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 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS CENTRO DE ESTUDOS E APERFEIÇOAMENTO FUNCIONAL ISSN: 1809-8487  DE JURE  Número 1 1 REVISTA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Julho/Dezembro de 2008 CIRCULAÇÃO NACIONAL

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MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS CENTRO DE ESTUDOS E APERFEIOAMENTO FUNCIONAL ISSN: 1809-8487

DE JURENmero 11

REVISTA JURDICA DO MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Julho/Dezembro de 2008

CIRCULAO NACIONAL

De Jure - Revista Jurdica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais / Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais. n. 11 (jul./dez. 2008). Belo Horizonte: Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais, 2008. v. Semestral. ISSN: 1809-8487 Continuao de : Revista Jurdica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais. O novo ttulo mantm a seqncia numrica do ttulo anterior. 1. Direito Peridicos. I. Minas Gerais. Ministrio Pblico. CDU. 34 CDD. 342

MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS CENTRO DE ESTUDOS E APERFEIOAMENTO FUNCIONAL ISSN: 1809-8487

DE JURENmero 11

REVISTA JURDICA DO MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Julho/Dezembro de 2008

SEMESTRAL De Jure Belo Horizonte n. 11 jul./dez. 2008

DE JURE - Nmero 11REVISTA JURDICA DO MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROCURADOR-GERAL DE JUSTIA Procurador de Justia Jarbas Soares Jnior DIRETOR DO CENTRO DE ESTUDOS E APERFEIOAMENTO FUNCIONAL Promotor de Justia Gregrio Assagra de Almeida SUPERINTENDNCIA DE FORMAO E APERFEIOAMENTO Fernando Soares Miranda DIRETORIA DE PRODUO EDITORIAL Alessandra de Souza Santos CONSELHO EDITORIAL CONSELHEIROS Procurador de Justia Joo Cancio de Mello Junior Promotor de Justia Adilson de Oliveira Nascimento Promotor de Justia Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho Promotor de Justia Cleverson Raymundo Sbarzi Guedes Promotor de Justia Llio Braga Calhau Promotor de Justia Marcelo Cunha de Arajo Promotor de Justia Marcos Paulo de Souza Miranda Promotor de Justia Renato Franco de Almeida CONSELHEIROS CONVIDADOS Prof. Michael Seigel (University of Florida, USA) Prof. Joaqun Herrera Flores (Universidad Pablo de Olavide, Espanha) Prof. Eduardo Ferrer Mac-Gregor (Universidad Nacional Autnoma de Mxico, Mxico) Prof. Antnio Gidi (Houston University, USA) Prof. Nelson Nery Junior (USP) Prof. Miracy Barbosa de Sousa Gustin (UFMG) Prof. Rosemiro Pereira Leal (PUC/MG) Prof. Nilo Batista (UERJ) Prof. Juarez Estevam Xavier Tavares (Sub-Procurador-Geral da Repblica, UERJ) Prof. Aziz Tuffi Saliba (Fundao Universidade de Itana) Prof. Maria Garcia (PUC/SP) Promotor de Justia Robson Renault Godinho (Estado do Rio de Janeiro) Promotor de Justia Emerson Garcia (Estado do Rio de Janeiro) EDITORAO Alessandra de Souza Santos Fernando Soares Miranda Luciano Jos Alvarenga REVISO Alessandra de Souza Santos Dalvanra Noronha Silva Daniela Paula Alves Pena Hugo de Moura Beatriz Garcia Pinto Coelho (estgio supervisionado)

CAPA Alex Lanza (FOTO DA CAPA) Bernardo Jos Gomes Silveira (ARTE) DIAGRAMAO Marcia Odete Corra da Silva Pedro Henrique Borba Torres (estgio supervisionado) Foto capa: escultura barroca em pedra-sabo representando a Justia, cuja autoria atribuda ao portugus Antnio Jos da Silva Guimares e datada como anterior a 1840. Faz parte da obra que representa as quatro virtudes cardeais Prudncia, Justia, Temperana e Fortaleza que se encontram na antiga Cmara e Cadeia de Vila Rica, atual Museu da Inconfidncia de Ouro Preto. A responsabilidade dos trabalhos publicados exclusivamente de seus autores. PEDE-SE PERMUTA WE ASK FOR EXCHANGE ON DEMANDE LCHANGE MANN BITTET UM AUSTAUSCH SI RIQUIERE LO SCAMBIO PIDEJE CANJE Av. lvares Cabral, 1740, 1 andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte, MG, CEP 30170-001 www.mp.mg.gov.br [email protected]

DE JURE - Number 11JOURNAL OF THE PUBLIC PROSECUTION OFFICE OF THE STATE OF MINAS GERAIS ATTORNEY-GENERAL Minas Gerais State Prosecutor Jarbas Soares Jnior DIRECTOR OF THE CENTER OF PROFESSIONAL DEVELOPMENT Minas Gerais State Prosecutor Gregrio Assagra de Almeida SUPERINTENDENCY OF PROFESSIONAL DEVELOPMENT Fernando Soares Miranda DIRECTOR OF EDITORIAL PRODUCTION Alessandra de Souza Santos EDITORIAL BOARD MEMBERS OF THE EDITORIAL BOARD Minas Gerais State Prosecutor Adilson de Oliveira Nascimento Minas Gerais State Prosecutor Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho Minas Gerais State Prosecutor Cleverson Raymundo Sbarzi Guedes Minas Gerais State Prosecutor Joo Cancio de Mello Junior Minas Gerais State Prosecutor Llio Braga Calhau Minas Gerais State Prosecutor Marcelo Cunha de Arajo Minas Gerais State Prosecutor Marcos Paulo de Souza Miranda Minas Gerais State Prosecutor Renato Franco de Almeida MEMBERS OF THE EDITORIAL BOARD COLLABORATION AND REVIEW Prof. Michael Seigel (University of Florida, USA) Prof. Joaqun Herrera Flores (Universidad Pablo de Olavide, Espanha) Prof. Eduardo Ferrer Mac-Gregor (Universidad Nacional Autnoma de Mxico, Mxico) Prof. Antnio Gidi (Houston University, USA) Prof. Nelson Nery Junior (USP- Brazil) Prof. Miracy Barbosa de Sousa Gustin (UFMG- Brazil) Prof. Rosemiro Pereira Leal (PUC/MG- Brazil) Prof. Nilo Batista (UERJ- Brazil) Prof. Juarez Estevam Xavier Tavares (Vice Attorney-General, UERJ - Brazil) Prof. Aziz Tuffi Saliba (Fundao Universidade de Itana - Brazil) Prof. Maria Garcia (PUC/SP - Brazil) Rio de Janeiro State Prosecutor Robson Renault Godinho (Brazil) Rio de Janeiro State Prosecutor Emerson Garcia (Brazil) EDITING Alessandra de Souza Santos Fernando Soares Miranda Luciano Jos Alvarenga Marcia Odete Corra da Silva Pedro Henrique Borba Torres (trainee) PROOF READING Alessandra de Souza Santos Dalvanra Noronha Silva Daniela Paula Alves Pena Hugo de Moura Beatriz Garcia Pinto Coelho (trainee)

COVER Alex Lanza (PHOTO) Bernardo Jos Gomes Silveira (ART) Cover Photo: baroque sculpture in steatite (soapstone) representing Justice author supposed to be the Portuguese Antnio Jos da Silva Guimares; probably made before 1840. It is part of the work that represents the four Virtues: Prudence, Justice, Temperance and Strenght located at the old Chamber and Prison in Vila Rica (current Ouro Preto Minas Gerais), current name of the building is Museum of Inconfidncia of Ouro Preto. The responsibility for the content of the articles is solely of their respective authors. PEDE-SE PERMUTA WE ASK FOR EXCHANGE ON DEMANDE LCHANGE MANN BITTET UM AUSTAUSCH SI RIQUIERE LO SCAMBIO PIDEJE CANJE Address: Av. lvares Cabral, 1740, 1 andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte, MG, CEP. 30170-001, Brazil www.mp.mg.gov.br [email protected] (Contact: Alessandra de Souza Santos, Ms.)

SUMRIOPREFCIO ...............................................................................................14 APRESENTAO ....................................................................................15 SEO I ASSUNTOS GERAIS ............................................................161. DOUTRINA INTERNACIONAL .....................................................................16 1.1 OS SERVIOS DE INTERESSE GERALE O PRINCPIO FUNDAMENTAL DA PROTECO DOS INTERESSES ECONMICOS DO CONSUMIDOR MARIO FROTA.....................................................................................................16 2. DOUTRINA NACIONAL .................................................................................46 2.1 REFLEXES LIVRES SOBRE A INTERPRETAO CONSTITUCIONAL JOS LUIZ QUADROS DE MAGALHES........................................................46 2.2 A CONTRIBUIO DE ALESSANDRO BARATTA PARA A CRIMINOLOGIA CRTICA LUCIANO SANTOS LOPES ................................................................................69 3. PALESTRA........................................................................................................81 3.1 BULLYING, CRIMINOLOGIA E A CONTRIBUIO DE ALBERT BANDURA LLIO BRAGA CALHAU....................................................................................81 4. DILOGO MULTIDISCIPLINAR ..................................................................92 4.1 CUSTO DO NO-INVESTIMENTO NA INFNCIA E NA JUVENTUDE MRIO LUIZ RAMIDOFF ..................................................................................92 4.2 POLCIA COMUNITRIA: UMA PROPOSTA DEMOCRTICA POSSVEL PARA A SEGURANA PBLICA MARCELO CUNHA DE ARAJO; ROSALBA LUDMILA ALVES BRAGA.......97

SUBSEO I DIREITO PENAL........................................................ 1171. ARTIGOS ........................................................................................................ 117 1.1 CRIMINALIDADE FEMININA: UM ESTUDO SOBRE AS PARTICULARIDADES DO CRIME PRATICADO POR MULHERES CARLOS AUGUSTO TEIXEIRA MAGALHES .............................................117

1.2 SUTHERLAND A TEORIA DA ASSOCIAO DIFERENCIAL E O CRIME DE COLARINHO BRANCO ANA LUIZA ALMEIDA FERRO .......................................................................144 1.3 FUNCIONALISMO E COMPLEXIDADE SOCIAL HLVIO SIMES VIDAL ..................................................................................168 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................184 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................185 3.1. BREVES ANOTAES SOBRE A ATUAO DO JUDICIRIO E DO MINISTRIO PBLICO NA REPRESSO AO TRFICO DE DROGAS ..... JOS FERNANDO MARREIROS SARABANDO ...........................................185

