local diz
respeito proximidade entre governo e cidados, que pressupe a existncia de uma possvel
relao direta e imediata da organizao representativa com o territrio e a
populao (CASTELLS; BORJA, 1996, p. 158), bem como sujeita esfera local a um maior
controle pblico do que a federal e a estadual (MELLO, 1986).
Apesar de ser a perspectiva dominante, Santos Jnior (2000) discute a existncia de
autores que questionam as virtudes da descentralizao. O primeiro contraponto refere-se
questo da proximidade do governo local com os cidados. Esse argumento no seria
elemento suficiente para garantir nem maior democracia e participao nem tampouco maior
eficincia e eficcia administrativas. Acrescenta que,
no plano conceitual, o argumento mais importante diz respeito ao fato de que a descentralizao poderia pr em risco a capacidade do Estado de coordenar as polticas pblicas a partir de objetivos mais inclusivos e de diagnsticos mais gerais, na medida em que atores privados inseridos no mercado teriam mais fora para se apropriar de partes do aparelho estatal no mbito municipal e impor seus interesses particulares (SANTOS JNIOR, 2000, p. 48).
Para o segundo contraponto, Abu-El-Haj (1999) organiza e sintetiza os argumentos de
Peter Evans e Diterich Ruerschemeyer: (1) o aumento da descentralizao estaria relacionado
complexificao social e a consequente diversificao de interesses, que resultaria no
crescimento institucional da mquina estatal para atender s novas funes e demandas; (2) a
complexificao social e o crescimento institucional trariam como consequncia maior
distanciamento entre os nveis inferiores da estrutura governamental e a cultura
organizacional do setor pblico, o que tornaria difcil tanto a coeso interna quanto o esprit de
corps to necessrio conscincia da sua misso institucional; (3) as incompatibilidades
criadas pelas antigas e novas estruturas do setor pblico colocariam em risco a coordenao
administrativa e o carter universalista e integrador das polticas pblicas.
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A tentao da centralizao dos processos governamentais (e de poder) foi suplantada
por novos modelos de gesto pblica baseados na autonomia, na agilidade, na participao, no
conhecimento e na horizontalizao do processo decisrio. Sem falar dos inmeros
dispositivos tecnolgicos que fazem com que o processo de trocas infocomunicacionais
superem as barreiras de tempo e espao.
Osborne e Gaebler (1998) reforam as vantagens da descentralizao no setor pblico:
(1) as instituies descentralizadas so muito mais flexveis que as instituies centralizadas e
podem responder com muito mais rapidez a mudanas circunstncias ou nas necessidades dos
usurios por estarem mais prximas deles e terem o conhecimento in loco da realidade; (2) as
instituies descentralizadas so muito mais eficientes que as centralizadas, pois o contato
direto com as dificuldades e os problemas as habilitam a tomar decises mais adequadas
dificuldade encontrada; (3) as instituies descentralizadas so muito mais inovadoras que as
instituies descentralizadas na medida em que grande parte das boas ideias surge entre
aqueles agentes que lidam diretamente com os usurios e no entre aqueles que esto no topo
dentro da hierarquia governamental; (4) as instituies descentralizadas tm moral elevado,
so mais comprometidas e produtivas.
Historicamente, as lutas da sociedade contra o poder centralizador avanaram o
processo democrtico. A centralizao, no plano governamental, muitas vezes ilusria,
imagine um modelo baseado no controle central das polticas pblicas do Brasil! Um pas
com dimenses continentais como o Brasil no conseguiria justapor poder centralizador com
desenvolvimento. Assim, conforme Osborne e Gaebler (1998, p. 277), necessria uma
gesto participativa para trazer o controle de volta s mos daqueles que se encontram na
ponta mais baixa da hierarquia, onde as coisas, de fato acontecem, os lderes empreendedores
empregam um variado nmero de estratgias. Obviamente, a partir do emprego do poder
descentralizado, os governos devem implementar estratgias de controle que visem garantir
um efetivo acompanhamento e monitoramento interno e externo de todo o processo. Outro
esforo o da articulao das misses, da criao de culturas internas em relao aos valores
fundamentais e tambm no que se refere prtica da mensurao (e publicao) dos
resultados.
