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O espólio dos contextos de amortização da Av. Miguel Fernandes (Beja). Um contributo para o conhecimento da cidade romana Carolina Grilo * e Andrea Martins * Resumo: Apresentam-se os resultados da escavação e o espólio dos contextos de cronologia romana das inter- venções arqueológicas efectuadas na Av. Miguel Fernandes (Beja) buscando contribuir para um maior conhecimento sobre aspectos socioeconómicos e do quotidiano da cidade de Pax Ivlia nos finais do século I d.C. São igualmente problematizadas algumas questões relacionadas com a natureza e inten- cionalidade dos vestígios identificados, no quadro da gestão e do reaproveitamento dos resíduos na cidade romana. Abstract: The following paper presents the artifact assemblage recovered in the archeological survey in Av. Miguel Fernandes (Beja, Portugal), seeking a wider knowledge on the daily life and socioeconomic rhythms for the roman city of Pax Ivlia in the end of the first century A.D. The authors also discuss the nature and intentionality of the remains concerning soil management and waste disposals in the Roman city. * UNIARQ APP 51 VI ENCUENTRO DE ARQUEOLOGÍA DEL SUROESTE PENINSULAR ISBN 978-84-616-6306-4

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O espólio dos contextos de amortização da Av. Miguel

Fernandes (Beja). Um contributo para o conhecimento

da cidade romana

Carolina Grilo

* e Andrea Martins

*

Resumo: Apresentam-se os resultados da escavação e o espólio dos contextos de cronologia romana das inter-

venções arqueológicas efectuadas na Av. Miguel Fernandes (Beja) buscando contribuir para um maior

conhecimento sobre aspectos socioeconómicos e do quotidiano da cidade de Pax Ivlia nos finais do

século I d.C. São igualmente problematizadas algumas questões relacionadas com a natureza e inten-

cionalidade dos vestígios identificados, no quadro da gestão e do reaproveitamento dos resíduos na

cidade romana.

Abstract: The following paper presents the artifact assemblage recovered in the archeological survey in Av. Miguel

Fernandes (Beja, Portugal), seeking a wider knowledge on the daily life and socioeconomic rhythms for

the roman city of Pax Ivlia in the end of the first century A.D. The authors also discuss the nature and

intentionality of the remains concerning soil management and waste disposals in the Roman city.

* UNIARQ – APP

51

VI ENCUENTRO

DE ARQUEOLOGÍA

DEL SUROESTE PENINSULAR ISBN 978-84-616-6306-4

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Um contributo para o conhecimento da cidade romana – CAROLINA GRILO E ANDREA MARTINS 1472

INTRODUÇÃO

O incremento das intervenções nos espaços urbanos tem permitido observar um

conjunto de realidades arqueológicas que traduzem ligeiros reflexos da vida

quotidiana das sociedades romanas.

Referimo-nos em concreto aos depósitos de resíduos ou lixeiras, que no caso

cidade romana de Pax Ivlia, estão pouco documentados e cronologicamente

seriados, o que se poderá explicar pela nunca suficiente quantidade de interven-

ções arqueológicas e em boa parte, pela dinâmica e reorganização orgânicas da

cidade romana e das cidades que lhe sucederam.

Por oposição, o que se documenta abundantemente nas intervenções

efectuadas no interior da cidade pacense é uma sucessiva reutilização dos

resíduos quer na colmatação de estruturas em desuso, quer em níveis de

amortização e aterro para construção de novos patamares e edificações urbanas,

ou ainda, evidências de reciclagem dos próprios resíduos materiais, reutilizados

em novas construções. A fronteira entre estas realidades arqueológicas nem

sempre é fácil de entender, podendo, por vezes, assumir estas funções em

simultâneo

1. AV. MIGUEL FERNANDES. TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS

Neste contexto, as intervenções arqueológicas levadas a cabo na Avenida Miguel

Fernandes plantearam outro olhar sobre este tema, a começar pela própria

localização. Esta artéria urbana localiza-se na base da vertente Oeste do planalto

bejense, fora do actual perímetro muralhado e centro histórico da cidade (Figs. 1

Fig. 1.— Localização da Av. Miguel Fernandes no centro histórico

da cidade de Beja

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e 2). A topografia da zona revela um desnível ligeiramente pronunciado entre o

topo da colina, área que corresponderia ao forum da cidade e à zona do templo

imperial (Viana 1947; Lopes 2003) e o actual arruamento, com cerca de 11 m de

diferença altimétrica.