SUBSEO II DIREITO PROCESSUAL PENAL ...........................1951. ARTIGOS ........................................................................................................195 1.1 LIMITES DA PRESCRIO LUZ DO ART. 366 DO CPP CSAR AUGUSTO DOS SANTOS ...................................................................195 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................207 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................208 3.1. PROVAS ILCITAS E A EXTENSO DOS SEUS EFEITOS (FERNWIRKUNG DER BEWEISVERBOTE) HLVIO SIMES VIDAL ..................................................................................208 4. TCNICAS ......................................................................................................215 4.1 APELAO CRIMINAL JOS FERNANDO MARREIROS SARABANDO ...........................................215

SEO III DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ....................223 SUBSEO I DIREITO CIVIL..........................................................2231. ARTIGOS ........................................................................................................223 1.1 ANOTAES ACERCA DA BOA-F COMO PRINCPIO DE DIREITO CONTRATUAL NO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO MATHEUS ADOLFO GOMES QUIRINO .........................................................223 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................235

3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................236 3.1 BREVES REFLEXES ACERCA DA EXECUO DE ALIMENTOS FRENTE S ALTERAES PROMOVIDAS PELAS LEIS 11.232/2005 E 11.382/2006 LIDIANE DUARTE HORSTH ...........................................................................236

SUBSEO II DIREITO PROCESSUAL CIVIL..............................2401. ARTIGOS ........................................................................................................240 1.1 O FIM DA CULPA NA SEPARAO JUDICIAL LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES ...................................................240 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................276 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................277 3.1. COMENTRIO AO ACRDO PROFERIDO NO RECURSO ESPECIAL N 727.131 - SP FDUA MARIA DRUMOND CHEQUER MAGNO ........................................277 4. TCNICAS ......................................................................................................285 4.1. MANDADO DE SEGURANA: PEDIDO DE LIMINAR PARA MEDICAMENTO ALCEU JOS TORRES MARQUES; MARCO PAULO CARDOSO STARLING ..............................................................................................................................285

SEO IV DIREITO COLETIVO E PROCESSUAL COLETIVO 292 SUBSEO I DIREITO COLETIVO ................................................2921. ARTIGOS ........................................................................................................292 1.1 O INVENTRIO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE PROTEO AO PATRIMNIO CULTURAL BRASILEIRO MARCOS PAULO DE SOUZA MIRANDA ......................................................292 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................320 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................321 3.1. DA (I)LEGALIDADE DA PORTARIA DO MINISTRIO DA SADE DE N. 2.391/2002 E DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL N 10.216/02

BRUNO ALEXANDER VIEIRA SOARES ........................................................321

SUBSEO II DIREITO PROCESSUAL COLETIVO ....................3231. ARTIGOS ........................................................................................................323 1.1 O PAPEL DO MINISTRIO PBLICO NO ACOMPANHAMENTO DE GRANDES LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS WALTER FREITAS DE MORAES JNIOR......................................................323 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................366 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................367 3.1. FUNDAMENTOS DA INDISPENSABILIDADE DA EXIGNCIA DE EIA/RIMA PARA LICENCIAMENTO DE CULTURAS E USINAS DE CANA DE ACAR MAURO DA FONSECA ELLOVITCH..............................................................367 4. TCNICAS ......................................................................................................382 4.1. PEDIDO DE DESISTNCIA DE INTERVENO INDIVIDUAL EM AO CIVIL PBLICA: CORREO DE SALDO DO FGTS ELTON VENTURI ..............................................................................................382

SEO V DIREITO PBLICO ..........................................................390 SUBSEO I DIREITO PBLICO CONSTITUCIONAL ...............3901. ARTIGOS ........................................................................................................390 1.1 INFLUXOS DA ORDEM JURDICA INTERNACIONAL NA PROTEO DOS DIREITOS HUMANOS: O NECESSRIO REDIMENSIONAMENTO DA NOO DE SOBERANIA EMERSON GARCIA ..........................................................................................390 1.2 APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNO COMO VIABILIZADOR DO EXERCCIO DO DIREITO SOCIAL AO LAZER BERNARDO AUGUSTO FERREIRA DUARTE; FERNANDO JOS ARMANDO RIBEIRO..............................................................................................................415 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................446 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................447 3.1. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PBLICA PARA PROPOSITURA DA AO CIVIL PBLICA EM COMENTRIO DE ACRDO DO

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA VNIA MRCIA DAMASCENO NOGUEIRA .................................................. 447 4. TCNICAS ......................................................................................................465 4.1. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO DECRETO N 049/2007 ELAINE MARTINS PARISE; RENATO FRANCO DE ALMEIDA..................465

SUBSEO II DIREITO INSTITUCIONAL ....................................4831. ARTIGOS ........................................................................................................483 1.1 LESO AO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA ISONOMIA NA ESFERA DA INSTNCIA SUPERIOR NO QUE CONCERNE MANIFESTAO DA PROCURADORIA DE JUSTIA TARCISIO MARQUES; EDSON ALEXANDRE DA SILVA ............................483 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................493 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................494 3.1 DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS VALIDADE E OPERACIONALIDADE DO PRINCPIO PRO HOMINE LUIZ FLVIO GOMES ......................................................................................494 4. TCNICAS ......................................................................................................504 4.1 AO CIVIL PBLICA: INSPEO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL.............................................................................................................. MARCO PAULO CARDOSO STARLING ........................................................504

SUBSEO III DIREITO PBLICO ADMINISTRATIVO............. 5111. ARTIGOS ........................................................................................................ 511 1.1 SEIS VEZES DRU: FLEXIBILIDADE ORAMENTRIA OU ESVAZIAMENTO DE DIREITOS SOCIAIS? LIDA GRAZIANE PINTO................................................................................511 2. JURISPRUDNCIA .......................................................................................538 3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA .....................................................539 3.1 RESPONSABILIZAO PESSOAL DE ADMINISTRADORES DE INSTITUIO FINANCEIRA MRIO CSAR HAMDAN GONTIJO .............................................................539

4. TCNICAS ......................................................................................................550 4.1 MANDADO DE SEGURANA MARCO PAULO CARDOSO STARLING ........................................................550

NORMAS DE PUBLICAO PARA OS AUTORES ...........................558 WRITERS GUIDELINES .....................................................................561

DE JURE - REVISTA JURDICA DO MINISTRIO PBLICO DE MINAS GERAIS

PREFCIO com grande orgulho e satisfao que atingimos o nmero 11 da nossa Revista De Jure Revista Jurdica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais. A Revista De Jure tem cumprido seu papel de fomentar a discusso acadmica e ampliar o acesso a idias plurais o Direito uma cincia de viso e interpretao multidisciplinares. A sua acolhida na comunidade jurdica tem sido significativa, devido ao grande nmero de elogios e pedidos de remessa de exemplares por parte de bibliotecas de centros universitrios e instituies pblicas ligadas ao Direito. Compartilho o sucesso da Revista De Jure com toda a equipe tcnica responsvel, pois sei que nossa responsabilidade aumenta a cada nmero editado, mas que, proporcionalmente, aumenta a dedicao de todos aqueles que com ela trabalham. Estamos sempre procurando aprimorar a confeco da De Jure e o feedback de nossos leitores essencial. A Revista De Jure oferece um convite reflexo. A edio de nmero 11 conta com a valorosa colaborao do ilustre jurista portugus Mario Frota, que discorre sobre os princpios fundamentais de proteo ao consumidor. Conta tambm com as colaboraes de renomados juristas tais como Alexandre Scigliano Valrio, Carlos Augusto Teixeira Guimares, Elida Graziane Pinto, Jos Luiz Quadros de Magalhes, Luciano Lopes Santos, dentre outros. Certamente, a Revista De Jure n 11 continuar servindo de relevante instrumento de aperfeioamento funcional dos membros do Ministrio Pblico. Finalizo convidando nossos leitores a colaborarem com as nossas edies. O seu sucesso deve-se, sobretudo, participao dos membros e servidores do Ministrio Pblico, juristas, professores universitrios e estudantes com o envio de artigos. A todos, o nosso sincero obrigado: vocs leitores so absolutamente essenciais para a continuidade do nosso sucesso. Um forte abrao a todos! Gregrio Assagra de Almeida Diretor do Centro de Estudos e Aperfeioamento Funcional do Ministrio Pblico

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APRESENTAOCom crescente visibilidade, membros e servidores do Ministrio Pblico tm participado da produo cientfica brasileira. Muitas idias, algumas delas genuinamente contributivas sociedade, como a do Ministrio Pblico resolutivo, tiveram origem em reflexes de membros da Instituio. A riqueza e consistncia da produo intelectual no mbito funcional do MP , assim, uma realidade. Reconhecendo isso, a Procuradoria-Geral de Justia do Ministrio Pblico de Minas Gerais, por meio de seu Centro de Estudos e Aperfeioamento Funcional, no tem medido esforos para fornecer a todos os integrantes da Instituio, membros e servidores, como tambm a importantes representantes da comunidade cientfica nacional e internacional, um veculo de informao digno da sua produo tcnica e cientfica. Hoje, publicando mais uma edio da revista De Jure, podemos ver os resultados consistentes desses esforos. Obviamente, muito h ainda o que fazer. Mas j se pode afirmar, sem imprudncia, que a estruturao acadmica, a amplitude temtica, a vocao interdisciplinar, a participao de notveis estudiosos brasileiros e estrangeiros e, sobretudo, a qualidade dos trabalhos credenciam a publicao como um expressivo veculo de propagao do conhecimento e de reflexes voltadas para a implementao extensiva dos direitos, notadamente dos considerados fundamentais, diretamente ligados idia contempornea de cidadania. Que a De Jure continue, assim, contribuindo para a divulgao da produo tcnico-cientfica em nosso Pas, a partir do reconhecimento de que as transformaes sociais pelas quais o Ministrio Pblico e a sociedade brasileira anseiam demandam, em grande medida, novos pensamentos e idias, capazes de levar atores sociais e institucionais mobilizao. mobilizao pela concretizao dos direitos!Procurador-Geral de Justia

