deliberaÇÃo do conselho directivo da entidade … · independentemente do seu suporte físico ou...
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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRECTIVO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo
3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/074/12;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do presente processo
1. Em 31 de outubro de 2012, foi rececionada pela Entidade Reguladora da Saúde
(ERS), por correio eletrónico, a exposição do utente M., relativa à alegada recusa
de registo, acesso e transferência do seu processo clínico para outra unidade
hospitalar, por parte do estabelecimento prestador de cuidados de saúde Hospital
de Santa Maria, integrado no Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE (doravante
CHLN), entidade com o NIPC 508481287, com sede e estabelecimento de saúde
na Avenida Prof. Dr. Egas Moniz, 1649 - 035 Lisboa e registada no Sistema de
Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS sob o número 18 7071.
1 Cfr. registo do SRER junto aos autos.
2. Tendo em consideração que tal exposição se inseria no âmbito quer do direito dos
utentes de acesso à informação contida no seu processo clínico, quer do seu direito
de acesso aos cuidados de saúde;
3. Na medida em que a eventual recusa, por parte do CHLN, de registo e acesso pelo
utente à informação contida no seu processo clínico, e/ou recusa da sua
transferência para outra instituição de saúde à qual o mesmo pretendesse recorrer,
poderiam consubstanciar um constrangimento no acesso desse utente à prestação
dos cuidados de saúde de que necessitava no Hospital de Loures;
4. E tendo ainda em consideração que, após diligências preliminares da ERS, não se
revelou possível averiguar o ocorrido, junto da Unidade de Gestão Clínica,
integrada no Serviço de Gestão Hospitalar do CHLN;
5. O Conselho Diretivo da ERS, por despacho de 12 de dezembro de 2012, ordenou a
abertura de inquérito registado sob o n.º ERS/074/12, destinado a averiguar do
comportamento dessa unidade hospitalar.
I.2. Da denúncia do utente
6. Concretamente, veio o exponente referir que sendo “[…] acompanhado pelo
Hospital De Santa Maria em Vacinas de dessensibilização no âmbito da alergologia
[…]” e tendo “[…] no dia 08/07/2012, pedido a transferência do [seu] processo para
o Hospital de Loures, dado que é este o [seu atual] hospital de referência, porque
resid[e] em Odivelas, depois de várias insistências quer por email […], quer
presencialmente, quer através de uma reclamação no livro amarelo com o Nª […]
do dia 26/07/2012 e que ainda não foi respondida, [veio] por este meio pedir a
[intervenção da ERS] dado [a recusa] do Hospital em conceder o pedido.”.
7. Mais é referido pelo exponente que “[…] apesar do hospital não conseguir dar
resposta em consulta de Alergologia, pois tinha uma consulta marcada para Janeiro
de 2012 e foi adiada para Janeiro de 2013, deveriam facilitar a transferência”.
8. Em anexo à sua exposição, o utente junta um conjunto de comunicações
eletrónicas trocadas com a Unidade de Gestão Clínica, integrada no Serviço de
Gestão Hospitalar do CHLN, desde 8 de julho de 2012, sendo que em comunicação
de 5 de setembro de 2012 a Dra. P., técnica superior na referida unidade, informou
o utente de que
“Ainda não obtivemos a informação do Serviço de Imuno-Alergologia,
vamos nesta data fazer uma insistência para que este serviço nos envie a
informação clínica que necessita.”.
I.3. Diligências
9. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as
diligências consubstanciadas
(i) em contacto telefónico com a Unidade de Gestão Clínica, integrada no
Serviço de Gestão Hospitalar do CHLN, nos dias 26 de novembro e 3 de
dezembro de 2012;
(ii) no pedido de elementos ao CHLN de 3 de janeiro de 2013, reiterado
mediante ofícios de 18 de março de 2013 e 12 de abril de 2013;
(iii) na análise da resposta do CHLN, de 5 de junho de 2013, à notificação
efetuada no âmbito do processo de contraordenação n.º PCO/124/13, o
qual foi aberto em consequência da não resposta ao referido pedido de
informação;
(iv) em contacto telefónico com o utente, em 8 de julho de 2013.
II. DOS FACTOS
10. Na situação concreta em análise, foi relatado à ERS, pelo utente M., que estando
a ser acompanhado no CHLN na consulta de alergologia solicitou, no dia 8 de
julho de 2012, informação clínica sobre tal acompanhamento e transferência do
seu processo clínico para o Hospital de Loures, dado ser esse o seu atual hospital
de referência, uma vez que é residente no concelho de Odivelas.
11. Sucede que, após diversas insistências quer por email, quer presencialmente,
quer “[…] através de uma reclamação no livro amarelo com o Nª […] do dia
26/07/2012 e que ainda não foi respondida”, veio solicitar por intermédio da
referida denúncia, a intervenção da ERS atenta a recusa daquela unidade
hospitalar em dar resposta ao seu pedido.
12. Mais é referido pelo exponente que “[…] apesar do hospital não conseguir dar
resposta em consulta de Alergologia, pois tinha uma consulta marcada para
Janeiro de 2012 e foi adiada para Janeiro de 2013, deveriam facilitar a
transferência”.
13. Em anexo à sua denúncia, o utente juntou um conjunto de comunicações
eletrónicas trocadas com a Unidade de Gestão Clínica, integrada no Serviço de
Gestão Hospitalar do CHLN, desde 8 de julho de 2012, sendo que em
comunicação de 5 de setembro de 2012 a Dra. P., técnica superior na referida
unidade, informou o utente de que “[…] ainda não [haviam obtido] a informação do
Serviço de Imuno-Alergologia, [mas que iam] fazer uma insistência para que este
serviço [enviasse] a informação clínica que necessita.”.
