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DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI ESCOLA SEM
PARTIDO Nathan Pereira Cavalheiro, Unicesumar
Juliana Rizzo da Rocha Loures Versan, Unicesumar
[email protected] Resumo O presente artigo buscou analisar a partir da revisão bibliográfica, a legalidade constitucional do Projeto de Lei n. 7.180/14, denominado “Escola sem Partido”, que tramita na comissão especial da Câmara dos Deputados. A princípio o PL propõe incluir no artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação um novo item que estabelece a prioridade dos valores de ordem familiar sobre o ensino escolar em temas relacionados à educação moral, sexual e religiosa, restringindo tais temas a uma censura que não condiz com a ordem democrática constitucional. Ocorre que justamente a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias, constituem diretrizes para a organização da educação, e estão sendo violados pelo PL. Palavras-chave: Aplicação Seletiva da lei; Educação; Escola Sem Partido; Liberdade de ensinar. Introdução
O referido projeto de lei n. 7.180/14, se inspirou no movimento Escola Sem
Partido (ESP), que, segundo seus idealizadores, é uma iniciativa conjunta de
estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político ideológica das
escolas brasileiras. Em linhas gerais, o movimento reivindica a imparcialidade e a
objetividade do professor em sala de aula acerca de assuntos que abordam
questões políticos sociais, de gênero e educação sexual, no sentindo de não abrir
espaço para que os alunos tenham conhecimento aprofundado ou a oportunidade de
debater acerca desses temas.
A grande discussão em torno desse projeto gira em torno da suposta
perseguição e censura que se empreenderia junto ao trabalho docente, sobretudo a
liberdade cátedra desses profissionais, abrindo espaço inclusive para perseguições
políticas. Na visão crítica do projeto, ao se impor limites ao trabalho do professor ele
automaticamente deixaria de ser um mediador da aprendizagem e passaria a ser um
mero transmissor de conteúdos disciplinares.
Para os defensores do movimento, no entanto, a imparcialidade e a
neutralidade em sala são fundamentais para que a formação do aluno ocorra sem
influências ideológicas e partidárias, uma vez que toda ideologia atrapalha a
compreensão da realidade e é dever do professor ensinar as coisas como realmente
são independentemente de convicções pessoais.
Mas será que é possível ensinar sem doutrinar? A educação emancipadora,
que rompe com a alienação social, pode ser considerada um ato político? O Projeto
de Lei Escola Sem Partido pode ser considerado uma ideologia?
De um lado, o direito dos alunos e de seus responsáveis, do outro, o dos
professores. Algum desses direitos deve prevalecer ou eles podem coexistir?
Existem barreiras jurídicas que podem limitar possíveis abusos, tanto os cometidos
contra os professores, como também contra as crianças e adolescentes?
Ocorre que, em razão dos dogmas religiosos e posicionamentos mais
conservadores, os estudos das manifestações sexuais, dos fenômenos históricos
que retratam os pensamentos políticos, os debates em sala de aula sobre filosofia e
sociologia, dentre outros diversos assuntos das áreas humanas, estão sendo objetos
de censura pelo programa “Escola sem Partido”, sob o argumento de uma suposta
doutrinação de crianças e adolescentes.
A metodologia empregada compreenderá, por meio da revisão narrativa, o
levantamento bibliográfico, que consiste em analisar, de forma crítica, o que já foi
produzido e registrado acerca do tema em obras doutrinárias, periódicos, legislação,
reportagens e documentos eletrônicos.
1 A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO CULTURAL E DE PROMOÇÃO DO DIREITO À IGUALDADE
O direito à educação, como direito declarado em lei, é recente e remonta ao
final do século XIX e início do século XX. Tanto a ampliação dos direitos civis e
políticos como a inserção de direitos sociais não são apenas uma estratégia das
classes, são também um produto dos processos sociais levados adiante pelos
segmentos da classe trabalhadora, que viram nele um meio de participação na vida
econômica, social e política (CURY, 2002).
Destaca-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, enquanto um
diploma legal que rege toda a educação nacional, faz um aporte de regras e
princípios que norteiam as diretrizes de efetivação do direito social inerente à
educação. Assim sendo, toda a educação, em âmbito nacional, não pode se
desvencilhar da normativa do art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, nº 9.394 de Dezembro de 1996 e suas posteriores atualizações. Logo a
escola, é um ambiente essencial para a promoção da transformação cultural, para a
construção de uma sociedade aberta à diferença, e para a promoção da igualdade.