Jarbas Soares Jnior

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SEO I ASSUNTOS GERAIS1. DOUTRINA INTERNACIONAL 1.1 OS SERVIOS DE INTERESSE GERALE O PRINCPIO FUNDAMENTAL DA PROTECO DOS INTERESSES ECONMICOS DO CONSUMIDORMARIO FROTA Professeur la Facult de Droit de l Universit de Paris XII (1991/2006) Director do Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra Fundador e primeiro presidente da AIDC Associao Internacional de Direito do Consumo / Association Internationale du Droit de la Consommation Fundador e presidente da APDC Associao Portuguesa de Direito do Consumo, Coimbra, sociedade cientfica de interveno Fundador e primeiro vice-presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito do Consumidor So Paulo/Buenos Aires Fundador e primeiro vice-presidente da AEDEPh Association Europenne de Droit et conomie Pharmaceutiques, Paris Presidente do Conselho de Administrao da Associao Centro de Informao e Arbitragem de Conflitos de Consumo do Porto, em representao da Cmara Municipal do Porto Conselheiro do CPT Conselho de Preveno do Tabagismo, Lisboa Colaborador da Consulex Revista Jurdica editada em Braslia

SUMRIO: 1. Dos servios pblicos essenciais aos servios de interesse geral. 1.1. A diversidade conceitual nos pases europeus: do conceito tradicional ao recorte de um novo conceito. 1.2. Princpios definidos nos documentos de reflexo da Comisso Europia. 1.2.1. O do direito de acesso. 1.2.2. O do direito de escolha. 1.2.3. O direito segurana que se perspectiva em particular sob o prisma da segurana fsica. 1.2.4. O direito qualidade dos produtos ou servios. 1.2.5. O direito continuidade e fiabilidade do fornecimento. 1.2.6. O princpio da transparncia. 1.2.7. O princpio da equidade. 1.2.8. O direito de representao (e de participao activa). 1.2.9. O direito a entidades independentes de regulamentao. 1.2.10. Resoluo de litgios. 2. O princpio fundamental da proteco dos interesses econmicos do consumidor e sua expresso no direito positivo portugus. 2.1. Consagrao corolrios. 2.2. O princpio e suas modelaes. 2.2.1. O direito de participao - expresso do modelo democrtico de estrutura do poder. 2.2.2. A clusula geral da boa-f. 2.2.3. O dever de informao a que se adscrevem os fornecedores: a obrigao geral de informao. 2.2.4. Os padres de qualidade a que se vinculam os fornecedores: a obrigao geral de qualidade. 2.2.5. A formao do contrato. 2.2.6. O preo. A cauo. 2.2.7. Facturao pormenorizada, discriminada ou detalhada. 2.2.8. A recusa de pagamento de servios funcionalmente dissociveis que surgem amide facturados em conjunto. 2.2.9. A quitao parcelar. 2.2.10. A proibio dos consumos mnimos e outros encargos como bice a procedimentos fraudulentos dos monoplios naturais. 2.2.11. Princpio do equilbrio dos oramentos domsticos. 2.2.12. A proibio da suspenso e ou da interrupo do fornecimento sem justa causa. 16

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1. Dos servios pblicos essenciais aos servios de interesse geral 1.1 A diversidade conceitual nos pases europeus: do conceito tradicional ao recorte de um novo conceito O conceito de servios de interesse geral na Unio Europeia pluriforme: a refulgem as concepes anglo-saxnica, germnica, nrdica, neo-latina que no so, na realidade, coincidentes. A noo de servio pblico inexistente em alguns dos Estados-membros. Porm, como se assevera algures, h ideias e realidades muito semelhantes correspondentes a valores comuns a todos os pases europeus. Nos Pases Baixos h os beheer van diensten; na Itlia os gestione di pubblica utilit; no Reino Unido, as public utilities; na Alemanha, a dasein vorsorge; em Frana, o service public; em Espanha los servicios pblicos; em Portugal, os servios pblicos1. O conceito de servios de interesse geral definido se acha em distintos actos institucionais da Unio Europeia. A definio, conquanto no consolidada e susceptvel de reparos fundados, perfila-se como segue: Os servios de interesse geral designam as actividades de servios, com fins lucrativos ou no, consideradas de interesse geral pelas autoridades pblicas e, por esse motivo, sujeitas a obrigaes especficas de servio pblico. Os servios de interesse econmico geral referem-se aos servios que o mercado que os Estados-membros e a Unio sujeitam a obrigaes de servio pblico em funo de critrios de interesse geral, sobretudo de servio universal, em sectores como o das comunicaes electrnicas, da energia e dos correios.

As noes no se nos afiguram suficientemente clarificadoras: Porque, em regra, se contm o definido na definio, o que, a uma outra luz, constituiria, em tempos, ao menos entre ns, motivo da rejeio da prpria noo que no permite a apreenso do conceito que se destina a descodificar. O Comit das Regies da Unio Europeia, em um parecer recente, emitido em 23 e 24 de Fevereiro de 20052 e no que tange distino entre servios de interesse geral (SIG) e servios de interesse econmico geral (SIEG) requer Comisso prepare proposta de legislao-quadro susceptvel de permitir a definio de princpios comuns positivos, v.g.,1 2

JOCE C 368, de 20 de Dezembro de 1999, pontos 1.1.

Parecer do Comit das Regies sobre a Comunicao ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comit Econmico e Social e ao Comit das Regies sobre os Servios de Interesse Geral (2005/C 164/06, in JOCE C 164, de 5 de Junho de 2005).

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o dos critrios de distino dos servios de interesse geral econmicos e no econmicos, os princpios e obrigaes gerais dos servios de interesse geral os critrios para circunscrio da distino das trocas comerciais o direito de os rgos do poder local e regional produo de servios de interesse econmico geral e os princpios directores de funcionamento os mecanismos de avaliao.

E, noutro passo, sublinha que o Livro Branco no d uma definio inequvoca dos servios. Noutros documentos, h menes a servios essenciais de interesse geral, sem que deles se faa um recorte adequado e decisivo, e menos ainda uma distino clara ante as noes pouco precisas de servios de interesse geral e de interesse econmico geral. Nos servios de interesse geral cabem ainda os servios culturais, os servios bancrios mnimos, os servios financeiros assentes nos seguros cuja contratao imperativa, vale dizer, obrigatria, ante o carcter de que se revestem, o servio pblico de radiodifuso e radioteleviso, para alm da rede mundial de informao, vulgo, internet. Pode, sem dvida, afirmar-se que o prprio conceito ser ainda objecto de aprofundada reflexo e no menos acurada discusso. 1.2. Princpios definidos nos documentos de reflexo da Unio Europia Os princpios que regem, na Europa, segmento to relevante do social compendiam-se, de harmonia com o que se contm nos sucessivos textos vertidos neste particular, em: 1.2.1. O do direito de acesso Aceder ao servio de que se trata constitui, em verdade, o primeiro dos princpios. O princpio comporta trs variantes, a saber: o do acesso fsico independentemente do estatuto particular, da idade ou das deficincias susceptveis de determinar eventuais interdies e/ou inabilitaes: ou seja, haja ou no capacidade de exerccio de direitos, o acesso ao servio universal no pode ser denegado a quem quer que seja, afigurando-se-nos que a primeira das caractersticas do servio deve radicar na condio, no estatuto do consumidor, dominado pela igualdade, haja ou no regras particulares no que tange aos consumidores economicamente desfavorecidos; o do acesso econmico, vale dizer, a preos abordveis, expresso que pretende significar que a retribuio, como contrapartida do fornecimento ou da prestao, deve pautar-se por valores acessveis, moderados, em cuja definio curial participem os actores coenvolvidos (sem se olvidar os consumidores, cuja participao essencial). Neste domnio assinale-se que nem sequer se admite que haja discriminao do preo consoante os modos de pagamento adoptados pelos consumidores;

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o acesso geogrfico que se traduz, efectivamente, no fornecimento do produto ou na prestao do servio independentemente do lugar do domiclio do consumidor.

1.2.2 O do direito de escolha O direito de escolha que se quer pela pluralidade de servios, como eventualmente de fornecedores, em situaes em que a natureza do produto ou servio o recomende ou permita. O direito de escolha deve estender-se naturalmente s tecnologias e s infra-estruturas e a condies gerais alternativas dos contratos, em particular no que se prende com o cmputo do fornecimento, modos de pagamento, garantia e assistncia. 1.2.3 O direito segurana que se perspectiva em particular sob o prisma da segurana fsica De tal sorte que o eixo fulcral da poltica de consumidores na Unio Europeia no domnio da preveno, como da precauo se observe sem reservas. Os textos exprimem em tema de preveno ditames genricos como especficos: probe-se o fornecimento de produtos e prestao de servios que, em condies de uso normal ou previsvel, impliquem riscos incompatveis com o seu emprego, inaceitveis de acordo com um nvel elevado de proteco da sade e da segurana fsica das pessoas. No que tange precauo, peculiares cuidados se exigem quando ainda subsiste uma qualquer incerteza cientfica. A precauo que figura em geral3 no Tratado da Unio, ora em vigor, postula um sem nmero de vectores, a saber: ambiente e sade. Em particular, no domnio da segurana alimentar (e as guas inserem-se neste estilo de preocupaes) o princpio da precauo recortado em termos sensveis, revendose de anlogo modo nos pressupostos substantivos e adjectivos de que arranca. Incerteza cientfica4: O que quer significar que os conhecimentos cientficos permitem perspectivar um perigo para a sade sem autorizar a concluso da existncia certa do perigo. Incerteza cientfica: no domnio da salvaguarda da sade, a avaliao cientfica indispensvel no processo legislativo. A gravidade do risco pode revestir duas formas: a primeira, uma incerteza cientfica relativa supervenincia de um prejuzo ou uma incerteza sobre a gravidade do dano. A segunda, uma aco instante, urgente. Duas condies formais se impem: 1 - carcter transitrio: a medida tomada em virtude do princpio da precauo dever entender-se em simultaneidade com a da3 4

Cfr. o artigo 174 do Tratado de Amsterdo / Nice.

O Regulamento da Segurana dos Alimentos de 28 de Janeiro de 2002 (R (CE) 178/2002) define expressamente no seu art. 7. o princpio da precauo.

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incerteza jurdica; 2 - diligncias investigatrias: o que visa a remediar a incerteza cientfica por via de uma consequente investigao cientfica. 1.2.4. O direito qualidade dos produtos ou servios Tal direito pressupe obrigaes de base que garantam a qualidade fsica dos produtos fornecidos ou dos servios prestados aos consumidores. A qualidade abarca, por seu turno, como se tem por curial, domnios outros que se prendem com os demais princpios ou atributos que neles se imbricam, a saber: fiabilidade e continuidade dos servios comunicao com os consumidores indicadores de qualidade e respectiva publicidade inquritos de satisfao e seus reflexos permanentes nos indicadores de qualidade pagamento e suas opes (metrologia) reclamaes e seu tratamento.

