da escola pÚblica paranaense 2009 - … · 2 econômicos da sociedade medieval a partir de contos...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
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PROJETO FOLHAS
AUTOR NILMA ONDINA MACHADO MORESCO
NRE Foz do Iguaçu
ESCOLA Colégio Estadual Naira Fellini
TÍTULO Aprendendo história: uma releitura de
contos de fadas
RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES História
É possível, a partir de leituras e análises de cont os de fadas,
compreendermos particularidades do contexto socioec onômico da Idade
Média à Moderna e como este influenciou na formação da identidade do
povo brasileiro?
De acordo com Burke (1992), a escrita da história tornou-se mais enriquecida
quando os historiadores começaram a investigar como ponto de partida o cotidiano
das pessoas comuns (costumes, crenças, valores, pensamentos) e a relacioná-lo
aos grandes acontecimentos uma vez que a história tradicional limitava-se a
apresentar os acontecimentos sob a perspectiva dos que detinham o poder; as
fontes, geralmente, eram documentos oficiais preservados em arquivos pelo
governo. Devido a essa nova concepção, a história se fragmentou, de acordo com a
área de interesse do historiador, em história social, história da arte, história cultural,
história literária, entre outras. Sendo assim, foi inevitável a relação com outras áreas
do conhecimento (filosofia, arte, sociologia, antropologia, psicologia, crítica literária)
e a investigação dos acontecimentos a partir de novos recursos com o intuito de
conciliar, desde a estrutura econômica e social, até a experiência e os modos de
pensar das pessoas comuns. Dessa forma, os acontecimentos estão sujeitos a
múltiplos pontos de vista, que podem ser construídos também a partir de análises de
obras literárias.
O historiador Robert Darnton, em seu livro O grande massacre dos gatos e
outros episódios da história cultural francesa, descreve aspectos sociais, culturais e
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econômicos da sociedade medieval a partir de contos de fadas, certamente não
desprezando, mas conciliando, comparando com fatos registrados por antigos
historiadores, os quais podem ser encontrados em livros, revistas, documentários.
Você já deve ter tido contato, em casa ou na escola, com contos de fadas,
mas, geralmente, são adaptações que tendem a reduzi-los. Procure na web ou em
livros, o conto O Pequeno Polegar (na íntegra), de Charles Perrault.
Observe que, logo no início da história, o autor descreve a situação em que
se encontrava a família:
Era uma vez um lenhador e uma lenhadora que tinham sete filhos, todos meninos (...) Eram muito pobres e seus sete filhos davam muita despesa, porque ainda não podiam ganhar a vida sozinhos (...) Veio um ano de muita desgraça, e a fome foi tão grande que o pobre casal resolveu desfazer-se dos filhos. (PERRAULT, 2009, p. 121).
Segundo Darnton (2001), Perrault escreveu o conto citado em meados de
1690, no auge da pior crise demográfica do século XVII, período em que a peste e a
fome dizimaram a população do norte da França; os pobres chegaram ao extremo
de comer carniça atirada nas ruas por curtidores, eram encontrados cadáveres com
capim na boca, as mães facilitavam a morte de seus bebês, porque não podiam
alimentá-los. Foi um período de extrema miséria, que não somente atingiu a França
como outros países da Europa.
1. É possível entender a quais fatos históricos se refere a passagem do
conto que diz “Veio um ano de muita desgraça, e a f ome foi tão
grande...” a partir do comentário do historiador? J ustifique.
O Pequeno Polegar reverte o quadro de miséria para a abundância:
“Carregado com todas as riquezas do Ogro, o Pequeno Polegar voltou para a casa
do pai, onde foi recebido com muita alegria.” (PERRAULT, 2009, p. 127)
2. Como Polegar conseguiu reverter a situação?
3. Procure o conto João e Maria , dos irmãos Grimm, na íntegra. Você
vai perceber que, nesta história, ocorre a mesma si tuação: os irmãos
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são abandonados na floresta pelos pais, porque não têm condições
de sustentá-los:
No meio de uma grande floresta, vivia um pobre lenhador, sua mulher e seus dois filhos, ele chamado João e ela Maria. O lenhador era tão pobre que em sua casa tinham de comer muito pouco. E, quando uma terrível escassez assolou o país, até o pão de cada dia lhes faltou. Certa noite o lenhador (...) chorando, disse à mulher: (...) Como vamos alimentar os nossos filhos? (...). Vou dizer-te o que temos de fazer, meu marido (...) Amanhã cedo levaremos seus filhos para o lugar mais espesso da floresta (...) voltaremos para trabalhar, lá os deixando sozinhos. (GRIMM, 2000, p. 278)
De acordo com o desfecho da história: “Maria esvaziou os bolsos do avental
até que pérolas e pedras preciosas se espalharam por todo o aposento e João atirou
punhados de outras tantas pérolas e pedras preciosas. Terminaram, assim, os dias
de penúrias (...)” (GRIMM, 2000, p. 289).
