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    R. da Educao Fsica/UEM Maring, v. 17, n. 2, p. 203-209, 2. sem. 2006

    ARTIGOS DE REVISO

    EDUCAO FSICA ESCOLAR: CONHECIMENTOS NECESSRIOS PARA APRTICA PEDAGGICA

    SCHOOL PHYSICAL EDUCATION: NECESSARY KNOWLEDGE FOR THE PEDAGOGICALPRACTICE

    Tiago Nicola Lavoura

    Henrique Moura Leite Botura

    *

    Suraya Cristina Darido**

    RESUMOA dcada de 1990 foi marcada pela grande discusso no interior das universidades brasileiras a respeito das diversas tendnciasem educao fsica escolar, marcadas pelas diferentes origens ematrizes filosficas, tais como a psicologia, a antropologia, afilosofia e a sociologia, e at pelas teorias da educao. Neste trabalho, objetivamos buscar certas convergncias entre essasdiversas abordagens da educao fsica escolar, aproximando o foco da discusso a uma maior humanizao da educao fsica,considerando, antes de conceitos, objetivos e procedimentos, o ser humano que se movimenta, como forma de dilogo entre ele eo mundo.

    Palavras-chave: Educao fsica escolar. Tendncias. Ser Humano.

    Mestrando em Cincia da Motricidade Humana, Departamento de Educao Fsica, Instituto de Biocincias daUniversidade Estadual Paulista-Rio Claro.

    ** Professor adjunto do Departamento de Educao Fsica, Instituto de Biocincias da Universidade Estadual Paulista-RioClaro.

    INTRODUO

    A educao fsica escolar vem sendo alvo deinmeras discusses e reflexes no interior dasuniversidades, principalmente por parte dosprofissionais que atuam neste ramo da educaofsica. Como prova disso, temos inmeraspublicaes de livros e artigos abordando taltema desde o final da dcada de 80, os quaisatingiram o auge na dcada de 1990 e ainda hojeesto fortemente presentes e marcados pordebates e defesas de idias.

    O objetivo deste trabalho no vem a serresgatar o surgimento da educao fsica emnosso pas, nem abordar o surgimento dasdiversas tendncias da educao fsica escolar,caracterizando minuciosamente cada uma delas,suas caractersticas e principais relevncias para

    a educao fsica. Acreditamos que hoje jencontramos inmeros outros trabalhos quedesenvolveram e esclareceram brilhantemente aquesto. Nem pretendemos aqui classificar oudar algum grau de importncia para as muitasabordagens da educao fsica escolar. Sabemosdas contribuies de cada uma delas ereconhecemos o salto qualitativo da rea com osurgimento de tais pensamentos.

    Objetivamos, neste ensaio, tornar o olhar daeducao fsica - e conseqentemente um deseus desdobramentos de atuao, que aeducao fsica na escola - um olhar maishumano para a nossa matria-prima de trabalho,que o homem. Queremos com isso afirmar quea educao fsica uma rea de conhecimentoque tem como objeto de estudo o ser humanocompreendido atravs do movimentar-se, ou

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    seja, do ser humano que se movimentaintencionalmente, como forma de manifestaono mundo e dilogo com este. O ser humanonecessita ser compreendido como um todo,relevando-se seus diferentes aspectos -cognitivos, sociais, afetivos, motores e culturais.Temos como objetivo tambm tornar possvelcerta convergncia das diversas abordagenspresentes atualmente no mbito escolar daeducao fsica, quando estas fazem essasconsideraes que apresentamos acima.

    Sabemos que o surgimento de diversasabordagens da educao fsica escolar se deupor conta de os estudiosos da poca irembuscar em diversas matrizes filosficas a

    continuidade de seus estudos e se apoiaremem tais matrizes para desenvolver suasreflexes e seus estudos.

    Podemos citar como exemplos: aabordagem desenvolvimentista, que tem comoprincipal autor Go Tani, que se apoiou napsicologia cognitiva e em autores comoGallahue; a abordagem construtivista,representada principalmente por Joo BatistaFreire, que se apoiou em Jean Piaget; aabordagem crtico-superadora, proposta pelo

    Coletivo de Autores, que apoiou-se emSaviani e Libaneo; e a abordagem cultural deJocimar Daolio, que se apoiou em MarcelMauss e Clifford Geertz.