14. Na sequência da receção da exposição, a ERS contactou, nos dias 26 de
novembro e 3 de dezembro de 2012, a Dra. P. da Unidade de Gestão Clínica,
integrada no Serviço de Gestão Hospitalar do CHLN com o objetivo de
esclarecimento das razões pelas quais a transferência do processo clínico do
utente ainda não se tinha efetivado.
15. A responsável em questão veio então referir que a transferência ainda não tinha
ocorrido em virtude do serviço de Imunoalergologia ainda não ter enviado a
informação clínica do utente.
16. Nessa sequência, e enquanto diligência instrutória tendente à averiguação do
comportamento do CHLN, a ERS solicitou ao prestador, mediante ofício remetido
em 3 de janeiro de 2013,
“[…]
1) Que explicitem de forma fundamentada, se possível acompanhada
de elementos documentais, a razão pela qual o pedido de
transferência do processo clínico do utente ainda não foi
concretizado por V. Exas.;
Sem prejuízo das informações já a enviar em resposta ao ponto 1) supra,
solicita-se especificadamente:
2) Esclarecimento sobre todos os procedimentos adotados nessa
unidade hospitalar relativamente a pedidos de acesso a informação
clínica ou transferência de processo clínico;
3) Cópia de toda a documentação (deliberações, decisões, instruções,
ordens, diretrizes ou quaisquer outros elementos,
independentemente do seu suporte físico ou digital) na qual se
encontrem concretizados os referidos procedimentos.
4) Queiram enviar quaisquer outros elementos ou esclarecimentos
adicionais que V. Exas. considerem relevantes para o completo
esclarecimento da situação apresentada.” – cfr. pedido de
informação da ERS de 3 de janeiro de 2013.
17. Sucede que, na sequência de tal pedido de informação não foi recebida qualquer
resposta do prestador, nem foi a ERS, pelo mesmo, contactada para efeito de
prestação de qualquer outro tipo de informação, designadamente para
alargamento do prazo de resposta.
18. Nesse sentido, o pedido de informação inicial foi reiterado através dos ofícios de
18 de março de 2013 e 12 de abril de 2013, continuando a não ser recebida
qualquer resposta do CHLN ao pedido de informação da ERS de 3 de janeiro de
2013;
19. O que inviabilizava a possibilidade de obtenção, junto da Unidade de Gestão
Clínica, integrada no Serviço de Gestão Hospitalar do CHLN, da justificação pela
qual ainda não se tenha efetivado a possibilidade de acesso à informação contida
no processo clínico do utente e sua transferência para o Hospital de Loures,
conforme solicitação do mesmo.
20. Na sequência da não resposta ao pedido de informação da ERS, foi aberto, no dia
8 de maio de 2013, o processo de contraordenação registado sob o número
PCO/124/132, na sequência da existência de sérios indícios da adoção, por
aquele prestador hospitalar, de um comportamento passível de integrar a prática
do ilícito contraordenacional, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, que estabelece como contraordenação
“[…] a não prestação de informações […] pelos responsáveis e agentes dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, quando requeridas pela
ERS no uso dos seus poderes”, punível com coima de € 750,00 a € 3740,98 ou de
€ 1000,00 a € 44 891,81, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva.
2 Cfr. cópias da proposta de abertura de processo de contraordenação e Auto de Notícia, juntas
aos autos.
21. Posteriormente, […], e no âmbito do referido processo de contraordenação, foi
remetida ao CHLN a notificação para pronúncia, nos termos do artigo 50.º do
Regime-Geral das Contraordenações3.
22. [Na sequência do] processo de contraordenação n.º PCO/124/134, [foi recebida a
resposta do prestador, na qual] veio o mesmo esclarecer, em suma, que
(i) “[…] a ausência da informação requerida não correspondeu a
qualquer recusa quanto à mesma nem indiferença ou falta de
diligência na satisfação do pedido.”;
(ii) quer o pedido do utente5, quer o pedido de informação da ERS não
foram simplesmente ignorados pelo prestador, “[…] mereceram
encaminhamento interno por parte dos serviços competentes, em
especial o setor de relatórios clínicos do Serviço de Gestão
Hospitalar, bem como o próprio Gabinete do Utente.”6;
(iii) tais serviços “[…] diligenciaram repetidamente para que o serviço
detentor dos dados clínicos requeridos, o Serviço de Imuno-
alergologia onde o utente no âmbito da consulta hospitalar foi
avaliado, desse satisfação ao pedido.”;
(iv) o Serviço de Imuno-alergologia deparou-se com dificuldades na
satisfação do pedido do utente, “[…] pois o referido processo clínico
do utente não se localizava, sendo que as diligências feitas no
sentido de o encontrar acarretaram acentuada demora no
cumprimento do solicitado.”;
(v) “[…] as diligências efetuadas para obtenção do processo clínico,
resultaram infrutíferas, tendo-se concluído que o mesmo não
3 Cfr. cópia da notificação efetuada no âmbito do PCO/124/13, junta aos autos.
4 Cfr. cópia da resposta à notificação efetuada no âmbito do PCO/124/13, junta aos autos
5 Cfr. cópia do pedido do utente de acesso do processo clínico, de 11 de julho de 2012,
anexado à sua resposta de 5 de junho de 2013, como doc. 1, e junta aos autos.
