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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 254 ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: PANACEIA PARA A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO? 185 ADEQUATE CONFLICT SOLUTION METHODS: PANACEIA FOR THE CRISIS OF THE JUDICIARY? Guilherme Christen Möller 186* Resumo Tendo por objetivo a análise da crise enfrentada pelo Poder Judiciário e os métodos adequados de solução de conflitos como paneceia para este problema, abordar-se-á neste artigo os principais pontos acerca da temática, para tanto, iniciando-se com o estudo acerca do surgimento do direito fundamental ao acesso à Justiça e sua marca até o Direito moderno, seguindo-se para a análise do Código de Processo Civil de 2015 e os métodos adequados de resolução de conflitos, e, ao fim, estudando-se a temática deste trabalho, seriam os métodos adequados de resolução de conflitos a panaceia para a crise do Poder Judiciário? Por meio dessa perspectiva, conclui-se que os métodos adequados de solução de conflitos devem ser vistos como sendo uma das formas de resolver o conflito, não devendo ser encarado como o remédio para resolver a crise que o Poder Judiciário enfrenta. Palavras-chave: Solução de conflitos. Meios adequados. Panaceia. Efetividade. Tutela jurisdicional. Abstract With the objective of analyzing the crisis faced by the Judiciary and the adequate methods of conflict resolution as a panacea for this problem, the main points about the 185 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de analise em 09/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017. 186 Graduando em Direito da Fundação Universitária Regional de Blumenau – FURB, localizada na cidade de Blumenau, no Estado de Santa Catarina. Brasil. Mediador Judicial capacitado pela Academia Judicial do Estado de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 254

ANAIS DO

SIMPÓSIO BRASILEIRO

DE PROCESSO

CIVIL

MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: PANACEIA PARA A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO?185

ADEQUATE CONFLICT SOLUTION METHODS: PANACEIA FOR THECRISIS OF THE JUDICIARY?

Guilherme Christen Möller186*

ResumoTendo por objetivo a análise da crise enfrentada pelo Poder Judiciário e os

métodos adequados de solução de conflitos como paneceia para este problema, abordar-se-á neste artigo os principais pontos acerca da temática, para tanto, iniciando-se com o estudo acerca do surgimento do direito fundamental ao acesso à Justiça e sua marca até o Direito moderno, seguindo-se para a análise do Código de Processo Civil de 2015 e os métodos adequados de resolução de conflitos, e, ao fim, estudando-se a temática deste trabalho, seriam os métodos adequados de resolução de conflitos a panaceia para a crise do Poder Judiciário? Por meio dessa perspectiva, conclui-se que os métodos adequados de solução de conflitos devem ser vistos como sendo uma das formas de resolver o conflito, não devendo ser encarado como o remédio para resolver a crise que o Poder Judiciário enfrenta.

Palavras-chave: Solução de conflitos. Meios adequados. Panaceia. Efetividade. Tutela jurisdicional.

Abstract With the objective of analyzing the crisis faced by the Judiciary and the adequate

methods of conflict resolution as a panacea for this problem, the main points about the

185 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de analise em 09/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017.

186 Graduando em Direito da Fundação Universitária Regional de Blumenau – FURB, localizada na cidade de Blumenau, no Estado de Santa Catarina. Brasil. Mediador Judicial capacitado pela Academia Judicial do Estado de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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subject will be discussed in this article, starting with the study about the emergence of the fundamental right to access to Justice and its mark up to modern law, followed for the analysis of the Code of Civil Procedure of 2015 and the appropriate methods of conflict resolution, and, finally, studying the theme of this work, would the appropriate methods of conflict resolution be the panacea for the crisis of the Judiciary? From this perspective, it is concluded that adequate methods of conflict resolution should be seen as one of the ways to resolve the conflict, and should not be seen as the remedy to solve the crisis that the Judiciary faces.

Keywords: Conflict resolution. Suitable means. Panacea. Effectiveness. Judicial protection.

Sumário

I – Introdução; II – A crise do Poder Judiciário brasileiro e a visão contemporânea do Direito Processual Civil; II.I – O direito fundamental ao acesso à Justiça: Uma análise da democratização brasileira até o atual panorama do Direito brasileiro; II.II – O Código de Processo Civil de 2015 e os métodos adequados de solução de conflitos; II.III – A crise do Poder Judiciário brasileiro e os métodos adequados de resolução de conflitos como sua panaceia; III – Conclusão; Referências Bibliográficas.

I – introdução

No ano de 2015 o Poder Judiciário brasileiro chegou à marca de cem milhões de processos em tramitação. Essa marca representa, para o Brasil, uma crise desse Poder Estatal.

Essa marca é um reflexo de toda uma construção cultural acerca da “terceirização do litígio”, de modo a enxergar na jurisdição a única forma de resolução dos problemas do Estado com o particular e do particular com o particular.

Por meio de um avanço na democracia brasileira, com o avanço de pensamentos e incentivos de políticas públicas para a resolução dos conflitos de forma “congruente”, métodos tratados como secundários e alternativos, os quais permaneceram à margem da sociedade desde antes mesmo da vigência do Código de Processo Civil de 1939, passam a desfrutar de uma força e incentivo nunca visto, ainda mais com a vigência de um novo diploma processual civil, o Código de Processo Civil de 2015, o qual possui como um de seus pilares a resolução pacífica da lide.

Desta forma, muito se cogita acerca da efetividade desses métodos adequados de solução de conflitos para afrontar o modelo clássico de terceirização do litígio, com a consequente diminuição das demandas processuais em tramitação e as que por ventura possam ser propostas. Essa visão enxerga esses métodos como sendo uma suposta “panaceia” para essa crise.

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Porém, seria essa a proposta adotada pelo Novo Código de Processo Civil? Desta forma, este artigo científico busca estudar essa questão, analisando os principais pontos acerca de temática, como a evolução ao direito fundamental ao acesso à Justiça, a proposta do Novo Código de Processo Civil e esses métodos adequados de solução de conflitos, e, se a alegação de que seriam eles uma panaceia para a crise do Poder Judiciário merece prosperar.

Nesta senda, justifica-se, este artigo científico, dada a fragilidade em que o Poder Judiciário se contra e a divergência de entendimentos para com a finalidade dos métodos adequados de solução de conflitos.

A metodologia para o desenvolvimento desta pesquisa será bibliográfica, para que as opiniões dos autores possam ser refletidas e os dispositivos legais interpretados e comparados.

O objetivo deste trabalho é analisar se efetivamente as outras formas que não sejam a jurisdição devam ser encaradas como sendo a solução para resolver o atual problema em que o Poder Judiciário se encontra.

II – A crise do poder judiciário brasileiro e a visão contemporânea do direito processual civil

II.I – o direito fundamental ao acesso à justiça: uma análise da democratização brasileira até o atual panorama do direito brasileiro

A Constituição Federal de 1988 assegura a todo e qualquer cidadão, sem qualquer distinção, o acesso à justiça187, ocorre que esse pilar do ordenamento jurídico brasileiro é relativamente recente no panorama jurídico, sendo que é fruto de várias lutas por democracia. Para que se fosse possível que a Constituição Federal de 1988 concebesse a garantia do acesso à justiça, um longo percurso fora percorrido.

O Brasil é um país marcado por diversos momentos de autoritarismo, porém, sendo dois de suma importância para a formação do que conhecemos por Direito

187 Analisando-se a Consideração Federal de 1988, é possível extrair do Art. 5º, inciso XXXV, o seguinte texto: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 5º, inciso XXXV.

