debates sobre educação com alunos e professores em banaras, india - j. krishnamurti

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(Palestras para meninos estudantes, com perguntas e respostas, realizadas na Esco­ la de Rajghat, Danaras, índia, em Janeiro de 19 54 e Conferências para professôres e alunos, realizadas na Universidade Hin­ du de Banaras, índia, em Janeiro de 1954).

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  • ABEIS' por que tos educam^ e o que significa esta edu

    cago ?. . Deveis ser educados para serdes capazes de en fren ta r adequadam ente todos os problemas da v id a .. . . P a ra a m aioria de ns, a educao consiste em ensinar o que pensar. A. m quina que ensina o que pensar o que chamamos educao e essa educao apenas to rna os indivduos mecnicos, embotados, estpidos, estreis. . . . As moas fazem certos exames, tiram seus diplom as e casam-se - - para se to rnarem cozinheiras e gerarem filhos; e tda a educao adquirida duran te anos se to rna um a coisa in til.. . . No deve a educao a ju dar os estudantes a serem li- vres do temor, de qualquer espcie que seja, o que significa: com preender de agoraem d iante os problem as da vida problem as de sexo, problem as da morte, da opinio pblica, da autoridade?

    OR certo, funo da educao ensinar-nos no a,

    m aneira de enfrentarm os a vida, mas como libertarm os a m ente de todos os seus condicionam entos, todos os valores tradicionais, para que essa m ente livre possa enfre n ta r e resolver os inum erveis problem as de todos os d ias. S ento possvel o conhecimento real do que chamamos Deus", a Ver da- dade . S a Verdade resolve os problem as.

    SABER, a acum ulao de conhecimentos sbre fa

    tos, pode produzir a quebra d.o meu condicionam ento ? E n tre tan to isto o que estamos fazendo; cuidamos to sm ente de acum ular co n h ecimentos, saber, de exercitar a m em ria. Isso im portante, no seu nvel p rprio .

    STAMOS acum ulando conhecim entos e * saber, no

    nvel superficial sem a lte ra rmos fundam entalm ente os nveis m ais profundos da nossa conscincia. A coisa m ais im portante, na crise a tual, que a revoluo se realize no nvel inconsciente, e no m eram ente no nvel consciente.

    OSTRA a H istria que foram sempre uns poucos

    indivduos, d iferentes dos outros na conduta da vida, que operaram modificaes na sociedade. A no ser que, in dividualm ente, nos tran sfo rmemos profundam ente, fun dam entalm ente, nenhum a possibilidade vejo de se te r a tranq ilidade no m undo.

  • D E B A T E SS O B R E E D U C A O

    (P a lestras p ara meninos estudantes, com perguntas e respostas, realizadas na Escola de R ajghat, Danaras, ndia, em Janeiro de 19 54 e Conferncias para professres e alunos, realizadas na U niversidade H indu de Banaras, ndia, em Janeiro de 19 54).

  • C opyrigh t, 1954 by K ris lm a m u rti W ritin g s Inc . O jai, C a lif rn ia , U. f. A. M ad rasta , n d ia .L ondres, In g la te r ra .

    D ire ito s de T rad u o em p o rtu g u s da

    In s titu i o C u ltu ra l K ris lm a m u rt iRIO DE JA N E IR O B R A SIL

  • J . K R I S H N A M U R T

    D e b a t e s s b r e

    E D U C A OCOM PROFESSORES E ALUNOS, EM BAN ARAS, NDIA

    TRADUO DE

    HUGO VELOSO

    E d i t a d o p e l aINSTITUIO CULTURAL KRISHNAMURT

    A ven ida P re s id e n te V argas, 418 , sa la 809

    R IO D E JA N E IR O B R A SIL

    1 9 8 0

  • P A L E S T R A S D E

    R A J G H A T - R A N A R A S 1 9 5 4

    I

    SUPONHO que quase todos vs entendeis bem o ingls.Se no, isso no importa, porquanto os vossos mestres e as pessoas mais velhas aqui presentes compreendem o ingls, e podeis depois pedir-lhes explicaes sbre o que estive dizendo. No deixeis de faz-lo, pois o assunto de que vamos tratar nestas trs ou quatro semanas importantssimo: vamos falar sbre o que a educao, e tudo o que a educao implica que no , simplesmente, estudar para fazer exames. Por conseguinte, como vamos falar sbre esta matria todos os dias, pedi a vossos mestres que vos expliquem criteriosamente o que no tiverdes entendido bem. possvel tambm que, depois de cada uma de minhas palestras, desejeis fazer-me perguntas. Uma vez que estas palestras so dedicadas especialmente aos estudantes, as pessoas mais velhas que o desejarem, podero fazer perguntas que ajudem os estudantes a compreender o problema, que sirvam para explicar melhor o problema. Se os mais velhos fizerem perguntas que ajudem os estudantes, suas perguntas sero teis. Perguntas atinentes aos seus problemas pessoais de nada servem aos estudantes .

    Perguntais a vs mesmos por que estais sendo educados? Sabeis por que vos educam, e o que significa esta educao? A educao, como a conhecemos, consiste em

  • 6 K r i s h n a m t i r . t i

    freqentar as escolas, aprender a ler e escrever, fazer exames, e praticar jogos esportivos; saindo da escola, ides para o colgio e l ficais a estudar, a estudar, durante meses ou anos, e depois prestais exames e obtendes um emprgo; e, ento, esqueceis tudo o que aprendestes. No isso o que chamamos educao? Estais entendendo? s isso o que fazeis aqui?

    As moas fazem certos exames, tiram seus diplomas, e casam-se para se tornarem cozinheiras e gerarem filhos; e toda a educao adquirida durante anos se torna uma coisa intil. Sabem falar ingls, tornaram-se um pouquinho mais traquejadas, um pouquinho mais bem arranjadas e asseadas e nada mais,, no verdade? E os rapazes vo exercer uma profisso tcnica, tornar-se escriturrios ou funcionrios pblicos e a param, no exato?

    Com efeito, o que chamamos viver i obter emprgo, gerar e criar filhos, saber ler e escrever, ler jornais e revistas, discutir e saber argumentar hbilmente sbre tal ou tal assunto. Eis o que chamamos Educao, no verdade? J observastes os vossos pais, as pessoas mais velhas de vossas famlias? les fizeram exames, obtiveram empregos, sabem ler e escrever. A educao s isso?

    A educao coisa muitssimo diferente. Seu fim no s o de ajudar-vos a obter empregos, mas tambm ensinar-vos a enfrentar o mundo. No assim? Sabeis o que o mundo. No mundo h competio. Sabeis o que significa competio cada um por si, a lutar e a afastar os demais do seu caminho, para obter as melhores vantagens possveis. No mundo h guerras e divises de classe, e luta entre as classes. No mundo cada um quer uma posio melhor, subir, subir sempre: quem escriturrio, quer subir um pouco mais e vivemos lutando, sem parar. J no notastes isso? Quem tem um carro, quer outro carro mais bonito. H, pois, uma luta constante,

  • 7no s dentro de ns mesmos, mas tambm contra todos os nossos semelhantes. E h tambm a guerra, que mata, que destri como a ltima guerra, em que pereceram ou foram feridos e mutilados milhes de indivduos.

    Nossa vida se consome em lutas polticas. E, tambm, a vida religio, no verdade? O que chamamos religio observar rituais, ir igreja, pr vestes sagradas, engrolar oraes, ou seguir um certo guru. A vida tambm no ? mdo de morrer, medo de viver, mdo do que digam ou do que no digam de ns, mdo de no saber para onde vamos, mdo de perder um emprgo, mdo opinio. A vida, pois, extraordinriamente complexa, no achais? Sabeis o que significa esta palavra complexa? Quer dizer: uma coisa muito complicada, muito difcil, extremamente difcil, envolvendo muitas e muitas outras coisas.

    A educao, por conseguinte, deve ter a finalidade de habilitar-vos a resolver todos stes problemas. Deveis ser educados para serdes capazes de enfrentar adequadamente todos os problemas da vida. Isto que educao e no apenas passar nuns poucos exames, entregar-se a certos estudos estpidos, aprender matrias em que no se tem o mnimo intersse. A educao apropriada aquela que ajuda o estudante a enfrentar esta vida, a compreend-la, no se deixando sucumbir, ser esmagado por ela, como acontece com a maioria de ns. Pessoas, idias, nao, clima, a necessidade de alimentao, a opinio pblica tudo isso nos constrange constantemente, nos impele constantemente numa dada direo, que a sociedade quer obrigar-nos a seguir. Vossa educao deve ajudar-vos a compreender essa presso, para que no cedais a ela, e possais romp-la, tornando-vos um indivduo, um ente humano capaz de iniciativa prpria e no um mero seguidor do pensar tradicional. Esta que a verdadeira educao.

    D E B A T E S S B E E E D U C A O

  • 8 K r i s h n a m u r t i

    Para a maioria de ns, a educao consiste em ensinar o que pensar. Dizem-vos o que deveis pensar. Di-lo vossa sociedade, dizem-no os vossos pais, vossos vizinhos, vossos livros, vossos mestres. A mquina que nos ensina o que pensar o que chamamos educao, e essa educao apenas torna os indivduos mecnicos, embotados, estpidos, estreis. Mas se souberdes como pensar, e no o que deveis pensar, no sereis ento entes mecanizados, escravos da tradio, mas seres humanos cheios de vitalidade; podereis ser grandes revolucionrios no no estpido sentido de matar gente, para se galgar um psto melhor ou impor uma determinada idia, mas promovendo a revoluo que ensina a pensar corretamente. Esta revoluo de suma importncia. Entretanto, enquanto estamos na escola, nunca se faz nada nesse sentido. Os prprios mestres no sabem faz-lo. S nos ensinam a ler ou indicam o que devemos ler, corrigem-nos o ingls ou os nossos exerccios matemticos. s isso que os interessa; e ao cabo de cinco ou dez anos, somos jogados nesta vida de que no sabemos coisa alguma. Ningum nos falou a respeito dela; ou, se isso se fz, foi para impelir-nos em certas direes, fazer- nos socialistas, comunistas, congressistas, etc.; nunca se nos ensina ou ajuda a compreender e a resolver os problemas da vida, no num dado momento ou perodo de anos, mas durante todo. o tempo e esta que a verdadeira educao, no achais? Afinal, numa escola como esta, tal a tarefa que nos incumbe, isto , no s preparar-vos para passardes em alguns detestveis exames, mas prepa- rar-vos tambm para enfrentardes a vida, depois que sairdes daqui, tornando-vos entes humanos inteligentes, e no meros autmatos hindustas, muulmanos, comunistas ou coisa que o valha.

    sumamente importante a maneira como sois educados, a maneira como pensais. A maioria dos mestres no pensa; querem emprgo, e depois de o obterem se estabili-

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    zam porque tm suas famlias, suas preocupaes, porque seus pais e suas mes lhes ensinaram a observar tais e tais ritos, a fazer tais e tais coisas. Tm seus problemas e dificuldades pessoais; deixam em casa essas coisas, e vo para a escola dar umas poucas lies; no sabem pensar, nem ns sabemos pensar. Nesta nossa escola, sumamente importante que vs, que os vossos mestres, que todos os que vivemos aqui, consideremos os problemas da vida, os investiguemos e compreendamos; dsse modo, a vossa mente se tornar muito desperta, e no ficareis meramente a seguir algum. Compreendeis o que estou dizendo? A educao no tudo isso? A educao no vai s at idade de vinte e um- anos, mas dura at morte. A vida como um rio; nunca esttica, est sempre em movimento, cheia de atividade, e de riquezas. Quando pensamos ter compreendido uma parte de um rio e ficamos interessados s nessa parte, o que temos so guas estagnadas, no verdade? Porque o rio vai passando, sempre. Observar o movimento do rio, observar tudo o que sucede no rio, compreend-lo, t-lo sempre diante dos olhos eis o que a vida; e todos temos de preparar-nos para ela.

