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39 INTRODUÇÃO: COMPARANDO AS LÍNGUAS DO ALTO XINGU O sistema alto-xinguano é famoso por incluir vários povos que compar- tilham diversos traços culturais e convivem num constante intercâmbio material e simbólico. Ao mesmo tempo, eles mantêm sua individualidade e, em particular, suas respectivas línguas ou variedades linguísticas, 1 que são um dos emblemas mais importantes para o estabelecimento de fron- teiras sociais entre os diferentes grupos locais. Esta publicação trata das relações entre algumas das línguas alto- xinguanas e dos reflexos linguísticos da convivência cultural, política e social que caracteriza a maioria dos povos do Alto Xingu. 1 No que segue, uso o termo ‘língua’ no sentido sócio-político mais do que estritamente linguístico. Assim, abstraio do fato que os Wauja e os Mehinaku são capazes de se comu- nicar uns com os outros sem problemas e sem um ter aprendido a variedade do outro – ou seja, do fato de que se trata, no caso, de dois co-dialetos de uma mesma língua (outro dialeto desta língua era, provavelmente, o falar dos Kustenau, já não mais existentes como grupo local distinto). O mesmo vale para as variedades da língua Karib alto-xinguana fala- das por Kuikuro, Kalapalo, Matipu e Nahukwa. COMPARANDO LÍNGUAS ALTO-XINGUANAS METODOLOGIA E BASES DE DADOS COMPARATIVOS S EBASTIAN D RUDE Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt/Main Museu Paraense Emílio Goeldi

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INTRODUÇÃO: COMPARANDO AS LÍNGUAS DO ALTO XINGU

O sistema alto-xinguano é famoso por incluir vários povos que compar-tilham diversos traços culturais e convivem num constante intercâmbio material e simbólico. Ao mesmo tempo, eles mantêm sua individualidade e, em particular, suas respectivas línguas ou variedades linguísticas,1 que são um dos emblemas mais importantes para o estabelecimento de fron-teiras sociais entre os diferentes grupos locais.

Esta publicação trata das relações entre algumas das línguas alto-xinguanas e dos reflexos linguísticos da convivência cultural, política e social que caracteriza a maioria dos povos do Alto Xingu.

1 No que segue, uso o termo ‘língua’ no sentido sócio-político mais do que estritamente linguístico. Assim, abstraio do fato que os Wauja e os Mehinaku são capazes de se comu-nicar uns com os outros sem problemas e sem um ter aprendido a variedade do outro – ou seja, do fato de que se trata, no caso, de dois co-dialetos de uma mesma língua (outro dialeto desta língua era, provavelmente, o falar dos Kustenau, já não mais existentes como grupo local distinto). O mesmo vale para as variedades da língua Karib alto-xinguana fala-das por Kuikuro, Kalapalo, Matipu e Nahukwa.

COMPARANDO LÍNGUAS ALTO-XINGUANASMETODOLOGIA E BASES DE DADOS COMPARATIVOS

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Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt/Main Museu Paraense Emílio Goeldi

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Embora o foco da maioria dos autores seja dirigido a uma língua particular, é preciso investigar os aspectos globais da configuração lin-guística desta área, pois queremos desvendar indícios que as respectivas línguas podem oferecer sobre o complexo sistema cultural abrangente e seu desenvolvimento histórico. Provavelmente, o processo da formação do sistema deixou vestígios nas diferentes línguas. É possível que elas possam contribuir com fatos relevantes para determinar os momentos (e sua ordem relativa) em que os distintos grupos entraram em contato com os demais? É provável que as particularidades e a individualidade de cada grupo se reflitam de uma forma ou de outra em distintas pro-priedades linguísticas. E afinal, qual é exatamente o papel das línguas na definição de alteridades no Alto Xingu? Estas questões foram formu-ladas e inicialmente abordadas por Bruna Franchetto (e.g., 2001), mas com bases empíricas ainda incipientes.

Portanto, para começar a responder a tais perguntas, foi necessário conceber um projeto maior e articulado, numa cooperação que visasse ‘comparar as línguas’ (ou variedades).

Ora, como se comparam entes tão complexos e abstratos como ‘lín-guas’, que convivem num sistema que já foi chamado de ‘área cultural’?

Postulo aqui que há quatro níveis em que vale particularmen-te compararmos dados linguísticos para avançar na análise de questões como as mencionadas acima.

1. A ESTRUTURA DAS LÍNGUAS, isto é, seu sistema sonoro (fonética, fo-nologia) e grama tical (morfologia e sintaxe com seus respectivos compo-nentes semânticos). Se há traços compartilhados (tais como fones raros, categorias e estruturas gramaticais compartilhadas etc.), pode ser possível distinguir traços de uma área linguística (em surgimento) (cf. Seki, 1999 e neste volume). Para isto é necessário também observar as proprieda-des análogas de outras línguas na região, para diferenciar traços que dis-tinguem as línguas alto-xinguanas das demais na mesma área geográfica, condição necessária para falar numa área linguística.

