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INTRODUCÇÃO AO ESTUDO DAS FEBRES DE GOA JHilX fC

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INTRODUCÇÃO AO ESTUDO

DAS

F E B R E S DE GOA

JHilX f C

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I N D A L E N C I O F R O I L A N O DE MELLO

Introducção ao Estudo DAS

FEBRES DE GOA (Uma pagina de Pathologia Colonial)

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA A

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

PORTO Typ. a vapor da "Encyclopedia Portugueza Illustrada*

Rua Rainha D. Amelia, 47 a 49

1910

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ESGOIiR jVŒÛICOHflHURGICfl DO PORTO D I R E C T O R I N T E R I N O

A U G U S T O H E N R I Q U E D ' A L M E I D A B R A N D Ã O

SECRETARIO

THIAGO AUGUSTO D'ALMEIDA

CORPO DOCENTE

Lentes cathedraticos i.a Cadeira — Anatomiadescriptiva geral. Luiz de Freitas Viegas. 2.a Cadeira — Physiologia Antonio Placido da Costa. 3.a Cadeira — Historia natural dos medi­

camentos e materia medica . . , José Alfredo Mendes de Magalhães. 4.* Cadeira — Pathologia externa e thera­

peutica externa Carlos Alberto de Lima. 5.11 Cadeira — Medicina operatória. . . Antonio Joaquim de Souza Junior. 6.a Cadeira — Partos, doenças das mulhe­

res de parto e dos recem­nascidos . Cândido Augusto Corrêa de Pinho. 7.* Cadeira—Pathologia interna e theva­

peutica interna . José Dias d'Almeida Junior. 8.a Cadeira — Clinica medica . . . . Thîago Augusto d'Almeida. Q.a Cadeira — Clinica cirúrgica . . . . Roberto Bellarmino do Rosário Frias.

10.a Cadeira — Anatomia pathologica . , Augusto Henrique d'Almeida Brandão ri.* Cadeira — Medicina legal . . . . Maximiano Augusto d'Oliveira Lemos 12.a Cadeira— Pathologia geral, semeiolo­

gia e historia medica Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. 13.a Cadeira — Hygiene João Lopes da Silva Martins Junior. 14.a Cadeira— Histologia e physiologia

geral Vaga. 15.* Cadeira — Anatomia topographica . Joaquim Alberto Pires de Lima.

Lentes jubilados

Í José d'Andrade Graniaxo. Illidio Ayres Pereira do Valle.

I Antonio d'Azevedo Maia. J Pedro Augusto Dias.

Secção cirúrgica í Dr. Agostinho Antonio do Souto. y Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

Lentes substitutos

Secção medica ^ :■■■{

{ João Monteiro de Meyra Jose d Oliveira Lima.

Lente demonstrador Secção cirúrgica Álvaro Teixeira Bastos.

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A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento da Escola, de 23 d'abril de 1840, art. 155.")

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Prefacio

■Estudando mesmo summaria e resumidamente a historia da expansão colonial dos povos, vê­se que a sua causa determinante é a necessidade da manutenção das collectividades colonisadoras den­

tro de condições de relativo conforto e bem estai que d época os meios circundantes não conseguem satisfazer. Que profundemos esse movimento nas épocas mais remotas, em tempos de phenicios e bíblias hebraicas, que o estudemos em edades mais recentes, muito notáveis na historia da civilisação pelas descobertas marítimas que são para nós, portuguezes, motivo de legitimo orgulho e gloria immorredoura, a lucta pela vida, a lucta pelo pão lá surge sempre, mais ou menos encoberta por lendas encantadoras, por ideaes de crenças arden­

tes e proselitismos fervorosos. Não se supponha com isto que negamos o desinteresse, o ardor fa­

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natico dos paladinos velhos de velhas eras. Não; mas estes vão engrossar até certo ponto a multi­dão, o philistin, movido pelo influxo poderoso de cérebros pensantes, dominados pela ideia prima commercial, de palpáveis interesses lucrativos. E quando atraz d'um núcleo de homens fortes, sur­gem como continuadores da obra indivíduos em que a fraqueza da acção e mentalidade é substi­tuída simplesmente pelo fanatismo e ardores des­interessados, a conquista do génio abala-se, derme, até que o interesse individual, a falta de morali­dade e a rapina a esmoronem, a arruinem.

O nosso domínio colonial, a historia da sua fundação, o ideal exclusivamente commercial dos primeiros colonisadores, o desvirtuar da sua obra com uma christianisação inopportuna alliada ao sonho d'um empório oriental insustentável, o surgir

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de heroes que com o peito fidalgo ardendo em amor pátrio e os olhos inflammados, procurando milagres, faziam caminhar entre ondas de sangue a espada, a coroa e a cruz, a volta rápida á con­cupiscência e á rapina, mergulhada a alma não já no sonho de conquistar almas para o ceu, mas no de mandar para a metrópole naus carregadas de ouro e pedrarias, de escravos e pimenta, e final­mente o desmoronar do nosso poderoso empório colonial, constituem a historia mais suggestiva que nação nenhuma possue mais cheia de ensina­mentos valiosos.

Modernamente, desde que a população augmen­ta de modo a não termos portas a dentro os meios necessários para o nosso sustento, a acção dos colonisadores estende-se mais velozmente que nunca pelas terras inexploradas. A Europa, que

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vae na avançada da colonisação, usa para com os paizes coloniaes (trópicos) de meios de engloba­mento, de accaparement verdadeiramente assus­tadores. E o indígena, recuando dia a dia mais, inerme, vencido, mal pôde utilizar, ante as forças de lucta modernas, das suas flechas e settas en­venenadas, restos fosseis d'um systema de defeza primitivo.

A questão material surge mais que nunca d'uma evidencia esmagadora. A pretexto de civi-lisação, a bem de quantas egualdades e fraterni­dades apregoadas, nós opprimimos e roubamos e matamos o fraco nosso egual, nosso irmão! As leis sociaes que se pregam do alto das revoluções não teem a força necessária para alterar o curso das collectividades onde só uma única lei é supre­ma, immutavel—a lucta pela vida.

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Mas na defeza dos opprimidos contra os ex-tranhos a peçonha das settas não é tão efficaz e tão mortalmente perigosa como uma infinidade de factores nossos inimigos. Cansados de fazer victi-mas entre as populações autochtones, tendo ja creado n'estas um relativo grau de resistência, atiram-se sobretudo cruelmente ao intruso, ao ex-tranho que vae perturbar do indígena a calma tranquilla d'uma vida primitiva.

Os povos colonisadores encontram na sua frente elementos da sua extincção individual ou ethnica nos próprios factores que constituem um clima tropical, nas múltiplas causas de mortalidade devidas ás endemias dos paizes quentes.

A colonisação moderna não pôde ser levada a cabo á força das espadas, ou sob o troar das me-

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tralhas. A obra pertence toda á sciencia obscura e silenciosa no remanso dos seus gabinetes, pode­rosa e fecunda nos seus resultados. Os estudos de climatologia e medicina tropicaes podem revolu­cionar o mundo, arrancando para a conquista do pão e para a expansão da sociedade terras áridas e seccas e envenenadas como as ferras mal­ditas do Senhor.

E a esta orientação reconhecida como provei­tosa de poucos annos para cá que corresponde o avanço da medicina tropical e o desenvolvimento dos estudos climatológicos. Sabe-se bem hoje como a Noruega conquista dia a dia mais um palmo de teria ás regiões dos gelos mortaes. Sabe-se bem como os relatórios das campanhas coloniaes apon­tam as doenças tropicaes como o factor mais im-

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portante da mortalidade das tropas. A colonisação moderna tem de ser hoje em dia exclusivamente scientifica.

Infelizmente nos sociólogos e economistas que se dedicam a estudos coloniaes, poucas ou nenhu­mas referencias se encontram a estes factores ini­migos da colonisação. Trata-se detidamente do fomento agrícola, commercial e industrial, sem se dar importância de maior ao braço que representa o homem, origem de núcleos futuros d'um trabalho activo e fecundante.

É pois ao medico, ao naturalista, que pertence o papel mais preponderante na colonisação mo­derna. Estudar os factores climáticos regionaes, os elementos pathogenicos, a maneira de os corrigir e combater, não terá talvez a gloria retumbante

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d'uma batalha sangrenta, mas tem o valor incal­culável duma victoria contra a morte.

Pottugal continua a ser ainda uma grande nação colonial. Seguindo methodos scientificos, um grande futuro está-nos reservado. Muitas das nos­sas colónias conteem riquezas virgens que só re­clamam a mão carinhosa de colonos amigos. Quanto mais não fosse, o sonho de podermos cen­tuplicar a população metropolitaua, não deixaria de pesar nos destinos políticos das nações. Seria­mos respeitados e temidos. Para a manutenção da nossa individualidade, não precisaríamos de abri-gar-nos somente á sombra de passados heróicos e gloriosos. Um povo que não avança e que para se fazer valer piecisa que a benevolência alheia

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olhe com tanto respeito o seu passado, quanto de piedade infunde o seu presente, não vive. Dorme o somno precursor das agonias Lentas e torturantes.

Com uma colonisação scientifica, nós teremos o orgulho de ouvir ríuma vasta extensão de terras a nossa lingua, ver os nossos costumes, sentir emfim que partes diversas, espalhadas em terras diversas, constituem um todo único que é portu-guez e que não pôde deixar de pesar razoavelmente no equilíbrio mundial.

Mas este sonho de colonisação quanta persis­tência, quanta energia sacrificada, quanta victimai

quanto thesouro não custará! Nós temos inimigos terríveis nos factores naturaes. Nas Africas a doença do somno, junta á successiva despopulação da Angola pelas derivações para S. Thome'e outras terras, constitue um dos problemas que nos amea-

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çam para não falar dos outros que os medicos em geral e os que se entregam a estudos de patholo-gia exotica especialmente sabem ser muito mais perigosos que as campanhas do indígena aguer­rido.

A Allemanha, a França e a Inglaterra, em suc-cessivas missões de estudo conseguem trazer des­cobertas novas á luz da sciencia e proveitos práti­cos á humanidade. Portugal não pôde ficar para traz n'esta campanha colonial. Cada colónia nossa tem de ser rigorosamente estudada sob o ponto de vista climatologico e morbigeno antes de se estu­darem as condições do seu fomento agrícola, in­dustrial e commercial.

A medicina exotica vae progredindo cada vez mais.

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Seguindo a orientação do meu século, portu-guez e filho das colónias, escolhi para assumpto da minha these uma pagina da nossa pathologia colonial. O meu estudo é uma introducção ao es­tudo das febres de Goa. Fique isto bem assente para que se saiba que não tendo elementos para crear um capitulo, nem mesmo nutrindo a louca pretensão de creal-o, o titulo da these não podia ser senão o que lhe dei.

Aos professores da Escola Medica de Nova Goa, a quem devo a minha educação medica, aos d'esta Escola do Porto, de quem só recebi atten-ções e finezas e a muitos dos quaes me liga a sympathia que merecem os espíritos de savant doublé de gentleman, a expressão do meu pro­fundo reconhecimento.

2

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Não poderia esquecer os que gostosamente me auxiliaram n'esta obra e entre os quaes me per-mittirei especialisar os meus collegas de Goa Drs. Wiseman Pinto e Felippe Velho, o Dr. Manoel de Vasconcellos, a cujo paciente e aturado trabalho devo os graphicos das febres, o Snr. Prof. Souza Junior e M.lle Marguerite Schutze, o Ex.m0 Snr. Prof. Ayres Kopke e o Dr. Émile Legrain, director da "Afrique médicale„. A todos os meus mais vivos agradecimentos.

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I PARTE -

r

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Estudo summario das febres do Hin-dostão que poderiam ser confundi­das com as febres de Goa

Este estudo deveria apenas constituir o capi­tulo do diagnostico differencial das febres de Gôa. Tendo eu porém de dar-lhe um certo desenvolvi­mento que não comportavam as dimensões d'um capitulo, ampliei-o de modo a constituir a 2.a parte d'esté trabalho modesto e despretencioso. Accres-cendo além d'isso a necessidade que tinha de de­monstrar, com auctores á frente, a existência nos trópicos e na índia—que mais particularmente me interessa—de febres exóticas différentes do palu­dismo e das outras entidades mórbidas universal­mente reconhecidas e acceitas e as quaes ficam com-prehendidas nas Unclassed fevers, julguei poder tomar sobre os meus hombros frágeis a magna empreza de dividir a minha these em duas partes ! Que a minha ousadia não seja lançada á conta de orgulhos loucos e pretenções tolas que estou longe de alimentar.

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MALARIA

Um dos mais importantes capítulos da patho-logia tropical pela extensão do seu dominio, pelo grau do seu poder victimador, pela antiguidade do seu estudo. Conhecida desde os tempos mais re­motos, tem atravessado três períodos que Mar-chiafalva e Bignani delimitam da maneira seguinte: 1,°, tempos antigos até o século xvn; 2.°, a epocha da quina; 3.°, a da descoberta de Laveran.

Apezar de estudos avançadissimos, muitos pontos ficam ainda por esclarecer. O que actual­mente se pôde affirmar é que o que está feito será a verdade, mas não é toda a verdade. Para exem­plificar: quanto á sua etiologia, será o mosquito o único e exclusivo propagador da doença? Vemos paizes em que a distribuição do paludismo não corresponde á zona dos anophelinos, outros inha-bitados em que o paludismo existe e a estes pon­tos obscuros procuram dar solução as hypotheses dos corpos de Plehn, dos esporos negros de Ross, da existência d'uma outra fase extra-corporal des­conhecida, da passagem do parasita de mosquito para mosquito, analogamente ao que se dá com o Piroplasma bigeminum dos bovideos do Texas, etc. Em hematologia ouve-se frequentemente o clinico contestar as affirmações do laboratório, sobretudo no que respeita á classe do parasita e á phase da sua evolução comparada com a phase do accesso febril. Nós tivemos occasião de observar em doen-

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tes de nítidas terças benignas, vindos da Guiné (possuo preparações coradas que podem ser vistas) o seguinte facto curioso: todos os glóbulos pa­rasitados com Schizontes em evolução bastante adeantada, longe de augmentarem o volume do glóbulo, mostravam-no systematicamente mais pe­queno. As granulações de Schuffner, as formas do parasita e as rosáceas de multiplicação eram nitida­mente do PI. vivax. Alguns d'elles tinham uma infecção mixta do PI. vivax e precox. Um d'estes doentes teve a hemoglobinuria. Quem sabe se es­taríamos em presença d'uni parasita especial da febre hemoglobinurica e se este grau de retracção (permitta-se-me o nome) globular era o primeiro estádio da evolução que leva á dissolução globu­lar. Sabe-se bem que hoje em dia andam muito divididas as opiniões com respeito á etiologia da febre hemoglobinurica. Auctores ha que a conside­ram de origem palustre e outros que com muito bem fundadas razões as consideram perfeitamente separadas da malaria. Divergências existem quanto ao próprio hematozoario, á sua unidade ou plura­lidade, á variedade de espécies malignas (terçã, quotidiana pigmentada e não pigmentada de P. Mausen e auctores italianos), não me referindo á negação do hemosporidio por Legrain, Treille e a Escola dissidente de Argélia. Laveran cita variados casos clínicos (terçãs benignas e malignas, quartas, quotidianas, cachexias) em que encontrou crescen­tes (semi-lunares) que a grande maioria dos aucto­res considera como gâmetas do PI. precox. Quanto ao tratamento, afinal, a quina deve administrar-se

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8 horas antes do calafrio, segundo Laveran, 5 a 6 conforme outros, no momento mesmo do accesso em doses muito pequenas, segundo a Escola dissi­dente. O problema como se vê é muito mais com­plexo do que se suppõe á primeira vista, n'esta mania simplista de reduzir tudo ao paludismo, mosquitos e quinino.