    Com esses exemplos e outros quepoderamos ter citado, fica claro que estudiososda educao fsica desenvolveram seusprincipais trabalhos em diferentes matrizesfilosficas, tais como a psicologia, aantropologia, a filosofia e a ociologia, e at asteorias da educao. Com isso, percebem-se asdiferentes consideraes de ser humano que osautores atribuem ao indivduo - como um sermotor, um ser psicolgico, um ser social e umser cultural.

    No queremos discordar de forma alguma,em nenhum momento, da importncia dessabusca e do estabelecimento de um suportecientfico para a compreenso da rea. A seguir,traremos tona alguns aspectos das maisconhecidas tendncias em educao fsicaescolar, e posteriormente faremos algumasreflexes sobre consideraes que julgamos

    importantes para o ensino da educao fsica nocontexto da escola.

    DIFERENTES TENDNCIAS EM EDUCAOFSICA ESCOLAR

    No temos dvida de que os diferentes

    pensamentos em educao fsica escolarimpulsionaram a limitada viso de educaofsica de origem militar e mdica, e at mesmoda viso esportivista e mecanicista das dcadasde 60 e 70.

    De acordo com Bracht (1999), um grupodiversificado de profissionais buscou incorporaras discusses pedaggicas da rea, influenciadoprincipalmente pelas cincias humanas.

    Neste momento, tentaremos apontar para asdiferentes abordagens que surgiram na educao

    fsica escolar nos ltimos anos, apoiando-nos emDarido (2003), e discutir de que formacontriburam para a rea.

    Como a primeira tendncia, podemos citar aabordagem desenvolvimentista, que tem comoprincipais autores Tani et al., com o livro Educao Fsica Escolar: uma abordagem

    desenvolvimentista. Sua base terica apsicologia do desenvolvimento e daaprendizagem, donde terem como tema principala aquisio e aprendizagem de habilidades e odesenvolvimento motor, o que de grande

    importncia por garantir a especificidade darea. Vemos a importncia dessa tendnciaquando considera as fases do desenvolvimentomotor para o aprendizado, sendo elasestabelecidas pelas diferenas de idade dosalunos e classificadas como fase motora reflexa,fase motora rudimentar, fase motorafundamental, fase motora especializada oucombinada.

    A psicomotricidade uma tendncia que seaproxima um pouco da abordagem

    desenvolvimentista, apesar de seu aparecimentoser anterior ao desta ltima. Seu principal autor o francs Jean Le Bouch, cuja principal obra o livro Educao pelo Movimento, sendo apsicologia sua rea de base e tendo comofinalidade a educao e reeducao psicomotora,atravs de contedos como conscincia corporal,lateralidade e coordenao.

    Esta abordagem muito rica quando tratadas valncias psicomotoras, levando os alunos aum amplo desenvolvimento psicomotor quandoestes se encontram na fase de desenvolvimentode habilidades fundamentais. Por outro lado, elasofre inmeras crticas quando faz da Educao

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    Fsica uma subdisciplina para o aprendizado dedisciplinas como Matemtica e Portugus.

    A abordagem construtivista, que tambmtem como rea de base a psicologia, tem comoprincipal autor em nosso pas Joo BatistaFreire, com o livro Educao de Corpo Inteiro.O autor d nfase ao desenvolvimento cognitivoe considera a cultura infantil como essencial,repleta de jogos e brincadeiras, dando prioridadeao ldico e ao simbolismo.

    Trazendo a idia de que a educao fsica responsvel pela promoo e manuteno dasade, a abordagem sade renovada aparececonsiderando os avanos do conhecimentobiolgico das atividades fsicas e suas

    contribuies aos indivduos. Tem comoprincipais autores Guedes e Nahas.