A delimitação do perímetro muralhado segue, em boa parte, o plano das

muralhas medievais da cidade (Alarcão 1999: 49; Mantas 1996: 54-61), hipótese

sustentada pela ausência de estruturas enquadráveis no tecido urbano e pela

Fig. 2.— Vista geral da área do Jardim e da Av. Miguel Fernandes

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escassez de achados de época romana nesta área. Corresponderá à zona

extramuros da cidade romana, delimitada a Este pelo casario e limite muralhado

do centro histórico, interrompida a sul pelas portas de Aljustrel, que segundo

Vasco Mantas, configuram o eixo do cardo maximus da cidade (Ibidem 1996: 13)

com as Portas de Avis.

Fig. 3.— Trabalhos arqueológicos. Fases de intervenção

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No quadro da requalificação urbana desta zona, em 2002 e 2003-20041 foram

efectuadas sondagens e trabalhos de acompanhamento na área do jardim

existente no local e posteriormente em todo o eixo viário da avenida (Fig. 3). Os

trabalhos revelaram um conjunto de ocupações de cronologia medieval-

moderna – cerca de 118 silos – mas também um conjunto coeso de depósitos

antigos, cuja homogeneidade ao longo das diferentes áreas escavadas, assim

como o abundante espólio, de cronologia romana, indiciavam tratar-se de níveis

de amortização coerentes com uma zona de despejo, relacionada simplesmente

com o aterro e colmatação dos espaços e terrenos extramuros e/ou com uma

efectiva função de despejo ou lixeira.

A larga escala da intervenção possibilitou observar com clareza a topografia

desta área, organizada em duas plataformas: a plataforma superior, mais pró-

xima da muralha actual, onde a rocha se encontrava praticamente sob o eixo

viário e onde foi escavado o conjunto de silos e uma segunda plataforma, a

quota inferior, na zona do jardim. Entre ambas o desnível seria originalmente

pouco pronunciado, encontrando-se actualmente afectado pela construção do

eixo viário e dos arruamentos, com cerca de 1 a 2 m de diferença altimétrica nas

zonas mais abruptas.

Nesta última plataforma, não afectada pelo conjunto de silos definido no

patamar a montante, a rocha de base apresentava diversas irregularidades e

variações altimétricas que atingiam profundidades entre os 0,50 m e os 2 m,

amortizadas com estratos de preenchimento antigo, registados nas sondagens 3,

4 e 5, implantadas nos limites norte e centro do antigo jardim.

Estes depósitos corresponderam às mesmas realidades históricas e apresen-

tavam uma deposição horizontal regular e contínua, encontrando-se parcialmen-

te truncados no limite superior pelos estratos de aterro da praça de época

contemporânea, o que impossibilitou a obtenção de um terminus seguro de utili-

1. Ao abrigo do programa “Bejapolis”, as escavações foram efectuadas em duas etapas: em 2002, uma primeira intervenção dirigida pela primeira signatária (Grilo 2002) que incidiu sobre o antigo jardim da Av. Miguel Fernandes e que identificou os níveis de cronologia romana; em 2003, uma segunda intervenção da responsabilidade da segunda signatá-ria. Esta incidiu no patamar superior ao antigo jardim, no eixo viário e no limite do casario contíguo à muralha, onde foram identificados cerca de 118 silos de cronologia Moderna, (séculos XV e XVI) e detectados os níveis de cronologia romana, removidos mecanicamente, no curso do acompanhamento arqueológico.

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zação desta área de amortização. Contudo, a coerência do espólio observado e a

natureza destas realidades configuraram razões de sobra para a sua análise

detalhada.

Como referimos, a intervenção em extensão e profundidade permitiu observar

que a área onde estes depósitos se desenvolviam extravasava os limites

arqueológicos para sul e oeste, tendo, na fase de acompanhamento de obra, sido

detectada a sua continuidade e efectuada uma recolha selectiva de algum

espólio mais característico.

Apesar de estarmos perante um espaço urbano, de si dinâmico, traduzido em

inúmeros fenómenos pós-deposicionais que alteraram, afectaram e destruíram

em diversos casos as condições originais de jazida, as características sedimen-

tológicas dos estratos eram bem distintas dos restantes depósitos estratigráficos

do local, ao nível da cor, do grau de compactação e homogeneidade, quer pela

natureza do espesso paleosolo argiloso local e pela sua utilização como níveis de

colmatação do substrato rochoso, com abundante material e potência variável. A

leitura dos cortes estratigráficos permitiu aferir que estes depósitos possuíam

profundidades entre os 2 m na zona central e norte das áreas escavadas e cerca

de 1m no quadrante Sul, sendo altamente provável a existência de outros

depósitos de recheio desta área que terão desaparecido em consequência das

alterações recentes no urbanismo da cidade.

