da escola pÚblica paranaense 2009 · 2013-06-14 · 3 despertar interesse pela leitura os textos...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E A DESCOBERTA DE UMA
LEITURA PRAZEROSA
Josiete Emilia Otavio de Castro
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo caracterizar e analisar o gênero histórias
em quadrinhos como instrumento bastante eficaz no desenvolvimento da leitura e
compreensão textual. Também se verifica como contribui para o interesse pela
leitura, desenvolve a capacidade interpretativa e desperta um novo olhar para o
texto não-verbal. Com isso, ele possibilita a construção de novas perspectivas de
leituras de mundo, e, principalmente, para que os alunos percebam que ler é, antes
de tudo, uma atividade prazerosa.
Palavras-chave: histórias em quadrinhos, leitura, atividade prazerosa.
ABSTRACT
The present work aims to characterize and analyze the genre comics as highly
effective instrument in the development of reading and text comprehension. It is also
observed how it contributes to the interest in reading, develops interpretive capacity
and awakens a new look to the non-verbal text. Thus, it enables the construction of
new perspective for world reading, and especially for the students to realize that
reading is, above all, a pleasurable activity.
Keywords: comic books, reading, pleasurable activity.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
As histórias em quadrinhos podem contribuir de diversas formas
para a educação, pois, além de divertir, esse gênero textual pode fornecer subsídios
para o desenvolvimento da capacidade de análise, interpretação e reflexão do leitor.
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Para despertar nos alunos o prazer da leitura, foi desenvolvido o
projeto “As histórias em quadrinhos e a descoberta da leitura prazerosa”, integrante
do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), promovido pelo governo do
Estado do Paraná, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo de Tarso Galembeck.
Há milhares de anos, as histórias fazem parte da cultura humana e o
hábito de contá-las e ouvi-las relaciona-se ao mundo afetivo e à construção da
identidade da comunidade. No mundo contemporâneo, a imagem tornou-se
importante aliada das técnicas narrativas, já que une elementos verbais e icônicos,
e desperta, assim, o interesse das diversas faixas etárias.
Erroneamente, houve um tempo que a leitura seria decodificação
pura e simples, fato isolado e sem significação mais profunda. Felizmente, essa ideia
foi-se modificando e, paulatinamente, a leitura tornou-se objeto de estudos mais
específicos. Atualmente, sabe-se que essa atividade vai muito além da simples
decodificação, mas, trata-se de um processo em que o leitor é instigado a construir
significações, a interagir, culminando numa atividade muito maior de percepção.
A grande dificuldade existente nas aulas de Língua Portuguesa,
assim como nas outras disciplinas, advém do desinteresse do aluno pela leitura. Em
virtude desse desinteresse, o resultado não tem sido o esperado quanto à
capacidade interpretativa, visto que os alunos sempre veem a leitura como algo
mecânico, desgastante e sem atrativo. Observa-se que um dos maiores problemas
na aprendizagem consiste na dificuldade de compreensão textual e isso gera
prejuízos em todas as áreas de conhecimento, pois grande parte dos alunos só
consegue abstrair de um texto as informações explícitas e que não exijam reflexão.
Mesmo sendo notório que os alunos, em geral, não gostam de ler,
apesar dos diversos incentivos à leitura, é também verdadeiro que costumam
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despertar interesse pela leitura os textos em que apareçam ilustrações como as
histórias em quadrinhos.
No presente trabalho, consideram-se as histórias em quadrinhos, um
gênero narrativo repleto de imagens, humor e diálogos curtos. Assim, busca-se levar
os alunos a perceberem que ler é um ato criativo e, principalmente, uma atividade
prazerosa. A partir disso, objetiva-se que consolidem seus hábitos de leitura e
compreensão de ideias, colaborando assim, com o processo pedagógico em todas
as disciplinas.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo Lajolo (1982, p.112), o homem descobriu a capacidade de
nomear as coisas deixando de ser um entre outros seres apenas, mas sim o ser
capaz de simbolizar todos os outros, surgindo, então, a linguagem. As ideias e
experiências perpetuadas por meio de desenhos nas cavernas passaram a receber
nomes, estabelece-se nessa época primitiva a comunicação visual, um canal de
desenvolvimento da interação, simbolizados por sons e sinais gráficos.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1981, p.11)
Necessário se faz analisar o que seria considerado texto. Estudos
linguísticos conhecidos como estruturalistas restringiam-se à análise de palavras ou
frases. Entretanto, de acordo com Koch (2006, p.11), nos anos de 1960, na Europa,
um novo ramo da Linguística começou a se desenvolver, a Linguística Textual.
No Brasil, os primeiros trabalhos como o estudo linguístico do texto
ocorreram na década de 70, mas somente na década de 80 é que estudos em
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Linguística Textual surgiram em maior número. O objeto investigativo deixou de ser
a palavra ou frase para ser o texto.
Koch (2008, p.26) leciona que “[…] textos são resultados da
atividade verbal de indivíduos socialmente atuantes, na qual estes coordenam suas
ações, no intuito de alcançar um fim social, de conformidade com as condições sob
as quais a atividade verbal se realiza.” Koch (2002, p.9), ainda considera o texto um
lugar de interação de sujeitos sociais, um construto histórico e social, complexo e
multifacetado, cujos segredos devem ser desvendados.
De acordo com Silva (2003, p.12), “o ato de ler é,
fundamentalmente, um ato de conhecimento. E conhecer significa perceber mais
contundentemente as forças e as relações existentes no mundo da natureza e no
mundo dos homens, explicando-as”. A variedade de textos, veiculados pelas
múltiplas linguagens, faz perceber o quanto a habilidade de ler é imprescindível à
inserção cultural e social.
