da revolução industrial ao movimento operário (osvaldo coggiola)

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7/24/2019 Da Revolução Industrial Ao Movimento Operário (Osvaldo Coggiola) http://slidepdf.com/reader/full/da-revolucao-industrial-ao-movimento-operario-osvaldo-coggiola 1/52  1 D D A A  R R E E V V O O L L U U Ç Ç Ã Ã O O  I I N N D D U U S S T T R R I I A A L L  A A O O  M M O O V V I I M M E E N N T T O O  O O P P E E R R Á Á R R I I O O  As origens do mundo contemporâneo Osvaldo Coggiola A Revolução Industrial não deve ser entendida só como um conjunto de inovações técnicas, novas máquinas e novos procedimentos de produção, mas como uma alteração estrutural da sociedade, determinada pela substituição da ferramenta pela máquina, em um processo que concluiu na consolidação do capitalismo como modo de produção dominante. Foi responsável pela separação definitiva entre o capital e o trabalho, pela consolidação do trabalho assalariado, pelo controle da burguesia capitalista sobre a produção e pela formação de uma nova classe social, o proletariado. As origens da Revolução Industrial podem ser encontradas nos séculos XVI e XVII, com a política de incentivo ao comércio, chamada de “mercantilismo”, adotada pelas monarquias absolutistas, que tinham grandes necessidades monetárias (e, portanto, de saldos comerciais favoráveis) em função da manutenção de seus exércitos, em virtude de seu freqüente envolvimento em conflitos bélicos de todo tipo, tanto nas suas colônias como dentro da própria Europa. As circunstâncias contingentes, no entanto, refletiram um processo histórico mais profundo. O desenvolvimento do comércio internacional, simultaneamente, criou as bases do mercado mundial  (condição para a vitória histórica do modo de produção do capital), e teve um efeito deletério sobre as relações de produção feudais na Europa, ao introduzir as relações mercantis de forma generalizada, e também exigir que a produção se desenvolvesse em uma escala qualitativamente mais ampla (para atender às necessidades do desenvolvimento comercial interno e externo). O capitalismo, e os próprios Estados nacionais, nasceram no quadro da economia mundial. Mas antes que ficassem estruturados os principais Estados modernos, o comércio internacional já tinha um desenvolvimento importante. Esse comércio foi um dos fatores que impulsionou a revolução inglesa do século XVII. O capitalismo e os Estados nacionais nasceram já obrigados a terem uma política externa, e a aliarem-se uns contra outros, em função de seus interesses comerciais contraditórios, e em relação com a

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DDAA RREEVVOOLLUUÇÇÃÃOO IINNDDUUSSTTRRIIAALL AAOO MMOOVVIIMMEENNTTOO OOPPEERRÁÁRRIIOO 

As origens do mundo contemporâneoOsvaldo Coggiola

A Revolução Industrial não deve ser entendida só como um conjunto de inovações técnicas, novas máquinase novos procedimentos de produção, mas como uma alteração estrutural da sociedade, determinada pelasubstituição da ferramenta pela máquina, em um processo que concluiu na consolidação do capitalismocomo modo de produção dominante. Foi responsável pela separação definitiva entre o capital e o trabalho,pela consolidação do trabalho assalariado, pelo controle da burguesia capitalista sobre a produção e pelaformação de uma nova classe social, o proletariado. As origens da Revolução Industrial podem serencontradas nos séculos XVI e XVII, com a política de incentivo ao comércio, chamada de “mercantilismo”,

adotada pelas monarquias absolutistas, que tinham grandes necessidades monetárias (e, portanto, desaldos comerciais favoráveis) em função da manutenção de seus exércitos, em virtude de seu freqüenteenvolvimento em conflitos bélicos de todo tipo, tanto nas suas colônias como dentro da própria Europa. Ascircunstâncias contingentes, no entanto, refletiram um processo histórico mais profundo. Odesenvolvimento do comércio internacional, simultaneamente, criou as bases do mercado mundial  (condição para a vitória histórica do modo de produção do capital), e teve um efeito deletério sobre asrelações de produção feudais na Europa, ao introduzir as relações mercantis de forma generalizada, etambém exigir que a produção se desenvolvesse em uma escala qualitativamente mais ampla (para atenderàs necessidades do desenvolvimento comercial interno e externo).

O capitalismo, e os próprios Estados nacionais, nasceram no quadro da economia mundial. Mas antes queficassem estruturados os principais Estados modernos, o comércio internacional já tinha umdesenvolvimento importante. Esse comércio foi um dos fatores que impulsionou a revolução inglesa do

século XVII. O capitalismo e os Estados nacionais nasceram já obrigados a terem uma política externa, e aaliarem-se uns contra outros, em função de seus interesses comerciais contraditórios, e em relação com a

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autodeterminação das nações atrasadas. A Revolução Industrial foi conseqüência, e não causa, desseprocesso histórico. Esse momento revolucionário, de passagem da energia humana, hidráulica e animal,para a energia motriz, como base da produção social, foi também o ponto culminante de uma longaevolução tecnológica, social e econômica que vinha se processando na Europa desde a Baixa Idade Média.

Através da Revolução Industrial o capital se apropriou, enfim, da esfera da produção, dando origem ao

capitalismo  (ou sociedade burguesa), depois do período de acumulação originária, baseada na mais puraviolência; nas palavras de Michel Beaud: “Conquista, pilhagem, exterminação; esta é a realidade de ondevem o afluxo de metais preciosos para a Europa no século XVI. Através dos tesouros reais da Espanha e dePortugal, das caixas dos mercadores, das contas dos banqueiros, este ouro está totalmente ‘lavado’ quandochega aos cofres dos financistas de Gênova, de Antuérpia ou de Amsterdã”.  

Ascensão das burguesias (século XVII) - Holanda

◦ Expansão comercial holandesa – 3 pilares:

1) Companhia Holandesa das Índias Orientais (1602)

2) Banco de Amsterdã (1609)

3) Frota: uso de navios pesados nas rotas para o Oriente e de embarcações

leves com grande capacidade de carga nas rotas para Europa Ocidental e

Setentrional (em 1614, empregava mais marinheiros que as frotas espanhola,

francesa, inglesa e escocesa reunidas)

◦ Desenvolvimento de atividades industriais de transformação

◦ Enfraquecimento do capitalismo holandês:

a) ascensão do capitalismo inglês e protecionismo francês;

b) guerras contra potências coloniais (Espanha; Inglaterra; França);

c) depressão econômica;

d) queda dos preços coloniais.

 

A História Muda de Rumo

O artesanato foi a forma de produção característica da Baixa Idade Média, de caráter familiar, na qual oprodutor (artesão) possuía os meios de produção (era o proprietário da oficina e/ou das ferramentas) etrabalhava com a família e ajudantes em sua própria casa, realizando todas as etapas da produção, desde opreparo da matéria-prima, até o acabamento final. A base do modo de produção feudal era agrária. A maior

parte da população da Inglaterra vivia ainda no campo. Os camponeses tinham de pagar, pelas suaspequenas propriedades, tributos em dinheiro aos nobres latifundiários, que utilizavam as suas terras

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predominantemente com áreas de pastagem para os rebanhos de ovelhas. Os grandes descobrimentos doséculo XVI e as viagens inter-oceánicas, no entanto, alargaram os mercados, pelo que aumentou,repentinamente, a procura da lã. A procura de mercadorias crescente exigia uma maior produção e preçosmenores.

Com a Revolução Industrial, a “constante revolução dos meios de produção”, nas palavras de Marx, setransformou na norma geral do desenvolvimento histórico e econômico. O próprio nome de revoluçãoindustrial refletiu seu impacto posterior sobre a Europa. A coisa existiu na Inglaterra antes do termo, ou doconceito (os ingleses e franceses só o inventaram por volta da década de 1820). Na década de 1780, e pelaprimeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedadeshumanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e ilimitada, dehomens, mercadorias e serviços. O debate em torno às causas deu destaque à sua gênese na Inglaterra. A

Revolução Industrial britânica foi qualificada, pelos historiadores, como o acontecimento mais importanteda história universal desde a revolução neolítica (desenvolvimento da agricultura e aparecimento dascidades). Para que a Revolução Industrial pudesse acontecer, eram necessários: 1) Uma renovação técnicado aparato de produção; 2) Um incremento do capital líquido monetário e físico; 3) Uma oferta maior detrabalho.

Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto que uma estrutura social pré-industrial,uma tecnologia e uma ciência deficientes, a fome e a morte periódicas, impunham à produção: “A partir dametade do século XVIII, o processo de acumulação de velocidade para a partida é tão nítido quehistoriadores mais velhos tenderam a datar a revolução industrial de 1760. Mas uma investigação cuidadosalevou a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a década de 1780 e não a de 1760, pois foi entãoque, até onde se pode distinguir, todos os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina,

brusca e quase vertical para a partida. A economia voava. Chamar este processo de revolução industrial élógico e está em conformidade com uma tradição bem estabelecida. Se a transformação rápida,fundamental e qualitativa que se deu por volta da década de 1780 não foi uma revolução, então a palavranão tem qualquer significado prático. De fato, a Revolução Industrial não foi um episódio com um princípioe um fim. Não tem sentido perguntar quando se "completou", pois sua essência foi a de que a mudançarevolucionária se tornou norma desde então. Ela ainda prossegue; quando muito podemos perguntarquando as transformações econômicas chegaram longe o bastante para estabelecer uma economiasubstancialmente industrializada, capaz de produzir, em termos amplos, tudo que desejasse dentro doslimites das técnicas disponíveis, uma "economia industrial amadurecida", para usarmos o termo técnico. NaGrã-Bretanha, e portanto no mundo, este período de industrialização inicial começou com a "partida" na

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década de 1780, (e) pode-se dizer com certa acuidade que terminou com a construção das ferrovias e daindústria pesada na Grã-Bretanha na década de 1840”.1 

A característica fundamental da renovação técnica foi constituída pela passagem da produção baseada emum sistema de manufatura estático, para a forma de produção que Marx denominou «a grande indústria»,entendendo uma forma de organização dinâmica da produção e da divisão do trabalho; e também

industrial, introduzida através da descoberta de numerosos processos de produção e de máquinas novas;sobretudo máquinas- ferramenta e máquinas produtoras de energia, como as que se fabricavam emInglaterra em número crescente desde a década de 1760. Ainda considerando as inovações técnicas comoconseqüência, e não causa, das transformações, elas não deixam de ser característica histórica essencial daRevolução Industrial. Para um apologista desse processo, o historiador David S. Landes: “Essas substituições[de trabalho vivo por máquinas] fizeram a Revolução Industrial. Geraram uma rápida elevação daprodutividade e, concomitantemente, da renda per capita. Esse crescimento, além disso, era auto-sustentado. Em eras passadas, melhores padrões de vida tinham sido sempre acompanhados de umaumento populacional que finalmente consumia os ganhos. Agora, pela primeira vez na história, a economiae o conhecimento estavam crescendo com rapidez bastante para gerar um contínuo fluxo de melhorias”. 

Na Inglaterra coincidiram a disponibilidade e a possibilidade de uma exploração ótima do capital líquido,com uma impulsão decisiva para o aproveitamento econômico das inovações e das descobertas técnicas. Ocapital comercial acumulado era originado menos no crescimento da demanda externa e no comércio comas colônias, do que na expansão do comércio interno. Os câmbios revolucionários estiveram precedidospela revolução agrária e pelo crescimento da população, que registraram uma evolução paralela, menoscausada pela expansão das superfícies agrícolas e os cercamentos do que pela exploração das terrasdisponíveis mediante métodos de cultivo mais intensivos que os até então existentes.

A Revolução Industrial e sua difusão, primeiro na Europa e depois, com ritmos extremamente diferenciados,pelo restante do mundo, alterou drasticamente as condições de existência da população humana, impondolhe um ritmo geométrico de crescimento, que superou o ritmo aritmético que tinha seguido em toda ahistória humana precedente. Foi, portanto, a “grande ruptura” da história humana. O gráfico que segue

evidencia o crescimento da população mundial, em milhões de habitantes, antes e depois de 1750.

1 Eric J. Hobsbawm. A Era das Revoluções 1789– 1848. São Paulo, Paz e Terra, 2005, p. 51.

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Em 1750, a população mundial somava entre 650 e 850 milhões de habitantes. Em 1850, entre 1100 e 1300milhões. Em 1900, 1600 milhões. Em 1950 se aproximava de 2500 milhões. Em 1960, havia ultrapassadotrês bilhões. Atualmente a população mundial supera os 7000 milhões (ou sete bilhões) de habitantes. Ataxa média anual de crescimento foi de 0,7% de 1850 a 1900, de 1% entre 1900 e 1950. Foi de 1,8% nadécada de 1950, superou 2% na década de 1960, ultrapassando depois os 3%. A explosão demográfica não

ocorreu simultaneamente. Começou na Europa, teatro da Revolução Industrial. Em 1750, a população daEuropa era de 145 milhões de habitantes. Chegou a 265 milhões de habitantes em 1850, a 400 milhões dehabitantes em 1900, e a 550 milhões em 1950. Sob a pressão demográfica interna e com a vantagem dasuperioridade tecnológica – ou seja, de um poderio militar superior – os europeus se espalharam por todo omundo, pacificamente ou não, se estabelecendo nas Américas e na Austrália, e controlando África e a Ásia.O grande êxodo a partir da Europa no século XIX foi o mais importante movimento migratório de toda ahistória.2 

“Revoluções industriais” frustradas já tinham acontecido antes da inglesa do século XVIII. A característica darevolução industrial no final do século XVIII é que ela começou no campo, no país com a mais altaprodutividade agrícola, a Grã-Bretanha. A Inglaterra era melhor alimentada do que todas as outras regiões,exceto as áreas rurais mais prósperas, ou as classes mais abonadas, dos países continentais, e tinha sido

assim muito antes da Revolução Industrial. Os seus padrões de vida tenham melhorado durante a maiorparte do século XVIII. A Inglaterra já tinha, na primeira metade do século XVIII, uma importante indústria,para os padrões da época. A Revolução Industrial não criou, portanto, esse setor industrial. Ela transformouum setor industrial já existente ao introduzir novas maneiras de produzir as mesmas coisas.

ESTIMATIVA DE CRESCIMENTO ANUAL DO PIB NA INGLATERRA (1700-1870)

A revolução espalhou-se rapidamente, no século XIX, por outros países que também estavam

revolucionando sua agricultura, especialmente na Europa Ocidental e na América do Norte. Mas nos paísesde baixa produtividade agrícola, como os países da Europa Central e Meridional, ou os países da AméricaLatina, ou a China, que tinham setores industriais bastante pequenos, a revolução industrial progrediulentamente.

A ausência de mercado foi, nesses continentes, um empecilho para a industrialização, devido à baixaprodutividade agrícola. A falta de condições para investimento foi outro. A Europa ocidental, comoveremos, vinha gerando um meio capitalista há pelo menos um século. Foram estabelecidos um conjuntointeiramente novo de pessoas, idéias e instituições, que não existiam na Ásia, África, ou América Latina (quetinha a herança cultural mais próxima à européia). O poder, nesses países e continentes, como também nospaíses da Europa Central e Meridional, ainda estava concentrado nas mãos da aristocracia rural, que sebeneficiava com importações baratas, e não via razão alguma para apoiar o surgimento de uma nova classe

2 Carlo M. Cipolla. História Econômica da População Mundial . Rio de Janeiro, Zahar, 1977.

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industrial. Não havia nenhuma organização industrial; era, portanto, mais fácil, para eles (isto é, para as suasclasses dominantes) aproveitar a outra oportunidade que a revolução industrial lhes oferecia, a exportaçãode produtos agrícolas, facilitada pelo barateamento dos transportes.

Isso imporia um abismo crescente entre o desenvolvimento econômico das áreas industrializadas e aquelaschegadas tardiamente (ou nunca chegadas) ao desenvolvimento industrial. No último século, isto se

desdobraria na exploração econômica (e sujeição política) das segundas pelas primeiras ( imperialismocapitalista). Paul Bairoch, em World Gross National Products 1750-1980,3  calculou, para 1750, o PIB dosatuais países “desenvolvidos” em 35 bilhões de dólares (de 1960), enquanto o  PIB dos atuais“subdesenvolvidos” era, na mesma data, de 112 bilhões de dólares. Para 1980, o mesmo cálculoevidenciava uma inversão drástica: 3428 bilhões de dólares para os primeiros, 1227 para os segundos(excluídos os “países socialistas”). Ou, fazendo um cálculo percentual aproximado, Europa ocidental, EUA eJapão detinham, em 1750, 24% do PIB mundial; em 1980, essa percentagem tinha crescido até 77% (ou,invertendo, as “áreas periféricas” eram responsáveis, em 1750, por 76% do PIB mundial; tendo retr ocedido,em 1980, para 23%).

Se considerarmos o PIB por habitante, também calculado por Bairoch, o décalage entre países

industrializados e não industrializados (ou tardiamente industrializados) se faz mais dramático ainda. Emdólares de 1960, na Europa ocidental, esse PIB era de 213 por habitante em 1800, e de 2325 em 1976 (umamultiplicação por 10,9); nos EUA, de 270 e 4044, respectivamente (uma multiplicação por 15); no Japão, de160 e 2716 (uma multiplicação por 17); enquanto que, na África, as cifras respectivas eram de 130 e 289(uma multiplicação por 2,2) e, na Ásia (excluída a China comunista), de 190 e 294 (uma multiplicação por1,5). Fazendo o cálculo correspondente, a média do mundo industrializado evidencia, em dois séculos, umamultiplicação por 14,3 do crescimento econômico; na Ásia e na África, por 1,8. Ou, o crescimentoeconômico, em quase dois séculos após a Revolução Industrial, foi 8,2 (ou 820%) vezes maior, no mundoindustrializado, do que no Terceiro Mundo.4 Nos trinta anos que nos separam dos cálculos de Bairoch, o gap aumentou mais ainda.

Comércio, Artesanato e Indústria

Voltemos no tempo. Na Idade Média, na Europa ocidental, basicamente nas poucas regiões maisdesenvolvidas comercialmente (por exemplo, as planícies mediterrâneas), o capital mercantil (ou seja,aquele que se valoriza exclusivamente na circulação das mercadorias, através da troca) passou a assumiruma importância cada vez maior, embora se situasse no interior de uma formação social feudal, na qual ariqueza principal era a terra e a produção dominante era feita em unidades produtivas (os feudos) voltadaspara a auto-suficiência, embora, evidentemente, em escassa medida fossem realmente responsáveis pelaprodução de tudo o que consumiam.

As cidades eram ainda um apêndice da economia rural local, as trocas mediadas pela moeda eramsecundárias face ao grosso do intercâmbio que era feito de modo natural e direto (escambo); o Estado, doponto de vista técnico ou jurídico, não existia. A monetarização das obrigações feudais, e o surgimento de

uma produção artesanal para o mercado, dinamizaram consideravelmente a economia urbana no século XV.A monetarização já tinha latentes possibilidades no sistema econômico das cidades, e pôde se desenvolverainda mais em face da retomada de mineração na Europa Oriental. Neste contexto de expansão comercial eurbana é que ocorreram as grandes navegações. Estas, por sua vez, se transformaram numa poderosa molade impulsão das novas forças produtivas sociais.

Segundo Marx, num parágrafo bem conhecido do Manifesto Comunista: “ A descoberta da América, acircunavegação da África, ofereceram à burguesia ascendente um novo campo de ação. Os mercados da

3 Citado por: Philippe Lefournier. La fin d´un monde. In: Jean Boissonat (ed.). Deux Siècles de Révolution Industrielle. Paris, Pluriel -

L´Expansion, 1983.4

 Por motivos que não conhecemos, Bairoch não inclui nos seus cálculos a América Latina. As relações entre os diversos crescimentosforam estabelecidas por nós. Não se consideraram os diversos tamanhos das economias do bloco industrializado (EUA, Europa,Japão), motivo pelo qual as médias são aproximadas.

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Índia e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e dasmercadorias, imprimiram um impulso desconhecido até então ao comércio, à indústria, à navegação, edesenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição. A antigaorganização feudal da indústria, circunscrita a corporações fechadas, já não podia satisfazer às necessidadesque cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial

suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceudiante de divisão do trabalho dentro de própria oficina. (...) A grande indústria criou o mercado mundial

 preparado pela descoberta da América. O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento docomércio, da navegação, dos meios de comunicação. Esse desenvolvimento reagiu, por sua vez, sobre aextensão da indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a navegação, as vias férreas, se desenvolviam,crescia a burguesia, multiplicando seus capitais e relegando ao segundo plano as classes legadas pela IdadeMédia”. 

A acumulação de capitais nas mãos dos comerciantes e a abertura dos mercados, proporcionada pelaexpansão marítima, estimularam o crescimento da produção, exigindo mais mercadorias e preços menores.Desde o século XIV, com o início da expansão comercial européia, centro dinâmico do capitalismo emgestação, a crescente internacionalização da economia tornou-se fato a ser considerado permanentemente

nas políticas dos governos monárquicos. A diminuição das distâncias fez-se acompanhar de outros fatos, taiscomo a especialização de países em busca de suas supostas “vantagens comparativas” e a reordenação daseconomias nacionais. Essa reorganização, provocada pela abertura de setores do mercado nacional, fez comque setores específicos da economia prosperassem e outros desfalecessem.

Gradualmente, passou-se do artesanato disperso para a produção em oficinas, e destas para a produçãomecanizada nas fábricas. O artesanato, primeira forma de produção industrial, surgiu no fim da Idade Médiacom o renascimento comercial e urbano. Tratava-se de uma “produção independente”; o produtor possuíaos meios de produção: instalações, ferramentas e matéria-prima. Em casa, sozinho ou com a família, oartesão realizava todas as etapas da produção. O produtor realizava desde o preparo da matéria-prima, atéo acabamento final, não havia divisão do trabalho ou especialização. Em algumas situações o artesão tinha

um ajudante, porém não assalariado, pois realizava o mesmo trabalho pagando uma “taxa” pela uti lizaçãodas ferramentas. A produção artesanal estava sob controle das corporações de ofício, assim como ocomércio também encontrava-se sob controle de associações, limitando o desenvolvimento da produção.

A manufatura resultou da ampliação do consumo, levando o artesão a aumentar a produção, e ocomerciante a dedicar-se à produção industrial. A manufatura resultou também do desenvolvimento docomércio monetário. Ocorreu um aumento na produtividade do trabalho, devido à divisão social daprodução, cada trabalhador realizava uma etapa na confecção de um único produto. A ampliação domercado consumidor relaciona-se diretamente ao alargamento do comércio, tanto em direção ao Orientecomo em direção à América. Outra característica desse período foi a interferência do capitalista no processoprodutivo, passando a comprar a matéria-prima e a determinar o ritmo de produção.