Estas realidades corresponderam às unidades 6 e 61, da sondagem 3 e 7 e 8 da

sondagem 4, de características sedimentológicas e cronológicas análogas. Na

sondagem 5, a quatro momentos de despejo, praticamente contemporâneos,

escavados numa área de cerca de 40 m2, de onde provém a quase totalidade do

espólio exumado (Figs. 4 e 5): a UE 14, um estrato plástico e argiloso, bastante

homogéneo, de tom enegrecido devido à presença de carvões muito

abundantes, bem definido numa zona onde a rocha de base marcava uma

depressão afunilada de grandes dimensões; a UE 24, de características similares,

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Fig. 4.— Sondagens 3 e 4

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Fig. 5.— Sondagem 5

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correspondendo com a unidade 28 a estratos descontínuos, apenas observados

no perfil N da sondagem, de fina potência e com escassos materiais e, na base, a

UE 18 que colmatava os restantes interstícios e depressões irregulares da rocha,

distinguindo-se pelo tom acastanhado, com igual abundância de cinzas. Alguns

fragmentos cerâmicos apresentavam colagem entre as diferentes unidades (UEs

18 e 24), o que evidencia um só momento de despejo e enchimento desta área e

testemunha a rapidez deste processo, reforçada pela ausência de níveis estéreis

entre os estratos que correspondessem a intervalos temporais dos preen-

chimentos e explica em parte a reduzida fragmentação e o bom estado de

conservação dos materiais.

2. ESPÓLIO

O estudo crono-tipológico do espólio apresentado considerou em exclusivo os

conjuntos oriundos dos depósitos atrás identificados nas sondagens 4 e 5, cuja

expressão quantitativa consubstanciou um manancial informativo passível de

análise fidedigna (Tabelas 1 e 2). Posteriormente, estes conjuntos foram analisa-

dos numa leitura abrangente com o espólio das recolhas selectivas, observando-

se entre ambos uma coerência cronológica, atrás sublinhada.

Os recipientes e conjuntos cerâmicos de cariz utilitário assumem cerca de 86%

do total do espólio recolhido, constituído na sua maioria por cerâmicas finas,

terra sigillata, paredes finas, vidros, cerâmica comum e material anfórico, que

devem corresponder a lixeiras de contextos domésticos, não tendo sido compro-

vados vestígios de actividades artesanais ou oficinais.

A frequência de objectos em vidro e materiais de revestimento pictóricos e de

construção resultantes de remodelações nos espaços habitacionais, reforçam

esta interpretação, assim como os artefactos em bronze, ferro e osso: anzóis,

pregos, rebites e agulhas, conotados com actividades artesanais e os artefactos

S.3 S.4 S.5 TOTAL

06 06 07 14 18

Cerâmica fina de importação 1 27 1 83 113 225

Cerâmica comum de importação 1 11 4 16

Cerâmica comum local/regional 3 49 5 751 416 1224

Cerâmica de transporte (ânforas) 108 14 433 137 692

Lucernas 3 5 8 16

Vidros 2 48 35 85

Fauna 6 6 12

Objectos em osso 1 1 3 4

Malacofauna 4 4

Escórias 1 3 4

Pregos 4 7 11

Anzois 2 2

Rebites 1 1 2

Agulhas/alfinetes em metal 1 12 13

Elementos metálicos indet. 94 104 198

Material de revest. pict./estuques 6 21 27

Material constr. pétr./marmóreo 22 14 5 41

Material de construção cerámico 27 1 72 31 131

TOTAL 4 243 24 1548 8889 2707

Tabela 1.— Materiais exumados nas unidades de amortização

repartidos pelas sondagen (contagem em nº de fragmentos)

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de uso pessoal, como os alfinetes ou os anéis. Há ainda a considerar a

possibilidade da presença de partes de artefactos que não tenham sobrevivido

em contexto arqueológico, nomeadamente os elementos de madeira e o

mobiliário.

Foi igualmente interessante constatar que a grande percentagem dos materiais

associados a estes estratos detríticos correspondia a materiais inorgânicos, com

muito pouca ou nenhuma representação de faunas e malacofaunas, o que

sugere uma triagem dos resíduos a reutilizar e permite supor que, neste caso, a

maioria desses conjuntos fora objecto de transladação a outras áreas ou lixeiras.

No que respeita às cerâmicas finas, observou-se um claro domínio da terra

sigillata hispânica, com 72% do conjunto exumado, por oposição às produções

sudgálicas, representadas por 24% e aos materiais itálicos, claramente residuais

com cerca de 4%. As formas lisas são preponderantes, demonstrando uma ten-

dência já observada em outros locais de consumo como Chãos Salgados (Quares-

ma 2012: 233), Santarém (Viegas 2005), Conimbriga (Delgado et al. 1975) ou

Augusta Emerita (Bustamante 2010).

