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  • Universidade Federal da Bahia Instituto de Sade Coletiva

    Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva

    Renata Mallet Guena

    Dando Voz ao Trabalhador: os Significados da Disfonia para os Operadores de Telemarketing

    Salvador Bahia 2009

  • 1

    Renata Mallet Guena

    Dando Voz ao Trabalhador: os Significados da Disfonia para os Operadores de Telemarketing

    Universidade Federal da Bahia Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva Mestrado em Sade Coletiva

    Orientador: Prof. Paulo Gilvane Lopes Pena

    Dissertao apresentada Banca Examinadora do Instituto de Sade Coletiva da UFBA como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre em Sade Coletiva.

    Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Paulo Gilvane Lopes Pena Prof. Dr. Jorge Alberto Bernstein Iriart

    Dra. Simone Santos Silva Oliveira

    Salvador Bahia

    2009

  • 2

    [...] ouvimos as vozes que murmuram. Com os sem-vozes lanados ao ataque formamos uma s

    voz e que canta (Maiakovski)

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todas as pessoas que foram importantes direta ou indiretamente para

    a concretizao dessa dissertao:

    Ao Professor Dr. Paulo Pena pelas importantes discusses acadmicas e

    polticas, pela excelncia na orientao, adotando um mtodo que combina a

    pacincia nas explicaes sobre a pesquisa, a humildade nos ensinamentos e

    nos relatos de sua rica experincia acadmica, a forma sensata e sutil de fazer

    crticas e as constantes palavras e gestos de incentivo. Agradeo finalmente pela

    amizade.

    Ao Professor Dr. Jorge Iriart pelas conversas sobre esse estudo, pelas valiosas

    consideraes feitas no exame de qualificao e por ter contribudo muito na

    minha formao enquanto pesquisadora.

    A Dra. Simone Oliveira pela disponibilidade em participar da avaliao desse

    estudo.

    Aos sindicalistas e operadores por me terem permitido conhecer a realidade do

    trabalho de telemarketing e vivenciar um pouco a perversa relao entre o capital

    e a precarizao da sade do trabalhador.

    Aos colegas de pesquisa Adryanna, Purificao e Vincius, meus amigos, pelas

    contribuies a essa dissertao e pelas angstias compartilhadas.

    Aos amigos e famlia pelo carinho, por compreenderem minhas ausncias e meus

    momentos difceis. Pai, me e irms, amo vocs.

    Ao Jean, meu querido, pela pacincia, pelos momentos maravilhosos juntos

    e por sempre me apoiar.

  • 4

    Aos camaradas, em especial, Marcos, Dbora, Aninha, Anderson e Trcia por

    ouvirem minhas queixas quanto s primeiras dificuldades com o estudo, pelas

    conversas, pelo carinho e pelo exemplo que so.

    A todos um grande abrao.

  • 5

    SUMRIO SUMRIO

    05

    RESUMO

    07

    ABSTRACTS

    08

    INTRODUO

    09

    CAPTULO 1: FUNDAMENTAO TERICA

    12

    1.1 O TELEMARKETING

    12

    1.1 VOZ E TRABALHO: DISFONIA COMO EFEITO

    22

    1.2 A VOZ QUE DIZ: VOZ DEFENIDA COMO LINGUAGEM

    34

    1.3 DISFONIA E SEU SIGNIFICADO

    37

    1.4 SADE DO TRABALHADOR: RELAO ENTRE TRABALHO E SADE

    41

    CAPTULO 2: OBJETIVOS

    46

    CAPTULO 3: MTODO

    47

    3.1 PARTICIPANTES

    47

    3.2 ENTRADA NO SINTTEL E OS CONTATOS COM OS ENTREVISTADOS

    50

    3.3 ENTRADA PROIBIDA: AS DIFICULDADES COM O CAMPO

    53

    3.4 ANLISE DAS INFORMAES DA PESQUISA

    55

    3.5 QUESTES TICAS

    59

    CAPTULO 4: RESULTADOS E ANLISE

    61

    4.1 A ATIVIDADE DE TELEATENDIMENTO: O PROCESO DE TRABALHO E O USO DA VOZ

    61

    4.2 INTENSIFICAO DO USO DA VOZ: FORAR E ARRASTAR

    65

  • 6

    4.3 MENOS TEMPO, MELHOR INFORMAO, MAIS DISFONIA: A DOENA ENTRE A QUANTIDADE DE LIGAES E A QUALIDAE DAS INFORMAES

    73

    4.4 PROCESSO DE RESISTNCIA: LUTA PELO USO DA VOZ SOB CONDIES HUMANAS

    78

    4.5 TELEMARKETING, O ESPAO DA NO DOENA: NEGAO E PUNIO DA DISFONIA

    87

    4.6 PRESCRIES CONTRADITRIAS E PRTICAS DE SADE CONCRETAS: A SADE VOCAL ENTRE A EMPRESA E O TRABALHADOR

    93

    4.7 VOZ DA EMPRESA E VOZ DO TRABALHADOR: DA MQUINA AO HOMEM

    100

    CAPTULO 5: CONSIDERAES FINAIS

    111

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    115

    ANEXOS

  • 7

    RESUMO

    Dentre as doenas relacionadas ao trabalho de telemarketing est a disfonia. A disfonia surge em um contexto de uso da voz em condies inadequadas, marcadas pelo rgido controle de tempo e contedo, exigncia de produtividade, excessivo ritmo de trabalho e alta demanda vocal. A organizao taylorista do trabalho de telemarketing reflete na sade vocal do trabalhador, em outras palavras, o resultado do uso precarizado da voz como instrumento de trabalho a disfonia. Esta pesquisa tem como objetivo compreender os significados da disfonia para os operadores de telemarketing. Para tal, adotou-se a metodologia qualitativa, combinando entrevista com operadores com presena ou queixa de disfonia e a observao do ambiente de trabalho. As informaes foram analisadas seguindo a tcnica de anlise do contedo. Os operadores abordaram temas sobre a relao entre a organizao do trabalho e a disfonia, as dificuldades na realizao da atividade com a voz disfnica, as estratgias de resistncia desenvolvidas pelos trabalhadores, a negao e a punio da disfonia no telemarketing, as prescries normativas de preveno disfonia, prticas de sade vocal prprias da classe e a padronizao da voz do trabalhador. A disfonia assume sentido de sofrimento e excluso de trabalho numa lgica de produo na qual a voz do trabalhador precisa se adaptar s exigncias de produtividade e de acumulao do capital e se transformar em voz da empresa.

    Palavras-chave: Disfonia Telemarketing Voz Sade e Trabalho

  • 8

    ABSTRACTS

    Among the diseases related to telemarketings work its found the dysphonia. The voice disorders appear in a context of inadequate conditions of using of voice, characterized for the hard control of time and content, exigence of productivity, excess of the rhythm of work and a large vocal demand. The taylorist organization of telemarketing work reflects the vocal health of the worker, it means, the result of a precarization of the using of voice as an instrument of work is the dysphonia. This research goals to get the comprehension about the meanings of the dysphonia for the telemarketings operators. It was carried out the qualitative method, combining interview with operator with presence or voice disorders complaint and observation of the work environment. The informations were analyzed following the technical of content analysis. The operators boarded themes about the relation between the works organization and dysphonia, the difficult in work with dysphonic voice, the strategy of resistance developed by the workers, the denying and the punishment of the dysphonic voice in telemarketing, the preventions normative prescriptions to dysphonia, the vocal healths practice by the own category and the model of the workers voice. The dysphonia assumes a meaning of suffering and exclusion of the work in a logic of production whose workers voice needs to be adjusted with the exigence of productivity and the accumulation of capital and becomes the voice of the company. Key Works: Dysphonia Telemarketing Voice Health and Work.

  • 9

    INTRODUO

    A disfonia se apresenta como um das principais doenas presentes no

    trabalho de telemarketing (SERRANO; FERREIRA, 2002). As cartilhas e jornais

    elaborados pelos sindicatos da categoria apontam a disfonia como uma doena

    relacionada ao trabalho, recebendo destaque pela alta presena entre os

    operadores (SINTTEL-DF, 2007; SINTTEL-MG, 2008).

    Em uma pesquisa que comparou duas amostras, uma com operadores de

    telemarketing e outra com estudantes colegiais (representando a populao em

    geral), percebeu-se que os operadores tinham um risco 2,1 vezes maior de

    apresentar sintomas vocais e 68% deles referiram uma ou mais queixa vocal,

    como rouquido e cansao vocal (JINQUEIRA; ALLOZA; SALZTIEN, 1998). O

    comprometimento da voz pode estar relacionado organizao de trabalho de

    telemarketing (SOUZA, 2004).

    Nos ltimos vinte anos, o telemarketing vem se firmando como uma

    empresa - ou um setor de empresas - com maior crescimento no Brasil. A ttulo de

    dado, segundo a ABT (2007), nos trs primeiros anos de 2000 esse setor cresceu

    235%, representando, hoje, uma dos grandes empregadores do pas. Tal

    realidade, muito alm de mostrar riqueza, desenvolvimento econmico nacional

    ou melhoria nas taxas de desemprego, traa um quadro de precarizao do

    trabalho com firmes toques de explorao e desfigurao do homem que vive do

    trabalho (NOGUEIRA, 2006; VENCO, 2006).

    Tal imagem representa uma tendncia mundial na qual a Amrica Latina

    um dos exemplos, principalmente entre os pases de capitalismo atrasado

    (THIRIN, 2007). A partir da dcada de 60, nos pases de capitalismo avanado,

    o mundo capitalista, para superar a crise at ento ameaadora, tem passado por

    transformaes que provocaram significativas mudanas estruturais no padro de

    acumulao de capital, mantendo intocvel, no entanto, a essncia desse modo

  • 10

    de produo, o lucro e a explorao do trabalho. Essas mudanas foram

    responsveis pela re-configurao do mundo do trabalho, marcado por uma

    mistura entre caractersticas tayloristas e toyotistas de produo, como controle

    agressivo do tempo e da produtividade, polivalncia, flexibilizao dos direitos

    trabalhistas, terceirizao e outras estratgias para garantir o lucro e a

    competitividade das empresas (ANTUNES 1997, 2002).

    Do exposto, o telemarketing tem importante funo na atual formatao da

    acumulao do capital, por proporcionar e segurar o lucro e a competitividade das

    grandes empresas nacionais e, principalmente, multinacionais. Munida de

    sistemas de informao e altas tecnologias, a empresa de telemarketing promove

    a propagao precisa de informaes sobre o mercado, como tendncias de

    consumo e tecnologias de produo, consideradas essenciais para a organizao

    do processo produtivo das grandes empresas, em especial para a produo de

    marketing, de novos produtos e novos servios (WOLFF; CAVALCANTE, 2006).

    Os recursos tecnolgicos, como telemtica e software, e os humanos so as

    ferramentas utilizadas por esse setor para favorecer e potencializar a acumulao

    do capital.

