da escola pÚblica paranaense 2009 - … · como exemplo um trecho de “o flagelo do...
TRANSCRIPT
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
NÚCLEO REGIONAL DE CURITIBA
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS – FAFIPAR
PROFESSORA PDE: JOSANE APARECIDA FRANÇA BUSCHMANN
PROF. ORIENTADOR DA FAFIPAR: PROF. DR. MOACIR DALLA PALMA
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
CADERNO TEMÁTICO- AGOSTO DE 2010
DISCIPLINA – ÁREA: LÍNGUA PORTUGUESA
TEMA: DESCORTINANDO A CRÔNICA: A ÉTICA NO DIA-A-DIA
ESCOLA DE IMPLEMENTAÇÃO: COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ
1
SUMÁRIO
• Apresentação……………………………………………………02
• Colegas professores (as)………..……………………………04 • Definição de crônica…………………………………………...06 • Abordagem teórica………………………………....................07
• Tipos de crônica………………………………………….…….07 • História da crônica no Brasil – séc. XIX……………….…..12
• Século XX, crônica?............................................................17 • Trabalho com crônica………………………………………....19
• 1ª proposta: – leitura de mundo………...……………….….19
• 2ª proposta: leitura, reflexão e observação......................20
• Rubem Braga……………………………………………….…..21
• 3ª proposta: leitura e escrita..............................................23
• 4ª proposta: leitura, análise da linguagem........................24
• Dica de leitura......................................................................26
• 5ª proposta: metalinguística...............................................27
• 6ª proposta: debate, observação, criação.........................28
• Dicas......................................................................................30 • 7ª proposta: reconhecimento/compreensão.....................32 • Lista de Dicas: leitura, escrita, pesquisa, reflexão...........37
• Referências...........................................................................43
2
A CRÔNICA PONTO A PONTO
Josane
Apresentação
O presente caderno é uma parcela do planejado durante os estudos do
PDE, a partir do projeto “Descortinando a crônica: a ética no dia-a-dia” , seu
intuito maior: o olhar voltado à leitura.
A interpretação, compreendida como leitura em sua acepção mais forte,
leitura do mundo dos textos tanto quanto leitura dos textos do mundo, no mesmo
tempo em que desvela os signos de nossa existência, a fim de tornar a vida mais
plena de sentidos, revela também, por isso mesmo, sua dimensão
intrinsecamente ética (Nunes, 1998; Leopoldo e Silva, 1997), uma vez que isso
supõe uma aprendizagem.
Para o desenvolvimento desse material, como a ideia principal de estudo e
trabalho é a leitura, neste projeto utilizando o gênero crônica, leva-se em conta as
teorias de Hans Robert Jauss. Pois, segundo ele, é importante considerar as
3
condições históricas e as evidências (que podem ser comprovadas) que moldam
e influenciam a atitude do receptor do texto em relação ao contexto social. Nesse
sentido, dentro da teoria da recepção, Jauss tende para uma linha de estudo que
privilegia a reconstrução histórica como cenário para a recepção do leitor.
Deste ponto de vista, deve-se compreender que o texto só existe pela e na
leitura, assim o leitor torna-se co-autor da obra. É o ser que age e produz os
sentidos, é o ser que compreende, lentamente ou não, os sentidos do texto, que
preenche as lacunas, re-constrói e sente invadi-lo e, depois, transforma-se,
liberta-se, conhece novos mundos, ganha experiência e se torna mais crítico.
Contamos com a colaboração de profissionais da área, cursos e disciplinas
para a organização do projeto, trabalho pedagógico e aprofundamento das
situações levantadas. Assim, com a participação dos (as) professores (as) e
alunos(as) do Colégio Estadual do Paraná colocaremos em prática o proposto. O
resultado desse material queremos compartilhar com todos os professores das
escolas públicas do Paraná.
O Caderno é uma compilação de informações, textos e estudos com o
objetivo de proporcionar aos professores de língua portuguesa um material de
fácil compreensão na abordagem teórico-metodológica da crônica e que
oportuniza uma reflexão conjunta sobre o dia a dia através da leitura. Buscamos
assim, contribuir na formação de leitores mais perceptivos, críticos e conscientes.
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação
transvê. É preciso transver o mundo. Manoel de Barros
4
COLEGAS PROFESSORES (AS):
C
R
Ô
N
I
C A
BRAGA SABINO
LUIS VERÍSSIMO DIAFÉRRIA
LIA LUFT DRUMMOND
Josane
Temos um desafio ao trabalhar na formação de leitores, encontrar
estratégias que “fisguem” o aluno, provocando seu interesse pela leitura, de
modo geral. Na busca da motivação utilizaremos os temas, as leituras da
realidade, a partir dos elementos obtidos no processo de formação proposto,
que motive a refletir e atuar de forma crítica e construtiva sobre a ética. O ponto
principal desse processo, é a aposta nas possibilidades do professor de levar os
seus alunos a apreender também esses conhecimentos e posturas de vida.
Como incentivar e motivar o aluno para a leitura? O que fazer para que
essa leitura se torne significativa? A crônica pode ser um vínculo (ou veículo) de
leitura como uma instância de informação, debate, diálogo com a atualidade?
A partir deste caderno, convido você, colega professor (a), para
respondermos juntos estas questões e superarmos as barreiras que envolvem a
leitura.
Professor (a), conheça a proposta. Primeiramente, será feita uma
pequena abordagem teórica sobre crônica, logo após os temas e as
abordagens dos autores desenvolvidos neste Caderno Temático que,
5
acreditamos, será apoio e auxiliará a agregar leitura com conhecimentos e
construirá caminhos para a formação dos educandos, a fim de possibilitar uma
maior compreensão dos sistemas de valores no contexto sociocultural. Ao fazer
uma reflexão através da leitura de crônicas sobre o porquê da sociedade estar
às voltas com a violência, com o uso/abuso do homem pelo homem,
encaminha-se a ação pedagógica para uma nova prática.
Para Pimenta (1996), na sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho
humano, cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana
pode desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, desigual, em
que grande parte dos seres humanos está à margem dessas conquistas, dos
benefícios do processo civilizatório.
Visando o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico, o trabalho com leitura/literatura proporciona um espaço
importante a ser ocupado, uma vez que é fator indispensável de humanização,
proporciona ao indivíduo a interação com o meio, as variáveis do contexto por
ele vivido, os fatos do dia-a-dia, presenciados/vivenciados, abrem horizontes
para a criação literária, materializam-se no texto.
6
A palavra crônica tem sua origem na palavra grega chronos, que tem
seu significado relacionado ao tempo."Lembrar e escrever: trata-se de
um relato permanente relação com o tempo, de onde tira, como
memória escrita, sua matéria principal, o que fica do vivido."
(ARRIGUCCI, 1987, p. 51)
7
ABORDAGEM TEÓRICA
A crônica é um gênero que apresenta dupla descendência, tem do jornal a
concisão e a pressa e da literatura, a magia e a poeticidade que recriam o
cotidiano. O hibridismo entre as modalidades ou sub-gêneros de prosa se
confundem. A crônica pode ser classificada como um artigo, isso porque ao
utilizar tantas informações e a grande carga de elementos externos ou
relacionados à realidade acaba conferindo contornos de um artigo. Por outro lado,
há crônicas que tangenciam assuntos tão universais e profundos que acabam se
confundindo com um ensaio. Há textos, inclusive, em que fica difícil distinguir o
que realmente sejam, nesse aspecto há crônicas que são narrativas construídas
de tal forma que acabam se configurando quase como contos.
TiPOS DE CRÔNICAS:
• CRÔNICA DISSERTATIVA – opinião explícita, com argumentos mais
"sentimentalistas" do que "racionais". Exposto na 1ª pessoa do singular
quanto na do plural: “ (...) Entender a violência urbana é compreender o ser
humano cotidiano. É saber que o homem tem novas expectativas, necessidades
e interesses. Com isso conseguimos captar as causas e motivos de tanta
violência. Temos uma sociedade massificada, pouco comunicativa, em que
muitas vezes leva a violência como uma ação a ser feita, mas sabemos que não
se trata de uma ação e sim de uma reação. Podemos enumerar em vários
fatores o real motivo da violência urbana, mas afirmo que o maior deles são a
prepotência e o desrespeito (...) (JANUÁRIO, 2007, s/p)
• CRÔNICA NARRATIVA – tem por eixo uma história, o que a aproxima do
conto. Pode ser narrado tanto na 1ª quanto na 3ª pessoa do singular. Texto
lírico (poético, mesmo na prosa). Comprometido com fatos cotidianos
("banais", comuns); Na crônica "Eu e bebu na hora neutra da madrugada", Rubem Braga desenvolve uma narrativa em 1ª pessoa, a
8
qual relata um dia inteiro que ele passa na companhia do Diabo, nesta
crônica ele cria uma certa intimidade e passa a chamá-lo de Bebu, por
Belzebu: "À tarde, eu já não o chamava de Belzebu, mas apenas de Bebu,
e ele me chamava de Rubem." ( BRAGA, 1998, p. 31).
• CRÔNICA DESCRITIVA - ocorre quando uma crônica explora a
caracterização dos seres animados e inanimados num espaço. Viva como
uma pintura, precisa como uma fotografia ou dinâmica como um filme
publicado: “…esqueceu o trabalho e as promissórias, esqueceu a
condução e o telefone e o asfalto, e saiu andando lentamente por aquele
morro coberto de um mato viçoso (...). Por um instante, o homem voltou
seu pensamento para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão
era um dos milhões de atos falhados da vida urbana. Pensou no desgaste
nervoso dessa vida, nos desencontros, nas incertezas, no jogo de
ambições e vaidades, na procura de amor e de importância, na caça ao
dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que de todas as grandes cidades do
mundo, o Rio é a única a permitir a evasão fácil para o mar e a floresta…”
(Braga, 1982, 17- 18).