    A educao, por conseguinte, no apenas uma questo de se passar nuns poucos exames, mas de se ser capaz de pensar nos problemas da vida; s assim a vossa mente no se tornar mecnica, tradicionalista; ser uma mente criadora, e no vos sujeitareis apenas a ajustar-vos sociedade, mas quebrareis todos os seus vnculos, para criardes coisas novas, fora dela no as inovaes dos socialistas, dos comunistas, dos congressistas, mas coisas completamente originais. Esta i que a verdadeira revoluo. ste, afinal de contas, o verdadeiro sentido da educao isto , fazer-vos crescer em liberdade e tornar-vos capazes de criar um mundo novo, Os mais velhos no criaram um mundo belo; les encheram o mundo de desordem e confuso. A funo da educao, a funo do educador,

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    no a de velar por vs, para que cresais em liberdade e sejais capazes de compreender a vida, capazes de transformar as coisas, em vez de vos. tornardes indivduos embotados, cansados, at morte, como acontece com a maioria das pessoas?

    Por conseguinte, eu sinto, como o sente a maioria das pessoas que pensam sriamente nestas coisas, que aqui, em Rajghat, deveis encontrar uma atmosfera, em que tenhais oportunidade para vos desenvolverdes, livres de influncias, de condicionamentos, de doutrinaes, para que, quando sairdes daqui, sejais capazes de enfrentar a vida inteligentemente, sem temores. Do contrrio, nenhum valor ter ste estabelecimento; ser uma coisa ruim, como qualquer outra escola ou talvez um pouquinho melhor, porque aqui o ambiente mais belo, as pessoas um pouco mais bondosas, no vos espancam mas podeis ser coagidos de outras maneiras. nosso dever criarmos uma escola onde o estudante no seja constrangido, fechado, esmagado pelas nossas idias, pela nossa estupidez, pelos nossos temores; para que se desenvolva e se torne capaz de comprender os seus problemas e de enfrentar a vida inteligentemente. Sabeis o que isso reclama: no s um estudante inteligente, um estudante cheio de vitalidade, mas tambm um verdadeiro educador. Mas no h verdadeiros educadores, nem verdadeiros estudantes; eles esto ainda por nascer; e temos de esforar-nos, de investigar, de trabalhar com energia, at que essa coisa se torne realidade. Sabeis que para se cultivar uma bela rosa, necessita-se muito desvlo. Para escrevermos um poema, precisamos ter o sentimento, ter as palavras prprias para exprim-lo. Tudo isso requer desvlo, vigilncia. Por conseguinte, no achais muito importante, esta nossa escola seja um estabelecimento de tal ordem? Se no o fr, no ser por culpa de ningum mais, seno de vs mesmos e dos vossos mestres. No digais: os mestres no cuidam

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    disso . A culpa ser dles, se se no criar um tal estabelecimento. Ningum mais ir cri-lo. Outros no o criaro; ns vs e eu e os mestres iremos cri-lo. Esta a verdadeira revoluo: termos em ns o sentimento de que esta a escola que vs, e eu, e os mestres todos juntos estamos edificando.

    , por conseguinte, importantssimo no achais? compreender o que significa educao no ideais de educao; tais ideais no existem; so puro contra-senso. Temos de comear assim como somos, compreender as coisas como so, e, com essa compreenso, construir. Ningum possui um jardim ideal ou uma escola ideal; tem-se de preparar o solo, trat-lo tal como , adub-lo convenientemente, irrig-lo, e criar ento alguma coisa, do nada. Como nada existe ainda, tendes de criar, de construir juntos.

    No acreditais muito importante, para cada um de ns, saber pensar corretamente no o que pensar, no o que est dito nos livros, mas saber pensar. sbre isso que vamos discorrer nas prximas semanas, isto , sbre a capacidade de pensar para que, no final, as nossas mentes estejam bem esclarecidas e possamos, com essa claridade, com sse_ pensar, com essa capacidade, sair para o mundo, e enfrentar a vida.

    Deixai-me perguntar-vos: que pretendeis fazer, depois de sairdes da escola e do colgio? Sabeis o que desejareis fazer? No desejareis empregos? Vossa preocupao principal no ser a de obter um emprego? Ficastes todos mudos. Hoje o primeiro dia, e ainda estais um pouquinho acanhados. Daqui a uns poucos dias tudo estar bem. No deixeis durar muito o vosso acanhamento, pois s estaremos aqui por umas poucas semanas.

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    P e r g u n t a : Que intelignciaf

    KKISHNAMURTI: Que julgais ser a inteligncia? No citeis o que vem no dicionrio, ou o que foi dito pelo vosso mestre ou vosso livro. Deixai tudo isso de parte e pensai, tentai descobrir o que inteligncia. No o que disse Buda, Sankara, Shakespeare, Tennyson, Spencer, ou outro qualquer mas, que pensais vs que inteligncia? Estais vendo como no momento em que se vos pede que no sigais a costumada linha de pensamento, ficais como que atordoados? Por exemplo, um homem que l Sankara, ou a filosofia comunista, ou outra autoridade qualquer, vos dir prontamente o que inteligncia, citando as palavras de outro. Se se vos pede, porm, que no citeis, que no repitais o que outro pensa, que no tireis simplesmente do dicionrio a definio de inteligncia logo ficais desorientados, no verdade? Sabeis o que inteligncia?

    Que pensais que inteligncia? ste um problema muito complexo, pois no? muito difcil dizer em poucas palavras o que inteligncia. Investiguemos o que inteligncia. Quem tem mdo da opinio pblica, mdo do mestre, mdo do que os outros digam, mdo de perder um emprgo, de ser reprovado num exame, no inteligente; a mente que tem mdo, no inteligente. Que dizeis a isso? Est muito difcil? Se tenho mdo de meus pais, mdo de que me ralhem, que faam isso ou aquilo, sou inteligente? Eu me comporto, ato e penso de acordo com les, porque tenho mdo de pensar livremente, de pensar independentemente, de pr em ao o que penso. Por conseguinte, o mdo me est impedindo de ser o que sou. Estou sempre copiando, sempre a seguir outras pessoas e a tentar fazer o que elas me mandam fazer porque tenho mdo. Assim, pois, a mente que tem a tendncia

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    de imitar, de copiar, porque tem mdo, no inteligente, ? Que achais?

    No funo da educao ajudar os estudantes a compreender sses temores, mostrar-vos como tendes mdo dos vossos mestres, dos vossos pais, de maneira que no possais dizer: como estou assustado, farei o que entender o que i igualmente estpido? A educao deve ajudar-nos a compreender sses temores e a viver livres dles. Isso dificlimo, pois requer muita penetrao, muita compreenso e exame. Sabeis o que significa degelar: quando faz muito frio, h congelamento, e quando o sol aparece, o glo comea a derreter-se. Nesta manh todos nos sentimos congelados, pois no nos conhecemos mtuamente. Vs vos sentis um tantito nervosos, porque tendes mdo de fazer alguma pergunta de que possais envergonhar-vos, alguma pergunta que vossos mestres reprovem, ou por sentirdes receio de vossos prprios colegas. Tudo isso vos est impedindo de descongelar-vos, de vos sentirdes naturais, espontneos, vontade, para perguntardes o que quiserdes. No tenho dvida de que dentro em vs fervilham perguntas, que no ousais fazer, porque vos sentis apreensivos nesta primeira manh. Fao votos para que amanh o sol haja derretido o glo e possamos fazer perguntas uns aos outros.

    4 de janeiro de 1954.

  • I I

    ESTA manh vou falar sbre um tpico que parecer um pouco difcil, mas tentaremos exp-lo pela maneira mais simples e direta possvel. Sabeis quase todos ns temos alguma espcie de temor, no verdade? Conheceis o temor que particularmente vos atinge? Podeis ter mdo de vosso mestre, de vosso tutor, de vossos pais, das pessoas mais velhas, ou ter mdo de uma cobra, de um bfalo, ou do que digam de vs, ou da morte, etc. Cada um tem o seu temor. Mas, no que respeita aos jovens, os temores so mais ou menos superficiais. Quando nos vamos tornando mais velhos, os temores se tornam mais complexos, mais difceis, mais sutis. Conheceis as palavras sutil, complexo e difcil, no? Por exemplo, eu desejo preencher-me; no sou velho, e desejo preencher- me numa dada direo. Sabeis o que significa preenchimento. Tdas as palavras so difceis, no verdade? Quero tornar-me um grande escritor. Penso que se eu pudesse escrever, minha vida seria feliz. Por essa razo, desejo escrever. Mas, algo me acontece, fico paraltico, e passo o resto da vida atemorizado, frustrado, e sinto no ter vivido. ste se torna, portanto, o meu temor. E assim, medida em que envelhecemos, vo-se manifestando vrias formas de temor, temores de ficarmos sozinhos, sem um amigo, de nos vermos abandonados, de perdermos nossos bens, nossa posio e vrias outras modalidades de temor. Mas no consideraremos agora tdas as complica-

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    das e sutis variedades de temor, pois elas exigem reflexo muito mais demorada.

    de grande importncia que ns, vs, os jovens, e eu, consideremos esta questo do temor, porque a sociedade e as pessoas mais velhas pensam que o temor uma coisa necessria para manter-vos o bom comportamento, o comportamento correto. Se temeis o vosso mestre ou os vossos pais, mais fcil lhes ser controlar-vos, no achais? les podem ento dizer: fazei isto e no faais aquilo e tendes de obedecer-lhes direitinho. O temor , portanto, um instrumento de presso moral. Os mestres se servem do temor, numa classe numerosa, por exemplo, como meio de controlar os seus alunos. No assim? A sociedade diz que o temor necessrio, pois, do contrrio, os cidados o povo se excedero e procedero como selvagens. Torna-se o temor, por consequncia, uma necessidade para o controle do homem.

    Sabeis que o temor tambm usado como instrumento para civilizar o homem. As religies, em todas as partes do mundo, tm utilizado o temor como meio de controlar o homem. No exato isso? Elas vos dizem que se no fizerdes tais e tais coisas, pagareis por elas na prxima vida. Embora tdas as religies preguem o amor, embora preguem a fraternidade, embora falem da unidade do homem, tdas elas, sutilmente ou com tda a brutalidade e rudeza, mantm sse sentimento de temor.

    Se sois uma classe muito grande de alunos, como pode o mestre controlar-vos? No pode faz-lo. Tem de inventar meios e modos de controlar-vos. Diz le, ento: emula com os outros, torna-te como aqule menino que muito mais adiantado do que tu . E ficais a lutar, a lutar, e sempre com mdo. Vosso mdo utilizado geralmente como um meio de controlar-vos. Compreendeis? No importantssimo que a educao desarraigue o temor, ajude os estudantes a se livrarem do temor, visto que o

    D E B A T E S S O B R E E D U C A O

  • 16

    temor corrompe a mente? Parece-me importantssimo que, nesta nossa escola, o temor, sob tdas as formas, seja compreendido, dissolvido, arrancado de cada um de vs. Porque, do contrrio, se tiverdes qualquer espcie de temor, ele vos perverter a mente e jamais sereis inteligente. O temor como uma nuvem negra, e quando tendes um temor, isso como andar na luz do sol com uma nuvem negra no esprito e por conseguinte sempre assustado.