Os ganhos de produtividade decorrentes da divisão do trabalho, segundo Adam Smith, podiam seratribuídos aos seguintes fatores: a) à maior destreza do trabalhador na realização de suas tarefas; b) àredução dos tempos mortos; c) à maior possibilidade de invenção de máquinas e mecanismos facilitadoresdo trabalho: “A história das invenções não é tão somente a história das invenções senão, também, a de umaexperiência coletiva que resolve progressivamente os problemas propostos por necessidades coletivas”,disse A.P. Usher. As manufaturas viam-se cada vez menos em condições de fornecer mercadorias emquantidades suficientes. Seus proprietários procuravam, por isso, novos meios para produzir maismercadorias mais depressa e mais baratas (e, deste modo, obterem maiores lucros). Mas o processo detrabalho, tal como existia no seio da manufatura, não comportava uma maior divisão do trabalho. Omanufatureiro distribuía a matéria-prima e o artesão trabalhava em casa ( putting-out system), recebendo opagamento combinado. Os comerciantes contratavam artesãos para dar acabamento aos tecidos; depois,

tingir; e tecer; e finalmente fiar. Surgiram depois as primeiras  fábricas, com trabalhadores assalariados, semnenhum controle sobre o produto de seu trabalho, cada trabalhador realizava só uma etapa da produção.

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Na maquinofatura (ou “maquinismo”), o trabalhador passou a estar sub-metido ao regime defuncionamento da máquina e à gerência direta do empresário.

1.  Artesanato: o artesão participa de todas as etapas do processo produtivo, da transformação damatéria prima ao produto final (não havia divisão do trabalho). Além disso, é proprietário dos meiosde produção. Principal forma de produção desde a Baixa Idade Média até a metade do século XVII.

2.  Manufatura: os comerciantes passam a ter papel fundamental no processo produtivo, contratandoos artesãos, fornecendo a matéria prima e negociando o produto final. Inicia-se a divisão social do

trabalho entre os artesãos, ampliando a sua produtividade. A ampliação do consumo eleva a escalade produção.

3.  Fábrica (indústria moderna): comerciantes tornam-se proprietários dos meios de produção eproduzem mediante a contratação da mão-de-obra operária, formada por antigos artesãos e

camponeses. O uso de máquinas e a produção em série eliminam a participação dos trabalhadoresem todas as etapas do processo produtivo.

A necessidade de fio para as oficinas de tecelagem tornou-se particularmente urgente. Surgiu, por isso, a

necessidade social premente de se aperfeiçoar a técnica de fiação. O primeiro invento que provocou emInglaterra modificações radicais foi a Jenny, a máquina de fiar do tecelão James Hargreaves (1764). Aprodutividade aumentou, com a Jenny, de fato 16 a 18 vezes. Graças ao invento de Hargreaves os tecelõespassaram a ter à sua disposição fio em maior quantidade do que aquela que conseguiam utilizar nos seusteares.

Estava, assim, despertada a necessidade social objetiva, o impulso material, do posterior desenvolvimentoda técnica e da tecnologia da tecelagem. Dentro das fábricas, cresceu rapidamente a divisão do trabalho,levando à “produção em série”. Para maximizar o desempenho dos operário s, as fábricas subdividiram aprodução em várias operações, cada trabalhador executando uma única parte do processo, sempre damesma maneira. Enquanto, na manufatura, o trabalhador produzia um produto completo, conhecendoassim todo o processo de produção, agora passava a realizar apenas parte deste, limitando seu domínio

técnico sobre o próprio trabalho.

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Cada um dos elos do processo conduziu ao seguinte, dando a impressão de um circuito fechado que, noentanto, abria possibilidades até então insuspeitadas para a produção ou, nas palavras de Marx, libertavadefinitivamente a força produtiva do trabalho humano. Generalizou-se a passagem da manufatura para aindústria mecânica. O aparecimento da máquina não só revolucionou o sistema de produção, comotransformou os donos de forjas, de fiações e de tecelagens numa forte burguesia industrial. No Lancashire eno Yorkshire, os membros dessa nova classe eram antigos agricultores e tecelões que, com muito esforço,haviam comprado algumas  jennies movidas à mão, mais tarde water-frames e os teares mecânicos. Dessamaneira, conseguiram passar da atividade agrícola para a pequena indústria domestica, desta para amanufatura e da manufatura para a grande indústria.

oEm 1733, John Kay inventa a lançadeira volante

oEm 1735, os irmãos Darby realizam a fundição de ferro com misturas coque, que será difundida a partirde 1760 pelo país

oEm 1767, James Hargreaves inventa a spinning jenny , que permitia a um só artesão fiar 80 fios de umaúnica vez.

oEm 1768, James Watt inventa a máquina a vapor, que começa a ser utilizada em 1775.

oEm 1769, Richard Arkwright inventa a water frame.

oEm 1779 Samuel Crompton inventa a mule jenny , uma combinação da water frame com a spinning jenny  com fios finos e resistentes.

oEm 1785 Edmond Cartwright inventa o tear mecânico

A nova força motriz, a energia a vapor, trabalhava, ao contrário da força hidráulica, em qualquer estação doano, em qualquer local. Com o desenvolvimento da máquina a vapor, tornou-se possível, por meio dautilização de correias de transmissão, como elos de ligação entre a máquina motriz e as outras, ofuncionamento simultâneo de várias máquinas de fiar e de vários teares. Com a deslocação das fábricaspara as proximidades das minas de carvão, pequenas aldeias transformaram-se em grandes cidadesindustriais. Por toda a parte onde havia minas de carvão rendosas surgiram novas fabricas e grandes cidadesindustriais.

Pioneiros, Capitais e Miséria

Os exemplos dos pioneiros são vários: Robert Peel, fabricante de fios e de tecidos estampados, deixou umafortuna imensa com a indústria; Joshua Fielden, Aaron Walker, inicialmente fabricante de pregos, William

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Hawks e John Parker, antigos ferreiros, tornaram-se grandes industriais. Os agricultores, os ferreiros, ostecelões, os barbeiros de aldeia, que formaram a primeira geração de grandes industriais ingleses, mais doque espíritos inventivos tinham que ser grandes organizadores, buscar sócios, reunir capitais e partir para acontratação de operários. A princípio, a atividade industrial era vista como um risco muito alto para osbancos aplicarem seus capitais; os banqueiros ingleses preferiam emprestar seu dinheiro aos comerciantes,

aos agricultores e ao governo, do que investir na indústria. A introdução de máquinas multiplicou orendimento do trabalho, e aumentou espetacularmente a produção global. Antes da Revolução Industrial oprogresso econômico era sempre lento (eram necessários séculos para que a renda  per capita aumentassesensivelmente), depois dela a renda e a população começaram a crescer de forma acelerada, nunca antesvista na história da humanidade: entre 1500 e 1780 a população da Inglaterra aumentou de 3,5 milhõespara 8,5 milhões, já entre 1780 e 1880 ela saltou para 36 milhões, devido à drástica redução da mortalidadeinfantil.

Mas o progresso econômico gerado pela industrialização demorou varias décadas até beneficiar,parcialmente e de algum modo, a população como um todo. Em média, os homens do norte europeu,durante o início da Revolução Industrial eram 7,6 centímetros mais baixos do que os que viveram 700 anosantes, na Alta Idade Média. A altura média dos ingleses caiu continuamente durante os anos de 1100 até o

início da Revolução Industrial, quando a altura média começou a subir. Foi apenas no início do século XX queessas populações voltaram a ter altura semelhante às registradas entre os séculos IX e XI. Na Inglaterra, porvolta de 1850, pela primeira vez em um grande país, havia mais pessoas vivendo em cidades do que nocampo.

Nas cidades, as pessoas mais pobres se aglomeravam em subúrbios de casas velhas e desconfortáveis, econviviam com a falta de água encanada, com os ratos, o esgoto formando riachos nas ruas esburacadas.Em  A Situação da Classe Operária na Inglaterra, redigido em 1843-44, Friedrich Engels descrevia: “Não háum único vidro de janela intacto, os muros são leprosos, os batentes das portas e janelas estão quebrados, eas portas, quando existem, são feitas de pranchas pregadas. Aí moram os mais pobres dentre os pobres, ostrabalhadores mal pagos misturados aos ladrões, aos escroques e às vítimas da prostituição”. Mas a cidadequebrava a “idiotice da vida rural” (expressão usada por Marx, no Manifesto Comunista): o trabalho do

operário era muito diferente do trabalho do camponês, consistente em tarefas monótonas e repetitivas. A

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vida na cidade moderna significava mudanças incessantes, a cada instante surgiam novas máquinas, novosprodutos, novos gostos, novas modas.

A intervenção do poder legislativo na Grã-Bretanha, no domínio da proteção social dos trabalhadores(incluindo a segurança, higiene e saúde no trabalho), remonta a inícios do século XIX, e é devida, não tanto àluta organizada do movimento operário (que ainda se manifestava sob formas isoladas, esporádicas ou

incipientes), como, sobretudo por influência de reformadores sociais, empregadores filantrópicos, médicoshumanistas, escritores e políticos liberais. Em qualquer caso, à intervenção do legislador social em plenotriunfo do Estado liberal também não é estranha a pressão dos segmentos da opinião pública mais“esclarecidos”, chocados com a revelação de uma nova classe de escravos, o proletariado, e, sobretudo coma condição das mulheres e crianças nas mills (estabelecimentos fabris da indústria têxtil algodoeira com asprimeiras máquinas movidas a energia hidráulica) do Nordeste de Inglaterra, e nas minas de carvão do Paísde Gales. E, talvez mais do que chocada, preocupada com os novos riscos de epidemia e de propagação(potencialmente incontrolável) de doenças que a vizinhança das fábricas e dos dormitórios operários podiatrazer às comunidades locais.

Quatro elementos concorreram para a industrialização: disposição de capital, de recursos naturais, de

mercado, e transformação agrária. A Inglaterra adiantou sua industrialização em 50 anos em relação aocontinente europeu e, em conseqüência, saiu na frente na moderna expansão colonial. Sem dúvida, na basedo fenômeno encontra-se sua história precedente. Depois da Revolução Gloriosa (1688) a burguesia inglesase fortaleceu, o país passou a ter a mais importante zona livre de comércio da Europa. O sistema financeiroera dos mais avançados.

Até a segunda metade do século XVIII, a grande indústria inglesa era a tecelagem de lã. Mas a primeira amecanizar-se foi a do algodão, feito com matéria-prima colonial (vinda dos Estados Unidos, da Índia e doBrasil). O tecido leve ajustava-se aos mercados tropicais; 90% da produção ia para o exterior, e istorepresentava metade de toda a exportação inglesa, o que sublinha o papel determinante do mercadoexterno, principalmente colonial, na arrancada industrial da Inglaterra. As colônias contribuíam commatéria-prima, capitais e consumo. Os capitais também provinham do tráfico de escravos e do comércio

com metrópoles colonialistas, como Portugal. Provavelmente, metade do ouro brasileiro acabou no Bancoda Inglaterra, financiando estradas, portos e canais.

A disponibilidade de capital, associada a um sistema bancário eficiente, com mais de quatrocentos bancosem 1790, explica a baixa taxa de juros; havia portanto dinheiro barato para os empresários. Para ilustrar arelativa abundância do capital que existia na Inglaterra, a taxa de juros nesse país, no final do século XVIII,era de cerca de 5% ao ano; na China, a taxa de juros era de 30% anual.

Esses fatores favoreceram o acúmulo de capitais e a expansão do seu comércio em escala mundial: osingleses avançaram sobre os mercados externos, por meios pacíficos ou militares. A hegemonia naval lhesdava o controle dos mares. O país levou adiante uma política econômica liberal a partir de meados doséculo XVIII. A Inglaterra firmou vários acordos comerciais vantajosos com outros países. Um desses acordos

foi o Tratado de Methuen, celebrado com a monarquia portuguesa, em 1703, por meio do qual conseguiutaxas preferenciais para os seus produtos no mercado português. Com esse acordo, Portugal ampliou aindamais suas dívidas com a Inglaterra. Para pagar seu débito, viu-se forçado a utilizar todos os metais preciososretirados de suas colônias.

Revolução Agrária e Acumulação de Capital

Antes da liberalização econômica, as atividades industriais e comerciais estavam monopolizadas pelo rígidosistema de guildas, e por causa disso a entrada de novos competidores, e a inovação tecnológica, erammuito limitadas. Com a liberalização da indústria e do comércio ocorreu um enorme progresso tecnológico eum grande aumento da produtividade em um curto espaço de tempo. Era, nessa época, o mercado quecomandava o ritmo da produção, ao contrário do que aconteceria depois, nos países já industrializados,

quando a produção criaria seu próprio mercado. Cada vez mais fortalecida economicamente, a burguesia

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passou a investir também no campo, criando os cercamentos ou enclosures (grandes propriedades rurais),que teriam importância decisiva na transformação do crescimento industrial em capitalismo.5 

A invenção de máquinas e mecanismos, como a lançadeira móvel destinada à indústria têxtil, a produção deferro com carvão de coque, a máquina a vapor, a fiandeira mecânica e o tear mecânico causaram umarevolução produtiva. Com a aplicação da força motriz às máquinas fabris, a mecanização se difundiu na

indústria têxtil e na mineração. As fábricas passaram a produzir em série, surgindo finalmente a indústriapesada (produtora do insumo básico da indústria, o aço, e de máquinas). A invenção dos navios elocomotivas a vapor foi determinada pelas novas necessidades econômicas, e acelerou a circulação dasmercadorias.

A Inglaterra foi o país pioneiro da industrialização. O seu pensamento econômico foi, por isso, o quequebrou definitivamente com as idéias do mercantilismo, com a publicação, em 1776, de  A Riqueza dasNações, de Adam Smith. A visão mercantilista, que privilegiava o comércio externo em detrimento docomércio interno era contestada por Smith: a riqueza de uma nação nada mais era do que um conjunto deprovisões e capacidades produtivas necessárias à satisfação das necessidades humanas. Os ganhos deprodutividade decorrentes da divisão do trabalho podiam ser atribuídos, segundo Smith, aos seguintes

fatores: a) à maior destreza do trabalhador na realização de suas tarefas; b) à redução dos tempos mortos;c) à maior possibilidade de invenção de máquinas e mecanismos facilitadores do trabalho.

Com a obra de Smith, surgia a ciência da economia moderna, a partir da operação teórica realizada poresses primeiros expoentes da “economia política”, que a transformaram de ramo da arte do governo (comoera para os mercantilistas e fisiocratas) em disciplina que indagava a coerência profunda de sistemas lógicosabstratos. Smith e Ricardo foram os primeiros que colocaram as hipóteses que, ao reduzir o sistema aelementos simples, permitiram submetê-lo à análise lógica.6  A dinâmica de acumulação de capital secaracterizaria pelo fato de que quanto maior o volume de capital, maior a capacidade de divisão emecanização do trabalho, gerando maiores lucros, maior capital e assim sucessivamente. A única limitaçãopara a divisão do trabalho seria a dimensão do mercado.

A agricultura inglesa desenvolveu-se com o cercamento dos campos e a difusão de novas técnicas einstrumentos de cultivo. O fim do uso comum das terras gerou o "trabalhador livre", expulso do campo,onde não tinha mais condições de sobrevivência, transformado em mão-de-obra urbana. A agricultura erapraticada na Inglaterra, bem como no restante da Europa, através de métodos e de instrumentos aindabastante primitivos. O cultivo do solo, realizado pelo sistema medieval do arroteamento trienal, deixava ocampo improdutivo durante um ano em três, para recuperação da fertilidade. Os arados eram rudimentarese as forragens insuficientes para a alimentação dos rebanhos durante o inverno, tornando-se necessárioabatê-los em grande número no outono.

A partir do século XVIII, a aristocracia inglesa realizou um esforço sistemático de modernização daagricultura, com o objetivo de aumentar as rendas de suas propriedades, seguindo o exemplo da burguesiaque se enriquecia com as atividades comerciais e financeiras. O impulso inicial foi dado, em 1731, com a

publicação do livro de Jethro Tull,7  The new horse husbandry, or an essay on the principles of tillage an

5 O modo de produção do capital, ao contrário do feudal, baseia-se na competição econômica por mercados que podem expandir-se.

Ele não exclui a guerra, mas ela tem uma outra natureza, que é predominantemente econômica, pelo controle do espaço econômicoe institucional do mercado. O mercado é um espaço institucional de intercâmbio de mercadorias, supostamente regido pelaeficiência e pela competição orientada pelos preços. Nele, oferta e demanda equilibram-se a um preço determinado, mas é ocontínuo aumento da produtividade que, no longo prazo, permite a diminuição dos preços e a conquista, por parte dos concorrentes,de fatias maiores do mercado.6  A formulação fisiocrática, tanto quanto as formulações clássicas de Adam Smith e David Ricardo, enquadraram-se como

«construtoras teóricas» do liberalismo, na sua forma clássica. A presença do Estado na economia deveria ser reduzida: o mercadodeveria ser deixado ao jogo de suas livres forças (laissez-faire, laissez passer ). Apesar da semelhança doutrinária, existe umarelevante diferença entre a abordagem clássica e a abordagem fisiocrática: a inexistência de uma teoria do valor (ou do

valor/trabalho) por parte desta última, o que a conduziu à doutrina da produtividade exclusiva da agricultura.7  O nome semelhante de uma conhecida banda de rock, encabeçada pelo flautista Ian Anderson, se deve, ao que parece, a um

simples acaso.

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vegetation. Estudioso e observador dos métodos agrícolas praticados na Alemanha, França e Holanda, Tull(1674 -1746) era proprietário de terra no Berkshire, onde se dedicou a experiências e pesquisas e foi um dosprimeiros a conceber a noção de cultura intensiva.

8  O governo contribuiu com a construção de obras

públicas como estradas, canais e drenagem de pântanos. A partir de meados do século XVIII, a agriculturamoderna estava implantada na Inglaterra.

A mecanização da produção criou o proletariado rural e urbano, composto de homens, mulheres e crianças,submetido a um trabalho diário exaustivo, no campo ou nas fábricas. Surgiam, como figuras dominantes davida econômica (produção) o capital industrial e o trabalho assalariado.

9 A Revolução Industrial encerrou a

transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância docapital mercantil sobre a produção. Completou ainda o movimento da revolução burguesa iniciada naInglaterra no século XVII. Todo o processo implicou uma profunda transformação social, em primeiro lugarna vida agrícola.

A produtividade agrícola encontrava um obstáculo ao seu desenvolvimento devido ao sistema de "camposabertos" e de "terras comuns", utilizado pelos camponeses para o plantio e a criação de gado, desde a IdadeMédia, como acontecia na maioria dos países europeus. Por isso, as inovações técnicas foram

acompanhadas de um grande re-ordenamento e re-dimensionamento das propriedades rurais, através daintensificação do cercamento (enclosures) dos campos. As enclosures consistiam na unificação dos lotes doscamponeses, até então dispersos em faixas pela propriedade senhorial (campos abertos), num só campocercado por sebes e usado na criação intensiva de gado, ou nas plantações que interessassem aoproprietário. Em sua perspectiva, o cercamento e as novas técnicas agrícolas promoviam o aumento daoferta de mercadorias que podiam ser vendidas a um melhor preço.

Essa prática era legalmente utilizada e permitida pelo Parlamento Inglês desde o século XVI, e foiintensificada no século XVIII causando a eliminação dos yeomen e dos arrendatários. Com a gentry nopoder, dispararam os cercamentos, autorizados pelo Parlamento. A divisão das terras coletivas beneficiouos grandes proprietários. As terras dos camponeses, os yeomen, foram reunidas num só lugar e eram tãopoucas que não lhes garantiam a sobrevivência: eles se transformaram em proletários rurais; deixaram de

ser ao mesmo tempo agricultores e artesãos. Com duas conseqüências principais: a diminuição da oferta detrabalhadores na indústria doméstica rural, no momento em que ganhava impulso o mercado, o quetornava indispensável adotar uma nova forma de produção capaz de satisfazê-lo; a proletarização, que abriuespaço para o investimento de capital na agricultura, do que resultaram a especialização da produção, oavanço técnico e o crescimento da produtividade. A população cresceu, o mercado consumidor também; esobrou mão-de-obra para os centros industriais.

Os cercamentos provocaram também um brutal desemprego na área rural, com os camponeses e suasfamílias perdendo os lotes de onde tradicionalmente tiravam o seu sustento. A preocupação com as

8 Ele sugeriu a lavra profunda dos campos; o estabelecimento contínuo da rotação de culturas, que produzia colheitas variadas sem

cansar a terra e sem necessidade de descanso prolongado; mostrou a importância das forragens de inverno que proporcionavamalimento para o gado nessa estação, dispensando o abate e, conseqüentemente, aumentando a oferta de adubo animal. Os grandesproprietários passaram a aplicar as teorias de Jethro Tull em seus domínios, chegando alguns deles a aperfeiçoá-las, como LordTownshend (1674 - 1750) desenvolveu técnicas de drenagem e adubo do solo e iniciou cultivos que se sucediam em rotaçõesregulares (como nabo, cevada, trigo, beterraba, aveia, ervilha, feijão), sem esgotar a terra e sem deixá-la improdutiva. Sir RobertBakewell (1725 - 1795) empreendeu a melhoria de rebanhos ovinos e bovinos através de cruzamentos hábeis e da seleção artificialdas espécies. Com isso, conseguiu dobrar o peso médio de bois, bezerros e carneiros.9 O capital apresenta-se sob a forma de terras, dinheiro, lojas, máquinas ou crédito. O agricultor, o comerciante, o industrial e o

banqueiro, donos do capital, controlam o processo de produção, contratam ou demitem os trabalhadores, conforme suaconveniência. Os trabalhadores, que não possuem capital, vendem sua força de trabalho por um salário, pois não lhes resta outrasaída para sobreviverem. Mas o capital não é uma “coisa”, embora se apresente sob essa aparência, que é só o chamadocapital fixo:ele não teria valor nenhum se não fosse acionado pelo trabalho (assalariado) para criar mercadorias que, vendidas no mercado,realizam o lucro (mais-valia) do capitalista, o que lhe permite, por sua vez, incrementar o capital fixo, produzir mais mercadorias,aumentar os lucros, numa perpétua concorrência com os outros capitais (acumulação de capital). O capital “fixo” (ou “morto”) nada

mais é, então, do que trabalho vivo coagulado, ou seja, mais-valia capitalizada. O capital como “coisa” oculta, coisifica, através dessaaparência, sua real condição: a de ser uma relação social , em cujos pólos dinâmicos encontramos o proprietário do capital e otrabalhador assalariado.