No estado actual da sciencia, uma critica dos trabalhos dos différentes auctores que ao paludis­mo se teem dedicado, dava para uma these. Não sendo este o meu intuito, referir-me-hei apenas á rémittente palustre, para podermos excluil-a dos capítulos de path, exotica que podem ser confun­didos com as febres de Goa.

Todos os parasitas do paludismo podem dar as contínuas, rémittentes (expressões imperfeitas, segundo Marchiafalva, Bignani e Graig) e sub-con-tinuas (a única usada por estes auctores). Mas são sobretudo os PI. precox que os originam. Em Goa vemos uma grande frequência de febres rémitten­tes palustres.

O começo d'uma rémittente faz-se sempre por calafrios por pouco pronunciadas que sejam, ou uma sensação de cansaço e mal estar intenso nos que soffrem constantemente de sezonismo e no-ta-se á hora das ascensões, correspondentes pro­vavelmente á libertação de novos sporozoarios, um resfriamento de pés e mãos. O Nas remissões,,

(') Corre. Bilieuses Rémittentes, 1883. É preciso que se diga que em muitos pontos o livro de Corre é muito antiquado.

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a sudação é mais ou menos accentuada. Nunca se - observa, por mais irregular que seja a curva ther-

mica, o high continued type da typhoïde, nem a dupla rémittente (Rogers, 1. cit. pag. 235). Ha cefa-lalgia e dores por todo o corpo (supra-orbitarias, lombares, rachialgias) desde o começo e durante^) decurso da doença (note-se que nas febres de Goa raras vezes apenas apparece a cefalalgia que passa por completo dous ou três dias depois). A lingua é uniformemente e fracamente saburral e sem os bordos avermelhados. A este signal dá Rogers grande importância para o diagnostico differencial de Seven days fever; se isto é verdade, outro tanto poderíamos dizer das febres de Goa. O baço é sempre augmentado de volume.

Finalmente não ha paludismo que não ceda ao quinino e durante a evolução da doença vêem-se os resultados benéficos da therapeutica quinica. Tudo isto clinicamente, que os exames microscó­picos e feitos dia a dia e as sero-reacções diffe-renciam perfeitamente uma rémittente palustre de uma typhoïde com a qual pôde ser e tem sido va­rias vezes confundida (Graig).

TYPHOÏDES NOS TRÓPICOS

Só em tempos relativamente recentes é que se descobriu a sua existência nos paizes quentes. O paludismo dominava de tal forma os espíritos que

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até ulcerações intestinaes nitidamente typhicas en­contradas nas autopsias eram consideradas como . complicações da rémittente palustre. A reacção de Widal devemos os nossos conhecimentos sobre a distribuição da typhoide na índia, China, Japão, Cochinchina, Malaria, Algeria, colónias inglezas, francezas e allemãs na Africa, etc. Referimo-nos mais particularmente á sua distribuição no Hindos-tão onde a sua incidência, especialmente terrível nos europeus (os nativos são também muito sujei­tos á infecção eberthiana) se faz notar em Nagpur, presidência de Madrasta, Rangoon, Bombaim, As­sam e Benguela Oriental (nas duas ultimas em muito menor proporção), etc.

Os estudos de Rogers e Roberts dão as se­guintes notas estatísticas relativas á incidência da infecção nos europeus, e indianos descendentes de europeus (eurasian). A relativa repugnância do nativo hindu ou mahometano para entrar nos hos-pitaes faz que nos faltem dados estatísticos com respeito a essas classes do paiz; mas é de crer que vivendo em condições de hygiene e salubridade eguaes ou peores, as cifras sejam mais ou menos as mesmas.

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Europeus. 1 anno de residência • HO MO

6 0

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8 2

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1 0 50,9

1 a 2 annos de residência . A

2 a 3 annos de residência . A

Mais de 3 annos de residência.:

Total <

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0 0 16,4 1 a 2 annos de residência . A

2 a 3 annos de residência . A

Mais de 3 annos de residência.:

Total <

HO MO

0 0

1 0

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0 0 14,5

1 a 2 annos de residência . A

2 a 3 annos de residência . A

Mais de 3 annos de residência.:

Total <

H 1 MO

1 0

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2 0

2 0

2 0 18,2

1 a 2 annos de residência . A

2 a 3 annos de residência . A

Mais de 3 annos de residência.:

Total < H 1 MO

7 0

16 1

17 2

7 1

3 6 55

DESCENDENTES DE EUROPEUS. COMPARAÇÃO COM AS ESTATÍSTICAS DE CURSCHMANN

C E c o - -li­ S S O

CO § _ ra Kl ni « ra s < zz m CM s s S t-

H 9 6 13 6 0 3 0 37 M 5 10 8 7 3 1 1 35

14 16 21 13 3 4 1 72

30 34

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Porcentagem 41,67 47,23 11,10 Curschmann Casos de Hamburgo . 11,02 58,68 30,30 Casos de Leipzig 9,59 49,40 40,1 Casos de Montreal (Osler) . . . 7,83 46,64 45,58

D'estes quadros, comparados com a incidência da typhoide nos paizes temperados da Europa e da America, vem a seguinte conclusão: Na India a typhoide ataca as edades baixas n'uma proporção que, comparada com a Europa e America, é de 5:1 e vice-versa para cima de 25 annos. Nas edades intermediarias a incidência é quasi a mesma. Os hindus christãos dão uma proporção de typhicos egual á dos descendentes de europeus e se os nú­meros quanto aos outros povos nativos são relati­vamente menores, seria isto talvez devido a um certo grau de immunidade adquirida por infecções na infância e que passam despercebidos á assis­tência medica regulamentada.

A maior frequência da infecção é nas estações húmidas e quentes de maio a outubro; com pe­quenas variantes dependentes das condições cli­matéricas e mesologicas que fazem retardar ou avançar a epocha das monções das différentes ci­dades do fiindostão.

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DESCRIPÇÃO CLINICA COMPARADA COM A TYPHOÏDE

NOS PAIZES TEMPERADOS O

Estas notas são fornecidas por casos observa­dos durante cinco annos no Hospital de Calcutta por Rogers e verificados pela sero-reacção. <2)

A typhoïde nos paizes tropicaes é pouco mais ou menos semelhante á typhoide dos paizes tem­perados; a sua malignidade é porém maior e a curva thermica d'uma irregularidade que não con­diz com a curva clássica da infecção eberthiana. A duração da febre varia nos paizes temperados e na índia. Emquanto as estatísticas de Curschmann dão nos adultos e creanças respectivaments 50,5 76,5 de percentagem de typhoïdes durando 15 a 21 dias, na índia encontramos apenas uma percenta­gem de 35,7. Em compensação a febre dura 22 a 33 dias em cerca de 40,3 por cento na índia, ao passo que na Allemanha em 22,4 por cento e para cima de 33 dias em 20 por cento na India e 10,75 nas notas do auctor allemão.

TEMPERATURA—Período dascensão—(3, 5 ou 7 dias conforme Curschmann). Raras vezes se faz pela subida gradual e lenta da temperatura. Em geral (V. os diagrammas de Rogers) é rápido, at-tingindo logo 103, a 104, ou mesmo 105 F. Pre­cedido frequentes vezes de calafrios ou arrepios, etc., do periodo prodromico clássico. É impor-

(') P. Manson — Rogers-Strumpele. Dieulafoy. (P. interne). f*l Não confundir a typhoide nos trópicos (índia para o nosso caso)

com a typhoide biliosa ou doença de Griesinger.

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tante saber-se isto porque tanto a malária como a Sevendays fever começam da mesma maneira. As febres de Gôa é que sobrevem em perfeito estado de saúde, sem calafrios nem mal estar nenhum. Período d'estado. Em 71,4 de casos a curva é do typo que os inglezes chamam high-continued fever, comprehendendo sob esta designação uma tempe­ratura persistentemente acima de 101 F. e com variações de 2 graus (102 a 104, mesmo 105). Em 28,6 uns apresentam as continuas rémittentes em que a temperatura attinge 104 ou 105 mas ha ampliações grandes, outros são casos attenuados. ou frustes com temperatura para baixo de 101 e só um (casos muito communs no Kala-azar) com va­riações thermicas de 2 graus e a maxima de 101. (low continued fever). Período final—quasi nunca por crise—Mais prolongado que na Europa. A febre toma por vezes o typo intermittente.

Convalescença — prolongada — Raras vezes a temperatura eleva-se a 99 ou 100 o que é fre­quente no Kala-azar. Notam-se porém accessos com calafrios que ora são devidos a uma infecção malarica intercurrente e cedem ao quinino ora apparecem sem causa conhecida, sem apresentar hematozoarios, nem mesmo uma mononucleose exaggerate (Chart. 19, pag. 123. Rogers, ibid.).

Recidivas. Contrariamente á opinião de muitos pathologistas, Rogers pensa que a frequência das recidivas na índia é menor que nos p. temperados (9,5 por cento para 13,8 por cento). Isto é talvez devido ao menor numero d'observaçoes do auctor

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inglez comparadas com as de Curschmann, que se referem a 13 annos de clinica.

Formas attenuadas (mild remittent cases) 17,8 por cento. Abortivas — a febre não excedendo Î5 dia5—3^9 por cento. Estas formas muito difficeis de serem diagnosticadas sem o auxilio da reacção de Widal.

Um dos symptomas de grande valor diagnos­tico é o pulso lento e sem correlação com a tem­peratura, o que não succède com nenhuma outra febre, excepto a Seven days fever.

Signaes de bronchite—Vulgares na typhoïde encontram-se raramente nas outras febres.

0 estado dos intestinos é análogo ao dos pai-zes temperados e uma diarrhea persistente é de péssimo prognostico.

A distensão abdominal, o tympanismo, por ve­zes dores, são um importante signal de differen-ciação, porque nenhuma outra febre o apresenta, nem o Kala-azar, nem a malaria, nem a febre de Malta e récurrentes, raríssimas vezes a Seven days fever.

O augmento do baço, vulgar em todas as fe­bres tem pouca importância diagnostica. Note-se, porém, que as febres de Goa não apresentam au­gmento nenhum esplénico.

As complicações são mais frequentes que nos p. temperados: hemorrhagias, thrombosis, perfu­rações intestinaes.

A mortalidade baixou de 50 a 60 por cento para 26 a 27 por cento. No hospital de Calcutta é de 16,3 por cento, o que dá um numero bastante

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elevado, comparado com as de Curschmann 9,3 (Lepzig, 30 annos) e os de Osler 7,5 (Baltimore, 10 annos).

Não me refiro ao tratamento, nem á vaccinação, que tem dado bellos resultados, por não fazer parte do meu estudo.

TYPHO-MALARIA

Existe a typho-malaria ? Quero dizer, a typho-malaria é uma entidade mórbida clinicamente reco­nhecível por symptomas especiaes que justifiquem a creação d'esté capitulo em pathologia exotica? Ha bacteriologicamente uma symbiose ou cousa parecida entre o protozoário do paludismo e o ba-cillo de Eberth, symbiose cuja evolução crie em nós um typo pathologico especial?

São estas as perguntas que naturalmente oc-correm ao tentarmos descrever este capitulo.

Como se sabe em sciencias, como em tudo o mais, ha períodos, ha étapes, ha modas, ha sno-bismos. O período que atravessamos actualmente é o do avanço da medicina tropical. A Europa vê um largo campo de acção nas regiões d'além-mar e convence-se da necessidade da occupação d'es-sas terras fecundas na sua virgindade inexplorada, lethalmente inimigas dos colonos na sua selvage-ria primitiva. Todas as energias laboram n'um mesmo fito commum e ao naturalista, ao medico e hygienista cabe, n'esta sede de colonisação, o

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papel mais importante na lucta contra a morte co­lonial, por meio de processos scientificos, pacien­tes, aturados e fecundos.

N'esta étape, uma luz nova lança-nos a cami­nho de horisontes novos. O hematozoario de Laveran é uma descoberta que marca data na his­toria da pathologia. Mas, a breve trecho, o hema­tozoario é tudo, domina tudo. Não ha doença nos trópicos que se lhe não attribua; o hematozoario é a moda do dia. Subordina-se tudo ao didactismo que nos laboratórios chega a tomar proporções desmesuradas de maneira a constituir leis certas e inabaláveis e vozes dissidentes, fundadas na observação conscienciosa dos factos (Legrain, Treille, etc.), que se erguem de quando em vez procurando abaixar do seu pedestal supremo o supremo paludismo, são suffocadas pelo murmú­rio escarnecedor e irrisório dos mestres e apósto­los.. . da deusa malaria.

N'esta marcha invasoramente obsecante dos espíritos, é fácil de se comprehender por um facto muito vulgar na psycologia das multidões (nós, os medicos, apezar de muito illustres e diplomados, não deixamos de lhe estar sujeitos) que a moda degenerasse em snobismo. Filha d'esse snobismo é a creação da typho-malaria.

Sei que vou de encontro á opinião que do alto da cathedra se vae infiltrando no espirito das mas­sas. Pobre medico, consciente da sua pequenez, a minha educação intellectual resente-se d'um ma­gno defeito: o desrespeito á auctoridade consa-

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grada e a veneração pela sciencia impessoal. Um único facto porém é indestructivel, inattingivel : é que sendo libérrima a opinião, é uma e única a expressão da verdade.

Pois ninguém me prova com symptomatolo-gias á frente que haja uma typho-malaria, ninguém me affirma a existência d'uma liga malario-eber-thiana que tenha uma evolução sua exclusivamente sua e obrigam-me a acceitar a typho-malaria ele­vada ás honras d'um capitulo! Mas quem me explica o porque d'esta entidade? O facto de a typhoïde apparecer num impaludado só pôde vir derruir a lenda da incompatibilidade das duas doenças. A constatação d'esta observação é uma reacção salutar oppondo-se á acção invasora da cegueira malarica. Uma gravida pôde ter o impalu­dismo, pôde tel-o uma disenterica, pôde a tuber­culose enxertar-se n'um terreno palustre. Porque não chamam e criam a gravido-malaria?! N'uma localidade onde haja uma inquinação typhica, que um impaludado esteja, pelo facto da sua resistên­cia orgânica diminuída, mais exposto que um indi­viduo sadio a contrahir a doença de Eberth per­feitamente d'accordo. Basta isto para crearmos um capitulo? Mas um typhico na sua convales­cença está exposto a contrahir tantas doenças ! No caso de ser uma pneumonia, porque não creamos a typho-pneumonia?