4. Pode-se afirmar que João e Maria, assim como Polega r, conseguiram
mudar a situação, ou seja, sair da miséria, por ter em sido
perspicazes, astutos?
Manuel Bandeira escreveu o poema O Bicho, em 1948, três séculos após
Perrault ter escrito O Pequeno Polegar.
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Fonte: http://www.mundocultural.com.br/analise/vidas_secas_g-ramos.pdf
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5. Por que o poeta utiliza o termo bicho?
6. Há semelhanças entre a situação apontada por Dar nton nos contos
de fadas e a situação mostrada no poema de Manuel B andeira?
Explique.
7. Leia as seguintes estrofes do poema de Maria Din orah, retiradas do
livro Panela no fogo, barriga vazia , escrito em 1986, e aponte o que
há de semelhante entre este, o conto de Perrault e o dos irmãos
Grimm.
Quando eles souberem
Os meninos que brincam,
talvez não saibam, não,
que há meninos na luta
por um pouco de pão.
(...) E há meninos vivendo
O momento da paz,
sem sequer perceberem
Do que a guerra é capaz.
(...) Mas quando eles souberem,
tudo isso vai passar,
pois está nas crianças
o poder de mudar.
8. Nos contos analisados, há a presença de seres fa ntásticos e de
objetos mágicos que auxiliam os heróis na conquista de seus
objetivos: saciar a fome. No poema de Maria Dinorah , como é
possível que os meninos mudem essa situação?
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O Rappa é uma banda brasileira conhecida por suas letras de forte impacto
social. Os ritmos são variados: reggae, rock, samba, funk, hip-hop, rap e MPB. Leia
o fragmento da música Miséria S.A. (a letra, na íntegra, está disponível no site
http://www.vagalume.com.br/monobloco/miseria-s-a.html), e responda as questões a
seguir. Para ouvi-la e assistir ao videoclipe acesse
http://www.youtube.com/watch?v=HX-uZJEORXo&feature=related.
Senhoras e senhores estamos aqui
Pedindo uma ajuda por necessidade
Pois tenho irmão doente em casa
Qualquer trocadinho é bem recebido
Vou agradecendo antes de mais nada
Aqueles que não puderem contribuir
Deixamos também o nosso muito obrigado
Pela boa vontade e atenção dispensada
Bom dia passageiros
É o que lhes deseja
A miséria S.A
Que acabou de chegar (...)
9. A música sugere que alguém está pedindo um troca dinho em
determinado lugar. Quem seria e onde?
10. Em grandes centros urbanos, principalmente, é c omum
encontrarmos meninos e meninas de rua; a maioria vi ve, literalmente,
na rua mesmo. Você tem noção de como essas crianças sobrevivem?
11. Você entende que é aceitável e/ou necessário qu e os meninos e as
meninas de rua sejam espertos, usem da malandragem para garantir
a sua sobrevivência? Justifique.
12. Você deve ter percebido que a questão da fome e da miséria é
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abordada em diversos gêneros literários: nos contos de fadas, na
poesia e na música. Procure investigar se este tema é tratado em
outros gêneros (romances, contos, crônicas) e descr eva como ele é
abordado pelo autor.
Leia o seguinte comentário de Darnton a respeito do pensamento dos
camponeses (expresso pelos personagens nos contos de fadas), quanto às
possibilidades de mudanças:
Esses personagens têm em comum não apenas a astúcia, mas também a fragilidade, e seus adversários se distinguem pela força, bem como pela estupidez. A velhacaria sempre joga o pequeno contra o grande, o pobre contra o rico, o desprivilegiado contra o poderoso. Estruturando as histórias dessa maneira, e sem explicitar o conteúdo social, a tradição oral proporcionou aos camponeses uma estratégia para lidar com seus inimigos, nos tempos do Antigo Regime (...). Em última instância, então, a velhacaria expressava uma orientação relativa ao mundo, mais do que uma variedade latente de radicalismo. Proporcionava uma maneira de lidar com uma sociedade dura, em vez de uma fórmula para subvertê-la. (DARNTON, 2001, p. 82-86)
13. Segundo o autor, como o camponês lidava com o d omínio dos que
detinham o poder?
