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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED SUPERIENTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO – SUED
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE – UNICENTRO
NÚCLEO REGIONAL DE EDUCAÇÃO DE GUARAPUAVA
PRODUÇÃO DIDATICO PEDAGÓGICA
ÁREA DE CONHECIMENTO: PEDAGOGIA
GUARAPUAVA 2010
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FÁTIMA MARIA ROSSO
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA - UNIDADE TEMÁTICA
Produção Didática Pedagógica a ser apresentada a SEED/SUED-PR como requisito para cumprimento das atividades previstas dentro do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE do Estado do Paraná. Orientação- Professor Alessandro de Melo.
GUARAPUAVA
2010
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IDENTIFICAÇÃO PROFESSORA PDE: FÁTIMA MARIA ROSSO. ÁREA: PEDAGOGIA TÍTULO: EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE NRE: GUARAPUAVA PROFESSOR ORIENTADOR: ALESSANDRO DE MELO IES: Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO. ESCOLA DE IMPLEMENTAÇÃO: Colégio Estadual Francisco Carneiro Martins. Ensino Médio e Profissionalizante. PÚBLICO OBJETO DA INTERVENÇÃO: Professores da Rede Estadual de Ensino. TEMA DE ESTUDO DA INTERVENÇÃO: APONTAMENTOS SOBRE A PRÁTICA DOCENTE, EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL
CATEGORIA: UNIDADE TEMÁTICA
A presente unidade é parte integrante das atividades do PDE é um dos
requisitos para a conclusão do programa. É uma base de consulta para professores
da Rede Pública de Educação que objetivam enriquecer sua prática relacionada à
educação na diversidade no contexto escolar. Tem como principal objetivo, subsidiar
um trabalho de formação continuada junto a professores para discussão sobre o
tema proposto.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 5
2 ADORNO E A EDUCAÇÃO APÓS AUSCHWITZ ...................................... 9
3 A VISIBILIDADE DAS DIFERENÇAS ....................................................... 13
4 DIVERSIDADE ETNICORRACIAL ............................................................. 19
4.1 População Negra ..................................................................................... 19
4.2 População Indígena................................................................................... 23
4.2.1 Como lidar com os conteúdos escolares?.............................................. 25
Dica Importante: “Coisas que não se devem dizer do índio no dia do índio”,
do Site Olhos Críticos ...................................................................................
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5 GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL ....................................................... 30
5.1 LEI MARIA DA PENHA – LEI NO 340/06 ................................................ 34
6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA NOVOS PONTOS DE PARTIDA 37
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 42
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1 INTRODUÇÃO
Pretende-se com este trabalho enfocar o papel da Educação na sociedade
atual, considerando o contexto multicultural com o qual convivemos, destacando a
contribuição que a instituição escolar pode oferecer para o desenvolvimento humano
como um todo. A educação deverá possibilitar uma formação mais sólida para
interagir no meio social. No entanto, isto não se limita a fins meramente
profissionais, mas no conjunto do exercício da cidadania.
Seguindo as trilhas do filósofo alemão, Theodor Adorno, que é nossa base, a
educação tem papel fundamental para que seja evitada uma nova barbárie, como a
dos campos de concentração nazistas. Evitar novas barbáries por meio da ilustração
pode ser essencial para a preservação do que a humanidade conquistou como
benefícios para a vida comum. Talvez seja este o maior desafio da educação para a
diversidade, tema deste trabalho, afinal de contas os campos de concentração eram
meios de exterminar as pessoas que os nazistas consideravam como “inferiores”.
No século XXI, uma das preocupações das autoridades educacionais em
todo o mundo deveria ser a qualidade de educação a ser oferecida a toda a
população, pois até então as medidas paliativas tomadas, não foram capazes de
formar o indivíduo para a sua atuação consciente e ilustrada na sociedade. A
metodologia didático-pedagógica proposta pela escola, para atender, minimamente,
a este objetivo, deve estar voltada para o equilíbrio entre teoria e prática, isto é, o
caráter empírico deve estar presente no processo de transmissão do conhecimento.
Para Moreira e Silva (1999), em muitos países, as finalidades e exigências
de um sistema educativo “nacional” entram em conflito com os valores, interesses e
aspirações de grupos culturalmente distintos. Ao mesmo tempo o mundo em que
vivemos, caracterizado por uma crescente interdependência, suscita tendências
antagônicas que tomam direções diferentes: por um lado existe a tendência para a
homogeneização, em nível mundial, via indústria cultural (televisão, internet,
mercados globais etc.), impondo uma cultura comum baseada no consumo de um
conjunto restrito de produtos e serviços; por outro lado, este mesmo processo
presencia a busca das raízes, de uma especificidade comunitária, que somente
pode existir se reforçarem as identidades locais e regionais, guardando uma
saudável distância para com os “outros”, tidos por vezes como uma ameaça.
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Uma situação assim tão complexa representa um desafio para o sistema
educativo e para as políticas culturais do Estado, assim como para o funcionamento
do mecanismo de mercado (principalmente) nos domínios da comunicação e do
lazer. Nestes últimos anos, as políticas tradicionais de educação baseadas no
postulado de uma cultura nacional homogênea vêm sendo objeto de uma apreciação
cada vez mais crítica. Há um número cada vez maior de Estados que não só toleram
as formas de expressão de diversidades cultural, mas reconhecem que, longe de
serem obstáculos perturbadores, o multiculturalismo e a plurieticidade são os
verdadeiros pilares de uma integração social democrática. A educação do século
XXI deverá enfrentar este desafio e os sistemas educativos (entendidos no sentido
mais abrangente possível) devem dar provas de flexibilidade e imaginação para
encontrar o justo ponto de equilíbrio entre as duas tendências estruturais a que
aludimos.
Para Delors (2000), uma educação verdadeiramente multicultural deverá ser
capaz de dar resposta, simultaneamente, aos imperativos da integração, e às
necessidades específicas das comunidades locais, rurais ou urbanas que tem a sua
cultura própria. Levará cada um a tomar consciência da diversidade e a respeitar os
outros, quer se trate dos vizinhos mais próximos, dos colegas presentes, ou de
habitantes de um país longínquo. Para que seja possível uma educação realmente
pluralista, será necessário repensar os objetivos, que significa educar e ser
educado? – remodelar os conteúdos e programas dos estabelecimentos de ensino
de tipo clássico, imaginar novos métodos pedagógicos e novos processos
educativos, e estimular o aparecimento de novas gerações de professores-alunos.
Já para Moreira; Silva (1999), uma educação realmente pluralista baseia-se
numa filosofia humanista, isto é, numa ética que encara numa perspectiva positiva
as consequências sociais do pluralismo cultural. Falham, por vezes, os valores do
pluralismo humanista e cultural necessário para inspirar tal mudança na educação;
devem ser incrementados pelo próprio processo educativo que, por sua vez, ajudam
a reforçar.
Assim como na época da barbárie de Auschwitz, destacada na parte inicial
desta unidade temática, com certeza que não faltam, em nossos dias, exemplos de
nacionalismos étnicos excessivos que conduzem ao separatismo político e à
decomposição social, para não falar de massacres que chegam a ser verdadeiros
genocídios e de campanhas de purificação étnicas alimentadas pelo ódio. Contudo,
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a diversidade étnica não desaparecerá por encanto e não é realista censurar as
políticas multiculturalistas em relação a muitos conflitos que, muitas vezes, têm
exatamente por origem o não-reconhecimento da diversidade étnica ou o seu
aniquilamento.
Num segundo momento achou-se oportuno discorrer sobre a visibilidade das
diferenças, pois convivemos num mundo multicultural, o qual muitas vezes tem sido
alvo de críticas, de grupos étnicos nacionalistas, persuadidos de que elementos
estranhos (imigrantes, minorias culturalmente diferenciadas) põem em perigo a
“essência” da sua nação. Mas vêm também de liberais bem intencionados que
desejariam construir uma nação “cívica” onde todos, de qualquer raça, língua,
origens, religião ou cultura seriam considerados de igual valor. Estas pessoas
pensam que, ao acentuar diferenças culturais ou étnicas, se estabelecem fronteiras
e muros entre seres humanos iguais entre si – ou pelo menos semelhante. Só uma
educação que se volte para uma cultura realmente cívica partilhada por todos
poderá impedir que as diferenças continuem a gerar desigualdades e as
particularidades a inspirar inimizades. Nesta nova visão do mundo, a identidade
étnica diz respeito à esfera estritamente privada (à semelhança da religião no
Estado laico moderno) e já não interessa às políticas estatais.
Embora esta perspectiva seja perfeitamente respeitável assistimos por toda
parte à mobilização de grupos étnicos em torno de crenças e símbolos culturais; de
fato, os sistemas educativos são eles próprios, um jogo nestas “guerras culturais” do
nosso tempo. Que estas lutas estejam profundamente enraizadas no inconsciente
coletivo (como pretendem alguns), ou seja, simplesmente o fruto de manipulações
de “empresários étnicos” oportunistas (como outros defendem); não é
escamoteando-as que se conseguirá promover os valores democráticos humanistas.
Certamente o mundo atingiu atualmente maturidade bastante para ser capaz de
fazer despertar uma cultura cívica democrática fundada nos direitos da pessoa
humana e estimular, ao mesmo tempo, o respeito mútuo das culturas na base do
reconhecimento dos direitos coletivos de todos os povos do planeta, grandes ou
pequenos, todos com os mesmos méritos. Eis aí o grande desafio da educação
para o novo milênio.
Sendo assim, optou-se por abordar sobre a diversidade étnicorracial, dando
ênfase à população negra e indígena que sobressai no contexto nacional. E a partir
disto analisar como lidar com os conteúdos.
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Considerando a diversidade de aspectos que o professor deve abranger em
seu dia a dia educacional na atualidade, tanto no que se refere às constantes
transformações tecnológicas, econômicas e culturais que colocam cada vez mais a
necessidade do conhecimento ético e da educação do homem em toda a sua
multiplicidade, como também a questão da inclusão que deve começar pela escola.