• CRÔNICA NARRATIVO-DESCRITIVA – é quando uma crônica explora a
caracterização de seres, descrevendo-os. Ao mesmo tempo mostra fatos
cotidianos que podem ser narrados em 1ª ou 3ª pessoa do singular. Na
crônica “Brinquedos incendiados”, de Cecília Meireles os exemplos são
claros: “(...)Ora, uma noite, correu a notícia de que o bazar incendiara. E foi
uma espécie de festa fantástica. O fogo ia muito alto, o céu ficava todo
rubro, voavam chispas e labaredas pelo bairro todo. As crianças queriam
ver o incêndio de perto, não se contentavam com portas e janelas, fugiam
para a rua, onde brilhavam bombeiros entre jorros d’água. A elas não
interessavam nada peças de pano, cetins, cretones, cobertores, que os
adultos lamentavam. Sofriam pelos cavalinhos e bonecas, os trens e
palhaços, fechados, sufocados em suas grandes caixas. Brinquedos que
jamais teriam possuído, sonhos apenas da infância, amor platônico. O
incêndio, porém, levou tudo. O bazar ficou sendo um fumoso galpão de
cinzas. Felizmente, ninguém tinha morrido (...)” (MEIRELES, 2000, pp.121 -
122)
9
• CRÔNICA HUMORÍSTICA – apresenta uma visão irônica ou cômica dos
fatos. A crônica de humor procura basicamente o riso, com certo registro
irônico dos costumes. Apresenta-se tanto sob a forma de um comentário
quanto de um relato curto, próximo do conto. Do primeiro caso tem-se
como exemplo um trecho de “O flagelo do vestibular”, de Luis Fernando Veríssimo: “Nunca tive que passar pelo martírio de um vestibular. É uma
experiência que jamais vou ter, como a dor do parto. Mas isso não impede
que todos os anos, por essa época, eu sofra com o padecimento de
amigos que se submetem à terrível prova, ou até de estranhos que vejo
pelos jornais chegando um minuto atrasados, tendo insolações e tonturas,
roendo metade do lápis durante o exame e no fim olhando para o infinito
com aquele ar de sobrevivente da Marcha da Morte de Batan [...]. Você
pode parar de roer as unhas. O pior já passou. - Não consigo. Vou levar
duas semanas para me acalmar. – Bom, então roa as suas próprias unhas.
Essas são as minhas. – Ah, desculpe. Foi terrível. A incerteza, as noites
sem sono. Eu estava de um jeito que até calmante me excitava, e quando
conseguia dormir sonhava com escolhas múltiplas: A) fracasso, B) vexame,
C) desilusão...” (VERÍSSIMO, 2008)
• CRÔNICA LÍRICA – linguagem poética e metafórica. Expressa o estado
do espírito, as emoções do cronista diante de um fato. Caracteriza-se pelo
flagrante de aspectos sentimentais, nostálgicos ou de simples beleza da
vida urbana, especialmente do Rio de Janeiro. Seu maior expoente é
Rubem Braga, seguido por legítimos poetas-prosadores como Carlos
Drummond de Andrade, Antônio Maria, Paulo Mendes Campos e outros.
Este tipo de comentário poético parece em desuso, provavelmente devido
à violência e a degradação na vida das grandes cidades brasileiras. Veja-
se este fragmento da crônica “Procura-se”, de Rubem Braga: “Procura-
se aflitivamente pelas igrejas e botequins, e no recesso dos lares e nas
gavetas dos escritórios, procura-se insistente e melancolicamente, procura-
se comovida e desesperadamente, e de todos os modos e com muitos
outros advérbios de modo, procura-se junto a amigos judeus e árabes, e
senhoras suspeitas e insuspeitas, sem distinção de credo nem de plástica,
procura-se junto às estátuas e na areia da praia e na noite de chuva e na
10
manhã encharcada de luz, procura-se com as mãos, os olhos e o coração
um pobre caderninho azul que tem escrito na capa a palavra endereços e
dentro está todo sujo, rabiscado e velho. Pondera-se que tal caderninho
não tem valor para nenhuma outra pessoa, a não ser seu desgraçado
autor. Tem este autor publicado vários livros e enchido ou bem ou mal
centenas de quilômetros de colunas de jornal e revista, porém sua única
obra sincera e sentida é esse caderninho azul, escrito através de longos
anos de aflições e esperanças, de negócios urgentes e amores
contrariadíssimos, embora seja forçoso confessar que há números de
telefone que foram escritos em momentos em que um pé do cidadão
pisava uma nuvem e outro uma estrela e os outros dois... “(BRAGA, 1986,
p.57).
• CRÔNICA POÉTICA – apresenta versos poéticos em forma de crônica;
Clarice Lispector: “Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez
que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda”.
(LISPECTOR, 1999, p. 36) É uma crônica linda, em que Clarice imagina
uma verde clareira que tem borboletas e um leão, um lugar de felicidade e
paz.
• CRÔNICA REFLEXIVA – reflexões filosóficas sobre vários assuntos.
Apresenta uma reflexão de alcance mais geral a partir de um fato
particular. É um texto analítico em que o cronista analisa um tema ligado à
condição humana. Escrito em 1ª pessoa, a crônica não tem estrutura fixa,
predomínio da linguagem coloquial, dialogismo com o leitor, que conferem
ao texto um tom de conversa íntima, predomínio de recursos estilísticos:
metáforas, comparações analogias etc. O assunto é abordado a partir da
visão subjetiva do autor. Um exemplo é a crônica “A luta e a lição“, de Carlos Heitor Cony, publicada na Folha Online: “Um brasileiro de 38 anos,
Vítor Negrete, morreu no Tibete após escalar pela segunda vez o ponto
culminante do planeta, o monte Everest. Da primeira, usou o reforço de um
cilindro de oxigênio para suportar a altura. Na segunda (e última),
dispensou o cilindro, devido ao seu estado geral, que era considerado
ótimo. As façanhas dele me emocionaram, a bem sucedida e a malograda.
Aqui do meu canto, temendo e tremendo toda a vez que viajo no bondinho
11
do Pão de Açúcar, fico meditando sobre os motivos que levam alguns
heróis a se superarem. Vitor já havia vencido o cume mais alto do mundo.
Quis provar mais, fazendo a escalada sem a ajuda do oxigênio
suplementar. O que leva um ser humano bem sucedido a vencer desafios
assim? [...] Somos o que somos hoje devido a heróis que trocam a vida
pelo risco. Bem verdade que escalar montanhas, em si, não traz nada de
prático ao resto da humanidade que prefere ficar na cômoda planície da
segurança” (CONY,1998, cad.04, p. 07)
• CRÔNICA-ENSAIO - Apesar de ser escrita em linguagem literária, ter
uma veia humorística e valer-se inclusive da ficção, este tipo de crônica
apresenta uma visão abertamente crítica da realidade cultural e ideológica
de sua época, servindo para mostrar o que autor quer ou não quer de seu
país. Aproxima-se do ensaio, do qual guarda o aspecto argumentativo.
Nelson Rodrigues é o grande nome dessa linha, mas devemos citar
também Paulo Francis, Arnaldo Jabor, Carlos Heitor Cony e, em alguns
textos, Luís Fernando Veríssimo. Observe este fragmento da crônica No
país dos escândalos, saudade dos velhos carnavais, de Arnaldo Jabor:
“O carnaval virou uma paisagem de nádegas: Hoje é carnaval e como ando
numa onda nostálgica sou arremessado para 1950, no colo de meu pai, na
Avenida Rio Branco, vendo passar as sociedades carnavalescas. Eram
grandes carros alegóricos, cheios de rodas moventes, de estátuas de papel
e massa, toscas e épicas com grandes rostos, estrelas, engrenagens
brilhantes, sóis, luas, cobertos de mulheres provocantes. Meu pai me
levava pela mão e eu olhava um imenso carro (seria grande mesmo ou era
a escala de minha infância?) que era um despotismo de cachos de
bananas, com uma lindíssima mulher morena e nua no alto. Os pais de
família, as mães de família (todo mundo era de família...) diziam: ‘Olha a
Elvira Pagã! Olha a Elvira Pagã!’. Elvira Pagã era apenas uma vedete,
mas, naquele ano remoto, ela queria provar alguma coisa. Algumas
mulheres como ela (Luz del Fuego e outras) transcendiam o palco e
viravam o símbolo vivo de alguma loucura no ar, de algum desejo reprimido
no coração das famílias. Eu olhava em volta e via nas senhoras distintas...”
(JABOR, 2001, E-8)
12
A HISTÓRIA DA CRÔNICA NO BRASIL – século XIX
A história da crônica no Brasil está ligada a uma produção engajada na
formação de uma literatura brasileira, no século XIX, enquanto “sistema”, ou seja,
como conjunto de obras que formam uma tradição literária e que possuem entre si
denominadores comuns:
Estes denominadores são, além das características internas, (língua tema, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes de seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns a outros (CANDIDO, 1993, p. 23)
No século XIX, com o avanço da imprensa e do jornal, a crônica tornou-se
"Folhetim". João Roberto Faria no prefácio de Crônicas Escolhidas de José de
Alencar nos explica:
Naqueles tempos, a crônica chamava-se folhetim e não tinha as características que tem hoje. Era um texto mais longo, publicado geralmente aos domingos no rodapé da primeira página do jornal, e seu primeiro objetivo era comentar e passar em revista os principais fatos da semana, fossem eles alegres ou tristes, sérios ou banais, econômicos ou políticos, sociais ou culturais. O resultado, para dar um exemplo, é que num único folhetim podiam estar, lado a lado, notícias sobre a guerra da Criméia, uma apreciação do espetáculo lírico que acabara de estrear, críticas às especulações na Bolsa e a descrição de um baile no Cassino. (FARIA, 1995 )
O folhetim fazia parte da estrutura dos jornais, era informativo e crítico. Aos
poucos foi se afastando e se constituindo como gênero literário. A linguagem se
tornou mais leve, mas com uma elaboração interna complexa, carregando a força
da poesia e do humor.
É de Machado de Assis a crônica que, ao caracterizar o “folhetim” e o
“folhetinista”, está apresentando as características da crônica, conforme se pode
constatar no seguinte trecho extraído de Coutinho:
13
O folhetim nasceu do jornal, o folhetinista, por conseqüência do jornalista. Esta última afinidade é que desenha as saliências fisionômicas na moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consociado com o frívolo.[...]. Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, à leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital próprio. O folhetinista, na sociedade, ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; solta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política. (COUTINHO, 1986, p. 121-122)
Nessa época, além das pinturas e fotografias que “retratam a paz
doméstica abrigada pelo livro.” (ZILBERMAN, 1999, p. 16) a cidade contava com
os elementos necessários para a formação e o fortalecimento de uma sociedade
leitora, mecanismos mínimos para a produção e circulação de literatura, como
tipografias, livrarias e bibliotecas. Dessa maneira, era perfeitamente concebível o
projeto romântico de sedução e consolidação de um público indispensável à
fundação da literatura nacional. Nesse sentido, cabia criar o hábito e a ideia da
leitura como prazer na nossa burguesia apenas, e quando muito, alfabetizada.
