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DA PREVENÇÃO À RECUPERAÇÃO: O ENFRENTAMENTO ÀS SITUAÇÕES DE

EMERGÊNCIAS E DESASTRES

DA PREVENÇÃO À RECUPERAÇÃO: O ENFRENTAMENTO ÀS SITUAÇÕES DE

EMERGÊNCIAS E DESASTRES

OrganizaçãoAndrea dos Santos NascimentoBárbara Lara de Araújo Merçoni

Karina de Andrade FonsecaRebecca Fagundes e Costa

1ª Edição

Vitória - ES2017

© 2017 CRP16-ESÉ permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e citada a fonte.

Disponível também em: www.crp16.org.br.

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Priscila Damasceno

FOTO CAPANovaPauta Comunicação/Luciano Coelho

REVISÃO GT de Emergências e Desastres Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região – CRP16/ES

Direitos para esta edição – Conselho Regional de Psicologiada 16ª Região – CRP16/ES

Rua Desembargador Ferreira Coelho, 330, Ed. Eldorado Center, sala 806,Praia do Suá. CEP: 29052-901, Vitória/ES. Telefone: (27) 3324-2806

E-mail: [email protected]/[email protected]: www.crp16.org.br

Catalogação na PublicaçãoFundação Biblioteca Nacional

Gerente Administrativa e FinanceiraCleidiane Tereza de Oliveira

Gerente de Políticas e Gestão de PessoasPatrícia Mattos Caldeira Brant Littig

Assessora de Pesquisa em Psicologia e Políticas PúblicasMariana Moulin Brunow Freitas

Equipe Técnica – CRP16/ES

Oficina RegionalJoão Gabriel Meira e Sá

Mariana Moulin Brunow FreitasMayara Rúbia da Silva Oliveira

Patrícia Mattos Caldeira Brant Littig

Oficina NacionalCleidiane Tereza de Oliveira

João Gabriel Meira e SáMariana Moulin Brunow FreitasMayara Rúbia da Silva Oliveira

Patrícia Mattos Caldeira Brant LittigPatrícia Lopes Cordeiro

Paula Maria Valdetaro Rangel

IV PLENÁRIO DO CONSELHO REGIONAL DEPSICOLOGIA DA 16ª REGIÃO – CRP16/ES

GESTÃO 2013-2016

Diretoria do CRP16/ESHildicéia dos Santos Affonso – Presidente Cleilson Teobaldo dos Reis – Vice-PresidenteWalter Lowal Braz Vieira – Tesoureiro Bárbara de Souza Malvestio – Secretária

Conselheiras(os) Efetivas(os):Andrea dos Santos NascimentoBárbara Lara de Araújo MerçoniJuliana Gomes de FigueiredoRebeca Valadão BussingerSheila de Oliveira Lopes da Silva

Conselheiras(os) Suplentes:Felipe Rafael KosloskiKarina de Andrade FonsecaPenélope Zecchinelli SampaioRebecca Fagundes e CostaVictor Hugo da Silva

V PLENÁRIO DO CONSELHO REGIONAL DEPSICOLOGIA DA 16ª REGIÃO – CRP16/ES

GESTÃO 2016-2019 Diretoria do CRP16/ESDiemerson SaquettoSusana Maria Gotardo ChambelaSharla Provietti BiterncourtTammy Andrade Motta

Conselheiras(os) Efetivas(os)Clésio de Oliveira VenâncioMárcio Wagner BertasoMaria Carolina Fonseca Barbosa RoseiroMarina Francisqueto BernabéSabrina Ribeiro Cordeiro

Conselheiras/os suplentesBruna Ceruti QuintanilhaJuliana Brunoro de Freitas

EQUIPES

CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS – CREPOP

Andrea dos Santos NascimentoKarina de Andrade Fonseca

COMISSÃO DE COMUNICAÇÃOAndrea dos Santos NascimentoBárbara Lara de Araújo MerçoniFelipe Rafael KosloskiKarina de Andrade FonsecaPenélope Zecchinelli Sampaio COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOSAndrea dos Santos NascimentoBárbara de Souza MalvestioJuliana Gomes de FigueiredoRebeca Valadão Bussinger COMISSÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIAISFelipe Rafael KosloskiKarina de Andrade FonsecaRebecca Fagundes e Costa GT DE EMERGÊNCIAS E DESASTRESConselheirasAndrea dos Santos NascimentoBárbara Lara de Araújo MerçoniKarina de Andrade FonsecaRebecca Fagundes e CostaFuncionáriaMariana Moulin Brunow Freitas

SUMÁRIO

Apresentação

MESAS DE ABERTURA - FALANDO SOBRE GESTÃO DE INTEGRAL DE RISCOS E DESASTRES* Rebecca Fagundes e Costa* Meire Andersan Fiorot* Bárbara Lara de Araújo Merçoni* Luciana Bicalho Reis* Rodrigo Coelho do Carmo* Gilsa Aparecida Pimenta Rodrigues

MESA REDONDA 1 - PLANOS E POLÍTICAS DE PREVENÇÃO, PREPARAÇÃO E RESPOSTA A EMERGÊNCIAS E DESASTRES NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO: APRESENTAÇÃO DO PLANO ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL (PEPDEC) DO ES

OFICINA NACIONALGestão Integral de Riscos e Desastres: da prevenção à recuperação

MESA REDONDA 2 - REDE DE ATENÇÃO E CUIDADOS PSICOLÓGICOS EM CASOS DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES: RELATOS DE INTERVENÇÕESOficina Regional de Psicologia - Psicologia em Foco Especial: o enfrentamento às situações de Emergências e Desastres

OFICINA: RECURSOS PSICOSSOCIAIS PARA O ATENDIMENTO EM EMERGÊNCIAS E DESASTRES

SIMULADO PRÁTICO: GESTÃO DE RISCOS E DESASTRES COM A PARTICIPAÇÃO DOS PRESENTES

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Da prevenção à recuperação: o enfrentamento às situações de emergências e desastres

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APRESENTAÇÃO

Esta publicação tem por objetivo apresentar, de forma clara e coesa, o trabalho de vários profissionais da Psicologia e de áreas afins no que tange aos atendimentos em emergências e desastres no estado do Espírito Santo. O foco, sem dúvidas, é acerca do trabalho da Psicóloga e do Psicólogo, entretan-to, outras falas enriquecedoras poderão ser encontradas nesta obra.

Em 2016, o Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região – CRP16/ES realizou duas oficinas de qualificação e discussão que ocorreram nas cidades de Linhares (29 de janeiro) e de Vila Velha (19 de fevereiro), já que o Espírito Santo foi afetado pela onda de rejeitos da exploração de minério provenientes da quebra da barragem em Mariana/MG e, também, pelo episódio da pedra que rolou em um morro no município de Vila Velha.

Além disso, esta publicação também se deve ao fato que o estado do Espírito Santo, anualmente, possuir um histórico em ser atingido por fortes chuvas que trazem muitas perdas e que demandam um trabalho em rede en-tre profissionais das áreas da Saúde, Assistência Social e Segurança Pública, além de diversos(as) voluntários(as).

A necessidade de preparar e de qualificar o profissional de Psicologia, seja das áreas da Saúde, da Segurança Pública, da Assistência Social, ou mes-mo de outras áreas para atendimento e/ou encaminhamento de pessoas e co-munidades atingidas, fez com que nós, do Grupo de Trabalho de Psicologia das Emergências e Desastres do CRP16/ES, realizássemos as duas oficinas, com apoio do Conselho Regional de Psicologia da 04ª Região – CRP04/MG e do Conselho Federal de Psicologia – CFP, por meio da Comissão Nacional de Psicologia das Emergências e Desastres.

Dessa forma, esta publicação agrega esses dois momentos/oficinas de capacitação que aconteceram em nosso estado, no entanto, escolhemos des-tacar algumas falas/palestras para condensar melhor o nosso objetivo. Cum-pre informar, que todas as falas foram gravadas e transcritas, entretanto, algumas perguntas e partes consideradas repetitivas foram retiradas (com a ciência dos palestrantes) de forma a proporcionar uma leitura interessante e dinâmica.

Observamos que, entre os aspectos positivos desta publicação, as infor-mações passadas nas oficinas podem atender aos profissionais que atuam em todo o Brasil e não apenas em MG ou ES, tendo em vista a amplitude dos dois encontros.

Esperamos que apreciem esses dois encontros! Boa leitura.

MESAS DE ABERTURA -FALANDO SOBRE GESTÃO DE INTEGRAL DE RISCOS

E DESASTRES

Da prevenção à recuperação: o enfrentamento às situações de emergências e desastres

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Rebecca Fagundes e Costa¹

Inicialmente, em nome do IV Plenário do Conselho Regional de Psicolo-gia da 16ª Região - ES, gostaríamos de agradecer à Faculdade Pitágoras de Li-nhares, na pessoa da Professora e Coordenadora do curso de Psicologia, Sra. Meire Fiorot, pela cessão deste espaço físico, permitindo a realização da nos-sa atividade aqui no município de Linhares. E, logo no primeiro contato que fizemos, a presente Coordenação dessa instituição se disponibilizou pronta-mente a contribuir com essa realização. Muito obrigada, Sra. Meire Fiorot.

Bem, estamos aqui hoje para promover o evento da “Oficina Regional de Psicologia “Psicologia em foco especial: O enfrentamento às situações de emergências e desastres”, que é fruto de uma parceria firmada entre os Con-selhos Regionais de Psicologia – do Espírito Santo (CRP16/ES) e o de Minas Gerais (CRP04/MG), os dois estados atingidos pelo maior desastre ambiental ocorrido em nosso País.

É importante lembrar que, na próxima sexta-feira, dia 05 de fevereiro de 2016, completam-se três meses desta triste tragédia, iniciada no dia 05 de no-vembro de 2015, a partir do rompimento da barragem de rejeitos de minério do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais.

Quarenta minutos após o rompimento, a lama devastou o referido dis-trito de Bento Rodrigues, destruindo casas, causando mortes e deixando mais de mil e duzentas pessoas desabrigadas no município de Mariana, Mi-nas Gerais.

A lama foi deslocada pelo Rio Doce, que já se encontrava muito assore-ado, com níveis de água baixíssimos, que já comprometiam o abastecimento de água. Mas a situação do referido Rio piorou com a lama de rejeitos de mi-nério provocando a morte de peixes e impossibilitando o abastecimento de água para milhares de famílias nos municípios banhados por ele, como Go-vernador Valadares, em Minas Gerais, e Baixo Guandu, Colatina e Linhares, no Espírito Santo. A lama percorreu 700 quilômetros, chegando em Linhares 17 dias depois do rompimento da barragem.

Assistíamos, consternadas, as notícias e as imagens sobre o desastre, e não víamos os responsáveis buscarem uma forma de evitar ou de reduzir os danos dessa tragédia.

Mas, e o que nós poderíamos fazer? Não poderíamos ficar inertes diante dessa devastação ambiental e de todas as consequências psicossociais que a mesma acarretou - e que ainda está acarretando à população.

Foi então que, no final do mês de novembro de 2015, por meio da Co-missão de Direitos Humanos do CRP16/ES, que resolvemos nos mobilizar efetivamente. Essa mobilização reafirmou o posicionamento do CRP16/ES em realizar ações para além de suas funções precípuas de orientação e fis-

¹ Psicóloga (CRP16/2389) e, na ocasião, Conselheira Responsável pela temática de Emergên-cias e Desastres do Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região – CRP16/ES.

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calização do exercício profissional, sendo esta atividade de aperfeiçoamento uma preocupação do nosso Regional em ir além da sua função determinada por lei.

O Plenário do CRP16/ES abraçou a proposta da Comissão de Direitos Humanos e, então, o CRP16/ES resolveu utilizar a sua experiência na temá-tica das Emergências e Desastres para subsidiar profissionais de Psicologia a prestarem atendimento à parcela da população capixaba prejudicada pela lama originada do rompimento das barragens de rejeitos de minério, em Ma-riana, Minas Gerais.

Nesse sentido, lembramos que o CRP16/ES já havia realizado um outro evento no formato de Seminário em Emergências e Desastres, no ano de 2011. Este evento foi motivado pela mobilização do conselho de classe, no final de 2010, quando o III Plenário do CRP16/ES realizou uma campanha de doação para as vítimas das chuvas no estado do Espírito Santo, no final daquele ano.

Já no final de 2013 e no início de 2014, o CRP16/ES realizou oficinas de atenção psicossocial em Emergências e Desastres, tendo a contribuição do poder público, onde profissionais foram capacitados para atuarem junto às vítimas das chuvas que castigaram diversos municípios naqueles meses de dezembro e de janeiro.

A partir dessas experiências, resolvemos nos mobilizar para contribuir com os(as) profissionais de Psicologia que estão aqui hoje para atuarem junto à população que vem sofrendo os impactos trazidos pela lama e que ficaram sem seu sustento, que vinha da pesca e de outras atividades que dependiam do rio e do mar. Que perderam com a redução do turismo. Que não sabem quando e como essa situação vai se normalizar. Que estão sofrendo com os impactos desse desastre diretamente, pois, antes, havia um rio que fazia par-te integralmente da vida de crianças, adultos e idosos, e fazia parte da histó-ria de toda uma população, marcada por lembranças e memórias. Tudo isso é uma perda incomensurável, afinal, não há como medir o sentimento dessas famílias, que vai muito além dos danos materiais. Estamos falando, também, de identidade, da memória, do contato com a terra antes verde e agora mar-rom, antes casas e ruas, agora lama e vazio.

Nossa mobilização começou no contato com a Faculdade Pitágoras, com os(as) profissionais da Região de Linhares, que estavam recebendo as deman-das e convivendo com o desastre no seu dia a dia, além de parceiros de outras áreas de atuação como biólogos, oceanógrafos e geógrafos. Depois, fizemos uma campanha de doações de alimentos não perecíveis e água mineral.

Em dezembro de 2015, o CRP16/ES esteve visitando a região de Regên-cia em Linhares, onde se reuniu com a Secretária de Assistência Social de Linhares, Sra. Maria Luzia da Silva, e com as lideranças comunitárias, e tam-bém com a Psicóloga e as Assistentes Sociais que atuam no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) que atende a região, no intuito de ouvir e apresentar o que poderíamos fazer para contribuir, para tentar amenizar os efeitos desta tragédia.

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Agora, estamos aqui realizando o presente evento, em parceria com o CRP04 de Minas Gerais. Parceria essa representada pela Psicóloga, Sra. Lí-lian Cecília Garate Castagnet, integrante do Grupo de Trabalho Psicologia de Emergências e Desastres do CRP04/MG. Agradecemos a sua presença, Sra. Lilian Cecília Garate Castagnet, e estamos certas de que a sua contribuição será de extrema importância para o nosso evento.

Aproveitamos também para agradecer a presença e a colaboração das demais palestrantes, do Major do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo, Sr. Emerson Antônio Rocha Pazeto; da Assistente Social e Ge-rente da Proteção Social Especial da Prefeitura Municipal de Vila Velha, Ma-ria Gorete Fraga; da Psicóloga com experiência em atendimento pós explosão do navio-plataforma de gás/petróleo no norte do Espírito Santo, Gabriela Medeiros Simmer; e da Psicóloga com experiência em atendimento às famí-lias afetadas pelas enchentes em Itarana e Itaguaçu, Renata Soares Loiola. Além do apoio que recebemos do Projeto Tamar (de Linhares), do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo e da Defesa Civil do Estado, das Secretarias de Assistência Social e de Saúde da Prefeitura Municipal de Linhares, além de outros municípios.

Agradecemos também a contribuição de todas e todos que se dispuse-ram a trazer alguma doação em solidariedade às vítimas afetadas pela lama.

E agradecemos a todas e todos profissionais que estão aqui presentes e também às estudantes e aos estudantes de Psicologia para contribuírem com a mobilização do CRP16/ES em torno do evento da Oficina Regional de Psicologia - “Psicologia em foco especial: O enfrentamento às situações de emergências e desastres”.

Desejo um produtivo e satisfatório evento e vamos aos trabalhos deste dia! Obrigada.

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Meire Andersan Fiorot²

É muito importante que espaços de debate como este e outros que têm acontecido aqui no Brasil sejam promovidos com o objetivo de poder investi-gar e refletir sobre a atuação do Psicólogo em situações de enfrentamento de crises.

A participação do Curso de formação em Psicologia é fundamental por-que não é só o espaço da sala de aula que forma um profissional. O encontro nos eventos de extensão, o encontro com outros profissionais, poder escutar as experiências de profissionais já engajados no mercado de trabalho, isso é fundamental no processo de formação profissional, não só dos estudantes, mas, também, na formação contínua dos profissionais que já estão atuando no mercado de trabalho. E nós temos encontrado dificuldades aqui na nossa região de contar com pessoas que tenham experiência nessa área. Já tivemos demandas de alunos interessados em estudar o assunto e temos dificuldade de encontrar profissionais com disponibilidade para vir ao interior do estado para assumir docência ou mesmo para assumir cursos de capacitação.

Por isso, ressalto, mais uma vez, a importância desse evento, que eu acre-dito que seja um primeiro passo, uma abertura para novos eventos e novas possibilidades de formação nessa área ainda recente no campo da Psicologia.

Ressalto como valiosa essa iniciativa do CRP em promover esse even-to. E, além disso, é fundamental que possamos problematizar a atuação dos profissionais de Psicologia nessas situações de crise, e pensar, inclusive, que o conceito de cuidado e o modo como a Psicologia pode atuar com suas téc-nicas e conhecimentos não são já consolidados na área. Sem se pautar apenas em paradigma patologizante, por que, normalmente, o que a gente percebe é uma preocupação com as pessoas que passaram por uma situação de trauma no sentido de um trabalho sobre o luto.

É claro que esse é um elemento importante, mas não é o único. Traba-lhar com o luto de pessoas que vivenciaram, então, a situação traumática é importante, mas é apenas uma das possibilidades de atuação da Psicologia. E eu acredito que, ao longo do dia, as experiências dos profissionais poderão falar, mostrar isso de modo que a Psicologia não restrinja, então, suas possi-bilidades de atuação apenas nessa área. Dessa forma nós convidamos a todos os presentes a ampliar esse debate sobre o que vem sendo legitimado como emergência e desastre.

Emergência para quem? Desastre sobre qual ponto de vista? A discussão não deve enaltecer ou desqualificar a importância das diferentes formas de interpretações e intervenções possíveis na área da Psicologia, mas sim, possi-bilitar uma discussão sobre como o profissional de Psicologia pode emprestar o seu conhecimento, utilizando suas técnicas e seus métodos reconhecidos

² Psicóloga (CRP16/451), Professora e Coordenadora do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras.

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pela profissão, e não baseados no senso comum. Então, o amor é fundamental, mas não basta querer ajudar. É preciso

uma atuação baseada nos procedimentos profissionais possíveis e capazes de serem executados numa determinada situação, não se eximindo, é claro, das responsabilidades que são previstas no Código de Ética Profissional. Então eu convido a todos a aproveitar esse momento de formação, de discussão, e agradeço ao CRP por essa oportunidade de estarmos realizando juntos esse evento. Obrigada!

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Bárbara Lara de Araújo Merçoni³

Em nome do IV Plenário do CRP-16, gostaríamos de agradecer à UVV, na pessoa da Coordenadora do Curso de Psicologia, Professora Dra. Luciana Bicalho, por conceder o auditório desta Universidade para realizarmos esta oficina e pela divulgação realizada. Obrigada aos palestrantes, que se dis-puseram a estar aqui hoje gratuitamente, aos integrantes da mesa, a todos os parceiros e aos profissionais e estudantes presentes para enriquecerem a nossa atividade.

A nossa oficina tem como objetivo trabalhar como a gestão integral de riscos e desastres deve iniciar na formação de Psicólogas e de Psicólogos pre-parados para esse tipo de demanda, além de abordar as situações diversas de emergências, do ponto de vista integrado, compreendendo o cenário em que estão inseridas, representando uma atuação ampla em várias etapas, a come-çar pela prevenção, preparação, mitigação, resposta e recuperação.

Há que se tecer a importância da articulação das Psicólogas e dos Psicólo-gos com os demais agentes que atuam na gestão integral de riscos e desastres. A interação do trabalho da Psicologia com a Defesa Civil, com o Corpo de Bombeiros Militar, com a população atingida, com profissionais das políticas públicas, do SUS, do SUAS, de Organizações Não Governamentais, voluntá-rios e todos os demais envolvidos. Toda interação é de extrema importância para o alcance de melhores resultados.

Como disse a Coordenadora da Comissão Nacional de Psicologia na Ges-tão Integral de Riscos e Desastres do CFP, Eliana Torga: “esta nossa ação é um trabalho de formiguinha que tem como objetivo chegar o mais próximo de uma população resiliente a situações de emergências e desastres, lembran-do que a atuação e os estudos voltados para esta área são recentes em nosso país, embora as situações que demandam esse trabalho, como a seca, proble-mas com chuvas e enchentes, por exemplo, ocorram há bastante tempo”.

Importante lembrarmos que esta ação, em parceria com o CFP, se dá por meio dessa Comissão Nacional, criada em 2014, para ser um instrumento do Conselho Federal voltado para encaminhar a temática das emergências e desastres, para conhecer as ações que vêm sendo feitas nas regiões do país e também pelos Conselhos Regionais. Por isso, a Comissão já realizou esta oficina em outros estados. Em cada local, a oficina tem seu eixo padrão, le-vando em consideração as peculiaridades regionais. A Eliana nos contou que em Belém, por exemplo, a oficina teve como foco as inundações. Já no Recife, ela foi realizada com foco na questão do ZikaVírus, devido às incertezas em torno da doença.

Aqui, vamos tratar da questão da lama de rejeitos de minério da Samar-co, chamando atenção para o risco do rompimento da barragem de Germano,

³ Psicóloga (CRP16/2611) e, na ocasião, Conselheira Presidente do Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região – CRP16/ES.

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que é um reservatório maior que o de Fundão. E se a barragem de Germano se romper? O que faremos? Esse será o tema do simulado que faremos na parte da tarde dentro da programação da nossa oficina.

Vale lembrar que nós já realizamos, no dia 29 de janeiro, em Linhares, a Oficina Regional de Psicologia com foco no enfrentamento às situações de emergências e desastres, que contou com mais de 200 participantes. Essa ação foi fruto de um parceria entre o CRP16 e o Conselho Regional de Minas Ge-rais para levar suas experiências na área de emergências e desastres a fim de subsidiar profissionais da Psicologia a prestarem atendimento psicossocial à parcela da população capixaba prejudicada pela lama da Samarco.

Essas atividades reforçam a luta política do CRP16, que tem se desta-cado em promover ações voltadas para emergências e desastres desde 2010, seja em campanha de doações às vítimas das chuvas; seja em seminário na-cional, tal como este que aconteceu em 2011, também em parceria com o CFP; seja em atividades junto a outros parceiros, como as oficinas de atenção psi-cossocial realizadas no final de 2013 e no início de 2014, tendo como foco o atendimento às vítimas das chuvas que castigaram o Espírito Santo naquele período.

Esta Oficina Nacional é mais um passo do nosso Conselho Regional em promover o debate, discutir e aprofundar ações voltadas para o tema de emergências e desastres.

Assim, esperamos que a oficina seja produtiva para todas e todos. Um bom dia e muito obrigada!

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Luciana Bicalho Reis

Bom dia Bárbara, Rodrigo, Gilsa. Sejam todos bem vindos. Bom dia a todos demais os presentes. Em nome da Coordenação do Curso de Psicolo-gia e da Universidade de Vila Velha, queremos desejar boas-vindas a todos e agradecer ao Conselho Regional de Psicologia, na pessoa da senhora Bárbara, pela oportunidade que nós temos de contribuir com esse evento, já que essa área da Psicologia é uma área bastante recente e que ainda demanda a capa-citação de profissionais.

Reconhecemos e parabenizamos o Conselho pelas ações que tem feito nos últimos anos, que tem sido público e notório, no sentido de capacitar os profissionais para área. E, enquanto instituição de ensino, a gente se sente feliz em poder contribuir, em participar, sendo esse um momento importan-te, já que temos aqui um grande número de alunos. Isso já vai despertando nessas pessoas um interesse por conhecer esse novo campo de atuação.

A Bárbara citou uma série de situações que mostram que, por questões geográficas, algumas mais previsíveis e outras nem tanto, nós do Espírito Santo também somos, de tempos em tempos, infelizmente, atingidos por es-sas condições de emergências e desastres. E é importante que nós, enquanto Psicólogos, consigamos minimamente nos situarmos nessas situações, reco-nhecendo e identificando de que forma podemos contribuir nessas condições de calamidade pública, nessas condições em que direitos básicos das pessoas, como moradia, alimentação, segurança, são retirados por algum motivo.

Enquanto instituição de ensino, consideramos um privilégio poder se-diar e participar de um evento como esse e esperamos, como Bárbara men-cionou, que isso comece a provocar em nós Professores, nos próprios alunos, esse ensejo, esse desejo de promover ações no curso, sejam elas por meio de disciplinas ou seminários temáticos, que possam também levar os alunos a, ainda na graduação, interessarem-se pelo tema.

