da escola pÚblica paranaense 2009 - … · “colorido”, apagado pelo despreparo ou pela...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
1
Secretaria de Estado da Educação
Superintendência da Educação
Diretoria de Políticas e Programas Educacionais
Núcleo Regional de Londrina
Programa de Desenvolvimento Educacional
IDENTIFICAÇÃO:
a) INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR: UEL – Universidade Estadual de Londrina
b) PROFESSOR ORIENTADOR IES: Alfredo dos Santos Oliva
c) PROFESSOR PDE: Edna de Oliveira Lessa Dadalt
d) NRE: Londrina
e) MATERIAL DIDÁTICO PEDAGÓGICO: Caderno Temático: A Música a Serviço da História
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APRESENTAÇÃO
Este Caderno Pedagógico apresenta uma produção direcionada aos professores de
história, mais especificamente, não impedindo, porém, sua adaptação e utilização em outras
disciplinas. Essa produção didático-pedagógica nasceu como proposta do projeto inicial do
PDE, objetivando enriquecer o processo ensino-aprendizagem.
O presente trabalho visa oferecer informações e indicações bibliográficas e
metodológicas, com o propósito de dar sustentação teórica aos professores das escolas
estaduais e das disciplinas afins, no intento de buscar atender ao desejo da comunidade
escolar da atualização e renovação nos conteúdos de história. Pretende, ainda, relacionar o
ensino de história para adolescentes com a utilização de alguns instrumentos facilitadores
desse processo, em especial a música.
A música é um importante recurso no processo de ensino-aprendizagem,
possibilitando que o profissional amplie o campo do conhecimento e utilize meios
alternativos no ensino. Também faz com que os conteúdos estudados tenham maior
proximidade com a realidade do aluno e possam colaborar na sua capacidade compreensiva
do processo histórico, despertando o senso crítico e a consciência de agente histórico na
sociedade. A música foi, é e sempre será uma atividade presente na formação da cultura
humana e pode ser usada como recurso didático para tocar mais diretamente a realidade do
aluno, despertando-o para uma problematização e conseqüente apreensão da realidade em
questão.
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SUMÁRIO
Identificação............................................................................................................................ 1
Apresentação.......................................................................................................................... 2
Sumário.................................................................................................................................... 3
O Projeto................................................................................................................................ 4
Negros nos livros didáticos: omissão ou racismo?................................................................. 6
Educomunicação ..................................................................................................................... 9
Educanção: educar com a canção.......................................................................................... 11
Teorizando............................................................................................................................... 13
Notas sobre o racismo à brasileira.......................................................................................... 19
O que proponho?................................................................................................................... 21
Bibliografia............................................................................................................................... 24
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O PROJETO
Este trabalho é resultado de uma ansiedade nascida dentro das salas de aula e tem
a humilde pretensão de ao menos aliviar duas questões que sempre me incomodaram como
professora.
Todas as vezes em que são reunidos profissionais da educação e de áreas afins, nos
programas que visam a capacitação destes profissionais, nunca temos um trabalho, uma
proposta final, para que todo o processo desenvolvido saia dos limites da discussão e atinja a
outros profissionais que não tenham participado.
Cadê o trabalho em conjunto, que possa ir para todas as escolas de nosso Estado e
auxiliar na melhoria do processo de aprendizagem, sem distinção?
Se não bastassem as limitações encontradas na composição dos livros didáticos,
que na maioria das vezes processam um saber marcado pelo estigma do europeu
descobridor, ainda enfrentamos as próprias limitações de profissionais, que por razões
tantas que fogem aqui de uma ilustração. Por isso reproduzem um saber histórico sem
“colorido”, apagado pelo despreparo ou pela quantidade de trabalho que faz com que o
professor não tenha, e portanto não repasse, a motivação necessária para que cada um se
identifique como igual no processo da construção da história.
“O papel objetivo da educação é criar homens capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram, homens criativos, inventativos, descobridores.”
Jean Piaget
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A História, então, é tida como matéria enfadonha, decorativa... coisa de
antigamente. E o conteúdo? Bem, na maioria das vezes reproduz o que traz o livro didático,
tal e qual...