Os textos folhetinescos - entre eles as crônicas - buscavam estabelecer
uma passagem entre uma cultura predominantemente oral e a cultura escrita,
conversando familiarmente com os leitores, recapitulando o lido, explicando o
aparecimento de novos personagens etc. Lê-se em Memórias de um sargento de
milícias, publicado em folhetim em 1852:
Dadas as explicações do capítulo precedente, voltemos ao nosso memorando, de quem por um pouco nos esquecemos. Apressemo-nos a dar ao leitor uma boa notícia: o menino desempacara do F, e já se achava no P, onde por uma infelicidade empacou de novo. (ALMEIDA, s/d, p. 64)
Outra narrativa bastante frequente era simular uma atitude de intimidade
com o leitor. Leia-se em crônica dos anos de 1850, de Joaquim Manuel de
Macedo, reunida sob o título de Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro:
Não se incomodem com os preparativos de uma viagem, que talvez seja longa: eu tomo isso à minha conta. Não tenham medo de se verem metidos por mim dentro dos ônibus, gôndolas ou carros da praça; desejo muito dar o maior prazer que for possível aos meus companheiros de passeio, para condená-los a semelhante martírio. (MACEDO, 1991, p. 21)
14
Sonia Brayner (1982, p. 428) chama a atenção para a crônica machadiana
como “laboratório ficcional”, ou seja, lugar de ensaio de uma narrativa dialógica
experimental, cujo narrador intruso interrompe frequentemente o enredo para
comentar seu processo ficcional com o leitor. Nesse sentido, compare-se como o
cronista de A Semana costumava abordar a elaboração de seu próprio texto em
tom de conversa e, mais adiante, como o narrador de Esaú e Jacó ratificava essa
nova perspectiva na literatura brasileira:
Eu, quando vejo um ou dois assuntos puxarem para si todo o cobertor da atenção pública, deixando os outros ao relento, dá-me vontade de os meter nos bastidores, trazendo à cena tão-somente a arraia miúda, as pobres ocorrências de nada [...]. É que eu sou justo e não posso ver o fraco esmagado pelo forte. (ASSIS, 1973, p. 568)
Através dessas conversas com os leitores, a produção folhetinesca ia
colocando em prática o projeto romântico de consolidação de uma literatura
nacional. Assim, a utilização do jornal como suporte dessa literatura também tinha
o seu fundamento. De acordo com Patrícia Pina, a folha diária mediava as
relações entre a cultura oralizada tradicional e a cultura letrada, pois “Era fácil ler
um jornal: suas folhas se dobravam, era pouco volumoso, podia ser guardado até
nas algibeiras. Podia ser lido na esquina, compartilhado por muitas pessoas.”
(PINA, 2006, p. 68)
A produção folhetinesca oitocentista não foi simplesmente determinada por
um público de tradição oral, ao qual ela deveria se conformar. Dialeticamente, ela
também interfere ativamente nesse panorama, criando um público e modificando
comportamentos. A compreensão desse gênero genuinamente brasileiro, como
avalia Afrânio Coutinho, precisa ser conjugada com um esforço de recuperação
da história nos estudos literários, em perspectiva diferente daquela adotada no
século XIX pelos historiadores da literatura.
A crônica oitocentista, ao elaborar estratégias textuais visando à fundação
de um público leitor, deixa entrever uma sólida tradição de elementos do passado
literário fundada em regras e preceitos retóricos. José de Alencar, cronista do
Correio Mercantil nos anos 50, definia sua conversa semanal com os leitores
como algo objetivo, da esfera do prazer, mas também da utilidade: “A conversa é
uma das coisas mais agradáveis e mais úteis que existe no mundo. [...] A palavra
é um instrumento, um cinzel, um crayon que traça mil arabescos, que desenha
15
baixos-relevos e tece mil harmonias de sons e de formas.” 1
A crônica brasileira moderna tem, em Machado de Assis, um dos seus
principais fundadores. Machado escrevia suas crônicas sob pseudônimos. Só 40
anos após sua morte é que se descobriu o verdadeiro autor das chamadas
Crônicas de Lélio.
Na crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de1888,
Machado de Assis aborda com ironia a questão da abolição da escravatura, que
havia acorrido no dia 13 de maio de 1888:.
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como
melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza: - Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um
ordenado,umordenadoque... -Oh! Meu senhô! fico.************************************************************* - ...Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos................................................................................................................. -Artur a não qué dizê nada, não, senhô........................................................................................... - Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha............................................................................................... - Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares b em, conta com oito. Oito ou sete.
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas tôdas que êle recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
O meu plano está feito; quero ser deputado,e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e
1 Ao correr da Pena de José de Alencar , p.114 – informações tiradas do site www.enad.unama.br
16
contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.
Boas noites. (ASSIS, 1973: p. 489 – 491)
Machado de Assis não deixa de lado a luta dos intelectuais oitocentistas
por uma tradição literária no Brasil. Sendo assim, o lastro da produção anterior
pode ser lido nas suas crônicas que também atualizam os ensinamentos
clássicos, compreendendo a linguagem como insubmissa e articuladora do real.
Exemplo disso está em texto do dia 29 de outubro de 1893, no qual o cronista
explica a uma leitora sobre a debilidade dos fatos fora do domínio da linguagem:
“- Palavras, frases. A senhora é uma linda frase de artista. Tem nas formas um
magnífico substantivo: os adjetivos são da casa de Madame Guimarães. A boca é
um verbo. Et verbum caro factum est.” 2
A crônica, mesmo comprometida com uma recepção mais ampla e com o
projeto de formação de uma tradição na literatura brasileira, cria um novo estatuto
ficcional que consiste em compreender a linguagem como elemento insubmisso à
realidade positivada, capaz de subvertê-la e recriá-la através do humor e da
desestabilização das estruturas organizadoras desse real, como a lógica linear.
Sugere Machado que o bom cronista é aquele que prefere as “semanas pobres”,
pois as ricas exigem “muitas cortesias”, prejudicando a liberdade de criação.
2 informações tiradas do site www.portalsaofrancisco.com.br.alfa/centenariode-machado-de-
assisa/a-semana5.phpa
17
SÉCULO XX, CRÔNICA?
Em crônica publicada na revista O Cruzeiro, Rubem Braga, considerado
um dos nossos mais importantes cronistas, na tentativa de responder à pergunta
“Para quem você escreve?”, observa que, estando no jornal, o cronista se dirige a
“toda gente” e que a crônica, “uma espécie de prolongamento de conversa”, é “o
gênero mais precário que existe e depende de tudo, inclusive da moda”. Por não
ter “tempo nem inspiração para fazer coisa melhor”, o cronista “não pode ter a
pretensão de fazer todo dia alguma coisa interessante”. Mas, também reconhece
que a “sua meio-literatura apressada” (BRAGA apud BELTRÃO, 1980, p. 70-72)
chega ao seu destino, o leitor, nele provocando reações de agrado ou de
desagrado, manifestadas em contatos com o escritor, o que reforça o caráter de
“conversa” de que nos fala.
Tentando também responder à suposta pergunta “o que é crônica?”, na
metacrônica “Teoria da Crônica”3, sem tirar do texto o seu jeito de “prolongamento
de conversa”, Afonso Romano de Sant’Anna teoriza sobre o gênero e sobre o
escritor, fazendo uso de uma linguagem rica em metáforas, como fizeram outros
por ele lembrados:
Machado de Assis dizia que o cronista é uma espécie de colibri que beija um assunto aqui, outro ali. [...] Veríssimo diz que o cronista é como uma galinha, bota seu ovo regularmente, e Carlos Eduardo Novaes define as crônicas como laranjas: podem ser doces ou azedas, e ser consumidas na poltrona da casa ou espremidas na sala de aula. (SANT’ANNA, 2000, p. 201-205)
Em texto de apresentação do livro O Nariz & Outras Crônicas, Veríssimo
se manifesta sobre recorrente discussão quanto ao difícil enquadramento do
gênero em parâmetros que o conceituem teoricamente. Bem ao seu estilo, pelo
recurso à metalinguagem, à metáfora e ao humor, o cronista assume um
posicionamento que lhe garante a liberdade de produção, independente de
conceitos pré-formulados.
3 Crônica com data de 08/10/1996, sem referência de publicação e pertencente ao conjunto de crônicas publicadas no livro “A Sedução da Palavra”.
18
CRÔNICA E OVO
A discussão sobre o que é, exatamente, crônica, é quase tão antiga quanto aquela sobre a genealogia
da galinha. Se um texto é crônica, conto ou outra coisa, interessa aos estudiosos da literatura, assim como se
o que nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha interessa aos zoólogos, geneticistas, historiadores e (suponho) o
galo, mas não deve preocupar nem o produtor nem o consumidor. Nem a mim nem a você.
Eu me coloco na posição da galinha. Sem piadas, por favor. Duvido que a galinha tenha uma teoria sobre o
ovo, ou na hora de botá-lo, qualquer tipo de hesitação filosófica. Se tivesse, provavelmente não botaria o ovo.
É da sua natureza botar ovos, ela jamais se pergunta “Meu Deus, o que eu estou fazendo?” Da mesma forma
o escritor diante do papel em branco (ou, hoje em dia, da tela limpa do computador) não pode ficar se
policiando para só “botar” textos que se enquadrem em alguma definição técnica de crônica. O que aparecer
é crônica.
Há uma diferença entre o cronista e a galinha, além das óbvias (a galinha é menor e mais nervosa).
Por uma questão funcional, o ovo tem sempre o mesmo formato, coincidentemente oval. O cronista também
precisa respeitar certas convenções e limites mas está livre para produzir seus ovos em qualquer formato.