Por isto, acredita-se que além dos conteúdos científicos, a escola possui uma função
formadora. O homem é um ser rico em necessidades e capacidades físicas,
emocionais, culturais, espirituais e intelectuais.
Para tanto, a Unidade Temática tem como finalidade desenvolver um
trabalho de formação continuada junto ao grupo de professores da rede estadual de
ensino no Colégio Estadual Francisco Carneiro Martins, em Guarapuava- PR, com o
objetivo de refletir e discutir sobre as relações entre educação e diversidade na
prática docente da formação escolar, havendo possibilidade de inserir e ampliar esta
discussão em outros momentos no interior da escola.
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2. ADORNO E A EDUCAÇÃO APÓS AUSCHWITZ
Para Adorno “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas
para a educação” (ADORNO, 1995, p. 119). Adorno acredita que o papel da
educação é impedir a volta da barbárie, isto é, o retorno do totalitarismo, do
nazismo. O autor demonstra-se indignado com a pouca importância dada à
educação como processo contra a barbárie, e define a barbárie da seguinte forma:
Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição que contribuiu para aumentar ainda mais o perigo de que toda a civilização venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza. Considero tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os objetivos educacionais por esta prioridade.
Para Adorno, é inconcebível que a civilização na atualidade, munida de
vários aparatos tecnológicos, que podem estar a favor da formação, repita o
episódio de Auschwitz. E, mais inaceitável ainda, é criar hipóteses para justificar o
ocorrido. A “barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de
fundamental as condições que geram esta regressão” (ADORNO, 1995, p. 119).
As condições histórico-sociais que deram origem ao nazismo ainda existem
e, por isso, é preciso impedir que ela ressurja. Portanto, se a possibilidade do
retorno à barbárie é possível, consequentemente, segundo Adorno, a educação
deve assumir um papel importante no sentido de prevenir o retorno do totalitarismo,
do nazismo. Para isso, aponta o autor, é preciso repensar a filosofia e a educação,
pois, mesmo sendo o povo alemão “civilizado”, Hitler impôs o imperativo da barbárie
nazista contra os judeus. Faltou-lhes, enfim, consciência crítica.
Um exemplo disso é o fato de que milhões de pessoas foram assassinadas
de maneira previamente planejada pelo nazi-fascismo. “O que é mais grave, as
vítimas foram assassinadas com pretextos mesquinhos”. (ADORNO, 1995, p. 121).
Adorno afirma que as possibilidades de mudar os pressupostos que geraram
Auschwitz são limitadas por fatores políticos e sociais. Porém destaca dois aspectos
relevantes para diminuir a barbárie: o primeiro estaria focado na primeira infância, e
o segundo num processo de esclarecimento e conscientização abrangente, capaz
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de gerar um clima cultural e social em toda população que criaria um obstáculo para
a repetição da barbárie.
Assim sendo, o processo educacional deveria contemplar como objetivo,
questões que abordem o trato deste problema, para poder esclarecer-se e criar
mecanismos e condições para que todos tomassem consciência acerca de como e
por que o horror em Auschwitz aconteceu. Importante ainda seria conhecer quais
fatores poderiam permitir que a barbárie voltasse a acontecer. A sociedade em geral
e a educação em particular, não tem dado a atenção devida ao que aconteceu.
Este acontecimento deve estar presente na mente das pessoas. A violência
vista de forma banalizada é um pressuposto para que tudo venha ocorrer
novamente. “Não consigo entender como até hoje [essa questão] mereceu tão
pouca atenção” (ADORNO, 1995, p. 119). Portanto, um episódio que toma tal
proporção não pode ser esquecido e silenciado pela humanidade. “O perigo de que
a crueldade aconteça novamente está em que não se admite o contato com a
questão, rejeitando até mesmo quem apenas a menciona, como se, ao fazê-lo sem
rodeios, este se tornasse o responsável, e não os verdadeiros culpados” (idem, p.
125).
A verdadeira formação, segundo Adorno, se dá com pleno conhecimento
dos acontecimentos e os fatores do tempo presente que levaram a este
acontecimento bárbaro. Qualquer formação que não tenha condições de fazer tal
análise não teria condições de propiciar a formação e sim uma semi-formação.
Segundo Gelamo (idem, p.10):
Para que a semi-formação seja evitada, Adorno indica alguns caminhos para a reflexão, que deve ser principalmente esclarecida e esclarecedora, acerca de uma educação que priorize o entendimento das condições educacionais presentes que podem propiciar um retorno a Auschwitz e, além disso, mudá-la, para extinguir a possibilidade de seu retorno. No entanto, a educação tradicional não provê a reflexão sobre as memórias nem sobre o presente. O principal aspecto dessa educação é a disciplina e, atrelada a ela, a severidade em seu cumprimento, não se preocupando com a formação cultural das pessoas, com sua história e com seu presente. Esse tipo de educação, segundo Adorno, contribuiria para a constituição de uma consciência produtora de barbárie porque estaria centrada apenas em elementos disciplinares. Esse elemento da educação tradicional é, também, o principal elemento da educação Nazista, que encontra na disciplina e na severidade da educação tradicional seus elementos precursores.
Outros fatores da educação tradicional que colaborariam para produzir
mentes capazes de realizar a barbárie de Auschwitz são: “a docilização do corpo à
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disciplina, a ideia de virilidade como capacidade de suportar a dor, o elogio ao
objetivo de ser duro consigo mesmo, dentre outros” (GELAMO, p.10).
Esses aspectos mencionados da educação tradicional, segundo Adorno,
permitiriam a formação de um psiquismo e corpo disciplinados, dóceis (por força da
repressão) e, por conseguinte se submeteriam sem nenhuma reflexão-crítica à
autoridade ou colaborariam para que ela se produzisse. Para Adorno (1995, p. 129-
130):
Quem é severo consigo mesmo adquire o direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar e reprimir. Tanto é necessário tornar consciente esse mecanismo quanto se impõe a promoção de uma educação que não premia a dor e a capacidade de suportá-la, como acontecia antigamente. Dito de outro modo a educação precisa levar a sério o que já de há muito e do conhecimento da filosofia: que o medo não deve ser reprimido. Quando o medo não é reprimido, quando nos permitimos ter realmente tanto medo quanto esta realidade exige, então justamente por essa via desaparecerá provavelmente grande parte dos efeitos deletérico do medo inconsciente e reprimido. Pessoas que se enquadram cegamente em coletivos convertem a si próprios em algo como material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa.
Os indivíduos que se distinguem pela fúria, por realizar ações sem pensar
nas consequências, por participar da violência sem dor na consciência e incapaz de
imaginar um mundo diferente do que ele é, Adorno os denomina de caráter
manipulador, como “consciência coisificada”. Pessoas com tais comportamentos
tornam-se à princípio, iguais a “coisas” e em seguida passam a tratar os outros como
“coisas”. “Esta incapacidade de ver o outro como o seu igual, mas tão somente
como coisa, é que reside o preconceito ou os limites da alteridade e da diversidade.”
(GUILHERMETI, 2009, p. 38).
Transformar o outro em coisa, segundo Adorno, “é muito bem traduzido pela
expressão aprontar, que goza de igual popularidade entre os valentões juvenis e
entre os nazistas” (ADORNO, 1995, p. 130). Com relação a este assunto,
Guilhermeti (idem) escreve que:
Para Adorno, muitos costumes folclóricos, como os rituais de iniciação, são precursores da violência nacionalista e, ainda, constituem um ideal que desempenha um importante papel na valorização da educação pela disciplina, pela dureza. Para o autor, essa concepção, que muitas vezes está presente até em certas diversões populares com nítidos traços sado-masoquistas, devem ser combatidas.
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Na atualidade muitos ainda acreditam que a educação pela disciplina e pela
dureza, incluindo castigos físicos, ainda tem bom resultado, e acreditam sem
nenhuma reflexão. Adorno adverte que é uma concepção equivocada porque a
educação pautada pela severidade e pela disciplina extrema é condição propícia
para a barbárie. A dureza significa indiferença em relação à dor e a insensibilidade é
um dos obstáculos à filosofia e à educação emancipatória. A insensibilidade é uma
das características das pessoas desprovidas de autoconsciência e portanto,
autoritárias (OLIVEIRA p.41)
A educação emancipatória segundo Oliveira, não é somente um método:
É uma filosofia! Implica em rompimento com a tradição filosófica que considera o conhecimento como apreensão do objeto por parte do sujeito... Implica em romper com a visão tecnicista e positivista que estabelece hierarquias no conhecimento e privilegia a competição e o mérito. Ora, se quisermos que a barbárie não se repita, é preciso uma mudança de paradigma filosófico, político e econômico. Caso contrário, permaneceremos convivendo com a violência, a exclusão, o preconceito, a agressividade e com Auschwitz... e pensando que tudo isso é “natural” e “normal”. Ora, se a educação não nos ajudar a impedir a barbárie, para que ela serve? (p.44)
A preocupação de Adorno é de que a educação perdeu completamente o seu
caráter emancipatório. É urgente e necessário resgatá-lo! Ao fixar e reproduzir
internamente os pilares do capitalismo, sobretudo a competição, o culto ao mérito e
ao desempenho, a escola se tornou um ambiente de exclusão e de preparação de
futuros autoritários (idem, p.44).
Isso é digno de preocupação, pois a violência avança consideravelmente e a
barbárie pode estar sendo construída diariamente no meio social, perpetuada no
cotidiano das instituições escolares, nos discursos e conteúdos não refletidos pelos
responsáveis com a formação dos futuros dirigentes. Portanto, Auschwitz pode se
repetir!
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3 A VISIBILIDADE DAS DIFERENÇAS
As diferenças culturais, econômicas, sociais, religiosas, étnicas, de gênero,
entre outras, acompanham a humanidade durante toda sua trajetória. Porém, elas se
intensificam (VALENTE, 1999) na fase monopólica do capitalismo na primeira
metade do século XX, período marcado por duas guerras mundiais e uma crise
econômica global.