Das unidades estratigráficas que ofereceram dados seguros para a compreensão

diacrónica destes momentos destacamos e a UE 18, fase inicial de utilização

desta zona de descarte: as produções sudgálicas estão representadas pelos

pratos Drag. 18, as taças Drag. 33 (Fig. 6, 8 e 9) e a forma decorada Drag. 37 (Fig.

8, 1 e 7) que, apesar de fragmentada acima da faixa decorada no caso da

primeira e do fragmento de bojo na segunda, define o terminus ante quem deste

depósito, pelo menos a partir do período compreendido entre Nero e

Vespasiano (Passelac e Vernhet 1993), tal como sugerem outros fragmentos com

linhas de óvulos simples com lingueta (Fig. 8, 6).

As produções hispânicas estão representadas pelas formas clássicas: os pratos

Drag. 15/17 e as taças Drag. 27, assim como as formas Drag. 33, (Fig. 6, 10) bem

documentadas no território bejense em Represas (Lopes 1994). As taças Drag. 35

NMI NMI% nmi TOTAL

Terra sigillata 77 40% 96 194

Paredes finas 12 39% 14 31

Campaniense 2 2 2

Cer. comum 187 15% 219 1240

Anforas 21 30% 75 695

Lucernas 10 62% 16 16

Vidros 18 21% 18 85

Objectos em osso 4 4 4

Objectos de fundição 1 1 1

Objectos metálicos 29 29 29

Total Objectos 361 474

Tabela 2.— Artefactos recuperados (NMI – numero minímo de

indivíduos e nmi – número máximo de indivíduos) nas áreas

escavadas

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e Drag. 36, com decoração em folha de água (Fig. 6, 3 e 14) e a forma Hispânica

4, com decoração em roleta e asa em apenso (Fig. 6, 15). Os pratos Drag. 15/17

apresentam pequenas dimensões e paredes molduradas, (Fig. 6, 5 e 6),

aproximados aos protótipos do tipo 15/15A dos contextos de Augusta Emerita

(Bustamante 2010: 271) datados de Vespasiano e ao grupo de cronologias flávias

e de Trajano de Conimbriga, (Delgado et al. 1975: 183, est. XLVI, 202, 203 e 204)

sugerindo o início de utilização desta área como zona de descarte nas primeiras

décadas do domínio flávio, momento de intensificação do comércio hispânico. As

taças Drag. 27 de bordo perolado e perfis de quarto de círculo superiores bem

delineados (Fig. 6, 11) sustentam igualmente uma cronologia da fase inicial de

importações.

Quanto às formas decoradas, mau grado a fragmentação dos exemplares, estão

atestadas as formas Drag. 29 e Drag. 37 de bordo vertical, variante A, decorações

com composição metopada, painéis compartimentados e figurações de

personagens (Fig. 8, 3). A típica decoração hispânica no estilo de círculos concên-

tricos está praticamente ausente, com excepção de um fragmento com decora-

ção metopada e faixa inferior decorada por círculos perolados com um ramo

trifoleáceo (Fig. 8, 6) e por um exemplar de Drag. 29 (Fig. 8, 5) com linhas

verticais onduladas e motivos vegetais na faixa superior e círculos ondulados e

concêntricos na faixa inferior, confirmando um perfil de importação de uma fase

inicial da produção.

Contam-se igualmente recolhas de cerâmica de paredes finas das formas Mayet

34A (Fig. 6, 3) e 37/38 de produção bética com decoração em guilloché e em

folha de água (Fig. 6, 1 , 2 e 4) e fragmentos de lucernas de volutas, entre as

quais um exemplar do tipo Dressel-Lamboglia 11 (Fig. 7, 1) de produção bética,

assim como fragmentos de uma possível máscara cerâmica (Fig. 7, 2), com

algumas semelhanças aos exemplares emeritenses (Bustamante 2011a: 90, fig.

83).

Fig. 6.— Materiais cerâmicos da UE 18: Paredes finas béticas Mayet

37/38 (1-2) e 34 (3); Drag. 15/17 hispânicas (5-7); Drag. 33 sudgá-

licas (8 e 9); Drag. 27 (11); Drag. 35/36 (12-14) e Hispânica 4 (15)

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Quanto às ânforas, estão presentes Haltern 70 e Dressel 20 do vale do

Guadalquivir, Dressel 7-11 da Bética costeira e Dressel 14 de produção lusitana

do vale do Sado (Fig. 8, 13, 10, 11 e 12, 14 e 15, respectivamente). Estas formas

estão também documentadas nas villas de S. Cucufate, onde até época Flávia, se

observam de importações de produtos oleários e preparados piscícolas, em

ânforas Dressel 20, Dressel 7-11 e Beltrán IIB (Alarcão et al. 1990; Pinto e Lopes

2006: 199), assim como no Monte da Cegonha, onde a expressão do tipo Haltern

70 é particularmente significativa, destacando exemplares que podem atingir

cronologias flavianas (Pinto e Lopes 2006: fig. 5, 6).