Por conseguinte, recorta-se a qualidade e seus pilares bem como as refraces de um tal princpio. 1.2.5. O direito continuidade e fiabilidade do fornecimento Os servios tero de ser assegurados de modo contnuo, permanente e fivel. Tal pressupe e implica uma garantia contra a ausncia de conexo ou de continuidade. Se a interrupo de fornecimento for consentida, impe-se o recurso a procedimentos de equidade por forma a que os prejuzos eventualmente causados se reparem sem detena: a natureza especfica dos fornecimento impe-no de todo. 1.2.6. O princpio da transparncia A informao constitui, como se no ignora, direito fundamental do consumidor. No plano da informao, inscrito no Programa Preliminar das Comunidades Europeias5, definem-se como princpios, entre outros, o da transparncia, a saber, a informao que garanta o domnio das caractersticas essenciais de produtos e servios. No particular de que se trata, impe-se: 5

informao clara e compatvel sobre as tarifas; clareza das facturas dos consumidores domsticos; modalidades e condies de fornecimento; os direitos dos consumidores no domnio do contrato de fornecimento; regulamentao; regime de propriedade; actividade das empresas.

Cfr. o nosso Poltica de Consumidores na Unio Europeia, separata da Revista Lusada de Cincia e Cultura, U.L., Porto, 2000, p. 139 e ss.

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A transparncia volve-se ainda nos processos de deciso dos governos e das instncias regulamentadoras na elaborao de normas que disciplinem o sector coenvolvido: o financiamento base do servio universal os encargos com as atribuies de servio universal a suportar pelas empresas.

1.2.7. O princpio da equidade Se o fornecimento dos produtos ou a prestao dos servios for assegurado por diferentes empresas, impe-se que se estabelea uma concorrncia real e leal, essencial, de resto, por forma a garantir um sistema uniforme que proporcione condies as mesmas entre operadores/fornecedores e designadamente um acesso equitativo s infra-estruturas. O acesso dos consumidores aos servios garantirse- por meio de normas que assegurem uma concorrncia leal e por padres de normalizao que propiciem a liberdade de acesso. A igualdade pressupe que se trate igualmente o igual e desigualmente o desigual. S assim a igualdade se manifestar em seu esplendor. 1.2.8. O direito de representao (e de participao activa) Normas devem ser editadas por forma a garantirem a consulta adequada das instituies e a participao activa dos consumidores nos processos de deciso. Ainda que divirjam na sua constituio as estruturas associativas, o princpio fundamental da independncia das instituies de consumidores deve tornar-se condio sine qua non para a participao em todos os projectos que se instaurem (as associaesempresa que se no revejam em processos de autenticidade e genuidade devem ser arredadas de um qualquer processo do jaez destes). 1.2.9. O direito a entidades independentes de regulamentao A Comisso Europeia manifesta-se peremptoriamente no sentido de se constiturem organismos que no dependam nem dos governos, to pouco das empresas e que disponham de recursos apropriados, de poderes sancionatrios e de atribuies claramente definidas para que o distanciamento das somas de interesses coenvolvidos se afirme indefectivelmente. O Comit de Consumidores considera, porm, como essencial que as associaes de consumidores participem activamente nas decises que de todo lhes respeitem. 1.2.10. Resoluo de litgios Os Estados-membros devero prever sistemas gratuitos e amigveis de composio de interesses, mecanismos de indemnizao em caso de prejuzos causados aos consumidores, resoluo imparcial dos litgios que persistam, de molde a que 21

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se dispense uma justia clere, segura, eficaz e graciosa para que no advenham para os consumidores quaisquer gravames sempre que em causa se achem os seus direitos. Uma justia acessvel e pronta, afinal, que garanta os consumidores contra todos os bloqueios que se lhes deparem. As directrizes que no Livro Branco da Comisso Europeia, de 12 de Maio de 2004, figuram, porm, sob a epgrafe os servios de interesse geral - por uma poltica nova e coerente, reconduzem-se a um sem nmero de pontos, objecto ainda de ponderao no Parlamento como no Conselho da Unio Europeia6. 2. O princpio fundamental da proteco dos interesses econmicos do consumidor e sua expresso no direito positivo portugus 2.1. Consagrao corolrios O princpio da proteco dos interesses econmicos do consumidor desfruta, entre ns, de consagrao constitucional: tem o seu assento no n.1 do artigo 60 da Constituio Portuguesa. O conceito que dele traa a lei ordinria in casu, a LC Lei do Consumidor , em Portugal, , por um lado, redutor e, por outro, basta-se com meras expresses de todo no exaustivas, i., meramente exemplificativas, ante a amplitude das relaes jurdicas de consumo os actos e os contratos a que se adscrevem os consumidores. No plano de que se trata se conceitua o princpio como o n. 1 do artigo 9 o faz: O consumidor tem direito proteco dos seus interesses econmicos, impondo-se nas relaes jurdicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa f, nos preliminares, na formao e ainda na vigncia dos contratos. E, de entre as modelaes que assume, realce para: 6

a proibio de negcios ligados7 a proibio de negcios jurdicos forados

Eis os aspectos a definidos: respeitar a diversidade num quadro coerente; esclarecer e simplificar o quadro jurdico relativo compreenso das obrigaes de servio pblico; fornecer um quadro claro e transparente para a seleco das empresas encarregadas de um servio de interesse geral; reconhecer plenamente o interesse geral nos servios sociais e de sade; analisar os resultados e avaliar o funcionamento dos servios; rever as polticas sectoriais; reflectir as polticas internas da Unio Europeia na poltica comercial e internacional; promover os servios de interesse geral na cooperao para o desenvolvimento. Fenmeno a que se assiste com inusitada frequncia no domnio dos servios de interesse geral, como no que tange energia elctrica em que o fornecedor promove a mediao de seguros das instalaes elctricas dos consumidores; as empresas de telecomunicaes mveis negoceiam os aparelhos e associam operao determinados planos de prestao de servios; fornecedores de gs de cidade que aliam ao fornecimento do combustvel o material de queima.7

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a proibio da ocluso do perodo de reflexo ou ponderao em negcios celebrados fora de estabelecimento a reposio do equilbrio posicional nos negcios celebrados com os prestadores de servios pblicos essenciais8.

Por corolrio se entende a consequncia directa e necessria de uma verdade j demonstrada. Um sem nmero de corolrios se poder extrair do princpio-regra. Um h, porm, que por nuclear se tem de afirmar categoricamente. A saber: o consumidor paga s o que consome, na exacta medida em que e do que consome. O que significa que o aluguer do contador, tanto na gua, como na energia elctrica ou no gs, as taxas de assinatura nas comunicaes electrnicas, os consumos mnimos em cada um dos segmentos se tm de considerar proscritos (ou so de todo de proscrever), como ora emerge da Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro. Da que se imponha, em geral, s empresas ou aos servios a adopo de um sistema de contabilidade analtica de molde a saber-se, em rigor, o preo de explorao do produto ou servio para que se abandone a prtica de servios artificiais e de alcavalas outras que constituem taxas ou impostos decretados revelia dos princpios e das coordenadas de um qualquer Estado de Direito9. Manifestaes do invocado princpio-regra se detectam em inmeras hipteses com expressa regulamentao nas leis que vigoram em Portugal, em particular a Lei de Proteco do Consumidor de Servios Pblicos Essenciais, ora denominados de interesse geral em homenagem evoluo conceitual operada na Unio Europeia, e se materializam, entre outros, em proibies de pendor vrio, a saber: a insusceptibilidade da suspenso ou da interrupo de fornecimento sem se facultar ao consumidor, com razovel antecedncia, os meios de defesa que lhe permitam impugnar a deciso ou regular as prestaes indbitas eventualmente subsistentes; a exigncia de uma facturao completa, discriminada e exaustiva, em todas e quaisquer circunstncias, com a mincia requerida, e que garanta o consumidor contra deficincias, erros, omisses; a possibilidade de quitao parcial quando haja parcelas impugnveis na

8

Cfr. o n 8 do artigo 9 da LC que reza: Incumbe ao Governo adoptar medidas adequadas a assegurar o equilbrio das relaes jurdicas que tenham por objecto bens e servios essenciais, designadamente gua, energia elctrica, gs, telecomunicaes e transportes pblicos. Manifestao recente do recurso ao princpio-regra da proteco dos interesses econmicos protagonizou-a o Governo de Madrid que ps imperativamente termo a desmedidas prticas de preos tanto nos lugares de estacionamento automvel, como nas telecomunicaes mveis (telefonia celular), em que se veda a possibilidade, at ento silenciada, de por um minuto se cobrar uma hora ou por um segundo se cobrar um minuto, respectivamente.9

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mesma factura, de molde a pagar-se o que se tem por pacfico e a pr em causa o remanescente sem que tal constitua o consumidor em mora; a faculdade de se rejeitar o pagamento de montantes outros sempre que se trate de produtos ou servios funcionalmente dissociveis carregados numa e numa s factura; a proibio de consumos mnimos (no quadro do corolrio de que se pagar s o que se consome na exacta medida em que e do que se consome); a garantia do respeito pelo equilbrio dos oramentos domsticos ante o estabelecimento de curtos prazos de prescrio e de caducidade (decadncia); elevados padres de qualidade sob pena de responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso.

O princpio comporta, em geral, plrimas expresses. No se esgotam, pois, nas que houve o ensejo de enunciar. 2.2. O princpio e suas modelaes 2.2.1. O direito de participao - expresso do modelo democrtico de estrutura do poder A Constituio da Repblica contempla o direito de participao e consulta, no n 1 do seu artigo 60. A Lei do Consumidor, na alnea h) do seu artigo 3, prev como direito do consumidor, o de participao, por via representativa, na definio legal ou administrativa dos seus direitos e interesses. E no artigo 15 se conceitua que o direito de participao consiste, nomeadamente, na audio e consulta pblicas, em prazo razovel, das associaes de consumidores no tocante s medidas que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos consumidores. E, no que aos direitos outorgados s associaes de consumidores se reporta, registo para o que figura no artigo 18 e que, em suma, se pode compendiar em se reconhecer: o estatuto de parceiro social em matrias que respeitem poltica de consumidores; direito de antena na rdio e na televiso; direito de representar os consumidores no processo de consulta e audio pblicas a realizar no decurso da tomada de decises susceptveis de afectar os direitos e interesses dos consumidores;

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o direito a solicitar a apreenso e retirada de bens do mercado ou a interdio de servios lesivos dos direitos e interesses dos consumidores; o direito a corrigir e a responder ao contedo de mensagens publicitrias; direito a participar nos processos de regulao dos preos de fornecimento de bens e prestao de servios essenciais, nomeadamente nos domnios da gua, energia, gs, transportes e telecomunicaes; direito a solicitar os esclarecimentos sobre as tarifas praticadas e a qualidade dos servios, por forma a poderem harmonizar-se sobre umas e outras; direito a solicitar aos laboratrios oficiais a realizao de anlises sobre o estado de conservao e demais caractersticas dos bens destinados ao consumo pblico e de tornarem pblicos os correspondentes resultados; direito presuno de boa f das informaes pelas associaes prestadas; direito aco popular.