A dialética entre o direito à igualdade e o direito à diferença na educação
escolar como dever do Estado e direito do cidadão não é uma relação simples. De
um lado, é preciso fazer a defesa da igualdade como princípio de cidadania, da
modernidade e do republicanismo. A igualdade é o princípio tanto da não-
discriminação quanto ela é o foco pelo qual homens lutaram para eliminar os
privilégios de sangue, de etnia, de religião ou de crença (CURY, 2002). Ela ainda é o
norte pelo qual as pessoas lutam para ir reduzindo as desigualdades e eliminando
as diferenças discriminatórias (CURY, 2002).
O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo
uma chave de autoconstrução e de se reconhecer como capaz de opções. O direito
à educação, nesta medida, é uma oportunidade de crescimento cidadão, um
caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si.
No caso do Projeto de Lei Escola Sem Partido, o acesso à educação não é
extinto, mas sim cerceado e limitado, sob uma suposta finalidade de evitar a
promoção do ensino com qualquer tipo de doutrinação. Os autores do projeto
acusam professores e escolas, da exposição de conteúdos que estão em desacordo
com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais.
Essa norma se aprovada, irá alterar a lei de diretrizes e bases da Educação
Nacional e evidentemente é inadequada para alcançar a suposta finalidade a que se
destina, sendo a promoção da educação “sem doutrinação” , pois é tão vaga e
genérica , que pode se prestar a finalidade inversa que é a imposição ideológica e a
perseguição dos que dela divergem. O programa escola sem partido, limita direitos e
valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros
direitos de igual hierarquia. Trata-se de uma norma que viola o princípio da
proporcionalidade previsto no art. 5º LIV da Constituição Federal no sentindo de não
constituir instrumento apto à obtenção do fim que alega perseguir.
O presente Projeto de Lei, não promove a cidadania dos educandos, tão
pouco se destina a promoção da igualdade e ainda contribui para a incitação da não
tolerância com os diferentes tipos de pensamentos que existem nos mais diversos
setores da sociedade. Assim sendo, a tentativa de lei é completamente avessa aos
valores democráticos e ainda se fundamenta em razões que não são verdadeiras e
legítimas.
Considerações finais
O Projeto de Lei Escola Sem Partido representa uma tentativa de corrupção
da ordem constitucional, no sentindo de censurar as diversas áreas da educação
limitando as ideias dos educandos e cerceando o debate evolutivo, desenvolvido
entre professor e aluno sob um pretexto retrógrado, constatado. Em outras palavras,
o que tal projeto pretende realizar, é um esvaziamento da dimensão pública do
ensino e, consequentemente, a suposta despolitização da prática educacional. O
ensino e a aprendizagem demandam, mesmo em escolas privadas, a existência
dessa dimensão, que existe através do livre diálogo entre professor e aluno, bem
como da liberdade de atuação dentro do espaço escolar.
Entendeu-se que o conhecimento é um ato social, não simplesmente uma
faculdade biológica; ele pode e deve ser apartidário, mas jamais será “neutro” por
essa razão que a finalidade pelo qual se funda o Projeto de Lei Escola sem partido,
é tão vaga e hipócrita que não se presta nem mesmo para o seu próprio objetivo.
Evidenciou-se que o referido projeto educacional se pauta em uma noção vaga e
enganosa de neutralidade, pois a própria escolha pela educação já é uma opção
política.
A educação é o principal instrumento para a promoção da igualdade social e
da cidadania, pois dentre os mais variados tipos de ensino a diversidade de
ideologias devem ser respeitadas, prezando sempre pelo bom debate político de
ideias e pensamentos.
Uma proposta legislativa que viola todos os princípios educacionais da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação a própria Constituição Federal, além de
desobedecer aos princípios da liberdade de ensinar e do livre desenvolvimento do
pensamento crítico, chegando-se, portanto a conclusão quanto à plausibilidade da
inconstitucionalidade integral do Projeto de Lei, Escola Sem Partido. Referências BARUFFI, Helder. Educação como Direito Fundamental: um princípio a ser realizado. In: FACHIN, Zulmar (Coord.). Direitos Fundamentais e Cidadania. São Paulo: Método, 2008. BASTISTA, Cristiano; COSTA, Fabrício Veiga; FREITAS, Sérgio Henrique Zandona. O equívoco do movimento “Escola sem Partido” num contexto constitucional de educação democrática, inclusiva e emancipatória. In: COSTA, Fabrício Veiga; MOTTA, Ivan Dias da; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona Freitas. Coleção caminhos metodológicos do direito: proposições crítico-reflexivas sobre o direito à educação na sociedade contemporânea. Maringá: IDDM, 2017. BRASIL, Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT. Pesquisa Nacional sobre o Ambiente
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