    Visando a alta produtividade, a empresa de telemarketing prima pela

    racionalizao e controle do trabalho. O rgido controle do tempo, do contedo,

    das tarefas, do comportamento, do volume de servios dos resultados acaba por

    ditar a forma de pensar e de fazer do operador pela tica da eficincia e da

    lucratividade. A voz, segundo Nogueira (2006), um instrumento da atividade que

    tambm deve ser controlado, principalmente por meio da padronizao da

    entonao e do contedo atravs do script. A diviso do trabalho entre

    planejamento e execuo e o controle do tempo e do movimento, antes realizado

    por meio dos msculos na produo industrial, hoje, no Telemarketing, expresso

    pelo uso da voz dos operadores (VENCO, 2006).

    As principais conseqncias dessa exigncia de produtividade, para os

    operadores de telemarketing, so o cansao fsico e o mental. Este desgaste

    explicado pelo fato de o operador, ao mesmo tempo em que solicitado a

    respeitar o tempo mximo de atendimento (TMA), conviver com condies de

  • 11

    trabalho que se tornam obstculos para atingir a meta pretendida, como a

    presena de rudo e mobilirios inadequados (SILVA; ASSUNO, 2005).

    O excessivo ritmo do trabalho, o rgido controle das atividades, a exigncia

    de eficincia e as condies imprprias de trabalho refletem na sade do

    trabalhador. Em outras palavras: a explorao do trabalho significa precarizao

    da sade. A voz, principal instrumento de trabalho do telemarketing, em

    decorrncia do uso excessivo e de situaes de tenso emocional advindas do

    controle rgido do trabalho, pode sofrer alteraes funcionais e orgnicas

    resultando na disfonia (NOGUEIRA, 2006; SOUZA, 2004).

    Aps a descrio dessa conjuntura, surge uma inquietao: dentro da

    realidade de trabalho no telemarketing, como o operador significa a disfonia, a

    deficincia da voz, ou seja, de seu instrumento de trabalho?

    Muito embora o mundo do telemarketing tenha sido objeto de algumas

    pesquisas abordando pontos importantes sobre os fatores de risco desse tipo de

    atividade e as principais queixas vocais presentes nos operadores, ainda so

    escassos os estudos que abordem, sob a tica do trabalhador, os sentidos do uso

    da disfonia nas relaes produtivas e sociais.

    Cassel apud Helman (1994) ao utilizar o termo illness como doena na

    perspectiva do paciente, para diferenciar do conceito de sade/ doena ditado

    pelo saber biomdico, esclarece que o indivduo doente no apenas experimenta

    os problemas de sade, seus sinais e sintomas, mas, sobretudo d significado

    doena. Nesse sentido, as definies de doena variam entre indivduos e entre

    classes. Esse diverso significado simblico , que pode ser de cunho moral, social

    ou psicolgico, ir depender de como o sujeito interpreta [...] a origem e a

    importncia do evento, o efeito deste sobre seu comportamento e o

    relacionamento com outras pessoas, e as diversas providncias tomadas por ele

    para mediar a situao (HELMAN, 1994, p. 104). Baseada nesta linha est a

    importncia em se ultrapassar as concepes fisiopatolgicas dos distrbios de

    voz e buscar compreender o que o doente, o operador de telemarketing, significa

    a disfonia.

  • 12

    Este estudo, portanto, se props a compreender os significados da disfonia

    para os operadores de telemarketing, analisando a manifestao dessa doena

    no trabalho e as conseqncias na realizao da atividade e na vida do sujeito

    trabalhador. A pesquisa foi realizada no sindicato da categoria, SINTTEL-BA,

    apoiando-se na linha qualitativa de pesquisa, usando como mtodo as entrevistas

    semi-estruturadas com operadores com disfonia ou queixa vocal que procuraram

    o ambulatrio de doenas do trabalho e a observao do processo de trabalho e

    ambiente de trabalho, em um call center.

    As pginas seguintes tentam revelar os sentidos da disfonia relacionada ao

    trabalho de telemarketing. Para tal, elas foram divididas em captulos que

    exploraram inicialmente a teoria que cerca o objeto em questo e, finalmente,

    outros que se ativeram ao dialogo entre os materiais empricos e as referncias

    cientficas.

    O captulo 1 se refere fundamentao terica e foi dividido em temas que

    abarcam os principais conceitos do estudo, como telemarketing, disfonia,

    significado, linguagem e sade do trabalhador. O captulo posterior aponta os

    objetivos. Em seguida, tem-se uma explanao sobre o mtodo utilizado na

    pesquisa e, como quarto captulo, a anlise das informaes produzidas,

    organizada em categorias. Como ltimo captulo, as consideraes finais

    retomam algumas problematizaes iniciadas na discusso das categorias e

    apontam guinadas concluso.

  • 13

    1.0 FUNDAMENTAO TERICA

    A ttulo de organizao, a discusso terica acerca da temtica significados

    da disfonia atribudos por operadores de telemarketing foi desmembrada em sub-

    temas. O primeiro levanta as principais caractersticas da atividade de

    telemarketing. O segundo sub-tema se prope a desenvolver a relao entre o

    trabalho de telemarketing e a disfonia. Em A Voz que Diz: Voz Definida como

    Linguagem pretende-se discorrer sobre o conceito da voz como componente da

    linguagem. Na parte seguinte, intitulada Disfonia e seu Significado procura-se

    afirmar a importncia em descrever o processo de disfonia no telemarketing, alm

    de manifestaes biolgicas, apontando a necessidade de uma interpretao no

    nvel do simblico. Por fim, o sub-tema Sade do Trabalhador assinala a relao

    entre trabalho e sade.

    1.1 O Telemarketing

    Constantemente, h confuso na utilizao das palavras telemarketing e

    call center, que, em algumas literaturas e documentos cientficos, so colocadas

    na situao de sinnimos. Neste estudo, telemarketing e call center apresentaram

    conceitos diferentes, norteados pelo que definido pela Norma Regulamentadora

    17 do Ministrio do Trabalho e Emprego da Repblica do Brasil.

    Segundo a NR 17, anexo II, "Entende-se como call center o ambiente de

    trabalho no qual a principal atividade conduzida via telefone e/ou rdio com

    utilizao simultnea de terminais de computador". J telemarketing se refere

    atividade, tipo de trabalho no qual [...] a comunicao com interlocutores cliente e

    usurios realizada distncia por intermdio da voz e/ou mensagens

    eletrnicas, com a utilizao simultnea de equipamentos de audio/escuta e

    fala telefnica e sistemas informatizados ou manuais de processamentos de

    dados.

  • 14

    Do exposto, a atividade de telemarketing ou de teleatendimento realizada

    nos espaos do call centers ou centro de atendimento. Nogueira (2006) levanta a

    seguinte conceituao de telemarketing: [...] toda e qualquer atividade

    desenvolvida atravs de sistemas de telemtica e mltiplas mdias, tendo como

    objetivo as aes padronizadas e contnuas de marketing. O telefone seu

    principal veculo de trabalho (NOGUEIRA, 2006, p. 39).

    Para Thirin (2007), os call centers so concebidos como fbricas de

    comunicao e gesto de informao que surgem do processo de flexibilizao

    do trabalho e das inovaes tecnolgicas de informao e comunicao. As

    fbricas de call centers atendem s necessidades de uma nova rea das

    relaes mercantis: o telemercado.

    Ribeiro (2007) reafirma essa definio atravs do que denomina viso

    atualizada e moderna de telemarketing, tomando, para tal, como premissa as

    novas configuraes do mundo moderno marcado pela globalizao e pelas altas

    tecnologias de informao. Nesse nterim, surge para potencializar a

    competitividade de uma determinada empresa, seja pblica ou privada, ao

    permitir um contato mais rpido e prximo entre o cliente e o servio. O

    telemarketing, a partir da confluncia entre telecomunicaes, computador e

    marketing e da utilizao de recursos de alta tecnologia como telefonia, fax,

    correio de voz e internet, propicia a venda do produto e, o mais importante, o

    fornecimento ao cliente de informaes sobre o produto e os servios disponveis

    (RIBEIRO, 2007). Apresenta-se, ento, como uma estratgia de venda e de

    insero no mercado competitivo, sendo muito vantajosa a acumulao do capital

    por favorecer a empresa agilidade, reduo de custos, controle imediato dos

    resultados, contato direto com os clientes e fcil controle sobre as atividades

    (monitoramento das chamadas).

    Ainda segundo o autor supracitado, o telemarketing possui trs elementos

    bsicos, envolvendo a tecnologia de ponta, so eles: o software, o hardware e o

    humanware. O software constitui um conjunto de programas que orienta e auxilia

    as atividades produtivas da empresa, enquanto que o hardware corresponde ao

    bando de dados e o PABX recurso formado pelo atendimento automtico,

  • 15

    distribuio e encaminhamento de chamadas, superviso e estatsticas. O

    humanware significa a preparao dos trabalhadores em telemarketing,

    abarcando [...] os talentos humanos, a cultura do usurio e a competncia

    operacional (RIBEIRO, 2007, p. 25).

    As aes produtivas no telemarketing so realizadas pelos operadores que

    [...] atendem usurios, oferecem servios e produtos, prestam servios tcnicos

    especializados, realizam pesquisas, fazem servios de cobrana e cadastramento

    de clientes, sempre via teleatendimento, seguindo roteiros e scripts planejados e

    controlados para captar, reter ou recuperar clientes (CBO, 2007). Esses

    trabalhadores tm como funes, segundo a concepo de Ribeiro (2007):

    publicidade ao encaminhar mensagens gravadas aos clientes; promoo de

    produtos, marcas, pessoas e empresas; prestao de servios financeiros,

    administrativos, de entretenimento e at educacionais; busca de novos clientes ou

    mercados; realizao de pesquisas de mercado a fim de auxiliar na elaborao de

    estratgias de venda e de marketing; e a cobrana atendendo clientes com

    pendncias financeiras (recuperao de crditos). Conforme estabelece o Cdigo

    Brasileiro de Ocupaes (CBO, 2007), os operadores devem possuir uma srie de

    competncias pessoais para realizar a atividade de teleatendimento, entre elas

    boa dico, capacidade de expresso e compreenso oral, pacincia,

    autocontrole, saber administrar conflitos e ser capaz de tomar decises.

    Os operadores de telemarketing possuem, em geral, um perfil muito

    parecido, o qual coincide com a populao em busca de emprego, a saber:

    maioria de mulheres, jovens, idade acima de 18 anos e menor que 30 anos,

    escolaridade de no mnimo segundo grau completo, boa dico e fluncia verbal

    (NOGUEIRA, 2006; VILELA; ASSUNO, 2004).