Por conseguinte, mesmo que os meios de comunicao de massa e os mediados por
tecnologias da informao tenham encurtado as distncias entre o eleito e os seus eleitores, de
acordo com Bobbio (1999, p. 88), o carter pblico do parlamento nacional indireto,
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efetuando-se, sobretudo atravs da imprensa, da publicao das atas parlamentares ou das leis
e de outras providncias no Dirio Oficial. J no governo de uma cidade, o carter pblico
mais direto, e essa proximidade ocorre exatamente porque d maior visibilidade dos
administradores e das suas decises. Ou ento, pelo menos, uma das razes de que sempre se
valeram aqueles que defendem o governo local o argumento da restrio e multiplicao
dos centros de poder (BOBBIO, 1999, p. 88) pode ser traduzida como uma maior
possibilidade de o cidado de colocar os olhos nos negcios pblicos e deixar o mnimo
espao ao poder invisvel.
3.3 PUBLICIDADE: A BASE DO PODER VISVEL
Por muito tempo considerado a essncia da arte de governar, o segredo um dos
captulos que no podia faltar nas reflexes sobre poltica de sculos passados. Conforme
Canetti (1960), o segredo est no ncleo do poder. Assim posto, o segredo representa um
jogo em que seu praticante deve ter inteligncia e acurcia, alm de deter a conscincia de que
a sua sobrevivncia depende da rapidez como pratica as suas aes. O silncio um
mecanismo de dissimulao do segredo que apreciado ao mostrar-se mudo sem ser
emudecido. O silncio produzido pelo ato de saber ouvir pressupe conhecimento daquilo que
se ouve. Como arte e como tal, o segredo aperfeioado, por isso, no deve ficar eternamente
envolto no silncio. Portanto, o autor refora que necessrio o seu refinamento sob disfarce:
saber o que pode ser dito, como deve ser dito e o que se deve ocultar.
Para Canetti (1960), a medida do poder a medida do quanto de segredo um homem
guarda. Assim, acrescenta, o homem precisa deter um sistema no qual o segredo esteja
protegido mutuamente. Enquanto nos regimes ditatoriais o poder sustentando, em boa parte,
na fora do segredo, nas democracias, so raros atos e fatos que podem ocorrer em segredo. A
concentrao do segredo o que torna explosivas as ditaduras, pois todos que vivem sob esse
regime se sentem vigiados.
De acordo com o que foi apresentado na seo anterior, pode-se depreender que,
independente do enfoque que se d teoria democrtica moderna, fundamental a existncia
da visibilidade do poder para o controle pelos concernidos. A ideia de democracia como
governo visvel ocupa um lugar-comum nos velhos e novos discursos (BOBBIO, 1997, p.
83). Todavia, historicamente, essa abordagem no foi a mesma desde a sua origem dentro da
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teoria poltica. Ao se tratar do poder visvel para a democracia, facilmente vem mente a
realidade histrica descrita por escritores polticos que buscaram, no exemplo grego, a
"gora" reunio dos cidados livres num lugar pblico para discutir e apresentar propostas
relacionadas ao interesse pblico; denunciar abusos ou pronunciar acusaes; e deliberar,
erguendo as mos ou mediante cacos de terracota retratar a natureza da democracia.
Nos dias atuais, as possibilidades comunicativas das tecnologias de informao e
comunicao configuram-se um desafio para os governos explorarem as mltiplas formas de
publicidade. Os portais eletrnicos na internet so dispositivos de comunicao em larga
escala, com custo relativamente baixo, com funcionalidades que permitem dilogos
horizontais, com alta capacidade de armazenamento de informaes e de acesso aberto ao
pblico de qualquer lugar e a qualquer tempo. Todas essas inovaes seriam alternativas para
tornar os governos mais capazes de publicizar uma gama de informaes governamentais e de
interesse pblico, que antes estavam enclausuradas fisicamente e distantes do olhar e do
conhecimento pblico.