As diferenças acima mencionadas são construídas num processo social e
num contexto histórico, ou seja, a partir das demandas que os próprios homens
enfrentam ao longo da produção da sua existência (GULHERMETI, 2010, p. 33).
Na Alemanha, na década de 1930, surge um movimento de reação às
diferenças econômicas, alimentado por ideias nacionalistas que conseguem
arregimentar a insatisfação popular e canalizá-la para o antagonismo a um sujeito
‘racial’ diferenciado: o ‘não ariano’, englobando os judeus e todos os seguimentos
que por suas características distintivas de cor e cultura, não se enquadrassem aos
preconceitos de ‘pureza’ da raça (VALENTE,1999, p.75).
O nazismo recebeu apoio político e financeiro das elites dos capitalistas
alemães, temerosos de uma revolução operária. Castigada pela guerra e pela crise
econômica, as massas populares mostram-se receptivas aos apelos nacionalistas
autoritários defendidos por Adolf Hitler. A população, especialmente as camadas
populares, perde de vista o processo responsável pela degradação de suas
condições de vida. Influenciados pelo ideário nacionalista, os alemães passam a
atribuir aos judeus a responsabilidade pelas dificuldades que estavam enfrentando e
a todos aqueles que em razão de diferentes características não se “encaixavam” na
ideologia ariana vigente.
Os Judeus foram tomados como bodes expiatórios. “Porém os nazistas não
pararam por aí. Queriam ‘erradicar’ os poloneses, os ciganos e outros povos
considerados ‘inferiores’, bem como os deficientes físicos e todos os dissidentes
políticos (MURARO, 1992, p. 141-142). Para o ideário nazista importava suprimir a
diferença extinguindo a presença física dos portadores de signos distintos. Segundo
Mota e Braick (2005, p.68):
O campo de concentração de Auschuwitz, na Polônia, foi um dos mais fortes símbolos do nazifascismo, sistema totalitário que se manifestou na Europa entre os anos 1919 e 1945. Construído pelos alemães em 1940 com a finalidade de exterminar judeus, ciganos, homossexuais ou simplesmente
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opositores do regime nazista, Auschwitz representou o que de mais sórdido a humanidade pode criar. Embora os nazistas tenham procurado destruir os registros de seu crime, calcula-se que essa indústria da morte foi responsável pela execução de 1,1 milhões a 1,5 milhões de pessoas, a grande maioria assassinada nas câmaras de gás. Os corpos eram encaminhados a cinco grandes fornos crematórios que funcionavam dia e noite. Segundo estimativas conservadoras, os fornos podiam transformar em cinzas 5 mil seres humanos, diariamente. Os sobreviventes do campo afirmam que o número diário de cadáveres queimados era muito maior.
A discriminação contra os judeus prosseguiu através do tempo. Documentos
históricos segundo (BORGES, 2009, p. 35), revelam que na década de 1930 o
Estado Novo, regime político influenciado pelo nazifascismo, assumiu certas práticas
antissemitas de perseguição e discriminação. Como nas décadas de 1920 e 1930
teriam entrado no país cerca de 57 mil judeus, a partir de 1937 o governo de Vargas
passou a exercer, por meio do Itamaraty, uma política de restrição à entrada de
imigrantes ‘indesejáveis’, isto é, refugiados originários da Europa.
Borges (2009, p. 35), escreve que a justificativa oficial para essa restrição
era a política de imigração adotada pelo governo brasileiro, voltada sobretudo para
trabalhadores rurais:
Segundo os burocratas do Estado Novo, os judeus, em geral dotados de boa formação, não aceitariam as rudes condições de vida no campo. Além disso, alegava-se que os judeus normalmente mantinham costumes, independente do país em que viviam o que dificultaria sua adaptação à cultura brasileira.
A presença de grupos diferentes, não somente dos judeus no primeiro terço
do século XX, preocupa políticos e pedagogos nacionalistas e conservadores. Os
italianos, alemães, japoneses - concentrados na região sul e sudeste do país - e os
descendentes de africanos (negros) distribuídos por todo o território nacional,
compõem contingentes diversos, física e culturalmente e despertam temores quanto
à garantia da Unidade Nacional.
Os imigrantes e seus descendentes radicados no país sofrem inúmeras
represálias durante a segunda guerra mundial. Com a implantação do Estado Novo
(1937), a política nacionalista se fortalece e intensifica as restrições à presença e
permanência de estrangeiros no território brasileiro.
Ainda na era Vargas (1930-1945), surgem políticas de modernização que
impulsiona a indústria brasileira. Em resposta à crise de 1929, o Estado se fortalece
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e passa a intervir na economia por meio de mecanismos de coerção. Também
ocorre ao ideário nacionalista, para promover a mobilização pública. O controle do
processo educativo exerce papel fundamental na legitimação desse ideário.
Portanto, devido à intolerância racial na Alemanha e em outros países, a
diversidade cultural passa a ser objeto de reflexão também no Brasil. Muito antes
disso, no período abolicionista e de implantação da mão-de-obra imigrante
assalariada, intelectuais e políticos impulsionados pelas teorias nacionalistas
propagadas na Europa, já manifestavam preocupações com o progresso do país.
Esses consideravam a raça africana e asiática inferiores e degenerativas que
poderiam levar o Brasil à barbárie.
Na década de 1950, os Estados Unidos e a Europa Ocidental avançam
economicamente com a modernização das indústrias, ampliação do mercado
consumidor e elaboração de uma cultura de massas. Porém, a própria
modernização gera o risco do desemprego para a classe operária. As camadas
médias também sentem o efeito do progresso de modernização industrial.
A população excluída do processo de trabalho e consumo passa a
questionar e a reivindicar pelos seus direitos. A diferença passa a ser a bandeira de
luta dos movimentos da ‘contracultura’ que reagem à elaboração de uma cultura de
massas homogeneizada pela indústria (VALENTE, 1999, p. 78). Surgem então, na
década de 1960 na Europa e EUA, os movimentos “hippie e os skinheads, com o
objetivo de questionar e rejeitar a cultura de massa”.
Os “hippies” adotam uma conduta pacífica e reagem contra o clima de medo
existente durante a guerra fria e defendendo a paz no mundo baseada no amor e na
harmonia. Em oposição aos “hippies” surgem os “skinheads” que procuram afirmar-
se por meio de repúdio ao pacifismo, os quais adotam comportamentos agressivos
para manifestar sua revolta e o desprezo pelos padrões sociais da época.
(VALENTE, 1999, p. 78).
Tanto um quanto o outro, procurava diferenciar-se da homogeneização
imposta pela cultura de massa. O movimento estudantil no final da década de 1960,
inspirado pelo ideário desses movimentos de contestação ao sistema, passa a
pressionar os governos para democratização das oportunidades educacionais.
Surgem ainda grupos negros que reivindicam um espaço de expressão econômica e
política. Algumas organizações negras defendem a luta armada como caminho
necessário para garantir seus direitos de cidadania. Outras, lideradas por Martin
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Luther King pregam a não-violência e promovem grandes mobilizações contribuindo
decisivamente para a aprovação das Leis dos Direitos Civis em 1964, assegurando
a cidadania da população negra. Para garantir que a lei fosse cumprida, os negros
se mobilizam e reivindicam pelo cumprimento de dispositivos legais que os protejam
do racismo. Na década de 1970 são determinadas políticas que asseguram cotas de
ingresso no trabalho e na escola às minorias raciais e às mulheres.
Segundo Valente (1999), neste mesmo período na Europa ocorriam grandes
investimentos no campo educacional, especialmente no que diz respeito à educação
escolar e à democratização do ensino. Com pressões dos movimentos “hippies”,
“skinheads” e feministas, a Europa passa por uma reforma pedagógica
contemplando os interesses desses grupos considerados minoritários.
No texto anterior, Adorno mostra-se indignado com a questão do massacre
aos judeus na Alemanha. Mas o que dizer de quase quatrocentos anos de
escravatura negra no Brasil? O que fazer com profundas marcas facilmente
perceptíveis em estórias e piadas carregadas de preconceito com relação aos afro-
descendentes? A questão da discriminação do negro ainda está presente no cenário
brasileiro? O fim da escravidão liquidou a dívida da sociedade e do Estado Brasileiro
para com a população afro-descendente?
Como não classificar como barbárie o massacre da população indígena no
período da colonização brasileira? No ano da chegada de Cabral ao Brasil “viviam
no país cerca de 6 milhões de nativos reunidos em centenas de grupos étnicos com
diversidade cultural e linguística próprias” (BORGES; MEDEIROS; D`ADESKY,
2009, p. 34). Atualmente, segundo Tagliari (2009, p.26), existem 230 etnias com 180
línguas, distribuídas em diferentes estados brasileiros.
No ano de 1650, doenças, massacres e conflitos com os brancos já haviam
causado o desaparecimento de vários grupos e a redução de 10% da população
indígena da que aqui vivía em 1500. De acordo com o censo demográfico de 2000,
esta população soma 701.462 pessoas no Brasil (TAGLIARI, 2009, p. 26).
Percebe-se, que a ideologia da ‘raça pura’ não deve ser atribuída apenas a
Hitler e aos neonazistas alemães. As práticas racistas e segregacionistas estão
presentes no mundo todo (BORGES, 2009, p. 37).
Segundo Borges, Medeiros e d`Adesky, o Brasil não é exceção. Em algumas
grandes cidades brasileiras, grupos minoritários praticam atos de discriminação,
racismo, violência contra homossexuais, negros, judeus, “punks”, nordestinos e
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estrangeiros defendendo teses de purificação racial. Tais grupos agem em São
Paulo, na Região Sul do país e no Rio de Janeiro. Os mesmos autores, citando
artigo do jornalista Marcelo Remígio1, são três as facções de neonazistas que atuam
hoje no Brasil: os nacionalistas-socialistas, os “skinnheads” (carecas) e os “White
Power” (Poder Branco).
