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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
ARTIGO PDE - 2011
CURITIBA 2011
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O ENSINO DE MÚSICA NA REALIDADE DO COTIDIANO ESCOLAR.
Autor: Carlos Alberto de Paula1
Orientador: João José de Felix Pereira2
Resumo
Este artigo aborda o processo de escolha do tema de pesquisa do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE; sua implementação como curso de pós-graduação para professores da Rede Estadual de Educação, pelo departamento de extensão da Escola de Música e Belas Artes e posteriormente com alunos do Colégio Estadual do Paraná. Inclui também o aborte teórico que balizou as análises realizadas do processo e as conclusões que apontam novos estudos e caminhos a serem seguidos. O caráter descritivo do artigo é no sentido de aproximar a realidade do cotidiano com a teoria, evitando sobrepor uma teoria pré-estabelecida em relação aos fatos analisados, mas sim, partindo do cotidiano, dos dados levantados para um aporte teórico que de sustentação na fundamentação das questões que implicam no ensino de música na escola pública paranaense. A pesquisa desenvolvida envolve a prática pedagógica deste professor no ensino de música para alunos do Ensino Médio e dos professores que participaram do curso, praticando as atividades propostas em suas escolas. As conclusões da pesquisa apresentam a contradição entre a importância da música na vida dos alunos e da legislação vigente e as dificuldades para a efetivação deste ensino na escola, da necessidade de se aprofundar um conhecimento pedagógico que atenda a realidade cotidiana dos alunos e professores, bem como dos recursos físicos e materiais para que as escolas proporcionem um ensino de música de caráter humanista e formativo.
Palavras-chave: Ensino, colégio, música, cotidiano, contradição.
1 Mestre em Educação. Licenciatura Plena em Música. Colégio Estadual do Paraná - CTBA
2 Doutor em Ciências da Religião. Bacharelado em Música (piano e composição) Especialista em educação,
Mestrado em comunicação. Escola de Música e Belas Artes – CTBA.
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1 Introdução
A finalidade deste artigo é refletir e procurar buscar caminhos a serem
seguidos para o ensino de música nas escolas da Rede Estadual de Ensino, com
ênfase para o Ensino Médio devido a duas características principais.
Primeiramente, pelo fato da grande parte das teorias pedagógicas sobre o
ensino de música ser direcionadas para crianças dos anos iniciais de escolarização,
sendo raro encontrar estudos e propostas para o ensino de jovens na educação
básica.
Em segundo, pela forma de como se estrutura e organiza-se o Ensino Médio,
com um currículo de doze disciplinas que constantemente disputam espaços na
carga horária, tanto entre professores no espaço escolar como nas instâncias
legislativas, reivindicando leis para se legitimarem. Esta legitimação por decreto
decore justamente das disciplinas que constantemente na história recente da
educação são secundarizadas, como a Arte (na qual está inserida a música, junto
com o teatro, a dança e as artes visuais), a educação física, a filosofia e a
sociologia.
A secundarização das ciências humanas no Ensino Médio decorre da
reprodução por parte da escola do pensamento pragmático e materialista vigente em
nossa sociedade. Esta reprodução imprime no Ensino Médio uma prevalência para a
racionalização do pensamento pedagógico, no pragmatismo das ações,
(direcionando o ensino para o vestibular) e a prevalência das disciplinas de língua
portuguesa, matemática e das ciências exatas.
Esta mesma sociedade ao mesmo tempo clama por um mundo mais
humanizado, de respeito ao meio ambiente, de menos violência, de cidadania e de
respeito ao próximo, dentre outros valores constantemente reivindicados como dever
da escola de suprir na formação dos novos cidadões.
A contradição é uma realidade concreta em diversas questões no cotidiano da
escola e em especial a disciplina de Arte, e ainda das áreas (teatro, dança, artes
visuais e música) que a compõe, a música é uma das que mais são atingidas por
esta dicotomia entre intenção e ação.
Uma das contradições em relação a música que podemos problematizar
nesta introdução é o consenso entre pesquisadores da academia e profissionais da
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educação na escola que é necessário uma maior aproximação da escola com o
jovem, no sentido deste ter um maior sentido de pertencimento ao espaço escolar.
A escola precisa de uma maior aproximação do aluno, esta não é só uma
percepção dos educadores, mas um fato constatado pelo Ministério da Educação
(MEC), que afirma ser o desinteresse pela escola, o maior motivo de evasão no
Ensino Médio dos colégios no Brasil.
Ao mesmo tempo diversas pesquisas acadêmicas no Brasil realizaram
questionários perguntando aos adolescentes e jovens sobre seu cotidiano (ou com a
simples observação cotidiana de pais, mães e professores) constatou-se que a
principal atividade que os adolescentes e jovens se ocupam no seu dia-a-dia é o de
ouvir música e a segunda mais citada é assistir TV e entrar na Internet, o que
significa também ouvir e ver música, como na M.T.V. e outros programas de
televisão e do YouTube e outros sites da Internet.
Como exemplo temos a pesquisa é a realizada por Chaves (2006) com alunos
de um colégio de Ensino Médio em Curitiba, onde a música é citada como a principal
atividade no seu cotidiano.
