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Revista Estudos Amazônicos • vol. V, nº 2 (2010), pp. 47-73 De médico e santo popular: a devoção ao doutor Camilo Salgado em Belém do Pará Éden Moraes da Costa* Resumo: Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão a respeito da devoção que muitas pessoas que freqüentam o cemitério de Santa Isabel, em Belém do Pará, dispensam a pessoas sepultadas neste local, que quando vivas exerceram a profissão de médicos na cidade de outrora. Centralizando o olhar na figura do médico Camilo Salgado, lembrado por sua dedicação à medicina e, sobretudo, por sua abnegação ao prestar atendimento a pessoas carentes, pretende- se discutir também o processo de “canonização” da figura do médico, elevado à categoria de “santo” pelos que acreditam nas curas milagrosas praticadas por este médico direto do além. Palavras-chaves: devoção popular; santos populares; cura, Belém do Pará Abstract: This article discusses the devotion to medical doctors who are buried at the Santa Izabel cemetery in Belém do Pará (Brazil). It focuses on the personality of Camilo Salgado (1874-1938), remembered and revered by the population due to his dedication to medicine and his commitment to the assistance of poor people. It analyses the process of “canonization” of Dr Salgado, shifted to the condition of a saint by those who believe in the miraculous cures operated by him from the hereafter. Keywords: popular devotion; popular saints; cure; Belém do Pará (Brazil) Os “campos santos” da devoção popular O cemitério de Santa Isabel foi fundado em junho de 1876 e é um dos mais antigos de Belém do Pará. Fica localizado na Avenida José Bonifácio, entre a Rua dos Mundurucus e Rua Paes de Souza, encravado no coração do bairro do Guamá.

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Page 1: De médico e santo popular: a devoção ao doutor Camilo Salgado

Revista Estudos Amazônicos • vol. V, nº 2 (2010), pp. 47-73

De médico e santo popular: a devoção ao doutor Camilo Salgado em Belém do Pará

Éden Moraes da Costa*

Resumo: Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão a respeito da devoção que muitas pessoas que freqüentam o cemitério de Santa Isabel, em Belém do Pará, dispensam a pessoas sepultadas neste local, que quando vivas exerceram a profissão de médicos na cidade de outrora. Centralizando o olhar na figura do médico Camilo Salgado, lembrado por sua dedicação à medicina e, sobretudo, por sua abnegação ao prestar atendimento a pessoas carentes, pretende-se discutir também o processo de “canonização” da figura do médico, elevado à categoria de “santo” pelos que acreditam nas curas milagrosas praticadas por este médico direto do além.

Palavras-chaves: devoção popular; santos populares; cura, Belém do Pará

Abstract: This article discusses the devotion to medical doctors who are buried at the Santa Izabel cemetery in Belém do Pará (Brazil). It focuses on the personality of Camilo Salgado (1874-1938), remembered and revered by the population due to his dedication to medicine and his commitment to the assistance of poor people. It analyses the process of “canonization” of Dr Salgado, shifted to the condition of a saint by those who believe in the miraculous cures operated by him from the hereafter.

Keywords: popular devotion; popular saints; cure; Belém do Pará (Brazil)

Os “campos santos” da devoção popular

O cemitério de Santa Isabel foi fundado em junho de 1876 e é um dos mais antigos de Belém do Pará. Fica localizado na Avenida José Bonifácio, entre a Rua dos Mundurucus e Rua Paes de Souza, encravado no coração do bairro do Guamá.

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Se um transeunte mais atento passa em frente a esse cemitério, principalmente na segunda-feira, não deixará de notar o grande número de pessoas que entram e saem do local, na maioria das vezes compenetradas na oração. Perceberá igualmente uma razoável rede de comércio que se estabeleceu à frente do local, cuja comercialização, em sua maioria, é de velas e flores. Se o passante perguntar a uma dessas pessoas que freqüentam o lugar, provavelmente receberá a resposta de que, nesse dia, se deve rezar pela alma dos mortos, acender velas e aproveitar para pedir ajuda àqueles que, no imaginário popular, foram dotados por Deus com o poder de realizar milagres; é também um dia em que os visitantes aproveitam para ir às sepulturas de seus parentes que ali estão sepultados.1 Mas, há pessoas que, neste dia, também vão prestar uma homenagem mais genérica, para “todas as almas”, para as “almas do purgatório”, ou para as “treze almas”, pois se acredita ser um dever dos vivos não esquecer aqueles que já morreram. Mas, o que desperta maior interesse do pesquisador que toma os cemitérios como campo de pesquisa, são os significados que a população atribui àquelas figuras que, segundo a crença disseminada na cidade, são capazes de realizar feitos extraordinários para aqueles que vão até suas sepulturas e, convictos, pedem graças e fazem promessas. Assim, dentro desse conjunto de mortos, alguns são considerados pelo povo como “santos”, “espíritos de luz” ou “almas santas”, e, como se verá mais detalhadamente, são cultuados por meio de rituais e oferendas. No cemitério de Santa Isabel, esses santos populares estão espalhados por sua enorme dimensão. Podem ser citados os mais conhecidos que são: Josephina Conte, conhecida popularmente como “a moça do táxi”, e que no seu aniversário costumaria sair da sua sepultura, apanhar um táxi e passear pela cidade; Severa Romana, que teria morrido degolada e esfaqueada no útero no dia 2 de julho de 1900, ao “defender sua honra de mulher casada, da agressão de um soldado”2, estando grávida de 7 meses; Neila Cristina, nascida em 1973 e morta em 1988, vítima de um acidente automobilístico que a deixou em coma por cerca de seis dias no CTI de um hospital; o engenheiro Aurélio S. C. Neto, que nasceu em 23 de maio de 1950 e faleceu a 31 de julho de 1975. O que se sabe dele é que trabalhava no interior do estado do Acre e um dia tentou ajudar uma criança que estava em perigo de vida. Colocou-a em seu carro e pegou a

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estrada em direção à capital daquele estado. Porém, no meio do caminho, o acidente: um caminhão entrara na contramão e se chocou com o carro de Aurélio, vitimando este e todos os passageiros do veículo. Podemos falar ainda de um número considerável de pessoas que exerceram a medicina e que hoje são considerados milagrosos: os médicos Crasso Barbosa (1886-1819), João Carlos Maciel (1941-1987) e Camilo Salgado (1874-1938), entre outros. Há ocorrências de culto a mortos considerados santos em outros espaços da cidade, como por exemplo, no cemitério Nossa Senhora da Soledade – que só abre as segundas-feiras e no dia de finados – localizado no bairro de Batista Campos. Nele, a população cultua Raimundinha Picanço, Preta Domingas, crianças como Zezinho, Antônio e Cícero, a escrava Anastácia, etc.; No cemitério São Jorge, no bairro da Marambaia, a menina Diene Helen e os irmãos Marivaldo e Marinaldo do Nascimento. Em outras cidades do Pará também são observados esses fatos. Nesse sentido, os cemitérios adquirem novos significados, pois se prestam a diferentes papéis no cotidiano da cidade. De meros lugares destinados a afastar os vivos dos corpos em putrefação, ganham novos significados: não são apenas depositários de lembranças, ou de corpos sem vida, mas um espaço miraculoso, por abrigarem verdadeiros “santuários” que representam seres sagrados e poderosos. Nesses locais, a morte é reinterpretada, tornando-se sinônimo de vida, proximidade e santidade, traduzindo o desejo dos vivos de modificar sua condição de dor, desespero e doença. Convertem-se em espaço de peregrinação, junto com as igrejas, templos evangélicos e terreiros de religiões de matriz africana. Porém, isso não é exclusividade nossa. É vasta a literatura referente ao culto a pessoas consideradas santas e milagrosas, veneradas em cemitérios em diferentes partes do mundo. Pode-se dizer que o olhar sobre a morte e a devoção a tais figuras vêm de longa data. Fustel de Coulanges escreve sua Cidade Antiga em 1864, sob a perspectiva das relações entre vivos e mortos e as práticas religiosas direcionadas aqueles que jaziam nos cemitérios daquele tempo.3 É importante citar também o trabalho do historiador Peter Brown4, no qual o autor discute as práticas e concepções a respeito do culto aos santos no século IV D.C., no que ele chama de Antigüidade Tardia. A