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conseqüências sociais do processo não existia para aqueles maravilhados pelo progresso da produção, comoera o caso de um agrônomo chamado Arthur Young: "A meu ver, a população é um objetivo secundário.Deve-se cultivar o solo de modo a fazê-lo produzir o máximo possível, sem se inquietar com a população.Em caso algum o fazendeiro deve ficar preso a métodos agrícolas superados, suceda o que suceder com apopulação. Uma população que, ao invés de aumentar a riqueza do país, é para ele um fardo, é uma

população nociva''.Em algumas paróquias, o simples anúncio de editais para o cerca mento gerava revoltas e tentativas paraque não fossem afixados nas portas das igrejas. “Lamento profundamente - afirmava um comissário real - omal que ajudei a fazer a dois mil pobres, a razão de 20 famílias por aldeia. Muitos deles, aos quais o costumepermitia levar rebanhos ao pasto comum, não podem defender seus direitos, e muitos deles, pode-se dizerquase to dos os que têm um pouco de terra, não têm mais de um acre; como não é o bastante paraalimentar uma vaca, tanto a vaca como a terra são, em geral, vendidos aos ricos proprietários”.

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Os cercamentos foram chamados de “revolução dos ricos contra os pobres”. Os senhores e nobres estavamperturbando a ordem social, destruindo as leis e costumes tradicionais, pela violência ou por intimidação epressão. Eles literalmente roubavam o pobre na sua parcela de terras comuns, demolindo casas que até

então, por força de antigos costumes, os pobres consideravam como suas e de seus herdeiros. Aldeiasabandonadas e ruínas de moradias testemunhavam a ferocidade da revolução.11 

A assim chamada “revolução dos ricos contra os pobres” realizou uma das condições da chamada“acumulação primitiva de capital”: na Europa, incluída a Inglaterra, as vias desta acumulação primitivaforam a ruína e expropriação compulsória de camponeses e artesãos (separação do produtor direto dosmeios de produção, condição prévia do capitalismo). A exploração da América (e da Ásia e África) forneceu aoutra condição essencial: a posse de “grandes quantidades de capital”. Na formulação de Marx, em OCapital , “o sistema colonial jogou de uma só vez pela janela todos os velhos ídolos. Proclamou a produçãode mais-valia como a finalidade última e única da humanidade”. 

Revolução Industrial, Urbanização, Miséria

Eric Hobsbawm assim resume o sentido e o conteúdo das transformações que se operaram na Inglaterra apartir do século XVIII: "A Revolução Industrial assinala a mais radical transformação da vida humana járegistrada em documentos. Durante um breve período ela coincidiu com a história de um único país, a Grã-Bretanha. Assim, toda uma economia mundial foi edificada com base na Grã-Bretanha, ou antes, em tornodesse país. Houve um momento na história do mundo em que a Grã-Bretanha podia ser descrita como suaúnica oficina mecânica, seu único importador e exportador em grande escala, seu único transportador, seuúnico país imperialista e quase que seu único investidor estrangeiro; e, por esse motivo, sua única potêncianaval e o único país que possuía uma verdadeira política mundial. Grande parte desse monopólio devia-sesimplesmente à solidão do pioneiro, soberano de tudo quanto se ocupa por causa da ausência de outrosocupantes".

12 

Essa “radical transformação da vida humana” criou o trabalhador “livre”, possuidor apenas de sua força -de-trabalho, e obrigado a vendê-la, em troca de um salário, para garantir a sua sobrevivência e reprodução(familiar ou não). Em virtude do desemprego e do pauperismo provocados pelos cercamentos, uma massade camponeses sem terra passou a perambular por estradas e paróquias, atemorizando os proprietários eaumentando a carga de impostos necessários para mantê-los, já que pelas leis inglesas as paróquias eramresponsáveis pelo auxilio aos pobres.

10 Segundo um dos principais historiadores da Revolução Industrial: "Não era raro ver quatro ou cinco ricos criadores se apossarem

de toda uma paróquia, antes dividida entre trinta ou quarenta camponeses, tanto pequenos arrendatários quanto pequenosproprietários. Todos foram repentinamente expulsos e, ao mesmo tempo, inúmeras outras famílias, que dependiam quase queunicamente deles, para o seu trabalho e sua subsistência, as dos ferreiros, carpinteiros, carro e outros artesãos e pessoas de ofício,

sem contar os jornaleiros e criados" (Paul Mantoux. A Revolução Industrial no Século XVIII. São Paulo, Hucitec, 1988, p. 164).11 Karl Polanyi.  A Grande Transformação. Rio de Janeiro, Campus, 1988.12 Eric J. Hobsbawm. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1983, p. 9.

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O aumento da miséria levou à revisão da Legislação dos Pobres, existente desde 1601 e que organizava oauxílio público aos desvalidos. A legislação tornou-se cada vez mais repressiva: todo indivíduo sem trabalhoou ocupação podia ser preso ou chicoteado e, em caso de furto, mesmo que fosse para matar a fome, sermarcado a ferro, ter as mãos decepadas ou ser enforcado. Durante o século XVIII, para evitar a entrada dedesocupados em seu território, as paróquias passaram a recorrer a Lei do Domicílio (1662) que determinava

que todo indivíduo que mudasse de paróquia pode ria ser expulso, privando assim o cidadão da liberdadede locomoção. Essa lei facilitou aos grandes proprietários a exploração ao máximo do trabalho doscamponeses de sua paróquia ou da paróquia vizinha.

A consolidação das grandes propriedades, com a expulsão de grande de número de camponeses, deuorigem à massa de "homens livres", no sentido de estarem desprovidos de qualquer propriedade edesligados da autoridade de um senhor; prontos, portanto, a se tornarem mão de obra industrial. Nasfábricas, os empresários lhes impuseram duras condições de trabalho, com baixos salários, para assimaumentar a mais-valia e, através do investimento, a produção, e garantir um lucro crescente. A disciplinafabril era rigorosa, e as condições de trabalho quase nunca ofereciam a menor segurança. Em algumasfábricas a jornada ultrapassava 15 horas, os descansos e férias não eram cumpridos, mulheres e criançasnão tinham tratamento diferenciado.

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Uma das primeiras manifestações da Revolução foi o desenvolvimento urbano. Em 1700, apenas 10 milhõesdos 630 milhões de habitantes do planeta viviam em cidades. Atualmente, a população urbana é superior apopulação rural em praticamente todos os países, chegando em alguns casos a superar 90% da populaçãototal.13  Londres chegou ao milhão de habitantes em 1800. O progresso deslocou-se para o norte; centroscomo Manchester abrigavam massas de trabalhadores, em condições miseráveis. Os artesãos, acostumados

a controlar o ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se à disciplina da fábrica. Passaram a sofrer aconcorrência de mulheres e crianças. Na indústria têxtil do algodão, as mulheres formavam mais de metadeda massa trabalhadora. Crianças começavam a trabalhar aos seis anos de idade. Não havia garantia contraacidente, nem indenização ou pagamento de dias parados.

A mecanização desqualificava o trabalho, o que tendia a reduzir o salário. Havia freqüentes paradas daprodução, provocando desemprego. Nas novas condições, caíam os rendimentos, contribuindo para reduzira média de vida. Uns se entregavam ao alcoolismo. Outros se rebelavam contra as máquinas e as fábricas,destruídas em Lancaster (1769) e em Lancashire (1779). Proprietários e governo organizaram uma defesamilitar para proteger as empresas. As fábricas pareciam prisões e o serviço era árduo, daí a dificuldadeinicial em se encontrar trabalhadores em número suficiente. Os industriais passaram a empregar mulheres ecrianças, cujo salário era menor, em larga escala. As crianças, por sua maior flexibilidade e menor porte,

eram usadas para puxar as vagonetes nos túneis das minas ou para consertar fios quebrados atrás dasmáquinas.

As crianças submetiam-se ao trabalho com maior facilidade e eram buscadas entre aquelas amparadas pelasparóquias. Estas faziam contratos com o fabricante que se comprometia a alimentar e educar os meninos emeninas cedidos para o trabalho. Na realidade, os "aprendizes" de paróquias ficavam confinados nasfábricas, isolados da sociedade e ao arbítrio dos patrões. Nos relatos sobre o emprego de crianças nosprimeiros anos da Revolução Industrial, não foram raras as denúncias sobre torturas e maus tratosdispensados a elas. As fábricas impunham uma disciplina de trabalho mais rígida do que a existente nasoficinas manufatureiras. O operário foi obrigado a ser assíduo e ajustado às novas necessidades daprodução fabril, com ponto diário de entrada e de saída e descontos nos salários em caso de faltas ou

desatenção. As extensas jornadas de trabalho se estendiam por 12 a 16 horas diárias, sem feriados ouférias, não se respeitando nem mesmo os domingos. Acidentes ocorriam com freqüência, devido aos curtosperíodos de descanso.

LÂMPADAS À GÁS, USADAS PELA PRIMEIRA VEZ EM 1805, ILUMINAM RUAS EM PALL MALL NO MESMO ANO.

Aquela que é considerada a primeira medida da era industrial relativa à proteção dos trabalhadores nãoteve efeitos práticos, por falta de instrumentos para a sua aplicação efetiva. Não estabelecia restrições

13 Erik Izraelewicz. 200 ans de statistiques. In: Jean Boissonat (ed.). Deux Siècles de Révolution Industrielle. Paris, Pluriel - L´Expansion,

1983.

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quanto à idade mínima de admissão para o trabalho fabril, embora limitasse a um máximo de doze as horasde trabalho diário, proibisse trabalho noturno e ordenasse a limpeza das paredes dos estabelecimentosfabris duas vezes por ano, bem como a ventilação dos dormitórios. Na lei de 1802 estava já contida a figurado inspetor do trabalho. Previa-se já a criação de um sistema local de inspeção voluntária das fábricas eoficinas, composto por clérigos e magistrados (visitors). Esse sistema nunca chegou verdadeiramente a

funcionar. Mas tratou-se, em qualquer caso, da primeira tentativa de intervenção do Estado no domínio daproteção dos trabalhadores, pondo em causa o mito do livre contrato de trabalho.

Em 1802 procurava-se, pela primeira vez, definir por via da lei o que era um “dia normal de trabalho”. Como aparecimento da grande indústria nas últimas três décadas do século XVIII, passou-se a trabalhar paraalém dos limites do dia natural das 12 horas. Tratava-se de um retrocesso em relação ao tempo de trabalhodos antigos artesões e à regulamentação aceite pelas respectivas corporações de ofícios. A lei de 1802, deresto, não incomodou os parlamentares ingleses, muitos deles poderosos empregadores, proprietários deterras (landlords), minas ou mills, que logo a contornaram: uma vez que ela se referia apenas aosaprendizes, ficavam fora do seu âmbito ficavam os chamados  free children.

FABRICANTES DE AÇO EM SHEFFIELD NAS OFICINAS DE AMOLADORES DE LÂMINA

Os horários de entrada e de saída das fábricas eram marcados geralmente pelo toque dos sinos, que nacidade de Manchester começavam a tocar às quatro e meia da manhã. No interior da fábrica, o operáriotinha uma função específica e sempre repetitiva, adestrada ao ritmo da maquina e sob a supervisão docontramestre que o ameaçava com multas e demissão do emprego pelo menor erro cometido. A fome, amiséria e a fiscalização constante impunham disciplina no trabalho, mas uma outra coerção foi muitoutilizada: a coerção moral e religiosa. Nesse sentido, o metodismo, religião organizada por John Wesley(1703-1791), teólogo anglicano, teve um papel destacado ao afirmar que as conseqüências da indisciplinapoderiam ser, não apenas a demissão, mas algo muito pior, as "chamas do inferno". A salvação do homemestaria ligada aos serviços que ele prestasse a Deus, como bom cristão e, principalmente, pelo trabalhodiligente.

Origem dos Capitalistas

Vimos de onde surgiram os trabalhadores assalariados: camponeses expropriados que se viram obrigados avender sua força de trabalho para sobreviver. De onde surgiu, por sua vez, a classe capitalista? Essapergunta ainda alimenta uma longa discussão acadêmica entre os historiadores. Para Marx, o arrendatáriocapitalista surgiu das fileiras dos próprios servos da Idade Média. O economista inglês Maurice Dobbacentuou esse aspecto, ao afirmar que os embriões do capital estavam na pequena produção mercantilexistente ainda no feudalismo. Dobb mostrou que o feudalismo era uma economia de pequenos produtores

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separados e relativamente autônomos, submetidos por mecanismos extra-econômicos (principalmentereligiosos e militares) aos senhores feudais. Estes viviam da extração do excedente econômico produzidopelos servos. Daí a contradição básica do sistema feudal ser aquela que opõe os servos e os senhores.

Á medida em que os camponeses conseguiam a emancipação da exploração feudal, através de revoltascamponesas e de condições que lhes favoreciam (como a peste negra, que dizimou grande parte da

população européia, tornando escassa, e por isso mais valorizada, a força de trabalho), eles podiam guardarpara si parcelas maiores de sua produção, acumular um pequeno excedente, usar seus lucros para melhoraro cultivo e acumular algum capital. Desse modo, alguns camponeses enriqueceram, e passaram a usar otrabalho de outros para acumularem mais capital ainda. Passaram, progressivamente, a pagar suasobrigações servis aos senhores feudais em dinheiro, na forma de uma renda pelo uso da terra do senhor.

TEAR MECÂNICO DE CARTWRIGHT

Assim, temos o surgimento de arrendatários capitalistas (arrendavam as terras da aristocracia e lhespagavam uma parte de seus lucros na forma de uma renda da terra pelo seu uso) e a multiplicação detrabalhadores rurais assalariados, que compunham um mercado de trabalho e um mercado consumidor emexpansão. Um fator que aumentou os ganhos desses arrendatários capitalistas foi a “revolução dos preços”(inflação) no século XVI. Como a economia não estava preparada para ajustar todos os rendimentos emfunção da inflação, aqueles que vendiam suas mercadorias (trabalhadores assalariados e capitalistas)lucraram de maneira desigual, e aqueles que compravam, perderam (os consumidores em geral, e em parteos mesmos assalariados e capitalistas, só que estes ganhavam muito mais e perdiam muito menos). Só osque viviam de rendas fixas e apenas compravam, arruinavam-se (basicamente o Estado e a aristocracia). OEstado teve que criar outras formas de arrecadação (venda de títulos da dívida pública, e a venda de cargos

e títulos de nobreza, que antes eram monopolizados pela nobreza de nascimento).

Outros autores (Paul Sweezy, por exemplo) também baseados em Marx, mostraram uma outra via desurgimento do capital e dos capitalistas, como também o fizeram Fernand Braudel e Paul Mantoux.Acentuaram o papel do comércio e das cidades. E as cidades, disse Braudel, “nutriram-se do movimento”.Suas funções urbanas se desenvolveram em decorrência da circulação de mercadorias entre esses grandesmercados citadinos  par excellence, que surgiam das rotas percorridas pelos mercadores. A transição paracompras e vendas contínuas é fenômeno histórico recente: teve início em fins do século XVIII. Essa novaforma de compra e venda sofreu influência do desenvolvimento das ferrovias e da navegação a vapor,principalmente porque o grande entrave que impedia uma expansão da economia era a falta decomunicação.

A economia se organizava em torno dos mercados e feiras locais: os mercados eram semanais e as feirasanuais, duravam três semanas normalmente. O fraco e lento fluxo do comércio exigia ser confinado e

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conduzido por canais bem definidos. Com o desenvolvimento fenomenal dos transportes no século XIX, asfeiras e mercados se tornaram obsoletos (na Europa continental, no entanto, as feiras russas mantiveramsua importância por mais tempo, até o século XX). Os métodos comerciais passaram por uma revolução. Asbolsas de produtos aos poucos foram tomando lugar das feiras, funcionavam diariamente, não poucassemanas ao ano.

As compras se davam por amostras: os artigos vendidos às vezes nem existiam. O comércio se tornava mais“especulativo”. Surgiu a venda de títulos e termos (transações de seguro, mediante as quais o produtor segarantia quanto a qualquer perda que pudesse sofrer através de flutuações no preço da matéria prima: Osseguros tanto garantiam o pagamento de uma multa pré-estabelecida se o preço caísse; o comprador, porsua vez, garantia uma cobertura no valor eventualmente alterado do produto que desejava comprar), haviaum crescimento da confiança nos compromissos comerciais e da “honestidade dos negócios”. O mercado sediversificava, havia uma maior quantidade de suprimentos a serem explorados, já que com a modificaçãodos transportes a variedade de produtos provenientes de lugares diferentes era muito maior. Oscomerciantes começaram a se dedicar somente às vendas, se especializando em alguns setores. As bolsasde produtos utilizavam os telégrafos para se comunicar com outras bolsas: isso acarretaria a criação de umpreço único mundial para os produtos, já que qualquer oscilação era notificada a todos. Os viajantes

comerciais usavam novos meios de transporte para buscar compradores, o caixeiro-viajante surgiu pelaprimeira vez no inicio do século XIX.

A bolsa de produtos e o viajante comercial estão para a feira assim como a ascensão das lojas está para omercado semanal. As lojas vão se tornando variadas, passaram a ser dirigidas por um comerciante deartigos: elas se tornavam empresas comerciais. Na primeira metade do século XIX as lojas eram pequenas eespecializadas, na segunda metade do mesmo século se tornaram grandes e múltiplas. A loja múltiplarepresenta um tipo diferente de organização, é um exemplo de concentração de capital desacompanhadoda ampliação da unidade comercial: as lojas passaram a ter múltiplas filiais.

O transporte não é uma atividade improdutiva, pois agrega valor às mercadorias transportadas (incluindo amercadoria força de trabalho). Ele é uma atividade produtiva que ocorre dentro do processo de circulação.

Nele há acumulação de capital produtivo, assim como em certas funções de estoque e conservação. Não háequívoco, portanto, em acentuar o papel da circulação de mercadorias como elemento prévio davalorização do capital na indústria, ou ainda do enriquecimento baseado no comércio, que para Marx faziaparte, sob o ponto de vista do capital social global, do que ele mesmo chamava de faux frais (falsos custos).O comércio põe em movimento novas potências da produção, independentemente do volume ou eficáciado capital investido. É ele que se torna o ímã do crescimento da produção, das trocas e da concentraçãopopulacional nas cidades. Para tal, ele exige que os produtos assumam, progressivamente, a formamercadoria.

Revolução Européia?

A Revolução Industrial, que levaria à vitória universal do capitalismo, iniciou-se, portanto, na Inglaterra do

século XVIII, daí expandindo-se, no século seguinte, para boa parte da Europa continental. Ora, antes disso,a Europa ocidental era uma região pobre e ameaçada por outros povos. Por que deslanchou à frente dasoutras? Por que o capital não floresceu primeiro em outras regiões do mundo? Certas premissas docapitalismo foram observadas na Europa e não em outros lugares (mas isso não responde, certamente, àpergunta de por que tais premissas não surgiram em outras regiões).

Para Fernand Braudel, isso se deu devido a superioridade de suas instituições (as bolsas e as diversas formasde crédito, que facilitaram o desenvolvimento do capital comercial). Causas religiosas, segundo muitosoutros autores, inspirados principalmente em Max Weber, também se fizeram valer. O calvinismo militanteda Europa setentrional depois da Reforma protestante foi acentuado por mais de um autor como estímuloao trabalho e à acumulação de riquezas.

Max Weber, quando acentuou o papel da ética protestante, não eliminou as causas de natureza econômica,embora a sua explicação da origem do capitalismo obedeça a uma causalidade diversa da analisada por

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Marx, pois em Weber a produção e reprodução da vida social jogam um papel subordinado dentro de umaconstrução teórica determinada, em última instância, pela ideologia (religiosa ou não). No caso inglês,poder-se-ia acrescentar a formação pioneira de um Estado moderno, que preferiu substituir a extorsãodireta dos súditos, mediante a força e o confisco, por uma tributação definida pelas leis e costumes, quetornaram os impostos regulares, e deram mais segurança aos capitalistas. A insegurança face à voracidade

dos reis e senhores era um motivo para esconder a riqueza, portanto para gastar e acumular menos.Foram vantagens da Inglaterra: 1) A grande disponibilidade de mão-de-obra para as indústrias nascentesdevido ao estabelecimento, no século XVI, de um processo de expulsão dos camponeses de suas terras; 2) Ainstauração da Monarquia Parlamentar através da revolução que ficou conhecida como Revolução Gloriosade 1688/89 que estabeleceu no país a Declaração dos Direitos (Bill of Rights) permitindo a supremacia doparlamento sobre a monarquia, que significou o início do fim do absolutismo, permitindo à burguesia umamaior participação nas decisões do governo e na vida política do país; 3) A grande disponibilidade dematérias-primas que a Inglaterra desfrutava, pois não tinha dificuldades de acesso às matérias-primas queforam consideradas básicas para seu desenvolvimento industrial. Ela era rica em minério de carvão, lã,algodão (obtido nos EUA) etc; 4) O fato de que, por ser uma ilha de dimensões moderadas e com formatorecortado, ela possuía facilidades naturais para o estabelecimento de um sistema de transportes eficientes

que permitia o escoamento da produção para seus portos; 5) Possuir a maior e mais forte força marítima domundo no período, o que a permitia controlar boa parte do comércio marítimo mundial; 6) Controlar umgrande império colonial que servia de mercado consumidor para seus produtos manufaturados e forneciammatéria-prima necessária para a produção desses bens.

A historiografia deu peso às estruturas e tradições sócio-culturais (religião, moral de trabalho, etc.) de modomuito diverso. Houve controvérsias acerca de quais deveriam ser consideradas «ramas industriaisprincipais», a indústria pesada ou a leve. O peso e a significação das forças motoras da mudança (aumentoda população, progresso técnico, exército industrial de reserva, oferta de capital, reforma agrária, comerciocolonial e ultramarino, mercado interno e demanda, atividade estatal) receberam diversa interpretação.Inicialmente, se concebeu a Revolução Industrial como uma transformação social e técnico-econômica

explosiva do mundo medieval, cientificamente já preparada.Seu pressuposto mais importante teria sido a substituição do mercantilismo pelo principio de laissez-faire,atendendo ao caso inglês clássico exclusivamente. Depois o acento foi posto mais nas relações existentesentre a Revolução Industrial e os câmbios gerais na sociedade desde o século XIV; a revolução seria aculminação de movimentos já iniciados, não a formação de algo totalmente novo. Ela foi apresentada comoo início de um desenvolvimento econômico global. Um fator real de significativa ampliação de mercados,conectada ao aumento extensivo contínuo da produção de mercadorias voltada a esses mercados, foi aformação dos estados territoriais, particularmente no século XVI. Esses estados não eram nacionais, nosentido atual da palavra. A figura do Estado nacional, como hoje o conhecemos, data do século XIX. Mas foiprecedido pelos Estados absolutistas, surgidos no século XVI. O comércio levou vantagem com um mercadounificado maior, com leis comuns, moeda, pesos e medidas estabelecidos pelo Estado, com uma segurança

oriunda do rei, que paulatinamente foi adquirindo o monopólio do uso de toda violência, impedindo assimque os cidadãos se vissem objeto da arbitrariedade de senhores locais. Trata-se de um processomultissecular.