Os nacional-socialistas, ao contrário dos skinheads, não são fáceis de serem descobertos em meio à multidão. Embora preguem a violência em prol da formação de uma raça branca superior, o grupo procura agir de modo silencioso. A única identificação são anéis com cruzes de malta, em alusão à suástica nazista. Cabeças raspadas, camisas brancas, corpo tatuado com desenhos de caveiras, teias de aranha e suástica, calças surradas, suspensórios e coturnos nos pés, os Carecas do Subúrbio fazem parte do movimento skinhead. [...] São politizados, seguem o nacionalismo e o populismo de Getúlio Vargas e se inspiram na obra deixada por Hitler. A doutrina que defendem [os White Power] inclui o separatismo da região Sul e de São Paulo, como uma forma de criar uma nação branca superior. Para o Rio de Janeiro, eles pregam uma ‘limpeza étnica’, capaz de varrer das ruas do Estado, negros, judeus e nordestinos. [...] As ações propostas pelos WPs em busca de ‘limpeza étnica’ são violentas. Incluem a deportação de judeus, turcos, sírios e libaneses para os países de origem. Caso tenham lojas, elas serão incendiadas, como forma de romper qualquer ligação com o Brasil. Para os negros, WPs pregam a volta da escravidão [...]. (REMÍGIO, apud BORGES, MEDEIROS, D`ADESKY, 2009, p. 37).
Estes grupos praticam diversos atos de violência, preconceito e intolerância
contra a população que eles consideram “inferiores”. Praticam violência também
contra os grupos que defendem os direitos dos grupos discriminados. Segundo
Borges, (2009, p. 38), é crescente o número de integrantes e simpatizantes desses
grupos que hoje reúnem mais de 6 mil pessoas.
Nos dias atuais com os avanços extraordinários das tecnologias e meios de
comunicação capazes de noticiar de maneira simultânea os acontecimentos de um
continente a outro, a humanidade assiste a um processo de interação com as outras
culturas. Por outro lado, paralelamente, ocorre outro movimento de sentido contrário:
são as manifestações de intolerância, racismo, violência e preconceito de uns em
relação aos outros.
Acredita-se que a intolerância contra a diversidade etnicorracial poderá ser
superada pela educação e por força da lei. Sendo a educação um dos princípios
ativos de transformação social, compete a ela estimular valores de respeito em
1 Filhos do ódio: intolerância. Publicado no Jornal O Dia, Rio de Janeiro, 1º de abril de 2001 (Borges, Medeiros e d`Adesky, 2009, p.37).
18
relação aos diferentes grupos e às chamadas minorias. Portanto, cabe à escola
comprometer-se com uma educação de relações etnicorraciais positivas nos
conteúdos e posturas pedagógicas escolares. Lembrando o que escreveu Adorno
(2006, p. 119): “A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para
a educação”.
19
4 DIVERSIDADE ETNICORRACIAL
O mundo atingiu atualmente maturidade para ser capaz de fazer despertar
uma cultura cívica democrática fundada nos direitos da pessoa humana e estimular,
ao mesmo tempo, o respeito mútuo das culturas na base do reconhecimento dos
direitos coletivos de todos os povos do planeta, grandes ou pequenos, todos com os
mesmos méritos. Sendo assim, optou-se por abordar neste capítulo sobre a
diversidade étnicorracial dando ênfase à população negra e indígena que sobressai
no contexto nacional. E a partir disto, analisar como lidar com os conteúdos. Eis aí o
grande desafio da educação para o novo milênio.
4.1 População Negra
A diversidade do povo brasileiro vem sendo construída com profundas
desigualdades sociais entre ricos e pobres, brancos, negros e índios. Portanto, entre
poucos que usufruem da cidadania plena e tantos outros que historicamente são
colocados a sua margem. É nesta relação de tensões, conflitos e desigualdades que
surgem as lutas de entidades, organizações e movimentos sociais que passam a
reivindicar por direitos (MEC/MJ/SEPPIR, 2008.p 8).
Sabe-se que desde as origens das relações educacionais brasileiras, a
cultura foi explicada como resultado do encontro de brancos, negros e índios.
Entretanto, o viés pedagógico utilizado sempre foi o da valorização do elemento
branco (OLIVEIRA (2009, p. 86). A presença do negro nos conteúdos escolares
sempre esteve atrelada numa visão simplista da questão da escravidão e os povos
indígenas como ingênuos selvagens ou ainda incultos.
A reivindicação feita através de mobilização de grupos sociais e
recentemente por força da lei, os conteúdos escolares relacionado às questões dos
negros e índios devem tomar outros rumos com o objetivo de valorizar essas etnias
como co-responsáveis pela constituição do povo, da economia e da cultura
brasileira.
Nesse sentido, nos últimos anos o poder público, os movimentos sociais e
pesquisadores entre outros passaram a discutir sobre o tema: Diversidade.
Para efeito didático serão abordadas as questões dos negros neste primeiro
texto e dos indígenas logo a seguir.
20
A história da população negra no Brasil foi amplamente documentada por
sua condição escrava. Mais do que isso, na literatura sobre escravidão predominou
uma visão que insistiu em circunscrever o negro e a negra, primeiramente na esfera
econômica como mercadorias, posteriormente na cultura como exóticos e
politicamente como grupo destituído de capacidade organizativa e propositiva
(MEC/SEPPIR, 2008, p.8).
As inúmeras lutas sociais por uma efetiva integração do movimento negro
travadas após a abolição, esbarraram na visão instituída durante o período colonial
que dificultava o acesso da população afro-brasileira, em condições de igualdade, as
duas esferas principais da vida social: o mercado de trabalho e a educação.
Tais elementos permaneceram operando a hierarquia entre brancos e
negros na ‘nova’ ordem social, traduzindo-se na preferência dada aos brancos na
obtenção de emprego em uma sociedade discriminatória, como registram os jornais
e documentos da época (MEC, 2008). Dessa forma, os negros foram excluídos do
processo do trabalho.
No tocante à educação, a população negra também sofreu preconceito,
discriminação e consequentemente a exclusão neste processo.
No aspecto legal não foi diferente. O Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de
1854 estabelecia que nas escolas públicas do país não fossem admitidos escravos e
a previsão de instrução para negros adultos dependia da disponibilidade de
professores. O Decreto nº 7.031 - A, de 06 de setembro de 1878 estabelecia que os
negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram
montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos
escolares (MEC/SEPPIR, 2005, p. 7).
À época da Independência, apenas por exclusão sócio-étnica, 40% dos
habitantes não teriam acesso à educação como também não eram tidos como
cidadãos (CURY, 2008, p.211).
Percebe-se que sempre houve “uma postura ativa e permissiva da
discriminação e do racismo com relação à população afro-descendente brasileira”
(MEC/2005).
Porém, a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº. 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) os grupos considerados minoritários
passam a intensificar suas reivindicações.
21
O Movimento Negro por exemplo, no período da promulgação da LDB em
1996, lutava há anos pela incorporação aos currículos escolares da disciplina
História da África e de outras manifestações da cultura negra, exigindo maior espaço
de expressão. Prova disso foi a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela
Cidadania e a Vida; em novembro de 1995. O movimento negro nacional marchou a
Brasília em novembro de 1995, ano em que completou os 300 anos da morte de
Zumbi dos Palmares. Essa grande manifestação concentrou em frente ao
Congresso Nacional mais de 30 mil pessoas, culminando no reconhecimento de
Zumbi pelo governo brasileiro como um herói nacional. Também foi entregue um
documento pela coordenação da Marcha Zumbi dos Palmares ao então Presidente
da República, Fernando Henrique Cardoso, cujo conteúdo contemplava um
programa de superação do racismo e da desigualdade racial.
Envolveram-se nesta mobilização vários grupos militantes que atuavam nos
sindicatos, universidades, órgãos governamentais, entidades religiosas e partidos
políticos.
Reconhecidas as reivindicações do Movimento Social Negro em 20 de
Novembro de 1995, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso
sanciona a Lei nº 9.315, que estabelece a inscrição de Zumbi dos Palmares no Livro
de Heróis da Pátria (OLIVEIRA, 2009, p. 87).
A luta do Movimento Negro continuou. Em janeiro de 2003 surge a Lei nº
10.639/2003. A nova legislação sancionada em 09 de janeiro de 2006 pelo
Presidente Lula, acrescentou dois novos artigos à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei9394/96):
Art. 26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira. Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil. Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas de Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras. Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra (MEC/SEPPIR,2005, p.35).
22
A inclusão da história da África nos currículos escolares é uma antiga
reivindicação e luta do movimento negro e de militantes preocupados com a
reprodução do racismo nas escolas e na sociedade. O I Fórum sobre o Ensino de
História das Civilizações Africanas no Rio de Janeiro em 1991, apresentou em seu
relatório uma justificativa sobre a preocupação dos movimentos negros com a
integração dos assuntos africanos e afro-descendentes no currículo escolar
(ROCHA, s/d, p.3). O mesmo autor escreve que:
Talvez a mais contundente das razões esteja nas consequências psicológicas para a criança afro-brasileira de um processo pedagógico que não reflete a sua face e de sua família, com sua história e cultura própria, impedindo-a de se identificar com o processo educativo. Erroneamente seus antepassados são retratados apenas como escravos que nada contribuíram ao processo histórico e civilizatório, universal do ser humano. Essa distorção resulta em complexos de inferioridade da criança negra, minando o desempenho e o desenvolvimento de sua personalidade criativa e capacidade de reflexão, contribuindo sensivelmente para os altos índices de evasão e repetência. (idem).
As desigualdades entre brancos e negros no sistema educacional brasileiro
ainda é grande porque o analfabetismo, a evasão e a repetência escolar são
consideravelmente mais acentuados para os/as negros/as. Segundo o censo
escolar/ 2007, a distorção de idade-série dos/as brancos/as é de 33,1% na 1ª série e
54,7% na 8ª série, enquanto que a distorção da idade-série de negro/as é de 52,3%
na 1ª série e 78,7% na 8ª série. Dentre os/as jovens brancos/as de 16 anos, 70%
haviam concluído o ensino fundamental obrigatório, enquanto que dentre os negros
e negras, apenas 30% (APP, 2010, p.84).