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obra de Peter Brown corrobora a concepção de o quanto é recorrente essa prática de ir aos locais onde pessoas consideradas santas estavam sepultadas e prestar-lhes culto, só que neste caso em um contexto de avanço do cristianismo e de crescente culto aos mártires dessa religião. Essas importantes obras iluminam muitos aspectos que serão abordados ao longo desse artigo. Por seu turno, no Brasil e na América Latina, o interesse dos estudiosos pelo tema mostra a força que essas práticas religiosas adquiriram na religiosidade popular, comprovando a tese do antropólogo Roberto Da Matta, de que “no Brasil, a morte mata. Mas os mortos não morrem”.5 Dessa forma, as pesquisas referentes aos mortos que são transformados em santos e santas pelo povo demonstram as peculiaridades e também distinções em relação ao que ocorre em Belém. Frade6 estudou a devoção a menina Odete Vidal de Negreiros (Odetinha), visitada no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, considerada uma criança bondosa, mas que sofria de constantes doenças. Também é uma criança o santo popular enfocado na pesquisa desenvolvida por Schineider7 no Cemitério da Consolação em São Paulo: trata-se de Antoninho da Rocha Marmo, vitimado pela tuberculose. Em dois cemitérios no Rio Grande do Norte, Freitas8 analisou a devoção popular a dois bandidos, Jararaca e Baracho, que após serem mortos pela polícia passaram a ser cultuados como santos. Em três cidades do Rio Grande do Sul, Fagundes9 pesquisou a devoção a três mulheres – Maria do Carmo, Maria Isabel e Maria da Conceição – que em vida eram prostitutas e tiveram morte violenta. Cabe destacar também o trabalho de Calávia Sáez10 no estudo do culto aos mortos encontrados no Cemitério da Saudade, em Campinas, São Paulo. Neste local, o autor verificou vários tipos de culto e cabe ressaltar aqui o dedicado a médicos como o doutor Vieira Bueno e o doutor Clemente di Toffoli. É evidente que os estudos citados acima não esgotam o universo de pesquisas relativas ao tema das relações entre vivos, mortos, espíritos, santos e santas11, mas permitem estabelecer aproximações com a realidade local, já que são diversos tipos de pessoas cultuadas e santificadas sem a palavra “oficial” da igreja católica: desde crianças a pessoas consideradas perigosas e de baixa categoria social, até aquelas que alcançaram respeito e prestígio social ainda em vida, como religiosos e integrantes da medicina, para citar apenas estes casos. Por seu turno, as

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circunstâncias da morte também constituem fatores de “canonização”, como mostrado acima, desde a violência, o sofrimento causado pela doença ou acidente, à morte repentina que interrompe um trabalho visto como de caridade e abnegação. Muitos desses elementos estão presentes na história e na memória construída sobre o doutor Camilo Salgado.12

O culto e a devoção ao Dr. Camilo Salgado

Apesar do número considerável de mortos elevados pelo povo à categoria de santos, será dado destaque neste artigo a apenas um deles: trata-se do Dr. Camilo Salgado, nascido em 22 de maio de 1874 e falecido em 2 de março de 1938.

Imagem 1

Camilo Henrique Salgado Júnior Fonte: Pará Médico, vol. 8, nº 1 (2001), p. 50

Em vida, Camilo Salgado exerceu a profissão de médico (médico generalista, ou seja, tratava de várias doenças) e foi um dos fundadores da Sociedade Médico-cirúrgica do Pará, em 15 de agosto de 1914 (da qual foi o primeiro presidente) e da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, em 191913, ocupando a presidência deste órgão, além de ter exercido mandatos políticos, como vereador e governador interino, além

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de professor, tornando-se, portanto, uma figura pública bastante conhecida.

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Primeira Diretoria da Sociedade Médico Cirúrgica do Pará; ao centro, Camilo Salgado. Fonte: Alípio Bordalo. A sociedade médico-cirúrgica.14

Imagem 3

Prédio escolhido para a sede da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, ainda um Grupo Escolar, em 1922. Atualmente, Núcleo de Medicina Tropical da UFPA.

Fonte: Alípio Bordalo. A sociedade médico-cirúrgica.15

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No entanto, a julgar pelas fontes pesquisadas e relatos da pesquisa de campo, como veremos, sua fama se fez realmente como médico-cirurgião, atuando em hospitais como a Santa Casa de Misericórdia do Pará, Hospital da Ordem Terceira e Beneficência Portuguesa, que inclusive o homenageou dando o nome do médico ao seu centro cirúrgico e colocando uma dedicatória em mármore sobre sua sepultura. O médico teria sido muito zeloso para com aquelas pessoas que necessitavam de seus serviços, sobretudo as mais pobres, ganhando assim a sua admiração e respeito. Esse prestígio ficava já evidenciado na notícia que registrava sua morte no dia 3 de março de 1938, aos 64 anos, e que exaltava suas qualidades:

Ao par dessa competência technica, o que seduzia em Camillo Salgado era, sobretudo, o seu grande e adamantino coração, propenso sempre ao soffrimento alheio. A medicina, para esse apóstolo da sciencia, não foi nunca um ganha-pão, um meio de enriquecimento rápido, ou uma especulação da afflição humana: foi apenas um pretexto para que a sua innata e clara bondade melhor e mais puramente se exercitasse.16

As palavras do jornal já evidenciam a construção da santidade de Camilo Salgado, por mostrá-lo como uma pessoa de grande coração, natural bondade, e que foi uma espécie de “salvador” das camadas pobres da cidade, por atendê-las seja de dia, seja de noite. Aliás, nos dias que se sucederam à morte do médico, muitas foram as referências a Camilo Salgado como uma “figura nazarethna”, uma “alma eleita”, “um carmelita descalço, em busca dos enfermos a quem ia socorrer, como médico ou como um mago da cirurgia, dando a todos uma palavra de alento, um sorriso rehabilitante e o balsamo, quasi sempre propinado de graça, com que lenia as afflições alheias”, ou ainda lamentando a perda, pois “o dr. Camillo Salgado era um sabio, que passou a vida praticando o bem…”.17 Não é simples indicar com precisão o momento em que começaram a ser divulgados os primeiros relatos de cura realizados pelo Dr. Camilo Salgado após a sua morte, mas é inegável que a bondade atribuída ao médico e tão exaltada nas fontes consultadas não ia ser apagada da memória popular, tanto que os jornais, ao cobrir a sua morte, enfatizavam o seu esmero em cuidar dos doentes que acorriam até ele.

