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ANTONIO MANUEL DA ROCHA E MENEZES CORDEIRO

DA BOA FE

NO DIREITO CIVIL

DISSERTA9A0 DE DOUTORAMENTO EM

CritNCIAS JURIDICAS NA FACULDADE DE

DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

REIMPRESSAO)

rtdc

 

)Ektco

135 7fJo~

ALMEDINA

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EDITOR:

DISTRIBUIDORES:

EXECUO 0 GRAFICA:

DA BOA FE NO DIREITO CIVIL

ANTONIO MANUEL DA ROCHA E MENEZES CORDEIRO

LIVRARIA ALMEDINA — COIMBRA

www.almedina.net

LIVRARIA ALMEDINA

ARCO DE ALMEDINA, 15

TELEF. 239 851900

FAX 239 851901

3004-509 COIMBRA — PORTUGAL

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ATRIUM SALDANHA

LOJA 31

PRAcA DUQUE DE SALDAN HA, I

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PALHEIRA — ASSAFRAGE

3001-453 COIMBRA

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DEPOSITO LEGAL:

SETEMBRO, 2001

111867/97

Toda a reproducao desta

obra, por fotocepia ou

outro qualquer

processo, sem

previa autorizacao escrita do Editor, a ilicita

e passivel

de procedimento judicial contra o infractor.

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16

a

boa fe no

Dircito civil

CPP

Codigo de Processo Penal

CR

Constituicdo

da Repliblica

CRC

Codigo de Registo Civil

CRC /1967

Codigo de Regis to

Civil

d e

19 67

CRP

Codigo

de Regis to Predict

CRP/1967

Codigo de Registo Predial lie

1967

CS

Codigo Civi l de

1867 (de Seabra)

D.

Digesto

EG

Einfiihrungsgesetz zurn Biirgerlichen Gesetzburhe

EheG

Ehegesetz

esp.

espanhol

Est.

Estudos

Et.

Etudes

FG

Festgabe ou Finanzgerich t ,

conforme o contexto

fr.

frames

FS

Festschrift

GBO

Grundbuchordnung

GG

Grundgesetz

GS

Geditchtnisschrift

HGB

Handelsgesetbuch

I.

Institutiones

it.

italiano

KO

Konkursordnung

Mel.

-

Mélanges

MP

Ministerio Panto

NF

Neste Folge

rec.

recensrio

reimpr.

reimpressio

Sc.

Scritti

sep.

separata

St.

Studi

trad.

traducdo

TVG

Tartftertragsgesetz

UWG

Cese tz gegen den unlauteren Wet tbewerb

VHG

Gesetz fiber die richterliche Vertragshilfe

VHGO

Vertragshilfeverordnung

ZGB

Zivilgesetzbuch

(suico)

ZGB /DDR

Zivilgesetzbuch

(da RDA)

ZPO

Zivilprozessordnung

1.° INTRODUCAO

1 .

A boa fe no Direito civil

I.

A boa fe surge, corn frequencia, no espaco civil. Desde as

fontes do Direito a sucessio testamentiria, corn incidencia decisiva

no negocio juridico, nas obrigacO es, na posse e na constituicao de

direitos reais, a boa fe informa previs5es normativas e nomina vecto-

res importantes da ordem privada. A s figuras de ponta da civilistica

estio-lhe associadas: a culpa na formacio dos contratos, o abuso do

direito, a modificacio das obrigacoes por alteracao das circunstancias

e a complexidade do conteddo obrigacional. Institutos antigos e cria-

goes do pensamento juridico cristlo tern-na como referencia: a posse,

a aquisicao de frutos, as benfeitorias e o casamento putativo. Figu ras

variadas, num regresso constante e inesperado, incluem-na, a niveis

diversos, nas regulacOes que estabelecem: a morte presumida, a condi-

cio, a simulack, a accio pauliana, o enriquecimento sem causa e a

acessao.

Tanto basta para justificar um estudo.

Este livro prop5e-se faze-1o, em termos de Direito positivo:

pergunta pelas solucOes concretas, promovidas, na ordem civil vigente,

pela boa fe e o ferece respostas.

II .

Corn implicag5es de toda a ordem, o tema da pesquisa

anuncia-se complexo. A dificuldade pode ser minorada corn o

antecipar de alguns dados: os vectores integrativos da boa fe, a sua

posicao no COdigo e a terminologia que ela informa, o sentido da

segunda codificacao portuguesa, as coordenadas da Ciencia do Direito

utilizada, o lugar da boa fe na cultura juridica actual e o piano do tra-

balho, corn as suas razoes.

Sendo uma criacio do Direito, a boa fe ao opera como um

conceito comum. E m v ao se procuraria, nas piginas que seguem,

2

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1 8 a boa fa no Direito civil

1. . Introduciio

9

uma definicao lapidar do instituto: evitadas, em geral, pela metodo-

logia juridica, tentativas desse genero seriam inaptas face ao alcance

e riqueza reais da nocao. A boa fe traduz urn estidio juscultural,

manifesta uma C iencia do Direito e exprime urn m odo de decidir

prOprio de certa ordem sOcio-juridica.

A natureza juscultural da boa fe implica o seu assumir como

criacao humana , fundada, dimensionada e explicada em termos hist6-

ricos. Os jurisprudentes romanos intentaram descobrir, num mar d e

decisoes empiricas, encontradas na busca de um equilibrio, capaz de

suscitar consenso, manifestacoes de regularidade que, permitindo tra-

tar o igual, por igual, e o diferente, de modo diferente, de acordo

corn a medida da variacao, tornassem previsiveis as saidas para liti-

gios futuros. Fazendo-o, fundaram a Ciencia do Direito onde,

de imediato, se incluiu a boa fe. A tradicao romanistica evoluiu ao

longo de seculos, recebeu contributos cristios e germanicos e foi

inflectida pelos germes cientificadores que, desde o seculo xvi,

dariam a cultura do O cidente urn cunho que conserva. No D ireito,

isso traduziu-se pelo dominio do pensamento sistematico consciente,

em progressao, ate hoje. Para enquadrar e conhecer esta sequencia,

explicando a situacao actual, vai apresentar-se uma interpretacao

critica da HistOria e uma teoria da evolucao dos sistemas e da sua

aplicacao.

A cientificidade da boa fe, tratando-se da C iencia do D ireito,

corresponde a possibilidade efectiva de, corn ela, resolver questoes

concretas. Ha que partir destas para determinar a regulacao em jogo.

Em tal desempenho, vai propor-se, corn auxilios nas fontes, na dou-

trina e, em especial, na jurisprudencia, o regime actual da boa fe, nas

suas aplicacoes variadas.

A integracao da boa fe, numa ordem sOcio-juridica, obriga a

sintese dos elementos colhidos e ao isolar das traves materiais que

informem o todo.

A histOria da boa fe é a do seu regime e este emana da o rdem onde

se aplique. Os tres vectores retratados entrelacam-se, progredindo em

avancos e recuos. Correndo, embora, lado a lado e presentes, por isso,

em todo o d esenvolvimento, eles constituem o cerne prO prio de cada

uma das tres partes que formam este escrito.

III. 0 Direito privado portugues a urn Direito codificado.

A boa fe tern, no COdigo Civil, uma presenca mtiltipla que, nao

constituindo um dado exclusivo sobre o seu sentido e natureza, apre-

senta urn relevo que recomenda o levantar-previo das mencoes exis-

tentes e a ordenacao terminolOgica das consagraceies em jogo.

Em apanhado geral, o C6digo m enciona a boa fe nas disposicoes

que seguem.

Parte geral: 3.0/1 — os u sos que nao forem contrarios aos principios

da boa fe sac) juridicamente atendiveis; 119.° — regressando o ausente

declarado morto presumido, devem ser-lhe devolvidos os bens no estado

em qu e se encontrarem e ainda certos outros, dentro dum esquema

de subrogacao real; mas, /2, havendo ma f6 dos sucessores, ele deve ser

indemnizado do prejuizo, consistindo, /3, a ma

f e ,

neste caso, no conhe-

cimento de que o ausente sobreviveu a data da morte presumida;

179.° — a anulacio. das decisoes da assembleia geral duma associagio

nao

prejudica os direitos que terceiro de boa fe haja adquirido em execucao

das deliberav3es anuladas; 184.0/2 — na fase de extingio, a associagao

s6 responde pelas obrigageies assumidas pelos administradores para corn

terceiros de boa fe, desde que nao tenha, ainda, sido dada publicidade

extincao; 227.0/1 — nos preliminares e na formacao dos contratos, deve

proceder-se segundo as regras da boa fe; 239.° — na integracao da

declaracao negocial, ha que seguir a vontade presumivel das partes

ou os ditames da boa fe, quando outra seja a solucao por des

imposta; 243.°/1 — a nulidade proveniente da simulacao nao pole ser

arguida pelo simulador contra terceiro de boa fe — /2 — a qu al consiste

na ignorancia da simulacao ao tempo da constituicao dos direitos respec-

tivos e — /3 — considerando-se sempre de ma

fe

o terceiro que haja

adquirido o direito posteriormente ao registo da accao de simulacao;

25942 — ao representado de m a fe nao aproveita a boa fe do represen-

tante; 272.° — na pendencia de condicao, deve agir-se segundo os ditames

da boa f6 para nao comprometer, em neg6cios transmissivos, a integridade

do direito da outra parte; 274../2 — havendo lugar a restituicao do qu e,

na pendencia de condicao, tenha sido

-

alienado, 6 aplicavel, quanto a perda

da coisa, frutos e benfeitorias, o regime da posse de boa fe; 27542— a veri-

ficacio ou o im pedimento da condicao, provocadas, contra as regras da

boa 1

.

6, por aquele a quem aproveita, tarn-se por nao verificada; 277.0/3

— a aq uisicao de frutos por beneficiario de direito sujeito a condicao

resolutiva aplica-se o regime do possuidor de boa

f e ;

291.0/1 — a nulidade

e a anulacao de neg6cios juridicos, relativos a im6veis, nao prejudicam,

em certas condicOes, os direitos adquiridos por terceiros de boa fe, /3 , sendo

considerado de boa

fe

o terceiro adquirente que, no momento da

aquisicio, desconhecia, sem culpa, o vicio do neg6cio invilido; 334.°

— 6 ilegitimo o exercicio de urn direito, quando o titular exceda mani-

festamente os limites impostos pela boa fe.

Direito das obrigacOes: 437.°/1 — a resolucao ou modificagio

do contrato por alteracao das circtuutancias tem lugar quando, entre outros

requisitos, a exigencia de obrigacOes assumidas, afecte gravemente os

principios da boa

f e ;

475.° — no enriquecimento sem causa, nao hs lugar

a

restituicao se, ao efectuar a prestacao, o au tor sabia que o efeito corn ela

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20

a boa

fe

no -Direito civil

previsto era impossivel, ou se, agindo contra a boa

fe,

impediu a sua veri-

ficacio; 481.°/2 — verificando-se os pressupostos do agravamento da

obrigacao de restituir o enriquecimen to, e sendo a coisa a resti tuir

alienada, a titulo oneroso, o adquirente, se estiver de ma

f e ,

responde nos

mesmos termos do enriquecido; 612.°/1 — a impugnacio pauliana de

acto oneroso requer ma fe do devedor e do terceiro, sendo, /2, a ma

fe

a consciencia do prejuizo que o acto causa ao devedor; 61341,

b) —

a impugnacao pauliana,

n o s

transmissOes onerosas po steriores, requer

ma fe do alienante e do posterior adquirente; 616.°/2 — o terceiro adqui-

rente, na situacio pauliana, responde, quando de m a fe, pelo valor dos

bens alienados ou perecidos, embora corn relevancia negativa da causa

virtual; quando de boa fe, /3, responde na medida do enriquecimento;

726.° — para efeitos de perda da coisa, frutos e benfeitorias, o terceiro

adquirente de coisa hipotecada e havido por possuidor de boa fe;

756.0,

b )

— nao h a direito

de

retenclo a favor dos que tenham realizado,

de ma fe, as despesas de que proveio o seu credito; 762.°/2 —no cumpri-

mento da obrigac

ao e no exercicio do direito correspondente, devem as

partes proceder de boa fe; 765.0/1 — o credor de boa fe pock impug nar

o cumprimento q uando haja ilegitimidade do devedor; o devedor, /2, de

boa ou ma fe, nao o pock fazer sem oferecer nova presto*);

892.° — o vendedor nao pod e opor a nulidade da venda de bens alheios

ao comprador de boa

fe e

o comprador doloso no pock faze-lo ao

vendedor de boa fe; 894.0/1 — o co mprador de bens alheios, em venda

nula, pode, se dc boa 16, exigir a restituicao integral do preco, ainda que

haja perda do valor da coisa; 897.°/1 — na venda nula de bens alheios,

o vendedor a obrigado a convalidacao, no caso de boa

fe

do comprador;

898.° — n a venda nula de bens alheios, tendo urn contraente procedido

de boa fe e o outro dolosamente, tern o primeiro direito a ser indemnizado

de todos os prejuizos que no teria sofrido se o contrato fosse valido

desde o principio ou no tivesse sido celebrado, conforme venha, ou nao,

a haver convalidacio; 899.° — em q ualquer caso, o vendedor deve inde-

mnizar o comprador de boa fe, ainda que nao tenha agido corn dolo ou

culpa, compreendendo a indem nizacao, apenas, os danos emergentes

que nao derivem de despesas voluptuarias; 901.° — o vendedor responde

solidariamente pelo pagamento das benfeitorias devidas pelo dono d a

coisa ao comprador de boa fe; 903.° — os arts. 894.°, 897.°/1, 899.°,

900.°/1 e 901.° cedem perante convene

-

o em contrario, excepto se o

beneficiario da

convencio

houver agido corn do lo e, o outro contraente,

de boa

f e ;

938.°/2 — na venda de coisa em viagem, figurando, entre

os docum entos entregues, a mencio dessa circunstancia e de ap6lice de

seguro contra os riscos de transporte, o vendedor que soubesse da deterio-

raga

° ou perda da coisa, ao tempo do contrato e, dolosamente, o tao

tenha revelado ao comprador de boa fe, nio tem direito ao preco nem a

anulabilidade do contrato; 956.0/1 — o doador de b ens alheios nao pock

opor a nulidade ao donatario de boa fe devendo, ainda, /2, em certas

circunstancias, indemniza-lo; 957.0/2 — o donatario de boa

1 6

pode

requerer a anulacao da doacao, havendo onus ou vicios na coisa doada;

1009.0 /2 — depois de dissolvida a sociedade, esta e os socios s6 respondem

§ 1.° Introducao

1

pals obrigaceies assumidas por administradores perante terceiros de boa

fe; 1046.°/1— o locatario, salvos certas excepcbes, 6 equiparado a possui-

dor de

ma fe,

para efeitos de benfeitorias; 1138.. — o comodatario

e

quiparado da mesma forma, para efeito identico.

Direito das coisas: 12604 1 — a posse diz-se de boa fe quando o

possuidor ignorava, ao adqu iri-la, que lesava o d ireito de o utrem,

restunindo-se

,

/2, a posse titulada, de boa

fe

e a nao titulada, de ma

fe

e sendo, a posse violenta, /3, sempre de ma

f e ;

1269.° — o possuidor

de boa

fe

s6 responde por perda ou deterioracio da coisa se houver

agido corn culpa; 1270.°/1, 2 e 3 — o possuidor de boa fe faz seus os

frutos percebidos e tern o direito a ser indemnizado pelos frutos pendentes,

ainda que vendidos; 1271.° — o possuidor de ma fe responde pelos frutos

produzidos e por aqueles que um proprietario diligente poderia ter obtido;

1273.°/1—o possuidor de boa ou de ma

f e ,

tem o direito de ser indemni-

zado das benfeitorias necessarias e de levantar as titeis, sendo, /2, na

impossibilidade do levantamento, indemnizado segundo as regras do enri-

quecimento sem causa; 1275.0/1 — o possuidor de boa fe pode levantar,

sendo possivel, as benfeitorias voluptuarias, podendo, /2, o possuidor

de ma fe faze-lo; 1294.° — a usucapiao de im6veis, corn titulo e registo,

tern prazos diferentes de acordo corn a boa ou ma fe do possuidor,

sucedendo outrotanto, 1295.°, no caso de registo da mera posse ou,

1296,0 , na falta de registo; 1298.° — a usucapiao de m6veis sujeitos a

registo 6 encurtada havendo titulo, registo e boa fe, por parte do possui-

dor; 1299.0— a usucapiao de m6veis, nao sujeitos a registo, a encurtada

havendo titulo e boa fe, por parte do possuidor de boa fe; 1300.° —

possivel a usucapiao de moveis, corn posse violenta ou oculta, desde que

ela passe a terceiro de boa fe; 1301.° -- quem comprar coisa, de boa

f e ,

a comercian te que negoceie corn esse tipo de coisas, deve receber o preco

por parte de quem the exija a coisa; 1333.° e 13 34.° — os regimes

da uniao e da confusao variam consoante a boa ou ma

fe

do autor da

operacao, outrotanto, 1336.° e 13 37.0, sucedendo corn a especificacio;

1340.° e 1341.° — os regimes da acessao em terreno alheio variam

consoante a boa ou m a fe do autor da operacao, entendendo-se, ai ,

haver boa fe, 1340.°/4, se ele desconhecia que o terreno era alheio, ou se

foi autorizada a incorporacao pelo dono do terreno; 1342.0/1 — na aces-

sac) em terreno e corn materiais alheios, cabem, ao proprietario deles, os

direitos atribuidos ao autor, independentemente da boa ou m a 16 deste,

sendo o autor, /2, quando de m a fe, solidariamente responsavel corn o

proprietario dos materiais, que tenha culpa, e repartindo-se, entre ambos,

o enriquecimento, quando a sua restituicao deva ter lugar; 1343.0/1

— a aquisicao, por prolongamento do edificio, de terreno alheio, actua

na boa fe do autor; 1450 .0/2 — o usufrutuario 6 equiparado ao possuidor

de boa

f e , quanto a benfeitorias uteis e voluptuarias.

Direito da familia:

1647. °/1 —

o casamento putativo requer boa fe

por parte dos cOnjuges ou, /2, por parte daquele que dele queira benefi-

164841

iar; para o efeito, esta de boa fe o conjuge que desconhe-

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22

Da boa fe no Direito c ivil

§ 1. . Introducilo

3

cesse desculpavelmente o vicio causador da nulidade ou anulabilidade ou

que tivesse sido coagido, sendo ainda, /2, da competencia exclusiva

dos tribunais do Estado, o conhecimento da boa fe, a qual, /3, se

presume; 1687. (13— a anu labilidade da alienagao ou oneragio de m6vel,

feita por um cOnjuge, apenas, quando devesse levar consentimento de

ambos, nao pode ser oposta a terceiro adquirente de boa fe; 1737.°/2

— o cO njuge que, na constancia do matrim6nio entre, com oposigio,

na adm inistragio dos bens do outro, responde, perante o proprietario,

como possuidor de ma f6 (

1

); 1827.0/1 — a anu lacao de casamento civil,

ainda que contraido de ma fe por ambos os cOnjuges, nao exclui a

presuncao de paternidade; 1902. °/1 — a falta de acordo dos pais, no exer-

cicio do poder paternal, nao a oponivel a terceiro de boa fe; 1920.° C — as

decisoes judiciais relativas ao poder paternal nao podem ser invocadas

contra terceiro de boa fe, enquanto

no

se mostrar efectuado o registo.

Direito das sucessoes: 2037.0/1 — tendo havido devolugio que seja

tida como inexistente, por indignidade, fica o indigno equiparado a

possuidor de ma fe; 2076.0/2

a acgao de peticao de heranga nao pode

ser posta contra terceiro de boa

fe

que haja adquirido de herdeiro apa-

rente, sendo ainda este, quando de boa fe, responsavel, apenas, nos termos

do enriquecimento sem causa; 2077.°/1— o suposto herdeiro, em decla-

raga° de nulidade ou de anu lagao de testamento, quando tenha cumprido

legados de boa fe, fica quite, para corn o herdeiro verdadeiro, restituindo,

a este, o remanescente da heranga; 2115.° — ha vendo colagio, o donati-

rio a equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de boa

f e ;

2177.° —

havendo reducao por inoficiosidade, o donatirio 6 equiparado, quanto a

frutos e benfeitorias, ao possuidor de boa fe.

IV. As

referencias expressas, ha que juntar uma serie de remissOes,

fcitas para locais onde a boa ou a ma fe sao mencionadas.

Salientem-se as mais significativas: 147.°, remete para o 1920.° C

— a interdicao definitiva nao pode ser invocada, contra terceiro de boa

fe, enquanto nao se mostrar registada; 194.°, remete para o 184.°

— a fundag ao, depois de extinta, so responde por obrigagOes assumidas

pelo administrador, perante terceiros de boa

fe

se, a extingio, nao

tiver sido dada a devida publicidade; 252.0, remete para o disposto sobre

resolucio ou modificagao do contrato por alteracao das circunstancias

— ao erro sobre a base do neg6cio aplica-se determinado regime quando a

( 1

) A reforma civil de 1977, operada pelo DL 486/77, de 25 de Novembro, ao

pretender abolir o regime dotal — art. 1738.° a 1752.° — revogou os art. 1737.° a 1752.0.

Trata-se sem dilvida, de lapso material, uma vez que o art. 1737.° em nada contunde coin

a f ilosofia legislativa quo presidiu a reforma. 0 art . 1737.°/2, que menciona a boa fe, cones-

ponde as regras gcrais aplicadas a situacio ncle prevista, di° provocando, o scu eventual

desaparccimcnto, problemas de maior; pelo contririo, o art., 1737.

0

/1, portador de uma norma

especial, deixaria, a dcsaparecer, ulna lacuna dificil

de

colmatar. Dada a inequivocidade do

espirito legislative, deve

entendcr-sc

q ue o

art. 1737.°, redaccio initial, esti em vigor.

exigencia das obrigageies assumidas, pelo declarante em erro, afecte grave-

mente os principios da boa

f e ;

278. °, remete para o 272.° — nas obri-

gagOes ou direitos a termo, o titular deve agir segundo os ditames da boa

fe, por forma a nao com prometer a integridade do direito da outra parte;

289.°/3, remete para os 1269.° ss. — nas restituigoes por nulidade ou

anulacao, aplica-se o regime da posse, de boa ou de ma

fe,

conforme os

casos; 305.°/2, remete para os requisitos da impugnacao pauliana — tendo

o devedor renunciado a prescricao, os credores

so

podem invoci-la dentro

dos pressupostos em causa, entre os quais, em certos casos, a ma fe do deve-

dor e de terceiro; 670. °,

b ) ,

remete para o 1273.° — a plica-se, ao credor

pignoraticio, o regime com inado para as benfeitorias necessarias e 6teis,

por parte de possuidor, de boa ou de ma

f e ;

758.°, remete para os

direitos e deveres do credor pignoraticio — o retentor de movel integra,

nomeadamente, a previsio do art. 1273.°, corn os efeitos apontados;

1490.° remete para o regime do usufruto — ao usuario e ao m orador

usuario aplica-se, assim, quanto a benfeitorias, o regime (la posse de

boa

f e ;

2123.0, remete para o preceituado acerca da venda de bens alheios

— a partilha de bens no pertencentesa heranga aplica-se o regime refe-

rido, que faz mengOes largas a boa

fe.

V. A consideracao destes preceitos permite intuir uma diversi-

dade de significados, pelo menos aparente, da boa fe. 0 prOprio

COdigo define-a, nalguns casos.

Assim: 11943: A ma fe, neste caso, consiste no conhecimento de

que o ausente sobreviveu a data presumida; 243.0/2: A boa fe consiste na

ignorancia da simulagao, ao tempo em que foram c onstituidos os respec-

tivos direitos; 291.0/3 : considerado de boa fe o terceiro adquirente que,

no mom ento da aquisiglo, desconhecia, sem culpa, o vicio do negocio nulo

ou anulavel; 61242: Entende-se por ma f6 a consciencia do prejuizo

que o acto causa ao credor; 1260.° /1: A posse diz-se de boa fe, quando

o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem;

1340.°/4: Entende-se que houve boa fe, se o autor da obra, sementeira

ou plantaglo desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada

a incorporaclo pelo dono do terreno; 1648.°/1: Considera-se de boa fe

o cO njuge que tiver contraido o casamento na ignorancia desculpavel

do vicio causador da n ulidade ou anulabilidade, ou cuja declaragio de

vontade tenha sido extorquida por coaccao fisica ou moral.