2. O LÉXICO pode ser analisado tanto com respeito a regularidades e particularidades formais (padrões de composição, derivação e semelhan-tes) quanto a sua estrutura semântica (cate gorizações e relações sistemáti-

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cas compartilhadas ou diferenciais). O léxico também pode revelar deta-lhes e a intensidade do contato entre os povos no passado e no presente, como por exemplo, através de empréstimos (entre as línguas, ou emprés-timos compartilhados provenientes de outras línguas).

3. O DISCURSO. Em diversas situações, os falantes de cada língua fa-zem uso dos recursos estruturais e do vocabulário da língua de uma for-ma especial – por exemplo, para introduzir um novo fato ou uma nova personagem numa narrativa. Como dirigir-se ao outro, quais fórmulas se usam na fala ritual, ao narrar, ao falar em público, com um amigo, na família? Qual é a estrutura, a ordem em textos tradicionais, quais tópi-cos figuram proeminentemente ou não ao versar sobre um dado assun-to? Estes tipos de propriedades linguísticas costumam escapar da análise meramente gramatical e lexical. É necessário analisar diversas instâncias de textos para descobrir padrões que ultrapassem o uso casual por parte dos indivíduos ou recorrências acidentais. São estes padrões os que po-dem ter traços compartilhados por certa comunidade linguística, como é o caso dos grupos que compõem o sistema alto-xinguano e como é o caso do sistema como um todo.

4. O CONTEÚDO. Além de ver com quais meios (estruturais, lexicais e retóricos) os Alto-Xinguanos se expressam, podemos e devemos obser-var o que eles dizem. Aqui ultrapassamos o campo da linguística propria-mente dita e entramos em áreas afins da antropologia e dos estudos lite-rários, em particular quando estudamos o conteúdo de mitos e narrativas tradicionais. Aqui também procuramos o que é compartilhado e o que é particular de cada grupo. Isto pode trazer insights relevantes e reveladores sobre o sistema do Alto Xingu.

É evidente que um programa de pesquisa como o delineado aqui requer a contribuição de todos os linguistas participantes do presente projeto e possivelmente de outros – e especialmente requer tempo.

O primeiro passo é juntar dados e materiais das e nas diferentes línguas, de modo a ter uma primeira base para a comparação. Para o primeiro nível – a estrutura – precisamos de análises detalhadas e globais das línguas alto-xinguanas. Até recentemente dispúnhamos de

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apenas duas gramáticas descritivas (Seki, 1999, para o Kamayurá, e a tese inédita de Guirardello, 1999, sobre o Trumai) e de um conjun-to de artigos, descritivos e teóricos, bem como de duas teses inéditas sobre o Kuikuro, uma das variantes Karib (Franchetto 1986; Santos, 2007). Os participantes do Projeto que estão contribuindo para o pre-sente volume, estão, assim, construindo e completando suas análises através de pesquisas ainda em curso ou do aprofundamento de es-tudos já apresentados ou publicados. Para o segundo nível, precisa-mos de bases de dados lexicográficas extensas, idealmente dicionários abrangentes2, e também bases de dados mais específicas, cobrindo, por exemplo, campos semânticos selecionados.

Para o terceiro nível e, em particular, para o quarto nível, preci-samos de versões comparáveis de textos, especialmente versões de um ‘mesmo’ texto, como de uma narrativa ou de um depoimento análogos. Em seguida, com um número maior de dados sobre o uso das línguas em situações cotidianas, ainda teremos muito o que descobrir sobre a organização do discurso. Felizmente, em princípio, hoje é possível ob-ter este material, graças à tecnologia atual e à metodologia de docu-mentação linguística desenvolvida nos últimos anos em programas de pesquisa como o ELDP (Endangered Languages Documentation Project) e o DOBES (Dokumentation bedrohter Sprachen, Documentação de Línguas Ameaçadas, cf. Drude 2006).

Partindo da experiência acumulada de alguns dos autores em proje-tos de documentação linguística, surgiu a iniciativa de levantar e organizar materiais que pudessem servir para estudos comparativos no Alto Xingu.