    A Associao Brasileira de Telemarketing (ABT) descreve a histria desse

    tipo de servio no Brasil, durante as pocas de 80, 90 e incio de 2000. O setor de

    teleatendimento comeou a entrar no mercado brasileiro no final da dcada de 80

    a partir de filiais multinacionais, empresas de carto de crdito e operadoras de

    telefonia. A sua expanso iniciou-se na dcada de 90 devido a importantes

    fatores, tais como a privatizao de grandes empresas estatais, o lanamento do

  • 16

    Cdigo de Defesa do Consumidor, que legitimou o negcio por telefone, e o

    desenvolvimento da informtica, o que possibilitou a mensurao das ligaes, a

    produtividade, a unificao dos cadastros e o uso do marketing (ABT, 2007).

    A expanso das empresas de telemarketing foi impulsionada pelas

    mudanas no mundo do trabalho, que determinaram a potencializao da

    comunicao e desenvolvimentos das tecnologias de informao para alavancar o

    processo produtivo (ANTUNES, 2006).

    O atual processo de reestruturao do capitalismo, iniciado nos anos 70

    nos pases de capitalismo avanado e nos anos 90 no Terceiro Mundo,

    marcado por mudanas significativas na produo (modelo toyotista) e na poltica

    do Estado (Neoliberalismo), como a reduo dos gastos pblicos, aumento de

    investimentos estrangeiros, estabilidade monetria e privatizao de empresas

    estatais (ABRAMIDES; CABRAL, 2003). Segundo Antunes (1997), o modelo

    toyotista de produo e de relaes de trabalho possui como caractersticas

    principais: implantao da robtica e da informatizao na linha de produo,

    flexibilizao e precarizao do trabalho, novos padres de gesto da fora de

    trabalho (como exemplos, Crculos de Controle de Qualidade CCQs e

    Gesto Participativa), polivalncia e multifuncionalidade do trabalhador, sub-

    remunerao e eliminao gradual dos direitos trabalhistas.

    No Brasil, o desenvolvimento desse novo modelo de estruturao produtiva

    se inicia na dcada de 90, por meio da implantao dos ideais japoneses de

    relaes de trabalho, como a acumulao flexvel, o sistema just-in-time, a

    implantao de fbricas com tamanhos reduzidos (clulas produtivas), as formas

    de subcontratao e de terceirizao da fora de trabalho. No entanto a

    implantao deste modelo no significa uma ruptura completa com o modelo

    anterior fordista, existindo no Brasil uma mistura entre o toyotismo japons e ao

    fordismo americano na produo, ainda visvel quando se observa a existncia

    concomitante de uma estrutura produtiva industrial com influncias fordistas e de

    prticas toyotista de flexibilizao do trabalho e de terceirizao (ANTUNES,

    2002).

  • 17

    A terceirizao apresenta-se empresa como uma medida vantajosa,

    possibilitando-a manter a competitividade no mercado do capital por meio da

    ascenso da produtividade e diminuio de custos com a fora de trabalho. Isso

    se d porque a empresa, ao contratar trabalhadores terceirizados, restringe

    consideravelmente seu quadro de funcionrios com contratao direta e, por

    conseqncia, os gastos com encargos trabalhistas e com a remunerao dos

    trabalhadores, visto que o valor do salrio do terceirizado segue influncia da

    demanda do mercado, o que, em resumo, significa salrio abaixo do valor devido.

    Como resultado do processo descrito, tem-se a elevao da mais-valia total da

    empresa. Para o trabalhador, a terceirizao representa uma nova roupagem da

    explorao do trabalho (MARCELINO, 2006). A terceirizao favoreceu

    enormemente a expanso das empresas de telemarketing. Foi o processo de

    desestatizao do setor de telemarketing, efetivado nos governos dos anos 90,

    que possibilitou a implantao da terceirizao nessas empresas j privatizadas

    no Brasil (MENDES, 2005).

    A diminuio de empregos nas indstrias e no campo e o assalariamento

    do setor de servios so processos que contribuem para a nova metamorfose da

    classe trabalhadora, agora mais complexificada: mais heterognea devido a maior

    entrada de mulheres no mercado de trabalho, fragmentada e subproletarizada

    pelo aumento das contrataes temporrias e pelo trabalho terceirizado

    (ANTUNES, 1997).

    Seguindo as anlises de Antunes (1997), pode-se afirmar que as

    mudanas na objetividade do mundo do trabalho promovem, dialeticamente,

    alteraes na subjetividade desse novo trabalhador e uma nova crise no modo de

    pensar e agir. Estes, presos pela precarizao do trabalho e pela exacerbao da

    feitichizao da mercadoria e estranhamento do trabalho, advindos da nova

    reestruturao produtiva, abandonam a esperana pela liberdade e pela

    emancipao, resultando em prticas hegemnicas de aceitao das pssimas

    condies de trabalho, enfraquecimento dos sindicatos, das lutas pela

    emancipao e dos princpios socialistas.

  • 18

    Inserido nesse novo e em desenvolvimento mundo do trabalho supracitado,

    regido pela intensificao da explorao e precarizao do trabalho, est a

    atividade de telemarketing. Insero essa no homognea, mas marcada pelas

    contradies do mundo do trabalho e suas formas de organizao. Como ressalta

    Venco (2006), na atividade de teleatendimento h combinaes de tcnicas de

    trabalho modernas, atravs do advento da informtica e da telemtica, e modelo

    taylorista de controle do trabalho.

    Sobre essa questo, Thirin (2007) explica que, na empresa de

    telemarketing, h presena de produo em srie e rotinas das atividades

    desempenhadas pelos operadores, processos estes tpicos do modelo taylorista.

    Ao mesmo tempo, h a implementao de medidas de flexibilizao da produo,

    observadas principalmente nas exigncias de multifuncionalidade aos operadores

    para atender as vrias atividades de campanha.

    O taylorismo constitui um mtodo de organizao do trabalho que visa a

    adaptao do trabalho s necessidades do capital atravs, principalmente, do

    controle pela gerncia das tarefas e separao entre o planejar e o executar o

    trabalho (BRAVERMAN, 1987). Segundo seu idealizador, Taylor (1963), o saber-

    fazer do trabalhador deve ser possudo pela gerncia, e esta, utilizando mtodos

    cientficos, deve ser a responsvel por elaborar o trabalho (tempo, contedo e

    diviso das tarefas), encarregando os trabalhadores apenas execuo

    fragmentada de cada tarefa. Para Braverman (1987), tal teoria significa a

    desumanizao do processo de trabalho, retirando do trabalhador sua autonomia

    e a capacidade de pensar a totalidade do trabalho.

    Para que a tarefa seja executada da melhor forma possvel, diga-se de

    maneira mais produtiva, Taylor (1963) estabelece um sistema de rotina orientado

    pelo controle rgido do tempo e da padronizao das ferramentas de trabalho.

    Reduo do tempo morto do trabalho, aumento do tempo produtivo,

    cronometragem, controle do contedo das atividades e padronizao so

    elementos desse modelo presentes no telemarketing.

  • 19

    A atividade de telemarketing possui como principal caracterstica o controle

    intenso do trabalho do operador. O controle do trabalho no teleatendimento,

    considerado rgido e rigoroso, mediado pela tecnologia que, assim, contribui

    para a intensa racionalizao do trabalho e para a elevao das taxas de

    produtividade da empresa. Todas as atividades dos tele-operadores so

    registradas por softwares, entre elas os nmeros de ligaes feitas e recebidas, o

    tempo das pausas, tempo de atendimento, a indicao de clientes espera e o

    tempo excedido nos atendimentos (VENCO, 2006).

    Segundo Vilela e Assuno (2004), as principais formas utilizadas de

    controle do trabalho no telemarketing so: do tempo, do contedo, do

    comportamento, do volume de servios e dos resultados. Para efetuar o controle

    do trabalho, a empresa desenvolve uma srie de mecanismo que vo desde o

    registro da durao dos atendimentos at a exigncia de qualidade de

    atendimento.

    O controle do tempo, como afirma Nogueira (2006), uma estratgia criada

    pelo capitalismo para manter sua dominao, uma vez que atravs dessa ao

    torna-se possvel o aumento da produo e, em decorrncia, da potencialidade na

    extrao da mais-valia para acumulao de capital. Para concretizar o processo

    citado, as empresas desenvolvem tcnicas de controle do tempo como a descrita

    por Vilela e Assuno (2004) em pesquisa em uma central de teleatendimento, a

    exemplo da presena de sinais luminosos no monitor de vdeo do operador

    avisando que o tempo de atendimento est terminando. Conforme descrevem os

    autores: O indicador em formato de uma barra retangular de 3x1cm, cujo comprimento aumenta com o passar do tempo, alm de mudar de cor: azul (menos de 20 segundos), amarelo (de 20 a 25 segundos) e vermelho (acima de 25 segundos). Os relatos dos operadores esclarecem as suas vivncias cotidianas sob o controle eletrnico: no podemos parar para respirar pois o computador registra cada segundo que ficvamos sem atender, o mesmo ainda sinalizava atravs de uma espcie de led [sinal luminoso] que aps aquele atendimento havia ainda centenas de novos clientes no aguardo. (VILELA; ASSUNO, 2004, p. 1072).

    Silva e Assuno (2005) estudaram empresas de telemarketing de Minas

    Gerais denunciadas pelo sindicato de trabalhadores de teleatendimento

  • 20

    (SINTTEL) ao Ministrio do Trabalho e Emprego e ao Ministrio Pblico do

    Trabalho. Entre as denncias destacam-se as pssimas condies de trabalho

    enfrentadas pelos tele-operadores, em especial a jornada de trabalho e o nmero

    de atendimentos realizados ao dia. Como descrevem os autores, a jornada de

    trabalho era de seis horas/dia e o intervalo de quinze minutos respeitado, embora,

    na prtica, o que ocorria era o desconto desse intervalo no final do dia, o que

    equivale a dizer que a jornada diria efetiva era de seis horas e quinze minutos. O

    nmero de atendimentos realizado chegou a oitenta, com um tempo mdio de

    atendimento (TMA) de trs minutos ou mesmo de 28 segundos.

    Alm dessas verificaes, os autores supracitados observaram a existncia

    de incentivo da empresa competitividade entre os operadores, utilizao de

    cmeras de filmagem nos espaos de trabalho, escuta e gravaes de

    atendimentos como mecanismo de avaliao de desempenho e desvalorizao

    das queixas de sade dos trabalhadores, realidade esta que permitiu ao Ministrio

    Pblico do Trabalho afirmar: A atividade de teleatendimento, como realizada no momento, atividade patognica ao sistema psquico por sobrecarga psico-cognitiva desencadeada por controle estrito de tempos e modos operatrios e falta de autonomia no trabalho: distrbios auditivos e de voz so freqentes, assim como as LER/DORT (SILVA; ASSUNO, 2005, p. 562).