No que em particular se refere aos servios de interesse geral, a Lei n 23/96, de 26 de Julho, consagra expressis verbis o direito de participao das instituies de consumidores que relevam da sociedade civil, definindo redundantemente, porm, que: tm direito de ser consultadas quanto aos actos de definio do enquadramento jurdico dos servios pblicos e demais actos de natureza genrica que venham a ser celebrados entre o Estado, as Regies Autnomas ou as autarquias e as entidades licenciadas; para o efeito, projectos e propostas tero de ser objecto de comunicao adequada e oportuna (tempestiva) por forma a pronunciarem-se em lapso que no poder ser inferior a 15 dias; tm ainda o direito de ser ouvidas relativamente definio das grandes opes estratgicas das empresas concessionrias do servio pblico, desde que o servio seja prestado em regime de monoplio de facto ou de direito.

O que ocorre que o preceito permanece letra morta, preteridos que so os direitos das instituies representativas dos consumidores, consideradas sempre como elementos estranhos s estratgias e a actos de gesto de empresas com manifesto pendor autocrtico de poder. A arquitectura do ordenamento assenta em uma traa notvel que se ignora permanentemente por convenincia ou ignorncia inexcusvel das empresas de base ou concessionrias e/ou por inpcia das instituies de consumidores que no ultrapassam os quadros de debilidade endmica ou de inapetncia interventiva que se lhes associa, no raro fruto de fragilidades estruturais e materiais que lhes so inerentes. O que se volve na perpetuidade das agresses de que padecem os consumidores 25

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nos seus direitos e interesses legitimamente protegidos. O direito de participao incmodo para o Estado e demais entes pblicos, como para as empresas concessionrias de servios pblicos. Da que seja deliberadamente obliterado. Nem sequer entidades com responsabilidades manifestas, como o caso do Ministrio Pblico, se propem encetar iniciativas tendentes promoo dos interesses, como proteco dos direitos do consumidor, quando o seu estatuto lhe impe o poder-dever de agir de ofcio10. E desafortunadamente tal se no regista neste particular. Outro tanto no que tange ao Instituto do Consumidor (extinto e substitudo, entretanto, em 2007 pela Direco-Geral do Consumidor), a que incumbe a execuo das polticas gizadas pelos Governos neste domnio e que de anlogo modo titular do direito de aco colectiva (aco inibitria), de que jamais lanou mo... como se se vivesse no melhor dos mundos! 2.2.2. A clusula geral da boa-f A boa-f constitui princpio geral consignado na Lei do Consumidor. A se exprime, no quadro do princpio da proteco dos interesses econmicos do consumidor, a igualdade material dos contraentes por oposio igualdade meramente formal, apangio, de resto, dos cdigos civis novecentistas e que o Cdigo Civil portugus da segunda metade do sculo XX inequivocamente consagra. A se consigna que subjacentes aos preliminares, formao e no decurso da vida dos contratos, se achem lealdade e boa-f: a boa-f nas vertentes porque se desdobra, saber, a objectiva e a subjectiva, ante a orientao perfilhada nos ordenamentos jurdicos ps-modernos, como emerge, alis, da LCGC Lei das Condies Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985. A se ponderam os valores fundamentais do direito, relevantes ante a concreta hiptese de facto controvertida e, em particular, a confiana suscitada nas partes, pelo sentido global das condies gerais em causa, pelo processo de formao do contrato singular celebrado, pelo sentido e alcance que nele se encerram e pelos demais elementos atendveis e, nesse particular se perspectiva a boa-f objectiva; e o objectivo que os contraentes visam atingir negocialmente, logrando-se a sua

10

Cfr. artigo 20 da Lei n. 24/96, de 31 de Julho, que prescreve imperativamente: Incumbe tambm ao Ministrio Pblico a defesa dos consumidores no mbito da presente lei e no quadro das respectivas competncias, intervindo em aces administrativas e cveis tendentes tutela dos interesses individuais homogneos, bem como de interesses colectivos ou difusos dos consumidores.

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concretizao luz do tipo contratual adoptado e aqui radica a considerao da boa-f subjectiva que perpassa obviamente, como se acentuou, os ordenamentos jurdicos axiologicamente fundados e a que no escapam hodiernamente os dos consumidores, qualquer que seja a latitude em que se situem. A Lei de Proteco do Consumidor de Servios Pblicos Essenciais estabelece inequivocamente em reforo do princpio geral plasmado na LC que: O prestador de servio deve preceder de boa-f e em conformidade com os ditames que decorrem da natureza pblica do servio, tendo igualmente em conta a importncia dos interesses do consumidor que se pretende proteger. E o princpio ou a clusula geral da boa f que deve iluminar as relaes que se consubstanciem na rbita dos servios de interesse geral, como se tem por imperativo. 2.2.3. O dever de informao a que se adscrevem os fornecedores: a obrigao geral de informao O consumidor tem, de harmonia com a Constituio e a Lei que em geral tutela o seu estatuto, direito informao para o consumo11. O direito informao desdobrase, em definio que suscita reparos, em: informao em geral informao em particular

Ao Estado incumbe (e bem assim s Regies Autnomas dos Aores e da Madeira e aos municpios) desenvolver aces e adoptar medidas tendentes informao em geral ao consumidor, de forma a que possa o consumidor dominar os direitos que se lhe outorgam12. Para alm da informao em geral, ao consumidor se confere um direito informao em particular13, que - no seu contrapolo - se traduz na imposio de deveres ao produtor, importador, distribuidor e fornecedor final. De tal sorte que o n 1 do invocado dispositivo prescreve:O fornecedor de bens ou prestador de servios deve, tanto nas negociaes como na celebrao de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor,11 12 13

Cfr. Lei 24/96, de 31 de Julho artigo 3, alnea d). Cfr. Lei 24/96, de 31 de Julho n. 1 do artigo 7. Cfr. Lei 24/96, de 31 de Julho artigo 8.

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nomeadamente, sobre caractersticas, composio e preo do bem ou servio, bem como sobre o perodo de vigncia do contrato, garantias, prazos de entrega e assistncia aps o negcio jurdico.

E o n 2 estatui:

A obrigao de informar impende tambm sobre o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor, o embalador e o armazenista, por forma que cada elo do ciclo produoconsumo possa encontrar-se habilitado a cumprir a sua obrigao de informar o elo imediato at ao consumidor, destinatrio final da informao.

No que tange, porm, ao domnio dos outrora denominados servios essenciais, como que se observa um reforo do dever de informao que impende sobre o prestador do servio ao consagrar-se imperativamente e, em geral, que o fornecedor deve informar convenientemente a outra parte das condies em que o servio fornecido e prestar-lhe todos os esclarecimentos que se justifiquem de acordo com as circunstncias14. E, no que em particular se refere aos operadores dos servios de comunicaes electrnicas, impe-se que informem regularmente, de modo tempestivo e eficaz, os consumidores sobre as tarifas aplicveis aos servios prestados, designadamente as respeitantes comunicao entre a rede fixa e a rede mvel. De registar de facto que os ditames da lei mais no constituem que autntica letra morta... j que o dever acrescido de informao no actuado quotidie, como elementarmente se imporia. Da a ignorncia em que permanece, em geral, o consumidor, com reflexos na sua bolsa, atreito a planos incomportveis de tarifrios, revelia do princpio da proteco dos interesses econmicos de que a igualdade material dos contraentes - nas relaes entre fornecedor e consumidor, como da posio relativa dos consumidores entre si - um dos postulados. O caos, porm, est neste domnio instalado. 2.2.4. Os padres de qualidade a que se vinculam os fornecedores: a obrigao geral de qualidade A qualidade constitui, no ordenamento jurdico portugus, direito com foros deO dever de informao que surge destarte reforado, est, no entanto, em consonncia com o que se estabelece no domnio da cognoscibilidade (comunicao e informao) no mbito dos contratos formados com base em condies gerais constantes de formulrios pr-estabelecidos. Cfr. DL 446/85, de 25 de Outubro, artigos 5 e 6.14

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tutela constitucional, tal a configurao do n 1 do artigo 60 do Texto Fundamental. E a LC consagra um dispositivo qualidade, a saber, o artigo 4 cujo n 1 preceitua o que os autores e as escolas aceitam pacificamente:[...] os bens e servios votados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado s legtimas expectativas do consumidor.