A aristocracia guardou privilégios fiscais, aduaneiros e militares em várias regiões da Europa, até o fim doséculo XIX. O Estado absolutista desenvolveu uma política mercantilista, tentando reter em suas fronteiras amaior quantidade possível de ouro e prata, incentivando a obtenção de um superávit comercial. Essa fasede expansão capitalista esteve associada, portanto, a políticas protecionistas nas relações inter-estatais. Aforma estatal que serviria de quadro histórico para a vitória do capital seria, finalmente, a do EstadoNacional, atingida depois de um processo histórico, no qual Europa levou vantagem sobre as outras regiõesdo planeta.

As unidades políticas e sociais da antiguidade não eram mais que nações em potencial. A nação, no sentidoestrito, é um produto direto da sociedade capitalista, que surge e se desenvolve onde surge e se desenvolve

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o capitalismo. A burguesia tende a se constituir em Estado nacional porque é a forma que correspondemelhor aos seus interesses e que garante um maior desenvolvimento das relações capitalistas. A nação foilentamente elaborada, entre os séculos XV e XVIII, graças a uma aliança entre a potência política damonarquia (os Estados absolutistas) e o crescente poder econômico e social da burguesia, aliança que, pelasua própria dialética interna, se desdobrou, transformando-se num conflito, ao fim do qual a burguesia

destruiu o Antigo Regime e se erigiu em nova classe dominante, dotando-se de um novo Estado, o Estado-Nação. Somente interpretando as nações a partir da sua base econômica é possível compreender ofenômeno da universalização da nação, ou seja, da difusão mundial da aspiração à construção de Estadosnacionais, difusão que tem por base o próprio caráter tendencialmente mundial da produção capitalista,desde os seus primórdios.

A internacionalização do capital, no entanto, só adquiriu uma base efetiva com a Revolução Industrialiniciada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. O desenvolvimento permanente e auto-sustentado de uma economia moderna só é possível quando ela pode produzir uma quantidade de produtosde forma crescente para satisfazer mercados e necessidades humanas igualmente crescentes. Isso só pôdeser feito quando a humanidade conseguiu substituir o pequeno modo de produção, baseado na economiaagrária e em pequenas unidades econômicas fundamentadas no trabalho e na habilidade manual de

artesãos, por uma economia capitalista moderna, orientada para o mercado e baseada na indústria e nafabricação mecanizada.

O “Privilégio” Inglês 

Ascensão das burguesias (século XVII) - Inglaterra

Revoluções Puritana (1640) e Gloriosa (1688/89)

•Crise do Antigo Regime: forma absolutista de governo beneficiava somente a nobreza e os grandescomerciantes

•Monopólios comerciais x livre concorrência

•Ideais liberais ganham importância entre pequenos comerciantes, artesãos, profissionais liberais ecamponeses

•A burguesia capitalista supera a dominação da nobreza com apoio popular instauração da monarquiaparlamentar

Companhia Inglesa das Índias Orientais (1600) – Elizabeth I

1ª metade do século: grande controle do Estado sobre as atividades econômicas (políticasmercantilistas)

Expansão do comércio exterior inglês: entre 1610 e 1640, multiplica-se por 10 grande

desenvolvimento comercial e manufatureiro promovido pela burguesia

Predominância da aristocracia rural e da exploração da mão-de-obra camponesa enclosures (cercamentos)

Sujeição do trabalho artesanal aos negociantes (fábricas)“Quando a burguesia se sente suficientemente forte para dominar o mercado mundial, ela sabe

abandonar as teses mercantilistas para valorizar as virtudes da livre-troca. Quando ela se sente forte o

bastante para enfrentar o absolutismo, ela sabe se armar concomitantemente de novas idéias liberais e

de livre consentimento (achando assim apoios pequeno-burgueses e populares) e se aliar às camadas

esclarecidas da nobreza (diante do perigo das revoltas camponesas e do descontent amento popular)”

(Michel Beaud)

A Revolução Industrial, por isso, refere-se a um conjunto de inovações tecnológicas e econômicas queocorreram na Inglaterra no século XVIII. As inovações começaram na indústria têxtil. Como se sabe, já em

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1733 (data de início da Revolução Industrial, para alguns historiadores) John Kay inventou a lançadeiravolante, popularizada depois de 1760. James Hargreaves inventou a Spinning-Jenny (1765) que produzia oitofios ao mesmo tempo, mas eles eram finos demais e quebravam-se. Richard Arkwright (ou Thomas Highs,segundo outros autores) inventou a waterframe (fiandeira hidráulica, 1760), capaz de produzir oito fiossimultaneamente, porém só permitia a fabricação de tecidos muito grossos e de baixa qualidade. Foi

Samuel Crompton que conseguiu produzir fios finos e resistentes, com a mule (1779). O aumento daprodução de fios obrigou a tecelagem a se revolucionar para poder consumi-los produtivamente: sobravamfios, desequilíbrio corrigido em 1785, quando Edmond Cartwright inventou o tear mecânico. No ramometalúrgico, substituiu-se o carvão vegetal pelo carvão mineral (coque), inventou-se o processo depudlagem, descoberto por Peter Onions (1783).

Cada problema surgido exigia nova invenção. Para mover o tear mecânico, era necessária uma energiamotriz mais constante que a hidráulica, à base de rodas d’água. Thomas Newcomen inventou a máquina avapor (1711), aperfeiçoada por James Watt (1765), quem, aprimorando a máquina, chegou à máquina demovimento duplo, com biela e manivela, que transformava o movimento linear do pistão em movimentocircular, adaptando-se ao tear. Era a primeira máquina a vapor realmente eficaz. A idéia básica era colocar ocarvão em brasa para aquecer a água até que ela produzisse muito vapor. A máquina girava por causa da

expansão e da contração do vapor posto dentro de um cilindro de metal. As máquinas a vapor tinhammuitas utilidades. Retiravam a água que inundava as minas subterrâneas de ferro e carvão. Movimentavamos teares mecânicos, que produziam tecidos de algodão. Com isso, a Inglaterra se tornou a maiorexportadora mundial de tecidos. Nas primeiras décadas do século XIX, as máquinas a vapor equiparamnavios e locomotivas.14 Para aumentar a resistência das máquinas, a madeira das peças foi substituída pormetal, o que estimulou o avanço da siderurgia. O navio a vapor foi criado por Robert Fulton (1807) e alocomotiva a vapor foi inventada por George Stephenson (1814). Duas coisas se percebem nesse desfile deinvenções: 1) elas estimulavam o surgimento de outras, criando uma base tecnológica industrial comum; 2)as mais importantes foram inventadas pelos ingleses.

Isso nos remete novamente à questão: por que a Inglaterra? A resposta exige outra pergunta: por que uma

revolução industrial pôde acontecer? As primeiras hipóteses remeteram para fatores geográficos: aInglaterra possuía grandes reservas de carvão mineral em seu subsolo, ou seja, a principal fonte de energiapara movimentar as máquinas e as locomotivas à vapor. Além da fonte de energia, os ingleses possuíamgrandes reservas de minério de ferro, a principal matéria-prima utilizada neste período.

15  Mas essa

explicação logo mostrou suas limitações. A burguesia inglesa tinha capital suficiente para financiar asfábricas, comprar matéria-prima e máquinas e contratar empregados. O mercado consumidor inglêstambém pode ser destacado como importante fator que contribuiu para o pioneirismo inglês. A suposiçãonormalmente aceita é de que a economia capitalista, por ser baseada na concorrência e visar o lucro, tendepara a inovação constante dos produtos e das formas de trabalho. Quanto mais sofisticados os meios detrabalho, maior a produtividade (produz-se mais unidades de mercadoria em menos tempo), menores oscustos e os preços, maior a possibilidade de vender para mais gente, conquistando mais mercados. O

problema é que a premissa desses fatores é falsa: nada indica que os capitalistas, nas circunstânciashistóricas dos séculos XVI ou XVII, por exemplo, tivessem interesse em revolucionar os meios de trabalho,construindo máquinas inovadoras.

14 As carruagens viajavam a 12 km/h, e os cavalos, quando se cansavam, tinham de ser trocados durante o percurso. Um trem da

época alcançava 45 km/h e podia andar centenas de quilômetros. A Revolução Industrial tornou o mundo qualitativamente maisveloz.15

 Na Europa, os maiores centros de desenvolvimento industrial, na época, eram as regiões mineradoras de carvão, lugares como onorte da França, nos vales do Rio Sambre e Meuse; na Alemanha, no vale de Ruhr, e também em algumas regiões da Bélgica. Alémdestes lugares, a industrialização ficou presa às principais cidades, como Paris e Berlim; aos centros de interligação viária, como Lyon,

Colônia, Frankfurt, Cracóvia e Varsóvia; aos principais portos, como Hamburgo, Bremen, Roterdã, Le Havre, Marselha; a pólos têxteis,como Lille, Região do Ruhr, Roubaix, Barmen-Elberfeld (Wuppertal), Chemmitz, Lodz e Moscou, e a distritos siderúrgicos e deindústria pesada, na bacia do rio Loire, do Sarre, e da Silésia.

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O tipo de mercado ao qual estavam acostumados era formado em primeiro lugar por gente rica, nobres eburgueses que queriam mercadorias de luxo, caras e em pequena quantidade. A margem de lucro era altasem que fosse preciso produzir ou comercializar muito. Os consumidores pobres, que satisfaziam suasnecessidades exclusivamente no mercado e não com formas de auto-subsistência, não eram numerosos enem necessariamente adeptos de produtos padronizados. Foi preciso que a própria produção mecanizada

criasse o seu mercado, foi preciso que um mercado potencial existisse, que capitalistas industriosos epioneiros apostassem nas inovações, que o estado os apoiasse, e que eles quisessem de fato substituir asmanufaturas da Índia, no caso do ramo têxtil, por mercadorias baratas e abundantes feitas na Inglaterra.

Inglaterra tinha então três características fundamentais: um Estado disposto a apoiar seus capitalistas; ummercado interno potencialmente grande; e um mercado externo igualmente grande, baseado numverdadeiro império, que começou a ser erguido no século XVII, e numa marinha cada vez mais eficiente. Acondição política que diferenciava a Inglaterra do resto do mundo (com a exceção, talvez, dos Países Baixos)era o fato de que a burguesia havia feito uma revolução vitoriosa, exercendo assim o poder de maneira acriar as condições legais e institucionais favoráveis à atividade capitalista. Ao longo do século XVII, e atravésde duas revoluções, criaram-se progressivamente na Inglaterra as condições institucionais para a produçãocapitalista: em 1628, a Petição de Direitos; em 1651, os Atos de Navegação; em 1679, o Habeas Corpus Act ;

em 1689, o Bill of Rights.

Depois da Revolução de 1640, e da Revolução Gloriosa (1688), a Inglaterra consolidou-se como um impériocolonial. Através da guerra dos sete anos (1756-1763) tomou colônias francesas na América, Ásia e África;assinou tratados vantajosos com Portugal (Tratado de Methuen, 1703) e com a Espanha (Tratado deUtrecht, 1713). Além disso possuía ricas jazidas de ferro e carvão. O fator demográfico foi importante comoformador de um grande mercado consumidor interno. Depois da epidemia de varíola (1725-1730), seguiu-seum período de estabilidade, mas a partir de 1750 a população subiu sensivelmente.

Os avanços da medicina preventiva e sanitária e o controle das epidemias favoreceram o crescimentodemográfico. Aumentava assim a oferta de trabalhadores para a indústria. Trata-se de um fenômenoparecido ao acontecido na França depois da peste negra: a taxa de mortalidade decresce, devido aorejuvenescimento da população sobrevivente, a taxa de natalidade aumenta, devido a precocidade eabundância não habituais de casamentos precoces, facilitados estes pelas heranças antecipadas (pela morte

dos mais velhos). Emmanuel Le Roy Ladurie descobriu fenômenos, na França do século XVI, semelhantesaos que aconteceriam na Inglaterra do século XVIII. Além de um mercado interno em ampliação, a Inglaterra

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pôde contar com um mercado externo (colonial) em crescimento, particularmente depois dasindependências dos países latino-americanos e da abolição da escravidão no século XIX, além da penetraçãoinglesa na Índia e na China. Também a Europa Oriental era um mercado consumidor de produtos ingleses.

O comércio interno e externo sustentou a empresa industrial, pois os capitais acumulados, que contavamcom uma sólida instituição financeira, o Banco da Inglaterra, concedia amplos créditos aos industriais

britânicos. Por volta de 1840, a indústria inglesa já estava mecanizada, havia uma rede nacional de estradasde ferro, começava a construir ferrovias em outros países, exportava locomotivas, vagões, navios emáquinas industriais. Além de possuir grandes reservas de carvão, as jazidas inglesas estavam situadas pertode portos importantes, o que facilitava o transporte e a instalação de indústrias baseadas em carvão. Nessaépoca a maioria dos países europeus usava madeira e carvão vegetal como combustíveis. As comunicaçõese comércio internos foram facilitados pela instalação de redes de estradas e de canais navegáveis.

Em 1848, a Inglaterra já possuía oito mil quilômetros de ferrovias. Por outro lado, a localização daInglaterra, na parte ocidental da Europa, facilitava o acesso às mais importantes rotas de comérciointernacional, e permitia conquistar mercados ultramarinos. O país possuía muitos portos, e intensocomércio costeiro. Os mercados externos das exportações inglesas se diversificaram rapidamente.

Por fim, a Inglaterra foi também beneficiada por uma adequada combinação de ciência e tecnologiaaplicada. O espírito científico casou-se com a indústria. Já no século XVII a Inglaterra desenvolveu uma

verdadeira revolução no pensamento científico, criando uma filosofia empirista, que considerava oconhecimento como produto apenas da experiência (Francis Bacon foi um desses pensadores). No séculoXVIII o pensamento científico se desenvolveu com o objetivo de resolver problemas práticos. Nos séculosXVIII e XIX a tecnologia foi adquirindo seu caráter moderno de ciência aplicada. As descobertas e invençõesencontravam rapidamente aplicação prática na indústria ou no desenvolvimento da ciência. Os próprioscientistas, muitos ainda autodidatas, transformaram-se em inventores.

Progresso Técnico e Capital

Em 1763, Black constatou que a quantidade de calor necessária para manter a transformação da água emvapor era igualmente grande depois da fervura da água. Foi essa constatação que levou Watt a criar umcondensador separado do cilindro, que mantinha uma temperatura constantemente elevada, diminuindo

assim a perda de energia. Inglaterra desenvolveu várias instituições científicas. A Royal Society datava dostempos da Restauração (1660); depois se criaram a Society for the Encouragement of Arts, Manufacture andCommerce (1754), a Literary and Philosophical Society (1781) e o College of Arts and Sciences (1783),voltado para jovens ligados aos negócios, e com um programa que dava ênfase à mecânica e à química.

A interligação entre invenções de ramos diferentes era impressionante, daí a importância da pesquisacientífica em diferentes áreas do conhecimento, que abrangeram até a história econômica e a economiapolítica. Nathan Rosenberg demonstrou, com referência aos EUA, como uma série de invenções na indústriade armas de fogo espraiou-se para outras áreas, com uma decisiva influência no desenvolvimento damaquinaria de precisão especializada. A introdução do torno de encepar por Thomas Blancgard (1818) paraa modelagem de caixas de escopeta foi usada para modelar materiais de madeira.

A indústria de armas de fogo contribuiu para o desenvolvimento de muitos acessórios dos quais depende aprodução em grande escala de peças de precisão de metal: crivos (peneiras de arames), alavancas, porcas e

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manômetros (aparelhos destinados a indicar a tensão do vapor e dos gases). A fresadora (contendocortador giratório para desbastar, polir ou cortar metais e outras peças), uma máquina-ferramenta, teveorigem na intenção dos fabricantes de armas de substituir custosas operações manuais que exigiam peçasintercambiáveis.

A Revolução Industrial inglesa criou uma reação positiva em outros países, que cuidaram de proteger suas

indústrias nascentes com tarifas protecionistas e de desenvolver ou copiar tecnologias aplicáveis à indústria.França, Estados Unidos, principados alemães, cidades italianas, Bélgica, Holanda e outras áreas européias,passaram a desenvolver-se em diferentes ritmos e momentos.

A França teve iniciativas pioneiras, como a primeira tentativa de um tear mecânico (Gennes, 1678), aafinação e aperfeiçoamento do tear de malhas (Galantier e Blanche, 1686), a teoria da máquina a vapor e aaplicação do êmbolo no aproveitamento do vapor (Dinis Papin, 1690-91), o torno de precisão e a máquinade tecer seda (Vaucanson e Thiout, respectivamente, 1741-45). Ainda apressou-se a imitar os ingleses: em1747 John Kay foi à França ensinar a utilização da lançadeira volante. Entretanto, a França vivia sob o AntigoRegime, oprimida, até a Grande Revolução de 1789, pelo despotismo do rei e pelos privilégios fiscais e

 jurídicos da nobreza.

A vinculação entre progresso técnico e científico, surgimento do capitalismo, e nascimento da classeoperária, não é automática nem mecânica. A classe operária moderna foi o produto do desenvolvimento domodo de produção capitalista, sistema que não deve ser confundido com qualquer atividade que vise aolucro (atividade que existe desde a mais remota antiguidade), nem com as mudanças técnicas quedeterminaram o nascimento de novos instrumentos de produção. Não foi a revolução técnico-científica quepossibilitou o surgimento do capitalismo, mas o contrário: foi o desenvolvimento das condições econômicasdo capitalismo que possibilitou aquelas mudanças. Disse o pai da economia política, Adam Smith, "ainvenção de tais máquinas que tanto facilitam e abreviam o trabalho, parece que se deve basicamente àprópria divisão do trabalho. Tendo voltada toda a atenção da sua mente para um só objeto, um homem serácapaz de descobrir os meios mais fáceis e expeditos de realizar seu objetivo, com maiores probabilidades deêxito do que se tivesse a atenção dispersa, voltada para uma grande variedade de coisas".

As condições econômicas que caracterizaram o aparecimento do capitalismo foram: a crescente divisão dotrabalho, o desenvolvimento conseqüente do intercâmbio (troca) e a progressiva separação entre oprodutor com respeito à terra e aos seus instrumentos de produção (ferramentas e máquinas elementares);separação esta que transformou os antigos produtores independentes em proletários, despojados dequalquer meio de produção.

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Origem da Classe Operária

Disse Friedrich Engels que "a formação de um remanescente do produto do trabalho, depois de cobrir os

gastos de sustentação do trabalho e permitir a constituição e o crescimento, com base nesse remanescente,de um fundo social de produção e reserva, são o fundamento de todo progresso social, político e

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intelectual. Na história, até hoje, esse fundo social vem sendo patrimônio de uma classe privilegiada quepossui, com ele, o poder político e a direção espiritual da sociedade".

A forma de apropriação do trabalho excedente foi diferente nas diversas etapas da sociedade, devido aosdiversos níveis da produtividade social, dependente, por sua vez, do nível de desenvolvimento da forçaprodutiva do trabalho. Numa etapa de baixa produtividade do trabalho social, seria impossível a existência

de uma renda importante e regular para uma classe ociosa, que não colaborasse com a produção, a menosque se baseasse na compulsão dos produtores. A sociedade escravocrata baseou-se nesta compulsão.

Numa sociedade predominantemente agrícola, as relações decisivas estão vinculadas à posse da terra. Namedida em que a divisão do trabalho e as trocas estão pouco desenvolvidas, o trabalho excedente éapropriado de maneira direta, como obrigação pessoal do servo para com o seu senhor ou sob a forma deuma parte do produto entregue pelo camponês, como tributo em espécie, ao mesmo senhor. A sociedadefeudal-medieval caracterizou-se, justamente, pela prestação compulsória de trabalho excedente impostaaos produtores.

Com o crescimento da produtividade do trabalho, mudam as formas de apropriação privada do trabalhoexcedente. Com o desenvolvimento da divisão do trabalho e das trocas, todos os produtos do trabalho

social tendem a se transformar em mercadorias (objetos destinados à sua compra-venda no mercado). Coma expropriação dos meios de produção das mãos dos produtores, a própria força de trabalho destes tende ase transformar em mercadoria. Já não é mais necessário que a apropriação do trabalho excedente se realizeatravés da compulsão direta do trabalhador. Essa forma cede o lugar para outra, na qual a obrigação detrabalhar para outro se deve a uma compulsão puramente econômica: para sobreviver, o trabalhador estáobrigado a vender a sua única posse, que é a sua força de trabalho, ao proprietário dos meios de produção(doravante chamados de capital ). Esta nova forma de apropriação do trabalho excedente - caracterizadapela compra da força de trabalho em troca de um salário, pelo capitalista, ou seja, pela oposição entrecapital e trabalho assalariado - constitui a essência do moderno modo de produção do capitalismo.

Historicamente, a fase inicial deste novo modo de produção situa-se na segunda metade do século XVI e no

começo do século XVII, na Inglaterra e na Holanda, quando o capital começa a dominar a produção numaescala considerável, seja na forma de uma relação entre capitalistas e operários assalariados, seja na formamenos desenvolvida da subordinação de artesãos domésticos, que trabalhavam em casa com máquinas ematérias-primas fornecidas pelo capitalista (sistema de encargos ou  putting-out system). No século XVIII, osistema capitalista cresceria decisivamente em extensão (divulgando-se aos outros países europeus) e emprofundidade, através da Revolução Industrial, com a qual o capitalismo consolidaria seu domínio daprodução e criaria as bases da sua expansão em escala mundial.

Previamente, no entanto, no século XVII, as revoluções sociais e políticas na Inglaterra (em 1640 e 1688),lutando contra as corporações (grêmios) de ofício privilegiadas (que detinham o monopólio da produção emcertos ramos) e contra os próprios monopólios da Coroa, criaram as condições para a expansão do sistemacapitalista a todos os ramos da produção. A Revolução Industrial, por isso, pode ser definida historicamente

como o momento de transição de uma fase primitiva e imatura do capitalismo, na qual o capital cresciasubordinando a pequena produção mercantil, tirando-lhe progressivamente a sua independência comoforma econômica, para uma fase na qual o capitalismo criou sua própria forma de produção, na unidadeprodutiva em grande escala (a fábrica) na qual se consuma, definitivamente, a separação entre o produtor(o operário) e os meios de produção (propriedade privada do capitalista).

O agrupamento de um grande número de artesãos nas manufaturas não mudou radicalmente os métodosde produção, mas criou as condições que permitiriam a incorporação dos progressos técnicos à produção,levando a divisão do trabalho ao interior da própria oficina, possibilitando assim o surgimento da indústriacapitalista (a fábrica). O capitalismo manufatureiro também destruiu a trava que os monopólioscorporativos de ofício impunham ao comércio interno e externo. As novas técnicas baratearam

notavelmente a produção, tornando impossível impedir que as mercadorias provenientes da manufatura

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penetrassem em todos os mercados. Entre 1750 e 1760, a exportaçãobritânica de tecidos de algodão aumentou dez vezes.

