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O Quinto Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores: mudanas
programticas e reorientao partidria
DARLAN FERREIRA MONTENEGRO
Apresentao1
O tema abordado no presente trabalho mudana ocorrida no interior do Partido
dos Trabalhadores, entre a sua fundao, em 1980, e a realizao de seu V Encontro
Nacional, em 1987, no que diz respeito aos fundamentos do pensamento poltico
predominante no interior do partido ou, ao menos, entre segmentos dirigentes da
agremiao, que vo desde as direes intermedirias at a cpula partidria.
Ocorreram, no V Encontro, ao mesmo tempo, uma reavaliao da ideia original de que
o partido no poderia ser o dirigente dos diversos movimentos com os quais se
relacionava e uma aproximao entre o pensamento petista predominante e o da
esquerda de massas dita tradicional (com elementos presentes nas tradies social -
democrata e comunista). Essa transformao pode ser constatada com base na anlise
dos documentos oficiais do partido, em especial as resolues dos encontros nacionais.O cotejo das resolues do Primeiro Encontro com as do Quinto revela que o
partido transitou de uma posio que recusava o papel de organizao dirigente das
lutas sociais e, por conseguinte, a necessidade de adoo de definies programticas
claras, consideradas como intrinsecamente anti-democrticas, para uma outra que
apostava justamente num papel dirigente para o partido (papel esse que tornava
necessria uma maior clarificao dos objetivos programtico-partidrios).
O fato de que essa mutao ocorreu justamente no perodo em que o Partido dosTrabalhadores adotou uma orientao poltica voltada para a disputa da Presidncia da
Professor adjunto de teoria poltica do Departamento de Cincias Sociais da Universidade Federal Ruraldo Rio de Janeiro; doutor em Cincia Poltica pelo Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio deJaneiro.
1 Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa de mesmo ttulo, ora em desenvolvimento juntoao Departamento de Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisa, por suavez, um desdobramento de minha tese de doutoramento em cincia poltica, O Avesso do Prncipe:programa e organizao nas origens do Partido dos Trabalhadores (MONTENEGRO, 2009),defendida em junho de 2009, no Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro, sob a
orientao do professor Cesar Guimares.
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Repblica, com base na formao de uma aliana poltica de esquerda, sugere, ainda,
que o perodo decorrido entre 1980 e 1987 foi caracterizado por uma importante
mudana na cultura poltica de importantes segmentos petistas. Tais segmentos migram
de uma identidade poltica que estabelecia como centros articuladores da vida militante
os movimentos sociais e suas pautas reivindicatrias, para um tipo de atuao cujo
centro o partido, com objetivos de longo prazo que ultrapassam o horizonte sindical.
De avesso do "prncipe" gramsciano, em 1980, o PT parece, em 1987, pretender se
converter justamente no partido dirigente, no apenas dos movimentos sociais, mas da
esquerda poltica brasileira em seu conjunto.
1. IntroduoO Partido dos Trabalhadores ocupa lugar de grande destaque entre as
agremiaes partidrias brasileiras. Surgido no final dos anos 70, o partido tornou-se, no
decorrer dos decnios seguintes, a principal fora poltica da esquerda brasileira, tanto
do ponto de vista de sua relao com os movimentos sociais mais importantes, quanto
no que diz respeito a sua presena na arena eleitoral. Quanto ao primeiro aspecto, o PT
possui, desde as origens, fortes vnculos com os segmentos do movimento sindical que,
aps protagonizarem o surto grevista do fim da dcada de 70, lideraram a constituioda Central nica dos Trabalhadores, surgida na primeira metade dos anos 80 e que,
posteriormente, tornar-se-ia a maior central sindical do pas. O PT tambm esteve
vinculado a uma ampla gama de manifestaes associativas urbanas que contriburam
para a formao do partido e para que ele se tornasse depositrio das expectativas de um
conjunto expressivo de ativistas(KECK, 1991: 76-103). Tambm no campo, o Partido
dos Trabalhadores constituiu fortes vnculos com os movimentos que, na esteira das
primeiras aes organizativas protagonizadas nos anos 50 pelas Ligas Camponesas,amadureceram entre os anos 70 e 80, constituindo-se em importantes agentes da luta
social e poltica no Brasil. (Idem).