Resgatar a capacidade leitora dos indivíduos significa restituir-lhes a capacidade de pensar e de se expressar cada vez mais adequadamente em sua relação social, desobstruindo o processo de construção de sua cidadania que se dá pela constituição do sujeito, isto é, fortalecendo o espírito crítico. (JOUVE, 2002, p. 54).
A escola deve preocupar-se com a formação de leitores, mas antes
de pensar em formar leitores competentes, deve formar leitores pelo prazer da
leitura, leitores que vejam na leitura sentido para a alma. Rubem Alves, em
entrevista para a revista Nova Escola, defende que a leitura é uma experiência para
ser vivida com prazer.
[…] a educação teria completado sua missão se conseguisse despertar o prazer de ler. Por que os alunos não gostam de leitura? Primeiro porque a escola faz questão de estragá-la. E a leitura deve ser uma coisa solta, vagabunda, sem ter de fazer relatório. Ler um texto só para responder a um questionário de compreensão é horrível, estraga tudo. Eu tenho aconselhado as prefeituras e as
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instituições a desenvolver concertos de leitura, como existem os de piano. Para um concerto, todos têm de saber o texto praticamente de cabeça e para isso têm de ensaiar. Lendo, aprendem a gostar. (ALVES, 2002, p. 45-47).
É importante salientar que as Diretrizes Curriculares para Língua
Portuguesa no Estado do Paraná (2006), ao contemplar a formação do leitor, no
tópico “As linhas que tecem a leitura”, afirmam que, entre outras funções, há:
“Fruição: o ato de ler não se esgota ao final da leitura e das sensações. A leitura
permanece. E por isso o prazer que ela proporciona difere do prazer que se esgota
rapidamente. Ela decorre de „uma percepção mista de necessidade e prazer. [...]‟.”
(YUNES, 1995, p.194)
Trata-se, portanto, de proporcionar aos alunos a leitura como
fruição, ou seja, ler pelo prazer de ler, sem se preocupar com resumos, fichas de
leitura, sem cobranças posteriores.
Diante dessa realidade, necessário se faz estimular a criança e o
jovem, e oferecer-lhes condições favoráveis para que desenvolvam o gosto pela
leitura e a busca do conhecimento. Para tanto se torna essencial o papel que a
disciplina de Língua Portuguesa desempenha, já que a linguagem permeia todas as
atividades humanas.
As histórias em quadrinhos, por seu aspecto lúdico, podem auxiliar o
professor a formar leitores, possibilitando a familiarização, fazendo com que observe
os efeitos de sentido produzidos pela junção de linguagens diferentes, pois
mobilizam recursos extras para a compreensão, conjugando texto verbal e o não-
verbal.
“Leitura não é só livro. Leitura é tudo.” Com essas palavras,
Waldomiro Vergueiro defende que não existe uma leitura mais importante que as
outras. Uma leitura sempre é o caminho para outras mais, numa espiral sem começo
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ou fim. “Um outdoor leva a uma fotografia, que leva a um vídeo, que leva a um
programa de televisão, que leva a um desenho animado, que leva a uma história em
quadrinhos, que leva a um livro, que leva a um filme, que leva a um outdoor
anunciando a estreia do longa-metragem.” E continua explicando que essa “teia de
leituras tira do ambiente escolar e acadêmico a impressão de que somente obras
literárias gozam de prestígio para serem usadas em sala de aula. Outros gêneros
também podem – e devem – ser usados em práticas pedagógicas […]”
(VERGUEIRO, 2009, p. 40).
3. HISTÓRICO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Desde a Pré-História, as pinturas rupestres de animais
demonstravam rituais pré-históricos ligados à caça e são consideradas precursoras
das histórias em quadrinhos. Na singeleza de suas imagens, os primitivos deixaram
para o futuro, o testemunho de sua época. Mesmo sem saber, o homem descobria
sua capacidade criadora através da imagem, nascendo, assim, as primeiras
sequências de imagens como forma de expressão.
Posteriormente, outra forma de expressão por meio de imagens,
surgiu com os hieróglifos (mistura de desenhos com letras), em que os egípcios
decoravam seus templos e túmulos narrando as histórias dos deuses e faraós. De
acordo com Gaiarsa (1970, p.116), “a primeira forma de escrita conhecida – os
hieróglifos do Egito – foi o segundo tipo de história em quadrinhos que a
humanidade conheceu.”
A evolução da indústria tipográfica e o surgimento de grandes
cadeias jornalísticas criaram as condições necessárias para o aparecimento das
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histórias em quadrinhos como meio de comunicação de massa. Mesmo havendo
histórias ou narrativas gráficas em várias regiões do mundo, é possível afirmar que o
ambiente mais propício para seu florescimento foram os Estados Unidos do final do
século XIX.
Os balões que hoje caracterizam as HQs têm seus antecessores
mais remotos, na tábua Protat, em 1370, na qual “um centurião romano, diante do
Calvário, levanta um dedo em direção à cruz e declara: „Vere filius Dei erat iste’
(„Sim, na verdade esse é o filho de Deus‟). “De sua boca sai um „fi lactério‟, contendo
a mensagem que desejava transmitir. Veem os estudiosos nesse filactério um
precursor dos „balões‟ das HQ” (ANSELMO, 1975, p.41).
A partir de 1806, com as estampas de Épinal, na França, que eram
cartões confeccionados em madeira, o termo história em quadrinhos pôde ser
empregado já que narravam uma história com legendas. Nessa época, as imagens
não eram utilizadas para entretenimento, mas para relatar fatos históricos.
Em 1895, o jornal New York World, de propriedade de Joseph
Pullitzer, imigrante húngaro, estava passando por uma crise, e por isso procurou
atrair um maior contingente de leitores com a colaboração de Richard Oultcault,
criador de uma série de desenhos (Down Hogan’s Alley – O Beco de Hogan), que
narrava as aventuras dos indivíduos de um cortiço de Nova Iorque. O surgimento
dessa tira consiste num marco porque, pela primeira vez, o texto falado é colocado
dentro da imagem e não exteriormente como ocorria até então. Um dos personagens
da história de Oultcault era um garoto calvo, com enormes orelhas de abano, o
Yellow Kid.