Nesta coleção existem textos que são contos, outros que são paródias, outros que são puros exercícios de
estilo ou simples anedotas e até alguns que se submetem ao conceito acadêmico de crônica. Ao contrário da
galinha, podemos decidir se o ovo do dia será listado, fosforescente ou quadrado.
Você, que é o consumidor do ovo e do texto, só tem que saboreá-lo e decidir se é bom ou ruim, não se
é crônica ou não é. Os textos estão na mesa: fritos, estrelados, quentes, mexidos... Você só precisa de um
bom apetite. (VERÍSSIMO, 1996, p. 4-5)
Nesse texto, Veríssimo estabelece como seu interlocutor, o leitor que
busca uma leitura sem compromissos teóricos ou didáticos – o que demonstra a
sua consciência de que há leitores diversos, dependendo do interesse com que
abordam o texto. Revelando uma certa impaciência, perceptível no parágrafo
inicial do texto, ao mesmo tempo em que “tranquiliza” o leitor e lhe garante
liberdade de ação, o escritor parece mandar um recado a “outros leitores”,
tentando pôr fim à eterna discussão sobre o gênero “crônica”.
Nas duas primeiras décadas do século XX, o gênero deixara de ser
designado por “folhetim”. A partir da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em
1922, os autores serviram-se da crônica para divulgar e defender novos ideais de
arte e literatura. O humor nos fatos do cotidiano, fatos banais, nova linguagem
literária. Um jovem inicia como colaborador de jornal nesse período e se tornará
um dos principais representantes do gênero: Rubem Braga.
O poema em prosa de Mário Quintana, “Crônica”, faz uso da alusão ao
discutir se o poema, enquanto obra literária, não seria também uma espécie de
crônica, pois revela no seu processo constitutivo uma relação intertextual
19
subjacente, no qual reproduz construções temáticas e figurativas, que embora
possam ser substituídas, são comuns aos dois gêneros textuais: "Ah, essas
pequenas coisas, tão cotidianas, tão prosaicas às vezes, de que se compõe
meticulosamente a tessitura de um poema... talvez a poesia não passe de um
gênero de crônica, apenas: uma espécie de crônica da eternidade". (QUINTANA,
2008, p. 126)
TRABALHO COM CRÔNICA
Há alguns anos publicou-se um texto que dizia “crônicas são fotografias”, e
foi partir dessa frase que surgiu a inspiração, o ponto de partida para o projeto
“Descortinando a crônica: a ética no dia-a-dia“. Quando se lida com a vida, muitas
são as imagens que nos surgem, dignas de serem registradas em imagens. As
fotografias são esses registros destas imagens que queremos preservar na nossa
lida diária com a vida.
Apresentamos algumas propostas para trabalhar em sala de aula, é
importante desenvolvê-las sem a necessidade do(a) professor(a) se deter às
teorias sobre crônicas, pois isso virá com o tempo.
1ª proposta: leitura de mundo
• Os (as) alunos (as) registrarão passagens do cotidiano através de fotografias
tiradas por eles (as); (ao explorar outras linguagens artísticas o professor
deve se preocupar se todos têm as mesmas oportunidades para realizá-
las);
• relatos ao grupo sobre as imagens registradas;
• separação das fotografias por temas correlatos;
• pesquisa de textos (independente do gênero), em jornais e revistas, que
tenham relação com as fotografias;
• leitura dos textos, destacando as passagens relacionadas às imagens;
• todo o trabalho desenvolvido envolve o grande grupo;
• escrita de textos a partir das imagens (não definir o tipo ou gênero de texto,
o professor notará que surgirão narrações, descrições, reflexões, etc.).
20
Cada um procura a melhor forma de fazer seus registros, buscando
artefatos que lhe sejam mais agradáveis. O que importa é o registro feito. O
conhecimento é uma experiência prazerosa e toda vez que se faz registro, está
repassando o conhecimento adquirido e vivenciado para outras pessoas. O
conhecimento não é nem nunca foi egoísta. Precisa ser partilhado. Convivido.
Obs.: todo o material será guardado para exposição.
Da mesma forma que se registram as imagens em fotos, as crônicas registram as mesmas imagens em frases e textos. Assim, existe uma crônica,
existe uma imagem escrita para garantir a preservação da lida diária da vida.
2ª proposta: leitura, reflexão e observação
• o (a) professor (a) distribui textos (crônicas) à turma e esta fará a
pesquisa de imagens que estejam relacionadas aos textos (atividade
inversa da primeira proposta).
21
PARA PENSAR: O prazer do compartilhamento está em cada um de nós. Cada
prazer vivido por nós e partilhado, pode gerar uma nova proposta de ver o mundo.
Novas janelas podem ser abertas e novas construções podem ser erguidas.
Vivemos hoje num jogo em que não sabemos as regras mas sabemos que
não se pode parar de jogar. Não podemos nos descuidar. Não podemos ser
apenas amadores. Este jogo é para quem tem curiosidade na alma e que saiba
conviver bem. Registrar, visualizar, memorizar bem.
A gestão da curiosidade deve ser uma constante em nós, lentes ou
escreventes. Não importa como vamos fazer para saciar a nossa curiosidade.
Quais os instrumentos que vamos usar. Precisamos fazer algo diferente
acontecer. Precisamos gerenciar nossa curiosidade de tal forma, que ela anime
outras pessoas. Ela nos faz perguntadores e questionadores, dá vida a novas
formas, está na arte de pensar e de ver. Gera novos pensamentos, novas visões.
RUBEM BRAGA, em 1936, lançou seu primeiro livro de crônicas, O Conde e o
Passarinho (BRAGA, 1998). Único escritor brasileiro reconhecido essencialmente
como cronista iniciou sua trajetória literária como jornalista, cumpriu o papel de
narrador-repórter e dotado de uma sensibilidade especial, captou com maior
intensidade os sinais da vida imperceptíveis aos olhos de seus colegas de ofício,
emprestou para o jornal ares de literatura e se eterniza nas páginas dos livros.
Nas obras de Braga, recheadas de simplicidade, o leitor aprende a ler na história
inventada a sua própria história e reconhecer o lirismo no mundo de hoje pelas
vias da emoção aliada à razão.Rubem Braga inovou a crônica com elementos de
ficção e várias formas textuais. A crônica “Recado ao Senhor 903“, por exemplo,
é uma carta:
22
Recado ao Senhor 903
“Vizinho,
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador,
que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu
apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua
veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou
inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda
teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito a repouso
noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003.
Ou melhor; é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o
seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois
números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a
Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103
e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e
silenciosos: apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora
dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos
ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante,
um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao
meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar
das 22 às 7 pois as 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará ate o 527 de
outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada
(...)Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio...................................................................
Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem
batesse à porta do outro e dissesse: ‘Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música
em tua casa. Aqui estou’. E o outro respondesse: ‘Entra vizinho e come do meu pão e
bebe do meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a
vida é curta e a lua é bela’E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os
amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das
estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os
humanos, e o amor e a paz.” BRAGA, Rubem. “Recado ao senhor 903”. In: Para gostar de ler: crônicas. V. 1. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1977, PP. BRAGA, 1977, 74-75
23
• Fato corriqueiro transformado em fato singular e único: O leitor
acompanha o acontecimento, como uma testemunha guiada pelo olhar do
cronista que tem a pretensão de registrar de maneira pessoal o
acontecimento.
• Na crônica "Recado ao Senhor 903", há uma crítica à desumanização
na cidade grande, na qual somos, muitas vezes, apenas números. Houve
uma inversão proposta pelo narrador ao final da crônica: no lugar da
intolerância, tão comum nas cidades grandes, ele propõe um possível
acolhimento amigo e não fazer barulho, o personagem foi ético em suas
atitudes.
• As personagens não têm descrição psicológica profunda.
3ª proposta: leitura e escrita
• Discutir com os alunos sobre cartas, como são usadas atualmente.
• Em uma caixinha serão colocados todos os nomes dos alunos (em papéis
dobrados) cada aluno retira um.
• Escreverá uma carta a esse (a) colega, relatando tudo que tem observado
sobre ele (a). Obs.: orientá-los para que salientem o que há de mais
positivo em cada um. É o reconhecimento que o ser humano falha, mas
tem muitas qualidades.
• As cartas serão encaminhadas à pessoa relatada.
• leitura dos textos, destacando as passagens que ele (a) mais se identificou;
• o trabalho pode ter sequência, cada um conversa com a família sobre os
vizinhos mais próximos, até que ponto realmente eles os conhecem, o que
fazem, quantos moram na casa, a idade deles, etc.
A vida em comunidade, a necessidade de interação entre os seres,
exemplificar com fatos relatados no programa “Fantástico”, da Rede
Globo, no quadro “O Conciliador”.
• Discutir sobre cartas, como são usadas atualmente, mostrar outros
exemplos de crônicas nesse formato. Há muito para conversar sobre isso.
24
4ª proposta: leitura, análise da linguagem
• Vamos chamar de “garimpagem do texto”.
• O narrador-personagem da crônica reconhece que faz barulho e por isto
pede desculpas. Procurar as palavras e afirmações que
constroem essa idéia. (resposta -‐"consternado",
"desolado", "lhe dou inteira razão", "O regulamento do prédio é explícito",
"Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso", "Peço desculpas",
"Prometo silêncio".)
• Através de ironias, o narrador reconhece sua falta, mas explicita que não
concorda com a situação. Ele faz isso, especialmente, quando?
possíveis respostas:
o ironiza as estruturas dos prédios em que as pessoas
ficam empilhadas, perdendo o contato humano;
o refere-‐se a todos os vizinhos, incluindo ele próprio, pelo número do
apartamento e não pelo nome;
o critica o isolamento e a distância entre as pessoas cujas vidas estão
limitadas pelas normas que cerceiam o convívio humano;
o sonha com outra relação mais humana e fraterna, entre as pessoas.
• Ironia e humor a) "Todos esses números são comportados e silenciosos:
“apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos
horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré,
dos ventos e da lua." Verifique ainda como o uso do elemento "apenas", usado
duas vezes intensifica a sua exclusão em relação aos demais moradores do
prédio.
b) O excesso de referências a números: "Prometo sinceramente adotar,
depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago
azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será
convidado a se retirar às 21h 45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22
às 7 pois às 8h 15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527
de outra rua, onde ele trabalha na sala 305."
c) o contraste entre uma situação e outra: os que mantêm silêncio e pessoas,
como o narrador, que não o fazem;
25
d) o inesperado: o texto parece se encaminhar para um sentido e bruscamente
aponta para outro.