O PT tambm se tornou referncia para uma grande parcela dos movimentos
que, desde a dcada de 1960, haviam ganhado relevncia em vrias partes do mundo,
inclusive no Brasil, em torno de temas como a emancipao da mulher, o combate ao
racismo, a liberdade de orientao sexual e a questo ambiental (AARO REIS, 2007b:
508-509). Nenhum outro partido da esquerda brasileira logrou, nesse mesmo perodo,
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estabelecer vnculos to slidos com um espectro to amplo de movimentos sociais
relevantes.
Quanto ao aspecto eleitoral, o sucesso do PT evidente. Tendo participado pela
primeira vez de eleies em 1982, o partido experimentou, desde ento, um crescimento
constante no que diz respeito tanto ao nmero de votos obtidos quanto ao espao
efetivamente ocupado nas estruturas representativas de poder (parlamentos e governos
nos trs nveis). As duas vitrias de Lula, em 2002 e 2006, e a eleio de Dilma
Rousseff para a Presidncia da Repblica, em 2010, ainda que com um percentual de
votos um pouco menor do que aquele obtido por Lula em 2006, configuram uma
demonstrao inequvoca da fora poltica do partido e do ex-presidente da Repblica.
Mais eloquente do que quaisquer nmeros, no entanto, a presena crescente eininterrupta do Partido dos Trabalhadores e de Lula enquanto referncias obrigatrias
para os debates polticos nacionais, ao longo das ltimas trs dcadas. Para todos os
efeitos, o PT o mais importante smbolo poltico da esquerda brasileira contempornea
e, tendo em vista as limitaes que seu predecessor mais direto o Partido Comunista
Brasileiro enfrentou, em termos de projeo poltica, em funo da clandestinidade
quase permanente, o PT tambm o mais reconhecido e influente partido de esquerda
da histria brasileira.A despeito de sua inegvel importncia no cenrio poltico brasileiro, o Partido
dos Trabalhadores ainda constitui um desafio compreenso, em termos acadmicos. A
necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre o PT, especialmente sobre o
processo de formao do partido e a definio de seu carter, fica evidente, em primeiro
lugar, no que diz respeito quantidade de trabalhos produzidos. David Samuels,
escrevendo em 2004, afirma que a produo em ingls acerca do PT enquanto
instituio nacional foi de apenas um artigo, desde o incio dos anos 90, momento apartir do qual as investigaes dos estudiosos do partido passaram a enfocar,
principalmente, os aspectos inovadores das administraes municipais petistas. A
produo em portugus no difere muito desse padro. Alguns trabalhos seminais como
os de Souza (1988), Keck (1991) e Meneguello (1989) vieram a pblico entre o final da
dcada de 80 e o incio da dcada seguinte (embora tenham todos sido produzidos ao
longo dos anos 80). O perodo posterior viu surgir uma produo razoavelmente grande
sobre aspectos regionais da trajetria do PT (o processo de formao do partido em
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alguns estados e as administraes municipais, especialmente So Paulo e Porto Alegre,
foram o principal foco de interesse). A formao do partido, assim como a definio
original de seu carter enquanto organizao poltica, por outro lado, praticamente
deixaram de ser estudadas em termos acadmicos. Ao longo da dcada seguinte, vieram
a pblico poucos estudos universitrios a respeito do PT enquanto instituio nacional,
dentre os quais sobressaem, por sua repercusso, os de Azevedo (1995) e,
principalmente, Csar (2002).
A relativa escassez de estudos sobre o PT enquanto partido de dimenses
nacionais, porm, no o maior limitador para uma melhor compreenso de suas
caractersticas. Existe, na verdade, uma problema de carter interpretativo que atinge,
direta ou indiretamente, boa parte dos trabalhos dedicados ao PT e que dificulta oentendimento da dinmica de funcionamento do partido, especialmente luz de sua
evoluo mais recente. A literatura sobre o PT, em especial os primeiros trabalhos que o
estudaram, foi fortemente influenciada pela imagem que o partido construiu de si
mesmo e de seu lugar na sociedade brasileira.