A no-qualidade , por via de regra, nos efeitos patrimoniais negativos que provoca, nefasta para o fornecedor. Nanja no que aos servios de interesse geral se reporta. Haja em vista a ausncia de cobertura do servio mvel de telecomunicaes que factor potenciador de receitas acrescidas para os operadores omissos, j que, em lugar de um impulso inicial, haver at se estabelecer uma qualquer comunicao que multiplicar exausto os impulsos com vantagens acrescidas para quem, afinal, negligencia os seus deveres funcionais e ou contratuais. da experincia quotidiana de cada um e todos, razo por que eventuais consideraes suplementares sero naturalmente suprfluas. A no-qualidade , pois, vantagem, ilcita, de resto, dos operadores contumazes e relapsos. O que um manifesto contrasenso, em particular quando de todos os quadrantes se assevera que os custos da no-qualidade so ruinosos para os operadores econmicos que assentam as suas estratgias na defeco dos poderes-deveres a que se adscrevem e no esvaziamento dos correlativos direitos dos consumidores. No particular dos servios de interesse geral (que aqui ou alm, nos instrumentos emanados da Unio Europeia, aparecem qualificados de essenciais...), a Lei de Proteco do Consumidor de Servios Pblicos Essenciais de 26 de Julho de 1996 impe aos operadores, no seu artigo 7, elevados padres de qualidade, prescrevendo que neles se deve incluir o grau de satisfao dos consumidores, especialmente quando a fixao do preo varie em funo desses padres(?). Ainda que se trate de obrigaes ou deveres principais, que no meramente acessrios, como se sufragava em distinta perspectiva da teoria geral dos contratos, a obrigao geral de segurana deveria surgir autonomamente, que no em associao preferencial com a qualidade e eficcia. De qualquer sorte, a obrigao geral de segurana desfruta tambm de lugar de realce neste domnio. 2.2.5. A formao do contrato O modelo do contrato reveste a forma de contrato de adeso com base em formulrio pr-redigido, definido por lei, por proviso da entidade reguladora ou 29

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do prprio fornecedor. s condies gerais presentes nos formulrios, se aprovadas pelo legislador, no se aplicam as disposies da LCGC Lei das Condies Gerais dos Contratos (Decreto-Lei n 446/85, de 25 de Outubro, com as alteraes que, entretanto, se introduziram) por excluso expressa do seu artigo 3,15 mas susceptvel de se suscitar a inconstitucionalidade material ou orgnica perante os tribunais se ocorrer a violao de qualquer dos preceitos da Lei Fundamental e perante os tribunais administrativos se as clusulas enfermarem de qualquer ilegalidade. A LCGC aplica-se nos mais casos, impondo-se quer a sindicncia das condies gerais constantes dos formulrios em circulao atravs da aco inibitria, quer das clusulas insertas em contratos singulares mediante as aces de declarao de nulidade previstas no artigo 2416. Tratando-se de contratos singulares, mister ser apurar se os pressupostos de validade e eficcia das clusulas se preenchem ou no. A perquirio dos pressupostos ter-se de efectuar com base na indagao de cada um deles, a saber: 15

a cognoscibilidade, nos planos da comunicao17, como no da informao18 a legibilidade19

O artigo 3 da lei em epgrafe prescreve: O presente diploma no se aplica: a) A clusulas tpicas aprovadas pelo legislador b) A clusulas que resultem de tratados ou convenes internacionais vigentes em Portugal; c) A contratos submetidos a normas de direito pblico; d) A actos de direito da famlia ou do direito das sucesses; e) A clusulas de instrumentos de regulamentao colectiva de trabalho.

Sob a epgrafe declarao de nulidade prescreve o dispositivo: as nulidades previstas neste diploma so invocveis nos termos gerais.16

O artigo 5 da LCGC estabelece: 1. As clusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na ntegra aos aderentes que se limitem a subscrev-las ou a aceit-las. 2. A comunicao deve ser realizada de modo adequado e com a antecedncia necessria para que, tendo em conta a importncia do contrato e a extenso e complexidade das clusulas, se torne possvel o seu conhecimento complete e efectivo por quem use de comum diligncia 3. O nus da prova da comunicao adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as clusulas contratuais gerais.17

O artigo 6, em tema de informao, define: 1- O contratante que recorra a clusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclarao se justifique. 2- Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoveis solicitados.18 19

A alnea a) do n 2 do artigo 9 da LC precisa: Com vista preveno de abusos resultantes de contratos pr-elaborados, o fornecedor de bens e o

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a inteligibilidade20 a contextualidade21 a vinculatividade22

Ante os efeitos factuais da inobservncia de qualquer dos pressupostos, a saber, os da excluso das clusulas apostas nos contratos singulares de que se trata, os contratos note-se, os contratos podero ter-se, a despeito, como vlidos ou achar-se feridos de nulidade, sem se descurar que, a no haver sequer corpus o que raramente ocorrer nas hipteses em anlise , a inexistncia jurdica sobrevir. essa, afinal, a soluo aparelhada no artigo 9 da LCGC, depois de adequado esforo de integrao e de interpretao dos negcios jurdicos, nos termos gerais23. S aps a anlise formal destarte consubstanciada - e se se concluir pela validade do contrato que se proceder anlise material ou substancial das clusulas que remanescem do formulrio pr-redigido a partir do seu confronto, sucessiva e pontualmente, com as listas negras e cinzentas das clusulas proibidas e, em seguida, aferindo-se, se for o caso, a sua geometria pela rgua da boa f por qualquer dos lados o objectivo e o subjectivo. 2.2.6. O preo. A cauo Onde subsistir a concorrncia, a formao do preo decorrer da regra de ouro do mercado: preo o resultado do livre jogo da oferta e da procura. Conquanto se verifiquem distores de tomo no que tange s telecomunicaes (servio fixoprestador de servios esto obrigados: redaco clara e precisa, em caracteres facilmente legveis, das clusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares.20 21

a parte primeira do preceito no passo precedente transcrito que inteligibilidade se reporta.

Cfr. a alnea c) do artigo 8 da LCGC, a saber: Consideram-se excludas dos contratos singulares as clusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epgrafe que as precede passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posio do contratante real. Cfr. a alnea d) do artigo referenciado na nota anterior, que reza assim: Consideram-se excludas dos contratos singulares as clusulas inseridas em formulrios, depois da assinatura de algum dos contratantes.22

o artigo 9 da LCGC que rege neste particular, sob a epgrafe subsistncia dos contratos singulares: 1- Nos casos previstos no artigo 8 os contratos singulares mantm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicveis com recurso, se necessrio, s regras de integrao dos negcios jurdicos. 2- Os referidos contratos so, todavia, nulos quando, no obstante a utilizao dos elementos indicados no nmero anterior, ocorra uma indeterminao insuprvel de aspectos essenciais ou um desequilbrio nas prestaes gravemente atentatrio da boa f.23

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de telefone) sempre que, em mercado aberto e em concorrncia, a empresa que embolsa as taxas de assinatura delas se apropria para as aplicar a seu bel talante24, o facto que a Agncia Regulatria e a Autoridade da Concorrncia se no podem distrair, sob pena de oferecerem de bandeja um autntico favor juris ao monoplio de antanho que pretende, assim, manter uma posio relevante de domnio. Ponto que se no desvirtuem as regras de mercado. E a Administrao Pblica, directa ou indirecta, no avantaje os monoplios de ontem em detrimento dos operadores que consigo concorrem em situao de desproporo natural. E por de monoplio natural se tratar, os preos devem, em princpio, obedecer a sistema distinto de preo livre a preo convencionado ou acordado. Preo contratado, convencionado ou acordado o que resulta de negociaes multilaterais em que se envolve o fornecedor, a associao de interesses econmicos a que se religa o domnio visado, o instituto regulador, a Direco-Geral de Empresa, as associaes de consumidores de interesse genrico ou especfico de mbito nacional. Se as associaes de consumidores no forem notificadas para tomar parte nas negociaes, os preos que se definirem padecero de nulidade por aplicao da regra geral segundo a qual os negcios jurdicos ( de um verdadeiro contrato multilateral que se trata) celebrados contra disposio legal de carcter imperativo so nulos de pleno direito. s associaes de consumidores no lcito se lhes solicite to-s mero parecer em resultado de uma qualquer consulta. As associaes tm de participar: e participar tomar parte nas negociaes, sob pena de se no formar, na circunstncia, o preo. O reclamado direito das associaes de consumidores decorre da alnea h) do n. 1 do artigo 18 da LC, que se exprime imperativamente nesse sentido25.A Portugal Telecom (PT) vai lanar uma flat rate (tarifa fixa) de 29,90 euros por ms, que vai permitir aos utilizadores realizarem chamadas telefnicas de voz pela rede fixa com durao ilimitada. Esta uma das principais novidades do novo plano tarifrio que ser hoje apresentado pela PT e que elimina, na prtica, a diferena que existe entre chamadas locais e regionais. Este novo plano de preos, denominado PT Total, incorpora o valor da assinatura (15,30 euros) mais um adicional de 14,60 euros. Os quatro milhes de clientes da rede fixa podem, a partir de dia 10 de Outubro (segunda-feira), ligar o 16200 e mudar para este novo plano sem custos acrescidos, com o direito de falar por tempo ilimitado dentro da rede fixa PT. Fonte da PT disse ao CM que a inteno da PT acrescentar valor na rede fixa, uma inteno que sempre foi reafirmada por Miguel Horta e Costa. Pela primeira vez, o regulador (ANACOM) ter dado luz verde a este tipo de produto, depois de ter vetado a iniciativa da PT de oferecer aos seus clientes da rede fixa chamadas gratuitas ao fim-desemana. A PT tem 1200 planos tarifrios diferentes.24 25

A alnea de que se trata expressa inequivocamente a orientao traada:

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Trata-se de uma manifestao eloquente do direito de representao conferido s associaes de consumidores, como noutro passo se assinalou, nos artigos 3 e 5 da LC e que artigo 18 delineia com a mincia requerida: na sua concepo, o sistema tende a contemplar os distintos interesses em presena. No entanto, as associaes de consumidores no so, em geral, tidas nem havidas na formao do preo, com a amplitude que a lei impe ou exige: na gua, so as assembleias municipais que decretam o preo, ainda que de empresas privadas concessionrias do servio pblico de distribuio de gua predial se trate; na energia elctrica a entidade reguladora que o estabelece; nas telecomunicaes, nos aspectos restritos no negociveis directamente, tambm a entidade reguladora, outrotanto se observando no que tange aos servios postais26. Ou seja, h uma subverso autntica do processo em detrimento do estatuto do consumidor, na sua vertente patrimonial. No que se prende cauo, ou seja, ao montante que o consumidor deveria antecipar para garantir o fornecimento, de considerar que de h algum tempo a esta parte27 se excluiu a cauo em geral imposta, mantendo-se to somente para as situaes em que o consumidor indbito pretenda manter o contrato, como forma de penalizao pelo no cumprimento registado. 2.2.7. Facturao pormenorizada, discriminada ou detalhada A Lei de Proteco do Consumidor de Servios Pblicos Essenciais, ao formular uma tal exigncia, ps termo a uma praxis demolidora, a saber, a da apresentao de facturas cegas aos consumidores que, ainda que se socorressem de contadores que teriam de pagar parte, em caso de divergncia, a leitura da empresa prevaleceria, que no a do contador servido onerosamente pela prpria empresa ao consumidor. A lei representou uma ruptura de saudar e obrigou a empresa a um investimento vultuoso de molde a que os direitos do consumidor se cumprissem em plenitude em um tal plano. E a empresa repetia incessantemente que um tal controlo era insusceptvel de se efectuar.as associaes de consumidores gozam do direito de participar nos processos de regulao de preos de fornecimento de bens e de prestaes de servios essenciais, nomeadamente nos domnios da gua, energia, gs, transportes e telecomunicaes, e a solicitar os esclarecimentos sobre as tarifas praticadas e a qualidade dos servios, por forma a poderem pronunciar-se sobre elas. Alm disso, a alnea g), que lhe precede, consagra ainda o: direito a serem esclarecidas sobre a formao dos preos de bens e servios, sempre que o solicitem. Os conselhos tarifrios em que participam teoricamente (?) os consumidores relevam dos diplomas legais que instituem os reguladores DL 4/97, de 20 de Fevereiro e DL 309/2001, de 7 de Dezembro e diplomas complementares.26 27

Cfr. Decreto-Lei n. 195/99, de 8 de Junho.