Esperamos que o evento traga contribuições, inclusive, no sentido de propostas de projetos de pesquisa e programas de extensão e que, assim como outros cursos já o fazem, o Curso de Psicologia também possa dar contribui-ções sistemáticas para a produção de conhecimento nessa área.

De modo bem breve, eu gostaria de desejar a todos um ótimo evento. Que possamos aproveitar o dia, tirar dele o máximo de proveito. E sejam to-dos mais uma vez bem vindos!

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4 Psicóloga (CRP16/1091), Professora e Coordenadora do Curso de Psicologia da Universi-dade de Vila Velha – UVV.

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Rodrigo Coelho do Carmo

Bom dia! Quero primeiro agradecer a Bárbara pelo convite. Agradecer também a Luciana pela recepção. Cumprimentar a Gilsa, a minha colega de trabalho. Trazer ao Conselho Regional de Psicologia, a Universidade de Vila Velha e a todos os participantes desse evento os cumprimentos e devido su-cesso do nosso governador Paulo Hartung, que não pôde vir. Eu fiz contato com ele pra saber se ele não queria prestigiar o evento, mas hoje o Ministro das Cidades está em Cachoeiro de Itapemirim para inaugurar um conjunto de casas, então, ele não pôde estar aqui.

Eu vou fazer uma abordagem com vocês desse tema, do ponto de vista da gestão. Não poderia ser mais oportuno neste momento uma discussão, pelo Conselho Regional de Psicologia, de pessoas em situação de desastre. Eu ouvi atentamente a escala de debates que vocês estão fazendo, de estudos que vocês estão elaborando, e eu gostaria de incluir nessa elaboração, para contribuir com nosso trabalho, porque nós não construímos nada sozinhos, somos incapazes de fazer sozinhos. Precisamos de contribuição até pelo pou-co tempo que se debate esse tema, para que vocês também nos ajudem a de-bater o atendimento às famílias atingidas em situação de desastre do ponto de visto do Sistema Único de Assistência Social.

Na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, está como atribuição da Proteção Social Especial o atendimento a famílias em situação de desastre. Acontece que hoje nossos profissionais estão muito mais focados na distri-buição de benefícios do que no atendimento dessas famílias. Nós precisamos inverter essa lógica!

A Secretaria de Assistência Social do Estado, neste momento, está traba-lhando as correntes de doação. Nós vamos criar, na nossa estrutura adminis-trativa, uma gerência de benefícios que irá operacionalizar o que é benefício para que a Proteção Básica e Especial possam focar exclusivamente no atendi-mento às famílias. Que possamos trabalhar o fortalecimento do vínculo fami-liar mesmo em situações tão adversas, como as situações de desastres. Que a gente consiga permitir que as famílias tenham um conforto emocional e físico mesmo em abrigos emergenciais construídos para esse fim.

Não podemos depositar as pessoas em um abrigo como se nós tivésse-mos resolvido o nosso problema em ter tirado eles da chuva e ter dado um colchão fininho e uma cesta básica para elas comerem. Não é só isso! Não é só disso que necessita uma família em um momento de desastre. O Conse-lho de Psicologia pode nos dar uma contribuição extremamente importante nesse sentido.

Aqui comigo, me acompanha a nossa subsecretária de Assistência Social, Clarisse Imperial, e também nossa técnica da proteção social especial, Julia-

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5 Secretário de Estado de Assistência Social e Políticas para Mulheres, do Governo do Estado do Espírito Santo.

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na, que tem participado conosco dessa discussão de mudança de perfil da estrutura da secretaria para o atendimento as famílias.

É dever do estado, na Política de Assistência Social, fazer uma orien-tação dos municípios. Se nós conseguirmos formular, se nós conseguirmos capacitar os nossos técnicos de estado, nós conseguiremos, sem dúvida ne-nhuma, fazer com que esse conhecimento tenha capilaridade através da rede de Assistência Social que nós temos no estado do Espírito Santo. Nós temos uma carência e uma necessidade muito grande disso. Nós temos constantes episódios de desastres no nosso estado e nós precisamos estar cada vez mais preparados para enfrentá-los.

Agora, vocês vão discutir a situação que aconteceu em Mariana. Pen-sem sobre o ponto de vista do atendimento às famílias que estão ao longo do Rio Doce. Como será feito o atendimento dessas famílias? Muitas delas que tinham segurança de renda, hoje, vivem em extrema vulnerabilidade pela falta de condições de trabalho. Como que nós, da Assistência Social, pode-mos acompanhar essas famílias e dar a elas condições de se estabelecerem e de enfrentarem esse momento tão adverso? Mas não só para este momento. Esse é um bom estudo de caso, mas é preciso sustentar uma política pública efetiva que seja conduzida ao longo dos anos.

Essa é minha esperança, por isso que estou aqui com vocês, para pedir essa ajuda, essa contribuição. E como fui convidado, Bárbara, eu não relutei em nenhum momento, porque eu estou voltando agora. Eu estou há onze dias na Secretaria de Assistência Social, voltando depois de três anos. Na minha primeira passagem pela Secretaria de Estado e Assistência Social, eu tive do Conselho Regional de Psicologia toda a solidariedade. Então, como forma de gratidão àquele tempo, e como forma de pedido de ajuda, que nós precisamos sempre, eu vim aqui para prestigiar o evento de vocês.

Muito feliz com a presença de todos vocês, pela concorrência ao evento, a participação efetiva de tantas pessoas. Vou sair daqui com o coração cheio de esperança e também com toda a disposição de contribuir naquilo que for necessário. A Secretaria de Estado de Assistência Social e Política para Mu-lheres está à disposição do Conselho de Psicologia, do CREPOP, para que juntos possamos não só desenvolver e discutir, mas implementar políticas públicas que cheguem a nossa população que tanto precisa.

Bom evento, muito sucesso e muito abrigado pela acolhida!

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Gilsa Aparecida Pimenta Rodrigues

Bom dia a todas e todos! Eu quero, inicialmente, agradecer o convite. O convite, na verdade, era para o Secretário de Estado da Saúde e ele pediu que eu viesse aqui substituí-lo, porque ele hoje está acompanhando o Ministro nessa ação dos militares com a educação, nesta emergência que nós estamos vivendo no momento, que é o aumento do número de casos de ZikaVírus, com os nascimentos com microcefalia e um aumento também desproporcio-nal dos casos de dengue aqui no nosso estado.

Eu quero cumprimentar a mesa, a Luciana Bicalho Reis, que é a Coorde-nadora do Curso de Psicologia aqui desta universidade, Professora, Psicó-loga. A Bárbara, que é Psicóloga e Conselheira. Eu também já fui Conselhei-ra no meu Conselho, na gestão passada. Apesar do trabalho na Secretaria, contribuía naquilo que podia no meu Conselho. Acho que é extremamente importante. E o meu colega do Governo, Rodrigo Coelho, que falou que não tinha preparado muita coisa, mas conseguiu falar muito bem e muito bonito aqui para vocês.

Eu tenho algumas experiências com emergências, principalmente, com grandes chuvas e alagamentos. Eu trabalhei em Vila Velha na Vigilância Epi-demiológica e com aquelas grandes enchentes, que tiravam muitas famílias das suas casas. Nós, enquanto Saúde - eu sou enfermeira de formação -, tí-nhamos claro qual era o nosso papel, mas, muitas vezes, atropelávamos as situações, porque íamos para uma escola, onde as famílias eram levadas pela Defesa Civil, pelo Corpo de Bombeiros, pela Assistente Social, por quem con-seguia levá-las, e começava a chegar nessas escolas muita gente que trazia muita roupa, trazia colchão, trazia comida, mas isso passava a ideia de que o que aquelas famílias precisavam é isso. Naquele momento, inicialmente, elas precisavam realmente de colchão para dormir, de uma roupa para vestir, de comida, mas precisávamos de pensar em uma política mais duradoura, pere-ne, que isso precisava de ser feito, sobretudo, com planejamento.

E o que eu vi, ao longo desses anos que eu tenho trabalhado com isso, são Unidades de Saúde que estão na parte baixa do município e que têm os seus medicamentos na parte baixa e, quando vem a água, a primeira coisa que eles perdem são aquelas medicações. Já visitei municípios em situação de enchente aonde a geladeira da sala de vacina ia embora pelo rio junto com boi, galinha, ponte.

Então, o que eu percebo que precisa, fortemente, é que as pessoas sa-bendo da sua realidade, façam um diagnóstico do seu território, das especi-ficidades de cada território, e que planejem. Façam planos de contingência factíveis, que respondam à realidade de cada município e de cada território.

Esse plano de contingência precisa de, realmente, contemplar a inter-

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6 Gerente da Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, do Governo do Estado do Espírito Santo.

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setorialidade. A Saúde sozinha, a Assistência Social sozinha, a Defesa Civil sozinha, não vai dar conta. Cada um faz o seu pedaço específico. Precisa é de um plano de ação de todas essas áreas para, verdadeiramente, responder a necessidade daquela população. O Ministério da Saúde tem programa de desastres. Por exemplo, agora, o Rodrigo citou o desastre com a barragem em Mariana. A grande preocupação do programa de desastre do Ministério da Saúde era relacionada à potabilidade da água que aquela população iria beber, mas a gente sabe que vai muito, muito além disso.

Eu fico muito alegre de ver esse auditório muito cheio. Parece que não tem mais lugar para as pessoas que por ventura ainda não chegaram, e vejo, também, que têm muitos alunos. E isso precisa realmente ser inserido nos cur-rículos. As pessoas precisam tomar essa responsabilidade como sua, pensar em como vão se inserir nessas atividades, porque aquele colchãozinho leva-do, aquela comida, aquela roupinha usada, que foi distribuída, isso passa, e o que fica é uma grande necessidade de atenção, de devolver a este indivíduo aquilo que ele perdeu. Tem gente que perde absolutamente tudo e as pessoas choram ininterruptamente. Nessas horas, as pessoas que têm pressão alta, que fazem convulsão por algum motivo, elas não têm seus medicamentos de controle, seus medicamentos de uso contínuo. Temos pessoas que fazem hemodiálise e estão nos abrigos, e ninguém se deu conta de que ela tinha que ir para hemodiálise.

Na última enchente, fizemos um grupo de situação, no Corpo de Bom-beiros, com o Coronel Giuseppe. Estávamos juntos lá e nós tínhamos que decidir se pegávamos a gestante de alto risco de Laranja da Terra para trazer para o Hospital Jayme de helicóptero ou se pegávamos uma equipe para ir fa-zer o parto no município perto, Santa Teresa. O Secretário pedia: “Gilsa, pede para, primeiro, pegar a equipe de Santa Teresa e trazer para cá para, depois, ir levar a grávida no Jayme”.

Então, conseguimos fazer coisas que depois não acreditamos. Na verda-de, só trabalhando na fonte é que nos damos conta de que as necessidades são enormes e que não é um programa escrito que responde a tudo isso, mas que é realmente trabalhando, vendo. Isso nos dá essa experiência de escrever bons planos, que podem ter uma página só, mas que precisamos de definir quem vai cuidar de que, em que momento, como será a logística para que isso possa sair menos doído para aqueles usuários do SUS, do SUAS, que são cidadãos capixabas ou não, e cada um de nós temos o nosso papel no aten-dimento desses desastres, dessas calamidades, dessas epidemias/endemias. Quando a gente faz com competência, o serviço fica muito bem feito.

Eu acredito muito que vocês terão produtos hoje, aqui nessa oficina, que vão colaborar com a formação. Aqueles que já são profissionais terão agre-gados conhecimentos que contribuirão para a vida profissional, para a vida pessoal, enfim, para a vida toda. Eu agradeço o convite e a oportunidade de estar aqui com vocês. Muito obrigada!

MESA REDONDA 1 -PLANOS E POLÍTICAS DE PREVENÇÃO, PREPARAÇÃO

E RESPOSTA A EMERGÊNCIAS E DESASTRES NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO: APRESENTAÇÃO DO PLANO ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL

(PEPDEC) DO ESPÍRITO SANTO

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OFICINA NACIONAL

Gestão Integral de Riscos e Desastres: da prevenção à recuperação

Coordenadora da Mesa: Daniela Reis e Silva Palestrantes: Carlos Marcelo D’Isep Costa e Hekssandro Vassoler

(Coordenadora da Mesa Redonda, Psicóloga Daniela Reis e Silva): Bom dia a todos e a todas! Vamos dar início às discussões da Mesa Redonda “Pla-nos e Políticas de Prevenção, Preparação, Resposta a Emergências e Desastres no Estado do Espírito Santo - Apresentação do Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil do ES”. Passamos, a palavra ao Coronel Carlos Marcelo D’Isep Costa, Comandante Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo. Ingressou na Polícia Militar em 1988, pelo Curso de Formação de Oficiais na Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Oficiais e Corpo de Bombeiros Mi-litar do Estado do Rio de Janeiro, fazendo parte da primeira turma de Oficiais Bombeiros formada no estado. Além dos cursos militares, é Tecnólogo Mecâ-nico formado pela UFES, pós-graduado em Análise de Sistemas pela UVV e Mestre em Gestão Empresarial pela FGV-RJ.

(Coronel Carlos Marcelo D’Isep Costa): Obrigado! Bom dia a todos! Eu es-tava atento à fala da primeira mesa, do Rodrigo, da Gilsa, e depois da outra mesa redonda. Para minha fala, estruturei uma apresentação sobre a nossa Defesa Civil Estadual até chegar no Plano Estadual de Proteção e Defesa Ci-vil, mas vou tentar aqui juntar um pouco do que foi dito até agora.

Eu, inicialmente, só queria registrar o prazer que é para nós que atuamos no Corpo de Bombeiros há 28 anos debatermos esse tema de desastre e de De-fesa Civil, porque não podemos deixar de colocar que a Defesa Civil começa a tomar corpo e entrar na agenda, por que as pessoas, de uma forma geral, só lembram da Defesa Civil ou desse assunto de desastre, quando acontece algum grande desastre. Fora isso, não é assunto que é muito colocado em pauta. Só lembramos da Defesa Civil quando tem algum desastre.

Então, estou feliz por estarmos trazendo esse assunto dentro da Psico-logia e dentro da Assistência. Quero registrar aqui, também, a presença, e

7 Psicóloga Clínica e Hospitalar (CRP16/517); Terapeuta de Famílias e Casais; Terapeuta Certi-ficada, Facilitadora e Supervisora em EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento por Meio de Movimentos Oculares); Terapeuta Certificada em Brainspotting; Certificação em Tanatolo-gia e Membro da ADEC (Association for Death Education and Counseling – EUA); Integrante do Grupo de Trabalho Internacional sobre Morte e Luto (IWG); Coordenadora do API (Apoio a Perdas Irreparáveis); Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Coronel e Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo (CBMES). Tenente-Coronel Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo e Coordenador Estadual Adjunto de Proteção e Defesa Civil do Estado do Espírito Santo.

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estamos muito felizes de ver os municípios, as defesas civis municipais, pre-sentes. Nós estamos aqui com os municípios de Jerônimo Monteiro, Colatina, Pancas, Nova Venécia, além dos nossos regionais da Defesa Civil e do nosso Corpo de Bombeiros, como Guarapari e Cachoeiro de Itapemirim.

Eu vou fazer uma apresentação, um pouquinho para a gente entender esse contexto de Defesa Civil, Bombeiros, até chegarmos no Plano.

No nosso Estado, a Defesa Civil está dentro do Corpo de Bombeiros Mi-litar. Não é assim no Brasil todo. Minas Gerais - a Professora colocou agora -, Minas Gerais, por exemplo, a Defesa Civil de Minas não está, não pertence aos Bombeiros, pertence à Casa Militar do Governador, mas aqui no Espírito Santo não. Por força da Constituição Estadual, compete ao Corpo de Bom-beiros Militar coordenar e executar ações de Defesa Civil. Então, está muito ligado ao Corpo de Bombeiros Militar.

Só para gente entender, rapidamente, falarei um pouco do Bombeiro. A nossa instituição é uma instituição militar que está organizada com base na hierarquia e na disciplina e, como em qualquer empresa, qualquer organiza-ção, ela tem uma estrutura geral de direção, de apoio e de execução.

E dentro do âmbito de direção, eu, atualmente, exerço a função de Co-mandante Geral. Tem a nossa Corregedoria Estadual de Proteção e Defesa Civil, o Tenente-Coronel Vassoler é o Coordenador Estadual Adjunto. Ela pertence a estrutura da nossa organização. Antes de ser Comandante-Geral, eu fui Coordenador Estadual de Proteção e Defesa Civil e, embora o uniforme seja diferente, ou com uma farda diferente, no fundo, somos Corpo de Bom-beiros Militar. Temos um Centro de Serviço Social, esse Centro é mais para atender ao público interno, não está ligado à parte de desastre. Nós temos, hoje, uma Assistente Social e temos uma Psicóloga, elas fazem o atendimento do nosso efetivo, ou seja, dos funcionários. Temos os órgãos de execução, que realizam a resposta nos atendimentos. Aqui é só uma estrutura, como qual-quer empresa, qualquer organização, tem um organograma.

Gostaria de reforçar um pouquinho nosso efetivo previsto em Lei que é de 1800 Bombeiros. Nós estamos trabalhando, hoje, com 1268 homens, esta-mos com 532 bombeiros. Então, 1268 pra atender os 78 municípios do Espírito Santo. Um efetivo muito reduzido, e com a demanda de serviço crescendo, e, como foi colocado na palestra anterior, de desastre também crescendo no Espírito Santo.

Hoje, estamos organizados em 05 Batalhões de Bombeiros e 04 Compa-nhias Independentes. Cada uma atua em algum número de municípios. Mas, eu quero só reforçar que cada estrutura dessa tem uma regional de Proteção e Defesa Civil. Ou seja, além da parte de salvamento, de incêndio, dentro dessas unidades, tem um núcleo que cuida dessa questão da Defesa Civil es-pecificamente.

Só pra mostrar números, o 1º Batalhão de Bombeiros Militar, aqui de Vi-tória, é responsável por três municípios. E, se somarmos com Cariacica e in-cluir Guarapari, temos 50% da população capixaba. Quer dizer, pra fazer a

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conta bem redonda, dos 78 municípios, em 10 municípios, nós temos metade da população capixaba, ou seja, basicamente concentrado na região metropo-litana. Então, assim, quando acontece um desastre, onde a pressão é maior? Onde a população é maior. Municípios menores acontecem desastre, mas, às vezes, o impacto não é tão grande, porque a população é muito pequena. Ou, acontece numa área que tem três, quatro famílias e não há repercussão, não há aquele clamor, do que se acontecer aqui em Vila Velha, Vitória ou Cariacica.

Bom, a gente está falando em emergência, desastre, mas como que atua no Brasil essa questão de Defesa Civil? A Defesa Civil foi reestruturada em 2012, como uma Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Porquê 2012? Vocês devem se lembrar do que aconteceu na região serrana do Rio de Janei-ro em janeiro de 2011, o maior desastre natural que ocorreu aqui no Brasil, com 975 mortes. Isso oficialmente registradas, fora os mais de 200 que não apareceram.

Eu tive a oportunidade profissional de trabalhar lá logo depois do de-sastre. Fiquei 15 dias na região serrana. Uma experiência profissional muito grande, enriquecedora, mas uma tragédia monstruosa, de um tamanho sem igual. E, a partir de 2011, a própria Presidente esteve lá no início do desastre. Mostrou-se, então, essa necessidade de ser reformulada toda essa política de Defesa Civil.

Defesa Civil não é só do Corpo de Bombeiros, não é só da Agência de Defesa Civil, ela envolve várias ações, vários ministérios, várias secretarias, vários órgãos. E isso está definido na política que eu vou mostrar daqui a pouquinho. Vamos lá!

Mas, para entendermos melhor, precisamos entender como a Defesa Ci-vil funciona em forma de sistema. Nós temos um Conselho Nacional, temos a Secretaria Nacional, ligada ao Ministro da Integração Nacional, depois vêm as Coordenadorias Regionais, as Estaduais (no nosso caso, aqui, a nossa está dentro do Corpo de Bombeiros Militar), nós temos as Regionais de Defesa Civil, dentro dos quartéis de bombeiros. Temos os municípios com as suas Coordenadorias Municipais, e temos os Núcleos de Proteção e Defesa Civil, Núcleos Comunitários, temos ainda órgãos setoriais, órgãos de apoio, por exemplo, podemos aqui encaixar o Conselho Regional de Psicologia, e outras agências que têm trabalhado com a gente nessa questão de Defesa Civil.

Mas, eu quero reforçar um entendimento que tenho já há alguns anos. Acredito em Defesa Civil funcionando nesse país verdadeiramente como for-ma de sistema, quando isso aqui funcionar: Núcleo Comunitário. Se não fun-cionar lá na comunidade, no bairro, com aquela célula, a gente está trabalhan-do muito, mas sem ter efetivamente um resultado concreto. Falo isso para os municípios já há algum tempo. Precisamos estruturar os municípios. Temos a coordenadoria municipal estruturada, mas temos que avançar um pouquinho mais e começar a trabalhar nos núcleos comunitários. Preparar a comunidade.

É lá na comunidade que o líder comunitário, a liderança conhece os pro-blemas, as pessoas acreditam nelas. Não adianta chegar um Coronel, ou um

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outro oficial, ou uma outra pessoa do governo, e falar para essas pessoas: “E aí, o que você está fazendo aqui?” Lá, se o líder comunitário for junto, aí vai funcionar. Evacuar sua casa, fazer isso, fazer aquilo. Então, acredito muito, e tenho convicção de que temos que trabalhar com o núcleo comunitário, aí passa a funcionar.

Política Nacional, prevenção, mitigação, preparação e resposta. Olha a Política Nacional: política territorial, gestão, saúde, meio ambiente, mudan-ças climáticas, recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia, ou seja, é amplo, múltiplo. Nós não fazemos Defesa Civil sozi-nhos. Não fazemos!

Rapidamente, o que está na Lei? Instituir um Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil. O Espírito Santo foi um dos primeiros estados da Federação a ter o seu Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil. Na Lei, estabelece a competência do município, várias competências, o Plano de Contingência do Município. É o Município que tem que fazer, nós orientamos a fazer esse Pla-no de Contingência.

No Espírito Santo, nós tivemos, logo em 2012, nosso Plano Estadual. Te-mos uma Lei que reestrutura e reorganiza a Defesa Civil no estado. Aqui, se está regulamentando um passo fundamental: a criação do Fundo Estadual de Proteção e Defesa Civil.

Vila Velha sofreu agora, no dia 1º, o desastre em Boa Vista, no morro da Boa Vista, que teve a pedra que rolou. Nós repassamos fundo a fundo, o mu-nicípio criou o fundo municipal, foi repassada uma verba para o município dar assistência àquela população. E isso encurta caminho, agiliza o processo, às vezes o processo muito burocrático atrapalha muito, e é preciso socorrer as pessoas.

Aqui, são algumas ações que temos feito. O Plano Estadual é uma, o Espí-rito Santo é pioneiro nisso. Nós montamos as 78 Coordenadorias Municipais de Proteção e Defesa Civil, entregamos um kit com veículo, com barco, GPS, computador, ou seja, nós estruturamos os municípios, mas ainda precisamos que os municípios avancem e estruturem os seus núcleos comunitários. O es-tado está fazendo a parte dele no sentido de estruturar os municípios, ajudar nessa estruturação.

Esse aqui é o ciclo de gestão da Defesa Civil. Prevenção: a gente tem que fazer prevenção. Foi falado aqui nessa cultura de prevenção, ou na cultura de segurança. Só acreditamos que vai acontecer alguma coisa, só colocamos o cadeado na porta depois que fomos roubados, que fomos assaltados. Não acreditamos. Não temos essa cultura de segurança.

E, para as pessoas que estão na área de risco, é uma coisa que temos que trabalhar muito, não se tem a percepção do risco. “Ah, eu moro aqui há muito tempo, meu pai morou, meu avô morou, meu bisavô, a pedra nunca rolou”. Você chega e diz: “nossa, isso aí é um perigo. Vai cair!”. Eles não têm a per-cepção de risco. Precisamos desenvolver, nas comunidades e, principalmen-te, com quem está em área de risco, essa percepção.

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Mitigação, preparação, resposta. Entre a preparação e a resposta, aí sim, temos que trabalhar na fase da preparação o Plano de Contingência. Além de preparar o Plano, fazer simulado, testar esse Plano, porque, quando aconte-cer o desastre, a resposta fica muito mais fácil, ou menos dolorosa.

E a recuperação é uma fase muita cara. Você ter que reconstruir cidades e é muito oneroso. No momento do desastre, o Corpo de Bombeiros Militar atua no socorro, e, dentro do nosso estado, a assistência humanitária e rea-bilitação junto a Defesa Civil Estadual. Então, isso é bem dividido na nossa instituição. Na fase de socorro, atuamos, e são 24 horas de serviço. Nessa fase de assistência - cesta básica, abrigos, e na de reabilitação, entra a nossa Coor-denadoria Estadual.