Por último, a cerâmica comum, que corresponde maioritariamente a produções

de cariz local e regional, com paralelos formais e tecnológicos no conjunto de S.

Cucufate (Pinto 2003). Dominam as formas fechadas, vocacionadas para a

pequena e média armazenagem e confecção, potes e panelas com vestígios de

exposição a fogo e tachos, reforçando a condição doméstica destes contextos.

Entre estas, a característica cerâmica cinzenta, com ou sem polimento e com

decoração roletada, patente em formas fechadas, bem documentada nas

necrópoles de Valdoca, em contextos datáveis entre a segunda metade do século

I d.C. e o século II d.C. e Monte do Farrobo, em contextos de Cláudio-Nero

(Alarcão e Alarcão 1966), ambas na região de Vipasca (Aljustrel). Também em S.

Cucufate, num depósito contemporâneo da Villa I (Alarcão et al. 1990: 27, est.

XV, 51 a 56), estão identificadas formas análogas a alguns dos nossos exemplares

(Fig. 9, 11).

No contexto temporal a que atribuímos fases contínuas ou regulares de despejo,

seguem-se as unidades 24 e 28. Da primeira provém um pequeno conjunto de

cerâmica comum local e regional (Fig. 10, 3 a 7), um exemplar de Dressel 7-11 da

Bética costeira (Fig. 10, 2), um prato de terra sigillata Drag. 15/17 de fabrico

sudgálico (Fig. 10, 1) e um almofariz do tipo Dramont 1 (Fig. 10, 8) de produção

centro-itálica. A cronologia de produção desta forma centra-se em meados do

Fig. 7.— Materiais da UE 18: lucerna e fragmento de máscara

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Fig. 8.— Materiais cerâmicos da UE 18. Drag. 37 sudgálica e 29 hispânicas (2, 4 e 5);

Drag. 37 hispânica (3), fragmentos decorados (6-8); ânforas Dressel 7-11 (10-12),

Haltern 70 (13), Dressel 20 (14) e Dressel 14 (15)

Fig. 9.— Materiais cerâmicos da UE 18. Cerâmica de produção local e regional:

panelas, potes, tampas (3 e 6) e terrinas (8), fragmentos com decoração roletada (4 e

5) e potes em cerâmica cinzenta fina polida (10 e 11)

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século I (Aguarod 1991: 129-130), estando presente em Conimbriga em contex-

tos contemporâneos do forum Flaviano e das termas de Trajano (Alarcão et al.

1975: 75, est. XVIII, 51, 52 e est. XIX, 53 e 54).

Da UE 28 foi recuperado escasso espólio arqueológico, resumido à presença de

alguns fragmentos de cerâmica comum e uma taça Drag. 27 de produção

hispânica (não ilustrados).

Do espólio da UE 14 que atesta a continuidade deposicional desta área, constam

pratos Drag. 15/17 e Drag. 18 (Fig. 11, 7) e taças Drag. 27 e Drag. 33 sudgálicas,

não obstante o domínio da produção hispânica. Esta última está representada

pelos pratos Drag. 15/17 de parede mais esvazada e bordo curvo moldurado,

correspondentes à forma 15/17b dos contextos emeritenses, centrada na época

de Trajano (Bustamante 2010: 273), cronologia igualmente proposta para as

formas Drag. 27 e Drag. 33 (Fig. 11, 2 e 4), que não chegará contudo à mudança

do século, dada a ausência de terra sigillata africana. Este arco cronológico é

igualmente reforçado pela presença de um exemplar da forma Drag. 35 com

decoração em folha de água e sigilla em cartela rectangular de cantos curvos

ATTPAERNOF (Fig. 11, 6) de Attius Paternus, officinator de Tritium que laborou

entre o período Flávio e Trajano, reconhecido em Málaga (Roca e Fernández

1999) e bem documentado em Augusta Emerita em contextos de câmbio dinás-

tico dos Flávios a Trajano (Bustamante 2010: 677). Um sigillum idêntico ao nosso

está identificado por Françoise Mayet (1984: 121, est. CCIX, 59) numa taça Drag.

27 no museu de Barcelona.