A corrente predominante de interpretaes sobre o partido (que inclui, pelo
menos, os trabalhos de Keck, Meneguello, Csar e Azevedo) carrega consigo o peso da
vinculao a uma certa herana intelectual e acadmica que foi absorvida em largamedida pelo prprio Partido dos Trabalhadores em suas origens, participou de forma
ativa na construo da cultura poltica petista e terminou por influenciar, de maneira
marcante, os estudos sobre o PT. Trata-se da vertente do pensamento acadmico
paulista que se constituiu em torno de uma interpretao da sociedade brasileira de
carter acentuadamente anti-estatista, crtico ao que considerava uma hipertrofia do
Estado em comparao com as dimenses supostamente raquticas da sociedade civil.
O elemento-chave da interpretao proposta por essa tradio acerca dos aspectospolticos da sociedade brasileira, nas dcadas que se sucederam Revoluo de 1930 e
antecederam o Golpe de 1964, o conceito depopulismo.
Alm de influenciar de forma muito significativa os estudos sobre a classe
operria brasileira, o sindicalismo e os partidos que pretenderam represent-la, a teoria
dopopulismo, atravs de muitos dos que a adotaram, mas, especialmente, de Francisco
Weffort, Jos lvaro Moiss e Francisco de Oliveira, foi extremamente importante para
a construo da identidade poltica petista, na medida em que o partido se apresentou,
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no processo de disputa da hegemonia poltica sobre os movimentos de trabalhadores,
como uma novidade radical, que rompia com um passado de formaes partidrias
ilegtimas. O PT, nas suas origens, pretendeu fazer tabula rasa das experincias
anteriores de luta e organizao poltica dos trabalhadores brasileiros. E a ao de
membros do mundo acadmico e da intelectualidade institucionalizada, tendo como
referncia, especialmente, o conceito de populismo, foi fundamental para construir,
dentro e fora do partido, um discurso que conferia legitimidade inteno dos petistas
de condenar ao esquecimento as tradies de organizao dos trabalhadores que o
precederam.
Em anos recentes (desde o final da dcada de 1990, aproximadamente), o
conceito de populismo tem sido objeto de importantes questionamentos por parte daliteratura dedicada ao tema dos movimentos de trabalhadores no Brasil, o mesmo
ocorrendo com a idia anteriormente consagrada de que as mobilizaes sindicais
ocorridas no fim da dcada de 1970 configurariam uma ruptura radical com as prticas e
estruturas do sindicalismo brasileiro que lhes antecedera. A profundidade da crtica ao
conceito depopulismo e sua capacidade explicativa, bem como os esforos envidados
no sentido de construir uma nova matriz interpretativa tem variado, a depender dos
autores e, num certo sentido, das instituies envolvidas no processo2
. Aoenfraquecimento do populismo enquanto instrumento explicativo da histria dos
trabalhadores brasileiros, no correspondeu ainda, entretanto, uma nova leva de estudos
sobre o PT com base em outro aparato conceitual. Essa ausncia se torna ainda mais
curiosa se levarmos em conta o fato de que o prprio partido abandonou, j h algum
tempo, boa parte das referncias identitrias que foram centrais ao seu processo de
formao.
H, por outro lado, na maior parte dos estudos tradicionais (e que poderamoschamar de cannicos), uma rica reconstruo da conjuntura poltica e dos debates que
2 Ressaltando sempre que h uma considervel variao entre as opinies e anlises dos diversos autores,poderamos destacar alguns dentre os estudiosos que contriburam com trabalhos recentes para acrtica ao conceito de populismo ou para a renovao dos estudos acerca do movimento sindicalbrasileiro. No primeiro caso, os nomes de maior destaque so, provavelmente, os de ngela de CastroGomes e Jorge Ferreira. Dentre os autores que, desde a dcada de 1980, vm empreendendo umaabordagem dos temas relativos histria dos trabalhadores que evita as definies de cartergeneralista em favor de uma compreenso mais pormenorizada da trajetria desses trabalhadores, deseus partidos e movimentos, podemos destacar Antonio Luigi Negro, Fernando Teixeira da Silva,
Hlio da Costa, Alexandre Fortes, Marco Aurlio Santana e Marcelo Badar Mattos, entre outros.
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levaram fundao do PT, bem como das principais decises tomadas pelos
protagonistas desse processo de construo. No que tange interpretao, porm, faz-se
necessrio romper com as noes estabelecidas como verdades ao longo dos anos 80 e
90, para permitir uma viso mais concreta acerca das concepes polticas que
nortearam a construo do programa e das estruturas de funcionamento do Partido dos
Trabalhadores. O PT um partido de caractersticas complexas e no pode ser
compreendido com base em definies que no reflitam essa complexidade.