Dado o estado atual e o potencial para a análise comparativa, focalizamos, numa primeira etapa, o segundo (léxico) e o quarto nível (conteúdo) e, portanto, priorizamos a obtenção de listas comparáveis de palavras (coleções lexicográficas) e textos análogos em seis línguas (ou variedades):

FAMÍLIA KARIB

Karib alto-xinguano (variedade Kuikuro; responsáveis principais: Bruna Franchetto e Mara Santos)

2 Nenhum dicionário sobre alguma língua alto-xinguana foi publicado até hoje.

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FAMÍLIA (TRONCO) TUPI

Aweti (responsável principal: Sebastian Drude) Kamayurá (subfamília Tupi-Guarani; responsável principal: Lucy Seki)

FAMÍLIA ARAWAK

Mehinaku (responsável principal: Angel Corbera Mori)Wauja (responsável principal: Christopher Ball)

TRUMAI

Língua isolada (responsável principal: Raquel Guirardello-Damian)

Um desideratum para o futuro é incluir sistematicamente as outras variantes do Karib alto-xinguano (em particular, Kalapalo, mas também Matipu e Nahukwa), a língua Bakairi3, também da família Karib, e a lín-gua Yawalapiti (Arawak, sem ser co-dialeto de Mehinaku e Wauja).

Conforme dissemos, como primeiro passo, concordamos em cole-tar material lexicográfico e textos de gêneros e tópicos diferentes.

Nas próximas duas seções deste capítulo, especifico quais são os materiais que os participantes do Projeto concordaram em levantar, eli-citar e/ou gravar (lexicais e textuais), para análises realizadas ou futuras, sempre no contexto de um empreendimento comparativo. Certamente, com tais metas e metodologia, trata-se de um projeto de caráter explora-tório e, sob vários aspectos, inovador no panorama brasileiro.

1. LISTAS COMPARATIVAS DE PALAVRAS

O léxico de uma língua reflete a história, a cultura, a cosmovisão, as ins-tituições sociais e políticas dos seus falantes. Para poder comparar pala-vras com significado semelhante ou pertencentes a um mesmo campo semântico é preciso ter uma boa descrição lexicográfica da língua, não somente com traduções para outras línguas, mas com descrições explica-tivas (‘definições’) dos significados, idealmente na língua vernácula e na língua dominante. Não há ainda dicionários dessa natureza – abrangentes

3 Foi iniciada cooperação com o linguista Sérgio Meira, da Universidade de Leiden (Paises Baixos) e que vem se dedicando à documentação da língua Bakairi.

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e que possam servir para a comparação das línguas do Alto Xingu. Sendo assim, a base para a comparação foi e está sendo organizada pelos pró-prios participantes deste projeto.

Selecionamos algumas áreas do léxico para as quais queremos le-vantar o inventário lexical de cada língua, partindo de listas de termos em Português que devem servir para elicitar termos com significados seme-lhantes nas respectivas línguas. Estas áreas são:

termos culturais chaves (incluindo os relativos aos muitos • rituais alto-xinguanos),

artefatos (incluindo instrumentos musicais e elementos da es-• trutura da casa tradicional),

termos do parentesco,• partes do corpo,• animais: mamíferos, peixes, aves.•

As listas estão em formato de tabelas (ver tabelas ‘Termos Culturais’ e ‘Artefatos’, nos anexos do livro), onde cada termo em Português constitui o ponto de referência de uma linha. O ideal é um formato em que os vá-rios termos de uma língua alto-xinguana, que de alguma forma correspon-dem ao termo em Português, ou que são relevantes para a comparação, sejam relacionados claramente com o termo em Português. Por enquan-to, usamos células mescladas dentro de uma tabela em formato spreadsheet, mas estamos procurando e explorando outras formas mais apropriadas, especialmente para poder transformar os nossos bancos de dados em ou-tros formatos a serem usados com outros softwares. Neste contexto, é um problema geral que as diferenciações semânticas em uma língua não são necessariamente idênticas às de outra língua, e com cada língua a comple-xidade das correspondências e divergências cresce exponencialmente.

Nas listas atuais, para cada língua há várias colunas – no mínimo uma para a palavra correspondente na língua e usualmente uma segunda para um comentário ou uma explicação, especialmente se há alguma divergência se-mântica. Algumas vezes há uma coluna para uma glosagem detalhada, espe-cialmente no caso de termos compostos ou derivados; ou pode haver uma coluna com comentários à forma linguística mais do que ao significado.

Passamos a dar algumas informações gerais sobre as listas de pala-vras e o material coletado até final de agosto de 2008.

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1. TERMOS CULTURAIS

Esta lista começou a ser compilada em 2001 por Bruna Franchetto e, atualmente, contém 47 termos em Português para conceitos básicos e centrais na cultura alto-xinguana, tais como ‘aldeia’, ‘alma/sombra’, ‘ca-minho’, ‘chefe’, etc. Como quase todas as listas, os dados coletados já estão reunidos em formato Excel, com uma folha para o histórico da ta-bela (registrando mudanças e acréscimos). Atualmente, a tabela possui 60 linhas, visto que em algumas línguas há mais do que um termo para um dado termo em Português. A versão mais nova contém os termos corres-pondentes em todas as seis línguas e pode ser lida no Anexo 1.