No Brasil, muito antes de Oultcault, o ítalo-brasileiro Angelo Agostini
publicou em 1869, a primeira história em quadrinhos brasileira. Ela contava as
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surpresas e desventuras de um homem simples do interior. Em outubro de 1905, foi
lançada a revista “Tico-Tico”, destinada ao público infantil. Seu personagem símbolo,
Chiquinho era o Buster Brown, de Outcault, devidamente adaptado para a realidade
brasileira (Cirne, 1975, p.10).
O jornalista Adolfo Eizen, “que já havia lançado o primeiro
suplemento juvenil nos jornais, também foi o responsável pela primeira revista em
quadrinhos, em 1939, O Mirim.” (CARVALHO, 2006, p. 26) Também em 1939,
Roberto Marinho lançou “O Gibi”. A palavra gibi, originalmente significa moleque. “O
símbolo da revista era a figura de um menino negro (um gibi como se dizia
antigamente) […] o nome então acabou se tornando sinônimo de quadrinhos no
Brasil.” (FEIJÓ, 1997, p. 36).
As revistas que trariam apenas quadrinhos, surgiram nos Estados
Unidos, na década de 1930. Will Eisner, em entrevista a DJota Carvalho, em 1996,
relata que essas revistas apareceram de forma incidental:
O pessoal do jornal queria manter as prensas funcionando, então, juntaram várias tiras num livrinho, que chamaram de comic book, e
resolveram imprimir aquilo. Acontece que, em apenas um dia, aquele livrinho vendeu um milhão de exemplares. Estava descoberto um novo mercado e começaram então a ser publicadas histórias com sequência. (CARVALHO, 2006, p.26).
Em 1928, surge nos Estados Unidos o desenho animado de Mickey
Mouse, por Walt Disney. Em 1930, o rato mais célebre do mundo é introduzido nos
quadrinhos. A origem do personagem Zé Carioca está ligada à “política da boa
vizinhança” entre os Estados Unidos e a América Latina. Na década de 50,
começaram a ser publicadas no Brasil as histórias em quadrinhos da Disney, tendo
sido grande a “reivindicação dos artistas nacionais para se lançar uma série made in
Brazil, baseada no Zé Carioca, o que acabou se concretizando esse tornando um
sucesso” (FEIJÓ, 1997, p. 55). A partir da década de 60, multiplicaram-se as
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publicações e os personagens brasileiros, salientando-se Pererê, de Ziraldo, que
mais tarde também cria “O Menino Maluquinho”.
Pererê, de Ziraldo, despontando em outubro/1960, revista mensal da Empresa Gráfica “O Cruzeiro”, a rigor o primeiro grande marco criativo dos quadrinhos brasileiros, e – em termos comparativos – uma obra tão importante quanto o cinema de Glauber Rocha, o romance de Guimarães Rosa ou a poesia de Oswald de Andrade, apresentando estórias do mais puro dimensionamento estético […]. (CIRNE, 1975, p.11).
O Brasil teve excelentes quadrinhistas, mas não perduraram muito
tempo em função das políticas editoriais e a concorrência desigual com quadrinhos
importados tais como: Batman, Capitão América, Fantasma e Mandrake. “Ziraldo
confessa que o Pererê deixou de circular em 1964 por questões econômicas, já que
os materiais das outras revistas d‟O Cruzeiro chegavam […] ao Brasil por „preço de
banana‟” (CIRNE, 1975, p.15).
No cenário brasileiro, o esforço melhor sucedido em se tratando de
histórias em quadrinhos certamente é o que vem sendo realizado desde 1961 por
Maurício de Sousa. De acordo com Anselmo (1975, p. 71), “Maurício inicia seu
trabalho em 1959, quando a Editora Continental decide trabalhar somente com
desenhistas nacionais”. Entre seus personagens mais conhecidos citam-se Bidu e
Franjinha (em 1959), Cebolinha (em 1960), Cascão, Horácio, Chico Bento e
Astronauta (em 1963); Penadinho (em 1964) e Mônica, seu principal personagem
(em 1965), para citar apenas alguns dos mais de cem personagens da galeria do
autor.
4. OS GÊNEROS TEXTUAIS
Desde a literatura clássica, a noção de gêneros textuais vem sendo
estudada. Aristóteles e Platão já demonstravam a preocupação em escrever textos
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apresentando suas semelhanças e diferenças. Apesar de não ser novo, o estudo
dos gêneros textuais continua ainda bastante explorado. Consiste na diversidade de
textos encontrados nos ambientes de discurso social e em sua prática escolar.
Conforme observou Bakhtin (1992, p. 279)
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.
Os gêneros textuais, utilizados nos mais diversos ambientes
linguísticos, retratam a evolução da linguagem. Deve-se ter em mente que, assim
como a linguagem, os gêneros não são estanques. Não devem ser simplesmente
rotulados, como se tivessem formas engessadas com configuração rígida. Ao
contrário, é de suma importância demonstrar que os falantes modificam e criam
gêneros textuais.
Apesar de grande parte dos gêneros serem entendidos já no
convívio social, há aqueles que requerem aprendizagem sistematizada, por isso, em
sua prática escolar, o aluno deve ser exposto a toda gama de discursos. Marcuschi
(2002. p.32) salienta que “o ensino com base em gêneros deveria orientar-se mais
para aspectos da realidade do aluno de que para os gêneros mais poderosos, pelo
menos como ponto de partida”.