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contemporâneo e seus ideais188, são esses momentos a Era Vargas e a Ditadura Militar. Forte traço em ambos os períodos é a busca pela democracia após o término desses modos autoritários.

Veja-se, no mesmo ano em que terminava a Era Vargas, terminava, no outro lado do mundo, a segunda maior guerra da história, a Segunda Guerra Mundial.

O estopim para esse período de democratização brasileira encontra-se no ano de 1945. Marca-se, esse ano, por ocorrer uma grande contradição na nação brasileira. O Brasil havia sido inserido nas relações internacionais e participado minimamente na Segunda Guerra Mundial, porém, atenta-se ao fato de que essa participação na guerra trouxe um sentimento contraditório à população brasileira, colocando em choque o sentimento da luta pela democracia que estava ocorrendo na Europa, o qual era acompanhado pelo povo brasileiro, e a concordância ao autoritarismo que estava ocorrendo no Brasil.

Essa contradição foi o principal fator de influência em perspectivas constitucionais, resultando-se na ruptura da Era Vargas e, a principal luta da época, a instituição de uma democracia em solo brasileiro, sendo resultante dessa à elaboração de uma nova Constituição, a Constituição de 1946, a qual veio a ser promulgada em 18 de setembro daquele mesmo ano.189

Nasce, nesse momento de grandes alterações, o ideário nacional-desenvolvimentista no Brasil, de modo que os ideias liberais poderiam auxiliar no desenvolvimento do capitalismo no plano nacional.190

Eurico Gaspar Dutra assume a presidência do Brasil em janeiro de 1946, ano subsequente ao término da Era Vargas e à Segunda Guerra Mundial. O foco inicial do governo de Dutra é a edificação de uma Constituição pautada em princípios liberal-democráticos, de modo que se adotou a forma federativa, e, distribui-se para os entes federativos determinadas funções. Além disso, dividiu-se de forma equitativa

188 O professor Luís Roberto Barroso (Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, 2006) ensina que se está vivendo um Neoconstitucionalismo, do qual decorre outro fenômeno denominado de constitucionalização do Direito, uma das principais características do Direito contemporâneo. Além disso, Fredie Didier Júnior (Curso de Direito processual civil. 17. Ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1, p. 39-42) elenca quatro principais características do pensamento jurídico contemporâneo: 1) Reconhecimento da força normativa da Constituição; 2) Desenvolvimento da teoria dos princípios; 3) Transformação da hermenêutica jurídica; e 4) Expansão e consagração dos direitos fundamentais.

189 AGUIAR, Renan; MACIEL, José Fabio Rodrigues. História do Direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 305.

190 BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita; OLIVEIRA, Cristina Godoy Bernardo de. Introdução à história do Direito. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 172.

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os Poderes Estatais para como o Executivo, Legislativo e Judiciário.191

A democracia que tanto se almejava, agora já era realidade, tão realidade que até questões como o voto passaram a ser obrigatório, diferentemente do que ocorria em 1934. A Constituição de 1946, o principal símbolo da democracia após a Era Vargas, possuía traços do liberalismo e da democracia, sendo que era fundada em valores que fortaleciam a presença do Estado por intermédio da conexão entre líder e massas.192

Ocorre que essa nova forma de Estado ocasionou entre 1945 até 1964 constantes confrontos de interesses políticos entre os, de um lado, operários urbanos, lutando por maiores participações políticas e melhorias em suas vidas, de outro lado, a elite da época, os quais não estavam acostumados a serem afrontados no campo da política. 193 Questões como o indeferimento da Emenda Constitucional que se referia à imediata desapropriação de terras sem prévia indenização, corroboraram no terror presenciado àquela época.194 O cenário político estava um caos, tornando esse período uma experiência democrática não absoluta.

Frente à todas agitações e manifestações que ocorriam no Brasil, o grupo militar iniciou um processo de organização com fim de uma intervenção defensiva, tendo, porém, não surgido do nada, bem como não sendo fruto de uma preocupação momentânea por parte deles. Esse movimento tem origem do resultado de uma longa instabilidade institucional que assombrava o país desde décadas que lhe antecedeu.195

Desta forma, em 31 de março do ano de 1946, os militares fizeram o pronunciamento da implantação da Ditadura no dia seguinte, tendo, no Brasil, ocorrendo a falência da democracia pretendida pela Constituição Federal de 1946 e a retomada do autoritarismo, porém, agora pelos militares.

Obstante ao processo de intervenção defensivo, a mentalidade militar daquele período era clara, o inimigo não era apenas o estrangeiro, mas sim eram aqueles que colocassem a ordem do país em risco, em especial os comunistas.196

191 BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita; OLIVEIRA, Cristina Godoy Bernardo de. Introdução à história do Direito. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 172.

192 BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita; OLIVEIRA, Cristina Godoy Bernardo de. Introdução à história do Direito. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 173.

193 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 522-523.

194 BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita; OLIVEIRA, Cristina Godoy Bernardo de. Introdução à história do Direito. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 173.

195 BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita; OLIVEIRA, Cristina Godoy Bernardo de. In-trodução à história do Direito. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 173-174.

196 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 524.

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Assim, a democracia fora friamente interrompida por intermédio de um golpe e pausada pelos próximos vinte e um anos.197

Instaurado o regime militar, João Goulart, último presidente antes da ditadura, foi deposto de forma totalmente arbitrária, de modo que a nação brasileira ficou sem um chefe do Poder Executivo, bem como sem seu substituto legal, o que, segundo a Constituição de 1946, resultaria em novas eleições.

Porém, enquanto políticos discutiam acerca do destino de Goulart, a pressão dos militares, entre eles, era a limpa do Poder Legislativo, uma vez que consideravam que existiam pessoas que eram inaceitáveis exercendo aqueles cargos, pretensão que conseguiram seis dias após o golpe, por intermédio de seus ministros, obtendo a legislação para dar poderes para a expurgação desses membros do legislativo.198

Com esses amplos poderes que os militares agora detinham, ignoraram atos de emergência e publicaram o primeiro Ato Institucional, o qual possuía força maior que a Constituição Federal, inclusive, força que todos os demais atos sequentes detinham.199 O primeiro ato possuía caráter totalmente antidemocrático e que marcou, de fato, o início do Regime Militar no Brasil. Iniciou-se uma época no Brasil em que era necessário justificar atos, reinventar palavras e, principalmente, legislar além da constitucionalidade.200

Além do primeiro ato, pode-se destacar outros quatro AI201, qual seja AI-2, AI-3, AI-4, tendo, porém, maior relevância o AI-5.

197 SOARES, Gláucio Ary Dillon. A democracia interrompida. Rio de Janeiro: FGV, 2001.198 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2016, p. 526.199 Para Luís Roberto Barroso (Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo

Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, 2006, p. 29) a Constituição, na história brasileira, sempre desfrutou de supremacia formal, porém, era a supremacia material que em alguns períodos lhe faltava, como é o caso da Ditadura Militar, porquanto os atos daquele regime possuíam força superior àquela, quando, caso ela fosse detentora dessa supremacia material, em hipótese alguma poderia ocorrer. A supremacia material, entretanto, foi alcançada por esse documento apenas em 1988 com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

200 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 526-528.