14. Analise o comentário de Darnton, o conteúdo e o título do poema de
Maria Dinorah Quando eles souberem e responda: o que é preciso
que os meninos saibam? Esse saber também caberia ao s
camponeses, Polegar, João e Maria para que houvesse mudanças?
15. Apesar de você ter estudado, na disciplina de H istória, sobre a Idade
Média na Europa, o Antigo Regime francês, talvez nã o se lembre do
que se trata. Para que você compreenda melhor o co mentário do
autor, pesquise, releia sobre o assunto. Focalize, nesse período, o
sistema econômico e o político; as relações sociais ; as condições de
vida dos camponeses; a concepção que se tinha de fa mília, da
mulher e da criança; o papel da igreja; a peste neg ra, crise
demográfica e outros fatos que você considerar rele vantes.
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16. Assista a um desses filmes – O nome da rosa e/ou O sétimo selo –
para que você possa compreender melhor o contexto h istórico da
Idade Média.
17. Escolha um assunto que lhe interessou a partir da pesquisa e do
filme e redija um texto de opinião.
18. Pesquise, em livros ou na web, sobre o sistema político e o
econômico, as relações sociais no decorrer da Colon ização, Império
e República Velha no Brasil. Compare o contexto des ses períodos da
história do Brasil ao contexto do Antigo Regime e a nalise: ainda há,
na sociedade contemporânea, aspectos do Antigo Regi me?
19. Responda: Qual fato foi responsável, definitiva mente, pelo fim do
Antigo Regime, na França? Neste mesmo período, como se definia a
forma de governo no Brasil? O que ocorria nessa mes ma época
aqui?
Nos contos de fadas, afirma Darnton (2001), o herói se satisfaz humilhando
os responsáveis pela sua miséria aparente; não sonha com revolução. Num tom
satírico, a desforra se restringe a colocar em situações de constrangimento reis,
rainhas, clero e autoridades em geral.
20. Tal conduta apontada por Darnton pode ser perce bida nas atitudes
do brasileiro contemporâneo?
Observe a charge a seguir:
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Fonte: http://www.cambito.com.br/tiras/charges.htm#meio
21. A palavra pizza na charge tem duplo sentido, explique.
22. Na frase “Punição zero: como reclamar da fome s e sobra pizza?”, o
autor faz um trocadilho? Explique.
Vemos charges e inúmeras piadas envolvendo políticos, autoridades,
colocando-os em situações constrangedoras, ridículas. Tal situação não provoca,
necessariamente, revolta, mas o riso do leitor. Aprendemos que rir da própria
desgraça é uma forma de amenizar o sofrimento.
23. Quais ditados populares, que fundamentam essa p ostura do
brasileiro, você conhece?
Essa forma passiva de encarar a vida, sem dúvida, favorece a malandragem.
A figura do “bom malandro” surgiu no Brasil após a abolição dos escravos. Segundo
Lilia Schwarcz (apud CAVALCANTE, 2005), pesquisadora do tema, “o advento do
malandro está vinculado à questão racial no país. O malandro seria a figura do
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mulato brasileiro que dribla o preconceito e consegue uma certa ascensão social por
meio de favores conquistados com ginga e simpatia”.
A figura do bom-malandro tornou-se ainda mais popular, conforme Cavalcante
(2005), quando, em 1943, Walt Disney veio ao Brasil com o propósito de uma
política de “boa vizinhança”, em plena 2ª Guerra Mundial. Dessa visita resultou a
criação do personagem Zé Carioca, que representaria o estereótipo do brasileiro: o
bon vivant tropical, cheio de ginga, que não se adapta a empregos formais e vive de
“bicos”.
Zé Carioca circunscreve-se nestas condições: não faz parte da massa pobre e trabalhadora nem pertence à camada abastada. Apesar de morar no morro ou no subúrbio e de comungar com seus habitantes determinados hábitos (comer feijoada, jogar ou assistir a partidas de futebol, participar de escola de samba) quer, na verdade, auferir do conforto da vida dos ricos. Os golpes que aplica visam aplacar uma necessidade imediata (almoçar em um restaurante caro e sofisticado, conquistar a garota bonita e rica, hospedar-se em hotéis de luxo etc.). Embora queira possuir bens materiais e dinheiro, não deseja tornar-se proprietário ou investidor: tudo o que obtém com suas artimanhas é consumido rapidamente, destina-se a propiciar-lhe ócio e felicidade momentâneos. (SANTOS, 2002, p. 4)
Observe, nos quadrinhos, as atitudes de Zé Carioca:
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Fonte: http://www.impulsohq.com.br/wp-content/uploads/2009/02/fig_canini.jpg
24. Após pesquisar o conto O Gato de Botas , de Charles Perrault, em
livros ou na web, compare a conduta do Gato com a d o bom
malandro e a de Zé Carioca.