Para o estudo da transparncia no ambiente digital, inevitvel compreender o que
representa o princpio da publicidade para a democracia moderna e para a comunicao
poltica. Assim, torna-se necessrio refletir sobre a publicidade numa perspectiva histrica
para colaborar com os objetivos desta tese. Foram identificadas na literatura duas abordagens
indispensveis para a compreenso do fenmeno: (a) a que trata da publicidade como um
valor oposto ao segredo e (b) a que vincula publicidade a noo de esfera pblica.
3.3.1 Publicidade como anttese do segredo
Para entender o princpio da publicidade como um conceito oposto ao segredo no
funcionamento dos governos, faz-se necessrio buscar, na origem etimolgica do termo, o seu
significado.
A palavra publicidade tem origem no latim publicus. Pode significar popular,
pblico, aberto, da sociedade em geral, de interesse geral. Segundo o Dicionrio Houaiss da
Lngua Portuguesa (2001), uma adaptao do francs publicit (empregado pela primeira
vez em 1694). Na lngua portuguesa, designa o ato de divulgar, de tornar pblico.
Modernamente, Rabaa e Barbosa (1987) identificaram o seu uso no dicionrio da Academia
Francesa, em sentido jurdico. O termo publicit referia-se publicao (afixao) ou
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leitura de leis, ditos, ordenaes e julgamentos. Tambm entendido como carter do que
pblico, do que no mantido em segredo, propriedade do que conhecido; conjunto de
meios utilizados para tornar conhecido um produto, uma empresa industrial ou comercial.
Na filosofia, o termo pblico ganha variaes na obra de Kant, conforme Davis
(1992). O autor relata que os textos de Kant contm discusses variadas sobre a noo de
pblico. Em A paz perptua, o autor faz uma ligao entre publicidade e direito, afirmando
que todas as aes relativas ao direito so injustas, se sua mxima no for coerente com a
publicidade5 (KANT apud DAVIS, 1992, p. 170). Na verso preliminar do ensaio de A paz
perptua, Kant esclarece que aquilo que no se pode confiar o anncio publicamente como
uma mxima, sem que se torne impossvel agir segundo a mxima, est em conflito com o
direito pblico. Assim, a pretenso jurdica deve ter a possibilidade de ser publicada, para que,
por esse mecanismo, proporcione um critrio a priori da razo, da utilizao, do
conhecimento e a harmonia do direito das gentes. Alm da obra anterior, Davis (1992) extrai
de O que o Iluminismo? outros grupos de pblicos. O autor localiza seis grupos diferentes
com papis especficos no julgamento da moralidade das aes polticas por meio do
princpio da publicidade6. Conforme Gutmann e Thompson (1997), para Kant, a publicidade
a amiga principal e mais valiosa da accountability democrtica e, em um governo autocrtico,
as suas aes so justificadas debaixo do manto do segredo e do poder, pela aplicao de
decises revelia do olhar do pblico.
Bentham (1843, p. 2) identifica o princpio da publicidade como um mecanismo
essencial para a estabilidade de um bom governo
que a poltica secreta se preserva de alguns inconvenientes, no vou negar, mas creio que, a longo prazo, ela cria mais do que evita, numa situao em que de dois governos, um dos quais deveria seria realizado secretamente e o outro abertamente, este possuiria uma fora, um nimo, e uma reputao que torn-lo-ia superior a todas as dissimulaes dos outros.7
Alm da razo apresentada, Bentham (1843) acrescenta outras para justificar a
publicidade no sistema poltico. A primeira diz respeito fora coerciva que tem a
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5 Traduo livre do original em ingls: All actions relating ti the right of other men are unjust if their maxim is not consistent with publicity.6 Sobre os diferentes grupos de pblico de Kant, ver Davis (1992).7 Traduo livre do original em ingls: that a secret policy saves itself from some inconveniences I will not deny; but I believe, that in the long run it creates more than it avoids; and that of two governments, one of which should be conducted secretly and the other openly, the latter would possess a strength, a hardihood, and a reputation which would render it superior to all the dissimulations of the other.