2. TERMOS RELACIONADOS A RITUAIS

Esta lista, de certa forma, é uma expansão da anterior, e foi recentemente elaborada por Carlos Fausto com Bruna Franchetto, do grupo de pesqui-sa Documenta Kuikuro; trata-se de um dos primeiros resultados do traba-lho de documentação dos rituais, cantos e músicas, iniciativa dos próprios Kuikuro. Por enquanto, é um documento de texto e contém somente os termos em Kuikuro. Esta lista em forma de tabela apresenta os nomes dos rituais, a maioria pan-xinguanos, e menciona propriedades das músicas/cantos relacionados. Para cada ritual especifica o ‘companheiro’ (vários ri-tuais são percebidos como relacionados ou em pares), a categoria (verbal/instrumental), sexo dos participantes principais (feminino/masculino), a topologia dos cantos (ordenados ou não), a língua ou línguas destes cantos e a sua quantidade quando associados (em ‘suítes’ e ‘peças’).4 Veja-se a ta-

4 A documentação dos rituais kuikuro está vinculada a diferentes projetos concluídos ou em andamen-to: coordenados por Carlos Fausto e com a participação de Bruna Franchetto: Programa Demonstra-tivo dos Povos Indígenas (PDPI) Projeto: Documentário sobre o ciclo ecológico do pequi, sua festa e histórias (aldeia Ipatse, Kuikuro, Alto Xingu, Estado do Mato Grosso); Projeto “Rituais Kuikuro do Alto Xingu: Tradição e Novas Tecnologias da Memória”. Documenta Kuikuro, Vídeo nas Aldeias, As-sociação Indígena Kuikuro do Alto Xingu. Petrobrás Cultural, MinC (Pronac: 056552), 2006-2008; Pro-jeto de Pesquisa CNPq, Edital Ciências Humanas 2005, Projeto “Uma arqueologia do tempo presente (fase III – música, linguagem e aprendizagem)”; Auxílio Pesquisa CNPq, Edital Universal 2006, Projeto “Arte, Imagem e Memória: Uma Antropologia Xinguana do Ritual”; Bolsa de Pesquisa Faperj Cientista do Nosso Estado 2006, Projeto: “Arte, Memória e Ritual na América Indígena: Horizontes de uma An-tropologia da Imagem”. 2007-2008; Projeto CAPES-COFECUB “Arte, Imagem, Memória: Horizontes de uma antropologia da arte e da cognição” (co-coordenador Carlos Severi, EHSS, França). 2007-2010. Fausto e Franchetto são também curadores da exposição Tisakisü: Tradição e Novas Tecnologias da Memória, Rio de Janeiro: Museu do Índio. 2006-2007 e Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte 2008-2009.

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bela apresentada no primeiro capítulo deste livro, bem como os comentá-rios que a acompanham.

3. ARTEFATOS

Está é uma lista bastante ampla (mais do que 330 linhas, para aproximada-mente 220 termos em Português) e completa (dados para quase todos os itens, para Aweti, Kamayurá, Kuikuro, Mehinaku, Trumai e Wauja). A lista contém termos como ‘abanador’, ‘braçadeira’, ‘arranhadeira’ e os principais alimentos, como os diferentes tipos de beiju de polvilho de mandioca, além de incluir itens que não são da cultura tradicional, como ‘caneta’ (ver tabela no anexo). Futuramente, a cada termo será associada uma imagem e uma ficha técnica5, possibilitando, assim, uma comparação precisa.

4. INSTRUMENTOS MUSICAIS

Trata-se de um tipo de artefato em destaque na cultura alto-xinguana (como os cantos dos rituais se destacam entre os termos culturais), e por isto merece uma lista a parte, proposta mais recentemente, em 2006. A última versão possui os termos para 16 itens em Aweti, Kamayurá, Kuikuro e Trumai. A tabela ainda está em estado preliminar.

5. CONSTRUÇÃO DA CASA

A casa tradicional é provavelmente o ‘artefato’ mais complexo do Alto Xingu e cada componente e material tem um termo específico. Já que todos os Alto-Xinguanos constroem mais ou menos o mesmo tipo de casa, vale a pena comparar estes termos. A tabela (já no formato padrão, com histórico) é a mais recente e é a primeira que conta com um con-junto de fotografias pertencentes ao arquivo digital da documentação da língua Kuikuro (Bruna Franchetto), como parte da documentação da lín-gua Kuikuro (DOBES, 2001). Estas fotos foram submetidas a tratamento gráfico por Sebastian Drude em 2007 de modo a permitir a identificação das partes da casa referidas pelos termos indígenas alto-xinguanos, como mostram as duas imagens reproduzidas abaixo:

5 Para a elaboração de fichas técnicas, é indispensável a consulta à obra de referência de Berta Ri-beiro, Dicionário de Artesanato Indígena, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

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A melhor forma de acoplar os itens lexicais às fotografias ain-da está sendo investigada e a uti-lidade deste material está sendo testada com a maioria das línguas. Por enquanto, a lista tem aproxi-madamente 50 termos e temos dados para Aweti (50 termos), Kamayurá (30) e Kuikuro (30).