Professor, se achar importante trabalhar a parte gramatical, seguem alguns
exemplos:
• Uso de verbo
a) usa os verbos no pretérito imperfeito do subjuntivo, o que indica
possibilidade/desejo/hipótese:
"Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que
um homem batesse à porta do outro e dissesse: 'Vizinho, são três horas da
manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou'. E o outro respondesse:
'Entra vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos todos
a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela'.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e
amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das
estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade
entre os humanos, e o amor e a paz.”
• Uso dos artigos
a) "Quem fala aqui é o homem do 1003.".
• Foi usado o artigo definido ( o ), particularizando, dessa forma, um
indivíduo, entre outros.
• b) "Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em
que um homem batesse à porta do outro e dissesse (...). E o outro
respondesse (...)"
• Há artigo indefinido ("um homem"), quando foi introduzido um elemento
ainda não citado no texto, generalizando-o. Há artigo definido ("o
outro"), quando novamente se tem um indivíduo já citado,
particularizando-o.
26
• Essas escolhas linguísticas vão constituindo a ligação/coesão entre as
partes do texto, de tal maneira que, mais do que saber o nome das
classes da gramática - substantivos, adjetivos, artigos, advérbios,
verbo, conjunção, pronome, preposição, numeral - é importante saber
suas articulações na construção dos sentidos de um texto.
DICA DE LEITURA: Assim como na crônica “Recado ao Senhor 903” na
crônica "UM PÉ DE MILHO", o cronista mais uma vez induz o leitor a uma
reflexão. A crônica está em 1ª pessoa e apresenta uma narrativa de cunho íntimo
que revela ao leitor a origem do escritor, seu íntimo e a realidade em que vive.
Parece uma meditação lírica de um Eu que narra, mas aparenta estar falando
sozinho "Sou um ignorante, um pobre homem de cidade. Mas eu tinha razão..."
(BRAGA, 1998, p. 42).
Ele utiliza metáforas e simbologias que oferecem um lirismo constante no
corpus do texto: "mas na glória do seu crescimento, tal como o vi em uma noite
de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento - e em
outra madrugada parecia um galo cantando." (BRAGA, 1998, p. 43)
A crônica se refere à roça e à cidade, causando uma mesclagem entre as
duas através do ser humano. Um homem que carrega uma cultura do meio rural,
mas vive atualmente na cidade. Resgata sua origem através de um pé de milho,
que metaforiza a presença do ser fora do seu habitat natural. Esse resgate da
origem confere ao homem um conforto e preenchimento pra alma: "E eu não sou
mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou
um rico lavrador da Rua Júlio Castilhos." (BRAGA, 1998, p. 43)
Dentro dessa experiência narrada, o autor oferece ao leitor a oportunidade
de fazer uma auto-análise, conferindo a si mesmo seus valores: "É muito
perceptível a dificuldade do narrador para generalizar a experiência pessoal,
transformando-a em conselho prático para os outros, ao mesmo tempo que essa
experiência em si mesma se vai tornando cada vez mais rala, num mundo que
adotou o ritmo desnorteante das mudanças contínuas e imprevisíveis."
(ARRIGUCCI JR, 2001, p. 25)
27
5ª proposta: metalinguística
Para Chalhub (1989) a palavra que é do domínio de todos, no poema, no
romance ou na crônica, necessita ser singular para transpor as fronteiras de sua
natureza de signo: "são temas metalinguísticos na órbita do criador emissor".
• A abordagem metalinguística, aos moldes dos cronistas, seria um
instrumento didático a se considerar, para tanto, o aluno relata, em forma de crônica, suas dúvidas na elaboração dos vários tipos de
textos exigidos em situações concretas do cotidiano escolar.
• Tal procedimento formalizaria um quadro analítico e individual da
classe ao especificar suas generalidades e idiossincrasias.
• Cabe ao professor, nessa situação, elaborar estratégias de acordo com
as necessidades e as disponibilidades no âmbito de um trabalho
conjuntivo e interdisciplinar.
• Adquirida a competência de elaborar textos a partir de sua vivência
como sujeito histórico o aluno estará apto a superar suas barreiras
físicas e cognitivas e a perceber o diálogo entre os diversos gêneros
com os quais nos deparamos no cotidiano escolar e ao interagirmos
socialmente.
Conforme postula Fiorin (1994), ao descrever a vida do mundo e das trocas
simbólicas em que nada é inteiramente superado e esgotado, pois um símbolo
pode ser revestido com novos significados, remete-nos ao conceito de intertexto,
isto é, a incorporação a um texto qualquer do discurso de outrem e dos fatores
externos a sua elaboração. Há, por conseguinte, três tipos de intertextualidade:
a estilização, que se configura na reprodução do conjunto de procedimentos do
discurso de outrem; a alusão, que consiste na reprodução de construções
sintáticas em que certas figuras são substituídas por outras, mas todas
relacionadas entre si; e por último a citação, que pode confirmar ou alterar o
sentido do texto citado por meio de elementos em comum.
Na crônica, "tudo é vida, tudo é motivo de experiência e reflexão, ou
simplesmente de divertimento, de esquecimento momentâneo de nós mesmos a
troco do sonho ou da piada que nos transporta ao mundo da imaginação. Para
voltarmos mais maduros à vida" (CANDIDO, 1992, p. 20).
28
6ª proposta: debate, observação, criação
Há o tempo da espera e do apelo: aquele em que se forma e se difunde a imagem de um Salvador desejado [...]. Há o tempo da presença, do Salvador enfim surgido, aquele, sem dúvida, em que o curso da história está prestes a se realizar [...]. E há ainda o tempo da lembrança: aquele em que a figura do Salvador, lançada de novo no passado, vai modificar-se ao capricho dos jogos ambíguos da memória, de seus mecanismos seletivos, de seus rechaços e amplificações. (GIRARDET, 1987, p. 72)
O trabalho com o gênero crônica, a partir da sensibilização, debate, observação de cartazes produzidos na escola e em exposição na mesma, Mini-Fóruns, utilização de ferramentas da WEB e criação do álbum são estratégias
para alavancar os diversos olhares, o respeito aos mesmos, o incentivo da sua
comunicação, visando o exercício do olhar crítico e sua expressão artística. Criar
o álbum virtual é uma proposta para reunir dois diferentes gêneros textuais
(crônica e álbum) em um gênero híbrido no meio virtual atualiza, ainda, as novas
formas de produção de textos trazidas pelo meio interativo da internet,
essencialmente híbrido. O Álbum não é só um suporte, nem o jornal, nem o objeto
criado, é o meio de comunicação, suporte e objeto comunicativo da força de
expressão do olhar dos alunos.
DESENVOLVIMENTO: escolher um texto que esteja nas páginas de jornais e
revistas no momento, aqui citamos como exemplo as eleições.
O trabalho será dividido em três etapas: Antes, durante e pós eleições,
sendo a primeira etapa uma leitura coletiva dos trabalhos já apresentados pela
turma na disciplina de Sociologia (dependendo do tema pode ser outra disciplina)
– Ética e eleições. Nessa etapa será trabalhada a sensibilização, a compreensão
do tema e apropriação dos conhecimentos necessários para a produção do
Álbum-crônica. Na segunda etapa, os alunos terão autonomia para continuar
suas pesquisas, observações e registros de memórias das eleições. Na terceira etapa, os alunos produzirão o Álbum-Crônica - ÉTICA E ELEIÇÕES.
Para a sensibilização será utilizado como estratégia:
29
Fonte: redenews-edu.blogspot.com/2009/11/exclusivo. Acessado em 29 de abril de 2010.
• Leitura da charge: o professor poderá conversar com os alunos sobre o
sentido do apagão ético e fazer a relação com a ética de quem vende o
voto por troca de “favores políticos”, ou consegue energia elétrica através
dos “gatos”, ou aquele que fura filas, ou aquele que não respeita o espaço
destinado aos idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais,
etc.
• Ouvir o Poema de Elisa Lucinda: ”Só de Sacanagem” , disponível no site
http://www.youtube.com/watch?v=03qln0920mk. Analisar a charge e o
poema, ver as relações entre eles.
• à observação e o debate acerca dos trabalhos (exposição de cartazes;
gráficos; exibição de vídeos, músicas, coletânea de textos jornalísticos,
etc.) produzidos nas disciplinas de Artes, Português, Geografia, Sociologia,
leitura e debate de crônicas publicadas sobre as eleições e a apresentação
de Álbum-crônica elaborado para este fim, exemplificando o produto.
A compreensão do Tema e do Produto: durante a exposição, da análise das
crônicas e da apresentação do Álbum-Crônica, será realizado junto com os alunos
o levantamento dos temas, foco de olhar dos autores e as formas de expressão e
de argumentação dos cartazes, dos cronistas e do Álbum-Crônica.
Competências necessárias para a produção do Álbum-Crônica: Trabalhar a
pesquisa de imagens na internet a partir dos assuntos e temas abordados nos
objetos de aprendizado (cartazes, crônicas e Álbum-Crônica), navegando por
30
entre as imagens e descrevendo aquelas que chamaram atenção do grupo.
Realizar passo-a-passo para a construção do álbum eletrônico. (selecionar a foto,
copiar, colar, editar, e postar no ambiente virtual). Depois, pesquisar as definições
semânticas das palavras crônicas, álbum, assunto, tema e da expressão gênero
textual e ainda da palavra olhar.
Para estimular a autonomia, a criatividade e a liberdade de escolha do
Tema, os alunos serão convidados a participar criticamente como observadores
das eleições, realizando anotações e observando imagens das notícias
televisivas, dos jornais, charges etc..
Durante a produção do Álbum-Crônica, o papel do mediador será o de
auxiliar na seleção, ordenação e elaboração de legendas e titulação que serão os
materiais narrativos: ÉTICA E ELEIÇÕES. A partir do assunto Eleição e do Tema
(recorte) promover a interdisciplinaridade, convidando professores titulares das
disciplinas abordadas em um mini-Fórum. Ex. O brasileiro e as eleições, convidar
um professor de filosofia (ou outra disciplina) para apresentar sua visão filosófica
sobre ética, um de geografia para falar sobre eleições, e assim por diante.
