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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

UNIDADE DIDÁTICA

Título: Lendas e contos africanos: das histórias à cultura do nosso povo

Professor PDE: Rosimeire Rosseto Pedroche

Área PDE: Língua Portuguesa

NRE: Umuarama

Professor Orientador da IES: Me. Carlos da Silva

IES vinculada: UEM – FAFIPA

Escola de Implementação: Escola Estadual São Silvestre – Ensino

Fundamental

Público objeto da intervenção: alunos da 8ª série do Ensino Fundamental

Umuarama

2009 / 2010

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INTRODUÇÃO

Esta Unidade Didática pretende mostrar uma proposta de leitura,

interpretação, compreensão e produção textual que visa ao contato com textos de

origem africana e afrobrasileiros, com a finalidade de contemplar as Leis Nº

10.639/2003 e Nº 11.645/2008, que dizem respeito à obrigatoriedade de se trabalhar

questões étnico-raciais na escola.

Objetiva-se elaborar atividades que possibilitem a conscientização dos alunos

para temáticas africanas, com leitura de textos diversificados para que possam

compreender as diferentes visões de mundo presentes neles, estabelecendo as

relações entre obras de diferentes épocas que influenciaram a cultura do povo

brasileiro, respeitando-a de acordo com seus valores e suas características.

Sabe-se que nas escolas hoje, há a necessidade de se incentivar a leitura,

pois a maioria dos alunos não lê, não tem o hábito e o gosto para tal prática.

Portanto, cabe aos professores de Língua Portuguesa, propiciarem estímulos para

que os educandos tornem-se leitores efetivos, que leiam pelo gosto, pelo prazer e

não apenas por uma obrigação.

Esta Unidade Didática passará pelas seguintes etapas:

1º- Trabalho oral, com a contação de causos, lendas, histórias, por parte de

pessoas idosas de etnia negra da comunidade; e ainda tratando da questão do

preconceito racial ontem e hoje;

2º - Levantamento de contos e lendas de origem africanas, para posterior

estudo;

3º - Leitura, compreensão e interpretação dos textos selecionados;

4º - Produção de textos a partir das histórias analisadas, dando ênfase ao

combate ao racismo;

5º - Apresentação do filme “Kiriku e a feiticeira”;

6º - Seleção e organização dos textos produzidos para montagem de uma

coletânea que ficará disponível na biblioteca da escola.

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7º - Encerramento com mostra dos trabalhos produzidos durante o projeto

para a comunidade escolar, com a degustação de pratos da culinária

afrodescendente.

Os componentes curriculares de História, Geografia, Arte e Educação Física

poderão contribuir para que este trabalho se realize com maior abrangência,

auxiliando na melhor compreensão da cultura dos povos em estudo, na localização

geográfica, elaboração de ilustrações de painéis, tendo-se assim, uma

interdisciplinaridade para que o projeto seja mais abrangente, no que se refere ao

conhecimento de mundo do tema estudado.

As ações pedagógicas serão desenvolvidas para que possam utilizar a

leitura como forma de análise, compreensão e entendimento dos contos e lendas

trabalhados. Serão abordadas ainda questões referentes ao racismo, diferentes

culturas, mudança social e importância das diferenças dentro da sociedade.

Dessa forma, há que salientar que o trabalho com os contos e lendas é

interdisciplinar e pode adquirir um dos lugares centrais do projeto pedagógico das

escolas, valorizando o uso da palavra oral, como uma das mais importantes

modalidades da linguagem.

Sabendo-se que não existe uma tipologia única, há uma frequente

preocupação em estabelecer diferentes tipologias de textos, que reflitam intenções

como falantes e ouvintes de uma língua, isso para facilitar a produção e a

interpretação de todos os textos que circulam no ambiente social.

Quando se fala de leitura, há que se lembrar sempre das questões dos

diferentes gêneros textuais, obras diversificadas, para que assim o processo de

leitura seja mais completo e prenda a atenção do leitor. Sobre essa questão

BAKHTIN (1992, p.279) diz o seguinte:

“a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da escrita humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.”

Para as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa,

“alguns gêneros do discurso hoje, são adaptados, transformados, ou até mesmo

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criados a partir da necessidade que o homem tem de se comunicar com o outro”.

Com o surgimento de novas modalidades de comunicação, houve então o acesso de

diferentes gêneros nas escolas. Como por exemplo: e-mail, chat, blog, mensagens,

imagens digitais e virtuais, fórum de discussão, entre outros, variando conforme vão

acontecendo as mudanças na sociedade moderna.

O trabalho com os gêneros, contudo, deverá priorizar o poder que a língua

tem e reconhecê-la com instrumento de uma prática social concreta. Para que isso

ocorra de forma satisfatória, nossos educandos deverão conhecer, reconhecer e

ampliar o uso da norma culta com prática social. Para isso, a escola é a responsável

por tornar este contato com uma variedade textual, dando ênfase aos gêneros

priorizados em cada etapa do ensino.

