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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

1

Secretaria de Estado da Educação

Superintendência da Educação

Diretoria de Políticas e Programas Educacionais

Núcleo Regional de Londrina

Programa de Desenvolvimento Educacional

IDENTIFICAÇÃO:

a) INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR: UEL – Universidade Estadual de Londrina

b) PROFESSOR ORIENTADOR IES: Alfredo dos Santos Oliva

c) PROFESSOR PDE: Edna de Oliveira Lessa Dadalt

d) NRE: Londrina

e) MATERIAL DIDÁTICO PEDAGÓGICO: Caderno Temático: A Música a Serviço da História

2

APRESENTAÇÃO

Este Caderno Pedagógico apresenta uma produção direcionada aos professores de

história, mais especificamente, não impedindo, porém, sua adaptação e utilização em outras

disciplinas. Essa produção didático-pedagógica nasceu como proposta do projeto inicial do

PDE, objetivando enriquecer o processo ensino-aprendizagem.

O presente trabalho visa oferecer informações e indicações bibliográficas e

metodológicas, com o propósito de dar sustentação teórica aos professores das escolas

estaduais e das disciplinas afins, no intento de buscar atender ao desejo da comunidade

escolar da atualização e renovação nos conteúdos de história. Pretende, ainda, relacionar o

ensino de história para adolescentes com a utilização de alguns instrumentos facilitadores

desse processo, em especial a música.

A música é um importante recurso no processo de ensino-aprendizagem,

possibilitando que o profissional amplie o campo do conhecimento e utilize meios

alternativos no ensino. Também faz com que os conteúdos estudados tenham maior

proximidade com a realidade do aluno e possam colaborar na sua capacidade compreensiva

do processo histórico, despertando o senso crítico e a consciência de agente histórico na

sociedade. A música foi, é e sempre será uma atividade presente na formação da cultura

humana e pode ser usada como recurso didático para tocar mais diretamente a realidade do

aluno, despertando-o para uma problematização e conseqüente apreensão da realidade em

questão.

3

SUMÁRIO

Identificação............................................................................................................................ 1

Apresentação.......................................................................................................................... 2

Sumário.................................................................................................................................... 3

O Projeto................................................................................................................................ 4

Negros nos livros didáticos: omissão ou racismo?................................................................. 6

Educomunicação ..................................................................................................................... 9

Educanção: educar com a canção.......................................................................................... 11

Teorizando............................................................................................................................... 13

Notas sobre o racismo à brasileira.......................................................................................... 19

O que proponho?................................................................................................................... 21

Bibliografia............................................................................................................................... 24

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O PROJETO

Este trabalho é resultado de uma ansiedade nascida dentro das salas de aula e tem

a humilde pretensão de ao menos aliviar duas questões que sempre me incomodaram como

professora.

Todas as vezes em que são reunidos profissionais da educação e de áreas afins, nos

programas que visam a capacitação destes profissionais, nunca temos um trabalho, uma

proposta final, para que todo o processo desenvolvido saia dos limites da discussão e atinja a

outros profissionais que não tenham participado.

Cadê o trabalho em conjunto, que possa ir para todas as escolas de nosso Estado e

auxiliar na melhoria do processo de aprendizagem, sem distinção?

Se não bastassem as limitações encontradas na composição dos livros didáticos,

que na maioria das vezes processam um saber marcado pelo estigma do europeu

descobridor, ainda enfrentamos as próprias limitações de profissionais, que por razões

tantas que fogem aqui de uma ilustração. Por isso reproduzem um saber histórico sem

“colorido”, apagado pelo despreparo ou pela quantidade de trabalho que faz com que o

professor não tenha, e portanto não repasse, a motivação necessária para que cada um se

identifique como igual no processo da construção da história.

“O papel objetivo da educação é criar homens capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram, homens criativos, inventativos, descobridores.”

Jean Piaget

5

A História, então, é tida como matéria enfadonha, decorativa... coisa de

antigamente. E o conteúdo? Bem, na maioria das vezes reproduz o que traz o livro didático,

tal e qual...

-E o Brasil foi descoberto em 1500.