As sete definicoes de boa fe, constantes do U:lig°, andam todas

em tom b de estados de ciencia ou de ignorancia da pessoa, quanto

a certos factor. Nao

sao

coincidentes: nuns casos a lei fala em mero

conhecimento ou ignorancia — 119.°/3, 243.°/2, 1260.°/1 e 1340. el4

noutros em desconhecimento sem culpa ou ignorancia descul-

pavel — 291.°/3 e 1648 . °/1 — e noutro, ainda, em consciencia —

612.

°/2.

SO atraves dum estudo parcelar das figuras em causa e, depois,

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§ 1 °

Introduolo

5

4

a boa fl no Direito civil

da teorizacao dos resultados obtidos, 6 possivel aclarar se do mesmo

conceito se trata ou se, pelo contririo, ha flutuacoes. De qualquer

forma, 6 presente uma primeira linha significativa da boa fe, em que

esta tern a ver corn estados relativos a pessoa ou, se se q uiser, ao sujeito

de direitos. A boa f6 subjectiva.

Da boa f6 subjectiva pode aproximar-se a maioria das referen-

cias legais acima indicadas. Algumas dessas mence3es nao tern, porem,

a ver corn estados do sujeito. Assim sucede sempre que a lei remeta

par os principios — 3../1 — regras — 227.0/1 — ditames — 239.. e

272.' — ou limites da boa f6 — 334.. — ou, simplesmente, mande as

pessoas agir de boa fe — 762.0/2. A boa f6 surge, agora, como algo

de exterior ao sujeito, que se the impae. a boa fe objectiva, que a

lei nunca define.

A contraposica'o entre a boa

fe

objectiva e a subjectiva, ao con-

trario do resultante de alguma literatura, nao se confunde corn uma

outra, entre boa fe psicolOgica e etica. Ambos estes termos abrem na

boa f6 subjectiva: o primeiro, traduz urn estado factico de mera igno-

rancia, presente, por exemplo, na letra do art. 1260.°/1; o segundo,

manifesta urn estado de ignorancia valorado pelo Direito, corn refiexos

praticos em que releva, apenas, se for desculpivel, como ocorre no

art. 291.°/3. A distincao, na subjectiva, da boa fe psicologica e

erica, 6 historica; apenas uma analise da problematica envolvida

permitira revelar se mantem actualidade no Direito portugues.

2.

A codificacao portuguesa de 1%6

I.

0 COdigo Civil de 1966 constitui urn marco fundamental

na historia do Direito privado portugues. Preparado corn cuidado,

durante um periodo largo

(

2

), ele traduz a consagracao definitiva dos

elementos juscientificos mais evoluiclos, dentro do rom anismo, dispo-

niveis aquando da sua elaboracao: operou a recepcao da Ciencia do

Direito que, desenvolvida no espaco juridico alemao, na sequencia

de

SAVIGNY

e aprofundada na teoria e na pratica da pandectistica,

acabaria por frutificar na codificacao de 1896, corn novas evolucoes

(

2

) Preambulo do DL 33908, de 4-Set.-1944, DG I, 196 (1944), 830 ss., VAZ SERRA,

A revisit .

° geral do C6digo Civil lAlguns factor e com entOrios,

BMJ 2 (1947), 24-76 = BFD 22

(1947) , 451-513, e ANTUNES VARELA,

Do projecto ao Ccfcligo

Civil (1966) e

C6cligo Civil ,

Enc.

Polls

1 (1983), 929-944 (931ss.), quanto a preparacao do Codigo de 1966.

depois do primeiro pos-guerra. . 0 teor de varios desenvolvimentos

ulteriores assenta neste dado basico. Requerem-se algumas anteci-

paceies, a seu tempo demonstradas.

Uma recepcao 6 um fenomeno caracteristico juscultural. Traduz

a adopt

-

ao, por uma comunidade, de elementos juridicos proprios

de outra, presente ou passada, corn independencia de situagoes de

dominacao politica ou economica. A ocorrencia, num piano positi-

vista, era entendida como mera deslocacao de normas juridicas. Tal

concepcio e, hoje, reconhecida como insatisfatoria, na sequencia,

a aprofundar, dos estudos de

WIEACKER, sobre a recepcao do Direito

romano, atraves das universidades medievais. As proposicOes nor-

mativas nao tern uma existencia autonoma que lhes permita trans-

posicoes. A recepcao corresponde nao a urn movimento objectivado

de preceitos, mas a aprendizagem dos dados tecnicos e cientificos

que lhes estejam subjacentes. Concluido esse processo de divulgacao,

pode haver coincidencias formais entre a ordem dadora e a receptora;

mas 6 seguro que, na sua falta, a adopcio de modelos estrangeiros,

carecida de substancia, conduz, sob a similitude, a vigencia objectiva

de esquem as diferentes.

0 legislador civil de 1966 veio coroar uma evolucao juscientifica

operada ern profundidade, corn raizes bem anteriores. Fe-lo, por isso,

corn eficacia especial.

II. 0 Direito civil portugues viveu, no seculo xlx, dominado

por contributos culturais franceses, consubstanciados no COdigo

de 1867. A passagem do seculo foi assinalada por uma viragem funda-

mental, a nivel de jusprivatismo. A disponibilidade, atraves de tra-

ducoes italianas, das obras mais significativas da pandectistica tardia,

corn relevo para

WINDSCHEID,

determinante na codificacao alema,

permitiu a

GUILHERME MOREIRA

iniciar urn ensino diferente: a exegese

tradicional do C6cligo Civil, modelada pelo estilo napoleonico, subs-

ti tuiria o metodo «sintetico» (

3); os temas eram agrupados em moldes

cientificos e aprofundados corn mestria crescente, sob contributos

importantes de alem-Reno.

A presenca, no Direito, de urn sistema de exposicao determinado

Igo 6, a prazo, in6qua para corn o seu contetido material. A ideia

(3

) CI. GUILHERME BRAGA DA CRUZ,

A Revista de Legislaclo e de JurisprudencialEshow

da sua hist6ria

(1975) , 1 , 431

1 °

51

ss. (434) e elementos al indicados, bem

como ORLANDO DE

CARVALH O ,

A

teor ia geral da relacdo jur ldica I seu sentido e l imites

2

(1981), 76.

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26 a boa fe no Direito civil

§ 1.. Introduccio

7

contraria, bastante comum e radicada, de modo directo, no positi-

vismo heckiano , cede perante a integracao sistematica actual, perante

o relevo substantivo da linguagem e perante um conhecimento efec-

tivo do evoluir recente da do gmatica civil . Aceitando e divulgando

a moldura pandectistica e redistribuindo, a sua luz, a materia privada,

GUILHERME MOREIRA

foi levado a nov os arranjos, a descoberta de

lacunas e necessidades ocultas e a interpretaca'o criativa de textos, na

aparencia estaticos. 0 fenOmeno documenta-se, por exemplo, pelas

posicOes que assumiu a propOsito da pressuposicao — logo retomada

por J.

G. PINTO COELHO —

impossiveis, end° com o hoje, a face da

Ciencia Juridica francesa.

Apesar de retrocessos pendulares, a Ciencia Juridica alema

que, ao cuidado de

GUILHERME MOREIRA,

iniciou uma difusao prolon-

gada no espaco portugues, caracteriza-se, em tracos largos, por pos-

tular urn sistema que, operando reducoes centrais, adm ite desenvolvi-

mentos perifericos, inovadores, tecidos face a problemas inesperados

para o m icleo inicial. Ha, aqui, urn m odo especifico de ser do Direito,

que a breve trecho abriria as portas a novos institutos e a solucoes

mais aperfeicoadas. Atraves do ensino ministrado nas Faculdades,

na direccao delineada por

GUILHERME MOREIRA e aceite, pela sua

superioridade tecnico-cultural m anifesta, por contemporaneos e suces-

sores, os juristas portugueses aprenderam a Ciencia evoluida a partir

da pandectistica. 0 fenomeno intensificou-se quando, gracas a

juscientistas

COMO MANUEL DE ANDRADE, VAZ SERRA e

ANTUNES

VARELA,

houve acesso directo a literatura alema. Um a elaboracao

autOnoma dos dados recebidos teve lugar, reforcada por PAULO

CUNHA

e GALVAO TELLES. Este cenario possibilitou a recepcao real

que o legislador de

1966

veio rematar.

III. A recepcao da doutrina alema nao foi linear. Contra

ela, jogaram m anifestacoes normais de continuidade cultural, ricas

em elementos tradicionais, com relevo para a exegese napoleonica.

Certos institutos permaneceram iritocados pelas correntes novas,

enquanto outros originavam sinteses variadas. 0 COdigo Civil,

embora integrado, de modo decisivo, na Ciencia do Direito,

originada por

SAVIGNY,

acusa, assim, uma va riedade de influencias:

a alema, junta-se a tradicao portuguesa do D ireito comum e o pensa-

mento frances, devendo acrescentar-se-lhe o figurino italiano, ele

proprio fruto de contributos gauleses e germanicos e de uma

elaboracao autonom a assente em estudos rom anisticos. Esta varie-

J

a

d

e

agravada, ate certo ponto, pela m ultiplicidade de jusperitos

que

intervieram na sua elaboracao, mas minorada nas reviseies suces-

sivas efectuadas ate ao projecto final, actua, no entanto, mais a n ivel

de institutos formais. 0 D ireito existe na sua Clencia, acessivel pela

aprendizagem. No dominio cientifico, as correntes culturais dispares

silo reduzidas a favor da tecnica mais apurada. M antem-se, contudo,

fracturas, corn reflexos na boa

f e :

a Parte geral do UK:lig° e o Direito

das obrigagoes ligam-se a Ciencia alema, enquanto o Direito das

coisas manteve relac6es mais estreitas com as ideias tradicionais;

a boa fe objectiva, em termos m uito gerais, liga-se a primeira e a

subjective, a segunda. .Na encruzilhada de contributos jusculturais

variados, a boa fe exprime a sintese complexa que, ao Direito civil

portugues, di uma identidade.

IV. Os bastidores que, numa aprendizagem prolongada por

geraceies de juristas, possibilitaram a substancialidade da codificacao

de 1966,

nao

tirain, a esta, a sua importancia. Por tenues que, a luz

de alguns entendimentos jusmetodolOgicos, se apresentem, os vin-

culos, entre a lei e o Direito, existem. Em certos circulos e

salvas situacoes de ruptura, onde a jurisprudencia, coin recurso, alias,

a boa

f e ,

em exemplos historicos conhecidos, como o da revalorizacao

monetaria, tern ensaiado saidas c o n t r a l e g e m ,

nao a possivel, aos juris-

tas, concretizar solucoes idoneas, seen previa adaptacao a nivel

de fontes.

0 C Odigo C ivil consagrou institutos que, embora adm itidos,

antes dele, sob pressio da do utrina, surgiam duvidosos, a m ingua

de apoio na lei. De entre eles, a maioria conecta-se corn a boa fe

objectiva: a culpa na formacao dos contratos, o abuso do direito e a

g d a a g

ec

e uoiin

a

a a

v

o

ez

dao

pr c

oo

v

nt

dro

to por alteracao da s circunstancias; outros

aspectos, como o da integracio dos contratos e a execucao das obri-

r

f

e

n

(

o

)

v

ados pelo legislador de

1966,

foram-no, ainda, a luz

, urn COdigo no vo torna-se o centro da acti-

vida

c

d

eju

ia

idica do sector. 0 entender do s seus textos incita ao estudo

a en

s Ciencia. A recepcao, iniciada com

GUILHERME

ficou

OREIRA,

nao

que

os corporiza; o aplicar dos seus preceitos torna-se a

efectivacao

d

essa

concluida em 1966; nessa data, principiou uma

(

4

) Confrontem-se as inovacEies introduzidas pelo Codigo Civil de 1966 , em ANTUNES

VARELA,

Codigo Civil cit.,

935-937: a grande maioria reporta-se, de facto, a boa fe.

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28

a boa

fi

no Direito civil

§ 1 .° IntroducaO

9

fase nova no processo juscultural cujos frutos mais com pletos, a nivel

jurisprudential, comecaram a surgir nos tiltimos cinco anos, num

movim ento que deve ser intensificado.

0 COdigo Civil de 1966 nasceu sob o signo da boa fe. 0 seu

aproveitamento pleno nao deve tardar mais.

V. A existencia actual de movim entos poderosos de recepcio

juridica, que apenas aos poucos vao ganhando uma perspectiva

suficiente para se tornarem perceptiveis, contribui para enfraquecer

as barreiras nacionais e linguisticas entre as doutrinas co ntinentals.

A Ciencia do Direito, como Ciencia, desconhece fronteiras.

0 estudo do CO digo Civil e o conhecimento da Ciencia que o

produziu e que o vai, em termos evolutivos, aplicar. Justifica-se o

recurso a doutrina alema; mais do que urn prisma comparatista

destinado, a, atraves de 4cortes horizontais em sistemas juridicos*

diferentes, determinar o alcance dos principios (

5 ), ou, simplesmente,

a aumentar o conhecimento (

6

), procura-se um a apreensio directa

dos dados culturais que slo hoje patrimOnio alargado do Ocidente.

Outras doutrinas podem ser compulsadas, tambem , corn vantagem.

Mas se a utilizacao da doutrina europeia do continente nao vai

servir, aqui, uma perspectiva comparatistica frontal, esta deve ser

mantida como factor sindicante dos resultados obtidos (

7

). 0 Direito

portugues, apesar de alinhado, para m ais depois de 1966, por uma visa°

dominante oriunda de alem-Reno — mas que, por intensamente

romanica, nao a estranha a nossa cultura — recebeu outros contributos

e encetou elaboracoes prOprias, a acompanhar e incentivar. As

particularidades locais nao devem ser esquecidas, sobretudo quando

permitam soltiOes mais perfeitas. Havers oportunidade de apontar

excessos doutrinarios na transposicao de esquemas alem ies. Compete,

entao, ao D ireito comparado, detectar as clivagens impedientes e

definir as razoes da ocorrencia.

(5)

JOSEF ESSER,

Gru ndsa t z u nd N orm

in

der r ichter lichen Fortbildung des Privatrechts

(1956;

existem reediciies posteriores inalteradas), 28.

(6)

KONRAD ZWEIGERT/HEIN

Korz,

Einfuhrung in die Rechtsvergleichung auf dem Gebiete

des Privatrechts , I — Grundlagen

(1971), 14; WO LFGANG FIKENTSCH ER,

Gedanken zu einer rechtsver-

gleichenden Methodenlehre,

FS C. Heymanns Verlag 150. (1965), 141-158 (145).

(7) Cf W.

FIKENTSCHER,

M et hoden de s Rech t s in ve rg le ichender Dars t e l lu ng ,

1 (1975),

3 ss. (8).

3.

Postulaclos juscientificos

1. A Ciencia do Direito (

8 )

6

urn m odo vo luntario, sujeito

a

regras, de resolver casos concretos (

9

), aos quais, no momento

historic° considerado, seja atribuida a dim ensio da juridicidade.

Esta depende de factores divulgados, ainda quando discutidos, em

que nao cabe, agora, insistir. Tern natureza constituinte: fora do caso

concreto decidido, menos do que Filosofia do Direito — pois esta,

porque Filosofia, considerando o todo (

1 0

), nao esquece a sua reali-

zacao — ha especulacao teoretica que, mesmo iluminada, nao é

rD

ev

r

eel

T

t:

urn elemento. Mas nao se esgota na ordem, como dado:

o Direito positivo (

1 1

): existe na ordenacao social, de que

na sua onticidade, aberta ao exterior (

1 2 ), a pcssoa apreende o

Direito cuja existencia e a regularidade da sua concretizacao (

1 3 ).

Comunicada pela linguagem, a realidade juridica sofre uma apreen-

sac, intelectiva cuja elevacio, acima de meras

conjuncoes

de forca,

a situa no campo do espirito (

1 4

).

0 D ireito deve estar disponivel para a com unicacao e para a

aprendizagem. A complex idade das situacoes sociais, em que se

(8)

A expressio, como tern sucedido nas paginas anteriores, e usada cm sentido prOprio,

equivalence a Jur i sp rudenz, que inclui canto os aspectos teoreticos como a sua pratica;

cf.

RALF DREIER, Zur Theoriebildung

in der Jurisprudenz,

FS Schelsky (1978), 103-132 (104).

(9)

P. ex.,

HELMUT COING,

Die Au s legu ngsme t hoden u nd d ie Lehren de r a l lg eme inen

Hermeneutik

(1959), 23,

LARENZ,

Aufgabe und Eigenart derJurisprudenz, JuS

1971, 449-455 (450),

J. LLOMPART,

Jurist isches und Philosophisches Denken,

em Le raisonnement juridique (1971),

85-91 (86) e

RALF DREIER,

Zum Selbs tvers tandnis derJurisprudenz als Wissenschaft,

RTh 2 (1971),

37-54 (43 e 45).

(10)

Recorde-se

ARTHUR KAUFMANN, Zur rechtsphilosophischen Situat ion der Gegentvart ,

JZ 1963, 137-148 (138).

(n)

ERIK WOLF,

Des Problem der Natu rrechtslehre I Versuch ether Orient ierung

3

(1964),

126

SS., ARTHUR

KAUFMANN,

Gesetz und Recht ,

FS E. Wolf (1962), 357-397 (363) e

Analogie

und «Natur der Sache* / Zugleich em B eitrag zur Lehre vom Typus

(1965), 8 e, entre nos,

O LIVEIRA

ASCENSAO, 0

Direito Unfrock& e teoria geral2

(1980), 171. Noutra perspectiva, mas em

NIXLAS LUHMANN,

Posit ivital des Rechts als Voraussetzung einer modernen Gesellschaft

(1970) =

Ausdifferenzierung des Rechts / Beitrage zur Rechtssoziologie und R echtstheorie

(1981) ,

113-153 (113 ss.).

(

52

) MARTIN HEIDEGGER,

Seitt und Zeit'°

(1963), § 13 (62).

(13)

Utiliza-se, pois, a convolacio de

ERICH FECHNER,

Rechtsphilosophie / Soziologie and

Metaphysik des Rechts

2

(1962), 230, da formula heideggeriana sobre a existencia da lingua-

gem

— cf.

Sein

u.

Zei t ci t . , §§

34 e 35 (166 e 167) e, do mesmo A.,

Brief tiber den Humanismus

(1946) =

Wegmarken

(1967), 145-194 (149 ss.).

(14)

Einqsr von

H IPPEL, Zur Ontologie des Rechts,

StG 12 (1959), 69-76 (72).

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30

a boa fi no

Direito civil § 1.° Introducio

1

exprime, exige a sua reducio (

1 5

): assiste-se, pois, a urn processo de

elevacio, com recurso aos tracos tipicos mais caracteristicos e a urn

reconduzir do conjunto aos vectores que o informem, de m odo a

permitir, seja um entender, seja urn decidir de novas situagoes: 6 a

dogmatica juridica. Nas palavras de

ESSER:

a dogmatica 6 o caminho

de tornar questOes de justica, nos seus diversos imbitos, juridicamente

operacionais (

1 6

). A dogmatica no constitui, apenas, um elemento

decisivo na captacio do material juridico; ela permite a verificacio

rational das soluciies encontradas e a sua critica (

1 7 ); pressupondo um

nivel organizatorio elevado da ordem juridica, ela deve servir as

necessidades da vida (

1 8

). Neste sentido entende-se, aqui, a dogma-

tica ( 1 9

) e nio num ou tro, algo difundido e fonte de confuseies pelas

criticas indiscriminadas que possibilita, no qual dogm atica se identifica

corn axiomatismo ou con ceptualismo, postulando uma deducio

logica de proposicoes a partir de um nticleo central, e culminando na

(1 5 )

N I I L L A S

LUEIMANN,

Vertrauen / Ein Mechanismus der Reduktion sozialer Kompleziat

(1973), 1 ss. (5), Legi t imat ion durch Verfahren

2

(1975), 38 ss. c

Systemtheoretische Beitreige zu

Rechts theor ie (1972) =

Bei trale

cit . , 241-272

(270

-

71); cf . KARL Lerma,

Die Bindung des Rich-

.

tern an das Gesetz als hermeneutisches Problem,

FS Er. Htler (1973), 291-309 (293)

e Methodenlehre

der Rechtswissenschaft

4

(1979), 210 ss. (213) e JURGEN HABERMAS,

Eine Ause inanderse tzung mi t

Ni k l a s Lu hm a n n

(1971):

Systemtheorie der Gese l l schaf t oder K ri t i sche Gesel l schaf ts theorie? = Zur

Logik der Sozialwissenschaf tens

(1982), 369-502 (378).

(16)

JOSEF ESSER,

Mo g l i chk e i t en u n d G ren zen d e s d o g m a t i schen Den k en s i m m o d ern en

Zivilrecht,

AcP 172 (1972), 97-130 (113); cf . 0 . BACHOP,

Neue Tendenzen in der Rech tsprechung

zu m Erm essen u n d zu m Beu r t e il u n g ssp ie l ra u m ,

JZ 1972, 641-646 (641).

(17) E S S E R ,

Dogmatisches Denken ci t . , 101,

L A R E N Z ,

Entrvicklungstendenzen der heut igen

Zivilrechtsdogmatik,

JZ- 1962, 105-110 (105) e DIETER DE LAZZER,

Rechtsdogmatik and Kompro-

miss formular ,

FS J. Esser (1975), 85-112 (105). Na perspectiva particular de THEODOR

V I E H W E G ,

Zwei Rech tsdogmatiken,

FS Emge (1960), 106-115 (107), a dogm atica, nunca deixando

o

ao assume natureza ztretica. Recorde-se que a zetitica, na terminologia

de VIEHWEG, perante urn problema, estuda nao o esquesna da dells

-

o, mas o da investigacio;

cf . , dole ,

Systemprobleme in Rech tsdogmatik und Rechuforschung,

FS OLG Zweibriicken (1969),

327-338 (331) = St. sue Wissenschafstheorie (1968), 96-104 (cita-se pelo primeiro local).

Em ILMAR TAAshmo, Zete t i sche Verfahren fur juri s t i sches Au fweisen,

RTh 9 (1978), 421-428

(422), ut i l iza-se a zet f t ica num sent ido nio coincidence, de modo rigoroso, com o de VIEHLVEG:

os processos zetit icos assegurariam a materialidade do pensam ento, por oposicio a mesa logi-

cidade; cf . porem,

at,

423 .

(1 8)

NIXLAS LUHMANN,

Rechtssystem and Rech tsdogmatik

(1974), 17 e 15;

cf. rec. de

JURGEN Scmamr, RTh 5 (1974), 223-228.

(1 9 )

Ensaiou-se esta orientacio em MENEZES CORDEIRO,

A si tuacdo juridica laboral ; pers-

pec t i va s d o g m d t i ca s d o Di re i to d o t ra ba l ho ,

sep. ROA 1982, 11-12;

cf.

K U R T B A L L E R s T R D T ,

Problem, einer Dogmatik des Arbei tsrechts,

RdA 1976, 5-14 (6).

subsunoo

(2o) A dogmatica radica na positividade do Dircito.

se

in ela ou, pelo menos, sem utilizar os elementos postos, por ela,

disponibilidade do estudroso, qualquer debate e alheio ao Direito

e

I

Iu

a C

i8u

e

c l

:cao dogmatica global da ordem juridica di lugar

ao sistema. 0 amb ito e o teor dos comportamentos, proibidos ou

prescritos, em termos de Direito, a comunicado aos sujeitos actuantes

mediante proposicoes: as normas (

2 1

) .

Estas, por agora, podem ser

entendidas como apoio dogmatic° da decisio do caso - a norma

do caso (

2 2

) - como •egra generica ou como possibilidade de a

e

ncontrar. Em qualquer hipOtese, traduzem a abstraccio de accOes

juridicamente relevantes, podendo, pelo alargar de pontos comuns

que as transcendam, tornar acessivel a ideia dos principios. Arruma-

das em fungi() de urn - ou mais - pontos de vista ordenadores,

as normas e os principios dao lugar ao sistema juridico (

2 3 ).

Adiante-se ja que este compreende dois aspectos - o da exposiclo

2 9 P.

ex.,

ULRICH MEYER-CORDING,

Kann der Jurist heute noch Dogmatiker scan? Zum

Selbstverstandnis der Rechtswissenschaft

(1973), 20 e 47-49, p. ex.. Quanto a sreabilitacio. da

dogmatica, cf.