GÊNERO NARRATIVO

A narração constitui o relato de um fato. Estão presentes numa

narração os seguintes elementos: personagem, fato, enredo, tempo e espaço.

Personagem é a pessoa inventada pelo autor. É o elemento fundamental da

narração.

Fatos são o conjunto de ações que a personagem realiza.

Enredo é a maneira como o autor organiza os fatos de uma história.

Tempo é a determinação de quando o fato ocorreu.

Espaço é o ambiente ou espaço físico em que os fatos acontecem.

Leia agora, um conto africano, que se enquadra no gênero narrativo:

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O segredo das tranças (Angola)

Naué, jovem mãe que ficara viúva muito cedo, dirigiu-se à casa de Katchiungo

com seu bebê amarrado às costas. O homem, que já possuía três mulheres, vinha

insistindo com ela para que se casassem. Naué, então, deu-lhe um ultimato:

- As suas esposas são invejosas e não gostam de mim. Sou mais nova e, de

acordo com os costumes, terei de fazer tudo que elas mandarem. Se você não

quiser me seguir, vou embora hoje mesmo com Mutenga, meu filho – ameaçou,

cansada de viver no mesmo Kimbo, a aldeia onde nascera.

Katchiungo , ultimamente, andava chateado com o mau humor e com as

constantes makas (discussões) entre suas mulheres. Por isso, seduzido pela beleza

de Naué, resolveu aventurar-se com ela para um lugar bem distante.

Partiram de madrugada, encobertos pelas sombras da noite, desafiando o

perigo que se escondia no muxito (floresta cerrada).

Depois de percorrerem vários lugares, escolheram uma clareira isolada para

morar. A golpes de catana, facão afiado, Katchiungo cortou os arbustos e galhos

necessários para construir a nova cabana.

Enquanto ele, pacientemente, revestia de barro as paredes da cabana que

erguera, a mulher preparava o terreno para as lavras de milho.

Naué, mesmo trabalhando, jamais desgrudava do pequeno Mutenga, que

mantinha preso a seu corpo por uma manta descolorada.

Apesar de ser um homem bem mais velho do que a esposa, Katchiungo era

forte, ágil e, acima de tudo, cheio de mistérios. Usava quatro tranças. Cada uma

tinha um nome diferente, que ele mantinha no mais rigoroso sigilo.

Os anos voaram mais rápidos do que as folhas espalhadas durante os

vendavais. Muitas e muitas tempestades sacudiram os galhos das árvores, em meio

ao estrondo dos trovões e o cintilar dos relâmpagos. Mutenga crescera musculoso

como um búfalo da savana e, havia muitas luas, deixara de ser criança.

Certa noite, Katchiungo chamou Naué e disse:

- O seu menino, que eu ajudei a cuidar com todo carinho, já é quase um

homem, e está na época de ele passar pelas provas da Mukanga (período de

iniciação), de acordo com as tradições de nosso povo. Precisamos voltar – disse,

arrumando a trouxa.

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A esposa, que com o passar do tempo tornara-se menos rebelde e mais

compreensiva, concordou. Ela também sentia falta das conversas das mulheres de

sua aldeia natal.

E foi assim que regressaram. Foram andando devagar, porque as pernas do

velho de tranças não tinham mais o vigor de outrora. Katchiungo, para se proteger

do frio das madrugadas, pegou o casaco de Mutenga emprestado, apesar das

reclamações do jovem.

No meio do caminho, pararam para fazer uma fogueira. Quando estavam

comendo um prato de mukunza (canjica de milho cozida), foram surpreendidos pelos

guerreiros de um importante soba, um chefe que dominava todas as terras daquela

região.

- Quem deu licença para vocês acamparem aqui? – perguntou um dos

homens, apontando-lhes a lança.

- Não sabem que é proibido entrar nesta mata sem o consentimento de nosso

soba? – disse outro. – E que a pena para os transgressores é a morte?

Por mais que protestassem, Katchiungo, Naué e o jovem Mutenga foram

presos e levados aos empurrões à presença do soberano, para serem executados

pela violação que haviam cometido.

Assim que entraram na Mbanza (tribunal do soba), Mutenga foi logo se

defendendo:

- Desculpe – disse o rapazinho. – A culpa é desse velho teimoso – falou,

apontando para o pai de criação. – Se tem alguém que merece ser castigado, é ele.

Mas, antes, gostaria de ter meu casaco de volta.

- Se é seu, pode pegar – respondeu o soba, que, então, virou-se para Naué e

perguntou:

- E você, tem alguma reclamação?

- Sim. Se meu marido fosse mais jovem, não precisaríamos ter parado para

descansar em seu reino. Mas, se pretende matá-lo, cuidado – avisou. – As quatro

tranças que ele usa têm nomes e segredos que ele não conta para ninguém.

O soba, surpreendido com o que acabara de escutar, interrogou Katchiungo:

- É verdade o que a sua mulher está dizendo?

- Sim – respondeu o ancião, sem perder a altivez.

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- Se você me revelar o enigma das tranças, eu posso salvar a sua vida –

propôs o chefe.