6 Cfr. cópias dos documentos relativos ao encaminhamento interno do pedido do utente,
anexados à resposta do prestador de 5 de junho de 2013, como docs. 2 a 7, e juntas aos
autos.
constava do serviço, conforme informação do diretor do Serviço de
Imuno-alergologia de 13.01.2013”7;
(vi) o referido diretor de serviço determinou, em tal informação, a
reavaliação clínica do utente para o dia 17 de janeiro de 2013;
(vii) nessa sequência, a elaboração de novo relatório médico do utente,
com data de 24 de maio de 20138, o que possibilitou “[…] a
transferência do utente para outra instituição como é da sua
vontade, tendo o mesmo já sido entregue ao próprio através do
serviço competente”9;
(viii) com o intuito de apurar os factos relativos à ausência do processo
clínico, o CHLN determinou a “[…] instauração de processo de
inquérito, que corre os seus termos à presente data.”;
(ix) relativamente ao acesso dos utentes à informação constante do seu
processo clínico, “[…] todos os pedidos dos interessados, são
avaliados de acordo com o contexto legal [Lei n.º 46/2007, de 24 de
agosto, Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro e Lei n.º 67/98, de 26 de
outubro], cabendo ao Serviço de Gestão Hospitalar através da
Unidade de Gestão Clínica nos termos do regulamento interno do
CHLN, […] recepcionar os pedidos de informações clínicas e
assegurar a sua resposta atempada”;
(x) tal unidade “[…] disponibiliza impressos próprios […] e articula-se
internamente com os serviços detentores dos dados, solicitando,
face às situações concretas o necessário enquadramento legal dos
serviços competentes.”.
7 Cfr. despacho do diretor do Serviço de Imuno-alergologia exarado no documento anexo à
resposta do CHLN de 5 de junho, como doc. 8, e junto aos autos.
8 Cfr. cópia do relatório médico, com data de 24 de maio de 2013, anexado à resposta do
prestador de 5 de junho de 2013, como doc. 9, e junta aos autos.
9 Cfr. cópia do ofício remetido ao utente, em 31 de maio de 2013, anexado à resposta do
prestador de 5 de junho de 2013, como doc. 10, e junta aos autos.
23. Por último, em 8 de julho de 2013, foi efetuado contacto telefónico com o utente,
tendo sido possível confirmar da efetiva elaboração e entrega do relatório médico
pelo CHLN, o que lhe permitirá a continuação dos seus cuidados de saúde no
Hospital de Loures.
III. DO DIREITO
III.1 Das atribuições e competências da ERS
24. De acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, a ERS
tem por missão a regulação da atividade dos estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde.
25. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do artigo 8.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, todos os “[...] estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, do sector público, privado e social,
independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas,
centros de saúde, laboratórios de análises clínicas, termas e consultórios”
(sublinhado nosso);
26. O que é manifestamente o caso do Hospital de Santa Maria integrado no CHLN.
27. As atribuições da ERS, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
127/2009, de 27 de maio, compreendem “a supervisão da actividade e
funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que
respeita
“[…]
b) À garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde e
dos demais direitos dos utentes”;
c) À legalidade e transparência das relações económicas entre os
diversos operadores, entidades financiadoras e utentes”.
28. No que se refere ao objetivo regulatório previsto na alínea b), artigo 33.º, do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, de assegurar o cumprimento dos
critérios de acesso aos cuidados de saúde, nos termos da Constituição e da lei,
estabelecem as alíneas a) e d) do artigo 35.º do mesmo diploma, que é
incumbência da ERS “Assegurar o direito de acesso universal e equitativo aos
serviços públicos de saúde ou publicamente financiados” e “Zelar pelo respeito da
liberdade de escolha nos estabelecimentos de saúde privados”.
29. É igualmente objetivo regulatório da ERS previsto na alínea c), artigo 33.º, do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, garantir os direitos e interesses
legítimos dos utentes, onde se integra o direito de acesso à informação ou dados
de saúde registados no processo clínico dos utentes, o qual aparece consagrado
no ordenamento jurídico nacional em diplomas legais, como sejam a Lei de Bases
de Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de agosto), a Lei de Proteção de Dados Pessoais
(Lei n.º 67/98, de 26 de outubro – LPDP), a Lei sobre a Informação Genética
pessoal e Informação de Saúde (Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro) e a Lei de
Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto -
LADA);
30. Podendo a ERS assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão – consubstanciado, designadamente, “no dever de velar
pela aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às actividades
sujeitas à sua regulação” – e ainda mediante a emissão de ordens e instruções,
bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que tal seja
necessário – cfr. alíneas a) e b) do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27
de maio.
31. Refira-se que a situação concreta em análise, embora diga respeito ao direito de
acesso à informação contida no processo clínico dos utentes, não deixa de poder
influenciar a garantia do direito de acesso dos utentes aos cuidados de saúde;
32. Na medida em que a eventual recusa, por parte do CHLN, de registo e acesso
pelo utente à informação contida no seu processo clínico, e/ou recusa da sua
transferência para outra instituição de saúde à qual o mesmo pretenda recorrer,
pode consubstanciar um constrangimento no acesso desse utente à prestação
dos cuidados de saúde de que necessita no Hospital de Loures.
III.2 Do acesso dos utentes aos cuidados de saúde
33. Efetivamente, não se deve olvidar a relevância essencial de se garantir o acesso
dos utentes à informação de saúde contida no seu processo clínico, bem como
assegurar que os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde garantam
a transferência do processo clínico devidamente registado para outro
estabelecimento, quando tal lhe seja requerido pelo utente proprietário do
processo clínico em questão.
34. A garantia de tais direitos encontra-se, de facto, em decorrência direta do direito
dos utentes de acesso aos cuidados de saúde, uma vez que o não respeito dos
primeiros pode ter uma consequência imediata no acesso aos cuidados de saúde
de um concreto utente, na medida em que pode impedir a correta continuação dos
cuidados de saúde de que necessita no estabelecimento a que ora recorreu.
35. Refira-se que, o acesso aos cuidados de saúde implica a consequente obrigação
de os prestadores de cuidados de saúde assegurarem aos utentes os serviços
que se dirijam à prevenção, à promoção, ao restabelecimento ou à manutenção
da sua saúde, bem como ao diagnóstico, ao tratamento/terapêutica e à sua
reabilitação, e que visem atingir e garantir uma situação de ausência de doença
e/ou um estado de bem-estar físico e mental.