SEIROS Simms,

Die Bedeutung von System and Dogm atik - dargestel l t an rechtsge-

schaf t l ichen Problemen des M assenverkehrs,

AcP 172 (1972), 131-154 (147 e 154), onde, no

entanto, ao l igar-se a justeza

dogmatica a

racionalidade formal, nit> se enfoca o

seu

contoldo

material, nos niveis do entendimento, da

decisio

e do controlo e FRANZ BYD LINSKI,

Gedanken i lber Rechtsdogmat ik ,

FS Hans Floretta (1983), 3-15 (3 e 14-15). A dogmatica nao pude,

por si , obter todos os conhecime ntos da realidade social; estes sao necessirios I aplicacio do

Direito - REINHARD DAMM, No rm u n d Pa k tu m i n d e r h i s to r i schen En tw i ck l u n g d e r j u r i s t i sche

Methodenlehre,

RTh 7 (1976), 213

-2 4 8 (2 1 3 )-evendo

-

e, por isso, lecorrer a outros ramos

do saber - do mesmo A., •Dialek tik der Auflekirup / Zum Erfordernis der K ooperation zivischen

Juri spruaenz u nd Sozialwissenschaf ten, JZ 1972, 309-311 (310 e 311); cf . KLAUS F. Rout,

Aufkle-

rung sta tt Dialetik ,

JZ 1972, 311-312 (312).

( 2 1 )

H A N S H A F E R K A . M P , Entstehung and Entwicklung von Normen,

ARSP 67 (1981),

2 1 7 -2 3 2 (2 1 9 ) , embora num pri sms soc io log ic ° mais marcado.

(2 2 )

FnamscHER,

Methoden

4 (1977), 202 ss .; cf . as observasoes de LARENZ,

MethL 4

75 ss . .

(23)

CLAUS-WILHELM CLIMB'S, Systemdenken and Systembegri f f in der Jurisprudenz co-

wukel t am Beispiel des deutschen Privatrechts

2

(1983), 11 ss . , corn rec. de J. ESSER, RabelsZ 33

1969), 757-761 e

de

W I E A C X E R ,

RTh 1 (1970),

107-119, ambas a 1.' ed., de 1969; a de

WLEACXER surpreende pelo torn crit ico, elevado na forma e m odest () na substdncia - cf

p.

ex .,

RTh 1970, 118 e 119 - sendo curioso coteja-la corn a rec. a ESSER,

Grundsatz tr. Norm cit.

- WIRAczER,

Gesetzesrecht and richterliche Kunstregel, JZ

1957, 701-706 - e corn o livro antigo,

eambim de WIEACKER,

Zum

System des deutschen Vermogensrech ts / Erwi tgung und Vorsch lage

(1941), 5 SE.

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32

a boa fe no Dire i to c iv i l

1.° In t rodufao

3

e

o do teor decisOrio material — cindiveis, para efeitos de analise, na

linha de HEC K, em sistema externo e interno, mas corn estreitas

relacoes de dependencia entre eles, de modo a constituir uma sintese

Ontica inseparavel.

Expresso pensada da ordem juridica, a qual, por seu turno, se

liga a ordem social, o sistema a possivel porque a sociedade — logo

organizacao humana — ex iste (

2 4

). No a um mero conjunto resul-

tante da soma dos seus elementos basicos individualizados: tern exis-

t'encia prOpria, dada pela estabilidade do conjunto, expressa na repe-

ticao das suas m anifestacoes e e, ele prOprio, constituinte; integra,

alias, a Ciencia do Direito. Afasta-se, pois, uma visa° sociolOgica

mais marcada, em que o sistema juridico surge como integrante do

sistema social (

2 5

): ele releva, nos termos ontolOgicos de ERNST von

HIPPEL, ji assinalados (

2 6

), do espirito e, constitui, sendo produto da

Ciencia criativa humana, sujeita a aprendizagem, corn o Direito, urn

dado cultural (

2 7

). Recusa-se, tambem, urn sistema como mero

agregado lOgico-conceptual: abstraido da ordem juridica, logo social,

em termos de reduca 'o, ele comports a substancialidade decisOria e

legitima d ecisoes novas. A derivacao de

HAB ERMAS,

assente num

Direito orientado numa politica moral (

2 8

), no que pode ser enten-

dido como outra leitura sociolOgica (

29

), tao pouco pode ser utilizada:

( 24 )

LUHMANN,

Rechtssystem c i t . ,

12 — fala em sistema de accoes —

Ausdifferenz ierung

des Rechtssys tems ,

RTh 7 (1976), 121-135 "(121) =

Beitrage

corn o mesmo nome cit., 35-52

(cita-se pelo primeiro local) — fala em sistema de com unicacOes sociais —

e Komm unikat ion f iber

Rech t in Interakt ionssystemen (1980) =

Beit rage

cit . , 53-72 (65) — fala em subsistema da socie-

dade — m anifestando; dente modo v ariado

*

as bases integrantes do sistema juridico. Cf., tam-

bem,

WERNER KRAWIETZ,

Juri s t i sche Entscheidung und w issenschaf t l iche Erkenntni s / Eine Unter-

suchung zu m Verhal tni s von dog rnat i scher Rech tswissenschaft und rech tswissenschaf t l i cher Grundla-

genforschung

(1978), 88-89.

(25) Algumas afirmacoes de N.

LUHMANN Vi0

nesse sentido — p. ex., Rechtssystem

cit.,

11 e 12; cf.

J. SCHMIDT,

RTh 5 (1974), 223 — embora possam ser entendidas mais

como um a cr i tics ao sistema como co njunto de conceitos, do que como sociologismo primir io.

(26)

Supra 29

14

.

(27)

Recorde-se

ARNOLD GYSIN,

Rechtsgedanke und Ku l turgodanke im Verhal tni s von Gese t -

zesethik und Wertethik,

em

Rechtsphi losophie und Grundlagen des Privatrechts (1969), 96-125,

(97, 122 e 124), focando, no entanto, o que tern por exigencias diferentes do Direito e da

cultura, que traduzem apenas a especificidade daquele, dentro desta.

(") Portanto numa auto-reflexio intrapolada de uma consciencia de actuacbo sistemi-

tics econdmica sociologica e politica; cf J.

HABERMAS,

Erk en n tn i s u n d I n t e re sse

(1981),

79, 85, 213-214, 261 e 400, p. ex..

(29 )

HELMUT SCHELSKY,

Die Soziologen und das Recht,

RTh 9 (1978), 1-21 (12 ss. , 16).

nao

conduz ao sistema juridico — logo dogmatic° — por nao

comportar o ma terial decidendo do caso con creto. Nem pretende

faz

e-lo.

W. 0 processo juscientifico a dito em crise (

3 0

). A afirmacao,

repetida, a nao ser ja uma formula vazia , radica em dois polos distintos,

sediados, urn na prOpria metodologia juridica em si, e outro, no nivel

mais vasto do sentido das Ciencias Humanas.

A metodologia juridica sofreu, neste seculo, a falencia do concep-

tualism° — reducao d o sistema a conceitos, corn recurso simples a

lOgica formal — o fracasso do positivismo legalista exegetic° — solu-

cao de casos concretes corn recurso a lei como texto — e os O bices

da subsuncao — passagem mecanica, passiva, do facto para a previsao

norrnativa, de modo a integrar a prem issa menor do silogismo judi-

ciario. A critica ao pensamento pressuposto nestes ties pontos a facil;

esti concluida, alias, ha m ais de meio seculo (

3 1

), em termos que

ninguem contraditaria. Surpreende que, ate hoje, se retome, a cada

passo, sem intencio de colocacOes histOricas, uma argumentacao

contra teses ha tanto derrotadas (

3 2

). Duas justificacoes para tal

insOlito: batidas na teoria, as orientaceies conceptualistas, positivo-

-legalistas e subsuntivas, reapareceriarn na pritica jurisprudential;

carentes de autonomia existential, as teses que as substituam n ecessi-

tam, para se afirm ar, de partir da negativa. Estas razoes sao debeis.

A sobrevivencia pratica dos esquemas tao criticados nao a linear:

o seu colapso adveio, na generalidade, da demonstracao da sua impra-

(

30 ) P. ex.,

JosEF ESSER, Zur M ethodenlehre des Z iv i l rech ts ,

StG 12 (1959), 97-107 (103)

e W. KRAWIETZ, Zur

Einle i tung: Juri s t i sche Konstrukt ion, K ri t i k und Krise do gmati scher Rech tswis-

senschaft,

em

Theorie und Technik d er Begri f f s juri sprudenz

(1976), 1-10 (5) e, entre nos, embora

corn sentidos e fitos diferentes, CASTANHEIRA NEVES,

Questdo-de-fac to — quest io-de-di re i to ou

o problema m etodologico da juridicidade (Ensaio de uma reposicdo cri t ica) I— A crise

(1967), 62

e

pass im

e Gomm CAtrortmo,

Const i tuicdo di r igente e v inculacdo do legi s lador / Contributo pare a

compreensdo das norm al const i tuc ionais programkicas

(1982), 7-9.

(

3 2

) Por autores como

VON

Bikow, KAmorrowrcz, Focus, Isnx e

HECK,

numa linha

juspositiva, e por

STAMMLER, ERICH KAUFMANN, BINDER

e

LARENZ,

na primeira parte da sua obra,

numa l inha metajuridica. Hayers oportunidade de refer ir , de modo mais detido, o pensamento

dos autores em causa.

(

32

)

Qllartd0 VIERWEG,

Topik und Jscrispnidenzs

(1974), § 7 (81 ss.), para chegar

topica juridica, retoma as crfticas ao axiornatismo, sujeita-se, nas observacoes de UWE

DIEDFIRICSISEN,

Topisches and systematisches Denken in der Jurispru denz,

NJW 1966, 697-70 5 ,

(700, 1.' col.), a lutar contra moinhos de vento.

3

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34

a boa fe no Direito civil

§ 1.° Introduciio

5

ticabilidade

(33)

A impossibilidade de afirmacao, pela positiva, de

urn pensamento novo, nao e crivel: decenios intensos de tentativas

confluentes tinham, a evidencia, oportunidades largas de criar uma

linguagem alternativa. Resulta, daqui, a imagem da crise: sem

razoes validas, o discurso metodo l6gico comu m parte de criticas

a concepcOes indefendiveis — e, a born ver, nun ca assumidas, corn

clareza, por ninguem — deixando, pela aceitacao, nessas censuras,

do espaco e dos quadros removidos de contend°, um a fraqueza expo-

sitiva, no cam po da reconstrucao. E porque, arvorada em percurso

obrigatorio, a critica ao conceptualismo decorre em moldes m eta-

cientificos — isto 6, sem atender as solucoes reais — chega, ao termo,

sem contributos dogmaticos. A Teoria do Direito — como discurso

sobre a metodologia — constitui uma segunda abstraccao perante a

ordem juridica, num esquema em que a primeira advem do sistema:

implica um metaplano de averiguacOes sobre as abstraccoes, obtidas

por reducao dogmatica

(

34

). A presenca de niveis superiores de

discuss

-

a°, face a realidade investiganda, conduz, como a natural,

a possibilidade de discursos autOnom os, num afastam ento crescente

do objecto de investigacao. Quando um desenvolvimento desse tipo

incidiu no piano sistematico, desembocou-se no conceptualismo.

Esta derivaca'o artificial foi superada pela critica; mas manteve-se

— com o se mantem, agravada mesmo, pela natureza te6rica das

criticas movidas em permanencia, as construcoes anteriores — uma

aporetica no sector metassistematico, isto 6, no discurso metodologico.

Evite-se, pelo desgaste, falar de crise. Mas ha, pela manutencao

de desenvolvimentos metassistematicos, sem conexao corn o Direito

aplicavel, urn cientismo estranho it dogma tica e logo

it

metodologia

real. Neste pont°, que traduz a inoperancia dos desenvolvimentos

te6ricos em yoga, face

it

necessidade de solucoes reais, reside a

fraqueza do processo juscientifico actual. 0 diagnostico, que aqui se

antecipa, pois, por definicao, s6 a dogm atica juridica, demonstrando

a disparidade entre afirmacoes metodolOgicas e saidas concretas, pode

comprovi-lo, sera traduzido pela ideia de irrealismo metodologico.

(33)

Recorde-se que o essential das criticas

a

metodologia conceptual , corn as sequelas

conhecidas, assents na demonstracio da existencia de lacunas e de enormas carecidas

de

preenchimenton e na inoperacionalidade do emetodo da inversion.

( 3 4)

Cf. N. Lurtunror,

Rechtssys tem

cit., 12-13 e

Selbstre jiexion des Rech tssysterns /

/ Rechtstheorie its gesellschaftstheoretischer Perspektive,

RTh 10 (1979), 159-185 (159) =

Beitrdge

cit., 419-450 (cita-se pelo primeiro local) e

THOMAS SCHLAPP,

Zur Unterscheidung von Objekt-

sprache und Metasprache,

RTh 10 (1979), 502-505 (502 e 503).

O

s e

gundo polo da crise — como se disse, ele alarga-se as Cien-

c i a s

H

u

manas prende-se com diferendos ideolOgicos. A presenca

(

t

e s

tes, ainda que como hipotese, 6 inevitivel em qualquer sociedade,

dada

a

impossibilidade de, no limite, os dirimir corn argumentos

absolutes. 0 Direito nao lhes escapa: traduzindo o racionalizar

de fracturas intra-sociais, que constituem os litigios postos t sua apre-

e i

a

cao, ele equivale ao institucionalizar de urn donunio, por alargado e

co

nsensual que se apresente (

3 5

). Enquanto os conflitos ideolOgicos

tiverem saida juridica

taxime

constitucional — o Direito pode

e

nquadra-los, ate ao limiar de uma Revolucao; nao mais do que isso.

Em termos reais, o problema pode ser minimizado, no palco

dogmatic°. Ha, neste final de seculo, salvas situacOes pontuais de

descompressio, sinais de dedinio de confrontos ideolOgicos puros,

reduzidos a expressoes de luta pelo poder, corn ou sem ligacao

aos blocos. Uma dogmatica dinamica deve ter capacidades de aderen-

cia a realidade, enquanto o convergir de sociedades tecnicas reduz a

margem de oscilacio. A possibilidade de evitar rupturas depende,

em Ultima analise, da margem constitucional, face a abertura da socie-

dade correspondente. 0 restringir progressivo das ideologias, apli-

cadas a temas de exercicio e natureza do poder ou a aspectos quanti-

tativos da apropriacio, deixa o Direito civil numa area pouco sensivel,

sobretudo no domino das obrigacoes, cujo regime, oriundo de R oma,

tern sobrevivido aos sistemas politico-sociais mais diversos

(

36).

Crises do Direito, de origem ideolOgica, a haver, manifestar-se-iam,

assim, no campo constitucional, embora seja de notar, por uma

amostragem national e estrangeira, que face a constituiOes conside-

radas idOneas, a tendencia Ira para o reforco da

interpretac5o

conven-

tional,

num neopositivismo juridico-constitucional, ao arrepio do que

sucede no Direito privado. No entanto, como instincia de controlo,

o piano ideoleigico nao deve ser esquecido: nas a reas de largo consenso,

como no da liberdade ou no da igualdade, ele pode reforcar

(3 5 )

Cf.

JURGEN HABERMAS,

Technik und W issenschaf t als eldeologieol l (1981), 48 ss.:

Quanto a crise da eauto-compreensioe do Direito, crise interna e ideologias, cf.

FRANz

W

mem,

Von M azes and Nachte i l des Szient i smus in der R ech tswisse tuchaf t ,

FS

Schelsky (1978),

745-764 (746 e 747 ss.).

( 3 6)

Veja-se a permanencia do BGB na DDR

— ' C L EMENS P L EYER ,

Die Bedeutung von

. Sy s t em u n d Do g m a t i k f u r d i e Rech t s f ra g en d e s Ma ssen verk ehrs i n d e r DDR,

AcP 172 (1972),

155-171 (155) — apesar das alterao5es sofridas, ate ao ZGB de 1975; este ultimo diploma man-

tern, nas obriga45es, os quad ros romanisticos; nao se esqueca, porem, o papel diferente apon-

tado ao Direito, nas sociedades socialistas do Leste europeu.

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36-

a boa

fe

no Direito civil

§ 1.°

Introthicilo

7

a jussubjectivacao ou a proscricao do arbitrio, base de qualquer

sistematica, por exem plo; nas areas de consenso menor, ele deve

permitir uma maleabilidade acrescida de saidas, como forma de man -

ter o essential.

IV. A C iencia do Direito — n um produto, ainda nao assum ido,

do irrealismo metodolOgico — tem consciencia das insuficiencias da

dogm atica classica; a partir dal, porem, perde-se uma inequivocidade

de orientacoes (

3 7

). Nao cabe aq ui referir o seu processamento, m as,

tao

so, sublinhar os tracos mais salientes que enquadram o desenvol-

vimento que segue, no qual, imanente, se encontra uma imagem mais

completa.

A consideracao do Direito como modo de solucionar casos

concretos, ja justificada, constitui urn cerne imprescindivel, do

qual, aos poucos, surge uma consciencia (

3 8

). Nao ha outra forma de

superar o irrealismo metodolOgico. No domino hermeneutic°,

sobressaem os fenOmenos do pre-entendimento e do circulo ou espiral

de pensamento. No cam po funcional, .sobrelevam as unidades pre-

visao-estatuic'ao e interpretacao-aplicacao, enquanto as co ncepc5es

teleolOgicas das n ormas, elas pr6prias, ji, um a superacao do con -

ceitualismo traditional, devem ser com plementadas pelas estruturas

(37)

Cf. R.

DREIER,

Zur Theoriebi ldung

in

der Jurisprudenz

cit., 103,

ILMAR TAMMELO

Was ist von der Rechtstheorie heute zu erwarten?

RTh 11 (1980), 9-15 (9).

(38)

Cf.

HEINRICH HENKEL,

Recht und Indiv idual ikt

(1958), 12, Jose

ESSER,

Ink-

ressenjurisprudenz heute,

Judi) 1 (1960), 111-119 (111),

MARTIN KIUELE,

Theorie der

Rechtsgewinnung entwickel t am Problem der Verfassungsinterpretation

(1967), 43 ss.,

LARENZ,

Fall-Norm-Typus Eine rechtslogische Studie,

FS Glockner (1966), 149-164 (153) e

Wegweiser

zu richterl icher Rechtsschopfung / Eine rechtsmethodologische Untersuchung,

FS Nikisch (1958),

275-305 (297),

WERNER ROTHER,

Elemente und Grenzen des zivi lrechtlichen Denkens

(1975),

12 e

HUBERT

Rarri.zuenut,

Pladoyer far eine empirische Argumentationslehre,

ARSP BH NF 14

(1980), 87-118 (118).

HANS ALBERT,

Traktat f iber rationale Praxis

(1978), 22 ss. e 65 ss. (67-68),

fixa que «a Ciencia do Dircito parece, desde a sua origem, ser uma ciencia virada, em grande

medida, para a pratica, tendo uma doutrina cientifica, orientada num puro interesse

de conhecimento, urn significado escasso..

MARTIN KRIELE,

Recht and praktische Vernunft

(1979),

18, sublinha, a prop:nit°, a clivagem entre

scientia e prudentia:

esta, embora ligada I

primeira, por nao poder dispensi-la, tem sempre, como subquestio, temas facticos.

WERNER

KRAWIETZ,

Das posi t ive Recht und seine Funktion / Kategoriale und methodologische (Jberlegungen

zu eines funktionalen Rechtstheorie

(1967), 16, considera que «o pensamento juridico da actualidade

deve orientar-se mais fortemente para a facticidade da sociedade industrial modern

 

.

Cf., ainda o prolog° de W.

MAIHOFER I

sua colectbnea

Begri f f und Wesen des Rechts

(1973) ,

IX-XXXVIII, bem como

CASTANHEIRA NEVES,

A

unidade do sis tema juridico,

Est. T.

Ribeiro, II (1979) 73-184 (73 ss.).

de u

rn discurso sin6pico, dirigido ao ponderar das consequencias da

numa linha de consenso.

Destes temas, inesgotiveis, propoe-se o use que segue.

A ideia de pre-entendimento (

3 9

) poe a nil a realidade herme-

n8 (40). Perante urn texto, o sujeito cognoscente apreende-o

pourticcoanhecer, de antemao, a materia nele tratada e a linguagem que a

carreia (

4 1

). 0 sentido final do texto surge como produto do encontro

das prefiguracoes do interprete corn o material percebido, reinte-

g

rado no seu espirito. E o circulo, ou, m elhor, espiral hermeneutica,

um

a vez que o sujeito tera de efectuar tantas idas e regressos,

quantos os necessarios para integrar pre-entendimento e entendi-

mento (

4 2

). No Direito, o circulo hermeneutic° testa na relacio das

colocaceies de problemas corn as respostas, no entendimento de

normas, portanto, no facto de que, sem pre-julgamento sobre a

necessidade de ordenacao e a possibilidade de solucio, a linguagem

da norma nao poder, de todo em todo, dizer o que 6 perguntado:

a solucio ajustada) (

4 3

). Estas consideracoes, evidentes, depois de

formuladas,

dio

urn lugar significativo aos aspectos histOricos, inter-

rompidos dura nte o iluminismo: pelo seu peso no pre-entendimento,

reabilita-se a tradicao (

4 4

) — a experiencia, no domino da aplicacao

jurisprudential (

4 5

) — num fenO meno a ter presente, para a limpidez

da consciencia cientifica. 0 processo de aprendizagem mostra, a nivel

de dead°, o seu papel fundamental, no m odelar do pre-entendimento,

enquanto a interpretacio assume, de vez, o aspecto activo da comtmi-

(39)

Prefere-se, para exprimir o

Vorverstandnis,

o termo pre-entendimento a «pre-

-compreensio., usado por

CANOTILHO,

Constituicio dirigente, cit.,

11 ss.: comprecnsio traduz,

dum conceito, o conjunto das caracteristicas que the podem ser reconduzidas. Embora correcta

em si,

a

tpre-compreensio. presta-se, assim, a confusoes evitiveis. A descoberta da

4pre-

-

strutura

do entender. deve-se a

HEIDEGGER,

Sein u. Zeit cit., §§

32 e 63 (148 ss. e 310 ss.).

(40)

0 aproveitar hcrmeneutico, em t‘rmos efectivados, pertence, sabidamente, a

HANS-

-GEoac

GADAMER,

W ahrhei t und Methode 4

(1975), 250 ss., que veio aclarar aspectos intuidos

pelos juristas.

( 4 1 )

LARENZ,

MethL

4 cit.,

185;

FRIEDERICH MULLER,

Normstruktur und Normativi tat I

I Zum Verhaltnis von Recht und der juris tischen Hermeneu tik, entwickelt an Fragen der Verfas-

sungsinterpretation

(1966), 50; JOACHIM HRUSCHXA,

Das Verstehen von Rechtstexten

(1972), 43.

( 4 2 )

LARENZ,

MethL

4

cit., 184.

(43)

Jose

ESSER,

Vorverstandnis und Methodettwahl in der Rechtsfindung IRationalitatsgrund-

l a g e r *

richterlichen Entscheidungspraxis

2

(1972), 137; sobre esse livro, cf.

HANS JOACUIM KOCH,

Zur Rational i tat richterl ichen Entscheidens,

RTh 4 (1973), 183-206 (197-198).

(44)

GADAMER,

Wahrhe i t u . Me thode

4

cit., 256 ss. e 261 ss..

(45) Cf.

LARENZ,

MethL 4

cit., 187-188.

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38

a boa fe no D irei to c ivi l

I.° Introducdo

9

cacao entre o sujeito e a fonte (

4 6

). 0 fenOmeno do pre-entendi-

mento juridico nao se queda pelo apreender de textos: a deteccao dos

problemas carecidos de regulacao — que vai, de si, corn a prOpria

regulacao — e, em grande parte, obra dos pre-julgamentos do inter-

prete-aplicador. As perspectivas desta instrumentacao, a aprofundar

nos prOximos anos, ji que, so aos poucos, a tematica, nao nova, vai

chegando a dogmatica, sao consideraveis. Explicam a intuicao judi-

cial no encontrar, com deficiencias de fundamentacao, de solucoes

acertadas e permitem alargar as potencialidades sindicantes do sistema.

Como se anteve, o relevo do pre-entendimento

é

maior face a fontes

pouco expressivas, como as que remetam para a boa

f e .