    Outra caracterstica do trabalho em telemarketing a presena constante

    de presso: [...] ser capaz de trabalhar sob presso condio sine qua non para

    ingressar e permanecer no telemarketing (VENCO, 2006, p. 13). Nessa lgica da

    presso para trabalhar, a superviso assume grande importncia. Os

    supervisores possuem como funo, na lgica do telemarketing, exigir a disciplina

    e o cumprimento das metas pr-determinadas (VENCO, 2006).

    Um importante tipo de presso sobre os operadores o medo de perder o

    emprego, justificado pela crescente taxa de desemprego no pas, principalmente

    entre a populao jovem. Consoante Thirin (2007), na Amrica Latina e no

    Caribe a grande oferta de trabalhadores no mercado permitem que as fbricas

    de call centers funcionem com altas taxas de rotatividade de contratao de fora

    de trabalho, garantindo, devido a essa conjuntura, a potencialidade no

  • 21

    desempenho dos operadores. Com medo do desemprego os operadores se

    sujeitam s exigncias das empresas e s pssimas condies de trabalho.

    Presso, produtividade, competitividade, pssimas condies de trabalho,

    e controle so palavras constantemente utilizadas na literatura cientfica para

    descrever a lgica da atividade de telemarketing. Dentro desse quadro descrito

    esto os operadores, trabalhadores que sofrem efeitos diversos, de carter fsico,

    emocional e social. Entre esses efeitos, tem-se a disfonia.

  • 22

    1.2 Voz e Trabalho: a Disfonia como Efeito

    Segundo Souza e Ferreira (2000), na histria da humanidade sempre

    existiram indivduos que utilizaram profissionalmente a voz, como, por exemplo, o

    teatro e o canto constituindo manifestaes culturais e da voz em vrias pocas

    histricas , os famosos oradores da Grcia Antiga e os ensinamentos de

    tcnicas vocais empregadas h sculos.

    Para a autora, no sculo XX surgem os chamados profissionais da voz

    devido principalmente s inovaes na rea da comunicao e da criao do

    telefone, do rdio e da televiso, fatores que atriburam uma importncia ainda

    maior da oralidade no meio social. Trata-se de atividades nas quais o sujeito [...]

    para exercer a profisso, depende de sua voz, sendo esta um instrumento de

    trabalho (SOUZA; FERREIRA, 2000, p. 02).

    So, portanto, profissionais da voz cantores, professores, locutores,

    advogados, polticos, feirantes, atores, operadores de telemarketing, enfim,

    indivduos que, para realizar sua atividade laborativa, precisam ser eficientes na

    produo vocal, tanto qualitativamente (boa qualidade vocal), como para suprir a

    alta demanda vocal exigida. Para responder s necessidades da voz no trabalho,

    o profissional da voz deve adaptar a sua emisso habitual fazendo reajustes

    cabveis a cada atividade. No entanto, para tal, preciso conhecimento de

    tcnicas e cuidados vocais que esses trabalhadores ainda no adquiriram

    (BELHAU et al., 2005).

    Consoante Nogueira (2006), o trabalho em telemarketing tem como

    utilidade fornecer informaes acerca de produtos e servios aos clientes,

    existindo para esse fim como ferramenta potencial a voz humana, com o apoio

    tecnolgico de fones de ouvido e do computador.

    A voz determinada para o trabalho em telemarketing deve ser produzida

    por um eficiente mecanismo vocal, apresentando, ento, boa qualidade vocal com

  • 23

    ausncia de rouquido, modulao variada e no-excessiva, alm de no

    apresentar marcas acentuadas de regionalismo e de emoo (BEHLAU et al.,

    2001).

    Como ressalta Morey (2002), a voz no telemarketing constitui uma

    importante estratgia de venda, sendo uma boa voz artifcio imprescindvel na

    conquista da confiana do cliente. Um operador competente possui uma voz

    competente, e consegue, ento, utilizar corretamente a sua voz, modelando-a

    durante o dilogo com o cliente para transmitir confiana, autoridade, segurana e

    eficincia. Mesmo se voc falar com 800 pessoas por dia, o tom ntimo e

    cuidadoso em sua voz far a diferena na atitude da outra parte com relao a

    voc e sua empresa (MOREY, 2002, p. 05).

    Behlau et al. (2005) determinam o teleatendimento como uma profisso

    que exige essencialmente o raciocnio rpido, a inteligncia, a simpatia e

    habilidade comunicativa, devendo, portanto, o operador possuir um perfil

    especfico de voz e comportamento eficiente.

    No processo de produo do telemarketing, a voz, como instrumento

    fundamental de trabalho, precisa ser adaptada dinmica tcnica-organizacional,

    mesmo que nociva sade. Nesse nterim, segundo Nogueira (2006), a garantia

    da produtividade, da qualidade do trabalho e do controle do tempo (TMA) se d

    por meio do uso da voz, principalmente atravs da padronizao da entonao e

    do controle do contedo (script).

    A voz, tanto em termos fsicos quanto como mensagem, simplificada no

    processo de trabalho, reduzida a uma mera estratgia de produtividade. No

    telemarketing, concebido como um meio de produo, no h espao para a

    realizao comunicativa da ao vocal. Assim, padronizao da forma e contedo

    da voz, ao reprimir as relaes interpessoais no dilogo e as manifestaes

    emocionais, contribui para a robotizao do operador de telemarketing

    (NOGUEIRA, 2006).

  • 24

    Em decorrncia do uso excessivo da voz como instrumento de trabalho,

    somado situao permanente de tenso emocional, alguns sintomas

    relacionadas voz so observados em operadoras de telemarketing, como:

    fadiga vocal, rouquido, inflamao crnica da laringe e ndulos nas pregas

    vocais (NOGUEIRA, 2006).

    Extremas diferenas entre a qualidade vocal empregada na voz habitual e

    na voz profissional ou o uso prolongado da voz no trabalho podem promover uma

    sobrecarga no aparelho fonador e, como conseqncia, uma disfonia. Alm da

    demanda vocal excessiva, outros fatores colocam em risco a sade vocal, entre

    eles: competio sonora, acstica deficiente do ambiente de trabalho e

    inadequaes do mobilirio, dos equipamentos e da qualidade de ar (BEHLAU et

    al., 2005).

    Consoante Costa (2005), dentre as patologias de laringe que podem

    apresentar relaes com o trabalho est a disfonia, que pode ser caracterizada

    como uma doena relativa ao uso da voz no ambiente de trabalho. Em outras

    palavras, trabalhadores que utilizam a voz profissionalmente, como professores e

    operadores de telemarketing, esto mais susceptveis disfonia devido

    sobrecarga do aparelho fonador (BUSCH et al., 2005).

    A relao entre a disfonia e o trabalho foi apontada j no sculo XVII pelo

    mdico italiano Bernardino Ramazzini, conhecido como pai da medicina do

    trabalho. Em cantores e oradores, o uso excessivo da voz provocaria danos de

    diversas naturezas: alm da rouquido por esforo vocal, hrnias linguais

    oriundas do relaxamento dos msculos abdominais durante a respirao para o

    canto, corizas, cefalias em cantores com voz estridentes (RAMAZZINI, 2000).

    Pesquisas mais atuais levantam as principais queixas vocais e distrbios

    da voz presentes em profissionais da voz. A rouquido o principal sintoma vocal

    entre educadoras de oito creches de So Paulo dentre as 80% das trabalhadoras

    que referiram presena de alterao vocal (SIMES; LATORRE, 2006).

  • 25

    Em consonncia com esses dados, um estudo realizado entre estudantes

    do ltimo ano de licenciatura de uma instituio de ensino superior do Par

    revelou que 83% apresentaram sintomas relacionados ao uso inadequado da voz,

    como dor ou irritao ao falar, pigarro e rouquido (NETO et al., 2008).

    Em outra pesquisa, os profissionais da voz foram classificados de acordo

    com a demanda vocal exigida durante a realizao da atividade. Os operadores

    de telemarketing foram situados no nvel moderado, ou seja, com um uso

    contnuo da voz entre quatro a seis horas por dia (COSTA et al., 2000). Entre as

    queixas vocais desses trabalhadores esto a rouquido, as quebras de

    sonoridade, a dor, o ardor, a queimao e o ressecamento, todas relativas

    qualidade e sensibilidade da voz.

    Ao realizar classificao dos profissionais da voz quanto demanda vocal

    e tipo de voz, Vilkman (2000) ordena os operadores de telemarketing como

    profisso que exige alta demanda vocal e uma voz com grande resistncia.

    A disfonia compreendida como uma alterao vocal que no se refere

    aos marcadores sociais, culturais e emocionais, constituindo-se, logo, como um

    distrbio da comunicao oral na qual a voz encontra-se impossibilitada de

    cumprir com efetividade a transmisso da mensagem verbal e emocional do

    indivduo (BEHLAU; AZEVEDO; PONTES, 2001). Ampliando a definio

    supracitada, Le Huche e Allali (2005) determinam disfonia como [...] um distrbio

    momentneo ou durvel da funo vocal sentida como tal pelo prprio indivduo

    ou seu meio de convvio. (LE HUCHE; ALLALI, 2005, p. 59).

    Dentre as disfonias mais presentes em profissionais da voz est a disfonia

    funcional atribuda ao abuso ou mau uso prolongado da voz que, alm de

    prejuzos funcionais fonao, tambm pode promover o desenvolvimento de

    alteraes orgnicas secundrias, como os ndulos vocais. Esse tipo de disfonia

    normalmente se mantm por um perodo prolongado de tempo, podendo ser

    flutuante ou intermitente e possuindo desvios de fonao, entre eles: fadiga vocal,

    odinofonia, tenses na musculatura esqueltica, reduo da extenso dinmica

    da voz, alteraes ressonantais, rouquido, padro respiratrio inadequado,

  • 26

    qualidade vocal soprosa e spera, pobre sonoridade, pitch agravado e ataque

    vocal brusco (NAVAS; DIAS, 1998).

    A disfonia funcional apresenta trs causas principais: o uso indevido da voz

    que se refere utilizao de abusos vocais e/ou modelos vocais inadequados

    justificados pela falta de conhecimento do individuo falante quanto ao

    funcionamento normal da voz, as inadequaes vocais que so explicadas pelo

    fato de no existir no corpo humano um aparelho desenvolvido especificamente

    para a fonao, como exemplo tem-se a assimetria das pregas vocais e alguns

    tipos de fendas fisiolgicas, entre elas a triangular posterior presentes em

    mulheres, e as alteraes psicodistnicas (PINHO, 2003; BEHLAU; PONTES,

    1995). Segundo Pinho (2003), as alteraes psicodistnicas referem-se imagem

    vocal, corporal e social sobre o padro vocal incompatvel com a sade vocal,

    resultando uma disfonia. Como exemplo observa-se: a imagem vocal positiva que

    algumas mulheres possuem da voz agravada pela patologia vocal como edemas,

    divergncia entre a imagem corporal e esttica vocal em casos de mulheres altas

    com vozes de criana e a imagem social de que um executivo deve mudar sua

    voz, deixando-as mais graves para demonstrar autoridade.