QUADRO 1 - ATIVIDADES DE LAZER
ATIVIDADES VALORES ABSOLUTOS FREQÜÊNCIA %
Música 26 36,1
Leitura 8 11,1
Cinema 6 8,3
TV 17 23,6
Namorar 1 1,3
Limpeza de casa 1 1,3
Teatro 1 1,3
Internet 5 7,2
Esporte 5 7,2
Malabares 1 1,3
Dormir 1 1,3
Total 72 100%
Fonte: pesquisa do autor, questionário 1, 2006 (CHAVES, 2006, p. 94)
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O autor argumenta ainda, sobre os dados da pesquisa:
Quanto às atividades, além da escola, o quadro a seguir mostra que a música se destacou como a atividade de lazer mais indicada pelos jovens, com percentual maior que a televisão (17 ocorrências) e a leitura (8 ocorrências). Ressalta-se a baixa ocorrência da Internet e dos esportes como atividades de lazer preferidas por esses alunos (CHAVES, 2006, p. 94).
Podemos concluir nesta problemática que o sistema escolar minimiza a
importância da música na escola, enquanto ela é um dos fortes elementos de
pertencimento do adolescente e jovem no seu cotidiano.
Neste artigo se propõe refletir estas e outras questões que dificultam o ensino
de música na escola pública, tendo como método a prática pedagógica cotidiana
deste autor e dos professores que dialogamos durante o processo de pesquisa do
PDE.
O ponto de partida destas reflexões foi a pesquisa de mestrado em educação
na Universidade Federal do Paraná (UFPR), cuja temática foi a analise da situação
do ensino de música nos colégios do município de Curitiba. Das questões
levantadas e problematizadas nesta pesquisa, procurou-se na proposta de
intervenção na escola explicitada no programa do PDE, desenvolver junto com
colegas professores formados e não formados em música uma metodologia que
fosse possível trabalhar com o ensino de música na realidade concreta das escolas
e não em uma abstração de uma sociedade e escola idealizada.
Desta pesquisa foi possível visualizar novas problemáticas a serem
superadas e diversas soluções e propostas que podem ser adotadas em grande
parte pela totalidade das escolas da Rede Estadual, apesar de ser de Curitiba e sua
Área Metropolitana o espaço abrangido por estas pesquisas.
Neste artigo serão apontadas algumas direções possíveis de ser tomadas
para a melhoria da escola pública tendo o ensino de música como um dos
elementos para esta nova realidade, sem no entanto, perder de vista os limites deste
trabalho para modificar uma realidade que é super-estrutural. Acreditamos que a
escola é este espaço contraditório em que reproduz a sociedade e ao mesmo tempo
é um espaço de criação do conhecimento que aponta e propõe as mudanças para a
transformação da sociedade. Este trabalho e de inúmeros outros colegas são uma
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possibilidade de mudar esta realidade, com as pesquisas e as propostas de
intervenção apresentadas no PDE, é possível vislumbrar mudanças nesta estrutura
da escola e de nossa sociedade.
1.1 Títulos das sessões do artigo
1 Antecedentes e escolha do tema
2 O projeto de implementação
3 A formação dos professores
4 Repertório dos alunos
5 Conclusão
2 Desenvolvimento
2.1 Antecedentes e escolha do tema
Nesta semana em que escrevo estas páginas, uma colega, professora de
música, do Colégio Estadual do Paraná, no qual leciono, comentou que o som da
flauta doce não lhe agradava e explicou que era pelo fato de ter lecionado por um
tempo aulas de flauta doce para alunos de uma escola particular e que o desgaste
pelo ritmo do trabalho fez com que ela passasse a desgostar do som da flauta doce.
Este fato fez-me relembrar o início do meu trabalho como docente da Educação
Básica e das teorias que dizem que as mudanças na educação só ocorrem em
médio e longo prazo.
No início dos anos de 1980, já tinha ministrado aula de instrumento (flauta
transversal e saxofone) em aulas particulares e em movimentos sociais, atuava
como músico profissional e estudava na Escola de Música e Belas Artes (EMBAP).
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Nesta época iniciei as aulas na Educação Básica como professor de música no
Colégio Imaculada Conceição do bairro de Santa Felicidade em Curitiba.
A proposta da escola era de que todas as turmas tivessem aula de flauta
doce, para todos os alunos de cada turma de 1ª a 4ª série do primeiro grau. Apesar
de louvar a iniciativa da escola de proporcionar o ensino música com instrumento
para os seus alunos, algumas questões pedagógicas ficaram latentes em minha
concepção de educação que ainda vejo acontecer, como no caso da colega citado
acima.
Dentre as preocupações pedagógicas, citarei algumas que vivencie nesta
época que podem iniciar nossas reflexões sobre o ensino de música:
- Com um só professor instrumentista e mesmo assim não dispondo de muito tempo
para ministrar aulas, foram poucas as turmas que tiveram a aula de música. A
solução proposta foi a de determinar uma única série para todos terem as aulas de
instrumento.
- Como era músico, aluno de bacharelado e só tinha ministrado aula individual ou
para poucos alunos, não tinha uma pedagogia para aquela situação (turmas com 30
alunos crianças). Precisei inventar minha própria pedagogia utilizando partes do
método do Professor Mário Mascarenhas, que alguns anos antes me havia
presenteado com seu livro método de ensino de flauta doce.