6. TERMOS DE PARENTESCO

Este campo semântico é um dos mais fundamentais para qualquer análise antropológica e costuma estar entre os primeiros a serem coletados em qualquer pesquisa de campo. Já que os conceitos são extremamente estruturados (constituem um sistema descrití-vel com poucos parâmetros, como geração, sexo de ego e alter, con-sanguinidade ou afinidade, etc.), não temos dados em uma simples lista, mas sim, uma tabela estruturada para cada língua. É verdade que a estrutura desta tabela (usualmente com aproximadamente 40 posições/ células) pode variar de língua para língua, isto é, a abrangên-

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cia de um termo – graficamente, o tamanho da célula – pode divergir. Em geral, todavia, as tabelas providenciam uma forma razoavelmente adequada para a comparação. Até o momento obtivemos dados com-pletos de quatro línguas (Aweti, Kamayurá, Kuikuro e Trumai).

7. PARTES DO CORPO E TERMOS AFINS Esta lista surgiu a partir da junção das elicitações baseadas em di-ferentes manuais para a coleta de dados, inclusive mapas do cor-po humano, masculino e feminino, e vídeos didáticos no caso do Kuikuro. Além dos termos para partes do corpo propriamente dito, há termos para secreta (líquidos, secreções e outras substâncias pro-duzidas pelo organismo humano). É uma lista bastante ampla (atu-almente temos aproximadamente 330 linhas) e ainda precisa ser organizada mais coerentemente, pois alguns termos em Português são vagos ou equivalentes a outros. Isto ocorre, em parte, por causa do material heterogêneo que foi usado para a elicitação. Portanto, é provável que o número de linhas diminua sensivelmente depois de uma reorganização. Observamos a dificuldade de determinar com precisão o referente de um termo, já que se trata às vezes de pontos, às vezes de áreas e já que pontos e áreas referidos por um termo em Português coincidem raramente com o ponto ou área referido por aquele termo na língua indígena. Assim, por exemplo, a tradução de palavras como ‘quadril’, ‘ombro’, ‘coxa’, não é imediata e pressupõe uma elicitação cuidadosa. Atualmente temos dados somente para duas línguas: 180 termos para o Kuikuro e 220 para o Aweti.

8. MAMÍFEROS Os mamíferos constituem uma classe menor, mas usualmente saliente, de animais. Temos uma tabela de 77 linhas, com os nomes em verná-culo e científico de cada animal. Utilizamos obras de referência para a elicitação6, mas ainda não resolvemos se e como nós poderemos citar e reproduzir as imagens-estímulo no nosso banco de dados. A última

6 Emmons, L. H., and F. Feer. Neotropical rainforest mammals: a field guide. Chicago: The University of Chicago Press, 1990. Eisenberg, Jolan. Mammals of the Neotropics – The Northern Neotropics – vol. 1, Chicago: The University of Chicago Press. 1989.

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versão inclui dados mais ou menos completos para Aweti, Kuikuro e Trumai.

9. PEIXES No contexto alto-xinguano, o mundo dos peixes é central, tanto no âmbito mitológico como na alimentação. Infelizmente, a identifica-ção correta de peixes não é uma tarefa para não-especialistas e pre-cisaria da colaboração de um ictiólogo, ainda mais porque não há bancos de dados biológicos para a região do Alto Xingu. Por en-quanto, trabalhamos com algumas obras de referência gerais7, com ilustrações. Organizamos um notável conjunto de fotografias tiradas na área indígena por Franchetto, Santos e Fausto. A tabela resultan-te tem aproximadamente 85 linhas, não necessariamente completas, e contém dados de três línguas (Aweti, Kamayurá e Kuikuro), que precisam de verificação.

10. AVES

Como os peixes, as aves são importantes no plano mitológico e, para os Xinguanos, algumas espécies também servem como alimento. Apesar de terem sido usadas referências comuns8, as dificuldades de identifica-ção são ainda maiores, por isto vale o mesmo que foi dito acima para a lista dos peixes. A necessidade de colaboração profissional por parte de ornitólogos se faz urgente já na situação atual da tabela resultante: ela tem 365 linhas, mas provavelmente muitos sinônimos e casos em que a diferença ou identidade devem ser verificadas. Temos 240 e 230 termos para Aweti e Kuikuro, com várias repetições9. Para o Kamayurá, temos uma lista de 120 termos que também precisa de revisão.