O mercado interno, por sua vez, cresceu junto com o crescimentodemográfico: a população inglesa aumentou 40% durante a segundametade do século XVIII, e perto de 50% nas três décadas seguintes. Isto foi

possibilitado por diversos fatores: diminuição do índice de mortalidadeinfantil, controle de doenças epidêmicas, generalização de práticashigiênicas (como o tratamento da água, tomando-a potável), etc. Estavamcriadas as bases para a incorporação dos progressos técnicos à produçãoem grande escala, o que afetou principalmente a produção têxtil, amineira e a metalúrgica, além dos transportes. A mule de Crompton, porexemplo, operada por um só trabalhador, realizaria nas fábricas têxteis otrabalho que antigamente era realizado por trezentas fiandeiras. Aconversão do carvão mineral em combustível útil (o coque) permitiu o

surgimento das fábricas metalúrgicas com altos fornos, substituindo o escasso carvão vegetal, que limitava aprodução.

O barco a vapor, por sua vez, barateou e acelerou enormemente o transporte de produtos através das redesfluviais. As novas condições econômicas permitiram o uso em grande escala dos progressos científicos etécnicos, e retroagiram sobre a esfera da ciência e da técnica, exigindo novos progressos, para alimentar ocrescimento da produção. A fábrica moderna é filha desse fantástico desenvolvimento da técnica, datecnologia e da produção, possibilitando, por sua vez, pela expansão e unificação dos mercados internos(através da supressão dos impostos e alfândegas internas), pela abertura dos mercados externos, seja nospaíses submetidos ao processo de transformação capitalista (situados na Europa ocidental e no norte-lestedas colônias inglesas da América, transformadas em 1776 nos Estados Unidos da América, região onde sedesenvolve uma importante indústria naval e algodoeira), seja nos países que ficam fora desse processo,logo transformados em colônias ou semicolônias dos países capitalistas.

É dentro das fábricas que surgiu a nova classe social, a classe operária, submetida nesta fase inicial aesgotantes jornadas de trabalho (que variavam de 14 a 16 horas diárias) e sem descanso semanal. Oprocesso se operou com grande rapidez, medido à escala histórica, contabilizando-se, na Inglaterra, em1835, 50.675 operários adultos, 53.410 operárias (sobretudo na indústria têxtil), 53.843 operários jovensentre 13 e 18 anos e 24.164 crianças trabalhando em fábricas. Ganhando quantias irrisórias, as criançasoperárias sofriam freqüentemente de degenerações irreversíveis, devidas aos movimentos mecânicos aosquais eram submetidas durante seu período de crescimento.

Os novos operários eram, basicamente, antigos camponeses - pequenos proprietários agrários ou servos -expropriados ou expulsos de suas terras, e artesãos expropriados dos seus instrumentos de produção(ferramentas). A classe operária surgiu da dissolução do feudalismo, caracterizado pelas relações de

vassalagem (senhor/servo) no campo, e pelos grêmios manufatureiros corporativos nas cidades. Estadissolução se estendeu, de maneira diversificada e tomando-se a Europa como um todo, do século XVI até oséculo XIX. A dissolução do feudalismo e o esmagamento da pequena produção mercantil, agrária e urbana,pelo capital, criaram o exército de homens e mulheres despojados de toda posse, que seriam obrigados a setransformar em operários modernos. Esse exército criou a última condição necessária para a vitória dagrande indústria: a disponibilidade imediata de uma enorme quantidade de mão-de-obra.

Engels abria seu livro  A Situação da Classe Operária na Inglaterra, de 1845, com a seguinte observação: «Ahistória das classes proletárias inglesas começa na segunda metade do século passado com a descoberta damáquina de vapor e de máquinas para a manufatura dos tecidos de algodão. Estas descobertas deramimpulsão à revolução industrial, que transformou, simultaneamente, toda a sociedade burguesa... Inglaterraconstitui o cenário clássico dessa revolução, tão mais irresistível na sua progressão quanto silenciosa em seu

processo, sendo, por conseguinte, o típico país onde cristaliza o resultado principal desse fenômeno, oproletariado. Só na Inglaterra cabe estudar o proletariado em todas suas relações e sob todos seus

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aspectos». Para Engels, a conseqüência capital das transformações foi a gênese do proletariado, derivada davitória do trabalho mecânico sobre o manual.

Disciplinamento do Trabalho

Assim, a produção de algodão na Inglaterra, entre l770 e 1800, multiplicou-se por doze. Havia 2.400 teares

mecânicos em 1813, 55.000 em 1829, 100.000 em 1833, e 250.000 em meados do século. No fim do séculoXVIII surgiram também as grandes fábricas metalúrgicas, como a dos Darby em 1784, com oito altos-fornos,ou a de Creusot (na França) em 1785, que empregava 1500 operários. Na mesma época, a energia a vaporsubstituiu progressivamente a força da água. Após o fim das guerras napoleônicas, em 1815, a máquina avapor difundiu-se na Europa e nos EUA, assegurando a vitória da indústria. Foi parte essencial desseprocesso a introdução dos homens "livres" (livres de toda posse) dentro das fábricas, obrigando-os a aceitaras espantosas condições de trabalho, piores em tudo àquelas características dos antigos artesãos ecamponeses.

O processo de disciplinamento da força de trabalho foi parte integrante do surgimento do capitalismo. Elese estendeu ao longo de séculos e compreendeu as diversas leis contra a vagabundagem e “contra apobreza”, adotadas nos diversos países, que visavam obrigar os homens livres a ingressarem no trabalho

fabril. Já em 1547 era proibida a mendicância em Londres. Em 1662, a Lei de Residência dava aos juízes, apedido do encarregado da vigilância dos pobres em cada paróquia, o poder de enviarem de volta à suaparóquia os recém-chegados. Em 1723, as paróquias foram autorizadas a instalar “casas de trabalho”, quese transformavam em centros de trabalho forçado.

Todas essas medidas visavam disciplinar para o trabalho fabril as já então denominadas "classes perigosas",mas criavam simultaneamente um tipo de sistema assistencialista, que impedia a livre oferta e circulação damão-de-obra (força de trabalho). No início da Revolução Industrial inglesa, em 1782, as Leis de Gilbertfecharam as "casas de trabalho". Para evitar o retorno à servidão no campo, os homens fugiam para ascidades industriais, onde engrossavam o exército industrial de reserva. Nas cidades, por sua vez, os salárioseram tão baixos, que em 1795 foi adotado o Sistema de Speenhamland , em reunião dos juízes de Berkshire,

alarmados com o pauperismo e com a crescente onda de revoltas. Por este sistema, a paróquia deveriapagar um subsídio complementar ao salário, até o nível da subsistência.

Esse sistema foi uma fonte de acumulação capitalista, pois estimulou os patrões a reduzirem os salários semresistências sérias por parte dos operários, pois estes aceitavam trabalho por salários inferiores ecompetiam com o trabalho não subvencionado, além do que podiam ter mais filhos, o que fazia com que osbenefícios recebidos aumentassem. Com a consolidação da grande indústria, completavam-se as condiçõespara a total transformação capitalista do mercado de trabalho, abandonando-se os últimos resquícios depaternalismo. Em 1833, a Lei de Fábrica (Factory Act ) permitiu o emprego de crianças nas fábricas,conquanto tivessem pelo menos nove anos, fixando um horário semanal máximo para elas de 48 horas (oque legalizou, de fato, a exploração de crianças).

Um aspecto fundamental foi o disciplinamento do trabalhador a serviço do capital a um novo controle dotempo de trabalho: “O cercamento dos campos e o progresso agrícola estavam, em certo sentido,relacionados com um governo eficaz do tempo da mão-de-obra. O cercamento e um progressivo excedentede mão-de-obra em finais do século XVIII endureceram a situação dos que estavam em um emprego fixo; seenfrentaram com as alternativas de emprego parcial e leis de pobres, ou a submissão a uma mais exigentedisciplina de trabalho. Não é uma questão de técnicas, mas de um maior sentido da economia do tempoentre os patronos - capitalistas. Isto ficou patente em um debate entre os defensores da mão-de-obraassalariada com emprego fixo e os defensores do «trabalho contratado» (isto é, trabalhadores contratadospor empreitada para certos trabalhos)”.

16 

16 Edward P. Thompson. Tiempo, disciplina de trabajo y capitalismo industrial. Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase. Estudios

sobre la crisis de la sociedad preindustrial. Barcelona, Crítica, 1984, p. 268.

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Em 1834, o Speenhamland foi abolido, materializando a vitória completa do capitalismo e do mecanismo delivre oferta e procura de mão-de-obra. Isto aconteceu exatamente no momento em que as construçõesferroviárias e as de navios de ferro permitiam absorver a mão-de-obra desempregada, dando impulsãodefinitiva à grande indústria. Este é o período em que se consolidou um operariado "fixo" ou hereditário.Segundo Jurgen Kuczynski, no início do século XIX, a Inglaterra era o único país no qual o mineiro era

membro da classe operária já na sua segunda ou terceira geração: a formação de um "operariadohereditário" não se encontrava estendida, na Inglaterra (país mais avançado industrialmente), antes de1820.

Segundo Daniel Bertaux, "durante toda a primeira Revolução Industrial, a exploração da população operáriafoi feita de forma inteiramente selvagem. As condições de reprodução (da população operária) eramaleatórias. O fluxo constante de camponeses desenraizados vinha substituir uma mão-de-obra quedefinhava. Para que se possa formar um operariado hereditário, é necessário antes de tudo que as criançaspossam sobreviver. Ora, no começo da Revolução Industrial, os filhos dos operários morriam em massa".

17 

Segundo levantamentos de época, metade dos filhos dos operários têxteis morria antes dos dois anos.Ainda em 1866, a mortalidade infantil atingia 35% dos filhos dos tecelões de seda de Lyon (os canuts).

No começo do século XIX, mais de 3/4 das crianças abandonadas à Assistência Pública morriam em um ano.Em 1850, "não é certo que 10% delas atinjam o vigésimo ano de vida"! Sem falar na degradação física: em1837, na França, dentre os 10 mil jovens requisitados para o serviço militar dos dez principaisdepartamentos manufatureiros, 8.980 eram inválidos ou deformados. Na mesma época, no entanto, oindustrial Mimerel, de Lille, escrevia: "A sorte dos operários não é má. Seu trabalho não é excessivo, já quenão ultrapassa 13 horas. Quem deve se lamentar é o manufatureiro, pois seus lucros são pequenos". Opaternalismo patronal-estatal-eclesiástico não foi limite para a hecatombe demográfica descrita. O limite foiposto por outros fatores. Pois a classe operária nunca foi apenas objeto e meio do capitalismo e daRevolução Industrial. Ela foi, também, desde o início, sujeito da grande transformação social, reconhecendo-se paulatinamente como classe diferenciada da sociedade, como classe com interesses específicos,reconhecendo-se como proletária.

17 Daniel Bertaux. Destinos Pessoais e Estruturas de Classe. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.

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Do Operariado ao Proletariado

Contrariamente ao que acontecia com o artesanato especializado, na época das manufaturas, os operáriosformam um  proletariado capaz de desencadear uma ação revolucionária, e têm interesse em fazê-lo parasacudir e mudar toda a ordem social existente. Economicamente, o poder do proletariado sobre a indústriamoderna é bastante inferior àquele desfrutado por seu predecessor no período manufatureiro. Mas, em

termos políticos, seu poder potencial é infinitamente maior. As velhas divisões geográficas, os velhosressentimentos, vestígios da época artesanal, são minimizados ou eliminados. A natureza do trabalho nafábrica exigia organização e disciplina dos trabalhadores, preparando-os para a ação organizada edisciplinada em outros campos.18 

A extrema exploração à que estavam sujeitos privava-os de qualquer interesse na ordem social existente.Não que esse fosse o resultado automático da situação do operariado moderno. Mas sim o seu resultadoobjetivamente determinado (isto é, pelo lugar objetivo dessa classe nas relações de produção capitalistas:nas relações entre capital e trabalho assalariado), depois que os núcleos fundamentais da nova classeesgotassem qualquer expectativa em outras saídas. Estas existiam na forma das seitas religiosas, doalcoolismo (que grassou entre os operários na primeira fase da Revolução Industrial), da fuga da fábricaatravés do trabalho independente, ou da ilegalidade (o roubo): "A alternativa para a evasão ou a derrota eraa rebelião. A situação dos trabalhadores pobres, especialmente do proletariado industrial que formava seunúcleo, era tal que a rebelião se tornou não só possível, mas obrigatória. Nada mais inevitável na primeirametade do século XIX do que surgimento dos movimentos trabalhistas e socialistas, assim como odesassossego revolucionário de massas".19 

A tradição das greves, bastante desenvolvida entre os artesãos, foi retomada, ampliada e reformulada peloproletariado moderno, até ser transformada em meio capaz de abalar totalmente a sociedade existente.Entre 1753 e 1757 se produziram greves espontâneas em diversas regiões da Inglaterra: pedreiros ecarpinteiros em Manchester, marceneiros em outras cidades, etc. Em 1765, 100 mil marinheiros e operáriosdo carvão declararam greve. Durante o período mais radical da Revolução Francesa (o do Terror jacobinocontra a aristocracia) floresceram as greves: "Formou-se, uma coligação entre lenhadores e outrosoperários das diversas comunas, com vistas à obtenção de melhores salários. O Comitê de Salvação Públicadecidiu que aqueles que persistissem com a exigência de um salário superior seriam considerados suspeitos

18 Paul Sweezy. The Theory of Capitalist Development . Nova York, Monthly Review Press, 1956.19 Eric J. Hobsbawm. A Era das Revoluções 1789– 1848. São Paulo, Paz e Terra, 2005.

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e tratados como tais. Foi enviado para a região um destacamento do exército revolucionário: o Terror tinhase virado contra os trabalhadores".20 

As primeiras lutas operárias trouxeram consigo os primórdios da organização. Em 1724, os operárioschapeleiros de Paris declararam greve por causa da redução injustificada de seus salários. Criaram, parafinanciar essa ação, um "caixa de greve".

Os primórdios do movimento operário, na Inglaterra, por sua vez, vinculam-se ao movimento democráticoradical, por direitos políticos iguais para todos. Filho de um rico comerciante, John Wilkes começou suacarreira política atacando desde seu jornal, o North Briton, o Rei Jorge III, transformando-se no paladino dasliberdades civis fundamentais. Logo virou líder de massas em Londres, com grande apóio para seumovimento de reforma democrática. Foi perseguido e detido diversas vezes. A 10 de maio de 1768, umamultidão se reuniu para exigir sua liberdade. A repressão da manifestação provocou seis mortos e muitosferidos.

Houve uma comoção em Londres e condados vizinhos: estivadores, trabalhadores portuários, marceneiros ealfaiates declararam greve. Wilkes organizou a campanha eleitoral de 1774 a partir de um programa quedefendia um sufrágio mais eqüitativo e a defesa dos direitos populares na Inglaterra, na Irlanda e na

América. O movimento radical que dirigia obteve, em que pese o reduzido número de eleitores (devido aovoto censitário, dos homens de fortuna), doze membros no parlamento. A influência política de Wilkesdurou até 1780, mas a política reformadora continuou vigente. A maior parte dos políticos se apresentavamcomo reformadores. Cartwright publicou em 1776 uma brochura intitulada Take Your Choice (Escolha) naqual esboçava o programa que inspiraria todo o movimento popular durante os setenta e cinco anosseguintes.

Na Inglaterra, a agitação operária percorreu todo o século XVIII, em especial a sua segunda metade. Mas asgreves não se esgotaram em si mesmas: entre 1763 e 1768 diversas categorias se unificaram para levarpetições ao rei Jorge III. Por outro lado, ganhou corpo rapidamente a idéia de atacar diretamente o capital.Em 1768, os tecelões de Spitalfields se levantaram em massa e destruíram grande quantidade de teares de

seda. Organizaram um fundo de greve, depositando de 2 a 5 shillings por tear.Os membros dos diferentes comitês se reuniam nas tavernas, onde deveriam comparecer armados edisfarçados. Formas de organização semelhantes adotou o movimento de "destruidores de máquinas", quese desenvolveu a partir de meados do século XVIII, com tal força e extensão que levou o Parlamentobritânico a sancionar em 1769 uma lei que punia a destruição de fábricas e máquinas com a pena de morte.Muitos trabalhadores foram executados, o que não impediu que o movimento ganhasse enorme amplidãoentre 1811 e 1817, já então conhecido como "luddita" (do nome de Ned Ludd que, aborrecido com seupatrão, quebrou a marteladas os teares da oficina deste e tomou-se símbolo lendário, além de líder, domovimento).

Revoltas marginais, sem importância histórica? No seu trabalho magistral sobre a formação da classe

operária inglesa, Edward Thompson apontou para a rápida revolta dos novos operários criados pelaRevolução Industrial como um fator que determinou o conservadorismo da burguesia inglesa, o que“poupou” o país insular de participar da onda revolucionária deflagrada pela Revolução Francesa de 1789(fato decisivo, que levaria a Inglaterra “liberal –  democrática” a ser a grande base da arquitetura contra-revolucionária contra a “onda expansiva francesa”, culminada na Santa Aliança de 1815). 

Diz Thompson: “Nas décadas após 1795, houve uma profunda separação entre as classes na Inglaterra, e ostrabalhadores foram lançados a um estado de apartheid cujos efeitos - nos detalhes da discriminação sociale educacional - podem ser sentidos até hoje. É nisso que a Inglaterra diferia de outras nações européias: ofluxo de sentimentos e disciplinas contra-revolucionários coincidiu com o fluxo da Revolução Industrial; namedida em que avançavam novas técnicas e formas de organização industrial, recuavam os direitos sociais epolíticos. A aliança "natural" entre uma burguesia industrial impaciente, com idéias radicais, e um

20 Daniel Guérin. As Lutas de Classes durante a I República. Bourgeois et bras-nus. Lisboa, Afrontamento, 1975.

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proletariado em formação, rompeu-se tão logo chegou a se formar. A fermentação entre os industrialistas ecomerciantes ricos dissidentes de Birmingham e as cidades industriais do norte pertence principalmente aosanos de 1791 e 1792; o auge da "inimizade" entre artesãos e assalariados em Londres, Norwich e Sheffield -causada seja pela fome, seja pela agitação jacobina - pertence a 1795.

“Esses dois momentos só coincidem por uns poucos meses. Em 1792, depois dos massacres de setembro,

todos os industriais manufatureiros, com exceção de uma pequena minoria, se amedrontaram com a causada reforma. Se não houve uma revolução na Inglaterra nos anos 1790, não foi devido ao metodismo, mas àdesintegração da única aliança suficientemente forte para realizá-la; depois de 1792, não havia girondinospara abrir as portas por onde poderiam passar os jacobinos. Se homens como Wedgwood, Boulton eWilkinson tivessem atuado junto com homens como Hardy, Place e Binns - e se a pequena nobreza de Wyvillagisse com eles - Pitt (ou Fox) teriam sido obrigados a conceder uma grande parte da reforma. Mas aRevolução Francesa consolidou a Velha Corrupção, unindo num pânico comum os proprietários de terra e osindustriais manufatureiros; e as sociedades populares eram frágeis demais e por demais inexperientes paraexecutar, por elas mesmas, seja a reforma ou a revolução”.21 

No verão de 1812, 12 mil soldados foram destacados para Leicester e York, na tentativa de deter o

movimento de revolta. O valor das propriedades e máquinas destruídas ultrapassou 100 mil librasesterlinas. Lord Byron, poeta e membro da Câmara Alta, chegou a discursar nela, em 1811, em defesa dosludditas, e contra as inumanas condições de trabalho: "Não existem já bastantes coalhos de sangue emvossos códigos, para que ainda queirais mais até que os céus gritem e clamem contra vós? São esses osremédios com os quais quereis curar um povo faminto e desesperado?". Em todas estas lutas foi seimpondo o princípio da organização. Os tecelões de Spitalfields criaram uma Union para pleitear perante a

 justiça.

Repressão Anti-Operária

Naquela que é considerada a primeira grande greve de operários fabris, organizada de acordo com o“modelo moderno”, ou fabril, a dos fiadores de algodão de Manchester (realizada em 1810), vár ios milhares

de homens distribuíram entre si o fundo de greve, que atingiu 1500 libras por semana. O antecedente fora agrande greve de 1804-1805, realizada pelos tecelões de Glasgow, quando 40 mil trabalhadores de todaEscócia pararam seus teares. A extraordinária "marcha da fome" sobre Londres (de 1817), ou o comício deSaint Peter's Fie1d em 1819, que reuniu a quantidade (inusitada para a época) de 80 mil pessoas, seproduziram em meio ao clima criado pela revolta dos operários e artesãos. Em 1819, o exército inglêsatacou os manifestantes, semeando de cadáveres o campo de Peterloo. Resulta incorreto, portanto, comofez o grande historiador francês Edouard Dolléans, datar o nascimento do movimento operário na França ena Inglaterra entre 1832 e 1836.

Nada demonstra melhor que a revolução democrático-burguesa foi antes "uma revolução feita pelasmaiorias em proveito de uma minoria" do que a atitude da burguesia diante da organização operária. NaInglaterra, em 1721, foi proibida a organização dos alfaiates; e em 1726 a dos marceneiros. Finalmente, as

Combination Acts (de 1799) proibiram todas elas, condenando-as à clandestinidade e à vida curta.

Na Revolução Francesa, em 1791, a Lei do deputado Le Chapelier proibiu as organizações operárias. No seutexto, afirmava-se, com base no ilusionismo liberal próprio da época, mas também com um senso de classemuito aguçado: "Já não há classes de corporação no Estado. Não existe mais do que o interesse particularde cada indivíduo e o interesse geral. Pertence aos convênios livres, de indivíduo a indivíduo, fixar o jornalpara cada operário. É incumbência do operário manter o acordo feito com o empregador". Os temíveis(mas, afinal de contas, burgueses) jacobinos, com Robespierre na frente, permaneceram calados. O projetode Le Chapelier foi adotado por unanimidade pela Assembléia Nacional francesa.