    A funo da educao no a de tornar-vos verdadeiramente educados, isto , capazes de compreender o temor e de viverdes livres dle? Suponhamos, por exemplo, que saiais sem nada dizerdes ao mestre ou ao vosso guardio e que, ao voltardes, comeceis a inventar histrias, dizendo que estivestes com tais e tais pessoas, quando de fato estivestes no cinema; isso, com efeito, significa que tendes mdo. Se no tendes medo de vosso professor, pensais que podeis fazer o que entenderdes e o professor pensa do mesmo modo. Mas a compreenso do temor implica muitas coisas muito mais do que o fazer justamente o que se deseja fazer. Sabeis que h reaes naturais do corpo, no sabeis? Ao verdes uma serpente, dais um salto. Isto no temor, porque uma reao natural do corpo. Diante do perigo, o corpo reage, salta. Ao verdes um precipcio, no seguis cegamente para a frente. Isto no mdo. Ao perceberdes um perigo, um carro que se aproxima tda velocidade, sas rapidamente do caminho. Isto no indcio de temor. So reaes do corpo, que se protege do perigo. Tais reaes no so de mdo.

    Manifesta-se o temor no verdade? quando desejais fazer uma coisa e sois impedido de faz-la. Esta uma variedade de temor. Desejais ir ao cinema, passar o dia fora de Banaras, e vosso mestre diz no. H regulamentos e no gostais dles. Desejais sair. Sas sob um pretexto qualquer, e voltais. O mestre descobre que estivestes fora, e temeis a punio. Manifesta-se o temor,

    K R I S H N A M U El T I

  • por conseguinte, quando tendes o sentimento de que ides ser punido. Mas se o mestre vos expe amigvelmente as razes por que no deveis ir cidade, explicando-vos os perigos a que vos expondes tomar alimentos malsos, etc. vs compreendeis. Ainda que ele no tenha tempo para explicar tudo, para considerar longamente a questo, e demonstrar-vos porque no deveis ir, vs compreendeis, porque tambm pensais, pois vossa inteligncia foi despertada para compreender porque no deveis sair. O problema deixa ento de existir, e no sas. Sempre que desejardes sair, conversai sbre o assunto e procurai compreender.

    O fazerdes o que vos apraz, para mostrar que estais livre do temor, no inteligncia. A coragem no : o oposto do mdo. Sabe-se que nos campos de batalha os soldados so muito corajosos. So-no por vrias razes: tomando bebidas ou fazendo coisas de tda ordem, para se sentirem corajosos; mas isso no significa estar livre do temor. No vamos investigar esta questo profundamente; deixemo-la aqui.

    No deve a educao ajudar os estudantes a ser livres do temor, de qualquer espcie que seja, o que significa: compreender de agora em diante os problemas da vida problemas do sexo, problemas da morte, da opinio pblica, da autoridade? Vou falar sbre todas estas coisas, pois desejo que ao sairdes daqui, ainda que haja temores no mundo, ainda que tenhais ambies, desejos, estejais aptos a compreender o temor e a viver livres dle, sabendo que o temor uma coisa muito perigosa. Todo o mundo tem mdo de uma coisa ou de outra. Em geral, as pessoas no querem errar, no querem desviar-se do caminho certo, principalmente os jovens. Pensam, portanto, que se puderem seguir algum, obedecer a algum, ser-lhes- ensinado o que devero fazer, e que, fazendo-o, alcanaro um fim, um objetivo.

    D E B A T E S S B B E E D G A O _________ \ J

  • 18 K E r s H N A M t r f t T l

    Em maioria, somos muito conservadores. Sabeis o que significa esta palavra, sabeis o que significa conservar? manter, guardar. Todos desejamos manter um nome respeitvel e por conseguinte queremos fazer o que correto, seguir a conduta correta;: mas, se o penetrardes profundamente, vereis, isso um sinal de temor. Por que no errar por que? Entretanto, o homem que tem mdo est sempre pensando: tenho de fazer o que correto, tenho de manter uma aparncia respeitvel, no devo permitir que o pblico pense aquilo que sou ou no sou. sse homem, com efeito, fundamental e bsicamen- te, est com mdo. Um homem ambicioso realmente um homem atemorizado, e o homem atemorizado no tem amor nem compaixo. como uma pessoa encerrada atrs de uma parede, dentro de uma casa. muito importante que, enquanto somos jovens, compreendamos essa coisa, compreendamos o temor. o temor que nos faz obedecer; mas se pudermos conversar a respeito da coisa que se nos mandam fazer, raciocinar juntos, discutir e pensar juntos, poderei ento, talvez, compreender essa coisa e faz-la. Mas o obrigar-me, o forar-me a fazer uma coisa que no compreendo, porque estou receioso de vs, isso uma educao errnea, no achais?

    Parece-me, pois, importantssimo que, num lugar como ste, tanto o educador como o educando compreendam ste problema. Atividade criadora capacidade de criar sabeis o que isso significa?. ,Escrever um poema , em parte, ao criadora; pintar um quadro, contemplar uma rvore, amar a rvore, o rio, os pssaros, a gente, a terra, o sentimento de que a terra nossa isso, em parte, ao criadora. sse sentimento, porm, est destrudo, quando sentis mdo, quando dizeis: isto meu, minha ptria, minha classe, meu partido, minha filosofia, minha religio. Quando tendes essa qualidade de sentimento, no sois criador; porque o instinto do mdo

  • 19

    que est ditando o sentimento de meu, minha ptria. Afinal, a terra no vossa nem minha; nossa. E se formos capazes de pensar desse modo, criaremos um mundo todo diferente no um mundo americano, um mundo russo, ou hind, mas um mundo que ser nosso, vosso e meu, do rico e do pobre. A dificuldade, porm, est em que, quando existe temor, nada podemos criar. Uma pessoa que tem mdo nunca poder achar a Verdade ou Deus. Atrs de tdas as nossas devoes, todas as nossas imagens, todos os nossos rituais, est o temor, e, por conseguinte, os vossos deuses no so deuses, so pedras.

    Muito importa, por conseguinte, que, enquanto somos jovens, compreendamos esta coisa; e s a compreenderemos quando soubermos que temos mdo e formos capazes de encarar os nossos temores. Mas sse problema exige muita penetrao, e sendo um problema muito profundo, conversarei sobre le com vossos mestres. A funo do educador a de ajudar o educando a compreender o temor. dever dos mestres ajudar-vos a compreender os vossos temores, em vez de reprimir essa compreenso, em vez de manter-vos debaixo do seu controle; de modo que, ao sairdes deste estabelecimento, tenhais a mente muito clara, penetrante, e no corrompida pelo temor. Como ontem disse, os mais velhos no criaram um mundo belo. les esto cheios de escurido, de temor, de corrupo, do esprito de competio; no criaram um mundo bom. Se, quando sairdes desta escola, quando sairdes de Rajghat, estiverdes realmente livres do temor, sob qualquer forma, ou compreenderdes a maneira de enfrentar o temor, em vs mesmos e nos outros, tereis a possibilidade de criar um mundo totalmente diverso, no um mundo como o quer o comunista, o congressista, etc., mas um mundo de todo diferente. Esta a verdadeira funo da educao.

    D E . B A T E S S B R E E D U C A O

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    P e r g u n t a : Que sofrimento?

    KRISHNAMURTI: Um menino de 10 anos pergunta o que sofrimento. Tendes alguma noo do que seja o sofrimento? No importa saber quem foi que fez a pergunta. Mas um menino de dez anos perguntar o que o sofrimento, uma coisa triste, no achais? uma coisa terrvel. Por que deve esta criana saber o que sofrimento? So as pessoas mais velhas, infelizmente, que conhecem o sofrimento. Sabeis o que significa o sofrimento? Quando vedes passar um mendigo ou um milionrio; quando assistis ao espetculo da morte, cremao de um corpo; quando vdes uma ave morta, uma pessoa chorando; quando vdes degradao, misria, pessoas a disputarem e a baterem-se, verbal e fisicamente, tudo isso sofrimento, no ? Quando morre vosso pai ou vossa me, ficais sozinho, entregue ao sofrimento. Aqui, porm, ns crescemos junto com a morte. Compreendeis isto que estou dizendo: que crescemos junto com a morte? Nunca somos entes humanos felizes. Vdes um corpo morto ser conduzido ao rio (para ser cremado no cis) e estais em companhia de vossos pais; e vossos pais dizem: no olheis, a morte terrvel. assim que comeais a viver! Ao verdes um mendigo como menino, que sois, no podeis deixar de olhar para um mendigo com suas roupas esfarrapadas, seu corpo doente, coberto de chagas, e sentis piedade por sse ente humano, vosso pai ou pessoas mais velhas vos afastam do local, sem nada vos explicarem. uma calamidade, uma verdadeira misria social, estardes rodeados de tais pessoas. Os pais so responsveis, porque no vos explicam estas coisas; querem proteger- -vos, escondendo-as de vs. No fazem de vs um revolucionrio o que no significa devais tornar-vos um insensato comunista; um revolucionrio uma pessoa muito

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    e muito diferente. les no vos explicam estas coisas. Tm mdo, e desejam proteger-vos.

    O sofrimento uma coisa que precisa ser compreendida; as lgrimas tm de ser compreendidas. No h compreenso quando se feliz. Quando sorrides, sorrides, e sse ato no requer explicao. Mas, tanto aqui como fora daqui, infelizmente, somos educados sem sabermos como pensar, como observar, estar vigilantes; e, dsse modo, aumentamos o sofrimento e multiplicamos as nossas tribulaes. Entretanto, se conhecemos essas coisas, se a educao que recebemos e os mestres que temos nos chamam a ateno para elas, discutem conosco, conversam conosco a respeito delas, talvez no venhamos a ser pais, ou mes, ou polticos, ou funcionrios vulgares, rotineiros, estpidos, mas entes humanos reais, verdadeiros revolucionrios, dispostos a criar um mundo novo. Ento, talvez possamos compreender, modificar ou abolir o sofrimento.

    D E B A T E S S E E E E D U C A O

    P e r g u n t a : Qual a definio de um mundo bom?

    KRISHNAMUtTI: Como ontem disse, estas reunies so dedicadas especialmente aos estudantes desejosos de investigar, descobrir. Os mais velhos, se lhes interessa ajudar os estudantes a compreender seus problemas, fariam bem em no fazer perguntas atinentes aos seus problemas pessoais. bem provvel que s crianas no interesse a definio de um mundo bom.