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publicidade para constranger os representantes ou membros da assembleia ao cumprimento do
seu dever. A segunda razo refere-se capacidade de assegurar a confiana e o consentimento
popular s medidas tomadas na legislatura. A terceira razo refere-se possibilidade dos
governantes tomarem conhecimento das vontades dos governados. A quarta razo diz respeito
necessidade da publicidade como meio para habilitar os eleitores no processo decisrio nos
momentos de eleio. E, por fim, a quinta razo o fornecimento de uma variedade de meios
para o pblico ter acesso s informaes pblicas.
Apesar de extrair vantagens da publicidade, Bentham aponta limites controversos para
sua adoo que procuram explicar as razes pelas quais os governos tendem resisti-la. A
essncia das restries est vinculada ao receio de que a publicidade crie um tipo de
vigilncia populista ou que produza tribunais populares (SILVA, 2009, p. 115). Entre elas,
cabe destacar: (1) o pblico no tem conhecimento suficiente para julgar os procedimentos da
assembleia poltica e, como consequncia, a publicidade gera paixes e demagogia; (2) a
busca pela popularidade levaria os representantes produzirem debates apaixonados
desprovidos da racionalidade to necessria ao processo poltico.
Segundo Silva (2009), o argumento de Bentham para contrapor as resistncias a
crena no modelo representativo. Gutmann e Thompson (1997) rebatem essa contraposio
com o argumento de que o cidado pode no ter a mesma capacidade que os agentes pblicos
no trato dos negcios do governo, mas so capazes o suficiente para julgar o trabalho dos
agentes pblicos. E acrescentam, se o cidado no consegue fazer um julgamento coerente,
por lhe faltar informao crtica que omitida pelos agentes pblicos. Apesar dessa posio,
os autores reconhecem que, para Bentham, as democracias modernas tm na publicidade um
poderoso instrumento de sano.
Em acrscimo s razes j apresentadas para a manuteno do segredo, Gutmann e
Thompson (1997) reconhecem a necessidade do segredo para a efetivao de algumas
polticas. S para exemplificar algumas, citam as informaes relativas ao funcionamento do
Estado com carter confidencial e que seu vazamento pode gerar riscos para a segurana
nacional ou mesmo afetar o estado geral da populao com situaes de pnico. A publicao
de informaes privilegiadas sobre a poltica econmica do pas para determinadas empresas
ou para fins especuladores. No campo do processo jurdico, o acesso ao contedo de
processos ou de investigaes poderia influenciar na produo de provas, o que afetaria o
resultado final da apurao. No poderia ser deixado de citar as questes concernentes ao
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direito privacidade. H informaes pessoais, que embora suscitem a curiosidade e o
espetculo, no dizem respeito aos interesses coletivos (CHEVALLIER, 1988; BOBBIO,
1999; PRAT, 2003).
Dessa forma, assume-se que o carter pblico do funcionamento do Estado a regra e
o segredo deve ser exceo e, como tal, no deve tornar a regra menos importante, j que a
sua manuteno deve ser, por tempo limitado, independente das medidas de exceo.
Na sequncia, a publicidade ser analisada a partir da noo de esfera pblica.
3.3.2 Publicidade como conceito vinculado esfera pblica
Para estabelecer a vinculao do conceito de publicidade com a noo de esfera
pblica, faz-se necessrio buscar o sentido do termo esfera pblica, que a priori, se mostra
polissmico. A expresso esfera pblica tem origem no termo em alemo ffentlichkeit,
que traduzido para o idioma ingls converteu-se em public sphere. Conforme Gomes
(2007b), essas apropriaes geraram uma certa perda do sentido, se comparado ao termo
correspondente espontneo, publicidade. A ffentlichkeit a propriedade comum a todas as
coisas que so abertas, descobertas, disponveis, acessveis. Nesta perspectiva, esfera
pblica e publicidade podem ser vistas como expresses intercambiveis, desde que se
percebam quais as suas faces internas (GOMES, 2007a, p. 52).
Numa anlise detida de duas obras de Habermas (Mudana estrutural da esfera pblica
e Direito e democracia), Gomes (2008a) destaca o entendimento do autor sobre esfera pblica
e sublinha as suas nuances. Como uma tentativa de sumarizar as ideias