Katchiungo, sem alternativa, pôs-se a desvendar os fios do mistério um por

um:

- A trança do lado esquerdo de minha cabeça chama-se “Não diga tudo aos

conhecidos”. A do lado direito é “O filho dos outros não é teu filho”. E as que ficam

atrás são “O mais velho é igual ao seu mais velho”. E...

Sem entender, o inquisidor interrompeu Katchiungo e pediu-lhe que

explicasse o segredo das tranças de um jeito que ele pudesse compreender o que

significava cada um dos nomes.

O velho, então, recomeçou:

- “Não digas tudo aos conhecidos”, porque se você conta seus segredos,

como contei para minha mulher, as pessoas acabam contando para os outros.

- É verdade – concordou o soba. – Alguns indivíduos são como os sapos, que

vivem repetindo tudo. E a trança do lado oposto? – quis saber.

- Este rapaz, que acabou de me desdenhar, não tem coração – reagiu,

encarando Mutenga. – Eu o criei com toda atenção, como se fosse sangue das

minhas veias. Viu como ele me tratou quando precisei de apoio? Daí o nome “O filho

dos outros não é teu filho”.

O soba, cada vez mais admirado com as respostas, solicitou:

- E qual é a interpretação da trança “O mais velho é igual ao seu mais velho”?

- Se seus homens, antes de me arrastarem, tivessem olhado com mais

atenção, perceberiam que eu tenho idade para ser pai deles. Portanto, deveriam ter

mais consideração e respeito por um idoso. Eles lhe poupariam aborrecimentos, e

você não estaria perdendo seu tempo comigo.

O chefe ficou tão desconcertado que desistiu de prosseguir com o

interrogatório, mas Katchiungo fez questão de continuar:

- O nome da última trança é “O soba não usa de justiça”, porque qualquer

chefe, por mais poderoso que seja, teria de me ouvir antes de fazer alguma

acusação.

E, perante um silêncio total, concluiu:

- Nada mais tenho a dizer. Agora você descobriu o segredo das tranças –

encerrou Katchiungo, abrindo caminho por entre a perplexa audiência.

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De cabeça erguida, retornou sozinho para sua cabana, de onde nunca

deveria ter saído. Ele sabia que era sua derradeira jornada, pois a morte, dizem, é o

amanhã dos mais velhos.

ATIVIDADES REFERENTES AO TEXTO

1. Leia o conto e identifique os elementos da narrativa:

a- Personagens:

b- Fatos:

c- Enredo:

d- Tempo:

e- Espaço:

2. Faça uma lista de palavras cujos significados sejam desconhecidos para você

e forme um glossário em seu caderno:Quando se fala em cultura diferente,

percebe-se neste conto algo curioso: o homem poder casar-se com várias

mulheres. Qual sua opinião sobre isso?

3. Você gostaria que aqui no Brasil fosse assim? Como se chama o fato de se

ter mais de um cônjuge aqui no Brasil? Como é chamado o nosso sistema

matrimonial?Como você analisa o comportamento de Mutenga, traindo a

pessoa que o criou como filho?

4. E Naué, se comportou como uma pessoa de confiança?

5. Você acha que as tranças tinham mesmo esses significados, ou Katchiungo

inventou na hora para livrar-se da punição e dar uma lição nos dois traidores?

6. O que você entende pela frase:” a morte é o amanhã dos mais velhos”.

7. Que valores humanos é possível perceber nesta história?

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8. Que valores éticos ou morais diferentes dos nossos podem ser encontrados

no conto?

Dentro do gênero narrativo, tem-se então, contos e lendas que serão descritos a

seguir:

CONTOS E LENDAS

O que é um conto?

O conto é uma narrativa curta, em prosa, com um reduzido número de

páginas ou linhas. Diferencia-se dos romances não apenas pelo tamanho, mas

também pela estrutura: há poucas personagens, nunca apresentadas

detalhadamente; há acontecimentos breves, sem grandes complicações de enredo;

e há apenas um clímax, no qual a tensão da história atinge seu auge. O tempo e o

espaço são elementos secundários, podendo até não existir.

Esta modalidade narrativa teve origem com “O livro do Mágico” (cerca de

4000 a.C.), escrito pelos egípcios, até a Bíblia Sagrada encontram-se textos

diversos com estrutura de contos.

Em Moçambique, o conto é um gênero próspero, como se pode ver pela obra

de Mia Couto, que em muitas de suas produções tenta recriar a língua portuguesa,

utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de

narrativa africana.

De acordo com as diferentes formas em que se apresentam, os contos podem

ser divididos em cinco tipos: o conto de ação, romance, aventura, suspense e ficção.

Dicas para se escrever um conto:

O enredo do conto deve apresentar em linhas gerais, as seguintes fases:

* Apresentação;

* Complicação ou evolução;

* Clímax;

* Solução ou desfecho.

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O que é uma lenda?

A lenda é uma narrativa de origem popular que é transmitida, principalmente

na oralidade, de geração para geração. Não podem ser comprovadas

cientificamente, são de caráter fantástico ou fictício, pois são frutos da imaginação

do povo que as criaram, geralmente fornecem explicações para coisas que não têm

explicações científicas comprovadas.