    Ora bem, que essa mente que faz uma tal pergunta, essa mente que diz: qual a definio de um mundo bom? O enunciado claro, e pode-se consultar um dicionrio e achar uma definio. Acreditamos que depois de acharmos uma definio o problema est compreendido. Eis como somos educados: pensamos que quando temosuma definio, compreendemos. Definio no com-

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    preenso; pelo contrrio, a maneira mais destrutiva de pensar. Por que desejais saber a definio de um mundo bom? Sendo incapaz de examinar o problema a fundo, recorreis a algum Sankara, Buda, eu, ou outro dizendo: fazei o favor de dar a definio de um mundo bom. Se examinardes cabalmente o problema, penetrando-o e compreendendo-o, bem possvel que ento se faa luz no vosso esprito. ,

    Que se entende por mundo bom? realmente importantssimo considerar bem isso. Tda palavra tem um significado no verdade? est em relao com alguma coisa. Tda palavra tem uma significao extraordinria. Uma palavra, como Deus, ou Amor, ou Sacrifcio, ou uma palavra como ndia tem muita significao. Se credes em Deus, a palavra Deus tem para vs uma significao e provoca em vs uma reao nervosa ou psicolgica. Se no credes em Deus, esta palavra sem sentido para vs. Se fui educado no ateismo ou no comunismo, que no cr em Deus, minha reao diferente. De modo idntico, um mundo bom pode significar algo para vs, e para mim no ter significao alguma.

    Que entendeis por mundo bom? No temos um mundo bom. O fato que o mundo est corrompido, porque h guerras, porque h diviso entre os povos e as pessoas os que esto mais alto, os que esto mais baixo, a autoridade, o Primeiro Ministro e o pobre cozinheiro, o poltico importante e o homem faminto, o rei que tem tudo e o pobre coitado que nada tem. ste mundo um mundo corrompido. Deixamo-nos prender pelas palavras bom e mundo. Temos de compreender o que a palavra bom implica, temos de criar um mundo que seja bom.

    No h nenhum bem em nos deixarmos levar pelas palavras. Ensina-se-vos, desde pequeninos, o que pensar, e nunca a pensar. H uma cincia chamada semntica

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    que em grgo quer dizer: significao das palavras. uma cincia que se est desenvolvendo agora, porque as palavras tm significao. As palavras produzem efeito em ns, mental bem como fisicamente, e importante compreendamos as palavras, sem nos deixarmos influenciar por elas. No momento em que se emprega a palavra comunismo, um capitalista sente arrepios. Idnticamente, um homem que possui bens, tem pavor palavra revoluo; se lhe falardes em revoluo, le vos por na rua. Se algum, diz aos que seguem um guru: no sigais ningum; estupidez seguir, les se enchero de mdo e tero vontade de p-lo para fora. sse constante temor palavra devido falta de compreenso. A educao, afinal, compreenso das palavras e compreenso da comunicao por meio de palavras. Estou-me afastando demais da vossa pergunta?

    No existe coisa tal, como seja um mundo bom. Devemos tomar as coisas como so; jamais idealizar; no devemos ter ideais sobre como o mundo deveria ser. Todos os ideais a escola ideal, a nao ideal, o diretor ideal, o ideal da no-violncia so contra-sensos, ridicularias, iluses. O que real o que de fato. Se sou capaz de compreender a coisa real, tal como a pobreza, a degradao, a misria, a ganncia, a corrupo, os temores estarei apto a ocupar-me devidamente com ela, e a quebr-la. Mas se digo: eu deveria ser assim, estou descambando para a iluso. ste pas alimenta-se de ideais, h sculos ideais que so pura iluso. Sois nutridos com o ideal da no-violncia, mas na realidade sois violentos. Por que no compreender a violncia e deixar de falar de no-violncia? Haveria uma verdadeira revoluo se tivssemos a compreenso do que .

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    P e r g u n t a : Como libertar-nos do temort

    KRISHNAMURTI: Desejais saber como um homem se liberta do temor? Sabeis de que que tendes medo? Vinde devagar, junto comigo. O mdo uma coisa que est em relao com outra coisa qualquer. O mdo no existe sozinho. Existe em relao com uma serpente, com alguma coisa que meu pai possa dizer, com um professor, com a morte; est sempre em conexo com alguma coisa. Compreendeis? O mdo no uma coisa que existe sozinha; existe em contacto, em relao, em ligao com alguma outra coisa. Estais cnscio, percebeis claramente que o vosso mdo est em relao com alguma outra coisa? Sabeis que tendes mdo? No temeis os vossos pais, no temeis os vossos mestres? Espero que assim no seja, mas bem provvel que os temais. No tendes mdo de ser reprovado nos exames? No tendes mdo, porque desejais que os outros pensem lisonjeiramente a vosso respeito e digam que sois um grande homem? No tendes mdo, no conheceis os vossos temores? Estou procurando mostrar - -vos que tendes mdo, e j perdestes o intersse. Precisais, pois, em primeiro lugar, saber de que que tendes mdo. Vou explic-lo muito lentamente. E, tambm, precisais saber, a mente precisa saber porque tem mdo. O mdo algo que existe separado da mente, ou a mente que cria o mdo, por efeito de uma lembrana ou de uma projeo no futuro? O melhor que podeis fazer importunar com perguntas os vossos mestres, at que les vos expliquem tdas essas coisas. Consumis uma hora inteira, todos os dias, estudando geografia ou matemtica, mas no dedicais dois minutos, sequer, ao problema mais importante da vida. No deveis - junto com vosso mestre aplicar muito mais tempo a esta questo como ficar livre do mdo? e no apenas discorrer s.bre matemtica ou 1er livros didticos? Fizestes a pergunta sobre

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    como se fica livre do temor; vossa mente, porm, : incapaz de acompanhar o desenvolvimento desta questo. Os mais velhos talvez o possam. Trataremos dela com os vossos mestres.

    Uma escola baseada no temor, de qualquer espcie que seja, uma escola que no vale nada. Melhor fra que no existisse. Requer-se muita inteligncia da parte dos mestres e dos alunos, para se compreender ste problema. O mdo corrompe, e para se ficar livre do medo necessrio que se compreenda como a mente cria o mdo. No existe uma coisa chamada mdo a no ser o mdo criado pela mente. A mente qur proteo, a mente quer segurana, a mente tem variadas ambies de auto-proteo; e enquanto existir tudo isso, existir o mdo. Muito importa compreender a ambio, compreender a autoridade; uma e outra so indicaes dsse trmo o mdo que significa destruio.

    P e r g u n t a : exato, como dizeis, o mdo corrompe a mente, .em particular na\s pessoas mais velhas. igualmente exato que a mente corrupta, principalmente 1WS mais velhos, gera o mdo. O problema parece ser o de como eliminar uma tal mentalidadef

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    KRISHNAMURTI: Compreendestes a pergunta? ste Senhor pergunta se no deveramos eliminar a mentalidade das pessoas mais velhas, que est corrompida pelo temor. Isso significa o que? Que devemos destruir os mais velhos, jog-los em campos de concentrao? A mente de qualquer pessoa, seja velha, seja nova, pode ser corrompida pelo temor, quer imposto de fora, quer criado por ela prpria. No questo de eliminar algum como se faz atualmente no mundo inteiro: se no concordo convosco, vs me liquidais, me internais num campo de concentrao. Isso no ir resolver o problema. O

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    que resolver o problema a educao correta, que me habilitar a compreender o problema do temor, como o temor se origina, como le procede do passado e como criado no presente para ser projetado no futuro. Pensai nisso, Senhores, que muito mais importante do que todos os vossos exames, todos os vossos livros didticos, todos os vossos diplomas; B. A. ou M. A.(l) depois do nome, nada significa, absolutamente, embora vos facilite a obteno de um emprgo. O problema no de como liquidar os mais velhos ou os jovens de mente corrompida. O de que agora se necessita de uma revoluo, a mente capaz de pensar em todos stes problemas de maneira diversa e de criar um mundo novo.

    5 de janeiro de 1954

    (1) B. A. = Bacharel em Artes. M. A, = Mestre dArtes,

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    DEVEIS lembrar-vos de que ontem estivemos apreciando a questo do temor. Quase todos ns temos mdo de uma coisa ou de outra; e se pudssemos eliminar o mdo, livrar-nos dle, talvez crissemos um mundo completamente diferente. Parece-me importantssimo compreender-se isso, principalmente enquanto somos jovens. Porque, quanto mais velhos ficamos, tanto mais difcil se torna livrar-nos do mdo, uma vez que as circunstncias so to fortes, que a maioria das pessoas incapaz de resistir ao embate do temor. Desejo deveras comunicar-vos, dizer-vos algo a sse respeito, pois acho que a questo muito importante, visto que o mdo nos corrompe a mente, e quando h mdo no h amor.

    Neste mundo no existe amor. Falamos de amor, de fraternidade, de benevolncia, sbre a vida como um todo; mas isso so meras palavras, um amontoado de palavras sem significao, para mistificar, enganar. Em verdade, o amor no existe. Como pode haver amor, se estamos vendo tanta pobreza e sofrimento, alguns homens prepotentes e tantos desgraados?

    Acho que uma das causas da no existncia do amor o mdo. Se tendes mdo do vosso mestre, dos vossos pais, do que se diz de vs, etc., como podeis amar? Sem o amor, a vida no tem significao, porque se torna, ento, uma coisa rida, montona, cansativa; e no vemos as flores, as rvores, os pssaros e o sol brilhando sbre as guas; no vivemos realmente, no fruimos a vida. Por

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    fruir a vida no quero dizer freqentar os cinemas ou ter um bom emprgo ou possuir um carro isso so coisas externas. A verdadeira alegria interior de viver, o sentimento de riqueza interior, quer sejais pobre, quer sejais rico, materialmente, o sentimento de que a terra nossa e que devemos torn-la mais bela, estabelecer novas condies em nossas relaes isso que importante. Mas se existe temor, nada disso podeis ter. S vm essas coisas quando existe amor dentro do nosso ser. O amor no coisa que se cultive, le est no ato que se pratica. Podeis repetir, dia por dia: devo amar, devo ser benevolente, devo ser delicado. le no vem da; surge como a luz do sol no amanhecer, sem sabermos como; e s pode vir quando no existe temor. Escutai isso atentamente, agora, que sois jovens, pois se puderdes compreend-lo, se puderdes sent-lo, nada poder destruir-vos. Podeis ser pobre, sem talentos, sem beleza;, mas o que torna a vida rica, verdadeiramente rica, sse atributo do amor despido de todo temor.

    Assim, pois, num educandrio como ste, nosso primeiro cuidado, sem dvida, no s dos mestres mas de todos ns e de todos os membros da Fundao, deve ser, assim me parece, o de eliminarmos as verdadeiras causas do temor. Enquanto aqui estiverdes, necessrio sejam explicadas a cada um de vs as causas do temor, e no apenas matemtica, geografia ou histria. Podero os mestres, os Membros da Fundao continuar com seus temores; para vs, entretanto, importantssimo tdas estas coisas vos sejam explicadas, porque ento sereis capazes de criar um mundo novo, uma nova educao.