- Era desagradável e problemático obrigar a todos da turma a estudar flauta doce,
apesar da maioria estudar e tocar com prazer, alguns poucos simplesmente não
tinham dinheiro para comprar, apesar de ser uma escola particular, em outros era
possível perceber que o faziam a contragosto. Ainda hoje acredito que a flauta doce
é o melhor instrumento para o ensino de música, principalmente para muitos alunos,
mas também considero a obrigatoriedade compulsória, problemática em termos
pedagógicos.
- Quando saí da escola o trabalho acabou porque não havia músico instrumentista
para me substituir.
Os problemas pedagógicos enfrentados nesta época, formação técnica sem
aporte pedagógico, falta de uma pedagogia musical elabora para a situação real da
escola, o encaminhamento pedagógico para os alunos da própria escola e a falta de
professores de música são questões ainda presentes no nosso cotidiano das
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escolas tanto públicas como particulares, como aprofundaremos na sessão sobre a
formação de professores.
Ao se pesquisar sobre a educação musical e a música no cotidiano da escola
e do jovem é necessário ter em vista que este cotidiano é resultado de múltiplas
determinações e não se resume somente a aparência do aqui e agora ou de temas
emergentes, veiculados pelo imediatismo da mídia. Heller (1972, p. 20) defende que
a história é a substância da sociedade e que, ao mesmo tempo, é estruturada e
amplamente heterogênea.
Sobre a importância do cotidiano para nossa vida e como ele está no centro
da história, Heller argumenta que:
As grandes ações não-cotidianas que são contadas nos livros de história partem da vida cotidiana e a ela retornam. Toda grande façanha histórica concreta torna-se particular e histórica precisamente graças a seu efeito na cotidianidade. O que assimila a cotidianidade de sua época assimila também, com isso, o passado da humanidade, embora tal assimilação possa não ser consciente, mas apenas „em si (HELLER, 1972, p. 20).
Esta é uma referência para as questões propostas neste artigo e no projeto
de implementação. O estudo sobre o cotidiano da escola, com o recurso da história
para compreender o ensino de música em uma dimensão mais próxima de sua
totalidade.
Desde a época, citada acima, estive atuando na educação básica, graduação
e pós-graduação, sempre procurando refletir sobre as dificuldades e desafios do
ensino de música na escola pública.
Uma destas dificuldades foi para fazer um mestrado na área de música no
Paraná, conseguindo entrar na UFPR na área de Educação, com o tema sobre o
ensino de música. Até este ano de 2011, no estado ainda não existe um curso de
mestrado em educação musical, o único e recente é o do DeArtes/UFPR, que ainda
é na área de bacharelado, evidenciando uma importante lacuna nos estudos mais
aprofundados sobre o ensino de música.
Na pesquisa de mestrado foi possível pesquisar em várias escolas, realizar
um levantamento de diversas pesquisas já realizadas sobre a música para os jovens
e o ensino de música em escolas do Estado do Paraná, dentre as conclusões
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parciais do trabalho podemos citar a importância da música no cotidiano do aluno; a
falta de estrutura nas escolas para o desenvolvimento deste ensino; o pouco número
de professores de música para a demanda da Rede Estadual de Educação pública e
mesmo para a particular; o distanciamento entre a formação do professor de música
e a realidade das escolas, as distorções no encaminhamento metodológico, com
professores de música centrando seu trabalho no ensino de história das artes
plásticas e principalmente a falta de uma pedagogia musical direcionada para a
realidade de nossas escolas.
Esta última conclusão, a falta de uma pedagogia musical apropriada foi o
objeto da proposta de trabalho do PDE, no sentido de avançar no que era possível
para estas problemáticas, pois diversas outras questões são estruturais que esta
pesquisa não poderia abarcar.
2.2 O projeto de implementação
O objetivo do projeto foi de pesquisar a metodologia de ensino da música dos
educadores do início do século XX, dentre eles Émile-Jacques Dalcroze, Zoltán
Kodály, Carl Orff, Shinichi Suzuki, Maurice Martenot, bem como, de
contemporâneos, dentre eles, Violeta Gainza, Keith Swanwick, Edgar Willems e Jos
Wuytak. Estes músicos educadores são uma referência no ensino de música
brasileiro, no entanto em várias pesquisas acadêmicas, contatou-se a centralidade
no ensino tradicional, pautado na música tonal. Este ensino não incorpora as
referências destes autores que em comum não restringem o conteúdo à hegemonia
da tonalidade, propondo formas de ensino musical que também abrangem a música
modal, o que favorece um trabalho mais adequado à música contemporânea e
aquela ouvida pelos adolescentes e jovens.
Como objetivo específico, mas não menos importante, foi proposto no projeto,
uma metodologia de ensino de música em consonância com a explicitada nas
Diretrizes Curriculares de Arte da SEED, que abrangesse as contribuições destes
autores, para que se efetive um ensino de acordo com a realidade concreta da
escola pública paranaense.
É necessário ainda considerar o fato de que a maioria dos autores citados
acima, bem como das propostas de ensino de música são direcionados para
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crianças, enquanto que a faixa etária dos alunos de Rede Estadual é de
adolescentes e jovens, necessitando, portanto serem adaptados para os alunos e as
condições concretas que temos nas escolas.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram considerados os princípios
pedagógicos e musicais dos autores, acima referidos, com as adequações
necessárias para favorecer a sua aplicação em sala de aula.