A fase final será a publicação definitiva dos Álbuns-Crônica e a Exposição
permanente dos trabalhos em ambiente virtual, que poderão ser acessadas por
outros alunos, pais, etc., no laboratório de informática ou em qualquer lugar.
DICAS:
1ª Na crônica de Olavo Bilac, publicada na Gazeta de Notícias, em 1904,
observamos o descaso dos políticos, sutilmente através de sua ironia debochada
habitual, recriminava a falta de mecanismos de escoamento de água durante as
enchentes que constantemente assolavam o Rio de Janeiro durante o verão:
Uma chuva torrencial se despenhou do céu, afugentando os últimos calores, lavando a cidade, - e além desse grande serviço higiênico, dando-nos o regalo de um espetáculo raro: as ruas transformadas em rios, as praças mudadas em lagoas, os bondes metamorfoseados em gôndolas, - e homens e cachorros nadando, como peixes, pela vasta extensão das águas derramadas. 4
4 informações tiradas do UNESP – FCLAs – CEDAP, v.4, n.2, p. 206-224, jun. 2009.
31
O modo pelo qual Bilac trata a palavra, o recurso retórico e linguístico, a
contextualização, nota-se que são instrumentos reveladores de múltiplos
comprometimentos persuasivos e ideológicos. A intenção do raciocínio persuasivo
de Bilac era jogar com a palavra a seu favor, recontextualizando-a de acordo com
seu interesse, de maneira que os valores, conceitos e atitudes por ele defendidos
na crônica fossem compreendidos. A ironia seria seu contraste entre o que é
afirmado e o que é significado, exige interpretação especial do decodificador.
A crônica expõe caminhos abertos para a crítica de valores que ela
propunha: Rachada a Prefeitura mesmo, rachado o Olimpo de pedra e argamassa, de onde o Júpiter Municipal expede os raios de suas portarias, que podia ainda esperar a cidade de Mem de Sá?5
Bilac, neste texto, escolheu termos interessantes para se referir à
municipalidade. Ao saber que uma rachadura ameaçava tombar o prédio da
prefeitura, o cronista abusou de oposições para caracterizar os membros da
Diretoria de Obras Públicas. Primeiramente, comparou a construção agora
decadente da Prefeitura com o Olimpo. À primeira vista tal comparação mostrava-
se elogiosa, visto que o Olimpo, para a mitologia greco-latina, seria a habitação
das grandes divindades, dos seres abençoados e idolatrados, superiores aos
meros mortais. Contudo, a ironia aposta na contraposição de termos, antítese, um
prefeito que não resguardava nem o edifício de onde comandava a urbe, pouco
poderia fazer pelo restante das construções municipais. Ao fazer referência a
termos mitológicos para aludir ao governo carioca.
2ª Ver a relação entre o cotidiano e as práticas sociais nas crônicas de Rubem Braga - como o autor trabalha com o tema política. 3ª Analisar sobre a importância ou não da aparência dos candidatos – ler a crônica “O Outro”, de Moacyr Scliar, escrita nas eleições para a escolha dos prefeitos de 2000, em que fala sobre a aparência ideal de um candidato político.(SCLIAR, 2006)
5 informações tiradas da UNESP – FCLAs – CEDAP, v.4, n.2, p. 206-224, jun. 2009.
32
7ª proposta: reconhecimento/compreensão
O ato de ler, na perspectiva da Estética da Recepção, relaciona-se aos
estágios pelos quais passam o autor e o leitor de uma obra literária. O ato de
produzir o sentido da obra, o ato de sentir o efeito estético da obra e valorizá-la, o
ato de se transformar, purificar-se, refinando os sentidos, demonstra que a leitura
da Literatura fortalece a consciência compreensiva e crítica acerca da
individualidade e do papel social do sujeito no mundo.
Em sala de aula, a partir desses atos, procede-se o estudo dos estilos
literários, a contextualização histórica dos autores, já que os textos escolhidos,
além de serem escritos por autores diversos, são de contextos histórico-sociais
diferentes, estão imersos em estilos de época distintos e revelam conflitos eternos
do homem: a construção da identidade, a auto-imagem.
Há inúmeros casos de crônicas que, reunidas em livro, eternizaram-se. São
exemplos as obras de Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Fernando
Sabino. A fugacidade, entretanto, parece adequada quando aplicada às crônicas
que versam sobre temas bastante específicos, pois estas precisam de uma
compreensão prévia do contexto no qual foram publicadas para serem
compreendidas em sua totalidade.
Deixo como sugestão trabalhar a crônica “Os Tatuadores”, de João
do Rio, e a letra da música “Tatuagens”, de Chico Buarque, com a
finalidade de estabelecer um diálogo com a atualidade, ou melhor,
questionar por que o jovem do século XXI usa tatuagem? Analisar: a saúde diante de lugares contestáveis; a possibilidade de
arrependimento; o significado das figuras tatuadas.
33
Tatuagem Quero ficar no teu corpo feito tatuagem Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
(...) Compositor: Chico Buarque Josane
- Quer marcar? Era um petiz de doze anos talvez. A roupa em frangalhos, os pés nus, as mãos pouco limpas e um certo ar de dignidade na pergunta. O interlocutor, um rapazola louro, com uma dourada carne de adolescente, sentado a uma porta, indagou: - Por quanto? - É conforme, continuou o petiz. É inicial ou coroa? - É um coração! - Com nome dentro? O rapaz hesitou. Depois: - Sim, com nome: Maria Josefina. - Fica tudo por uns seis mil réis. Houve um momento em que se discutiu o preço, e o petiz estava inflexível, quando vindo do quiosque da esquina um outro se acercou. - Ó moço, faço eu; não escute embromações! - Pagará o que quiser, moço. O rapazola sorria. Afinal resignou-se, arregaçou a manga da camisa de meia, pondo em relevo a musculatura do braço. O petiz tirou do bolso três agulhas amarradas, um pé de cálix com fuligem e começou o trabalho. Era na Rua Clapp, perto do cais, no século XX... [...] Para marcar tanta gente a tatuagem tornou-se uma indústria com chefes, subchefes e praticantes [...] Eu contei só na Rua Barão de S. Félix, perto do Arsenal de Marinha, e nas ruelas da Saúde, cerca de trinta marcadores. Há pequenos de dez, doze anos, que saem de manhã para o trabalho, encontram os carregadores, os doceiros sentados nos portais. - Quer marcar? - perguntam; e tiram logo do bolso um vidro de tinta e três agulhas. [...] Os pequenos, os outros marcadores ambulantes, têm um chefe, o Madruga, que só no mês de abril deste ano fez trezentas e dezenove marcações. Madruga é o exemplo da versatilidade e da significação inumerável da tatuagem. Tem estado na cadeia várias vezes por questões e barulhos, vive nas Ruas da Conceição e S. Jorge, tem amantes, compõe modinhas satíricas e é poeta. É dele este primor, que julga verso: - Venha quanto antes d. Elisa / Enquanto o Chico Passos não atiça / Fogo na cidade... Homem tão interessante guarda no corpo a síntese dos emblemas das marcações - um Cristo no peito, uma cobra na perna, o signo de Salomão, as cinco chagas, a sereia, e no braço esquerdo o campo das próprias conquistas [...] Enquanto andou a fornecer-me o seu profundo saber, Madruga teve três dessas senhoras - a Jandira, a Josefa e a Maria. A primeira a figurar debaixo de um coração foi a Jandira. Um belo dia a Jandira desaparecia, dando lugar à Josefa, que triunfava em cima, entre as chamas. Um mês depois a letra J sumira-se e um M dominava no meio do coração. Os marcadores têm uma tabela especial, o preço fixo do trabalho. As cinco chagas custam 1$000, uma rosa 2$000, o signo de Salomão, o mais comum e o menos compreendido porque nem um só dos que interroguei o soube explicar, 3$000, as armas da Monarquia e da República 6$ a 8$, e há Cristos para todos os preços. (RIO, 2007: p.16)
34
De autoria do jornalista, cronista, contista e teatrólogo carioca João do Rio
(João Paulo Emílio Coelho Barreto), o texto "Os tatuadores", aqui resumido, é
resultado da observação do autor sobre os mais variados tipos de tatuagens e
sobre os inúmeros tipos de pessoas que às deixam figurar nos seus corpos,
mesmo sendo as tais "figuras" mal vistas pela maioria das sociedades.
Colocando-se como personagem central que circula pelas ruas observando
o comportamento humano nos "guetos", nas periferias mais sórdidas, João do Rio
utiliza-se do discurso em primeira pessoa para criar com o leitor uma proximidade
tal que seja capaz de levá-lo (o leitor) a acompanhar o autor nas suas andanças,
ora observando pequenos "marcadores", ora analisando jovens, adultos e velhos
"marcados".
A palavra tatuagem é relativamente recente. Toda a gente sabe que foi o
navegador Loocks que a introduziu no ocidente, e esse escrevia tattou, termo da
Polinésia de tatou ou to tahou, desenho. Muitos dizem mesmo que a palavra
surgiu no ruído perceptível da agulha da pele: tac, tac. Mas como é ela antiga! O
primeiro homem, decerto, ao perder o pêlo, descobriu a tatuagem.
PESQUISA: Quais os significados da tatuagem no texto?
R: (Há três casos de tatuagem no Rio, completamente diversos na sua significação
moral: os negros, os turcos com o fundo religioso e o bando das meretrizes, dos rufiões e
dos humildes, que se marcam por crime ou por ociosidade. Os negros guardam a forma
fetiche, quase todos têm um crucificado. O feiticeiro Ononenê, morador à Rua do
Alcântara, tem do lado esquerdo do peito as armas de Xangô, e Felismina de Oxum a
figura complicada da santa d’água doce.
Os turcos são muçulmanos, maronitas, cismáticos, judeus, e nestas religiões
diversas não há gente mais cheia de abusões, de receios, de medos, a tatuagem forra a pele
dos homens como amuletos. Os maronitas pintam iniciais, corações; os cismáticos têm
verdadeiros eikones primitivos nos peitos e nos braços; os outros trazem para o corpo
pedaços de paramentos sagrados. É por exemplo muito comum turco com as mãos
franjadas de azul, cinco franjas nas costas da mão, correspondendo aos cinco dedos. Essas
cinco franjas são a simbolização das franjas da taleth, vestimenta dos Khasan, nas quais
está entrançado a fio de ouro o grande nome de Ihaveh.