Leia o conto de Márcia Kupstas: É que ele sabe (você o encontrará no livro As
sete faces do conto de fadas). A partir do fragmento abaixo, responda:
Quem, numa cidade litorânea como Macajá, ia usar botas à noite, a não ser um tira? Mas não era. (...) E francamente, me acho mais esperto que muito doutor. Só andava numa maré de azar. Só isso. (...) Quando topo com uns trouxas, depeno eles no jogo. (...) Quem é malandro, logo fareja a malandragem.
25. A qual personagem de conto de fadas se pode com parar o
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protagonista do conto de Márcia Kupstas? Como você chegou a essa
conclusão?
O protagonista da história usa a malandragem para sobreviver. Muitos
meninos e meninas de rua também assim procedem: alguns conseguem uns
trocados vendendo doces, engraxando sapatos, distribuindo panfletos, etc.
Leia outro poema de Maria Dinorah (você também poderá encontrá-lo no livro
Panela no fogo, barriga vazia):
Olha a graxa!
Esta moda,
como incomoda!
(...) Nem uma graxa
no sapato do povo!
Será que hoje
não vou comer de novo?
26. O que dificulta o trabalho do pequeno engraxate ? Se tal situação
persistir, o que você imagina que possa acontecer?
O trabalho infantil, como você deve ter percebido nas pesquisas, era comum
na Idade Média, no decorrer do Antigo Regime, e se estendeu até a Idade Moderna,
quando ocorreu a Revolução Industrial. Foi a partir desse momento que a escola se
constituiu como uma instituição com o intuito de atender tanto aos filhos dos
capitalistas como aos dos operários. Mas o trabalho infantil ainda é uma constante
na sociedade contemporânea, assim como o abandono, e isso denota que somente
a educação formal não resolve problemas de ordem cultural, social e econômica.
27. Leia o fragmento da música Luta de Classes , do Grupo Cidade Negra,
disponível, na íntegra, no site http://www.vagalume.com.br/cidade-
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negra/luta-de-classes.html . Observe com atenção o conteúdo e
reflita. Se desejar ouvi-la, acesse: http://www.youtube.com/watch?v=
l74oy8DsxiQ
(...) Desde a antiguidade
As coisas estão assim, assim.
Os homens não são iguais, não são
Não são iguais, enfim!
Daí toda essa história
Daí a história surgiu
Escravos na Babilônia,
Trabalhador do Brasil.
(...) Mas veio o ideário
Da tal revolução burguesa
Veio o ideário, veio o sonho socialista
Veio a promessa de igualdade e liberdade
(...) Do antigo Egito
à Grécia e Roma
Da Europa feudal
Do mundo colonial
Do mundo industrial
Na Rússia stanilista
Em Wall Street
Em Cuba comunista
E no Brasil?
E no Brasil, hein?
28. Escreva, você também, um poema se baseando em a lgum fato
semelhante ao do engraxate ocorrido com um conhecid o, um
morador de seu bairro, ou a partir de uma notícia a presentada no
jornal, televisão ou rádio.
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29. Assista à comédia Brancaleone nas Cruzadas e aponte as situações
que são satirizadas no decorrer do filme, as mesmas que você já
conhece através das leituras e pesquisas realizadas .
30. Agora é a sua vez de escolher um dos contos de fadas lidos e
elaborar uma nova versão. Você deve ter percebido q ue a escritora
Márcia Kupstas, no conto É que ele sabe, retrata a realidade de
muitos jovens brasileiros de forma descontraída e s imples, assim
como foram satirizados fatos de cunho cultural, rel igioso, econômico
e social da Idade Média na comédia de Brancaleone.
Pode-se chegar à conclusão de que, através dos contos de fadas, é possível
conhecer determinados aspectos do contexto histórico da Idade Média à Moderna,
devido às características próprias desse gênero. A presença da fantasia define o
pensamento do camponês em relação à falta de alternativas, de oportunidades de
sair da miséria, numa época em que viver dignamente podia se resumir a uma mesa
farta. Isso nos faz entender o desejo recorrente, expresso em muitos contos de
fadas, de amenizar a fome, e o fato de os camponeses não revelarem a propensão
de fazerem uso de estratégias mais contundentes, mais desafiadoras, para lutar
contra o Antigo Regime.