-E os negros foram escravizados porque os índios eram preguiçosos.

-E os negros deixaram sua contribuição para a cultura do Brasil na dança, na

alimentação etc.

-E...

“O seu cabelo não nega, mulata

Porque és mulata na cor

Mas como a cor não PEGA, mulata

Mulata eu quero seu amor.”

Seria este o processo que analisa a permanência do povo africano em terras

americanas?

Criar e constituir lei que determine o fim de sua invisibilidade como sujeito

histórico será suficiente para desfazer o estigma de “fera”, “objeto”, “força” , “virilidade” e

outras tantas que lhes foi atribuída pelo povo branco?

Na tentativa de rever minha prática em sala de aula e ao mesmo tempo deixar uma

contribuição aos que possam se interessar é que me proponho a desenvolver este caderno

temático sobre “A música a serviço da História” como trabalho de implementação

pedagógica, depois de desenvolver e apresentar ao PDE o projeto “A música a serviço da

exclusão: o negro no cancioneiro popular”.

A utilização da música como recurso didático tem sua justificativa no fato de ser ela

um veículo acessível e, portanto, democrático de se “aprender pelo ouvido”. Registramos,

aprendemos a letra, nos envolvemos com o ritmo..., logo, problematizar um conteúdo que

nos é familiar fica mais coerente.

Há que se ter a preocupação com o tipo de música escolhida, já que para atingir a

todos sem distinção ela tem que estar contextualizada e não causar estranhamento do

grupo em questão.

6

NEGROS NOS LIVROS DIDÁTICOS: OMISSÃO OU RACISMO?

Geralmente é nos livros didáticos que o professor se apóia durante as aulas. Mesmo

aqueles que se desdobram na aquisição de outras fontes de informação, têm no livro

didático um material de apoio e utilização diária.

O grande questionamento é sempre o direcionamento dado às discussões. Neste

caso irei me valer de conclusões advindas após a leitura do texto de Joel Vieira Caldas

“História da África nos livros didáticos: omissão ou racismo?” para suporte e direcionamento

desta discussão.

Segundo Caldas, todos imaginam a África como um continente repleto de matas,

um paraíso da vida selvagem, habitantes apenas negros, que não se organizam socialmente,

tribos selvagens nada amistosas, habitantes incapazes de se defenderem frente a uma

exploração e/ou intervenção agressiva do homem branco. Total miséria, inexistência de

centros urbanos, e quando alguns sabem da existência de vilas e cidades, imaginam ser

locais desprovidos de qualquer infra-estrutura e desenvolvimento social e cultural, como foi

o caso da gafe do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, em visita à Namíbia em 2003,

quando afirmou que não imaginava encontrar na África uma cidade tão limpa e que nem

parecia estar num país africano.

Por certo, a imagem que fica é a da miséria da Etiópia e as mortes por doenças,

entre outras causas, além da desnutrição e da inanição geral entre a camada pobre do país.

Outra imagem marcante ainda é o regime de segregação racial na África do Sul, o apartheid,

onde a minoria branca, de origem inglesa, discriminava uma maioria da população negra do

“A música é o barulho que pensa.”

Victor Hugo

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país, e devido a isso, pela mídia viam-se os confrontos entre grupos de negros e policiais,

mandados pelo governo branco para reprimir as manifestações.

Enfim, reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam da mídia que apenas

revelam um continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS,

fome e falência econômica. As imagens e informações que dominam os meios de

comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos

sobre o Continente africano. Tanto nos ensinos fundamental e médio, aprendemos que a

África era um continente onde havia somente negros selvagens, animais exóticos, um

continente que fornecia mão-de-obra escrava para os colonizadores europeus e que não

havia uma cultura nativa rica em detalhes, com nações inteiras organizadas socialmente em

reinos, com nobreza, tribos, clãs, vilas, cidades e povoados.