-E o Brasil foi descoberto em 1500.
-E os negros foram escravizados porque os índios eram preguiçosos.
-E os negros deixaram sua contribuição para a cultura do Brasil na dança, na
alimentação etc.
-E...
“O seu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não PEGA, mulata
Mulata eu quero seu amor.”
Seria este o processo que analisa a permanência do povo africano em terras
americanas?
Criar e constituir lei que determine o fim de sua invisibilidade como sujeito
histórico será suficiente para desfazer o estigma de “fera”, “objeto”, “força” , “virilidade” e
outras tantas que lhes foi atribuída pelo povo branco?
Na tentativa de rever minha prática em sala de aula e ao mesmo tempo deixar uma
contribuição aos que possam se interessar é que me proponho a desenvolver este caderno
temático sobre “A música a serviço da História” como trabalho de implementação
pedagógica, depois de desenvolver e apresentar ao PDE o projeto “A música a serviço da
exclusão: o negro no cancioneiro popular”.
A utilização da música como recurso didático tem sua justificativa no fato de ser ela
um veículo acessível e, portanto, democrático de se “aprender pelo ouvido”. Registramos,
aprendemos a letra, nos envolvemos com o ritmo..., logo, problematizar um conteúdo que
nos é familiar fica mais coerente.
Há que se ter a preocupação com o tipo de música escolhida, já que para atingir a
todos sem distinção ela tem que estar contextualizada e não causar estranhamento do
grupo em questão.
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NEGROS NOS LIVROS DIDÁTICOS: OMISSÃO OU RACISMO?
Geralmente é nos livros didáticos que o professor se apóia durante as aulas. Mesmo
aqueles que se desdobram na aquisição de outras fontes de informação, têm no livro
didático um material de apoio e utilização diária.
O grande questionamento é sempre o direcionamento dado às discussões. Neste
caso irei me valer de conclusões advindas após a leitura do texto de Joel Vieira Caldas
“História da África nos livros didáticos: omissão ou racismo?” para suporte e direcionamento
desta discussão.
Segundo Caldas, todos imaginam a África como um continente repleto de matas,
um paraíso da vida selvagem, habitantes apenas negros, que não se organizam socialmente,
tribos selvagens nada amistosas, habitantes incapazes de se defenderem frente a uma
exploração e/ou intervenção agressiva do homem branco. Total miséria, inexistência de
centros urbanos, e quando alguns sabem da existência de vilas e cidades, imaginam ser
locais desprovidos de qualquer infra-estrutura e desenvolvimento social e cultural, como foi
o caso da gafe do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, em visita à Namíbia em 2003,
quando afirmou que não imaginava encontrar na África uma cidade tão limpa e que nem
parecia estar num país africano.
Por certo, a imagem que fica é a da miséria da Etiópia e as mortes por doenças,
entre outras causas, além da desnutrição e da inanição geral entre a camada pobre do país.
Outra imagem marcante ainda é o regime de segregação racial na África do Sul, o apartheid,
onde a minoria branca, de origem inglesa, discriminava uma maioria da população negra do
“A música é o barulho que pensa.”
Victor Hugo
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país, e devido a isso, pela mídia viam-se os confrontos entre grupos de negros e policiais,
mandados pelo governo branco para reprimir as manifestações.
Enfim, reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam da mídia que apenas
revelam um continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS,
fome e falência econômica. As imagens e informações que dominam os meios de
comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos
sobre o Continente africano. Tanto nos ensinos fundamental e médio, aprendemos que a
África era um continente onde havia somente negros selvagens, animais exóticos, um
continente que fornecia mão-de-obra escrava para os colonizadores europeus e que não
havia uma cultura nativa rica em detalhes, com nações inteiras organizadas socialmente em
reinos, com nobreza, tribos, clãs, vilas, cidades e povoados.