7 Cabalzar, Aloisio (org.), Peixe e Gente no Alto Rio Tiquié. São Paulo: Instituto Socioambiental. 2005. L. Lauzanne e G. Loubens. Peces del Rio Mamoré. Paris: Ed. de I’Orstom, 1985. J.C. de Olivei-ra (org.), A contribuição do setor elétrico ao conhecimento de novos peixes. Rio de Janeiro: Eletrobrás, 1999. 8 Frisch, Johan Dalgas. Aves Brasileiras. São Paulo: 1981.v.1. Sick, Helmut. Ornitologia Brasileira, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001. Santos, Eurico. Pássaros do Brasil: vida e costume. Belo Ho-rizonte: Col. Zoologia Brasílica, vol.5. 1979.9 É possível que um termo possa cobrir várias espécies, especialmente se estas pertencem a uma mesma família, mas, às vezes, bastam algumas propriedades em comum para termos um engano na identificação da espécie.

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2. TEXTOS COMPARATIVOS

A proposta metodológica de gravar, analisar e comparar textos aná-logos é bem mais recente do que a comparação de listas de palavras (amplamente aplicada desde o século XIX, especialmente no contexto do método histórico-comparativo). Portanto, estamos entrando numa nova área de investigação e o nosso trabalho, em parte, é de caráter pioneiro e exploratório.

Para a fase inicial, nós nos propomos reunir um conjunto de seis tex-tos pertencentes a cinco diferentes gêneros10 e com diferentes temáticas:

narrativa mítico-histórica sobre a origem do grupo/povo,• narrativa mítica sobre a origem da mandioca,• descrição da aldeia,• descrição do procedimento para a construção da casa tradicional,• descrição ou explanação da reclusão pubertária masculina e feminina.•

A execução de cada ‘texto’ foi ou deve ser gravada em áudio e, quando possível, em vídeo. Para a sua comparação, precisamos anotar os textos, isto é, no míni mo transcrever (na língua original) o que foi dito e traduzi-lo para o Português. Para isto, podemos aplicar a meto-dologia desenvolvida nos últimos anos no contexto da documentação linguística11. Para a comparação do conteúdo, fazemos uso principal-mente da tradução (para o Português, ou possivelmente para o In-glês). Começamos por uma estruturação que facilita o descobrimento de tópicos ou figuras compartilhadas, ou diferenças na organização dos respectivos textos.

Este trabalho foi realizado, até o momento, somente para Kui-kuro, Trumai e Aweti, a partir de gravações realizadas ao longo dos projetos de documentação no contexto do programa DOBES.

10 Usamos aqui uma concepção instrumental e talvez algo ingênua de ‘gêneros’ – uma concepção mais sofisticada teria que levar em consideração as categorias nativas, sendo que alguns dos textos em questão provavelmente não pertencem a nenhuma categoria tradicional, mas são artefatos no-vos produzidos em função do trabalho de documentação.11 Para uma visão geral e detalhada da metodologia, ver Drude (2006).

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1. HISTÓRIA DA ORIGEM DO GRUPO/POVO

Normalmente, este é um texto canônico, parte da tradição oral e da me-mória coletiva. Como ocorre para outros textos, é relevante que possa haver diferentes versões, por diferentes tradições, herdadas por diferentes narradores. Por outro lado, uma mesma narrativa pode ter versões exe-cutadas pelo mesmo contador em contextos diferentes, com finalidades diferentes,12 sendo, por exemplo, mais ou menos extenso, ou salientando ou omitindo certos detalhes. É importante documentar, como parte dos ‘metadados’, quem contou a narrativa, para quem e em qual contexto.

O que é de interesse primordial neste caso é a análise do conteúdo (nível 4). Este é diretamente relevante para a reconstrução do passado do sistema alto-xinguano, servindo como ponto de referência para compa-rações com, por exemplo, dados arqueológicos (ver o artigo introdutório de Franchetto neste volume). Cada narrativa, novamente, é uma versão e ela deve ser interpretada à luz dos filtros da memória individual e coletiva e da estrutura da articulação entre personagens e eventos. Divergências na postulada ordem da ‘chegada’ dos respectivos grupos ao sistema alto-xinguano podem ocorrer, até por motivos políticos.

2. MITO DA ORIGEM DA MANDIOCA

Como a mandioca é a fonte mais importante de carboidratos dos Xinguanos, o mito de sua origem faz parte do inventário narrativo de todos os grupos e provavelmente do inventário compartilhado por todos os grupos do Alto Xingu. Divergências do conteúdo (ní-vel 4) e em detalhes como o ordenamento de ele mentos mitológicos (nível 3) ou mesmo nomes de personagens e lugares etc. (nível 2) podem ser indicativas para a questão de qual grupo adotou o mito de qual outro grupo, e assim de novo contribuir para a reconstrução da história do sistema. Diferenças na estilística (nível 3) e em outros planos podem indicar vestígios (ou ‘substratos’) de tradições ante-riores à adoção do padrão alto-xinguano.