Eu persisto na minha opinião, que de resto não é só minha. A typho-malaria é um producto

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de snobismo, filho do exaggero da moda mala-rica. (1)

Fallem agora os mestres. Laveran (Traité du paludisme) depois de apre­

sentar casos de soldados contrahindo a febre ty­phoïde no hospital em que tinham vindo curar-se d'uma intermittente, depois de fallar do paludismo e typhoïde na India, Italia, Algeria, etc., destruindo assim a theoria da incompatibilidade entre as duas doenças (th. de Boudin)—uma theoria já fossil sobre a qual já hoje ninguém pensa de certo, creio eu—termina o capitulo pelo seguinte: "Les auteurs italiens qui sont si bien placés pour étudier cette question, n'admettent pas, en general, l'existence de la forme hybride qui a été décrite par les au­teurs anglais sous le nom de typho-malarial-fever, et par quelques observateurs français sous le nom de proportionée typhoidique. M. M. Bacelli et As-coli disent n'avoir jamais observé cette forme à Rome où cependant la fréquence du paludisme et de la f. typh. devrait favoriser son développe­ment . . . La f. typh. est une maladie intercurrente du paludisme comme peut être la variola... elle fait taire par un temps les manifestations palus­tres . . . Si. . . il se produit une rechute de fièvre intermittente, on voit reparaître les parasites qui sans doute s'étaient réfugiés dans la rate.

En résumé le paludisme et la f. typh. consti-

( ' ) The microscope has definitily proven the falsity of this appela-tion and we know that there is no such disease entity as typho-malarial fever (Graig Mat., fevers, 254 pag.)

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tuent deux entités morbides bien distinctes qui relèvent des causes différentes et qui ne peuvent pas se transformer l'une dans l'autre, mais qui coexistent souvent. „

Um accesso de erysipela pôde fazer retrogra­dar ou desapparecer dermatoses chronicas e nunca ninguém pensou em crear typos associados.

P. Manson (1. cit.): "Typho-malarial fever is an ordinary typhoid occurring in a person who has been exposed to malarial influences... any disease process occuring in a person who has once had malarial fever is prone to take on an intermittent or periodic character; as if the previons malarial infection had left a sort of impress of periodicity on the constitution... the phisiological strain im­plied by the presence of active disease paralyses for the time being the self, protective power and the parasite is once more permitted to multiply and work its mischief in the blood...

The first recognised sign of typhoid in such circonstances is a violent rigor, immediately follo­wed by a rapid rise of temp, which in an hour or two mounts to 104 or 105 to be succeded in a few hours by profuse sweating and a partial remis­sion of fever, exactly resembling an attack of ague. Quinine is given... rigors and marked oscillations of temp, are checked... the practitioners are sur­prised and desappointed to find that the temp, keeps permanently too high and the typhoid state is gradually developped.,,

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Como se vê, das descripções das duas maiores auctoridades em paludismo e questões tropicaes não podemos concluir a existência da typho­mala­ria como entidade autónoma, a menos que se criem outros tantos capítulos para quantas doen­ças sobrevierem no curso da infecção malarica. (1)

PARATYPHOIDES '»

As infecções paratyphicas comprehendem todas as manifestações mórbidas dependentes da acção dos micróbios, pertencentes á familia do B. de Eberth, mas que d'elles se distinguem por fermen­tarem os assucares em­ C6 e por uma reacção agglutinativa propria, inconfundível.

A ideia da'paratyphose pertence a Achard e Bensaude (este ultimo illustre medico portuguez, exercendo em Paris). Contestada a principio por Widal e outros, constitue hoje um facto positivo de sciencia moderna, depois das constatações de Schotmuller, Dreglasky, Conradi, Jiirgens, feitas na

( ' ) Marchiafalva e Bignarnei descrevem uma observação curiosa em que o paludismo é seguido d'uma recidiva typhica, seguida por sua vez de novo accesso palustre (mas tudo isto não basta para justificar a existência da typho­malaria). (La infezione malarica, pag. 550).

(*■) Souza Junior — Infecções paratyphicas, nas «Novidades Medicas e Pharmaceuticas», Janeiro de 1907 e Febres paratyphoides (Separata da «Gazeta dos Hospitaes do Porto», 1907) — O parat., por Delphim Pi­

nheiro, «Gazeta dos Hospitaes do Porto», I de abril de 1 9 0 8 . — K o l l e Wasserman. Vol. I. Rodgers , 1. cit.

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Allemanha, outras similares na Italia, Cuba e Ja­pão, as de Souza Junior, Annibal Bettencourt e outros em Portugal, e Rogers na India, etc.

SYMPTOMAS CLÍNICOS

0 começo umas vezes brusco, acompanhado de calafrios mais ou menos intensos, aos quaes succède a hyperthermia que, passadas horas, ou desapparece ou vem tão próxima da normal que alguns doentes se levantam e trabalham (D. Pi­nheiro); outras vezes precedido d'um período pro-dromico de 3 ou 4 dias, traduzindo-se por um mal estar geral, anorexia, leves dores de cabeça e abdo­men. A' aggravação d'estes symptomas corres­ponde a verdadeira invasão da doença (S. Junior).

Começo irregular, ora brusco, ora precedido de prodromos, notando-se particularmente a cefalal-gia (Kolle Wasserman).

Período de invasão—Calafrios, sede viva, do­res de cabeça, corpo e cruzes, vómitos e prostra­ção, marcando logo o thermometro 38,5 ou 39. Face congestionada, principalmente nas regiões malares, a lingua saburrhosa e húmida, branca no centro, rubra nas bordas e ponta. O abdomen, nem sempre muito sensível, mostra-se-nos doloroso á palpação nas duas fossas iliacas, mas particular­mente na esquerda. Figado e baço um pouco au-gmentados de volume (S. Junior), quasi sempre

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molle e différente (Kolle Wass.). <'» Rogers não aponta os caracteres da lingua, descriptos por S. Junior, e fal-os na Seven days fever. Nós temol-os visto nas febres de Goa. O abdomen pouco ou nada sensível nas fossas, mas quando o era mais na direita que na esquerda (D. Pinheiro).

Período de estado—Singular irregularidade da curva thermica (S. Junior, D. Pinheiro, Kolle Was-serman).—Nos casos attenuados, a symptomatolo-gia da soidisante febre gástrica com a qual tem sido confundida (Kolle Wass.). Nos graves, o qua­dro da typhoide (Rogers). A lingua rôxa com as­pecto typhoïde. Só os intestinos dão signaes de maior reacção, apparecendo em geral diarrheia, em */• dos casos (Rodgers) por vezes frequente e abundante, sendo as dejecções muito fétidas, de côr amarellada ou ocre e com grumos de leite por digerir.

Nunca vi meteorismo; mas n'este período o abdomen era muito mais sensível á pressão, sen-do-o mais na fossa direita (D. Pinheiro).

Urinas—A's vezes albumina. Quasi sempre uratos e pigmentos biliares modificados, que sobre o papel deixam uma côr amarella levemente es­verdeada (S. Junior).

Apparelho circulatório—No estrangeiro tem-se notado a phlegmatia. Rogers não a assignala. D. Pinheiro falia da tachicardia.

Apparelho respiratório—Congestões, bronchi­tes, broncho-pneumonias.

(') Vejam-se as observações de S. Junior.

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Systema nervoso — Surdez, ás vezes muito pronunciada. Exaltação nervosa em alguns, de­pressão nos outros em geral ; nunca o deplorável aspecto dos que soffrem das febres typhoides.

Apparelho digestivo (Complicações) —Hemor­ragias intestinaes, se bem que raras (5 por cento dos casos?).

Duração — 30 dias em média, por vezes 40. Ha formas benignas que terminam em 10 dias.

A.pathologica — A febre paratyphoide é prin­cipalmente, é primacialmente uma folliculite colo­sigmoidea. N'este facto, filiamos a dor mais ac­centuada na fossa ilíaca esquerda (S. Junior). Glanglios mesentericos inchados como na tuber­culose intestinal (Kolle Wass.). /.­..■

Eis em rápidos traços o quadro clinico: a irre­gularidade da febre domina jos outros symptomas. No período de estado o typo da febre é high­continued em 7, dos .casos ehigh remittent em •/, (Rogers). Única curva das. febres de Goa que é ir­regular, não pertencia as­paratyphoides, pois que a sero­reacção foi. negativa. Não me refiro absoluta­mente ao diagnostico bacteriológico d'esta doença, sendo este meu trabalho puramente clinico.

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KALA-AZARC»

Confundido por muito tempo com a malaria, typhoïde e outras affecções, esta doença indivi-dualisa-se depois da descoberta do agente que nós chamaremos também corpos de Leishman-Do-novarij para nos não mettermos na questão da sua classificação. Endemo-epidemica, d'uma mortali­dade muito elevada sobretudo no Assam e o valle do baixo-Brahmaputra, attribuida ao ankilostoma por Giles, a uma forma maligna da febre de Malta por Bentley, ao paludismo por Rogers apoiado pela grande auctoridade de Ross, sabe-se hoje perfeitamente a historia da sua descoberta, a do agente, das formas culturaes herpetomicas, das inoculações no cão e macaco, a sua distribuição geographica, etc., etc. Os nomes de toda uma plêiade de pathologistas, como Rogers, Donovand, Castellani, Leishman, Dodd Price, Chatterj.ee, Chris­tophers, Nicolle, etc., estão-lhe ligados, e apezar de estudos clínicos hematológicos, epidemiológi­cos, dia a dia mais avançados, que se teem feito sobre esta doença, pontos obscuros surgem de to­dos os lados sobre a sua etiologia; prophylaxia, tratamento, etc... Uma grande parte da índia,

( ' ) É possível que exista em Gôa. Um dos maiores insultos que o .filho da plebe, pôde lançar ao inimigo., é desejar-lhe; o:callo-zôr palavra concanim correspondente, egual ao Kala-azar (febre negra).

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Ceylão, Soudan, Arabia, Tunizia, mesmo a China, pagam-lhe tributo, e uma doença análoga Leishma-nia infantun, acaba de descobrir-se na Africa me­diterrânea e Italia meridional. O A caça ao per­cevejo, preconisada por Rogers, a hypothèse da origem canina emittida por Nicolle e Patton (este auctor pensa que os corp. de L. Donovam teriam um hospede intermediário—cimex rotundatus, no qual se tem constatado uma evolução análoga ás formas culturaes das Leishmanias), tudo isso carece de confirmação. Estas considerações, não fazendo parte do nosso estudo, não nos alongaremos so­bre ellas, aconselhando os tratados de pathologia exotica e notavelmente a magistral obra de L. Ro­gers, já citada.

Todas as raças, edades e sexos são attingidas. Das estatísticas vê-se que as creanças, sobretudo as femininas (devido talvez á sua maior perma­nência em casa), são mais e bem gravemente ata­cadas.

A incubação parece ser muito longa. Castellani observou no baço d'um singalez morto de pneu­monia sobrevinda em excellente estado de saúde, corp. de Leish. Donovan.

No momento em que a doença pôde ser mais ou menos facilmente reconhecida, pelo aspecto emagrecido, o baço desenvolvido, pigmentação cu­tanea e ulcerações, é ja tarde em geral para se es­perar qualquer solução salvadora.

(') Ultimamente em Portugal. (Dr. Dionísio Alvares, «Med. Con-temp.»).

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Vamos analysar os symptomas mais impor­tantes :

Febres (Typos différentes. As temperaturas tomadas de 4 em 4 horas. V. Rogers) : a) curva irregular com remissões duplas quotidianas, e oc-casionalmente typo contínuo de alta temperatura; b) dupla rémittente quotidiana, seguida de um pe­ríodo com accessos ligeiros e um segundo estado de dupl. remit. ; c) dupla rémittente, passando de temperaturas altas para um typo remitttente sim­ples com baixas temp. ; d) typo contínuo interrom­pido por duplas rémittentes quotidianas; e) typo contínuo com elevações thermicas relativamente pequenas.

Examinando as cartas de Rogers, e vendo em quasi todas uma vez pelo menos uma dupla as­censão e dupla remissão thermica quotidianas, póde-se concluir com elle (pag. 57): This I (o typo da febre) have never seen in undoubted typhoid or other fever and I am compelled to regard it as practically pathognomonic of Kala-azar.

Este typo de febre é muito commum nas fe­bres de Goa, que não podem ser consideradas como Kala-azar (clinicamente) por faltarem quasi todos os demais symptomas, a menos que não sejam uma forma nova do Kala-azar do Assam. Só in­vestigações microscópicas podem elucidar este ponto. A frequência d'estes typos vê-se do se­guinte quadro:

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D'estas notas a seguinte conclusão : A relativa raridade de altas temperaturas nos períodos de começo do Kala-azar é um dos factores clínicos para a sua differenciação da typhoide com que tanto se tem confundido.

Hematologia —h anemia não é regra, mas pôde ser pronunciada. Taxa de hemoglobina nor­mal ou variada. Formula Ieucocytaria bastante alterada: Leucopenia extrema dos polynucleares chegando a 50, 40, 20 e mesmo 5 por cento. Au­gmenta dos lymphocitos e grandes mononucleares. Este abaixamento da formula é característico e de péssimo prognostico e facilita as infecções inter­currentes como a pneumonia, que terminam geral­mente pela morte.

Symptomas gemes—Geralmente calafrios, por vezes dois ao dia, acompanhando cada um o res­pectivo accesso. E' um facto suggestivo que, quan­do contado pelo doente, pôde levar á suspeição da doença. Cefalalgia, pulso rápido, o baço e o fí­gado extremamente hypertrophiados, podendo o primeiro chegar, por vezes, até á espinha iliaca antero-sup. e occupar todo o abdomen.

A mortalidade é elevada, chegando mesmo a 90 por cento em epochas de epidemia, fia casos de cura, e muitos, mas em geral sobreveem em cachexia, ou qualquer complicação, notavelmente a disenteria, a tisica, a pneumonia, etc. O Kala-azar do Brahmaputra é quasi sempre mortal. Do estudo do Kala-azar e da descripção summarissima que faço aqui (ver Rogers para estudo mais minucio­so), estou auctorisado a concluir que, clinicamente,

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as febres de Gôa não pertencem áquella espécie de pathologia exotica.

TRIPANOSOMIASE

A tripanosomiase humana não é conhecida na índia. Podemos tel-a qualquer dia, por importação cuja diffusão será mais ou menos facilmente asse­gurada pela abundância de Glossinas, Tabanideos e Stomoxis O no ffindostão. Passo, pois, em si­lencio tudo o que lhes respeita e está merecendo o maior interesse ás Escolas de medicina tropical e mesmo as minhas insignificantes experiências quanto á multiplicação dos tripanosomas, ao pa­pel dos dois núcleos e ás preparações húmidas pelo methodo de Erlich recentemente modificado.

SPIRILLOSES SCEPTICEMICAS

A' hora actual este capitulo vae-se tornando cada vez mais importante e a tendência para a se­paração nitida e differenciada das différentes spi-rillas pathogenicas é muito pronunciada. Ao Sp. Obermeiri, vem juntar-se o ôp. de Dutton e Todd

( l) Estas ultimas terão também um papel transmissor?

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a este o da récurrente americana de Novy e quem sabe se a récurrente transmittida na Persia pela picada d'um Argas Pérsica é différente da tick-fe-ver da Ornitodorus Moubata, e se a Sp. Carteri de Bombaim dá uma récurrente que deva occupar uma pagina nova na pathologia colonial. Pontos impor­tantes da etiologia, prophilaxia e tratamento d'estas doenças estão envoltos n'uma obscuridade que até hoje não está aclarada e nem mesmo sabemos qual o logar que na classe animada devam occupar es­tes seres, intermediários talvez entre bactérias e protozoários, ou protozoários degenerados evo­luindo para a vida vegetal. (Vêr particularmente as theorias de Schaudinn que dia a dia e ultimamente com a descoberta do Schizo-tripanoma Cruzi, es­tão tendo novas e novas confirmações).