É comum encontrarmos livros didáticos, quando se encontra muito sobre a África,
há somente uma página e meia. O assunto gira em torno dos tipos básicos de colonização
européia durante a Idade Média, faz uma leve referência à existência dos reinos de Gana,
Mali, Congo e Zimbábue. Enfoca mais a busca do caminho marítimo para as Índias e como os
negros eram transportados. Não há nenhuma narrativa acerca dos povos africanos, seus
costumes e culturas, como há sobre as demais civilizações Ocidentais e do Oriente Próximo.
Em nenhum momento o pouco que se relata sobre a África diz o quão agressiva era a
exploração do continente por povos da Europa. Conta-se apenas a história da colonização
africana sem ao menos mencionar quais povos estavam sendo explorados pelos europeus.
Trata-se o continente africano como um despojo particular dos países europeus,
dignando-se a mostrar tão somente a ocupação e exploração do continente africano, bem
como destacar suas riquezas naturais.
Segundo Caldas, os livros didáticos relatam a escravatura como um fato histórico,
enfatizando a supremacia branca e justificando o fato da condição do negro estar sendo
subjugado, devido ao atraso cultural, ao fator numérico no país. O PNLD, embora, seja o
responsável pela distribuição e tenha feito uma seleção de livros didáticos com conteúdo
racista, não possui uma política contundente para a adoção desses livros selecionados, e que
contêm estudos relevantes sobre a cultura africana e sua adoção na grade curricular dos
primeiros níveis do ensino no Brasil. Os livros didáticos ainda trabalham a questão da
história tradicional, do tipo eurocêntrica, onde o negro aparece como escravo, desprovido e
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desmotivado de resistência ao jugo, e que não possui significativa atuação em movimentos,
como também, na vida social de comunidades africanas ou mesmo no Brasil, como os vários
quilombos e suas respectivas batalhas contra os senhores de escravos. Sobre o racismo nos
livros didáticos que se dizem não racistas, apenas alguns textos acadêmicos referenciam que
essa postura às vezes pode ser interpretada como racista, por rebaixar o negro e a África a
uma posição de desprovimento de condição sócio-cultural na formação da História, com
ausência de civilização,colocando referências que nos dão a entender que o negro e a África
são os " coitadinhos." (CALDAS, 2006: p. 20)
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EDUCOMUNICAÇÃO
Educomunicação é uma prática educativa que envolve, nas relações de ensino-
aprendizagem, a produção coletiva de vídeo-documentários, reportagens e entrevistas, onde
os alunos consolidam suas aprendizagens através do uso das mídias.
O trabalho da educomunicação é desenvolvido através de teatros, desenhos,
músicas, jornal e rádio.
Não poucas vezes temos nos deparado com reportagens que se dedicam a enfatizar
a necessidade de usar a perspectiva educomunicativa nas aulas, ou seja, usar os suportes
midiáticos tais como imagens estáticas, filmes, músicas, recursos radiofônicos etc.
Tal proposta vem ressaltar, além da costumeira necessidade de aliar escola e
tecnologia, uma relação mais ampla, pautada pela intersecção de educação e comunicação.
Sabemos da importância da incorporação de outras linguagens na educação e já é
possível notar uma ampla e indiscriminada utilizção desses novos meios nos cotidianos de
muitas instituições escolares. No entanto, há que se atentar para que tais procedimentos
não sejam revestidos de superficialidade e descontextualização.
“A música é maior aparição do que toda a sabedoria e filosofia.”
Beethoven
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No texto “A educomunicação nas aulas de História” Américo Francisco dos Santos
alerta para o fato de que as imagens estáticas ou o cinema, ao serem apresentados aos
alunos, quase sempre funcionam como ilustração, complementação ou substituição de
algum conteúdo das várias disciplinas, mas não vêm acompanhados de suas especificidades
históricas, técnicas e, principalmente, de suas relações críticas com o mundo atual.
O grande desafio agora, reside na necessidade de se introduzir um novo campo
discursivo e é isso o que a educomunicação vem propondo. Atrelado a isso vemos surgir um
outro perfil do profissional da educação do século XXI: o educomunicador.
“Olhar, olhar até não ser mais si mesmo.”
(Álvaro Mutis)
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EDUCANÇÃO: EDUCAR COM A CANÇÃO
Diante da necessidade de atingir de forma democrática os educandos, foi que optei
pela utilização da música como recurso didático, visto ser uma maneira prazerosa e de fácil
acesso.