O imenso imaginário popular possui muitas lendas. No folclore brasileiro há

muitas lendas conhecidíssimas, mas você poderia exemplificar uma de origem

africana? Alguns de nossos livros didáticos costumam trazer, nas séries iniciais,

exemplos de lendas de origem indígena. Mas e as de origem africana? Este povo

não tem contribuição no nosso universo cultural? Então por que seus hábitos, seus

costumes, suas histórias são tão pouco difundidas?

Segundo TEODORO (2005, p.83) “um currículo escolar que contemple

as relações étnico-raciais faz surgir na escola e na sociedade uma comunidade

plena da consciência da participação de cada um na construção do bem comum”.

Os contos africanos e afrodescendentes têm em foco as diferentes nações

do continente africano, onde a natureza e os homens desenvolvem ritmos próprios.

Daí advêm muitas de suas histórias e mitos. Tem-se notícias, por exemplo, da figura

do akpalô (fazedor de conto), cuja atividade caracteriza-se por espalhar histórias

pelos lugares por onde passa, o que, segundo Gilberto Freire, pode ser reconhecido

nas atividades das negras velhas ou amas-de-leite, que contavam as histórias que

traziam como herança, caminhando de engenho em engenho, no contexto do Brasil

Colônia. Sabe-se, por essas e outras evidências, que os contos de origem africana

não se perderam, preservaram aspectos relevantes de nosso imaginário social.

Tal é a importância da palavra na África que existe um papel específico

desempenhado pelos profissionais da tradição oral – os griots – pessoas que têm o

ofício de guardar e ensinar a memória cultural na comunidade. Eles armazenam

séculos e mais séculos de segredos, crenças, costumes, lendas e lições de vida,

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recorrendo à memorização. Existem também mulheres que exercem essas funções,

conhecidas como griotes.

Observe agora, uma lenda africana que explica a origem do arco-íris:

OXUMARÉ (Lenda africana sobre a origem do arco-íris e os

movimentos da Terra)

Nana, obcecada pela idéia de ter um filho de Oxalá, concebeu o primogênito

Obaluaiye que, por sua terrível aparência, foi desprezado por ela. Nana consultou

Ifá, e este orixá lhe disse que, numa segunda tentativa, ela daria a luz a um filho

lindíssimo, tão formoso quanto o arco-íris.

No entanto, preveniu-a sobre o fato que a criança jamais ficaria a seu lado.

Seu sonho parecia realizado até o momento do parto, quando deu a luz a um

estranho ser que recebeu o nome de Oxumaré.

Durante seis meses a criatura tomava a forma de arco-íris, cuja função era

levar água para o castelo de Oxalá, que morava em Orun (no céu). Depois de

cumprida a tarefa, ele voltava a terra por outros seis meses, assumindo a forma de

uma cobra. Com essa aparência, ao morder a própria cauda, dando a volta em torno

da terra, ele teria gerado o movimento de rotação, bem como o trânsito dos astros

no espaço.

É um orixá que representa polaridades contrárias, como o masculino e o

feminino, o bem e o mal, a chuva e o tempo bom, o dia e a noite, respectivamente,

através das formas do arco-íris e serpente.

(texto disponível em: < http://www.africanasraizes.com.br/cultura.html > , acesso em 01 jun

2010)

ATIVIDADES:

1. Faça um vocabulário com os significados das palavras desconhecidas:

2. Qual é a explicação científica para o arco-íris? Pesquise e depois responda:

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3. O que são Orixás?

4. De acordo com a cultura africana, quem é Oxalá? O que ele representa?

(pesquisas a serem realizadas no laboratório do Paraná Digital).

5. Essa lenda retrata a religiosidade do povo africano. E no Brasil, que

denominação recebe as religiões que cultuam os Orixás? Faça uma pesquisa

sobre esta manifestação religiosa:

6. A lenda diz que com o movimento da cauda dando a volta em torno da Terra,

ele teria gerado o movimento de rotação. O que é este movimento e por que

dá para fazer essa comparação?

N’ GOLO E BENDÉ-BENDÉ (Um conto da África do Sul)

(Adaptação livre de um conto africano)

Era uma vez dois macacos que se chamavam N’Golo e Bendé-Bendé. Eles

tinham um rabo muito, muito comprido e braços também muito, muito compridos.

Tudo isso para que pudessem se pendurar nas árvores e dormir tranquilos: N’Golo e

Bendé-Bendé eram os macacos mais preguiçosos da Terra. Eles eram capazes de

cochilar o dia inteiro, dormir a noite toda e na manhã seguinte, ainda acordar tarde.

Preguiçosos, preguiçosos, preguiçosos...

No entanto, naquela manhã, N’Golo disse:

- Estou com fome, a gente precisa encontrar alguma coisa para comer...

- Tem bastante coco na árvore ao lado, mas a gente vai ter que ir até lá –

respondeu Bendé-Bendé.