Os dados acima evidenciam que o acesso à escola para a população negra
representa uma esfera marcada por fortíssimas desigualdades.
Segundo Fernando Haddad (2005):
O Ministério da Educação, comprometido com a pauta de políticas afirmativas do governo federal, vem instituindo e implementando, um conjunto de medidas e ações como o objetivo de corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro. O Brasil, ao longo de sua história, estabeleceu um modelo de desenvolvimento excludente, impedindo que milhões de brasileiros tivessem acesso à escola ou nela permanecessem (MEC/SEPPIR, 2005, p.5).
23
O reconhecimento da diversidade etnicorracial no processo educacional é
um caminho necessário para a superação das desigualdades educacionais rumo à
construção e consolidação de uma sociedade democrática e uma educação de
qualidade para todos.
Acredita-se que a transformação da sociedade começa com uma escola
pública comprometida com as questões sociais e deve necesariamente, trazer em
sua proposta de ação pedagógica, proposições que contemplem as relações
etnicorraciais no campo educacional. (APP, 2010, 83).
Para isso, é preciso rever as práticas pedagógicas e os conteúdos
escolares, no sentido de desconstruir atitudes e discursos de racismo e
discriminação no interior das instituições escolares.
4.2 População indígena
Desde o inicio da colonização brasileira até a década de 1970, os povos
indígenas eram considerados uma categoria social transitória (TAGLIARI, 2009,
p.25) que deveriam ser tuteladas a fim de superar sua ‘incapacidade relativa’ e
alcançar a qualidade de ‘cidadãos plenamente capazes’ para o exercício da
cidadania (BORGES, 2009, p.35). Essa “integração”, portanto visa fazer os índios
deixarem de ser índios. Ainda conforme Borges, Medeiros e d`Adesky (2009, p. 35):
Uma mudança profunda foi introduzida pela Constituição de 1988, que, além de discriminar positivamente os índios, não os igualando simplesmente aos demais brasileiros, introduziu o reconhecimento de direitos permanentes para eles. Ela abandona a tradição assimilacionista e encampa a ideia de que os índios são sujeitos presentes e capazes de permanecer no futuro. Constitucionalmente abriram-se as portas para a implementação de políticas públicas.
A Constituição Federal de 1988, no Capítulo VIII, em seus artigos 215 e 231,
oferece embasamento legal ao atendimento dos povos indígenas. Tais artigos
responsabilizam o Estado a assegurar e garantir aos povos indígenas: o
reconhecimento e a garantia dos seus territórios, de suas formas de organização
social e de sua produção sociocultural; o ensino ministrado nas línguas indígenas e
o reconhecimento dos processos próprios de aprendizagem (SEED/CEEI, 2006).
24
Os direitos acima mencionados superam ideias antigas de que os povos
indígenas formariam sociedades em vias de desaparecimento, suas identidades
seriam provisórias e de que deveriam ser assimilados pela cultura dominante.
Infelizmente estas ideias ainda fazem parte da compreensão que se tem dos povos
indígenas pois tiveram vigência durante muito tempo e em muitos casos, são
reproduzidas no espaço escolar.
Portanto, a educação pública com relação aos povos indígenas passa a ser
pautada no respeito ao conhecimento, às tradições e aos costumes de cada
comunidade; tendo em vista a valorização e o fortalecimento das identidades
étnicas. A responsabilidade pela definição dessas políticas públicas, sua
coordenação e regulamentação é atribuída, em 1991, ao Ministério da Educação.
A Constituição Federal serviu como alavanca em um processo de
mudanças históricas para os povos indígenas no Brasil. A partir dela a relação entre
o Estado brasileiro e os povos indígenas se transforma e a política estatal
indigenista, de caráter integracionista e homogeneizadora vigente desde o período
colonial, dá lugar a um novo paradigma no qual esses povos passam a ser
considerados como sujeitos de sua própria história (SECAD/MEC, 2007, p. 16).
Esses povos lutam também pelo estabelecimento de políticas de ação afirmativa e
compensatória e pela redefinição da política indigenista oficial (BORGES, 2009, p.
35).
As lutas sociais que conseguem abrigar segmentos da sociedade em maior
número e diversidade tendem a conquistar alguns avanços nos movimentos sociais
que incluem o movimento indígena pela educação TAGLIARI (2010, p.34), prova
disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – define como um dos
princípios norteadores do ensino nacional o pluralismo de ideais e de concepções
pedagógicas, garantindo às escolas indígenas um processo educativo diferenciado e
respeitoso de sua identidade cultural e bilingüe; e ainda:
O § 3º do art. 32 assegura às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. O art. 78 afirma que a educação escolar para os povos indígenas deve ser intercultural e bilíngue, visando à reafirmação de suas identidades étnicas, à recuperação de suas memórias históricas, à valorização de suas línguas e ciências, além de possibilitar o acesso às informações e aos conhecimentos valorizados pela sociedade nacional. O art. 79 prevê que a União apoiará técnica e financeiramente os sistemas indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa (...) planejados com a audiência das comunidades indígenas (...), com os objetivos de fortalecer as práticas
25
socioculturais e a língua materna (...), desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades (...), elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado. (Parecer CNE/CEB N° 14/99. p. 45-46)
O direito a uma Educação Escolar Indígena, caracterizada pela afirmação
das identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas, pela valorização
das línguas e conhecimentos dos povos indígenas e pela revitalizada associação
entre escola/sociedade/identidade, em conformidade com os projetos societários
definidos autonomamente por cada povo indígena, foi uma conquista das lutas
empreendidas pelos povos indígenas e seus aliados. (SECAD/MEC, p. 15).
Lei nº 11.645, promulgada em 10 de março de 2008 altera a Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena” (SEED/CEEI).
As Leis 10.639/03 e 11.645/08 consideradas leis afirmativas, reconhecem a
escola como um espaço de formação de cidadãos e cidadãs e ao mesmo tempo,
afirmam a valorização das matrizes culturais.
Desta forma, a partir dos instrumentos legais que orientam ampla e
claramente as instituições educacionais quanto as suas atribuições, resta discutir de
que forma ou maneira os envolvidos no processo educacional passam a direcionar
suas práticas no interior da escola.
4.2.1 Como trabalhar com os conteúdos escolares?
Desconstruir e superar ideias antigas de que os povos indígenas formariam
sociedades em vias de desaparecimento, que suas identidades seriam provisórias e
que deveriam ser assimilados pela cultura dominante é um o primeiro passo para
superar algum preconceito com relação a esta população. Infelizmente estas ideias
ainda fazem parte da compreensão que se tem dos povos indígenas, pois tiveram
vigência durante muito tempo e em muitos casos ainda são reproduzidas no espaço
escolar (SEED/PR, 2006).
O livro didático é quase sempre o único material impresso que os alunos
dispõem e a única fonte de informação da imagem do “outro” e infelizmente esta
temática ainda é abordada de forma fragmentada. TAGLIARI (2009, p 33) citando
Grupioni, escreve que com frequência os manuais escolares incluem afirmações, às
26
vezes contundentes, contra o racismo e o preconceito exprimindo o incentivo a uma
visão de respeito e tolerância em relação a grupos etnicamente diversificados. Ao
fazer uma leitura mais crítica, percebe-se que os autores possuem grande
dificuldade em abordar o tema de acordo com as exigências das diferenças étnicas
e sociais na sociedade brasileira na atualidade. Quase sempre o enfoque dado aos
índios se concentra no passado, aparecendo apenas em função da colonização.
Outra ideia equivocada segundo TAGLIARI (2009), é que ao aprender falar e
escrever português, ao utilizar produtos industrializados como panelas de alumínio,
roupas, relógios, gravadores e filmadoras, esses povos estariam deixando de ser
índios. O autor destaca ainda:
À medida que a realidade se transforma, o homem busca novos símbolos que possam traduzir o significado das novas realidades. O fato de consumir produtos industrializados, de dominar novas técnicas e novos conhecimentos, não faz com que uma sociedade deixe de ser indígena (idem, p.32).
Observa-se ainda nos dias atuais, escolas que comemoram o dia do índio,
confeccionando, por exemplo, um ‘cocar’ ou pinturas e músicas sobre o índio, sem
no entanto, considerar a real situação desse grupo no cenário atual (LIMA,2009,
p.100), quando se vê muitos deles nas rodoviárias e rodovias brasileiras vendendo
seus artesanatos como meio de subsistência.
Dica Importante: “Coisas que não se devem dizer do índio no dia do índio”, do
Site Olhos Críticos.
O texto a seguir possibilita discussão e reflexão sobre a temática. Escrito
pelo professor Paulo Porto, 2006 (atualmente, Secretário de Assuntos Comunitários
e Segurança da Prefeitura Municipal de Cascavel)2.
Novamente estamos chegando em abril e como que de súbito, as escolas
brasileiras redescobrem o indígena brasileiro como os portugueses há 500 anos
atrás . E nessa redescoberta, vários mitos também são ressuscitados, seja nas
reportagens “especializadas” na questão indígena, seja por boa parte dos nossos
2 Publicado por Marlene Lúcia Siebert Sapelli em 12/5/2006 no site: www.olhoscriticos.com.br Acesso em 13/07/2010.
27
livros didáticos. Neste texto, apresentarei alguns destes mitos gerados nestes 500
anos de conquista e preconceito em relação a estes povos.
Descoberta:
Em relação a essa palavra muito já foi dito, mas, nunca é demais lembrar
que o que aconteceu nas praias do Brasil em 22 de abril de 1500, não foi uma
descoberta, mas, sim, uma conquista violentíssima, com consequências funestas
para os povos originários destas terras. Falar em descoberta ou conquista, não é
apenas uma questão de semântica, mas de postura histórica, a ideia de descoberta
absolve o conquistador de todas suas vilezas e violência contra os povos
colonizados, que segundo esta versão, foram descobertos, não domesticados e
subjugados. É uma visão oportunista da história construída e veiculada pelas
classes dominantes na tentativa de camuflar os crimes coloniais perpetrados pelos
povos europeus.