    Parece-me que uma das causas do temor i a comparao. Sabeis o que comparao? Comparar-vos com outra pessoa, comparar-vos com um aluno inteligente, comparar-vos com um aluno estpido, comparar-vos com

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  • Gandhiji (1), ou Buda, ou Cristo, ou outro se sois comunista no ser Buda ou Cristo, mas Stalin ou Lenine comparar-vos com outra pessoa o comeo do temor. Mostrar-vos-ei porque. Explicarei bem isso, para verdes quanto importante no temer. Toda a nossa sociedade est baseada na comparao. Pensamos que a comparao necessria ao progresso. Comparo-me com outro poltico e digo preciso exced-lo, preciso tornar-me melhor do que le . Quando um mestre vos compara com outro aluno, talvez um pouco mais inteligente, que acontece convosco? J notastes o que vos acontece quando sois comparado? Diz o mestre: s inteligente como aquele menino. Para tornar-vos to inteligente, to aplicado, to estudioso como o outro menino ou a outra menina, le vos d grus, notas; e dsse modo sois mantido numa luta, numa competio constante; sentis inveja do outro aluno. A comparao, pois, gera a inveja, o cime e o cime o como do temor. Assim, quando sois comparado com outro, vs, como indivduo, como menino ou menina, no sois importante: o que importa o outro. Quando se vos compara com outro menino, quando vos comparais com algum, sse algum fica sendo mais importante do que vs. No assim? Vs, como indivduo, com vossas capacidades, vossas tendncias, vossas dificuldades, vossos problemas, vosso ser, sois sem importncia, mas um outro indivduo importante; e vs, por conseguinte, como ser, sois eliminado e psto a lutar para vos tornardes igual a um outro. Dessa luta nasce a inveja, o temor. Observai a vs mesmo, quando, numa classe, o mestre vos compara, vos d notas diferentes, grus diversos; sois destruido, vossas capacidades, vosso ser natural, se apagam. Falais sobre a alma, a liberdade, etc., tudo isso, porm, no so seno palavras,

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    (1) Mahatma Glandhi.

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    porque, quando se vos compara com outro indivduo, estais sendo destruido. Podeis ser lerdo ou estpido, mas sois to importante quanto o outro menino ou a outra menina a quem o mestre ou o pai considera inteligente.

    No necessrio, pois, que numa escola, num centro educativo como ste, se elimine de todo a comparao, porque sois to importante como outro qualquer? Vosso mestre tambm dever dar muito mais ateno a cada indivduo, no achais? O difcil que os pais no sentem intersse por essas coisas; les querem que passeis nos exames, para obterdes emprgo; nisso se cifra todo o seu intersse. Assim sendo, que fazem les? Em casa, comparam-vos com vosso irmo mais velho, com um sobrinho ou sobrinha, dizendo: s eficiente como le . Isto no amor. Quando h comparao, no h amor. Numa famlia de muitas crianas, a me que ama realmente os filhos, no faz comparaes. Cada um to importante como os outros. No assim? A no ser que a me seja estpida, insensvel, sem inteligncia, ela nunca pega um dos filhos, dizendo ste aqui meu predileto, e todos vs deveis ser iguais a le . A verdadeira me, que abriga o amor no seu ser, no compara. O aleijado, o estpido to importante como o inteligente. Do mesmo modo, aqui, no devemos ter um ideal e dizer que vamos trabalhar para alcan-lo. Temos de eliminar completamente esta comparao geradora de competio.

    O mestre deve estudar cada aluno e descobrir-lhe as capacidades, ver em que sentido est progredindo, em que sentido se est aplicando mais. Seria melhor, talvez, que se no usasse absolutamente a palavra progresso . A dificuldade est em como levar, em como ajudar cada aluno ou aluna a ser estudioso e aprender. Atualmente aprende-se por meio da comparao, da competio, das notas; fora-se o aluno, no verdade? Se sois preguioso, na classe, que acontece? Sois apontado como um preguioso,

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    e outro aluno como aplicado. O mestre diz, porventura: por que no sois igual a le? . Do-vos notas mais baixas do que ao outro aluno, e ficais a lutar e a lutar para aprender matemtica; que acontece? Vosso crebro, vosso ser est sendo torcido continuamente, visto que no estais interessado na matemtica. Mas podeis sentir intersse por outra coisa e atravs dela chegar a compreender a matemtica.

    .Efetivamente, a eliminao do temor sobremodo difcil; ela deve ser efetuada radicalmente, desde o como, desde a meninice, desde o Jardim da Infncia, desde que sois pequenos at poca de deixardes ste Estabelecimento. Tal a nossa tarefa, que no um ideal. Ela deve ser executada todos os dias, verificando-se sempre os respectivos resultados, pois bem evidente que neste mundo dito civilizado, a competio conduz desumanidade. Compreendeis o que significa esta palavra? Significa: brutalidade, desconsiderao pelos outros. Porque estais entregue ambio, competio, sois agressivo, quereis mais, cada vez mais; como vs, todos os outros tm direito a mais, e todos lutam. Nossa sociedade est edificada sbre esta base, edificada sbre a inveja, o cime, a ambio, em nome da ptria, em nome do povo, etc. etc. mas o centro cada indivduo vs. Esta competio leva por fim guerra, destruio de pessoas, a sofrimentos maiores. Vendo-se tudo isso acontecer no mundo inteiro, no justo que uns poucos dentre ns, que sentimos verdadeiro intersse por esta espcie de educao, nos apliquemos a elaborar um modo de ensinar, um modo de viver, de educar, em que no haja comparao, em que no haja a idia de que outra pessoa seja mais importante do que cada um de vs? Cada um de vs to importante como qualquer outro, mas o mestre no descobriu ainda a maneira de despertar-vos o intersse. Se puder o mestre

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    achar um modo de despertar o vosso interesse, sereis ento to eficiente como outro qualquer.

    Parece-me, pois, muito importante que compreendais, enquanto jovens, esta questo da comparao. Pensamos que aprendemos, fora de comparao, mas em verdade no aprendemos. O verdadeiro inventor, o indivduo verdadeiramente criador jamais compara, nunca diz: tenho de igualar Edison ou Rama; le trabalha .

    Se, quando estais escrevendo um poema, vos comparais com outro poeta, que acontece ao vosso poema? No escreveis poema algum se comeais a comparar-vos com Keats, com Shelley, ou outro grande poeta; desistis completamente de escrever. Escreveis, porque tendes algo para dizer. Podeis compor mal, o vosso escrito pode no ter o ritmo correto, vossas palavras podem no ser ricas de significao, fluentes, abundantes; mas tendes algo para dizer, e o que dizeis por mais estpido que seja to importante como o que foi dito por Keats ou Shelley ou Shakespeare. Se comparais, no podeis escrever.

    J pintastes? Costumais pintar, de vez em quando? Ao pintardes uma rvore, esta rvore vos diz alguma coisa. A rvore vos transmite o seu significado sua beleza, a quietude, o movimento, as sombras, as tonalidades de luz, a forma, o agitar de uma flha. Ela vos diz algo que pintais; no copiais meramente uma flha, mas expressais o sentimento que tendes diante da rvore. Se quando o expressais, porm, comparais a vossa mente > se a conheceis com a de um dos grandes pintores, desistis de pintar, no verdade? Vejo que nunca fizestes nada disso. pena! O que estais perdendo da vida! Provavelmente sois muito bom nas matemticas ou cincias coisas tambm necessrias. Se perdeis tudo o mais, nem as matemticas nem a aprovao nuns poucos exames, tm significado algum; vos tornais entes humanos to prosaicos!

    O importante que se compreenda o que o mdo

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    e qu se elimine o mdo. Uma das causas do mdo a inveja, e inveja competio. Uma sociedade baseada na comparao, na inveja, est fadada a criar misrias para si prpria e para outras. Deveis saber que uma pessoa que se sente verdadeiramente contentada no a que alcanou um certo resultado, mas aquela que compreende as coisas como so, e passa alm. Mas se desejais compreender as coisas como so e vossa mente est sempre a comparar, a julgar, a pesar, isso nada adianta. Essa mente nunca compreender as coisas. Expressando-o com tda a simplicidade: se sois comparado com outra pessoa, no sois importante, sois? Nessa comparao no h amor. Nossa sociedade, nossas escolas, nossa educao, nossa gente importante so sem amor. E, assim, a nossa sociedade, a nossa civilizao est caindo aos pedaos; tudo est a deteriorar-se. Eis porque importante que num estabelecimento como ste, que aqui, em Rajghat, se realize essa coisa; que os mestres, que os membros da Fundao e os estudantes criem essa coisa.

    P ergunta: Que so "boas maneiras?

    KRISHNAMURTI: Escutastes o que estive dizendo antes da vossa pergunta, ou estveis to interessado na vossa prpria pergunta, que no ouvistes o que estive falando? Bem, vamos falar sobre boas maneiras .

    Desejais saber o que so boas maneiras . As boas maneiras nascem do respeito. Se vos respeito, sou amvel* delicado. Respeito e boas maneiras so^ companheiros, no verdade? sendo maneiras conduta, sendo conduta comportamento, sendo comportamento ao. Isto , quando sou respeitoso, se chega um rapaz ou uma moa ou uma pessoa idosa, levanto-me no porque tal pessoa seja um velho, ou um poderoso, ou algum de quem posso ganhar alguma coisa, mas porque tenho o sentimento de

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    respeito s pessoas, sejam ricos, sejam pobres. Maneiras conduta, comportamento; e necessrio, no achais? necessrio trmos boas maneiras, sermos corteses, no artificialmente que significa superficialmente mas sentirmos benevolncia para com os outros. Com esse sentimento de benevolncia para com os outros, vos tornais respeitosos, tendes boas maneiras, falais serenamente, mostrais considerao pelos outros. sse sentimento . necessrio, no achais? porque, quando um grande nmero de pessoas vivem juntas, se todos fossem desatenciosos, teramos uma sociedade catica. As boas maneiras, pois, quando produto, quando manifestao natural de profundo respeito, compreenso e amor, tm uma significao; elas so uma das coisas belas da terra.

    Infelizmente, s aprendemos maneiras superficiais. Observai a maneira como tratais o servente e a maneira como tratais o Diretor. Para um sois descomunalmente respeitosos; diante de algum que, pensais, tem alguma coisa para dar-vos, quase cas de joelhos; mas para com o cule ou o desgraado mendigo sois indiferente, nenhuma ateno lhes dais. Mas existe a verdadeira considerao, quando tendes respeito tanto ao pobre como ao rico; quando sois rico interiormente; quando sentis afeio, benevolncia para com outrem, no importa que seja um poderoso ou um cule.

    J aspirastes o perfume de uma flor? flor pouco importa se o passante rico ou pobre. Ela tem perfume, tem beleza, e a d, sem levar em conta se sois um, menino, um poderoso, ou um cozinheiro. Ela uma flor, simplesmente. A beleza que a se revela, est na flor, no perfume.

    Se temos aquela compreenso que emana da beleza interior, do respeito interior, do amor interior, da sensibilidade interior, da, por certo, sem. necessidade de nenhuma compulso, nascero aquelas maneiras que so belas, boas, cheias de alegria. Do contrrio, se somos s superficial

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    mente corteses, isso como andarmos com um casaco vistoso muito bonito por fora, porm vazio.

    P ergunta : Que o verdadeiro amor?

    KRISHNAMURTI: Outra vez a mesma histria! Queremos uma definio, queremos palavras. Como se pode amar, se h temor? Yde como nos satisfazemos fcilmente com palavras! Se eu vos digo o que o verdadeiro amor, isso no tem nenhuma significao para vs. Muito mais importante procurarmos saber se amamos, e no o que o verdadeiro amor no achais? Amamos uma flor, um co, nosso marido, nossa esposa, nosso filho? Amamos a terra? No o sabemos e queremos falar sobre o verdadeiro amor. sse amor de que falamos, em tais condies, i um amor falsificado, uma coisa irreal, uma iluso.