- E, mesmo que a gente vá até a árvore ao lado, ainda vai ter que colher os

cocos.

- E, além disso, a gente vai ter que quebrar a casca jogando o coco no chão,

para depois comer.

- Mais ainda: a gente vai ter que descer da árvore para pegar os cocos

quebrados!

- É muito cansativo! – disse Bendé-Bendé.

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- Escutei falar que o Bolbol, o Sapo, vai comer na casa da sogra. Talvez a

gente pudesse ser convidado! – propôs N’Golo.

- Me parece uma boa ideia!

- É! Bendé-Bendé! Agora que já temos um projeto para comer, podemos

descansar um pouco... – suspirou N’Golo.

Exaustos por terem tido uma boa ideia, os dois macacos voltaram a dormir.

Neste instante, Bolbol já estava a caminho. Ele passou na frente dos macacos

que dormiam com os punhos fechados e que nem se deram conta de sua

passagem. Ainda andou um bocado e passou diante de Robert, a Serpente.

- Aonde é que você vai Bolbol, o Sapo?

- Comer na casa da minha sogra!

- Posso ir com você?

- Claro! Onde come um, comem dois!

E Robert, a Serpente, foi atrás de Bolbol, o Sapo.

Eles andaram um bocado e passaram diante de Misses, a Avestruz:

- Aonde é que vocês dois vão, tão quietinhos?

- Filar um bom almoço na casa da minha sogra! – disse Bolbol.

- Posso ir com vocês?

- Claro! Onde comem dois, comem três!

E Misses, a Avestruz, foi atrás de Robert, a Serpente, que ia atrás de Bolbol,

o Sapo.

Eles andaram um bocado e passam diante de Crocô, o Crocodilo.

- Aonde é que vocês três vão? Sempre sou o último a saber!

- Filar um belo jantar na casa da minha sogra! – disse Bolbol.

- Posso ir com vocês?

- Claro! Onde comem três, comem quatro!

E Crocô, o Crocodilo, foi atrás de Misses, a Avestruz, que ia atrás de Robert,

a Serpente, que ia atrás de Bolbol, o Sapo.

Eles andaram um bocado e passaram diante do Leopardo do Pântano.

- Aonde é que vocês quatro vão? Respondam, senão eu os devoro aqui

mesmo!

Esse era o jeito do Leopardo do Pântano falar. Ele sempre queria devorar

todo mundo, mas na verdade nunca fazia nada.

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- A uma grande festa real na casa da minha sogra! – apressou-se Bolbol.

- Posso ir com vocês?

- Claro! Onde comem quatro, comem cinco!

E o Leopardo do Pântano foi atrás de Crocô, o Crocodilo, que ia atrás de

Misses, a Avestruz, que ia atrás de Robert, a Serpente, que ia atrás de Bolbol, o

Sapo.

Eles andaram um bocado e passaram diante da Princesa Ribeirinha.

- Aonde é que vocês vão, meus queridos?

- Comer uma gigantesca refeição de festa na casa da minha sogra! –

respondeu Bolbol.

- Posso ir com vocês?

- Fique na sua cama – interferiu o Leopardo do Pântano. – Você nos irrita com

suas boas maneiras e sua etiqueta!

O Leopardo do Pântano precisava passar o tempo todo dando bronca em

todo mundo... mas eles já estavam acostumados com isso e até provocavam por

gozação.

- Fique quieto, Leopardo! – retrucou Bolbol. – Claro, minha bela princesa,

venha conosco. Onde comem cinco, comem seis.

E a Princesa Ribeirinha foi atrás do Leopardo do Pântano, que ia atrás de

Crocô, o Crocodilo, que ia atrás de Misses, a Avestruz, que ia atrás de Robert, a

Serpente, que ia atrás de Bolbol, o Sapo.

Eles caminharam ainda mais um bocado... Quando, de repente... ouviu-se na

floresta um grande e assustador barulho:

- RÂÂÂÂHHHH!!!

É o Leão, Rei Autoproclamado, que acabou de acordar de sua soneca. Ele se

estiiiiiiiicou, ele aaaaaaabriu seus ooooooolhos... E viu todos os animais da floresta

andando em fila indiana!

“Aonde é que vão todos esses imbecis?”, pensou ele. “Não vou perguntar

nada, mas vou segui-los para saber...”

Eles andaram, subiram, correram, e alguém até cantava, mesmo que isso

deixasse o Leopardo do Pântano irritado. O Leopardo do Pântano não gostava de

música. O Leopardo do Pântano não gostava de um monte de coisas na vida, a não

ser de dar bronca, mas todos já estavam acostumados e nem ligavam!

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E finalmente eles chegaram... à casa da sogra de Bolbol, o Sapo!

Ela havia preparado uma boa comida, mas não em grande quantidade. Bem

pouca, na verdade: era o suficiente para um pequeno sapo.

Havia uma bela torta de geléia de lesma, um copo de suco de barro com romã

e uma bola de sorvete de mosca...