•O microscópio, as preparações coradas tornam d'uma simplicidade relativa o diagnostico das ré­currentes cujos symptomas geraes vamos descre­ver para conveniência do diagnostico differencial das febres da nossa índia. E' preciso notar-se que o Hindostão é um dos paizes comprehendidos na área da distribuição geographica das récurrentes.

Depois d'uma incubação de 7 dias em média, a doença começa bruscamente por violentas dores de cabeça, tronco e membros e febre que attinge immediatamente uma temperatura elevada (39,5 a 40). O calafrio, raro na R. europeia, é excepcional na africana. O fácies injectado, o pulso rápido, congestão pulmonar, etc., 5 a 7 dias depois uma crise instantânea com transpiração abundante. A cura parece completa, mas após um período de 2

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a 11 dias e que pôde ser ainda menor na tick-fe-ver;x\ovo accesso com os mesmos symptomas, re-petindo-se assim por bastantes vezes, o que torna o quadro clinico em extremo monótono. A icterícia é frequente, a hepato-splenomegalia constante. Na tick-fever é menor a duração dos accessos, mas maior a frequência das recahidas, das manifesta­ções oculares e de complicações pulmonares e por vezes cardíacas.

A récurrente europeia seria transmittida por um percevejo. Tratamento desconhecido. O mercú­rio, o atoxil e as cores de benzidina não teem dado resultados. A therapeutica reduzida a ser sympto­matica.

Esta descripção summaria habilita-nos a excluir as Spirilloses actualmente conhecidas do grupo das febres de Goa.

INFLUENZA NA INDIA

Diffère pouco ou nada da influenza clássica. Apparece nos mezes mais frios, com as monsões de NE. Caracter epidemico.

Encontram-se casos esporádicos nos outros mezes. Accesso subito com calafrio e dores pelo corpo. Complicações no apparelho respiratório muito frequentes. Roncos e sibilos, respiração ás­pera, tosse persistente, por vezes pneumonia. Muito vulgares as laringites e a coriza. A curva

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da temperatura pertence ao typo rémittente ou intermittente, nunca ao contínuo. A duração de 5 ou 8 dias, com 50 por cento de 5 dias, e o resto de oito ou pouco mais, não contando com as com­plicações que podem prolongar a febre. Estes caracteres, juntos á sua natureza epidemica, fazem distinguir facilmente a influenza das outras febres da índia.

SYRIASIS

A descripção d'esta doença teria importância para um diagnostico differencial com os accessos perniciosos hyperpireticos. Para o nosso caso das febres de Goa, a syriasis pôde ser immediata-mente excluída sem que demoremos mais a atten-ção n'este capitulo de pathologia exotica.

FEBRE DE MALTA <') (FEBRIS UNDULANS)

Synonimia—Febre mediterrânea, typhoide in­termittente, typhoïde atypica, adeno-typhoide, fe­bre sudoral, Rock-Fever (Gibraltar), etc.

(') Manson. A Le Dantec. Wurtz. — Thiroux.

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Distribuição geographica — Malta, littoral do Mar Vermelho, India, China, índias Orientaes, Bra­zil, Venezuela, Estados-Unidos, Inglaterra, Sicília, Italia.

Agente—A descoberta do micrococo melitense foi quem definitivamente proclamou a autonomia da febre de Malta, d'antes confundida com a ma­laria, ou typhoïde. O coco não se encontra no sangue, mas pôde ser retirado pela puncção do baço. Tem 0,34 i* de diâmetro, fraca motilidade, e um a quatro flagellos (Gordon). Não toma o Gram, cora bem pela violeta de genciana e apparece por vezes diplococo ou mesmo em grupos de quatro ; nunca porém em longas cadeias. Encontra-se tam­bém no figado, rins e meninges. (1)

Meios de cultura—0 melhor é o caldo gelo-sado contendo 0,5 por cento de peptona. Desen­volvimento lento, colónias branco-perola, semanas depois ligeiramente amarelladas no centro. A ge­latina não é liquefeita, não ha formação de gaz nem de acido em meio assucarado, o leite torno-solado é alcalinisado (caracter que o distingue do estreptococo). Resistente á dissecação; vive du­rante muito tempo nos meios mais variados.

Meios de transmissão—Tem-se incriminado a agua, o ar, os excreta em que a commissão ingleza encontrou os micrococos n'um caso grave, os mos­quitos, etc. O leite de cabra infectada parece ser

(') Pesquizas recentes tem demonstrado a existência do n>. meli-teuse no sangue no momento do accesso febril — mas é preciso semear grandes quantidades de sangue (I a 4 c. c.) e raras vezes nas urinas.

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BI

um vehiculo reconhecido (exp. de Kennedy e Zam-mit no macaco, casos de doença no vapor Joshua Nicolson).

Incubação—Varia de três dias para duas se­manas.

Curva thermica — De typo ondulatario de que se pôde fazer uma ideia nitida pelo diagramma de Scheube, transcripto em vários livros de p. exo­tica. Os diversos symptomas acompanham as flu-ctuações da temperatura. A invasão é caracterisada pelo seguinte cortejo symptomatico: Cefalalgia, insomnia, que dura oito a dez dias, fácies conges­tionado, zumbidos no ouvido, epistaxis, lingua saburral, epigastro doloroso, algumas vezes nau­seas e vómitos. No periodo de estado a prisão de ventre é rebelde, mas pôde haver diarrheia, com traços de sangue e gorgolejos na fossa iliaca. Bronchite ligeira. Ausência completa de manchas róseas, signal importante que a faz distinguir da typhoide com a qual se parece no momento em que em geral os doentes recorrem ao medico. O periodo d'estado é longo e monótono; a tem­peratura vae decrescendo em lysis, volta o appe­tite e, já quando o enfermo se sente curado, novo accesso de febre intervém, com fluxões articulares erráticas, de duração e constância variáveis, e ne­vralgias intercostaes, sciaticas ou testiculares. São estes accessos repetidos que dão á curva thermica o aspecto característico que tem. As remissões matinaes são acompanhadas de profusos suores que se parecem com as crises das febres heticas. E' verdade que a mortalidade é insignificante, mas

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o doente anemiado e enfraquecido leva longos me-zes a convalescer o systema nervoso e articular são particularmente attingidos: dores, insomnia, delido e allucinações, o equilíbrio mental alterado, puerilismo, hyperestesia, retenção d'urina ou in­continência e polinevrites quanto ao 1.°; arthrites e synovites de forma aguda ou sub-aguda, cuja terminação é sempre favorável, sem suppuração nem ankiloses.

Formas clinicas—Graves com symptomas ty­phoïdes e attenuadas.

Anatomia pathologica — Congestão visceral generalisada; por vezes zonas de pneumonia lobular; zonas de hyperemia intestinal. O baço sempre augmentado de volume, diffluente. Mono­nucleose pronunciada 80 por cento.

Tratamento symptomatica — O quinino e o salicilato são absolutamente inefficazes, se não prejudiciaes. A prophylaxia resulta dos dados etio­lógicos por ora obscuros.

Diagnostico — A sero-reacção, positiva pelo menos a 7M, tira todas as duvidas (muitos ca­sos de Simple Cont. fever são de febre de Malta). Os symptomas clínicos que deixamos descriptos são sufficientes para excluir esta febre do diagnos­tico das febres de Goa, cujo estudo tenho em vista.

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5f

DENGUE

Febre récurrente eruptiva epidemica, com pa­roxismos acompanhados de erupções e dores mus-culo-articulares muito vivas. Caracter epidemico; ataca todas as raças e edades, propagando-se com uma rapidez egual á da influenza, com a qual tem sido confundida. Pôde dizer-se que o mundo é invadido por duas doenças de expansão rápida : a zona temperada pela influenza, os trópicos pela dengue (A. Le Dantec).

Etiologia—Causas predisponentes. Calores do estio nas z. temperadas, todas as epochas nos paizes quentes. Decresce em altitudes elevadas. Causa determinante desconhecida. A epidemia pa­rece ser transmissível aos animaes entre os quaes se nota uma grande mortalidade (Índia Senegal). O macaco (Wodermann), os ratos (epid. de Cadix) são sensíveis. A dengue teria talvez uma transmis­sibilidade análoga á da peste. O agente desconhe­cido. O pirosoma de Graham carece de confir­mação.

Symptomas—Incubação de quatro dias ou menos. Descrevem-se quatro períodos.

i PERÍODO — Paroxismo febril d'uma instanta­neidade verdadeiramente brutal, com dores de tal modo súbitas que, indivíduos passeando em plena rua, são obrigados a serem transportados para

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casa em carruagens, ou apoiados em braços ami­gos, immobilisados como ficam pelos soffrimentos musculo-articulares. A rachialgia immobilisa o tronco. Nas creanças, a invasão annuncia-se por convulsões; nas raparigas, por ataques hystericos. As dores, em geral horríveis e generalisadas por todo o corpo, podem todavia ser mais supporta-veis e a vermelhidão da face ser o único caracter indicativo do começo da doença. Temp, de 39 a 40. Embaraço gástrico. Erupção (initial rash) co­meçando pela face e invadindo o tronco e os mem­bros; pôde faltar e pôde ser intensa a ponto de se confundir com a erisipela. Duração: 1 a 2 dias, mesmo 5 ou 7.

ii PERÍODO —Remissão febril, podendo chegar á normal. Diminuição ou desapparecimento de do­res. Phenomenos críticos (suores ou diarrheia, he­morragias nasaes). Duração de 1 a 3 dias, por vezes muito pequena. O doente pôde entregar-se ás suas occupações, mas conserva uma relativa debilidade e inappetencia.

m PERÍODO—-2.° paroxismo febril cuja duração varia de algumas horas para três dias. Muitas ve­zes o exanthema é apiretico. A apparição das do­res não é constante. Rash (terminal rash) constante, papuloso ou polymorpho, começando pela mão e estendendo-se pelo tronco. Forma vesiculosa ex­cepcional (epidemia de Corneta). Este rash pôde passar despercebido; dura em geral 2 ou 3 dias.

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IV PERÍODO — Descamação furfuracea. Infec­ções secundarias da pelle.

Formas clinicas—Das mais variadas, por ve­zes com 3 ou 4 paroxismos febris, sem o initial rash, com rash sem febre, formas abortivas, etc.

Convalescença—Curta na maioria dos casos, excepto nos doentes enfraquecidos por doenças anteriores, miséria, etc. Aborto nas gravidas, am-bliopia, e paralisias passageiras são as complica­ções da dengue, não fallando nas nephrites, peri­cardites, adenites, etc.

Recahidas recidivas—Recahídas frequentes (15 por cento). Recidivas muito vulgares.

A ausência de manifestações pulmonares, a evolução cyclica que apresenta distinguem-na da grippe. Ultimamente (Fev., 1910) ti. F. A. Clayton (Notes on the Seven days fever of the Eastern Ports J. of Roy Medical Army corps) aventa a hypothèse, muito combatida aliás, de que a Seven days fever seria uma forma esporádica da dengue e transmittida pela picada do Culex fatigans. Até provas mais positivas, não podemos perfilhar esta opinião (da identidade das duas doenças) contra a qual combatem argumentos do máximo valor.

Prognostico—Benigno. Mortalidade quasi nulla «/soo. Prophylaxia geral. Tratamento symptoma­tica

Distribuição geographica—(A. Bordier. Oeo-grap. Med.). índia, Cochinchina, sul da Arabia, parte occ. de Madagascar, Moçambique, littoral mediterrâneo da Africa, Senegambia, Brazil, Me-

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xico, Antilhas, etc. Focos recentes na Syria, Asia Menor, Grécia e Turquia, d'onde ameaça esten-der-se pela Europa.

Nomenclatura—Variada conforme a predomi­nância de tal ou tal symptoma e o aspecto cara­cterístico d'ahi resultante.

2.°, Dores

3.°, Habito exterior

4.°, Erupção

1.°, Epocha de apparição[Febrte d a s t a m a r a s (Egy-

Break-bone. Broken-wing. Kiricubels (dores de joe­

lho Egypto). Bouhou (exclamação do­

lorosa nas i. de Sand­wich.

Dandy fever (dengue se­ria uma corrupção do espanhol denguero, synonimo de dandy).

Pantomina. Polka. Girafe sticffnecked (rijeza

dos músculos do pes­coço).

Febre vermelha. Scarlatina rheumatoide. Bouquet. Colorada (colónias espa­

nholas).

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A descripção resumida d'esta febre, habilita-nos a excluil-a immediatamente da lista das doen­ças com que as febres da India Portugueza, aqui descriptas, podiam ser confundidas.

B I B L I O G R A F H I A P. Manson. Rogers. A Le Danter, J. et Rist, A Bordier. Livros ci­

tados.

UNCLASSED FEVERS

Além do paludismo, do Kala-azar, da typhoide e todas as pirexias conhecidas e estudadas quanto o permitte o estado actual dos nossos conheci­mentos, existem nos trópicos febres de natureza indeterminada, descriptas pelos auctores inglezes, sob o titulo que encima este capitulo. Umas são irregulares e desafiam toda a descripção clinica, outras regulares, cyclicas, durando um certo nu­mero de dias, sempre o mesmo e devendo a sua denominação ao numero de dias que duram—Three days fevers, Seven days fevers, etc. C'

Frequentes na India Ingleza, a sua predomi­nância relativa tem sido estudada por mr. G. Wil­son n'um trabalho publicado no "Journal de the

( ' ) Em -Gôa também conhece-se esta denominação. O vulgo chama-lhes dissanchó zor (febres de dias). Os velhos medicos dizem por vezes aos doente : Esta febre passará com um ou dois septenarios. Não sei o que ha de scientifico n'estes prognósticos.

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Royal Army Medical Corps,, 1909 (Fevers preva­lent at Ferozpore in the Panjab-India). Vemos lá effectivamente as : Enteric fevers ; malarial, fevers (prevalecendo as terçãs benignas, terçãs malignas e casos não diagnosticados senão pelo auxilio dos symptomas clínicos e a quinotherapia)—(V. malaria na India. Anderson, 1910); Simple Continued fe­ver ou Heat fever, Three days fever etc., cuja maior frequência de abril a outubro, estação mais quente do anno, em que se notam muitos casos do heat-Stoke, que Wilson pensa serem uma exa­cerbação da Three days fever (heat-fever).

Estas febres são para os medicos tropicaes a perpetual puzzle (Manson, 1. cit., pag. 297) para um diagnostico consciencioso. Duas circumstan-cias teem contribuído para a nossa ignorância so­bre estas doenças exóticas: 1.°, o não serem ellas associadas a nenhuma lesão visceral e terminarem raras vezes pela morte; 2.°, o pouco ou nenhum cuidado com que se preenchem os mappas noso-logicos, classificando todas as pirexias como se-zonismo, paludismo, ague, etc. E esta indifferença chega a ponto de ser quasi criminosa quando em­pregamos o quinino, sempre o quinino em qual­quer febre tropical, porque, como presenceei na minha ligeira pratica escolar, ouvi a quasi todos os clínicos e como o nota mr. Harding (The value of Kocks treatement of malaria) nas undifferentiaded fevers quinine is more harmful than beneficial (J. of R. Army Med. Corps. 1908, pag. 276).

Como até hoje não temos dados microscópicos positivos sobre estas febres, Crombie serviu-se de

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bases clinicas para a sua divisão. As observações d'esté auctor referem-se sobretudo á India onde se encontram a: 1) Simple Continued fever ; 2) Seven days fever; 3) Low fever; 4) Non malarial remit­tent. Manson adopta esta divisão ajuntando mais um typo por elle observado na China e chamado 5) Double continued fever. A esta classe juntare­mos ainda a 6) Japanese River Fever; 7) Nasha fever; 8) fiiperperexial fever.