Sua implementação era para alunos do colégio em aulas curriculares, da
mesma forma que 98% dos colegas professores trabalham no cotidiano, com salas
de aula lotadas e sem infra-estrutura como espaços físicos e recursos didáticos
como instrumentos musicais.
Durante o Grupo de Trabalho em Rede (GTR), onde dialoguei via internet
com o grupo de colegas professores de arte que se interessaram pela temática do
ensino de música, tivemos a oportunidade de trocar experiências e conhecimentos
que muito auxiliaram do desenvolvimento do projeto de implementação e ao mesmo,
segundo os próprios colegas, contribuiu para a prática pedagógica deles com os
alunos, desenvolvidas a partir de sugestões de atividades e fundamentação tratados
no grupo de trabalho.
Uma das sugestões deste grupo foi de que o projeto de implementação fosse
realizado com os professores, devido a carência tanto de professores de música,
como de metodologias possíveis de ser aplicada em sala de aula.
Da mesma forma outros colegas professores solicitaram que fosse realizado
um curso em que poderíamos continuar os trabalhos de elaboração de propostas
para o ensino de música. Neste ínterim (entre o GTR e a implementação) o
orientador deste projeto propôs que a implementação fosse realizada para
professores e alunos da EMBAP, no formato de pós-graduação (extensão)
organizado pelo setor de extensão da EMBAP.
Reformulado o projeto de implementação, agora direcionado para professores
da rede estadual, foi organizado pelo setor de extensão as condições de espaço
físico, materiais, certificados e divulgação. O curso foi direcionado para professores
de arte, tanto para os formados em música como para interessados em música e no
seu ensino.
O projeto de extensão foi apresentado e aprovado com a seguinte proposta:
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Pré-projeto de Extensão Universitária
Título:
Curso de extensão sobre o ensino de Música para professores da Rede
Estadual de Educação.
Instituições:
Escola de Música e Belas Artes (EMBAP) / Secretaria de Ensino Superior e
Tecnologia (SETI).
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) / Secretaria de Estado da
Educação. (SEED).
Fundação Araucária.
Responsáveis pela execução:
Professor Dr. João José de Felix Pereira (EMBAP).
Professor Me. Carlos Alberto de Paula (PDE/SEED).
Objeto do Curso:
Implementação do projeto de intervenção do PDE, intitulado “O Ensino de
Música: uma metodologia possível na realidade do cotidiano escolar.”, elaborado
sobre orientação dos professores da EMBAP.
Este projeto tem o objetivo geral de contribuir com escola pública com um
ensino de Música, que responda aos anseios da comunidade escolar e
principalmente dos adolescentes e jovens alunos do Ensino Médio no Estado do
Paraná.
Como objetos específicos, mas não menos importante, este projeto almeja:
Aprofundar a relação entre os Colégios da Rede Estadual de Educação
(SEED) e a Escola de Música e Belas Artes (EMBAP).
Participar da formação continuada de professores de Arte do Estado.
Contribuir para a pesquisa sobre o Ensino de Música nos cursos de
Licenciatura em Música da EMBAP.
Elaborar e publicar um caderno pedagógico que auxilie a prática pedagógica
dos professores em sala de aula.
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Materiais:
- Sala de aula para 20 professores.
- Áudio Visual (multimídia e/ou TV pen-drive).
- Aparelho de som para CD e pen-drive.
Período de execução:
O Curso pode ter o formato de 20 ou de 40 horas no total (de acordo com as
normas do departamento de Extensão)
Estão previstos cinco encontros (de 4 ou 8 h.), sendo um por mês durante o
segundo semestre de 2010, iniciando no final de Agosto.
O conteúdo do curso é o proposto no “Caderno Pedagógico” e do diálogo
entre os conhecimentos dos alunos, da prática pedagógico dos professores do
Estado e da orientação da EMBAP.
O curso foi realizado de forma gratuita com a isenção para os professores de
taxas para o curso, considerando as dificuldades dos professores e principalmente
pelos fundamentos do Programa de Desenvolvimento Educacional.
Após sua aprovação o curso ocorreu no segundo semestre de 2010 de
outubro a dezembro, seguindo o seguinte roteiro que foi cumprido no tempo previsto
com algumas alterações de dadas a pedido do professores ou da coordenação da
EMBAP.
Curso:
“O Ensino da Música: uma metodologia possível na realidade do cotidiano escolar”
02 de outubro/2010
Apresentação do projeto de curso.
Pesquisas sobre o ensino/jovem/música.
Antropofagia, conceito e movimentos musicais no Brasil.
Roteiro para pesquisa com alunos.
16 de outubro/2010
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História das pedagogias musicais no Brasil.
Currículos de música no Paraná.
Levantamento do gênero musical dos alunos.
30 de outubro/2010
Teoria e prática musical:
Respiração e atividades rítmicas
Regência
Organização rítmica e melódica da música
Hinos do Brasil e do Paraná
Partitura
06 de novembro/2010
Sistematização de atividades a partir do gênero musical dos alunos.
Música contemporânea e histórica, audiovisual.
20 de novembro/2010
Sistematização de atividades a partir do gênero musical dos alunos.
Música contemporânea e histórica, Audi visual.
10 de dezembro/2010
Organização final do caderno com as atividades desenvolvidas.
Avaliação
As aulas foram realizadas no sábado das 8h às 12h, completando uma carga
horária de 24 horas. Consideramos importante ressaltar a colaboração da
Coordenadoria de Extensão da EMBAP na pessoa da servidora Elaine e ao
orientador do projeto Professor João José que esteve presente 90% das aulas
participando também como docente.