36. Ao que acresce que o direito de acesso à prestação de cuidados de saúde deve
ser avaliado, pelo menos, numa quádrupla prespetiva: qualitativa, temporal,
geográfica e económica.
37. Assim, o acesso aos cuidados de saúde deve ser, desde logo, considerado numa
prespetiva económica, devendo ser garantido seja qual for a condição económica
do utente que dos mesmos necessite, daí decorrendo todo o quadro conformador
da mera moderação no acesso aos cuidados de saúde decorrente das taxas
moderadoras.
38. Mas deverá igualmente ser considerado numa prespetiva temporal, nos termos da
qual o acesso implica a obtenção de cuidados de saúde de forma não
discriminatória e em tempo útil e adequado;
39. E ainda numa prespetiva qualitativa, nos termos do qual deve ser compreendido
como o acesso aos cuidados que, efetivamente, são necessários e adequados à
satisfação das concretas necessidades dos mesmos.
40. Por último, o acesso aos cuidados de saúde pode ainda ser considerado numa
prespetiva geográfica, nos termos da qual deve ser garantido aos utentes onde
quer que vivam.
41. Assim, o direito de acesso dos utentes aos cuidados de saúde impõe-se,
designadamente a todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde
que estejam integrados no SNS e que, nesse caso, deverão garanti-lo em respeito
pelos princípios da generalidade, da universalidade e da gratuitidade tendencial10.
42. A característica da universalidade assenta na atribuição a “todos” do direito à
proteção da saúde.
43. Nessa medida, deve ser assegurado a todos os cidadãos o direito de acesso aos
serviços de saúde integrados no SNS “[…] independentemente da sua condição
económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação” - cfr.
alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º da CRP.
44. Pelo que, em suma, esta caraterística pressupõe que todos os cidadãos, sem
exceção, estejam cobertos pelas políticas de promoção e proteção da saúde e
possam aceder aos serviços prestadores de cuidados de saúde.
45. Intimamente ligada à universalidade do SNS está a característica da generalidade
que se prende com a determinação do tipo de cuidados de saúde que devem ser
abrangidos pelo SNS, impondo-se que garanta, com maior ou menor grau, uma
prestação integrada de cuidados globais de saúde aos seus beneficiários.
46. O princípio da generalidade aponta para o direito dos cidadãos a obter todo o tipo
de cuidados de saúde, pelo que o Estado, com o intuito de assegurar a realização
do direito à proteção da saúde, deverá “garantir uma racional e eficiente cobertura
de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde” - cfr. alínea b) do n.º 3
do artigo 64º da CRP.
47. Ademais, a LBS veio consagrar na sua Base II, como uma das diretrizes da
política de saúde, que “é objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no
acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde
10
Conforme disposto na Base XXIV da Lei de Bases da Saúde, o Sistema Nacional de Saúde
deve “[…]
a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos”,
d) Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objetivo de atenuar os efeitos das
desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados
[…]”.
quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na
utilização de serviços”;
48. Para tanto, e nos termos da al. d) da mesma Base, “os serviços de saúde
estruturam-se e funcionam de acordo com o interesse dos utentes e articulam-se
entre si e ainda com os serviços de segurança e bem-estar social”, sendo que, e
de acordo com a al. e), “a gestão de recursos disponíveis deve ser conduzida por
forma a obter deles o maior proveito socialmente útil e a evitar desperdício e a
utilização indevida dos serviços”.
49. Sendo reconhecido ao cidadão a “liberdade de escolha no acesso à rede nacional
de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes dos recursos
existentes e da organização dos serviços.” – cfr. n.º 5 da Base V;
50. Bem como, o direito de ser “ser tratado pelos meios adequados, humanamente e
com prontidão, correcção, privacidade e respeito” – cfr al. c) da Base XIV -, para o
que deve “observar as regras de organização e funcionamento dos serviços e
estabelecimentos” e utilizar “os serviços de acordo com as regras estabelecidas” –
cfr. al. b) e d) do n.º 2 da Base XIV, todas da LBS.
51. Por sua vez, o Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de
janeiro, em desenvolvimento das bases gerais contidas no regime jurídico da
saúde, define o SNS como sendo “um conjunto organizado e hierarquizado de
instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando
sob a superintendência ou tutela do Ministro da Saúde” – cfr. artigo 1.º do referido
Estatuto.
52. Assim, nos termos do artigo 2.º do Estatuto do SNS, este “tem como objectivo a
efectivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na protecção
da saúde individual e colectiva”, através de cada uma das instituições que o
integra e que desempenha um papel de elevada relevância na prossecução de tal
imposição, devendo garantir o direito de acesso universal e igual a todos os
cidadãos aos cuidados por si prestados;
53. Ou seja, desde a conformação inicial e fundamental do SNS que claramente se
assumiu que a sua organização deveria, sem prejuízo da superintendência ou
tutela do Ministro da Saúde, assentar na estruturação que melhor serviria a
identificação dos cuidados de saúde necessários e adequados e a garantia do
acesso dos utentes em tempo útil e onde quer que vivam.
III.3 Do acesso à informação contida no processo clínico
54. Relativamente ao acesso à informação contida no processo clínico, do que resulta
do direito à proteção da saúde tal como consagrado na Constituição da República
Portuguesa, os cidadãos, enquanto utentes do SNS, têm o direito de acesso à
informação ou dados de saúde registados no seu processo clínico.