    Como posso amar, se em mim existe o temor? Uma das coisas mais difceis de nos livrarmos o temor. Nunca fcil isso. Se no compreendemos todo o processo do temor, tdas as coisas que o temor implica no s os temores conscientes, mas tambm os temores mais sutis, os temores existentes nas profundezas, ocultos nas profundezas se no compreendemos todo sse processo, nada adianta perguntarmos o que o verdadeiro amor. Nesse caso, podemos consultar um dicionrio, e ver o que significa verdadeiro e o que significa amor . O problema resulta de que sempre fomos instrudos sbre o que pensar, mas no sabemos pensar; e a maior dificuldade a de nos livrarmos de o que pensar, para entrarmos na corrente do saber pensar . Para nos libertarmos de o que pensar devemos saber, estar cnscios, reconhecer claramente que todo o nosso sistema educativo, tda a nossa formao cultural se cifra em o que pensar . Lemos o Bhagavad-Gita, Shakespeare, Buda ou outro instrutor, outro lder revolucionrio, e ficamos sabendo o que

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    pensar . les nos dizem exatamente o que pensar, e ficamos a pensar de acordo com tal padro. Isso no pensar, absolutamente; repetir, como uma mquina, como um gramofone que toca o mesmo disco s e s. Reconhecer isso e pr trmo a isso, o comeo do saber pensar .

    P ergunta : correto copiar uma coisa?

    KRISHNAMURTI: Vamos andando passo a passo. Quando uso a lngua inglesa, estou copiando o ingls, no estou? Quando falais hindustani, estais copiando as palavras, aprendendo as palavras, repetindo as palavras do hindustani e, por conseguinte, praticando uma espcie de imitao. Quando visto esta kurta ou um pijama isto uma forma de copiar. Quando escrevo, quando repito uma cano, quando leio, quando estudo matemtica, isso uma certa imitao. Num certo nvel, pois, tem de haver cpia, imitao. Noutro nvel da vida, o nosso viver no s imitao. H aqui problemas e questes de tda ordem. Examinemo-los com vagar.

    Copiamos a tradio; seguir a tradio copi-la. Quando executais o puja, quando pondes vestes sagradas, quando fazeis isto ou aquilo, isso tambm imitao. Quando praticais puja ou coisa parecida, perguntais a vs mesmo: por que estou fazendo isto? Nunca pondes a coisa em dvida. Vs a aceitais meramente, porque vossos pais a praticam, vossa sociedade a pratica; e dessa maneira vos tornais simplesmente uma mquina de imitao. Jamais perguntais: por que devo praticar puja; qual a significao que isso tem? Tem alguma significao? . Se alguma significao tem, cabe-vos descobr-la, pois no necessitais que outra pessoa vos diga isso tem tal e tal significao. Tendes de descobrir essa significao, e para a descobrirdes no deveis ter preconceito, no deveis ser

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    contra o puja nem a favor dle. Isso requer muita inteligncia, requer destemor.

    A maioria das pessoas de mais idade seguem tal ou tal guru uma certa qualidade de guru que se encontra ao dobrar da esquina. Deveis seguir um guru, s porque os mais velhos o fazem? Deveis averiguar por que razo les o seguem. Seguem-no porque tm mdo, porque desejam alcanar com segurana o reino dos cus. Nem les nem vs, sabeis se existe cu. O cu dles tal como les o imaginam ser. Necessitais, por conseguinte, de uma forte dose de ceticismo no de incerteza para descobrirdes a significao das coisas e no vos deixardes sufocar pelos mais velhos e por suas idias sbre o que verdadeiro, o que ideal, o que certo ou errado.

    Tem de haver inevitvelmente uma certa parcela de imitao como no cantar qualquer cano, no estudar matemticas, etc. Quando, porm, a imitao se estende ao sentimento psicolgico, ela se torna destrutiva. Sabeis o que significa esta palavra psicolgico? Significa o eu, o ego, os sentimentos mais sutis, a natureza interior. Quando comea a haver imitao a, no h mais capacidade criadora. ste um problema muito complexo, desde que o imitar implica numa ao de conformidade com um modlo. O imitar, o copiar significa a aceitao da ao ditada pela memria. A experincia forosamente imitao, pois tda experincia ditada pelo passado, e o passado imitao.

    A dificuldade est em perceber se a imitao inevitvel, e em ser livre interiormente de tda imitao. Isso requer muita atividade do pensamento, ou seja a meditao real. Se a mente puder libertar-se de tdas as imagens e pensamentos projetados, que so imitativos, s ento haver a possibilidade de existir aquela realidade, a Verdade, ou Deus. A mente que imita nuna achar o que real,

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    P ergunta: Como se pode evitar a preguia?

    KRISHNAMURTI: Vamos descobrir juntos como se evita a preguia. Porque esta vossa pergunta, e eu no vou simplesmente responder a ela. Vs e eu vamos investigar juntos.

    Podeis ser preguioso devido alimentao inadequada, podeis ser preguioso porque herdastes dos vossos pais uma disposio letrgica, ou porque vosso fgado no est funcionando bem, ou por insuficincia de clcio no organismo quer dizer, falta de leite. A preguia tambm uma fuga s coisas de que tendes mdo. Tornais-vos preguiosos, porque no desejais ir para a escola, por no desejardes estudar, porque no sentis interesse pelo estudo. Mas no sentis preguia para jogar futebol nem para brigar com algum. A preguia, portanto, pode ser devida falta de alimentao adequada, a uma tendncia hereditria, ou a uma fuga. Compreendeis o que quero dizer com fuga? Desejais fugir daquilo que no tendes vontade de fazer; por conseguinte, vos tornais preguiosos. No tendes vontade de estudar, porque no estais interessado em estudos, porque estudar uma maada . . . e o mestre tambm no muito bom, sendo igualmente maante . El, assim, dizeis: Est certo - e vos tornais preguioso.

    Assim, pois, o mestre e vs tendes de descobrir se estais recebendo alimentao conveniente; talvez com alimentao adequada vos torneis aplicado. Vosso mestre tem o dever de descobrir se sentis verdadeiro intersse pela matemtica, pela geografia ou pela arquitetura. Se o fizer, ento vos tornareis mais aplicado. Tudo isso tem de ser averiguado. Nunca deve o mestre dizer: sois um menino muito preguioso, sereis punido, tereis notas baixas .

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    Pergunta: Se no fsse o medo, nenhum respeito teramos aos nossos pais. Como dizeis que o medo destrutivo?

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    KRISHNAMURTI: Respeitais os vossos pais por amor ou por medo? O que eu digo : como se pode ter respeito, se h medo? . sse respeito no respeito nenhum; uma apreenso, um temor. Se tendes amor, porm, sentireis respeito, seja por vosso pai ou patro, seja pelo pobre cule. Isto no simples? O respeito nascido do temor destrutivo, falso, : sem significao.

    P ergunta: Por que experimentamos um sentimento detemor, quando no somos hem sucedidos?

    KRISHNAMURTI: Porque desejais ser bem sucedido?Quando fazeis alguma coisa, ela, em si, bela, suficiente. Por que desejais o sentimento de ter sido bem sucedido? Neste caso, sentis orgulho; e ento dizeis no devo ter orgulho . Procurais ento cultivar a humildade, e tudo isso, afinal, absurdo. Mas se dizeis: estou fazendo isso porque gosto de faz-lo, ento no h problema algum.

    P ergunta: Quais as qualificaes de um estudante ideal?

    KRISHNAMURTI: Espero que no exista nenhum estudante ideal. Vede o que perguntastes! Desejais um estudante ideal; pintais a sua imagem, sua maneira de comportar-se, sua conduta, e desejais imit-lo. No dizeis: aqui estou; quero esclarecer-me a respeito de mim mesmo. Quero descobrir como viver, sem ser em conformidade com uma imagem. bem de ver que, no momento em que tendes um ideal, vos tornais falsificado; dizeis: como fui educado erroneamente! O ideal se torna uma coisa muito mais importante do que aquilo que sois realmente.

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    O importante aquilo que sois e no o que o ideal o estudante ideal ou suas qualificaes. Vs que sois importante, e no um ideal qualquer. Compreendendo a vs mesmo, descobrireis como so falsos os ideais. Os ideais so invenes da mente, a fugir daquilo que a coisa na realidade. O importante no um ideal, mas a compreenso do que . Vemos um mendigo: que utilidade tem lhe falarmos acrca de um ideal? Tendes de compreend-lo, de ajud-lo diretamente. Os ideais relativos a uma sociedade perfeita so todos fictcios, irreais. Falar sbre tais ideais divertimento dos mais velhos. O que a Realidade, e tem de ser enfrentado e compreendido.

    6 de janeiro de 1954.

  • N O nos parece muito importante que, enquanto estais na escola, nunca sintais ansiedade, incerteza, mas tenhais em grande dose o sentimento de estar em segurana? Sabeis o que significa sentir-se em segurana? H diferentes qualidades de segurana, do sentimento de que se est ,bem protegido. Enquanto sois jovens, tendes a segurana do amparo dos mais velhos, o sentimento de que algum vela por vs, dando-vos alimentao conveniente, roupa adequada, ambiente adequado. Tendes o sentimento de que cuidam de vs, olham por vs sendo isso uma coisa essencial, absolutamente necessria, enquanto sois jovens. Depois de ficardes mais velhos e sairdes da escola para o Colgio e da para a vida, aquela segurana, aquele sentimento de estardes fisicamente garantidos, bem protegidos, se transfere para outra esfera. Quereis sentir-vos em segurana interiormente, espiritualmente, psicologicamente; desejais algum para vos ajudar, guiar, cuidar de vs, algum que chamais guru ou guia; ou tendes alguma crena ou ideal pois necessitais sempre: de alguma coisa em que possais amparar-vos. O problema relativo busca de segurana muito complexo e no vamos tratar dle agora. Penso que, enquanto estais na escola, necessitais de estabilidade fsica, emocional e mental, do sentimento mental e fsico de que esto velando por vs, cuidando de vs, provendo para o vosso futuro, de modo que, enquanto estais muito novos, enquanto estais na escola, nunca sintais ansiedade, nunca sintais temor. essencial isso, uma vez que uma coisa muito m, muito nociva para o esprito a ansiedade, o temor, a apreenso, a incerteza sobre

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    o que ir acontecer; de um tal estado mental jamais poder surgir a inteligncia. S quando h o sentimento de que tendes mestres que so capazes de velar por vs, de cuidar de vs fisicamente, mentalmente e emocionalmente; que vos esto ajudando a descobrir a vossa vocao; que no vos esto impondo fra as suas opinies, suas maneiras de vida e de conduta - s ento vos sentireis capazes de desenvolvimento, aptos para a vida. Esta possibilidade s existe quando tendes na escola ambiente adequado e mestres competentes.

    Uma das coisas que impedem o sentimento de segurana a comparao. Quando se vos compara com algum, nos vossos estudos, ou nos vossos jogos, ou na vossa aparncia fsica, experimentais um sentimento de ansiedade, um sentimento de temor, um sentimento de incerteza. Por conseguinte, como ontem estivemos conversando com alguns dos vossos mestres, importantssimo que nesta nossa escola de Rajghat seja eliminado ste critrio de comparao, ste critrio de dar notas e graus, bem como o mdo dos exames.