A proposta do curso de trabalhar o conteúdo musical a partir do repertório dos
alunos e deste ampliar para outros gêneros foi produtivo, pelo fato de motivar os
alunos dos professores cursistas, de podermos aprofundar o conhecimento musical
e de diversificarmos os gêneros musicais abrangendo a música do cotidiano e a
produzida no percurso da história da música.
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A cada encontro era tratado de um conteúdo musical de uma forma que fosse
possível de ser trabalhado em sala de aula convencional, como o citado no
programa acima e outros. No intervalo dos encontros os professores aplicavam com
os alunos e retornavam com um relato dos trabalhos, apresentando sugestões,
dúvidas e novos encaminhamentos eram propostos.
Como atividade de final do ano foi proposto para os alunos que
apresentassem de diversas formas (cantando, tocando, dançando ou em audiovisual
e escrito) os gêneros musicais que tinham interesse ou que fazia parte de seu
cotidiano.
Foram momentos muito ricos de conhecimento, experiências e reflexões
sobre o ensino de música, os quais alguns serão tratados nas próximas sessões
deste artigo.
2.3 A formação dos professores
Este é um tópico necessário de ser discutido e que esteve muito presente na
implementação deste projeto. O objeto do projeto é pensar uma forma de
universalizar o acesso ao conhecimento musical para os alunos da Educação
Básica, isto implica em pensar a sala de aula e não os projetos como coral e banda,
que apesar de ser ótima para a escola, é de atendimento reduzido em número de
alunos e quase sempre acaba tendo que passar por uma seleção de alunos,
assumindo um caráter excludente para a maioria.
No estado do Paraná e em todo Brasil há uma carência de professores de
música, insuficiente para atender a todas as escolas, realidade esta que tem feito
muitas instituições, como algumas universidades, secretarias de educação e
Organização Não-Governamentais (ONGs) a disseminar cursos de música para
todos os professores de arte, nas suas diversas formações e mesmo de outras
disciplinas.
A Lei nº 11.769 que trata da obrigatoriedade do ensino da música na
educação básica alem de reforçar a necessidade este ensino procurou normatizar o
sobre o docente que teria que ser formado em música, abrindo espaço mesmo para
os não formados em licenciatura, músicos profissionais ou amadores.
Veja como ficou a redação final da lei:
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Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008
Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação
básica.
O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o - O art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescido do seguinte § 6º:
“Art. 26. .........................................................................................................................
........................................................................................................................................
§ 6o - A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente
curricular de que trata o § 2o deste artigo.” (NR)
Art. 2o - (Vetado)
Art. 3o - Os sistemas de ensino terão 3 (três) anos letivos para se adaptarem às
exigências estabelecidas nos arts. 1º e 2º desta Lei.
Art. 4o - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
DOU 19/08/08
O artigo segundo (Art. 2º) que foi vetado era o que tratava sobre a formação
do professor, que deveria ser um músico, o veto da presidência foi promulgado com
a alegação de que esta lei não poderia sobrepor a legislação educacional vigente
que trata das especificidades da formação de professores. Ao mesmo tempo o inciso
sexto (§ 6º) manteve a música como uma área da disciplina de arte, determinando
que ela não é uma disciplina exclusiva.
Portanto as escolas têm até este ano de 2011 para se adaptar a nova lei,
incluindo o conteúdo de música, ministrado pelos professores da disciplina de arte
nas escolas.
Devido a estas questões levantadas (universalização do ensino de música,
falta de professores formados em música e a legislação) o curso foi direcionado a
todos os professores de arte, formado em música ou em dança, teatro e artes
visuais.
Os professores de artes visuais e teatro que participaram do curso foram os
mais assíduos e atuantes. Mesmo não tendo um conhecimento aprofundado da
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música foi possível a esses professores trabalhar conteúdos básicos de música
como ritmo, morfologia, análise de gêneros e outros. O mais importante foi de que
proporcionaram uma experiência estética para os alunos (execução de músicas e
representação com teatro e diversas danças).
Nos entando, os professores formados em música gradativamente foram
ausentando-se, sendo que somente dois professores formados em música
concluíram o curso. Este é fenômeno que deve ser estudado com profundidade,
neste artigo serão analisadas algumas hipóteses para este comportamento.
Inicialmente é importante ressaltar que o curso era de música e pensando
auxiliar no cotidiano de sala de aula, iniciando na produção de material didático e de
uma pedagogia para esta realidade, que é escassa de uma forma geral.
Em relação aos docentes, este pesquisador do PDE que vos escreve é
formado em música, instrumentista e músico profissional, o orientador que esteve
presente em praticamente todo o curso é músico instrumentista, compositor e
professor de composição da EMBAP, uma das mais aprofundadas e complexas
áreas de estudo da música.
Portanto a desistência dos professores de música não se justificaria por
serem “fraquinhos” os docentes e nem pelo conteúdo do curso, pois estávamos
discutindo e estudando desde o básico da música até o mais complexo.
É possível que haja um sentimento de preconceito, por parte de nós
professores de música, em relação aos professores de outra formação e um sentido
de exclusividade para se falar e ensinar música.