O Comitê Estadual foi criado por força desse decreto, Comitê Estadual de Combate às Adversidades Climáticas. Aqui no Espírito Santo não é só en-xurradas e enchentes. Nós temos vendavais, nós temos seca. A região Norte do estado está numa estiagem prolongada. Junta um pouquinho com Minas Gerais, com a Bahia, nós não somos um semiárido ainda, mas estamos ca-minhando pra ser um semiárido. E a seca castiga muito o Norte. Nós temos incêndio florestal, nós temos vendavais, nós temos granizo, nós temos erosão marinha. Isso são desastres em que a Defesa Civil Estadual e as Defesas Civis Municipais atuam e trabalham.

O Comitê auxilia a execução do Plano Estadual. Os órgãos que compõem o nosso Comitê, basicamente, são as secretarias de estado, em algumas agên-cias, mas podem entrar outras organizações nisso, como entrou o Conselho Regional de Psicologia, depois de 2013. Já tem dentro do nosso Plano de Con-tingência Estadual, a inserção da Psicologia. Nós pedimos que sejam indica-dos dois servidores pra estarem dentro do Comitê, um titular e um suplente, são o que chamamos de pontos focais. A importância do ponto focal: é que ele tem que ter delegação da instituição, tem que ter poder de decisão. Nesse Pla-no, estão também as atribuições das instituições integrantes. Então, está tudo estabelecido, e previsto nas ações de Defesa Civil estabelecidas pelo PEPDEC (Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil).

Importante: o recurso e a infraestrutura são próprias de cada órgão e atuam de acordo com os seus planos de ação. Então, nós temos um Plano de Contingência maior, que é o do estado, cada agência que está dentro do Pla-no vai usar o seu recurso, sua infraestrutura, e tem que fazer o seu Plano de Ação. É uma ferramenta de auxílio aos municípios afetados por desastre. Ele tem que ser atualizado semestralmente, abril e outubro.

Esse aqui é a versão de outubro do ano passado. Agora, em abril, co-meçamos a reavaliar. Por que outubro? Por que abril e outubro? Saímos do período de chuva em abril, e entramos num período de estiagem, e outubro começa de novo. Então, avaliamos os dois ciclos que acontecem mais no esta-do: a parte de inundação e a parte mais de estiagem. E atualizamos o Plano.

O nosso Plano Estadual elaborado em 2012 está sendo aperfeiçoado. Mas posso dizer, com toda segurança pra vocês, ele tem funcionado. Tem sido

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uma ferramenta de auxílio muito grande. O que está escrito ali, está pactuado entre as agências. Funciona!

E, um detalhe: desastre acontece final de semana e de noite. Quando você não encontra ninguém, todo mundo desaparece, só as agências de resposta estão lá pra dar a resposta. Normalmente, é final de semana e a noite, e não se consegue encontrar ninguém. Mas, com o Plano, isso está previsto, temos o te-lefone do ponto focal é só ligar pra ele. E já aconteceu de acionar os órgãos de noite, e o pessoal dá resposta, porque está pactuado, está escrito, em consenso.

Antes de 2011/2012, tínhamos uma gestão de desastre. Agora não, é ges-tão de risco. Onde é que está o risco? Nós estamos fazendo a gestão do risco, não do desastre. Desastre é isso aí. A gente vai ter que atuar, vamos ter que estar lá no chão fazendo o serviço. Nós temos que minimizar essa questão do desastre. Então, gestão de risco, que é a ordem, é o que está na Política Nacio-nal, é o que nós estamos tentando fazer.

(Coordenadora da Mesa Redonda, Psicóloga Daniela Reis e Silva): Agra-decemos a contribuição do Coronel D’Isep. E, dando prosseguimento, passa-mos então a palavra ao Tenente-Coronel Hekssandro Vassoler, Coordenador Adjunto Estadual de Proteção e Defesa Civil do estado do Espírito Santo, bacharel em Ciência da Computação pela UFES. Atualmente, ocupa a Coor-denadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil. Participou do curso de for-mação de Oficial e Polícia Militar do Espírito Santo de 1994 a 1996, e possui pós-graduação em Gestão Pública pela FAESA, concluída no ano de 2007.

(Tenente-Coronel Hekssandro Vassoler): Senhoras e senhores, bom dia! Gos-taria de corroborar a fala daqueles que se pronunciaram antes de mim, acerca da importância deste evento, sobre a importância de percebermos a gestão de risco e a transversalidade dessas ações. Vamos perceber, falando sobre o Pla-no Estadual de Proteção e Defesa Civil, que ele tem o propósito de integrar as ações de diversos órgãos. Os palestrantes anteriores falaram recorrentemente de Plano de Contingência. Esse Plano de Contingência, que usualmente é tra-balhado em nível municipal, quando elaborado em nível de estado, denomi-na-se Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil, e será apresentado aqui.

Aos Psicólogos que trabalham na gestão de risco é necessário dizer que cabe a vocês também a elaboração de um Plano de Contingência e esse plano não deve estar desassociado dos demais, seja o Plano Estadual ou dos Planos Municipais onde vocês pretendam atuar.

Essa é a maior importância que eu vejo neste evento. A de despertar essa compreensão, a necessidade de integração dos órgãos.

Bom! Nosso Comandante já fez uma fala, mas reforçando, o Plano Es-tadual de Proteção e Defesa Civil é uma exigência legal, prevista na Lei 2608. Uma Lei Federal que define as atribuições da Política Nacional de Defesa Civil, define as atribuições da União, dos estados e a dos municípios. Nas atribuições do Estado, previsto no inciso 3º, está “instituir o Plano Estadual

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de Proteção e Defesa Civil”. O Comandante mostrou o vídeo da atuação do Corpo de Bombeiros e

Defesa Civil no desastre de dezembro de 2013. Enquanto estava sentado à mesa vendo novamente o filme, pensava em quantas vezes já vi esse vídeo e como me emociono a cada nova vez que o assisto.

Eu quero mostrar para vocês imagens de alguns desastres que acontece-ram em nosso estado: João Neiva, 2004. Pode ir passando, por favor. Castelo, 2009. Cachoeiro de Itapemirim, 2010. Pancas, 2012. Pare nessa foto só um minuto por gentileza. Observem nessa casa, onde o nível do rio chegou. Con-tinuando: Pancas, 2012. Alfredo Chaves, 2012. Águia Branca, 2013. Colatina, 2013. Mais uma vez Colatina, mostrando agora onde houve um deslizamento com óbitos nesse local.

Quando olhamos essas imagens (fotos de situações de emergências João Neiva, 2004, Castelo, 2009, Cachoeiro de Itapemirim, 2010, Pancas, 2012, Al-fredo Chaves, 2012, Águia Branca, 2013, Colatina, 2013.), o primeiro pensa-mento que nos chega, considerando o ciclo do desastre, é a fase de resposta. É nessa fase que visualizamos o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil traba-lhando, os voluntários distribuindo cestas básicas, etc. Porém, conforme já foi falado, e essa é a grande questão que nós estamos trazendo à tona e chamando à reflexão, que a gestão integral do risco começa na fase de prevenção, passan-do pela mitigação, preparação, resposta, e a recuperação. A Política de Defesa Civil entende que a gestão integral do risco passa por esse ciclo completo.

Comentamos que o Plano Estadual de Proteção de Defesa Civil é o Pla-no de Contingência em nível estadual. E para que que ele serve? Articular e facilitar a prevenção, preparação e resposta aos desastres no Espírito Santo. E como que a gente (defesa civil estadual) consegue fazer essa articulação e facilitar essas etapas? Estabelecendo atribuições para cada uma das institui-ções que participam do Plano. Então, o Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil nada mais é, falando de forma bem sucinta, do que o estabelecimento de atribuições que cada órgão precisa desempenhar no momento em que é acionado. Por que essa integração é importante? Daqui a pouco eu vou falar sobre uma ferramenta de gerenciamento de desastre e vocês entenderão me-lhor a importância do que está sendo falado.

No momento de desastre existem várias pessoas, várias instituições atu-ando, prontificando-se a ajudar. Se não temos essa atuação ocorrendo de for-ma bem articulada, bem definida entre todos os entes, todos esses atores; o que vai acontecer (e acontece com frequência), é surgirem lacunas sem se-rem trabalhadas ou sobreposição de esforços. Isso acaba gerando um esforço maior do que o necessário e, por vezes, não se alcança o objetivo desejado.

O Plano tem esse propósito: definir as atribuições de cada ente. Na ela-boração do Plano, nós fazemos uma fase de avaliação da situação do Estado. Para que consigamos definir aonde queremos chegar, é necessário conhecer onde nos encontramos. Para definir os riscos de uma maneira eficaz é neces-sário, primeiramente, compreender os eventos adversos e os métodos apro-

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priados para sua previsão. Então, na elaboração do nosso Plano Estadual, foi feito um levantamento

dos registros de desastres que o Espírito Santo teve entre os períodos de 2000 e 2014. Temos a informação de 905 registros no estado do Espírito Santo. Esse número é exatamente o que aconteceu no Espírito Santo nesse tempo? Não, certamente está muito longe disso. Nós estamos trabalhando com aquilo que chegou a ser registrado na Defesa Civil.

Dentre esses desastres, tem-se uma ocorrência mais recorrente de alguns. E se encontra, observando esse período temporal, os seguintes tipos de de-sastres: inundação, enxurrada, estiagem, vendaval, granizo, deslizamento e erosão marinha. Dentre esses desastres, o que tem maior recorrência em nos-so estado é a enxurrada. Enxurrada seria, popularmente falando, a tromba d’agua. É aquele volume de água que desce rio abaixo, com uma energia ciné-tica muito grande. No entanto, existe um outro tipo de ocorrência que, apesar da incidência dele ser bem menor que a enxurrada, tem uma representação muito grande, que é o deslizamento, pelos impactos que traz.

Com base nos registros existentes, a Defesa Civil estadual mapeou os principais desastres que ocorrem no nosso estado. Uma outra etapa impor-tantíssima, foi identificar essas áreas de riscos. Cada vez mais os senhores vão perceber que nós não trabalhamos sozinhos. Em nível federal, o serviço geo-lógico do Brasil, a CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) fez a identificação das áreas de susceptibilidade a deslizamentos no estado do Es-pírito Santo. No ano de 2016, existe a previsão do CPRM encerrar esse mape-amento em todos os municípios do estado. Após finalizado, esse mapeamento é entregue aos municípios e fica disponível também na Defesa Civil estadual.

Para que tenhamos uma ideia mais concreta do que é esse mapeamento, o CPRM delimita uma área suscetível a deslizamento, e também traz um ma-peamento de inundação. E pra quê que serve isso? É subsídio, é insumo para que os municípios façam suas políticas urbanas. É insumo para que a Defesa Civil Municipal saiba onde ele precisa direcionar um olhar mais atento. Isso ajuda o município a definir regras na sua expansão urbana, onde que vai ou não construir, etc. Ele é também fundamento, subsídio na elaboração do nosso Plano.

Um outro tipo de desastre que não era muito recorrente, não na intensi-dade que se fez agora nos últimos dois anos, é a estiagem. No transcorrer de 2014 e 2015, o Espírito Santo vem passando por uma forte estiagem. Nós es-tamos, nesse momento, com vários municípios decretando situação de emer-gência ou estado de calamidade pública em função da estiagem. No final de 2015, esse número aumentou. No final de 2015, nós tínhamos 45 municípios com situação de emergência e estado de calamidade pública reconhecidos e homologados pelo Estado, em função da estiagem.

Esses desastres, todos que citei aqui, trazem suas consequências. Vítimas fatais, feridos, desabrigados, prejuízos materiais, rompimento do círculo so-cial, queda das atividades comerciais. A estiagem que o estado passa agora já

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traz em média 40% de perda na agricultura, cafeicultura e pecuária. As inun-dações são responsáveis pela interrupção ou destruição de vias de acesso, prejuízos na pecuária leiteira, escoamento da produção agrícola, etc.

Bom, identificados os principais desastres, identificadas as áreas de ris-co, resta a tarefa de se elaborar os Planos de Contingências.

Sobre a criação do Plano de Contingência dos Psicólogos, deve-se deixar claro que o Plano de Contingência não pode ser exclusivo e feito unicamente por vocês. A gestão de risco é caracterizada pela transversalidade. Quando o município faz um Plano de Contingência, ele define onde serão esses abrigos. O trabalho do Psicólogo nesse abrigo, pegando esse caso específico, é uma tarefa, dentre diversas que lá existem, concordam? Para fazer a gestão desse abrigo, tem que ter gente que coloque alimento no abrigo, tem que ter gente que vá cuidar da limpeza, tem que ter gente que vá cozinhar, tem que ter gen-te que vá cuidar da segurança, etc. Até aspectos inusitados devem ser pensa-dos. Imagine que se coloque no mesmo abrigo, no mesmo local, grupos que são rivais. Então, o trabalho do Psicólogo aí é um e não se pode ter um Plano de Contingência dos Psicólogos desassociado do Plano de Contingência que o município está fazendo.

Com tudo o que está sendo dito, fica reforçada a importância de nós conversarmos. Vocês verão aqui, nas atribuições previstas para o Conselho de Psicologia dentro do Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil, que nós precisamos detalhá-los ainda mais. Nós precisamos avançar nesse detalha-mento. Então, fica esse apelo e esse lembrete para que qualquer trabalho seja feito sempre trabalhando de forma transversal.

Na elaboração do Plano Estadual, os órgãos que o compõem devem apresentar dois pontos focais. Ponto focal é uma pessoa indicada pelo órgão, com poder de decisão dentro desse órgão, que vai ser responsável e vai estar em condições de ser acionada quando necessário. Todo desastre demanda o acionamento de todos os pontos focais? Não, não demanda. Vamos imaginar, por exemplo, um deslizamento com obstrução de uma rodovia estadual, im-pedindo o acesso a uma determinada cidade, um determinado distrito. Com certeza quem vai ser acionado será o DER (Departamento de Estradas de Rodagens), por exemplo, para que, com seu maquinário, com seus recursos, possa desobstruir aquela via de acesso.

O que que cada órgão vai fazer dentro do Plano é algo elaborado de for-ma bilateral. Não é a Defesa Civil, no papel de Coordenação, que vai definir para os Psicólogos o trabalho que eles irão executar. É incabível. Os profissio-nais são vocês, são os senhores. Os senhores então, conhecendo cada vez mais como ocorre essa interação entre as instituições, é que vão dizer e vão colocar formalmente nas atualizações do Plano, o que os profissionais de Psicologia realizarão.

Assim, o Conselho de Psicologia se compromete a atuar naquilo que foi acordado, seja junto aos abrigos, na saúde mental das pessoas que lá estão, no acompanhamento das pessoas no pós-desastre, etc. Mediante as conversas,

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formalizadas nas atualizações semestrais do plano estadual (abril/outubro), cada vez mais vamos refinando essa atuação. Não tem varinha mágica. É fru-to de conversa, interação, acordo.

A Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros, utilizam de uma metodologia para fazer o gerenciamento de desastre. Trata-se de uma metodologia renomada de gestão de desastre, denominada SCO (Sistemas de Comando e Operação).

Senhores, tomemos como exemplo o desastre de 2013. Nós tínhamos, ali, naquele momento, trabalhando no estado, todas as secretarias estaduais: Saúde, Educação, Segurança, Assistência Social. Tínhamos a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, Força Aérea, Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro, tropas de outros estados, aeronaves da Força Aérea, Marinha, Exército, tro-pas da Força Nacional, todos atuando em conjunto. Precisa-se de uma meto-dologia para gerenciar todos esses recursos. Sem ela, ninguém sabe o que o outro está fazendo, cada um faz o que quer e no final, às vezes, não se chega ao resultado esperado.

Essa metodologia de gerenciamento coloca, sob um comando unificado, as ações que vão ocorrer em todas as esferas, em todas as frentes de trabalho. Por isso que a Defesa Civil e os Bombeiros conseguem, têm conseguido cada vez mais, administrar situações de desastre.

Esses desastres ocorrem por vezes em várias frentes. O Sistema de Co-mando de Operações permite que de um único local, possa-se definir planos de ações para períodos operacionais. Decisões que tomadas em conjunto, de-finem as ações que serão tomadas por cada uma das agências participantes, sem usurpar a autoridade e a autonomia do órgão.

E, pra finalizar senhores, já foi dito que o Conselho de Psicologia faz parte do Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil. Está descrito nele o que o Conselho Regional de Psicologia acordou a realização nas áreas de preven-ção, preparação e resposta. A elaboração disso, como eu falei, é algo bilateral, é algo que precisamos conversar, detalhar e alterar sempre que necessário. É dessa forma que vamos criando uma política mais consistente, mais robusta e mais produtiva. É através da conversa e do amadurecimento dela.

Senhores, novamente, meus parabéns à organização do evento. É dessa forma que vamos construindo uma sociedade mais segura. Parabéns a todos nós, um abraço!!

(Coordenadora da Mesa Redonda, Psicóloga Daniela Reis e Silva): Agra-decemos a contribuição do Tenente-Coronel Vassoler, Coordenador Adjunto Estadual de Proteção e Defesa Civil do Estado do Espírito Santo. E, dando prosseguimento, hoje eu sou a Referência Técnica, o ponto focal da Defesa Ci-vil, junto com a Psicóloga Raquel Araújo e a Psicóloga Sílvia Gomes. Tivemos a honra de trabalhar juntos na construção dessas atribuições do Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região no PEPDEC.

Isso, pra nós, foi um passo muito grande nessa construção do que um Psicólogo pode fazer nessas situações críticas, em situações de emergência e

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desastre, em situações de gestão integral de risco, por que é um tema amplo, é um tema novo. O Conselho Regional de Psicologia tem desenvolvido um trabalho fabuloso em relação a isso, desde 2011.

Como o senhor falou, Tenente-Coronel, a preocupação do que o Psicólo-go faz, nós não teremos um Plano de Contingência nosso. Nós teremos, sim, um Plano de como fazer para apoiar o trabalho da Defesa Civil e de todos os outros atores nessas situações. Foi falado, mais cedo, da falta de preparo que os profissionais do SUAS e do SUS sentem na hora que tem que entrar em campo, na hora que a situação crítica acontece. Então, os próximos pas-sos, acredito, em relação à contribuição do CRP junto ao trabalho todo do PEPDEC, também diz respeito ao que pode, ao que deve e ao que não deve, o saber do Psicólogo.

É importante se reportar à pessoa de referência da Assistência. É im-possível termos acesso direto ao Comandante Geral da Operação, pois tem escala hierárquica. Precisamos respeitar essa hierarquia. E, aí, a importância do Psicólogo, dos profissionais da área de Assistência de maneira geral, tra-balharem em conjunto para a preparação e para prevenção.

Emergência e desastre é uma área extremamente complexa. É importante levar essa discussão para todos os âmbitos da formação, não só nas faculdades de Psicologia, Serviço Social, Direito, mas para todas as áreas que envolvem Assistência, que envolvem o contato com pessoas, para pensarmos na segu-rança, pensarmos na prevenção. São prevenções pequenas, são atos pequenos que podemos fazer até conseguirmos conscientizar a população. Então, por-que não construir à beira de um rio? Nós tivemos, recentemente, juntamente com a lama que veio lá da empresa de Minas, do rompimento da barragem, um deslizamento de pedra. Torna-se pequeno esse evento em função das mi-lhares de pessoas afetadas por conta da lama. Qual é o evento pior? Eu não consigo dizer. Pior é o que aquelas pessoas que foram afetadas estão passan-do. E as pessoas que tem que conviver com essa situação diária?

Quero ressaltar a importância da formação dos profissionais com ética, por ser uma campo novo. Por vezes vemos pessoas entrando em campo afoi-tas. “Ah é um campo novo, tem muito trabalho”. Mas, sabemos que são pou-cas as oportunidades de trabalho remunerado nessa área. Grande parte do trabalho que fazemos é voluntário. Muitos profissionais já estão no mercado inseridos dentro da política pública de Assistência ou na Saúde. Junto com o tema de emergência e desastre, entra também o tema do luto, o tema das per-das: ela perdeu a casa, perdeu o animal de estimação, perdeu a identidade. Trata-se, sim, de um luto não reconhecido.

Nós precisamos ter uma organização regional na preparação para, quan-do acontecer alguma situação de emergência, que não dermos conta, chame-mos outros voluntários. Tem muita gente no Brasil querendo atuar.

Existem alguns grupo que são treinados, algumas abordagens novas que entram em campo com abordagens que são realmente fantásticas, mas que recebem críticas. Por vezes, eu endosso essas críticas por que um grupo vai a

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campo, faz um atendimento, passa uma semana na região e nunca mais volta. Eu acho que isso é extremamente complicado, porque nós precisamos pensar na Assistência a longo prazo dessa população afetada.

E quando você vê as imagens das chuvas que estavam sendo mostradas, eu acho que tem algumas imagens que estavam dizendo que a ação foi até 06 de janeiro de 2014. Tem pessoas que foram atingidas por aquelas chu-vas que até hoje estão se deparando e enfrentando as consequências. Não conseguiram retomar suas casas, o aluguel social acabou, enfim... uma série de complicações. E, quando acontece uma outra coisa, a gente se esquece. Alguém comentou, numa oficina que a gente que fez parte aqui em Vitória, de um deslizamento, eu não sei se foi no morro do Romão, há 20 anos, algu-ma coisa assim... as pessoas até hoje sofrem os impactos daquilo, as pessoas não receberam Assistência. E, cabe ressaltar que nós não temos pesquisas suficientes que comprovem o que é bom e o que não é. Mas, estamos num ambiente acadêmico e é fundamental que as pesquisas sejam realizadas de forma responsável e ética. As pessoas afetadas por grandes tragédias, por si-tuações críticas, são pessoas vulneráveis. É preciso ter, sim, boas orientações para que possamos fazer um trabalho, inclusive, estabelecendo protocolos de atendimento. Tudo isso é muito novo. Me digam se existe alguma coisa que seja comprovada 100% e que funcione nesse momento. Temos, em termos de Defesa Civil, por que vocês já estão atuando há muito tempo. Mas para nós, Psicólogos, isso é muito recente. Então, tudo isso precisa ser endereçado da melhor maneira possível.

Algumas práticas psicológicas tem surgido como possíveis ferramentas diante de situações críticas, no desastre, como possibilidade de redução do desenvolvimento do estresse pós-traumático. Alguns mencionaram a Terapia Cognitivo-Comportamental, o EMDR. No Brasil, isso é muito recente, nós também precisamos estudar melhor como é que se pode ajudar essas pesso-as. Temos que avaliar as condições. Não é por que funciona na nossa clíni-ca privada, entre quatro paredes, que isso vai funcionar numa situação de emergência, porque a intervenção, na situação de emergência, não é igual ao consultório privado. É uma situação específica, é uma situação objetiva.

Quando temos uma situação pontual, precisamos cuidar daquela situa-ção para organizar minimamente. Então, é preciso toda uma fundamentação para que a gente possa trabalhar de fato como Psicólogos, ajudar na forma-ção, na preparação de outros profissionais. Psicólogos, Assistentes Sociais, Bombeiros, outros militares, as pessoas em geral que estão ali lidando com gente. Tudo isso é papel nosso, para contribuirmos. É um campo aberto, um campo fértil. Como o Rodrigo falou na abertura, precisamos sim colaborar para a construção de parâmetros para atendimento dessas famílias atingidas, deixando claro que não existe uma receita única, mas que precisamos visar a assistência a longo prazo. Não é só na resposta mas, também, trabalhar na prevenção. Eu não consigo pensar em trabalhar em situação crítica sem pen-sar na prevenção.

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Encerro a minha fala contando uma outra situação: Na época das chuvas de 2013, fizemos a primeira oficina no Batalhão e, a partir daí, nós consegui-mos encontrar algumas pessoas que tinham o interesse em levar esse traba-lho adiante. Em uma das reuniões no Gabinete de Crise me apresentaram: a Daniela está aqui como representante do CRP16. Nesse momento o Secretário Estadual de Saúde perguntou: “então, o que é que o Psicólogo faz?” E, como responder aquilo no meio de uma emergência, em um momento onde as dis-cussões caminhavam sobre o rompimento de estradas, falta de água, ações do DER para arrumar o trânsito, o não funcionamento de hospitais. E eu pensei como iria conseguir explicar a atuação do Psicólogo em tão pouco tempo. Po-rém, se essa pergunta me fosse feita hoje, eu acho que a melhor resposta seria: estamos facilitando a capilaridade da rede integral de Assistência por que a possibilidade de estarmos no meio de tantas pessoas vai ajudar de uma forma talvez indescritível no futuro do nosso trabalho, do trabalho de prevenção, do trabalho de resposta, do trabalho de recuperação.

Temos muito a fazer, muitas das coisas nós não sabemos ainda que pode-mos fazer. Algumas já sabemos que não podemos de jeito nenhum, e vamos construindo esse saber todos juntos. Essa é a nossa ideia, e essa é uma contri-buição da Psicologia do Espírito Santo pra esse tema. Obrigada!

(Tenente-Coronel, Hekssandro Vassoler): Gostaria de fechar dizendo que foi um prazer participar desse evento e dessa construção. Acho que a gente está no caminho por que é tudo novo também em termos de Plano Estadual e de agregação de outros atores dentro do nosso Plano. Nós temos um curso de gerenciamento de abrigo no site da Defesa Civil. Vocês podem entrar e lá vai ter um calendário de cursos. Nós oferecemos, a Defesa Estadual oferece durante o ano alguns cursos que vocês podem, evidentemente dependendo das vagas, participar. Um deles, que eu acho muito relevante, é o gerencia-mento de abrigos. Abrigo que foi falado muitas vezes, é um núcleo a parte. Gerenciar um abrigo não é coisa fácil. Não é coisa para principiante. É extre-mamente complicado. Então, precisa ter uma capacitação para isso.