Se levarmos em conta a imensa importncia de um partido que inicia sua terceira
gesto consecutiva frente da Presidncia da Repblica, parece evidente a necessidade
de se aprofundar os conhecimentos acerca de sua trajetria e de suas caractersticas
constitutivas. A pesquisa que desenvolvi quando da elaborao de minha tese dedoutoramento, assim como aquela da qual o presente trabalho resultado, tm por
objetivo contribuir para uma melhor compreenso da trajetria do PT, sempre na
esperana de que a consolidao do partido enquanto grande fora eleitoral possa
estimular uma retomada dos estudos acerca da sua trajetria.
2. Caractersticas marcantes do PT das origensO Partido dos Trabalhadores, quando cotejado com outras organizaes tpicas
da esquerda de massas ocidental, configurou, no seu perodo fundacional, um caso
fraco daquilo que Maurice Duverger classificou comopartidos de massas (os grandes
partidos operrios, socialistas e comunistas, tpicos de alguns pases da Europa
Ocidental e Central), em oposio aos partidos de quadros, vinculados s elites sociais
e econmicas (DUVERGER, 1970: 99-107). Isso significa dizer que, apesar de
apresentar algumas das caractersticas sugeridas por aquele autor como sendo tpicas
desse tipo de organizao, o PT diferia dessas agremiaes em outros tantos aspectos,com destaque para sua opo expressa por no adotar definies doutrinrias e
programticas claras e pela fragilidade das suas organizaes de base (os ncleos,
equivalente petista das sees socialistas e das clulas comunistas).
Para descrever o tipo de opo adotada pelos petistas (ou, antes, por suas
correntes hegemnicas), no que diz respeito ao programa e organizao interna,
quando da fundao do partido, acredito ser oportuno fazer uso da metfora gramsciana
do moderno prncipe (GRAMSCI, 1999-2002, vol. 3, p. 16-17), invertida, em seus
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fundamentos, pelo PT das origens. Enquanto o moderno prncipe gramsciano (ou
seja, os partidos comunistas, em especial ou mesmo exclusivamente os ocidentais)
configurava-se como uma organizao dirigente de movimentos sociais tidos por
Gramsci como particularistas, voltada para a construo do socialismo, objetivo
universal que se punha acima dos interesses fragmentrios do sindicalismo, o Partido
dos Trabalhadores, avesso do prncipe, apresentou-se, em suas origens, como uma
organizao que no pretendia dirigir, mas expressara vontade dos mltiplos atores
sociais que tomaram parte na sua construo. No podendo dirigir, no podia ter
programa definido, nem estrutura organizacional coesa. Tratava-se, portanto, de uma
opo expressa pela fluidez programtica e organizacional e no de uma insuficincia,
resultante da ausncia de acmulo poltico.Creio que essa opo decorreu de diferentes elementos tericos e polticos
presentes no discurso e nas concepes de pelo menos quatro das fontes constitutivas
do PT em seu perodo formativo: a primeira, a esquerda catlica, marcada por uma
concepo da ao poltica fortemente voltada para as comunidades de base,
autnomas em relao a qualquer centro poltico ou referencial terico (sobre as
concepes polticas da esquerda catlica, ver MAINWARING, 1989); a segunda,
remanescentes da esquerda armada, constituda na dcada anterior, em oposio aoPCB, e influenciada de forma decisiva pela Revoluo Cubana e pelo pensamento de
Che Guevara e Rgis Debray, que rejeitava a atuao tradicional da esquerda ocidental,
marcada pelo tema da estratgia, pelo clculo poltico, tal como pensado por Lnin e
Gramsci e voltada para a ao militar com pouca ou nenhuma mediao poltica de
massas (sobre a esquerda armada dos anos 60, ver RIDENTI, 2007); a terceira, um ramo
da intelectualidade paulista, exemplificado e dirigido principalmente por Francisco
Weffort, cuja interpretao da ao poltica da classe operria brasileira, assentada naidia de que controles polticos ilegtimos, exercidos pelo Estado e pelo Partido
Comunista Brasileiro, obstaculizavam a ao efetiva desse segmento, tinha como
corolrio a defesa da formao de um instrumento poltico que, ao invs de dirigir,
expressasse os verdadeiros interesses de classe (um esclarecedor exemplo das
concepes do pensamento de Francisco Weffort encontra-se em WEFFORT, 1974);
por ltimo, o mais importante desses segmentos: o prprio ncleo de sindicalistas em
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torno do qual o partido se constituiu e que se recusou firmemente a adequar suas vises
e concepes a qualquer experincia partidria ou doutrina poltica anterior.