Outra questão é a formação do professor de música que a principio e
extremamente diversificada, tendendo para as diversas especialidades que
desenvolvemos como canto, piano, instrumentos de sopro, cordas, ritmo e outros.
Estudos recentes sobre a formação de professores de música demonstram
um histórico distanciamento com a pedagogia e a didática, como a professora Lima
expõe nesta citação.
Vários estudos apontam que, mesmo havendo, atualmente no Brasil, a subdivisão das habilitações profissionais nos cursos superiores de Música em Bacharelado e Licenciatura, a atividade profissional predominante exercida pelos alunos e egressos dos cursos de Música está ligada a atividades de ensino, que sejam em ambientes de escolarização formais ou não formais, instituições de formação especializada ou geral, espaços para
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práticas musicais que envolvem desde o ensino específico até as ações sociais mediadas pela música. Não obstante, os avanços proporcionados pela Pedagogia, as descobertas da Psicologia e as propostas da Didática, não foram capazes de atrair o interesse dessa classe de “professores” ao longo do seu processo histórico. A falta de diálogo com as conquistas didático-pedagógicas, bem como a ausência desses conteúdos na formação do músico, mantiveram estáveis e consolidaram as formas e práticas de ensino da música. Verifica-se por parte dos músicos professores, uma reprodução do modelo pelo qual foram submetidos em seus processos de formação, perpetuando esses procedimentos de ensino e um modelo de formação profissional. (LIMA, 2009, p. 12).
Esta formação mais técnica no sentido do domínio de um instrumento musical
e dos conteúdos musicais pode ser uma das razões deste distanciamento com a
pedagogia, psicologia e didática que trata a autora. De certa impaciência de tratar de
questões didáticas, como se elas fossem um desvio e não tivesse importância para
a prática do ensino de música.
É interessante perceber (em estudos acadêmicos e no cotidiano) que neste
caldeirão de conhecimentos que é a disciplina de arte, os professores transitam por
uma área e outra, no entanto existem algumas situações estandardizadas na nossa
prática como professores.
Primeiro que o professor de música, teatro e dança trabalha diversos
conteúdos comuns entre si e com artes plásticas/visuais. Um exemplo é que
praticamente a metade dos professores de música do município de Curitiba trabalha
com a história das artes plásticas no Ensino Médio e outros conteúdos desta área da
arte.
De uma forma geral é comum todos trabalharem um pouco de artes plásticas,
teatro e dança, no entanto, ao se tratar da música existe uma barreira, uma
unanimidade que só o professor de música pode trabalhar, que é um conhecimento
não acessível para quem não tem uma preparação e muitos vezes é citado sobre o
“dom” se músico.
Nesta reflexão procura-se tratar sobre o conceito que a música tem na escola
entre os professores e não enveredar pela interminável e inócua discussão sobre
especialidade x polivalência.
É conhecida a realidade que os cursos de formação se mantêm distante
(apesar de algumas universidades desenvolverem estudos do cotidiano da escola)
da realidade da escola, do cotidiano escolar, produzindo em nós professores de
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música certa passividade comum de se ouvir “não existe condições de ministrar aula
de música”, a aula precisa de condições (instrumentos musicais, espaço físico,
acústica) que não existe na escola, portanto não se ensina música até as condições
chegarem.
Estas dificuldades são importantes para o ensino da música, por isso é
preciso ter clareza dos campos de ação para se avançar na superação destas
questões. Para isto pode-se tomar como referência a proposta de Leonardo Boff (in:
Selta, 2003) para uma ação transformadora da sociedade, proposta em dois campos
de luta:
1) a luta política, que é agir ao nível vertical, porque se trata de pressionar os
poderes públicos em várias direções, para que desenvolvam políticas públicas e
programas sociais.
2)- a luta social, que é uma ação a nível horizontal e trata da organização da
sociedade civil. Precisamos criar uma grande rede de articulação de todos os
segmentos da sociedade civil.
Tendo como referência estes dois campos de ação, o nível vertical, a luta
política é em relação ao espaço físico e aos materiais para as aulas. A solução para
este problema é de responsabilidade das mantenedoras como a SEED, para rede
pública de Ensino Médio, e é necessário desenvolver uma pressão para que seja
possível possibilitar às escolas, condições para que os alunos e a comunidade
escolar tenham acesso ao conhecimento musical de forma apropriada para sua
realização.
No nível horizontal, no precisar desenvolver uma pedagogia para a nossa
realidade de agora, enquanto é desenvolvida a luta a nível vertical, que exclua os
alunos da escola pública do conhecimento e da experiência musical. Outras lutas
também são neste nível como a carga horária para a disciplina de arte, a
consciência sobre a importância da música na formação dos alunos por parte dos
colegas professores e comunidade escolar.
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2.4 Repertório dos alunos
As pesquisas acadêmicas registram que o repertório preferido dos
adolescentes e jovens, alunos do Ensino Médio, é o que está em evidencia na mídia,
modificando-se constantemente de acordo com os interesses comercias da indústria
cultural. A música brasileira é uma constante nas citações dos jovens, no entanto, é
predominante os estilos musicais de versão pop, descaracterizados de sua origem
como patrimônio cultural brasileiro.
Veja uma destas pesquisas realizadas com alunos de colégios de Curitiba.