35
A outra camada é a mais numerosa, é toda a classe baixa do Rio – os vendedores
ambulantes, os operários, os soldados, os criminosos, os rufiões, as meretrizes. Para marcar
tanta gente a tatuagem tornou-se uma indústria com chefes, subchefes e praticantes. Quase
sempre as primeiras lições vieram das horas de inatividade na cadeia, na penitenciária e
nos quartéis. Muitos portugueses, cujos braços musculosos guardam coroas da sua terra e o
seu nome por extenso, deixaram-se marcar porque não tinham que fazer. Um Cristo no
peito, uma cobra na perna, o signo de Salomão, as cinco chagas, a sereia, e no braço
esquerdo o campo das próprias conquistas. Esse braço é o prolongamento ideográfico do
seu monte de Vênus onde a quiromancia vê as batalhas do amor.
A religião, a imitação, o ócio, a vontade, o espírito de corpo ou de seita, as paixões
nobres, as paixões eróticas e o atavismo são as causas mantenedoras dessa usança. Quase
todos os rufiões e os rufistas do Rio têm na mão direita entre o polegar e o indicador, cinco
sinais que significam as chagas. Não há nenhum que não acredite derrubar o adversário
dando-lhe uma bofetada com a mão assim marcada. O marinheiro Joaquim tem um Senhor
cruficificado no peito e uma cruz negra nas costas. Mandou fazer esse símbolo por
esperteza. Quando sofre castigos, os guardiões sentem-se apavorados e sem coragem de
sová-lo. A sereia dá lábia, a cobra atração, o peixe significa ligeireza na água, a âncora e a
estrela o homem do mar, as armas da República ou da Monarquia a sua compreensão
política. Pelo número de coroas da Monarquia que eu vi, quase todo esse pessoal é
monarquista. [...] Nos braços estão em geral os nomes das amantes, frases inteiras, como
por exemplo esta frase de um soldado de um regimento de cavalaria: viva o marechal de
ferro!... desenhos sensuais, corações. O tronco é guardado para as coisas importantes, de
saudade, de luxúria ou de religião. [...] Há tatuagens religiosas, de amor, de nomes, de
vingança, de desprezo, de profissão, de beleza, de raça, e tatuagens obscenas. As
meretrizes e os criminosos nesse meio de becos e de facadas têm indeléveis idéias de
perversidade e de amor. As mulheres mandam marcar corações com o nome dos amantes.
Há ainda a vaidade imitativa. As barregãs das vielas baratas têm sempre um
sinalzinho azul na face. É a pacholice, o grain de beauté, a gracinha, principalmente para as
mulatas e as negras fulas que o consideram o seu maior atrativo. Grande parte desses
homens e dessas mulheres têm o delírio mais sensual, fazem os nomes queridos em partes
melindrosas, marcam os membros delicados com punhais, lâmpadas e outros símbolos.
Num meio de tão fraca ilusão, onde as miçangas substituem os pendentifs d’arte e a
vida ruge entre o desejo e o crime, depois de muito os pobres entes marcados como uma
cavalhada – a cavalhada da luxúria e do assassínio –, começa a gente a sentir uma
36
concentrada emoção e a imaginar com inveja o prazer humano, o prazer carnal, que eles
terão ao sentir um nome e uma figura debaixo da pele, inalteráveis e para todo o sempre.
Desde os mais remotos tempos vemo-la a transformar-se: distintivo honorífico
entre uns homens, ferrete de ignomínia entre outros, meio de assustar o adversário para os
bretões, marca de uma classe para selvagens das ilhas Marquesas, vestimenta moralizadora
para os íncolas da Oceania, sinal de amor, de desprezo, de ódio, bárbara tortura do Oriente,
baixa usança do Ocidente. Na Nova Zelândia é um enfeite; a Inglaterra universaliza o
adorno dos selvagens que colhem o phormium tenax para lhe aumentar a renda, e Eduardo
com a âncora e o dragão no braço esquerdo é só por si um problema de psicologia e de
atavismo.) Obtida de "http://pt.wikisource.org/wiki/Os_Tatuadores" Categoria: A Alma Encantadora das Ruas
A crônica, “Os tatuadores”, de João do Rio, divide os “atrasados morais”
(qualificação dos indivíduos que se tatuavam) em duas categorias: “a camada que
trabalha braçalmente, os carroceiros, os carregadores, os filhos dos carroceiros” e
a “outra, a perdida, o oceano da malandragem e da prostituição”, mas também
descrevia “o espaço elegante e fútil do dândi”. Fazendo um apanhado geral da
estranha “fauna” que circulava pelas ruas da capital brasileira o escritor produziu
crônicas jornalísticas que retratavam o espaço das ruas do Rio de Janeiro da
Belle Époque, a rua, como “agasalhadora da miséria, o aplauso dos medíocres,
dos infelizes, dos miseráveis da arte”. A tatuagem como registro: história, amor,
crenças, alegrias, ódio etc. Ela é a exteriorização daquilo que a alma carrega. E
dentre as várias formas de constituir discursos tendo como veículo, suporte e
texto o corpo, destaca-se, em João do Rio, a tatuagem. Pois, nas palavras do
próprio cronista, a “tatuagem é a inviolabilidade do corpo e a história das paixões”
(RIO, 1995, p. 30).
37
LISTA DE DICAS Como sabemos, um mesmo fato pode ser mostrado por diversos pontos de
vista e em vários gêneros textuais. Propomos, assim, que um mesmo fato seja
levado para a sala de aula em forma de crônica, charge, notícia, filme, imagens,
etc.. Caberá ao professor orientar o aluno na busca pelas diferentes matizes
acrescidas ao fato na esfera correspondente a cada gênero. Segue uma lista
de temáticas que podem ser pesquisadas em crônicas e trabalhadas
juntamente com diferentes textos, imagens, músicas, vídeos, etc, (cito alguns
exemplos). Assim se trabalha: leitura, escrita, pesquisa, reflexão e análise.
1. QUESTÕES FAMILIARES, comportamentais, valores, ambiente
escolar
utilizar cenas do programa Malhação, da rede Globo, que é assistido
por muitos jovens e retrata assuntos diversos.
2. GRAVIDEZ na adolescência
Leitura – “Tio, tô grávida!” - Adilson Toledo (2006)
Dados do IBGE 7,3% das jovens de 15 a 17 anos têm, pelo menos,
um filho. Os dados também revelam índices altos de gravidez na
adolescência, uma vez que, entre as jovens de 15 a 17 anos, a proporção de
mulheres com, pelo menos, um filho é de 7,3% no país. Na região
metropolitana do Rio de Janeiro, esse índice chega a 4,6% e na região
metropolitana de Fortaleza, 9,3%. Na comparação com as pesquisas
anteriores, Maranhão, Ceará e Paraíba continuam apresentando altas
proporções de jovens adolescentes com filhos.
(dados http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/12062003indic2002.shtm)
38
3. HEROIS contemporâneos:
Leitura “Herói, Morto. Nós” – Lourenço Diaféria (1977).
Os heróis de outras décadas ( quadrinhos , filmes, ídolos, super-
heróis) - como exemplo, pode-se citar Constantine das histórias de
quadrinhos de Hellblazer, Hellboy de Mike Mignola, e Homem- aranha,
Hulk, Superman, Batman, Demolidor, Elektra, Liga Extraordinária, Do
Inferno, V de Vingança, Estrada para Perdição, Quarteto Fantástico,
Spawn, X-men comparados aos ídolos de hoje (jogadores, artistas, etc.)
Questionar as influências.
4. VIOLÊNCIA, DESESTRUTURA FAMILIAR E OUTRAS SITUAÇÕES
Texto - Viver a qualquer momento - Danuza Leão
O escritor Carpinejar mergulha na infância no livro Família Não é Empresa. Um livro de crônicas, no qual o poeta mergulha na sua infância e
compara com as visões de mundo de seus dois filhos (Mariana, 15, e
Vicente 7 (http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u650386.shtml)
Em "Múltipla Escolha", Lya Luft indaga, debate e transgride com o
fervor de alguém que refuta a mediocridade e escolhe a vida. Como se
sobre um palco, cercada de portas simbólicas, o complexo mundo
contemporâneo à frente, a autora convoca sua "tribo" para o necessário
ritual de pensar. Em foco, questões fundamentais, como a velhice e a
juventude, os novos dilemas e tabus da sexualidade, a comunicação
virtual, as fronteiras entre o privado e o público, drogas, violência, bondade
e perversidade, o mal-estar social: elementos-chave da nossa rotina diária.
Aqui há um trecho que realça algumas características, bases para que as
pessoas pensem:
39
"O olho do outro está grudado em mim e me sinto permanentemente
avaliado, nem sempre aprovado: se eu não for como sugerem ou exigem
meu grupo, família, sociedade, se não atender às propagandas, aos
modelos e ideais sugeridos, serei considerado diferente. Como
adolescentes queremos ser iguais à turma, como adultos queremos ser
aceitos pela tribo: a pressão social é um fato inegável" (LUFT, 2010. 23)
Outro livro de crônicas, da autora, que aborda temas relacionados a vida
pública, ética, educação,conflitos sociais é “Em outras palavras “. (LUFT,
2006)
“Menor perverso”, de Olavo Bilac, crônica publicada,
provavelmente, no jornal Gazeta de Notícias. “Tive muita pena da pobre
criança de três anos, morta no meio de horríveis torturas. Mas tenho
também muita pena dessa outra criança, que uma brincadeira funesta (ou
uma inconsciente moléstia moral, perfeitamente curável) levou à prática de
um ato tão cruel. Nesse pequeno infeliz, que os jornais consideram um
grande criminoso, há um homem que se vai perder, por nossa culpa, -
porque não lhe podemos dar o tratamento que a sua enfermidade requer“.
(BILAC,1997: p. 737-738)
Produzir um vídeo sobre o tema. (Professor (a), é importante
indicar como esse vídeo será produzido. Indicar os caminhos e
procedimentos, envolvendo a leitura dos textos anteriores.)