A unidade da previsio e da estatuicao normativas (

4 7

) e a

inseparabilidade d as classicas interpretacao e aplicac 'alo (

4 8

), no pro-

cesso juridico decisOrio, conectam-se corn o relevo do caso concreto

e corn a tematica do pre-entendimento. Face a uma fonte, o sujeito

dirige-Ihe uma interrogacao real, em termos problematicos, visando,

com consciencia ou sem ela, encontrar uma resposta para um caso,

ainda que hipotetico. Interpretar e decidir esse caso. Tudo joga:

o caso e a norma, o pre-entendimento de ambos, a vontade cons-

tituinte, o circulo e a solucao. A descoberta de operaciies diferenciadas

pode ser meritOria como modo de, por reducoes excessivas, evitar

empobrecimentos jusculturais do

instrumentarium

disponivel. Mas a

fragmentacao obtida deve ser destruida por nova sintese, no processo

(46) Cf.

LARENZ,

Die Bindung des Richters an das Gesetz

cit., 292.

(47)

Defendidas ji, entre nos, por

ISABEL DE MAGALHAES

Conn°,

Da qu a l f icac io em

Direito internacional pr ivado

(1964), 31 e por

CASTANHEIRA NEVES,

Questi to-de-facto

cit., 408-409,

em termos a examinar posteriormente.

( 4 8 )

GADAMER,

Wahrhe i t u . M e t hode

4

cit., 291, explicando a unidade do entender, do

interpretar e do aplicar;

G A D A M E R

considera, na hermeneutica jurfdica, urn significado exemplar

para a hermeneutica em geral, afirmando: rr ik tarefa da interpretacao e a da concretizacio da

lei em cada caso, portanto a tarefa da aplicaciov; cf.

Wahrheit u. Methode

4

cit., 307 ss.

(311 e 312),

LARENZ,

M e t h L

4

cit., 189 ss. e

Au fgabe u nd E igenar t d e r J u r i spru denz

cit ., 453

e F.

MULLER,

Normstruk tur

cit., 39.

LARENZ,

M e t h L

4

cit., 191, acaba por considerar, em

GADAMER,

urn minim izar do papel de bitola da norma juriclica, corn o subsequente avaliar ,

por criterios identicos, de todos os casos.

ificil, nestes termos, tomar posicao entre

LARENZ

e

GAMBLER:

este Ultimo nao dogmatiza o seu pensamento, i.e, nas palavras, ji

referidas, de

ESSER,

nao o toma juridicamente operacional, de modo a poder comprovar-se a

critica que the é dirigida. Pode, no entanto, dizer-se que, em abstracto, o reconhecimento

de uma unidade ontica entre interpretacao-aplicacao nao impede a manutencao do m omento-

-bitola-generalizacao, constituinte, embora nao exclusivo, do todo. 0 mecanismo da aplicacio

pode, em qualquer caso, coin

LARENZ,

M et hL

4

cit., 192, dizer-se de dialectic°. Evita-se a

locucao, pela multiplicidade de sentidos que, de

ARM

I : S T E L E S

a

H EGEL,

ela assume.

de conhecimento, que, assumindo, das operacoes analiticas previas,

os aspectos relevantes, exprima, no final, uma realidade diferente, mais

rica, do que os elementos antecedentes.

A ponderacao teleolOgica das proposicoes juridicas, corn raizes

no utilitarismo, de

BENTHAM a

JHERING,

foi reanimada pelo psicolo-

gismo bierlingiano, ao focar a necessidade de indagar o escopo pros-

seguido pelo legislador (

4 9 ). Objectivada, a interpretacao teleolOgica

ordena-se, hoje, por operar de acordo corn os fins e as ideias funda-

mentais da regulacao considerada (

50

). Ora, numa conexao que, a min-

gua de investigaceies globais, nao tem sido feita, mas a significativa,

urn debate sobre a teleologia da norma e o avaliar das consequencias

da aplicacao, portanto, da decisao, sob pena de metadogmatismo,

dada a integracao, no sentido gadameriano, entre entendimento,

interpretacao e aplicacao. A necessidade de, na apreciacao da justeza

da regra, ponderar, da sua efectivacao, as consequencias sociais,

enfocada, de modo repetido, por PonucH (

5 1 ) e aproveitada, por

TEUBNER,

na exigencia de uma dogrnitica responsiva (

5 2

) que, num

modelo cibernetico, trabalhe na base da seleccao e apreciacao das

respostas que, da periferia, receba como efeito das propostas que

dimane, constitui um dado importante (

5 3

) no dominio da Ciencia

actual. Pode, assim, desenvolver-se toda uma metateoria — pois

incide sobre dados previamente teorizados, para o caso, dogm atizados

— qu e averigua efeitos, opensando em consequencias», a cujo conjunto

de regras se vai, na linha de

FIKENTSCHER,

chamar de sinepica (

54 ).

( 4 9 )

ERNST RUDOLF BIERLING,

Jurist ische P rinzipienlehre,

4 (1911, reimpr. 1961), 276,

numa orientacio a examinar posteriormente, pelo prisma da boa fe.

( 50 ) L AR EN Z,

M et hL 4 cit., 321,

JURGEN BAUMANN,

Einfi ihrung in die Rechtswissenschaft

6

(1980), 95-96.

(

5

9 ADALBERT PODLECH,

Wertungen und Werte im Recht,

AoR 95 (1970), 185-223

(198 ss.)

e Recht und Moral,

RTh 3 (1972), 129-148 (138).

( 5 2 ) GUNTHER TEUBNER,

Folgenkontrolle und responsive Dogmatik ,

RTh 6 (1975), 179-

-204 (182 e 200-201).

(53) Cf. ERICH DoHRING,

Die gesellschaftl ichen Grundlagen der jur is tischen Entscheidung

(1977), 33 e

REINHARD DAMM,

Norm und Faktuni in der historischen Eutwicklung der jurist ischen

Methodenlehre,

RTh 7 (1976), 213-248 (228).

( 5 4 )

FIKENTSCHER,

Methoden

cit ., 5 (1977), 30 e 32

e Synepeik und eine synepeische Defi-

nit ion des Rechts,

Entstehung und Wandel (1980), 53-120 (57-58 e 85, p. ex.,). 0 termo

f ilia-se no grego

cruvendlievov —

consequencia;

FIKENTSCHER,

numa ligacio corn

synepeia,

propee como transposicao rigorosa, <,sinepeica», —

Synepeik ci t . ,

58 1 0

— desagradavel a pro-

nUncia portuguesa. Propoe-se, pois, o neologismo csinepicv.

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40

a boa fe no

Dire i to c iv i l

1.° Introductio

1

Explicite-se, por fim, que se o alicercar, nestes pressupostos, da

Ciencia do D ireito, aumenta o a mbito onde se m ove o interprete-

-aplicador —

tnaxime,

o juiz — isso di-se antes a nivel de conscien-

cializacao de uma ordem de factos ji existente, do que no preconizar

de nova distribuicao, a nivel de poderes do Estado. A decisio

juridica, porque dogmitica, é controlivel. A praticabilidade do con-

trolo assenta na obrigatoriedade da sua fund amentacao (

5 5

). Se a

sua legitimidade, mais do que num processo institucionalizado em

termos de, dele, retirar uma conv encibilidade impossivel de, na corn-

plexidade actual da sociedade, ser conseguida em cada decisio (

5 6 ),

implica, mesmo em cenirios tOpicos, atraves da autoridade especial

de algum dos argumentos (

5 7

), uma participacao actuante na justeza

global do sistema, torna-se seguro que a operacionalidade — ou

nao

disfuncionalidade — d a decisao conflui no seu integrar no n ivel juri-

dic° da ordem social. A essa luz, entenda-se o consenso que a

aplicacio do Direito deve concitar ( 5 8

). Ora o sistema corresponde,

por reducao, a ordem juridico-social, enquanto as fortes representa-

goes psicolcigicas e comunitirias do principio da identidade, corroiem

a credibilidade de saidas ilOgicas ou paradox ais.

0 alargar do espaco decisOrio nao deve ser interpretado como

reptidio da construcao juridica, util em virios vectores (

5 9 ), nem

como ignoranc ia da necessidade da lOgica formal (

6 0

). O ferece-se-

-lhes, no entanto, para alem de um a delimitacao nova, urn desem-

penho diferente.

(55)

EssER,Juristisches Argumentieren im Wandel des Rechtsfindungskonzepts unseres Jahrhun-

derts (1979), 5-

; cf.

JORGEN SCHMIDT,

oBegrandunti — Einige Probleme eines rechtstheoretischen

Problems, FS Schelskir (1978), 549-

78 (550)

ala em processo cientff ico de justif icar uma

afirmacio —

 WIEACKER,

Cher strengere und unstrenge Verfahren der Rechtsfindung,

FS W. Weber

(1974), 421-423 (423-424) — a aplicacio do Direito

E

a decisio e a fundamentacio.

(56) Veja-se, assim, a critica de ESSER,

Vorverstandnis

2

cit., 205 ss. (207) a

LUHMANN,

Legi t imation durch Verfahren

2

cit.,

30 ss., bem como as de R.

ZIPPELIUS

Legi t imation durch

Verfahren?

FS Larenz (1973), 293-304 (302 e 3 04) e de

J. LLOMPART,

Gerechtigkeit und geschicht-

l iches Rechtsprinzip, ARSP 67 (1981), 39-60 (50-51).

( 5 7 ) NORBERT HORN, Rational i tat mid

Autoriat in der juristischen Argumentation,

RTh 6

(1975), 145-160 (150, 151, 154, 156 e 160): a autoridade argumentativa assume-se como

estrutura caracterfstica da racionalidade juridica.

(58) Cf.

ESSER,

Vorverstandnis 2

cit., 13 e

Juris tisches Argumentieren ci t .,

10 e 15.

( 5 9 )

GERHARD HASSOLD, Rechtsf indung durch Konstruktion,

AcP 181 (1981), 131-142

(132 e 141).

(60)

Tenha-se presente a demonstracio da sua imprescindibilidade em Utrucx KL uc,

Juristische Logik

4

(1982), 9-1.

HANS-JOACUIM

Kocx,

Das frankfurter Projekt zur juris tischen

Argumen tation: zur Rehabi l i tat ion des deduk tiven Begri indens jurist ischen Entscheidungen,

A R S P

4.

A boa

fe na cultura juridica actual

1. A boa fe sofre, na actualidade, as consequencias do divOrcio

entre os discursos metodolOgicos oficiais e a dogmitica juridica. E de

mod° agravado: nocao vaga, carregada de histOria, rica em implica-

g

oes

emotivas e objecto de utilizacao alargada, embora de con tornos

pouco conhecidos, ela presta-se, por excelencia, a desenvolvimentos

verbais, numa aporetica dominada por uma linguagem grandiloquente

e

vazia de conteddo. Hi uma mitificacao da boa fe.

Num a opiniao difundida, a boa fe, no Direito civil, estaria forte-

mente representada na literatura. Nao é assim. Nunca h ouve, sobre

ela, um estudo global, que tratasse os diversos quadrantes da sua His-

tOria, a sua dogmitica e os aspectos metodolOgicos dai decorrentes.

No dominio histOrico-monogrifico, a boa fe, foi, bem ou mal, anali-

sada no D ireito romano classic°, no D ireito canonic° e no D ireito

germanico, em separado. A conex ao entre esses aspectos esti por fazes,

tal como esti por estudar a boa fe do Direito romano vulgar, do

Direito justinianeu, da recepcao e da pandectistica. Os aspectos

dogmiticos da boa fe nao m erecem, desde ha mais de meio seculo,

urn tratamento global ( 6 1 ). Exceptuam-se os grandes com entirios a

codificacao alema que, por definicio, assumem urn teor descritivo,

prejudicial a integracao juscientifica, e sem atingir o que, de

tenham as outran ordens juridicas. 0 panoram a vive dominado

por intimeros estudos parcelares os quais, aos poucos, tem permi-

tido o surgir de investigacOes sectoriais mais alargadas (

6 2 ). 0 discurso

sobre a dogm itica — portanto, a Teoria do Direito — carece de bases

capazes de the alicercarem o desenvolvimento, no que respeita

BH NF 14 (1980 ), 59-86 (61 e 62), explica que a fundamentacao pelas consequencias irnplica

um reabilitar do processo dedutivo, enquanto K.

ENGISCH,

Aufgaben eines Logik und Methodik

des juristischens Deafens,

StG 12 (1959), 76-87 (87), conclui que a vcrificacio da afirmacio juridica

carece da lOgica e da ponderacio metodolOgica.

(61) 0

Ultimo estudo desse tipo d

o de

MAX

H AMBURGER, T r e u a n d G l a u b e n i m

Verkehr EM Handbuch

(1930). Nio se considera como analise dogmatica global o escrito

importante de

WIEACXER,

Zur

Rechtstheoretischen Prazisierung des §

242 BGB

(1956), nem

o trabalho mais recente de

ERNST ZELLER,

Treu and Glauben and Rechtsm issbrauchsverbot.

Prinzipiengehalt und Konkretis ierung von Art.

2 ZGB (1981), criticado, corn razio, por JthrcEN

Smimihr, na rec. de AcP 182

(1982), 379-381.

(62)

Exemplo paradigmitico é, ainda hoje, a

investigacao fundamental de C. W

CANARIS

no dominio da confianca:

Die Vertrauenshaftung im deutschen

Privatrecht

(1971.

reimpr. 1981).

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42

a boa fe no Direito civil

.° Introduoio

3

boa fe. Quando surge,

6

parcelar, escasso e alheio a realidade efectiva

que pretende averiguar.

Sem que isso represente urn retorno a grandes sistemas, versados

ern tratados, ha, na actualidade, um movimento para a consideracao

alargada de varios sectores juscientificos ( 6 3

). Essa tendencia foi

tornada possivel pelo proliferar de estudos especializados, no segundo

pos-guerra.

A situacao, na boa

f e ,

descontados certos aspectos metodolo-

gicos enfraquecidos pelo irrealismo que atinge toda a Teoria do

Direito, 6 muito favorivel a uma ponderacao de conjunto, dado o

vasto material disperso disponivel.

II. Os paradoxos que dominam o entendimento comum da

boa fe tern, na verdade, a nivel de algumas das suas caracteristicas,

a sua razao de ser.

A boa fe objectiva nao comporta uma interpretacao-aplicacao

classica. Desde cedo, teen sido tracado o seu paralelo corn as lacunas(

6 4 ).

A disposicao que remeta para a boa fe nao tern, ela propria, urn

criterio de decisio ( 6 5

): a interpretacao tradicional de tal preceito

nao conduz a nada. Na sua aplicacao, o processo subsuntivo torna-se

impossivel (

6 6

). As criticas habituais a subsunclo nao retiram signi-

ficado a essa impossibilidade. Embora ontologicamente nao haja

(63)

A esta luz dove ser entendida a tendencia em yoga de, atraves da criagao de novas

estruturacoes do saber, corn recurso a nominaceies de sabor isoterico como zetetica ou sinepica,

captar, em tortes horizontais, conhecimentos que corriam lado a lado, compartirnentados

na distribuicao classica dos ramos cientificos. A afirmacao pod e, ainda, ser i lustrada corn a

inet6dica. Na acetic

-

air de

FRIEDRICH

MULLER, Juristische Methodik 2

(1976), 19, a metodica teria

a tarefa de esclarecer as diferentes funcoes da realizacio do Direito — legislacao, governacio,

administracio, jurisprudencia e ciencia. Cf. BERNHARD SCHLINK,

Jurist ische M ethodik zwischen

Verfassungstheorie and Wissenschaftstheorie, RTh

7 (1976), 94-102(95) e ainda, sobre a integracio

da

Ciencia do Direito corn outran Ciencias sociais,

FRIEDRICH MULLER,

Recht-Sprache-Gewal t /

Elemente einer Verfassungstheorie

I (1975), 9.

(64) CI , p. ex., ERICH DANZ,

Richterrecht

(1912), 191-192 e 201. Esta orientacao seria,

como se vera, muito acentuada pelo juspositivismo da jurisprudencia dos interesses.

( 65 )

ENGISCH, Logik u. Metho dik ci t . ,

77, falando na dificuldade de aplicacao de conceitos

indeterminados como a boa fe; A.

KAUFMANN,

Gesetz u. Recht

cit., 386, dizendo ser a regra

tao abstracta que nab teria conterido; S. Simms,

Bedeutung vom System a. Dogmatik cit., 140,

explicando que a boa fee regras similares podern desempenhar uma funcao d e legitimacao,

mas nao compreendem urn programa.

( 66 ) W IE AC KE R , PriLZiSierittig

cit., 14, considera-o ingenuo. Fala-se, assini, num conceito

carecido de preenchimento corn valoracees; cf.

K.

ENGISCH ,

Einfi ihrung in das ju ris tische

Denken

7

(1977),

125.

subsuncoes, pode entender-se, na g eneralidade dos casos, que a con sti-

tuicao da premissa menor do silogismo judiciario 6 conseguida por

operacoes expeditas, consistentes na determinacao da similitude entre

a figuracio dogmatica, obtida da previa() normativa, e o caso

concreto (

6 7

). Em imager, admita-se a subsunclo como corrente na

maioria das decisi5es (

6 8

). A boa fe corresponde, nesta Optica,

a minoria.

A boa fe objectiva

é

entendida como do dominio do Direito

jurisprudencial: o seu contetido adviria nao da lei, mas da sua apli-

cacao pelo juiz (

6 9

). Torna-se, nessa medida, impraticavel locubrar

sobre os textos que a consagrem. 0 estudo do litigio concreto,

a comparacao de casos similares ( 7 0

), a sua dogmatizacao e a

sistematizacao subsequente formam a base essencial duma inves-

tigacao sobre a boa fe. Essa necessidade, dificulta, face a especializaclo

dos juristas, o conhecimento juscientifico — logo real — da boa

fe por parte dos cultores que, a nivel de Ciencia do Direito, se pro-

nunciam sobre o tema.

A boa fe objectiva, embora juridica, parece escapar a lei (

7 1 ).

Na fase anterior a forma* de um Direito jurisprudencial seguro,

ela implica uma actividade judicante que, sem mediacoes normativas,

deixa face a face o sistema global e o caso a resolver. E como o

Direito jurisprudencial, a formar-se, 6 sempre parcelar, deixando,

em crescimento permam ente, areas por cobrir, o fenom eno m an tern-se.

(67)

A. KAUFMANN,

Analogie u. iNatur der Sachet

cit., 29. Anteriormente,

KARL

MICH AELIS,

Ober das Verhdltnis von logischer and praktischer Richtigkeit bei der sogenannten

Subsum tion (Eine Kritik der Kritiken am Subsu mtionsbegr,

FS OLG Celle (1961), 117-149 (130),

falou na comparacao entre dois juizos, urn sobre urn objecto concreto e outro sobre urn

abstracto.

(68)

Segundo

MEYER-CORDING,

Kann

der Jurist heute noch Dogm atiker sein?

cit., 39-40,

90% dos casos seriam resolvidos por subsuncio; cfr EssER,

Dogmatisches Denken

cit., 109 e

G. HASSOLD,

Rechtsf indung du rch K onstruktion

cit ., 139.

(69)

Nas palavras de ESSER,

Grundsa tz u . Norm

cit., 150-151, regras como a boa fe

mao representa nenhuma regra de Direito legislado, mas pontos de partida para a form acio

concreta de normas judiciais. Os comentarios dizem a verdade: que a norm a aqui nao a encon-

trada interpretativamente atraves do principio, mas sim obtida por sintese judicial

 

. Cf.

HORST

G25PRINGER,

Das Ermessen des Richters,

JurJb 9 (1968/69), 86-125 (97),

LARENZ,

Richterliche

Rechtsschopfung cit.,

279

WIEACXER, Gesetzsrecht and richterliche Kun stregel

cit., 702.

(7 0) L AREN Z,

Entwicklungstendenzen d. heat. Zivitrechtsdogtvatik

cit., 106,

Fall -Norm-

-Typus

cit ., 159-160 e

Wegweiser zu richterlicher Rechtsschopfung

cit., 292.

(71)

0 juiz pode recover

a

ela para mostrar obediencia a lei — cf.

CLAUSDIETER

SCHOTT, 4Rechtsgrundseitzes and Gesetzeskorrektur / Ein Beitrag zur Geschichte gesetzlicher Rechts-

findungsregeln

(1975), 13 — mas nao pode retirar-]he o que ela nao tern.

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44 a boa-

p no Direito civil

I .°Introducdo

5

Nas ordens juridicas que, como a portuguesa, dotadas de codificacoes

mais avancadas onde, em vez de uma referencia Unica a boa fe surja

uma certa reparticao institucional dos setts campos de aplicacao, corn

mencoes m ultiples

,

tenham efectuado uma recepcao legal de Direitos

jurisprudenciais de outros ordenamentos, o problema fica apenas sim-

plificado a nivel de ordenacao. A boa fe continua indefinida, incapaz

de delimitacao conceitual (

7 2

) e corn largo espaco a construir.

0 vivo sucesso que, na sequencia de VIEHWEG, a tOpica assumiria

no D ireito, teve, pela sua impossibil idade de conceptualizacao com um,

repercussoes directas na boa fe. Pode detectar-se mesmo uma certa

tendencia para, independemente de uma consideracao cabal do tema,

considerar a boa fe como relevando da topica (

7 3

). Previna-se contra

tais inversoes. VIEHWEG nao lancou uma doutrina no panorama

juridico da actualidade; fez uma constatacao, cuja procedencia, na boa

fe como noutras latitudes, exige uma dogmatizaca'o previa do tema.

III. A boa fe objectiva nao corresponde a imagem comum da

interpretacao-aplicacao do Direito continental. Alicercada, no seu

desenvolvimento, em latitudes muito prOximas da periferia juridica,

ela mais se afasta, merce do irrealismo metodologico, da instrumen-

tacio teorica habitual. Numa realidade que, tantas vezes, a mingua

da aplicacao, do conhecimento ou da praticabilidade das directrizes

teoreticas actuais, vive, num «po sitivism° da resignacao» (

7 4

), a ausen-

cia de urn texto, na verdadeira acepcao, pare interpretar, e a impossi-

bilidade de confeccionar conceitos cristalinos nos quais se possa, ainda

que de modo figurado, praticar uma subsuncio, deixa um vicuo

considerivel.

Esse vicuo Mende a ser preenchido a nivel linguistico, corn

metiforas sucessivas destinadas a suprir carencias substanciais (75).

( 7 2 )

UWE DIEDERICHSEN,

Zur B egriffstechnik richterlicher Rechtsfortbildung im Zivilrecht ,

FS Weacker (1978), 325-339 (326-327), em geral. As grandes figuras derivadas da boa fe objec-

tiva — a culpa na formacao dos contratos, a violacao positiva do contrato ou a eficicia juridica

da alteracao das circunstancias, p. ex. — constituiriam teorias assentes em normas nao escritas

— cf R.

DREIER,

Zur Theoriebildung in derJurisprudenz

cit., 107. As disposicoes que, no C6cligo

Civil, vieram receber essas figuras, limitam-se a remete-las para a boa fe, sem especificar uma

regulacio capaz de suportar conceitos tradicionais. Nem poderiam, alias, fazer outra coisa.

(73) P. ex., J. L.

DE LOS Mozos,

El principio de la buena fe

(1965), 15-22.

( 7 4 ) ARTHUR KAUFMANN,

Rechtsphilosophische Situation

cit., 140.

(75)

Recorde-se o fundamento da Filosofia da linguagem: o discurso pode incidir sobre

o objecto — linguagem — ou sobre a propria linguagem em si — metalinguagem. A confuslo

entre as duas a comum no Direito — cf FRITJOF HAFT,

Jurist ische Rhetorik

(1978), 66-67. No

A *fuga para as imagens» a que o processo conduz pode seguir

uma de duas vias. Ou se assimila a boa fe a justica, a equidade, ao

equilibrio, a lealdade e assim por diante, numa serie de locucoes

juridicas cuja abstraccao pouco ou nada fica a dever a da prOpria

boa fe e das quais o retirar de solucOes praticas seria igualmente vao,

ou se ye, nela, uma remisslo para complexos ordenadores metajuri-

dicos, como a Etica, a Moral, o Direito natural — nas suas variantes

nao positivas — ou certas deontologias scctoriais, que, a abstraccao

continua, somam, na sua miscegenacao corn o Direito, dificuldades

suplementares (

7 6

). Nao admira, por isso, que tenham feito a sua

aparicao doutrinas negativistas, que recusam a boa fe qualquer papel

juridico efectivo, pela impossibilidade de contelido que the advem

da sua extend° figurativa (

7 7 ).