QUADRO 2 - TIPOS DE MÚSICA QUE GOSTAM DE OUVIR
GÊNEROS
MUSICAIS
VALORES ABSOLUTOS FREQÜÊNCIA %
Rock 18 26,50
Pop 10 14,70
MPB 6 8,82
Sertanejo / Caipira 0 0
RAP 4 5,88
Samba 1 1,47
Funk 3 4,41
Pagode 8 11,76
Black Metal 5 7,35
Reggae Evangélico 1 1,47
Tecno Dance /
Death Metal
5 7,35
Clássico 2 2,94
Reggae 3 4,41
Hardcore 2 2,94
Total 68 100%
Fonte: pesquisa do autor, questionário 1, (CHAVES, 2006, p. 93)
20
Desta pesquisa realizada em 2006 em comparação as realizadas pelos
professores participantes do GTR e do curso de implementação do projeto, com
alunos nas escolas, coincide na diversidade de gêneros ouvidos pelos alunos, com a
diferença que o gosto dos alunos em 2010 continuava rejeitando a música caipira ou
sertaneja mais original, no entanto o chamado sertanejo universitário, com a figura
do cantor Luan Santana a frente, é uma constante nas citações dos alunos.
As pesquisas realizadas e os trabalhos apresentados no final do ano pelos
alunos dos professores no curso demonstram a forte relação que a Música e por
extensão (com os vídeo-clip) as Artes Plásticas, o Teatro e a Dança, bem como a
internet tem como a formação de identidade dos jovens e de sua noção de
pertencimento a sociedade.
Este movimento de construção social de identidades é caracterizado por
Castells (1999, p. 24) como tendo três formas e origens:
• Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no
intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais.
• Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em
posições/condições desvalorizadas e /ou estigmatizadas pela lógica da dominação,
construindo assim trincheiras de resistência e sobrevivência.
• Identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de
material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir
sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a
estrutura social.
A produção e consumo da música são marcados por este movimento
constante em que identidades de resistência podem acabar resultando em projetos e
ao mesmo tempo tornarem-se dominantes. O domínio do conhecimento tecnológico
por grupos hegemônicos incorpora pela indústria da música, os movimentos
musicais de resistência, que não tendo acesso a este conhecimento e nem a
capacidade econômica de consumi-los, reelabora de forma criativa novas
manifestações de afirmação de suas identidades.
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O RAP (citados por muitos alunos na pesquisa dos professores) entre as
músicas veiculadas na mídia é a que melhor representa este movimento
contraditório, pois é uma música que chega ao Brasil pela indústria cultural e
permanece como uma das suas principais mercadorias para o mercado jovem, mas
ao mesmo tempo dissemina-se nas periferias das grandes cidades do país, adquire
novas formas com características regionais e torna-se um instrumento para a
construção de uma identidade de projeto, tal como Castells a descreve.
Neste sentido há uma necessidade de se produzir uma pedagogia musical
que dialogue com o cotidiano dos adolescentes e jovens, que não se reduza a
reproduzir as músicas da mídia, mas a partir delas leve os alunos ao conhecimento
universal sobre a música.
2.5 Conclusão
A conclusões parciais a que se pode chegar após a produção deste artigo,
pelo contato com os colegas professores no GTR e na implementação e no cotidiano
de sala de aula, são diversas e procuraremos explicitadas de forma sucinta, pois em
parte já foram abordadas.
Em relação ao contexto da situação do ensino de música e arte, podemos dizer
que após o período da ditadura militar em que o ensino de Arte e em especial o de
Música foi relegado ao último plano nas escolas. Ainda hoje este ensino não
conquistou seu espaço como uma disciplina em igualdade com as outras do
currículo e justamente a Música tão presente na vida dos jovens praticamente
inexiste na prática pedagógica. Esta realidade fez com que fosse sancionada a lei nº
11.769/2008 determinando que música deverá ser conteúdo obrigatório em toda a
Educação Básica.
A disciplina na escola é Arte, mas a formação dos professores é por
especialidade (Música, Artes Plásticas/Visuais, Teatro e Dança), o que dificulta a
integração destas especialidades como uma disciplina e um campo do
conhecimento humano, reduzindo ainda mais a carga horária para as aula de
música.
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Da mesma forma as pedagogias de cada uma destas áreas do conhecimento
artístico tem um histórico e referências teóricos distintos entre si, necessitando
serem pensamos de forma mais integrada.
A uma predominância ao ensino de música clássica (tonal), enquanto que a
música popular e folclórica brasileira é constituída de estruturas tonais e modais, da
mesma forma que a música do mundo ouvida pelos jovens na mídia.
Em relação ao repertório dos alunos levantados no GTR, durante a
implementação do projeto no trabalho na escola é possível perceber dois sentidos
ao se pesquisar a música ouvida pelos alunos:
- O primeiro é o que Wisnik denomina de simultaneidades, no sentido de que a
diversidade de formas musicais atuais não negam ou rompem completamente com a
sua história, mas as incorpora na música produzida hoje, argumenta que “a
fragmentação está em tensão com a antiga e insistente capacidade que tem a
música de ressoar a unidade do mundo”. (2004, p. 210). Esta característica é
explicita pela variedade de gêneros e estilos musicais que os jovens apreciam, bem
como na fusão de formas musicais que constituem a música contemporânea, e por
vezes, dificulta sua identificação como gênero musical.