É comum encontrarmos livros didáticos, quando se encontra muito sobre a África,

há somente uma página e meia. O assunto gira em torno dos tipos básicos de colonização

européia durante a Idade Média, faz uma leve referência à existência dos reinos de Gana,

Mali, Congo e Zimbábue. Enfoca mais a busca do caminho marítimo para as Índias e como os

negros eram transportados. Não há nenhuma narrativa acerca dos povos africanos, seus

costumes e culturas, como há sobre as demais civilizações Ocidentais e do Oriente Próximo.

Em nenhum momento o pouco que se relata sobre a África diz o quão agressiva era a

exploração do continente por povos da Europa. Conta-se apenas a história da colonização

africana sem ao menos mencionar quais povos estavam sendo explorados pelos europeus.

Trata-se o continente africano como um despojo particular dos países europeus,

dignando-se a mostrar tão somente a ocupação e exploração do continente africano, bem

como destacar suas riquezas naturais.

Segundo Caldas, os livros didáticos relatam a escravatura como um fato histórico,

enfatizando a supremacia branca e justificando o fato da condição do negro estar sendo

subjugado, devido ao atraso cultural, ao fator numérico no país. O PNLD, embora, seja o

responsável pela distribuição e tenha feito uma seleção de livros didáticos com conteúdo

racista, não possui uma política contundente para a adoção desses livros selecionados, e que

contêm estudos relevantes sobre a cultura africana e sua adoção na grade curricular dos

primeiros níveis do ensino no Brasil. Os livros didáticos ainda trabalham a questão da

história tradicional, do tipo eurocêntrica, onde o negro aparece como escravo, desprovido e

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desmotivado de resistência ao jugo, e que não possui significativa atuação em movimentos,

como também, na vida social de comunidades africanas ou mesmo no Brasil, como os vários

quilombos e suas respectivas batalhas contra os senhores de escravos. Sobre o racismo nos

livros didáticos que se dizem não racistas, apenas alguns textos acadêmicos referenciam que

essa postura às vezes pode ser interpretada como racista, por rebaixar o negro e a África a

uma posição de desprovimento de condição sócio-cultural na formação da História, com

ausência de civilização,colocando referências que nos dão a entender que o negro e a África

são os " coitadinhos." (CALDAS, 2006: p. 20)

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EDUCOMUNICAÇÃO

Educomunicação é uma prática educativa que envolve, nas relações de ensino-

aprendizagem, a produção coletiva de vídeo-documentários, reportagens e entrevistas, onde

os alunos consolidam suas aprendizagens através do uso das mídias.

O trabalho da educomunicação é desenvolvido através de teatros, desenhos,

músicas, jornal e rádio.

Não poucas vezes temos nos deparado com reportagens que se dedicam a enfatizar

a necessidade de usar a perspectiva educomunicativa nas aulas, ou seja, usar os suportes

midiáticos tais como imagens estáticas, filmes, músicas, recursos radiofônicos etc.

Tal proposta vem ressaltar, além da costumeira necessidade de aliar escola e

tecnologia, uma relação mais ampla, pautada pela intersecção de educação e comunicação.

Sabemos da importância da incorporação de outras linguagens na educação e já é

possível notar uma ampla e indiscriminada utilizção desses novos meios nos cotidianos de

muitas instituições escolares. No entanto, há que se atentar para que tais procedimentos

não sejam revestidos de superficialidade e descontextualização.

“A música é maior aparição do que toda a sabedoria e filosofia.”

Beethoven

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No texto “A educomunicação nas aulas de História” Américo Francisco dos Santos

alerta para o fato de que as imagens estáticas ou o cinema, ao serem apresentados aos

alunos, quase sempre funcionam como ilustração, complementação ou substituição de

algum conteúdo das várias disciplinas, mas não vêm acompanhados de suas especificidades

históricas, técnicas e, principalmente, de suas relações críticas com o mundo atual.

O grande desafio agora, reside na necessidade de se introduzir um novo campo

discursivo e é isso o que a educomunicação vem propondo. Atrelado a isso vemos surgir um

outro perfil do profissional da educação do século XXI: o educomunicador.

“Olhar, olhar até não ser mais si mesmo.”

(Álvaro Mutis)

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EDUCANÇÃO: EDUCAR COM A CANÇÃO

Diante da necessidade de atingir de forma democrática os educandos, foi que optei

pela utilização da música como recurso didático, visto ser uma maneira prazerosa e de fácil

acesso.