    A sobrecarga no aparelho fonador, em outras palavras, o abuso vocal e o

    mau uso vocal, segundo Behlau et al. (2005), se evidencia em situaes e

    contextos adversos para a fonao, como uso da voz em ambientes ruidosos,

    falta de treino formal, presena de pigarro, tosse crnica e hidratao insuficiente.

    O abuso vocal consta de comportamentos vocais que podem desencadear

    traumas mecnicos nas pregas vocais e, assim, leses, entre eles esto: gritar,

    falar contra fundo de rudo elevado, tossir constantemente, pigarrear

    excessivamente, falar por perodo de tempo excessivamente longo, usar a voz

    excessivamente durante presena de edema e inflamaes larngeas (COLTON;

    COSPER, 1996; BOONE, 1994). O mau uso da voz definido como uso incorreto

    da voz e tem como manifestaes a tenso e esforo ao falar, o ataque vocal

    brusco e a constrico larngea ntero-posterior, como exemplos (COLTON;

    COSPER, 1996).

  • 27

    Alm da disfonia funcional, a disfonia funcional-orgnica e a disfonia

    orgnica possuem alguma relao com o trabalho (SOUZA, 2004). A disfonia

    funcional-orgnica corresponde a uma disfonia funcional diagnosticada

    tardiamente que desenvolveu, devido ao contnuo uso excessivo da voz, leses

    no revestimento das pregas vocais, como ndulos e plipos (BEHLAU &

    PONTES, 1995; BUSCH et al., 2005). J a disfonia orgnica tem sua origem

    independente do uso inadequado da voz e pode estar relacionada com

    inflamaes larngeas, fissura lbio-palatina, distrbios respiratrios, disfunes

    no sistema nervos e neoplasias (PINHO, 2003).

    preciso ressaltar que uma disfonia se apresenta no como resultado de

    uma causa nica, ao contrrio, o distrbio vocal caracterizado pela

    multifatoriedade causal de tipologia orgnica, estrutural ou psicognica. Nesse

    sentido, a disfonia decorrente de uma gama variada de determinantes que, cada

    um de forma especfica, contribui para a manifestao de problemas vocais

    (FERREIRA, 2004).

    Segundo Behlau e Pontes (1995), algumas disfonias apresentam-se como

    uma associao entre abuso vocal e quadros alrgicos. Os distrbios alrgicos,

    em especial a rinite alrgica, ao atingirem estruturas como nariz, ouvidos e

    garganta, comprometem o trato vocal e podem provocar comprometimentos na

    projeo vocal (OLIVEIRA, 2004). Como complementa a autora, em profissionais

    da voz as reaes alrgicas podem estar relacionadas exposio de certas

    substncias presentes no ambiente de trabalho, como poeira e elementos txicos.

    A alimentao pode ser um fator causal da disfonia na medida em que a

    ingesto de alguns tipos de alimentos, principalmente antes do uso da voz no

    trabalho, pode alterar a viscosidade da saliva e prejudicar, assim, a produo

    vocal ao estimular o aumento de suco gstrico e contribuir para o refluxo gstrico-

    esofgico (OLIVEIRA, 2004). Os principais alimentos que provocam o refluxo

    gstrico-esofgico so as bebidas a base de cafena, refrigerantes, condimentos,

    frituras e alimentos gordurosos, muitas vezes presentes no hbito alimentar dos

    profissionais da voz (FERREIRA, 2004; OLIVEIRA, 2004). Como afirma Oliveira

    (2004) alm da alimentao, o estresse profissional pode determinar o aumento

  • 28

    de suco gstrico e, consequentemente, o surgimento ou agravamento do refluxo

    gstrico-esofgico. Segundo Behlau (2005), o refluxo-esofgico pode promover o

    surgimento ou agravamento da disfonia, uma vez que o cido gstrico em contato

    com a laringe pode causar irritaes da mucosa das pregas vocais e leses na

    regio posterior da laringe.

    A falta de hidratao constante do corpo, e conseqentemente, das pregas

    vocais um importante fator que predispe disfonia. O ressecamento da

    mucosa do trato vocal e a no efetiva lubrificao da prega vocal acometem o

    funcionamento do processo fonatrio, fazendo com que, para se iniciar a fonao

    seja necessrio aumento da presso subgltica, o que gera agresses nas pregas

    vocais (DUPRAT; CAMPIOTTO, 2005). A hidratao significa eficincia fonatria

    e melhor flexibilidade e vibrao das pregas vocais, sendo indicado, ento,

    principalmente para profissionais da voz, a ingesto de 2 a 3 litros de lquido ao

    dia, de preferncia gua em temperatura ambiente, em pequenos goles e durante

    o uso da voz (AZEVEDO, 2004; FERREIRA, 2004).

    Bebidas geladas ou muito quentes no so indicadas para trabalhadores

    que utilizam a voz profissionalmente, o que justificado pelo choque trmico que

    essas bebidas podem causar ao organismo e, como conseqncia, edema na

    mucosa das pregas vocais, descarga de muco e problemas inflamatrios

    (FERREIRA, 2004). A mesma autora destaca que o ar condicionado, devido

    ao de resfriamento com reduo da umidade do ar, um fator condicionante de

    ressecamento do trato vocal e de problemas na voz.

    Inadequaes na postura corporal como problemas de alinhamento da

    cabea e do pescoo durante a fonao, bem como tenso de pescoo e da

    musculatura do trato vocal so responsveis por importantes alteraes no

    processo fonatrio, sendo comuns em profissionais da voz (OLIVEIRA, 2004).

    Conforme afirma a autora, alteraes posturais na cabea podem limitar os

    movimentos desta e tambm da mandbula, o que traz prejuzos produo

    vocal. Outras alteraes posturais podem refletir no funcionamento do diafragma,

    principalmente quando ele contrado, dificultando o apoio respiratrio para

    volume e projeo da voz.

  • 29

    Outro determinante do distrbio da voz, talvez o mais importante e

    observado, o excesso na demanda vocal. Segundo Duprat e Campiotto (2005) a

    demanda vocal representa a solicitao exigida ao aparelho fonador tanto nvel

    de tempo de uso da voz, quanto intensidade sonora. Ao se tratar de

    profissionais da voz, os autores afirmam que, algumas vezes, no h uso

    incorreto da voz do trabalhador durante a atividade produtiva, mas uma demanda

    vocal exagerada, sendo, nesses casos, necessrio conhecer o ambiente de

    trabalho no qual ocorre o uso profissional da voz. No ambiente de trabalho e nas

    atividades sociais observa-se fatores que podem determinar o aumento da

    demanda vocal, entre eles: competio sonora e feedback auditivo no-efetivo,

    que podem induzir a elevao da intensidade da voz.

    Segundo Oliveira (2004), a necessidade de demanda vocal e as condies

    para permitir o uso profissional da voz devem ser observadas para possibilitar

    orientaes de cuidado com a voz. Entre as condies destacadas pela autora,

    esto: tempo de uso, distribuio desse tempo ao longo da jornada semanal de

    trabalho (se distribudo equitativamente ou se exigida maior demanda em

    determinados dias), o ambiente fsico, emprego de volume de voz e a tendncia

    de desidratao e reposio hdrica no trabalho. A disfonia, nesse sentido, estaria

    relacionada s condies imprprias para a produo saudvel da voz, como

    presena de rudo ambiente, acstica ruim, exposio poeira, calor excessivo e

    ar condicionado (OLIVEIRA, 2004).

    Outros fatores que merecem destaque so: falta de preparo fsico e

    presena de alteraes cardio-respiratrias que podem favorecer o cansao

    vocal, distrbios do sono, uso de medicamentos com vasoconstrictores,

    vasodilatadores e aqueles que provocam ressecamentos de mucosas do corpo,

    ingesto de bebidas alcolicas que alm de irritarem a mucosa do trato vocal,

    ainda possuem efeito anestsico, mascarando dores e esforos vocais, uso de

    pastilhas, sprays e drops pelo mesmo motivo citado anteriormente, fumo e drogas

    que so substncias que irritam o trato vocal e predispem a laringe aos edemas,

    e distrbios otolgicos como zumbido, tonturas e perdas auditivas que prejudicam

    o monitoramento da voz (FERREIRA, 2004; BEHLAU; PONTES, 1995).

  • 30

    Souza (2004) levanta os principais fatores de risco para a presena da

    disfonia no trabalho, a saber: ambiente de trabalho com nvel de presso sonora

    acima de 65 dB, desconforto e ventilao inadequada e ar condicionado,

    exposio a produtos qumicos, fumaa e poeira, riscos ergonmicos como

    inadequao dos mobilirios e da acstica do ambiente, bem como falta de gua

    potvel e banheiros de difcil acesso e a organizao do processo de trabalho. Os

    determinantes relacionados organizao do trabalho, para a autora, so,

    principalmente, jornada prolongada, acmulo de funes, excessiva demanda

    vocal, ausncia de pausas e descansos, ritmo de trabalho acelerado, presso,

    falta de autonomia nas atividades e insatisfao com o trabalho.

    Rondina (2005) explica a fisiopatologia da disfonia por mal uso vocal

    atravs de estudo com autores. Os distrbios da voz surgem devido utilizao

    de uma musculatura que nunca foi usada e nem preparada para tal trabalho. Esse

    tipo de mudana causa fadiga orgnica, pois a musculatura passa a funcionar

    indiscriminadamente e o corpo todo comea a trabalhar num processo sofrido

    para a obteno de uma voz (RONDINA, 2005).

    Algumas pesquisas tentam levantar as principais queixas vocais e

    determinantes de disfonia na atividade de telemarketing. Serrano e Ferreira

    (2002) pesquisaram o impacto da disfonia ocupacional na qualidade de vida de

    operadoras ativas e receptivas de telemarketing, por meio do questionrio VHI

    (Voice Handicap Index/ ndice de Capacidade Vocal). Para tal, determinaram

    pesquisar apenas mulheres pela prevalncia desse gnero entre os tele-

    operadores e devido configurao especfica do trato vocal feminino que

    predispe s alteraes da voz. As principais queixas vocais atribudas pelas

    operadoras ativas foram a perda da voz e a rouquido, enquanto que, para as

    operadoras receptivas, as mais citadas foram perda da voz, dor de garganta, e

    rouquido seguida de perda da voz. Na pesquisa, verificou-se a existncia de

    impactos da disfonia no dia-a-dia das tele-operadoras, em especial nas ativas,

    envolvendo aspectos fsicos (muito esforo para falar, voz desaparece na metade

    da conversa), funcionais (quando as pessoas pedem para repetir, quando esto

    conversando pessoalmente) e emocionais (quando ficam envergonhadas quando

  • 31

    as pessoas falam para repetir) que interferem na qualidade de vida dessas

    mulheres.