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A bondade e a caridade atribuídas ao médico podem ser exemplificadas neste relato de uma devota, Alcina Moraes, que conheceu o médico quando ainda era bastante jovem: “Meu pai era diretor da Beneficente portuguesa. E Camilo Salgado sempre a ele pedia uma cama porque a operação sempre fazia de graça…”.18 Assim, essa aura de santidade já pairava sobre ele, quando ainda estava vivo e se lembrarmos que o exercício da profissão médica é entendido como uma espécie de “missão apostólica”.19 Camilo Salgado, assim, foi elevado pela população à categoria de alma santa e milagrosa pelas circunstâncias de sua vida terrena, por suas ações e, talvez, pela surpresa de sua morte, já que nesse dia ainda trabalhou, vindo a falecer em casa, de uma crise de angina.20 A cobertura de seu enterro, pela imprensa, mostra um grande número de pessoas, de distintas camadas sociais acompanhando o cortejo, de sua residência na Rua dos Pariquis até o cemitério de Santa Isabel, na condução dos “sagrados despojos” do médico. A impressão que se tem é a de que o jornal Folha do Norte documentava a morte de um santo, e de que a população acompanhava ao cemitério um “corpo santo”, já que o jornal utiliza o termo “sagrados despojos” para se referir ao corpo do médico falecido. A morte do conhecido doutor parece ter acelerado esse processo de “santificação” que já dura mais de 70 anos. Hoje, mesmo quem não tenha por este médico a devoção que se observa no cemitério de Santa Isabel, não deixa de recordá-lo como uma pessoa bondosa e prestativa. É o caso de Célia Costa21, médica aposentada, 73 anos, que, ao recordar um acidente de infância, na vila do Pinheiro (hoje Icoaraci) na década de 30, lembra que seus pais a levaram a uma casa das redondezas para que o médico ali residente cuidasse de seu braço deslocado. Célia relembra aquele homem de cabelos brancos cuidando dela e receitando umas pílulas que, segundo ela soube posteriormente, seriam fabricadas pela pessoa que lhe atendia: Camilo Salgado. Célia, por ser espírita, acredita que Camilo Salgado continua operando as pessoas doentes, e seria igualmente um “Espírito de Luz”, que na concepção dela é um ser em elevado desenvolvimento espiritual, bondoso (como o era em vida) e se aproximando do que poderíamos considerar um santo.

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Essa certeza também tem Cláudia Pires22, espírita, que estava no cemitério por ocasião do Dia de Finados, rezando para o médico por quem diz ter muita fé. Cláudia relata em seu depoimento que estava se tratando pela primeira vez com o médico havia algum tempo, em um centro espírita. A mulher revelou o motivo da procura a Camilo Salgado: uma alergia que alastrava seu corpo. Ainda segundo ela, o médico teria passado algumas receitas para seu uso. Esse ponto é interessante, pois demonstra um outro lado do culto a Camilo Salgado, qual seja, uma espécie de tratamento da doença utilizando remédios receitados pelo próprio médico, ao passo que em outros casos, a presença deste (pelo menos no corpo de um médium) não parece tão necessária para a efetivação do “tratamento” e da cura. Camilo Salgado e outros médicos que estão sepultados no cemitério Santa Isabel têm, desse modo, que lidar com muitos doentes que vão até seus túmulos rogar a solução de seus problemas de saúde (ou outros não necessariamente relacionados a doenças) e, a julgar pelas várias placas de reconhecimento pelas graças alcançadas, as pessoas consideram que têm sido bem sucedidas nos seus pedidos. É o caso de Carmem Silva23, católica, aproximadamente 50 anos, que acredita ter sido curada de um problema nas mãos pelo Dr. Camilo Salgado, e de uma grave crise renal pelo doutor João Carlos Maciel, nascido em 20 de agosto de 1941 e falecido em 5 de junho de 1987 (segundo informantes, teria sido assassinado). Essa mulher, que é devota dos mortos há mais de 30 anos, teve um acidente em uma das mãos, causado por uma queda. Em seu relato, afirma que não podia nem mexer os dedos, que estavam enegrecidos. Os médicos que cuidavam dela não conseguiam solucionar o caso, e foi aí que ela passou a pedir a sua cura junto ao túmulo de Camilo Salgado. Durante a entrevista, ela exibia as mãos, movimentando os dedos insistentemente para comprovar a cura milagrosa. Esse tipo de depoimento revela uma concepção muito comum entre os devotos do médico: a medicina exercida no mundo dos vivos muitas vezes é insuficiente para proporcionar a cura, sendo necessário o concurso de outra forma de medicina, a que provém do além, e que seria mais poderosa e eficaz, se exercida por um médico-santo. Analisando esses reatos, observa-se que a cura de doenças é de fato a especialidade desse médico, dentro do universo classificatório elaborado

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pelos devotos e devotas dos mortos do cemitério de Santa Isabel. No grande espaço do cemitério, a observação atenta do pesquisador capta que é quase obrigatória uma parada à frente do túmulo desse médico, para fazer alguma reverência, tanto no momento em que entram como na hora em que deixam o local. A imponente sepultura de Camilo Salgado está localizada a poucos metros da entrada principal do cemitério, do lado esquerdo, configurando-se, dessa forma, como uma espécie de santuário, em que as pessoas chegam, com seus pacotes de velas, acendem-nas, batem três vezes na ponta da lápide de mármore escuro (esse gesto constitui uma saudação ao morto, segundo os informantes), colocam bilhetes com seus pedidos de saúde e bem-estar sobre esta, fitam a efígie de bronze com o rosto do médico, cravada em uma cruz de mármore no alto da sepultura – há casos em que algumas pessoas sobem nas sepulturas ao lado para tocar demoradamente no rosto, como se acreditassem que daí emanariam poderes taumatúrgicos – e rezam fervorosamente, chegando muitas vezes a ajoelhar-se diante dela, alguns com terço à mão, outros com orações impressas ou escritas em pequenos papéis, em semelhança com os rituais destinados aos santos e santas da Igreja Católica. Aliás, uma devota, Maria das Dores, abordada por mim junto ao túmulo de Camilo Salgado utilizou uma frase muito interessante para referir-se ao médico, e que parece refletir bem o sentimento popular com relação aos feitos dele. Ela disse: “Ele é um santo protetor…” Dessa forma, não apenas os atos demonstram que se está diante de um santo; as palavras também expressam essa mentalidade. Por ocasião do Dia de Finados, sua sepultura é bastante visitada pelas pessoas, ficando repleta de flores; Em uma das visitas ao cemitério nessa data, para realizar observações e entrevistas, um devoto colocou uma cabeça de cera sobre este; outro deixou uma grande vela, em sinal de agradecimento.

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Sepultura do Dr. Camilo Salgado no cemitério Santa Isabel, com devotos do médico fazendo pedidos e pagando promessas, em dia de finados.

Foto: Éden Moraes da Costa (2/11/2002).