Os povos indígenas não foram descobertos; foram conquistados, o que
obviamente é bem diferente. Falar em descoberta não é apenas ingênuo, antes
disso, beira o oportunismo histórico e político.
Povos do Passado:
É bastante comum nos livros didáticos existirem frases do tipo: “Antigamente
os índios do Brasil viviam dessa forma...”, “nos tempos da descoberta, os indígenas
moravam dessa forma...”, como se atualmente estes povos não mais morassem e
não mais vivessem de forma alguma. Estes diversos livros e textos didáticos
nos falam de um indígena que não existe mais e cuja lembrança não passa de uma
sombra longínqua perdida no tempo das caravelas. Ignorando, desta maneira, as
dezenas de povos que atualmente existem e reivindicam sua etnicidade junto a
sociedade não-índia, como os Pankararu da favela Real do Parque da grande São
Paulo. Os povos indígenas, antes de tudo, são povos do presente e devem ser
tratados, estudados e pesquisados neste âmbito.
O que fazer?
Como já disse o Guarani Luís Euzébio, da comunidade de Brakuí no Rio de
Janeiro: “no dia do índio façam qualquer coisa, mas não fantasiem as crianças de
28
índios e venham para a aldeia sem sequer avisar ou pedir autorização para as
lideranças”. Provavelmente, a melhor coisa a fazer é, quando possível, refletir com
os alunos sobre a atual situação destes povos, assim como elaborar projetos nos
quais os alunos possam não só discutir sobre a temática indígena, como intervir. Em
1995 em Itanháem/SP, foi elaborada uma proposta para a Semana do Índio junto às
escolas estudais e municipais que culminaram em centenas de cartas para o então
presidente da República Itamar Franco, exigindo a demarcação das terras
indígenas.
Discuta quais povos existem no Estado, qual sua situação, suas terras são
demarcadas? Ou seja, na Semana do Indio (que deveria ser Semana dos Povos
Indígenas) importa mais discutir sobre o presente e o futuro destes povos do que
sobre seu passado, afinal, a única aliança que é possível constituir é com gente de
carne e osso, real, como os povos indígenas que continuam existindo (e crescendo
demograficamente!) em todo território brasileiro. E por último, nunca é demais
lembrar a necessidade de trabalhar com a temática indígena durante o ano inteiro
através de projetos relacionados à cidadania e não apenas cinco dias de abril. Os
povos indígenas agradecem.
Acredita-se que este assunto precisa ser discutido pelas professoras e
professores, com o objetivo de criar e avançar nas ações que visem trabalhar a
temática. É claro que toda ação deve ser bem planejada e coerente com a finalidade
da escola. Faz-se necessário também criar um clima de cooperação e respeito
considerando ser a escola um espaço marcado pelas diferenças.
Para Lima (2009, p. 96), as diferenças podem ser riquezas no processo
educacional, desde que a escola organize um trabalho coletivo em que as decisões
sejam pensadas para melhoria do processo pedagógico.
A mesma autora, citando Libâneo (2004, p. 63) afirma:
[...] que as decisões da equipe escolar sobre objetivos escolares e organização curricular reflitam os interesses e necessidades formativas dos diversos grupos sociais existentes na escola (a cultura popular, o urbano e o rural, a cultura dos jovens, a cultura dos homens e mulheres, de brancos e negros, das minorias étnicas, dos alunos com necessidades especiais). (LIBÂNEO, APUD LIMA, 2009).
Assim, com base na organização cooperativa são levantadas questões
essenciais para que a ação pedagógica da escola tenha êxito e “avance na direção
29
de uma educação que supere as ideologias de dominação fundadoras da realidade
brasileira, entre elas a ideologia de dominação racial” (APP, 2010, p.84).
Atualmente pode-se observar que algumas ações dão sinais de mudança e
de avanços com relação à diversidade. Prova disso é que vem ocorrendo ações
como: a inserção da discussão sobre a diversidade e currículo na formação inicial e
continuada de professores e professoras; adoção de medidas político-pedagógicas
que garantam tratamento ético e espaço propício às questões de raça/etnia, gênero,
juventude e de sexualidade na prática social da educação a adoção de medidas que
garantam às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem como ensino bilíngue e a formação de
profissionais da educação oriundos dos próprios povos indígenas; reorganização
dos tempos e espaços escolares com vistas a atender a diversidade presente nas
escolas; a implementação de novas formas de organização e gestão para a
educação de jovens e adultos, para as escolas do campo, para os povos da floresta
e para os estudantes com deficiência e/ou altas habilidade/superdotação, entre
outras.
Conclui-se que é importante desenvolver nas instituições escolares uma
postura ética de não hierarquizar as diferenças e entender que nenhum grupo social
é melhor do que o outro; na realidade todos são diferentes. Também a escola deve
se tornar um espaço atraente para os alunos e alunas que fracassam e se evadem
porque não veem sentido algum naquilo que aprendem ou porque não conseguem
assimilar os conteúdos ensinados pelos professores e professoras.
30
5 GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL
A Legislação Brasileira já caminhou consideravelmente na construção de
elementos que assegurem a equidade de gênero no país. Mas não basta ter leis, é
preciso conhecê-las e ter acesso a elas. É necessário ainda uma mudança de
posturas e de discursos discriminatórios no interior da escola. Mas para que isso
ocorra efetivamente, é importante que as educadoras e educadores comecem estas
mudanças no interior de si mesmos, revendo seus estudos, conhecimentos e
conceitos. Ouvir o que as crianças e adolescentes pensam sobre sua sexualidade e
a sexualidade dos outros é uma forma extraordinária para organizar uma discussão
em sala de aula. Para (LOURO, 1997, p. 137):
Participantes de uma dinâmica cultural própria, juvenil, e da dinâmica social e cultural mais ampla, alvo da atenção e dos apelos da mídia, das igrejas, das doutrinas jurídicas ou militares, etc., as crianças e jovens escapam, certamente, aos controles de qualquer discurso – escolar ou não – que se pretendam únicos ou homogenizador. Os saberes que a escola pretende fixar ou os saberes que a escola pretende ocultar podem (e são) contestados, desafiados, confirmados e subvertidos. Dar-se conta desses múltiplos e, por vezes, divergentes espaços educativos, é fundamental.
Uma base masculinizante tomou conta do funcionamento das instituições e
da qual a escola não escapa. Práticas educacionais, familiares e sociais que
reproduzem estereótipos vinculados ao papeis das mulheres e dos homens na vida
cotidiana estabelecem os valores e direitos que dirigem a vida das crianças desde
muito cedo. A criação de escolas para todos nas quais ambos os sexos são
igualmente respeitados deve estabelecer entre seus principais objetivos a
abordagem da questão de gênero com vistas a ensinar e respeitar a riqueza
propiciada pela diversidade humana.
A discriminação com base no sexo está presente no cotidiano escolar,
dentro do qual se perpetuam modelos que preservam atitudes preconceituosas, as
quais implicam posturas ou atitudes e expectativas entre meninos e meninas e
modelos que impõem a generalizam a cultura e valores masculinos como universais.
O universo tradicionalmente considerado próprio da mulher, percebido como
um universo particular é considerado sem significado para a sociedade. As atitudes
e os comportamentos que historicamente têm sido atribuídos ao gênero masculino
31
são predominantes e de caráter geral. O domínio de um gênero por outro constitui a
base de uma ordem social hierárquica que determina as posições dos indivíduos
independentemente das capacidades específicas, o que foi denominado patriarcado.
Segundo Guimarães (2009, p.42), as vertentes feministas que surgiram após a
década de 1960, concordam que em termos políticos, as mulheres ocupam posições
sociais subordinadas em relação ao domínio masculino. Para Guimarães (2009,
p.42):
Quando o controle social e o poder sobre o trabalho são associados à masculinidade, temos a hierarquia de gênero. Até pouco tempo o patriarcado prevalecia como forma de hierarquia de gênero, a mulher passava do domínio do pai para o domínio do marido, podendo expressar alguma forma de poder no papel de mãe, diferente do papel de esposa ou filha, aos quais deveria ser subordinada. (...) Algumas teorias explicam a subordinação do gênero. Segundo Strey (1990), as teorias ligadas à sociologia atribuem a dominação masculina à seleção natural, na qual a mulher se submetia ao homem que melhor ajudaria na criação dos filhos. Ela é quem deveria preservar seus óvulos, escolhendo um parceiro mais adaptado às condições da época de forma que os filhos herdassem dele estas características biológicas e, para convencê-lo, a mulher se submetia a ele. As teorias estruturalistas alegam que as mulheres têm menos status, pois são associadas ao domínio doméstico, já os homens, ao domínio público. A subordinação também pode ser baseada nas origens humanas. Segundo essas teorias, há dois milhões de anos os homens eram encarregados da caça e as mulheres eram naturalmente mais voltadas para a maternidade e para a família, então dependiam deles para se alimentar.
A distinção entre gênero e sexo (NOLASCO, 1993, p. 21), iniciada pelas
feministas anglosaxãs, rejeitam um determinismo biológico implícito no uso de
termos como sexo ou diferença sexuais. Gênero não está relacionando às
diferenças sexuais mas ao que é socialmente construído a partir destas diferenças
(GUIMARÃES, 2010, p. 43).
A educação começa desde o instante em que a criança nasce e é marcada
pela forma com que se relaciona se comunica e pelos modelos que são difundidos
em todos os contextos em que vive. Portanto, o primeiro espaço determinante com
relação à construção de gênero é a família, onde começam a ser fixadas as
diferenças de papéis masculinos e femininos. “As relações vivenciadas pelos
sujeitos, homens e mulheres, se dão no campo do social, e é nele, portanto, que se
constroem os gêneros” (GUIMARÃES, 2009, p. 43).