E um outro recado: nós, depois de 2013 e 2014, começamos fazer cadastro de voluntariados. Num primeiro momento, nós fizemos o cadastro de volun-tariados e de instituições. Não é voluntariado pessoa física. Tem que ser uma organização, um grupo organizado, pode se inscrever lá na Defesa Civil e capacitamos esse voluntariado. Não conseguiu, a gente vai fazer o indivíduo voluntário. Então, a gente não está num nível de fazer individual, então só com grupo. Mas uma vez obrigado, um bom evento pra vocês!

(Coordenadora da Mesa Redonda, Psicóloga Daniela Reis e Silva): Agrade-cemos as brilhantes contribuições dos palestrantes convidados, e solicitamos que a mesa redonda “Plano e Políticas de prevenção, preparação e resposta em emergências e desastres no estado do Espírito Santo - Apresentação do Plano Estadual de Defesa Civil do Espírito Santo”, seja desfeita.

MESA REDONDA 2 -REDE DE ATENÇÃO E CUIDADOS PSICOLÓGICOS EM CASOS DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES: RELATOS DE

INTERVENÇÕES

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Oficina Regional de Psicologia

Psicologia em Foco Especial: o enfrentamento às situaçõesde Emergências e Desastres

Coordenadora da MesaPalestrantes: Gabriela Medeiros Simmer , Maria Gorete Fraga e Renata Soares Loiola

(Coordenadora da Mesa Redonda): Bom dia a todos! Quero agradecer a oportunidade de estar aqui e agradecer ao Conselho a oportunidade deste encontro, de poder conhecer as pessoas que atuam na rede de transformação social. Vamos dar início à mesa “Rede de Atenção e Cuidados Psicológicos em Casos de Emergências e Desastres: relatos de intervenções”. Vamos pas-sar a palavra para a Psicóloga Gabriela Medeiros Simmer.

(Psicóloga Gabriela Medeiros Simmer): Bom dia a todos! Eu gostaria, a prin-cípio, de agradecer ao CRP16 pelo convite e pela disponibilidade do espa-ço para conversarmos sobre esse tema, que tem sido muito importante e re-corrente devido ao aumento da frequência em que percebemos situações de emergências e desastres no nosso país ultimamente. Muito obrigada ao CRP.

Eu acho que é importante pensarmos, na hora que a gente imagina a Psicologia atuando em situações de emergências e desastres, que algumas pessoas podem achar que não é pertinente ou o que é que a Psicologia vai fa-zer em espaços assim, mas em um lugar tão desestruturante e tão ameaçador para quem está envolvido, ter a técnica, ter o cuidado da Psicologia é extre-mamente importante. O Psicólogo vai chegar com seu trabalho e vai poder tornar esse ambiente tão desestruturante um pouquinho mais enfrentável, para quem está lidando com essa situação.

Para entendermos melhor o que é o desastre, o que o desastre provoca, trouxe dois conceitos: um do Manual de Defesa Civil de Minas Gerais e um

Psicóloga (CRP16/4402), com experiência em atendimento após grave acidente no Espírito Santo, especializada em luto pela 4 Estações, Instituto de Psicologia de São Paulo e colabora-dora do Instituto Entrelaços - RJ. Assistente Social (CRESS17/3560) e, na ocasião, Gerente da Proteção Social Especial da Pre-feitura Municipal de Vila Velha, com experiência na coordenação do serviço de Emergências e Desastres. Psicóloga (CRP16/3435) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Atuou no CRAS da Prefeitura Municipal de Itaguaçu e na equipe volante do CRAS da Prefeitura Muni-cipal de Baixo Guandu. Tem experiência em atendimento às famílias afetadas pela enchente nos referidos municípios. Disponível em: http://www.defesacivil.mg.gov.br/images/documentos/Defesa%20Civil/manuais/Livro_Defesa_Civil_Completo.pdf

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Franco, M. H. P. (2015). A intervenção psicológica em emergências: fundamentos para a prá-tica. São Paulo: Summus Editorial.

conceito da Profa. Maria Helena Pereira Franco, para dar início a essa nossa apresentação.

Então, desastre, de acordo com o Manual da Defesa Civil, é o resultado de eventos adversos naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais e ambientais e consequentes impedimentos econômicos e sociais. De acordo com a Profa. Maria Helena Pereira Franco , é um fenômeno universal cujos efeitos podem ter impacto sobre os indivíduos, comunidades e nações. Eles roubam das pessoas e das comunidades suas concepções estabelecidas sobre si e seu mundo, causando medo, insegurança e desequilíbrio.

Na hora em que olhamos para essa imagem [slide] - isso é um acidente em uma plataforma no Golfo do México -, vemos uma imagem muito assus-tadora. É o que encontramos quando vamos atender uma situação pós-desas-tre. Não vamos estar envolvidos, inseridos na emergência onde aconteceu o desabamento, onde o navio explodiu, onde o avião caiu, mas estaremos como suporte para falar, para atender as pessoas que estão envolvidas.

Quem está em uma situação de emergência e desastre, como foi no caso que eu vivenciei, trabalhei em uma situação de uma plataforma, as pessoas que trabalham, elas têm uma concepção de um mundo que existia anterior-mente. Elas tinham suas crenças, elas tinham suas expectativas de vida, ti-nham a família estruturada, o trabalho estruturado e, de uma hora pra outra, vem o desastre, vem uma emergência, vem um avião, vem uma plataforma, vem uma barragem que rompe, isso provoca uma desestrutura muito grande no sujeito.

Percebemos que isso é o rompimento do mundo presumido, aquele mun-do que a pessoa acreditava existir e não existe mais. Então, ela precisa encon-trar meios para poder enfrentar essa situação e seguir dentro do que é possí-vel. Esse rompimento, desse mundo presumido, daquilo que ela acreditava existir, provoca medo, angústia, ansiedade, um alto nível de estresse, uma desorganização muito grande e é o que encontramos quando chegamos em uma emergência.

Quando trabalhei em uma plataforma no Espírito Santo, em que aconte-ceu uma explosão, quando chegamos no período para atender as pessoas, vi-mos esse cenário das pessoas muito angustiadas, muito preocupadas, muito sem informação, sem saber para onde ir, para onde vai, e é o cenário espera-do. Quando se trabalha em uma plataforma, quando se trabalha com pessoas que trabalharam em uma plataforma, independente de qual empresa seja, geralmente, empresas que trabalham no ramo offshore, elas trabalham 15 dias embarcadas e passam 15 dias em casa. São pessoas que têm um vínculo muito forte e muito significativo com quem elas trabalham. Quando acontece um acidente como esse, essas pessoas perdem temporariamente, talvez, o lugar

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de trabalho, perdem os laços que eles tinham com as pessoas, laços sociais. É uma desestruturação muito grande.

À medida que vou falando, vou trazendo algumas contribuições do meu trabalho nessa plataforma. É claro que respeitando o sigilo e a ética profissio-nal, porque não posso expor uma empresa, pessoas, famílias, mas vou trazer aquilo que eu aprendi, aquilo que vivenciei para tentar contribuir.

Quando entramos em uma situação de emergência é importante deixar claro que não vamos chegar querendo solucionar o sofrimento do sujeito, não vamos encontrar resposta para as perguntas que ele tem inicialmente. Vamos conversar, escutar, respeitar essa pessoa e buscar junto com ela recursos para enfrentar essa situação.

O enfrentamento é particular de cada um. Cada um vai vivenciar, vai en-frentar essa tragédia de um modo muito singular. Enquanto equipe de Psicolo-gia, chegamos em um espaço de emergência e desastre e, com a nossa técnica, com nosso cuidado, nosso respeito, tentamos nos aproximar dessa pessoa para que ela encontre recursos para lidar com essa situação.

Eu li uma vez uma fala da Profa. Maria Helena Franco, que ela falava que as pessoas às vezes acham que exige muita técnica, mas o que precisamos é de ter cuidado e respeito. Ela falava nesse livro um textinho que era muito interessante. Quando você chega em uma situação de emergência e desastre talvez a pessoa não queira falar com você, ela não está disponível, ela está com o seu mundo completamente destruído. Tudo aquilo que envolve a rea-lidade dela deixou de existir, mas você pode chegar perto, pode oferecer um copo de água, falar: “ei, eu sou Gabriela, eu sou Psicóloga. Eu estou aqui, eu estou disponível para a gente conversar quando você quiser”. Podemos ofe-recer uma água, um lenço.

Engana-se quem pensa que o lenço e a água não são trabalhos do Psicó-logo. São trabalhos do Psicólogo sim! Quando você oferece uma água para a pessoa e ela toma essa água, seu organismo funciona melhor. Ela vai receber mais oxigenação no cérebro, o diafragma vai funcionar de um jeito melhor, seus batimentos cardíacos vão reduzir. Então, a água e o lenço não são só água e lenço, são recursos para que você se aproxime da pessoa, que você te-nha a iniciativa e que ela perceba que você está ali, disponível para ela quan-do ela precisar, quando ela tiver disponibilidade para falar. É ter clareza de que nem sempre, no nosso trabalho, as pessoas vão estar disponíveis para os Psicólogos, mas vamos estar ali, caso elas precisem.

Eu acho que vale a pena citar que o atendimento de emergência é muito diferente do atendimento do consultório. O tempo que eu vou ficar conver-sando com uma pessoa em um consultório geralmente é cronometrado. Eu vou ter quarenta, cinquenta minutos para conversar, mas em uma situação de emergência talvez eu fique uma, duas, três, quatro, cinco horas conversando

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com uma pessoa. O material que eu vou ter disponível para conversar, para atender, não vai ser o mesmo do consultório. Os recursos lúdicos, o jogo, não vão ser da mesma forma do consultório.

Em uma situação de emergência, temos que estar cientes de que não va-mos encontrar ou ter um cenário pronto, definido. Não tem uma cadeira, uma de frente pra outra, um divã, para quem for da área de psicanálise. Não vamos ter um consultório montado, vamos trabalhar com aquilo que temos disponível, independentemente do tempo, do silêncio, que às vezes não exis-te, pois a emergência é ruidosa.

Talvez você tenha que atender a pessoa no hospital, no meio da rua, no aeroporto, no saguão de um hotel, no elevador, no meio do mato, em qual-quer lugar! Lidamos com situações bem diferentes, mas existem coisas que não mudam de absoluta forma, principalmente quem trabalha com Psicolo-gia, tendo nosso manual de ética debaixo do braço. Não muda o sigilo, a éti-ca, o respeito e o cuidado que temos com essa pessoa. Tudo que eu conversar com ela vai ser absolutamente sigiloso independentemente do local, da hora, do que for acontecer. Acho que é extremamente importante termos isso bem esclarecido.

Quando chegamos na emergência, a emergência é ruidosa. Ela não é si-lenciosa. As pessoas estão emocionadas, estão nervosas. Elas talvez não es-tejam tão disponíveis, elas não estão tão atentas ao que você está falando. Então, quando chegamos em uma emergência, temos que conversar com a pessoa de forma muito clara, muito limpa, muito funcional, com interven-ções muito diretas e focalizadas. Não vamos ficar na mesma situação de um atendimento em consultório, em que vamos conversar sobre aquilo que vier andando. Na emergência não! Vamos falar sobre aquela realidade do mo-mento, respeitando sempre o posicionamento e a forma como a pessoa está enfrentando. Quando entramos na emergência a gente chega, se apresenta, fala o que estamos fazendo lá, quais são os nossos objetivos, o que temos para mostrar e para trabalhar. É preciso deixar isso tudo muito claro e se a pessoa tiver disponibilidade, ela vai chegar até nós.

Quando eu trabalhei em uma emergência, o que percebi que é imprescin-dível e importante é que precisamos ter tudo absolutamente registrado. Pre-cisamos anotar, precisamos anotar o nome da pessoa que atendemos, quanto tempo ficamos conversando, a data, a hora, o local, se essa pessoa tem rede de família ou não para ajudar no enfrentamento dessa situação de emergência e desastre, para saber como ela se organiza, pegar dados para que você consi-ga entender melhor como ela funciona, para você ter um registro, saber com quem você está lidando e também porque se você trabalha em uma situação de emergência, você não vai lembrar de tudo. Você precisa ter as coisas ano-tadas, não anotar todo o relato, pontinho por pontinho, mas ter registro de tudo que estiver sendo falado, porque a nossa memória falha.

Em uma situação de emergência também pode ser que a gente participe de reuniões junto com a empresa ou com o órgão, que foi uma realidade que

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eu vivi. Às vezes, para passar notícia de alguma situação que aconteceu, e para deixar sempre muito claro que não cabe a equipe de Psicologia passar in-formação da empresa, informações que não são nossas. Nós acompanhamos, mas nunca um Psicólogo vai falar: “fulano apareceu ou fulano não apareceu, a situação está assim ou assado”, isso não nos compete. Nós acompanhamos, criamos mecanismos para tornar essa comunicação mais efetiva, mais clara, mais funcional, mas jamais a equipe de Psicologia dá notícias daquilo que não compete ao nosso trabalho.

Algo muito, muito importante, quando trabalhamos em uma situação de emergência e desastre é estarmos bem. Se não estamos bem, não vamos dar conta do outro. Uma emergência já é muito desorganizadora, já é muito bagunçada, já é muito ruidosa. Não precisamos de profissional que não esteja apto para trabalhar. Não apto somente na formação, mas apto no sentido de que quando trabalhamos em uma emergência, nós também nos tornamos po-pulação de risco, nós também somos vítimas de uma possível desorganização mental, também estamos no olho do furacão. As pessoas estão chorando, es-tão desestruturadas, também nos tornamos vítima disso. Então, é importante reconhecer as nossas próprias limitações e saber falar “eu preciso ir embora”, na hora que não estiver dando mais, porque não precisamos de mais proble-ma em uma situação que é extremamente problemática.

Algo fundamental para o período em que eu trabalhei em uma emergên-cia é ter sempre no final do dia momentos de descompressão. São aqueles momentos no final do dia que podemos conversar com o nosso Coordenador, com a equipe com a qual estamos trabalhando sobre as nossas dúvidas, sobre as dificuldades que tivemos no dia, sobre aquilo que nos tocou, porque nós somos seres humanos. Quando estamos em uma situação assim, nós também estamos suscetíveis a nos depararmos com o que é do outro, mas que vale para a gente. Então, precisamos de ter momentos para conversar, dialogar, falar daquilo que incomoda e nos prejudica de alguma forma.

A experiência de trabalho com emergência e desastre permite um cresci-mento profissional muito grande e é importante, assim como temos discutido aqui, que possamos buscar novas formas de teorias, buscar novos conheci-mentos para agregar na nossa formação.

Quando temos uma emergência, não sabemos o que vamos encontrar. Va-mos sentir medo! Antes de chegar em uma emergência fiquei com receio, fiquei com medo de não dar conta, mas o principal de quando trabalhamos assim, para quem é Psicólogo, é que nós temos técnicas. Precisamos saber colocar essas téc-nicas em prática, a favor do nosso trabalho e ter sempre sigilo, cuidado e respeito com aquilo que formos trabalhar, com as pessoas que formos trabalhar.

Para quem tem interesse, tem um livro da Profa. Maria Helena Pereira Franco: A intervenção psicológica em emergências . Percebi que as pessoas 16

Franco, M. H. P. (2015). A intervenção psicológica em emergências: fundamentos para a prá-tica.São Paulo: Summus Editorial.

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estão curiosas, é um livro muito interessante em que ela relata as práticas do seu trabalho. Espero ter contribuído de alguma forma para esse encontro de hoje! Obrigada!

(Coordenadora da Mesa Redonda): Agradeço sua experiência, que nos acres-centa muito. Muito obrigada pela sua fala! Quero convidar agora, para pros-seguirmos, a Assistente Social, senhora Maria Gorete Fraga.

(Assistente Social Maria Gorete Fraga): Bom dia a todos, bom dia a todas! Eu quero cumprimentar a mesa, na pessoa da nossa moderadora, Luciana. Bom dia! Agradecer ao CRP pelo convite. É importantíssimo que a gente consiga trocar essas experiências, porque os eventos estão cada vez maiores e cada vez mais graves. Nós precisamos unir mesmo o Serviço Social, Psicologia, Defesa Civil, Saúde, Educação porque, na realidade, a responsabilidade é de todos nós. E aí, não há o que fazer, temos que abraçar a causa e nos preparar-mos cada vez mais. Eu trouxe algumas experiências nossas no município de Vila Velha.

O município de Vila Velha pertence à região metropolitana de Vitória. Faz parte da mesorregião central espírito-santense. Em 2013, a população central de Vila Velha foi estimada em 458 mil habitantes, o segundo mais populoso do Espírito Santo. Imagina, com uma área extensa, com uma po-pulação absurdamente alta, com ocupações desordenadas. Nós temos mui-tas faixas de terra que foram ocupadas irregularmente e chegamos agora em uma proporção extremamente exagerada.

O nosso município está, em sua grande maioria, abaixo do nível do mar e aí fica muito complicado. Vila Velha possui 32 km de litoral, duas bacias hidrográficas: as do rio Guarapari e Jucu. Além disso, que é um fator compli-cador, são os 45 km de canais abertos que cortam a cidade. Então, quando se alinha isso, maré alta e chuva forte, é igual a enchente.

Entre 2009 e 2013 foram detectadas quatro situações de emergência no município devido à precipitação hídrica. Também houve registros de desliza-mentos e outras enchentes, porém, de menores proporções, além de um ven-daval ocorrido em maio. Em dezembro de 2013 nós tivemos uma experiência que foi praticamente a experiência do município, do estado inteiro, aonde todos sofreram. Nós precisamos abrir um abrigo emergencial, ficamos 33 dias com 150 famílias e 450 pessoas desabrigadas.

Nós entendemos, a partir daquele momento, que apesar do município ter Plano de Contingência para Calamidade, que a Secretaria de Assistência Social precisava elaborar um Plano de Resposta a esse Plano de Contingên-cia. Por quê? Porque precisávamos fazer a rede funcionar. Nós entendemos, naquele momento, que se não tivéssemos uma rede forte, aonde houvesse resposta de todas as secretarias, nós não daríamos conta. A partir daí, nós começamos a escrever esse plano de resposta e trouxemos todo mundo, por-que é uma construção conjunta. Tem a Saúde, a Educação, Obras, todas as

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secretarias estão envolvidas. Temos percebido, assim, que temos um longo caminho. É só o começo, mas temos percebido que isso tem fortalecido o nos-so trabalho, temos conseguindo responder mais rapidamente aos eventos.

Esse é o Plano de Contingência do Município , que propõe as respos-tas de todas as secretarias envolvidas. Ele propõe, por meio de acionamento prioritário, diversos órgãos públicos quando há a ocorrência de chuva, bem como qualquer outro tipo de desastre. O Plano traça linhas gerais sobre as ações de prevenção, preparação e respostas frente à ocorrência de eventos adversos. Envolve as secretarias, o tempo de mobilização previsto para os órgãos envolvidos neste plano, bem como a comunicação aos órgãos estadu-ais de emergência, que é de no máximo duas horas, independente do dia da semana e do horário de acionamento. Foi exatamente esse tempo que nos fez sentar e pensar: nós precisamos fazer um plano de resposta da Secretaria de Assistência Social para o Plano Municipal. A partir daí a gente tem consegui-do grandes avanços.

No Plano de Ação, as equipes devem contemplar ações que visem: so-corro; assistência e reabilitação do cenário atingido; pronto atendimento às vítimas; evacuação de pessoas e bens dos locais solicitados; triagem e cadas-tramento das vítimas; assistência médica; fornecimento de roupas e agasa-lhos e alimentação; transporte de feridos e doentes; instalação de abrigos; alimentação e medicamentos para as vítimas do evento calamitoso.

As ações a serem desenvolvidas: socorro a população de risco, onde está o estabelecimento dos abrigos, dos transportes. Assistência: aonde entra as-sistência médica; assistência social; assistência alimentar e a segurança dos abrigos e reabilitação do cenário afetado.

Agora, nós entramos com nosso Plano de Resposta ao Plano de Con-tingência do município. Vila Velha tem um histórico de enchente e essa en-chente é de 1960. [slide] Essa foto do meio é a Avenida Champanhat, quem conhece o município de Vila Velha, essa ponte ficava ali em frente onde hoje funciona o McDonald’s, Marista. [slide] Essa enchente de 1960 arrastou a ponte, cortou a comunicação. Já a última foto, [slide] é de um bairro, Portal das Garças, que foi atingido em 2013. Esse bairro ficou 23 dias em baixo de água. A água não escoava, porque houveram muitos eventos de chuva no município, no estado de MG, que culminaram com as nossas precipitações hídricas também. Foi pavoroso!

Descobrimos, nessa ocasião, que precisávamos colocar realmente em res-posta o Serviço de Proteção à Calamidade e Emergência, que é um serviço que está previsto dentro da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais e fica a cargo da Proteção Social Especial. Mas nós entendemos que só a Proteção Social Especial não iria conseguir dar conta, que a gente precisava envolver todas as secretarias e chamar a responsabilidade da Saúde, da Educação por-que, o que ocorria: “ah, precisamos abrir um abrigo”, “ah, isso é problema

Disponível em http://www.vilavelha.es.gov.br/midia/paginas/PLANO_CONTINGEN-CIA_2013-2015_21-10-13_assinado(1).pdf

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da Assistência. A Assistência Social que vá pra lá, que leve suas Assistentes Sociais, seus Psicólogos, isso não é problema nosso não”. É sim! É problema de todos nós. Depois que o evento é instalado, não existe mais culpado, todos temos que abraçar a causa e tratar o problema.

Os objetivos do nosso Plano de Resposta: promover apoio e proteção à população atingida por situações de emergência e calamidade, com a oferta de alojamentos provisórios, atenção e provisões materiais conforme as neces-sidades detectadas; assegurar a realização de articulações e a participação em ações conjuntas de caráter intersetorial, para minimização dos danos ocasio-nados e o provimento das necessidades verificadas.

Me chamou atenção quando uma das palestrantes disse que ficou meio perdida, fazendo cadastro. Inicialmente é isso mesmo, não se desespere! Todo mundo faz cadastro, todo mundo pega menino no colo, fica todo mun-do meio perdido mesmo, porque atinge a todos nós. Não só as pessoas que efetivamente foram atendidas, mas nós, enquanto equipe, que estamos lá li-dando com as dores, lidando com as angústias, com o desespero, com a perda da referência territorial.

Nós estamos no nosso abrigo agora, emergencial, da pedra que rolou. [Deslizamento de terra ocorrido no Morro da Boa Vista em Vila Velha, no dia 01 de janeiro de 2016] Hoje, nós ainda estamos com 25 famílias desabrigadas e sentimos o sofrimento pela sensação de perda do pertencimento. “Cadê mi-nha casa? A minha casa não existe mais. Ela foi destruída, ela desapareceu do mapa. Ela foi parar embaixo de uma pedra”. No nosso Plano de Ação nós temos o estado de atenção-observação. Quais são as atribuições desse esta-do? Capacitar recursos humanos para as ações de Assistência, permanecer disponíveis para acionamento imediato da equipe, atualizar os contatos dos servidores da secretaria. O quê que ocorre? Estamos sempre nos reunindo, sempre discutindo o nosso plano, sempre atualizando. Infelizmente, nós te-mos dificuldades com recursos humanos, então, as pessoas são remanejadas, mudam muito de espaço. Estamos sempre 100% com o Plano atualizado.

O estado de alerta: definir os responsáveis pelo abrigo e a escala de plantão, contactar a SEMED (Secretaria Municipal de Educação) para confir-mar contatos e responsáveis pelas escolas disponibilizadas para a instalação do abrigo.

No estado de emergência, as atribuições: assegurar acolhimento ime-diato em condições dignas e de segurança, mantendo o alojamento provisó-rio quando necessário; requisitar os equipamentos públicos disponíveis - no caso, usamos as escolas do município para atender a demanda de serviços emergenciais e providenciar as demandas da população; realizar o levanta-mento socioeconômico e cadastramento das famílias abrigadas, identificando perdas e danos ocorridos; acompanhar as famílias; mobilizar família exten-sa, porque sempre priorizamos que a família extensa acolha essas pessoas, porque uma escola não é um local adequado, um ginásio não é um local ade-quado. Então, se pudermos mobilizar essas famílias extensas para que elas

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recebam esses seus familiares que estão em uma situação de dificuldade, isso acaba gerando menos traumas, porque ele está acolhido, ele está no meio da família. Não adianta você achar que vai colocar uma família dentro de um abrigo e ela vai achar que está bom. Não está! Nada está bom e a equipe pre-cisa também estar preparada para viver essa angústia de que nada que você faz está bom.