Na realidade, esse ritual é feito também nas outras sepulturas, mas não são apenas os católicos que visitam o cemitério: trata-se de um espaço plural, multifacetado. Assim, há os espíritas, os adeptos das religiões de matriz africana (umbanda, mina, candomblé, dentre outros), que normalmente fazem seus rituais nos fundos do cemitério, junto ao cruzeiro, e na vala comum dos despojos dos mortos não reclamados pelos parentes, que fica ao lado do cruzeiro. Talvez se possa dizer que o culto a Camilo Salgado tem tanto um caráter mais individual, representado pelas pessoas que vão sozinhas ao cemitério e a sua sepultura rezar e fazer seus pedidos; mas, também há um grupo que é formado em grande parte por membros do espiritismo kardecista, embora contenha também pessoas que se autodenominam como católicos. Esse grupo é liderado pela senhora Regina, que, segundo um dos integrantes que a acompanha, há mais de trinta anos faz uma extensa visita a várias sepulturas (cinquenta aproximadamente) que, conforme acreditam seus membros, fazem milagres: crianças, médicos, padres, freiras. O interessante disso é que a “corrente” (termo usado pelos integrantes do grupo) se inicia e termina junto ao túmulo de Camilo Salgado, sendo o médico invocado para proteção e cura, configurando-se como uma espécie de liderança nesse outro mundo; é muito recorrente

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Regina chamar Camilo Salgado de “mestre”. A líder da “corrente” revela que se deve rezar bastante enquanto se vai visitando as “sepulturas santas” e fazendo os pedidos. Portanto, diante de práticas devocionais mais particulares e grupais, podemos dizer que o culto a Camilo Salgado e aos outros santos populares é mediado por vários “rituais” e não apenas por um específico. No culto a esses mortos consagrados como santos, os devotos estão manipulando símbolos que podem lhes proporcionar um maior contato com aqueles que julgam poder ajudá-los nos seus problemas de saúde; só que, neste contato com as energias de seres espirituais no campo ritual há a necessidade de constante negociação. Aqui, estamos no campo das trocas, ou seja, da prática consolidada pelo catolicismo popular (mas que na atualidade não se restringe apenas a ele) de dar e receber, que é tão notório em nossa história, na relação entre devotos e seus santos e santas, desde o Brasil Colonial. Em relação à missa que se celebra toda segunda-feira no final da tarde em honra dos mortos, é significativo o fato de que, nos oferecimentos, o nome de Camilo Salgado é citado inúmeras vezes, o que indica a afeição popular pela figura do homem e também do médico, que cura. E essa admiração fica evidenciada nas palavras de uma oração utilizada por uma devota, que há mais de quarenta anos reza para Camilo Salgado. Na realidade, várias pessoas utilizam essa oração para invocar os poderes curativos do médico, como observado nas entrevistas com os devotos. Muitas pessoas costumam publicar a oração em jornais como sinal de agradecimento. A prece está assim escrita:

Deus misericordioso, te agradecemos a felicidade que nos destes, dando o poder ao Dr. Camilo Salgado de ajudar-nos a receber as curas dos males que nos afligem, e a caridade e o amor ao próximo, constitui uma prova para nossa fé. Cremos em ti, e na tua bondade infinita, Dr. Camilo Salgado não podemos ir onde te encontras mas tu podes vir até nós. Ouve nossas preces, atende nossos pedidos. Ampara nas provas da vida e vela todos quantos te são caros. Protege-nos como puderes, suavizando os pesares, fazendo-nos perceber pelo pensamento que és mais ditoso agora e dando consoladora certeza, de que um dia estaremos todos reunidos num mundo melhor e que seu progresso espiritual seja cada vez maior. Rezar 1 Pai Nosso e 5 Ave Maria.

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A pessoa que cedeu a oração, Marta Araújo24, católica, 70 anos aproximadamente, acredita que sua irmã, acometida de derrame em estágio avançado, teria ficado com a saúde restabelecida graças às preces e à ajuda de Camilo Salgado; o médico teria sido responsável igualmente pela longevidade de sua mãe, pois sempre que esta adoecia, Marta se dirigia ao túmulo do Dr. Camilo para pedir a saúde de sua genitora. Os 89 anos da irmã, interrompidos por uma queda, e não por uma doença, devem-se, segundo essa devota, à intervenção do médico milagroso. Esses relatos apontam também para uma curiosa faceta desse culto aos mortos, que são os pedidos de cura e outras realizações não para si, mas para parentes que se encontram em situações difíceis de serem resolvidas por iniciativa dos vivos, sendo necessário o concurso daqueles que, como mostra a oração acima, podem vir até o mundo dos vivos e realizar curas e outros feitos. Torna-se importante chamar a atenção para o fato de que, embora as pessoas que cultuam o Dr. Camilo Salgado e as almas, não os tratem de modo uniforme como um “santo”, o próprio comportamento diante da sepultura, a atitude respeitosa e ritual para com o morto, além da tradicional relação de troca (promessa) estabelecida, parece sugerir que ao menos inconscientemente essas pessoas acreditam estar diante de um ser santificado, com poderes extraordinários, daí porque ter-se utilizado neste artigo o termo “santo popular”. Nesse sentido, o culto, que como vimos se expressa com orações, oferendas e pagamento de promessas, se faz toda segunda-feira e também no Dia de Finados, por ser esta última uma data instituída pela Igreja Católica para os vivos relembrarem seus mortos.25 Mas, observações e consultas a fontes jornalísticas também indicam que a devoção é cotidiana, ou seja, há culto a esses mortos santificados em outros dias da semana, ainda que com menor intensidade. De qualquer modo, estabelece-se uma relação de continuidade e compromisso. A partir desse compromisso se expressa a devoção, que pode ser explicada na mesma acepção usada pela antropóloga Maria Cecília de Souza Minayo que define o devoto e a devoção em referência às pessoas que “atribuem poderes sobrenaturais, capazes de alterar a ordem natural das coisas, a lugares, objetos, pessoas, símbolos e ritos considerados sagrados e, portanto, realizam práticas devocionais capazes de atrair esses poderes para si e para seu grupo social”.26 Completa ainda a autora que