Nada que alimentasse uma Serpente, uma Avestruz, um Crocodilo, um

Leopardo do Pântano, uma Princesa Ribeirinha e um Leão, Rei Autoproclamado!

Mas a longa caminhada dera muita fome nos animais. Então, furiosos, Robert,

a Serpente, engole Bolbol, o Sapo; Misses, a Avestruz, degusta Robert, a Serpente;

Crocô, o Crocodilo destrincha Misses, a Avestruz; Leopardo do Pântano empanturra-

se com Crocô, o Crocodilo; a Princesa Ribeirinha afoga o Leopardo do Pântano; e o

Leão, que estava com sede, engole a princesa Ribeirinha!

Depois dessa grande festa, o Leão se sentiu um pouco pesado: voltou para a

floresta para tirar um cochilo. Não deveria. Porque, alertado por todo aquele barulho,

chegou o Caçador-Grande-Caçador, cuja especialidade era matar os leões reis

autoproclamados saciados.

E ele dormia, indefeso, com uma barriga enorme!

O Caçador-Grande-Caçador não teve dúvidas: mirou, atirou e matou o leão.

Quando viu que o animal estava morto, o caçador se aproximou, pegou sua

faca e abriu a barriga do leão. Eis que a Princesa Ribeirinha saiu de lá de dentro. Ele

abriu a barriga da Princesa Ribeirinha e o Leopardo do Pântano saiu de lá de dentro.

Ele abriu a barriga do Leopardo do Pântano e Crocô, o Crocodilo, saiu de lá de

dentro. Ele abriu a barriga de Crocô, o Crocodilo, e Misses, a Avestruz, saiu de lá de

dentro. Ele abriu a barriga de Misses, a Avestruz, e Robert, a Serpente, saiu de lá de

dentro. Ele abriu a barriga de Robert, a Serpente, e Bolbol, o Sapo, saiu pulando

como uma mola, e começou a correr, correr, correr...

Passou novamente diante de N’Golo e Bendé-Bendé, os dois macacos

preguiçosos. Bendé-Bendé abriu um olho:

- Aonde é que você vai, Bolbol?

- Comer na casa da minha tia!

- Podemos ir com você?

-Não! Lá só tem comida para um. Onde come um, três não comem!

E Bolbol se safou correndo...

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- Você viu, N’Golo? – disse Bendé-Bendé. – Comer com Bolbol não era uma

boa ideia.

- Mas eu estou com fome!

- Ainda tem os cocos...

- Ah, não! O coco... é muito cansativo. Ah, Bendé-Bendé, eu tive outra ideia.

- Mais uma!

- E se a gente comesse amanhã?

- Claro, que boa ideia! Vamos comer só amanhã.

E N’Golo e Bendé-Bendé, fatigados, voltaram a dormir...

Com base no texto estudado, responda às seguintes questões:

1. Se você fosse a sogra (sogro) do Sapo Bolbol, o que acharia da atitude dele

em convidar pessoas para comer, sem ter um aviso prévio ao dono da casa?

2. Em sua opinião, qual a intenção desse conto?

3. É possível afirmar a origem desse conto? Por quê?

4. Por que o Sapo Bolbol recusou-se a levar N’Golo e Bendé-Bendé para a casa

da sogra?

5. Os macacos da história tinham um defeito considerado por muitos, como algo

muito ruim para qualquer ser. Que defeito é esse?

6. Defina o que seja uma pessoa preguiçosa.

7. Ilustre o conto envolvendo todos os personagens:

A ORIGEM DA MORTE

(Lenda da África do Sul)

Contam por aí que, em certa ocasião, a lua chamou a lebre e mandou-a

levar o seguinte recado aos homens, na terra: “Assim como eu morro e volto a

aparecer, a humanidade também morrerá e voltará a viver”.

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Mas, em vez de levar exatamente esse recado, do jeitinho que a lua tinha

pedido, a lebre, não se sabe se por esquecimento ou por malícia, quando chegou

aonde estavam os homens, disse:

- A lua mandou dizer para vocês que da mesma forma como ela nasce e

morre, assim também os homens nascerão e morrerão, simplesmente.

Quando a lebre voltou para perto da lua, esta logo quis saber se o recado

havia sido dado tal qual ela havia recomendado. E a lua pôde, então, ouvir da boca

da própria lebre as mesmas palavras que ouviram os homens:

- Eu disse a eles que você tinha me mandado dizer que da mesma forma

como você nasce e morre, assim também os homens nascerão e morrerão,

simplesmente.

A lua ficou tão enfurecida com a falta de cuidado e a troca de palavra e de

sentido feitas pela outra, que sua reação imediata foi passar a mão numa

machadinha para rachar ao meio a cabeça oca da lebre. Mas ao desferir o golpe, em

vez da cabeça, a machadinha atingiu o lábio superior da lebre, deixando nele um

profundo talho. Daí para a frente, a lebre ficou com essa rachadura na boca, que

todo mundo chama de “boca de lebre”.

Por sua vez, a lebre, com o sangue fervendo pelo tratamento nada amável

que recebera da amiga, levantou as garras e arranhou a cara da lua. E as manchas

escuras que ainda hoje se vêem na superfície da lua são as cicatrizes que ela

guarda, de lembrança, desse episódio.