    Tendes mdo dos exames, no tendes? Isso significa o que? Vdes-vos constantemente diante desta ameaa de fracassardes, do receio de no estardes progredindo como deveis, de tal sorte que, durante todos os anos que passais na escola, paira sobre vs essa nuvem negra dos exames. Estivemos a discutir ontem com alguns dos mestres sbre a possibilidade de abolir por completo os exames, cuidando-se, antes, de observar-vos constantemente, dia por dia, ms por ms; atendendo-se a que aprendais naturalmente, alegremente, com facilidade; procurando-se descobrir o que que vos interessa, e alimentando-se sse intersse de modo que, quando sairdes desta escola, estejais dotados de um alto grau de inteligncia, e no apenas da capacidade de fazer exames. bem de ver que, se estudardes ou fordes estimulado a estudar com intersse, com

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    gosto, e nesse caso no h temor durante todo o tempo e no apenas nos ltimos dois ou trs mses, em que tendes de estudar com af para os exames bem de ver que, se se cuidar de cada um de vs com ateno e desvlo, durante todo o tempo, ento, quando chegarem os exames, passareis facilmente.

    Estuda-se melhor quando h liberdade, quando h intersse, quando h felicidade. Sabeis muito bem, quando praticais esportes ou arte dramtica, quando sas para dar passeios, contemplar o rio que da advm um estado de felicidade geral, de boa sade, e que ento se aprende com muito mais facilidade. Todavia, quando h o temor criado pela comparao, pelas notas, pelos exames, no se estuda nem se aprende to bem. Entretanto, infelizmente, a maioria dos mestres transige com esta antiquada teoria. Proporcionando-se ao estudante a atmosfera adequada, de recreao, de destemor, em que nunca seja forado a fazer alguma coisa, para que le se sinta feliz e possa fruir a vida numa tal atmosfera le estudar com muito mais gsto. Mas a dificuldade est em que nem os mestres nem os estudantes tm sse ponto de vista. Ao mestre s interessa que os alunos sejam aprovados nos exames e passem para a classe subseqente; e os pais apenas desejam v-los numa classe mais adiantada. Nem uns nem outros esto interessados em que saiais da escola como um ente humano inteligente e sem temor.

    Mestres e pais afeioaram-se idia de que preciso empurrar os estudantes, para faz-los passar nos exames, porque receiam que, sem for-los, por meio da competio, das notas, les no estudaro. Para les uma novidade o criar e educar meninos e meninas sem comparao, sem compulso, sem ameaas, sem, se lhes instilar temor.

    Que pensais vs, estudantes, aconteceria se no tivsseis exames nem notas? Se no fsseis comparados uns

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    com os outros, que seria dos vossos estudos? Achais que estudareis menos?

    U ma voz: sem dvida nenhuma.

    KRISHNAMURTI: No penso desta maneira. surpreendente ver que, embora sejais to jovem, j tenhais aceito a velha teoria! Isto uma tragdia. A est! sois to jovens e j pensais que a compulso necessria para fazer-vos estudar. Se se vos desse porm, a atmosfera adequada, se se vos estimulasse e se cuidasse de cada um de vs, no h dvida de que havereis de estudar bem independentemente da questo dos exames.

    Tdas estas coisas j tm sido experimentadas noutros pases. Aqui no lhes temos dado nenhuma ateno e, por isso, vs, como estudante, dizeis: tenho de deixar-me impelir, forar, comparar, porque do contrrio no estudarei . Isso denota que j adotastes o padro dos velhos. Sabeis o que significa a palavra padro? Significa a idia, a tradio das pessoas mais velhas. No tendes refletido maduramente a ste respeito. Vde bem! Enquanto estais jovens, esta a ocasio oportuna para a revoluo, para se pensar de maneira completa em todos stes problemas, em vez de se aceitar simplesmente o que dizem os mais velhos. Mas os velhos insistem em que acompanheis a tradio, pois no desejam vos torneis um fator de perturbao; e vs vos submeteis.

    O obstculo que encontraremos resultar, por conseguinte, de que tanto os mestres como vs estais convencidos da necessidade de alguma espcie de compulso, de apreciao, de coero, comparao, notas, exames. Vai ser muito difcil abolir estas coisas, achar meios e modos de, prescindindo de tdas elas, estudar-se com naturalidade, facilidade, prazer. Achais isso impossvel. Entretanto, isso jamais foi tentado. sse modo de proceder por

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    meio de exames, apreciao, comparao, compulso no tem produzido entes humanos verdadeiramente grandes, entes humanos criadores. As personalidades j produzidas so personalidades sem iniciativa; tornam-se simplesmente funcionrios autmatos, ou patres ou guarda-livros, com uma mentalidade muito tacanha, muito pobre, muito estpida. Percebeis? No dais a devida ateno a estas coisas, porque as julgais impossveis. Mas temos de experiment-las. Do contrrio, ficaremos vivendo numa atmosfera de medo, de ameaa; e ningum pode viver feliz numa tal atmosfera. muito difcil, se estou habituado a essa maneira de pensar, de viver, de estudar, mudar completamente de critrio, e afastar o velho padro para descobrir uma maneira nova de estudar e fruir a vida. Isso s se tornar possvel, se todos nos pusermos de acordo todos os estudantes e todos os mestres em que o mdo seja banido completamente, e que essencial, enquanto sois jovens, um sentimento de segurana emocional, mental e fsica. Essa segurana no existir enquanto existirem todas essas ameaas. A dificuldade que nem todos nos interessamos por muitos dos mais importantes problemas da vida. Aos mestres s interessa que passeis nos exames, e fazer-vos estudar para sse fim. Mas no se interessam pelo vosso ser integral. Entendeis o que quero dizer? A maneira como pensais, as tendncias das vossas emoes, vossa viso das coisas, as tradies, vossa personalidade como um todo tanto a parte consciente como a parte inconsciente ningum se interessa por nada disso.

    Ora, sem dvida, a funo da educao interessar-se pela totalidade do vosso ser. No sois simplesmente um estudante, que cumpre impelir para passar em certos exames. Tendes vossas inclinaes prprias e vossos temores; di ateno s vossas emoes, ao que desejais fazer, vossa vida sexual. Aqui, na escola, aos mestres interessa to-smente que estudeis, mesmo que uma dada

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    matria no vos interesse muito, para passardes adiante e acham que, com, isso, estais recebendo educao. Ser educado implica, no verdade? implica compreender o todo, o processo total, a totalidade do vosso ser. Para se compreender essa totalidade, necessrio que haja, tanto da vossa parte como da parte dos mestres, um sentimento de confiana, de afeio, um sentimento de segurana e no de temor. Vde bem! isso no uma coisa impossvel, utpica, nem um mero ideal. No impossvel. Se juntarmos todas as nossas cabeas, poderemos lev-la a efeito. E ela tem de ser levada a efeito, nesta escola, para que ela, a escola, no redunde num fracasso, como qualquer outra. Cumpre-vos, pois, compreender que realmente se pode estudar muito melhor, muito mais facilmente, numa atmosfera em que no haja temor, em que no sejais compelidos, forados, comparados, empurrados, como no antigo sistema. A tal respeito porm, devemos estar perfeitamente certos. E disso que tratamos aqui, tdas as tardes, junto com os vossos mestres. Estamos apreciando este problema, com o propsito de possibilitar que, ao sairdes desta escola, no sejais uma simples mquina, mas um ente humano ativo com todo o vosso ser, inteligente com todo o vosso ser, e portanto capaz de enfrentar adequadamente todos os problemas da vida, e no meramente reagir a les de acordo com uma dada tradio.

    P ergunta : Por que- temos averso aos pobres?

    KRISHNAMURTI: Tendes averso aos pobres, sentis averso pela pobre mulher que leva um pesado cesto cabea, percorrendo todo o caminho que vai de Saraimoha- na a Banaras? Tendes-lhe averso, por andar esfarrapada e suja? Ou vos sentis cnscio de um sentimento de vergonha, porque andais bem vestido, limpo, bem nutrido, enquanto um outro anda semi-n e tem de trabalhar da

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  • manh noite, entra ano, sai ano? Que que sentis? Um sentimento de comoo interior, por terdes tudo e aquela mulher, nada; ou um sentimento de averso? Talvez estejamos usando impropriamente a palavra averso . Pode ser que, realmente, sintais vergonha de vs mesmo, e da, porque vos sentis envergonhado, o sentimento de repulsa, averso.

    P ergunta : H diferena entre capacidade e inteligncia ?

    KRISHNAMURTI: No achais que h uma grande diferena? Podeis ter muita capacidade, na vossa matria, para passar num exame, para sustentar uma arguio, para argumentar com um colega. Mas podeis ter mdo mdo do que diga o vosso pai, do que diga o vizinho, vosso irmo, ou outro qualquer. Podeis ter muita capacidade e talento e no entanto estar com mdo; e, se tendes mdo, no tendes inteligncia. Vossa capacidade no realmente inteligncia. Quase todos ns, que cursamos as escolas, vamos ficando cada vez mais traquejados e astuciosos, com o passar dos anos, pois para isso que estamos sendo preparados para vencermos um concorrente, nos negcios ou no cmbio negro, para sermos to ambiciosos que o nosso alvo seja sempre o de passar frente dos outros, afast-los do nosso caminho. A inteligncia, porm, coisa inteiramente diversa. um estado em que todo o vosso ser, a totalidade da vossa mente e das vossas emoes, esto integrados num s todo. sse ente humano integrado um ente humano inteligente, e no uma pessoa talentosa.

    P ergunta: O amor depende da beleza e da atrao?

    KRISHNAMURTI: Talvez. muito fcil fazer uma pergunta, mas muito difcil refletir sobre os problemas que

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    a pergunta envolve. Aqule menino perguntou a capacidade diferente da inteligncia? Ora, refletir realmente sbre esta questo, sem esperar uma resposta da minha parte, refletir sbre ela, passo por passo, descobrindo tudo o que a questo envolve, penetr-la completamente isso muito mais importante do que esperar a minha resposta. Tal pergunta indica, no verdade? que s estamos acostumados a que nos digam o que pensar, o que fazer, e no a que se nos ensine a pensar ou fazer alguma coisa. Nunca pensamos de maneira completa nestes problemas; no sabemos pensar.

    Enquanto somos jovens, importante sabermos pensar, e no apenas repetir o que lemos no livro de alguma sumidade; temos de descobrir por ns mesmos a verdade, a significao de todas as coisas que esto implicadas em qualquer problema. Eis a razo por que importantssimo que, enquanto estivermos nesta escola, tdas estas coisas, todos stes problemas sejam considerados, discutidos, para que nossa mente no permanea tacanha, insignificante, trivial.

    P ergunta: Como afastar o sentimento de ansiedade?

    KRISHNAMURTI: Se no tivsseis de fazer exames, tereis ansiedade a respeito dles? Refleti sbre isso, com tda a calma, e vereis. Suponhamos que estamos dando um passeio e conversando a respeito deste problema. H em vs algum sentimento de ansiedade, porque daqui a poucos mses tereis de submeter-vos a exames? Sentis ansiedade, porque, terminados os exames, tereis de lutar pela obteno de um emprego? Sentis essa ansiedade? Vs a sentis, porque tendes de obter emprego. Numa sociedade em que existe a mais acerba competio, em que todos esto procura de alguma coisa e lutando por alguma coisa, vs, como estudante, sois educado desde pequeno

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    numa atmosfera de ansiedade, no exato? Tendes de passar da l.a classe para a 2.a, da 2 a para a 3 a, e assim por diante. E vos tornais, assim, uma parte da estrutura social, no verdade? No isso, porm, o que vamos fazer nesta escola. Vamos criar uma atmosfera em que no tereis ansiedade, em que no tereis exames, em que no sereis comparados uns com os outros. Havemos de cri-la, mesmo com o risco de abrir falncia. Sois importante como ente humano, e nenhum outro mais importante do que vs. Criada uma tal atmosfera, no sero ento inevitveis os exames, e vs estudareis; mais tarde, no vos ser difcil passar nos exames de admisso Universidade, porque fostes um ser inteligente durante todos os anos de escola e de colgio e sereis capazes de estudar com afinco durante quatro ou cinco mses antes dos exames e ser aprovados nles. Quando, depois dos exames finais, sairdes para o mundo, necessitareis de uma ocupao; mas na ocupao que adotardes, nunca sentireis mdo; nunca sentireis mdo de vossos pais nem da vossa sociedade; fareis o que tiverdes vontade de fazer ainda que seja pedir esmolas; jamais sentireis ansiedade.