    A abordagem crtico-superadora tem comoprincipais autores nacionais Valter Bracht, LinoCastellani, Celi Taffarel e Carmem Soares, como livro intitulado Metodologia de Ensino da Educao Fsica, baseando-sefundamentalmente na pedagogia histrico-crticade Demerval Saviani e Jos Libneo. Essatendncia torna importante tecer consideraessobre a contextualizao dos fatos e o resgate

    histrico, e trata de conhecimentos denominadosde cultura corporal, tendo como temas os jogos,os esportes, a ginstica, a dana e a capoeira.

    Com base na anlise fenomenolgica domovimento proposta por Merleau-Ponty etambm influenciada pela pedagogia crtica dePaulo Freire, surge a abordagem crtico-emancipatria, tendo como principal autor oprofessor Elenor Kunz, com seu livroTransformao Didtico-Pedaggica do

    Esporte. Nesta tendncia, o autor defende oensino crtico e com sentido da emancipao do

    sujeito, sendo este um ser-no-mundo, e omovimento humano o dilogo deste com omundo, dando um sentido e um significado noseu se-movimentar.

    A abordagem sistmica foi proposta porMauro Betti em seu livro Educao Fsica eSociedade. Sua idia apoiada nas teorias desistemas de Bertalanffy e Koestler, tendo comoreas de base a sociologia e a filosofia. O autorafirma que o objetivo da educao fsica escolar garantir ao aluno o acesso cultura corporal de

    movimentos mediante a vivncia do esporte, dojogo, da dana e da ginstica. Tambm apresenta

    o princpio da no-excluso e o princpio dadiversidade, e um pouco mais tarde apresenta oprincpio da alteridade.

    A abordagem cultural proposta porJocimar Daolio em seu livro Da Cultura doCorpo. Tem como rea de base a antropologia eos autores Marcel Mauss e Clifford Geertz. Oautor afirma que a educao fsica lida comcontedos culturais, ou seja, atua com o serhumano nas suas manifestaes culturaisrelacionadas ao corpo e ao movimento.Considera a cultura como patrimnio dasociedade, e, para ele, toda tcnica corporal uma tcnica cultural, no havendo melhor oupior tcnica, sendo esta ou aquela a mais correta.

    Tambm apresenta o princpio da alteridade.A abordagem dos jogos cooperativos

    defendida principalmente por Fbio Brotto, nolivro Se o Importante Competir o Fundamental Cooperar. As suas principais idias sobaseadas em Terry Orlick, sendo elas acooperao e a construo de uma sociedadebaseada na solidariedade e na justia.

    Por fim, os Parmetros CurricularesNacionais foram lanados, respectivamente:para o 1 e 2 ciclos, em 1997; para o 3 e 4

    ciclos, em 1998; PCNs do Ensino Mdio, em1999. A proposta dos PCNs apresentou aspectosrelevantes a serem alcanados pela educaofsica escolar, como as dimenses atitudinais,conceituais e procedimentais dos contedos, ostemas transversais (sade, meio ambiente, tica,pluralidade cultural, orientao sexual, trabalhoe consumo) e o princpio da incluso.

    A considerao e classificao de trsdimenses dos contedos da Educao Fsicaproposta pelos PCNs nos parecem muitoapropriadas e de extrema importncia para o seu

    ensino. Segundo Darido (2004, p. 62),

    o papel da Educao Fsica ultrapassa oensinar esporte, ginstica, dana [...](dimenso procedimental) e incluitambm seus valores subjacentes:atitudes que os alunos devem ter(dimenso atitudinal) [...] e o direito desaber porque est realizando este ouaquele movimento (dimensoconceitual).

    Quando observamos e avaliamos astendncias citadas acima, sem precisar ir muito a

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    fundo, notamos que todas elas, em ltimaanlise, propem algo para melhorar o serhumano no mundo. Isso quer dizer que todastm como origem de suas proposies oindivduo.

    Se todas partem de um ponto comum (oindivduo no mundo), o que ocorre que as leva atamanhas divergncias?