12 Não podemos esquecer que este tipo de narrativas usualmente interage com a constelação polí-tica atual, justificando posições de prestígio e poder ocupados por determinadas pessoas, ou ocu-pações e demandas territoriais.

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3. DESCRIÇÃO DA ALDEIA

Certamente, descrever a própria aldeia não é um gênero tradicional. Quan-to à documentação para futuras gerações, este texto pode ter um valor im-portante. Como provavelmente não há uma forma canônica para este tex-to, é desejável planejar gravações de uma forma controlada e uniformizada.

As descrições devem variar muito conforme inúmeros parâmetros, por exemplo, qual falante dá a descrição e em que ele/ela naquele mo-mento está interessado/a em enfocar. Interessa-nos, para os fins deste projeto, comparar a forma de como se descreve o palco e os bastidores da vida ritual e cotidiana. Em primeiro plano está a expressão da repre-sentação mental do espaço físico e simbólico da aldeia em termos, for-mas, orientações e construções, dados de grande relevância para o diálo-go com a pesquisa arqueológica.

4. DESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE COMO CONSTRUIR A CASA TRADICIONAL Uma vez que a estrutura das casas tradicionais é um traço cultural com-partilhado e característico de todos os grupos alto-xinguanos, este tópi-co deve produzir uma comparação frutífera. Mesmo que não seja prática comum entre os Xinguanos relatar sobre como se constroem as casas tradicionais, esperamos que um texto desse tipo siga possivelmente uma lógica comum em termos de sequência cronológica, de saliência de certas partes, etc., o que facilitaria a análise paralela e comparativa.

Mais uma vez, tanto os termos compartilhados (nível 2), como a organização do texto (nível 3), podem servir como indícios para a histó-ria sócio-cultural do Alto Xingu e dos grupos individuais. O texto, evi-dentemente, é estreitamente relacionado com o banco de dados lexicais no campo semântico ‘casa tradicional’ (ver ponto 5 na seção 1, acima).

5. DESCRIÇÃO E EXPLANAÇÃO SOBRE A RECLUSÃO PUBERTÁRIA MASCULINA E FEMININA

Mais uma vez estamos diante de um ‘texto’ pouco provável em contex-to de interação verbal natural. Mesmo assim, nos ‘textos’ coletados em Aweti, Kuikuro e Trumai há muitos elementos compartilhados, tanto na identificação e ordenação das ações e eventos necessários, como nas ex-planações de ordem cosmológica. É importante ter explanações sobre a reclusão masculina por parte de um homem, pai de filhos adultos, e so-bre a reclusão feminina por parte de uma mulher, mãe de filhas adultas.

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Esperamos que os textos apresentem características ligadas a uma ins-tituição comum à cultura tradicional alto-xinguana, apesar de poderem divergir não só entre os diferentes grupos, mas também dependendo do falante. Por isto, será interessante coletar várias versões, sempre que seja viável nas condições de trabalho dos diferentes pesquisadores.

CONCLUSÃO

Nas seções anteriores, delineamos um programa de pesquisa, já iniciado pelo Projeto ‘Evidências linguísticas para o entendimento de uma socieda-de multilíngue: o Alto Xingu’, ultrapassando este em foco e duração. Tra-tamos de modo sucinto dos fundamentos metodológicos, em particular do conjunto de bases lexicográficas e de textos coletados e trabalhados.

Os pesquisadores do campo da documentação linguística (que é em certos aspectos o contexto mais amplo deste nosso programa de pesqui-sa) enfocam explicitamente ‘dados’, esquecendo, não poucas vezes, que dado, como ‘evidência’, é um termo relacional – X é um dado para Y – e não apenas meramente descritivo.

Até mesmo dados ‘primários’, como gravações de eventos e ques-tionários preenchidos, só se tornam ‘conhecimento’ através de sua inter-pretação, e esta pressupõe inevitavelmente uma perspectiva, um ponto de vista específico. Há sempre o objetivo de ‘entender’ alguma questão, atra-vés de uma operação que permita conectar informações em redes de re-lações simbólicas que, juntas, alimentam o ‘significado’ das observações. Portanto, a pesquisa ganha sentido somente através de questões concre-tas que procuram respostas possivelmente claras e não pelo simples acú-mulo de bancos de dados.

Procuramos neste nosso programa de pesquisa formular perguntas significativas, concretas, interessantes, para as quais a comparação analítica dos nossos materiais pode providenciar respostas relevantes. Evidentemente, a pergunta mais importante ao comparar os materiais lexicais e textuais é:

1. Os materiais linguísticos análogos nas respectivas línguas coincidem em certas propriedades (em cada um dos quatro níveis identificados como sendo estrutu-ral, lexical, performativo e de conteúdo)?