A música sempre esteve presente na vida de todos os povos, seja com

características monumentais, variada instrumentação e escalas musicais complexas ou

simplesmente, aliada à dança, na forma de reverência, ou agradecimento de seus ancestrais,

pela abundância da caça e da pesca, pela fertilidade da terra e das mulheres; celebrando

fatos importantes da sua realidade, suas vitórias e descobertas, ao som e ritmo das

primeiras canções e primeiros instrumentos, inspirados pelo sopro do vento, pelo canto dos

pássaros ou pelo ruído das águas.

Na trajetória humana, a música sempre teve seu papel educativo, servindo a

propósitos e circunstâncias. O efeito que ela nos provoca na alma explica essa espécie de

onipresença e suas múltiplas aplicações, na cultura, na religião, em ações coletivas como

festas, revoluções e guerras, e até mesmo, as aplicações mais modernas, como na medicina.

Quando usada como linguagem artística, a música pode revelar o enorme potencial

que o ser humano tem em si, motivando-o a atitudes equilibradas e ao desenvolvimento da

percepção para com os seres e objetos que o rodeiam. A música está presente já nos

“A minha música não é contra os brancos. Eu nunca poderia cantar isso. A minha música é contra o sistema, que ensina você a viver e a morrer.”

Bob Marley

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primeiros meses de vida intra-uterina, quando o coração da mãe estimula e provoca

sensações e emoções, regidas pela cadência do seu ritmo. A voz das pessoas que convivem

no ambiente familiar, todos os sons e emoções, são o ponto de contato entre o feto e o

mundo exterior. Assim que nasce, o universo do novo ser inunda-se de musicalidade, que o

fará se desenvolver: os sons que o ensinarão a se comunicar com o mundo; as canções de

ninar; as cantigas de roda; as músicas que animarão os jogos e as festas; as músicas

religiosas; as músicas românticas que fazem a trilha sonora de encontros e desencontros, de

alegrias e saudades.

Devíamos fazer do ato de educar no meio escolar um encontro entre o universo

familiar e um novo mundo, traduzidas em aparelhos de televisão. Fazermos também deste

ambiente um encontro de pessoas bem intencionadas, que almejem a valorização humana,

por meios que facilitem a harmonia e a clareza perceptiva. Educanção é possibilitar o livre

trânsito entre o interior e o exterior, é estimular os valores éticos, estéticos e sociais, é

promover a fraternidade, a compreensão mútua e o equilíbrio em nossas ações no plano

físico, emocional e mental, é, por fim, entender a ética como uma atitude dos que acreditam

que a solidariedade entre as sociedades ainda é possível, mesmo que o caminho seja árduo

e tortuoso.

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TEORIZANDO

“Somente o terror e violência constante permitiriam a dominação sobre a

população escravizada.” (GOULART, 1972: p. 197). A Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,

altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da

educação Nacional, para incluir no Currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da

temática “História e cultura afro-brasileira”.

Visando atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CPG/2002, assim como

na regulamentação da alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da educação

Nacional, pela lei 10.639/2003, tem-se procurado oferecer uma resposta, entre outras, na

área da educação, à demanda da população afro-descendente, no sentido de políticas de

ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações e de reconhecimento e valorização de

sua história, cultura e identidade. Trata-se de uma política curricular, fundada em dimensões

históricas, sociais e antropológicas, oriundas da realidade brasileira e que busca combater o

racismo e as discriminações que atinge o negro, particularmente.

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. É importante

desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo

europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos

pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da

experiência de sentir-se inferiorizados, vivida pelos negros, tampouco as baixas

classificações que lhes são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas,

educativas e políticas.

O patrimônio cultural da população negra é composta de bens materiais e

imateriais e, retomar essas vozes que ficaram silenciadas por opressões históricas, é

fundamental e necessária para uma compreensão democrática de educação. Para tanto, faz-

se necessário a implantação e real efetivação da Lei 10.639/03 – para que os anos de

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é [...]”