Cabe à escola e principalmente aos professores de Língua
Portuguesa, proporcionar aos alunos o maior número de situações em que eles
estejam em contato com textos de diferentes gêneros e, com isso, faça uso eficaz da
linguagem para que possa exercer plenamente sua cidadania.
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4.1 O gênero textual história em quadrinhos
Ainda não há um consenso quanto à definição do gênero história em
quadrinhos, entretanto podemos observar que, como um meio de comunicação de
massas, está totalmente inserido em nosso cotidiano.
Paulo Ramos explica que há uma grande dificuldade quanto ao
gênero história em quadrinhos e ressalta que “antes de uma discussão sobre o
assunto, é preciso entender o que é exatamente uma história em quadrinhos e,
principalmente o que ela não é” (RAMOS, 2009, p. 17).
A maior autoridade mundial em quadrinhos, Will Eisner, define o
gênero como uma forma de arte sequencial. “Enquanto a charge tem que transmitir a
sua mensagem […] em uma única imagem, a história em quadrinhos é uma
sequência de acontecimentos ilustrados” (EISNER, 1989 apud FEIJÓ, 1997, p.13).
Na mesma obra, Feijó (p.14), leciona que, para ler textos, interpretamos palavras e
frases, mas para “ler” uma arte sequencial é necessário interpretar imagens e
sequências de causa e efeito.
As histórias em quadrinhos, segundo Vergueiro (2009, p. 31),
“constituem um sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em
constante interação: o visual e o verbal […] reforçando um ao outro e garantindo que
a mensagem seja entendida em plenitude”.
Ao se fazer a leitura das HQs, deve-se analisar, além da linguagem
verbal, também a não-verbal: cores, expressões fisionômicas, letras, onomatopeias,
enfim, as características textuais desse gênero.
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5. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E ENSINO
Os quadrinhos, atualmente, representam, no mundo inteiro, um meio
de comunicação de massa de grande penetração popular, com uma variedade de
títulos e tiragem de milhares ou talvez milhões de exemplares. Entretanto, houve um
tempo em que o gênero HQ era desprezado e foi objeto de restrição por muitos pais
e professores no mundo inteiro, pois acreditavam que esse tipo de leitura poderia
afastar crianças e jovens de leituras “mais profundas”.
No Brasil, em 1928, surgiam as primeiras críticas formais contra as
histórias em quadrinhos, quando a Associação Brasileira de Educadores (ABE) fez
um protesto contra os quadrinhos, justificando que eles incutiam hábitos estrangeiros
nas crianças. Em 1944, preocupado com o fato de que as crianças preferiam ler
quadrinhos a livros, o Instituto Nacional de Educação e Pesquisa (Inep), “apresentou
um estudo preconceituoso, sem rigor na apuração ou embasamento criterioso, no
qual afirmava que as histórias em quadrinhos provocavam „lerdeza mental‟”
(CARVALHO, 2006, p. 32).
Essa polêmica só se acalmou em 1949, quando o Congresso
Nacional decidiu intervir criando uma comissão para analisar os quadrinhos com
conclusões bastante positivas. Infelizmente, essa calmaria foi temporária. DJota
Carvalho (2006, p.34) leciona que, em 1953, “os jornais de Porto Alegre – RS, em
especial o Correio do Povo, publicaram uma série de reportagens preconceituosas
contra os quadrinhos”.
Após a Segunda Guerra Mundial, surgiram HQs de terror e
suspense, em virtude disso, Fredric Wertham, psiquiatra alemão radicado nos
Estados Unidos, investiu violentamente contra as revistas de histórias em
quadrinhos por meio de palestras em escolas, artigos em jornais e revistas
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especializadas. Salientando os aspectos negativos dos quadrinhos e […] “utilizando-
se de exemplos escolhidos a dedo e com rigor científico questionável, o psiquiatra
tentava provar como as crianças que recebiam influência dos quadrinhos
apresentavam as mais variadas anomalias de comportamento […]” (VERGUEIRO,
2009, p.11).
Posteriormente, Wertham reuniu suas observações e publicou o livro
A sedução dos inocentes, em 1954, marcando, durante as décadas seguintes, a
visão dominante sobre os quadrinhos nos Estados Unidos e, consequentemente, em
grande parte do mundo. Para fazer frente a essa visão negativa, ao final da década
de 1940, editores norte-americanos da Association of Comics Magazine elaboraram
o Comics Code , o Código de Ética para as Histórias em Quadrinhos.
Cada comic book publicado recebia, em sua capa, um selo
garantindo à sociedade a qualidade interna. Toda essa polêmica fez com que as
editoras pouco se interessassem e os quadrinhos caíssem na mediocridade. Nos
meios intelectuais, qualquer discussão sobre o valor estético e pedagógico das HQs
e qualquer tentativa acadêmica de dar estatuto de arte aos quadrinhos eram logo
encaradas como absurdas (VERGUEIRO, 2009, p.16).
Nas últimas décadas do século XX, o desenvolvimento das ciências
de comunicação e dos estudos culturais fez com que os meios de comunicação
tivessem um novo olhar, menos negativo. Isso ocorreu com todos os meios de
comunicação, como o cinema, o rádio, a televisão e também as histórias em
quadrinhos, que passaram a receber mais atenção das elites intelectuais.
A inclusão efetiva das HQs em materiais didáticos começou de
forma tímida, inicialmente apenas como ilustração. No Brasil, após a avaliação do
MEC, em meados de 1990, muitos autores de livros didáticos passaram a incorporar
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os quadrinhos em suas produções. O início de uma mudança mais contundente veio
com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), de 1996 e no ano seguinte, com a
elaboração dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais).