Mas as lutas e a organização de classe continuaram. A organização de uniões ( Trade Unions) era uma velhatendência, presente desde 1720 na Inglaterra, com a União dos Entalhadores de Londres, destinada a obter

21 Edward P. Thompson. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, vol. I, p. 196.

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aumentos salariais através de petições ao Parlamento. Segundo Georges Lefranc: "As primeiras associaçõespermanentes de assalariados precedem em meio século o sistema manufatureiro e se localizam em ofíciosonde o trabalho manual-artesanal predomina: o sindicalismo não é filho direto do maquinismo. O fatordeterminante não é a transformação técnica, mas o divórcio entre o trabalho e a propriedade dos meios deprodução. Onde esse divórcio se consuma, nasce o sindicato. É mais para defender uma situação

privilegiada, do que para melhorar uma situação ruim, que se formam os primeiros sindicatos. Seusobjetivos são conservadores, não revolucionários. Pedem a manutenção da situação tradicional, contra ospatrões seduzidos pelas novas teorias de liberdade econômica".22 

As coisas mudaram, no entanto, com a Revolução Industrial, quando os núcleos mais numerosos econcentrados de operários se situaram nos setores desqualificados, dominados pelo maquinismo. As leisanti-sindicais foram promulgadas justamente em plena Revolução Industrial. Elas foram sendo derrotadaspelas greves e pelas lutas operárias, que obtiveram em 1825 a revogação das Combination Acts. Em 1830 seformou o sindicato dos operários da construção (Operative Builders Union), e em 1834 a primeira central detrabalhadores (Grand National Consolidated Trade Unions). Depois de numerosas greves, obteve-se em1847 a redução da jornada de trabalho para dez horas em toda a Inglaterra, o que Marx chamou de "aprimeira vitória da economia política da classe operária".

Para Marx, "a única potência social que os operários possuem é seu número. Mas a quantidade é anuladapela desunião, que se engendra e se perpetua por uma concorrência inevitável. Os sindicatos nasceram dosesforços espontâneos dos operários ao lutarem contra as ordens despóticas do capital, para impedir ou aomenos atenuar os efeitos dessa concorrência, modificando os termos dos contratos, de forma a secolocarem acima da condição de simples escravos. Presentemente os sindicatos se ocupam, em demasia,exclusivamente das lutas locais e imediatas contra o capital. Ainda não são suficientemente conscientes detudo o que podem fazer contra o sistema da escravidão assalariada, e mantêm-se bastante separados dosmovimentos mais gerais e das lutas políticas. Ao se considerarem e atuarem como pioneiros erepresentantes de toda a classe operária, conseguirão re-agrupar em seu seio todos aqueles que ainda nãoestão organizados. Ao se ocuparem das atividades mais miseravelmente remuneradas, farão nascer, nasgrandes massas operárias, a convicção de que, em lugar de se circunscreverem a limites estreitos e egoístas,seu objetivo tende à emancipação de milhões de proletários subjugados".

Na França, onde a Revolução Industrial demorou a acontecer (determinando um predomínio relativo dosofícios artesanais sobre os industriais, durante a primeira metade do século XIX), a legislação anti - greves sóveio a ser abrandada pelo Segundo Império, em 1864. Nada houve, na França, de comparável, nesseperíodo, à central inglesa, que em 1830 agrupava 150 sindicatos, 80 mil operários, e tirava 30 milexemplares de seu jornal ( A Voz do Povo). Apesar disso, ou talvez até por isso mesmo, as revoltas operárias

22 Georges Lefranc. La Huelga. Historia y presente. Barcelona, Laia, 1972.

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na França tiveram um caráter ainda mais violento, acompanhando o ritmo revolucionário de toda asociedade.

A revolução democrática de 1830 não satisfez as demandas operárias (ao contrário, a situação dooperariado francês piorou depois dessa data). A resposta foi a insurreição dos tecelões de Lyon, em 1831.Os operários exigiram que fossem aprovadas novas tabelas para o pagamento do trabalho. O governo

negou-as. A insurreição levou os operários a ocuparem a cidade durante dez dias, aterrorizando asautoridades, que deixaram o poder nas mãos operárias. A repressão posterior não impediu que o processode organização avançasse: os impressores de Nantes criaram em 1833 a Associação Tipográfica. Emsetembro do mesmo ano, o movimento grevista adquiriu novas características: estendeu-se por toda aFrança, e mobilizou setores operários de ofícios diversos.

Os líderes foram mortos pela repressão e milhares de operários foram detidos. Mas em janeiro de 1834 aassociação mutualista dos tecelões de Lyon lançou a idéia da greve geral, para obter uma tarifa mínima. Omovimento desaguou numa nova insurreição, em abril de 1834, realizada sob a bandeira de "Vivertrabalhando ou morrer combatendo!". As primeiras tropas enviadas para a repressão se solidarizavam comos grevistas, e os republicanos de Paris levantaram barricadas em diversos bairros em solidariedade aos

insurretos de Lyon. O exército mobilizou suas melhores unidades para esmagar os revoltosos, o que foiconcluído em 11 de abril.

A organização operária continuou na França, mas agora com características clandestinas (através desociedades secretas) onde se destacou a figura de Auguste Blanqui. Em 1844, o levantamento dos tecelõesalemães da Silésia (imortalizada na peça teatral de Jürgen Hauptmann, Os Tecelões), provou que a agitaçãooperária estendia-se a todo o continente europeu. Em 1843, a grande organizadora operária francesa, FloraTristán (filha de uma francesa e de um aristocrata peruano), fazia um chamado: "Venho propor a união geraldos operários e operárias, de todo o reino, sem distinção de ofícios. Esta união teria por objetivo construir aclasse operária e construir estabelecimentos (os Palácios da União Operária) distribuídos por toda França.Seriam aí educadas crianças dos dois sexos, dos 6 aos 18 anos, e seriam também recebidos os operáriosdoentes, os feridos e os velhos. Há na França 5 milhões de operários e 2 milhões de operárias". Já fazia

tempo, porém, que esta enorme força social, em pleno processo de formação, não se limitava ao planodefensivo ou a atividade puramente sindical, mas também se projetava na ação política geral.

Ideologias Populares

As formas políticas e ideológicas adotadas pelo nascente movimento operário não surgiram do nada, senãoque resgataram e reformularam as tradições revolucionárias já existentes, especialmente aquelas das alasdemocráticas radicas do período de revoluções democráticas européias dos séculos precedentes. Assim, naInglaterra, no momento mais radical da revolução inglesa do século XVII, uma maioria parlamentar chegou a

apoiar os levellers (“igualitários” ou “niveladores”), os quais procuravam levar as idéias democráticas à sua

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conclusão lógica, atacando todos os privilégios e proclamando a terra como uma herança natural doshomens.

Os levellers se concentravam na reforma política: o socialismo  implícito da sua doutrina ainda se exprimiaem linguagem religiosa. Seus herdeiros radicais foram os diggers  (“cavadores”), muito mais precisos emrelação à sociedade que desejavam estabelecer e que, totalmente descrentes de uma ação política de tipo

normal, só acreditavam na ação direta. Mas a revolução inglesa do século XVII conciliou-se finalmente coma monarquia, e eliminou as suas alas radicais.

Engels rastreou as origens desse radicalismo democrático nos primeiros grandes levantes europeus contra aaristocracia feudal, “na época da Reforma e das guerras camponesas na Alemanha, a tendência dosanabaptistas e de Thomas Münzer; na grande revolução inglesa, os levellers; e, na grande RevoluçãoFrancesa, Babeuf. E esses levantes revolucionários de uma classe incipiente são acompanhados, por sua vez,pelas correspondentes manifestações teóricas: nos séculos XVI e XVII, surgem as descrições utópicas de umregime ideal de sociedade; no século XVIII, teorias já declaradamente comunistas, como as de Morelly eMably. A reivindicação da igualdade não se limitava aos direitos políticos, mas também às condições sociaisde vida de cada indivíduo. Já não se tinha em mira abolir apenas os privilégios de classe, mas acabar com as

próprias diferenças de classe”. A Revolução Francesa, no final do século XVIII, também concluiu com a derrota de sua direção mais radical(os jacobinos, donos do poder entre 1792 e 1794), mas estes também tiveram seus herdeiros radicais, nachamada “Conspiração dos Iguais”, encabeçada em 1796 por Gracchus Babeuf. Como o próprio nomeindica, esta fração propôs um programa de propriedade comunal, para aprofundar a revolução, uma espéciede socialismo agrário (a indústria ainda estava escassamente desenvolvida).

Segundo Wolfgang Abendroth, neste período “os trabalhadores se consideravam parte das camadaspopulares da nação, e ficaram presos a essa ideologia. A sua privação de direitos só podia ser eliminadaexigindo para todos os cidadãos o mesmo direito em determinar a atividade do poder político, de modo quenão se abusasse do Estado em proveito de uns poucos. Reclamaram para si próprios os direitos de liberdade

correspondentes ao direito natural . Mas não foram capazes de colocar exigências diferentes do pensamentodos democratas burgueses radicais”.23 Na prática, porém, foram bem além disso.

O desenvolvimento social da classe operária criou as bases sociais para a superação do “socialismo” atéentão existente, tanto na França (com Saint-Simon e Fourier) como na Inglaterra (com Robert Owen). 24 Otermo “utopistas”, aplicado a estes três visionários foi assim explicado por Engels: “Se os utopistas foramutopistas, é porque, numa época em que a produção capitalista estava ainda tão pouco desenvolvida, elesnão podiam ser outra coisa. Se foram obrigados a tirar das suas próprias cabeças os elementos de uma novasociedade, é porque, de uma maneira geral, estes elementos não eram ainda bem visíveis na velha

23 Wolfgang Abendroth. Historia Social del Movimiento Obrero Europeo. Barcelona, Laia, 1978.

24 Se Saint-Simon e Fourier haviam “tirado da cabeça” o seu sistema socialista, foi pela via da prática que Robert Owen (1771-1858),num país de indústria extremamente desenvolvida, a Inglaterra, elaborou seu próprio sistema social. Ele foi fortemente influenciadopor Jean Jacques Rousseau e pela Filosofia das Luzes, e acreditava na possibilidade de educar o homem. A sua grande idéia era a detornar o mundo racional, e racional significava moral . Mas foi essencialmente devido à sua posição de diretor de uma fábrica, isto é,através do contato com a prática, que veio a elaborar o seu socialismo. Na sua empresa, em New Lanark (Escócia), Owen (que tinhanascido num lar operário) reduziu a jornada de trabalho de 17 para 10 horas diárias. Não aceitou o trabalho de crianças menores dedez anos, e criou para elas escolas gratuitas e laicas, além de creches. Manteve a higiene da fábrica, combateu o alcoolismo, e crioucasas de pensão para doença e velhice. Conseguiu fazer isto tudo sem que minguasse a produtividade da empresa Mas, apesar desteexemplo, os capitalistas viram nele um perigo, vindo a ser duramente criticado no Parlamento entre 1817 e 1820, e tambémperseguido, o que o obrigou ao exílio Nos EUA tentou fundar, sem sucesso, colônias socialistas. De volta à Inglaterra, criou aNationalEquitable Labour Exchange, onde produtos fabricados pelos trabalhadores independentes eram trocados por outros que tivessemcustado o mesmo tempo de trabalho. O sistema fracassou (porque muitos "inchavam" o trabalho realmente feito), mas a NationalEquitable  foi o antecedente da primeira central sindical inglesa (e também mundial). Robert Owen passou então a trabalhar nos

sindicatos, chegando a propor, num congresso que presidiu, em 1838, a greve geral e a luta de classes (o congresso rejeitou aproposta). Owen morreu então como militante socialista da classe operária: muitos dos seus antigos discípulos o abandonaram,criticando seu "radicalismo".

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sociedade; se limitaram-se a apelar para a razão para lançarem os fundamentos de seu novo edifício, éporque não podiam, ainda, fazer apelo à história contemporânea”.  

O panorama social mudaria radicalmente com a Revolução Industrial. No final do século XVIII, surgiu naInglaterra a “lei dos pobres”, uma ajuda às famílias mais necessitadas, proporcional ao número de filhos. Odinheiro vinha de uma taxa paga pelos contribuintes cujas posses ultrapassassem um determinado valor. Em

1795, como já vimos, uma legislação de proteção ao trabalhador agrícola foi estabelecida no Sul daInglaterra. O Speenhamland System  foi introduzido primeiramente na vila de Speen por juízes locais, aoperceberem que “o estado atual dos pobres necessita de mais assistência do que a lei geralmente tem dadoa eles”.

Tal estado se devia a uma série de más colheitas que reduziram a oferta de trigo, com o conseqüenteaumento do preço do pão, ao aumento da população e às guerras napoleônicas, que impediam aimportação de trigo da Europa. A “lei dos pobres”   suplementava os salários então pagos,proporcionalmente ao preço do trigo e ao número de filhos da família. O objetivo do Estado inglês era evitaras revoltas da população faminta; em 1795 o fantasma da Revolução Francesa de 1789-1793 rondava toda aEuropa.

Para os proprietários de terras, por sua vez, o sistema era vantajoso, pois transferia a todos os contribuintesos gastos com os trabalhadores na entressafra, quando o salário era cortado e os trabalhadores erammantidos com a suplementação garantida pela lei dos pobres. Esta dupla vantagem fez com que o sistemase ampliasse a todo o Sul da Inglaterra, pouco industrializado. Assim, o auxílio aos pobres representava maisum “subsídio da sociedade” aos grandes proprietários, que reduziam seus gastos com salários, do que umatransferência de renda do Estado aos trabalhadores do campo.

A Revolta e a Organização Operária

Em janeiro de 1792, oito operários ingleses tinham criado a London Corresponding Society , que se organizou

em grupos de trinta membros, baseada em uma contribuição financeira acessível aos operários. Em finaisdesse ano, a sociedade contava já com três mil membros. Seus objetivos eram o sufrágio universal, aigualdade de representação, o parlamento honesto, o fim dos abusos contra os cidadãos humildes, o fim daspensões outorgadas pelo Parlamento aos membros das classes dirigentes, uma menor jornada de trabalho,a diminuição dos impostos e a entrega das terras comunais aos camponeses. Na mesma época, o livro deTom Paine, Os Direitos do Homem, defendia a Revolução Francesa e a independência americana, atacando amonarquia inglesa em favor do republicanismo. Publicado em inglês, céltico e gaélico, vendeu 200 milexemplares na Grã-Bretanha, e se transformou no “manual universal do movimento operário”. 

Em 1795, os dirigentes da sociedade foram presos e esta começou a decair. Mas ela foi, sem dúvida, oantecedente da primeira grande organização política operária, o cartismo inglês, assim chamado por basear-se na Carta do Povo, que só seria proclamada em 1838. Já prevenida pelo antecedente, e lecionada pela

própria experiência da França (onde a Lei Le Chapelier, como vimos, pusera fora da lei toda “coalizão dosempregados”, sob pretexto de que ela atentaria contra a “liberdade econômica”), as já menci onadas

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Combination Laws inglesas colocaram os sindicatos operários fora-da-lei, por serem consideradosorganizações revolucionárias. O governo conseguiu também impedir todas as tentativas de implantar umsalário-mínimo, apelando para o mesmo fundamento.

Na verdade, a partir de 1790, a nova condição social dos revoltados, unida à influência da RevoluçãoFrancesa, deu um novo estatuto à repressão contra a protesta social: “A velha equação paternalismo -

deferência perdia força inclusive antes da Revolução Francesa, embora conhecesse uma temporalreanimação nas multidões partidárias da Igreja e do Rei de inícios dos anos 1790... Os motins de Gordonpresenciaram o clímax, e também a apoteose, da licença plebéia; e infringiram um trauma aos governantes,que já pode observar-se no tom cada vez mais disciplinador dos anos 1780. Mas, nesse tempo, a relaçãorecíproca entre gentry e plebe, inclinando-se ora de um lado, ora do outro, havia já durado um século. Aindasendo essa relação desigual, a gentry necessitava, apesar de tudo, certa classe de apóio dos pobres, e estessentiam que eram necessários.

“Durante quase cem anos, os pobres não tinham sido os completos perdedores. Conservaram sua culturatradicional; conseguiram conter parcialmente a disciplina trabalhista do primeiro industrialismo; talvez atéampliaram o alcance das Leis de Pobres; obrigaram que se exercesse uma caridade que pôde evitar que os

anos de escassez se transformassem em crise de subsistência; e desfrutaram da liberdade de sair às ruas,empurrar, bocejar e dar vivas, tirar as casas de padeiros ou dissidentes detestáveis, e de uma disposiçãobarulhenta não vigiada que surpreendia os visitantes estrangeiros, e que quase os induziu erroneamente apensar que eram «livres». Os anos 1790 eliminaram essa ilusão e, com base nas experiências desses anos, arelação de mútua reciprocidade acabou. Ao acabar, nesse exato momento, perdeu a gentry sua confiadahegemonia cultural... Nos afastamos do campo de força do século XVIII, e entramos em um período em quese produz uma reorganização estrutural das relações de classe e da ideologia. Faz-se possível, pela primeiravez, analisar o processo histórico nos termos e conotações de classe do século XIX”.25 

Em finais do século XVIII, as primeiras formas de solidariedade operária vincularam-se à experiência fabrilimediata, em especial ao trabalho dos religiosos na primeira e terrível fase da Revolução Industrial. Osmetodistas fundaram nas paróquias industriais as "escolas dominicais evangélicas", onde se buscavam

"serviçais fiéis e bons trabalhadores". Nelas, a recriação consistia em rachar lenha, cavar o solo, e aprenderhinos religiosos cujas letras falavam sempre da presença de Deus como o mais vigilante dos contramestres.Como aos ingleses pobres muito pouco restasse da antiga vida em comunidade, a Igreja oferecia umaoportunidade de convivência, de ajuda mútua e de consolo. Os cultos religiosos levavam, muitas vezes, ahisteria, com gritos, desmaios, exorcismos. Na opinião do historiador Edward P. Thompson, apesar desseterrorismo religioso, o metodismo serviu de base para o surgimento de um movimento de solidariedadeentre os trabalhadores, na sua luta por melhores salários durante o século XIX.

Só com o Factory Act é que se começou timidamente, e no meio de grande oposição dos empregadores, aalargar a regulamentação do trabalho infantil: na seqüência das propostas de Robert Peel, a idade mínimade admissão passava teoricamente a ser de 9 anos, a jornada de trabalho não podia exceder as nove horas

para as crianças e adolescentes entre os 9 e os 16 anos, com meia hora de intervalo para uma refeição... Dequalquer modo, a lei só era aplicável ao sector algodoeiro (ou seja, aos cotton mills). Entre 1802 e 1833, oParlamento inglês promulgou cinco leis sobre o trabalho fabril, que não passaram de letra morta.

De um modo geral, como apurou Eric Hobsbawm, a Revolução Industrial acarretou uma queda, por vezesabrupta, dos padrões de consumo do setor mais pobre da população. Em algum momento após o começoda Revolução Industrial, os padrões de vida deixaram de melhorar e declinaram. Talvez no meio da décadade 1790, o período da Speenhamland e da carência, marque o ponto critico. O meio da década de 1840certamente marca um outro ponto critico. A opinião clássica foi expressa nas palavras de Sidney Webb: "Seos cartistas em 1837 tivessem pedido uma comparação do seu tempo com 1787, e tivessem obtido umrelato justo da verdadeira vida social do trabalhador nos dois períodos, é quase certo que teriam registrado

25  Edward P. Thompson. ¿Lucha de clases sin clases? Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase. Estudios sobre la crisis de la

sociedad preindustrial. Barcelona, Crítica, 1984, p. 61.

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um declínio positivo do padrão de vida de grandes classes da população".26  O protesto social, e omovimento operário que dele emergiu, tiveram essa deterioração geral por base.

Em inícios do século XIX surgiu, como vimos, o ludismo ("os destruidores de máquinas"), movimento que seinsurgiu contra as profundas alterações trazidas pela Revolução Industrial. As reclamações contra asmáquinas e a substituição que elas faziam da mão-de-obra humana eram normais. Mas foi em 1811, na

Inglaterra, que o movimento  estourou, superando o nível da revolta espontânea e local, e ganhandodimensão significativa e nacional. O seu nome derivava de Ned Ludd, um dos líderes do movimento. NedLudd, em Nottingham, desesperado, destruíra uma oficina têxtil.

Os luditas invadiam fábricas e destruíam máquinas que, por incrementarem a produtividade dostrabalhadores, tiravam também seus empregos, requerendo, contudo, duras horas de jornada de trabalho.

27 

As fábricas eram também ambientes com péssima iluminação, abafados e sujos. Em uma carta ameaçadoraque Ludd endereçou a um certo empresário de Hudersfield, em 1812, lia-se: "Recebemos a informação deque é dono dessas detestáveis tosquiadoras mecânicas. Fica avisado de que se elas não forem retiradas atéo fim da próxima semanal eu mandarei imediatamente um de meus representantes destruí-las... E se oSenhor tiver a imprudência de disparar contra qualquer dos meus homens, eles têm ordem de matá-lo e

queimar sua casa".O ludismo teve o seu momento culminante no assalto noturno à manufatura de William Cartwright, nocondado de York, em abril de 1812. No ano seguinte, na mesma cidade, teve lugar o maior processo contraos luditas: dos 64 acusados de terem atentado contra a manufatura de Cartwright, treze foram condenadosà morte e dois a deportação para as colônias. Apesar da dureza das penas o movimento não amainou,refletindo as péssimas condições de vida dos operários. Finalmente, a generalização da indústria ( factorysystem) e a criação das primeiras trade unions (sindicatos) limitaram o alcance e as possibilidades dasrevoltas luditas, fazendo com que entrassem em declínio em meados do século XIX. Para Hobsbawm, oludismo "foi uma mera técnica de sindicalismo no período que precedeu a Revolução Industrial e nas suasprimeiras fases".28 

Em 1834, os custos crescentes do Speenhamland System levaram uma Comissão Real a proibir qualquersuplementação salarial aos pobres. A prática foi condenada como “o principal mal do atual sistema”, cujosefeitos “maléficos” eram tão convincentemente expostos pelos “comissários reais” de 1834, que nenhumadoutrina econômica ganhou tanta vigência quanto que a assistência pública era um presente de auxílio aossalários e tendia a reduzi-los.

No lugar do antigo sistema, a Poor Law Amendment Act passou a vigorar, prevendo a construção deworkhouses  –  casas de trabalho  – para onde os desempregados eram levados e obrigados a trabalhar, àsvezes até por 14 horas diárias. A nova lei levou a uma rápida redução dos custos assistenciais, porque ascondições para ajuda tornaram-se mais duras.29 A abolição do Speenhamland System significou a eliminaçãode um patamar mínimo de remuneração da força de trabalho, que não poderia ser inferior à ajuda social. A

26 Eric J. Hobsbawm. O padrão de vida inglês de 1790 a 1850. In:Trabalhadores. Estudos sobre a história do operariado. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1981, pp. 72-96.27 Uma conhecida canção refletia o espírito do movimento ludita:

"Brave ludits we are, for the breaking we come!"

"God save Ned Ludd!"

"Machines to hell, we want our dignity!"

"Breaking is good, join us and save the Europe!"

"Break! Break! Break or die working!"

"Monsters of industrialism, we want you broken!"

"Machines to the ground!"

"Crash! Crash! Bang! Bang! The sound of freedom these are!"