Somados, ainda que em desacordo sobre diversos temas, esses segmentos deram
origem a um partido que recusava firmemente os temas da estratgia e do programa,
ainda que por razes distintas.
O Partido dos Trabalhadores apresentou, em suas origens, grande
indeterminao em termos programticos e organizativos, quando cotejado com seus
congneres socialistas e comunistas. E essa indeterminao est diretamente associada,
tanto no caso do programa quanto no da organizao interna da militncia, opo pela
representao de interesses e recusa a assumir formalmente ao papel de dirigente dos
movimentos sociais aos quais estava vinculado. Tambm relevantes para essasindeterminaes so as posies de Lula (que, sem dvida, expressavam a viso de
grande parte de seus companheiros de sindicalismo), que se mostra sempre vacilante
diante dos valores da esquerda tradicional. Tais posies ajudam a compreender as
razes que levaram os criadores do PT a pretenderem estar construindo uma
organizao radicalmente diferente de todas as experincias de esquerda pregressas
(justamente aquelas classificadas por Duverger como partidos de massas) e o advento
da ideologia da tabula rasa, que contaminaria, como j vimos, os intrpretes do partido.A forma como os temas do socialismo e da questo estratgica de uma maneira
geral aparecem nas resolues iniciais do partido refletem a viso de que o partido no
dirige, mas expressa a vontade e os interesses dos trabalhadores. A prpria presena,
ainda que pouco ntida, do socialismo enquanto referncia poltica em tais documentos
parece mais uma concesso aos grupos de carter ideolgico mais ntido que se
engajaram na construo do PT do que um elemento organicamente articulado s
preocupaes centrais que moveram os sindicalistas autnticos a constru-lo. Essasltimas encontram-se, de fato, muito mais voltadas para a superao dos limites
impostos pelo Estado aos direitos de organizao dos trabalhadores e livre expresso
de seus interesses.
Assim, o texto do Manifesto de lanamento do partido, aprovado no ato
fundacional, em 10 de fevereiro de 1980, no faz qualquer referncia direta ao tema do
socialismo, mas enfatiza a importncia da liberdade de organizao dos trabalhadores e
o direito de participao de todos os segmentos oprimidos no processo poltico.
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Em oposio ao regime atual e ao seu modelo de desenvolvimento,que s beneficia os privilegiados do sistema capitalista, o PT lutar
pela extino de todos os mecanismos ditatoriais que reprimem eameaam a maioria da sociedade. O PT lutar por todas as liberdadescivis, pelas franquias que garantem, efetivamente, os direitos doscidados e pela democratizao da sociedade em todos os nveis. Noexiste liberdade onde o direito de greve fraudado na hora de suaregulamentao, onde os sindicatos urbanos e rurais e as associaesprofissionais permanecem atrelados ao Ministrio do Trabalho, ondeas correntes de opinio e a criao cultural so submetidas a um climade suspeio e controle policial, onde os movimentos populares soalvo permanente da represso policial e patronal, onde os burocratas etecnocratas do Estado no so responsveis perante a vontade popular.O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida
diretamente pelas massas. Neste sentido proclama que suaparticipao em eleies e suas atividades parlamentares sesubordinaro ao objetivo de organizar as massas exploradas e suaslutas. Lutar por sindicatos independentes do Estado, como tambmdos prprios partidos polticos.(PARTIDO DOSTRABALHADORES, 1998: 19)
A referncia autonomia dos sindicatos com relao aos partidos no um
ponto a ser negligenciado. Ela afirma, no momento da criao do partido, a recusa deste
em se apresentar como dirigente desses mesmos movimentos. Tambm est presente noManifesto a crtica aos partidos construdos de cima para baixo ou do Estado para a
sociedade, ao passo que o PT pretendia ser a expresso, construda de baixo para cima
dos movimentos sociais dos quais se originou.