Como são histórias que partiram do povo, revelam o seu cotidiano de miséria,
que se acentuara devido ao alto índice demográfico, à peste negra, à decadência
dos pequenos camponeses, o que os levava à indigência e à ascensão de uma
minoria que explorava o trabalho da classe menos privilegiada.
O fim do Antigo Regime se consolidou com a Revolução Francesa, em 1789.
Nesse mesmo período, o Brasil era ainda uma Colônia Portuguesa e acontecia a
Inconfidência Mineira que, apesar dos princípios e ideais de liberdade, pouco
adiantou para que o país avançasse em relação à autonomia e à tomada de novas
medidas que garantissem melhores condições de vida ao povo brasileiro. Tal
iniciativa de independência era de interesse da burguesia que, ao se sentir lesada
economicamente, não considerava mais oportuno se sujeitar ao domínio da Corte
Portuguesa.
Ao estudar e analisar o contexto histórico da Europa e do Brasil percebe-se
semelhanças acentuadas, em alguns aspectos, entre a política de governo
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empregada no Brasil – desde a Colônia até a República Velha – e o Antigo Regime
na Europa, como também a influência do europeu na sociedade brasileira.
O camponês não tinha idéias revolucionárias, mas usava da velhacaria em
ocasiões favoráveis, nas quais poderia obter algum lucro. Independentemente de
raça ou de cor, muitos brasileiros procedem dessa mesma forma até hoje e pais
abandonam seus filhos, em pleno século XXI, porque não têm condições de
sustentá-los. Ainda que, nesse caso, se possa concluir que o problema é de ordem
econômica, por outro lado, tais situações permitem ver resquícios de uma sociedade
que não se sentia responsável pelos seus filhos, tratando-os como adultos a partir
do momento que começavam a se alimentar e a caminhar por conta própria; quanto
ao infanticídio, na Idade Média, era visto como algo corriqueiro, comum, o que
sugere a insignificância social da criança e a ausência de afetividade e nos leva,
também, a refletir sobre a responsabilidade que cabe aos pais e aos órgãos
competentes, na sociedade brasileira atual, para que os direitos da criança sejam
realmente efetivados e respeitados.
Ao longo deste estudo, ficou evidenciado que a importância da literatura
como documento histórico é inquestionável, pois, de certa forma, ela se aproxima
mais da realidade do que fatos registrados na história tradicional, na qual se
enfatizavam atos heróicos com o intuito de privilegiar uma minoria para que essa
pudesse manter o domínio e a imposição sobre os menos favorecidos. Pode-se
compreender, a partir disso, a necessidade que sentiam de omitir fatos do cotidiano,
os quais podiam colocar em juízo e prejuízo os que detinham o poder.
REFERÊNCIAS
BURKE, Peter (Org). Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro In: _____. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 8-37. CAVALCANTE, Rodrigo. A cara do brasileiro. Revista Superinteressante. São Paulo: Abril, ed. 217, 2005. Disponível em: http://super.abril.com.br/cultura/cara-brasileiro-445905.shtml Acesso em: 21/03/2010. DARNTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: o significado de mamãe ganso In: _____. O grande massacre dos gatos e outros episódios da h istória cultural francesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001, p. 21-101. DINORAH, Maria. Panela no fogo, barriga vazia. Porto Alegre: L&PM, 1986.
15
GOERGEN, Pedro. Educação moral hoje: cenários, perspectivas e perplexidades. Educação & Sociedade. Campinas, Vol. 28, nº 100, p. 737-762, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a0628100.pdf GRIMM, Jocob & Wilhelm. Contos de Grimm. Trad. David Jardim Júnior. Rio de Janeiro: Itatiaia, 2000, p. 278-289. (Grandes Obras da Cultura Universal, vol. 16) KUPSTAS, Márcia. É que ele sabe. In: TELLES, Carlos Queiroz. As sete faces do conto de fadas. 4. ed. São Paulo: Moderna, 1995. KOTHE, Flávio R. O herói. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987.
PERRAULT, Charles. Contos e fábulas . São Paulo: Iluminuras, 2009.
SANTOS, Roberto Elísio dos. Zé Carioca e a Cultura Brasileira. XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Salvador/BA, 2002. Disponível: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP16SANTOS.pdf Acesso em: 21/04/2010.