    O que acontece que as diferentestendncias no presente momento encontrammuito precocemente crticas a respeito dos seuscontedos e mtodos, por parte das outrasformas de tendncias. Essas crticas viram umaespcie de rede, que se torna mais resistentequanto mais a contraposio de idias avana, e

    em determinado momento, o objeto dediscusso, que o indivduo, torna-se secundriodiante das inmeras divergncias de opinies.Com isso perde a educao fsica, perde o alunoe perde o professor, pois o que se discute agora

    j no o objeto primrio, e sim, um objetosecundrio, que tem muito mais do ego dosdebatedores do que da questo primordial quedeu incio discusso; e assim, deixa-se depensar na evoluo e se paralisa a opinio.

    Pensar a respeito disso ir alm de discutir

    contedos programticos e atividades em aula: pensar sobre o prprio processo de concepo, sugerir que, muito mais do que questionaraspectos das diferentes tendncias, temos quepensar a respeito das nossas formas, atitudes ecompetncias, mesmo quando estamosabsolutamente convictos delas.

    Enquanto as diversas tendncias seencontram discutindo quais so os melhoresobjetivos, os alunos ainda no fazem a menoridia de para que serve a Educao Fsica, osdiretores continuam repondo aulas de Portugus

    e Matemtica nos horrios de Educao Fsica,os professores descontentes continuam a culparos alunos e o sistema escolar a esperar que aabordagem perfeita surja a fim de resolver osseus problemas.

    Iluso acharmos que encontraremos aabordagem perfeita, pois sabemos que ela noexiste; mas podemos refletir sobre a nossa formadentro da abordagem escolhida ou ainda dentrodo prprio modo de trabalhar. Isso, sim, permiteextrapolar os conceitos a fim de se chegar ao

    objetivo (o individuo). claro que asconcepes e os contedos so fundamentais, no

    entanto, se estamos em busca de convergircertamente no ser atravs da discusso sobre oque no comum que conseguiremos isso.

    Freire (1996), em um dos seus captulos, Ensinar uma Especificidade Humana, colocaque ensinar exige segurana, competnciaprofissional e generosidade. Isso significa que fundamental que um professor se sinta seguropara ser professor, e isto abarca a suacapacidade profissional; ou seja, o professor temque levar a srio a sua formao, pois de outromodo no sentir segurana, elementofundamental para se colocar na posio deprofessor. Neste ponto que entram astendncias, e o professor pode e deve ter a

    liberdade de optar por sua forma de ver o mundoe t-la como base para o seu trabalho. Isso noimplica que outros professores no devam optarpor formas diferentes no contexto das aulas, noentanto dentro dessa opo o professor devemostrar-se seguro de sua competnciaprofissional.

    A outra qualidade indispensvel aoprofessor a generosidade, pois com agenerosidade que o professor consegue chegarao aluno; a arrogncia nega a generosidade e

    tambm a humildade. O respeito, segundo PauloFreire, nasce de relaes justas, srias, humildese generosas, e ento o professor assume a suaautoridade docente e o aluno assume a sualiberdade de forma tica, e assim se forma oespao pedaggico, o contedo pode chegar aoaluno e este pode ponderar a respeito do querecebe.

    a que est a grande prova para astendncias, pois se a proposta no chega aoaluno, ela falha e deve ser reestruturadalevando em considerao esse fator, pois nesse

    ponto o contedo est intimamente ligado forma. Por exemplo, quando um contedo tendea ser totalitrio, ele impede o professor de secolocar generosamente diante do aluno, e destemodo o contedo no chega ao aluno, e sechega, este resiste a receb-lo.

    A proposta de Paulo Freire transcende asimples discusso dos contedos, quebrando atendncia das prprias tendncias a polarizarentre o certo e o errado. Para chegar ao aluno oprofessor precisa de generosidade, e para ser

    generoso ele precisa de conhecimento, tanto doque vai ensinar, quanto de si prprio. O

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    professor deve saber que sabe e tambm que nosabe. O fato de saber no lhe permite ter umapostura superior, e o fato de no saber noimpede que ele assuma a postura de autoridadedocente. Veja-se que estamos discutindo aquino o contedo do professor, mas a forma comoele gerencia o seu contedo, ou seja, no o queele faz, mas como ele age.