A única forma decorada recolhida neste nível corresponde a uma taça Drag. 30

(Fig. 11, 9), com a característica meia cana, de composição metopada, definida

por linhas verticais e ramos bifoleáceos verticais e horizontais com repre-

sentação de Mercúrio estilizado com os típicos atributos, marsúpio e caduceu,

cujas características estilísticas do punção aproximam aos exemplares

conhecidos da região de Bezares (Roca e Fernández 1999), alem de fragmentos

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Fig. 10.— Materiais da UE 24. Prato sudgálico 15/17 (1); ânfora Dressel 7/11 (2),

cerâmica comum de produção local (3-7), almofariz tipo Dramont 1 (8). Materiais da

UE 14: Dressel 20 (9-11); Dressel 14 (10); fragmento de almofariz de produção bética

(12), cerâmica comum cinzenta fina (13) e com decoração roletada (14)

Fig. 11.— Materiais da UE 14. TSH: Drag. 35 (1, 3, 5 e 6); Drag. 33 (2 e 4); Drag. 18

Sudgálica (7); frag. de fundo tipo Peñaflor Drag. 30 (9); fragmentos decorados (10-11);

paredes finas emeritenses (12-13), vidros (14-16), lucernas (17-18) e objecto em osso

polido (19)

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Fig. 12.— Materiais cerâmicos da UE 4. TSH: Drag. 15/17 (1-2); Drag. 36 (3-4); Drag.

24/25 (5) e Drag. 33 (8); TSSG: Ritt. 8 (6); ânforas Haltern 70 (9-12); Dressel 7-11 (13) e

Dressel 14 (14)

Fig. 13.— Materiais cerâmicos da UE 4. Cerâmicas comuns de produção local (1-9);

lucerna (10) e vidros (11-12)

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de bojo que atestam o domínio, entre as formas hispânicas, das composições

metopadas (Fig. 11, 10 e 11), e, apesar de não permitir uma classificação

tipológica, há ainda a registar a presença de um fundo de sigillata tipo Peñaflor

(Fig. 11, 8) neste estrato.

O conjunto importado integra ainda paredes finas da forma Mayet 43 (Fig. 11,

12 e 13) de produção emeritense, cujas cronologias de início e final de produção

foram objecto de revisão recente, centradas na segunda metade do século I e

princípios do século II (Bustamante 2011b), fragmentos de lucernas de fabrico

Fig. 14.— Comparação em NMI das formas de TS recuperadas na sondagem

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bético e lusitano2 (Fig. 11, nº 17 e 18) e exemplares anfóricos do tipo Dressel 20

do vale do Guadalquivir, Dressel 14 lusitana e um exemplar de Haltern 70 da

Bética costeira.

Na cerâmica comum destaca-se a coerência formal e tecnológica atrás subli-

nhadas, com uma tendência para a menor expressão do grupo tecnológico da

cerâmica cinzenta e um domínio de formas coadunadas à grande armazenagem.

Na sondagem 4 as unidades que correspondem a estes depósitos compreendem

as UEs 4, 7 e 6, com a quase totalidade do espólio recolhido oriundo desta última

(Figs. 12 e 13). Destaca-se a ausência das produções sudgálicas com excepção da

taça Ritt. 8 e o domínio do conjunto hispânico representado pelos pratos Drag.

15/17, o único exemplar da forma Drag. 24/25 documentada, as taças Drag. 33 e

Drag. 35/36 e um conjunto anfórico dominado pelas Haltern 70 de bordo em fita.

Na cerâmica comum, de referir a presença de um cantil de produção em pastas

regionais que parece corresponder a uma imitação da forma Hispânica 13,

fenómeno bem reconhecido em Mérida nos contextos do último terço do século

I, que demonstra a aceitação e procura que estas formas alcançaram naquele

território (Bustamante 2011b: 52).

3. OUTROS MATERIAIS

Será inevitável a menção a um conjunto de materiais recolhidos nestes estratos

na fase de acompanhamento arqueológico, onde se contam entre outros, um

exemplar de uma ânfora do tipo Haltern 70 completa, a par com diversos

fragmentos de bordos deste tipo e um exemplar de uma Drag. 37 de prove-

niência sudgálica com decoração elaborada, combinando motivos vegetais diver-

sos, alternados por uma cena mitológica onde estão presentes Hércules e Hidra,

revezada com uma cena erótica com representação de duas figuras, entre as

quais um fauno, reforçando uma vez mais as cronologias flávias destes depósitos

(Fig. 15).

2. A reduzida dimensão dos fragmentos inibe uma classificação tipológica

destes exemplares.