Corn particularidades que a afastam, em moldes definitivos, das

placidas interpretacao e aplicacao tradicionais, remetida para uma

realizacao judicial a qual nao se dao directives reais e pejada de soluc5es

linguisticas, a boa fe teria ficado no limbo das referencias jusfilosoficas

moralizantes, nao fora a presenca de fortes necessidades do sistema.

caso da boa fe, este fenomeno traduz-se em desenvolvimentos metalinguisticos, assentes na

palavra •boa fee e nao no objecto desta, indeterminivel em termos aprioristicos. Gera-se, desse

modo, todo um metadiscurso, corn transposic8es operosas da boa

fe

para a justica, a equidade,

a Etica ou ideias similares, que apresenta como solucoes reais meras composicoes de linguagem,

as chamadas solucOes linguisticas. Este aspecto tern o maior relevo: pois se o universo do

juridico, cujas previsoes e consequencias sao, sempre, puras pouibilidades linguisticamente

descritas — H. W

ERDTMANN,

Eine eigensandige Rechtssprache,

RTh 9 (1978), 177-200 (179);

cf.

HANS

Orro FREITAG,

Gewohnheitrecht und Rechtssys tem

(1976), 113, coin rec. de

FRIEDRICH

LACHMEY ER,

RTh 9 (1978), 381-383 — e relativizadas mesmo a linguagem utilizada — JAN

BRO MCMANN,

Jurist ischer Diskurs und Rechtstheorie,

RTh 11 (1980), 17-46 (17) — depende, na

sua expressio onticamente constituinte, pela regularidade da consubstanciacio no espfrito e pela

aprendizagem, da linguagem, as soluc8es linguisticas podem, corn facilidade, passar por refe-

rences ao objecto. A situacao poderia, corn certa facilidade, ser controlada pela dogmitica, corn

urn teste definitivo no momento da decisao. Mas as cadeias linguisticas, assentes, deste feita,

numa metalinguagem descendente, nao se quedam por entendimentos vazios e coloridos da

boa fe: elas podem prolongar-se ate a justificacao do proprio processo decisorio, o qual,

nao

podendo, por definicio, retirar do local linguistico a sua legitimidade material, vai, de facto,

assentar em cripto-causalidades, como sejam a justica do caso concreto, o puro arbftrio ou o

sentiment° do juiz, numa possibilidade agravada pelo efeito emocional das palavras — cf.

DIETER

HORN,

Studien zur Rolle der Logik bei der Anwendung des Gesetzes

(1962), 74 ss. — potenciado

pelas locucoes que, em regra, acompanham a boa fe.

(76)

0 tema tern uma importincia, no domfnio da boa fe, que justifica uma referencia

mais cuidada. De novo, porem, hi que abdicar de apriorismos, dando-se, 3 dogmitica da boa

boa

fe,

o papel de fio condutor.

(77) ERNST

WOLF,

SchuldR

(1978), 291.

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46

a boa

fe

no Direito civil

§ 1.°Introduccio

7

IV. 0 Direito, no que surge ji como lugar-comum

(78

), esti

sujeito as modificacoes sociais; ainda quando a lei nao reaja, a ordem

juridica deve faze-lo. A diversidade de situagOes, carecidas de regu-

lacao, nao pode, por outro lado, ser dogmatizada corn recurso

simples as reducoes normais, sob pens de torcoes

(

79; deve salvaguar-

dar-se uma margem minima para integrar, no sistema, ocorrencias

impossiveis de prefigurar nos meios legislativos clissicos, com a

linguagem disponivel. 0 dever de julgar, em quaisquer circunstan-

cias, deu, a boa fe, urn relevo dogmatic° real: ela assegura a

reproducio do sistema, seja conquistando para o seu seio areas que

ganham a caracteristica da juridicidade, seja adaptando a nova reali-

dade, cientifica ou social, dispositivos arcaicos, seja, por fim, reali-

zando, na vida real, um projecto que o legislador deixou a meio ou,

apenas, indiciou.

Compreende-se, por isso, que a boa

fe

surja, corn vigor,

em zonas nao reguladas pelas codificacoes, por delonga do legislador,

como nas condicoes negociais gerais, ou por impossibilidade tecnica

ou linguistica ou, ate, por inconveniencia, como no abuso do direito.

Entende-se, tambem, o interesse por ela assumido em periodos de alte-

raga° radical dos dados sociais e econOmicos

(80

. 0 lugar da boa

fe na criacao e adaptacao do Direito, pelas necessidades dogmiticas

do sistema, fica assegurado.

Forcado, pelos factores referidos, a recorrer a boa fe, o j ul-

gador vira-se, como reftigio ultimo, para a Ciencia do Direito

e para o discurso que sobre ela incida. 0 teste a decisivo;

nele estacam as doutrinas mais conceituadas. E como, na falta de

apoios, as solucOes nao podem deixar de ser encontradas, a dogmitica

desenvolve-se num desvio crescente do discurso metodolOgico oficial ,

em termos deconhecidos desde o jusracionalismo. 0 desvio no a

tio

grande que implique o descientificar da aplicacao juridica que, assim,

(78)

Cf.

JURGEN SCHMIDT,

Privatrecht und Gesellschaftsordnung,

RTh 6 (1975), 33-63 (33).

( 7 9 )

HANS-RUDOLF Hoax,

Die Natur der Sache als juris tischer Argumentationstopos im

si tuativen Bezug / Zur Grundlegung des Rechtswidrigkei tsurteils im Zivi lrecht und Stral iecht,

RTh 8

(1977), 165-183 (170), falando da adequacao da boa fe e de outras loctic5es, na adaptacao das

proposiciies juridicas abstractas ao caso concreto.

(80)

EBERHARD SCHMIDT,

Gesetz und Richter / Wert und Unwert des Posi t ivismus

(1952),

11, aponta o relevo assumido na problematica das relaclies entre o juiz e a lei no period()

posterior a catistrofe de 1914-18. Uma serie de aplicacties importances da boa fe datam,

alias, do periodo entre os dois conflitos mundiais. Em Portugal, urn aproveitamento mais

cabal da boa

fe,

constante da codificacao de 1966, iniciou-se depois das alteracoes sdcio-

-economicas ocorridas em 1974-75.

perderia a prOpria possibilidade de dogmatizavio. A aprendizagem

do Direito, as exigencias do sistema e o pre-entendimento integrado,

dos casos a enquadrar na boa fe e das solucaes harmonicas,

prolongam, no Direito jurisprudencial, as caracteristicas de racionali-

dade que, desde a recepcio do

Direito

romano, dominam o pano-

rama juridico europeu.

V. 0 desenvolvimento, corn base na boa fe, de um Direito

jurisprudencial que, ainda quando a revelia das doutrinas comuns,

demonstrou, numa experiencia temperada pelo corrigir de desvios,

sempre possiveis, capacidades dogmiticas reais, permite atingir urn

dos niveis mais nobres e delicados da cultura juridica actual: o da

correccio

das leis injustas ou inconvenientes.

0 controlo, com referencia a bitolas tidas por superiores, das

leis, insuficientes porque humanas, e tio velho como o Direito.

As limitacoes da instrumentacao disponivel nesse dominio, por

natureza ou por conjuntura, deixam aparecer como bastiao seguro

e

eficaz,

o prOprio Direito e a sua Ciencia. A lei ao se confunde

corn o Direito

(81

). Uma dogmitica juridica, radicada na cultura

que a suporte e na seguranca das convicceies cientificas dos juristas

que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solucao do caso concreto,

urn percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador nao

pode corromper

(82

). A boa fe permite a consolidacao dessa

dogmitica que, no sistema juridic° e nao, apenas, na lei, tenha a

sua forca: por outro lado, pela sua vocacao expansiva, pode

( 81 ) PAUL BOCRELMANN, Richter und Gesetz,

FS R. Smend (1952), 23-39 (39); A.

KAUF-

M A N N ,

Gesetz und Recht

cit. , 381, dizendo: «A lei é uma no rma geral para uma pluralidade

de casos possiveis; o Direito, pelo contrario, decide uma questa() efectiva, aqui e agoras; ADoLF

Amax,

Gesetzesrecht und Richterrecht, NJW

1963, 1273-1284 (1273);

OTTO BACHOF,

Grund-

gesetz und Richtermacht

(1959), 9, 15, 27, 37 e 43-44, sem deixar de vincar os limites da

actuacao do juiz.

(82)

Cf.

N O R B E R T A C H T E R B E R G , Rechtstheoretische Grundlagen einer Kontrol le der Gesetz-

gebung durch die Wissenschaft, RTh 1 (1970), 147-

55 (150 e 151), embora sem referir a boa fe e

E. Dihnumc,

Die gesellschaftlichen Grundlagen der juristischen Entscheidung

cit., 38 ss. e 48 ss.,

falando na possibilidade de valorar elementos actuais nao compreendidos na 1 6 e na perda da

lealdade a lei, tal como era entendida no sec .

xix. M. L.

H IGLER,

(Jberlegungen zuns

Richterrecht,

FS Larenz (1973 ), 109-123 (112), nao deixa de indicar a diversidade de situagoes

em que legislador e juiz se encontram: o primeiro submete-se a Constituicao e o segundo a

Constituicao, a todo o Direito e a ordenacio de valores legais. Assim

C .

0 juiz, quando

tempere, gracas a dogmatica, os excessos da 16 estrita, nab esti no exercicio de uma actividade

discricionaria, fazendo-o antes por exigencia do Direito ou, de modo directo, da Constituicao.

Cf.

FOLKS SCHMIDT,

Zur Methode der Rechtsfindung (1976), 49.

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§ 1 .° Introducilo

9

48

o boa fe no Direito civil

ser chamada a intervir em qualquer caso. As cod ificacoes evoluidas

quando, com o a portuguesa, adm itam, por exemplo, a possibilidade

de exercicios abusivos dos direitos, reconhecem as potencialidades

moderadoras e correctoras da boa fe no dominio da lei estrita, numa

posicao que, embora im portante mesmo para efeitos de aprendizagem,

nao é necessiria, por traduzir apenas a existencia, como cientifica,

duma dogmitica juridica.

Mas estas consideracoes, reportadas, em grande parte, a boa fe

objectiva, nao devem levar ao esquecimento da aplicacao subjectiva

do conceito, dominada, pelo menos na aparencia, por um grau

muito superior de concretizacao e precisao.

A boa fe tem, em si, os paradoxos, as conquistas e as aspiraco'es

da cultura juridica contemporanea.

5 .

Plano de pesquisa e sua justificacio

I. 0 cerne da pesquisa a constituido pelo estudo da boa

fe enquanto factor do gmatic°, susceptive) de proporcionar soluc5es

para os problemas situados no seu am bito. Quanto se disse, explica

a opcao; m as justifica, tambem, um a ponderacao cuidada e previa

dos aspectos que exprimam e susten tern a Ciencia onde se corporiza

a regulacao efectiva adveniente da boa fe. Em jogo esti a dimensio

histOrica do fenOm eno, nos seus aspectos multifacetados.

A necessidade de reflexao cultural, em dimensao histOrica, cor-

responde a prOpria concretizacao da boa f6 como ideia

( 8 3

), confere,

quando praticada, urn ponto de vista novo, capaz de quebrar o ponto

morto a que ch egou uma serie de querelas que animam, ainda hoje,

o panoram a juscientifico (

8 4 )

e elucida, de modo decisivo, o pri-

-entendimento (

8 5

)

possivel da boa f6 e a sua prOpria compleicao

nas codificacoes da actualidade. Merece, hoje, urn reconhecimento

geral, nao sendo dispensada em monografias dogmiticas ou em trata-

mentos m etodolOgicos globais.

A pritica da critica histOrica como instrumento da Ciencia do

Direito inicia-se, em regra, a partir da referencia a SAVIGNY e

(83)

Cf.

GERRARD DULCSEIT,

Philosophic der Rechtsgeschichte I Die Grundgestalten des

Rechtsbegriffs in seiner historischen Entwicklung

(1950), 9-28, ern geral, bem

como

HEL?AUT

COING,

System, Geschichte und Interesse in der Privatrechtswissenschaft,

JZ 1951, 481-485 (482).

(84) J.

LLO MPART,

Die Geschichtlichkeit der Rechtsprinzipien

(1976), 125 ss..

( 8 8 )

GADAMER,

Wahrheit u. Methode

4

cit., 250 e

ss..

sua escola

(8

6

) •

Tratando-se da boa fe, hi que it mais longe.

As recepcOes sucessivas do Direito romano, corn relevo para a elabo-

raga° pandectistica do

Corpus Iuris Civi l is,

determinante na codifi-

cacao alema, dao uma ac tualidade grande as concepcOes jusculturais

antigas. 0 papel da boa

fe

na codificacao napoleOnica, cern os

hibitos duradouros dela advenientes, requer o conhecimento dos

cenirios jusracionalistas. A pujanca que, para alem da lei ou

contra ela, a boa fe revestiria, na praxe do principio do seculo, requer

urn discorrer sobre as priticas, pouco conhecidas, da pre-codificacio.

Entende-se, daqui, como, a partir da criacao, no Direito romano,

da boa fe com o realidade juridica, devem ser considerados os seus

componentes histOricos mais diversos, os quais, pelo significado par-

ticular da nocao, que ira tomando corpo ao longo do desenvolvimento,

sao, afinal, os factores histOricos da cultura juridica portuguesa actual.

As consideracoes histOricas a que se ira proceder pretendem-se

criticas, porque histOricas, mas, ainda, numa perspectiva funcional

mais alargada. A m itificacao da boa f6 invadiu largamente a histOria,

sobretudo no entendimento da

b o n a f i d e s

romana. A procura

da verdade histOrica, corn apoio nos textos, na m edida da instru-

mentacio u tilizivel, constitui urn ban co exc elente para, nas raizes,

desfazer os niveis linguisticos de desenvolvimento da boa fe.

Critica, ainda, 6 a an alise da realidade, obtida atraves do estudo histo-

ric°, corn os meios dogmiticos actuais

( 87

). Consegue-se, assim, urn

conhecimento historic° juridicamente operacional, que ganha dimen-

sk corn o seu inserir no pensamento cientifico em progressio,

sobretudo desde o momento em que os modelos sistemiticos, em evo-

lucao dialectica, passaram a integrar, em definitivo, a capacidade

humana de raciocinar em termos juridicos.

II. No estudo dogm atic° da boa fe, hi que efectuar uma recusa

decidida de consideracoes centrais do problema, traduzidas em dis-

cursos sobre a prOpria nocao como ideia. Esse processo, a ser utili-

zado, mais iria agravar os metadesenvolvimentos, de cariz teoretico

ou linguistic°, que afligem o panoram a juscientifico actual, corn

incidencia particular na boa fe.

(

8 8

) Recorde-se o escrito fundamental de

LA-RENZ:

a sua

Methoden lehre .

( 9 7

) Sobre as possibilidades e limites deste procedimento, E. BErrt,

Moderne dogmatische

Begriffsbildung in der Rechts- und Kulturgeschichte / Ist die Benatzung moderner Rechtsdogmatik bei

der rechtshistorischen Auslegung berechtigt?,

StG 12 (1959), 87-96 (93, p. ex.).

4

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50

a boa fe no Direito civil

Preconiza-se, por isso, uma anSlise assente nas suss aplicacoes

concretas, agrupadas por institutos historicamente consagrados e

que, o mais das vezes, mereceram, na codificacac portuguesa de 1966,

mencoes autOn omas. Na'o se pretende uma reflekao dispersa sobre

cada uma das disposicoes que, no C6cligo vigente, albergam a boa

fe

— em bora, mesmo q ue de modo ilustrativo, todas sejam estudadas

— mas antes uma anilise dos lugares que o use e a HistOria

permitem ter por exem plares.

As manifestacoes subjectivas da boa fe, ainda que exploradas a

partir do caso modelar da posse, podem, corn com odidade, ser agru-

padas numa rubrica prOpria. A boa fe objectiva, pelo contrario,

bem mais complexa, requer uma averiguacio separada dos tres gran-

des grupos dotados de autonomia institucional: a actuacio de boa fe,

que inclui a culpa na formacio dos contratos, a execucao das obri-

gacoes e outras figuras, o exercicio inadmissivel de posicoes juridicas,

ainda conhecido por abuso do direito e a modificacio das obrigacoes

por alteracao das circunstincias. A unidade destes institutos a dogma-

tica e resultara do seu conhecimento.

A apreciacio dos elementos dogmiticos obtidos pelo estudo

parcelar da boa

f e

permite a sua reduclo global e a sua insercio, em

termos substanciais, no sistema. O btem-se, por esta via, a com ple-

mentacio e a contraprova dos resultados conseguidos.

III. 0 estudo que segue desenvolve-se, por tudo isto, em

tres partes: historico-critica, institucional e sistematica. As teses

defendidas sao autcnomizadas no final.

I

PARTE HISTORICO-CRITICA

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370

a escola historica as tendencias. actuais

IsAy; este A. explica, corn plausibilidade, que «...a norma juridica nao

como tal, imediatamente, a regulagio do caso concreto necessitando,

para isso, ainda da decisio*. 0 que seria tanto mais claro quanto a certa

a presenca de disposiceies que, remetendo o juiz para a boa

fe

ou para

os bons costumes, no compreendem qualquer regulacio para o caso

concreto. 0 con teildo da decisio nao surge atraves de um acto cognitivo,

mas volitivo; norma e decisio no podem ser separadas de modo estrito.

Os factores subjectivos, como a prOprio do nivel decisOrio, imperam,

atraves do sentimento juridico, ainda que corn outran justificagoes

:

considerando urn deles como contrArio a essa o que nao e, em

si, o caso; a norma referente aos bons costumes

é,

ela propria, uma norm a

em branco, incapaz, por isso, de assegurar o controlo da decisao encon-

trada, a seu pretexto, ao abrigo do sentimento juridico, outrotanto

sucedendo corn a boa fe (

4 14

) .

A escola do Direito livre tern sido mal entendida: o periodo do s

totalitarismos que atravessou, as perseguicoes movidas em 1933 a KA N-

TOROWICZ e a incontinencia verbal de FUCHS, para alem do peso das

construcoes tradicionais, levaram a esquecer que, m ais do que defender

uma determinada doutrina, ela apenas referenciou uma realidade exis-

tente, demonstravel pela observacio. Dois pontos importantes con-

tam-se no seu activo: IsAv, corn os antecedentes apontados, vibrou,

na teoria da subsuncio, urn golpe decisivo, enquanto que a impossibili-

dade de, da prOpria boa fe, encontrar um controlo para as decisoes nela

baseadas ficou, desde entio, demonstrada.

Ao admitir, num voluntarismo subjectivo, a decisio de acordo

corn o sentimento juridico, num aspecto comummente assacado e criti-

cado ao Direito livre (

4 15

) , os seus seguidores tocaram num ponto que

bem poderiam ter documentado corn Areas extensas da jurisprudencia

segundo a bo a fe, designadamente na area da alteracao das circunstancias.

Mas claudica em dois aspectos: por urn lado, a liberdade do juiz, no

dominio do seu proprio sentimento

é,

em muito, aparente, visto que

vitirnada por uma aprendizagem dominada por proposicoes legais e

pela insercio em determinada cultura; por outro, ha toda um a proble-

matica a n ivel de efeitos da decisio e de factores que a pre-condicionam,

nos quais a Ciencia do Direito pode e deve intervir.

A

mingua de obras viradas para problemas, o Direito livre nao

teve grande influencia; nesse sentido, actuaram, tambem, os factores

negativos da epoca, acima apontados. Na medida, contudo, em que se

tratou de descrever uma realidade efectiva, o Direito livre permanece,

na boa fe com o noutros sectores, como farol a nao esquecer.

( 41 4

) H.

ISAY,

R echts norm and E n ts cheidung

(1929, reimpr. 1970), 20, 21, 27, 35, 142,

175 e 21 6, respectivamente.

( 41 5 ) Cf , p. ex.,

LARENZ,

M et hL

4

cit., 68;

JURGEN BAUMANN,

Eityiihrung in die Rechtswis-

sensvhaft

6 cit., 77;

OLIVEIRA ASCENSAO,

0 Direito

2 cit.,

503.

§ 14.°

A UNIVERSALIZAcA0 DA BOA FE; 0 IRREALISMO

METODOLOGICO

41.

A expansio da boa

fe em dominios n543 civis

1 .

Antes de ponderar a projeccao efectiva das orientacoes

metajuridicas e positivistas na pratica da boa fe, no dominio da

segunda codificacao, cabs conh ecer da sua expansio fora do Direito

civil. Essa expansao e notavel e denota a compleicao da boa

fe nao como um instituto juridico comum, mas como factor cultural

importante, l igado, de m odo estreito, a urn certo entendimento do

juridico.

0 radicar da boa fe em zonas privadas nao civis, designada-

mente no Direito comercial e no Direito do trabalho

reveste dimensoes problematicas especificas. Ao Direito comercial

deve-se a HistOria moderna da boa

fe (

417

). A sua nao consagracao

expressa no COrligo Comercial alemao de 1862 e na revisao de

1 8 9 7

(418

) tera determinado urn certo desinteresse por parte dos

comercialistas que, deste modo, cederam o primado do seu estudo

aos cultores do Direito civil. De mencao hesitante

(

419), a boa

(416)

Tem-se em mira o Direito do contrato de trabalho que constitui, num prisms

dogrnatico, Direito privado; cf . MENEZES CORDEIRO, Da

s i tutudo jur idica laboral

cit., 8-9 e

62, p. ex .

(417)

Recorde-se a jurisprudencia do OAG Lubeck e do BONG /ROHG —

supra

11

37 — e as primeiras mencoes que the foram feitas por comercialistas, como Tntir. e

GOLD-

SCHMIDT.

(418)

Tambem tratado como C6 digo Comercial novo, o HGB ainda em v igor. A revisit) ,

embora atingindo aspectos substanciais no Direito maritimo e no das socicdades, visou, no

essencial, uniformizar a codificacio comercial corn o BGB. A sublinhi-lo, BGB e HGB

entrariam ern vigor na mesma data. Cf. MAx

PAPPENH EIM, Das

t teue deutsche Handelsgesetzbuch,

ZHR. 46 (1897), 375-389 (375, 377, 383 e 387-388).

(419)

E pouco sistematizada. H.

SCHUMANN,

Handel s R

(1954) 1, 18, 51, 96 e 225 — urn

dos

AA.

comercialistas que main

espaco concede a boa fe — aponta, sucessivamente, que ela ji

no

Direito roman dom inava o trafego comercial, que, a prop6sito do comerciante aparente,

a boa

fe

estabelece a proibicio de

venire contra factum proprium e

a proteccio da confianca, que,

a Prop6sito do Direito da concorrencia, a boa fé determina a inadmissibilidade do abuso de

(416) a 

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372

a escola his tdrica as tendencias actuais

fe

constitui, contudo, urn principio generico no D ireito cornercial,

corn aplicaceies similares as do Direito civil . Sublinhe-se, apenas,

alguma especificidade no Direito das sociedades, onde a boa fe tern

sido dinamizada como fonte de urn dever de lealdade dos socios uns

para corn os outros e para corn o ente societario colectivo (420)

.

autonom izacao sistemitica do D ireito das obrigaceles (

4 2

1 )

;

as vias

de concretizacao e os resultados corn elas obtidos sao semelhantes,

de qualquer modo, nos dois cam pos juridicos (422).

A defesa, em

regressio clara, mas ainda maioritaria

,

da relaclo de trabalho como

uma realidade «comunitario-pessoal», provocou um certo esmo-

recer pratico da b oa fe laboral, uma vez que boa parte dos efeitos

a eta imputiveis eram reconduzidos a alegada «comunidade de

trabalho» (

4 2 3

). 0 transcender dessa orientacao, corn um reconheci-

mento da natureza obrigacional pura da situacao laboral, conduz

a um a aplicacao renovada da boa fe na situacao de trabalho; os seus

posiciies formais e a possibilidade da

suppressio

e que, nos contratos, é inadmissivel atentar contra

a boa fe.

CAPELLE/CANARIS,

Handel sR

1 9

(1980), abordam, por seu turno, como aplicacoes

da boa fe no comercio, a proteccao da confianca - 95 - as inalegabilidades formais - 99

- o abuso do direito - 101, 106 e 112 - e o papel da boa fe na correccio de certos conterldos

contratuais - 137. Faltam, no entanto, referencias a boa fe em pains v.

GIERKE,

Handel sR

8

(1958), em

PAUL HOFMANN,

HandelsR

(1977) e em

HERBERT WIEDMAN N,

HandelsR

(1979),

33-34, local onde poderia ter ocorrido.