A escola dá continuidade a uma educação que “diferencia o que é adequado
para as meninas e o que é próprio para os meninos. Se oculta o feminino,
32
reforçando-se uma única forma de entender a vida, a do gênero masculino” (DUK,
1995, p. 86). Ainda segundo este autor:
Os juízos de valor e o discurso dos professores encontram-se impregnados dos estereótipos tradicionais: tendem a acreditar que as meninas são mais estáveis, organizadas, trabalhadoras, responsáveis, maduras, menos dotadas para as supostas disciplinas científicas e técnicas e mais interessadas pela literatura ou assuntos domésticos. Em consequência, agem de forma diferente, isto é, em geral, as meninas recebem menos atenção que os meninos, sobretudo nas aulas de trabalho manual, ciência e matemática. Além do mais, há uma contribuição indireta dos professores(a)s na perpetuação do machismo nos ambientes docentes. A maior presença masculina nos centros de poder é uma clara mensagem machista para alunos e alunas. (1995, p. 87).
Nas escolas de ensino profissionalizante observa-se de forma clara a divisão
entre cursos ofertados para os homens e outros ofertados para as mulheres. Na
universidade, as meninas que obtêm melhores resultados durante todo o período da
educação básica (ensino fundamental e médio) se veem relegadas a estudos menos
relevantes e, portanto, encontram piores perspectivas para um futuro profissional
bem sucedido, perpetuando assim a desigualdade existente entre os sexos.
Deve-se observar também que na atualidade existem outras pedagogias
além da escola que influenciam diariamente na formação das crianças e
adolescentes e estas, com recursos extraordinários para formação do caráter das
pessoas, especialmente dos mais jovens. Pode-se destacar aqui, a principal delas
que é a mídia televisiva que também transmite discursos sexistas. Os meios de
comunicação especialmente a televisão, reproduzem estereótipos machistas da
sociedade quando não colocam as mulheres como protagonistas das histórias. Para
a mulher negra só resta o trabalho doméstico.
Segundo Guimarães (2009, p. 48): A mídia não transmite somente conteúdos econômicos. A publicidade ainda baseia-se em velhos padrões da sociedade patriarcal, associado à imagem da mulher a ideia de domesticidade, em que ela é responsável pelo consumo de produtos e artefatos para a casa e para os outros membros da família, além, é claro, de seu consumo pessoal, restando ao homem a ideia de provedor da casa. Portanto, a mídia considera o gênero mais um produto que deve veicular e que tem implicações diretas na vida dos indivíduos. Dizer que os gêneros e seus papéis recebem um reforço ideológico da mídia, voltada ao público infantil, significa que esta é uma ideia que deve ser disseminada pela mídia de uma forma mascarada, que não cause impacto nos espectadores e que obtenha a credibilidade e a reprodução das ideias por eles.
33
Os meios de comunicação têm sido observados pelos educadores e também
criticados devido suas metodologias que concorrem de forma desleal com as
pedagogias escolares. Porém, deve-se admitir também que os livros didáticos
possuem limitações nos seus conteúdos ofertados com relação à Educação Sexual
e equidade de gênero e não garantem uma revolução para esta temática.
Dica Importante
O Texto a seguir também contribui para esta temática.
(Fonte: Secretaria Educacional da APP- Sindicato/2010).3
Para que a sociedade tenha clareza da forma como a história das mulheres
foi construída, é preciso possibilitar no ambiente escolar espaços de ações coletivas
de estudo e reflexão que favoreçam o conhecimento e o debate sobre essa
construção histórica, fomentando assim o respeito e a consciência da igualdade
entre todas as pessoas e povos. É necessário que o material didático que circula
nas instituições de ensino tenha como princípio o respeito às diferenças.
Para avançar na discussão, é importante compreender que a luta pelo
reconhecimento e o direito à diversidade não se opõe à luta pela superação das
desigualdades sociais. Pelo contrário, ela coloca em questão a forma desigual pela
qual as diferenças vêm sendo historicamente tratadas na sociedade, na escola e nas
políticas públicas em geral, via de regra, faz com que as diferenças sejam fatores de
inferiorização e de desigualdades. Essa luta alerta para o fato de que ao
desconsiderar a diversidade, pode-se incorrer no erro de tratar as diferenças de
forma discriminatória, aumentando ainda mais a desigualdade que se propaga via
conjugação de relações assimétricas de classe, etnicorraciais, gênero, diversidade
religiosa e idade.
Partimos do princípio de que gênero é uma construção social, daí que as
diferenças entre essas categorias são uma construção social de homens e mulheres
que apropriadas pelo capitalismo como forma de construir e legitimar ainda mais as
desigualdades e a exploração da mulher, têm como base a divisão sexual do
trabalho e do poder entre os sexos.
3 Texto publicado na íntegra no Caderno de Debates da APP-SINDICATO. V Conferência Estadual da Educação, 2010. p. 75-78.
34
Temos que pensar/praticar a educação associada à questão de gênero.
Embora educadoras e educadores digam que não fazem distinção entre os gêneros,
as relações de poder, e neste caso o poder masculino, perpassam e são
reproduzidos em toda a organização do trabalho pedagógico e na estrutura da
escola. Currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagens, materiais
didáticos, processos de avaliação são, seguramente, lugares das diferenças de
gênero, sexualidade, etnia e de classe - são constituídos por essas distinções e, ao
mesmo tempo, seus produtores e reprodutores.
A violência é um dos maiores problemas enfrentados pelas mulheres
brasileiras, fruto de condições sociais, econômicas e culturais profundamente
desiguais, de corrupção e de uma tradição de impunidade. Apesar dos avanços na
legislação de proteção aos direitos humanos, os índices permanecem elevados e
alguns deles cresceram na última década.
Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/06
A aprovação da Lei Maria da Penha é uma conquista do movimento
(feminista) e uma resposta para a situação da violência, reconhecendo que é
importante ter políticas específicas que façam realmente o seu enfrentamento.
Outro tema importante que se precisa discutir é o aborto. Segundo dados do
Ministério da Saúde, o aborto é um grave problema de saúde pública brasileira.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que no Brasil, 31%
dos casos de gravidez terminam em aborto, sendo que anualmente, ocorrem
aproximadamente um milhão de abortamentos espontâneos e inseguros com uma
taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos. Vale destacar que estes
números consideram os abortos por razões médicas e legais, ou seja, aqueles
permitidos pelo Art. 128 do Código Penal Brasileiro que trata de risco de morte para
a mulher e de gravidez resultante de estupro.
Mesmo sendo considerado um crime pelas leis brasileiras e condenado
pelas religiões o aborto é praticado no Brasil. As mulheres que podem pagar correm
menos riscos, mas as mulheres pobres precisam utilizar meios inseguros que
ameaçam a sua saúde e vida. (...) No Brasil, o aborto é a quarta causa de morte de
mulheres gestantes.
(...) A história da criminalização do aborto caminha junto com a opressão das
mulheres que são tratadas de forma desigual na sociedade e não têm direito de
35
decidir sobre sua vida e é mais uma das formas de controlar seu corpo e sua
sexualidade. Ser mãe não pode ser uma obrigação. Precisa ser uma decisão da
mulher, implica em muitas mudanças no aspecto físico e emocional, no projeto de
vida naquele momento.
(...) O movimento de mulheres luta para que o aborto deixe de ser crime e
possa ser feito nos hospitais públicos, com toda segurança e respeito e que todas e
todos possam ter acesso aos meios de evitar a gravidez, com orientação sexual na
escola: meninos desde cedo devem aprender que evitar a gravidez é também
responsabilidade dos homens e que os/as adolescentes aprendam a viver sua
sexualidade sem imposições, com prazer e responsabilidade.
No nosso país a maioria das mulheres sequer conhece todos os métodos
anticoncepcionais, muitas vezes não tem dinheiro para comprar ou ainda não tem
como negociar com o companheiro o uso de preservativos.
O objetivo de copiar na íntegra o texto acima foi devido à importância da
discussão quando se trata das questões de gênero. O aluno deve ser convidado
para esta discussão no interior da escola pelas (os) professoras e professores
comprometidos com uma educação emancipatória.
A escola deve dispensar mais tempo para a escolha dos livros didáticos. È
através de uma escolha criteriosa que professoras e professores podem eliminar as
obras que veiculem preconceitos referentes à condição de gênero, identidade de
gênero e orientação sexual.
Cabe ainda destacar a importância de discutir na escola estereótipos de
gênero e orientação sexual e a temática das famílias compostas por lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais, considerando recortes de raça/etnia, orientação
sexual e identidade de gênero de acordo com a faixa etária do/a aluno/a, sem
resquícios de discriminação.
Portanto, cabe a escola através dos professores e gestores, refletir sobre os
preconceitos e a discriminação existente no seu interior em relação à orientação
sexual e à identidade de gênero e proporcionar conteúdos que fundamentem esta
discussão na prática educativa da escola. Acolher a todos sem distinção também é
uma forma dos sujeitos da diversidade se sentirem aceitos e respeitados nas suas
diferenças. É importante também abordar nas diversas disciplinas do currículo,
36
assuntos referentes à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, dos
direitos sexuais e reprodutivos da juventude.
Levar esta discussão para o interior da escola não é tarefa fácil porque
muitos dos educadores precisam desconstruir pensamentos preconceituosos,
consequência de uma educação tradicional adquirida na família ou na própria
formação escolar e acadêmica.
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6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA NOVOS PONTOS DE PARTIDA
Na atualidade, falar em capacitação continuada é extremamente necessário,
até porque os educadores enfrentam grandes desafios no universo escolar. Dentre
todos, destacam-se as questões da diversidade como fundamentais na atuação
docente, afinal de contas, motivada pelos movimentos sociais, pela visibilidade que
vêm alcançando as demandas dos grupos sociais organizados, pela necessidade de
organização e inserção no mercado de trabalho etc., a escola vem sendo instigada
ao trabalho com a diversidade e por isso, os professores devem se posicionar
acerca desta questão, procurando conhecer a temática da diversidade, objeto de
estudo desta unidade.
Diversidade é a palavra do momento nas instituições de ensino. Escrever
sobre a diversidade é lembrar a realidade no cotidiano das escolas quando nos
deparamos com conteúdos da cultura afro-descendente e africana, com a cultura
indígena, com a questão de gênero e diversidade sexual. Claro está que existem
outras demandas da diversidade como a questão da inclusão dos alunos e alunas
com necessidades educacionais especiais e a acessibilidade vinculada à educação
especial, mas estas, por remeterem a uma pesquisa mais extensa, não foram aqui
discutidas.