Diferentes gêneros de quadrinhos ligados ao humor se fazem
presentes também no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), processo de
avaliação feito pelo governo federal. Vergueiro (2009, p.12), ao discorrer acerca da
utilização das histórias em quadrinhos no ENEM, enfatiza que o INEP (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) registra que um dos
eixos cobrados do aluno é o domínio de leitura de outras linguagens:
O Enem quer saber até onde vai a sua capacidade para entender as várias formas de linguagem, seja um texto em português, um gráfico, uma tira de histórias em quadrinhos ou fórmulas científicas. Você tem que demonstrar que conhece e entende os códigos verbais e não-verbais. (grifo nosso)
A aplicação das HQs deverá adaptar-se ao cronograma do curso,
não deve haver nem uma valorização excessiva e muito menos ser encarada como
um momento de relaxamento. Os quadrinhos “não podem ser vistos pela escola
como uma espécie de panacéia que atende a todo e qualquer objetivo educacional,
como se eles possuíssem alguma característica mágica capaz de transformar pedra
em ouro” (op.cit., 2009, p. 27).
Ainda de acordo com Vergueiro (2009, p. 31), as HQs oferecem um
variado leque de informações passíveis de discussão em sala de aula, elas podem
versar sobre os mais diferentes temas, são facilmente aplicáveis em qualquer área e
“o único limite para seu bom aproveitamento em qualquer sala de aula é a
criatividade do professor e sua capacidade de bem utilizá-los pra atingir seus
objetivos de ensino.”
A linguagem das HQs, por seu aspecto peculiar é caracterizada
principalmente pela atuação da linguagem verbal e não-verbal e exige do leitor
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desdobramentos e saberes que contribuem para o exercício pleno da leitura. De
acordo Vergueiro (2009, p. 31), “a „alfabetização‟ na linguagem específica dos
quadrinhos é indispensável para que o aluno decodifique as múltiplas mensagens
[…] e, também, para que o professor obtenha melhores resultados em sua
utilização.”
Atualmente, é notória a importância dos quadrinhos na educação e
comunicação de massa, pois elas representam uma nova alternativa na
aprendizagem, capaz de melhorar a relação do aluno com a escola: as HQs já
alfabetizaram nas escolas, já ensinaram na saúde, já educaram no trânsito e
tornaram-se indispensáveis como lazer.
6. CARACTERÍSTICAS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
As HQs possuem características próprias do gênero, como exemplo
pode-se citar os personagens, o enredo, os balões e as onomatopeias. Para Ramos
(2009, p.30), dominar a linguagem dos quadrinhos é condição para a plena
compreensão da história. Nesse mesmo sentido, Vergueiro (2009, p. 31) leciona que
“a „alfabetização‟ na linguagem específica dos quadrinhos é indispensável para que
o aluno decodifique as múltiplas mensagens neles presentes e, também, para que o
professor obtenha melhores resultados em sua utilização”.
Nota-se que o sistema narrativo das histórias em quadrinhos é
composto por dois códigos: o visual e o verbal, que interagem e se reforçam
garantindo que a mensagem seja entendida em sua plenitude.
Vergueiro (2009, p. 31) explica que, ao longo dos anos, os autores
de HQs foram desenvolvendo e aplicando elementos que passaram a integrar a
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linguagem específica do gênero, e alguns elementos foram criados dentro do
ambiente próprio dos quadrinhos, enquanto outros emprestaram recursos de
linguagem do cinema.
O mesmo autor leciona, ainda, que a imagem desenhada é o
elemento básico das HQs, apresentando-se como uma sequência de quadros que
trazem, normalmente, uma narrativa, seja ficcional (uma história infantil, um conto de
fadas, aventuras de super-herói) ou real (o relato ou reportagem sobre fatos ou
acontecimentos, a biografia de um personagem ilustre, etc.).
A leitura dos quadrinhos, no mundo ocidental, é a mesma do texto
escrito: do alto para baixo e da esquerda para direita, apesar de que as HQs de
super-heróis fazem utilização bastante arrojada do formato dos quadrinhos,
atendendo “a uma característica do leitor moderno, que exige uma narrativa gráfica
com maior dinamismo visual e figuras marcantes […] (VERGUEIRO, 2009, p.37).
6.1 Personagens
A maior parte das HQs costuma ter personagens fixos que
constituem uma série. Costumam ser retratados com o mesmo tipo de roupa, a fim
de possibilitar uma identificação imediata por parte dos leitores. São eles que
conduzem o enredo, pois, por meio de suas falas e ações, as histórias são contadas.
A representação gráfica dos personagens vai obedecer ao estilo dos
quadrinhos, apesar de não ser uma regra, histórias de aventuras costumam utilizar-
se de uma representação realista dos personagens, enquanto as histórias cômicas
tendem a ter personagens caricatos.
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As expressões corporais e faciais são elementos importantes para a
caracterização dos personagens e compreensão da mensagem da HQ. “As
expressões faciais seguem um código universalmente aceito para evidenciar cada
estado de ânimo, possibilitando expressar os mais variados sentimentos, de acordo
com a criatividade de cada autor” (VERGUEIRO, 2009, p.53).
6.2 Balões
Acevedo, citado por Ramos (2009, p. 32), salienta que “é uma
convenção própria da história em quadrinhos que serve para integrar à vinheta o
discurso ou o pensamento dos personagens”. O mesmo autor cita, ainda, a definição
dada por Cagnin: “é o elemento que indica o diálogo entre as personagens e
introduz o discurso direto na sequência narrativa”. Embora ambas as definições
enfatizem que se trata da fala, do discurso direto, deve-se ressaltar que há os balões
de pensamento dos personagens. Eco, apud (Ramos 2009, p. 33) sugere que, na
fala, o balão significa “discurso expresso” e se for imaginado, “discurso pensado”.