5. FELICIDADE
Produzir crônicas utilizando citações dos trechos e vídeos vistos. O professor
pode criar com os alunos “blogs” (ou na impossibilidade desse recurso utilizar
o portal da escola), nos quais as crônicas seriam expostas. Tal proposta
despertaria o interesse dos alunos, pois veriam a valorização da sua
criatividade e função social em suas produções.
40
Coletânea - Felicidade não tem preço Eu sonhei com um pote de
ouro/ Meu lindo tesouro/ Pobreza nunca mais/ Sonho de menino, virei um
grã-fino! De quina pra Lua estou em cartaz/ O jogo da vida aprendi a
ganhar/ Adeus pindaíba, chega de chorar! Oh! Felicidade me diz o teu
preço/ Eu sei que mereço e posso pagar Bem-me-quer meu bem querer!/
Vou comprar seu coração/ Tô pagando por um beijo/ Saciando meu desejo
no baú da ilusão Sou o dono do mundo/ Meu tempo é dinheiro, eu quero
investir/ Nessa ciranda onde a grana fala alto Lá no céu tô perdoado, já
paguei sem refletir/(…)Dinheiro não compra a felicidade. (ACADÊMICOS DA ROCINHA. Samba enredo 1990. Disponível em: <www.
musicas.mus.br/letras> Acesso em: 6 nov. 2006.)
Para Aristóteles, a causa final do homem, seu objetivo supremo é a
felicidade. Ela não é um forte prazer que se esvai logo em seguida; ao
contrário, deve ser algo perene e tranquilo, sem excessos, pois o excesso
faz com que uma boa ação torne-se seu oposto. Uma pessoa amável em
demasia, por exemplo, não passa de um incômodo bajulador. Atingir a
felicidade depende então de uma conduta moral moderada, sem excesso,
baseada no que Aristóteles denomina “meio-termo”. (HISTÓRIA DA
FILOSOFIA. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 63 e 268. (Coleção Os
Pensadores). [Adaptado].
Consumismo.gera.felicidade?
Ver os vídeos disponíveis nos sites:
http://www.youtube.com/watch?v=hFOT8srccYs&feature=relat
http://www.youtube.com/watch?v=cU8FyaapKEk&NR=1
6. SOCIEDADE
Leitura coletiva e interpretativa da crônica: “Dois pequenos pensamentos”, de João Ubaldo Ribeiro, publicada no jornal O Estado de
41
São Paulo – Jun/2001. Instigar os alunos a identificarem fatos indicativos
da crônica como: experiências pessoais do cronista, ironia (o autor ironiza
sua própria imagem), críticas à sociedade, exagero de expressões em
favor do humor, parágrafos longos, indignação com as atitudes
“desumanas” das pessoas, reflexão.
Indicação de sites, de crônicas e cronistas (Luiz Fernando Veríssimo, Ruy
Câmara, Fernando Sabino, Lêdo Ivo, Ignacio de Loyola Brandão, Rubem
Alves, Lourenço Diaférria, Carlos Drummond de Andrade, Lígia Fagundes
Telles, Rubem Braga, João Ubaldo Ribeiro, Lya Luft, Cristovão Tezza,
entre outros).
No laboratório de informática - os alunos poderão organizar-se em equipes
(grupo com três alunos) – o professor dá aos estudantes liberdade para
escolherem os cronistas e uma crônica de sua preferência, com a
finalidade de realizar uma leitura que una o prazer do contato com um texto
simples, muitas vezes engraçado, sem deixar de lado a reflexão e a crítica
social.
7. CORRUPÇÃO
• Produção de textos do gênero
cada equipe poderá escolher um fato, um acontecimento, uma notícia
ou mesmo uma crônica para produzirem uma crônica, utilizando os mais
variados recursos linguísticos. Devem fazer referências e/ou citações de
certas partes dos textos a fim de que estes lhe sirvam de mote, um ponto
de partida, para sustentar seus argumentos sobre o tema corrupção, numa
crônica dissertativa e/ou humorística
“Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve
Você pode e você deve, pode crer.” (Até Quando? , Gabriel Pensador)
42
ÉTICA, PROGRESSO, TRABALHO, SAÚDE, EDUCAÇÃO e CULTURA não combinam
com corrupção. Ver imagem no site: http://picnicterraqueo.files.wordpress.com/2008/12/corrupcao.jpg
Histórias – Diálogos – Divagações “De notícias e não notícias faz-se a crônica “, de Carlos Drummond de Andrade.
“ Este livro contém histórias leves e desajuizadas opiniões sobre o desconcerto do mundo em que uns vivem e outros olham viver. Foram publicadas inicialmente no ‘Caderno B’ do Jornal do Brasil. “(DRUMMOND, 2007, p.17)
43
Referências bibliográficas: ALENCAR, José de. Crônicas escolhidas. São Paulo: Ed. Ática e Folha de São Paulo, 1995. ALMEIDA, Antonio Manuel de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Melhoramentos, s/d. ANDRADE, Carlos Drummond de. De notícias e não notícias faz-se a crônica. 10ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. ARRIGUCCI JR., Davi. Braga de novo por aqui. 11ª ed. São Paulo: Global Editora, 2001. ________. Enigma e Comentário, ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Editora Schwarcz, 1987. ASSIS, Machado. Obra Completa. Vol. III. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973. BRAYNER, Sonia et alii. A crônica, sua fixação e transformação no Brasil. São Paulo: Unicamp/ FCRB, 1992. BARROS, Diana L., FIORIN, José L. Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade em torno de Bakhtin. 1ª ed. São Paulo: Edusp, 1994. BARROS, Manoel de. “As lições de R.Q.” in Livro Sobre Nada. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 75. BELTRÃO, L. Jornalismo Opinativo. Porto Alegre: Sulina/ARI, 1980 BRAGA,Rubem. A traição das elegantes. Rio de Janeiro, Record, 1982 _______. 200 Crônicas Escolhidas: as melhores de Rubem Braga.11ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. _______. Procura-se. In: ______.O homem rouco. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986. p. 57-59. _______. “Recado ao senhor 903”. In: Para gostar de ler: crônicas. V. 1. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1977. BILAC, Olavo. Crônica. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 10 de abril de 1904. p. 1, 8. UNESP – FCLAs – CEDAP, v.4, n.2, p. 206-224, jun. 2009. _______.Crônica. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1897. p. 1, 3. UNESP – FCLAs – CEDAP, v.4, n.2, p. 206-224, jun. 2009. _______. Obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,1997. p. 737-738. CANDIDO, Antonio [et al]. A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. São Paulo: Ed. da Unicamp; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.
44
_______. Formação da Literatura Brasileira. Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: Itatiaia, 1993. _______. Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional, 1976. CHALHUB, Samira. Funções de Linguagem- séries Princípio- São Paulo: Ática, 1989. CONY, Carlos Heitor. A crônica como gênero e como antijornalismo. In: Folha de S. Paulo, 16 de outubro de 1998, cad.04, p. 07. COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil – relações e perspectivas. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, Niterói: EDUFF, 1986. v.6. _______. A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Global, 2003. DIAFÉRIA, Lourenço. herói. morto. nós. Folha de São Paulo, 1 de setembro de 1977. GIRARDET, Raul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. JABOR, Arnaldo. No país dos escândalos, saudade dos velhos carnavais. Folha de São Paulo, Ilustrada, E-8, 27 de fevereiro de 2001. JANUÁRIO, Wilame. Violência Urbana. 2007. Odemocrato.blogspot.com . template by PLínio Oliveira . versão 1.0 . 1 online JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. LAJOLO, Marisa e Zilberman, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1999. LEÃO, Danuza. Viver, a qualquer momento. Folha de São Paulo, C2, 30 de abril de 2006. LEOPOLDO E SILVA, F. “A dimensão ética da palavra”, em: Revista Tempo Social. São Paulo: FFLCH-USP, 1997. LIMA, Luis Costa. Intervenções. São Paulo: Edusp, 2002. ________. Dispersa Demanda: ensaios sobre literatura e teoria. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. LISPECTOR, Clarice. Para Não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. LUFT, Lya. Em outras palavras. Rio de Janeiro: Record, 2006. ________. Múltipla Escolha. Rio de Janeiro: Record, 2010. MACEDO, Joaquim Manuel de. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Belo Horizonte: Garnier, 1991. MADEIRA, Ana Maria Gini. Da produção à recepção: uma análise discursiva das crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
45
MARTINS, Eduardo Vieira. A fonte subterrânea. José de Alencar e a Retórica Oitocentista. São Paulo: Edusp, 2005. MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho. 26ª Ed., Rio de Janeiro: Record, 2000, (pp. 121-122) NUNES, B. “Ética e leitura”, em: Crivo de papel. São Paulo: Ática, 1998. PIMENTA, S. G. Formação de professores-saberes da docência e identidade do professor. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo: FEUSP, 1996, v. 2. PINA, Patrícia Kátia da Costa. “A crônica na imprensa periódica oitocentista: Machado de Assis e a formação do público leitor.” Revista Brasileira de Literatura Comparada / Associação Brasileira de Literatura Comparada – n.9, 2006. QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. 2ª ed. São Paulo: Editora Globo, 2008. RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Belo Horizonte: Crisálida, 2007, p. 16. SANT’ANNA, A. R. A Sedução da Palavra. Brasília: Letraviva, 2000. _______. Paródia Paráfrase E Cia. São Paulo: Ática,2006, p12. SCLIAR, Moacyr. O imaginário cotidiano. 4. ed. São Paulo: Gaia, 2006. SOARES, Marcus Vinicius. Literatura e imprensa: José de Alencar. In: SUSSEKIND, Flora e DIAS, Tânia (orgs). A historiografia literária e as técnicas de escrita. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2004. TOLEDO, Adilson. Síndrome do medo. Curitiba: Vicentina, 2006. VERÍSSIMO, Luís Fernando. Mais Comédias para ler na Escola. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2008. _______.O nariz e outras crônicas. 10ª ed. São Paulo: Ática. 2002. N p. 88
• www.folha.com.br (acesso segunda-feira, 17 de maio de 2010) • www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/63.pd(acesso quarta-feira, 21 de
julho de 2010) • www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/centenario-de-machado-de-assis/a-
semana5.php (acesso quarta-feira, 21 de julho de 2010)