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tal devoção pode iniciar-se a partir de uma graça alcançada, quando o beneficiado passa a estabelecer um relacionamento muito particular com o objeto ou ser venerado, inclusive visitando frequentemente o local onde este se encontra e divulgando os feitos miraculosos realizados, tendo assim sua vida modificada a partir da graça recebida. A exposição acima demonstra que a devoção ao médico Camilo Salgado (e, porque não, a outros médicos sepultados no local) tem características peculiares, pois é um tipo de culto relacionado à saúde que difere daqueles que comumente se conhece em nossa sociedade, que como sabemos, une constantemente medicina e religião, como demonstra um artigo de Rabelo27, no qual a autora faz uma análise dos serviços de cura destinados por grupos religiosos aos seus fiéis, como é o caso das religiões afro-brasileiras (jarê), dos serviços da Igreja Universal do Reino de Deus e das sessões de cura em centros espíritas. E, poderíamos acrescentar as sessões de cura realizadas pela Renovação Carismática Católica (RCC). É importante dizer que esta antropóloga não faz nenhuma referência a cultos religiosos ligados à saúde do tipo que este artigo está abordando, mas reflete em seu trabalho basicamente sobre os serviços de cura oferecidos ao povo. Por isso, no que se refere à busca da cura de doenças nos cemitérios junto as sepulturas de médicos reputados de “milagrosos”, não se trata de uma opção colocada para as pessoas por instituições religiosas, sendo antes uma maneira de tentar o pleno restabelecimento da saúde física e mental criada a partir das próprias crenças populares. Realizar uma análise das concepções religiosas dos devotos de Camilo Salgado é refletir acerca das alternativas de resolução dos problemas de saúde buscadas pelas pessoas em nossa sociedade, e que, como podemos perceber não se reduzem àqueles de uma medicina científica28, pautada nos exames, e que dá ênfase apenas ao corpo doente, ao contrário de rituais religiosos que relacionam práticas medicinais e elementos da religião, como se verifica no culto ao Dr. Camilo Salgado. Aliás, a ênfase dada pelos próprios visitantes da sepultura desse médico ao fato de este ter exercido a medicina, parece reforçar a fé na sua capacidade de curar os doentes (e talvez também na confiança com relação à medicina científica). No contexto da pesquisa, as pessoas fazem constantemente uma ligação entre o nível de instrução de Camilo

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Salgado – o exercício da profissão médica – e a possibilidade de este fazer milagres. A partir desses fatos, surgem alguns elementos importantes: os devotos de Camilo Salgado procuram também a chamada medicina científica; só que, além de utilizá-la, não abrem mão do apoio espiritual de alguém que foi médico e que agora é considerado como santo. Portanto, há aqui um interessante trânsito da medicina à prática religiosa, e vice-versa; e, apesar de em um relato uma devota do médico dizer que acreditava mais na possibilidade de cura advinda desse mundo espiritual, pode-se dizer que no geral, a “fé” é um elemento presente nas duas possibilidades de cura. Assim, o olhar do pesquisador sobre o culto a esse médico se volta exatamente pela possibilidade de pensar essa relação entre medicina e religião, já que, integrante que foi em vida de uma medicina científica, o doutor Camilo Salgado agora atua por via espiritual, se assim podemos referir, no restabelecimento da saúde – ou na solução de outros problemas – de seus “devotos-pacientes”.

Nas pesquisas referentes à questão saúde/doença, o antropólogo François Laplantine, nos legou importantes reflexões a respeito das relações entre doença e sagrado, medicina e religião. No que diz respeito a esse segundo aspecto, uma frase sua merece atenção: “não existem práticas puramente ‘médicas’ ou puramente ‘mágico-religiosas’”.29 O autor faz a defesa de que, na prática, tanto os doentes como os médicos buscam referências na ciência médica e na religião, quando o caso é a busca de cura para suas doenças. Por seu turno, as religiões utilizam um discurso “médico” ao exortar seus fiéis na busca da saúde em seus cultos de cura. Para Laplantine, há elementos religiosos no discurso do saber médico. Este não anuncia a salvação após a morte, como as religiões, mas em seu discurso pretende proporcionar saúde absoluta ainda nesta vida. A medicina fala de uma situação de “‘completo bem-estar físico, mental e social’, ou seja, de juventude, beleza, força, serenidade, felicidade e paz, em suma, de promessas de salvação comuns a todas as grandes religiões”.30 Assim, a medicina incute fé nas pessoas, a fé na cura de todas as enfermidades e sofrimentos, e sua missão é religiosa no sentido de que “a medicina é irmã da religião e da moral; seu ministério,

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todo benevolência e humanidade, inspira-lhe todos os deveres, atribui-lhe todos os direitos de um sacerdócio”.31 A crença na capacidade “sagrada” da medicina em curar o ser humano de todas as enfermidades, discutida por Laplantine, permite refletir sobre a já enfatizada fé das pessoas na capacidade de cura que Camilo Salgado, por ser médico (esse é o termo usado pelos devotos: ele não “foi”, ele “é” médico) teria mesmo depois de morto. Aqui também evocamos o autor de Antropologia da Doença:

[a] relação privilegiada que a medicina mantém com o sagrado não é necessariamente velada dentro do ponto de vista da própria medicina, pelo menos por parte de um grande número de médicos, e o tema do médico com coração

de ouro, capaz de operar milagres, está longe de pertencer apenas ao

gênero da ficção.32

Camilo Salgado parece estar inserido nessa lógica, pois, como vimos acima, teria exercido com esmero e dedicação a medicina, além de ser uma pessoa de notável bondade e dedicação aos pobres. Pode-se dizer, com base nas teses de Laplantine, que a santidade atribuída a esse médico advém igualmente dessa característica do saber médico de ser sagrado e pregar a “salvação” do ser humano. Não se pode esquecer, por outro lado, a questão da competência técnica atribuída a este homem, e que proporcionou a salvação de muitas vidas. Vejamos este relato obtido de um jornal de nossa cidade:

Para Tereza Souza, 51 anos, a visita ao túmulo do médico Camilo Salgado é motivo de grande emoção. ‘Ele operou meu pai duas vezes, quando ele tinha 40 anos, e nenhum médico sabia o que ele tinha ao certo. Depois das duas cirurgias meu pai ficou bom, vindo a falecer com 90 anos’, disse Tereza, emocionada.33

Aliás, na biografia que escreve sobre Camilo Salgado, o também médico Clóvis Meira declara que esse médico, por sua inteligência e capacidade, era “surpreendente para o tempo em que viveu”34 ou seja, um homem que estava à frente de sua época. Não são assim também considerados os santos? Não é importante discutir aqui se os feitos atribuídos a Camilo Salgado são mitos ou informações fidedignas; é mais importante pensar que na biografia dos santos existem sempre referências a realizações extraordinárias que estes fizeram em vida, verdadeiros milagres que

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provocaram espanto nas outras pessoas. E mesmo que isso não seja comprovado, tais realizações são incorporadas na mentalidade coletiva, compondo uma imagem da pessoa em questão como ser sagrado, íntegro e, no caso de Camilo Salgado, capaz de curar doenças.

A “canonização” do saber médico e dos médicos

“O espírito de caridade distingue a profissão médica de todas as demais, pois seu objetivo está sempre voltado para oferecer ao homem a prevenção, o alívio e a cura dos males que podem atingi-lo”.