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A Directiva 97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 199728, transposta, porm, para o ordenamento jurdico ptrio pela Lei n 69/98, de 28 de Outubro, em tema de dados pessoais e proteco de privacidade no sector das telecomunicaes, corrobora um tal mandamento ao estabelecer o princpio segundo o qual o assinante tem o direito de receber facturas detalhadas ou no detalhadas. E acrescenta, no caso de ter optado pela facturao detalhada, o assinante tem o direito de exigir do operador a supresso dos ltimos quatro dgitos. No entanto, as chamadas facultadas ao assinante a ttulo gratuito, incluindo as que se dirigem ao servio de emergncia ou de assistncia, no devem constar da facturao detalhada. O legislador entendeu, porm, regulamentar o dispositivo neste particular consignado pelo Decreto-Lei n 230/96, de 29 de Novembro, que de forma singular prescreve que a facturao fornecida sem qualquer encargo quando o utente for uma pessoa singular, nos seguintes casos: - sempre que uma factura no detalhada seja objecto de reclamao; - mediante pedido escrito do utente, vlido pelo perodo de um ano. A facturao detalhada deve identificar cada chamada e o respectivo curso.

A facturao s , pois, gratuita para os consumidores singulares. Ser onerosa para as pessoas colectivas e para as sociedades comerciais. A menos que os valores sejam contestados, caso em que a emisso da factura detalhada se processar graciosamente. Afigura-se-nos, porm, que, a despeito das desigualdades patentes, a gratuitidade deveria atingir no s os consumidores como os demais entes que na circunstncia e neste especfico domnio se lhes equiparam. Porque pressuposto do direito de quitao. E porque o nus dos impulsos imputados aos consumidores cabe aos operadores de telecomunicaes. facto que a emisso das facturas se repercute naturalmente nos encargos gerais e, em ltima anlise, ainda que de forma esbatida, reflecte-se na factura global de cada um e todos. 2.2.8. A recusa de pagamento de servios funcionalmente dissociveis que surgem amide facturados em conjunto As entidades ou empresas concessionrias de servios de interesse geralA Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, revogou, entretanto, a Directiva 97/66/CE, e foi transposta para o ordenamento jurdico nacional pela Lei n 41/2004, de 18 de Agosto.28

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facturam, no raro, em um s documento prestaes que ou so indevidas ou so de duvidosa legitimidade, como o caso do denominado servio de valor acrescentado, mais tarde, audiotexto, (no Brasil, as linhas 900), que constitui fonte privilegiada de locupletamento de empresas, associadas, de resto, ao monoplio das telecomunicaes que facturava por servio imposto sem eventual manifestao de vontade do consumidor, a despeito de, em determinada altura, haver norma expressa que jamais se cumpriu. E os tribunais dos de instncia ao Supremo Tribunal de Justia , decidindo contra legem fustigaram consumidores inocentes condenando-os a satisfazer autnticas somas caladas quando nem sequer havia contrato de base ou extenso do contrato de fornecimento de um servio pblico essencial, como era, ao tempo, o de telecomunicaes29. E foi preciso que, em surpreendente viragem, o Supremo Tribunal de Justia, arrancando de uma apodctica assero de que s h responsabilidade contratual, se houver contrato30, decretasse a absolvio do pedido de um dos consumidores-demandados, para se sofrearem os mpetos, afinal, de quem manda sistematicamente princpios e valores s malvas para, com o beneplcito dos tribunais, se avantajar ilicitamente. O dispositivo em que ancora a faculdade de rejeio do que se houver por controvertido ou de todo insubsistente apresenta a moldura que segue:O consumidor no fica obrigado ao pagamento de bens ou servios que no tenha prvia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que no constitua cumprimento de contrato vlido, no lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devoluo ou compensao, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deteriorao da coisa31.A Lei n 5/2004, de 10 de Fevereiro, subtraiu do manto de tutela dos servios pblicos essenciais o servio que se passou a denominar de comunicaes electrnicas, reintegrado pela Lei 12/2008.29

O aresto do Tribunal da Relao de Coimbra de 22 de Maio de 2002 e tem como relator o ora Conselheiro Pires da Rosa. O seu sumrio do teor seguinte: [...] II- Por conseguinte, no podia, nem pode ser exigido pelo operador ao assinante do posto fixo de telefone o pagamento relativo a chamadas de valor acrescentado ou de audiotexto, no caso deste no ter contratado esses servios, uma vez que no h responsabilidade contratual onde no h contrato. O Supremo Tribunal de Justia corrobora tal posio, alis, saudada com particular veemncia por ns: 1. De acordo com o Regulamento de Explorao do Servio Fixo de Telefone (RESFT97), o operador autorizado s pode facilitar o acesso aos servios de valor acrescentado (SVA) se o utente o declarar expressamente. 2. Cabe ao operador o nus da prova de tal declarao. 3. No vale como tal, por no ter o significado de uma proposta de contrato, ainda que tcita, o facto de o utente ter feito uma ligao para um prestador de SVA.30 31

Cfr. Lei do Consumidor - n 4 do artigo 9.

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2.2.9. A quitao parcelar O direito quitao que o Cdigo Civil prev no seu artigo 787 traduz-se em:1. Quem cumpre a obrigao tem o direito de exigir quitao daquele a quem a prestao feita, devendo a quitao constar de documento autntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legtimo. 2. O autor do cumprimento pode recusar a prestao enquanto a quitao no for dada, assim como pode exigir a quitao depois do cumprimento.

As resistncias experimentadas neste particular pelos consumidores traduziamse na recusa quitao sempre que ocorressem situaes como as caracterizadas no ponto precedente. Recusa infundada, mas que constitua como que um dos modos de presso tendentes satisfao plena dos montantes facturados, ficando o consumidor desprovido de meio de prova do cumprimento parcelar da factura nos casos em que a facturao conjunta lesasse os seus interesses ou direitos atravs de parcelas inexigveis ou de manifesta ou duvidosa legalidade. Com o dispositivo de natureza injuntiva vertido neste particular, a lei prescreveu o bvio e reforou, alis, os meios de tutela do consumidor ante os continuados gravames desferidos pelos fornecedores ao consumidor concreto individualmente considerado, merc dos monoplios naturais ou de facto ou dos oligoplios que em circunstncias determinadas surgem no horizonte da massa de consumidores. 2.2.10. A proibio dos consumos mnimos e outros encargos como bice a procedimentos fraudulentos dos monoplios naturais A Lei de Proteco do Consumidor de Servios Pblicos32 estabelece imperativamente a proibio da imposio e da cobrana de consumos mnimos. O comando emerge de forma precpua do princpio-regra da proteco dos interesses econmicos do consumidor. E a persistncia de aces tendentes arrecadao de montantes a esse ttulo, ainda que de forma dissimulada, susceptvel de configurar, na ptica do direito ptrio, crime de especulao previsto e punido pelo artigo 35 da Lei Penal do Consumo, como a designamos33.32 33

Lei n 23/96, de 26 de Junho artigo 8.

Decreto-Lei n 28/84, de 20 de Janeiro, que prev, provendo, como segue: 1 - Ser punido com priso de 6 meses a 3 anos e multa no inferior a 100 dias quem:

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Os operadores econmicos que exploram os servios de interesse (econmico) geral lanam, no raro, mo de estratagemas vrios para contre-coeur embolsarem valores que so autnticos consumos mnimos: no fornecimento de gua: quotas de disponibilidade, tarifas de disponibilidade, tarifas de servio, aluguer do contador (hidrmetro) ou designaes similares que frustram o princpio na afirmao de que o consumidor deve pagar s o que consome e na exacta medida em que (e do que) consome. no que tange energia elctrica, taxa de potncia, aluguer do contador. no que se refere ao gs de cidade, o monoplio apresenta de forma descarada uma rubrica cognominada termo fixo natural, de que os mais letrados naturalmente nem sequer sabem o sentido e alcance: mas que se trata de um alcance34 em sentido prprio no se duvide.

No que s comunicaes electrnicas toca, realce para a famigerada taxa de assinatura, que afronta despudoradamente o princpio-regra de que neste

a) Vender bens ou prestar servios por preos superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos; b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com inteno de obter lucro ilegtimo, os preos que do regular exerccio da actividade resultariam para os bens ou servios ou, independentemente daquela inteno, os que resultariam da regulamentao legal em vigor; c) Vender bens ou prestar servios por preo superior ao que conste de etiquetas, rtulos, letreiros ou listas elaborados pela prpria entidade vendedora ou prestadora do servio; d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores s nestes mencionadas. 2 - Com a pena prevista no nmero anterior ser punida a interveno remunerada de um novo intermedirio no circuito legal ou normal da distribuio, salvo quando da interveno no resultar qualquer aumento de preo na respectiva fase do circuito, bem como a exigncia de quaisquer compensaes que no sejam consideradas antecipao do pagamento e que condicionem ou favoream a cedncia, uso ou disponibilidade de bens ou servios essenciais. 3 - Havendo negligncia, a pena ser a de priso at 1 ano e multa no inferior a 40 dias. 4 - O tribunal poder ordenar a perda de bens ou, no sendo possvel, a perda de bens iguais aos do objecto do crime que sejam encontrados em poder do infractor. 5 - A sentena ser publicada. Alcance, segundo os dicionrios, tambm desfalque, nas contas de funcionrio ou empregado responsvel: encontrou-se-lhe um alcance de muitos milhares de euros.34