No estudo d'esté capitulo temo-nos servido sobretudo de livros e auctores inglezes, cujos no­mes vão rigorosa e escrupulosamente citados.

SIMPLE CONTINUED FEVER <l)

Symptomas — Febre -sobrevindo em plena saude, quasi sempre acompanhada de calafrios. A temperatura sobe rapidamente a 104-105 ou mes­mo 106 F. Cefalalgia, lingua saburral, sede, vómi­tos raros. Duração geral de três a oito dias, mas pôde ir até quatro semanas. Tem sido confundida com as formas frustes da typhoide, mas a ausên­cia completa de symptomas entéricos, a mortali­dade a 0 0/o e a ausência de complicações não justificam tal diagnostico.

Etiologia — Desconhecida. Crombie nota a sua frequência nas grandes cidades que lhe dão por

( ' ) P . Manson. Crombie. Journal of the Royal Army Med. Corps. Scheube. Rogers. (Fevers in the tropics).

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GO

vezes o nome Bombay fever, Calcutta fever, etc. Fôram attribuidas ás causas mais variadas, ao ca­lor ou frio, á mudança das estações, da alimenta­ção, etc. Das experiências de Ch. Birt (R. Army Med. Corp. 1908, pag. 560) poder-se-ha talvez concluir que a Simple Cont. fever e a Papattici fe­ver da Bosnia e Herzegovina são da mesma natu­reza. Esta ultima seria transmittida pela picada de um diptero, Phtelotomus Papatasii. E' prematuro fazer affirmações sobre este ponto mas podemos admittir a sua autonomia como entidade mórbida porque injecções de sangue d'um doente no tecido cellular de mr. Dr. Rambitschek e do soro dos doentes misturado no soro physiologico e filtrado no Reichel filter em dous soldados deram accessos typicos 8 e 6 depois da injecção. As conclusões de Birt são: 1.°, The virus circulates in the blood in the first day of the fever and it is also present in the serum ; 2.°, the blood is no longer infective at the end of the second day; 3.°, the virus retains its irtfectivity for three and a half days.

SEVEN DAYS FEVER <l)

Esta febre pertencente na classificação de Ro­ger ás Unclassefied short fevers tem sido consi­derada como uma forma sporadica da Dengue,

( ' ) Rogers (1. cit.).

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mesmo muito recentemente <'», mas parece que esta ideia não deve ter curso depois dos debates havi­dos no Congresso de Calcutta e da Royal Med. Chirurgical Society of London. A sua autonomia é geralmente acceita e Manson e o prof. Sandwith confirmam-na com o sello da sua auctoridade.

Doença que escolhe mais presas entre os eu­ropeus em Calcutta, Bombaim, Rangoon e todos os portos marítimos.

Symptomas—Começo subito, com calafrio em 60 por cento dos casos, sem prodromos em 40 por cento. A face e os olhos congestionados ; en­fraquecimento rápido. A dor abdominal que appa-rece por vezes e as manchas róseas podem levar-nos á hypothèse d'um inicio de typhoide, mas a evolução ulterior é différente e a reacção de Widal sempre negativa. Por vezes dores no dorso e per­nas, mas nunca inchaços ou congestões articulares. Cefalalgia frontal constante. A lingua saburrhal com bordos vermelho-vivos, nauseas e vómitos raros. O figado augmentado de volume (aux tropi­ques tout le monde a son foie Dalencourt). Ausên­cia de congestão splenica. O pulso forte e lento é um caracter que clinicamente a faz distinguir do paludismo em que á temp, de 103 F se contam 100 a 110 pulsações, ao passo que na primeira ra­ras vezes se encontram 100 puis. ás temp, mais elevadas. Nunca apparece como na Dengue rash depois da cura, podendo notar-se por vezes du­rante a febre. Não se observa nenhuma descama-

t1) J. of Koyal Ar. Med. Corps Feb., 1910.

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cão após a cura e o rash, se o houver, passa antes da queda da hyperthermia.

Para o estudo da curva thermica, vejam-se as curvas do livro de Rogers.

Exame hematológico—Hão tem hematozoarios do paludismo, ligeira reducção de gl. rubros, au­gmente dos leucocytes com predominância dos lymphocitos e grandes mononucleares.

As culturas do sangue venoso deram a Rogers um bacillo, cujos caracteres teem sido descriptos pelo Dr. Chaterjee: —Forma do Coli. Movei; fla-gellado. Discorado pelo Gram. No caldo = poeira diffusa. Agar=apparencia do coli. Gelatina por pi­cada =fio sem liquefação. Agar glucosado = aver­melha a parte superior. Assucares=não dá gazes, nem ácidos, excepto com a mannite após alguns dias. Parece pertencer ao grupo Coli. Os soros anti-typhico e anti-paratyphico não o agglutinam. Estes estudos carecem de confirmação.

A confusão d'esta febre com a Dengue não tem razão de ser, como se vê do seguinte quadro (Ro­gers, pag. 316):

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Pains

Joint simptom .

Convalescence.

Fever.

Pulse .

Prevalence . . .

Destribution

Race incidence

Seasonal incid. .

R e l a p s e . . . .

Dengue. At long intervals in epi­

demic form attacking a large proportion of residents.

Specially attacks coast: towns but Spreads far inland.

E u r o p e a n and native equally attacked.

Mostly in hot months, but mail prevail in cold season.

Very common in same year as first attack.

Seven days fever. Annieally in S p o r a d i c

form.

Only K n o w n near the coast so far.

Very common in Euro­pean comparatively ra­re in native.

In hot and rainy seasons only.

Rare and not in same vear as first attack.

Very severe and break- Moderately severe as in bone in character. influenza and not of

breakbone character. Very common and chara­

cteristic. Very tedious, lasting one

to three months with persistent joint pains.

Lasts 2 or 3 days, falling to normal with crises Occasionally very short secondary cases. Mar­ked remittent.

Rapid.

Abseut or only present as slight pain.

R a p i d . No after joint pains.

5 to 8 or more days, with typical saddle-back re­mission to 100 or 99 F only. Otherwise conti­nued type.

Slow specially in termi­nal rise.

Tratamento symptomatico. Quinino inefficaz. Mortalidade minima, quasi nulla.

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LOW FEVER <')

Caracterisada pela sua duração indefinida—se­manas e mezes.—Não poupa os Europeus. A tem­peratura raras vezes sobe para cima de 101,5 F, mas não desce para baixo de 99. Anorexia, ema-ciação, debilidade, tendência á diarrheia biliosa. Rebelde ao tratamento pelo quinino, a febre passa por vezes mudando de ares, uma estação nas praias do mar. Creio que existe na índia Portu-gueza.

NON-MALARIAL REMITTENT

A descripção é tirada do livro de Sir P. Man-son. Febre muito frequente nas índias Inglezas, muitas vezes fatal. A denominação é muito impró­pria porque o cadro symptomatologico desenrola-se sem remissão nenhuma. Serve apenas á falta d'ou-tra melhor (Crombie). Considerada como typhoïde por numerosos medicos apezar da ausência dos symptomas d'esta ultima doença e investigações bacteriológicas e sorotherapicas negativas. A con­gestão hepática frequente, quasi lei como lei é também a falta de congestão splenica. Crombie

(') Os mesmos auctores.

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m

descreve-a: diarrheia biliosa não semelhando a da typhoïde; o quinino tem effeitos tão perniciosos que é preciso logo abandonal-o; os symptomas mais graves do 18.° ao 24.° dia da doençs; a temp, sempre elevada (104 a 105 F.), delirio tranquillo ou violento, congestão dos dois pulmões, intensa congestão hepática. O doente succumbe muitas vezes no coma.

Etiologia — Ataca mais vezes os indianos que os europeus. Não poupa as edades, nem os sexos, mas escolhe de preferencia as creanças.

DOUBLE CONTINUED FEVER H

Observada por Manson na China; gravidade nulla. Caracterisada por um período inicial de pire-xia por uns 10 dias, seguido de apirexia absoluta ou relativa de 3 a 7 dias e novo período de febre ligeira. Manson exclue a hypothèse d'uma recahida da Simple Continued fever.

(*) P. Manson (1. cit.).

5

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JAPANESE RIVER FEVER (SHIMA—MUSHI-FLOOD FEVER)

Estudada por Palm. (1878) e depois por Baelz e Kawakami. Doença cyclica, comprehendendo dois períodos: 1.°, caracterisado pela presença d'uma eschara; 2.°, ulcera, lymphangite, febre, erupção exanthematica, bronchite e conjunctivite.

Depois d'uma incubação de quatro a sete dias, a doença começa por cefalalgia frontal e temporal, anorexia, calafrios alternando com accessos de ca­lor. O doente chama a nossa attenção para os seus ganglios enfartados e na aria dos lymphaticos des-cobre-se uma eschara arredondada com areola vermelha á roda. Por vezes duas ou três escharas semelhantes. Temperatura a 40 ou 41, olhos sa­lientes, signaes de conjunctivite e bronchite com tosse pertinaz. Pulso forte e cheio—80 a 100 puis. á temp, de 40°.

Ao sétimo dia apparece na face um exanthema papuloso que se généralisa pelo corpo todo e uma erupção lichenosa pelo braço e tronco, que desap-parece ao fim de seis dias mas pôde desfazer-se vinte e quatro horas depois se o accesso é beni­gno. Delírio e surdez. No fim da segunda semana ou mesmo mais cedo a febre começa a declinar, vendo-se por vezes diarrheia e diurese abundante. Nos casos graves em coma, com complicações de parotidite, melena, asthenia cardíaca, manias, etc

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As gravidas são sujeitas a abortos frequentes. Mortalidade de 15 por cento.

Anatomia path. — Bronchite, pneumonia hy-postatica, congestão splenica, perisplenite, conges­tão peritoneal, enfarte dos ganglios mesentericos, lymphangite, etc.

Etiologia—Doença de todas as edades, tem sido attribuida á picada d'um acariano (aka-mushi). Uma primeira infecção, longe de conferir immuni-dade, aggrava pelo contrario os outros. A sua maior frequência é em julho e agosto.

Tratamento—Symptomatica Poder-se-hia fa­zer uma prophylaxia rigorosa se a causa fosse a picada transmissora. Baelz regeita esta hypothè­se, o

NASHA-FEVER

Descripta pela primeira vez por Fernandez <2> no congresso medico indiano de 1894, esta doença assenta as suas bases em Bengala e noroeste da Índia e é conhecida por nakra-fever, nakra-jaw-hur. Accesso intenso, precedido de calafrios. Con­gestão de mucosa nasal característica n'uma ou nas duas narinas. Cefalalgia frontal constante; Do­res violentas na nuca e espáduas, por vezes tão

(1) Manson. Scheube. The Diseases of Warm Countries b. hand Aook for medical men. — J. et Rist. — A Le Dantec (1. cit.).

(2) Portuguez? Talvez filho de famílias indo-port., estabelecidas no império inglez das índias.

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violentas que simulam a meningite tuberculosa. Exanthema de pequenas manchas róseas, bron­chite. A febre dura três a cinco dias na média e apresenta geralmente o typo rémittente. Os hindus são mais atacados que os mahometanos. A doença escolhe de preferencia os jardineiros, os pescado­res, os coolies, etc. O quinino inefficaz. Crombie, Roy e Bose duvidam da natureza especifica da nasha-fever.

HYPERPIREXIAL FEVER

Descoberta pelos inglezes na costa occidental d'Africa (Cote d'or) faz a sua apparição na estação sêcca. Caracterisada por uma ligeira ascensão ther-mica, seguida de suores profusos e um período de apirexia, com nova ascensão brusca de temp, a 40 ou 41° e durando assim duas, três e quatro sema­nas, sem a mais ligeira remissão. Estado geral bom. O figado e o baço normaes, urina normal e abundante. O sangue coagula instantaneamente depois de sahir dos vasos e não contém nenhum parasita conhecido. Ligeira leucocytose. Mortali­dade de 50 por cento. Tratamento pelos banhos porque all antipiretic drug fail (Thompstone and Bennet British "Med. Journal,,, 26-1-901).

Além d'estas febres, que mostram bem a exis­tência de febres variadas nos trópicos, ha outras mais ou menos interessantes, entre as quaes refe-rir-me-hei de passagem apenas ao Ponos, doença

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on

de Spetza e Hidra, que ataca sobretudo as crean-ças e é caracterisada por uma febre rémittente, anemia progressiva e hemorragias.

A conclusão a tirar-se do estudo da classe, cada vez maior, das Unclassed fevers, impõe-se. Vamos a entrar no capitulo das febres de Goa.

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II PARTE

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Os nossos conhecimentos em pathologia colo­nial estão envoltos n'uma obscuridade tocando as raias da ignorância. Na parte que mais particular­mente nos respeita, vemos deficiências e lacunas dignas de censura e lastima. Parece que é uma ca­racterística do nosso feitio psycologico este miso-neismo entranhado que reveste com o seu manto reaccionário todos os actos da nossa vida, nas différentes manifestações da sua actividade. Scien-cia, arte, industria, que se possam dizer nossas, são-no vinte annos depois de exploradas pelos centros estrangeiros. Não se diga que nos faltam qualidades de observação; apenas não sabemos aproveital-as para uma origem fecundante de fon­tes creadoras. A originalidade fugiu dos nossos domínios, deixando em substituição uma imitação grosseira de tudo o que traz estampado o rotulo estrangeiro. Na propria arte, campo para que mais tendem as forças naturaes do paiz que nos é ber­ço, a nossa individualidade some-se vegetando á sombra da França amiga. Artista de cunho genui-

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namente portuguez murcha estiolado, gemendo plangencias mornas, deslocadas n'este século de movimento, actividade e luz. Litteratura não a te­mos e o espirito mais scintillante nosso contem­porâneo, Eça, o genial Eça, não é mais que uma pagina mixta de croquis de Zola, Haubert e Catulle Mendès, diluídos no azul dos nossos céus de Por­tugal. Sciencia...

Abro o 2.° volume dos "Archivos da Medicina Tropical,, e no capitulo referente ao movimento nosologico da Índia Portugueza, não vejo mais que referencias ao paludismo, febres eruptivas, cholera, peste, tuberculose, syphilis, etc.

O paludismo, eternamente o supremo palu­dismo . . .

Mas ha em Goa, pelo menos, febres que não são palustres e cuja natureza indeterminada fica por estudar. E foram ellas rubricadas com a desi­gnação de malaria! Pois as notas officiaes vem-nos de lá tão falhas de elementos estatísticos !

Na I PARTE d'esté trabalho, no capitulo das Un-classed fevers, demonstramos a existência de fe­bres exóticas différentes do paludismo, doença que por mais espalhada que seja, tem-no sido mais ainda pela nossa ignorância e relativa inconsciên­cia em assumptos de pathologia colonial e que tem sido até certo ponto a causa da criminosa indiffe-rença a que foi votada a piretologia exotica, con-demnada systematicamente e exclusivamente ao uso e abuso dos saes de Torti e Maillot.

Estas febres de natureza desconhecida, os au-ctores inglezes descrevem-nas de ha muito e se os

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que me julgam e lêem forem compulsar os livros que tive o máximo escrúpulo em citar, verão quem falia com razão—se os que proclamam o tout-au-paludisme, se os que teem descripto além da mala­ria typos clínicos de febres perfeitamente distinctes como entidades mórbidas autónomas.