William Osler (1849-1919), médico canadense. Sabe-se que o patrono dos médicos é São Lucas, referência a um dos apóstolos de Cristo; no entanto, parece que esse processo de “canonização” popular sobre aqueles que exercem a medicina não vem atravessando de modo uniforme todas as épocas históricas de que temos conhecimento. Na idade média, por exemplo,

[O] médico (ou seu equivalente) não lutava contra a doença ou contra a morte. Não se pensava em absoluto que a função do médico pudesse ser a de salvar a vida ou de prolongá-la. Ao contrário, jamais se imaginaria no contexto medieval que o médico devesse se contrapor aos desígnios divinos e interferir no fluxo espontâneo do viver e do morrer. Seu papel era transformar essa cerimônia em coisa factível, mantendo a dor mais ou menos sob controle, possibilitando uma certa consciência, lucidez e bastante serenidade à pessoa que partia, com o fito de permitir, tanto quanto possível, que a cerimônia de morrer pudesse ter lugar.35

No entanto, em nosso atual contexto histórico, acredita-se na capacidade e na esperança de que os médicos sejam capazes de curar nossas mais variadas doenças, e inclusive, como vimos, de adiar a morte. Dessa forma, o médico que se dedica com esmero à sua tão nobre “profissão-missão”, não medindo esforços para minorar ou mesmo eliminar o sofrimento alheio, tem a favor de si a possibilidade de ser “canonizado” pelas pessoas que estão doentes. Se isso talvez seja possível em vida, a morte muitas vezes é o elemento que promove essa

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mudança. Partindo do que já foi abordado anteriormente e das pesquisas realizadas por outros profissionais indicados no início desse artigo, esse parece ser o caso de Camilo Salgado, tido como um médico-santo por aqueles que acreditam ter alcançado a cura por meio da atuação desse médico direto do mundo dos mortos. Diante da pergunta sobre quem foi Camilo Salgado, é muito comum ouvir-se que ele foi (e parece continuar sendo) “um grande médico” que atendia os pobres, confirmando assim a ênfase na capacidade curativa da medicina, nesse caso associada à santificação de uma pessoa como Camilo Salgado. Essa santidade foi bastante evidenciada na imprensa na ocasião em que Camilo Salgado completaria seu centenário. Além de relembrar os feitos importantes realizados pelo médico no que diz respeito à instalação da Faculdade de Medicina, A Província do Pará o exalta como “grande estimulador do progresso na terra”, além de seus atos caridosos, “grande desprezo às coisas materiais, e um desprendimento fora do comum”; aliado a essas qualidades, as matérias do jornal enfatizam entrevistas realizadas com devotos do médico que vão a sua sepultura no cemitério pedir graças e relatam curas alcançadas por intervenção de Camilo Salgado, e que já o consideravam um santo em 1974. O jornal enfatizava ainda o crescimento da devoção ao médico ao longo dos anos, e que não se restringia a adultos e idosos, mas também a pessoas mais jovens.36 O periódico citado acima apresenta-se como fonte de suma importância para se analisar o crescimento e a continuidade do culto ao médico, pois é justamente na década de 70 que começam a aparecer referências a respeito de Camilo Salgado como um “santo popular”, o que não ocorre em outras décadas anteriores, com exceção é claro, da cobertura de sua morte, como já foi mostrado. Por outro lado, a lembrança do centenário desse médico só demonstrava o quanto continuava forte naquele momento a lembrança do homem bom e caridoso, que mesmo depois de morto não deixou de ser procurado pela população no cemitério de Santa Isabel. O processo de santificação de médicos vem sendo detectado já há algum tempo na América Latina, no que o pesquisador Duncan Pedersen chama de “medicalização dos cultos curativos”. Este termo é utilizado por Pedersen para fazer referência ao grande número de médicos que são cultuados em vários países latinos como grandes operadores e

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curadores, que, por sua competência, continuariam a exercer suas profissões mesmo depois de mortos. Vejamos um trecho de seu artigo:

En estos cultos curativos se recombinan elementos simbólicos de la imagen del ‘médico-héroe’, a par de la imagen política de reformista social y la imagen divina del santo popular, ofreciendo a la población de baja condición socioeconómica la oportunidad de un contacto personal más directo (y además gratuito) con lo divino y con lo médico.37

De acordo com o autor, esse tipo de culto indicaria o prestígio e o poder que as camadas populares atribuem à medicina moderna. Não seria correto dizer que muitos aspectos dessa reflexão acima podem ser verificados no culto que se presta a Camilo Salgado e a outros médicos no cemitério de Santa Isabel? Os dados analisados ao longo deste artigo parecem indicar que sim. Embora se possa discordar da afirmação de Pedersen que essa forma de culto curativo é apanágio quase que exclusivo de classes de baixa situação econômica. Essa observação leva diretamente à discussão a respeito do acesso ou não das pessoas aos serviços de saúde disponíveis para elas. Caso tenham uma cobertura em termos de plano de saúde, ou mesmo um serviço público eficiente as pessoas deixam de buscar ajuda junto ao além? Isso não foi constatado no decorrer da pesquisa. Talvez a pobreza e o não-acesso a um serviço de saúde eficaz seja um fator a ser considerado, mas não pode ser tomado como elemento determinante na procura de saúde por via religiosa. Ao contrário, verificou-se que as pessoas que vão ao cemitério são oriundas de diversos níveis econômicos, e de níveis educacionais que vão do 1º grau ao curso superior, e que acorrem ao local para buscar a cura, ou ao menos, o alívio de sua condição de doença, e apesar de apostarem na medicina moderna, fazem um interessante cruzamento simbólico com a crença em almas e santos que são capazes de fazer milagres, pois como se pôde verificar ao longo deste artigo, não são todos os médicos sepultados no cemitério de Santa Isabel que são qualificados de santos e milagrosos, mas apenas alguns, sendo que Camilo Salgado é o mais cultuado nesse conjunto. Por outro lado, se pensarmos em uma perspectiva de longa duração, pode-se observar que médicos já foram canonizados pela igreja católica, demonstrando com isso o quanto medicina e religião se aproximam em

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alguns aspectos, apesar de suas diferenças. É o caso de São Lucas, Cosme e Damião, João de Deus, Antônio Maria Zacaria, para ficar nos mais conhecidos. No século 20, médicos que se formaram em universidades foram oficialmente canonizados, como os italianos José Moscati e Ricardo Pampuri, além do francês Desiré Laval.38 Em período recente, Gianna Beretta Molla, médica que lutava contra o aborto, foi beatificada em 1994.39 Com base nessas considerações, pode-se dizer que o Dr. Camilo Salgado é herdeiro de uma longa tradição.

Epílogo: o culto ao médico e algumas hipóteses

Alergia, artrite, problemas renais, partes do corpo quebradas em acidentes, doenças respiratórias, cirurgias, situações de desequilíbrio emocional provocadas por difíceis relações familiares, crises conjugais, doenças do útero, câncer. Essas são algumas doenças e situações que normalmente são encontradas quando se investiga as fontes documentais, literárias ou jornalísticas, ou ainda na conversa com os devotos de Camilo Salgado que fazem culto semanal ou anual a ele no cemitério de Santa Isabel. Como foi constatado, o médico, apesar de ter sido cirurgião, é considerado milagroso por ter solucionado problemas os mais variados, e que extrapolam a área do “operador.” Apesar disso, a pesquisa revela que as cirurgias constituem a especialidade do médico, pois vários entrevistados também disseram invocar o nome de Camilo Salgado quando estavam doentes e necessitavam de cuidados médicos, ou seja, iam ser operados, ou corriam risco de vida e precisavam de cirurgia. Alguns devotos inclusive contam histórias sobre a aparição desse médico em hospitais, como a Beneficente Portuguesa e o Hospital Adventista de Belém, para realizar cirurgias diversas nos doentes, como se fosse um médico vivo. Narrativas que indicam a construção da memória sobre esse médico que extrapolam o espaço do cemitério e remetem a locais onde este atuou, o que leva a reflexão acerca da circularidade dos mitos e da permanência destes em espaços determinados da cidade; sugerem também outros campos de pesquisa para além do cemitério de Santa Isabel. Não obstante, algumas pessoas vão a sua sepultura não para pedir a cura imediata de uma doença, mas simplesmente para orar e pedir