201 A sigla AI corresponde ao termo Ato Institucional. “Receberam o nome de Ato Institucional uma série de normas arbitrárias editadas à época do regime de exceção instalado pelos militares no Brasil em 1964, e que tinham por objetivo fazer prevalecer o controle dos militares ante às instituições legais do país, procurando dar uma aparência de legalidade aos atos arbitrários que iam sendo realizados em nome da chamada Revolução. Além de seus conteúdos arbitrários, os AIs eram aprovados sem qualquer consulta popular ou legislativa. Foram editados ao todo 17 atos institucionais no curto período entre 1964 e 1969, sendo que os responsáveis pelas suas edições eram os comandantes-em-chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, ou mesmo o próprio Presidente da República, com respaldo dado pelo Conselho de Segurança Nacional. (SANTIAGO, Emerson. Atos institucionais. 2011. Disponível em: http://www.infoescola.com/ditadura-militar/atos-institucionais/. Acesso em: 19 de fev. 2017).

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AI-5 é conhecido por ser o ato mais severo de todos, vez que, em suma, esse ato concedia, a pessoa que estivesse na chefia do Poder Executivo, todo e qualquer poder, com ressalvas ao que não estava previsto, ou seja, nessa linha, o Presidente detinha poder, inclusive, sobre outros Poderes, como é o caso do domínio sobre os legislativos federais, estaduais e municipais. Assim, atrelando-se ao fator de que as eleições para o cargo de Presidente eram indiretas, a pessoa que exercesse tal cargo estaria submissa às vontades dos militares, em outras palavras, os militares teriam todo e qualquer poder para realizar o que bem entendesse, principalmente, em nível jurídico. A Ditadura foi agravada para um regime nunca antes visto, inclusive, regime inominado.202

O AI-5 trouxe grande choque à população brasileira, de modo que, como resposta ao ato, a partir de 1978, último ano em que o General Ernesto Geisel era o Presidente do Brasil, movimentos populares em busca de democracia ressurgiram no país.203

Pode-se considerar as greves dos metalúrgicos do Estado de São Paulo como marco inicial para as reformas democráticas que estava para acontecer no Brasil, mesmo que a legislação da época vetasse o exercício de greve e os líderes das greves tivessem ido presos, esses movimentos representaram resistência contra os militares.204

O regime militar tornava-se cada vez mais impopular, enquanto os movimentos populares cresciam em uma grande escala, fator que encurralou o governo militar e o deixou sem saídas, poderia protelar a redemocratização, mas era uma certeza de que ela ocorreria em breve.205

Essa redemocratização almejada por parte do povo brasileiro está representada em diversos momentos, como é o caso do movimento do ano de 1983, quando ocorreram as “Diretas Já!”, movimento que objetivava o fim da eleição indireta para Presidente e a retomada do sistema direto, porém, tal movimento foi derrotado no congresso.206

O Brasil voltou a ter esperanças para a democracia com a vitória da oposição na eleição para Presidente, ocasião em que se elegeu um civil e não mais um militar. O presidente eleito acabou por falecer diante de problemas de saúde, tendo seu vice

202 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 549-551

203 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 526-528.

204 MARCOS, Rui de Figueiredo; MATHIAS, Carlos Fernando; NORONHA, Ibsen. História do Direito brasileiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 477-487.

205 MARCOS, Rui de Figueiredo; MATHIAS, Carlos Fernando; NORONHA, Ibsen. História do Direito brasileiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 477-487.

206 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 526-528.

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tomado posse do cargo de Presidente do Brasil, José Sarney.207

Diante de todo esse contexto fático, o Brasil caminhou para a elaboração de uma nova Constituição Federal, a qual fora promulgada no ano de 1988, Constituição que representou a redemocratização almejada pela população brasileira e pode-se ver seus reflexos nos dias atuais, inclusive, com a crescente democratização política e jurídica do Direito e da sociedade brasileira.208

A democracia alcançada pela Constituição Federal de 1988 jamais fora vista em solo brasileiro, algo ímpar e inédito. Diferente não é no tocante ao acesso à justiça, sendo que sua incorporação pela Constituição Federal se deu apenas pelo cenário democrático que se vivia quando de sua promulgação. Em sentido inverso, seria ilógico esse amplo acesso em um regime autoritário.

Porém, marca-se este período por um outro fenômeno, decorrente da redemocratização brasileira e, principalmente, da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Neoconstitucionalismo, isso em uma perspectiva histórica.209

O fenômeno do Neoconstitucionalismo é, sem dúvida, forte aliado para os Estados Democráticos de Direito, aliás, como ensina o professor Luís Roberto Barroso210, essa organização política surgiu justamente da aproximação entre constitucionalismo e democracia, apesar de já ter sido previamente idealizada por outros pensadores do Direito.

Tal fenômeno pode ser definido como um novo direito constitucional, surgido a partir do século XX, sendo esse fruto de mudanças de paradigmas contidas em estudos doutrinários e jurisprudenciais, de modo a enxergarem a Constituição como centro da hermenêutica jurídica.211

Além do marco histórico, guarda-se, aqui, pertinência em mencionar, de forma sucinta, os marcos filosófico e teórico. Enquanto no marco filosófico entender-se estar passando por um pós-positivismo212, o marco teórico, por sua vez, refere-se

207 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 526-528.

208 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 526-528.

209 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, 2006, p. 3.

210 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, 2006, p. 3.

211 BARROSO. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ. 2006, p. 3-15.

212 BARROSO. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ. 2006, p. 5.

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ao reconhecimento da força normativa da Constituição213, da expansão da jurisdição constitucional, o que acaba por impulsionar a uma nova interpretação Constitucional.214

O Neoconstitucionalismo desencadeia um outro fenômeno, o qual recebe a denominação de “constitucionalização do Direito”215. Para BARROSO216, “trata-se de fenômeno iniciado, de certa forma, com a Constituição portuguesa de 1976, continuado pela Constituição espanhola de 1978 e levado ao extremo pela Constituição brasileira de 1988”.

A ideia de constitucionalização do Direito deve ser associada a um efeito expansivo das próprias normas constitucionais, de modo que seu conteúdo material e axiológico se irradia por todo o sistema jurídico com força normativa. Assim, os fins públicos, os valores e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição são responsáveis por condicionar a validade, bem como, o sentido de todas as normas do Direito infraconstitucional.217

Nessa seara de reconstitucionalização brasileira e, em especial, da constitucionalização de direitos fundamentais, o direito ao acesso à justiça renasce, ou melhor, nasce, vez que, como alhures dito, a democracia concebida pela Constituição Federal de 1988 aos cidadãos brasileiros jamais fora anteriormente observada. Possibilitou-se com este grande avanço dogmático uma maior busca pelo Poder Judiciário e pela tutela jurisdicional.

Sob a Constituição de 1988, aumentou de maneira significativa a demanda por justiça na sociedade brasileira. Em primeiro lugar, pela redescoberta da cidadania e pela conscientização das pessoas em relação aos próprios direitos. Em seguida, pela circunstância de haver o texto constitucional criado novos direitos, introduzido novas ações e ampliado a legitimação ativa para tutela de interesses, mediante

213 Sobre, ver: HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor. 1991.

214 BARROSO. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ. 2006, p. 6-15.

215 Ensina, Luís Roberto Barroso (Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ. 2006) que além dessa nomenclatura ser relativamente recente na terminologia jurídica, é um termo polissémico. A exemplo, com essa expressão é possível entender-se que, por exemplo, poderia caracterizar qualquer ordenamento jurídico em que vigorasse uma Constituição dotada de supremacia. Porém, como a Constituição, em grande parte dos ordenamentos jurídicos mundiais, possuí essa característica, faltaria especificidade à expressão. Assim, a constitucionalização do Direito não deve ser compreendida dessa forma. Além disso, haveria a possibilidade, ainda, da interpretação do fenômeno para identificar que a Constituição possuí diversos temas relacionado aos ramos infraconstitucionais do Direito em seu texto.