A música sempre esteve presente na vida de todos os povos, seja com
características monumentais, variada instrumentação e escalas musicais complexas ou
simplesmente, aliada à dança, na forma de reverência, ou agradecimento de seus ancestrais,
pela abundância da caça e da pesca, pela fertilidade da terra e das mulheres; celebrando
fatos importantes da sua realidade, suas vitórias e descobertas, ao som e ritmo das
primeiras canções e primeiros instrumentos, inspirados pelo sopro do vento, pelo canto dos
pássaros ou pelo ruído das águas.
Na trajetória humana, a música sempre teve seu papel educativo, servindo a
propósitos e circunstâncias. O efeito que ela nos provoca na alma explica essa espécie de
onipresença e suas múltiplas aplicações, na cultura, na religião, em ações coletivas como
festas, revoluções e guerras, e até mesmo, as aplicações mais modernas, como na medicina.
Quando usada como linguagem artística, a música pode revelar o enorme potencial
que o ser humano tem em si, motivando-o a atitudes equilibradas e ao desenvolvimento da
percepção para com os seres e objetos que o rodeiam. A música está presente já nos
“A minha música não é contra os brancos. Eu nunca poderia cantar isso. A minha música é contra o sistema, que ensina você a viver e a morrer.”
Bob Marley
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primeiros meses de vida intra-uterina, quando o coração da mãe estimula e provoca
sensações e emoções, regidas pela cadência do seu ritmo. A voz das pessoas que convivem
no ambiente familiar, todos os sons e emoções, são o ponto de contato entre o feto e o
mundo exterior. Assim que nasce, o universo do novo ser inunda-se de musicalidade, que o
fará se desenvolver: os sons que o ensinarão a se comunicar com o mundo; as canções de
ninar; as cantigas de roda; as músicas que animarão os jogos e as festas; as músicas
religiosas; as músicas românticas que fazem a trilha sonora de encontros e desencontros, de
alegrias e saudades.
Devíamos fazer do ato de educar no meio escolar um encontro entre o universo
familiar e um novo mundo, traduzidas em aparelhos de televisão. Fazermos também deste
ambiente um encontro de pessoas bem intencionadas, que almejem a valorização humana,
por meios que facilitem a harmonia e a clareza perceptiva. Educanção é possibilitar o livre
trânsito entre o interior e o exterior, é estimular os valores éticos, estéticos e sociais, é
promover a fraternidade, a compreensão mútua e o equilíbrio em nossas ações no plano
físico, emocional e mental, é, por fim, entender a ética como uma atitude dos que acreditam
que a solidariedade entre as sociedades ainda é possível, mesmo que o caminho seja árduo
e tortuoso.
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TEORIZANDO
“Somente o terror e violência constante permitiriam a dominação sobre a
população escravizada.” (GOULART, 1972: p. 197). A Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da
educação Nacional, para incluir no Currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e cultura afro-brasileira”.
Visando atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CPG/2002, assim como
na regulamentação da alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da educação
Nacional, pela lei 10.639/2003, tem-se procurado oferecer uma resposta, entre outras, na
área da educação, à demanda da população afro-descendente, no sentido de políticas de
ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações e de reconhecimento e valorização de
sua história, cultura e identidade. Trata-se de uma política curricular, fundada em dimensões
históricas, sociais e antropológicas, oriundas da realidade brasileira e que busca combater o
racismo e as discriminações que atinge o negro, particularmente.
Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. É importante
desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo
europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos
pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da
experiência de sentir-se inferiorizados, vivida pelos negros, tampouco as baixas
classificações que lhes são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas,
educativas e políticas.
O patrimônio cultural da população negra é composta de bens materiais e
imateriais e, retomar essas vozes que ficaram silenciadas por opressões históricas, é
fundamental e necessária para uma compreensão democrática de educação. Para tanto, faz-
se necessário a implantação e real efetivação da Lei 10.639/03 – para que os anos de
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é [...]”