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proteção contra algum mal, para permanecerem gozando de plena saúde física e emocional. É, como se pode ver, uma atitude preventiva. Os devotos do Dr. Camilo Salgado são de faixas etárias diferenciadas, que vão dos 18 aos 70 anos, sendo que há realmente um número maior de pessoas adultas do que jovens. Desse grupo, tem-se uma predominância de mulheres. Isto ficou bastante evidenciado nas entrevistas (a maior parte de informantes é do sexo feminino) e no acompanhamento do grupo que realiza a “corrente”, onde as mulheres são maioria. As práticas rituais utilizadas para invocar o poder milagroso do médico, que foram descritas acima, não deixam de ter um efeito positivo sobre a vida desses devotos, que passam a acreditar cada vez mais na consecução de seus objetivos, por mais distantes que estes pareçam. E, lembrando o antropólogo Claude Lévi-Strauss, podemos dizer também que a crença na cura ou alívio de uma doença muitas vezes só se torna possível porque a pessoa doente acredita na cura e a comunidade a que pertence também acredita40, e isso pode ser atestado pelas inúmeras placas de agradecimento que se pode encontrar ao redor do túmulo do médico-santo, indicadores do caráter coletivo do culto. Assim, ao “canonizar” esse médico (e os outros) os seus devotos, de modo consciente ou não, parecem também estar depositando simbolicamente a sua fé na medicina científica, embora vinculada à atribuída santidade desse homem, que, como vimos, vem sendo construída desde a época em que, vivo, exercia essa profissão. É bastante plausível a hipótese de que o prestígio que o Dr. Camilo Salgado alcançou como um homem considerado santo esteja relacionado com a época em que atuava como médico em uma região que até hoje carece de maiores recursos no que se refere a atendimento médico e carência de profissionais. O fato de ter ido estudar em outros centros mais adiantados do Brasil e da Europa (mais especificamente na França) e a chegada trazendo para cá todo um cabedal de conhecimentos, a atuação como clínico e cirurgião que prestaria serviços gratuitamente para os amigos e os pobres, além das inúmeras epidemias que assolaram a capital paraense no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, como febre amarela, tuberculose, varíola, hanseníase41, entre outras moléstias que provocavam preocupação e medo na população,

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constituem fatores que podem estar relacionados à “canonização” de Camilo Salgado. Aliado a isso, não se pode desconsiderar que, com a fundação de associações que congregavam os profissionais da medicina em nossa capital (como foi o caso da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará), a divulgação e constituição de uma imagem positiva do médico, o “herói da cura”, eram artifícios de que estas lançavam mão, na luta que a medicina científica empreendia contra as medicinas populares, principalmente a pajelança. Como parte dessa estratégia, Figueiredo observa que o Dr. Camilo Salgado foi homenageado em seu aniversário por seus amigos, em 1904, com a divulgação de um pequeno jornal que enfatizava sua importância e seus feitos para a consolidação da medicina científica da época.42 Dessa forma, com a consolidação de sociedades e faculdades de medicina em Belém do Pará, a figura do médico passou sem dúvida a ser valorizada como aspecto importante da sedimentação desses profissionais enquanto classe, como mostra Rodrigues, e os nomes de Camilo Salgado e outros contemporâneos seus sobressaíram43; mas no que diz respeito ao tema desse artigo, que é a constituição da figura de um médico-santo, parece que Camilo Salgado passou realmente à frente de médicos como Penna de Carvalho, Acylino de Leão, Ophir Loyola, Cruz Moreira, Jayme Aben-Athar, Veiga Cabral, Renato Chaves, Silva Rosado, entre outros. Muitos dos quais hoje emprestam seus nomes a hospitais, clínicas, ruas, mas não são consideradas figuras milagrosas, ao menos no espaço do cemitério Santa Isabel. Não é possível, no momento, afirmar se há relatos de atuação desses médicos em sessões espíritas ou mesmo em rituais de religiões de matriz africana. Hoje, no início do século XXI, pessoas que vêm dos mais distantes bairros de Belém para rezar junto à sepultura de Camilo Salgado no cemitério de Santa Isabel o têm como um símbolo de pessoa que exerceu a medicina de forma desapegada e agora, como afirma um devoto, faz de seu túmulo um “consultório” médico para atender os doentes que vão até ele. Assim, é pertinente afirmar que, para quem cultua os mortos naquele campo santo, Camilo Salgado é, simbolicamente, uma referência no campo da saúde a quem todos podem recorrer nas dificuldades e incertezas. A “saúde”, aqui, também é vista por outro prisma, incorporando concepções, mitologias, crenças…

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Mesmo com as transformações e avanços da medicina científica, a disseminação de medicamentos cada vez mais eficazes no combate às doenças, o aumento do número de profissionais qualificados para o exercício da medicina, a devoção a esse “santo” permanece presente na paisagem histórica e cultural de Belém do Pará, revelando a construção de um além alternativo, povoado de pessoas comuns, canonizadas pela população e que se agrega ao corpo de santos e santas oficializados pela igreja. Essa característica é bastante recorrente na vida brasileira, como mostram as pesquisas comentadas no início deste artigo. O culto ao médico reflete, ainda, uma das diferentes formas de expressão da religiosidade amazônica, ao combinar elementos do ritual católico, das idéias oriundas do espiritismo, ao valorizar os “curadores” da carne e do espírito, e das várias religiões de matriz africana. Artigo recebido em setembro de 2010

Aprovado em dezembro de 2010

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Notas

* Historiador e antropólogo, pesquisador do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC) da Secretaria de Estado de Cultura do Estado do Pará. Autor da dissertação intitulada Médico de ontem e de hoje: ciência, fé e santidade no culto a Camilo Salgado (1874-1938) em Belém do Pará, defendida pelo autor na Universidade Federal do Pará, em 2004.

1 O historiador Jean-Claude Schmitt, pesquisando a respeito das relações entre vivos e mortos na época medieval, mostra como a Igreja definiu a segunda-feira como um dia ideal para rezar para as almas que sofriam no inferno e no purgatório, pois segundo se pensava, o ritmo das almas era parecido com os dos homens no que se refere ao calendário semanal. Acreditava-se que o sofrimento daquelas ganhava um descanso na noite de sábado para domingo e reiniciava na noite de domingo para segunda; sendo assim, seria preferível rezar por elas no momento em que recomeçava seu suplício. Desse modo, começou um movimento na Europa Ocidental para visitar toda segunda-feira os cemitérios, rezando nos túmulos e mandando oferecer missas para os mortos, tradição essa que, como vemos se espalhou para outros locais. Cf. SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na

sociedade medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 197-98.

2 Cf. O Liberal, terça-feira, 3 de novembro de 1987, p. 7.

3 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001.

4 BROWN, Peter. Le Cult des saints: son essor et sa fonction dans la chrétienté latine . Paris: Les Éditions Du Cerf, 1984.

5 DA MATTA, Roberto. A Casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 2003, p. 158.

6 FRADE, Maria de Cáscia. “Santo de Casa faz milagre”. Comunicações do Iser, ano 3, nº 9 (agosto de 1984); FRADE. Santa de casa: a devoção a Odetinha no cemitério São João Batista. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Antropologia, Museu Nacional, 1987.