Lula defendeu da seguinte maneira a opo pela indefinio programtica:
(...) Por que a gente no deve levar para a classe trabalhadora o pratofeito. Voc tem que permitir que eles mesmos descubram se so ouno so socialistas ou comunistas. Voc tem que dar espao para que
eles discutam e descubram por eles mesmos. E s dessa maneira ostrabalhadores podero definir que tipo de sociedade eles desejam.Ningum tem a frmula pronta, de uma sociedade perfeita para aclasse trabalhadora. Eu acho que ela mesma tem muito mais condiesde propor esse novo tipo de sociedade. (...) (Entrevista a Tribuna da
Imprensa, 12 de dezembro de 1980. (ApudGUIMARES, 1990: 19-20).
No Programa, aprovado ainda em 1980, em reunio realizada no dia primeiro de
junho, mais uma vez o tema do socialismo est ausente. Aparece a reafirmada, no
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entanto, a preocupao expressa por Lula quanto necessidade de que as orientaes
estratgicas no sejam definidas a priori, devendo ser construdas de baixo para cima:
Para atingir este objetivo, o Partido deve estar preparado para proporalteraes profundas na estrutura econmica e poltica da Nao. Noentanto, o desenvolvimento da estratgia do PT depende de suapermanente relao com os movimentos sindical e populares que lhederam origem como proposta de um partido de massas de amploalcance social. Vale lembrar que os trabalhadores cresceram em suacapacidade de organizao na resistncia e no combate consolidaodo atual regime. Agora, com seu partido, avanam para superar esteregime. Neste sentido, o Partido dos Trabalhadores j uma conquistademocrtica e instrumento de avano democrtico da sociedade
brasileira. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998: 21)
No 1 Encontro do PT, realizado em agosto de 1981, o tema do socialismo mais
uma vez no aparece. Ele surge de forma explcita, pela primeira vez, num discurso de
Lula 1 Conveno Nacional do partido, realizada em setembro do mesmo ano. E
surge, muito claramente, como reao s cobranas acerca da indefinio poltica do
partido, afirmando, ao mesmo tempo, a tese recorrente de que o programa deve ser
expresso da vontade das bases, e a idia de que as passagens, presentes em resolues
anteriores, acerca do compromisso do partido com uma sociedade sem explorados
consistia numa defesa concreta do socialismo3.
A partir desse momento, as referncias ao socialismo nos documentos petistas
seria freqente. Permaneceria, no entanto, a indefinio quanto ao que se entendia por
socialismo e, principalmente, quanto aos meios para atingi-lo. De uma maneira geral, a
identidade programtica petista permaneceria sempre fluida, consistindo, em termos
mais elaborados, principalmente da temtica da incluso dos trabalhadores e oprimidos
no universo da poltica, considerado uma passo indispensvel consolidao dademocracia.
3 Disponvel em: . O endereo
referente ao portal da Fundao Perseu Abramo. Acesso em: 07 de fevereiro de 2009.
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3. O V Encontro: um novo partido?Somente em 1987, em seu V Encontro Nacional, o PT passaria por
significativas alteraes com relao s caractersticas assumidas quando da fundao,
com vistas a tornar seu projeto poltico mais ntido.