( 4 20)

HACHENBURG,

Aus dem Rechte der Gesel lschaf t mi t beschrdnkter Haf tung,

LZ 1907,

460-472 (466 e 467) - foca, em especial, o papel integrador e complementador da boa fe e a

proibicao do abuso;

HEINRICH FRIEDLANDER,

Konzernrecht

(1927), 291 - acentua as adstr icoes

que a boa fe impae ao accionista influente;

HEDEMANN,

Flucht

cit., 21 - menciona, ainda, o abuso

do direito de votar; A.

HUECK,

Der Treuegedanke im Recht der of fenen Handelsgesel lschaft ,

FS

Hiibner (1935), 72

-

1 (74); E.

FECHNER,

Die Treubindungen des Aktiondrs ci t .,

62 ss. (88);

R.

FISCHER,

Die Grenzen bei der Ausi ibung gesel lschaf t licher M itgl iedsschaf tsrechte,

NJW 1954,

777-800 (777 e 779) - refere o dever de lealdade e o abuso do voto, mas nio sublinha a boa

f e .

A lealdade, por forca da boa fe, tern ainda sido salientada na relacao de seguro, sobretudo na

sequencia de RG 8-Out.-1935, JW 1936, 177-178, corn an. favorivel de RA. HENNICKE,

idem

178. Cf. W. Kim",

Treu und Glauben im Versicherungsverkehr, JW

1936, 149

-

51 (149), que

refere a adveniencia, pela boa fe, de deveres para ambas as partes, no contrato de seguro e

R.

FISCHER,

Treu und Glauben im Versicherungsrecht,

VersR 1965, 197 ss..

( 4 21)

GUSTAV RUMELIN,

Dienstvertrag und Werkvertrag

(1905), 265,

LOTMAR,

ob. cit.

infra

374

42 9

, 2, 859 e

OERTMANN,

Deutsches Arbeitsvertragsrecht

(1923), 138.

(422)

No Direito do trabalho, a boa fe suporta, de acordo corn a doutrina actualizada,

o contend° mais significativo dos ch. deveres de lealdade e de assistencia, a cargo do trabalhador

e do empregador, respectivamente. Vide

i r t l i c t ,

607.

(423)

Remete-se para

MENEZES CORDEIRO,

Da

situacdo juddica laboral

cit., 13 ss. e 19 ss.,

bem como para a bibliografia ai citada.

§ 14.° A u niversalizacdo da boa fe; o irrealismo m etodolOgico

efeitos,

e

mbora adaptados a

e s

pecificidade da problematica labora

llo

l,

ordenam-se,

rem dificuldades, pelo figurino obrigacional (

4 2 4

).

Direito portugues v igente,

a

aplicaco, o

os domin

at

ios co

a

m e r c i a l

fe,

e

laboral, das disposicoes que, no Codig Civil, tram boa

nao oferece dtiviclas

( 4 2 5 ) ( 4 2 6 ) .

IL A aplicacao da boa fe

ireito ptiblico

levan

a

ta

boa fe

culdades maiores. Em principio, Tao haveria problemas:

conquistou urn Lugar especifico como dado juscultural, nao depen-

d.enclo, pois, fronteiras

a

cademicas internas. A prOpria ciao entre

Direito piiblico e privado ganhou form a estrita, apenas, com o jusli-

'424

, Em especial,

PETER SCHWERDTNER,

Fiirsorge und Entgelt theorie im Recht der Arbeits-

bedingungen I Eirl Bei trag zum Gem einschaf ts- und Vertragsdenken im Individualarbei tsrecht

und

allgemeinen Zivilrec

(197), 80 ss., corn rec. favoriveis de

HERBERT BUCHNER,

Fiirsorgetheorie

und Ent gelttheorie im

ht

Recht

0

der Arbeitsbedingungett,

RdA 1970, 214 ss. e

HERBERT FENN,

Fiirsor-

getheorie und Entgel t theorie im Recht der Arbei tsbedingungen,

AuR 1971, 321 ss..

(

4 25

) A boa fe, tal como resulta dos institutor civis, tern aplicacao no ambito corner-

cial, por forca do art. 3.° CCm , uma vez que, sendo ex tensiva a problematica mercantil, nao

tern, es comrciais, tratamento prOprio. Repare-se que, nessa aplicacio comercial,

a boa fe

em font perde ae natureza civil e que os principios do Direito comercial nab apresentam

diferencas grander em relacio aos civis - A.

FERRER CORREIA,

D. Comercial ,

1 (973, polic.),

44 ss. e 40. E Curios° notar que, na literatura portuguesa, aspectos importantes

1

da aplicacao

da boa a foram abordados a proposito de questoes comerciais -

d,

p. ex.,

MANUEL DE

ANDRADE,

Sobre a validade das cldusulas de liquidactio de partes sociais pelo tiltitno

207

-

balanc

,

o,

225

-

Rij

86

(1954) , 369-375 e 87 (1954/55) , 3-5 , 17-20, 33 -35 , 49-52 , 65-68 , 81-84 ,

11

228

,

241-3, 7-260

7, 289-292, 305-309 (305

Amortizactio de quotas,

RLJ 93

(1960-

461) 25

 228-233

273-2

33 (232) e, anteriormente, brocANcso GALVAO TELLEs,

Amortizacio de quotas,

ROA 1946, 3-4, 64-69 (69), ambos propondo, a materia, o regime do abuso do direito. Esta

tradicio silo deu frutos; nao se encontra, na producio juscom ercialista portuguesa, tal como

na estrangeira, urn desenvolvimento dedicado a boa fe. E isso apesar de serem frequentes

as cipio ao relevo da boa fe na lide comercial - p. ex.,

FERRER CORREIA,

D referencias de prin

.

Comerc ia l c . ,

1, 36-37,

FERNANDO

Ouivo,

D.

Comercial 1

2

(1970), 22 e A.

PEREIRA DE

Ammon, D.

Comercial

1 (1976/77 polic.) 25. A mencao falta, porem, em L.

BRITO CORREIA,

D.

Comercial 1 (1978 /79, polic.).

(

4 26

) 0 Direito do contrato de trabalho é, dogmaticamente, Direito privado,

laboral

maxime

64; cf. L.

BRITO CORREIA,

D.

Trabalho

1 (1980181, polic.) . 35, para quem o D ireito do

trabalho seria, inicialmente, Direito privado Tambern aqui faltam, nas especidades jusla-

borais, institutor particulares que permitam. prescindir dos instrumentos civis, entre os quo's,

o ntrastando corn o desenvolvimento adquirido noutras literaturas, a boa fe

laboral nil)

é

ref

da boa fe. Co

erida na escassa doutrina portuguesa sobre Direito do trabalho, faltando mesmo

quando se fala nos deveres acessOrios - cf A. L .

MONTEIRO FERNANDES,

Nocoes

fundamentais

7, 77 ss.. A in.

cipiencia mais requer, a nivel civil, um estudo ino-

de Direito do trabalho

(19

vador da boa fe.

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374

a

escola' histdrica ns tendbicias actuais

beralismo c corn as codificacoes civis por ele impulsionadas. Anterior-

mente, as norm as oprivadas» e opublicas» entrelacavam-se, a todas

interceptando a boa

fe (

4 2 7

). Feita a biparticao, a bo a fe, sobretud

o

criacao de institutos juspositivos, veio a centrar-se em torno do

comportam ento contratual das partes c da interpretacao dos actos

efectivados nesse ambito

(428‘.

) Imperam, ai, a liberdade c a igualdade,

contrapostas a competencia c a sobcrania, que dom inam o D ireito

pUblico (

4 2 9

). Tanto podcria bastar para impedir a transposicao

(427)

A distincio entre Direito privado e public° tem sido reportada ja. a

ULPIANUS,

D.1.1.1.2; cf., 12.Ain.

VENTURA,

Manual de Direito Romano

cit., 210. Apesar de, desde

sc ter retido a possibilidade de con siderar o Direito por esses dois prismas, nit) pode falar-se

numa contraposicao Clara. No que toca a boa 16, recorde-se que, a partida,

a f ides

podia infor-

mar situacoes privadas e pablicas —

supra

n.°4

7 e 8 — numa situacao que reapareceria na evo-

lucao posterior, corn um exemplo claro em

GROTIUS —

supra,

n.° 28.

(428)

No ambito da primeira codificacio,

supra

n.° 32 e, da segunda,

supra,

n.° 28.

(429)

Mantem-se a distincao entre Direito ptiblico e privado, preconizada em

MENEZES

CORDEIRO,

D.

Reais Cit.,

1, 13 e

D. Obri;qacjes cit.,

1 ,

14;

Cf MARTIN BULINGER,

Offentliches

Rech t a n d Pr i va t rech t

(1968), 75 ss.. A intervenclo do Estado em situacoes privadas e a utilizacao

pelo Estado, de tecnicas privadas de gestio, levantam, como tantas vezes 6 repetido, dif icul-

dades a um a separacio rigida entre Direito privado e public°. Esta deve ser entendida como

uma caracterizacao global a nivel de subsisternas, i. 6, cons° uma coloracio regulativa do subsis-

tema privado, informado por vectores de liberdade a igualdade c do subsisterna publico, domi-

nado por regras de com petencia e por

ius

imperi i .

A natureza aberta desses subsisternas permite,

cm cada urn deles, a erupcao de normas do outro, em obediencia a fenOmenos de absorcio

teleolOgica. Nao deve ceder-se a tentacio facil de, num modernism° aparente que insiste

em ignorar a evolucao juscientif ica registada no L este Europcu, a partir de 1945, t irar o signi-

ficado a con traposicao entre Direito privado e public°. Apesar dos problemas levantados

distincio por ramos juridicos mais recentes — isms velhos, afinal, de quase um seculo — como

o Direito do trabalho e o Direito economic° — recorde-se que Orro

VO N GIERKE,

Der Entwurf

t i n e s ba rg e : l ichen G ese t zbu chs a n d d a s d eu t sche Rech t

(1889), 245, ja havia criticado o projecto do

BGB por ter, segundo ele, esquecido os postulados classicos da situacio laboral alema, enquanto

que unaa das mais extensas exposicaes de Direito do trabalho 6, ainda hoje, a

de

PHILIPP

Lo -

r m A K ,

Der Arbe i t sve r t ra g n a d t d en : Pr i va t rech t d e s Deu t schen Re tches ,

1 (1902) e 2 (1908) e que o Direito

economic°, apesar das suas raizes anteriores, tern sido imputado as necessidades de intervencao

do Estado na economia, aquando do primeiro conflito mundial— G.

RINK,

Wirtschaf tsR

5

(1977), 10 ss., e, corn pormenores,

J. W.

HEDEMANN,

Das

Wirtschnftsrecht,

FS. A. HuEcK

(1959), 377-412 (378 ss.) — ela 6 de manter. Justificans-no razoes culturais, teOricas, praticas

e ideologico-significativas. Ent ponderacio cultural, o Direito privado assenta numa seric

de contributor romanisticos, fundidos no Direito comum europeu e o rdenados, aquando das

codificacoes, em obediencia a lei turas determinadas. 0 Direito public° deriva do jusracionalismo,

depois liberalizado e nao apresenta uma sedimentacio cultural capaz de suportar tuna codificacao•

A nivel teOrico, o Direito privado traduz aspectos funcionais estiveis das relacoes entre pes-

soas; sofre pouco corn as intervencoes legislativas e afirma-se mais por um m odo de procurar

§ 14.° A universalizayclo da boa fe; o irrealismo metodologico

75

d

e

principios intrinsecamente privados, como o da boa fe (

4 3 0

) .

r l a o

impediu.

Do Direito public°, o primeiro sector atingido pela boa fe

foi

o do Processo civil. A sua natureza instrumental perante o

Direito civil e uma certa tradicao literaria de escrita sobre a boa fe

em Processo (

4 3 1

) terao facilitado a transposicao. A jurisprudencia

foi receptiva ao m ovimento, fazendo, desde cedo, aplicacao da boa

fe no campo processual.

Em R G 14-O ut.-1905, numa primeira incursHo das clausulas gerais

do BGB em processo, restringiu-se, em nome delas, o prOprio caso

julgado formal. Uma pessoa conseguira a condenacio de outra no paga-

mento de determinada qua ntia; o R. neste primeiro processo fora citado

corn editais, formando-se, contra ele, caso julgado. 0 R. aparece e,

corn nova acc5o, pretende suster a execuglo da d ecisio condenatoria;

alega que a divida tinha, na sua base, uma #exploracio usuraria* e que o

soluceies do que pelas prOprias solucoes em si. Este aspecto, da maior importancia, prova-se

pela leitura do ZGB/DDR — o Codigo Civil da Republica Democratica Alemi, de 1975

— que, representando o expoente mais evoluido de urn jusprivatismo tido por diferente, acaba.

malgrado reconversOes linguisticas — p. ex., em vez de boa f6, fala ens .Moral socialistap —

por manter incOlumes os grandes vectores do

ius roma:Lunt

actual. 0 Direito pUblico integra

uma area organizatOria de nivel superior, bulindo corn relacties de submissao entre pessoas, de

dominio do E stado e de controle directo sobre a producao e distr ibuicao de r iqueza. Torna-se

muito sensivel as conjunturas e, merce das suas flutuaceies, deve surpreender-se pelos resultados

q u e

consiga, mais do que pelas vias que preconize. A nivel pratico, o qualificar de uma situacao

como privada ou publica decide do seu destino academic°, literario, legal e judicial. A nivel

significativo-ideologico, ha que assumir o facto de, na existencia de um Direito comum, resis-

tente ao arbitrio do contingente, residir a sarvaguarda mais relevante do desenvolvimento livre

da pessoa humana. Esse papel a desempenhado pelo Direito privado. Compreende-se, por isso,

a preocupacao sempre demonstrada pelas tendencias totalitarias politicas, coin ilustracao classica

no nacional-socialismo alernio, em minimizar ou, se possivel, preterir, a distincio, no juridic°,

do privado e do public°. Nada disto deve, contudo, ser interpretado como ausencia de perinea-

bilidade entre os dois subsisternas ou como minim izacao do Direito public°, decisivo, afinal,

para a definicao das socicdades e para a efectivacio definitiva dos valores concebidos, no inicio,

a nivel privado.

Entendida aqui, ao gosto da pos-codificacio, como principio paralelo ao da auto-

nomia privada e destinado a reforci-la.

( 4 31

) A partida, a clivagem entre os

bonae fidei e os stricti iuris iudicia

— recorde-se o

trabalho decisivo de

KRUGER Cit.

s up .

54 4

— era de origein processual. Antes da codificacao

alema, ha que apontar o livro de

JO SEF TRUTTER,

Bona fides int Civilprozesse / Eht Beitrag

zur

L e h r e v o n

der Herstel lung der Urtei lsgrunde

(1892, reimp. 1972), seguido do de

KONRAD SCHNEIDER,

Treu and Glauber: in: Civilprozess

(1903) cit.; estas obras, apesar de defenderem teses opostas,

introduziratn, na literatura processualista, o h abit() de referir e tratar a boa 16.

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§ 14.° A u niversalizaccio da boa fe; o irrealissno metodologico

77

376

Da escola hisarica as tendencias actuais

seu paradeiro, conhecido de todos, fora, na propositura e decurso da

accao em que fora condenado, Bloemfontein, na Africa do Sul. 0 RG

decidiu: «0 caso julgado formal da decisio anterior nao se

opeie

cacao do § 826 BG B. A eficacia do caso julgado deve cessar, onde el

a

seja, corn

consciencia, usada para escopos aos quais nao se deve dar o

cunho do Direito) (

4 3 2

). 0 § 826 BGB reporta-se aos bons costumes e

nao a boa fe. Nos primeiros

tempos

da vigencia do BG B, foi frequents

a confusio entre boa

fe

e bons costumes, sobretudo no dotninio do exer-

cicio inadmissivel de posigoes juridicas (

4 3 3

). A equacao encontrada pelo

RG é,

no entanto, de tipica boa fe.

Mu ito claras seriam as consideracoes de

RG 1

-

jun.

-

1921. Numa

accao de condenacao no pagam ento de quantia determinada, o R. vein

dizer que acordara corn o A . a retirada dessa accao. Disse o RG ....deve

aceitar-se que tambem a relagao processual das partes, assim como o seu

relacionamento jusmaterial, a dominada pelo principio da boa

f e , t

a i

como a exceptio doli generalis, reconhecida para o Direito do Codigo

Civil se dirige precisamente contra o comportamento do credor no

processo (

4 3 4 ) .

A

doutrina, apesar das hesitacoes de KONRAD SCHNEIDER

(438

),

que mais nao representaram, alias, do que o reflexo das posicoes

restritivas assumidas por ele no campo civil (

4 3 6

), aceitaria a recepcao

da boa fe, tal como emergia do § 242 BGB, ao Processo civil (

4 3 7

).

RG 14-Out.-1905, RGZ 61 (1906), 359-366 (361 e 365).

Quanto a distincio final entre boa fe e bons costumes,

infra,

n. ° 113.

RG 1-Jun .-1921, RGZ 102 (1921) , 217-223 (217 e 222-223) .

KONRAD SCHNEIDER,

Treu und Glauben im C ivilprozess

(1903) cit ., 21-22, p. ex..

CE sup. nota 329. K.

SCH NEIDER

teve o apoio de K. H.

GoRRES,

Uber das Verschulden in; Pro-

zesse,

ZZP 34 (1905), 1-106 (7), o qual, em particular , critica Teurree -cf ., tambem

GoRRES,

ob. cit.,

7

9

. Tambem a respeito do ch. dever de verdade, esse A. nega aplicacao a boa fe. Em

compensacio, Murree,

Bona f ides im Civi lprozesse

cit., p. ex., 155 ss., infere, da

bona fides,

um dever geral de honestidade processual, de onde retira deveres processuais de relevo. T. pro-

nunciou-se, como foi salientado, antes do pr6prio BGB.

(436)

Cf.

s u p r a ,

354-355

3 29

.

( 4 3 7 )

BENRENDO RF,

Treu und Glauben im Zivilprozess, JW

1933, 2870-2872 (2872)

- foca o relevo da boa

f6

no processo, mas cham a a atencio para a sua indeterminabilidade,

que tern por semelhante a que reinaria no Direito civil;

WILHELM BELTZ,

Treu und Glauben und

die guten Sitten nach neuer Rechtsauffassung un d ihre Geltung in der ZPO

(1937) - defends a

aplicacio geral da boa fe ao processo -

ob. cit.,

22 ss. - tom relevo particular para a

exceptio

doli -

ob. cit., 31 ss.;

BERNHARDT,

Auswi rkungen von Treu und Gl auben i m Prozess und i n der

Zwangsvollstreckung,

ZZP 66 (1953), 77-100 (95, 99 e 100, p. ex.)-sublinha, em particular,

que sem a boa fe, as formas processuais t ransformam-se em formalismos. A nivel geral, embora

corn valia heterogenea, refirani-se Sari:Nee /Sciuctinee/Niese,

ZivProzR

8

(1956), 25,

HORST

TH EUERRAUF,

Beweislast, Beweisfiihrungslast und Treu und Glauben,

MDR 1962,449-451 (449-450),

Perante tentativas de transposicao pura e simples e sublinhando a

necessidade de adaptar a regra da boa fe a realidade processual, que

r

equereria, no campo deixado aberto pela lei, uma liberdade especial

dos

litigantes, pronunciar-se-ia BAUMGARTEL

(438 ).

Na doutrina pro-

cessual, tomou, entretanto, proporcOes translativas um agrupamento

em quatro tipos dos casos de aplicacao da boa fe (

4 3 9

): a proibicao

de consubstanciar dolosamente posicoes processuais

(440),

a proibicao

KucHINKEISci toti l tE, ZivProzR

9

(1969), 10 e 150,

BLO MEYER,

ZivProzR

(1963), 148-149,

W. ZEISS,

ZivProzR

4

(1980), 73 e 74,

JAUERNIG,

ZivProzR

(1981), 96,

ROSENBERG /SCHWAB.

ZivProzR

(1981), 10 e 374-375, P.

ARENS,

ZivProzR

2

(1982), n. ° 216 (144-145) e K .

SCH ELL-

HAMMER,

ZivProzR

(1982) , n .° 585 e 1128-1129 (290 c 584-585) . Em compensac io , f a ltam

refecencias dignas de nota - embora sem se assumir tuna posicio negativista - em

NIRISCH,

ZivProzR

2

(1952), em R.

BRUNS,

ZivProzR

(1979) e em F.

BAUR,

ZivProzR

4

(1982). A nivel

monogrifico predomina, tambetn, corn as precisties proprias de cada A., a idcia da aplicabilidade

da boa fe preconizada no § 24 2 BGB ao processo. Cf infra os escudos de

BAUMGARTEL, DOLLS,

ZEISS, W. HENCREL

e H.

KONZEN.

Esta posicao domina, de igual modo, os comentarios,

corn destaque para

STEIN/JONAS /SCHUMANN,

ZP0

20

, Introducio (1980), n.° 242 (144 ).

(438)

BAUMGARTEL,

Treu und Gl auben ,

B u t e

Si t ter; und Schikaneverbot im Erkerintnisver-

fahren,

ZZP (1956), 89-131 (119 ss. e 131), contra um certo simplismo anterior, presence, p. ex.,

em

BELTZ -

cf. infra,

745

3 7 8

- reconhece a aplicacao da boa fe no Direito processual civil,

mas redama que se proceda as adaptacoes necessir ias, dado o espirito especifico desse ramo

juridico.

(439)

Na origem desta tetraparticao, aplicada ao processo, encontra-se a monografia de

WALTER Z eiss,

Die arglistige Prozesspartei I Beitrag zur rechtstheorctischen Prdzisierung eines Ver-

botes arglistigen Verhaltens inn Erkenntnisverfahren des Zivilprozesses

(1967), 41, 52 ss., 100 ss., 123 ss.

e 150 ss., retomada pelo prdprio

ZEISS,

em

ZivilProzR

4

cit., 73-74,

pOr ROSENBERG/SCHWAB,

ZivProzR

1 3

cit.,

375, por

BAUMGARTEL,

Treu und Glauben im Zivilprozess,

ZZP 86 (1973),

353-372 (362-366), por

SCHELLHAMMER,

ZivProz

cit ., 584-585, por

STEIN /JONAS /SCHUMANN,

ZPO

cit., n. ° 248 ss. (146 ss.) e ainda, embo ra corn intencoes critical mais ou m enos extensas,

por outros

AA.

A mencio a esses grupos aparece urn canto misturada em

BLO MEYER,

ZivProzR,

cit ., 148-149. Com plementando um pouco essa tetraparticio, embora the respeite or quadros,

surge o agrupamento sugerido por

WOLFRAM HENCKEL,

Prozessrecht und materielles Recht

(1970),

370-374; este A. preconiza cinco grupos:

venire contra factum propriwn,

falta de interesse justi-

ficado no exercicio, dolo agi t . - i . 6, dolo facie, quid peti t , quod reddi turu s est ,

no sentido de ser

contraria a boa fe a exigencia do que, de seguida, deva ser rest ituido - cf.

infra §

320 - a aqui-

sicio desonesta de urn direito e o abuso de posicoes juridicas. A influencia de urn certo discurso

civil, prOprio do tema do exercicio inadmissivel de posicoes juridicas, nurna fase em que se

apresentava, ainda, fraccionariamente,

é manifests .

(440)

Exemplo deste tipo de concretizacio da boa fe em processo seria dado pela decisao

do BGH, em 23-Nov.-1977, NJW 1978, 426-427 (426) = ZZP 91 (1978), 486-488, coin an.

favorivel dc

KLAUS SCHREIBER,

488-490 (488). Entendeu-se ai que, por forca do dever de

comportamento honesto em processo, derivado da prescric5o da boa fe - § 242 BGB -

uma parte nao pode beneficiar do n

-

o decurso de urn prazo cuja notif icaclo, que produziria

a interrupcio, foi dolosamente Unpedida. No Direito portugues, hipoteses semelhantes tern

( 4 3 2 )

 

( 4 3 3 )

 

(434)

 

(435)  

§ 14.° A universalizacdo da

boa fe;

o irrealismo

inetoctolqico

79

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378

a escola historica as tendencias actuais

de

ven ire con tra fac tum propr ium

4 4 1 ) ,

a proibiclo de abuso de podere

 

4 2 ) e a

suppressio

( 4 4 3

). Neste elenco, mal se esconde utna

recepcio da sistematica interna do exercicio inadmissivel de posio

es

a .