Caetano Veloso, na música “Dom de iludir”

14

invisibilidade da cultura negra em nossa história, possam enfim serem estudados e

admitidos como parte integrante e estruturante na formação da cultura brasileira,

contestando de vez os chamados “saberes” de senso-comum. “Ao contrário do que se

inculca enquanto senso-comum, a aparente passividade dos negros escravizados não foi

verdadeira. Foram muitas as formas de resistência a escravidão”. (SANTOS, 2006: p. 169-

183).

No geral, os profissionais da educação não tem realizado um trabalho que

contemple a diversidade racial existente na sociedade e tão bem exemplificada nas

escolas. É de se considerar, que a educação brasileira ainda introduz o tema escravismo

sem nenhuma condenação do sistema e, muitas vezes, ainda fazendo uso da triste

afirmação: “o índio não deu para o trabalho escravo, aí trouxeram os negros”.

Além de uma informação racista, existe a desinformação persistente tem em sua

grande maioria, uma visão desfavorável a identidade e a auto-estima das populações afro-

descendentes.

Além dos escravizados das grandes propriedades existiram diversas outras maneiras de ser escravizados. Mesmo músicos, artistas e intelectuais foram escravizados. Muitos escravizados foram médicos, enfermeiros e farmacêuticos práticos. Muitos oficialmente reconhecidos pelo poder público, apesar de escravizados. (KARASCH, 2000: p. 99 - 100).

Vendedora de comidas, quitandeiras e comerciantes em feiras públicas foram escravizados – de – ganho. Também uma parcela significativa de africanos e descendentes de africanos conseguir a liberdade ou já nasceu livre, dado à liberdade anterior de seus pais e avós. Nos trezentos anos de escravismo, a diversidade e a complexidade da composição da população negra eram enormes. Infelizmente a história do escravismo que apresentamos na sala de aula não traduz essa riqueza de informações. O escravo é representado como uma generalização imbecilizada e não como seres pensantes produtores de uma história social. (GUTIERREZ, 1999: p. 213).

Uma aula não se resume em si própria, ela necessita interagir com outras

informações e se completar com costumes e práticas sociais diversas, presentes e ausentes

do ambiente da sala. Muitas informações não chegam a sala, se dispersam, se camuflam ou

se escondem num véu de invisibilidade.

Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos utilitários ou a semoventes, também é difícil descobrir-se descendente dos escravizadores, temer, embora veladamente, revanche dos que, por cinco séculos, tem sido desprezados e massacrados.

15

Para reeducar as relações étnico- raciais, no Brasil, é necessários fazer emergir às dores e medos que tem sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros. Os descendentes dos mercadores de escravos dos senhores de ontem, não tem, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, tem eles a responsabilidade moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vem sendo mantidos à margem, os negros, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. (FANON, 1979: p. 98 a 100).

Existem e persistem diversos discursos que demonstram uma pedagogia

depreciativa da cultura de base africana, dos africanos e de seus descendentes. O uso de

músicas que tragam estampadas em suas letras este caráter depreciativo, servirá como

caminho para a análise problematizadora desta ideologia racista. Mesmo tratando a história

de uma maneira romanceada, a música é uma estratégia prazerosa de produção do

conhecimento histórico. “[...] no Brasil a canção ocupa um lugar especial na produção

cultural, em Seus diversos matizes, ela tem o termômetro, caleidoscópio e espelho não só

das mudanças sociais, mas, sobretudo das nossas sensibilidades coletivas mais profundas”.

(NAPOLITANO, 2002: p. 77).

Saliento então,a importância de explorar estas informações impressas nas canções,

como uma forma de avaliar e descobrir nossa própria sociedade, suas mensagens e

ideologias, relevando a música o papel do veículo com poder de comunicação e difusão.

[...] a música, além de seu estado de imaterialidade, atinge os sentidos do receptor, estando, portanto, fundamentalmente no universo da sensibilidade. Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente estéticos e artísticos, destinados à fruição pessoal e/ou coletiva, a canção também assume inevitavelmente a singularidade e características especiais próprias do autor e de seu Universo cultural. Além disso, geralmente uma nova leitura é realizada pelo intérprete/instrumentalista. E, finalmente, o receptor faz sua (re) leitura da obra às vezes trilhando caminhos inesperados para o criador. (MORAES, 2000: p. 215).