216 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, 2006, p. 16.

217 BARROSO. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ. 2006, p. 16.

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representação ou substituição processual.218

A tutela jurisdicional perseguida, porém, não pode ser compreendida como a mera proclamação de direitos, vez que a proposta do acesso à justiça na concepção do sistema jurídico moderno e igualitário é a de garantir os direitos de todos.219

Não basta proporcionar ao jurisdicionado o acesso ao Poder Judiciário sem que sejam conferidas as mínimas e satisfatórias condições à justa composição do conflito pelo Estado.220

Portanto, em uma visão contemporânea de processo, o direito fundamental ao acesso à justiça deve ser analisado e interpretado como uma interligação entre processo e Justiça social.221

Trata-se, dessa forma, de um direito fundamental que se revela como uma questão de cidadania, de modo que, para a sua fiel compreensão, é necessário a mudança de mentalidade, “de sorte a impor a superação de sua dimensão estritamente técnica e a adentrar a eficiência da instrumentalidade”.222

Assim, no atual Estado Democrático de Direito que é o Brasil, considerando a forte luta por democracia que se teve em solo pátrio no último século, pode-se concluir que o acesso à justiça no atual panorama brasileiro garante muito mais do que o mero ingresso em juízo e a mera formulação de pedido ao Poder Judiciário ao jurisdicionado, garante, porém, o direito a uma tutela justa, adequada ao plano material223 e efetiva, inclusive as diretrizes tomadas pelo Código de Processo Civil de

218 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, 2006, p. 44.

219 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 12.

220 CARACIOLA, Andrea Boari; FERNANDES, Luis Eduardo Simardi; SOUZA, André Pagani de. Princípios informadores do Direito Processual Civil. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 60.

221 CARACIOLA, Andrea Boari; FERNANDES, Luis Eduardo Simardi; SOUZA, André Pagani de. Princípios informadores do Direito Processual Civil. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 60.

222 CARACIOLA, Andrea Boari; FERNANDES, Luis Eduardo Simardi; SOUZA, André Pagani de. Princípios informadores do Direito Processual Civil. In: Teoria Geral do Processo Contemporâ-neo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 61.

223 Nas lições de Francesco Carnelutti (Profilo dei rapporti tra diritto e processo. Rivista di Diritto Processuale, ano 35, n. 4, p. 64): “tra diritto e processo existe um rapporto logico circolare: il processo serve al diritto, ma affinchè serva al diritto deve essere servitto dal diritto”, o que significa dizer, na sua tradução, que entre o direito material e o processo existe uma relação circular, sendo que o processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele. O tema de relação entre direito material e direito processual tem estado cada vez mais em pauta no cenário contemporâneo do Direito, isso por uma razão, inobstante a autonomia que ambos possuem, um depende do outro, vez que o direito material projeta, faz planos e idealiza, enquanto cabe ao direito processual pôr em prática.

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2015 correspondem a esta visão.224

II.II – o código de processo civil de 2015 e os métodos adequados de solução de conflitos

Em 2015 o Brasil registrou a marca de cem milhões de processos em tramite no Poder Judiciário em um caráter lato sensu225. Essa “conquista” se deu justamente pela mentalidade da população em como tratar o conflito.

Analisando-se friamente os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, uma semelhança encontrada mora justamente no fator de como tratam a questão do meio para a resolução do conflito, com ressalvas superficiais ao último código.

No Código de Processo Civil de 1939, por exemplo, analisando-se por inteiro, não é possível vislumbrar qualquer disposição que incentive os litigantes ao acordo, ou até mesmo qualquer instituto naquele que vise a destinação de algum ato processual para que as partes pudessem estar uma a frente doutra com o intuito de conversarem.

O Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, até regula226 a questão do incentivo por outros métodos para a resolução de conflitos que não seja o julgamento 224 O direito fundamental ao acesso à justiça desencadeia outros tantos preceitos fundamentais,

como, a exemplo, a efetividade jurisdicional (Art. 4º do CPC), efetivo contraditório (Art. 7º do CPC), ampla defesa (Art. 9º do CPC), tempestividade na prestação da tutela jurisdicional e adequação (Art. 4º do CPC), dentre tantas outras garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal de 1988 e corroboradas pelo Código de Processo Civil de 2015, em atenção ao disposto em seu art. 1º. Além de CARACIOLA, Andrea Boari; FERNANDES, Luis Eduardo Simardi & SOUZA, André Pagani de (Princípios informadores do Direito Processual Civil. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016), acompanham a mesma linha de raciocínio do fechamento deste tópico DINAMARCO, Cândido Rangel & LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho (Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2016), THEODORO JÚNIOR, Humberto (Curso de Direito Processual Civil. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016), GRECO, Leonardo. Justiça civil, acesso à justiça e garantias. In:ARMELIN, Donaldo (coord.), Tutelas de urgência e cautelares. São Paulo: Saraiva, 2010), DIDIER JÚNIOR, Fredie (Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v.1), WATANABE, Kazuo (Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cãndido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.) Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988), DONIZETTI, Elpídio (Curso didático de Direito Processual Civil. 19. Ed. São Paulo: Atlas, 2016).

225 CONJUR – Consultor Jurídico. Brasil atinge a marca de 100 milhões de processos em tramitação na Justiça. 2015. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-15/brasil-atinge-marca-100-milhoes-processos-tramitacao. Acesso em: 19 de fev. 2017.

226 Pode-se, por exemplo, sustentar essa alegação com o art. 125, inc. IV, da Lei n° 5.869/1973, a qual aduz que: “Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”. Assim, diferentemente do diploma processual anterior, o Código de 1973 faz previsões e norteia o julgador para, quando possível, tentar conciliar as partes. Há, entretanto, de se considerar que essa disposição foi inserida apenas vinte anos após a vigência da redação primária do CPC/73 pela Lei nº 8.952/94. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 125, inciso IV.

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do representante estatal, porém, a louvável melhoria nesse tocante com relação a este código não passa de algo inócuo, porquanto da despreparação das pessoas que buscassem a realizar os atos processuais destinados para buscar uma conciliação entre as partes. Mais do que isso, o problema começa pelo fato de como os juízes encaram esses métodos, de modo que é corriqueiro analisar no cotidiano forense audiências de conciliação com meros cinco minutos, se não menos.

A mentalidade da população brasileira enxerga no processo o único meio possível para a resolução dos seus conflitos. Pensando-se em uma perspectiva cultural, esse pensamento não se dá por exclusividade deles, mas sim pelo pensamento litigante do contexto social em que foram criados.

Somando-se essa cultura do litígio com a redemocratização brasileira ocorrida após 1985, e, corroborada pela promulgação da Constituição Federal de 1988, o excesso de processos no Poder Judiciário brasileiro é uma previsão mais que óbvia, admira-se que essa marca tenha sido atingida apenas em 2015.

Quando se pensa em conflito, esse, porém, não surgiu apenas no último século (tampouco nas últimas décadas em que ocorreu a democratização e redemocratização brasileira), na realidade ele é tão antigo quanto a própria humanidade.227

Em breves linhas, destaca-se que antes mesmo da judicialização dos conflitos entre particulares, ou seja, o nascimento da jurisdição, o conflito percorreu um grande percurso, aventurando-se em formas alternativas para a sua resolução.