Às vezes você para e pensa: “meu Deus, a gente está aqui, 36 horas sem pregar o olho e eles estão reclamando!” Eles estão reclamando sim, porque eles estão se sentindo órfãos. Eles estão fora de casa e é aí que entra o gran-de trabalho da Psicologia porque nós, enquanto Assistentes Sociais, nós não temos as ferramentas que vocês têm para lidar com essas situações e, o que fazemos no nosso Plano de Resposta? Demandamos à Saúde, a Saúde tem que colocar a saúde mental lá dentro.

Outra coisa que é muito difícil, lidar com a comoção, com a comoção da população. Sim, eles são maravilhosos, ajudam em tudo, mas na maioria das vezes também atrapalham muito. Então, precisamos também estar prepara-dos para lidar com isso. Esse foi o abrigo de 2013, [slide] nós fizemos várias ações. Esse foi o nosso último episódio agora, que nós ainda estamos tratan-do. [slide] É uma situação gravíssima e é uma ocupação imensa porque é um morro inteiro e nós ainda estamos trabalhando, inclusive o Major BM Pazeto também tem nos orientado, tem nos ajudado muito. Nós tivemos 400 famílias atingidas, 1281 pessoas desalojadas, chegamos a ter desabrigados 61 famílias e 161 pessoas. Hoje, nós estamos com 25 famílias e 75 pessoas desabrigadas. Aquela ali é a faixa de risco, eles traçaram um polígono de segurança e nós ti-vemos que retirar todas essas pessoas. [slide] Os escoteiros são sempre nossos parceiros, estão sempre junto conosco, as igrejas.

Como ponto de reflexão deixamos um texto da ONU: “O ponto de par-tida para redução do risco de desastre e para promoção de uma cultura de resiliência a desastre reside não só no conhecimento dos feridos, mas também das vulnerabilidades física, social, econômica e ambiental ao desastre, que a maioria das sociedades enfrenta, bem como as maneiras em que os perigos e as vulnerabilidades estão mudando a curto e longo prazo”.

É um trabalho que não vai terminar, nós vamos ter que estar sempre nos preparando. Vamos ter que estar sempre trabalhando a nossa rede de ser-viços, porque sozinhos nós não damos conta e nós precisamos da ajuda de todos. Obrigada!

(Coordenadora da Mesa Redonda): Eu quero agradecer imensamente a expe-riência da palestrante apresentada aqui hoje para nós. Continuando o nosso trabalho, passamos então a palavra para a Psicóloga, senhora Renata Soares Loiola.

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Disponível em> http://www.revistas.sp.senac.br/index.php/ITF/article/view/319/30118

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(Psicóloga Renata Soares Loiola): Esses são vídeos caseiros e foram feitos pela equipe que no momento atuava durante a enchente de 2013, quando atingiu o município de Itaguaçu, onde eu atuava no momento. Eu vou passar um vídeo para vocês verem a dimensão.

A enchente começou no sábado de manhã, que é quando os profissionais vão embora, então, naquele momento do impacto, eu estava lá. Eu morava no 2º andar, ao lado do rio, bem próximo ao rio. Eu nunca havia visto tanta água em toda a minha vida e o que mais me assustou é que Itaguaçu é uma região, uma cidade, um município rural que passa por enchentes. Teve essa de 2013, mas teve outras. A população ao redor, os vizinhos, eles falavam: “nossa, é muita água! Da onde está vindo isso? Não vai parar?” Então, eu quero mos-trar para vocês um pouco dessa dimensão, desse impacto.

[vídeo] O rio Itabepuana transbordou. Você não sabe mais onde é a rua, onde é o rio. A rua virou um verdadeiro córrego, aquela pinguela foi levada pela correnteza da água. Ela surgiu bem depois, mas no centro da cidade. Ali, já é o centro, porque ela foi carregada pela correnteza.

Eu estava lá, morava no 2º andar. No domingo, no segundo dia, eu fui desalojada porque, como nós morávamos muito próximo ao rio, a casa de baixo estava com os móveis já revirados. Na noite de sábado nós ouvíamos esses móveis batendo dentro da casa e ficamos com medo mesmo dessa casa ser carregada, da casa não resistir. Então, nós saímos dessa casa e fomos para um abrigo naquele primeiro momento, que foi uma igreja. Acabou que nem ficamos no abrigo, ficamos na casa de uma outra colega, Assistente Social, e fomos para esse abrigo porque fomos ajudar. Fomos atender a população que estava chegando. Acho que é aquilo que a palestrante falou, você fica per-dido, não tem como. É um impacto muito grande, as pessoas não estão pre-paradas, nós não estamos preparados enquanto profissionais. Entender que no município de Itaguaçu, essa enchente mudou o cenário da cidade, toda a cidade foi atingida.

Essa água ficou suspensa por cinco dias, nós ficamos cinco dias debaixo d’agua. Não havia água mineral, não havia água para tomar banho, não havia energia. Foram cinco dias sem água, sem fornecer energia. Não havia local de saída, mesmo. Quando essa água começou a abaixar, as famílias começaram a buscar alimentação, água. Eram só os donativos. Todos os supermercados foram atingidos, não havia alimentos para se comprar. Você poderia ter di-nheiro, mas não tinha como você comprar, os bancos foram atingidos, as far-mácias foram atingidas. Foi um impacto muito grande!

No município de Itaguaçu, existia uma população, na ocasião, de 14.134 mil moradores. Foram atingidos pela enchente 13.046 mil moradores, 98% da população. Nós tivemos 06 óbitos, durante os cinco dias de água, e 20 feridos, que foram levados para o hospital, por conta dos desabamentos. Nós tivemos mil desabrigados, três mil desalojados e os outros nove mil que foram afeta-dos diretamente.

Como o Psicólogo pode contribuir? Uso um pouco da fala das pales-

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trantes, que é a questão de como é importante nós nos colocarmos enquanto Psicólogos. Eu acho que não podemos esperar que a família queira falar, mas temos que nos colocar no lugar de ouvinte, de ter essa escuta qualificada. Isso é extremamente importante.

Logo quando a gente estava na igreja, chegou um familiar de uma casa que caiu, que teve um desabamento, e faleceram três pessoas dessa mesma família. Quando essa pessoa chegou, todo mundo falou: “Renata vai lá, você é a Psicóloga! Você é a Psicóloga que está aqui.” E ela não conseguia nem falar, naquele momento ela precisava de um abraço. É importante isso, de estar sensível para necessidade da população. Um dos objetivos que a gente teve nesse segundo momento, após a água ter abaixado, foi cadastrar essas famílias. Nós não tínhamos ruas, não tínhamos estradas de acesso, não havia transporte. Então, nós pensamos: vamos chamar essas famílias aqui? Não, nós vamos até essas famílias!

Foi feito um trabalho com a rede municipal. Eu trabalhava na Secretaria de Assistência, então foi feito um trabalho entre o setor de referência da As-sistência Social, o CRAS, o CREAS também, um trabalho em conjunto com a Secretaria de Educação, com a Secretaria de Agricultura, através do PRONAF , através dos transportes que eles tinham, os carros que davam acesso. A Defesa Civil, a Saúde junto com as agentes de saúde que sabiam de todas as comuni-dades, as famílias que haviam sido atingidas, que precisavam dos donativos. Então foi esse trabalho que nós fizemos.

Eu quero mostrar o primeiro vídeo, para vocês visualizarem um pouco. [Vídeo] Isso é pra mostrar que nós demoramos para ter acesso a algumas famí-lias e como tivemos acesso a elas. Foi através de um trabalho em equipe, junto com o transporte da Educação, os ônibus que levavam os donativos. Muitos donativos foram levados para o município, então o transporte, os ônibus da Educação, eles levavam esses donativos, porque ainda estava chovendo, ain-da tinha uma questão de molhar, de não estragar. Os carros do PRONAF e da Defesa Civil levavam a equipe técnica.

Quando começamos a visitar essas famílias, ficamos muito impactados. Essa água, em alguns lugares, subiu mais de dez metros, e em outros lugares foi um metro e meio, dois metros, da altura da rua e da zona rural. Se falava muito que quem estava protegido era quem morava nos altos, na roça, e foi isso que aconteceu. Tivemos muitos desabamentos de encosta, cinco óbitos foram de desabamento e um óbito foi por conta da enchente.

Quando a gente chegou nessas casas, as famílias falavam: “ah, eu perdi tudo! Não tenho nada!”. E é tudo mesmo. Elas não tinham documentação e uma das coisas que elas falavam era: “um móvel eu posso comprar, eu posso comprar outra geladeira, posso comprar uma cama, mas não o álbum de fotos da minha família, eu perdi a louça que era da minha avó”. Como essas lem-branças são importantes para essa famílias e tem impacto na comunidade!

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.

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Essa troca de experiências é muito importante. Uma das coisas que acon-tece durante esse impacto é que o profissional de Psicologia tem que estar preparado para ouvir. Temos que contar que em uma situação de emergência nós temos muitos voluntários. É como a palestrante falou, os voluntários, eles ajudam, mas também atrapalham, porque eles querem abraçar a família, eles querem passar amor, eles querem falar que vai tudo se resolver, que tudo vai passar. Mas não é assim, nós temos que entender que não é assim. A família está esperando da gente todas as respostas, ela quer que tudo seja resolvido. Quando chegávamos para fazer visita eles falavam: “ah, a gente vai ganhar casa? Nós vamos ter direito a acesso?”.

Nós temos que estar sensíveis a saber que nós não somos responsáveis. Nós não vamos dar todas as respostas para a família, nós temos que saber lidar com a frustração. Chegar lá e saber passar essa informação para a famí-lia. É importante o profissional ser honesto com a família, porque eles estão esperando tudo e nós temos que acolher, mas também temos que ser ho-nestos com essa frustração que pode ocorrer. Esse profissional, ele tem que saber até aonde ele pode ir, o limite da sua atuação, o limite da sua atuação enquanto pessoa.

Nós ficamos lá durante a enchente, seis dias aguardando a água dimi-nuir, de domingo até a sexta-feira. Quando chegou no sábado, eu já não tinha condições de estar naquele local, essa é a verdade, já estava me fazendo tão mal. Todos esses dias a gente ia para a casa de uma colega e não tinha água pra tomar banho. Você está acolhendo, mas chega um momento em que você não está dando mais conta. Então, quando chegou no sábado, nós pedimos licença a nossa secretária e falamos: “nós precisamos voltar pra casa! Nós precisamos ser acolhidos pela nossa família. Nós precisamos de força, reno-var a nossa força”. Nós fomos no sábado e voltamos no domingo, mas aquilo foi importante para nós enquanto profissionais. Somos em quatro e os quatro estavam atuando durante a enchente. Depois, chegaram outros profissionais, que não estavam tendo acesso à cidade por conta das águas, porque não tinha estrada, e eles já estavam com essa força, com essa energia. Então, foi impor-tante essa troca de equipe, isso é importante da gente pensar!

Bom, nós também temos que pensar no impacto da nossa atuação frente ao sofrimento das famílias. A família está sofrendo, então, o que que você vai falar para a família? Qual o impacto disso? Realmente, o impacto não é o que você vai falar, mas o que você vai ofertar para aquela família naquele momento. É um alimento? É um lenço? É um abraço? É uma escuta? É levar uma orientação, porque a orientação é importante! É extremamente impor-tante saber orientar a família, direcionar: “o seu colchão é aquele dali! Olha, ali você pode guardar suas coisas, ali a sua família vai ficar alojada”. É muito importante.

Nós, enquanto Psicólogos, temos que saber que nós não somos os deten-tores do saber. Esse trabalho tem que ser feito em equipe e nós, enquanto pro-fissionais, temos que passar para os outros profissionais que estão atuando

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conosco que temos uma bagagem. É fazer reuniões de equipe, é falar da im-portância dessa escuta, da importância do cuidado com o que vai ser falado, do impacto desse trabalho.

Nós temos que trabalhar em grupos, às vezes fazer grupo de família. Não é um trabalho individualizado, é fazer oficinas com essas famílias. Do trabalho que foi realizado lá com essas enchentes, hoje, nós estamos com 22 famílias ainda recebendo aluguel social. Como é importante, junto com essas famílias do aluguel social, fazer um trabalho de oficina, até mesmo para tra-balhar as ressignificações dos trabalhos, a ressignificação da comunidade. A família foi retirada da onde ela morava, ela está em outra comunidade, ela está inserida em outro setor, em outro ambiente. Esse trabalho é realizado através do CREAS do município.

Eu trago alguns desafios que foram encontrados, para finalizar. Uma das questões que encontramos como dificuldade foi a baixa quantidade de pro-fissionais, de recursos humanos, isso prejudicou o nosso trabalho. Em uma situação de emergência, não tínhamos documentação. Se a família não tinha documentação, essas doações tinham que ser todas documentadas, tinham que ter o CPF da família. Era uma burocratização muito grande para essas famílias receberem essas doações. A falta de legislação em relação aos bene-fícios eventuais na atual situação do município. O aluguel social não atendia essas famílias e foi mudada a legislação após a enchente, o que foi positivo.

Eu deixo como um questionamento de tudo o que foi falado aqui, como deve ser a atuação dos profissionais frente a uma situação de desastres natu-rais e calamidade pública?

OFICINA:RECURSOS PSICOSSOCIAIS PARA O ATENDIMENTO

EM EMERGÊNCIAS E DESASTRES

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Coordenadora da Oficina: Andrea dos Santos Nascimento Palestrante: Lilian Cecilia Garate Castagnet

(Psicóloga Lilian Cecilia Garate Castagnet): Eu agradeço muito o convite e a oportunidade de estar aqui compartilhando com vocês. Bom, a pergunta que mais se ouviu aqui é o que fazer nesse momento. Chegamos ao local do desastre e não sabemos o que fazer, essa é uma pergunta que aconteceu em praticamente todos os desastres que nós vivenciamos, não só aqui no Brasil, mas no mundo inteiro. Não é só uma realidade brasileira sobre a falta de pre-paro em relação aos desastres, e essa história é cultural. Temos o hábito de só colocar a fechadura depois que a porta foi arrombada. É comum em muitos países, e não apenas aqui no Brasil.

O conhecimento sobre as necessidades na emergência surgiu muito antes das respostas que a Psicologia podia dar. Essa experiência é comum a todos, e eu vim trazer aqui trazer para vocês um pouco da experiência que a gente viveu no Chile.

Apesar da falta de sotaque, eu sou chilena e estive lá no terremoto de 2010. São desastres parecidos? Não! São completamente diferentes, mas as consequências têm muitas semelhanças. Então, a partir disso, eu gostaria de trazer essa reflexão sobre o que de fato, na prática, pode ser feito.

Para representar um pouco o que são as emergências e desastres, eu trouxe uma série de slides. Essa foto é do sul do Chile depois do tsunami. Esses barcos estão mais ou menos a 05 quarteirões do que era a praia. Esse outro slide é de Concepcíon. Na cidade da 8ª região, esse foi um dos dois úni-cos edifícios em todo Chile que caiu. Não sei se vocês conhecem um pouco a história do terremoto, mas foi um dos dez maiores da história de 2010. A magnitude no epicentro foi de 8.8 e em Santiago foi de 8.3, e atingiu da 3ª até a 8ª região. Nós estamos falando de mais de 80% da população chilena. Foi mais forte em alguns pontos mas, se você pensa no terremoto que alcançou quase 80% da população ter somente dois edifícios destruídos, faz pensar. Às vezes, provoca até mais impacto do que ver tudo devastado. Imaginamos que vai tudo cair, que vai tudo por água a baixo, e não, esses foram os únicos. Em relação às pessoas que estavam aqui dentro, vinte e duas pessoas sobre-

Psicóloga (CRP16/734), Mestre em Política Social pela UFES, Doutora em Psicologia pela UFES e Pós-Doutoranda em Psicologia pela UFES. Conselheira no III e IV Plenário do CRP16/ES e, na ocasião, membro da Comissão de Direitos Humanos e Conselheira responsável pelo Crepop/ES. Psicóloga Clínica e Hospitalar (CRP04/13363), com especialização em Psicologia Hospitalar pela PUC-MG/Hospital Municipal Odilon Behrens e em ‘Salud Mental en Emergencias, Ca-tástrofes y Desastres’ pela Pontificia Universidad Catolica de Chile. Psicoterapeuta bilíngue espanhol-português, com experiência em intervenção em crise, trauma e psicoterapia inter-cultural - imigrantes. Experiência de intervenção em terreno na VIII Región no terremoto de 2010 - Chile e realização de capacitação a bombeiros no Equador. Membro do GT Emergências e Desastres do CRP04/MG. Atualmente é psicóloga do Instituto Mineiro de Nefrologia e do Abrangente Centro de Terapia Breve.

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viveram a essa queda, sem maiores ferimentos. Só duas pessoas nesse edifício morreram, e elas estavam dentro do elevador.

Essa aí também é uma foto das cidades devastadas pelo tsunami. Foram pouco mais de 500 mortos no terremoto e, em grande parte deles, foi pelo tsu-nami, e não pelo terremoto em si. Em geral, quando a gente tem terremotos de magnitude acima de 8, são, em média, dois mortos por ataque cardíaco, por infarto. O terremoto em si, pela estrutura física pensada pela engenharia do Chile, não provoca tantos danos físicos quanto poderia se esperar.

Sempre têm os falecimentos por infarto, mas o que provocou essas 500 mortes foi a falha no sistema de alerta à tsunami. Esse alerta é dado automati-camente acima de determinada magnitude só que, nesse caso, houve uma he-sitação do Choua, que era o organismo responsável por esse alerta, de modo que ele não foi dado em algumas cidades ou foi dado de forma tardia. Em outras, ele foi dado e foi suspenso. Então, essas mortes foram provocadas por isso e, também, pela questão da educação das pessoas, porque imaginamos que o tsunami é uma onda só. Mas, não, o tsunami são várias ondas que vêm e voltam. Então, quando vem a primeira onda, derruba tudo e volta, ela recua, nesse momento tem muita gente que tenta voltar para casa e resgatar alguma coisa. E aí, vem a segunda onda e, junto com ela, os falecimentos.

Esse slide é sobre um incêndio em uma penitenciária, cujo nosso equiva-lente aqui é o Carandiru. Morreram 81 pessoas por negligência no socorro do serviço público. Costumamos brincar no Chile que não existe desastre que não exista lá, porque tem absolutamente de tudo. É o país mais sísmico do mundo, com sismos diários. Mas vejam bem, percebam que a maioria não é sensível, mas todo santo dia tem um sismo na localidade.

Terremotos acima de 8 têm tido, em média, 1 a cada 25 anos e, agora, es-tamos com uma média de 1 a cada 15 anos. A frequência está só aumentando, temos deserto e temos vulcões, um total de 88 vulcões ativos. Temos inunda-ções, temos absolutamente de tudo. Então, que realmente lá tenha se desen-volvido um pouco mais essa área de emergência e desastres é de se esperar.

Esta [foto de um slide] foi uma tragédia que ficou conhecida como a “Tragédia de Antuco”. Um grupo de recrutas do exército foi levado a treinamento durante uma temporada de tempo muito ruim. Eles foram pegos por uma tempestade de neve e morreram mais ou menos 70 conscritos, jovens que tinham 18 anos e que tinham acabado de entrar para o exército, praticamente todos da mesma cidade. Então, foi uma tragédia também, que provocou muita comoção na região.

Para contextualizar um pouco as situações de emergências e desastres, é preciso dizer que elas fazem parte de um grupo de acontecimentos que são geradores de crise e que podem golpear com intensa violência um grupo de pessoas, uma comunidade, o sistema ou a nação. Tem tanto o caráter de inesperado quanto o da violência com que ela arranca as pessoas da sua situ-ação de vida normal. Garcia e Gil defendem que a diferença entre o que é

Garcia, M. & Gil, J. M. (2004). Aproximación conceptual al desastre. Cuadernos de crisis, 3(1), 7-20.

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emergência, o que é desastre, o que é catástrofe, passa por um continuum de quanto de capacidade de resposta cada um deles pede.

Teoricamente, a emergência necessita de uma ação rápida, mas ela pode ser abarcada pelo sistema de resposta já presente na comunidade. Um de-sastre já pede um pouco mais do que os recursos naturais. E as catástrofes, muitas vezes, fazem com que os sistemas de resposta normais da região se-jam absolutamente superados e, com isso, é preciso, em alguns casos de ajuda internacional para lidar com isso.

Quando falamos da Psicologia de emergências, essa classificação costu-ma ser diferente da classificação legal, que depende de cada país, porque, aqui temos diferenças. Quando é decretado estado de “emergência”, estado de “calamidade pública” ou o estado “sítio”. Cada um deles depende de cer-tas condições, porque eles vão operar tanto a cadeia de mando dentro das respostas na emergência, como, também, afetam a legislação específica para liberação de recursos.

Não é qualquer situação que pode ser decretada dentro de calamidade pública. Apesar de ter um impacto grande, não necessariamente todas vão ser calamidade pública, porque tem toda a questão de distribuição de recur-sos que tem que ser levado em consideração. Então, por isso recebem essas denominações ou classificações diferentes.

As emergências seriam situações que poderiam ser resolvidas com ser-viços assistenciais locais, tanto de médicos como de resgate - acidentes de trânsito, por exemplo, ainda que com número maior de vítimas, bem como os incêndios. Os desastres exigem maior infraestrutura para prestar ajuda aos feridos que se encontram em maior quantidade, assim como já existe um grau de destruição em uma área maior, levando também a um custo socioeconô-mico mais elevado. As catástrofes seriam desastres massivos, que acionarão mais recursos humanos e materiais e, um esforço coordenado para acionar as necessidades das pessoas envolvidas.

Frente a essas situações, quando vocês olham para essas fotos, que reações vocês imaginam que as pessoas possam ter? Como se espera que as pessoas vão reagir? Desespero... e o quê mais? Medo, ficar sem ação... É importante destacar que as reações esperadas são todas. São tão variadas quanto o univer-so de pessoas que temos no planeta. É muito comum ter angústia, ter medo? Sim, mas não são as únicas reações possíveis! Você pode ter realmente aquele momento de desespero, de raiva, de impotência, de frustração, de desolação ou ficar sem ação, estado de choque. E tem também as pessoas, conhecidas como voluntárias que, frente ao desastre, vão e põem a mão na massa e come-çam a trabalhar. Nem todos ficam em choque, nem todos ficam paralisados.

Essa última foto é de Minas Gerais, de Guidoval, quando houve as enchen-tes de 2011. A reação da comunidade foi muito mais rápida que a de qualquer outro lugar que eu trabalhei.

Quando falamos sobre o que que acontece em uma comunidade depois de um desastre, são várias as trajetórias esperadas. Se pegarmos o primeiro mo-

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mento, que seria o do aviso da tragédia, pode-se perceber que as pessoas vão se armando, vai aumentando o nível de tensão. Logo após, chega a ameaça, e vem o momento do impacto, que é quando a coisa estoura. Isso depende muito de cada desastre. Furacões têm essa fase de preparação maior, e as pessoas sabem que eles vêm. Enchentes podem ter isso também, porque já se tem um período do ano em que isso é mais vulnerável, assim como a estiagem. Agora, terre-motos são absolutamente imprevisíveis. Você sabe que vai ter, mas não sabe exatamente quando. E, apesar de saber que deveriam ser previsíveis e evitáveis os rompimentos de barragem, não sabemos exatamente quando e onde.

Então, a partir do momento em que ocorre o impacto, no período de uma a quatro semanas tem uma “queda” muito grande em toda a comunidade. As primeiras reações são mais de depressão, de desespero e de angústia. Há um colapso comunitário maior. Mas, curiosamente depois, com a passagem do tempo, isso vai se retomando, até porque a força vital ela acaba ganhando o seu espaço e as comunidades vão se refazendo. A partir daí, nós temos uma estatística bastante interessante, porque todos se preocupam muito com o trauma quando estamos falando de emergências e desastres - inclusive, nós como categoria, muitas vezes temos mais estudos e preparação para lidar com luto e trauma, do que com as outra possibilidades de atuação. Em alguns estudos foi verificado que, dos 100% de pessoas afetadas, somente 10 a 15% chegam a apresentar estresse pós-traumático. Ou seja, 85 ou 90% das pessoas não sofre maiores consequências emocionais passado um ano.

Desta forma, 54% das pessoas entra na categoria chamada resistentes. O que que seria isso? O popular: “quem aguenta o tranco”. Quem sofre o im-pacto e que consegue, depois, retomar o mesmo ponto onde estava, consegue retomar a vida, consegue retomar o fluxo no mesmo patamar que estava. 20% entraria em uma categoria de resiliência: pessoas que conseguiram se superar e tirar algo além a partir dessa situação de desastre e que apresentaram um crescimento pessoal a partir da tragédia.

Então, depois disso, você teria aí uns 25% que entraria na categoria de afetados de forma patológica. Desses, em geral, 14% no período de um ano consegue retomar o fluxo com o acompanhamento terapêutico, mas sem maiores consequências. E somente 3% entrariam na categoria do estresse pós--traumático crônico, presente após 10 anos de passado o evento.

Então, nós precisamos realmente, como Psicólogos, reajustar o foco. O trauma vai ser fundamental? Vai, mas sem a nossa intervenção, algumas pes-soas já conseguem. Então, pode ser o foco principal da Psicologia de emer-gências e desastres? Vai ser importante? Claro, mas temos muitas outras coi-sas para fazer, inclusive, para evitar que esse número cresça.