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Caso a resposta seja negativa (para uma dada propriedade em um dos níveis), podemos investigar:

2.a A variação é uma mera coincidência ou a diferença é resultado de uma divergência consciente?

Veja-se o caso de um traço emblemático, como o dos sistemas pro-sódicos distintivos dos dialetos da língua Karib alto-xinguana, tra-tado por Silva, Franchetto e Colamarco neste volume. As próprias percepção e intuição meta-linguística dos falantes podem fornecer um segundo tipo de dados para responder a questões cruciais.

Caso a resposta à pergunta 1 seja positiva (o material compara-do revela que as duas línguas compartilham uma certa propriedade), podemos prosseguir e perguntar:

2.b O que a propriedade compartilhada significa para a unidade e a auto-referen-cialidade do sistema alto-xinguano?

De novo, pode ser que a coincidência seja resultado do acaso, ou que se trate de um traço que o Alto Xingu compartilha com outras línguas de uma região mais ampla. Mais interessantes são os casos em que temos razões para postular que a similaridade é produto de uma convergência – um grupo alto-xinguano adotou um traço lin-guístico (como no caso de empréstimos lexicais, mas em princípio em qualquer um dos quatro níveis) de outro grupo com que esteve em contato. É imediatamente relevante, para o nosso entendimento do sistema alto-xinguano, verificar se é possível definir quando esta convergência aconteceu e o que ela significa para a auto-percepção do grupo e a percepção coletiva do sistema.

Esperamos ter demonstrado que temos boas perspectivas de respon-der a estas questões para um grande número de propriedades linguísticas, empiricamente acessíveis e observáveis em materiais concretos e apropria-dos que estão sendo coletados nas respectivas línguas alto-xinguanas. Com isto, podemos avançar significativamente no nosso entendimento de um dos sistemas multiétnicos e multilíngues mais notáveis da América do Sul.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DRUDE, S. A metodologia DOBES de documentação linguística e o formato de anotação de textos. In: Estudos Linguísticos, v.35 (Campinas). 2006. http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estudos-2006/sistema06/sd.pdf

FRANCHETTO, B. Línguas e História no Alto Xingu. In: FRANCHETTO, B. & HECKENBERGER, M. J. (Eds.). Os Povos do Alto Xingu. História e Cultura. Rio de Janeiro, 2001. p.111-156

FAUSTO, Carlos; FRANCHETTO, Bruna & HECKENBERGER, Michael J. 2008. Ritual language and historical reconstruction: towards a linguistic, ethnographical and archaeological account of Upper Xingu Society. In: DWYER, Arienne; HARRISON, David & ROOD, David (eds), Lessons from Documented Endangered Languages. Amsterdam: John Benjamins. Pp. 129-158.

SEKI, L. The Upper Xingu as an incipient linguistic area. In: DIXON, R. M. W. & AIKENVALD, A. Y. (Eds.). The Amazonian Languages. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p.417-430.

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RESUMOPara entender o sistema alto-xinguano é essencial comparar as diferentes lín-guas que compõem esta sociedade multilíngue. Este artigo discute a noção de ‘comparar línguas’ e esboça um programa de pesquisa de acordo com o qual há quatro níveis em que uma comparação frutífera pode ser feita: 1) estrutural (fonológico e morfossintático), 2) lexical (a estrutura semântica dos léxicos e dos itens lexicais individuais), 3) discurso (figuras da fala e do pensamento), 4) conteúdo (em particular narrativas). Os dados linguísticos do projeto obtidos até agora (com foco nos níveis 2 e 4) são descritos de-talhadamente: dez listas comparativas de palavras de domínios semânticos diferentes e um núcleo de 5 textos de gêneros distintos. No final, oferece-mos algumas considerações gerais de como analisar tanto semelhanças como divergências encontradas no material comparado.Palavras-chave: Alto Xingu; Comparação de línguas; Bancos de dados; Metodologia; Léxico; Textos.

ABSTRACTA key for understanding the Upper Xingu system is the comparison of the diffe-rent languages which are part of that multilingual society. This article discusses the notion ‘comparing languages’ and delineates a research program in accordan-ce to which a fruitful comparison can be done on four levels: 1) structural (pho-nological and morphosyntactic), 2) lexical (semantic structure of the lexica and individual lexical items), 3) discourse (figures of speech and thought), 4) content (in particular, narratives). The language data of the project gathered so far (fo-cusing on level 2 and 4) is described in detail: 10 comparative word lists from different semantic domains, and a core of 5 analogous texts of different genera. Finally, some general considerations are offered about how to analyze both simi-larities and divergence found among the compared material.Key-words: Upper Xingu; Language comparison; Data bases; Methodology; Lexicon; Texts.