"Break one, break two, break three, break all! All!"28

 O ludismo não foi um movimento exclusivamente inglês, tendo-se registrado movimentos semelhantes na Bélgica, na Renânia, naSuíça e na Silésia.29 Michael E. Rose. The allowance system under the new poor law. In:Economic History Review, vol. 19, n° 3, Londres, 1998.

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medida contribuiu, portanto, para a criação de um mercado de força de trabalho totalmente “livre”, e foiconsiderada por Karl Polanyi como a vitória definitiva do capital industrial sobre a aristocracia fundiária, oque garantiu a vitória do capitalismo na Inglaterra, ou seja, a apropriação, pelo capital, da esfera daprodução em todos seus âmbitos.

As casas de trabalho eram odiadas pelos trabalhadores e a luta contra sua implantação levou a várias

revoltas no norte da Inglaterra, sendo uma das causas do surgimento do movimento cartista, e mereceramo seguinte comentário de Karl Marx: “É notório que na Inglaterra, onde o domínio da burguesia é o maisextenso, até a beneficência pública assumiu as formas mais nobres e ternas: as workhouses  britânicas  – hospícios nos quais o excedente da população trabalhadora vegeta às custas da sociedade civil  – unem domodo mais refinado a filantropia com a vingança que a burguesia exerce sobre os desgraçados que se vêemna necessidade de recorrer a seu magnânimo bolso. Não só se nutre os pobres diabos com os alimentosmais miseráveis, escassos e insuficientes até para a reprodução física, mas também sua atividade ficalimitada a uma aparência de trabalho, um trabalho improdutivo que obstrui a mente e encolhe o corpo”. 

Na verdade, o papel que a lei dos pobres cumpria para os fazendeiros no Sul, as workhouses deveriamcumprir para a burguesia industrial no norte: criar um exército de reserva que fosse sustentado pelo Estado

nas épocas de crise e desemprego em alta e que estivesse apto ao trabalho quando a atividade econômicavoltasse a um ciclo de expansão. Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o norte e o oeste daInglaterra converteram-se em pontos de concentração demográfica, e as condições de vida do operariadoeram terríveis, expostos à sujeira e à umidade. Além disso, o fim da guerra com a França deixou o país emcrise econômica e financeira que teve efeitos imediatos sobre a população. O aumento dos preços e dosimpostos fez com que a população reivindicasse a diminuição dos impostos e reforma no Parlamento.Aconteceu então o massacre de Peterloo, que impôs um retrocesso ao movimento de protesta.

A Carta 

O cartismo nasceu sobre a base da experiência do movimento pela imprensa popular (chamada de “nãotaxada”). A iniciativa correspondeu a um grupo de artesãos londrinos que, a 16 de junho de 1836,

constituíram a London Working’s Men Association, que conquistaria apóio nacional no ano seguinte, emtorno da idéia de uma petição ao Parlamento pela reforma política. O cartismo teve como base a Carta(Charte) escrita pelo radical William Lovett, intitulada “Carta do Povo”, e enviada ao Parlamento inglês.

A estratégia utilizada pelos cartistas girava em torno da coleta de assinaturas, que eram realizadas nasoficinas, nas fábricas e em reuniões públicas, através de uma série de petições nacionais, enviadas à Câmara

dos Comuns.

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Dirigentes operários como Harney e O’Connor não foram aceitos na sociedade, e iniciaram uma campanhaindependente. A reforma eleitoral de 1832 (Reform Act ), arrancada pela burguesia industrial à monarquia,elevou o corpo eleitoral de 400 mil a 800 mil membros, o Parlamento apoiou a reforma que suprimia as

“cidades mortas” (pequenas cidades controladas pela nobreza), abaixava o censo eleitoral e aumentava onúmero de deputados. A reforma satisfazia os interesses da burguesia, doravante dona do poder político,mas não o operariado, pois sobrevivia o voto qualificado (ligado à propriedade), o que excluía quase toda aclasse operária do exercício dos direitos políticos.

Em 1824 foram criados os primeiros centros de ajuda mútua e de formação profissional. Para atender oscasos de acidentes de trabalho, doenças ou mesmo de desemprego, os operários criaram as primeirasassociações de auxílio mútuo, que funcionavam por meio de cotizações. Em 1825 foi abolida a proibição dodireito de associação, e surgiu uma onda grevista. Foi só a partir do Factory Act de 1833, visando asmanufaturas de algodão, lã, linho e seda, que foi fixado para a indústria moderna um dia normal detrabalho.30  Em 1833 os trabalhadores ingleses organizaram os primeiros sindicatos (trade unions) sob aforma de associações de base local, ou por ofício, para obter melhores condições de trabalho e de vida.Havia mais organização entre os trabalhadores especializados, como os penteadores de lã. Inicialmente, elesse cotizavam para pagar o enterro de associados; a associação passou a ter caráter reivindicatório.

Em 1833, surgiu a primeira lei limitando a 8 horas de trabalho a jornada das crianças operárias. Em 1842proibiu-se o trabalho de mulheres em minas. Gradativamente, as associações conquistaram a proibição dotrabalho infantil, a limitação do trabalho feminino, o direito de greve, a limitação da jornada de trabalho, oque teria efeitos decisivos para os trabalhadores: as horas de trabalho por semana para trabalhadoresadultos nas indústrias têxteis eram, em 1780, em torno de 80 horas por semana; em 1820, 67 horas porsemana; em 1860, 53 horas por semana. O processo de organização se acelerou e também tornou-se maisdenso. Em 1836 os operários condenados na Inglaterra em revoltas anteriores foram indultados, ecomeçaram a regressar ao país. Nesse clima, a Carta  foi proclamada e organizada em 1838, propondo o

voto universal e secreto (através de cédula), a abolição da qualificação para exercê-lo (voto por nível derenda), o pagamento aos membros do Parlamento (permitindo o ingresso nele de trabalhadores), a

30 O dia normal de trabalho nas fábricas devia começar às cinco e meia da manhã e acabar oito e meia da tarde. Dentro dos limites

deste período de quinze horas, estava autorizado o emprego de adolescentes (isto é, indivíduos entre os 13 e os 18 anos) durante odia. Exceto em certos casos especiais e previstos na lei, os adolescentes não poderiam trabalhar mais de 12 horas por dia, o empregode menores abaixo dos 9 anos ficava proibido, o trabalho de menores entre 9 e 13 anos ficava limitado a oito horas por dia, otrabalho noturno (ou seja, entre as oito e meia da noite e as cinco e meia da manhã) ficava proibido a todos os menores entre os 13 e18 anos, cada adolescente passava a ter, em cada dia, pelo menos hora e meia para as refeições. Esta lei tinha sido exaustivamentepreparada por uma comissão parlamentar que se reuniu cerca de 40 vezes e ouviu inúmeros testemunhos, desde peritos médicos,empregadores e encarregados até crianças e adultos, vítimas de acidentes de trabalho. Curiosamente, ou nem tanto, estes avanços

legislativos foram impulsionados por homens que estavam mais próximos dos conservadores (os tories) do que dos liberais (oswhigs), ou seja, em termos simplistas, mais próximos da velha aristocracia (latifundiária, que era o caso típico de Lord Ashley) do queda nova burguesia industrial.

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nivelação dos distritos eleitorais, os parlamentos eleitos anualmente (permitindo assim um controle maisefetivo, e a revogabilidade, dos representantes parlamentares).

O movimento cartista não formulou um programa político a partir de um conjunto de idéias socialistas,como se fazia já na França, mas a partir das idéias dos reformadores parlamentares radicais do passado. Oschamados "seis pontos" estavam baseados no que a “Comissão da Reforma” em Westminster tinha

rascunhado 58 anos antes. As reivindicações de luta pela liberdade já faziam parte da cultura dos artesãos etrabalhadores radicais antes mesmo da formação de sua consciência como uma classe trabalhadoraindependente. A composição do cartismo era heterogênea, com líderes radicais como William Lovett, emLondres, e Thomas Attwood, em Birmingham; conservadores como Richard Oastler, socialistas jacobinoscomo Julian Harney e James Bronterre O´Brien, entre outros.

• 

1824: Centros de Ajuda Mútua e de formação profissional• 

1825: Abolição da proibição do direito de associação•  1832: Reforma eleitoral, bases para voto secreto e universal (1871, não mais em um ambiente

revolucionário)•  1833: Estabelecimento do dia normal de trabalhos

•  1833: Limitação da jornada de trabalho para crianças• 

1836: Lei de Imprensa• 

1837: Reforma do código penal•  1842: Proibição do trabalho de mulheres em minas

O cartismo ensejou, em escala histórica universal, um novo estágio do desenvolvimento do movimentooperário, já existente e ativo em diversos países. A passagem das “sociedades secretas” para as sociedadesoperárias foi um complexo processo histórico. Segundo Bert Andreas: “A Liga dos Justos devia alguns traçosde sua organização secreta (como o conceito de comunismo) às sociedades secretas neobabuvistas com asquais as comunas da Liga em Paris tinham estreitas relações. Os membros da Liga estavam obrigados adifundir os princípios, fazer novos recrutamentos, fundar associações oficiais de operários e artesãos... Foisomente nos grandes centros da Liga, em Paris e Londres, e mais tarde em Genebra, que as comunastiveram uma existência e uma atividade contínuas, apoiando-se sempre em associações operárias

paralelas”.31 

A mudança teve o seu epicentro na Inglaterra, onde o desenvolvimento industrial era mais avançado, e aatividade da classe operária mais aberta. A Convenção Geral das Classes Operárias da Grã-Bretanha,primeiro “parlamento operário”, convocado no início de 1839 pelos cartistas, havia discutido publicamentedurante meses a organização da greve geral como meio de conquista do poder. Segundo Bert Andréas“existia na Inglaterra uma classe operária nascida da fábrica, que fazia valer suas reivindicações através dopoderoso movimento cartista; havia liberdade de reunião e de associação; havia, além dos numerososoperários e artesãos de todos os países europeus, exilados políticos franceses, alemães, italianos epoloneses de todas as opiniões”. 

A influência do movimento cartista foi, portanto, decisiva para o surgimento do comunismo operário, com a

presença decisiva de Karl Marx e Friedrich Engels, ambos alemães. Engels, nascido em 1820, teve umaparticipação direta na revolução de 1848 na Alemanha, inclusive como líder militar. Marx, nascido em 1818,dirigiu a Nova Gazeta do Reno, e foi uma das principais lideranças revolucionárias no seu país. A suamilitância lhe custou o exílio, primeiro da Alemanha e depois da Bélgica, até estabelecer-se definitivamentena Inglaterra, onde a colaboração com seu amigo Engels tornou-se estreita e definitiva.

O cartismo, por sua vez, testemunhou o impetuoso surgimento da classe operária no cenário socialeuropeu. Já fazia tempo que esta enorme força social, em pleno processo de formação, não se limitava aoplano defensivo ou à atividade puramente sindical, mas também se projetava na ação política. No ano de1844, em que a história testemunhou a revolta dos canuts (tecelões) de Lyon, Engels, morando na Inglaterraindustrial, redigia  A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, enquanto Marx redigia os seusManuscritos Econômico-Filosóficos, em que a questão fundamental posta em destaque não era a relação

31 Bert Andreas. La Liga de los Comunistas. México, Cultura Popular, 1977.

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entre operário e meio de produção, mas entre o operário e o seu produto (a “alienação”). Segundo GarethStedman Jones, “coube a Engels a indicação do tipo de luta de classe gerada pela indústria moderna”.Engels, através da observação das lutas políticas e sociais na Inglaterra, onde tinha se estabelecido paratrabalhar numa filial da firma comercial da sua família, “teve que reconhecer que, na Inglaterra, o progressodependia, não do choque de princípios, mas do choque de interesses” (lutas de classe). 

Com base no programa democrático, o cartismo organizou manifestações de massas, e até uma greve geralem 1842, que abarcou mais de 50 mil operários, e que inaugurou a prática dos “piquetes móveis”, depoismundialmente difundida. A ação dos cartistas foi eficiente, eles conseguiram mudanças efetivas, tais como aprimeira lei de proteção ao trabalho infantil (1833), a lei de imprensa (1836), a reforma do Código Penal(1837), a regulamentação do trabalho feminino infantil, a lei de supressão dos direitos sobre os cereais(esta, em aliança com os liberais e a burguesia industrial), a lei permitindo as associações políticas.

O Declínio Revolucionário

Em 1847, a última onda de atividade cartista conquistou a jornada de trabalho de 10 horas: a primeiragrande vitória “sindical” da classe operária foi, portanto, produto de um movimento claramente político. OTen Hour Act  culminou uma longa batalha de quase duas décadas pelo horário de trabalho de dez horas (o

Ten Hour Mouvement ). Essa lei tornou-se possível graças à aliança (tácita) da burguesia industrial com aclasse operária, em oposição à aristocracia latifundiária. Em troca da jornada das dez horas de trabalho, asclasses trabalhadoras apoiavam os esforços dos representantes do capitalismo para abolir a proteçãocerealífera (o que, por sua vez, era contrário aos interesses dos landlords  e dos rendeiros capitalistas). Aabolição das taxas alfandegárias sobre os cereais deu-se em 1846.

Nas condições criadas pela expansão do mercado capitalista, setores de trabalhadores começaram a tentarcontorna-lo, escapando ao destino cruel reservado à classe operária. Vinte e oito tecelões entraram para ahistória como os Pioneiros de Rochdale, iniciando o movimento que se conheceria depois comocooperativismo, lançado em 1844 com a constituição da primeira cooperativa de consumo. Rapidamente, ocooperativismo estendeu-se na Europa continental.

O cartismo antecipou os debates posteriores do movimento operário, ao cindir-se em duas alas: 1) a alapartidária da força moral, confiante numa aliança com setores da burguesia e na pressão moral da justezadas suas reivindicações, que os levaria à vitória; esta ala baseava sua ação no sul da Inglaterra, ondepredominavam os velhos trabalhos artesanais; 2) a ala partidária da força física, responsável pelaorganização das greves e convencida de que só a ação direta dos operários os levaria ao triunfo; sua base derecrutamento era o norte industrial, especialmente os operários de Manchester, núcleo da revoluçãoindustrial e do proletariado fabril moderno. A Carta  antecipou debates ulteriores sobre reformismo erevolução. Em 1842, auge do movimento cartista, foi feita a petição que exigia o sufrágio universal e aresolução de problemas econômicos. Apesar dos três milhões de assinaturas que a acompanhavam, apetição foi recusada pelo Parlamento. Em 1848, organizou-se nova manifestação de apoio à petição, comcinco milhões de assinaturas. Londres foi ocupada pelo exército, que impediu a manifestação. A partir desse

ano, o movimento cartista entrou em decadência.

Nem a reforma eleitoral, nem o desenvolvimento do movimento cartista interessaram Robert Owen, paraquem o sufrágio universal era uma simples “mania popular”. Como notou Eric J. Hobsbawm, na década de1840, “a história européia assumiu uma nova dimensão: o problema social, ou melhor, a revolução socialem potência encontrava expressão típica no fenômeno do proletariado. Sobre a base de uma classeoperária que crescia e se mobilizava, era agora possível uma nova e mais significativa fusão da experiência edas teorias jacobino-revolucionárias-comunistas, com as socialistas - associacionistas”. No final da décadade 1840, o movimento cartista dividiu-se: os seus membros intelectuais e de classe média se agruparam naAssociação Nacional para a Reforma Parlamentária e Financeira; os seus membros operários, por sua vez,apoiaram a Associação Nacional da Carta (dirigida por Ernest Jones e George Harney) e a Liga Nacional da

Reforma (dirigida por Bronterre O’Brien), ambas de programa socialista. Harney e Jones mantinham estreito

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contato com os exilados operários e artesãos alemães, junto aos que gozavam de ampla influência Marx eEngels.

No festival operário comemorativo da proclamação da República Francesa de 1792, celebrado em Londresem 1845, o manifesto declarou que “os democratas de todos os países desejam que a igualdade à qualaspirou a Revolução Francesa renasça na França e se estenda à toda a Europa”. No seu informe a respeito

desse festival, Engels escrevia que “atualmente a democracia é o comunismo. A democracia se transformouem princípio proletário, princípio de massas”. Dois anos depois, a Liga dos Justos, que tinha organizado ofestival junto aos cartistas ingleses e outros exilados, encarregou a Marx e Engels a redação de seuprograma, que se transformaria no Manifesto Comunista.

Por volta de 1848, o movimento cartista já estava esfacelado e derrotado. Com isso, fechou-se uma etapahistórica, iniciada em 1795, durante a qual “viveu e se desenvolveu a tradição de um radicalismo popular.Faltou – disseram Marx e Engels – a direção formativa e educativa de um partido político operário. Os frutoscolhidos pelo sindicalismo só foram possíveis em razão do privilégio único (da Inglaterra) de uma economiaimperial”.

32 No entanto, a sua importância histórica pode ser medida pelo fato de ter lançado e de ter dado

uma base de massas a duas reivindicações centrais do operariado, que teriam influência decisiva na

estruturação contemporânea da sociedade inglesa, e das sociedades capitalistas em geral: a) a redução da jornada de trabalho; b) o sufrágio universal e secreto.

Nas palavras de Georges Rudé, “o cartismo foi, de fato, um movimento popular rico e multifacetado,herdeiro de uma tradição política radical, mas também filho das más colheitas e da pobreza, das habitaçõesprecárias, da falta de saúde e do emprego que acompanharam o crescimento de uma nova sociedadeindustrial”. O impacto das reivindicações cartistas, por outro lado, foi internacional, pois serviu de exemploa movimentos operários e populares de outros países. Não foi pela circunstância casual de Marx morar naInglaterra que a Primeira Internacional Operária (a AIT, Associação Internacional dos Trabalhadores) forafundada nesse país, em 1864. Em 1848, a questão do sufrágio universal seria um dos componentes centraisda onda revolucionária que abrangeu toda Europa continental. A redução da jornada de trabalho, por suavez, seria a grande campanha em que se basearia a estruturação de partidos operários de massa,

agrupados, a partir de 1889, na Internacional Socialista ou Segunda Internacional.

Socialismo e Consciência de Classe

O termo socialismo passou então a designar todos aqueles que acreditavam na origem contratual de umasociedade de homens livres e iguais. Contraposto a "individualismo", era freqüentemente utilizado comosinônimo de "cooperativismo". Arthur Rosenberg confirma que "antes de 1848, em todos os países, apalavra socialismo tinha um sentido absolutamente inofensivo aos ouvidos do homem". 33  A revoluçãoproletária de junho daquele ano, na França, carregou a palavra de um novo conteúdo. A elaboração dediversos sistemas socialistas, por parte de intelectuais e até de membros das classes dominantes, refletiu deum lado o abalo que a inédita miséria social criada pela transformação capitalista provocou na consciênciados elementos mais lúcidos e honestos da sociedade.

Por outro lado, refletiu também uma situação histórica única. Segundo George Lichteim, "o que aconteceuno mundo ocidental, entre meados do século XVIII e meados do século XIX, foi único e carecia deantecedentes. Nunca antes acontecera a junção de um levante democrático com uma mudança técnicaradical que alterava totalmente o ambiente do homem e seu modo de vida. A mudança decorrente nasinstituições e nas atitudes mentais foi mais profunda do que qualquer outra que a humanidade tivesseexperimentado desde a ruptura da sociedade tribal que possibilitou a vida urbana".34 

32

 Edoardo Grendi. Le Origini del Movimento Operaio Inglese 1815-1848. Bari, Laterza, 1973.33 Arthur Rosenberg. Democracia e Socialismo. História política dos últimos 150 anos. São Paulo, Global, 1986.34 George Lichteim. Los Orígenes del Socialismo. Barcelona, Anagrama, 1970.

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A perspectiva de mudar o mundo pelo avesso não podia ser considerada utópica num mundo que estava,ele próprio, sendo virado pelo avesso. Apesar disso, os primeiros representantes da escola socialistamoderna foram chamados de "utopistas"; ou, como disse Friedrich Engels, "os três grandes utopistas: Saint-Simon, em quem ainda se manifestava a tendência burguesa, juntamente com a tendência proletária;Fourier;

35  e Owen, que expôs de forma sistemática, no país no qual a produção capitalista estava mais

desenvolvida (a Inglaterra), uma série de medidas que visavam à abolição das diferenças de classe. O traçocomum entre os três estava no fato de não agirem como representantes dos interesses do proletariado que,entretanto, já havia surgido como produto histórico. Não se propõem emancipar primeiramentedeterminada classe, mas sim, de uma só vez, a humanidade toda".

A consciência de classe dos trabalhadores ainda não existia em 1789, durante a Revolução Francesa. Fora daGrã-Bretanha e da França, ela era quase que totalmente inexistente em 1848. Mas nesses dois países ela

certamente passou a existir entre 1815 e 1848, mais especificamente por volta de 1830. A própriaexpressão “classe trabalhadora” aparece nos escritos trabalhistas ingleses logo após 1815. Na Grã -Bretanha,as tentativas para unir todos os operários em "sindicatos gerais", isto é, em entidades que superassem oisolamento local e regional dos grupos particulares de trabalhadores, levando-lhes a uma solidariedadenacional e até universal da classe trabalhadora, começaram em 1818 e foram continuados entre 1829 e1834.

O complemento do "sindicato geral" era a greve geral, formulada como um conceito e uma táticasistemática da classe trabalhadora deste período. O conceito e a palavra "socialismo" surgiram na década de1820, sendo imediatamente adotados pelos trabalhadores, em pequena escala na França, e em escala bemmaior pelos britânicos, que logo teriam Robert Owen como líder de um vasto movimento. Por volta do

início da década de 1830 já existiam, portanto, a consciência de classe proletária e as aspirações sociais, semdúvida mais débeis e menos efetivas do que a consciência de “classe média” que seus patrões já possuíam.

Em meados do século XIX, já era visível a expressão da situação da nova classe trabalhadora no "movimentotrabalhista", sendo sua ideologia "a comunidade cooperativa"; o movimento democrático, por sua vez, era aexpressão prática do povo comum, proletário ou não, a quem a Revolução Francesa tinha colocado no palco

35 Charles Fourier constituiu uma sociedade que chegou a ter, em 1848, quase quatro mil adeptos, publicando o jornal A Democracia

Pacífica. A partir de 1822, empreendeu a construção de comunidades (falanges), que associadas constituíam o falanstério. Neste, de1600 a 1800 pessoas trabalhavam em regime comunitário, dedicadas igualmente à agricultura e à indústria, que deviam sedesenvolver harmoniosamente, evitando também o embrutecimento produzido nos homens pela realização de um só tipo detrabalho. Os falanstérios, construídos na França e nos EUA, fracassaram (devido justamente à concorrência das empresas

capitalistas). Alguns discípulos de Fourier, como Victor Considérant (1808-1893), convergiram com o nascente movimento operário.Considérant bateu-se, ao lado dos operários nas barricadas do bairro de Saint- Antoine, em junho de 1848: ele tinha jácompreendido, nessa altura, que não havia que fazer apelo à generosidade dos mecenas para melhorar a sorte do proletariado.