    A generosidade do professor que o fazquestionar os seus contedos e permite que eleno se paralise diante de suas convices. tambm o que toca o aluno e lhe desperta osentimento de empatia e anseio de conhecer, quefaz surgir nele a vontade de ir alm do que simplesmente proposto.

    PRIMEIRO O SUJEITO, DEPOIS ASTENDNCIAS!

    Quando creditamos uma importnciademasiadamente significativa s teorias e stendncias da educao fsica escolar, corremoso risco de cometer um grande erro, pois, fazendoisso, damos uma importncia muito maior stendncias do que aos sujeitos alunos no casoda educao fsica escolar.

    Se considerarmos essas teorias maisimportantes que os indivduos, depositamos ossujeitos dentro das teorias e corremos o risco derotul-los e desconsiderar as suas caractersticasindividuais e culturais.

    Jocimar Daolio foi muito sbio e felizquando buscou um olhar antropolgico para aeducao fsica escolar quando, apoiado emLaplantine, props uma revoluo do olhar daEducao Fsica buscando o movimento deolhar para o outro e olhar para si mesmo atravs

    do outro (DAOLIO, 1995, p. 25). Essa idiaevita qualquer tipo de preconceito, pois aobuscar as atitudes e aes dos homens em suasculturas, encontram-se os sentidos e oentendimento dessas atitudes.

    Esta abordagem, em nosso entendimento,tambm sobressai positivamente porque refuta aconcepo estratigrfica do homem e de suanatureza, podendo-se isolar para fins de estudoos fatores biolgicos, psicolgicos, sociais eculturais. O autor prope a chamada concepo

    sinttica, tratando todos esses fatores de maneiraunitria.

    O entendimento cultural de homem queDaolio defende, apoiado tambm no pensamentode Geertz, possibilitou discutir o corpo comosede individual de signos sociais, j que cadaindivduo se expressa diferentemente por meiode seu corpo diferente. Nesta linha depensamento, tornar-se humano tornar-seindividual, individualidade esta que seconcretiza no e por meio do corpo (DAOLIO,1995, p. 36). Para o autor, todas as prticasinstitucionais que envolvem o homem -principalmente a Educao Fsica, que tem comoobjeto de estudo este corpo que se movimenta -devem considerar estes princpios, afim de queno se reduza o entendimento de suas

    realizaes e se possa considerar o ser humanocomo sujeito da vida social.

    Do nosso ponto de vista, esta umapreocupao do professor, e este deve sercuidadoso e atentar para o fato de que precisa tero conhecimento do homem e da sociedade, jque o tempo inteiro estar mantendo contato erelaes com outros seres humanos. O educadordeve compreender o outro na sua cultura e noseu contexto histrico. Isto nada mais querespeitar as diferenas e saber conviver com elas

    nas relaes humanas. Touraine (1998) noschama a ateno para isso, e muito feliz aoreconhecer que a funo da escola no preparar os sujeitos para a sociedade, tendo elauma funo de socializao, pois desta maneirateria apenas a funo de instruo e transmissode conhecimentos. Segundo o autor, a escoladeve ser mais do que isso: deve preparar ossujeitos para si mesmos, tornando-os livres ecapacitados para agir e pensar de formalibertadora e criadora.

    Levando ainda em considerao as idias de

    Touraine (1998), Daolio aponta a importncia dea escola ensinar cada um a reconhecer a sualiberdade e a sua individuao, em defesa dosseus interesses sociais e valores culturais,denominando essa escola de escolademocratizante.

    A abordagem crtico-emancipatria deElenor kunz tambm merece destaque pela suaaproximao com as idias fenomenolgicas deMerleau-Ponty, compreendendo o indivduocomo um todo integrado no seu se-

    movimentar, sendo esta a compreenso-de-mundo-pela-ao. Nesta concepo, o

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    movimento passa a ser visto como um dilogoentre o homem e o mundo.

    Para Kunz (1994), esta deve ser a concepoque todos devemos ter da Educao Fsica, e noa viso hegemnica de que ela deve objetivar osimples movimento como um conceito geral ecom interesse no resultado ou na produo demovimentos eficazes no cumprimento dedeterminadas tarefas.