O discurso depreciativo do africano e seus descendentes, embora camuflado e

negado pela maioria da população, é encontrado em algumas obras musicais, retratando o

negro como feio, ou quando belo, com um forte apelo sexual.

“O teu cabelo não nega mulata

Tu és mulata na cor

Mas como a cor não pega mulata

16

Mulata eu quero o teu amor.”

(O teu cabelo não nega – Lamartine Babo, João e Raul Valença, 1932)

“O mulata assanhada

Ai, meu Deus, que bom seria

Se voltasse a escravidão

Te levava pro meu barraco”

(Mulata assanhada – Ataulfo Alves, 1930)

Segundo Kátia Amaral Abreu, um trabalho com a linguagem expressa das canções,

foge ao convencional em sala de aula. Seu propósito é auxiliar o aluno a construir o

conhecimento histórico a partir de documentos diferenciados dos costumeiramente

presentes nas aulas e, por isso, sua utilização está relacionada a propostas alternativas de

organização de conteúdos. Os diferentes

Temas tratados na canção, podem sugerir ao professor novos reteiros de

organização dos conteúdos a serem desenvolvidos.

Tal metodologia de ensino auxilia os alunos a elaborarem conceitos e a dar significados a fatos históricos. As letras das músicas se constituem, registros de acontecimentos a serem compreendidos pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou seja, em sua compreensão cronológica, na elaboração e re-significação de conceitos próprios da disciplina. Mais ainda, a utilização de tais registros colabora na formação dos conceitos espontâneos dos alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos. Permitindo que o aluno se aproxime das pessoas que viveram no passado, elaborando a compreensão histórica que vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram em relação a determinada situação. (DUARTE, 2005: p. 187 -189).

O uso de novas metodologias, principalmente para o ensino de estudos

étnicos, intenta superar a discriminação e o preconceito vividos por indivíduos gerados

dentro de uma sociedade multicultural.

A utilização da música, como recurso didático, auxilia o aluno na construção

do conhecimento, transformando situações formais em conhecimentos científicos já que, a

formação do indivíduo é construída através das informações recebidas.

Jacques Le Goff, em sua obra “História e memória”, vê a memória como um

conjunto de funções psíquicas, intelectual, que acarreta de fato uma representação do

17

passado, que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo inserido num

contexto familiar, social, nacional, graças a essas funções o homem detém a propriedade de

conservar certas informações e atualizar impressões ou informações passadas. Além da

capacidade de capturar o passado no presente, a memória também opera o registro do

presente para que permaneça como lembrança capaz de ser acionada. A memória

apresenta-se como elemento fundamental para a constituição das identidades individual e

coletiva, inclusive em suas determinações de poder e dominação. “[...] devemos trabalhar

de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.”

(LE GOFF, 1996: p. 477).

18

NOTAS SOBRE O RACISMO À BRASILEIRA

Minha expectativa aqui é despertá-los para uma pesquisa consciente e uma tomada

de atitude decisiva no sentido de sermos construtores de idéias e, portanto responsáveis por

ideais de justiça e harmonia entre os povos. Seguem exemplos, pequenas notas de autores

diferentes. Questioná-los, segui-los, tê-los como exemplo é de sua inteira responsabilidade.