Os balões consistem no recurso que mais identifica os quadrinhos
como linguagem e, no entender de Fresnault-Deruelle apud (Ramos, 2009, p.34),
“são eles que dão originalidade e ajudam a tornar as histórias em quadrinhos um
gênero específico.” Para Vergueiro (2009, p. 56), “pelo balão, as histórias em
quadrinhos se transformam em um verdadeiro híbrido de imagem e texto, que não
podem mais ser separados. O balão é a intersecção entre imagem e palavra”. A
presença do balão, ligado por um prolongamento chamado rabicho ou apêndice e
sua posição no quadrinho sugerem ao leitor, diversas informações, antes mesmo
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que este leia o texto, em virtude de as linhas que delimitam esses balões indicarem
sentimentos, atitudes e as mais variadas emoções e intenções.
Cagnin apud Ramos (2009, p. 37 - 41) elenca alguns tipos de
balões:
balão-fala – o mais comum e expressivamente o mais neutro; possui contorno com traçado contínuo, reto ou curvilíneo; também é conhecido como balão de fala.
balão-pensamento – contorno ondulado e apêndice formado por bolhas; possui o formato de uma nuvem; indica pensamento.
balão-cochicho – linha pontilhada, possui indicação de tom de voz baixo.
balão-berro – extremidades para fora, como uma explosão; sugere tom de voz alto.
balão-trêmulo – linhas tortas, sugere medo ou voz tenebrosa.
balão-de-linhas-quebradas – para indicar fala vinda de aparelhos eletrônicos.
balão-vibrado – indica voz tremida.
balão-glacial – desprezo por alguém ou choro; é “glacial” porque parece gelo derretendo.
balão-uníssono – reúne a fala de diferentes personagens.
balão-zero ou ausência de balão – é quando não há o contorno do balão; é indicado com ou sem o apêndice.
balões-intercalados – durante a leitura dos balões de um personagem, pode haver outro balão com a fala de um interlocutor.
balão-mudo – não contém fala; em geral, aparece com um sinal gráfico (como os pontos).
balões-duplos – indica, em princípio, dois momentos de fala.
balão-sonho – mostra em imagens o conteúdo do sonho do personagem.
balão de apêndice cortado – é usado para indicar a voz de um emissor que não aparece no quadrinho […].
balões-especiais – ocorrem quando assumem a forma de uma figura e conotam o sentido visualmente representado.
6.3 Onomatopeias
Nas HQs, para representar graficamente os sons existentes em
nosso cotidiano, a forma mais comum é a onomatopeia. Segundo Vergueiro (2009,
p. 62), as “onomatopeias são signos convencionais que representam ou imitam um
som por meio de caracteres alfabéticos”. É um recurso que varia de país para país e
19
de autor para autor. Ramos (2009, p. 78) leciona que “não há uma regra para o uso
e a criação das onomatopeias. O limite é a criatividade de cada artista”. As
onomatopeias podem ser consideradas, ao mesmo tempo, signo verbal e
iconográfico.
Não se sabe ao certo quando surgiram as onomatopeias. De acordo
com Cirne (1977, p. 31), “o exemplo mais antigo encontrado de ruídos nos comics é
o de uma estória assinada por Winsor McCay, em 8 de dezembro de 1907: Little
Nemo in Slumberland, onde vemos os sons ZZZZ, Uh, Umph, Boom.”
Geralmente, as onomatopeias são grafadas em caracteres grandes,
independentemente dos balões, perto do local em que ocorre o som que
representam. De acordo com Ramos (2009, p.79), as onomatopeias estão
normalmente associadas à língua do país onde foram produzidas. “Algumas são
importadas dos Estados Unidos. „To click‟, estalar, gerou, „click‟; „to crash‟, espatifar-
se, virou „crash‟; „to splash‟, salpicar na água, tornou-se „splash‟.
Vergueiro (2009, p.63) cita alguns exemplos de onomatopeias:
Explosão: Bum! Quebra: Crack! Choque: Crash! Queda na água: Splash! Pingos de chuva: Plic! Plic! Plic! Sono: ZZZZZZZZZZZZZZZZZ! Golpe ou soco: Pow! Campainha: Rring! Rring! Metralhadora: Rá-tá-tá-tá-tá-tá! Beijo: Smack! Tiro: Bang! Pow!
As onomatopeias constituem sonoplastia aos quadrinhos, conferem
credibilidade à cena desenhada. De acordo com Cirne, apud Ramos (2009, p. 78),
“uma boa onomatopeia […] está para os quadrinhos assim como um ruído (bem
utilizado) está para o cinema”.
20
6.4 Os valores expressivos das letras
A letra de forma tradicional, sem negrito, geralmente na cor preta é a
mais utilizada nos quadrinhos. De acordo com Ramos (2009, p. 56), esse tipo de
letra “indica uma expressividade „neutra‟, uma espécie de grau zero, do qual outros
vão derivar. Qualquer corpo de letra que fuja a isso obtém um resultado
expressivamente diferente (como também ocorre com o contorno dos quadrinhos e
dos balões)”. É o que Cagnin apud Ramos (2009, p. 57) chama de “função figurativa
do elemento linguístico”. A letra passa a agregar outro sentido, variando conforme o
contexto da história.
Nesse mesmo sentido, Eisner (2001, p. 10) defende que “o
letreiramento, tratado „graficamente‟ e a serviço da história, funciona como uma
extensão da imagem. Neste contexto, ele fornece o clima emocional, uma ponte
narrativa, e a sugestão de som”.
Uma particularidade das letras nas histórias em quadrinhos é o fato
de usar-se correntemente apenas as maiúsculas. Letras com um tamanho menor
indicam fala sussurrada ou em tom baixo, em negrito, podem sugerir tom de voz alto
ou fala mais emocional. Com os recursos da informática, há um leque vasto de
caracteres a serem utilizados e cada um indica um elemento expressivo diferente.