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passo se cura35,36. 2.2.11. Princpio do equilbrio dos oramentos domsticos A Lei do Consumidor, no n 8 do seu artigo 9, impe ao Governo a adopo de medidas tendentes a assegurar o equilbrio das relaes jurdicas que por objecto tenham produtos e servios essenciais, designadamente gua, energia elctrica, gs, telecomunicaes e transportes pblicos. As empresas, aps as perturbaes experimentadas com a exploso urbana e o acesso a padres outros de vida e do desmantelamento dos seus servios, abandonaram a facturao regular decorrente da leitura dos instrumentos de medida disponveis nos locais de fornecimento e enveredaram pela facturao por estimativa que gera fenmenos de sobrefacturao como de subfacturao com reflexos nos acertosAtente-se no teor de recente comunicado da ACOP - Associao de Consumidores de Portugal -, instituio de consumidores de mbito nacional e interesse genrico que promoo dos interesses e proteco dos direitos dos consumidores se vota em Coimbra e de onde irradia para todo o territrio nacional: A ACOP - Associao de Consumidores de Portugal - manifesta-se contra a Assinatura Mensal das Telecomunicaes, que a PT embolsa, porque entende que tal fere de morte o Princpio da Proteco dos Interesses Econmicos do Consumidor. O consumidor tem de pagar s o que consome e na exacta medida em que consome. Nada mais! A Lei dos Servios Pblicos Essenciais em decorrncia probe, entre outras prticas, a imposio e a cobrana de consumos mnimos. E, no entanto, a norma permanece incumprida em determinados segmentos dos Servios de Interesse Geral (servios pblicos essenciais). Os consumidores em Portugal tero de se unir para acabar com esta pecha que enriquece, afinal, uma empresa que investe milhares de milhes no futebol profissional BENFICA, PORTO, SPORTING... custa das nossas taxas de assinatura... No pode equipa como o BENFICA, que diz ter 6 milhes de adeptos, que no so scios, lograr obter via factura da PT o que no consegue pela mobilizao de associados.35

Com carcter interpretativo, veio a lume em 26 de Fevereiro p p, a Lei n 12/2008, cujo artigo 8 prescreve na ntegra 1- So proibidas a imposio e a cobrana de consumos mnimos. 2- proibida a cobrana aos utentes de: a) Qualquer importncia a ttulo de preo, aluguer, amortizao ou inspeco peridica de contadores ou outros instrumentos de medio dos servios utilizados; b) Qualquer outra taxa de efeito equivalente utilizao das medidas referidas na alnea anterior, independentemente da designao utilizada; c) Qualquer taxa que no tenha uma correspondncia directa com um encargo em que a entidade prestadora do servio efectivamente incorra, com excepo da contribuio para o audiovisual; d) Qualquer outra taxa no subsumvel s alneas anteriores que seja contrapartida de alterao das condies de prestao do servio ou dos equipamentos utilizados para esse fim, excepto quando expressamente solicitada pelo consumidor. 3- No constituem consumos mnimos, para efeitos do presente artigo, as taxas e tarifas devidas pela construo, conservao e manuteno dos sistemas pblicos de gua, de saneamento e resduos slidos, nos termos do regime legal aplicvel.36

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pontuais que pem em causa o princpio do equilbrio dos oramentos domsticos porque afecta, quantas vezes, os montantes disponveis para acudir aos encargos regulares da vida familiar. Alm disso, situaes h em que, em lugar da facturao mensal, privilegia-se a facturao bimestral ou trimestral, o que nos casos da distribuio de gua predial em que o tarifrio se decompe em escales, a sua apresentao faz com que galgue os escales (fenmeno que no se verificaria se o cmputo se processasse ms a ms), em detrimento manifesto da bolsa do consumidor. Acresce que nos servios energticos os acertos s se efectuam, por vezes, mais de seis meses aps os fornecimentos, com as desvantagens patrimoniais que ocorrem para a bolsa dos consumidores. De molde a obviar a inconvenientes tais, o monoplio da energia elctrica presente de Vila Real a Vila Real de Santo Antnio (de norte a sul) e da Figueira da Foz (do litoral) a Figueira de Castelo Rodrigo (ao interior norte) recriou um sem nmero de sistemas que tero de impor um aditamento ou apostilha ao contrato inicial de fornecimento de energia, o que em geral no sucede37. De assinalar que os modelos propostos visam satisfazer interesses empresariais, que figuram no cardpio oferecido pela empresa de distribuio de energia elctrica com vantagens operativas prprias e em detrimento do consumidor. No os dos consumidores, vtimas inocentes de um tarifrio cada vez mais distorcido e agravado e, por outro, da ineficincia da empresa que por se no dotar de meios imprescindveis a uma regular leitura dos instrumentos metrolgicos transfere o nus para os consumidores, flagelando-os exacerbadamente nos parcos valores que integram os reduzidos oramentos domsticos. Fenmeno que se no pode dissociar da anlise global, tanto mais que Portugal, trs dcadas aps a triunfante revoluo democrtica, regista ndices absolutamente demolidores de uma distncia abissal dos quadros de uma qualquer democracia, na sua vertente social - um quarto da sua populao vegeta esmagada entre os limiares da pobreza e da misria, sendo que o salrio mdio da ordem dos 600 euros/ms. Discutia-se do antecedente se se aplicaria ou no aos fornecimentos de energia elctrica o artigo 890 do Cdigo Civil, segundo o qual nos contratos de compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem e medio o direito do recebimento da diferena do preo caducaria em seis meses38.Sistemas como os da conta combinada, conta certa, auto-leitura, se apresentam agora disposio dos consumidores.37

O instituto luso da caducidade (Cdigo Civil: artigos 298 e 299 e 328 a 333) corresponde, no direito brasileiro, decadncia.38

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O Cdigo Civil, no que em particular respeita disciplina da compra e venda, manda aplicar o seu regime aos contratos anlogos. E anlogo o conceito de contrato de fornecimento (suministrazione) que no direito portugus no dispe de regime prprio ou especial. No entanto, a despeito de a gua se considerar obviamente um produto e, do mesmo passo, a energia elctrica, o facto que o Supremo Tribunal de Justia se dividiu perante concretas espcies de facto que ante si se suscitaram. Arestos h em que se conclui pela inaplicabilidade dos dispositivos39, outros havendo em que se vota pela subsuno da factualidade aos seus termos40. Os trabalhos preparatrios da Lei de Proteco do Consumidor de Servios Pblicos Essenciais tenderam a inclinar-se pela tese da aplicabilidade, com excluso, porm, dos fornecimentos de energia elctrica em alta (e muito alta) tenso, ou seja, para consumidores industriais de valia. E a extenso do corolrio da prescrio da dvida em homenagem ao equilbrio de oramentos domsticos modestos, periclitantes e precrios, como so, na generalidade, os da populao, houve-se como normal em decorrncia de situao paralela. Da que o artigo 10 da Lei n 23/96, de 26 de Julho, se houvesse apresentado com a configurao que segue:1. O direito de exigir o pagamento do preo prestado prescreve no prazo de seis meses aps a sua prestao. 2. Se, por erro do prestador de servio, foi paga importncia inferior que corresponde ao consumo efectuado, o direito ao recebimento da diferena de preo caduca dentro de seis meses aps aquele pagamento. 3. O disposto do presente artigo no se aplica ao fornecimento de energia elctrica em alta tenso41.39 40

Acrdo da Relao de Coimbra de 11 de Outubro de 2001, relator Moura Cruz.

O artigo 890 do Cdigo Civil reza: 1. O direito ao recebimento da diferena de preo caduca dentro de seis meses ou um ano aps a entrega da coisa, consoante esta for mvel ou imvel; mas, se a diferena s se tornar exigvel em momento posterior entrega, o prazo contar-se- a partir desse momento. 2. Na venda de coisas que hajam de ser transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado data da entrega s comea a correr no dia em que o comprador as receber. Cfr. acrdo do STJ de 22 de Fevereiro de 2000, relator Lopes Pinto. Tamanhos os desacertos jurisprudenciais, que a Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro, noutro passo assinalada, vem - em jeito de interpretao autntica - a redigir o artigo 10 da forma que segue: 1- O direito ao recebimento do preo do servio prestado prescreve no prazo de seis meses aps a sua prestao.41

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A prescrio liberatria, isto , a extino da dvida processa-se por mero transcurso do prazo (expresso que deve ser entendida cum grano salis). No presuntiva, como j se pretendeu na Relao do Porto42, o que obrigou Calvo da Silva a um comentrio43 certeiro contra o aresto do tribunal superior de que se trata. A prescrio, entre ns, porm, insusceptvel de operar ex officio: para que opere de jure, ter de ser invocada por aquele a quem aproveita na contestao da aco em que o fornecedor pretende fazer valer o seu hipottico direito44. Ademais, a caducidade porque estabelecida em matria no subtrada da disponibilidade das partes, ou seja, por se tratar de direitos disponveis tambm no de conhecimento oficioso45. Em nosso entender, porm, por se tratar de servios pblicos essenciais, para se usar a terminologia de antanho, que a lei ainda consagra, a despeito da expresso em curso na Unio Europeia (servios de interesse econmico geral, como em sucessivos passos se vem aludindo), dever-seia redefinir o regime das causas extintivas das obrigaes neste particular.2- Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do servio, tiver sido paga importncia inferior que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferena caduca dentro de seis meses aps aquele pagamento. 3- A exigncia de pagamento por servios prestados comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedncia mnima de 10 dias teis relativamente data -limite fixada para efectuar o pagamento. 4- O prazo para a propositura da aco pelo prestador de servios de seis meses, contados aps a prestao do servio ou do pagamento inicial, consoante os casos. 5- O disposto no presente artigo no se aplica ao fornecimento de energia elctrica em alta tenso. Registe-se que com data recente 7 de Janeiro de 2007 o Supremo Tribunal de Justia lavrou um acrdo desastroso fundado em parecer de dois professores de Coimbra que nos abstemos de qualificar: - Quando o n. 1 do art. 10 da Lei n. 23/96 alude ao direito de exigir o pagamento, no se refere ao direito de o exigir judicialmente, mas o de interpelar o devedor para pagar atravs da apresentao da factura prevista no art. 9-1. - Omitido, em tempo seis meses -, este acto de interpelao, prescreve, reflexamente, o crdito do preo do servio. - Porm, apresentada tempestivamente a factura, exigiu-se o pagamento e no ocorreu aquele efeito prescricional, havendo que atender, ento, ao prazo de extino do crdito cominado no C. Civil (art. 310).42 43 44

Acrdo de 28 de Junho de 1999. Vide Revista de Legislao e de Jurisprudncia, ns 3901 e 3902, pg. 135 e ss.

Cfr. artigo 303 do Cdigo Civil, que prescreve: O tribunal no pode suprir, de ofcio, a prescrio; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministrio Pblico. Rege a tal propsito o artigo 333 n 2 do Cdigo Civil que estabelece imperativamente que: Se for estabelecida em matria no excluda da disponibilidade das partes, aplicvel caducidade o disposto no artigo 303. O que se reconduz ao regime de conhecimento provocado da prescrio.45

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A lei deveria consagrar, nas vertentes hipteses, o conhecimento