As especificidades ensaiadas por alguns processualistas, reconduzind

o ,

por exemplo, o consubstanciar doloso de

posicoes processuais a um

terra de interpretacio de normas, duvidando da probicao de

venire

con tra fac tum propr ium

como tal, ou pondo entrave ao preterir dos

prazos estritos processuais atraves da

suppressio,

sac) apenas um reflexo,

contemplacio legal expressa; p. ex.: art. 321.° CC ou 203.0/2 CPC. Contra a configuracao

deste grupo como carp de aplicacio da boa le pronunciam-se

ZEISS,

Arglis tige Prozesspartei

cit.,

52 ss. (58 ss.), BAUMGARTEL,

Treu and Glau ben im Z iv i lpro ze ss

cit ., 362-363 e Holm. KoNzEN,

Rechtsverhaltnisse zwischen Prozessparteienl Studien zur Wechselwirkung von Ziv il - und Prozessrecht

bei der Bewertung und den Rechtsfolgen prozesserheblichen Parteiverhaltens

(1976), 252; cf.

STEIN/

/JONAS/

SCHUMANN, ZP0

20

cit., 146

16

. Estes AA. entendem, no essential, que nao haveria,

nos casos que integrariam este grupo, a violacio da boa fe, mas antes o contornar de disposicaes

legais, devendo, pois, resolver-se pela interpretacio. Corn alguns desses casos, pclo menos,

assim

serf. 0 grupo

em

causa tern sido aprofundado no Direito civil em torno da locucio

to quoque;

trata-se de uma via que poderia ser aproveitada com merit° no processo.

Cf.

infra, §

31.°.

(

44

' ) Exemplo Inuit° citado de vcfp em processo é o decidido em BGH 20-Mai.-1968,

BGHZ 50 (1968 ), 191-197 (192 e 196): um a parte nega a competencia do tr ibunal arbitral e,

citada perante o tr ibunal comum, excepciona o com promisso arbitral; o BGH entendeu haver

comportamento contraditOrio, em violacio da boa fe 242 BGB. 0 vcfp em Process°

é questionado por

ZEISS,

Die arglist ige Prozesspartei

cit ., 100-122, por

BAUMGARTEL,

Treu und

Glauben im Zivilprozess cit . ,

363-365 e 372 e por H.

KONZEN,

Rechtsverhaltnisse zwischen Prozess-

parteien cit . ,

237-238, 239-240 e 254 . Tambem

ROLF STORNER,

Die Aufk larungspflicht der Par-

teien dcs Z ivilprozesses

(1976), 91-92, tern o vcfp como construcio artif icial. No fundo, subjaz

a limitagio excessiva que adviria de uma permanente vinculacio das partes aos comportamentos

processuais

q ue

porventura assumissem urn dia, corn prejufzo para a possibilidade de se poderem

adaptar a evoluclo processual. Esta dificuldade surge tambem no Direito civil; cf.

it fra, §

2 8 ° .

(442)

Esta figura 6 urn tanto residual, abrangendo hipoteses de chicana

e de arrastamento

injustificado do processo; STEng/JoNAs/SolumANN, ZP0

20

cit ., Introduclo, n.° 254-257 (148,

-149),

ROSENBERG/SCHWAB,

ZivProzR

1 3 cit., 375,

ZEISS, Die arglist ige Prozesspa rtei cit . ,

150,

KONZEN,

Rechtsverhaltnisse zw ischen Prozessparteien

cit ., 270-273 e

H ENCREL,

Prozessrecht a

n

d

materielles Recht

cit ., 373-374. Cf HANS

MLLE, Pjlicht

zur

redlichen Prozess fi ihrung?,

FS RrEse

(1964), 279-294 (287).

(443)

Suppress io 6

a expressao proposta para traduzir a

Verwirkung, i .

e, a situacio em

que incorre a pessoa que, tendo suscitado noutra, por forca de urn nio-ex ercicio prolongado

,

da

boa

fe — cf.

infra, §

30°. A sua aceitacio ern Process° 6 pacifica, levantando apenas davidas

quando, atraves dela, se tente flexibilizar a presenca dos prazos rigidos, tfpicos do direito adjec-

tivo. A problemitica real escondida pela

suppress io — cf. infra, n.° 76 — nio aconselha tuna

transposicio simples do Direito civil pars o Processo, neste domfnio.

paid() alias,

das discussoes que t

4 4 4

ern animado, na doutrina civil, os

tipos concrctizadores da

boa fe

).

No Direito processual portugues, esta expresso atraves do

art. 456.°/1 CPC, embora mediante a cominacio dc

sancOes

pela

prCVatiCaciO,

o dever de comportamento segundo a boa fe, no pro-

cesso. Em torno deste preceito desenvolvem-se, em Portugal, uma

casuistica corn cunho prOprio, muito rica. M erece referencia.

I I I .

0 D ireito processual portugues desenvolveu uma n ocio de

ma f6 especifica, que so a nivel de grande abstraccao — corn uma utili-

dade discutivel — pode ser reconduzida a urn conceito que integre a

boa e ma fe civis. E importante sublinhar que csta especificidade adveio

mais da aplicacio dela feita, do que dos textos legais implicados.

0 art. 264.°/2 CPC, corn a mesma numeracao no CPC/1939, dispae

que as partes tern o dever de 0 ...conscientemente, nao formular pedidos

ilegais, nao articular factos contrarios a verdade, nem requerer diligencias

meramente dilatOrias». Este preceito deve ser aproximado (

4 4 5 ) do

art. 456.° /1 C PC, que determine a condenacio, da parte que

4

e

n 1 1 a

1 1 it oc

gp

qdu

o

 6.02

CPC,

correspondente ao

465.° CPC/1939,

o litigante de ma fe como

4...

tiver deduzido pretensio ou oposicio cuja falta de fundam ento no igno-

rava.,

,...°

que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou

omitido factos essenciaiso e a...0 que tiver feito do processo ou dos meios

processuais urn use manifestamente reprovivel, corn o fim de conseguir

um ob jectivo ilegal ou de entorpecer a accio da justica ou de impedir a

descoberta da verdadm Correspondendo ao termo de uma larga tradicio

'444,

;

Cf.

isyia, §

28.° ss.. Outras aplicacoes da boa fe no Direito privado, tais como o

seu papel no dominio da constituicio de deveres autonomos, tem levantado resistencias

na

sua transposic5o para o processo.

STO RNER,

Die

Aufk larungspfliela

der Parteien des

Zivilprozesses

cit., 87-92, vem dizer que o dever de informacties, a cargo das partes no processo, ficaria mail

clam se fosse derivado, por analogia, d e disposicOes legais diversas, cm vez de assentar na boa fe.

Como se vera, a tentativa de assacar os institutos concretizados a partir da boa fe a diversas

disposicoes legais, alargadas pela analogia, foi ji urn lugar-comum na Ciencia privada. Esse

procedimento, que depara sempre coin as limitaciies prOprias da aplicacio analogica, nao

permite, porem, tratar todos os casos que integram os institutos em causa, ao mesmo tempo

que tolhe soluceies novas. Por outro lado, areas especificas do Direito processual civil tern

provocado manifestacOes contrir ias I interferencia da boa fe, m esmo por parte de A A. que

sio favoriveis aplicacio processual da

bona fides;

assim, no tocante ao onus da prova, veja-se

a recusa de

TH EUERKAUF,

Bewe is la s t, Bewe is fahru ng u nd Teen u nd Glau ben

cit., 451.

(

445

) ALBERTO DOS REIS,

Comeradrio,

3 (1948), 4 ss. (5), sublinha que as nes hipeteses

de ma fe, ent5o com preendidas no art. 465.° CPC /1939, correspondem aos tres deveres positiva-

mente indicados no art. 264 .°: o de nao form ular pedidos ilegais, o de nao articular factos

contrarios I verdade e o de di° requerer diligencias meramente dilatorias. Estes aspectos pode-

tram ser reconduzidos a

urn dever

de probidade e a outro de colaboraclo. Desse A., tambem

Cod.

An. 1

3

(1948) , 366.

380

§ 14." A universalizaccio da boa j '; o irrealismo me todologico

81

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Da escola his tdrica ds tendencias actuais

historica portuguesa

(

446

), o art. 45642 CPC permite, no seu seio, dis_

tinguir os ch. dolo substancial do dolo processual; no do lo substancial,

deduz-se pretensio ou opo sicao cuja improcedencia nao poderia se

r

omits-se urn elemento essential — dolo indirecto; no dolo instrumental

faz-se, dos meios c poderes processuais urn uso manifestamente repro-

vivel

(

447

). Ma s, como se infere, alias, do uso, a tal propOsito, do termo

«dolo*, tudo isto a entendido de m odo restrito.

PAULO CUNHA

explicara

que, apesar de a boa

fe

ser uma co nstante em today as relacties juridical,

incluindo as processuais, ela nao deveria, nestas, ser entendida de m odo

ilimitado: a ideia de luta, subjacente, segundo

P. CUNHA,

a

de processo,

implicaria, de mod o forcoso, a asticia, lancando maos de meios que,

embora legais, nao correspondem ao ideal de justica; a boa fe processual

deveria ser limitada, aproximando-se a m a fe do d olo

(448

).

(

4 4

9 Remonta as Ordenacoes Afonsinas, em cujo Liv. V, tit. XXVIIII =

Collage

cit.,

5, 109-1 10, se dispunha: r iE se o juiz achar, que o accusador querellou maliciosamente,

ou que he revoltoso, ou useiro de fazer taes querellas e accusacooes, ainda que aja per hu cor-

regua, e pague as custas, den-Ihe de mais algua pena arbitraria, qual merecerio. Cf. PAUL O

C U N H A ,

Simulaccio processual e anulacio do caso julgado

(1935), 33-34 e A. FURTADO DOS SANTOS,

A punk& dos l i tigantes de mei- fe no direi to potr io,

BMJ 4 (1948), 44-56 (53). Mais proximamente,

DIAS FER REIRA di conta de que, apesar da lei de 12-Nov.-1822, da Constituinte, que acabara

corn tal regra, grassou, durance o sec. xtx, a pratica de, no termo do processo, condenar em

multa a pane vencida, ainda que de boa fe. A com issao que preparou o CPC/1876, por puras

razoes financciras, manteve essa norma odiosa que, tendo passado na Camara dos Deputados,

acabaria por ser revista na dos Pares — cf. Dins FERREIRA,

Cddigo de Processo Civil anotado

1

(1887), 204 . Nessa linha, o art . 121.° do CPC /1876 dispunha: aquando o juiz entender que a

parte vencida litigou corn ma fe, impor-lhe-a na sentenca a mu lta de 10 por cento do valor

em que decair•.

Quanto a pratica desse preceito — que nao suscitou o interesse dogmatic° pela boa fe

processual, dado que ela apareceria evidence — informa D. FER REIRA,

Cod. Pr. Civ. an.,

loc

sup. cit. , que rt.. . tao grande 6 a repugnincia dos tribunals em impor multa, mesmo aos liti-

gantes de ma fe, que 6 preciso ser esta evidentissima para decretarem a condenacaoo. Explica-se,

destc modo, tambern na Hist6ria, a tendencia que, desde o inicio, levou os tribunals a restrin-

gir as potencialidades conferidas pelos textos legislativos, acabando por confeccionar urn

conceito processual aut6nomo de boa e ma fe: sob o influx') da experiencia desagradivel ante-

rior, que obrigava a condenar na niulta a parte que decaisse, mesmo de boa fe, as condenacoes

em m ulta foram, no todo, evitadas, desde que essa possibilidade legal foi aberta.

(447)

F U R T A D O D O S S A N T O S ,

A puniciio dos l i tigantes de mei fe

cit., 48; CECILIA DA SILVA

D E S O U S A R I B E I R O ,

Do dolo ern geral e do dolo instrumental em especial no processo civil,

ROA 9

(1948), 3-4, 83-113 (101) — esta A. indica al outras classificacoes do dolo processual a traduz

o dolo substancial simplesmente como o que se reporta ao proprio merit° da causa e o instru-

mental como o que se prende ao uso dos meios e poderes processuais; J. G. SA CA RNEIRO ,

Mb fe,

RT 62 (1 94.4), 194-197 (194 e 196), que foca as dif iculdades

de

determinacio do dolo

substancial.

(448)

PAULO CUNHA,

Simulafik processual

cit., 21-24 C ALBERTO DOS REIS, Ma' fe

no

litigio,

RIJ 85 (1953) , 329-332 (332) .

De

facto, e independenternente do considerar-se o processo como

uma luta entre as partes, concepgao que regride, o dispositivo apontado

do CPC deve ser aplicado coin habilidade. Em rigor, qualquer parte

vencida na produclo de prova acaba, afinal, por deduzir pedido ou

oposicao nao fun damentaclas, sendo ainda de ter ern conta que so atraves

da prova exterior pode o juiz convener-se de que a parte ignorava,

ou

nao,

a falaciosidade da sua posicao. Outrotanto sucede corn o ch. dolo

instrumental; este, alias, so questionavelmente pode ser separado do

substancial, uma vez que o abuso dos meios processuais pods, apenas,

aferir-se pela sua improcedencia m aterial

(

449

). ALBERTO DOS REIS

exige,

assim, para a ma fe processual, nao a simples ausencia dc fundamentos

que, por si, nao e, dolo, ou , sequer, o erro grosseiro ou a culpa. grave:

o autor teria de fazer «...urn pedido a quc

conscientemente,

sabe

nao ter

direito; e que o reu contradiga uma obrigacao que

conscientemente sab e

que

deve cumprir*. A jurisprudencia do Supremo firmou, de modo claro, a

ideia, dizendo que

« S O

a lide essencialmente clole3a, a nao meramente

temeraria ou ousada, justifica a condenacao com o litigante de ma

fe, (

4

9.

(449)

 Ha, no entanto, exemplos de dolo instrumental onde, apesar da impossibilidade

de abdicar da apreciacio de merit°, surge, em primeira linha, a idcia de uma actuacao processual

abusiva. Assim, em STJ 30-Nov.-1948, BM J 10 (1949), 225-228, condenou-se como litigants

de ma fe o advogado que, em causa propria: agrava do saneador; reclama contra o questionario;

recorre do despacho que the indeferiu essa reclamacio e de um outro que the desatendera

certos requerimentos; deixa desertos esses recursos por nao pagar as custas; agrava da decisao

de que estavam desertos; reclama da conta entretanto organizada, no que 6 desatendido; agrava

desta alma decisio; subindo o process6 para apreciacio dos recursos e negado o seu provimento

pela Adagio, argui o relatorio em causa de nulo, no que foi considerado improcedente; interp6e,

daqui, urn confuso recurso para o Suprem o, onde levanta questoes desconexas e sent indicar

disposicoes violadas; pede, alem disto tudo, esclarecimentos de quase todos as despachos pro-

feridos na 1.' instancia; e consegue, corn esta actuacio, que ulna accio proposta em Junho

de 1943 estivesse, a data do oairdao do STJ — Novembro de 1948 — ainda na fase do

questionario Em STJ 12-NOv.-1948, BM J 10 (1949), 218-219, condenou-se, tambenr, como

litigante de ma

a ,

a parte quc reclama da conta, apresentando numeros corn ela coinci-

dentes, s6 para protelar o andamento da causa, c, em STJ 1-Jul.-1949, BMJ 14 (1949), 167-168

(168), aquela que reclama e cuja reclamacio, ainda que atendida,

de

nada the aproveitaria. As

multas severas aplicadas pelo Supremo, nestes casos, redo surtido efeito pois nao se cncon-

tram situagOes similares recentes.

( 4 5 °

) Quanto a formula do Supremo, cf . STJ 17-Nov.-1972, BMJ 221 (1972), 164-169

(

167

). Anteriormente, o conterldo da m a 16 processual nao era entendido corn tanta clareza;

assim, em STJ 24-Jun.-1949, BMJ 13 (1949), 291-294 (294), decidiu-se que t ...a recorrente,

corn o intuito de se locupletar a custa das recorridas, alegou factos que, por verdadeiros,

bem sabia que rid° poderia provar c que fez, do presence, uso manifestamente reprovivel, corn

0

mesmo objectivo ilegal, para protelar a accio da justica. Estes dolos substancial e instrumental,

Previstos no art. 465.° CPC, merecem severa puniciot Como se ye, nao lia, aqui, uma deli-

mitacao inequlvoca ao dolo, sendo certo que a impossibilidade de provar certos elementos se

deveu, afinal — como em todos os litigios onde haja controversia quarto aos factos — a terem

382

a escola historica as ten&ncias actuais

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Na

verdade, o esquema da cham ada ma

fe

processual evoluiu, por

obra da jurisprudencia, ja que a doutrina tern sido parca, passando o assunt

o

45 1

), no sentido que a levou a areas proxima

s

da indemnizagio por ma

f e ,

faz, dela, uma obrigacio d e ressarcir os dado s

a parte lesada. Tern, contudo, urn cunho proprio, pois assenta no que

ALBERTO

nos

REIS

chamava de deveres de colaboracio e de probidad

e

,

ainda que entendidos com o de inobservincia relevante, apenas, no dolo

e pressupee a violaca'o de interesses publicos, base da m ulta a que da,

tambem, lugar.

Uma jurisprudencia recente tern vindo a tornar mais elastica e mais

exigente, nalguns casos, a nocio de boa

fe

processual. 0 dever de ver-

dade agudiza-se nas accties de estado, dados os valores em jogo: tem sido

condenados por litigancia de m a fe os investigados que neguem ter tido

relag

-

oes corn as macs do s investigandos,contra o que se venha a pro-

var

(

45 2

). Deste modo, sem ser redutivel a urn misto de ilicitude e de

sido provados factos contririos. Tambem em STJ 12-Jul-1949, BMJ 14 (1949), 212-216 (215),

se viu litigIncia de mi fe na alegacao de factos falsos; cf., ainda, STJ 7-Jan. 1949, BMJ 11 (1949),

116-120 (119-120).

Salva a evolucio a que, no texto, se faz, depois, referencia, a jurisprudenc

-

ia sobre liti-

gancia de mi

fe f ixou-se

em tcrmos bastante mais estritos. A formula de que ela co.responde

a elide essencialmente dolosa, e nio meramente temeriria ou ousada* foi retornada noutras

decisaes; p. ex., STJ 13-Fev.-1979, BMJ 284 (1979), 176-185 (185). Noutro acordao, expli-

cou-se que a mi fe processual corresponde ao dolo e nio a culpa grave no pleito ou a lide teme-

riria - STJ 28-Out.-1975, BMJ 250 (1975), 150-158 (158). 0 tipo de materia que, najurispru-

dencia do Supremo, justifica tal assercao é, sempre, de teor gritante: p. ex., em STJ 5-Abr.-1979,

BMJ 286 (1979), 200-205 (205), viu-se mi f6 no alegar da realizacao de uma assembleia geral

inexistence, corn exibicao de acta ficticia e em STJ 24-Jul.-1979, BMJ 289 (1979), 267-270

(269), entendeu-se ser tclificil, sem dOvida, encontrar-se uma situacao t5o

vincadamente

de mi

fe

como a dos autos, [o italico a do texto do acordaol nos quais um senhorio movera tuna

accao de despejo contra uma pessoa, obtendo o competente mandato de despejo, verificando-se,

na execucao, que no local arrendado permanecia, na realidade, nao o R. no despejo, mas

outra pessoa, autorizada, por escrito, pelo proprio senhorio.

(451)

Registe-se, apenas, uma referenda incidental em

MANUEL DE ANDRADE/ANTUNES

VARELA,

Nocaes eletnentares de Proc esso Civi l ,

1 (1963), 355-356, numa transcricao de

CALA-

MANDREL

(452)

Em STJ 1-Fev.-1974, BMJ 234 (1974), 246-249 (248), condena-se como litigante

de mi fe o investigado que negou as relacaes corn a mac da investiganda, que vieram a pro-

var-se, outrotanto sucedendo ens STJ 21-Fev.-1978, BMJ 274 (1978), 269-272 (271). No

mesmo sentido, pode apontar-se uma serie de ac. da RCb: RCb 16-Jan.-1979, 24-Jan.-1979

e

s dois prizneiros sumariados no BMJ 284 (1979), 294 e o terceiro no BMJ 29

0

por STJ 21-Jun.-1968, BMJ 178 (1968), 176-177 (177), onde se teve por de mi fe a atitude

do R. que, numa separacao judicial de pessoas e bens, negou certas ofensas feitas a A., que vie-

ram a

provar-se. Porem, em STJ 14-Nov.-1978, BMJ 281 (1978), 219-221 (220), No se yin

§ 14.° A universalizacao da boa fe; a irrealismo metodologica

83

culpa - ao estilo da ,falta* francesa - de que tern, no entanto, elemen-

tos, a ma fe processual constitui urn instituto autonomo, dotade de

potencialidades que a jurisprudencia tem vindo a aprofundar. Na'o

corresponde, tambem, a ma fe civil, nod

-

ao cujas implicacees, been mais

complexa s, se ira investigar.

IV. No Direito public° material, em particular no Direito

a

dministrativo, a penetracio da boa fe pareceria, a uma primeira

c

onsideracio, m ais delicada. Contra ela, poderia ter jogado o enten-

dimento liberal da no intervencio do Estado na Vida civil. Essa

intervencio, a verificar-se, teria sempre natureza ex ceptional e care-

ceria, caso a caso, de apoio expresso na lei. A ocorrencia de espacos

vazios contrariaria o espirito do Direito ptiblico que nao admitiria

lacunas

(

45 3

).

Na

falta destas, nao quedaria campo de aplicaclo para

a boa

fe,

tanto mais que, nos inicios da p6s-cod ificacio, ela foi, no

pr6prio Direito privado, confinada a aspectos integrativos. Este

mi fe na R. que, era accao de divorcio, nega o adulterio que se vein a provar; nab obstante,

o Supremo nits alterou, aqui, a sua jurisprudencia: explica, no texto do acordao cit., corn

clareza, que o facto alegado nao relevava para o andamento da causa e que, sendo torpe, nio

tinha de ser confessado.

( 4 5 3)

KATHARINA SAMELI,

Treu und Glauben int

a f f e n d i c h e n

Recht / Einige grundsdtzliche

B e t n e r k u n g e n

anhand der Rechtsprechung des Schweizerischen Buttdesgerichts, SchJV

111 (1977),

289-390 (303-304) e

MARCEL BAUMANN,

Der Begr i f f von Treu und Glauben i ts o f fen t l ichen

Recht

(1952) cit., 71. A aplicacao da boa

fe

no Direito pUblico material,

m a x i m e no Direito

administrativo, foi, ainda, contraditada pelas orientacoes que entenderam dtfender uma sepa-

racio rigida entre os Direitos privado e pablico. Assail,

HARTMANN,

Ueber die Zu lassigkei t

gegenseitiger Aufrechnung Offentlichrechtlicher and privatrechtlicher Forderungen,

VwA 25 (1917),

389-409. Este A. explica

- idem,

392-393 - que, enquanto o

Corpus luris C ivil is e o ALR

incluiam, em conjunto, normas privadas e pUblicas, o BGB teria cstabelecido uma separacao

estrita; mesmo na hipOtese de lacuna

- idem,

396-397 - nao seria licito recorret ao Direito

civil, havendo que a integrar a face das regras de Direito public°, except() havendo remisslo

para normas privadas; como fundamento para esta compartimentacio,

HARTMANN

- idem,

403

- apresenta os ch. «interesses publicos*, que nada teriam a ver coin os privados, que

preencheriam todo o Direito civil. Tambem

OT T O

MAYER,

DeutVwR

3

(1924, reimpr. 1964)

1, § 115, II (115, 117 e 118), defende que as relacaes entre o Estado e os administrados se regem,

apenas, por Direito public°, que a inadmissivel proceder, no seio deste, a operacoes de melhoria

ou de complementacao atraves da analogia corn disposicaes civis, que nib hi institutos comuns

privados e publicos e que nio hi nem institutos publicos coin efeitos civis nem institutos esta-

duais mistos. Tais entendimentos, que corresponderam a uma necessidade historica da auto-

-

afirmacio do publicismo, nao colhem, embora tenham deixado sequelas na literatura posterior.

Normas privadas e ptiblicas entrelacam-se e modificam-se no espaco juridico, desmentindo

qualquer isolamento de sectores. A nivel cientifico, o Direito privado s6 tern ganho corn os

contributos recebidos do publicismo. E tera, porventura, algo para dar.