6.5 O Quadrinho ou Vinheta
Quando as histórias em quadrinhos começaram a surgir nos jornais,
as vinhetas costumavam ter sempre o mesmo formato. Com o desenvolvimento do
gênero, passaram a ter mais dinamicidade e a ganhar os mais diferentes formatos,
dependendo da intenção do artista e do espaço físico disponível.
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O quadrinho ou vinheta, segundo Vergueiro (2009, p. 35), “constitui
a representação, por meio de uma imagem fixa, de um instante específico ou de
uma sequência interligada de instantes, que são essenciais para a compreensão de
uma determinada ação ou acontecimento”.
Um quadrinho se diferencia de uma fotografia, pois esta capta
apenas um instante, enquanto que nos quadrinhos podem estar expressos vários
momentos, conforme leciona Vergueiro (2009, p.35):
[…] dentro de um mesmo quadrinho podem estar expressos vários momentos, que, vistos em conjunto, dão a ideia de uma ação específica. Nos quadrinhos que refletem luta, comuns nas histórias de aventura, pode-se retratar, em um mesmo quadro, tanto o momento do impacto do soco que um personagem dá em outro como os momentos que antecedem essa ação ou acontecem em decorrência desse ato: as palavras de ameaça do agressor, o grito da vítima e o início de sua queda, depois da agressão sofrida.
Cabe ressaltar que as vinhetas possuem uma borda, representada
por um signo de contorno. Ramos (2009, p.98) cita as diferentes nomenclaturas que
essa borda recebe segundo alguns autores:
Acevedo (1990) e Vergueiro (1985, 2006) chamam a área lateral de linha demarcatória.
Santos (2002) prefere o termo requadro.
Eisner (1989) define a borda como o contorno do quadrinho.
Franco (2004) usa moldura do quadrinho.
Segundo Vergueiro (2009, p. 38), as linhas demarcatórias dos
quadrinhos também possuem função informativa, além de não representarem uma
gaiola da qual nada pode escapar. As linhas contínuas e sólidas “indicam que a
ação retratada ocorre num momento real, presente – verossímil”, enquanto as linhas
pontilhadas “são representativas de um acontecimento ocorrido em tempo pretérito
ou podem mesmo representar sonho ou devaneio de algum personagem”, e ressalta
ainda que, nesse caso, com os mesmos objetivos, podem ser utilizados quadrinhos
em forma de nuvem.
22
Na mesma obra, Vergueiro ainda explica que há exemplos de
histórias em que as linhas demarcatórias dos quadrinhos participam
metalinguisticamente da história, ampliando as possibilidades narrativas do meio.
6.6 Legenda ou Recordatório
Consiste numa espécie de balão, sem apêndice, usado
especificamente para a narração. É colocada na parte superior do quadrinho,
devendo ser lida em primeiro lugar, precedendo a fala dos personagens.
Segundo Waldomiro Vergueiro, a legenda representa a voz
onisciente do narrador “sendo utilizada para situar o leitor no tempo e no espaço,
indicando mudança de localização dos fatos, avanço ou retorno no fluxo temporal,
expressões de sentimento ou percepções dos personagens, etc” (VERGUEIRO,
2009, p. 62).
Já Paulo Ramos defende que “não é apenas o narrador onisciente
que tem direito ao uso da legenda. O narrador personagem também pode se
apropriar do recurso […] geralmente fazendo menção a um fato no passado (ou
flashback)” (RAMOS, 2009, p. 50).
6.7 Metáforas visuais
São elementos icônicos que expressam diversos significados.
Segundo Acevedo ( 1990, p. 38), consistem numa “convenção gráfica que expressa
o estado psíquico dos personagens mediante imagens de caráter metafórico”.
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As metáforas visuais atuam no sentido de expressar ideias e
sentimentos reforçando o conteúdo verbal. Segundo Vergueiro (2009, p. 54), elas se
constituem em “signos ou convenções do senso comum, como, por exemplo, „ver
estrelas‟, „falar cobras e lagartos‟, „dormir como um tronco‟ etc. As metáforas visuais
possibilitam um rápido entendimento da ideia.”
De acordo com Ramos (2009, p. 112), há uma série de situações
possíveis, também atreladas ao contexto situacional:
pregos, raio, estrela, bomba, caveira e outros signos sugerem palavrões ou termos/pensamentos agressivos;
corações indicam amor ou paixão;
nota musical indica assobio ou canto
lâmpada sugere que o personagem teve uma ideia.
6.8 Linhas ou figuras cinéticas
Como a imagem na história em quadrinhos é sempre fixa, para
indicar o movimento dos personagens ou a trajetória de objetos, são utilizadas as
linhas ou figuras cinéticas.
De acordo com Vergueiro (2009, p. 54), para que haja a “ideia de
mobilidade, de deslocamento físico, o meio desenvolveu uma série de artifícios que
permitem ao leitor apreender a velocidade relativa de distintos objetos ou corpos
genericamente conhecidos como figuras cinéticas.”
Em virtude de variarem de acordo com a criatividade dos autores,
torna-se impossível enumerar todos os tipos possíveis de figuras cinéticas, assim,
Waldomiro Vergueiro enumera algumas:
[…] as mais comuns sãos as que expressam trajetória linear (linhas ou pontos que assinalam o espaço percorrido), oscilação (traços curtos que rodeiam um personagem, indicando tremor ou vibração),
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impacto (estrela irregular em cujo centro se situa o objeto que produz o impacto ou o lugar onde ele ocorre), entre outras. (VERGUEIRO, 2009, p. 54).