A população referida nas temáticas acima mencionadas e que está
evidenciada na legislação contemporânea da educação, nos discursos políticos e
nos estudos e reflexões dos professores, sempre existiu na escola, porém agora os
educadores são convidados a lançar um novo olhar sobre estes grupos.
As leis da diversidade como vistas ao longo desta Unidade Temática, foram
promulgadas após muitos anos de luta dos grupos considerados excluídos e
oferecem amparo legal à igualdade na escola, condenando qualquer tipo de
discriminação e preconceito. Tais leis também direcionam o trabalho pedagógico das
professoras e professores ao trazerem à tona as temáticas da diversidade,
valorizando a história e cultura destas populações marginalizadas. Destacam-se,
neste caso, as leis que referendam o ensino da cultura afro-brasileira e indígena.
As reformas educacionais em resposta à diversidade, exigem novas
aptidões em termos de formação docente. A maioria dos (as) educadores (as)
formou-se e continua sendo formada com base em uma perspectiva tradicional
homogeneizadora que se centra na transmissão de conhecimentos teóricos e
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fragmentados entre si os quais tendem a não apresentar relevância social tanto para
a escola como para o aluno.
Ensinar constitui a atividade principal na profissão do docente, portanto deve
ser compreendida como um processo que envolve aprendizagem contínua e
envolvimento pessoal de construção permanente de novos conhecimentos e
experiências educacionais.
Para Libâneo, o professor é um profissional cuja atividade principal é o
ensino. Sua formação inicial visa propiciar os conhecimentos, as habilidades e as
atitudes requeridas para levar adiante o processo de ensino aprendizagem nas
escolas (LIBÂNEO 2004, p.75). Para o mesmo autor, a capacitação continuada visa:
[...] ao desenvolvimento pessoal e profissional mediante práticas de envolvimento dos professores na organização da escola, na organização e articulação do currículo, nas atividades de assistência pedagógico-didática junto com a coordenação pedagógica, nas reuniões pedagógicas, nos conselhos de classe etc. O professor deixa de estar cumprindo a rotina, executando tarefas, sem tempo de refletir, avaliar o que faz. Ainda tem sido muito comum nas Secretarias de Educação promover a capacitação dos professores por meio de cursos de treinamento ou de reciclagem, de grandes conferências para um grande número de pessoas. Nesses cursos são passadas propostas para serem executadas ou os conferencistas dizem o que os professores devem fazer. O professor não é instigado a ganhar autonomia profissional, a refletir sobre sua prática, a investigar e construir teorias sobre seu trabalho (idem, p. 78).
A capacitação nos moldes citados por Libâneo, envolvendo grandes grupos,
já teve seu apogeu no Estado do Paraná. Hoje as capacitações ofertadas pela
mantenedora, possuem outros moldes, porém ainda em momentos pontuais. Assim
mesmo não deixa os professores mais tranquilos na sua inquietude de conseguir dar
conta da diversidade existente na escola. Muitos eventos de capacitação são
ofertados fora dos turnos de trabalho dos professores, aos sábados e sem
remuneração, ocasionando o desinteresse dos mesmos. Neste universo, destaca-se
como exceção o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, promovido pela
SEED/PR.
As transformações que ocorrem na sociedade e que tangem as temáticas da
diversidade, consequentemente afetam a escola, pois como já foi afirmado, esta é
constituída em seu microcosmo por pessoas provenientes de camadas sociais
diferentes, tanto nas questões econômicas quanto nas questões culturais.
Reconhecer e não perder de vista estas características no contexto escolar é de
fundamental importância para que as diferenças sejam respeitadas.
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As discussões com relação à diversidade na escola foram motivadas pelas
leis da diversidade já mencionadas em parágrafos anteriores. Resta saber se houve
a oportunidade ou possibilidade de que os professores e professoras estudassem
estas leis ou mesmo de reformularem suas práticas.
Há de se levar em conta que os atuais professores, no seu período de
escolarização, foram educados de maneira preconceituosa e fragmentária acerca
dos temas dos negros e índios o que faz reproduzir, ainda hoje, práticas
pedagógicas deste tipo4. Os outros temas aqui tratados nem sequer eram discutidos
na escola. A herança patriarcal ainda está arraigada na cultura dos professores e
professoras, assim como na sociedade em geral. Portanto, desarticular essas ideias
demanda tempo. É necessário também rever posturas e linguagens preconceituosas
e discriminatórias com aqueles considerados “diferentes”.
Desconstruir a cultura de exclusão no interior da escola é um desafio que
cabe a todos os envolvidos no processo educativo. De acordo com Duk, (2005,
p.114):
Por cultura da escola entende-se o conjunto de crenças e convicções básicas mantidas por professores (a)s e comunidade escolar em relação ao ensino, à aprendizagem do(a)s aluno(a)s e ao funcionamento da escola. A cultura inclui os vínculos estabelecidos na instituição escolar, as normas que afetam a comunidade escolar, os processos de ensino e aprendizagem, os sistemas de comunicação e o tipo de colaboração entre os membros da escola e o grupo da sala de aula (professor(a)s – aluno(a)s, aluno(a)s – aluno(a)s.
Esta cultura de que trata o texto acima é que determina a elaboração do
Projeto Político-Pedagógico da escola. Por conseguinte, o PPP é o retrato das
relações que o grupo escolar estabelece com os conteúdos curriculares e as
relações interpessoais e a função da escola. O Projeto Político Pedagógico é
atualmente o documento mais importante da escola para se discutir e contemplar as
temáticas da diversidade.
Ainda não se tem dado a devida importância à construção do PPP na
escola, diria agora na realimentação, pois o Projeto Político já teve a sua fase de
construção. Porém, pode ser realimentado constantemente de acordo com as
necessidades que o colegiado julgar importante. Este documento ainda precisa ser
4 Destaca-se que, ainda hoje, o dia do índio é comemorado conforme o estereótipo da figura única do índio, de cocar etc. A escola ainda louva a Princesa Isabel.
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percebido pelos envolvidos no processo educacional no interior da escola como um
instrumento que possibilita autonomia na condução de algumas ações escolares.
Algumas, porque todas as ações devem estar contempladas no aspecto legal,
evitando contradições no processo educativo.
O objetivo em abordar aqui o PPP, é lembrar da oportunidade que é dada à
escola para construir e planejar ações que visem as discussões sobre a diversidade,
assunto este tão presente nos discursos e leis e que precisa ser refletido.
Sendo o PPP um instrumento técnico e político que orienta as atividades da
escola, cabe a este contemplar, delinear a proposta educacional, especificar e
organizar os recursos a serem disponibilizados para a sua implementação.
O Projeto Político Pedagógico sendo um instrumento intencional possui,
segundo (DUK, 2005, p.114):
[...] os princípios e objetivos de ordem filosófica, política e técnica permitem programar a ação educacional, imprimindo-lhe caráter, direção, sentido e integração, articulando-se com as seguintes dimensões da administração escolar: pedagógico-curricular, administrativa financeira, organizacional-operacional comunitária, sistema de convivência são os fundamentos que orientam a proposta educacional.
O exposto acima pressupõe que o projeto seja fruto da reflexão e da
resposta coletiva da comunidade escolar. É neste ponto que se acredita que a
capacitação continuada dos professores e professoras deve estar contemplada. A
própria construção do PPP é uma oportunidade de capacitação e atualização dos
profissionais trabalhadores da educação.
O PPP pode se constituir num momento privilegiado para que os envolvidos
no processo educacional comprometam-se com uma educação inclusiva, capaz de
promover a participação e a aprendizagem de todos os alunos e alunas e também
promovam o aprimoramento das questões envolvendo a diversidade.
Esta temática, é bom que se diga, não é direcionada somente à disciplina de
História ou outra qualquer, mas cabe a todas elas no currículo. Com relação a esta
questão OLIVEIRA (2009, p.98) propõe:
A matemática pode problematizar com base em dados estatísticos que referendem brancos, índios, negros, migrantes, imigrantes, mulheres, homens; as artes podem trabalhar com pinturas corporais indígenas, musicalidade e ritmos afro-brasileiros, origamis orientais; a literatura pode contemplar autores negros, indígenas, europeus, asiáticos bem como contos e fábulas dessas origens e seus gêneros diversos. As ciências
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biológicas podem se ocupar mais detalhadamente das teorias raciais e eugênicas e de suas desconstruções; a geografia pode destacar a distribuição étnica no espaço brasileiro e no mundo, seus processos migratórios numa perspectiva geopolítica; o recente instituído ensino religioso deve ocupar-se também das tradições indígenas e africanas. Enfim, a diversidade deve constituir-se um valor que perpasse todo o projeto escolar sem que haja, como hoje fazemos, em esforço para empreendê-lo.
Importante observar que as ações e discursos sobre a diversidade não
podem transformar-se em um projeto dedicado a um dia ou a uma semana, como
vemos ainda acontecer nas escolas ou reduzir-se à datas comemorativas. O
trabalho de corrigir injustiças e desconstruir ideias equivocadas e atitudes de
racismo, preconceito e discriminação leva tempo. Cabe à escola abordar
continuamente e incorporar a prática da inclusão das diferenças de forma positiva.
Observa-se que “as respostas educacionais dadas à demanda das questões
associadas à diversidade, estabelecem que o maior desafio encontra-se nas mãos
do professor em seu cotidiano escolar, os quais precisam reconhecer-se como
agentes diretos de transformação” (OLIVEIRA, 2009, p. 101).
Chegará um momento futuro, espera-se em breve, que a perspectiva da
diversidade esteja tão incorporada à prática docente e ao convívio dos alunos que
não será mais preciso tratá-la de maneira tão intensiva como na atualidade. E que
as diferenças sejam respeitadas e passem a ser uma oportunidade de
enriquecimento pedagógico.
42
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