Antes de atuar, temos que nos fazer algumas perguntas. E eu gostaria de retomar o que as nossas colegas, a Gabriela e a Renata, colocaram, que é de fundamental importância. Antes de começarmos a atuar, temos que pensar nas nossas condições para fazê-lo, porque o amor é fundamental, a técnica é

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fundamental, mas precisamos pensar se realmente temos condições de pres-tar essa ajuda. Querer fazer é ótimo, mas se não pudermos ajudar da forma que é necessário, muitas vezes, essa ajuda pode atrapalhar.

Então, a primeira coisa a nos perguntarmos é: o que está acontecendo conosco? Nesse caso, é muito comum que os Psicólogos que estão mais dispo-níveis de modo imediato pertençam a comunidade que foi afetada e isso tem que ser considerado. Queria destacar o relato da Renata, de como ela se sentiu como vítima, de viver isso na própria casa, até porque isso é muito comum. Em primeiro lugar, temos que ser muito honestos para assumir que, de repen-te, nós estamos precisando mais de assistência do que, de estar em condições de dar assistência. Temos que ver se nós estamos com nosso suporte físico e psicológico assegurado. Devemos perguntar a nós mesmos se o evento nos afetou e de qual forma nos afetou. Às vezes, foi alguma coisa que aconteceu na nossa própria casa, ou algum parente nosso, pessoas da nossa rede de con-tatos. E, nesse ponto, eu falo de todo mundo. Não só dos colegas de trabalho, de consultório, familiares, mas da faxineira que vai a nossa casa uma vez por semana, ou do pessoal da portaria que encontramos todos os dias.

Devemos ter clareza em quais termos isso vai interferir na nossa interven-ção. Também nos perguntarmos por que queremos nos envolver nessa luta, o que está por trás dessa nossa motivação, porque existem vários motivos possíveis. Claro que, em um primeiro momento, o altruísmo pesa, mas é im-portante que tenhamos um olhar honesto para entender se também desejamos conhecer, fazer um estágio ou prática no terreno afetado. E isso não é justo. Em palavras mais diretas: Até que ponto a curiosidade mórbida nos afeta? Esse é um aspecto que pouca gente assume, mas que existe de forma concreta.

Lá no Chile, nós tivemos um exemplo bastante assustador, em que na-quela cidade, naquele porto onde os barcos estavam cinco quarteirões para dentro, uma pessoa montou um passeio de barco de tour pelas regiões afe-tadas pelo porto. E, pasmem, encheu de gente! Essa pessoa ganhou muito dinheiro fazendo isso, até que descobriram e foi proibido. E não cabe julga-mento aqui, porque, quando tem um acidente na estrada, todo mundo estica o pescoço para saber o que que aconteceu. Então, precisamos assumir, e ver até que ponto também estamos sendo apenas curiosos, e até que ponto essas curiosidades podem interferir no nosso trabalho.

Uma vez tendo ciência do meu trabalho, tenho que saber a minha dispo-nibilidade, porque, de fato, o atendimento na primeira resposta toma muito mais tempo do que imaginamos, porque é tanta coisa para fazer, que você: “ah, vou fazer... aí aparece outra demanda e vai cobrindo, vai cobrindo, vai cobrindo...” É importante você ter claro os seus limites, até que ponto você tem condições de se envolver nessa resposta, e isso em termos bem práticos. Pensar como é que vão ser os turnos de trabalho, quantas vezes por semana, se vai necessitar de deslocamento, tipo uma ou mais viagens, quantos dias posso ficar e, quantas horas consigo trabalhar por dia. Porque, senão, o esgo-tamento vem muito antes. Qual vai ser a minha responsabilidade? O que que

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eu posso e o que que eu não posso fazer? Qual é o sistema de apoio à missão que eu vou ter? Porque, como as palestrantes anteriores mencionaram, pre-cisamos ter um suporte por trás. Quando é preciso tirar alguém do buraco, não adianta pular dentro do buraco para salvar a pessoa, porque, daí serão dois no buraco, entendem? A lógica é: enquanto eu estendo uma mão para uma pessoa, tenho outra ali bem segura nas minhas costas, na minha rede de apoio, para ter força para ajudar a pessoa a sair.

Então, não adianta querermos dedicação exclusiva se não temos o nosso sistema de apoio, seja técnico ou logístico, caso contrário, nos tornaremos o que, no jargão das emergências e desastres, se chama do “segundo desastre”. Autores diversos afirmam que o primeiro desastre é o desastre físico, que vem e que aí chega aquele monte de gente: voluntários, imprensa e todas as equipes de apoio chegam todos de uma só vez em um lugar que já não tem comida, não tem água, não tem alojamento, e a equipe tem que colocar todas essas outras pessoas para serem atendidas também, por isso são chamadas do segundo desastre. Agora, percebam: Ficam várias pessoas atuando em terre-no, ficam ali duas semanas, máximo um mês, aí já começam a diminuir em número e de repente, como todas essas forças concentradas vão se esgotando, a comunidade perde todo o suporte. E essa retirada de todo o suporte acaba sendo o terceiro desastre.

Então, é importante pensarmos como vamos distribuir essas forças para que isso não se esgote rapidamente em um primeiro momento. Checar, em primeiro lugar, qual é o sistema de suporte que vou ter tanto para mim quan-to para os meus entes queridos. Se eu tenho filhos, eles podem ficar com al-guém? Quem que vai dar conta? Eu vou conseguir falar com a minha família? Vou ter contato telefônico ou por internet? Quem é que vai cuidar das coisas que eu faço habitualmente? A minha relação com a minha esposa ou com o meu marido aguenta esse momento em que eu vou precisar de um afasta-mento físico? Tem que pensar nisso também, porque tudo isso também pode ter um preço alto.

Uma coisa que aprendi muito com os Bombeiros, tanto no Chile, no Equador ou em Minas Gerais é que, para poder ajudar, temos que estar pro-tegidos. E isso inclui, também, conversas com o pessoal da área técnica para sabermos: é seguro entrar no local? Que equipamentos de proteção eu pre-ciso? Por exemplo, no caso do terremoto no Chile, nós tivemos aula para reconhecer tipos de rachadura para saber se poderíamos entrar naquela casa para atender ou se teríamos que tirar todo mundo. Porque, em um primeiro momento, estava ali inteirinho, mas, se tremesse um pouquinho mais, caía e, aí, teríamos mais vítimas. Então, precisamos conhecer um pouco disso.

Em geral, o Psicólogo, fala de emergências e a divide em três zonas: a zona quente, que é onde realmente está acontecendo; a zona morna, que é a parte de suporte e de apoio; e a zona fria, que é onde já não há mais riscos.

Um Psicólogo, no momento da emergência, deveria ficar no máximo na zona morna, em geral, na zona fria. Nunca deveria entrar na zona quente.

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Mas, se a gente pensar em uma emergência cotidiana, você vê um lugar que está começando a pegar fogo e sente que tem alguém lá dentro. Muita gente tem a tendência a entrar e ajudar, não por ser Psicólogo, mas como pessoa mesmo, para evitar um desastre, e pode virar a segunda vítima. Para traba-lharmos com emergências e urgências, temos que ter claro qual é a nossa con-dição de segurança para atuar. Esse é o primeiro requisito, a primeira coisa que eu gostaria de frisar muito porque, senão, corremos o sério risco de virar vítimas também e, realmente, já tem muito trabalho em emergência para que os Bombeiros e outros profissionais precisem socorrer mais pessoas ainda.

Quando a gente vai estruturar o trabalho, a gente tem que responder aquelas clássicas perguntinhas: “O quê? Quando? Onde? Como? Por quê?”

Vou começar pelo “Com quem?” Quem que a gente vai apreender? O que vamos vai fazer ali? Pensamos nas vítimas, e vítima é uma palavra que está caindo em desuso no sistema de emergências, porque vítima sempre deixa a pessoa num lugar muito passivo. Alguns autores gostam da palavra afetados, outros gostam da palavra sobreviventes. Nem todos os afetados são sobreviventes, porque alguns não foram afetados, não tiveram a sua vida em risco. Então, por essa opção, vou colocar aqui como afetados, e pensamos muito nas vítimas diretas, mas existe o impacto de um desastre em termos emocionais, que é muito mais amplo.

Uma das categorias mais usadas internacionalmente é a de Taylor e Fra-zer em que eles falam em seis níveis de afetados. No primeiro nível estão as pessoas diretamente afetadas pelo evento. O segundo nível seriam os fami-liares dessas pessoas. Considerando como familiares as pessoas que não esta-vam no local, porque se você tem uma família que estava no local, ela é toda considerada primeiro nível, afetados diretamente. Mas toda a rede familiar é o segundo nível.

O terceiro nível são os integrantes das equipes de resgate e resposta. Uma população que é afetada constantemente, não só por aquele desastre, como também por vários e pela continuidade de desastres que eles têm que estar respondendo e, por isso mesmo, precisam de um suporte emocional muito maior, especialmente em cidades menores, onde é mais possível que eles tenham que socorrer pessoas queridas. Socorrer familiares, socorrer ami-gos, vizinhos de longa data. E isso tem uma mobilização emocional muito mais significativa.

O quarto nível seria comunidade envolvida no desastre, que também pode sofrer um impacto muito forte. Eu não sei se aqui se falou muito do via-duto que caiu lá em Belo Horizonte/MG na época da Copa que já tem um ano e meio. O impacto que eles tiveram, tanto emocional como o impacto econô-mico, porque aqueles imóveis já perderam absolutamente o valor de mercado, as pessoas não querem continuar vivendo ali por todas as lembranças que têm da tragédia, e ainda não se decidiu qual é a solução viável que se quer fazer. A comunidade insiste que não se construa nada. A prefeitura quer colocar uma trincheira por baixo. Então, há o medo de que a obra da trincheira derru-

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be tudo de novo. De repente, o trabalho com essa comunidade, vai ser muito mais prolongado do que o trabalho com as vítimas diretas.

Você tem as pessoas que se envolvem pelo simples fato de tomarem co-nhecimento do desastre, e nisso os meios de comunicação têm um papel im-portantíssimo, porque há uma grande discussão no meio de emergências e desastres de saber se agora existem mais desastres ou se agora sabemos mais dos desastres por causa das notícias. Existem os primeiros registros que vão do século XVI, mas eram coisas pontuais, porque não se tinha o costume de registrar e, muito menos de trocar, informações. Agora, com toda velocidade de informação, você não só sabe de mais desastres, mas temos uma cobertura muito detalhada e insistente dos desastres. Isso aumenta a percepção de risco.

O primeiro estudo que surgiu a respeito disso foi na queda das Torres Gê-meas, em 2001. Percebeu-se que as pessoas da Costa Oeste, oposta, começaram a apresentar um aumento no índice de estresse pós-traumático de forma ab-surda, absolutamente desproporcional, sem que houvesse acontecido nenhum desastre na zona, e se observou que houve a correlação, por data, com a queda das torres gêmeas. Pela notícia, e por como ela foi tratada, o nível de ameaça nacional que se criou e de que forma que essas pessoas que estavam a um país de distância também foram afetadas. Então, é um trabalho que tem sido muito complicado: o trabalho com a imprensa para diminuir essa super exposição.

E o sexto nível são as pessoas que deveriam estar no local e não estavam: quem perdeu o voo, quem faltou aquele dia ao trabalho no dia que a barragem caiu... Essas pessoas costumam apresentar uma sensação, uma confusão de sentimentos que muitas vezes as deixa tão comprometidas quanto quem este-ve lá. O alívio misturado com a culpa, de achar que poderia ter feito alguma coisa a respeito se estivesse lá, além do medo de ter morrido.

Então, todo esse espectro de pessoas pode ser trabalhada do ponto de vista emocional. É o público da nossa intervenção. Então, é muito mais do que poderíamos tratar somente a partir do ponto de vista clínico. Têm muitas ações que a gente pode estar fazendo aí para poder atingir todo esse público. E todo esse público vai, cada um, vai exigir aí um tipo e um nível diferente de profundidade de intervenção.

Quando atuar? Nós temos aí as diferentes fases do desastre: a prevenção, a mitigação e a preparação, que tem quem coloque separada, tem quem colo-que junto, tem quem coloque a prevenção antes da mitigação, mas que fique claro que fazem parte da mesma ideia. O alerta e alarme, que é a eminência do desastre. A resposta, a reabilitação e a reconstrução. Cada uma delas também vai exigir uma estratégia diferente.

Então para pensarmos de que forma atuar, temos que pensar em antes, durante e depois do desastre. Os três momentos podem ter intervenção da Psicologia. Antes, na prevenção, na mitigação, na preparação.

Primeira coisa: a elaboração de Planos de Contingência. Muita gente pensa nos Planos de Contingência como uma coisa lá da Defesa Civil, lá do governo. Mas percebeu-se que os Planos de Contingência envolvem muito

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mais do que somente a legislação. A legislação vai tratar da contingência a nível governamental. Dentro do governo quem tem que fazer o que, mas a ideia de Plano de Contingência pode ser trabalhada até dentro da família. Criou-se, no Chile, um programa que se chama: Família Segura, que trabalha a ideia de ter um Plano de Contingência familiar. Em caso de um terremoto, quem vai fazer o quê? Quem vai falar onde? As crianças vêm da escola ou eu vou buscar as crianças? Vai você ou vou eu? Quem que vai avisar? Para quem que eu levo? Na casa de quem podemos ficar?

São ideias simples, mas que, no momento de desastre, de confusão, de desorganização, se você já tem essa rede pensada, faz muita diferença e dimi-nui a sensação de caos. Então, trabalhar o Plano de Contingências dentro da escola: quem é que vai dar o alarme? Para onde vão levar? Onde que é uma zona segura? Exemplo prático, alguém aí por acaso sabe a via de evacuação daqui do auditório? Então, são formas de olhar que, de repente, na cultura latina se perdem um pouco. Existe o mito de que falar sobre o desastre atrai desgraça: “Ai não, Deus me livre! Bate na madeira! Não, não vai acontecer nada!”. Eu acredito que, agora sim, boa parte de vocês está procurando as plaquinhas verdes por aí para saber onde sair, em caso de necessidade. E isso é interessante. É importante sim saber. No supermercado, no cinema. Isso teria evitado quantas mortes em boates por aí, não é?

Então, depende sim da nossa organização pessoal, da nossa organização familiar, da organização dos locais. Desastres já se repetiram em vários luga-res, municípios e em supermercados ou igrejas também, onde as portas ficam fechadas. Para que a via de evacuação não seja usada como via de entrada ou para que as pessoas não saiam sem pagar, daí se fecha. Então, claro que isso não nos torna invulneráveis, mas o fato de ter uma ideia de por onde sair já é um ótimo começo para o autocuidado.

A seleção de pessoal para as equipes de resposta deveria incluir tanto uma avaliação quanto uma preparação psicológica muito mais severa do que realmente exige. Infelizmente, as nossas equipes de resposta acabam endu-recendo na marra e, muitas vezes, o índice de doenças no trabalho é enorme, exatamente porque eles não foram preparados para lidar com todos os aspec-tos emocionais que o trabalho de resgate provoca.

As capacitações técnicas, realmente é importante ter noção do que fazer e do que não fazer antes, e não esperar para descobrir depois. A gestão e rumo-res, o que é absolutamente fundamental. Porque uma das primeiras coisas que se pede numa situação de desastre é a rede de comunicação confiável. Então, “Ah, alguém falou que morreram 15 pessoas”, aí, ainda não está confirmado o número de mortos. Aparece na televisão: “Não há confirmação do número de mortos e feridos”, aí vai alguém da empresa e diz uma coisa, vai outro dos Bombeiros e diz outra, vai outro que viu ali, estava ali, e achou alguma coisa, e diz outra. Então, a tendência de se cair em boatos é gigantesca e isso só aumen-ta o impacto emocional do desastre. Então, um trabalho de gestão “do rumor” eficiente envolve o estabelecimento de redes seguras de comunicação para sa-

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ber qual é a pessoa que vai te dar informação confiável a respeito daquilo.Em Belo Horizonte/MG, temos um Núcleo de alerta de chuvas, que tem

feito um trabalho excelente na prevenção de danos em enchentes. Eles fize-ram um mapeamento comunitário, com a participação da comunidade. Os primeiros relatos foram da comunidade dizendo quais eram as áreas que en-chiam, e não dos Engenheiros, não Geólogos, não dos Meteorologistas. Então, eles fizeram mapas coloridos para que a população pintasse. Foi muito bonito o trabalho, porque realmente colocou a população num nível de especialista naquele lugar. Eles, melhor do que ninguém, conheciam e sabiam onde en-chia e onde não.

Então, a partir disso, em cada ponto do mapa, eles colocaram pessoas de referência para as quais a Defesa Civil ia ligar se o nível de chuvas atingisse determinados milímetros. Então, essas pessoas eram responsáveis por avisar outro grupo, e iam replicando a informação com os eventuais sistemas de segurança. Quando a Defesa Civil ligava para aquela pessoa, aquela pessoa já sabia que era séria a informação. Então, ela dava a informação, as outras já sabiam que era séria a fonte e, com isso, as medidas eram muito mais efica-zes. Foi o problema que teve lá no tsunami do Chile porque, evacuar, é uma medida que muita gente resiste em fazer porque tem que fazer qualquer hora da noite, com frio, deixando tudo para trás.

Então até o terremoto de 2010, tinha muita briga entre as prefeituras e entre o governo do estado do Chile e a população a respeito da seriedade dos alertas. Muita gente resistia a evacuar e tudo. E, depois como houve esse nú-mero de mortes importantes por causa disso, neste último terremoto, que foi no ano passado, que também foi de intensidade 8 e não teve absolutamente nenhum morto e todas as pessoas evacuaram, porque já tinham tido a expe-riência prévia que realmente valia a pena considerar que o anúncio é sério. Realmente, o governo se esforçou por um lado, em ser um comunicador mais eficiente, e as pessoas também levaram mais a sério essa comunicação.

Em algumas cidades antes do terremoto de 2010, cidades da 7ª região, que foi uma das mais atingidas, o Plano Diretor tinha sido feito no ano an-terior e esse Plano Diretor, essa iniciativa, depende da prefeitura. Então, em algumas prefeituras eles usaram um modelo participativo, que foi a partir de um jogo de tabuleiro e conseguiram convocar toda a comunidade. Um dos pontos desse Plano Diretor era estabelecer quais eram as vias de evacuação seguras. Então, uma cidade chamada, Ilóca, que tem mais ou menos 700 ha-bitantes, um vilarejo histórico, desapareceu do mapa. O Plano Diretor foi o último registro que existiu. Foi terminado em setembro e em fevereiro já não existia mais nada, nada, nada. Não é exagero, não ficou nada ali, porque o tsunami levou. Mas, não houve absolutamente nenhum morto, porque todos sabiam para onde tinham que ir. Então, a comunicação adequada faz toda a diferença e também os exercícios, de simulação que fazem parte dessa etapa de preparação, por que uma coisa é a gente saber o que fazer, outra é ter uma noção vaga do que fazer, e outra realmente é colocá-la em prática.

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Quando o desastre já aconteceu, esse primeiro momento de resposta, muitas vezes essa é até a parte mais conhecida da Psicologia de emergências, da resposta imediata. E, aí, você tem uma série de ferramentas que são bem interessantes. E temos as técnicas de intervenção em crise. Têm os primeiros auxílios psicológicos que são, realmente, um guia excelente.

Existem vários protocolos de primeiros auxílios psicológicos. Todos eles são muito parecidos e possuem vantagens e desvantagens. Mas, na verdade, o importante de ser um protocolo é que ele permite também aos outros gru-pos de resposta entender o que a gente está fazendo ali. É para que o SAMU, a Defesa Civil saibam o que é que a gente está trabalhando naquele momento. É muito importante que se entenda porque também muitas pessoas têm a ideia do trabalho do Psicólogo somente como clínico e podem se incomodar de ter essa presença. Então, à medida que você tem um protocolo reconhecido, isso facilita o entendimento e o diálogo entre os diferentes grupos de resposta.

Nós temos um protocolo da OMS (Organização Mundial de Saúde) que esse nós colocamos no site do Conselho Regional de Psicologia de Minas Ge-rais. O site é: www.crp04.org.br. Então, para quem se interessar, esse manual está disponível tanto na versão extensa quanto na versão de bolso. Temos o da Cruz Vermelha, temos o da IASFA (Instituto de Acção Social das Forças Armadas), são vários. Tem um protocolo espanhol chamado Acercase e que todos eles vão dar pautas sobre o que que o Psicólogo pode fazer e não pode fazer nesse primeiro momento de resposta. Todos eles exigem uma leitura prévia e alguns deles oferecem fichas com modelos de atendimento quando não houve tempo de preparar o pessoal. Nem todos eles pedem que os apli-cadores sejam Psicólogos, mas sim que tenham a orientação de um Psicólogo para que eles possam ser devidamente aplicados.

A comunicação das más notícias, como a Gabriela contou, não neces-sariamente é o Psicólogo que vai fazer isso. Tecnicamente, não é essa a nos-sa função. Nesse caso, nossa função é orientar a pessoa responsável sobre a melhor forma de dar esse comunicado, seja polícia, seja o pessoal do SAMU. A autoridade responsável por confirmar a informação pode ser preparada nesse momento, até porque as pessoas tem muita dificuldade mesmo de co-municar um falecimento, comunicar o estado grave de um ferido e nós não podemos tomar essa atribuição porque não somos os responsáveis legais por essa informação. Tem que ser o responsável legal: um médico, um policial que dê, mas podemos ajudar para que seja dada de uma forma mais adequa-da. Então, também é interessante, quando possível, a presença de um Psicó-logo nesse momento de comunicação para fazer a contenção imediata e para poder dar esse suporte durante o processo de comunicação.

Temos aqui um momento muito importante, que é o da coleta de dados, a importância do registro, a gestão da espera, porque não sabe o que vai acon-tecer, se vai vir um novo terremoto, se vai encher mais o rio, se vêm ou não vêm o pessoal para resolver a situação ou quando é que vão liberar as casas de aluguel. Então, todo esse momento em que já não está a ameaça imediata, mas

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ainda, não se tem nenhuma resposta, precisa ser questionado de uma forma produtiva, por que, senão, o nível de ansiedade da população vai a mil.

Não podemos dizer: “Não, daqui uma semana isso aqui está resolvido.” Mas que, ainda por cima, todos nós somos capazes de entender que é muito difícil ter paciência numa situação como essa. Então, lidar com esse tempo de espera, ajudar realmente na contenção e promover atividades que façam com que esse tempo de espera fique mais leve, também é parte do nosso trabalho.

Uma experiência que tem sido bastante interessante em outros países é o suporte psicológico via Call Center. É uma experiência nova, que precisa ser monitorada. Foi realizada no terremoto do Chile. Se criou um Call Center, um 0800, acessível por qualquer orelhão. Os números eram divulgados naquela faixinha dos noticiários que fica embaixo, na tela da TV. Toda vez que falava de um terremoto eles colocavam ali um número, os horários e tudo... E aí a ideia desse Call Center era ser um suporte de orientação e comunicação, não era um suporte do tipo CVV, em que a pessoa tinha ali a escuta prolongada. Se fosse o caso, dependendo da ligação, ali podia ser feito, quando se sabia que não tinha nenhum outro recurso. Tanto que realmente o Call Center é somente para Psicólogos ou estudantes dos últimos anos já preparados e ca-pacitados. A ideia era poder oferecer informações sobe as redes de atenção, o que estava funcionando e o que não estava funcionando. Oferecer também informações sobre as reações mais esperadas. Então, fazer essa informação chegar a essas pessoas fazia muita diferença.

Um sistema que foi muito usado é o que vocês têm em mãos: essas carti-lhas, as recomendações da recuperação emocional da população afetada por catástrofes, o cuidado com crianças e adolescentes. Essa sé a produção literal das cartilhas que são usadas no Chile num terremoto [mostra as cartilhas]. No CRP04/MG, nós optamos por traduzir esse material e disponibilizá-lo, exata-mente porque, muitas vezes, as pessoas não têm noção se o que elas estão sen-tindo é normal ou não. Então, muitas vezes em um trabalho psicoeducativo de explicar que existem reações que são normais, dentro daquela situação, é normal, por si só já faz um trabalho muito efetivo. Ajudar a entender se aquele momento depressivo da criança, se pode deixar dormir na cama com os pais ou não - “Ah, mas ele tem pesadelos, o que é que eu faço? Quando é hora de procurar ajuda?” O ideal, claro, é sempre poder dar essa informações pessoal-mente, mas para atingir um território muito vasto, cartilhas e Call Center são um instrumento bastante válido, que não fazem tudo, mas já dão um bom su-porte quando não é possível a presença física do Psicólogo no local.