Em meados dos anos 80, os contornos pouco ntidos do horizonte programtico
do PT foram objeto de intensos debates no interior do partido. Emir Sader, por exemplo,
identificou as razes do que chamou limitaes ideolgicas do partido no classismo
que marcou sua origem, bem como numa concepo de democracia fortemente
influenciada pelo liberalismo, especialmente em virtude da ascendncia de um
pensamento anti-marxista europeu (Foucault, Lefort, Castoriadis), sobre importantes
segmentos intelectuais do partido4. O processo de questionamento de elementos
importantes da identidade original petista, especialmente por parte de membros do
prprio ncleo hegemnico mais identificados com as tradies da esquerda ocidental
(em geral, oriundos de experincias polticas anteriores ao PT), levou a que, no V
Encontro, se procurasse empreender o que poderamos chamar de uma refundao, se
levarmos em conta a contradio das resolues ento adotadas com as proposies que
marcaram a origem do partido. No captulo sobre a organizao partidria das
resolues, l-se:
(...) E confundimos, muitas vezes, autonomia e independncia dosmovimentos sociais com ausncia de propostas polticas e direo.Dessa forma, apesar da enorme influncia do PT nos movimentossociais popular, sindical, campons, de mulheres e estudantil milhares de militantes ainda permanecem alheios s suas instnciasorganizativas. Com isso, privam-se da discusso e da vida partidria eobstaculizam a sua evoluo para uma militncia poltica conseqentee uma conscincia poltica socialista. O PT est confrontado com anecessidade de uma revoluo na sua organizao, e tem os meiospara isso sobretudo a sua base social. Mas, para que possamos
4 O livroE Agora PT? carter e identidade, organizado por Sader e publicado em 1986, apresentava asreflexes de intelectuais e dirigentes do partido acerca das dificuldades relativas ausncia dedefinies polticas mais claras. O texto desse autor era, de longe, o mais crtico aos elementoscaractersticos da fase inicial do partido e est em sintonia com as preocupaes que seriam expressas,pouco tempo depois, no 5 Encontro Nacional do PT. Suas posies, ainda que ecoem algumas idiasda teoria do populismo, inserem-se numa perspectiva distinta, seja pela preocupao com o tema dopoltico, seja pela busca de conferir valor positivo a questes renegadas pelos tericos do populismo,como as da nao e do Estado. Para o autor, a reduo do papel poltico de um partido a umaexpresso pura de sua identidade de classe no era suficiente para credenci-lo como portador de
uma perspectiva alternativa de poder (SADER, 1986: 154-59).
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definir um plano de organizao claro, indispensvel revermosalgumas idias difundidas no Partido, que fazem parte da nossacultura petista, mas que no correspondem s nossas necessidadesatuais. (...) Na cultura poltica petista, passamos muitas vezes a idiade que o PT deveria ser o reflexo dos movimentos sociais,representante desses movimentos no plano poltico o que terminasignificando representante no plano institucional e parlamentar. Noextremo, o PT seria uma espcie de brao parlamentar do movimentosindical ou dos movimentos populares. O PT no poderia quererdirigir as lutas dos movimentos sociais, pois assim estariadesrespeitando a sua autonomia. Essa concepo incorreta e confusa.Na verdade, se lutamos por um partido capaz de ser um instrumentoreal de luta pelo socialismo, esse partido tem que ser capaz de dirigiressa luta, de apontar seus rumos. Ter de se tornar o dirigente polticodos trabalhadores. Para ns, trata-se de, respeitando a democracia dosmovimentos, suas instncias e caractersticas, disputar sua direo
com propostas previamente debatidas nas instncias do PT,articulando nossa atuao de luta sindical e popular com a construopartidria e nossa estratgia de luta pelo poder. (PARTIDO DOSTRABALHADORES, 1998: 165)
Nada mais distante do discurso de Lula 1 Conveno Nacional do partido, em
1981, em que ele questionava as crticas dos que no confiavam nos trabalhadores
organizados nos sindicatos para construir seu prprio programa.
O V Encontro tambm foi marcado pelas primeiras resolues que estabeleciam
o socialismo como o objetivo estratgico do PT. O termo estratgia, associado aosobjetivos polticos de longo prazo, surge, alis, de forma recorrente nas resolues,
evidenciando o crescimento da influncia da tradio marxista no interior do partido.
As mudanas efetivadas no V Encontro, entretanto, no devem ser enxergadas
como uma converso do PT a uma orientao ideolgica marcadamente marxista,
tampouco social-democrata. Se a inspirao daqueles que deram vida a essas
transformaes era de colorao claramente leninista, os resultados posteriores das
disputas partidrias demonstram que essa orientao estava longe de ser majoritria. Porum lado, o Encontro sinalizou na direo de um partido politicamente menos
multifacetado (de fato, nos anos seguintes, a maior parte das disputas internas se dariam
em geral em torno de dois blocos, a esquerda e os moderados). Por outro, abriu um
perodo de disputa sobre a natureza desse partido, em especial aps a constatao de que
Lula era um candidato vivel Presidncia da Repblica. Essa disputa somente se
encerraria com a vitria definitiva do campo moderado, reunida em torno de Jos
Dirceu (e Lula), em 1995.
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