ATIVIDADES:

1. Explique as diferenças do recado da lua e da mensagem que a lebre disse

aos homens:

2. Quais as consequências que a confusão feita pela lebre ao dar o recado

trouxe para os homens?

3. A lua não foi nada compreensiva e partiu para a violência. O que você acha

dessas pessoas que não têm paciência e nem sensibilidade para entender as

falhas dos outros?Justifique:

4. Faça a ilustração da lenda para posterior exposição:

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CHICO REI

Um Rei africano foi derrotado em combate e feito prisioneiro. O vencedor

destruiu aldeias, plantações e celeiros do vencido. Reuniu a rainha e os príncipes-

meninos, sacudiu-os na estrada, como um rebanho sem nome, vendendo-os a todos

como escravos, para o Brasil.

Na travessia do Atlântico, o Rei negro perdeu um filho e viu morrerem

seus melhores generais e soldados fiéis, de fome, de frio, de maus-tratos.

Impassível na humilhação, majestoso na derrocada, o soberano, riscado

de chicotadas, faminto e doente, pisou as areias do Novo Mundo, como o último dos

homens.

Foi, dias e dias, exposto no mercado dos escravos, marcado com tinta

branca, comendo uma vez por dia.

Um proprietário de minas de ouro, vindo ao Rio de janeiro adquirir reforço

vivo para o trabalho esgotante das lavras, escolheu o Rei, como quem simpatiza

com um forte animal que o cansaço definhou.

Palpou-lhe os braços, os ombros, fê-lo abrir a boca, mastigar, tossir e

andar, e comprou-o, num lote, compreendendo mulheres e homens.

Marcharam a pé para as Minas Gerais, ao sol, à chuva, num tropel

inominado e melancólico de condenados sem crime.

O Rei, de calças de algodão, busto nu, abria a marcha, como se dirigisse

suas tropas, ao alcance das cubatas, cercado de honrarias.

Ficaram todos em Vila Rica.

O Rei negro fora batizado com o nome de Francisco. Os negros escravos,

em voz baixa, juntavam os dois títulos supremos do ex-soba valoroso. Diziam-lhe o

nome cristão e o predicamento real.

O escravo era Chico Rei.

Silencioso, tenaz, obstinado, o negro revolvia terra e balançava a bateia

com a regularidade de uma máquina sem repouso e sem pausa.

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Feitor e amo distinguiam-no pela sua sobriedade, esforço invulgar e

natural compostura de modos e de ações.

Derredor de sua figura agrupavam-se os escravos que tinham sido

guerreiros valentes, curvados, teimosos, insensíveis ao tempo, multiplicando o

trabalho.

Um dia, Chico Rei apareceu ao amo com o preço de sua mulher em

pepitas de ouro. O fazendeiro aceitou o prêmio e assinou a carta de alforria da negra

que fora uma rainha.

Mais algum tempo, Chico Rei era livre.

Ele e a mulher, ajudados pela fidelidade de uma Corte que a desgraça não

apagara em valor, economizavam, noite e dia, o preço da liberdade dos filhos e dos

vassalos.

Ano e ano Chico Rei retirava da massa cativa homens e mulheres,

restituindo ao trabalho livre seus velhos companheiros de armas e de caçadas.

Um a um, reconstruía-se o reino perdido, agora nas terras americanas.

Comprou ele uma lata de terra na Encardideira. A terra era uma mina de

ouro.

Chico Rei ficou rico, e o ouro ampliou os limites do seu domínio que era a

reunião de homens livres, presos por um liame de veneração e de esperança.

Rei de manto e coroa, aclamado nas festas de Nossa Senhora do Rosário,

Chico Rei era realmente um Soberano, com o poder de um direito que fora

conquistado com lágrimas, sofrimentos e martírios. Nenhuma autoridade era

superior à sua voz, voz de Rei no mando, sem esquecer os anos igualitários no eito

da escravidão.

Negros e negras viviam com conforto e tinham alegrias trovejantes nos

bailes populares, nos batuques que se estiravam pelas noites, no círculo sem-fim

das danças-ginásticas e coletivas.

No dia 6 de janeiro, da Encardideira, vinha aquele Reino da África, vistoso,

empenachado, rutilante de pedrarias, bailando pelas calçadas de Vila Rica, a Ouro

Preto, aristocrática, povoada de igrejas e de palácios, em louvor da Padroeira dos

Escravos.

A Rainha, suas filhas e damas de honor traziam a carapinha empoada de

ouro.

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Depois da missa, da procissão, dos bailados públicos, antes que

voltassem ao Reino que se erguia, disciplinado e tranquilo, na Encardideira, Rainha

e vassalas banhavam a cabeça na pia de pedra que há no alto da cruz.

No fundo da taça, brilhando na água trêmula, ficava todo o ouro que

enfeitara os penteados.

Novos escravos iam sair do cativeiro, resgatados por aquela dádiva

singular.