Caetano Veloso, na música “Dom de iludir”
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invisibilidade da cultura negra em nossa história, possam enfim serem estudados e
admitidos como parte integrante e estruturante na formação da cultura brasileira,
contestando de vez os chamados “saberes” de senso-comum. “Ao contrário do que se
inculca enquanto senso-comum, a aparente passividade dos negros escravizados não foi
verdadeira. Foram muitas as formas de resistência a escravidão”. (SANTOS, 2006: p. 169-
183).
No geral, os profissionais da educação não tem realizado um trabalho que
contemple a diversidade racial existente na sociedade e tão bem exemplificada nas
escolas. É de se considerar, que a educação brasileira ainda introduz o tema escravismo
sem nenhuma condenação do sistema e, muitas vezes, ainda fazendo uso da triste
afirmação: “o índio não deu para o trabalho escravo, aí trouxeram os negros”.
Além de uma informação racista, existe a desinformação persistente tem em sua
grande maioria, uma visão desfavorável a identidade e a auto-estima das populações afro-
descendentes.
Além dos escravizados das grandes propriedades existiram diversas outras maneiras de ser escravizados. Mesmo músicos, artistas e intelectuais foram escravizados. Muitos escravizados foram médicos, enfermeiros e farmacêuticos práticos. Muitos oficialmente reconhecidos pelo poder público, apesar de escravizados. (KARASCH, 2000: p. 99 - 100).
Vendedora de comidas, quitandeiras e comerciantes em feiras públicas foram escravizados – de – ganho. Também uma parcela significativa de africanos e descendentes de africanos conseguir a liberdade ou já nasceu livre, dado à liberdade anterior de seus pais e avós. Nos trezentos anos de escravismo, a diversidade e a complexidade da composição da população negra eram enormes. Infelizmente a história do escravismo que apresentamos na sala de aula não traduz essa riqueza de informações. O escravo é representado como uma generalização imbecilizada e não como seres pensantes produtores de uma história social. (GUTIERREZ, 1999: p. 213).
Uma aula não se resume em si própria, ela necessita interagir com outras
informações e se completar com costumes e práticas sociais diversas, presentes e ausentes
do ambiente da sala. Muitas informações não chegam a sala, se dispersam, se camuflam ou
se escondem num véu de invisibilidade.
Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos utilitários ou a semoventes, também é difícil descobrir-se descendente dos escravizadores, temer, embora veladamente, revanche dos que, por cinco séculos, tem sido desprezados e massacrados.
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Para reeducar as relações étnico- raciais, no Brasil, é necessários fazer emergir às dores e medos que tem sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros. Os descendentes dos mercadores de escravos dos senhores de ontem, não tem, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, tem eles a responsabilidade moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vem sendo mantidos à margem, os negros, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. (FANON, 1979: p. 98 a 100).
Existem e persistem diversos discursos que demonstram uma pedagogia
depreciativa da cultura de base africana, dos africanos e de seus descendentes. O uso de
músicas que tragam estampadas em suas letras este caráter depreciativo, servirá como
caminho para a análise problematizadora desta ideologia racista. Mesmo tratando a história
de uma maneira romanceada, a música é uma estratégia prazerosa de produção do
conhecimento histórico. “[...] no Brasil a canção ocupa um lugar especial na produção
cultural, em Seus diversos matizes, ela tem o termômetro, caleidoscópio e espelho não só
das mudanças sociais, mas, sobretudo das nossas sensibilidades coletivas mais profundas”.
(NAPOLITANO, 2002: p. 77).
Saliento então,a importância de explorar estas informações impressas nas canções,
como uma forma de avaliar e descobrir nossa própria sociedade, suas mensagens e
ideologias, relevando a música o papel do veículo com poder de comunicação e difusão.
[...] a música, além de seu estado de imaterialidade, atinge os sentidos do receptor, estando, portanto, fundamentalmente no universo da sensibilidade. Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente estéticos e artísticos, destinados à fruição pessoal e/ou coletiva, a canção também assume inevitavelmente a singularidade e características especiais próprias do autor e de seu Universo cultural. Além disso, geralmente uma nova leitura é realizada pelo intérprete/instrumentalista. E, finalmente, o receptor faz sua (re) leitura da obra às vezes trilhando caminhos inesperados para o criador. (MORAES, 2000: p. 215).