Depois do desastre, aí temos uma série de tarefas também para fazer. O desastre, ele não tem data de vencimento, não temos como traçar uma linha assim: agora acabou! Não existe isso, mas tem um momento em que a ameaça física diminuiu e você precisa retomar o fluxo. Aí sim, entramos com a terapia do luto, que é muito importante nesse momento para elaborar todas essas per-das. Mas, quando falamos em terapia do luto, não é necessariamente dentro do consultório, individual. Em casos de emergências e desastres que afetam

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uma comunidade grande, é muito interessante fazer esse trabalho também de uma forma coletiva. A terapia comunitária tem feito isso de uma forma muito bonita, porque o luto, nesse caso, ele é compartilhado. Cada um teve suas per-das pessoais? Sim! Mas a comunidade inteira viveu aquilo. Então, a medida que uns vão já elaborando esse significado, vão dando suporte para o outro e isso faz com que o trabalho seja muito mais potente e muito mais bonito.

Então, é importante ter claro quando devemos trabalhar com terapia do luto, que o luto ele é a longo prazo, e não o fim do processo de luto, bem como não é voltar ao estado anterior em que se estava. Aquilo nunca mais vai vol-tar. É mais uma ideia de espiral. Você saiu de um ponto e vai passando por ciclos parecidos, mas nunca naquele mesmo ponto onde você voltou, onde você estava. Realmente a vida vai ser diferente dali para frente, e isso não pode ser alterado.

Então é muito difícil quando você vê as pessoas falando: “Ah, mas eu quero minha casa de volta”. É parte do processo da terapia de luto ajudar a pessoa a entender que aquela casa não volta, que aquela vida não volta. A partir do momento em que a pessoa consegue se desapegar disso, é que o luto vai ser elaborado.

E aí há o processo de construção de significados. O enlutado precisa dar um sentido àquilo que aconteceu para poder retomar o controle sobre o mun-do. E, claro, é um evento que fugiu absolutamente do controle dele ou mesmo quando a pessoa tem algum grau de participação, por assim dizer, quando ela realmente, apesar do aviso, insistiu em ficar na área de risco. Ainda assim, ela precisa criar novos significados para poder não ficar na situação de vítima, e sim, poder avançar em relação a isso. Têm as perguntas clássicas do “Por que aconteceu comigo?” e “Qual o significado que isso vai ter na minha vida?”.

Outra coisa fundamental é ter o monitoramento e a intervenção nos casos de reações psicológicas. Tudo precisa do Psicólogo? Não! Nem tudo precisa do Psicólogo. Como a gente viu naquelas estatísticas iniciais, teoricamente, 75% da população não precisaria de suporte psicológico. Porque elas “dão conta” sozinhas, por características pessoais. Só que isso não quer dizer que só precisamos trabalhar com aqueles outros 25%. Um trabalho de difusão, de orientação, de educação, vai ajudar exatamente que esse 75% da população consiga passar por isso num prazo mais curto, de uma forma mais leve, e re-tomar suas atividades mais rápido. Então, é importante não supor que todas as pessoas vão estar traumatizadas, assim como também é importante não supor que aquelas que parecem que estão bem, estão realmente bem. A oferta do suporte psicológico tem que ser o mais ampla possível e, a partir daí, as pessoas vão manifestando qual a sua necessidade.

É importante ter um instrumento, um ponto de corte, vamos assim di-zer. No Chile se usou um chamado screening psicológico que constava de três pontos a observar quando você estava fazendo o atendimento: 1) Observar se havia risco de suicídio; 2) Se a pessoa representava um perigo para ela ou para outras pessoas; e 3) Se estava numa sintomatologia psiquiátrica: aluci-

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nações, delírios. Então, cumpriu um desses três? Deriva para a atenção mais especializada. Se não cumpriu um desses três: suporte, orientação, contenção num primeiro momento já é suficiente.

Então, é importante ter claro qual é o momento em que aquela pessoa sim precisa de uma ajuda mais extensa, mais especializada ou quando sim-plesmente a psicoeducação é suficiente. E aí, as intervenções de caráter clini-co daquelas pessoas que realmente precisam de suporte, elas podem ser tanto individuais, familiares, grupais ou comunitárias.

Quando falamos em terapia centrada no trauma, eu coloquei aqui três pontos que tem um bocadinho de polêmica porque, quando falamos de in-tervenção e do que podemos ou não fazer, existe uma tendência, que é a que a gente estudou, que a gente viu, que a gente se preparou, cada um na sua abordagem. Existem aquelas que são baseadas em evidência e existem tam-bém as que estão sendo trabalhadas ou não dentro do contexto da aprovação do Conselho de Psicologia.

Quando a gente fala das terapias mais conhecidas internacionalmente, as que possuem evidência científica e que são relatadas são tidas como pre-ferenciais dentro do trabalho com o trauma e com o estresse pós-traumático grave são a TCC (Terapia Cognitivo Comportamental), e temos outras, que são a EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing – Dessensibiliza-ção e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares) e o TFT (Terapia do Campo do Pensamento), que trabalham a partir de uma ação física. No caso da EMDR, a estimulação bilateral, que pode ser ocular ou tátil ou auditi-va e o TFT, que é uma estimulação tátil que a pessoa mesmo pode se aplicar.

O EMDR e TFT são técnicas que ainda não estão validadas pelo Conselho Federal de Psicologia e é muito importante ressaltar isso por que lá fora se usa, mas aqui ainda não. Por quê? Porque aqui a academia ainda está em pro-cesso de validação. Então, nós tivemos problemas lá em Mariana/MG porque tinha um grupo de voluntários que queriam ir para lá usar EMDR, mas foi solicitado que esperassem a condução do Conselho Federal, que é bastante prudente em esperar que as técnicas da Psicologia passem por validação e pesquisa sistemática pela academia. Quer dizer que nunca vai se poder usar? Não, depende de que esse processo seja aprofundado, seja estudado, que as evidências sejam produzidas para que provem, por meio de protocolos espe-cíficos, que realmente isso funcione.

Tal como a Gabriela falou, é preciso que esse registro dos dados seja feito com todo cuidado ético, porque isso pode virar material de pesquisa em al-gum momento. Muitas vezes, quando a gente tem 15 minutos com a pessoa, é difícil estabelecer a prioridade de fazer o cadastro, em preencher dados e re-almente fazer a contenção, mas isso vai ser um ponto que vai ser fundamental para preparar as intervenções seguintes.

E, durante a reabilitação e reconstrução, é fundamental a gente trabalhar aqui com o fortalecimento da resiliência individual e comunitária. Muita gen-te ainda considera que a resiliência depende de características pessoais. E, em

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parte, isso é certo, mas a construção de redes e quando a pessoa pode contar com redes de apoio facilita muito mais a expressão dessa resiliência do que se a pessoa depender somente das características próprias. Então, essa deve ser uma construção coletiva. Em algum momento, as palestrantes anteriores mencionaram a questão do território. A volta, o apego ao território, é difícil de ser trabalhado porque não sabemos se esse território vai voltar a existir ou não. Em Mariana/MG, está a grande discussão a respeito da reconstrução de Bento Rodrigues. Tem gente que quer que seja no mesmo lugar, tem gente que não quer de jeito nenhum que seja no mesmo lugar.

Aconteceu também em Taipei, numa cidade do Chile que houve uma erupção vulcânica que inviabilizou a cidade. Lá não se conseguiu fazer esse processo de reconstrução. As pessoas foram redistribuídas em 04 cidades, e ainda é uma ferida que não fechou.

É importante que todo esse processo seja feito com a população como protagonista. Não adianta nada a gente chegar cheio de teorias, não adianta nada a Defesa Civil chegar e provar que aquilo é ótimo, se a comunidade não fizer parte dessas decisões, daí cito Erickson que falava muito disso: que a terapia é o encontro de dois especialistas: o Psicólogo, que é especialista nas técnicas psicológicas, e o cliente, que é especialista nele mesmo. Que nin-guém melhor do que ele para saber das coisas dele.

Então, no processo pós-desastre essa lógica também vale. A comunidade é especialista nela mesma. Só ela se conhece o suficiente para ver que coisas funcionam e que coisas não. Então, se ela não for protagonista no processo de reconstrução. Nenhuma solução, por mais perfeita que soe no papel, vai funcionar. E, um ponto fundamental aí, é o incentivo aos cuidados relativos à preservação dos lugares de memória.

Quando a gente fala do luto, você tem tanto a questão do lugar de memó-ria quanto dos momentos de memória. Agora se fala muito, além das cinco fases do luto, se fala muito do luto como um homem. Adriana Tomaz defen-dia muito essa ideia. Assim, que o luto precisa de um ano para que você pas-se por todas as primeiras vezes: o primeiro aniversário, o primeiro Natal, o primeiro dia dos namorados, o primeiro dia das crianças sem aquilo ou, sem aquela pessoa. Então, aproveitar essas marcas, porque de repente o processo do luto parece equilibrado e vem uma data comemorativa que traz à tona todo esse afeto de novo. Então, manter essas celebrações e esses espaços a partir dessas datas... e manter tudo, lugares de memória, onde, toda vez que essa sensação pesada do luto voltar, eles possam ser trabalhados. Que esse lugar represente algo de significado para a comunidade... vai permitir que ela mantenha o vínculo com aquilo que ela perdeu, de uma forma mais saudável, e possa realmente refazer sua vida em outros lugares.

E quando falamos em reconstrução, é interessante pensar naquele velho clichê, que toda crise é uma oportunidade. Esse momento, ele é um momento muito interessante para fazer a correção das inconsistências do desenvolvi-mento social. Quando realmente uma população que mora em área de risco

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é retirada dali a força, ou porque a pedra rolou, ou porque o barranco caiu. É um momento ideal para fazer com que aquela comunidade vá para condi-ções realmente seguras, para que ela não volte a uma situação de vulnera-bilidade em que estava antes. Então, fortalecer a comunidade para que ela tenha condições melhores do que ela tinha antes do desastre, especialmente quando falamos de áreas de risco, é fundamental. E, também, a consolidação dos vínculos entre cooperadores. Muitas vezes as equipes de resposta não se conhecem, e ali, a partir do desastre que elas se conhecem. E esses vínculos precisam ser fortalecidos. É importante que uma vez feitas essas redes, elas não se percam para que você possa realmente ter uma comunicação mais efi-caz em qualquer situação de crise.

E o ponto mais importante, quando a gente pode dizer que esse proces-so começa realmente a caminhar, é o que a gente chama do retorno à alegria. Esse é até o título de um livro muito bacana da Costa Rica. A Costa Rica tem centro de informação sobre desastres, que tem uma série de publicações mui-to interessantes para quem se aventura aí pelo espanhol. Quando falamos em desastres, pensamos só em tristezas, só em dificuldades, mas é muito impor-tante, e é muitas vezes a partir do nosso trabalho como Psicólogos que pode ser aberta a porta para alegria de novo. Em geral, são as crianças que fazem isso. São as primeiras que pedem um momento de leveza. Então, realmente, às vezes, instaurar em um abrigo um lugar para brincar, conseguir uma bola de futebol. A gente começou a implantar isso lá no Chile, nas caixas, nos kits de emergência que eram mandados para as famílias, eles pediram uma su-gestão de brinquedo para colocar para as crianças.

Logisticamente era complicado, porque você tem meninos, tem meninas, de diferentes idades, aí como é que você vai acertar? Então, o que sugerimos foi colocar lápis e papel. Um bloco de papel grande, com lápis de cor, porque o desenho, ele não só é uma forma de brincar da criança, como também uma forma de expressar e elaborar aquilo que está acontecendo. Ocupa pouco es-paço, é unissex e para todas as idades. Então isso permite a criança colocar as suas questões, e permite essa brincadeira de criar um pouquinho.

E, claro, é estranho falar de alegria, é estranho falar de humor no de-sastre, mas é fundamental. Essa é uma característica daqui que tem que ser aproveitada. Provavelmente, se estivéssemos em um seminário em uma outra cultura, isso aqui não teria o menor sentido, mas todos nós, latinos, sabemos o quanto é necessário deixar o ambiente mais leve. É uma questão cultural. De idiossincrasias mesmas, e que pode ser bem aproveitado. Muitas vezes, existe uma censura de: “ah, não pode rir, não pode falar”, e é exatamente este o momento em que você recupera as forças, o sentido e vai dando um novo significado à situação e aos sentimentos. A nossa intervenção tem que ter um pouquinho dessa pauta: do resgate da alegria e do bom humor frente às situ-ações difíceis, para que isso nos dê energia para seguir em frente.

E esse ciclo não para porquê, a partir do momento em que trabalhamos naquela reconstrução de vínculos, a diminuição da vulnerabilidade, já esta-

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mos na parte da prevenção de novo. E, como nunca sabemos o que vem, às vezes, esse ciclo ele vai e volta. De repente está tudo numa fase de reabili-tação e vem um novo desastre e muda tudo de novo. Então, esse é um ciclo que não para. Infelizmente, não temos como garantir que parem os desastres, mas sim, podemos a partir de cada um deles, fazer a nossa intervenção mais efetiva, mais eficaz.

Obrigada gente!

(Coordenadora da Oficina, Psicóloga Andrea dos Santos Nascimento): Obriga-da Lilian pela sua fala, pelo nosso momento de aprendizado. Bom gente, agora nós vamos, antes da Oficina, vamos bater um papo com a Lilian. Tirar as dúvidas. Quem tem dúvida, que está com alguma questão, faça a pergunta no microfone.

(Psicóloga Lilian Cecilia Garate Castagnet): A propósito, eu mencionei a carti-lha da OMS, que está no site, mas têm duas publicações. É que, anteriormente, estavam no site do Conselho Regional Psicologia de Minas Gerais e a do Conse-lho Federal de Psicologia, que eu gostaria de recomendar. Eu não sei se ambas ainda estão online. Uma delas eu tenho a versão pdf, posso disponibilizar para vocês. A outra, não. São dois livros de uma socióloga chamada Norma Venân-cio. Um se chama: Sociologia dos desastres , e o outro se chama: Abandonados nos desastres . Recomendo muito a leitura para entender, especialmente, as questões vinculadas a desastres com água. São muito interessantes e vão dar uma ótica bastante interessante do que podemos fazer nesses períodos longos de reconstrução que a água nos traz. É “sociologia dos desastres”.

(Participante 1): Nós não estamos preparados. Definitivamente, nós não esta-mos preparados para essas situações, e aí, como fazer isso?

(Psicóloga Lilian Cecilia Garate Castagnet): Esse é sempre um equilíbrio de-licado: quanto podemos estar preparados e o quanto podemos pode arriscar na vida? Porque, também, se a gente se protege demais, não damos conta de todas as ameaças, como também deixamos de viver muitas coisas bonitas e interessantes, que são surpresas na vida da gente.

Então, conversávamos muito disso quando houve o desastre lá em Con-gonhas, da TAM, que os mortos não estavam todos no avião, teve pessoas que morreram em casa, porque estava no domingo em casa vendo televisão no sofá. Ou seja, você pensa que sua casa é refúgio seguro, e se você ficar em casa não vai acontecer nada. E lá caiu um avião em cima da casa das pessoas. Tem coisas que não dá, que vai além do que a podemos pensar em proteger.

Valencio, N.(2009). Sociologia dos desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos: RiMa Editora. Valencio, N.; Siena, M. & Marchezini, V. (2011). Abandonados nos desastres: uma análise sociológica de dimensões objetivas e simbólicas de afetação de grupos sociais desabrigados e desalojados. Brasília: Conselho Federal de Psicologia.

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Então, a ideia da proteção, da prevenção, ela sempre vai se pautar em cima das possibilidades mais comuns. É importantíssimo todo mundo saber como atravessar a rua ou onde é perigoso. As crianças têm que saber o quan-to antes. Por quê? Porque é algo que todos nós vamos passar. É importante termos uma noção de como é que vai ser em lugares que têm muita gente, porque isso é algo que pode acontecer. Mas, à medida que as ameaças vão mudando, a prevenção também vai mudando. Os prédios no Chile são ma-leáveis porque já caiu tudo muitas vezes. Então, tem que fazer um esquema construtivo diferente. Inclusive isso se reflete em outros pontos, por exemplo. Lá o Arquiteto é que tem o status de Engenheiro. O Arquiteto que constrói os prédios, faz cálculo, faz tudo, só chama o Engenheiro se quiser. E o Arquiteto formado no Chile tem o equivalente do grau de mestrado na Espanha, por-que a formação deles é uma formação muito mais intensa pela questão sísmi-ca. E, curiosamente, é um modelo diferente. Do Chile, ele é maleável, mas ele é mais resistente. Do Japão é completamente maleável.

Minha mãe conta que quando eu era criança, morávamos no 21º andar de umas torres muito famosas e que houve um terremoto de 6 e alguma coisa. Então, de repente você tinha uma vista que você via o prédio, de repente você não via, de repente você via, de repente não via, porque aquilo balança. Então, eu estava lá no terremoto de 2010 e eu também fui afetada, por assim dizer. E é uma experiência que não imaginamos, porque o nível de oscilação era esse, ir para cá, ir para lá, era esse ângulo. Em 2010, eu morava no 5º. Foram três minutos. Você calcula o que que são 180 segundos balançando assim. E dá um tranco para lá, e balança. Essa é uma coisa que realmente não temos noção.

E aí, quê que acontece? Depois desse terremoto, qualquer pé na mesa vira terremoto. Tudo assusta. Alguém trombou? Viu tremer? Assusta! En-tão, por exemplo, parte da nossa ação foi, à medida que a gente orientava as pessoas, como sempre, depois de um terremoto, tem uma réplica. Orientáva-mos a colocar móbiles na casa. Porque se a mesa tremeu é uma coisa, agora, se o móbile tremeu, é sismo mesmo, aí é outra história. Ajudar as pessoas a diferenciar a ameaça real da ameaça imaginária, porque todo mundo fica hi-persensível depois disso. Assim como, depois de um assalto, você começa a achar que todo mundo é perigoso.

Então, se aqui são mais frequentes as enchentes, em relação a isso temos que conhecer as áreas de risco. Em Belo Horizonte, o NAPS fez uma série de placas na rua, placas amarelas bem características, colocando ali: “Esta é área de inundação. Em caso de chuva forte, não transite daqui para frente, não es-tacione seu carro aqui. Suba por esta rua!”. Essas coisas, quem mora na cidade tem que saber, e para quem não mora, tem que ter um sistema de alerta.

Tem uma série de precauções que todos têm que saber e que muitas ve-zes não se sabe. Por exemplo, eu tive que dar essas orientações para um gru-po de italianos que estava chegando à cidade, e que lá não tem tempestade elétrica. Eles não tinham ideia de que não podia ficar perto da árvore. Ou, por exemplo agora, que aqui no Brasil estão aparecendo mais sismos. Brincamos

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um pouco lá em casa, que na imprensa falam: “o terremoto de 3 graus” e para gente isso não é nada. Terremoto de 3 graus lá no Chile nem dá para sentir! Mas aqui, está começando a aparecer. Em Montes Claros já começaram apa-recer rachaduras nas casas, em Brasília, no Ceará... e daí vai ter que começar esse trabalho de preparação. Então, esse trabalho de preparação não pode depender só de uma esfera pública, porque esse realmente é o mecanismo mais lento de todos, infelizmente. E não é só aqui no Brasil.. Pode começar pela gente. Pode começar pelo nosso mapeamento de risco. De ter uma ideia de quais são as coisas a que eu estou mais exposto e, de gerar esses pequenos planos de contingência. De fazer o nosso checklist ou, por exemplo, ações pe-quenas, mas que façam diferença.

Quando teve, há muitos anos, o desabamento do Palace II no Rio de Ja-neiro, não sei se vocês se lembram disso, era um prédio de luxo e que desabou durante o Carnaval, e que foi o primeiro momento, se falou muito da perda do registro afetivo. Aqui o impacto foi maior porque era um prédio de luxo, então as pessoas prestam mais atenção nisso do que quando é um monte de barracões, infelizmente! A vida tem níveis diferentes de respeito para muitos.

Lá no Chile, por exemplo, as casas costumam ter uma mochila de emer-gência: lanterna, água, pilhas, barrinha de cereal. Algumas coisas práticas, porque se você precisa tirar uma coisa ali, você pega ela e pronto! Por exem-plo, guardar documentos juntos, se você tiver tempo para tirar uma coisa, tirar a pasta com documentos ou as fotos, que são coisas que são mais difíceis de recuperar. Então, já ter pensado mais ou menos aquilo que tem mais valor e importância porque, claro, aqui pode ser que não seja um terremoto, mas pode ser um incêndio, pode ser uma enchente.

Então, ter essa ideia do que que você pode precisar nesses casos já é um plano de contingência! Já faz diferença e já te deixa mais tranquilo, porque se você vai atuar, você já está salvaguardado. Tem essa preparação, tem essa base. Então, pode começar por nós mesmo, e nós podemos ser multiplicado-res dessa preparação. Ensinar os nossos filhos, ensinar mais familiares, traba-lhar isso dentro dos nossos grupos de trabalho.

(Coordenadora da Oficina, Andrea dos Santos Nascimento): Alguém quer fazer pergunta?

Participante 2: Obrigado pela palestra, muito boa, muito legal. Eu me formei em Psicologia em Linhares mesmo e trabalho como terapeuta há onze anos, sempre atendendo o público. Então, assim, a minha prática é clínica. Eu não tenho uma prática em órgãos públicos. A minha pergunta é o seguinte: todo processo de desastre, ele é complicado, têm várias complicações emocionais, complicações físicas, perda de dinheiro, material, bens familiares e tudo mais. Nos desastres que você mostrou, mostrou o começo, antes, a preparação todo esse processo que é muito importante. E, no processo da terapia de luto. Eu queria saber sobre isso: o pós-desastre. Depois daquela alegria, depois que a

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gente coloca um lápis para criança brincar, depois de uma bola. E aí, o que que o Psicólogo faz? Por que, assim, eu chego, faço o atendimento, se é enchente ou não, atendo a família, converso, aí passam dois meses e todo mundo some. E aí, depois? Esse depois existe alguma coisa que pode ser feita ou é só deixar cada um se virar e procurar atendimento particular... como que é isso?

(Psicóloga Lilian Cecilia Garate Castagnet): Bom isso foi o que comentei do terceiro desastre. A retirada de todo o suporte, que veio massivo em um pri-meiro momento. E por isso que muita gente conhece mais o momento da res-posta: Aquele momento mais imediato dos primeiros meses. Bom, depende muito de cada lugar, de cada legislação específica. Até porque o processo de reconstrução depende de vários órgãos. Nós não estamos falando só de uma reconstrução regional, estamos falando de uma reconstrução física que é base para essa reconstrução emocional. Enquanto esses aspectos de reconstrução física não estiverem caminhando, a reconstrução emocional, também vai estar estancada, porque se você não tem uma resposta dos órgãos públicos para você poder recomeçar a sua vida, o processo emocional também fica dificultado.

Lá no Chile também 50% da população chilena está na capital e um grade número de Psicólogos também se concentram na capital. Nós tínhamos uma extensão territorial de aproximadamente 3.000 quilômetros para cobrir. En-tão, é claro que você não vai conseguir distribuir toda essa gente da capital, de forma contínua, por muito tempo, nas diferentes regiões.

Bom, três dias depois do terremoto, começou a circular um e-mail convo-cando Psicólogos para ajudar. Um de universidade que conhecia outra e foi mandando para outro, foi mandando para outro... Aquilo viralizou e foi feita uma convocatória dentro de uma universidade para juntar todo mundo que queria ajudar. E foi feita uma parceria entre esse grupo que mobilizou os Psi-cólogos, uma associação de lá que seria o equivalente ao Conselho Federal de Psicologia e a Sociedade Chilena de Psicologia de Emergências e Desastres. Foi feita uma articulação ali para trabalhar aquele grupo antes de mandá-lo a terreno, e também para catalisar as demandas de atendimento.

Então, durante mais ou menos uma semana, esse grupo foi convocado, fizeram os registros, tínhamos de estudantes à profissionais com muita expe-riência, mas nenhum com experiência em desastres. E, a partir disso, se criou uma organização chamada: Psicólogos Voluntários do Chile. A partir desse re-gistro, os Psicólogos tinham ali uma série de capacitações modulares, de emer-gências mesmo, rápidas, que eram, em média, de três a quatro horas cada uma.

Cada um quisesse ir a terreno, tinha que passar pelos módulos, um número mínimo de módulos, antes de viajar. E a logística também era resolvida com aquele grupo, por exemplo, o Banco Estado, que é o equivalente da Caixa Econô-mica, solicitou o atendimento. Então, tinha um grupo ali que negociava a logísti-ca com o Banco Estado de quem ia levar, os custos, o alojamento e a alimentação.

Então, o profissional passava por essas capacitações que incluíam Psico-logia de Emergência, incluíam primeiros socorros, incluíam oficinas de auto-

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cuidado, a questão das rachaduras, informações sobre os movimentos sísmi-cos, que a maioria ali vivia, mas não conhecia com um pouco mais de detalhe. E isto esteve ativo, bem ativo, por uns três a quatro meses, mas depois a ur-gência começa a diminuir, os recursos começam a diminuir, as pessoas que estão lá também precisam retomar a sua vida normal.

Então, o quê que acontece? Há uma tendência de esvaziamento, e é por isso que eu recomendo muito o livro da Norma Venâncio , quando ela fala do abandono nos desastres. Chega a um ponto que a população não recebe mais ajuda. De um excesso de ajuda, passa a uma falta. Lá em Mariana/MG, nós tivemos esse problema. Houve relatos de que uma pessoa já tinha sido entrevistada por sete Psicólogos diferentes. Isso é complicado.