    Esse autor tambm faz uma pesada crtica aoestudo do movimento nos esportes, denunciandoa rgida padronizao dos movimentospredeterminados e a execuo de gestosmecnicos visando melhoria de rendimento ehabilidade na prtica da educao fsica escolar.

    Kunz sugere uma transformao didtico-pedaggica dos esportes, apoiando-se nareflexo fenomenolgica de Merleau-Ponty, queprioriza movimentos livres e espontneos.

    Quando fala de se considerar a perspectivainterna de aprendizagem, Kunz (1994) consideraa importncia de se pensar no sujeito que estaprendendo, no ser humano que se movimenta,respeitando as dimenses afetivas, cognitivas,sociais e motoras.

    Kunz (1994) tambm se destaca por

    considerar a subjetividade no ensino, levandoem conta a essncia e a existncia do sujeito,sendo a subjetividade a maneira de o indivduohabitar o mundo, trat-lo e interpret-lo.

    Mais uma vez ele esbarra em Merleau-Ponty, afirmando que a subjetividade consisteem o indivduo expressar-se livre eespontaneamente, com diferentes estilos, modosde agir e sentir, chamando-a de reabilitaoontolgica do sensvel.

    CONSIDERAES FINAIS

    Acreditamos que o princpio da EducaoFsica seja considerar o homem como possuidorde um corpo (ser um corpo) impregnado designos, smbolos, prazeres e necessidades. Destaforma, concordamos com Moreira e Simes

    (2006) em que, independentemente dasabordagens ou tendncias em Educao Fsicacom que nos identifiquemos, no podemosdesconsiderar o humano no homem ao ensinaros contedos especficos da Educao Fsica,fugindo da aprendizagem apenas dosmovimentos mecnicos, padronizados eestereotipados. A existencialidade viva dohomem no mundo muito mais do que treinar ocorpo com a repetio de movimentos. Comoafirmam os autores acima citados, movimentar-se no sentido da busca permanentedas autonomias possveis (MOREIRA;SIMES, 2006, p. 75).

    Para isso no podemos em momento algum

    negar o ser humano como objeto central dadiscusso, e mais do que isso, em momentonenhum desviar a discusso do objeto primriopara um secundrio, que no tenha ligao como essencial; ou seja, primeiro o sujeito e depoisas tendncias.

    No obstante, acreditamos ainda que asdiscusses em torno das tendncias dentro daEducao Fsica devam buscar convergncias,sem esperar que estas venham a partir deconcordncias entre tendncias diferentes,

    baseadas em argumentos racionais econvincentes, como props Tani (1997) em seutexto intitulado Tendncias do pensamento pedaggico da educao fsica brasileira, massim, que venham da percepo de que maisimportante do que o material a ser ensinado emsi, a postura de como se ensina.

    Queremos dizer que no existir umatendncia que se sobreponha s outras, mascertamente dentro das diversas tendnciaspoderemos entender que a forma como oprofessor se coloca diante do aluno oprimordial, levando tambm em conta os trspreceitos firmados por Paulo Freire: segurana,competncia profissional e generosidade, eainda tendo sempre clara a importncia doprincpio da alteridade na relao professor-aluno.

    SCHOOL PHYSICAL EDUCATION: NECESSARY KNOWLEDGE FOR THE PEDAGOGICAL PRACTICE

    ABSTRACTThe nineties were marked by the great quarrel inside the Brazilian universities regarding the various trends in school physical

    education, marked by the different origins and philosophical matrices, such as psychology, anthropology, philosophy andsociology, and even about the theories of education. In this work, our goal is to search certain convergences among thesedifferent approaches of the school physical education, concentrating the discussion on a greater humanization of the physical

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    education, considering, before concepts, objectives and procedures, the human being that walks and moves, as a form ofdialogue between itself and the world..

    Key words: School Physical Education. Trends e Human Being.

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    Recebido em 10/8/06Revisado em 20/11/06

    Aceito em 12/12/06

    Endereo para correspondncia: Tiago Nicola Lavoura. R. Dr. Paulo Simes, 61 Castelinho, CEP 13403-051,Piracicaba-SP, Brasil. E-mail:[email protected]