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Por fim, não podemos deixar de mencionar a presença de outros conjuntos de

cronologia antiga, recuperados em camadas mais recentes, aqui representados a

título ilustrativo por um fundo de sigillata itálica com marca in planta pedis,

onde se pode ler RAS[I], que corresponderá possivelmente à oficina de Rasinivs,

oleiro de Arezzo, amplamente documentado na Península Ibérica na primeira

metade do século I d.C. e um único exemplar de Dressel 14 de fabrico lusitano,

enquadrável na fase mais antiga de laboração das olarias do Vale do Sado e do

Tejo, centradas nos meados do século I d.C. (Mayet e Silva 1998), semelhante

aos exemplares da villa de Vilares de Alfundão, Ferreira do Alentejo (Norton et

al. 1993-94).

Fig. 15.— Materiais recolhidos nos estratos descritos em contexto de acompanhamento: ânfora Haltern 70; fragmento TSSG Drag. 37 e Dressel 14 lusitana

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A diversidade artefactual e a coerência e homogeneidade cronológicas registadas

nos conjuntos da Av. Miguel Fernandes revestem-se, a nosso ver, de poten-

cialidades para a reconstituição do quotidiano das gentes de Pax Ivlia e são um

testemunho plasmado do seu poder aquisitivo e da sua integração nos circuitos

comerciais do mundo provincial romano. Se de facto estão maioritariamente

documentados artefactos que parecem determinar uma economia de escala

regional, nomeadamente na cerâmica comum, estão igualmente presentes

conjuntos de importação que denotam uma intensa circulação de produtos, quer

ao nível do abastecimento de bens alimentares e de cerâmicas finas. Estes

últimos fornecem-nos dados mais concisos para a caracterização dos perfis

aquisitivos dos habitantes da colonia, em aparente sintonia com outros centros

de consumo do território lusitano, pelo menos, no que ao conjunto das

importações de terra sigillata diz respeito, sendo evidente a aceitação que estas

peças encontraram nos mercados locais, quer na sua representação numérica no

próprio conjunto como na reprodução local de algumas destas formas.

São as produções hispânicas, que, a partir de época flávia dominam as

estratigrafias de Chãos Salgados (Quaresma 2012: 235, fig. 92), Augusta Emerita,

(Ibidem: 230; Bustamante 2010: 153) ou Conimbriga, demonstrando de forma

inequívoca a quebra das importações da Gália e o advento dos centros

produtores peninsulares, denunciando uma aparente litoralização do comércio

da terra sigillata sudgálica a partir dos finais do seculo I d.C. (Quaresma 2012:

238-239).

Este primado hispânico é também inequívoco no conjunto em apreço, quer no

domínio dos exemplares lisos, como nas formas clássicas, os pratos Drag. 15/17 e

as taças Drag. 27, estando ausentes algumas formas gálicas tipicamente flávias,

como a Drag. 36. Registe-se, contudo, a escassez da forma Drag. 24/25,

Fig. 16.— Proveniência do conjunto anfórico (em NMI)

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representada por um único exemplar no conjunto e a expressão da taça Drag. 33

sudgálica e hispânica (Fig. 14). A presença desta última parece destacar um perfil

“tipicamente regional” já intuído no estudo do conjunto da terra sigillata das

Represas, (Ribeiro 1957; Lopes 1994) mas ainda insuficientemente caracteri-

zado3. Do mesmo modo, a ausência de sigillata africana neste conjunto merece

também algum destaque dada a sua presença nas Represas, de modo abundante

nas formas Hayes 3, 6, 8 ou 9A, indicando um consumo e abastecimento precoce

iniciados ainda nas últimas décadas do século I (Ibidem 1994).

O paralelismo com este local nas imediações da cidade que apresenta os valores

de importação média anual mais altos do Sudoeste (Lopes 1994: 97-98;

Quaresma 2012: 238) reflecte-se igualmente ao nível dos centros produtores. Tal

como em Represas, também no conjunto em apreço as produções do vale do

Ebro são preponderantes e atingem valores percentuais de cerca de 53%, por

oposição às produções de Andújar, com cerca de 26%4, questionando, uma vez

mais, o papel deste local como possível centro redistribuidor destas produções

para o território bejense (Alarcão 1990: 435; Lopes 1994: 98). A presença destas

produções na região poderia ser explicada a partir da acção redistribuidora que

Augusta Emerita desempenhou, pelo menos nesta fase, no seu abastecimento

para o sul da Lusitânia (Bustamante 2011; Viegas 2012: 542), de onde são

também importadas paredes finas e lucernas ao longo da segunda metade da

primeira centúria.

Quanto às produções do vale do Guadalquivir, a sua presença estaria certamente

vinculada à estreita relação comercial existente entre ambas as regiões,

documentada no provimento das cerâmicas finas, algumas cerâmicas comuns e

conjuntos lucernários, mas sobretudo nos conjuntos anfóricos, observando-se,

ainda nesta fase, no conjunto em apreço, uma preponderância dos produtos

alimentares de vinho e seus derivados, preparados piscícolas e azeite importados

desta área e da região gaditana, face aos produtos da Lusitânia (Fig. 15).