55. Ademais, tal direito aparece consagrado no ordenamento jurídico nacional em
diplomas legais, como sejam a Lei de Bases de Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de
agosto), a Lei de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de outubro –
LPDP), e a Lei sobre a Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde (Lei
n.º 12/2005, de 26 de janeiro) e a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos
(Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto - LADA);
56. E do que decorre de tal quadro legal, incumbe aos estabelecimentos prestadores
de cuidados de saúde o dever de criar, manter, atualizar, e conservar em arquivo
ficheiros adequados, relativos aos processos clínicos dos seus doentes.
57. Refira-se, ademais, que embora o processo clínico seja propriedade do doente,
são os estabelecimentos de saúde os depositários da informação, e portanto
aqueles que têm os processo clínicos dos utentes à sua guarda –cfr. n.º 1 do
artigo 3.º da Lei n.º 12/2005.
58. Assim, de acordo com a definição da Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, o processo
clínico é propriedade exclusiva do próprio utente, uma vez que contém informação
sobre o próprio que, ademais, se integra no conceito de intimidade da vida
privada;
59. Cabendo, no entanto, ao profissional médico que tenha assistido o utente, ou a
outro profissional de saúde sob a supervisão daquele, o dever de proceder à
referida documentação ou registo da informação médica (e que pode incluir dados
sobre consultas, tratamentos, exames ou diagnósticos a que os utentes foram
sujeitos).
60. Importa, assim, determinar o que se deve entender por dados de saúde,
informação de saúde e processo clínico.
61. O conceito de dados de saúde deve-se integrar naquele conceito mais amplo
relativo aos dados pessoais que são definidos pela Lei n.º 67/98 (LPDP) como
“[…] qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do
respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular
identificada ou identificável («titular dos dados»)”, sendo pessoa identificável
aquela “[…] que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente
por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos
específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou
social” (artigo 3º al. a) da LPDP).
62. De acordo com esta definição, podem ser considerados dados pessoais, entre
muitos outros, o nome, a morada, o número da segurança social, o número de
contribuinte, o número do bilhete de identidade, a sua história clínica, entre outros.
63. Por seu lado, a Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, optou por utilizar o conceito de
informação de saúde “[…] como todo o tipo de informação directa e
indirectamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se
encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar.” (artigo 2.º).
64. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do referido diploma legal, a
informação de saúde inclui “[…] os dados clínicos registados, resultados de
análises, e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos.”.
65. Já o artigo 5.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, para além de referir que a
informação médica “[…] é a informação de saúde destinada a ser utilizada em
prestações de cuidados ou tratamentos de saúde”, estabelece o conceito de
processo clínico como “qualquer registo, informatizado ou não, que contenha
informação de saúde sobre doentes ou seus familiares” e que deve conter toda a
informação médica disponível que diga respeito à pessoa .
66. Assim, o processo clínico relativo a um determinado utente/doente deve conter
informação suficiente sobre a sua identificação, bem como sobre todos os factos
relacionados com a sua saúde, incluindo a sua situação atual, evolução futura e
história clínica e familiar, e ainda com os factos relacionados com os cuidados de
saúde que lhe tenham sido prestados e que lhe venham a ser prestados no
estabelecimento de saúde em que o processo clínico se encontra depositado;
67. E que permita, em caso de transferência do utente, seja por sua vontade, ou em
resultado das regras internas da organização do SNS, para uma outra unidade
hospitalar, a continuidade de prestação dos cuidados de saúde, em respeito dos
princípios supra referidos;
68. Ou seja, a prestação dos cuidados de saúde adequados à sua situação, em
tempo útil, onde quer que os utentes vivam e ainda atendendo à sua condição
económica.
69. E note-se que, entre os elementos que integram o processo clínico encontram-se
a memória de anamnese (entrevista prévia ao paciente), o registo da admissão (e
o estado de saúde do doente nesse momento), o diagnóstico e os tratamentos
utilizados (incluindo os resultados dos exames e das análises), os fármacos,
produtos e outros materiais utilizados (e respetiva dosagem, lote, marca e outros
elementos relevantes), a evolução do seu estado de saúde, informação prestada
ao doente sobre o seu estado de saúde, eventuais correspondências entre
profissionais (ou mesmo a mudança de profissionais que se encontrem a cuidar
dos doentes), a transferência dos utentes de serviços, o prognóstico, o registo de
alta dos doentes, e ainda os custos e a faturação subjacente a todos os actos
incluídos na prestação de cuidados de saúde.
70. Sendo que o utente enquanto titular da informação “[…] tem o direito de,
querendo, tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito,
salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas e em que seja
inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial, ou de o fazer
comunicar a quem seja por sindicado.” (n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 12/2005, de
26 de janeiro).
71. Ainda que, de acordo com o n.º 3 do artigo 3.º da referida Lei, se considere a
necessidade de o “[…] acesso à informação de saúde por parte do titular, ou de
terceiros com o seu consentimento, [ser] feito através de médico, com habilitação
própria, escolhido pelo titular da informação”.
72. No que se refere ao acesso aos dados de saúde contidos em processo clínico,
importa acrescentar que no caso de o estabelecimento prestador de cuidados de
saúde pertencer ao sector público, como sucede com o CHLN, é-lhe aplicável não
o disposto na referida Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, mas sim o disposto na Lei
n.º 46/2007, de 24 de agosto.
73. Nos termos do disposto em tal diploma legal, “Todos, sem necessidade de
enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos
administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de
informação sobre a sua existência e conteúdo.”;
74. Sendo que “A comunicação de dados de saúde é feita por intermédio de médico
se o requerente o solicitar” – cfr. artigos 5.º e 7.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de
agosto;
75. Ou seja, o titular do processo clínico pode aceder diretamente ao mesmo, sem
necessidade de ser invocado qualquer interesse.