A exemplo disso, em um primeiro momento da humanidade, surgiu-se o que se conhece por “Autotutela”, ou seja, instituto que pode ser representado por aquele famoso jargão “fazer justiça com as próprias mãos”. Ocorre que muito se questionava acerca da efetividade esperada para essa forma de dirimir conflitos, vez que em muitos casos os mais fracos fisicamente seriam privados da “justiça”, se é que ela existia naquele primeiro período. “É fácil concluir que aquele que foi privado de um bem ou teve um interesse não atendido em razão da atitude violenta da outra parte ficará insatisfeito e tão logo tenha oportunidade irá procurar retomar aquilo que lhe foi tirado”.228

A ineficiência da autotutela remete a solução do conflito a outra forma de tratamento, a “Autocomposição”, uma forma altruísta de dirimir o conflito, pautando-se na premissa de que um (ou ambos) conflitante(s) ter de abrir mão do seu próprio interesse em prol da outra pessoa. Na realidade, esse sistema possui uma subdivisão

227 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 7.

228 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 7-8.

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em outras três espécies, da qual ele é gênero, a renúncia, a submissão e a transação229. Observando-se sumariamente, esse sistema demonstra ser uma grande evolução em relação ao sistema anterior, porém, apresentava dois problemas fundamentais, a desequiparação no altruísmo esperado pelo sistema ao da humanidade naquele período, e o receio das consequências do exercício da autotutela.230

Dada a ineficiência de ambos os sistemas, surge um novo sistema, a “Arbitragem”. A arbitragem nada mais é do que um meio de heterocomposição, porquanto da necessidade de envolver-se um terceiro para a resolução do conflito existente. Esse terceiro recebe a denominação de árbitro e esse papel era, nas antigas sociedades, exercido por uma pessoa que detinha respeito da comunidade. A imparcialidade do julgador nasce neste momento dessa evolução histórica. Inicialmente, a arbitragem era particular e facultativa, e, além disso, mesmo com a decisão do árbitro, não havia certeza no seu cumprimento.

Cândido Rangel Dinamarco, por exemplo, explica que a sistemática da atuação do Poder Judiciário atual nada mais é do que a evolução do instituto da arbitragem, vez que essa tornou-se obrigatória com o passar do tempo, de modo a caber ao Estado a resolução dos conflitos entre particulares.231

Retoma-se ao ponto de partida. Como passou a ser do Estado o dever de resolver os conflitos existentes entre os particulares (e em alguns casos, conflitos entre entes públicos e particulares, fora quando os próprios entes públicos litigam entre si), os meios pelos quais eles possam ser resolvidos acabam sendo influenciados por todo um contexto fático, especialmente pelas regras de tramite dessa resolução nesse Poder Público, no caso, o Código de Processo Civil. Em outras palavras, pode-se pensar, nessa linha de raciocínio, que o próprio Estado influencia na forma de resolução dos conflitos, vez que a tarefa de disciplinar a forma como os conflitos serão resolvidos cabe a um de seus Poderes, o Poder Legislativo (se não a todos, mesmo que de forma indireta).

Alhures observou-se que a visão de litigiosidade na história do sistema processual brasileiro era demasiadamente superior a consensualidade, inclusive, em estágios que essa última sequer existia.

229 Nas lições de Luis Eduardo SImardi Fernandes (Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 8), a renúncia pode ser definida como a desistência da exigência feita por aquele que formulava a pretensão. A submissão, por sua vez, associa-se ao desinteresse na resistência à pretensão. A transação, por fim, define-se como sendo um instituto de mútuo sacrifício, de modo que para chegar-se ao acordo, ambos os envolvidos desistiam em parte de algo.

230 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 8.

231 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 27.

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Pensa-se, dessa forma, que o resultado atingido no ano de 2015232 nada mais é do que um reflexo de má exploração pelo Estado de outros meios para a resolução de conflitos que não fosse o julgamento por um terceiro, no caso atual, do Estado-juiz, sendo que a população tem parcela mínima de culpa nessa crise presenciada pelo Poder Judiciário, vez que as leis que estavam à eles disponíveis os remetiam a almejar o processo como exclusividade na resolução de conflitos, descartando outros meios tão efetivos quanto a jurisdição.

Viu-se acima que existem outros métodos além da arbitragem (no caso, jurisdição233) para a resolução de conflitos e é nessa linha que o Novo Código de Processo Civil se desenvolve.234

Inclusive, há de se destacar que no mesmo ano em que se atingiu esse marco histórico sobre a quantidade de processos tramitando no Brasil, foi aprovado e sancionado esse novo diploma legal, possuindo, dentre suas tantas características inovadoras, um ar versátil acerca da forma de resolver o conflito. Sustenta a afirmação retro nos parágrafos do artigo 3º do Código de Processo Civil de 2015235.

Porém, antes de avançar-se, é necessário delimitar que na visão contemporânea de processo, corroborando-se pelo Código de Processo Civil de 2015, admite-se além da jurisdição, a arbitragem e a autocomposição como meios para a resolução de conflitos, sendo os dois últimos denominados como “meios alternativos

232 Refere-se aos cem milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário brasileiro233 “À função de compor os litígios, de declarar e realizar o Direito, dá-se o nome de jurisdição”

(DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 91). A jurisdição pode, de maneira nada aprofundada, ser pensada como sendo o instituto da arbitragem de modo público, no qual o terceiro responsável por seu julgamento seria o Estado-juiz e não o árbitro.

234 Ressalva-se com relação à autotutela, vez que é legalmente proibida em nosso ordenamento, salvo quando houver permissão para tal, conforme é possível extrair da redação do art. 345, caput, do Código Penal: “Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. Tal disposição é classificada como exercício arbitrário das próprias razões e é vedado tanto na esfera penal, quanto na cível. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 345, caput.

235 Analisando-se o Código de Processo Civil de 2015, é possível extrair do Art. 3º, §§ 1-3, o seguinte texto: “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 3º, §§ 1-3.

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de solução de conflitos”236, já que o primeiro é o meio assegurado pelo Estado com relação aos interesses das partes, inclusive, é a redação do caput, do art. 3º, do Código de Processo Civil237.

A autocomposição hoje em dia é totalmente diferente daquela vista agora acima. A perspectiva esperada é de maior altruísmo entre os conflitantes, já que o cenário jurídico e social brasileiro em pleno 2016 possuí capacidade para tal e é completamente diverso daquele em que este instituto surgiu, ainda mais que a preocupação com a autotutela ficou à beirada da sociedade, pois além de constituir crime – salvo quando admitida legalmente238 – (Art. 345 do Código Penal), o Estado promove obrigatoriamente a proteção dos interesses dos conflitantes.239

Em um ponto de vista de efetividade na solução dos litígios, a autocomposição é significantemente vantajosa, isso quando se tratando de direitos disponíveis, vez que se tratando de direitos indisponíveis, até pode de ocorrer uma autocomposição, porém, está submissa a fiscalização estatal, de modo a não operar em cem por cento a vontade das partes.240

Nessa visão moderna de autocomposição, sendo bilateral, pode ser subdividida em negociação, conciliação e mediação.

A negociação está associada a uma tentativa entre as partes de acordar acerca de um conflito sem a necessidade da intervenção de um terceiro para auxiliá-las

236 Por “meios alternativos de resolução de conflitos” é possível associar-se a uma ideia de subsidiariedade de tais meios, como ensina Daniel Amorim Assumpção Neves (Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 8), de modo a demonstrar que haveria uma polissemia em seu sentido, porém, não é aqui o sentido proposto para tal termo, mas sim o de outros meios para dirimir o conflito que não seja a jurisdição.