O discurso depreciativo do africano e seus descendentes, embora camuflado e
negado pela maioria da população, é encontrado em algumas obras musicais, retratando o
negro como feio, ou quando belo, com um forte apelo sexual.
“O teu cabelo não nega mulata
Tu és mulata na cor
Mas como a cor não pega mulata
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Mulata eu quero o teu amor.”
(O teu cabelo não nega – Lamartine Babo, João e Raul Valença, 1932)
“O mulata assanhada
Ai, meu Deus, que bom seria
Se voltasse a escravidão
Te levava pro meu barraco”
(Mulata assanhada – Ataulfo Alves, 1930)
Segundo Kátia Amaral Abreu, um trabalho com a linguagem expressa das canções,
foge ao convencional em sala de aula. Seu propósito é auxiliar o aluno a construir o
conhecimento histórico a partir de documentos diferenciados dos costumeiramente
presentes nas aulas e, por isso, sua utilização está relacionada a propostas alternativas de
organização de conteúdos. Os diferentes
Temas tratados na canção, podem sugerir ao professor novos reteiros de
organização dos conteúdos a serem desenvolvidos.
Tal metodologia de ensino auxilia os alunos a elaborarem conceitos e a dar significados a fatos históricos. As letras das músicas se constituem, registros de acontecimentos a serem compreendidos pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou seja, em sua compreensão cronológica, na elaboração e re-significação de conceitos próprios da disciplina. Mais ainda, a utilização de tais registros colabora na formação dos conceitos espontâneos dos alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos. Permitindo que o aluno se aproxime das pessoas que viveram no passado, elaborando a compreensão histórica que vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram em relação a determinada situação. (DUARTE, 2005: p. 187 -189).
O uso de novas metodologias, principalmente para o ensino de estudos
étnicos, intenta superar a discriminação e o preconceito vividos por indivíduos gerados
dentro de uma sociedade multicultural.
A utilização da música, como recurso didático, auxilia o aluno na construção
do conhecimento, transformando situações formais em conhecimentos científicos já que, a
formação do indivíduo é construída através das informações recebidas.
Jacques Le Goff, em sua obra “História e memória”, vê a memória como um
conjunto de funções psíquicas, intelectual, que acarreta de fato uma representação do
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passado, que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo inserido num
contexto familiar, social, nacional, graças a essas funções o homem detém a propriedade de
conservar certas informações e atualizar impressões ou informações passadas. Além da
capacidade de capturar o passado no presente, a memória também opera o registro do
presente para que permaneça como lembrança capaz de ser acionada. A memória
apresenta-se como elemento fundamental para a constituição das identidades individual e
coletiva, inclusive em suas determinações de poder e dominação. “[...] devemos trabalhar
de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.”
(LE GOFF, 1996: p. 477).
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NOTAS SOBRE O RACISMO À BRASILEIRA
Minha expectativa aqui é despertá-los para uma pesquisa consciente e uma tomada
de atitude decisiva no sentido de sermos construtores de idéias e, portanto responsáveis por
ideais de justiça e harmonia entre os povos. Seguem exemplos, pequenas notas de autores
diferentes. Questioná-los, segui-los, tê-los como exemplo é de sua inteira responsabilidade.