    Atualmente vossa vida cheia de ansiedades, porque desde a mais tenra infncia estais aprisionados nesta estrutura de competio e ansiedade. Todos queremos bom xito na vida e constantemente se nos diz: vde aqule homem vde o xito que alcanou na vida! Enquanto estiverdes em perseguio do xito, tereis necessriamente ansiedade. Se exerceis, porm, uma ocupao por gostardes dela e no porque quereis xito, no existir ento nenhuma ansiedade. Enquanto desejardes bom xito, enquanto desejardes elevar-vos na escala social, haver sempre ansiedade. Mas se fizerdes uma coisa porque ela vos interessa, porque gostais de faz-la seja ela o que fr: consertar uma roda, pintar quadros ou exercer um cargo administrativo se a fizerdes com gsto e intersse, e

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    no por ambicionardes posio ou xito, nunca haver ansiedade.

    P ergunta: Por que lutamos neste mundof

    KRISHNAMURTI: Por que lutamos? Quereis uma coisa; desejo-a tambm; por isso, lutamos. Tendes muita capacidade e eu no tenho; e lutamos por causa disso. Sois mais belo do que eu, eu acho que devo tambm ser belo, e por isso vivemos a brigar. Sois ambicioso e eu tambm sou; pretendeis um determinado cargo e eu tambm o pretendo e assim por diante. No assim? um nunca acabar de disputas, enquanto ambicionamos algo. muito difcil pr-lhes trmo. Enquanto desejarmos alguma coisa, teremos de lutar. Enquanto disserdes que a ndia o pas mais belo, mais perfeito, mais civilizado do mundo, teremos disputas. Comeamos em pequena escala; desejais um chale e lutais para obt-lo. Esta mesma coisa est sucedendo continuamente no mundo, de diferentes maneiras, em diferentes setores da vida.

    P ergunta : Quando um mestre ou outro superior nos obriga a jazer uma coisa que no desejamos fazer, que devemos jazert

    KRISHNAMURTI: Que fazeis, em geral? Ficais atemorizado e a fazeis. No assim? Mas suponhamos que no tenhais mdo e peais ao superior, ao mestre, que vos explique o que a coisa significa; que aconteceria ento? Suponhamos que digais no de maneira impudente ou desrespeitosa no compreendo porque me obrigais a fazer o que no desejo; por favor, explicai-me por que quereis que eu faa tal coisa . Que aconteceria ento? O que geralmente acontece que o mestre ou o superior se torna impaciente. Dir le: no tenho tempo, ide

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    faz-la . Pode acontecer que o superior ou o mestre reconhea que est sem razo; entretanto diz: ide faz-la porque no refletiu de maneira completa sobre o assunto. Se lhe pedirdes com gentileza, respeitosamente: tende a bondade de dizer-me.. fazeis que o mestre, ou superior, estude o problema junto convosco. Compreendeis? Ento, se perceberdes a razo da coisa, se perceberdes ser justo o que le quer, que o que le diz tem significao, fareis ento a coisa naturalmente, sem compulso. Mas fazer uma coisa que o superior manda, s porque se tem rndo dle, isso no tem significao alguma. Se fazeis a coisa, dizendo: tenho mdo do mestre, continuareis a faz-la, mesmo quando le no esteja presente.

    P ergunta : Se Puja uma forma de imitao, por que o praticamos?

    KRISHNAMURTI: Praticais puja? Por que o praticais?Porque vossos pais o fazem. No pensastes a fundo a seu respeito, no lhe conheceis a significao. Vs o praticais, porque vosso pai ou me ou tia-av o praticam. Ns todos somos assim. Quando algum faz uma coisa, imitmo-lo, esperando da nos advenha algum benefcio. E, assim, pratico puja porque todo o mundo pratica puja. uma forma de imitao. No h nisso nenhuma originalidade. No reflito a tal respeito. Pratico-o, simplesmente, porque espero alguma coisa boa resulte da.

    Pois bem, podeis ver por vs mesmo que quando se repete uma coisa, vzes sobre vzes, a mente se embota. Isto um fato bem bvio, tal como acontece no estudo das matemticas: quando repetimos uma coisa continuamente, ela se torna sem sentido. De modo idntico, um rito continuamente repetido torna-vos a mente embotada. A mente embotada sente-se em segurana. Diz ela: no tenho problemas; Deus est velando por mim; pratico puja; tudo

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    est em perfeita ordem. Mas isso uma mente embotada. A mente embotada no tem problemas. Puja, a repetio constante de um mantram ou de uma palavra qualquer, torna a mente embotada, e isso o que geralmente queremos; queremos, a maioria de ns, estar embotados, para no trmos perturbaes. Se isso benfico ou no, um problema diferente. Sabeis que, pela repetio, pode-se tornar a mente muito tranqila no no sentido vivo, mas no sentido morto; e a mente diz: resolvi o meu problema . A mente morta, embotada, porm, no pode estar livre dos seus problemas. S a mente que est ativa, no entregue imitao, nem ao temor, s essa mente pode encarar bem um problema, e transcend-lo, e ficar livre dle.

    Citais outros, quando no compreendestes um problema. Ldes Shakespeare, Milton, Dickens ou outro qualquer, e tirais uma frase de qualquer deles, dizendo: preciso conhecer a significao desta frase . Mas, se quando estais lendo, procurais compreender as coisas, se no correr da leitura fizerdes uso de vossa mente, neste caso nunca citareis ningum. Colecionar citaes a maneira mais estpida de se aprender.

    P ergunta: Sem risco no h ganho; sem medo no h conscincia; sem conscincia no h desenvolvimento. Que progresso?

    KRISHNAMURTI: Que progresso? Vemos um carro de bois e vemos um avio a jato. A nota-se progresso. O avio a jato percorre 1.300 a 1.500 milhas por hora, e o carro de bois faz umas duas milhas por hora. A, sse respeito h progresso. H progresso em qualquer outro sentido? O homem progride, cientificamente conhece a distncia entre as estrelas e a terra, sabe quebrar o tomo, dirigir um aeroplano, um submarino, medir a velo

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    cidade da terra. Ao longo dessa linha h progresso, evidentemente. Existe progresso em qualquer outra direo? Houve diminuio das guerras? As pessoas so mais bondosas, mais atenciosas, mais belas? Onde est o progresso? H progresso numa direo, e nenhum progresso noutra direo. Dizeis, porm, o risco produzir progresso. Dizemos coisas sem perceber tudo o que elas implicam. Lemos umas certas frases, e alguns estudantes copiam, imitam essas frases, pregam-nas na parede e ficam a repet-las.

    P ergunta: Que a felicidade e como se pode alcan-la?

    KRISHNAMURTI: A felicidade se alcana como um subproduto . Se visais felicidade, no a obtereis. Mas, se estais fazendo uma coisa que achais agradvel, ba, a felicidade vem ento, como um resultado indireto. Se perseguirdes a felicidade, ela sempre vos fugir, nunca se aproximar de vs. Digamos que estejais fazendo uma coisa que gostais muito de fazer pintar, estudar, passear, observar a luz, as sombras, algo que vos faz dizer: como bom fazer isto! encontrais ento a felicidade. Entretanto, se a fizerdes porque desejais ser feliz, no sereis feliz.

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    7 de janeiro de 1954.

  • VH muitos dias vimos falando sbre o temor e as vrias causas que produzem o temor. Acho que uma das coisas mais difceis e que a maioria de ns parece no apreender, o problema do hbito. Em geral, pensamos que, quando somos jovens, devemos cultivar bons hbitos em oposio aos mus hbitos, e esto-nos sempre dizendo o que so bons hbitos e o que so maus hbitos. Somos instruidos constantemente sbre os hbitos que convm cultivar, e os hbitos a que devemos resistir ou que devemos livrar-nos. Quando nos dizem isso, que acontece? Temos os chamados mus hbitos e desejamos ter hbitos bons. E, nessas condies, h uma luta sem trguas entre o que temos e o que deveramos ter. Temos o que se considera serem mus hbitos e pensamos que devemos cultivar hbitos bons. H pois um conflito, uma luta, uma presso constante para os bons hbitos, para mudarmos dos mus hbitos, para os bons hbitos.

    Ora bem, que que achais importante? Os bons hbitos? Se cultivamos hbitos bons, que acontece? Nossa mente se torna mais alertada, mais flexvel, mais sensvel? Afinal de contas, os hbitos implicam, no verdade? um estado contnuo em. que a mente no est sendo perturbada. Se tenho bons hbitos, minha mente no necessita de preocupar-se a respeito dles, e posso pensar noutras coisas. Por isso dizemos que devemos ter bons hbitos. Mas, no processo de cultivar bons hbitos, a mente no se embota, porque est funcionando na rotina do hbito? Se tendes os chamados bons hbitos e deixais a vossa mente funcionar, mover-se sbre sses carris que se eha~

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    mam bons hbitos, a vossa mente no flexvel, ? Ela se tornou rija. O importante, pois, no so os bons hbitos ou os maus hbitos, mas que saibamos pensar. Saber pensar muito mais importante, porque, quando sabemos pensar, quando estamos vigilantes, lcidos, j no h o problema de cultivar bons hbitos. A mente que sabe pensar sensvel e, por conseguinte, capaz de ajustamento; j a mente que est funcionando na rotina do hbito, no sensvel, nem flexvel, nem refletida. Um dos obstculos da mente que medocre, limitada, mesquinha, o estar funcionando sob a influncia do hbito; e uma vez aprisionada no hbito, sobremodo difcil para a mente livrar-se dle. O que mais importa, por conseguinte, no o cultivo de hbitos, bons ou maus, mas que saibamos pensar, no numa dada direo, mas em todos os sentidos. Porque o hbito irreflexo, encaminhada numa determinada direo.

    Espero que estejais compreendendo. provvel que acheis isso um pouco difcil; se , perguntai-o aos vossos mestres, e a prxima vez que eles vos falarem no cultivo de bons hbitos, conversai com eles sobre a matria, no para os envolverdes em argumentao, mas para compreenderdes o que les entendem por bons hbitos .

    Tambm os bons hbitos so irrefletidos. A mente aprisionada no hbito incapaz de pronto ajustamento, pronto raciocnio, vigilncia constante. Saber pensar, no apenas superficialmente, mas profundamente, muito mais importante do que o cultivo dos bons hbitos. A mente uma coisa viva; est escravizada, porm, a vrias formas de hbito, que a tolhem, limitam, controlam, moldam, impelem . A crena, a tradio, so hbitos. Meu pai cr numa coisa e insiste em que eu