Febres d'esta natureza, unclassed fevers, ha-as na índia Portugueza. Se a sua natureza é ou não idêntica á das descriptas pelos inglezes, vêl-o-he-mos. No seu tratamento o quinino tem effeitos perniciosos e esta opinião anda, de ha muito, es­palhada no espirito do publico. Os medicos de Goa admittem a sua existência e um espirito superior, a cuja intelligencia e méritos de trabalhador dis-tinctissimo, tanto como clinico, como professor, presto aqui as minhas homenagens, o Dr. Wolfango da Silva, tem sobre ellas licções brilhantes, cheias de interessantes observações.

Hoje que os estudos de pathologia tropical vão n'uma avançada monumental e abrem um campo todo novo ás investigações da sciencia, eu, medico formado pela Escola de Nova Goa, não podia dei­xar de referir-me áquellas febres que feriram sem­pre a minha attenção. Seu estudo clinico ainda que incompleto constituirá a li PARTE do meu trabalho. E incompleto é elle por mais d'um motivo. A Es­cola Medica de Nova Goa tem a sua historia que, um dia escripta, seria por mais d'um titulo interes­sante. Por ora, basta que se diga que, podendo ser, graças ao grau de intelligencia e cultura dos filhos da terra, um dos centros mais activos da nossa sciencia tropical, jaz como a maior parte das

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nossas coisas coloniaes votada ao abandono e ao esquecimento. Vasada nos moldes das suas con­géneres metropolitanas, á epocha em que foi fun­dada, grande e prospera foi ella, no tempo em que os seus alumnos formavam núcleos de vida nacio­nal nos pontos inhospitos e mortíferos do conti­nente africano. Não vão longe esses dias da nossa historia colonial. Cincoenta annos para traz apenas e a Africa, sem trabalho nenhum de saneamento e hygiene, era o tumulo dos europeus. Um dia che­gamos emfim ao terceiro período de que falia Bruce das relações da Europa com os trópicos—o período d'occupaçao. Embellezou-se a Africa, fize-ram-se, mesmo que sem ordem e lentamente, tra­balhos de saneamento e uma onda de emigrantes europeus pôde estabelecer-se n'aquelle continente onde se ia d'antes buscar o sezonismo e a morte.

A lucta estava traçada, terrível, feroz: d'um lado o indiano que ahi creara raizes, estiolado pelo clima, anemiado pelas doenças, amarellento á força de affrontar os perigos da Africa terrível; d'outro, o europeu cheio de sangue e vida, desembarcando nas plagas negras em condições d'um conforto re­lativo incomparavelmente mais bem provido para a lucta contra a morte africana.

N'este stmggle-for-life havia necessidade de victimas. Quem deveria ser o sacrificado? O in­diano que, durante annos sem conta, obscura mas obstinadamente fora o sustentáculo do nome por-tuguez.

Este estado de coisas, esta orientação politico-social, reflectiu-se em tudo e sobretudo na Escola

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Medica de Goa. Aos seus alumnos fôram-lhes cor­tadas todas as carreiras officiaes, como medicos militares, etc. Suas reclamações dormem esqueci­das nas poeiras dos archivos. Que importa que os seus professores por um esforço de trabalho e boa vontade procurem collocar o ensino ao nivel das exigências modernas? Desdobram-se cadeiras, mi-nistra-se em ensino official cadeiras extra-officiaes e não ha quem nos attenda o desejo justo e legi­timo de termos a hystologia e a anatomia patholo-gica elevadas á cathegoria d'uma sciencia... regu­lamentada. (1)

A indole e a natureza d'esté trabalho não com­portam considerações mais extensas que dariam para centenares de paginas. E' porém preciso que se diga que á epocha em que as minhas observa­ções foram feitas, não possuia eu um critério labo­ratorial que hoje adquiri, muito manqué certamente devido á minha fraca competência, graças aos es­forços e ao superior methodo d'ensino do Sr. Prof. Ayres Kopke, e eis a razão porque os meus estu­dos ficaram unicamente e mesmo assim incomple-

( ' ) Foi já proposta a extincção da Escola Medica de Nova-Gôa e o snr. prof. Bombarda e toda a imprensa colonial protestaram contra essa medida em termos da mais violenta indignação. Filho da índia eu quizera vêr a nossa Escola dotada de melhoramentos que a ponham á altura dos estabelecimentos scientificos modernos; mas quizera também para os seus diplomados todas as garantias que são devidas aos nossos collegas da me­trópole.

Não se julgue porém que a extincção é muito nociva aos interesses da índia, que tem muitos dos seus filhos a formarem-se nas escolas inglezas de Bombaim, Madrasta e Calcutta. O êxodo iria apenas augmentar a cor­rente de desnacionalisação que, já hoje bastante intensa, magoa a minha alma de portuguez.

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tamente clínicos. Não os daria á luz da publicidade, se não houvera visto em livros e jornaes de para­sitologia e pathologia tropicaes observações clini­cas sem investigações microscópicas ou laborato-riaes, se não houvesse notado que o que ha de positivo no grupo cada vez mais importante das unclassed fevers são apenas os dados clínicos, e, se no meio d'esta febre de laboratório a cuja acção invasora não escapo como homem do meu século, um raciocínio salutar me não viesse demonstrar com nosologias e pathologias á frente, com toda uma Historia de Medicina, que muito antes de Pasteur se conheciam já entidades mórbidas, per­feitamente estabelecidas e differenciadas.

Valor se o tem este trabalho é apenas o de demonstrar a necessidade d'um estudo sério e consciencioso das febres da nossa índia. Que elle sirva de introducção a estudos futuros e dar-me-hei, no limite das minhas aspirações, por immen-samente feliz.

Algumas das observações devo-as á obsequio-sidade captivante dos meus jovens collegas Drs. Wiseman Pinto e Felippe Velho. A estes meus ami­gos, a expressão do meu mais vivo reconheci­mento.

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Observações

OBSERVAÇÃO I

J. B., mahrata, natural de Canacona e residente em Pangim, soldado da companhia das tropas in­dígenas, casado, 35 annos, baixou ao hospital mi­litar de Nova Goa em os 28 de novembro de 1905.

Antecedentes hereditários e pessoaes—E' pre­ciso notar-se que estes teem em geral pouca im­portância por falta ou deficiência de informações Os pães do doente morreram velhos. Tem mulher, irmãos e filhos todos saudáveis. Soffreu de febres palustres por varias vezes.

Historia da doença—Entrou no hospital por causa d'uma intermittente que cedeu a três dias de tratamento. Quatro depois da cura, e em perfeito estado de saúde, sem mal estar, sem prodromo nenhum, teve febre (hypertermia), acompanhada d'uma ligeira cephalalgia que durou até ao dia se­guinte. Não teve calafrios. A febre não intermittiu ; é rémittente desde o começo. Anorexia e falta de somno.

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Obsewação (ix-xii)—Decúbito dorsal. Profun­damente abatido, os olhos injectados, fácies maci­lento, as maçãs salientes.

Apparelho digestivo e annexos—Lingua hú­mida e saburral no centro, avermelhada nos bordos com esboços de descamação; dejectos sólidos, negros, sem fetidez; não tem tympanismo. O abdomen não é doloroso á pressão. Figado nor­mal. Baço dois centímetros para baixo das ultimas costellas, sem dor á palpação, nem á percussão.

Apparelho circulatório — Pulsações cardíacas mais fortes e frequentes. Pulso radial cheio, regu­lar, batendo 100 vezes por minuto á temperatura axillar de 102° Farenheit.

Apparelho respiratório — Murmúrio vesicular ligeiramente attenuado. Silvos ligeiros dissemina­dos pelos dois pulmões para deante e traz. 22 mov. respir. por minuto. Nada d'anormal á percus­são e palpação.

Systema nervoso—Falta de somno, adynamia, Urinas—1:300 gr. acidas, densidade 1:018,

cor amarellada. Phosphates e traços d'albumina. Marcha da doença—h temperatura apresenta

duas ascenções e duas remissões por dia. A ascen-ção vespéral, mais pronunciada, faz-se entre as três ás seis horas da tarde. Declina até á meia noite para tornar a subir e attingir a maxima matinal entre as três e seis da manhã. Nova remissão até ás nove a. m. Como se pôde ver no graphico, a ascenção matinal inferior á vespéral. O periodo da declinação da doença mostra este facto curioso : a ascenção vespéral de cada dia é inferior á do dia

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precedente e a remissão matinal também mais pro­nunciada. A febre passou nos últimos dias ao typo rémittente simples, de duplo que era no começo e a cura fez-se sem a febre tomar o typo intermit­tente. Todos os outros symptomas melhoraram gradual e sucessivamente, á proporção que a febre declinava. Esta fica o symptoma principal da doença. Na convalescença queixou-se o doente de dores na articulação do joelho, melhoradas por applicações tópicas.

Tratamento—O chlohydrato de quinino admi­nistrado durante a intermittente, na convalescença e nos primeiros quatro dias da doença não trouxe melhoras nenhumas. Institue-se um tratamento todo symptomatico : banhos a 25° centígrados to­das as vezes que a temperatura attinge 103 F. ou permanece por muito tempo em 102. Obtem-se um abaixamento de quasi três graus e que se man­tém por cerca de duas horas. Tónicos, poção de Jaccoud, dieta liquida, etc.

OBSERVAÇÃO II

B. N., natural de Sirodá, residente em Pangim, soldado da companhia indígena, 47 annos, baixa ao hospital em os 14 de dezembro de 1905.

Antecedentes hereditários e pessoaes — Nada que mereça attenção. Febres palustres.

Historia da doença—Dez dias antes de baixar ao hospital teve subitamente e sem prodromos

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nem calafrios febres com cephalalgia. A febre não intermittiu. Inappetencia, tosse e surdez.

Observação (vii-xn)—Olhos brilhantes, faces encovadas, aspecto de profundo abatimento. Decú­bito dorsal.

Apparelho digestivo—Lingua húmida, sabur-ral no meio, avermelhada nos bordos, tremores fibrillares na ponta; dejectos pastosos, amarellos, sem fetidez. Figado e baço normaes sem dor nem augmente de volume. Abdomen sem dor nem tympanismo.

Apparelho circulatório—0 choque do coração muito nitido em toda a área cardíaca. Pulso regu­lar, molle, accelerado; 126 pulsações por minuto á temperatura de 103 2/5 F.

Apparelho respiratório—32 mov. por minuto, tosse frequente, escarros serosos, espumosos, are­jados, não adhérentes ao vaso que os contém. Roncos e sibilos na parte anterior dos pulmões; para traz sibilos e subcrepitações, sobretudo nas bases.

Systema nervoso—O doente dorme bem; ady­namia. Responde com clareza a todas as perguntas que procura ouvir com muita attenção por causa da surdez. Reflexos normaes.

Urinas—1:100 grammas, claras, límpidas, li­geiramente amarelladas, reacção acida, densidade 1:010. Sem elementos anormaes.

Marcha da doença—A febre seguiu uma evo­lução irregular, mas apezar d'isso notam-se duas ascenções e duas remissões quotidianas. Ascenção matinal inferior á vespéral, fazendo-se a primeira

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entre as três e seis da manhã. Declinação até ás nove h. a. m. Ascenção cujo ponto culminante en­tre as três e seis p. m. A maxima matinal dura pouco, a vespéral mantem-se por quasi seis horas até á meia noite ou além, declinando um pouco para continuar a marcha habitual.

A balneotherapia obstinada transforma esta fe­bre de dois crescimentos na d'um só. No período de declinação nota-se que emquanto a maxima vespéral se mantém quasi a mesma durante alguns dias, a remissão matinal se vae accentuando cada vez mais, até attingir a normal e mudar o typo da febre para intermittente. A febre foi contínua nos dias mais graves da doença e a adynamia foi pro­funda. 0 doente teve diarrheia durante alguns dias sem fetidez, nem melena. Nem tympanismo, nem dor abdominal. 0 somno sempre calmo, sem delí­rio, o pulso regular; os escarros sempre serosos e nenhum signal anormal á palpação e percussão do thorax.

Tratamento — Chlohydrato de quinino durante muitos dias sem modificação alguma no estado do doente. Banhos a 25° durante 10 a 12 minutos de de três em três horas a principio e depois só quando o thermometro marcava 103 ou permane­cia por muito tempo em 102. Nos primeiros dias a temperatura após o banho eleva-se immediata-mente. Tónicos, etc... tratamento symptomatico.

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OBSERVAÇÃO III (DO EX.'™ SNR. DR. WISEMAN PINTO)

E. B. C, soldado, natural de Dargalim (Pernem), residente em Pangim, 26 annos, baixou ao hospi­tal em os 14 de janeiro de 1906.

Antecedentes hereditários e pessoaes — Sem importância. Febres palustres.

Historia da doença — Quatro dias antes da baixa ao hospital o doente teve febre sem cala­frios nem mal estar, acompanhada de violenta cephalalgia, que durou alguns dias mesmo que attenuada. Falta de appetite. A febre continua sem interrupção até ao dia da

Observação (XVUl-l) — Decúbito lateral direito; olhos brilhantes, injectados, maçãs do rosto sa­lientes.

Apparelho digestivo—Lingua húmida saburral; dejectos sólidos amarellados. Nada de anormal nos annexos.

Apparelho circulatório—Pulso regular e forte. 106 pulsações á temperatura axillar de 102 3/5.

Apparelho respiratório—Vinte e oito movi­mentos á mesma temperatura.

Urinas —1:150 grammas, amarelladas, reacção acida; phosphates.

Marcha e tratamento—E' tristemente vergo­nhoso para a nossa profissão o servirmo-nos d'ella para especulações ignóbeis. No estado de ignorân­cia em que estávamos do tratamento d'esta doença,

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vieram d'um medico residente nas índias Inglezas pillulas anti-febrís, acompanhadas de reclamos es­plendorosos. Contavam-se, no dizer dos prospe­ctos, por milhares os doentes curados por essa medicação famosa. A titulo de experiência foram ellas administradas a este pobre doente durante oito dias. Creio que continham anti-thermicos por­que depois da sua administração, como se vê no graphico e segundo me disse o Ex.m0 Snr. Dr. W. Pinto, a febre no momento da sua remissão natu­ral e espontânea attingia muitas vezes a normal. Essas pílulas deram ao nosso doente uma gastrite intensa com todo o seu cortejo symptomatico : do­res epigastricas, vómitos, apetite nullo, intolerân­cia para os alimentos, e vimo-nos obrigados a combatel-a pelo gelo, agua chloroformada, solução de morphina, etc., e a abandonar a infeliz experiên­cia, instituindo o tratamento pelos banhos a 25°, dados de três em três horas e durando cada banho dez a doze minutos.

A infecção—e o Dr. Pinto attribue-a á falta da balneotherapia em tempo opportuno—tomou um caracter typhico, com delirio tranquillo, surdez li­geira, adynamia cada vez mais pronunciada, con-servando-se o doente n'um estado de semi-incon-sciencia desanimadora; nunca porém notamos nem diarrheia, nem tympanismo, nem congestão do baço, etc. Todos os symptomas alarmantes foram desapparecendo á força da balneotherapia e o doente conservou por muito tempo durante a con­valescença um ar de profundo abatimento.