237 Analisando-se o Código de Processo Civil de 2015, é possível extrair do Art. 3º, caput, o seguinte texto: “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Trata-se do princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou acesso à justiça, uma cópia de grande valia do texto constitucional, conforme é possível observar no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 3º, caput.

238 Um exemplo de autotutela está no art. 1.283 do Código Civil, direito de vizinhança, quando autoriza um vizinho a cortar raízes e ramos de árvores de área limítrofe que invadam o seu terreno.

239 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 12.

240 Exemplifica-se. Tratando-se de um pleito visando a cobrança de aluguel, em regra essa cobrança é um direito disponível, de modo a poder ser submissa ao instituto da autocomposição e operar soberanamente a vontade das partes. Diferente, por exemplo, seria caso essa cobrança não fosse oriunda de um contrato de aluguel, mas sim de um débito alimentício. Por mais que possa ser submetido tal conflito ao instituto da autocomposição, a vontade das partes está submissa à vontade do estado, vez que, caso o Ministério Público entenda por inviável o acordo entabulado pelas partes, sua manifestação na qualidade de fiscal da lei será a da não homologação da avença.

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como uma espécie de facilitador. Na conciliação e mediação, a figura desse terceiro é sempre presente, o conciliador e o mediador, respectivamente. Por conciliação, pode-se entender como uma espécie da autocomposição na qual um terceiro (conciliador) auxiliará as partes na obtenção de um acordo para a solução do litígio, enquanto a mediação, mesmo que parecida peculiarmente com a conciliação, não pode, com ela, ser confundida, haja vista que os propósitos da mediação moram no fato do mediador (terceiro responsável pela mediação) auxiliar as partes a restabelecerem o diálogo e o bom relacionamento (o último, quando possível) com fito de que os próprios litigantes cheguem em um consenso.241

Viu-se agora a pouco que a nomenclatura atribuída à arbitragem mais autocomposição é a de “Meios alternativos de solução de conflitos”, visto a garantia dos interesses dos cidadãos pelo Estado (Art. 3º do CPC e art. 5º, inc. XXXV, da CF), porém, no atual panorama doutrinário, é comum deparar-se com outra nomenclatura utilizada por diversos autores, os “Métodos adequados de solução de conflitos”, para se referir à arbitragem242, mediação e conciliação.

De modo como existem autores que aderem à expressão “Métodos adequados de solução de conflitos”, há, por outro lado, outros autores, como Daniel Amorim Assumpção Neves, que contrariam essa nomenclatura.

Registro que não concordo com a parcela doutrinária que prefere renomear essas formas de solução dos conflitos de “meios adequados” de solução de conflitos, porque adequado é resolver o conflito, não se podendo afirmar a priori ser um meio mais adequado do que outro. Se esses são os meios adequados, o que seria a jurisdição? O meio inadequado de solucionar conflitos? Compreendo que atualmente não seja mais apropriado falar em meios alternativos, o que daria uma ideia de subsidiariedade a tais meios de solução de conflitos, mas certamente chamá-los de “meios adequados” está bem longe de um nome adequado. Por isso sempre preferi chama-los simplesmente de equivalentes jurisdicionais.243

Concorda-se com o autor supracitado, porquanto a nomenclatura remete-se a pensar em uma suposta imperfeição na jurisdição, porém, respeita-se os autores que sustentam àquela nomenclatura como correta. Aliás, haveria a possibilidade de adentrar-se em uma longa e complexa discussão apenas nessa questão da nomenclatura, ocorre que não é o objetivo deste artigo.

241 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 12-16.

242  O instituto moderno da arbitragem é muito similar ao seu período primário, vez que permanece como particular, voluntário e não obrigatório, dentre tantos outros pontos similares entre os estágios aqui traçados desse instituto.

243  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 8.

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Obstante à essa interessante discussão, existem diversos aspectos que podem ser tratados entre o Novo Código de Processo Civil e os “métodos adequados de solução de conflitos”.

O primeiro e já tratado neste trabalho se refere a promoção de uma solução consensual dos conflitos (Art. 3º, § 2º, do CPC), qualquer que seja, quando possível, porém, assegurando a jurisdição às partes. Além disso, o Novo Código de Processo Civil zela por um incentivo a optar por métodos de solução consensual de conflitos, sendo tal tarefa encarregada aos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, tarefa que deve ser entendida como sendo solidária entre os agentes elencados no art. 3º, § 3º, do CPC, fora que não é algo que deva ser zelado uma única vez, mas sim um ônus que os compete até o fim do processo.

Outro ponto interessante do novo diploma processual é a positivação da admissão da arbitragem (Art. 3º, § 1º, do CPC). Na realidade, no ordenamento jurídico brasileiro, não se trata de uma novidade, mas sim um aperfeiçoamento do art. 24 da lei dos Juizados Especiais244, vez que a previsão lá constante se refere a possibilidade de juízes leigos atuarem como árbitros, ou seja, uma espécie de intermediação entre a arbitragem e a jurisdição. Ocorre que no ano subsequente à sanção da lei dos Juizados Especiais, foi aprovada e sancionada outra lei, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, a qual regulava totalmente o instituto da arbitragem, sendo que a partir desse advento houve o reconhecimento da arbitragem privada245 (similar ao estágio primário desse instituto), porém, apenas sobre direitos disponíveis, devendo os indisponíveis serem submetidos à jurisdição246.

Assim, a proposta do art. 3º, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015 é além de aperfeiçoar o art. 24 da lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), corroborar a lei da arbitragem (Lei nº 9.307/96), porém, apenas permitir a utilização dessa “justiça privada” e não incentivar sua utilização, vez que os meios que são incentivados por esse diploma legal são exclusivamente os que buscam uma solução consensual, o que não é o caso da arbitragem por se tratar de uma heterocomposição, ou seja, o julgamento do árbitro nos moldes do Estado-juiz.

244 Analisando-se a lei dos Juizados Especiais, é possível extrair do Art. 24, caput, o seguinte texto: “Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei”. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 24, caput.

245 Analisando-se a lei da arbitragem, é possível extrair do Art. 1º, caput, o seguinte texto: “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 1º, caput.

246  No mesmo exemplo anterior acerca do pleito para a cobrança de um aluguel, tratando-se da cobrança do aluguel, na perspectiva proposta pela lei da arbitragem, esse conflito poderia ser submetido ao juízo arbitral, porém, àquela cobrança do débito alimentício, por sua vez, deveria de permanecer sob a jurisdição estatal, vez que se trata de um direito indisponível, em regra.

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Pontua-se, ainda, com relação ao Novo Código de Processo Civil, a criação de um ato processual destinado exclusivamente com o objetivo de buscar uma solução pacífica e consensual para o litígio, a chama audiência preliminar, a qual pode ser tanto uma conciliação, quanto uma mediação, dependendo da opção feita pelas partes, nos moldes do art. 334, caput, do Código de Processo Civil de 2015247.248

Outro ponto de grande valia para a temática aqui explorada é o art. 695 do Novo Código de Processo Civil, o qual versa acerca da obrigatoriedade na realização dessa audiência preliminar, independente da vontade das partes, no novo procedimento especial de família.249

Considerando a fragilidade dos assuntos envolvendo direito de família, não apenas o art. 695 do CPC é louvável, mas sim a reserva de um espaço dentro desse novo diploma legal para o melhor tratamento dessa matéria.