    Beraldin et al. (2005) levantaram as principais sensaes vocais

    relacionadas ao uso profissional da voz e ao abuso vocal durante o trabalho de

    operadores de telemarketing. Entre as disestesias mais citadas esto: secura,

    fadiga, rouquido, arranhamento e pigarro. Outras sensaes, como dor, coceira,

    dificuldade para engolir, bola na garganta, voz abafada, ardncia, queimao,

    estrangulamento e picada, podem apresentar relao direta com o abuso vocal

    em ambientes de trabalho com ar condicionado e jornada intensiva (entre seis e

    oito horas dirias), mesmo que o operador faa ingesto constante de gua

    potvel.

    Ainda segundo Beraldin et al. (2005), a maioria dos tele-operadores

    pesquisados possua o hbito de consumir quantidades adequadas de gua

    potvel, contudo, em temperatura muito baixa, prtica esta que pode promover

    edemas de mucosa, pigarro e problemas inflamatrios. Quanto a outros hbitos

    que podem interferir na voz, a maioria no fumava ou fazia uso de bebidas

    alcolicas e quase metade dos operadores (49,47%) consumia caf regularmente.

    As orientaes de cuidados com a voz, seguidas pelos operadores, foram

    transmitidas por colegas e amigos e muitos no conheciam o trabalho do

    fonoaudilogo e no tiveram acesso fonoterapia.

    Belhau et al (2005) cita os principais critrios clnicos de diagnstico da

    disfonia em profissionais da voz. A avaliao da voz profissional inclui realizao

    de anamnese com informaes a cerca do uso da voz no trabalho, avaliao

    comportamental vocal (anlise perceptivo-auditiva) que descreve a qualidade

    vocal, padro respiratrio, a articulao dos sons da fala e aspectos globais da

    comunicao, avaliao acstica que detalha a funo vocal e a avaliao

    otorrinolaringolgica (videolaringoscopia). Profissionais da voz com disfonia

    podem apresentar diferenas extremas entre a qualidade vocal empregada na voz

    habitual e na voz profissional, tenses musculares especficas como na

    musculatura supra-hiidea, alterao na qualidade da voz, desequilbrio na

  • 32

    ressonncia e na projeo vocal, presena de leses na regio das pregas vocais

    (ndulos, cistos, edemas e outros).

    Guimares (2004) define como disfonia laboral as alteraes vocais

    advindas da utilizao excessiva do sistema msculo-esqueltico no trabalho, o

    que pode causar mudanas no padro vocal do trabalhador e, por conseguinte,

    Leses por Esforo Vocal Repetitivo (LEVR), a exemplo do que ocorre com a

    LER-DORT (Leso por Esforo Repetitivo: Distrbios Osteomusculares

    Relacionados ao Trabalho). A LEVR, muito comum em operadores de

    telemarketing, pode vir acompanhada de: sensao de peso na garganta; dores

    no pescoo, cabea, articulaes temporomandibulares e garganta; rouquido;

    ardncia; tempo de fonao reduzido; diminuio na extenso vocal; cansao

    fsico; estresse; respirao curta; sensao de enrijecimento muscular; e

    formigamento na regio do pescoo e dos ombros. No entanto, essa abordagem

    ainda se mostra restrita por no definir como marco central de anlise o processo

    de trabalho de telemarketing.

    Tomando como referncia a Comisso Tripartite de Normatizao para a

    Voz Profissional do Ministrio do Trabalho e do Emprego, Almeida (2005) define a

    disfonia como o principal sintoma clnico das laringopatias relacionadas ao

    trabalho. As laringopatias relacionadas ao trabalho se referem ao conjunto de

    doenas da laringe e da faringe que acometem profissionais que utilizam a voz

    como instrumento de trabalho.

    Baseada em uma concepo mais ampliada de sade do trabalhador,

    compreendendo, ento, a doena provocada pelo trabalho como efeito no do

    comportamento individual do trabalhador, mas sobremaneira da organizao do

    trabalho e das condies da atividade produtiva, Souza (2004) define a Disfonia

    como efeito do trabalho, ou, sendo mais fiel autora, o Distrbio de Voz

    relacionado ao trabalho: Entende-se por Distrbio de Voz Relacionado ao Trabalho qualquer alterao vocal diretamente relacionada ao uso da voz durante atividade profissional que diminua, comprometa ou impea a atuao e/ou comunicao do trabalhador (SOUZA, 2004, p. 06).

  • 33

    Mesmo reconhecida historicamente e fundamentada cientificamente, a

    disfonia relacionada ao trabalho no reconhecida pelo Ministrio da Sade e da

    Previdncia Social como doena do trabalho, segundo a Portaria/MS no.

    1.339/1999,a qual reconhece 200 patologias relacionadas ao trabalho. Os estudos

    cientficos e a discusso poltica sobre o termo Distrbio de Voz Relacionado ao

    Trabalho visam justificar a criao de uma norma tcnica da Previdncia Social

    atribuindo disfonia carter de doena relacionada ao trabalho, afirmando o nexo

    causal entre a disfonia e o trabalho.

    O telemarketing constitui-se como uma atividade produtiva na qual a voz

    apresenta-se como instrumento fundamental de trabalho. O uso profissional da

    voz no telemarketing realizado em condies de trabalho inadequadas, como

    excesso de demanda vocal e controle do tempo e do contedo do uso da voz,

    desencadeia um efeito sobre a qualidade desse instrumento. A disfonia, como

    uma doena do telemarketing, pode interferir na atividade do operador no

    teleatendimento na sua relao com o trabalho, na famlia e seu grupo social.

    Nesta pesquisa ser adotado o termo disfonia para se referir aos distrbios

    vocais relacionados ao trabalho, presentes nos operadores de telemarketing. Tal

    escolha se justifica principalmente pelo uso de tal nomeao entre os prprios

    operadores.

  • 34

    1.3 A Voz que Diz: Voz Definida como Linguagem

    Entendendo as vrias concepes que norteiam a discusso de linguagem, e

    ainda a prtica fonoaudiolgica, Mrtz (2004) prope trs perspectivas de

    definio para a voz, a saber: como produo orgnica do som, como elemento

    supra-segmental e como constituinte da interao vocal.

    A primeira linha caracteriza a voz como produo fisiolgica do som para

    promover a fala, ou seja, a um processo de ao mecnica de estruturas do

    sistema respiratrio e digestivo, com o auxilio do controle neuromuscular e das

    propriedades viscoelsticas das pregas vocais; em resumo: a gerao de som na

    glote por meio das vibraes das pregas vocais (NEMETZ et al.; 2005). A voz

    enquanto manifestao sonora identificada como mero suporte para a

    linguagem oral e, ento, as alteraes da voz so desvios da voz normal,

    devendo ser adaptadas ou adequadas desconsiderando os sentidos da voz

    atribudos pelos sujeitos (MRTZ, 2004).

    Ainda segundo a autora supracitada, a voz tambm tende a ser compreendida

    como um elemento supra-segmental fala, cumprindo a funo marginal de

    modelar a linguagem oral atravs de mudanas do tom e das curvas

    entonacionais. Assim, o uso da voz deve seguir as normas da oratria, como

    realizar entonaes de pergunta, afirmao, a acentuao das palavras e a

    pontuao das frases. O foco da voz continua sendo a normatizao e adequao

    da fala, e no h questionamento quanto [...] aos variados modos expressivos do

    cotidiano do paciente, que incluem alteraes e desvios em relao ao padro

    (MRTZ, 2004, p. 243).

    A terceira perspectiva, defendida por Mrtz (2004) como a mais coerente, dita

    a voz como parte inerente da linguagem. O componente nuclear da comunicao

    humana, a voz, se manifesta por meio de suas caractersticas fsicas e

    emocionais, inserida no tempo e no espao, e, portanto, influenciada pelo meio

    social, que integra e modifica a sua ao (PETTER, OLIVEIRA; FISCHER, 2006).

  • 35

    Nesse nterim, a linguagem, tendo a voz como constituio, descreve-se como um

    produto social.

    Definir a voz como produto social requer duas discusses essenciais, a da

    origem e ontologia da linguagem e acerca da funo que lhe imposta pela

    sociedade de classes. Sendo social, a linguagem marcada pelas caractersticas

    de seu tempo e pela forma como a sociedade organizada para produzir a vida,

    portanto suas marcas so as contradies sociais e os conflitos ideolgicos

    (CARBONI; MAESTRI, 2005).

    Marx e Engels (2005) traam a concepo social da linguagem ao relacion-la

    com a conscincia e ao dar-lhe sentido histrico de necessidade humana. Engels

    (2005), completando essa concepo, esclarece a origem da linguagem: a

    necessidade de dizer algo ao outro a fim de melhor organizar e predizer o

    trabalho. Destaca-se em Marx e Engels (2005): A linguagem to antiga quanto a conscincia a linguagem a conscincia real, prtica, que existe tambm para os outros homens e que, assim existe igualmente para mim; e a linguagem surge com a necessidade da incompletude, da necessidade dos intercmbios com os outros homens. Onde existe uma relao, ela existe para mim (MARX; ENGELS, 2005, p. 56).

    O outro ponto a ser destacado a determinao da estrutura social sobre a

    linguagem que se expressa, sobretudo, na relao entre a linguagem, conscincia

    (subjetividade individual) e ideologia (subjetividade coletiva). Na sociedade

    capitalista, a ideologia dominante, ou seja, a conscincia de mundo dita como

    inalienvel e nica nas relaes sociais, a ideologia da classe dominante

    (MARX; ENGELS, 2005). Bakhtin (2004) amplia essa definio marxiana ao

    defender que a linguagem [...] a arena onde se desenvolve a luta de classes

    (BAKHTIN, 2004, p. 46) e, por isso, reflete e refrata a realidade, alienando-a.

    Nesse sentido a linguagem no apenas uma ferramenta de descrio do

    mundo. A linguagem e, estreitamente junto a ela, a voz, expressam, segundo

    Carboni e Maestri (2005), concepes de mundo e, assim, sentidos conflituosos

    de conservao e resistncia sobre o social.

  • 36

    A relao lingstica entre seu aspecto sonoro e seu contedo apresenta-se

    no como unvoca ou neutra, mas de forma complementar e interdependente,

    sendo resultado da histria das contradies sociais. Em outras palavras, a

    linguagem ou o signo lingstico [...] profundamente determinados pelos

    contedos sociais que os engendraram, ao preservarem por meio da histria,

    assumem inevitavelmente novos contedos e determinaes, permanecendo,

    porm, mais ou menos prenhes dos sentidos ensejados pela realidade e

    experincias sociais que os produziram (CARBONI; MAESTRI, 2005, p. 60).