A febre apresentou durante alguns dias duas

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ascenções quotidianas, a matinal entre 9 e 12, a vespéral começando quasi ás 6 horas para attingir o seu auge entre as 9 e meia da noite. As máxi­mas matinaes inferiores ou eguaes ás vésperas. Typo contínuo no período grave da doença. Ré­mittente simples e intermittente nos últimos dias. Além dos banhos, o resto do tratamento sympto-matico.

OBSERVAÇÃO IV

M. A. S., soldado, natural e residente em Ca-nacona, 21 annos, baixa ao hospital em os 19 de outubro de 1904.

Historia da doença—Responde com difficul-dade em vista do seu grande abatimento. Doze dias antes de entrar no hospital teve febre sem calafrios, estando no melhor da sua saúde. Não houve intermissão apezar do quinino que lhe admi­nistraram fora do hospital e cá dentro antes de estar entregue aos meus cuidados.

Observação (xxvi-x)—Lábios sêccos, profundo abatimento, olhar vago e amortecido.

Apparelho digestivo — Lingua descamada e vermelha na metade anterior, saburral para traz; tremores fibrillares na ponta; fezes solidas sem fetidez. Nada de anormal nos annexos.

Apparelho chculatorio—Pulso cheio regular, frequência de 106 á temp. axil. 102 F.

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' Apparelho respiratório—30 mov. resp. Mur­múrio vesicular mais forte.

Systema nervoso—Delírio nocturno tranquillo, com ideias de perseguição.

Urinas—1:000 gr., d. 1:018. Marcha e tratamento—Banhos tépidos pro­

gressivamente resfriados até 27° melhoraram o estado geral do doente. Quer-se experimentar o quinino em injecções e por ingestão: 8 decigram-mas por dia pela bocca, durante 20 dias, injecções por 8 dias. O doente continua melhorando, a febre tem uma tendência para declinar; brevemente ve­mos porém que o estado se aggrava, abandona­mos o quinino a cuja acção anti-thermica devíamos provavelmente a declinação da temperatura e re­começamos os banhos. O doente teve uma bron­chite e diarrheia, sem nenhum symptoma typhoso. A marcha da temperatura irregular, mas nota-se haver duas ascenções e duas remissões. Typo in­termittente no periodo final. Na convalescença, congestão hepática, calmada por applicações tópi­cas e antisepsia intestinal com laxativos brandos. O doente teve também dores no perineo e pernas que attribuo ás névrites de convalescença e que foram rapidamente calmadas com a applicação de uma pomada de exalgina. O resto do tratamento symptomatico.

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OBSERVAÇÃO V

(DO DR. WISEMAN PINTO)

A. F., natural e residente em Assolna (Salsete), doente da clinica do meu amigo o Ex.mo Snr. Dr.' Pinto. A sua historia é a dos outros: a febre co­meçando em plena saúde, os apparelhos normaes, o quinino inefficaz. O Dr. Pinto defende com calor o uso do pyramidon, o mais inoffensivo dos anti-thermicos e cujos effeitos physiologicos sobre a nutrição são quasi idênticos aos dos banhos. A repugnância da familia do doente pelos banhos obrigou o meu joven collega a lançar mão d'esté poderoso anti-thermico que ao contrario dos ou­tros excita a nutrição e activa as oxydações (A. Robin).

OBSERVAÇÃO VI

L. M. de M., natural de Tarpares (Portugal), soldado da companhia europeia nas índias. Baixa ao hospital em os 19 de setembro de 1903.

Antecedentes e historia—Blenorrhagia. A fe­bre começou ha dez dias em perfeito estado de saúde, sem prodromos, com cephalalgia. Remis­sões sem suores.

Observação (xxm-ix)—Estado adynamico; lin­gua saburral. Figado e baço normaes. Murmúrio

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vesicular mais intenso. Nada de anormal nas uri­nas.

Marcha e tratamento—O quinino administrado por injecções hypodermicas (8 decigr. ao dia) longe de melhorar, aggravou o estado do doente. Nota-se ataxia dos membros, da lingua e ataxia verbal. Adynamia profunda. Não ha tympanismo nem dôr abdominal. Vómitos biliosos, signaes de bronchite. lnstituiu-se o tratamento pelos banhos e os sym-ptomas cedem lentamente. A marcha da tempera­tura justifica o nome de febre de dois crescimentos que se tem dado a esta doença. Esta observação é curiosa porque vimos pela primeira vez uma forma ataxo-adynamica da febre de Goa.

OBSERVAÇÃO VII

Devo-o á amabilidade do Dr. Felippe Velho. Não possuo a historia do doente, que succumbiu, apezar dos banhos, tónicos, collargol, anti-thermi-cos, toda uma pharmacopeia... O graphico é irre­gular mas muito elucidativo por conter sobretudo observações laboratoriaes que nos fazem excluir a ideia d'uma infecção eberthiana ou malarica. Não posso dizer se este caso é egual aos outros ; dou-o apenas para demonstrar a existência na índia Por-tugueza das unclassed fevers dos auctores in-glezes.

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OBSERVAÇÃO VIII

Historia, tratamento idênticos. Curva thermica rémittente simples. A terminação sem passar ao typo intermittente. Observações negativas quanto á existência de hematozoarios. Só n'um dia obser-vou-se uma dupla ascenção.

N. B. — As observações são muito poucas para podermos estudar uma doença; posso, porém, ga­rantir que typos idênticos existem em numero avultado em Goa. Não possuindo infelizmente se­não estas, vejo-me obrigado a guardar para mais tarde a realisação do immenso desejo que teria em colher o maior numero de elementos para o estudo das febres de Goa.

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Etiologia

Tudo quanto podemos actualmente dizer sobre a etiologia da doença que descrevemos, se limita a muito pouco. Ao tempo em que estas, observações foram feitas, as febres de natureza desconhecida preoccupavam muito pouco os espíritos e mal ou­savam tomar em pathologia o logar preponderante d'um capitulo, incompletamente esboçado que fosse. Ainda que vacillantes, pertenciamos todavia á escola soberana do tout-au-paludisme. Torti e Maillot imperavam nos nossos cérebros de jovens e apezar das opiniões desencontradas, que dentro do próprio paludismo actual reinam entre auctores da envergadura de Manson e Laveran, a ideia da Malaria offuscava-nos pelo brilhantismo da sua prophylaxia, a nitidez da sua etiologia, os seus anopheles e mosquiteiras, os saes de quinino e os cyclos dos hematozoarios.

Foi com a descoberta do Kala-azar que o pa­ludismo começou a desmerecer a confiança illimi-tada dos medicos tropicaes e só então nos nossos

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espíritos, d'antes hostis a qualquer ideia demoli­dora da supremacia malarica em piretologia tropi­cal, começaram a germinar as vistas dos velhos práticos que proclamavam a existência de febres novas e a inefficacia, mesmo nocividade, do quinino no seu tratamento. Mas... mas era tarde. Eu dei­xava os trópicos e as doenças da minha terra; e hoje, longe d'esse paiz, sendo-me completamente impossível obter dados que possam ser elucida­tivos, como por exemplo o graphico representativo da distribuição relativa do paludismo e das febres que descrevo durante os mezes e as estações do anno, etc., o meu trabalho mais uma vez deixa ver a sua insufficiencia. Façam os outros o que eu fa­zer não pude e desperte o meu trabalho a attenção dos medicos d'esta Escola, muitos dos quaes vão para as colónias e participam do erro geral que tem sido uma formula consagrada em piretologia : Febre = malaria = quinino.

Na etiologia das doenças microbianas, cujo nu­mero vae augmentando dia a dia, devemos consi­derar separadamente os dois factores: o agente e o terreno. São questões de pathologia geral sobre as quaes não vale a pena insistir. Pois eu creio — se é que em sciencia pôde haver crenças—na na­tureza microbiana das febres que descrevo. Qual o seu agente, qual o reino a que pertence, onde a a sua sede de localisação orgânica, qual a sua porta de entrada, quaes as suas toxinas, perguntas são estas a que responde o silencio da nossa igno­rância, e cuja solução não é das mais fáceis. Te­mos já visto que o próprio bacillo das Seven day

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fevers, de L. Rogers, carece de confirmação da parte dos parasitologistas.

Quanto ao terreno podemos dizer um pouco mais. Como um grande numero de doenças infec­ciosas, as nossas febres apparecem na estação das chuvas. De junho a outubro, mezes em que o ca­lor e a humidade exaggerados deprimem forte­mente o organismo, vêem-se famílias inteiras pagando o seu tributo ás febres de Gôa ; ha toda­via casos não raros, isolados nos outros mezes.

Não creio que ellas revistam um caracter epi­demia). No hospital militar de Nova Gôa, onde os doentes são tratados em salas communs e onde poucas ou nenhumas precauções são tomadas para os isolar, nunca vi as febres propagarem-se, apezar de os enfermos estarem por vezes em péssimas condições de resistência, alguns após operações cirúrgicas de certa gravidade. A doença porém é endémica em todo o paiz e escolhe as suas victi-mas entre os enfraquecidos por uma vida de tra­balhos duros e fatigantes. Ataca mais os homens que as mulheres, devido sem duvida á vida mais activa dos primeiros. Febres de adultos, ellas pa­recem respeitar as creanças e os velhos.

N'este capitulo tudo resta por ser estudado e os pontos etiológicos que nos possam conduzir a uma therapeutica prophylatica rigorosa permane­cem n'uma obscuridade das mais desconsoladoras.

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Analyse dos symptomas (RESUMO DAS OBSERVAÇÕES)

Começo brusco, sem prodromos, acompanhado geralmente d'uma cephalalgia frontal. Período de incubação desconhecido. Em plena saúde, estando o doente entregue ao melhor das suas occupações, apparece a febre que é o symptoma principal da doença.

Febre (hyperthermia)—E' difficil fazer-se uma descripção methodica por causa das reacções indi-viduaes que dão typos clínicos variados. Um facto curioso que se pôde ver nos graphicos : em umas, uma ascenção e uma remissão quotidiana; n'outras, duas ascenções e duas remissões. Podemos, pois, dividil-as em rémittentes simples e rémittentes duplas. N'estas febres podem descrever-se três períodos. Note-se sempre que em clinica é difficil dizer-se onde começa um período e onde o outro acaba.

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MARCHA GERAL DA FEBRE

i PERÍODO—Marcha ascencional com oscilla-ções variáveis e irregulares. Ascenção vespéral maxima de 102 a 103 F. Remissão matinal de 100 a 99. Duração de três a sete dias.

il PERÍODO—A marcha aggrava-se. A maxima vespéral eleva-se cada vez mais. Minima matinal cada dia menos pronunciada. 0 graphico tem ana­logias com o da typhoïde, mas emquanto n'esta a curva é regular e pôde só por si conduzir ao dia­gnostico, nas nossas febres não segue lei nenhuma preestabelecida. Entre a max. e a min. differen-ças de muitos graus, como também d'um dia para outro. Ase. vesp. 103 a 105. Rem. mat. 102 a 101. Na segunda metade d'esté período, a febre toma quasi sempre o typo contínuo ou sub-contínuo. Duração de seis a quinze dias.

Ill PERÍODO—A febre declina e desapparece to­mando o typo intermittente ou conservando-se sempre rémittente. A marcha d'esté período varia conforme os casos forem benignos ou não.

Casos benignos—Os mais vulgares, a) Max. vesp. conserva-se quasi a mesma, mas por pouco tempo, e a declinação é rápida. Min. mat. cada vez mais accentuada até attingir por vezes a normal ou mesmo chegar abaixo de 37. Nunca se nota o collapso. b) Max. vesp. decresce, min. mat. au­gmenta.

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OS TRÊS PERÍODOS NOS DOIS TYPOS DE FEBRE

Rémittente simples—\ PERÍODO e a primeira metade do il PERÍODO. Ascenção vespéral entre as 3 e 6 p. m. ; declinação até 8 a. m. ; segunda me­tade do il PERÍODO e m PERÍODO, a) Casos benignos. Maxima 3 a 6 p. m. com permanência de curta duração. Remissão maxima 4 a 5 a. m. até ás 8 e 10 a. m. ; b) Casos graves. Ascenção maxima 3 h. p. m. e a temperatura permanece até ás 10 ou 12 de noite ; declinação lenta até ás 8 a. m. seguida d'uma subida rápida.

Rémittente duplo — Ascenção vespéral mais cedo que no typo anterior, entre 1 a 3 p. m. Per­manência até 6 p. m. no mesmo grau. Declinação até á meia noite. Nova ascenção matinal ás 3 a. m. com permanência de quasi duas horas seguida de nova remissão matinal ás 8 a. m. As ascenções matinaes sempre inferiores ou, quando muito, eguaes (raríssimas vezes) ás vesperaes. Nos casos benignos, as altas matinaes decrescem e desappa-recem e a febre toma o typo rémittente simples ou intermittente á terminação. Note-se que nos ca­sos graves, mal tratados ou não tratados, a febre toma o typo contínuo e observam-se as mais va­riadas modalidades que não podem ser systemati-sadas em vista da sua irregularidade.

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A B.~A analyse dos symptomas vem das observações aqui registadas e das notas que pos­suo. Abstenho-me de analisar a curva thermica da OBSERVAÇÃO vil, que devo ao Snr. Dr. Velho. Não estou habilitado para affirmar se se trata d'um caso idêntico aos outros. Todavia serve elle para de­monstrar a existência na nossa índia das undassed fevers.

OUTROS SYMPTOMAS

Apparelho digestivo—As perturbações do t. digestivo são quasi nullas no primeiro periodo. Por vezes anorexia ligeira. Lingua húmida, sabur-ral. Quando existe catarrho gástrico, que apparece algumas vezes no terceiro ou quarto dia de febre, a lingua apresenta-se saburral e ligeiramente ama-rellada. Dizem que a lingua typica n'esta infecção é saburral com os bordos vermelhos. Rogers affir-ma-o também como caracter exclusivo das Seven days fevers. Se um tratamento mal instituído aggrava o estado do doente, a lingua pôde apre­sentar caracteres typhicos.

Os dejectos são sólidos, amarellados, nunca fétidos. Raras vezes ha diarrheia, quando a infec­ção toma um caracter grave, mas ntinca é fétida e cessa logo após um tratamento conveniente. Nunca ha enterorrhagias, nem gastrorrhagias, por maior que seja o aggravamento do mal. Raras vezes, no curso de casos graves, pôde apparecer o catarrho

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gastro-intestinal que se traduz por dôr na região epigastrica, anorexia, vómitos e diarrheia, podendo raríssimas vezes tomar a marcha d'uma verdadeira gastrite com todo o cortejo symplomatico que a caractérisa.

O figado poucas vezes congestionado. Pôde haver uma dôr no colon por distensão devida a gazes e essa dôr attribuida por muitos ao figado tem sido a causa de se considerarem como frequentes n'estas febres as lesões hepáticas. Congestões hepáticas notam-se por vezes na con­valescença, quando a febre tenha sido muito pro­longada, sob a influencia da menor infracção do regimen. E' fácil de explicar a sua pathogenese.

Nada de anormal no baço em nenhum período da doença. As percussões e palpações mais minu­ciosas não constatam o menor augmente de volu­me, a menor dôr.

Apparelho circulatório—O coração pulsa sem­pre com.força e regularidade, a menos que se resinta nos fracos e debilitados da adynamia geral. O pulso regular, rápido, frequente, em correspon­dência perfeita com a temperatura, é um signal seguro do grau da hyperthermia e de prognostico desfavorável quando se torna molle, irregular e pequeno.