76. Do que decorre do aludido supra assume-se como inquestionável o direito de
acesso à informação contida no processo clínico;
77. E de onde decorrerá igualmente o direito a ser garantida a sua transferência para
o prestador a que o utente venha a recorrer, o que a não ser efetivado pode
consubstanciar igualmente uma limitação no seu direito de acesso aos cuidados
de saúde.
III.4. Da análise da situação concreta
78. Recorde-se que o utente solicitou, pela primeira vez, em 8 de julho de 2012, o
acesso à informação clínica respeitante ao acompanhamento em consulta de
imunoalergologia no CHLN e a transferência do seu processo clínico para o
Hospital de Loures, onde pretende passar a ser seguido igualmente em consulta
de imunoalergologia, por ser o seu hospital de referência, dado ser residente no
concelho de Odivelas;
79. Posteriormente, efetuou diversos contactos com o prestador, sendo que em
comunicação de 5 de setembro de 2012, a Dra. P., técnica superior na Unidade
de Gestão Clínica, integrada no Serviço de Gestão Hospitalar do CHLN, informou
o utente de que “[…] ainda não [haviam obtido] a informação do Serviço de Imuno-
Alergologia, [mas que iam] fazer uma insistência para que este serviço [enviasse]
a informação clínica que necessita.”.
80. O que foi confirmado pela ERS em contactos efetuados nos dias 26 de novembro
e 3 de dezembro de 2012 para aquela unidade com o objetivo de esclarecimento
das razões pelas quais a transferência do processo clínico do utente ainda não se
tinha efetivado;
81. Tendo-se então obtido a informação que a transferência ainda não tinha ocorrido
em virtude do serviço de Imunoalergologia ainda não ter enviado a informação
clínica do utente.
82. A este respeito importa recordar que, do quadro legal supra exposto, decorre que
incumbe aos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, o dever de
criar, manter, atualizar, e conservar em arquivo ficheiros adequados, relativos aos
processos clínicos dos seus utentes.
83. Cabendo, designadamente, ao profissional médico que tenha assistido o utente,
ou a outro profissional de saúde sob a supervisão daquele, o dever de proceder à
referida documentação ou registo da informação médica (e que pode incluir dados
sobre consultas, tratamentos, exames ou diagnósticos a que os utentes foram
sujeitos).
84. Assim, e sendo“[…] a informação de saúde destinada a ser utilizada em
prestações de cuidados ou tratamentos de saúde”;
85. O processo clínico relativo a um determinado utente/doente deve conter
informação suficiente sobre a sua identificação, bem como sobre todos os factos
relacionados com a sua saúde, incluindo a sua situação atual, evolução futura e
história clínica e familiar, e ainda com os factos relacionados com os cuidados de
saúde que lhe tenham sido prestados e que lhe venham a ser prestados no
estabelecimento de saúde em que o processo clínico se encontra depositado;
86. E que permita, em caso de transferência do utente, seja por sua vontade, ou em
resultado das regras internas da organização do SNS, para uma outra unidade
hospitalar, quer a veracidade e completude do seu processo clínico, quer a
continuidade de prestação dos cuidados de saúde, em respeito dos princípios
supra referidos;
87. Ou seja, a prestação dos cuidados de saúde adequados à sua situação, em
tempo útil, onde quer que os utentes vivam e ainda atendendo à sua condição
económica.
88. Pelo exposto, e considerando que conforme o relatado pelo utente e averiguado
em sede de instrução, o CHLN não havia respondido ao seu pedido de acesso à
informação contida no seu processo clínico e relativa ao acompanhamento em
consulta de imunoalergologia, uma vez que a profissional médica responsável do
serviço de imunoalergologia não havia ainda procedido ao respetivo registo de tal
informação;
89. Situação que, como se verá infra, se manteve até ao momento em que foi
elaborado o relatório médico relativo ao acompanhamento do utente na consulta
de imunoalergologia no CHLN, em 24 de maio de 2013;
90. O comportamento do prestador seria suscetível de constituir violação dos direitos
e interesses legítimos dos utentes, qua à ERS cumpre salvaguardar, conforme o
disposto na alínea c) do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio,
designadamente do direito de acesso à informação contida no processo clínico
dos utentes;
91. Mas igualmente influenciar a garantia do direito de acesso dos utentes aos
cuidados de saúde;
92. Na medida em que a recusa de registo e acesso pelo utente à informação contida
no seu processo clínico, e consequente recusa da sua transferência para outra
instituição de saúde poderia consubstanciar um constrangimento no acesso desse
utente à prestação dos cuidados de saúde de que necessita em outra unidade
hospitalar, in casu no Hospital de Loures.
93. Note-se que, não obstante as tentativas encetadas pela ERS, em 3 de janeiro de
2013,18 de março de 2013 e 12 de abril de 2013, não se havia revelado possível
obter, junto da Unidade de Gestão Clínica, integrada no Serviço de Gestão
Hospitalar do CHLN, a justificação para ainda não se haver efetivado a
possibilidade de acesso à informação contida no processo clínico do utente e sua
transferência para o Hospital de Loures conforme solicitação do mesmo;
94. O que só veio ocorrer no âmbito do processo de contraordenação registado sob o
número PCO/124/13, aberto no dia 8 de maio de 2013, na sequência da
existência de sérios indícios da adoção, por aquele prestador hospitalar, de um
comportamento passível de integrar a prática do ilícito contraordenacional, por
“[…] não prestação de informações […] pelos responsáveis e agentes dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, quando requeridas pela
ERS no uso dos seus poderes”.