Por isso ninguém esquece, nas terras livres das Minas Gerais, a

fisionomia de Chico Rei, o negro soberano, vencedor do destino, fundador de tronos,

pela persistência, serenidade e confiança nos recursos eternos do trabalho.

ATIVIDADES

1. Pesquise o significado dos termos:

a- Bateia:

b- Feitor:

c- Alforria:

d- Vassalos:

e- Empenachado:

f- Carapinha:

2. Como era feito o transporte dos africanos nos navios negreiros, vindos para a

América?

3. Chico Rei se conformou com a sua condição de escravizado? Explique:

4. Destaque as qualidades da personalidade de Chico Rei.

5. Historicamente falando, os africanos não se conformaram com suas

condições de escravos. Muitos rebelaram-se e formaram comunidades. Que

nomes essas comunidades receberam? Pesquise sobre seu funcionamento.

6. Por que os escravos aclamavam Chico como “Rei”, sendo que no Brasil já

não existia mais um sistema de reinado?

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7. Na cidade de Ouro Preto, na época descrita na lenda, havia muito racismo,

apesar da popularidade de Chico Rei. Atualmente, podemos considerar a

sociedade brasileira ainda racista? Argumente:

8. Você já presenciou um ato racista no meio em que vive? O que você pensa

sobre o racismo?

APRESENTAÇÃO DO FILME “Kiriku e a feiticeira”

O diálogo cultural africano, travado na obra Kirikou e a Feiticeira, de Michel

Ocelot, pode ser interpretado numa dimensão mais ampla, no tempo e no espaço,

estendendo-se até nossos dias e a todos os continentes. Nas personagens

principais, podemos observar as consequências dos atos masculinos incutidos nas

mulheres. Temos duas visões divergentes (da mãe de Kirikou e da feiticeira Karabá)

que, porém, apontam para o mesmo objetivo: a afirmação feminina enquanto

indivíduo livre e independente. É um filme que conta a história de uma comunidade

que vivia subjugada pelo poder de uma feiticeira.

É um desenho animado de muita sensibilidade,que agrada aos pequenos,

jovens mas os adultos encontram muitos ensinamentos nesta lenda. É uma história

que celebra a coragem de um garoto que nasce na África Ocidental, que era

diferente dos outros companheiros de sua aldeia. Era perspicaz e astucioso, muito

amigo de sua mãe. A feiticeira foi vencida pela coragem e pela astúcia de uma

comunidade, o menino Kiriku enfrenta a feiticeira Karabá junto com seus guardiões e

nesta luta ele aprende que só o amor, a verdade e a generosidade, aliados à

inteligência, são capazes de vencer a dor e as diferenças. É realmente um desenho

moderno com linguagem capaz de falar às crianças sem contudo subestimar os

adultos.

Gênero: Desenho AnimadoTempo: 71 min.

Lançamento: 1998Classificação: LivreDistribuidora: Espaço Filmes e Imovision

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ATIVIDADES COM BASE NO FILME ASSISTIDO

1. Kiriku é um herói de um país africano, o Senegal. O que você sabe sobre a África e, principalmente, sobre o Senegal? Você conhece algum herói africano? Qual?

2. Kiriku não tem medo de Karabá.O que ele quer é entender o motivo pelo qual ela é tão má. Qual a origem a da maldade de Karabá? Como ela ficou má?

3. “Kiriku e a feiticeira” é um desenho animado que mostra um ambiente africano. Qual outro desenho você conhece que também mostra a África? Ou qual filme você conhece que mostra a África e o que ela tem de mais característico?

4. O “contador de histórias” é o professor daquela aldeia. Você percebe a diferença da “escola” do desenho da escola de hoje? Quais são?

5. O que você achou das músicas de Kiriku? Consegue cantá-las?

6. Você notou que as mulheres do desenho animado estão nuas da cintura para cima? E que as crianças também não estão usando roupas? Por que será?

7. De tudo o que você viu e “experimentou” o que achou mais importante e legal?

8. No mundo contemporâneo, é possível acreditar em feitiços e feiticeiras? Explique.

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REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação

verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BARBOSA, R. A. O segredo das tranças e outras histórias africanas. São Paulo:

Scipione, 2007.

CASCUDO, L. da C. Lendas Brasileiras. São Paulo: Global, 2003.

GENDRIN, C. CORVAISIER, L. Volta ao mundo dos contos nas asas de um

pássaro. São Paulo: Edições S M, 2007.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da

Educação Básica de Língua Portuguesa. Curitiba: SEED-PR, 2008.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Cadernos temáticos: História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações étnico-raciais. Curitiba: SEED-PR, 2006.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Cadernos temáticos: inserção dos conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Curitiba: SEED-PR, 2005.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Língua Portuguesa e Literatura- Ensino Médio. Curitiba: SEED-Pr, 2006.

SISTO, C. Mãe África mitos, lendas, fábulas e contos. São Paulo: Paulus, 2007.

TEODORO, H. Buscando caminho nas tradições. Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. da. Leitura perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 2005.

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