    Seguindo a concepo de linguagem defendida anteriormente, nessa

    pesquisa a voz ser concebida como linguagem oral e, portanto, um fenmeno

    social. O uso da voz no telemarketing determinada pela realidade social, mais

    precisamente pela funo que o telemarketing exerce no mundo do trabalho: a

    comunicao entre a empresa e o mercado. Essa comunicao realizada pelo

    operador que diz sobre a venda e assim transforma as ligaes em informaes

    importantes para a acumulao de capital. Todo esse processo garantido pelo

    uso da voz, o instrumento de trabalho e de comunicao do trabalhador. Definir a

    voz como linguagem afirmar que seu uso no telemarketing est marcada pela

    necessidade de comunicao da empresa.

    A disfonia, ento, se apresenta como resultado da voz como meio de

    comunicao do telemarketing, uma voz que precisa ser competente e eficiente,e,

    por isso, sofre conseqncias da rigidez da organizao do trabalho. Nesse

    nterim, a ampliao do conceito de voz permitir compreender os significados da

    disfonia para os operadores de telemarketing alm do nvel fisiolgico, abarcando,

    tambm, a realidade sociocultural, o mundo do trabalho e a vida social.

  • 37

    1.4 Disfonia e seu Significado

    Poucas pesquisas levantam o significado da disfonia entre os profissionais

    da voz, entre estas est a de Petroucic e Friedman (2006). Essas autoras

    investigaram os sentidos da perda da voz entre profissionais da voz (radialista e

    professor de radialismo, cantor de banda de rock, professora de portugus,

    professora do ciclo bsico do ensino fundamental, cantor e compositor de msica

    popular, e radialista) e no-profissionais da voz (diarista, mdico radiologista,

    profissional de informtica, farmacutico, metrovirio e cabeleireira), com ou sem

    presena de queixa vocal. Como resultado, as autoras perceberam que os

    sujeitos com queixa vocal atriburam maior sentido negativo perda da voz e

    afirmaram uma relao entre as queixas vocais e o estado afetivo. Tambm esses

    sujeitos referiram maior cuidado com a voz e doenas relacionadas aos

    problemas da voz. Os profissionais da voz foram os que relataram a necessidade

    da voz para o trabalho e maior preocupao com o cuidado com a voz.

    Pode-se inferir, nesse sentido, que a compreenso dominante sobre a

    disfonia ainda deveras marcada pelo saber biomdico. Segundo Helman (1994),

    as profisses de sade possuem uma concepo particular do processo de

    sade, preservando teorias e valores prprios sobre as doenas e seus sintomas.

    A endoculturao, eminentemente influenciada pela racionalidade cientfica,

    estabelece que as informaes e hipteses sobre as doenas devem ser testadas

    e comprovadas objetivamente (HELMAN, 1994).

    Nesse sentido, Cassel apud Helman (1994) sugere o termo illness,

    diferenciando do termo biomdico disease (enfermidade), para nomear a doena

    percebida e interpretada pelo paciente. Torna-se, portanto, a partir dessa

    perspectiva, importante a compreenso das doenas para alm de seus sinais e

    sintomas fisiolgicos, englobando, assim, as dimenses sociais, objetivas e

    subjetivas dos indivduos que sentem e significam a doena. A sade e a doena

    apresentam manifestaes e efeitos no corpo e tambm no imaginrio do

    indivduo e do grupo social ao qual este faz parte (MINAYO, 2006).

  • 38

    Consoante a definio de Barthes (1992), o significado um dos

    componentes do signo, que atribui conceito imagem o significante - do signo.

    O significado no um ato de conscincia, muito menos a realidade em si, ou

    seja, [...] no uma coisa, mas uma representao psquica da coisa

    (BARTHES, 1992, p. 46). Geertz (1987), baseado em Weber, dispe uma relao

    entre o significado e a cultura: [...] o homem um animal amarrado em teias de

    significados que ele mesmo teceu [...] a cultura como sendo essas teias e a sua

    anlise (GEERTZ, 1987, p. 15). Ainda segundo esse autor, cultura e significado

    so aes pblicas, portando, construdas socialmente e historicamente e

    compartilhadas nos grupos sociais. Segundo Minayo (2006), a realidade social

    marcada pela relao dialtica, portanto, indissocivel entre o pensamento e o

    mundo material, ou seja, entre o sujeito histrico e as determinaes sociais.

    Como a subjetividade, assim como a ao concreta, pertence ao mundo social, a

    autora defende a [...] incluso dos significados na totalidade histrica-estrutural

    (MINAYO, 2006, p. 26).

    O significado de operadores de telemarketing sobre a disfonia o eixo

    central dessa pesquisa. Para tanto, torna-se imprescindvel situar duas questes,

    a saber: a fala enquanto manifestao social e o operador como sujeito que

    significa seu cotidiano.

    A principal premissa da linguagem que esta eminentemente um

    fenmeno social e, por essa caracterstica, apresenta-se como um produto da

    sociedade e do momento histrico da realizao lingstica. Assim, muito alm de

    um cdigo lingstico que veicula informaes de um sujeito, a linguagem significa

    o mundo e a vida. pela linguagem que a viso de mundo se materializa e

    atravs dela e por ela as idias, pensamentos e ideologia so reafirmados pelo

    homem, sujeito concreto, social e histrico (COSTA, 2000).

    Para Freire (1994), o dilogo, prxis social, significa um encontro de

    mulheres e homens que busca pronunciar o mundo. Sendo reflexo e ao social,

    assim, o dilogo no se reduz a uma relao entre duas pessoas; , sim, um falar

    do mundo entre homens e mulheres, num processo mediado pelo mundo. [...] o

  • 39

    dilogo se impe como caminho pelo qual os homens ganham significao

    enquanto homens. Por isso, o dilogo uma exigncia existencial (FREIRE,

    1994, p. 45).

    A viso do mundo do sujeito falante, que exteriorizada pela linguagem,

    no se realiza como mera obra subjetiva, como insistem alguns lingistas e

    filsofos da linguagem, mas como um produto determinado pela realidade

    objetiva. Como Bakhtin (2004) afirma, o signo lingstico, representado pela

    palavra, reflexo da organizao da sociedade, ou seja, como homens produzem

    suas relaes materiais e subjetivas: o modo de produo e organizao do

    trabalho.

    Nesse nterim, sendo a conscincia um reflexo das relaes sociais

    (MARX; ENGELS, 2005), preciso, ao ouvir as manifestaes lingsticas dos

    operadores de telemarketing, compreender a vida objetiva que norteia suas

    experincias e suas falas. Surge a necessidade de situar o operador como sujeito

    social que possui suas vivncias cotidianas, entre elas a experincia com a

    disfonia, e sua subjetividade permeadas pelo desenvolvimento histrico da

    sociedade.

    Os sujeitos da pesquisa sero considerados trabalhadores, uma vez que

    devido sua condio de classe que trabalha que os operadores, ao utilizarem a

    voz como instrumento inexorvel da atividade produtiva, apresentam disfonias.

    Como classe trabalhadora entende-se, dentro de uma concepo ampliada de

    trabalho capitalista, a classe constituda de homens que, por no deterem dos

    meios de produo, vendem sua fora de trabalho para o capital em troca do

    salrio.

    A classe trabalhadora possui, como base central, o proletariado que,

    segundo Antunes e Alves (2004), abarca a todos os assalariados que participam

    da criao da mais-valia, incluindo o proletrio rural e os trabalhadores

    improdutivos os do setor de servios e os desempregados.

  • 40

    Como descrito, os operadores, ao atriburem significado sade e

    disfonia diro muito alm de simples palavras, mas sobretudo valores e saberes

    prprios sua classe e, assim, manifestaro sua essncia de sujeitos falantes e

    trabalhadores. Seguindo essa linha, para Minayo (2004) a classe trabalhadora

    [...] se afirma no ato de transformar a natureza e produzir, na marca que deixa

    nos objetos construdos, no seu estilo de resistir e se subornar ao capital, de viver

    e se reproduzir e nos bens simblicos que so a expresso do seu modo de

    pensar o mundo em que vive (MINAYO, 2004, p. 67).

  • 41

    2.5 Sade do Trabalhador: relao entre o trabalho e a sade

    A sade do trabalhador, enquanto campo de atuao poltico e social, se

    preocupa em compreender a relao entre sade e trabalho para alm da

    abordagem ambientalista caracterstica da sade ocupacional e positivista da

    medicina do trabalho que visava prioritariamente a manuteno da fora de

    trabalho. Ampliando essas concepes, a sade do trabalhador se estabelece

    como novo paradigma no campo da sade pblica, com influncia das cincias

    scias e da teoria marxista (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997) e, assim,

    se configura como [...] um esforo de compreenso deste processo [processo sade e doena dos grupos humanos em sua relao com o trabalho] como e porque ocorre e do desenvolvimento de alternativas de interveno que levem transformao em direo apropriao pelos trabalhadores da dimenso humana do trabalho, numa perspectiva teleolgica (MENDES; DIAS, 1991, p. 347).

    Para tal, a anlise sobre o processo sade e doena dos trabalhadores

    tem como centralidade o conceito de processo de trabalho. Faz-se necessrio

    aqui fazer uma pequena explorao dos conceitos de trabalho e processo de

    trabalho.

    O trabalho, mais do que uma fonte de riqueza, significa a base fundante do

    homem enquanto ser social (MARX; ENGELS, 2005). Em outras palavras, pelo

    e atravs do trabalho que o ser homem se faz Homem, se humaniza. O homem

    de hoje, e tambm, de ontem e de amanh, reflexo da forma como este

    modifica a natureza, ou seja, como organiza o trabalho e, conseqentemente, a

    sociedade atravs da histria.

    A definio acima descrita refere-se a um conceito de trabalho concreto

    definido por Karl Marx como [...] uma condio de existncia do homem,

    independente de toda a forma de sociedade, eterna necessidade natural da

    medio do metabolismo entre o homem e a natureza e, portanto, da vida

    humana (MARX, 1988, p. 50). Segundo o autor, alm do trabalho concreto existe

  • 42

    uma outra forma de trabalho, o abstrato, ambos apresentando suas distines:

    enquanto o primeiro produz o valor de uso do produto do trabalho, constituindo-se

    uma atividade socialmente til, o segundo responsvel pelo valor de troca da

    mercadoria, restringindo-se a mero dispndio de fora de trabalho.

    No modo de produo capitalista o trabalho perde sua funo plena de

    formao do homem, sendo agora um fator de alienao. A explorao do

    trabalho coisifica o indivduo, submetendo sua fora de trabalho condio de

    mera mercadoria, vendvel e lucrativa (MARX, 2005). Ainda segundo o autor, o

    trabalho se torna um objeto estranho e exterior ao trabalhador e,

    conseqentemente, um poder autnomo e de oposio a ele, alienando-o. Pela

    ordem do capital, o trabalho perde seu significado emancipatrio e assume um

    outro sentido, o de sacrifcio. Assim, o trabalho sacrifcio, uma prxis negativa,

    na qual o indivduo se nega, sente-se infeliz e escravizado.