Lá no Chile não existe uma articulação muito forte para o pós-desastre. Mas de fato, tem esse processo de resistência e resiliência, grande parte da população não precisa de muito mais suporte, e sim, você aproveita realmen-te de derivar os casos que precisam para as redes de atenção já habituais.

Aqui no Brasil, a Lei 12.608 , de proteção e Defesa Civil, estabelece que a resposta psicossocial deve ser feita pela rede de atenção primária de saúde. Isso é um ponto fundamental também, por quê? Porque não adianta querer-mos tomar a frente como voluntário, como organização, como universidade, se a resposta inicial a quem a Defesa Civil deve procurar, quem deve ter como referência, é a rede de atenção primária, até porque, faz parte de uma lógica bastante interessante. A rede de atenção primária é a que mais conhece essa comunidade. Então, teoricamente, ela já tem um vínculo, já tem uma estrutu-ra para receber essa demanda, e é essa exigência da Lei de Proteção e Defesa Civil que muitas vezes se choca com o cotidiano do funcionamento porque a rede de atenção primária costuma já ser sobrecarregada. Então, quando vem um desastre, fica mais ainda. É uma coisa que ficou mal resolvida ainda e que não se estabeleceu um mecanismo ideal nesse sentido. E, dependendo do lugar, o Psicólogo da rede de atenção primária também foi afetado pelo desastre, se foi uma cidade menor, por exemplo. Isso faz diferença.

Então, esse mecanismo ele ainda não está totalmente resolvido, mas o que a legislação determina é exatamente isso: que o suporte contínuo seja feito pela rede de atenção primária já existente na região. Então, não é que as pes-soas fiquem largadas, mas elas passam a recorrer ao serviço que já existia.

(Coordenadora da Oficina, Psicóloga Andrea dos Santos Nascimento): Mais alguma pergunta? Então, já que nós não temos mais nenhuma pergunta, para essa parte da tarde, separamos para um simulado de ordem mais prática que a Lilian vai fazer conosco. Temos uma hora para fazer esse simulado, ok? En-tão, quero agradecer a Lilian pela importante contribuição, pelo debate.

Valencio, N.; Siena, M. & Marchezini, V. (2011). Abandonados nos desastres: uma análise sociológica de dimensões objetivas e simbólicas de afetação de grupos sociais desabrigados e desalojados. Brasília: Conselho Federal de Psicologia. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm

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SIMULADO PRÁTICO:GESTÃO DE RISCOS E DESASTRES

COM A PARTICIPAÇÃO DOS PRESENTES

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Psicóloga Clínica e Hospitalar (CRP04/13363), com especialização em Psicologia Hospitalar pela PUC-MG/Hospital Municipal Odilon Behrens e em ‘Salud Mental en Emergencias, Ca-tástrofes y Desastres’ pela Pontificia Universidad Catolica de Chile. Psicoterapeuta bilíngue espanhol-português, com experiência em intervenção em crise, trauma e psicoterapia inter-cultural - imigrantes. Experiência de intervenção em terreno na VIII Región no terremoto de 2010 - Chile e realização de capacitação a Bombeiros no Equador. Membro do GT Emergências e Desastres do CRP04/MG. Atualmente é psicóloga do Instituto Mineiro de Nefrologia e do Abrangente Centro de Terapia Breve.

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Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Bom, a gente vê aqui experiências, a gente vê aqui teoria, mas na hora H, colocar a coisa para funcionar, isso aí são outros quinhentos, não é mesmo? E umas das coisas mais difíceis e que eu acho que a gente peca mais é a questão da construção das redes, pensar essa construção das redes.

Então, é esse o desafio que eu quero propor para vocês agora. Se vocês olharem, agora, para a lateral do auditório, vocês já viram provavelmente os cartazinhos de guia de evacuação. Têm uns brancos também, que são dividi-dos em diferentes agentes que atuam nas respostas a desastres. E nós temos ali diferentes opções, e eu gostaria que vocês se posicionassem de acordo ao agente que mais mobiliza cada um de vocês, que mais te interessa. Nós temos como opção: governo, universidades, o Conselho de Psicologia, a sociedade civil organizada, organizações não governamentais, voluntariado, e a rede de atenção primária.

Lembrando gente: situação de desastre exige resposta rápida.

Participante 1: Qual seria a diferença de governo para atenção primária?

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Go-verno seria prefeito, seria a Defesa Civil, seriam os órgãos de gestão. Rede de Atenção Primária são os profissionais que atendem dentro da rede pública. Sim, todos são funcionários públicos, com hierarquia e funções diferenciadas.

Agora que já escolheram suas áreas, vou pedir, então, que vocês separem os grupos, dentro da possibilidade de discussão aqui e, dentro desses grupos, vocês precisam eleger, uma pessoa para comandar a discussão e um respon-sável pela comunicação do grupo. É urgente! Nós temos pouco tempo para responder.

Para poder conversar, vamos precisar ficar sentados, porque realmente, vai ficar difícil. Todos os grupos já sabem quem está no grupo e quem é o responsável pela comunicação do grupo, quem é responsável pela condução da discussão?

Começamos como começam todas as emergências: ninguém sabe de nada. Começa sempre assim. Vamos escutar coisas e a primeira coisa é que cada grupo identifique quem faz parte da sua rede. A maioria aqui acredito

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que não se conhece. Não vamos ter muito tempo para apresentações, trocas de experiências, mas sim que pelo menos possa reconhecer quem faz parte da sua rede inicial. Quais são as tarefas de cada grupo? Nós vamos falar aqui de uma situação bem parecida, não vamos inventar uma situação, porque nós estamos realmente na eminência de acontecer um novo desastre já relaciona-do ao que está sendo vivido.

Eu acredito que, ao invés de pegar uma situação de um terremoto, de uma coisa que seja mais difícil de acontecer aqui, vale a pena a gente apro-veitar para refletir sobre as possibilidades que estão mais próximas da gente.

(Lilian imitando noticiário) E nós já tivemos aqui o primeiro rompimento de barragem, já houve, o rompimento de uma nova barragem agora no fim de semana. E nós vamos trabalhar dentro da situação de um novo rompimento de barragem afetando o Rio Doce.

Então, quais são as tarefas de cada grupo? A princípio, não se sabe se vai acontecer, o quanto vai afetar, como é que vai ser. Então, a primeira coisa é que cada grupo precisa ter um tempo aí de uns 15, 20 minutos para começar a discutir o que pode ser feito por cada grupo dentro de uma situação emi-nente, considerando aqui: Quais são as possibilidades concretas de trabalho? Com quais recursos cada grupo realmente conta, considerando questões lo-gísticas e financeiras? Como é que vai ser o deslocamento para os locais afeta-dos? Quem paga a conta? Quem tem tempo de trabalho? Considerando esses como os aspectos fundamentais.

De tempos em tempos, eu vou começar a soltar algumas informações extras que podem ir mudando a condução do trabalho. Então, comecem a partir da situação que já foi vivida, e a partir daí nós vamos acrescentando informações com um olho no subjetivo, com um olho no comunitário e com um olho no logístico.

(Lilian imitando noticiário) Chegam novas informações a partir da imprensa...

Participante 2 – Representação da Imprensa: “Boa tarde, nós estamos aqui em Mariana e temos a informação de que a barragem de Germano se rom-peu, os resíduos se direcionam ao Rio Doce e dez comunidades já teriam sido atingidas. As informações do governo não confirmam mortes, mas uma fonte do governo, que não quis se identificar, garante que 5 pessoas estão desapa-recidas. Mas há informações de que os desaparecidos já poderiam chegar a 50 pessoas. Daqui a pouco a gente volta com mais informações.”

Participante 3 – Representação Poder Público: Boa tarde! Eu, Renata, repre-sentante do governo, venho por meio desta confirmar a informação de que a barragem realmente foi rompida. Já foram acionados os setores necessários para a confirmação. Foi confirmado que essa água está vindo em direção a Linhares. Temos a estimativa de que ela vai demorar sete dias para estar che-gando aqui no município. Com os dados da Defesa Civil, temos a estimativa

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de que essa água pode subir aproximadamente 4 metros. Vamos entrar em contato através da Secretaria de Assistência Social e Saúde com as famílias ribeirinhas, que serão deslocadas para os locais de abrigo onde serão os gi-násios, ok? Então, a população não precisa ficar agitada. Nós entraremos em contato com essas famílias e vamos retirá-las dos locais de risco.

Participante 2 – Representação da Imprensa: Boa tarde! Nós estamos aqui em Linhares ao vivo, com mais informações sobre o rompimento da barra-gem de Germano. O grupo de moradores de Linhares está protestando contra a empresa RXYZ e contra o poder público por conta da demora na resposta e a falta de transparência nas informações. As informações até agora dão conta da confirmação do rompimento da barragem e também de ações de retirada de comunidades ribeirinhas do Rio Doce. A prefeitura de Linhares confirmou que vai fazer a retirada dos moradores, mas sem mais detalhes com relação ao tempo e quando isso vai começar.

Informações dão conta de que as comunidades atingidas em Minas Ge-rais tenham subido para 15 e que o número de desaparecidos já teria chegado a 70, mas as autoridades locais não confirmam essa informação. Nós estamos aqui com o Vinícius, que é representante dos manifestantes aqui em Linhares: Como vocês avaliam as ações do poder público e da empresa até o momento?

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Va-mos começar com as apresentações das discussões. Vamos começar pelo go-verno? O que fizeram?

Participante 3 – Representação Poder Público: É, enquanto governo, foi arti-culado junto com todas as secretarias do município. Primeiro, junto à Secreta-ria de Educação os locais onde essas famílias ficariam abrigadas. Depois, junto à Secretaria de Saúde e de Assistência o acesso das famílias. Quem seriam es-sas famílias, a identificação dessas famílias. Foi articulado junto com a Defesa Civil a confirmação do evento, como que esse evento poderia atingir o muni-cípio, os atendimentos básicos que poderiam ser realizados, a infra-estrutura aos que poderiam ser atingidos com esse impacto. Foi articulado com a Secre-taria de Agricultura, de Meio Ambiente para checar com eles essa informação, de como que seriam os impactos hídricos, de trabalho do município, princi-palmente o quê que ficaria impossibilitado de estar desenvolvendo...

Também foi articulado com a Secretaria de Transporte o acesso dessas fa-mílias, o acesso da população como que ficaria o impacto quanto ao acesso da população, o deslocamento das pessoas. Bom, é isso.

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Eu queria perguntar para vocês o que que vocês sentiram, não vai dar tempo da gente entrar em muitos detalhes, mas o que que vocês sentiram que funcionou, e o quê que falta no grupo. Quais foram os pontos em que a coisa não andou?

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Participante 3 – Representação Poder Público: Somente a constatação de que a gente precisa trabalhar um Plano de Respostas durante o ano inteiro. Não adianta a gente tentar no último minuto do 2º tempo, organizar uma equipe para tratar uma tragédia ou uma calamidade ou uma emergência de grandes proporções. Só isso!

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Obri-gada! E a Universidade o que fez?

Participante 4 – Representação da Universidade: Gente, a universidade. Está aqui meu ajudante da comunicação... A primeira coisa que a gente fez foi ver quem que eram as pessoas, os porta-vozes de cada grupo. Só que a gente pecou primeiramente em não ter confirmado a informação. Então, aí foi a pri-meira coisa que dificultou. Primeiramente, nos sentimos muito de pés e mãos atadas, como se nenhuma ação pudesse partir de nós antes que outros órgãos fossem mobilizados. Mas vimos que dava, por exemplo, para arrecadar. Fa-zer campanhas de arrecadação junto com os voluntários. É, se disponibilizar para espaço de capacitação e debate para dimensionar os impactos. Isso aí é mais no pós desastre. E nisso, foi feita uma parceria com o CRP, tal como esta que está acontecendo aqui agora. E também aconteceu de o governo nos procurar para poder articular umas equipes e ajudar no atendimento a 60 famílias. Aí, a gente disponibilizou um pessoal da Pedagogia para fazer uma oficina com “contação de história” para as crianças. E também mobilizamos umas equipes de Enfermagem e Medicina para poder ajudar a articular com o pessoal da Saúde, da Atenção Básica. Grupos de Psicologia para atendimento emergencial aos que precisassem. E, por último, deixe-me ver se eu esqueci de alguma coisa... pensamos em projetos de extensão para poder atuar no pós desastre também, junto com as comunidades mais afetadas. Foi citado, por exemplo, o caso dos pescadores e as pessoas, as comunidades que ficam afetadas. É isso!

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): O Conselho Profissional, no nosso caso, o de Psicologia, o que fez?

Participante 5 – Representação do CRP16: Nós somos do Conselho e fomos averiguar a informação, em primeiro lugar, e confirmamos. Assim que confir-mado, nós abrimos um canal de comunicação direto com os Psicólogos e Psi-cólogas. Colocamos a disposição à linha, avisamos por todas as redes sociais, por e-mail. E, nesse canal, também estavam disponíveis pessoas capacitadas, que já passaram por desastres. Porque no Brasil não ocorre muito isso.

Então, colocamos a disposição uma Psicóloga lá do Chile (risos), colo-camos outras Psicólogas capacitadas, e também entramos em contato com a rede de atenção primária. Fizemos o levantamento dos Psicólogos que esta-riam disponíveis a atender as regiões afetadas e nos colocamos a disposição

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também. Colocamos profissionais capacitados para fazer oficinas regionais e capacitar mais profissionais que até então, não haviam passado por isso. En-tão, deixamos esse canal aberto de capacitação e essa interlocução direta de com os Psicólogos. E a gente achou essa ideia muito bacana. E a gente, como alunos, estudantes que somos, discutimos “Nossa, será que há isso?”. Igual, houve essa tragédia. Mas espera aí, e se tivesse Psicólogos ali nessa linha ca-pacitados para tirar nossas dúvidas, que lidam diretamente com esse público. Foi super esclarecedor: talvez a pessoa afetada só quer um lencinho mesmo ou só quer um abraço....

Muitas vezes a gente chega com teoria, por realmente não saber. Nunca passamos por isso. Então, esse link, esse vínculo é importante. E também a gente gostaria de elogiar essa oficina, tudo que está acontecendo hoje. Está sendo muito esclarecedor. Está ajudando muito todos nós!

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): E a sociedade civil organizada?

Participante 6 – Sociedade Civil Organizada: Iniciamos nosso bate papo por dois caminhos. Um caminho pautava o apoio aos atingidos, às pessoas que estão sofrendo com o desastre. E um outro caminho a reivindicação para as sessões legais na justiça, dos responsáveis por esse desastre ambiental. Então, somos compostos pela Associação de Moradores, Igrejas, Escolas, pessoal da universidade. Cadê o CA (Centro Acadêmico) e o DCE (Diretório Central dos Estudantes)? Também são convidados a participar. Os conselhos municipais... E, aí, nós exigimos reuniões, que todos os espaços decisórios, todos sejam de âmbito jurídico ou outros, possam estar aberto para a sociedade civil organiza-da, sem número de participantes. Então, se nós tivermos em 10, tem que caber 10. Se nós estivermos em 500, arruma um auditório como esse e bota os 500. Se nós tivermos em 5000, vamos para um estádio de futebol e vamos fazer lá.

Então, nós exigimos participação em todas as instâncias decisórias. Pode ser também modelo de audiência pública. Enfim, caso isso não comece a acon-tecer, não venha a ocorrer, nós vamos paralisar a produção da empresa seja interrompendo o fluxo de mercadoria, e até mesmo na porta da empresa na sua sede. A questão é participar de toda e qualquer reunião de aspecto deci-sório. Ou seja, qualquer instância: governo, empresa. Por exemplo, os vídeos que tem o YouTube, são interessantes!

Quanto à mobilização, nós ficamos extremamente preocupados com o fato de apenas os atingidos estarem se manifestando aqui. Nós não vimos a universidade junto. Nem os voluntários vieram...

E aí, por fim, o último ponto, nós queremos estar em contato com o CRP e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para um pouco além do que foi proposto. A OAB, para dar todo o respaldo jurídico às famílias atingidas. E o CRP, para além do sofrimento do trauma, mas buscar uma proposta de po-tencialização dos atingidos, para que transformem o trauma em luta, e não

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apenas uma acolhida para conseguir caminhar, mas para conseguir lutar. En-tão, nós estaríamos buscando aí um espaço junto ao CRP, para uma formação política para os atingidos. Formação política, eu penso, que é interessante, porque sabemos que política e psicologia caminham juntas.

Só queria falar uma coisa, só para complementar. Que como algazarra todo mundo se divertiu, todo mundo riu... só que assim, frisar para vocês a importância dessa revolta. Não vemos o envolvimento da universidade e isso foi uma representação da nossa realidade em um simulado. Isso é sério. É isso aqui entendeu? É um grupo de gente unida aqui e acabou, só. O que será feito depois daqui?

A gente precisa movimentar a massa para isso também. Precisamos rei-vindicar o nosso direito, entendeu? Eu sei que estamos muito cansados, exaus-tos, principalmente os atingidos. Mas acho que o nosso papel é esse, fomentar.

Participante 7 – Representação da Atenção Primária: Nosso grupo vai falar sobre a Atenção Primária. Quando a gente recebeu a notícia, o grupo já esta-va reunido aqui na frente. Aí, qual foi a primeira posição? A gente escolheu fazer uma cartilha através da psicoeducação, com folhetos, e passar a infor-mação na eminência do que iria acontecer. Aí, tivemos a segunda informação que a barragem se rompeu. Pensamos em quais as atitudes que a Atenção Primária teria que tomar. Formação de equipes com Psicólogos e Assistentes Sociais, enfermeiras e o PSF, as meninas da unidade de saúde, os agentes co-munitários. É, tivemos em nosso grupo Psicólogos que se colocaram também como voluntários.

Então, a equipe toda trabalhou, o tempo todo a gente organizava tudo que se pensava, como que a rede iria funcionar. O governo iria providenciar gente da Atenção Primária, os abrigos que nós passamos para o grupo da Psicologia, para o CRP, pensamos em dois abrigos com seis Assistentes Sociais e seis Psicólogos que ficariam atendendo nos abrigos e lá nos CRAS ficariam também as equipes de apoio. Nas unidades de saúde, também equipes de apoio que iriam trabalhar também, porque o CRAS e as unidades de saúde têm sobre todo o bairro. Cada bairro iria ficar responsável pela aquela região, aquelas referências.

Nós tivemos em Linhares agora uma enchente e ficamos na quadra da Conceição. Aí, demos o exemplo para eles da quadra da Conceição, de como a gente iria alojar as famílias. E lá qual seria a logística? A Assistente Social iria fazer o cadastro das pessoas. Vê a necessidade de cada um, procurar com o Psicólogo o atendimento, tudo em rede, novamente, como que falei.

Dentro do abrigo, e fora: revezamento de equipe como colocou a colega. Isso é importante para não sobrecarregar as equipes que estão no abrigo e nem no CRAS. E essa rede ia funcionar de que forma? Um passando para o outro a necessidade de cada local, e de cada localidade.

Em terceiro, passamos a colocar os voluntários que iriam orientar dentro do abrigo e fora. Por exemplo, a busca de alimentação, a busca das doações de água, de roupa, etc.

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(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Cadê o Corpo de Voluntários?

Participante 8 – Representação do Corpo dos Voluntários: Boa tarde! Nesse ponto específico, nós nos organizamos em grupo: um grupo de cadastramen-to, um grupo para a alimentação, outro grupo para limpeza e atividades re-creativas com as crianças, e o primeiro grupo de acolhimento. A informação, esse cadastro que ela falou, é de suma importância, bem como a distribuição de tarefas. Por quê? Porque esse auxilio na distribuição de tarefas requer que essas pessoas se reorganizem socialmente naquele ambiente que eles vão es-tar ali. Eles podem estar naquela situação durante meses, Então, porque a D. Maria, que é uma excelente cozinheira, não pode ajudar o grupo da alimenta-ção? Se ela consentir, iremos trabalhar dessa forma.

Só complementando, o nosso grupo ficou justamente com a maioria de pro-fissionais. E, batemos cabeça um bocado. Então, isso mostra, eu vejo, o quanto que não sabemos o que fazer. Sentimos o quanto estamos despreparados, para real-mente conseguir organizar o que é que a gente faz. Então, a gente tinha um monte de ideias. Um colega estava angustiado falando “eu acho que são os ribeirinhos, eu acho que são os ribeirinhos primeiro! Os ribeirinhos primeiro!!” “Então, assim, eu estou aqui[..] Pelo amor de Deus, ficar sem tomar banho 5 dias, acho que eu mor-ro”. Então, nós acabamos colocando o nosso ponto pessoal do que é mais desespe-rador, e então nós vimos o nosso despreparo para encarar a organização mesmo.

(Participantes da Equipe de Atenção Primária falando para Participantes do Corpo de Voluntários): Mas sabe uma coisa? Vocês não entraram em con-tato com o governo. A comunicação é falha! Tem que melhorar muito.

Participante 8 – Representação do Corpo dos Voluntários: Frente a isso, nós percebemos como que uma sociedade é, se organizando, se articulando. Então, é esse o caso que nós passamos, infelizmente.

Mas aí, em um primeiro momento, a gente falou do nosso corpo de vo-luntários nessa situação específica dessas famílias. E, em um primeiro mo-mento, organizamos o nosso corpo técnico, separamos o nosso corpo técnico em grupos de ação. Então, o nosso grupo de Psicólogos ficou à disposição, o grupo de Assistente Social, de Educador, de Socorrista e de Pedagogos, e os civis. Nós nos articulamos com a sociedade civil e a Atenção Primária.

Então essa foi a primeira ação enquanto grupo, enquanto nós nos organi-zamos, nós mesmos. Em um segundo momento, distribuímos quem ia fazer o quê, os grupos. Em um terceiro momento fizemos a triagem das pessoas que nós estamos ajudando. Porque a gente precisa também saber quem são as pessoas que estão desabrigadas, quem estão de fato situação de risco social ou de vul-nerabilidade social. E num quarto momento, temos um grupo que vai receber novos voluntários, então os voluntários que já estão em campo, chegam novos

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voluntários aqui, e a gente encaminha esses voluntários. Ok? Obrigada!

(Responsável pelo Simulado Prático: Lilian Cecilia Garate Castagnet): Bom, o assunto poderia render muito ainda. Mas o tempo é curto. Muitas coisas da dinâmica, que aconteceram aqui, são realmente as que acontecem na situação de desastre. A questão do caos, a questão da falta de comunicação, os ânimos exaltados a cada nova informação, tudo isso é reflexo do que realmente vemos.

E, realmente, eu diria até pelo que vocês relataram, foi possível acompanhar na produção dos grupos, não é nem tanto uma questão de despreparo técnico, que realmente, boas ideia apareceram, e foram muitas. Alguns grupos tiveram mais facilidade de se articular do que outros, mas a criação de redes realmente foi difícil. Inclusive, a ideia de que uma pessoa tivesse que procurar informação com a outra, muitas vezes eu tive que sugerir, porque não partiu.

Cada grupo estava funcionando mais isoladamente. E então, até mais do que um convite somente ao conteúdo, eu quero que vocês levem essa experi-ência também as dificuldades, aquilo que não funcionou, porque são esses os pontos que precisam ser articulados daqui para frente.

E tem uma coisa que eu gostaria de destacar aqui, convidar vocês a partici-par desse processo, porque essa é uma intervenção mais técnica, pensada para um momento resposta, mas nós temos um momento de reflexão em que essa articulação sim, acontece! Está nas Conferencias de Proteção e Defesa Civil, que são uma instância de participação de todas essas, de todos esses grupos que estão representados, e é aberta. Tem representação da sociedade civil, mas tem repre-sentação das universidades, do conselhos, do governo. Então, nessas conferências que acontecem a nível municipal, estadual e nacional, são discutidas as políticas públicas que se transformam em ações efetivas. O processo é lento, como todo processo de política pública, mas ele precisa acontecer. A Lei 12.608 é fruto da primeira conferência. Então, de fato, o que foi proposto ali virou lei, mas tam-bém é uma excelente instância de articulação de redes, um momento de diálogo entre diferentes delegados. Você conhece o delegado da Defesa Civil, você pode escutar um pouco mais do seu trabalho. O delegado de uma prefeitura que não sabe muito bem o que é que um Psicólogo ajuda. Então, é um momento também de articulação política, não só na produção de políticas públicas, mas também na divulgação do quê que a nossa profissão pode oferecer nesses momentos.

A última Conferência foi em 2014. Teoricamente, seria de dois em dois anos, mas esses prazos, dependendo do governo, podem se estender. Mas fiquem atentos a esse processo. Ele acontece periodicamente, e acontece não só com a presença da Defesa Civil. Estou destacando aqui porque é a Lei que nós estamos trabalhando hoje, mas têm as Secretarias Municipais de Saúde.

Então, as políticas públicas, elas acontecem e é necessário sim que nós, tanto como profissionais representando a universidade, o Conselho ou como membros da sociedade civil, participemos desse processo.

Queria agradecer a participação e o envolvimento de todos e qualquer coisa, estou à disposição! Muito obrigada!