[...] embora exista preconceito no Brasil, não existe entre nós um sistema de segregação ou de separação racial implementada e legitimado por leis escritas. A demais, o sistema, coerentemente, gerou uma ideologia de mistura e ambigüidade - na figura da mulata e do mulato, por exemplo, e nas regiões populares, que se constituem em um elemento integrador de todo sistema, valorizando mais a confissão humana - sofrimento, culpa, pecado, caridade, amor, etc. - como explicadores da situação social de cada um mais do que a própria raça, como ocorre nos Estados Unidos. (MATTA, 2008: p. 78) O conflito e a discriminação racial na escola não se restringe às relações interpessoais. Os diversos materiais didático – pedagógicos: livros, revistas, jornais, entre outros – utlizados em sala de aula, que, em geral, apresentam apenas pessoas brancas com e como referência positiva, também são ingredientes caros ao processo discriminatório no cotidiano escolar. Quase sem exceção, os negros aparecem nesse material somente para ilustrar o período escravista do Brasil-Colônia ou, então, para ilustrar situações de subserviência ou de desprestígio social. A utilização de recursos pedagógicos com esse caráter remonat um processo de socialização racista, marcadamente branco eurocêntrico e etnocêntrico, que historicamente enaltece imagens de indivíduos brancos, do continente europeu como referência positiva em detrimento dos negros e do continente africano. (COLEÇÃO EDUCAÇÃO PARA TODOS – SECAD – MEC, 2005: p. 13) [...] fruto de uma construção histórica repetida como verdade ao longo dos séculos, a feiúra física dos negros até hoje faz suas vítimas. São adultos, adolescentes e crianças que rejeitam seus traços fenotípicos, porque desde muito cedo ouviram que a beleza não lhes pertencia. Ela era exclusividade dos que foram agraciados com o padrão estético europeu. Ter pele branca, cabelo liso, nariz afilado, lábios pequenos [...] Eram esses, e infelizmente até hoje são, os pré – requisitos que uma pessoa precisa ter para ser considerada bela. (DAMIÃO, 2007: p. 11)

“Até que os leões tenham suas histórias, os contos de caça glorificarão sempre o caçador.”

Provérbio africano

19

O QUE PROPONHO?

20

• Exaltar a pesquisa sobre a real contribuição do negro na formação da Nação

Brasil.

• Estimular, através da música, o senso-crítico dos alunos no que se refere ao

chamado racismo velado.

• Proporcionar aos alunos oportunidades de manter contato com músicas cujas

raízes são intrínsecas à sua cultura.

• Oportunizar a todos os envolvidos contato com um material que seja mediador

na construção de novos saberes.

• Estimular, por meio da música, a produção de textos e o exercício da leitura.

• Propiciar o amadurecimento da inteligência emocional dos alunos.

• Estimular a oralidade, “aprender” a ouvir e expressar opiniões de forma crítica.

Sugestões de músicas para trabalhar o tema do negro

21

• Morro Velho – Milton nascimento

• A mão da limpeza – Gilberto Gil

• Haiti – Caetano Veloso

• Kizomba – Samba enredo da Vila Isabel – 1988

• 100 anos de liberdade: realidade ou ilusão? – Samba enredo da Mangueira – 1988

• Black is beautiful – Elis Regina

• Ebony and Ivory – Paul McCartney e Steve Wonder

• O mestre sala dos mares – João Bosco

• Ogum – Zeca Pagodinho

• Identidade – Jorge Aragão

• Lavagem Cerebral – Gabriel – O Pensador

• Vida de negro – Dorival Caymmi

• Sou negrão – Rappin Hood

• Upa, neguinho – Elis Regina

• Todo camburão tem um pouco de navio negreiro - Rappa

Músicas para diversos temas históricos

22

• Fábrica – Legião Urbana – Revolução Industrial

• Xica da Silva – Jorge Bem Jor - Mineração

• Faraó – Banda Mel – Egito Antigo

• Cavalos do Cão – Zé Ramalho – Cangaço/Lampião

• Índios – Legião Urbana – Colonização

• La Maison Dieu – Legião Urbana – Ditadura

• Samba do Approach – Zeca Baleiro – Mostra a invasão norte-americana no nosso

vocabulário

• Pala boricamará – Gilberto Gil – Globalização

• Oração do Tempo – Caetano Veloso – Discutir a relação entre tempo e história

• Um índio – Caetano Veloso – Colonização

• Chico Mendes – Maná – Meio-ambiente

• Tem pouca diferença – Gal Costa – Mulher

BIBLIOGRAFIA

23

ABUD, Kátia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de história. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 309-317, set./dez.2005

BRASIL. Presidência da república. Casa Civil. Lei nº 10.639. Publicada em 09 de Janeiro de 2003.

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