95. Efetivamente, apenas na resposta do CHLN, de 5 de junho de 2013, [na
sequência] do processo de contraordenação n.º PCO/124/1311, veio o prestador
esclarecer as razões para ainda não ter efetivado o pedido do utente;
96. E que se prendiam com o facto de o “[…] referido processo clínico do utente não
se localiza[ar], sendo que as diligências feitas no sentido de o encontrar
acarretaram acentuada demora no cumprimento do solicitado”, tendo-se ademais
revelado “[…] infrutíferas, tendo-se concluído que o mesmo não constava do
serviço, conforme informação do diretor do Serviço de Imuno-alergologia de
13.01.2013”12;
97. O qual determinou, então, a reavaliação clínica do utente para o dia 17 de janeiro
de 2013;
11
Cfr. cópia da resposta à notificação efetuada no âmbito do PCO/124/13, junta aos autos
12 Cfr. despacho do diretor do Serviço de Imuno-alergologia exarado no documento anexo à
resposta do CHLN de 5 de junho, como doc. 8, e junto aos autos.
98. O que originou a elaboração de novo relatório médico do utente, com data de 24
de maio de 201313, o que possibilitou “[…] a transferência do utente para outra
instituição como é da sua vontade, tendo o mesmo já sido entregue ao próprio
através do serviço competente”14;
99. O que foi confirmado pelo utente, em contacto telefónico de 8 de julho de 2013, o
que lhe permitirá a continuação dos seus cuidados de saúde no Hospital de
Loures.
100. Assim, o comportamento inicial do prestador, suscetível de constituir violação
dos direitos e interesses legítimos dos utentes, designadamente do direito de
acesso à informação contida no processo clínico dos utentes, foi cessado;
101. Tendo permitido, não obstante o longo período de tempo decorrido, o acesso
pelo utente à informação clínica relativa ao seu acompanhamento em consulta de
imunoalergologia no CHLN, e a transferência do seu processo clínico para o
Hospital de Loures.
102. Nesse sentido, atentas as atribuições e competências da ERS, e não obstante
o prestador ter referido, na sua resposta de 5 de junho de 2013, que “[…] todos os
pedidos dos interessados, são avaliados de acordo com o contexto legal [Lei n.º
46/2007, de 24 de agosto, Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro e Lei n.º 67/98, de 26
de outubro], cabendo ao Serviço de Gestão Hospitalar através da Unidade de
Gestão Clínica nos termos do regulamento interno do CHLN, […] recepcionar os
pedidos de informações clínicas e assegurar a sua resposta atempada”;
103. E ainda disponibilizar “[…] impressos próprios […] e articula[r]-se internamente
com os serviços detentores dos dados, solicitando, face às situações concretas o
necessário enquadramento legal dos serviços competentes.”;
104. Revela-se oportuna e necessária uma intervenção regulatória da ERS, no
sentido de assegurar a adequação do comportamento futuro do CHLN com a
necessidade de garantir em permanência o respeito pelo direito dos utentes de
acesso à informação contida no seu processo clínico;
13
Cfr. cópia do relatório médico, com data de 24 de maio de 2013, anexado à resposta do
prestador de 5 de junho de 2013, como doc. 9, e junta aos autos.
14 Cfr. cópia do ofício remetido ao utente, em 31 de maio de 2013, anexado à resposta do
prestador de 5 de junho de 2013, como doc. 10, e junta aos autos.
105. E que implicará que o prestador implemente os procedimentos que se revelem
necessários a garantir, de forma permanente e em qualquer situação,
(i) o registo imediato de todos os elementos, que se integrem no
conceito de informação em saúde, e que devam constar do
processo clínico dos utentes, conforme legalmente estabelecido,
bem como a atualização de toda informação contida no processo
clínico, de forma a garantir a sua veracidade e completude;
(ii) a resposta em tempo útil aos pedidos dos utentes de acesso à
informação clínica; e
(iii) a transferência imediata do processo clínico dos utentes para
outras unidades de saúde, sempre que tal lhe seja solicitado, ou
quando se tenha verificado uma referenciação ou transferência do
utente .
106. Por último, revela-se ainda oportuno que a ERS venha a tomar conhecimento
do que venha a ser o resultado do processo de inquérito que, segundo o prestador,
terá sido instaurado, com o objetivo de apurar os factos relativos à ausência do
processo clínico naquela situação concreta, e que justificou o atraso na satisfação
do pedido do utente de acesso à sua informação clínica.
IV. AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
107. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita de interessados, nos
termos e para os efeitos do disposto no artigo 101.º n.º 1 do Código do
Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo n.º 41.º do Decreto-Lei n.º
127/2009, de 27 de Maio, tendo sido chamados a pronunciarem-se, relativamente
ao projeto de deliberação da ERS, o utente M. e o prestador CHLN.
108. Apenas o prestador CHLN exerceu o seu direito de pronúncia relativamente ao
projeto de deliberação em causa através do ofício que deu entrada na ERS no dia 5
de agosto de 2013, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os
efeitos legais.
109. Refira-se, ab initio, que os argumentos apresentados na pronúncia do
prestador foram considerados e ponderados pela ERS;
110. Sendo certo que o prestador não contestou o quadro factual e jurídico
apresentado pela ERS no seu projeto de deliberação;
111. Aliás, o próprio prestador referiu na sua pronúncia que “[…] tendo em conta o
presente projeto de deliberação e as instruções concretas resultantes da mesma,
procederá o Centro Hospitalar em conformidade, elaborando e implementando os
procedimentos adequados.”;
112. Tendo ademais identificado as medidas que se propõe implementar,
designadamente,
“[…]
9.1. Elaboração de informação e divulgação por info-mail a todos os
profissionais, reforçando a necessidade do registo imediato e constante
atualização de todos os dados relativos à informação clínica dos
utentes, da melhoria dos tempos de resposta aos requerentes, e do
recurso preferencial ao registo eletrónico no contexto do objetivo
nacional da plataforma de dados na Saúde.