7 SCHNEIDER, Marília. Memória e História (Antoninho da Rocha Marmo): misticismo, santidade e milagre em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz, 2001.

8 FREITAS, Eliane Tânia Martins de. “Violência e sagrado: o que no bandido anuncia o santo?”. Ciências Sociais e Religião, ano 2, nº 2 (2000); FREITAS. Memória,

Ritos Funerários e Canonizações Populares em dois Cemitérios no Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia, IFCS/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.

9 FAGUNDES, Antônio Augusto. As Santas prostitutas: um estudo de devoção popular no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Ed., 2003.

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10 CALAVIA SÁEZ, Oscar. Fantasmas Falados: mitos e mortos no campo religioso brasileiro. Campinas/SP: Ed. da UNICAMP, 1996.

11 Cito ainda alguns trabalhos importantes, alguns já clássicos: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo. São Paulo: Brasiliense, 1980; MARTINS, José de Souza (org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983; ZALUAR, Alba. Os homens de deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de Janeiro: Zahar, 1983; SILVA, R.M.L. “O mito e o culto da escrava Anastácia”. Cadernos do NEPES (1985); RONZELEN DE GONZÁLEZ, Tereza Van. “Victor Apaza: La emergencia de un santo. Descripcion y analisis del proceso de formacion de un nuevo culto popular”. América Indígena, vol. XLV, nº 4 (1985), pp. 647-668; SCHMITT. Os vivos e os mortos na sociedade medieval; PAVÃO, Suelene Leite. Imaginário dos trabalhadores da morte. Belém/PA: Dissertação de Mestrado apresentada ao Mestrado em Sociologia, Universidade Federal do Pará, 2002.

12 Cf. COSTA, Éden Moraes. Médico de ontem e de hoje: ciência, fé e santidade no culto a Camilo Salgado (1874-1938) em Belém do Pará. Belém: Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará, 2004.

13 As informações a seguir foram retiradas do jornal Folha do Norte, quinta-feira, 3 de março de 1938, p. 1; e de MEIRA, Clóvis. Medicina de outrora no Pará. Belém: Ed. Grafisa, 1986, pp. 5-6 e 15-20.

14 BORDALO, Alípio Augusto Barbosa et. al. (orgs.). A Sociedade Médico-Cirúrgica e a

medicina no Pará. Belém: SMCP, 2002.

15 Ibidem.

16 Cf. Folha do Norte, quinta-feira, 3 de março de 1938, p. 1 (grifos do autor).

17 Cf. As colunas de: COLLARES, Júlio. “Uma nobre vida que desaparece”. Folha do

Norte, sexta-feira, 4 de março de 1938, pp. 1 e 3; e BUARQUE, Manuel. “Dr. Camillo Salgado”. Folha do Norte, domingo, 6 de março, p. 7.

18 Cf. A Província do Pará, quarta-feira, 2 de novembro de 1983, p. 14.

19 Cf. MEIRA. Medicina de outrora no Pará, pp. 243-246.

20 Cf. Folha do Norte, quinta-feira, 3 de março de 1938, p. 1.

21 Entrevistada em 6 de fevereiro de 2003. Os nomes dos entrevistados são fictícios.

22 Entrevistada em 2 de novembro de 2002.

23 Entrevistada em 29 de maio de 2002.

24 Entrevistada em 14 de outubro de 2002.

25 Segundo o historiador francês Jacques Le Goff, no mundo ocidental essa prática teria sido instituída no século IX, por iniciativa dos monges da Ordem de Cluny, na França, com o objetivo de preservar a memória dos mortos daquela comunidade; tal

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costume se espalhou para outras regiões da Europa Ocidental e posteriormente do mundo. Para maiores detalhes, consultar LE GOFF, Jacques. “Memória”. In: História e Memória. Campinas: EdUNICAMP, 1996, p. 448.

26 Cf. MINAYO, Maria Cecília de Souza. “Representações da cura no catolicismo popular”. In: ALVES, Paulo César & MINAYO, Maria Cecília de Souza (orgs.). Saúde e Doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994, p. 61.

27 RABELO, Miriam Cristina M. “Religião, ritual e cura”. In: ALVES & MINAYO (orgs.). Saúde e Doença, pp. 47-56.

28 O termo foi usado por LOYOLA, Maria Andréa. “Medicina Popular”. In: GUIMARÃES, Reinaldo (org.). Saúde e Medicina no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978; e por MAUÉS, Raymundo Heraldo. A Ilha Encantada: Medicina e Xamanismo numa comunidade de pescadores. Belém: Universidade Federal do Pará, 1990; e que nesses casos, indica aquela medicina que é exercida por pessoas que têm formação acadêmica e dispõem de autorização legal para exercê-la. Distingue-se da Medicina Popular que mistura elementos da medicina científica com rituais religiosos, curandeirismo, ervas medicinais, entre outros.

29 Cf. LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 217.

30 Ibidem, p. 243.

31 Ibidem, p. 244.

32 Ibidem (Grifo do autor).

33 Cf. A Província do Pará, sexta-feira, 03 de novembro de 2000, p. 8.

34 Cf. MEIRA, Clóvis. Médicos de outrora no Pará. Belém/Pa: Ed. Grafisa, 1986, pp. 71-73.

35 Cf. RODRIGUES, José Carlos. O corpo na história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999, p. 124.

36 Cf. “Camilo Salgado, o médico e o santo”. A Província do Pará, 1º caderno, segunda-feira, 20 de maio de 1974, p. 1.

37 Cf. PEDERSEN, Duncan. “Curanderos, divinidades, santos y doctores: elementos para el análisis de los sistemas médicos”. América Indígena, vol. XLIX, nº 4 (1989), p. 650.

38 Cf. STERPELONE, Luciano. Os santos e a medicina. São Paulo: Paulus, 1998, pp. 97-103.

39 Cf. GIANNINI, Sérgio Diogo. Santos médicos, médicos santos. São Paulo: Editora Panda, 2004, pp. 85-93.

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40 Para uma interessante reflexão a respeito, consultar LÉVI-STRAUSS, Claude. “O feiticeiro e sua magia” e “A eficácia simbólica”. In: Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970. Também são importantes os trabalhos de DURKHEIM, Emile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000; e MAUSS, Marcel. “Esboço de uma teoria geral da magia”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974, vol. I; obras clássicas que refletem sobre as crenças construídas coletivamente e sua influência na sociedade.

41 Para uma visão de contexto, referente a questão das doenças e da saúde pública em Belém, em plena Belle-Époque, ver os trabalhos de SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle Époque. Belém: Paka-Tatu, 2002; e AMARAL, Alexandre Souza. Vamos à vacina? Doenças, saúde e práticas médico-sanitárias em Belém (1904 a 1911). Belém: Dissertação de Mestrado em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2006.

42 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Anfiteatro da cura: pajelança e medicina na Amazônia no limiar do século XIX”. In: CHALHOUB, Sidney et al. (orgs.). Artes e

ofícios de curar no Brasil. Campinas: EdUNICAMP, 2003.

43 RODRIGUES, Sílvio Ferreira. Esculápios tropicais: A institucionalização da medicina no Pará, 1889-1919. Belém: Dissertação de Mestrado em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2008.