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da história como atores e não como simples vítimas. Eles queriam respeito, reconhecimento e igualdade.Sabiam que podiam obter tudo isso, pois já o tinham feito em 1793-4. Nem todos estes cidadãos eramtrabalhadores, mas todos os trabalhadores conscientes pertenciam a esse movimento, as consciências“jacobina” e proletária se complementavam.

A Evolução Reformista

A experiência da classe operária dava aos trabalhadores pobres as maiores instituições para sua autodefesadiária, o sindicato e a sociedade de auxílio mútuo, e as melhores armas para a luta coletiva, a solidariedadee a greve (que por sua vez implicava organização e disciplina). A tentativa de usar o modelo unionista oumutualista não somente para receber maiores salários, mas também para derrotar toda a sociedadeexistente e estabelecer uma nova sociedade, foi feita na Grã-Bretanha entre 1829 e 1834, e depois outravez durante o cartismo. A tentativa fracassou, e este fracasso destroçou um movimento socialista eproletário precocemente, durante 50 anos.36 

Depois de 1848, na segunda metade do século XIX, o movimento operário foi gradualmente adotando outrotipo de direcionamento político e organizativo, ao mesmo tempo em que o capital conhecia, nos países emque o novo modo de produção já se impunha, um período de expansão inédito e um ritmo de

desenvolvimento que levou Eric Hobsbawm a chamá-lo de “A era do capital”, num livro referido ao períodocompreendido entre 1848 e 1875  – ano aproximado do início da chamada Grande Depressão: as taxas decrescimento do comércio internacional da década de 1860 só seriam superadas na década de... 1990.

Um papel fundamental nesse novo direcionamento foi jogado pelo movimento cooperativo, do qual vimoso nascimento na Inglaterra ainda na década de 1840. As cooperativas eram compostas por grupos deoperários que tratavam de romper o monopólio dos produtores e provedores, obtendo assim produtosmais baratos e não adulterados. Vimos, com Owen, o fracasso das tentativas de produção cooperativa e doestabelecimento de comunidades modelo.

Essa “utopia cooperativista” foi substituído por um objetivo mais limitado, a partir de 1843, quando osPioneiros de Rochdale abriram uma mercearia sobre a base de repartir entre seus membros um dividendo

proporcional à soma de suas compras. Os Pioneiros de Rochdale fizeram progressos constantes, seusmétodos suscitaram grande interesse e foram amplamente adotados, ou seja, uma parte das energias daclasse operária saiu da luta de classes para dirigir-se a um terreno mais limitado. Ernest Jones e outrosmilitantes cartistas criticaram freqüente e severamente a evolução das cooperativas. Vinte anos depois,havia 454 cooperativas na Inglaterra, a maioria no norte, com centenas de membros. Em 1863 foi criada aCooperative Wholesale Society  (Sociedade Cooperativa no Atacado), generalizando a atividade para todo opaís. Os operários viravam administradores.

Surgiram também as Sociedades de Amigos, cujo crescimento refletiu a melhora da situação dos operáriosqualificados. Sociedades desse tipo já existiam desde o século XVII, mas a sua expansão nacional aconteceuem meados do século XIX. Para 1855 a Old Fellows tinha já 200 mil membros, e a Ancient Order of Foresters,

100 mil. Em 1872 tinham, respectivamente, 436.978 e 400.217 membros, e existiam muitas outras. Osoperários ocupavam postos oficiais que lhes davam uma posição social reconhecida, e oportunidades parademonstrar suas capacidades de organização. Houve um estreitamento das atividades, uma limitação dasperspectivas, uma divisão da classe em setores separados. A política de classe independente dos temposcartistas já não era possível, nessas condições, com uma classe dividida, e com dirigentes que aceitavamcada vez mais “as idéias do radicalismo burguês”.

37 

As trade unions evoluíram para os sindicatos, que tiveram uma evolução lenta em suas reivindicações. As jornadas de trabalho tinham diminuído, o poder de compra do salário tinha crescido, mas ainda a situaçãonos bairros operários continuava precária, como se vê numa descrição do East End de Londres, fornecidapor Arthur Morrison, na década de 1880: "Um lugar chocante, um diabólico emaranhado de cortiços que

36 Eric J. Hobsbawm. A Era das Revoluções 1789– 1848. São Paulo, Paz e Terra, 2005, pp. 292 - 293.37 A. L. Morton e G. Tate. Historia del Movimiento Obrero Inglés. Madri, Fundamentos, 1971, pp. 158-161.

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abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tostões deaguardente, onde colarinhos e camisas limpas são decências desconhecidas, onde todo cidadão carrega nopróprio corpo as marcas da violência e onde jamais alguém penteia os cabelos".

Paralelamente à movimentação operária, a burguesia industrial foi impondo suas reivindicações econômicascontra a velha aristocracia, na forma do liberalismo econômico. Os industriais passaram a pleitear aliberdade de comércio e o fim do protecionismo alfandegário existente sobre os produtos agrícolas,argumentando que a livre importação de cereais a preços mais baixos que os produzidos na Inglaterra seriaum dos meios de se acabar com a miséria dos trabalhadores. Os grandes proprietários de terra se opunham,afirmando que nada disso valeria para o operário, pois, com os alimentos mais baratos, os industriaisacabariam por reduzir os seus salários. A polêmica envolvendo as elites agrárias e industrial terminou com aaprovação, em 1846, pelo Parlamento, de leis que eliminavam o protecionismo econômico e instituíam olivre- câmbio na Inglaterra. A vitória do capitalismo, na sua forma revolucionária (industrial) era total.

Apontou Marx, em O Capital : "Em 1860 ainda morriam em média quinze homens por semana nas minasinglesas. Segundo o relatório sobre os acidentes nas minas de carvão (6 de Fevereiro de 1862) morreu umtotal de 8466 pessoas na década 1852-61 [representando 847 acidentes mortais em média, por ano]. Maseste número é demasiado baixo, como o próprio relatório diz, porque nos primeiros anos, quando osinspetores acabavam de ser colocados no seus cargos e as suas circunscrições eram demasiado extensas,não era declarada uma grande quantidade de acidentes e de mortes. Apesar da insuficiência numérica e dosfracos poderes dos inspetores, o número de acidentes diminuiu muito após a organização da inspeção - econtudo continua uma verdadeira matança. Estes sacrifícios de vidas devem-se, na maior parte, à avarezasórdida dos proprietários das minas que muitas vezes mandavam abrir só um poço, de modo que não existiaventilação suficiente nem saída possível se aquela ficasse obstruída".

As trade unions só seriam plenamente reconhecidas, como sindicatos da classe operária, em 1871. No plano

dos direitos políticos, as conquistas foram mais lentas: foi só com a reforma eleitoral de Disraeli (1867) ecom a reforma parlamentar de Gladstone (1884), que a maioria dos operários ingleses (urbanos e rurais)obtiveram o direito de voto.

Imperialismo e Aristocracia Operária

Coube, novamente, a Friedrich Engels formular os problemas políticos internacionais derivados da expansãomundial do capital, a partir da Inglaterra. Assim como o intercâmbio comercial com as regiões periféricastinha sido, no século XIX, um pilar da ordem européia, os super-benefícios monopolistas cumpririam, noséculo XX, um papel semelhante ao permitir à burguesia dos países imperialistas a elevação artificial donível de vida de uma camada da classe operária metropolitana (a “aristocracia operária”), pondo umobstáculo ao desenvolvimento revolucionário. O fenômeno já tinha sido captado por Engels, como revela

uma sua carta a Marx, na última fase da vida deste: “O proletariado inglês está-se tornando cada vez maisburguês; de modo que, ao que parece, esta nação mais burguesa que todas as demais tende a ter, em

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última instância, tanto uma aristocracia operária, como uma burguesia. Certamente, isto se explica até certoponto no caso de uma nação que explora o mundo inteiro”.

A pesquisa histórica ulterior confirmaria essa observação. Segundo Eric Hobsbawm: “No que se refere aoséculo XIX britânico, o conceito (de aristocracia operária) apóia-se sobre bases econômicas e políticassólidas”. Mas Engels ainda “afirmava que esta aristocracia operária se tornara possível graças ao monopólio

industrial da Inglaterra e que, portanto, desapareceria ou se confundiria com o resto do proletariado com ofim daquele monopólio”. Depois, sobre a base da teoria do imperialismo, Lênin avançou uma hipótese para

explicar porque, longe de desaparecer, a categoria em questãoestendia-se, com o desenvolvimento do capital monopolista, aoutros países europeus.

Engels vinculou a expansão da conquista colonial com aespeculação financeira e o novo papel da Bolsa de Valores («aBolsa modifica a distribuição no sentido da centralização, aceleraenormemente a concentração de capitais e, nesse sentido, é tãorevolucionária quanto a máquina a vapor»), adiantando os

temas fundamentais para uma teoria do imperialismocapitalista, assim como para o papel da expansão mundial docapital na sua sobrevivência nas metrópoles: “A ausência decrises a partir de 1868 baseia-se na extensão do mercadomundial, que redistribui o capital supérfluo inglês e europeu eminvestimentos e circulação no mundo todo em diversos ramosde inversão. Por isso uma crise por super-especulação nasestradas de ferro, bancos, ou em investimentos especiais naAmérica ou nos negócios da Índia seria impossível, enquantocrises pequenas, como a da Argentina, de três anos a esta parteviraram possíveis. Mas isto tudo demonstra que se prepara uma

crise gigantesca”. Engels sublinhou a necessidade de «identificar na conquista colonial o interesse da especulação na Bolsa». Ouso do termo “imperialismo” tornou-se corrente no ultimo quartel do século XIX, para descrever a partilhado “mundo colonial” pelas potencias européias. Mas o processo de formação de uma “aristocracia dotrabalho”, que se beneficiou da expansão imperialista da economia inglesa, partilhando as migalhas dossuper-benefícios obtidos pelo capital inglês no ultramar, não foi um processo rápido, menos aindaconsciente, nem baseada exclusivamente na expansão mundial do capital na segunda metade do século XIX.

Entre 1850 e 1875 os salários reais subiram apenas para aqueles cuja renda em dinheiro podia ser elevadamais depressa do que os preços. Além do mais, só os trabalhadores com recursos substanciais podiam -individualmente, ou através de corpos como as já mencionadas cooperativas - ter acesso aos artigos de

consumo de boa linha e qualidade, que estivessem nos níveis de preço do consumo da classe média. Para oresto, os trapos e artigos adulterados que constituíam sinônimos "baratos e sórdidos", tinham que bastar;porque os alimentos baratos de ultramar não começaram a chegar senão na década de 1870 e, comalgumas exceções, a produção de artigos de consumo para o mercado barato de massa (roupas feitas, porexemplo) não começou até o período da Grande Depressão (1930).

As novas condições das negociações emergiram quase inteiramente do regateio dos inumeráveis mercadosde trabalho, seccionais e regionais. Como aponta Hobsbawm, em geral, elas não foram, pelo menosinicialmente, conseqüência de uma política consciente. Os patrões eram hostis aos sindicatos em princípio,exceto quando forçados a negociar com eles. Não foi senão até as décadas de 1860 e 1870 que descobriramque os mecanismos formais para facilitar as relações trabalhistas eram “desejáveis”, de um ponto de vistacomercial, e que a negociação de corpos de trabalhadores com corpos de patrões recebia vários graus de

reconhecimento oficial ou não-oficial. Este foi o período da legislação sindical de 1867- 75, de vários corpos

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para a conciliação e acordos de escala móvel, da defesa dos sindicatos pelos comerciantes como meio paraevitar perturbações.

Mas isto foi em grande parte um reconhecimento de fatos estabelecidos, embora fosse sem dúvidaapressado pelo medo da força política dos artesãos e trabalhadores urbanos, que obtiveram o votoparlamentar em 1867. Em outras palavras: a transformação dos trabalhadores “cartistas militantes” em

“aristocratas do trabalho” respeitáveis, teve lugar, de modo aparente, “espontaneamente”, sem qualquermudança importante da política capitalista, e com mudanças conscientes relativamente pequenas napolítica trabalhista. Com o reconhecimento oficial do sindicalismo e a chegada da depressão na década de1870, a colaboração das classes, consciente e deliberada, fez-se abertamente.38 

Nesse período, nos países metropolitanos, na Inglaterra em primeiro lugar, o capital atingiu um grau deconcentração inédito, com a formação dos chamados monopólios (que receberam nomes diversos nosdiversos países: cartels, trusts, konzern, etc.). A organização do movimento operário acompanhou, rápida outardiamente, essa concentração. Os sindicatos formados na expansão do fim da década de 1880 recrutaramtrabalhadores de todos os graus de habilitação, e adotaram numerosas formas de organização. Mas,segundo Hobsbawm, não é nenhum acidente que o "Novo Sindicalismo" seja normalmente associado com

"as grandes sociedades gerais", ou seja, com os maiores e mais proeminentes corpos produzidos pelomovimento operário: estivadores, trabalhadores do gás, Sindicato Trabalhista do Tyneside, e um certonúmero de outros.

Muitos destes sindicatos desde então se fundiram para formar os dois sindicatos gigantes dosTrabalhadores Gerais em Transportes e Trabalhadores Gerais e Municipais, que incluíram ao redor de umquarto do total dos membros dos sindicatos ingleses. A história deles não tem sido, de maneira alguma, desucessos ininterruptos. Sua força proporcional era sem dúvida muito grande, mas, como muitos sindicatos"novos", eles entraram gravemente em colapso na depressão do começo da década de 1890; e não serecuperaram completamente até depois da expansão renovada de 1911-14. Entre as duas expansõesperderam terreno.39 

Foi no auge do imperialismo inglês que surgiria, antes do que no restante da Europa, o primeiro movimentopolítico socialista reformista, isto é, que renunciava à via revolucionária para se opor à exploraçãocapitalista. A Fabian Society , baseada no nome do cônsul reformador da antiga Roma (Quinto FabioMáximo, chamado “o contemporizador”), foi fundada em Londres em 1884, por um grupo de intelectuaisentre os que se destacavam o literato George Bernard Shaw e o casal Sidney e Beatrice Webb. Ogradualismo reformista dos “fabianos” se contrapunha explicitamente ao socialismo revolucionáriomarxista.

Os fabianos se engajaram em numerosas lutas pela melhora material e moral da classe operária. Masfizeram isto chegando a apoiar, declaradamente, a política imperialista da Inglaterra, que era,supostamente, benéfica para a economia inglesa no seu conjunto e, portanto, também para as camadaspopulares. Junto com as trade-unions (sindicatos), a Fabian Society  foi um ponto de apoio para a criação do

Labour Party   (Partido Trabalhista) em 1906. Os trabalhadores deixaram então de apoiar o Partido Liberal(whig), que já entrara em completa decadência. Com a criação do Partido Trabalhista configurou-se osistema bi-partidário que dominaria a política inglesa no século XX, opondo o antigo Partido Conservador(tory ) ao Labour Party , uma divisão política que permanece, no essencial, até o presente.

Mas, certamente, os Fabianos não foram os inspiradores e pioneiros do Partido Trabalhista. Em face dosoutros grupos socialistas e trabalhistas da década de 1880, na maioria das vezes se opuseram à fundação deum partido independente da classe trabalhadora, e até onde não se opuseram, o Partido TrabalhistaIndependente (o grande antecedente do  Labour Party ) e o Partido Trabalhista teriam existido sem a

38  Eric J. Hobsbawm. Tendências do movimento trabalhista inglês desde 1850. In: Trabalhadores. Estudos sobre a história do

operariado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, pp. 319 - 347.39  Eric J. Hobsbawm. Os sindicatos trabalhistas gerais na Inglaterra, 1889-1914. In:  Trabalhadores. Estudos sobre a história do

operariado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, pp. 184-208.

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assistência deles, que foi na maior parte equívoca. A contribuição deles para a formação do PartidoTrabalhista Independente foi menor do que a do pequeno grupo de Friedrich Engels, e a contribuição delesao Partido Trabalhista menor do que a do PTI, e menor também do que a da Federação Marxista SocialDemocrática de Hyndman.

Antes de 1914, quando Sidney Webb, principal dirigente fabiano, assumiu o cargo de administrador do

Partido Trabalhista, os Fabianos tomaram parte na nova organização só porque, tendo sido destruídos todosos seus outros projetos políticos, eles não tinham nenhuma outra escolha. Não há nenhuma evidência deque as críticas específicas dos Fabianos ao marxismo fossem particularmente eficazes. A sua alternativa àeconomia marxista, inclusive o marginalismo neoclássico, apresentada por Shaw nos Ensaios Fabianos, nãodeixou qualquer marca sobre o resto dos não - marxistas ou socialistas reformistas ingleses. Devem serlevadas mais a sério as afirmações deles terem lançado os fundamentos do depois chamado “Estado dobem-estar”, mais plausíveis, porque os Fabianos exerceram sua inf luência mais direta como redatores dematerial de propaganda para o movimento trabalhista, e de várias propostas concretas de reforma social.

40 

Pela sua composição muito majoritária de membros da “nova classe média” (jornalistas, professores,funcionários, profissionais liberais), os Fabianos parecem ter expressado mais cabalmente as aspirações

desta “nova classe social” (que já existia, no entanto, em países como a Alemanha ou a França), do quepropriamente os desejos da aristocracia trabalhista da antiga classe operária. Essa especificidade “nacional”(inglesa) dos Fabianos nada lhes tira da sua importância universal, como (uns dos) formuladores do WelfareState que, em anos vindouros, materializaria uma política orgânica de colaboração de classes não só na Grã-Bretanha, mas também na maioria dos países europeus e metropolitanos.

Conclusão

Em resumo, e conclusão, a luta dos trabalhadores contra a burguesia foi a conseqüência necessária dascontradições que, no sistema de produção capitalista, opõem o capital ao trabalho assalariado. Essa lutaatravessou diversas fases: as primeiras reações anti-capitalistas dos trabalhadores focalizaram osinstrumentos da dominação capitalista (as máquinas, as leis contra a "ociosidade", das quais se tentava

fugir), para só depois atacarem as próprias relações sociais, de propriedade privada burguesa dos meios deprodução, que fornecem sustentação a esses instrumentos. O movimento operário organizado foi oresultado da percepção, pelos trabalhadores, do caráter historicamente irreconciliável das contradiçõesacima mencionadas.

A própria idéia de organização de classe, que surgiu da concentração física e social da nova classe operáriacriada pelo desenvolvimento capitalista, expressa a idéia de uma luta a longo prazo, onde o que está em

 jogo é o próprio poder na sociedade, a sua direção política. Através do movimento operário, a lutainicialmente dispersa dos trabalhadores se transformou em luta de classe.

O movimento operário retomou as formas de luta características dos movimentos e classes populares que oprecederam: escravos, plebeus, artesãos, camponeses. Mas não se limitou a retomá-las: também as

reformulou, de acordo com as novas condições de produção (contrato "livre" de trabalho, e não maistrabalho compulsório), criando formas específicas de organização: os sindicatos. Na luta do movimentooperário, porém, não houve duas fases em seqüência cronológica, primeiro uma sindical (em defesa dovalor da força de trabalho) e, só depois, outra política (luta pelo poder na sociedade, e pela abolição daexploração capitalista). Toda luta de classes é uma luta política. No berço histórico do movimento operário(a Inglaterra), os sindicatos e as organizações e reivindicações políticas (sufrágio universal, Parlamentoaberto aos representantes dos trabalhadores) surgiram paralelamente.

As primeiras grandes vitórias da classe operária na luta em defesa da força de trabalho contra o capital (porexemplo, a conquista da jornada de 10 horas de trabalho) foram produto de movimentos de natureza econotações claramente políticas. Luta sindical e ação política não estão separadas por períodos históricos

40 Eric J. Hobsbawm. Os Fabianos reconsiderados. In:Trabalhadores. Estudos sobre a história do operariado. Rio de Janeiro, Paz e

Terra, 198, pp. 254 – 275.

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diferenciados, nem possuem natureza radicalmente diferentes: são duas faces de uma mesma atividadehistórica de classe. O pensamento socialista contemporâneo surgiu junto com o próprio capitalismo,expressando a sensibilidade de diversos setores sociais (ou de pessoas oriundas das classes sociais maisdiversas) para com o caráter dramático e destrutivo das contradições e catástrofes sociais geradas pelosistema capitalista. Desde o início, a quase totalidade dos pensadores socialistas ficou convencida de que

essa desagregação social só teria fim com a abolição da propriedade privada dos meios de produção (terra efábricas). Ao mesmo tempo, teve consciência de que as novas forças produtivas criadas pelo capitalismo (osistema industrial) tornavam possível pela primeira vez na história a realização prática de uma utopiasocialista (propriedade coletiva ou social dos meios de produção) cuja formulação inicial precederahistoricamente em muito o capitalismo.

A passagem da Inglaterra liberal para a Inglaterra conservadora e imperialista deu-se na época vitoriana,que cobre toda a segunda metade do século XX até inícios do século XX, e foi um processo de alcancemundial. Os benefícios extraordinários obtidos pela burguesia da exploração colonial repercutiram nomovimento operário metropolitano, tanto na Inglaterra como nos outros países para onde a RevoluçãoIndustrial tinha se expandido.

O surgimento de uma aristocracia operária, que conquistou uma posição dirigente nas organizaçõesoperárias, e a mudança da natureza destas, imprimiu um caráter reformista a um movimento que tinhanascido sob um signo revolucionário. Mudou o seu direcionamento político, de modo gradual ecrescentemente consciente. O desenvolvimento e a necessária análise autônoma da evolução ideológica domovimento operário só podem ser compreendidos, porém, a partir da base social apontada.

A crise e morte do liberalismo, no entanto, junto ao espantoso crescimento do poder econômico (debarganha) e social da classe operária, fizeram com que a nova perspectiva reformista fosse impulsionada apartir das organizações políticas próprias da classe operária (Labour Party ), e não mais como apêndice deum liberalismo já desterrado do cenário histórico. Aos revolucionários, como herdeiros da tradiçãodemocrática radical e do marxismo, restou trabalhar como minoria organizada dentro dessa organizações,para resolver revolucionariamente essa contradição.

A Revolução Industrial, e o movimento operário que dela se originou, analisadas a partir do “caso inglês”,não criam um modelo universal, mas evidenciam tendências e características que estariam presentes emtodos os países em que, mais cedo ou tardiamente, houve um desenvolvimento da indústria e da produçãocapitalistas. A evolução econômica e social da Inglaterra não configura um modelo a partir do qual possamse estabelecer “desvios da norma”, mas o desenvolvimento inicial de uma tendência universal que,adotando combinações específicas para cada país, região ou continente, permite esclarecer a história docapitalismo e da luta de classes em cada caso particular, e como unidade histórico-universal (mundial).

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