    O trabalho reduzido a sacrifcio pode ser visualizado na transformao da

    fora de trabalho em mercadoria. A categoria fora de trabalho pode ser assim

    explicada: "conjunto das faculdades fsicas e espirituais que existem na

    corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele pe em movimento

    toda a vez que produz valores de uso de qualquer espcie (MARX, 1988, p. 135).

    Em outras palavras, consta da capacidade fsica e intelectual do homem em

    modificar a si e a natureza, produzindo bens que satisfaam suas necessidades

    concretas. No trabalho explorado, a fora de trabalho desfigurada, sua principal

    funo possibilitar a acumulao do capital e a extrao da mais valia. Para o

    trabalhador, sua capacidade de trabalho trocada por salrio, para o capitalista o

    uso da fora de trabalho do trabalhador gera lucro.

    A mais valia (o lucro do capitalista) se origina do trabalho no remunerado

    pelo capitalista, constituindo-se, assim, da diferena entre o valor produzido pelo

    trabalhador e o salrio recebido pelo trabalho. O aumento da taxa de lucro pode

    se estabelecer mediante a intensificao da explorao da fora de trabalho,

    atravs do prolongamento da jornada de trabalho e reduo do salrio (aumento

    da mais valia absoluta) e/ou aumento da capacidade produtiva e produtividade

    (aumento da mais valia relativa) (MARX, 1988).

  • 43

    O processo de trabalho se d dentro dessa lgica, a saber; a da utilizao

    da fora de trabalho para produzir mercadorias e mais valia, para benefcio

    exclusivo do capitalista. De forma didtica, o processo de trabalho pode ser

    composto dos seguintes elementos: atividade orientada a um fim, objeto e meios

    de produo (MARX, 1988). O primeiro consta do trabalho propriamente dito, o

    seguinte, objeto, se defini como coisas necessrias para o processo de

    transformao pelo trabalho, so exemplos a matria-prima ferro e a terra. Os

    meios de trabalho so os instrumentos, os equipamentos e as tecnologias, que

    mediam a transformao do objeto em produto final.

    Na sociedade capitalista, a subordinao do trabalho ao capital orienta o

    modo de produo e o processo de trabalho. O trabalhador produz sobre o

    controle o capitalista e o produto final desse trabalho pertence unicamente a

    comprador da fora de trabalho. Permeado por essas leis, o processo de trabalho

    se apresenta como um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre

    coisas que lhe pertencem (MARX, 1988, p. 147).

    A partir dessa concepo, Braverman (1987) critica as anlises

    hegemnicas que caracterizam o processo de trabalho como simples modo

    tcnico de produo de bens. Para o autor torna-se necessrio visualizar a

    maneira pela qual o processo de trabalho orientado para a acumulao de

    capital. Para a sade do trabalhador, tal constatao de extrema importncia,

    uma vez que o desgaste da fora de trabalho decorrente desse processo tem

    efeitos dramticos na sade do trabalhador.

    O trabalhador tem sua sade prejudicada durante e pela atividade

    produtiva. Como qualquer ferramenta de produo, a fora de trabalho pode se

    desgastar, tendo sua sade fragilizada, como conseqncia do trabalho. A

    precarizao e explorao do trabalho, visualizadas na intensificao do ritmo de

    trabalho e do excesso de horas na jornada, so fatores desencadeantes do

    estado de precarizao da sade do trabalhador (ABRAMIDES; CABRAL, 2003).

  • 44

    A relao sade e trabalho depende da configurao do mundo do trabalho.

    As mudanas no processo e trabalho e na organizao do trabalho oriundos da

    reestruturao produtiva promoveram alteraes sade do trabalhador. A

    flexibilizao da produo, marcada pela precarizao do trabalho nas condies

    de execuo das tarefas e na contratao, e as novas formas de organizao e

    controle refletem exigncias de ritmos, de produtividade e de capacitao e

    disciplina dos trabalhadores (ASSUNO, 2003). Tal realidade implica em

    desgastes fsicos e mentais devido hipersolicitao da fora de trabalho.

    No taylorismo, a organizao do trabalho o principal responsvel pela

    degradao da sade do trabalhador. A fragmentao das tarefas, a falta de

    autonomia na realizao destas e a rgida padronizao, caractersticas desse

    modelo de produo, promovem sofrimento mental nos trabalhadores, como o

    medo e a monotonia (MERLO; LAPIS, 2007).

    Como exemplo dessa situao est a sade dos operadores de

    telemarketing. O rpido desenvolvimento da tecnologia e os acelerados ritmos de

    trabalho que dem conta das metas e dos prazos tornam-se fatores que

    influenciam o surgimento e a presena das queixas de sade no trabalho. Nesse

    nterim, o esforo fsico e cognitivo assumido pelo trabalhador objetivando

    alcanar a meta de produtividade, somados s pssimas condies de trabalho e

    cobrana de qualidade, so responsveis pelas queixas de cansao desses

    trabalhadores (VILELA; ASSUNO, 2004). Compartilhando esta viso, Glina e

    Rocha (2003) afirmam a existncia de sobrecarga fsica, emocional e cognitiva

    nos operadores de telemarketing, situao esta que contribuiu para a falta de

    sade no ambiente de trabalho.

    As principais doenas ou agravos na sade fsica e psicolgica dos

    operadores so as leses musculares, como a LER-DORT, dores musculares,

    secura de garganta, rouquido, perda auditiva, irritao nos olhos e vias nasais,

    nuseas, tonturas, irritabilidade, dificuldade de concentrao e memria,

    ansiedade e depresso (NOGUEIRA, 2006).

  • 45

    Esta pesquisa est teoricamente baseada na corrente da sade do

    trabalhador, o que justifica e situa a anlise do processo de trabalho como ponto

    determinante e essencial para a compreenso da sade vocal dos operadores de

    telemarketing. Atendendo ainda a essa teoria, a subjetividade e leitura de mundo

    do operador constituem-se como fator fundamental para a construo de

    conhecimentos a cerca da relao disfonia e trabalho.

    Aps a fundamentao terica a cerca da disfonia e sua relao com o

    trabalho de telemarketing, bem como a discusso sobre os significados da

    doena, a nvel biolgico, econmico e cultural, surge a necessidade da

    observao e anlise emprica da disfonia em operadores. O que tem a dizer

    esses trabalhadores sobre a sua voz disfnica? Quais os significados que os

    operadores de Telemarketing atribuem disfonia?

    A parte seguinte descreve os objetivos da pesquisa, a seo 3.0 detalha o

    mtodo adotado visando atender os objetivos propostos.

  • 46

    2.0 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo Geral:

    Compreender os significados da disfonia para operadores de

    Telemarketing atendidos no ambulatrio de doenas do trabalho do

    SINTTEL, em Salvador BA.

    2.2 Objetivos Especficos:

    Compreender o uso da voz pelo operador de telemarketing e as condies

    para seu uso, enquanto fatores determinantes no processo de disfonia.

    Entender as conseqncias da disfonia para o operador de Telemarketing,

    tanto na relao com o trabalho como na vida social.

  • 47

    3.0 MTODO

    Para realizar o objetivo proposto na pesquisa, a anlise qualitativa a mais

    indicada, vez que este estudo visa descrio e o entendimento de fenmenos

    em sua complexidade e totalidade (GODOY, 1995).

    Segundo Gaskell (2003), a entrevista semi-estruturada tem suma

    importncia na pesquisa social por possibilitar a compreenso do mundo da vida

    dos sujeitos da pesquisa. Atravs do uso dessa tcnica obtida a produo de

    esquemas interpretativos das narrativas desses sujeitos e, portanto, as diversas

    opinies sobre um determinado assunto.

    sobre esta lgica da metodologia qualitativa que este trabalho cientfico

    se apia, ao estudar os significados de operadores de telemarketing atribudos

    disfonia. Para tanto sero utilizadas tambm a tcnicas de observao

    participante e os instrumentos: roteiro para entrevista semi-estruturada, gravador

    e dirio de campo.

    3.1 Participantes

    A pesquisa foi realizada na sede do SINTTEL - BA, Sindicato dos

    Trabalhadores em Telecomunicaes do Estado da Bahia. Dentro de um universo

    de 2000 trabalhadores/ ano que procuram o ambulatrio de doenas do trabalho

    do SINTTEL, foram includos como sujeitos da pesquisa operadores de

    telemarketing, ativos e receptivos, que apresentam queixa vocais. A tabela a

    seguir ilustra alguns dados relevantes dos sujeitos entrevistados:

  • 48

    Operador Idade Setor de trabalho

    Situao no momento da entrevista

    Tempo de trabalho

    Caractersticas da disfonia

    A.M. 34 Atendimento

    Receptivo:

    102

    (auxlio a

    lista).

    Demitido

    em 2007.

    4 anos. Presena de

    ndulos e

    edema. Queixa

    de rouquido,

    quebras de

    vocalizao,

    cansao vocal.

    M.P. 32 Atendimento

    Receptivo:

    Telefonia.

    Agente

    Virtual.

    Demitido

    em agosto

    de 2007.

    2 anos e 9

    meses.

    Presena de

    ndulos. Queixa

    de rouquido,

    quebras de

    vocalizao e

    odinofonia.

    C.L. 23 Atendimento

    Receptivo:

    Telefonia.

    102

    (auxlio a

    lista).

    Demitido

    em 2007.

    1 ano e 8

    meses.

    Sem presena

    de alteraes

    orgnicas.

    Afonia por 3

    meses. Queixa

    de cansao

    vocal, quebras

    de vocalizao

    e perda sbita

    da voz.

    F.R. 39 Atendimento

    receptivo e

    Ativo:

    Afastado

    (CAT)

    3 anos e 9

    meses

    Presena de

    plipos. Queixas

    de tosse

    constante,

  • 49

    Carto de

    crdito.

    cansao vocal,

    quebras de

    vocalizao.

    S.A. 65 Atendimento

    receptivo:

    Telefonista

    Auxilio a

    lista.

    Aposentado

    .

    15 anos. Queixa de

    rouquido e

    odinofonia.

    P.E.

    45 Atendimen

    to

    receptivo e

    ativo:

    telefonia.

    Afastado. 4 anos e 6

    meses.

    Queixa de

    rouquido e

    constante falta

    de ar.

    B.R. 25 Atendimento

    receptivo:

    telefonia.

    Pediu demisso.

    9 meses. Queixa de

    rouquido.

    J.A. 24 Atendimento

    receptivo:

    telefonia.

    Demitido. 2 anos e 2

    meses.

    Queixa de

    alterao vocal.

    D.E. 35 Atendimento

    receptivo:

    telefo