- O segundo refere-se ao fetiche da música enquanto mercadoria, a valorização e o
interesse do jovem, que em sua grande maioria é pela novidade. A própria
conformação do mercado de música para os jovens, caracteriza-se cada vez mais
pelo pouco tempo que uma banda ou grupo musical se mantém na mídia. Os
músicos e bandas dos anos 60 e 70 permaneciam por décadas fazendo sucesso,
como por exemplo, o grupo Rolling Stones, ainda na ativa, mas hoje é difícil lembrar
o grande sucesso do ano passado ou retrasado.
No artigo “O fetichismo na música e a regressão da audição”, Theodor Adorno
trata da forma de com os sentidos são determinados pela indústria cultural.
O caráter fetichista da música produz, através da identificação dos ouvintes com os fetiches lançados no mercado, o seu próprio mascaramento. Somente esta identificação confere às musicas de sucesso o poder que exercem sobre suas vítimas. Opera-se esta identificação na seqüência do esquecer e do recordar [...] O modo de comportamento perceptivo através
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do qual se prepara o esquecer e o rápido da música de massas, é a descontração. (ADORNO, 1999, p. 92)
O ensino de música na escola deve ter como uma de suas finalidades, romper
com a audição da música como mercadoria, como fetiche e possibilitar ao aluno os
recursos para selecionar na indústria cultural e perceber a música como um bem
cultural e processo de humanização.
Neste estudo além da compreensão do processo que constituiu a música que
os jovens ouvem e as suas formas de ensino e de organização na escola, pode
também apontar possibilidades de uma integração da música no currículo do ensino
médio, ou seja, delinear como o conhecimento sobre música pode constituir-se na
interação com os outros campos do conhecimento. Considerando-se que a matriz
curricular das escolas disponibiliza um tempo restrito para as aulas de Arte, entre as
doze disciplinas desse nível de ensino, é importante que tanto o professor de arte
como das outras disciplinas, percebam as relações de conteúdo entre as disciplinas.
Como conclusões finais possíveis deste artigo, argumentamos que existem
inúmeras dificuldades e campos de atuação possíveis para lutar por um ensino de
música que auxilie no processo de formação dos alunos da escola pública.
Neste sentido, podemos afirmar que durante todo o programa do PDE, nos
seminários de educação, festivais de música dos quais participamos, do GTR, no
projeto de implementação e finalmente na elaboração deste artigo foi possível
perceber que inúmeros professores desenvolvem um trabalho de referência para
todos nós, como os formados em música desenvolvendo, praticamente sozinhos no
seu cotidiano, estratégias e mesmo verdadeiras pedagogias sobre o ensino de
música. Por isso mesmo é sempre importante escrever essas experiências e debater
com os colegas para socializá-las.
Da mesma forma, professores de outras áreas da disciplina de arte (teatro,
dança, artes visuais, cinema), como boa parte dos participantes do curso de
implementação, possibilitam aos alunos uma pouco do conhecimento musical (com
menos profundidade mas um conteúdo parcial da mesma forma que o professor de
música) e principalmente possibilitam ao aluno uma experiência estética com a
música e enriquecem o ambiente escolar.
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Foi possível também perceber que pessoas da comunidade escolar
contribuem para o ensino de música, colaborando na conquista de espaços físicos,
materiais para trabalho e na organização junto com os professores de eventos
artísticos como festival de música na escola, ida de alunos a concertos e
apresentações musicais e outros.
Acreditamos que a música é para todos e todos podem e devem participar
das ações para sua disseminação, muitos colegas que não conheciam com mais
profundidade música, hoje aprendem e tocam algum instrumento musical e
procuram aperfeiçoarem-se.
Da parte de nós professores de música temos a responsabilidade de levar
aos alunos e as pessoas da comunidade o conhecimento musical para que ele se
torne parte integrante do cotidiano das pessoas.
Podemos considerar que a música é um importante instrumento de
socialização do jovem, de construção de sua subjetividade, superando como Bakhtin
(1998) explicita “a noção burguesa, proprietária do pensamento”. A idéia não é uma
formação individual, com direitos permanentes de residência no interior do
pensamento de uma pessoa. Idéias são, na realidade, eventos intersubjetivos
elaborados no ponto de encontro dialógico entre as consciências. Esta relação
dialógica amplia-se na multiplicidade de possibilidades de trabalho educativo com a
música, que já é uma forma de arte amplamente presente no cotidiano dos jovens.
Referências
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1999.
ADORNO, T. W. O fetichismo na música e a regressão da audição. In:
Horkheimer/Adorno: Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, p. 65-108,
2000.
ADORNO, T. W. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 1974.
25
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.
(A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.2.).
CHAVES, E. A. A música caipira em aulas de História: questões e
possibilidades. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. Dissertação de
Mestrado do curso de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação, 2006.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. São
Paulo: Editora UNESP – HUCITEC, 1998.
HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Trad. Carlos N. Coutinho e Leandro
Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
LIMA, Sônia Regina Albano de (Org.). Ensino, Música & Interdisciplinaridade.
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PAULA, C. A. de. A música no Ensino Médio da Escola Pública do município de
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PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX. Metodologias e
Tendências. Brasília: Editora MusiMed, 2000.
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SELTA, A. Globalização neoliberal e exclusão social: alternativas ...? são
possíveis. São Paulo: Paulus, 2003.
WISNICK, J. M. O Som e o Sentido – Uma outra história das músicas. 2ª ed.
São Paulo: Companhia de Letras, 2004.