6.9 As Sarjetas
Na linguagem quadrinhística, sarjetas são os espaços entre os
quadros que servem para que o leitor complete uma ação mostrada entre eles. Cirne
apud Ramos (2009, p. 144), define esse espaço como “cada hiato […] que separa as
cercaduras dos quadros”, representando uma elipse. E afirma que “o corte, em si, já
indica uma particular situação elíptica, impondo ao consumidor uma leitura de
imagens ocultas ou subentendidas pela narrativa”. Ainda na mesma obra, Paulo
Ramos cita que “o nome hiato vem de Fresnault-Deruelle (1972), que vê no recurso
a descontinuidade ou ruptura necessária para a condução da narrativa
quadrinhística”.
Não são todos os autores que dão nome ao espaço existente entre
um quadrinho e outro. “Entre os que batizaram o termo, há tendência em chamá-lo
de sarjeta, como o fazem Eco (1993), McCloud (2005) e Santos (2002). Parece-nos
apropriado o termo de Fresnault-Deruelle, hiato, por destacar o aspecto da elipse”.
(RAMOS, 2009, p. 144)
Cirne (1972, p. 39-40) defende que a “narrativa dos quadrinhos
funda-se sobre o salto de imagem em imagem, fazendo da elipse (resultante do
emprego numeroso, visto que necessário, de cortes espaciais e espácio-temporais)
a sua marca registrada. Observa-se, portanto, que é na sarjeta que o leitor dos
quadrinhos deixa de ser espectador da história e faz sua participação mais
contundente, completando a narrativa. McCloud (2005, p. 67) salienta que “nesse
espaço a imaginação do leitor extrai sentido entre as vinhetas […] nada é visto entre
dois quadros, mas a experiência indica que deve ter alguma coisa lá.
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Os quadrinhos são “fragmentos de tempo e espaço, a conclusão
realizada pelo leitor faz com que esses fragmentos se tornem uma realidade única”.
Cagnin, apud Ramos (2009, p. 144), defende que “o fragmento elíptico nunca terá
um momento presente. Ou será o futuro da vinheta anterior ou o passado daquilo
que acabou de ser lido”.
6.10 QUADRINHOS – UMA LINGUAGEM AUTÔNOMA
Diante da dificuldade em se definir o que são as histórias em
quadrinhos, Ramos (2009, p. 18) leciona que as características dos quadrinhos
acabam por representar “aspectos da oralidade e reúnem os principais elementos
narrativos apresentados com o auxílio de convenções que formam o que estamos
chamando de linguagem dos quadrinhos”. E continua explicando que “os recursos
dos quadrinhos nada mais são do que respostas próprias a elementos constituintes
da narrativa”.
O espaço da narrativa é contido no interior de um quadrinho. O tempo da narrativa avança por meio da comparação entre o
quadrinho anterior e o seguinte ou é condensado em uma única cena. O personagem pode ser visualizado e o que ele fala é lido em
balões, que simulam o discurso direto. (RAMOS, 2009, p. 18).
Paulo Ramos enfatiza, ainda, ser muito comum ver nas HQs uma
forma de literatura, como, por exemplo, as adaptações de clássicos literários e
explica ainda que chamar quadrinhos de literatura “nada mais é do que uma forma
de procurar rótulos socialmente aceitos ou academicamente prestigiados […] como
argumento para justificar os quadrinhos, historicamente vistos de maneira pejorativa
[…]” (RAMOS, op cit, p. 17).
Ainda na mesma obra, Ramos explica que o importante é “fixar a
ideia de que quadrinhos e literatura são linguagens diferentes, que abrigam uma
26
gama de gêneros diferentes”. Com base na análise de obras em quadrinhos e de
estudos na área, Ramos (2009, p. 19) identifica algumas tendências das histórias em
quadrinhos:
diferentes gêneros utilizam a linguagem dos quadrinhos.
predomina nas histórias em quadrinhos a sequência ou tipo textual narrativo.
as histórias podem ter personagens fixos ou não.
a narrativa pode ocorrer em um ou mais quadrinhos conforme o formato do gênero.
em muitos casos, o rótulo, o formato, o suporte e o veículo de publicação constituem elementos que agregam informações ao leitor, de modo a orientar a percepção do gênero em questão.
a tendência nos quadrinhos é a de uso de imagens desenhadas, mas ocorrem casos de utilização de fotografias para compor as
histórias.
Ainda em relação à comparação entre quadrinhos e literatura, Paulo
Ramos salienta que há muitos pontos comuns com a literatura, assim como há
também com o cinema, o teatro e tantas outras linguagens. “Transpondo o raciocínio
para a prática: o cinema, o teatro, a literatura, os quadrinhos e tantas outras formas
de linguagem comporiam ambientes próprios e autônomos, Mas todos
compartilhariam elementos de outras linguagens, cada um à sua maneira”. (RAMOS,
2009, p.18) O mesmo autor conclui que “Quadrinhos são quadrinhos. E, como tais,
gozam de uma linguagem autônoma, que usa mecanismos próprios para representar
os elementos narrativos” (op.cit., 2009, p. 17).
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
É de conhecimento geral que os alunos cada vez mais se afastam ou se
desinteressam pela leitura, em virtude disso houve a preocupação em se realizar um
trabalho em que pudessem perceber a leitura de uma forma diferente e mais
atrativa.
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O presente artigo científico teve por finalidade divulgar os estudos e a
proposta de trabalho com o gênero textual histórias em quadrinhos por meio de uma
sequência didática utilizando a TV pendrive, vídeos, tiras e histórias em quadrinhos
diversas, cujas atividades tiveram grande receptividade por parte dos alunos de 5ª
série do Colégio Estadual “Nilo Cairo” de Apucarana – PR.
Os alunos tiveram a oportunidade de compreender os elementos
característicos das histórias em quadrinhos, a linguagem verbal e não-verbal, de
ampliar a capacidade de compreensão textual, intertextualidade e, principalmente,
perceber na leitura desse gênero textual, uma atividade acima de tudo, prazerosa,
foco principal desse trabalho.
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