Além desses pontos, há outro de suma importância para os meios consensuais

no Novo Código de Processo Civil, a seção destinada a regular aspectos dos conciliadores e mediadores judiciais (Art. 165 – Art. 175 do CPC),

regulando questões como a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos. A inscrição dos conciliadores e mediadores nos Egrégios Tribunais de Justiça. A positivação da conciliação e mediação extrajudicial (Art. 168 do CPC), dentre tantos outros.

Por fim, vale destacar a criação de uma lei destinada a regular a mediação, Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, a qual deve ser compreendida como uma lei especial, da qual, havendo omissões exclusivamente com relação à mediação no Novo Código de Processo Civil, essa lei servirá como norte para este instituto. Justamente pelo fato da mediação ser diferente da conciliação, seria inviável pensar

247 Analisando-se o Código de Processo Civil de 2015, é possível extrair do Art. 334, caput, o seguinte texto: “Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência”. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 de fev. 2017. Art. 334, caput.

248 Não há uma obrigatoriedade de que a audiência preliminar deva ocorrer, porém, havendo o manifesto interesse de optar por um possível acordo, a audiência será realizada, fora que para o ato não ocorrer, é necessário a manifestação de ambas as partes na sua não realização (Art. 334, § 4º, inc. I, do CPC), e, por óbvio, não ocorrerá esse ato quando versar sobre direito que não admita autocomposição (Art. 334, § 4º, inc. II, do CPC).

249  Daniel Amorim Assumpção Neves, por exemplo, faz pontual comentário acerca dessa mudança: “Como já devidamente analisado no procedimento comum, a audiência de conciliação e mediação pode não ocorrer quando ambas as partes se opuserem à sua realização. Nas ações de família, entretanto, o silêncio do art. 695 do Novo CPC permite a conclusão de que nessas ações a audiência é obrigatória, independentemente da vontade das partes” (Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1099).

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em uma flexibilização da lei da mediação para a aplicação na conciliação. Caso a disposição constante no CPC seja insuficiente para a nova realidade da conciliação, será necessário a elaboração de uma lei própria à conciliação.

Na realidade, diferente do que parece, a ideia de meio consensual para a solução de problemas aqui estudada não nasceu com o Código de Processo Civil de 2015, afinal, tem como marco inicial a Resolução nº 125250, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça. Versando-se acerca de conciliação e mediação, essa resolução é o mais importante instrumento normativo até a edição do Código de Processo Civil de 2015.251

Dessa forma, pensar em Código de Processo Civil de 2015 e “métodos adequados de solução de conflitos”, em especial a conciliação e a mediação (haja vista a característica da arbitragem), remete-se (ou pelo menos deveria) ao pensamento de algo essencial ao outro, porquanto um sustenta o outro no pensamento moderno de processo, além do mais, trata-se de algo maior do que um resultado meramente eficaz e econômico, fala-se de um exercício de cidadania, vez que terão real efetividade e serão, de fato, métodos adequados de solução de conflitos, caso os conflitantes atuem como protagonistas da decisão que os acompanhará para a vida inteira, aumento assim a possibilidade da decisão ser cumprida e de se atingir a realidade daquela pessoa.252

Percorrer-se-á um longo caminho até que a mentalidade litigiosa da população brasileira possa se adequar a essa nova visão esperada pelo CNJ e pelo CPC/2015, porém, é uma mudança louvável e necessária.

II.III – A crise do poder judiciário brasileiro e os métodos adequados de resolução de conflitos como sua panaceia

Nesse momento em que o Brasil registra a marca de cem milhões de processos tramitando, cogita-se a possibilidade dos meios adequados de solução de conflitos como sendo a panaceia para a crise do Poder Judiciário brasileiro.

250 “Esta Resolução, por exemplo: a) institui a Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (art. 1º); b) define o papel do Conselho Nacional de Justiça como organizador desta política pública no âmbito do Poder Judiciário (art. 4º); c) impõe a criação, pelos tribunais, dos centros de solução de conflitos e cidadania (art. 7º); d) regulamenta a atuação do mediador e do conciliar (art. 12), inclusive criando o seu Código de Ética (anexo da Resolução); e) imputa aos centros de solução de conflitos e cidadania (art. 13); f) define o currículo mínimo para o curso de capacitação dos mediadores e conciliadores”. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. Ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v.1, p. 274.

251 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v.1, p. 274.

252 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v.1, p. 273.

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Pensa-se em desenvolver o raciocínio partindo da premissa de que o Poder Judiciário não é o único responsável pela solução dos conflitos existentes na sociedade, porém, assumindo grande parte do papel (se não integral) da responsabilidade pelo atual cenário.253

Todos os meios de solução de conflitos analisados neste trabalho não constituem apenas uma reminiscência histórica, com ressalvas à autotutela (quando não for legalmente prevista). Pensando-se em uma sociedade contemporânea, todos os meios de solução de conflitos possuem o seu respectivo espaço e papel, especialmente a arbitragem e a autocomposição, aliás, atualmente é possível verificar um redimensionamento do papel da jurisdição estatal, com a revalorização da autocomposição e da arbitragem, isso com o objetivo254 de conscientizar que a jurisdição não é sempre a via mais indicada para determinados conflitos da sociedade.255

Toda a evolução e construção da jurisdição leva a pensar nela como sendo uma forma natural de solução de conflitos, tratando as demais formas como secundárias, em outras palavras, solidificou-se a ideia de uma hierarquia na solução dos conflitos, de modo a ser a jurisdição a principal representante desse sistema, enquanto a autocomposição e a arbitragem (fora a autotutela, isso quando legalmente prevista) sendo subsidiárias àquela.256

Nasce, assim, a cultura da terceirização dos litígios, cultura pautada na ideia de que delegar ao Poder Judiciário a atribuição da resolução dos conflitos entre as pessoas é algo mais natural do que haver um mútuo esforço entre os conflitantes para a resolução por si mesmos. “Parecem assumir sua incapacidade de superar suas desavenças, transferindo essa função ao Estado”.257

Nesse contexto é possível concluir que a própria geração (seja de juristas ou não) foi criada e ensinada nessa “cultura do litígio”, vendo uma solução consensual como algo injusto, enquanto a realidade do meio consensual para a resolução dos

253 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 9.

254 Na realidade o professor Luis Eduardo Simardi Fernandes (Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 10) apresenta que além da conscientização para a opção de outros meios de solução de conflitos que não sejam a jurisdição, seria objetivo, também, uma forma de desafogar o Poder Judiciário. Respeita-se o posicionamento do professor FERNANDES, porém, pensa-se que esse objetivo de desafogar o Poder Judiciário seria um dos reflexos dessa conscientização acerca da opção por outros meios como a autocomposição e a arbitragem. É um resultado natural e esperado para a proposta do Novo Código de Processo Civil.

255 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 9-10.

256 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 10.

257 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 10.

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conflitos seria o de atingir os reais objetivos do conflito, o que, em muitos dos casos, a jurisdição é incapaz de fazer.

Certo é, de qualquer forma, que quando a Constituição Federal consagra o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), tal previsão constitucional deve ser interpretada como garantia das partes à ordem jurídica justa, aos meios adequados de solução de controvérsias, não obrigatoriamente pela via da heterocomposição, e muito menos necessariamente pela via jurisdicional estatal.258

Dessa forma, o princípio do acesso à justiça na visão moderna busca ir além da mera garantia à jurisdição, busca garantir a justiça por intermédio da arbitragem e a autocomposição, em especial o último, sabendo-se que caso não ocorram, a jurisdição estatal sempre será um direito a qualquer litigante.