9.2. Atualização do regulamento do arquivo Clínico Central para
adequada articulação entre os serviços de acção médica e o serviço de
Gestão Hospitalar.
9.3. Implementação de uma solução informática através de um módulo
que permita gerir de uma forma mais eficaz todo o circuito
administrativo respeitante ao pedido de informação clínica e de acesso
a dados de saúde.
9.4. Acções de informação aos assistentes técnicos dos serviços
clínicos a promover pelo Serviço de Arquivo Clínico Central.”.
113. Assim, e não obstante o prestador na sua pronúncia ter manifestado a
intenção de vir a implementar os procedimentos adequados ao cumprimento da
instrução da ERS;
114. Certo é que não procedeu ainda à sua efetiva e imediata implementação;
115. Pelo que se entende que se mantêm intactos, na prespetiva da defesa dos
direitos dos utentes, os pressupostos subjacentes à emissão da instrução dirigida
àquele Centro hospitalar, e que, conforme supra extensamente explanado, visavam
assegurar a adequação do comportamento futuro do CHLN com a necessidade de
garantir em permanência o respeito pelo direito dos utentes de acesso à informação
contida no seu processo clínico.
116. Em face do exposto, da pronúncia do prestador não resulta uma alteração no
sentido da decisão que a ERS ora entende emitir;
117. Devendo-se manter-se o in totum o sentido já constante do projeto de
deliberação oportunamente notificado.
118. Na pronúncia do prestador era ainda referido que “[…] para adequado
cumprimento das medidas referenciadas, entende-se adequado a atribuição de um
prazo faseado e substancialmente mais alargado (nunca inferior a 120) dias, o que
se requer […]”.
119. Ora, e como parecerá claro, o que cuida a ERS assegurar é que, no final, os
direitos e interesses dos utentes, in casu o direito dos utentes de acesso à
informação contida no seu processo clínico, saiam garantidos.
120. Ou seja, sendo o objetivo último da intervenção regulatória da ERS garantir o
respeito dos direitos e interesses legítimos dos utentes, julga-se oportuno adequar
a deliberação ora adotada a um tal desiderato de regularização célere, mas
igualmente eficaz, da situação existente;
121. Pelo que embora se mantenha o prazo de 30 dias após a notificação da
presente deliberação, para que o CHLN dê conhecimento à ERS dos concretos
procedimentos que irá efetivamente adotar para o efeito de adequar o seu
comportamento à instrução que ora é emitida;
122. Concede-se que, dentro do referido prazo seja igualmente dado conhecimento
à ERS do conjunto das diligências adotadas e a adotar, com correspondentes
calendarizações, que se afigurem adequadas a, num prazo máximo de 120 dias
(cento e vinte) dias contados da presente deliberação garantirem o cumprimento
efetivo da instrução emitida.
V. DECISÃO
123. O Conselho Diretivo da ERS delibera, assim, nos termos e para os efeitos do
preceituado no n.º 1 do artigo 41.º e alínea b) do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º
127/2009, de 27 de maio, emitir uma instrução ao Centro Hospitalar Lisboa Norte,
EPE, nos seguintes termos:
a) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve garantir a adequação do
seu comportamento futuro com a necessidade de garantir em
permanência o respeito pelo direito dos utentes de acesso à informação
contida no seu processo clínico;
b) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve elaborar e implementar os
procedimentos que se revelem necessários a garantir, de forma
permanente e em qualquer situação, o registo imediato, bem como a
constante atualização, de todos os dados que se integrem no conceito
de informação em saúde, e que devam constar do processo clínico dos
utentes, conforme legalmente estabelecido;
c) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve, nomeadamente para
efeito de cumprimento da alínea anterior, dar orientações claras e
precisas aos seus colaboradores, em especial aos profissionais de
saúde em funções nos serviços de ação médica, no sentida da
necessidade de registo imediato, bem como de constante atualização,
de todos os dados relativos à informação clínica dos utentes, de forma
a garantir a veracidade e completude do seu processo clínico;
d) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve elaborar e implementar os
procedimentos que se revelem necessários a garantir, de forma
permanente e em qualquer situação, a resposta em tempo útil aos
pedidos dos utentes de acesso à informação contida no seu processo
clínico;
e) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve, nomeadamente para
efeito de cumprimento da alínea anterior, garantir uma melhor
articulação entre o Serviço de Gestão Hospitalar e os serviços de ação
médica;
f) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve elaborar e implementar os
procedimentos que se revelem necessários a garantir, de forma
permanente e em qualquer situação, a transferência imediata do
processo clínico dos utentes para outras unidades de saúde, sempre
que tal lhe seja solicitado, ou quando se tenha verificado uma
referenciação ou transferência do utente.
g) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve dar conhecimento à ERS,
do que venha a ser o resultado do processo de inquérito que terá sido
instaurado, com o objetivo de apurar os factos relativos à ausência de
processo clínico na situação concreta do utente M., e que terá
justificado o atraso na satisfação do pedido do utente de acesso à sua
informação clínica.
h) O Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE deve dar cumprimento imediato
à presente instrução, bem como dar conhecimento à ERS, no prazo
máximo de 30 dias após a notificação da presente deliberação, do
conjunto das diligências adotadas e a adotar, para implementação dos
procedimentos adotados para o efeito, com correspondentes
calendarizações, que se afigurem adequadas a, num prazo máximo de
120 dias (cento e vinte) dias contados da presente deliberação,
garantirem o cumprimento efetivo da instrução emitida.
124. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º
1 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, configura como
contraordenação punível in casu com coima de € 1000,00 a € 44 891,81, “[….] o
desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes,
determinem qualquer obrigação ou proibição”.
125. A versão não confidencial da presente decisão será publicitada no sítio oficial
da ERS na Internet.
O Conselho Diretivo