Apparelho respiratório—Respiração frequente. No segundo e terceiro períodos da febre o numero dos movimentos respiratórios oscilla entre 24 a 36 por minuto. E' frequente observar-se no curso da doença uma bronchite ligeira, exteriorisando-se, á auscultação por sibilos e roncos, umas sub-cre-

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pitações, por escarros arejados, tosse, etc., bron­chite que não influencia em nada a febre e não reclama tratamento especial.

Systema nervoso—Em geral o systema ner­voso não soffre. Ha delírios nocturnos mansos nas altas thermicas e uma surdez nos primeiros dias que se deve antes attribuir á hypersaturação do organismo pelo quinino, pois se fosse uma com­plicação devida á febre, não desappareceria exacta­mente quando por vezes a doença se aggrava e a adynamia se declara. Nos casos graves porém o systema nervoso manifesta-se: o doente adyna-mico, com delirio que pôde tomar um caracter violento, por vezes ataxia e creio mesmo que n'este período de gravidade os sobresaltos dos tendões, a carphologia, etc., podem dar-nos perfei­tamente a impressão de que se trata d'um ty-phoso.

Apparelho urinário—Não se resente da doença. Nos velhos, a urina com traços de albuminna.

Duração—No paiz, os velhos clínicos, chamam febres de dias ou de septenarios. Nos casos que observamos nunca encontrei aquella evolução. E nem o era de suppôr, visto o 2.° e sobretudo o 3.° período terem uma duração que depende de cau­sas as mais variadas. Pôde, todavia, acceitar-se que dura de 16 a 20 dias (minima) a dois mezes ou dois mezes e meio (maxima) [Dr. W. Pinto].

Complicações—Além das já descriptas, nenhu­mas mais que possam prender a nossa attenção. Nos bairros mais pobres, em que o povo vive em condições de hygiene e commodidade cuja nega-

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ção completa é impossível tentar descrever, nunca se notou a mais leve escara cutanea, apezar do de­cúbito em terra dura, levemente coberta de estei­ras e que pôde prolongar-se por dois mezes e meio (!).

Terminação—A cura é regra. Os casos fataes são raros.

' Convalescença — Em geral longa, sobretudo n'aquelles em que a doença se aggravou, lançando o paciente n'um estado de abatimento e adynamia profundas. Névrites de convalescença raras.

Recahidas e recidivas—Não consta ter-se no­tado caso nenhum de recidiva ou recahida.

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Diagnostico

Dos casos aqui descriptos pôde bem concluir-se a autonomia das febres de Gôa como entidade pa-thologica tropical. O começo, a evolução, a termi-

, nação d'estas doenças, a falta absoluta de compli-* cações, a sua grande benignidade, tudo o que

n'um rápido resumo pôde ser abrangido com res­peito á symptomatologia, que está quanto o posso affirmar, mais ou menos completa, nos demonstra, ainda mais nos obriga a acceitar a independência das febres de Gôa. E' certo que faltam dados ba­cteriológicos, mas estes dados faltam na Dengue, nas unclassed fevers, em toda uma série de doen­ças cuja autonomia está soberanamente procla­mada.

No diagnostico clinico das febres de Goa é preciso encarar duas hypotheses:

1.° — Somos chamados á beira d'um doente que ha cinco ou sete dias está com um accesso forte de febre. Esta não foi precedida nem de ca­lafrios nem de mal estar nenhum. O doente não

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sua, a febre não intermitte e houve por vezes nos primeiros dias uma cephalalgia que já não existe. Não é raro encontrarmos uma tossesita secca, roncos e sibilos nos pulmões. Foi-lhe administrado um purgante e grandes doses de quinino em dias successivos, sem melhoras nenhumas na marcha da febre. O exame dos apparelhos não constata anormalidades. O baço está silencioso, o o pulso é rápido e forte, a respiração accelerada.

Resta-nos ainda uma duvida—o quinino não teria sido absorvido? Fazem-se injecções hypoder-micas e o resultado é nullo. Se no meio de todo este quadro, a familia tem marcado as temperatu­ras e encontramos uma dupla ascenção e remissão quotidianas, o diagnostico impõe-se. Trata-se de um caso de febre de Goa.

2.°—Estamos n'um caso de febre quinze a vinte dias depois da sua apparição : profundo aba­timento, lingua com tremores fibrillares, etc., todo um cortejo que lembra a typhoide. O diagnostico é dos mais difficeis; pôde todavia fazer-se por um exame minucioso de symptomas. A lingua apezar dos tremores não é jamais a lingua secca, fendida, característica dos typhosos. No mais profundo abatimento não se nota a alteração sensorial fre­quente nos eberthianos. O periodo prodromico, que apezar do muito que se tem dito em contra­rio, nunca falta, no dizer de Rogers, na typhoide, nos trópicos, falta nas febres de Goa. As alterações

(') E' preciso notar que dada a frequência do paludismo nos paizes tropicaes, não é nada de admirar que o baço se encontre augmentado de volume.

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de sensibilidade — pontos dolorosos occiprtaes, sub-orbitarios, dores da nuca, vertigens, zumbidos nos ouvidos, surdez que vae progressivamente au-gmentando, tudo isto falta nas febres de Goa. t verdade que n'estas se encontra por vezes a ce­phalalgia, mas apparece ou no sétimo e oitavo dia da doença e a surdez se existe no começo deve antes ser attribuida ao abuso do quinino e nao a febre, pois vê-se desapparecer quando a adynamia e outros symptomas nervosos (quando existem) se vão tornando mais pronunciados. Na typhoïde, a mais admiravelmente tratada, as manchas, o gor­golejo a dôr na fossa iliaca, o meteorismo, o baço augmèntado são frequentes. Nada d'isso tem o doente em questão. As suas fezes são solidas ou se ha diarrheia é pouco frequente, biliosa e cede a um antiseptico intestinal conveniente, diffenndo assim da diarrheia dos typhosos fétida, amarello-ôcre e rebelde á therapeutica. Tudo isto, fallando clinicamente, á cabeceira do doente, porque diffe-renças entre as duas doenças como capítulos de Pathologia existem muitas: as melenas, as compli­cações, as escaras, as hemorrhagias nunca foram notadas nas febres de Goa. Estas não são conta­giosas e não conferem immunidade contra a infec-cção eberthiana. Tem-se visto indivíduos que soffreram das febres de Goa serem posteriormente atacados pela typhoïde e sabe-se que esta da uma immunidade quasi absoluta. A reacção de Widal e negativa em qualquer período de febre.

A febre de Malta, a Dengue, as Unclassed fe­vers, o Kala-azar são tão distinctas da febre de

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Gôa que para differençal-as basta reportar-se ás descripções resumidas da primeira parte d'esté trabalho. A ideia de que as nossas febres seriam uma manifestação do Kala-azar teve voga nos úl­timos tempos. Rejeito formalmente esta opinião, a menos que o microscópio me demonstre haver formas de Kala-azar benignas e com os baços normaes (!).

Ultimamente os jornaes italianos de Nápoles teem descripto uma febre colli-bacillar em que a curva é bastante irregular e o soro dos doentes agglutina apenas as culturas do coli isolado do in­testino do próprio doente e não as de qualquer outro.

Comprehende-se bem que estudos d'esta or­dem são exclusivamente laboratoriaes e que não posso ter aqui elementos para os fazer.

De duas observações que tenho, pôde con-cluir-se não serem ellas nem de malaria (Obs. vil e viu) nem da typhoïde ou paratyphoide (Obs. vil).

Clinicamente, com certeza e provavelmente, em bacteriologia parece-me poder affirmar a autono­mia das febres de Gôa como entidade mórbida tropical.

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Nomenclatura

Demonstrada sufficientemente a autonomia de esta entidade mórbida que temos vindo descre­vendo, parece poder ella constituir um capitulo especial da nossa pathologia colonial. Qual o nome a dar­se a esta doença? Não sendo meu intuito crear o typo mas apenas demonstrar a existência na nossa índia de febres de natureza desconhecida e différentes da malarica, Kala­azar, typhoïdes, etc. (não fica mal esta repetição), pouco me inte­ressa a questão da nomenclatura. Em todo* o caso vou citar algumas opiniões. O Ex.m0 Snr. Dr. Wor­fango da Silva chama­lhes febres climáticas de Goa ■ nas observações que possuo, como também na do meu joven amigo o Dr. F. Velho, encontro Febre rémittente... ? O Snr. Dr. W. Pinto escre­ve­me:

"A melhor denominação a dar a esta febre é a de febre climática de Goa, não se devendo pensar com a palavra climática ser ella gerada por condi­

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ções e influencias do clima, mas sim perceber-se que é uma febre especial d'esté paiz; febre climá­tica da índia é uma expressão mais generalisada que não estou auctorisado a empregar. A expres­são de febre rémittente da índia ou de Goa deve ser abandonada visto rémittente indicar o typo de uma febre que pôde apresentar muitos. Entre nós é vulgarmente conhecida por febre de dias, febre de dois crescimentos, febre nervosa (?), expressões eminentemente defeituosas.,,

Crombie, ao descrever a non-malarial remit­tent, confessa a pena que tem em não poder dar-lhe outro nome melhor. Nós nem mesmo estamos auetorisados a dizer se das febres que vemos em Goa todas pertencem ao typo aqui descripto e que n'este caso não ficava mal de todo chamar-se fe­bre de Goa. Até outros estudos mais desenvolvi­dos... e que por ora chamem-lhe os nomes que quizerem.

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Tratamento

E' um capitulo inutil. Não conhecendo nós absolutamente nada sobre a natureza das febres de Goa, claro está que a therapeutica a seguir e a das indicações. Estas, fornece-as o doente, as suas reacções, as suas complicações, etc.

E' preciso que se diga que quasi sempre se começa o tratamento pelo quinino e perde-se um tempo precioso (Dieulafoy na typhoide) em dar este medicamento. Esta demora não é tão nociva nas febres de Goa como na typhoide, e serve de ele­mento de diagnostico pelo menos emquanto as praticas dos exames de sangue não estiverem por aquella nossa colónia n'um relativo grau de vulga-risação.

A balneotherapia pôde ser por différentes me-thodos; mas é necessário empregal-a em qualquer typo de febre de Goa que se veja para termos a evolução da doença muitíssimo benigna. O tempo que o doente deve estar no banho, a frequência d'estes, o grau de temperatura depende d'um

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grande numero de circumstancias relativas ao pró­prio doente e ao estado climatérico regional.

Nas provindas, onde a repugnância pelos ba-nrios e ímmensa, disseram-me terem os medicos colhido bons resultados com o emprego do pyra-

0 catarrho gástrico, os symptomas pulmona­res, a adynamia, etc., reclamam tratamentos con­venientes.

E' tudo quanto podemos dizer sobre a thera-peutica, e e escusado prolongarmo-nos mais.

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Addendum

0 Snr Dr. Rodrigo José Rodrigues, que tem observado as febres de Goa quanto lhe permittem os encargos d'uma vida burocraticamente estenli-sadora, i1» escreve-me:

"As chamadas febres climáticas de Gôa são o canto onde os clinicos do paiz teem mettido esta­dos pathologicos variados. Devem ter por la de tudo: rémittentes palustres em que se applica mal o quinino, febres gástricas, etc.,,

N'um caso que foi fatal, observou aquelle meu illustre professor lesões tuberculosas. Sua Ex.a in­siste particularmente nas manifestações intestinaes que não teem sido assignaladas. No caso a que se refere tratar-se-hia d'uma typho-tuberculose?

(>) Os medicos do quadro da India teem além do serviço m duas cadeiras a leccionar. E o Snr. Dr. Rodrigues tem a seu cargo o ratorio de Nova Gôa.

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Não sei. E esta minha affirmação, esta confis­são humilde d'uma humilde ignorância, vem mais uma vez provar a necessidade de estudos mais desenvolvidos. E' porque esta these fica sendo apenas uma "Introducção ao estudo das febres de Gôa„.

Porto, maio de 910.

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PROPOSIÇÕES

ANATOMIA DESORIPTIVA

A forma do estômago é losangular.

HISTOLOGIA Em hematologia e sobretudo em preparações húmidas

prefiro o methodo de Giemsa, modificado por Erlich.

ANATOMIA TOPOGRAPHIGA As relações do appendice com a parede abdominal

são tão variadas que a linha e o ponto de Mac Burney ra­ras vezes fornecem indicações seguras.

PATHOLOGIA GERAL Os cyclos das halteridias e do Hemoproteus athenae

noctuae faziam entrever a verdade das ideias de Schaudinn que o Schizo-tripanoma vem demonstrando brilhante e quasi irrefutavelmente.

PHYSIOLOGIA O problema da felicidade e por conseguinte de toda

uma philosophia optimista está dependente do estudo do tubo digestivo.

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MATERIA MEDICA E THERAPEUTIGA

A arsenophenilglicina deve substituir hoje o atoxil no tratamento das trypanosomiases.

PATHOLOGIA EXTERNA

O pian não é mais que uma variedade de syphilis. ANATOMIA PATHOLOGICA

A única base que acceito para uma classificação ra­cional das cirrhoses hepáticas é a anatomia pathologica.

ANATOMIA OPERATÓRIA

A faixa de Esmarch deve ser banida do material ci­rúrgico.

HYGIENE

O estudo da hygiene tropical e por conseguinte o d uma colonisação scientifica deve ser especialmente su­bordinado ao conhecimento perfeito dos insectos e arthro-podos sugadores.

PATHOLOGIA INTERNA

As formas tripanosomiasicas não são mais que uma adaptação nos vertebrados das formas leptomonicas banaes das moscas vulgares.

ORSTETRIGIA

Na escolha d'uma ama deve completar-se o diagnos­tico pela sero-reacção de Wassermann.

MEDICINA LEGAL

O medico por cuja incompetência o cliente falleça deve ser condemnado por crime de homicídio.

VISTO. p , , . . . =

.rode lmpnmir-se. O Presidente, O D i r e c t o r ^ . ^

João de Meyra. Augusto Brandão.

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BIBLIOGRAPHIA

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— La colonisation et les colonies allemandes — Andre Cheradame. Paris 905 .

— Colonisation hollandaise a Java — Pierre Gormand. 905 . — A history of the colonisation of Africa by alien races. Sir Harry H .

Johnston. Cambridge. — Hygiene Coloniale (XI vol. du Traité d 'Hygiène de Brouadel, Chante-

messe, Mosny). — Doit-on aller aux colonies? Rouber t Doucey. — Memorias do Congresso Colonial Nacional de 1901. — As nossas riquezas coloniaes, José de Macedo. — Os Libombos. Antonio So\oral. — L'Afrique Médicale (revista). — Journal of Royal Medical Cirurg Corps. 906 , 07 , 08 , 09 e n.os de 910. — Journal of Tropical Medicine. Idem. — Journal of Hygiene. Idem. — Annales de l'Institut Pasteur. — Archivos de Medicina Tropical. — Traité du Paludisme. Laveran. — Tropical Diseases. Sir Patrick Manson. — The Diseases of W a r m Countries (a handbook for medical men).

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Handbuch der Pathogenen Microorganismen. Kolle-Wasserman. ■ La lutte contre les moustigues. Legrain. - Manuel de pathologie exotique. A. Le Dautec. - Paratyphoides. Souza Junior. - Gazeta dos Hospitaes do Porto . y^ - Du Paludisme. Stephens and Christophers. ■ La Colonisation chez les peuples modernes. Leroy-Beaulieu.