Errôneo é o pensamento de que a autocomposição e a arbitragem seriam a solução para a crise do Poder Judiciário.259

Na realidade, trata-se de um pensamento doentio. Os métodos adequados de solução de conflitos devem ser encarados como uma das formas de resolver o conflito, não necessariamente a mais eficaz, nem mesmo como forma de desafogar o Poder Judiciário, rompendo-se a visão hierárquica que se tem acerca dos meios e estabelecendo-se uma linha plana de opções aos litigantes.

Além disso, o pensamento dos meios adequados de solução de conflitos como panaceia para o Poder Judiciário é algo egoísta, vez que estão sendo tratados acerca dos problemas dos conflitantes, e não do Estado. O próprio Estado é o responsável principal pelo atual cenário que está sendo vivenciado, sendo algo egoísta impor aos conflitantes que optem por meios consensuais caso queiram a jurisdição. A jurisdição é um dos meios constitucionalmente assegurados aos litigantes, não necessariamente o único, porém, permanece como um direito deles. Versando acerca de direitos disponíveis, a função do Estado é demostrar que em muitos dos casos os problemas poderiam ser resolvidos com maior facilidade, maior efetividade e chance de cumprimento natural caso fossem optados métodos como conciliação e mediação, porém, em hipótese alguma deve forçar aos jurisdicionados que aceitem esses meios.

Nessa linha desenvolve Fredie Didier Júnior260: “É perigosa e ilícita a postura de alguns juízes que constrangem as partes à realização de acordos judiciais”.

258 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 11.

259 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v.1, p. 279.

260 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v.1, p. 280.

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A crise que está sendo vivenciada pelo Poder Judiciário será normalizada, porém, não devendo a autocomposição e a arbitragem serem tratadas como forma de resolver essa problemática, mas sim será a panaceia para essa crise a consciencialização de outros métodos tão efetivos quanto à jurisdição, em outras palavras, a solução para a crise do Poder Judiciário encontrará um fim, sendo esse fim encontrado nos reflexos das políticas públicas que estão sendo iniciadas em pleno século XXI.

A conciliação não pode e não deve ser prioritariamente vista como forma de desafogar o Poder Judiciário. Ela é desejável essencialmente porque é mais construtiva. O desafogo vem como consequência, e não como a meta principal. Essa constatação é importante: um enfoque distorcido do problema pode levar a resultados indesejados. Vista como instrumento de administração de máquina judiciária, a conciliação passa a ser uma preocupação com estatísticas. Sua recusa pelas partes – direito mais do que legítimo – passa a ser vista como uma espécie de descumprimento de um dever cívico e, no processo, pode fazer com que se tome como inimigo do Estado aquele que não está disposto a abrir mão de parte do que entende ser seu direito. Daí a reputar a parte intransigente como litigante de má-fé vai um passo curto. Isso é a negação de garantia constitucional da ação e configura quebra do compromisso assumido pelo Estado de prestar justiça. Esse mesmo Estado proíbe que o cidadão, salvo raras exceções, faça justiça pelas próprias mãos.261

Flávio Luiz Yarshell, no trecho acima, resume todo o exposto neste tópico, porém de forma restrita à conciliação.

Impossível pensar que os reflexos serão visíveis logo em seus primeiros anos, muito pelo contrário, afinal, foram várias décadas para a lapidação de um pensamento litigioso na sociedade, de mesmo modo que serão vários anos (ou até mesmo décadas) para a mudança desse pensamento.

Para que esse novo pensamento seja aceito pela sociedade, o próprio ensino do direito deve explorar essa nova perspectiva, de modo a apresentar que uma efetiva solução para desavenças muitas vezes não se encontra na jurisdição. “O desenvolvimento dessa nova cultura passa, necessariamente, pela conscientização do profissional do direito, desde o início da sua formação, para que possa avaliar, frente a um caso concreto, qual caminho parece-lhe mais adequado”.262

III – conclusãoCom essa breve digressão, espera-se ter demonstrado os principais pontos

da questão em testilha, bem como ter respondido a questão disposta no título deste

261 YARSHELL, Flávio Luiz. “Para pensar a Semana Nacional da Conciliação”. Folha de São Paulo, 08.12.2009, p. A3

262 FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Formas de solução dos litígios. In: Teoria Geral do Processo Contemporâneo. Luiz Dellore et al. São Paulo: Atlas, 2016, p. 11.

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trabalho, seriam os métodos adequados de solução de conflitos a panaceia para a crise do Poder Judiciário?

O Poder Judiciário não é o único responsável pela solução dos conflitos existentes na sociedade, porém, assumindo grande parte do papel (se não integral) da responsabilidade pelo atual cenário.

Todos os meios de solução de conflitos analisados neste trabalho não constituem apenas uma reminiscência histórica, com ressalvas à autotutela (quando não for legalmente prevista).

Pensando-se em uma sociedade contemporânea, todos os meios de solução de conflitos possuem o seu respectivo espaço e papel, especialmente a arbitragem e a autocomposição, aliás, atualmente é possível verificar um redimensionamento do papel da jurisdição estatal, com a revalorização da autocomposição e da arbitragem, isso com o objetivo de conscientizar que a jurisdição não é sempre a via mais indicada para determinados conflitos da sociedade.

Toda a evolução e construção da jurisdição leva a pensar nela como sendo uma forma natural de solução de conflitos, tratando as demais formas como secundárias, em outras palavras, solidificou-se a ideia de uma hierarquia na solução dos conflitos, de modo a ser a jurisdição a principal representante desse sistema, enquanto a autocomposição e a arbitragem (fora a autotutela, isso quando legalmente prevista) sendo subsidiárias àquela.

O acesso à justiça na visão moderna busca ir além da mera garantia à jurisdição, busca garantir a justiça por intermédio da arbitragem e a autocomposição, em especial o último, sabendo-se que caso não ocorram, a jurisdição estatal sempre será um direito a qualquer litigante.

Errôneo é o pensamento de que a autocomposição e a arbitragem seriam a solução para a crise do Poder Judiciário.

Os métodos adequados de solução de conflitos devem ser encarados como uma das formas de resolver o conflito, não necessariamente a mais eficaz, nem mesmo como forma de desafogar o Poder Judiciário, rompendo-se a visão hierárquica que se tem acerca dos meios e estabelecendo-se uma linha plana de opções aos litigantes.

Além disso, o pensamento dos meios adequados de solução de conflitos como panaceia para o Poder Judiciário é algo egoísta, vez que estão sendo tratados acerca dos problemas dos conflitantes, e não do Estado. O próprio Estado é o responsável principal pelo atual cenário que está sendo vivenciado, sendo algo egoísta impor aos conflitantes que optem por meios consensuais caso queiram a jurisdição. A jurisdição é um dos meios constitucionalmente assegurados aos litigantes, não

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necessariamente o único, porém, permanece como um direito deles. Versando acerca de direitos disponíveis, a função do Estado é demostrar que em muitos dos casos os problemas poderiam ser resolvidos com maior facilidade, maior efetividade e chance de cumprimento natural caso fossem optados métodos como conciliação e mediação, porém, em hipótese alguma deve forçar aos jurisdicionados que aceitem esses meios.

Impossível pensar que os reflexos dessa nova proposta serão visíveis logo em seus primeiros anos, muito pelo contrário, afinal, foram várias décadas para a lapidação de um pensamento litigioso na sociedade, de mesmo modo que serão vários anos (ou até mesmo décadas) para a mudança desse pensamento.

Para que esse novo pensamento seja aceito pela sociedade, o próprio ensino do direito deve explorar essa nova perspectiva, de modo a apresentar que uma efetiva solução para desavenças muitas vezes não se encontra na jurisdição.

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