Importações de Dressel 7-11 e Dressel 20, apesar de em menor escala, subsistem

3. Há igualmente que destacar as assimetrias regionais na sua distribui-ção, já que em S. Cucufate esta forma está praticamente ausente. 4 Esta expressão não deve ser tomada como um espelho da realidade regional, uma vez que neste mesmo território, nas villas de S. Cucufate e do Montinho das Laranjeiras, as produções de Andújar estão mais repre-sentadas (Pinto e Lopes 2006). Falta-nos aliás conhecer contextos poste-riores para entender se o fenómeno do domínio mercantil do vale do Ebro corresponde a um arco cronológico preciso ou destaca uma tendência alinhada com outros centros de consumo da Lusitânia.

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também em época Flávia em S. Cucufate (Pinto e Lopes 2006), tal como no

Montinho das Laranjeiras, onde também em menor número, ainda se observam

Haltern 70 da variante flávia (Ibidem 2006). A menor proporção de abaste-

cimentos nestes locais parece traduzir um abrandamento do consumo bético

relacionado com o progressivo domínio dos produtos piscícolas lusitanos e com o

desenvolvimento da produção vitivinícola a nível regional na Lusitânia, (Fabião

1998: 193) numa tendência comum ao território português e ao ocidente

Mediterrâneo (Almeida 2008: 292) a partir dos finais da etapa Júlio-Cláudia. Tal

não significa contudo uma quebra desta conexão económica ou uma

desvinculação entre estes territórios, como foi já sublinhado a propósito dos

produtos oleários das ânforas Dressel 20 e das suas geografias de distribuição,

(Fabião 1993-1994) comprovada desde etapas pré-romanas e explicada pela

ligação das paisagens meridionais e do território baixo-alentejano via Sado e

Guadiana.

Finalmente, uma última observação sobre a expressiva presença de objectos em

vidro nestes contextos, que se coaduna com um perfil aquisitivo de maior

capacidade económica das populações da colonia traçado pelos restantes

artefactos e que se deverá explicar pela progressiva coexistência e substituição

das cerâmicas de paredes finas por aquele material, ao longo da segunda metade

do seculo I e inícios do seculo II, como parecem atestar os vidros presentes

nestes estratos, cujas cronologias podemos situar ao longo do século I, com as

formas Isings 34 ou outras formas com linhas e incisões tubulares datados de

contextos flávios em Conimbriga (Alarcão e Étienne 1976).

Como referimos, a data de formação destes depósitos terá ocorrido, em

momentos nunca anteriores ao terceiro quartel do século I e continuado, pelo

menos, até aos finais dessa centúria, desconhecendo-se contudo, o seu horizon-

te de utilização, quer na continuidade ou data de abandono, devido às remo-

delações do espaço urbano5. Não obstante, as condições da jazida permitem

enquadrar esta área no tipo de lixeiras situadas em áreas extramuros, não

5. Dada a antiguidade de alguns dos materiais presentes, não será de excluir por completo a possibilidade da existência de contextos de deposição anteriores, conservados em depressões não detectadas ou intervencionadas.

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urbanizadas, localizadas no entorno das cidades, no que alguns autores

classificam de “vertederos de expansión”, com o fim último, na maior parte dos

casos, de regularizar o terreno, também documentados em Baelo Claudia (Bernal

et al. 2011).

Esta realidade, típica dos contextos desta natureza, adquire especial pertinência

considerando o horizonte cronológico de utilização desta área como zona de

amortização, já que se tratam de momentos escassamente documentados no

seio da Beja romana, provavelmente relacionados com reformas e reconversões

urbanísticas no espaço urbano. E a este propósito, recorde-se a presença de

materiais arquitectónicos identificados na vertente ocidental do forum da

cidade, nomeadamente os capitéis compósitos cronologicamente centrados

entre os finais do século I e inícios do século II (Ribeiro 1999), que deverão ser

associados a momentos de reformulação urbana daquela área, contextualizada

com o forte impulso político das reformas de Vespasiano e com o próprio

estatuto da cidade capital de conventus.

O seu interesse prende-se com o facto de corresponderem a realidades fechadas

e amortizadas em espaços de tempo relativamente curtos, demonstrando uma

diversidade que residiria em parte na própria auto-suficiência da cidade que

assegurava os bens da vida quotidiana e um cenário activo de importação de

bens. O estudo dos contextos arqueológicos e o desenvolvimento de novos

trabalhos no espaço urbano irão permitir uma caracterização mais rigorosa

destas realidades, fundamental para delinear os perfis e os hábitos de consumo

da comunidade pacense.

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