[...] embora exista preconceito no Brasil, não existe entre nós um sistema de segregação ou de separação racial implementada e legitimado por leis escritas. A demais, o sistema, coerentemente, gerou uma ideologia de mistura e ambigüidade - na figura da mulata e do mulato, por exemplo, e nas regiões populares, que se constituem em um elemento integrador de todo sistema, valorizando mais a confissão humana - sofrimento, culpa, pecado, caridade, amor, etc. - como explicadores da situação social de cada um mais do que a própria raça, como ocorre nos Estados Unidos. (MATTA, 2008: p. 78) O conflito e a discriminação racial na escola não se restringe às relações interpessoais. Os diversos materiais didático – pedagógicos: livros, revistas, jornais, entre outros – utlizados em sala de aula, que, em geral, apresentam apenas pessoas brancas com e como referência positiva, também são ingredientes caros ao processo discriminatório no cotidiano escolar. Quase sem exceção, os negros aparecem nesse material somente para ilustrar o período escravista do Brasil-Colônia ou, então, para ilustrar situações de subserviência ou de desprestígio social. A utilização de recursos pedagógicos com esse caráter remonat um processo de socialização racista, marcadamente branco eurocêntrico e etnocêntrico, que historicamente enaltece imagens de indivíduos brancos, do continente europeu como referência positiva em detrimento dos negros e do continente africano. (COLEÇÃO EDUCAÇÃO PARA TODOS – SECAD – MEC, 2005: p. 13) [...] fruto de uma construção histórica repetida como verdade ao longo dos séculos, a feiúra física dos negros até hoje faz suas vítimas. São adultos, adolescentes e crianças que rejeitam seus traços fenotípicos, porque desde muito cedo ouviram que a beleza não lhes pertencia. Ela era exclusividade dos que foram agraciados com o padrão estético europeu. Ter pele branca, cabelo liso, nariz afilado, lábios pequenos [...] Eram esses, e infelizmente até hoje são, os pré – requisitos que uma pessoa precisa ter para ser considerada bela. (DAMIÃO, 2007: p. 11)
“Até que os leões tenham suas histórias, os contos de caça glorificarão sempre o caçador.”
Provérbio africano
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• Exaltar a pesquisa sobre a real contribuição do negro na formação da Nação
Brasil.
• Estimular, através da música, o senso-crítico dos alunos no que se refere ao
chamado racismo velado.
• Proporcionar aos alunos oportunidades de manter contato com músicas cujas
raízes são intrínsecas à sua cultura.
• Oportunizar a todos os envolvidos contato com um material que seja mediador
na construção de novos saberes.
• Estimular, por meio da música, a produção de textos e o exercício da leitura.
• Propiciar o amadurecimento da inteligência emocional dos alunos.
• Estimular a oralidade, “aprender” a ouvir e expressar opiniões de forma crítica.
Sugestões de músicas para trabalhar o tema do negro
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• Morro Velho – Milton nascimento
• A mão da limpeza – Gilberto Gil
• Haiti – Caetano Veloso
• Kizomba – Samba enredo da Vila Isabel – 1988
• 100 anos de liberdade: realidade ou ilusão? – Samba enredo da Mangueira – 1988
• Black is beautiful – Elis Regina
• Ebony and Ivory – Paul McCartney e Steve Wonder
• O mestre sala dos mares – João Bosco
• Ogum – Zeca Pagodinho
• Identidade – Jorge Aragão
• Lavagem Cerebral – Gabriel – O Pensador
• Vida de negro – Dorival Caymmi
• Sou negrão – Rappin Hood
• Upa, neguinho – Elis Regina
• Todo camburão tem um pouco de navio negreiro - Rappa
Músicas para diversos temas históricos
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• Fábrica – Legião Urbana – Revolução Industrial
• Xica da Silva – Jorge Bem Jor - Mineração
• Faraó – Banda Mel – Egito Antigo
• Cavalos do Cão – Zé Ramalho – Cangaço/Lampião
• Índios – Legião Urbana – Colonização
• La Maison Dieu – Legião Urbana – Ditadura
• Samba do Approach – Zeca Baleiro – Mostra a invasão norte-americana no nosso
vocabulário
• Pala boricamará – Gilberto Gil – Globalização
• Oração do Tempo – Caetano Veloso – Discutir a relação entre tempo e história
• Um índio – Caetano Veloso – Colonização
• Chico Mendes – Maná – Meio-ambiente
• Tem pouca diferença – Gal Costa – Mulher
BIBLIOGRAFIA
23
ABUD, Kátia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de história. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 309-317, set./dez.2005
BRASIL. Presidência da república. Casa Civil. Lei nº 10.639. Publicada em 09 de Janeiro de 2003.
DUARTE, M.A. A teoria das representações sociais: Uma para o ensino da música. Raízes e Rumos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, 1997.
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