384

a ,escola h is tOrica

a s

tendencias actuais

85

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raciocinio nunca teria urn peso efectivo na teoria

c

na pratica juspu-

blicisticas. Para tanto, terao contribuido a sua natureza fragm en-

tiria e dificuldades praticamente inultrapassiveis de sistematizaci

o

a

,

mais do que qualquer outro ramo juridico, de principios dotado

s

ticas para poder acudir a quaisquer falhas a nivel de fontes,

fossem, em simultineo, dotadas de sentido bastante para evitar a queda

na discricionariedade pura. A b oa fe fez, assim, a sua aparicao n

o

Na im plantacao da boa fe no Direito pUb lico, a possivel ensaiar

uma reparticao de fundamentacoes em metajuridicas e positivistas. As

primeiras, conduzidas por AA. como

STAMMLER

e

SAUER,

assentando

a boa fe cm factores extra-positivos, como o Direito justo ou a ideia de

justica, nao tem dificuldades em encontra-la, por essa ordem de ideias,

tambem no Direito pUblico. As segundas tentam transpor a boa fe para

o Direito pUblico, atraves de cana is juspositivos. Recorrem, para tanto,

analogia, a mediagao de uma «Parte gerals do Direito ou a existencia

de principios comuns a todos os ramos juridicos. Este Ultimo entendimento

obteve, cedo, o apoio do Tribunal do

Reich,

embora em materia nao ligada

it

boa

fe: em duas decisOes, de 2-Jun.-1916 e •15-D ez.-1916, respectiva-

mente, decidiu-se que o § 6 18

BGB,

que prescreve urn dever de assistencia

a cargo do empregador, tinha, subjac ente, urn principio desse teor, pelo

qual o Estado ficaria adstrito a assistencia dos seus funcionarios (

4 54

).

0- im pulso decisivo para a transplantacio da boa 16 no Direito

ptiblico foi dada, mais uma vez, pela jurisprudencia. Apesar de

algumas dccisoes negativas iniciais, que no deixariam sequelas

(

455

) ,

breve surgiu uma jurisprudencia convicta favorivel a boa fe.

A

decisio

do

RG

de 11-Dez.-1925, embora decidindo de m odo

negativo a pretensao apresentada e defendida

no

processo, corn base

na boa f6, reconheceu a vigencia desta no Direito public°. Discutia-se

ai a questa° posta pela pessoa que, tendo sido detida, fora solta mediante

( 4 5 4 )

RG 2-Jun.-1916, LZ 1916, 1102 (n.° 18) e RG 15-Dez.-1916, LZ 1917, 740-742

(741-742) (n.° 4). A evolucao de que, no texto, se deu noticia breve, documenta-se, alem de

nas obras referidas na nota anterior, em

ADOLF SCHOLE,

Treu und Glauben im deutschen Vw.R,

VwA 38 (1933), 399-436 c 39 (1934), 1-41 (404 ss., em especial), em

ICAIU. H ERMANN

semen

 

,

Treu und Glauben im Zugleich ern Beitrag zur juristischen Methodenlehre

(1935), 31 ss.

,

e e m

AUMANN;

Treu und Glauben im

offR

cit., 49 ss., akin de nas obras

inf. cit..

455

) KARL HERMANN SCHMIDT,

Treu und Glauben im VwR

cit.,

31-32

89 .

§ 14.° A

universal i zaciio da boa fe; o i rreal i smo metodol iSgico

caucio. Realizado o julgam ento, foi absolvida. Vem exigir que, na resti-

tuicao da quantia entregue com o garantia, se tivesse em conta a inflacio

elevada que grassava, emit), na Alemanha, revalorizando-a. Adiante-se

que, nessa altura, a possibilidade de, tendo em conta a depreciacio mone-

taria, revalorizar urn debito pecuniario, fora ja adm itida na jurisprudencia

civil, corn base no principio da boa

fe (

4 5 6

) . 0 RG,

focando nao haver,

neste caso, uma relacio con tratual com as suas exigencias de equ ilibrio

entre as prestacOes, explicou que, embora o § 24 2

BGB

tenha aplicacio

no Direito pUblico, de nao deveria funcionar no caso vertente (

4 57

).

Em 2-Fev.-1926 discutia-se o seguinte. 0 Estado, por suspeita de

especulacio indevida, apreende oito caixas de banha e vende-as, em termos

legais. No processo competente, o ex-proprietario das caixas 6 absolvido.

Alegando a inflagio, recusa a simples entrega do dinheiro realizado corn a

venda, pretendendo que a quantia respectiva fosse revalorizada. 0 RG,

contra as instancias, concede a revalorizaclo explicando que =ban

o Estado, nos seus deveres de pagamento, esti submetido it boa fe, con-

sagrada no § 242

BGB

(

458

).

Verifica-se, dente modo, que a crise economica complexa que,

no periodo de entre os dois conflitos

mundiais, provocou um

aprofundar,

no D ireito privado, das potencialidades da boa fe, foi

tuna base importante do seu enraizamento no Direito paha:.

(

459

).

Data

ainda dessa epoca, uma serie de m onografias sobre a boa fe

no Direito administrativo

(460)

.

Essas monografias, em conjunto

com varios estudos parcelares, revelam urn certo debate em torno

da natureza da boa fe e das suas vias de concretizacIo, sem

correspondencia no panoram a oferecido pelo D ireito processual.

Desse debate, num certo efeito de retorno, adviriam mesmo contri-

butor titeis para a boa fe civil.

Embora aquem das suas pretensties, cabe referir, em primeiro lugar,

o livro de KARL HERMANN SCHM ITT. SCHMITT quis integrar o movimento

de «renovagio do Direito*, langado depois do advento do nacional-socia-

(

45 4

)

A partir da celebre decisio do KG de 28-Nov.-1923, RGZ 107 (1924), 78-94

.°J

.

CV 1924, 38-43 = DJZ 1924, 58-65. Cf.

infra,

n.° 95.

(

45 7

)

RG 11-Dez.-1925, RGZ 112 (1926), 221-226 (221-222 e 224-225).

(

45 9 )

RG 2-Fev.-1926, RGZ 113 (1926), 19-25 (19, 20 e 24).

(459)

Embora n-

ao exclusiva nem, com probabilidade, necessaria. A boa fe teve outras

aplicac8es que n

-

ao se ligam, de modo directo, a temas econ6micos; assim, em RG 3-Abr.-1925,

RGZ 110 (1925), 385-388 (387), entendeu-se a boa fe como bitola de interpretacio dc declara-

Vies pfiblicas.

(460)

Corn relevo para

ADOLF

S c H t Y L E , K . H .

SCHMITT, THEODOR PRAUN,W. JELLINEIC,

W r ia N z a

KNIEZER

t

FERDINAND GOWA,

ji

citados ou a citar.

25

386

a

escola historica as tendencias actuais

§ 14.° A

universalizociio da

boa fe; o irrealismo inetodologico

87

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lismo e que teve, entre outras caracteristicas, uma predileccao parti-

cular pelo desenvolvimento das clausulas gerais

(

461

). A contestagio

ao positivismo pretendeu ser, tambem, urn dos fins cond utores dessa linh

a

462

). SCHMITT

procede, assim, a uma critica de concepcOes

juspositivas anteriores e, em especial, da jurisprudencia dos interesses de

HECK,

a quern acusa, corn razio alias, de nao indicar, em U ltima analise,

urn criterio que, permitindo uma graduacio dos interesses em confront°,

concitasse saidas materiais para os problemas.

SCHMITT

acrescenta que,

para tanto,

HECK

teria de se apoiar numa mundivivencia, o que nao

fez

(

463

). Analisando a jurisprudencia e a literatura do seu tempo, Scm irrr

expae que a pritica juridica da boa

fe

socobrava no empirismo

(46

4).

Por outro lado, a reconducio da boa fe a urn papel integrativo de lacunas,

ao gosto, como se sabe, da metodologia heckiana e dos seus seguidores,

representaria um desvio desnecessario e levaria a dispensar a boa fe

(

465

).

Quanto a o rdenacio e agrupamento dos casos de manifestacio da boa

fe,

Sciparr acolhe, na pratica a proposta de

GOWA (

46 6

):

uma triparticao

em tees campos: o da interpretacao da vontade, o da determinando da

prestacio onde se integraria o caso importante da ch.

clausula rebus

sic stantibus —

e outros, corn inclusao, al, de vectores relacionados corn a

revogabilidade dos actos administrativos e corn a proteccao da con-

fianca

(

467

). SCHMITT,

num decalque pouco conseguido da letra, ji eneio

muito ultrapassada, do BGB, acaba por cair num po sitivismo mais intenso

do que aquele que, por vezes corn interesse, criticara. Na parte afirmativa

da sua construcio laboriosa,

SCHMITT

nada acrescenta de valido. Corn

remissoes abundantes para o caso concreto, acaba por remeter o conte6do

da boa

fe

para *os juizos de valor dos membros da comunidadm A boa fe

no seria, assim, uma norma juridica; permitiria antes, na falta

de

normas

ou nos casos em que estas nao correspondessem ao sentir popular, encon-

trar saidas consentaneas corn o conv encimento juridico do povo ( 4 6 8 ) .

(

4

9 BERND RUTHERS,

Die unbegrenzte Auslegung / Zum Wa ndel der Privatrechtsordnung

im Nationalsozial ismus

(1968), 145 ss. e 237 ss., p. ex.; existe uma 2.'

ed.

de 1973, sem alteracties;

cita-se pela 1.'. Ainda sobre esta obra,

cf.

a rec. de

EGON LORENZ,

RTh 1 (1970), 242-247

(245).

(462)

K. H. Sousirr,

Treu und Glauber;

cit., 12 ss. e 26 ss..

(463)

K. H. Sormirr,

Treu und G lauben

cit., 18.

HECK

tentaria responder a essa critica

em Rechtserneuerung und Interessenjurisprudenz ci t . ,

e noutros locais, alegando, em especial, a

neutralidade filostifica da sua orientacio.

(464)

K.H. Scramix

.

r,

Treu und Glauber;

cit., 27.

(465)

K.H. ScruArr-r,

Treu

und Glauben

cit., 37 e 39.

(466)

FERDINAND GOWA,

Die Rechtsnorm von Treu und Glauber, im Verwal tungsrecht

(1933),

em especial 24.

(467)

K.H. Scramirr ,

Treu und Glauben

cit., 127-142.

(468)

K.H. Soimirr.

Treu und Glauber,

cit ., 98 e 145-146, p. ex. Uma posicio semelhante

assumida por

WERNER

WEBER,

Zum Grundsa tz von Treu und G lauben im Verwa l tungs rech t ,

ZAKDR 7 (1940), 223-224 (223), que fala em econsciencia juridica do sentimento popular sios.

Repare-se, que na apresentaglo da boa fé como correctivo, nao ha

novidade; embora seja um a posicao aprazivel, para combater o juspo-

sitivismo anterior, nao se indica, porem, urn criterio material para ope-

rar, fazendo-se, apenas, uma remissao para o convencimento juridico

do povo. A Hist6ria deinonstraria as prevers6es encobertas por tal

esquema.

Embora m enos significativas, merecem ainda mencio as m onografias

de

PRAUN,

de

GOWA

e de

KNIEPER. PRAUN

entende a boa fe

como uma

remissio para a equidade: ao contrario do Direito, que contemplaria as

situagoes num nivel de generalidade, esta procuraria a justica e o equi-

librio no caso concreto

( 469 ).

No que respeita a suas vias de concretizaclo,

P R A UN

releva a revalorizacao, a boa fe nos contratos de Direito publico(

4 7 0

),

no funcionalismo e nas relacoes puras de soberania, determinando, ai,

a proibick de a rbitrio e de falsidade, a con sideragio pelos interesses dos

cidadlos, a imputacIo a Administracio e a

clausula rebus sic stantibus(

4 7 1

) .

GOWA,

negando que a boa fe tenha urn conteado etico, utiliza-a para

acentuar o factor da lealdade nas relagOes entre Administracio e adminis-

trados

(

472

). Triparte os tipos de aplicacio da boa fe pelos ambitos da

interpretacio, da fixaga'o do dever de prestar e dos comportam entos sin-

gulares

(473

); patente, pois, a letra do BGB .

KNIEPER,

muito apoiado em

KONRAD SCHNEIDER,

de quem retem, em especial, a afirmacio de que a

boa fe exigiria um a ponderacio aparticlaria dos interesses em jogo, garante

que a boa fe, nab tendo conte6do etico, a urn instituto comum aos Direitos

privado e pUblico, comportando embora efeitos diferentes nos dois

dominios respectivos

(474

). Quanto a aplicacOes concretas, refere a vin-

culabilidade dos comportamentos anteriores —

venire contra factum pro-

prium — a revalorizacao, os deveres de assistencia aos funcionarios,

a cargo do Estado e de lealdade, a cargo daqueles e a necessidade de nao

contornar a lei (475

).

(469)

THEODOR

PRAUN,

Treu und Glauben in der Verwaltungsrechtsprechung

(1933), 2

-5, 10

e 54; a boa fe poderia preterir, segundo este A., o Direito positivo.

(470)

Neste campo, dado o patalelismo corn situacoes juridicas privadas, a utilizacio

da boa fe surge como facilitada. Cf., p. ex., as aplicacEies da boa fe no Direito public°, seriadas

por A.

SCH ULE,

Treu und Glauben

cit., VwA 39, 1 ss..

( 4 7 1 ) PRAUN,

Treu und Glauben

cit. , 30-50.

( 4 7 2 )

GOWA,

Die Rech tsnor rn von Treu und G lauben

cit., 60 e

passim.

(473)

GOWA,

Die Rechtsnorm von Treu und Glauben

cit., 24, 44 ss., 51 ss., 59 ss. e 75-76.

( 4 7 4 )

WERNER

KNIEPER,

Treu und Glauben im Verwaltungsrecht

(1933), 19, 20, 21, 24

e 29; o A., na linha, alias, de K.

SCH NEIDER,

enquadra a boa fe no campo da integracio

de lacunas.

( 4 7 5 )

KNIEPER,

Treu und Glauber ,

cit., 55-57. Analise importante da boa fe no

Direito administrativo é, ainda, a de

ADOLF SCHULE,

Treu und Gl auben

eutschen Verwal-

tungsrecht

cit. . Esse A., que procede a uma aproximacio d a boa

fe

corn a Etica —

ob. cit.,

401,

404, 4 05 e 429, p. ex. — regista as dif iculdades de transposicio para o Direito pdblico, dada a

esPecificidade dos escopos prosseguidos por este, mas conclui pela possibilidade de principios

388

a escola histdrica as tenderscias actuais

§ 14.° A

universalizacio da boa fen; o irrealismo m etodoldgico

89

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A

literatura publicistica sobre a boa fe sintetiza-se, no periodo

de expansao dense instituto, numa recusa m arcada de construct

-

5 e s

metajuridicas — desconto feito a

K.-H. SCHM ITT,

corn o seu recurso

formal ao «convencimento do povo* — na admissibilidade de cor-

rectivos as normas juspositivas, por forgo da boa fe, e numa

aderencia marcada aos esquemas descritivos proporcionados pelo

BGB

(

476

). Surgem referencias I necessidade de adaptar a boa fe as

realidades juspublicisticas, corn enfoque particular para os cham ados

interesses

ptiblicos*. Haveria, daqui, uma limitagio a certas saidas

proporcionadas pela boa 1

.

6 no D ireito civil

(

477

.

V.

A

evolugio posterior determinaria uma quebra progressiva

no nivel das referencias a boa fe, por parte da literatura publicistica

geral. As mencoes a

bona fides

quedam-se por sectores ligados ao

comuns —

ob. cit.,

405-409. Indica, depois, regras informativas da aplicacio da boa

fe

no Direito

administrativo, corn relevo para a sua incidencia na Administracio como nos particulares e

para a sua inaplicabilidade numa side de

COOS,

como sejam a necessidade de forma esptcffica,

a presenca de disposicoes estritas ou o estar em jogo uma fungi° essential de Administracio,

e acaba por conduir pela natureza subsidhria da boa fe —

ob. cit.,

425-434. Numa parte espe-

cial do seu estudo, Saitha alinha jurisprudencia da boa

f6

que

revele

nesta, sucessivamente,

uma regra de interpretacio, uma norms de cumprimento, uma sada para o impediment°

indevido de ve rificacio de condicio, a proibitio de

venire contra faction proprium e a suppressio

— o b. cit., 1 ss ., 11 ss ., 15 ss ., 21 ss . e 32 ss ..

( 476)

Aspectos mais distantes da letra do BGB nao ocupar am muito os AA. acima

examinados. Nio obstante, efts nio deixaram de estar representados na literatura do Direito

public°. Assim,

W. JELLINEX,

Tr eu u n d Gla u b en im VwR

cit. , 807, aponta o tema dos com-

portamentos contraditorios, enquanto a

suppressio

mereceria o interesse, mais tarde,

de

RUDOLF

FRANZ STICH -

Die Verwirkung prozessualer Befugnisse im Verwaltungsstre i tverfahren,

DVBI

1956, 325-330 (327) e

Die Verwirkung im Verwaltungsrecht 1 Eine kr i t ische Bilanz der neueren

Rechtsprechung,

DVBI 1959 , 234-239 ( 235) — que , na l inha da sua intervenclo na m ateria

— Vertrauensschutz im Verwaltungsrecht

(1954 ), 26-27 e 56 ss. , p . ex. — a reconduz a um prin-

dpio de proteccio da confianca.

( 477)

Ponzscx-HEFFrPst,

4Tr eu u n d Gla u b er a u n d

itten . im offentlichen Recht,

DJZ 38 (1933 ), 739-743 (741) — u lna os limites que o interesse public° poe I aplicacio da

boa

f 6 —

H ELLER,

Nochmals: Unzulossige Rechtsausabung und iffentlich-rechtli the Ausschluss-

fristen,

NJW 1957, 1222-1223 — foca a necessidade de respeitar os prazos administrativos,

contrariando pois a sua correctibilidade pela boa f6 — e KLtus T IPHE

 

Gesetzmissigkeit der

Verwaltung und Treu und Glauben,

StuW 35 (1958) , 737-752 (737 e 750 , p . ex . ) — sub l inha o

facto de a boa

fe

oder, no Direito public° e, em e special, no Direito fiscal, subverter a

regra da conformidade legal da Administracio. Esta necessidade de adaptacio E acusada, tam-

bent, pela jurisprudencia; em RG 9-Jul.-1935, RGZ 148 (193 5), 266-270 (269), le-se, assim, que

a aplicacao da boa

fe

ao Direito ptiblico E limitada pelos interesses publicos que at dominam .

Direito privado

478

 e pelo D ireito fiscal (479, proximo, em certos

a

spectos tradicionais, da cultura juridica obrigacional. A discussio

sobre a natureza e a extensio da b oa fe desapareceu das piginas

da literatura publicistica.

A

e s s a

afirmaclo, deve exceptuar-se a doutrina publicistica suica.

Motivado pela generalidade por que o art. 2 ZGB consagrou a boa fe (

4 80

),

o espaco cultural helvetico mantem, no Direito ptiblico, referencias intensas

a urn discurso sobre boa fe. Na sua monografia sobre a boa fe no Direito

pliblico, BAUMANN

entende esse instituto como radicado no Direito

natural e, nas suas relaceies corn o D ireito positivo, afirma q ue apenas

ela pode assegurar a prossecucio dos objectivos deste (

4 8 1

). Em tal base,

confere uma aplicagio lata a boa fe, corn poderes vinculantes perante o

proprio legislador, corn capacidade para manobrar

intra, praeter

e

contra

l e g e m

e corn aplicagoes sugestivas no Direito administrativo, designada-

mente no campo da proscricio do arbitno, do venire contra factum pro-

prium,

da revogagio de actos administrativos e do funcionalismo (

4 82 ) .

Seduzido, de igual modo, por considerandos morais,

GIACOMETTI afianga

que a boa fe no a urn principio autonomo, mas urn «componente

enco de cada proposigio juridica* (

4 8 3

); atribui-lhe, em consequencia,

( 478)

o caso, em particular, dos negeocios do Direito privado celebrados pelo sector

public° estadual. Pos-se, depois da Guerra de 193 9-45, o problema de saber se o Estado, face

boa fe, poderia alegar nulidades negociais por de provocadas, por falta de forma, por vfcio

de representacio o6 por carencia de autorizacio. H.C.

NIPPERDEY, Formmangel, Vertretungsmackt,

f ehlende Genehmigung bei Rechtsgeschaften der offentlichen Han d und Treu und Glauben,

JZ 1952,

577-581 (578-581), pronuncia-se pelo primado da boa fe, enquanto

GiY NTHER Barrzxx,

Treu und

Glauben bei Privatrechtsgeschaften der offentlichen Hand,

MDR 195 3, 1-3 (3) , impressionado pela

necessidade de tutelar .interesses ptiblicont, opina em sentido contrario. FRANZ

SCHOLZ,

Treu

und G lauben bei Pr ivatrechtsgeschaften der offentlichen Hand,

NJW 1953, 961-963 (961 963),

chama, a esse propesito, a atencio para a vigencia universal da boa fe no D ireito public°, para

o predorninio da moralidade sobre a lei e para a natureza grave da violacio da boa fe, conec-

tada corn a confianca.

WALTER HAMEL,

Formen und Vertretungsmacht bei Rechtsgeschaf ten der

offentlichen Hand,

DVB I 1955, 796-800 (797 e 800), entende que os efeitos da boa fe sio menores

perante corpos pilblicos do que face a outros sujeitos jurfdicos e que a Administracio silo

poderia, em nome da boa fe, ficar adstrita a meras declarac5es orais, feitas por agentes seus,

enquanto H.

W. WILD,

Treu und Glauben bei Privarechtsgeschaf ten der of fent l ichen Hand,

NJW

1955, 693-696 (6% ), corn larga casuistica, recomenda urn respeito particular pelas normas

de competencia.

( 479)

Cf. infra, 392 ss. .

48

°) Cf. vim, Berner Komm.

cit., Art. 2, n.° 72 ss . (246-247).

( 4 81 ) MARCEL BAUMANN,

Der Begr iff von Treu und Glaub en im offentlichen Recht

(1952)

cit., 24 ss., 27, 32 e 38.

( 4 82 )

BAUMANN,

Der Beg r f f v o n Tr eu u n d Gla u b en

cit. 80, 87, 102, 105 115, 118 ss.

e 141 s s . .

( 4 83 )

ZACCARIA

G I A C O M E T T I ,

VwR

1 (1960) , 220-221 .

390

a escola histdrica as tendencias a ctuais

§ 14.° A un iversal izaf i lo da boa fe; o irreal ismo metodoldgico

91

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urn papel de relevo em dominios semelhantes aos sublinhados por

BAUMANN (

484

).

Estes entendimentos metajuridicos de boa

fe

no Direito pUblico sumo,

corn recurso directo ao Direito natural ou a Etica, nao tem correspon-

d8ncia nos seus congeneres alemies

(

485

). Apesar das dificuldades metodo-

16gicas e de concretizacao que se adivinham, agravad as pelos ambitos de

aplicacio extensor que, para a boa fe, preconizam, eles deixam rastos na

literatura posterior.

SAMELI,

corn uma certa l igacao a Moral , ve na boa

fe urn mandamento da justica material, embora the atribua urn papel

subsidiario

(

48 6).

No tocante as suas aplicaceies, a A. suica distribui-as

pelo abuso do direito e pela proteccao da confianga o que, como se

depreende, the permite abarcar um leque alargado de figuragoes

(

48 7

).

PICOT,

corn menos especulaciies quanto a natureza da boa fe, reparte

as aplicacoes privadas do art. 2.° ZGB em cinco pontos: o principio

da confianca, as regras de com portamento que derivam desse principio,

a posicao do juiz perante o que actue corn demasiada habilidade, as conse-

quencias das accoes levad2s a cabo sem interesse juridico, mas por chicana

pura e o problema da

clausula rebus sic stantibus (

4 8 8

).

Depois de proceder

a uma analise das consagragoes jurisprudenciais da boa fe pelos diversos

ramos do Direito priblico,

PICOT

entende nao haver contradicao entre

elas e os cinco pontos antes isolados

(489

).

Os desenvolvimentos da doutrina publicistica suica sao possibilitados,

em parte, pela consagracao jurisprudencial da boa fe nessa arer juridica

(490

).

Deve contudo reconhecer-se que, como desenvolvimento cientifico,

o discurso sumo padece de insuficiencias decisivas. As concepcoes meta-

-juridicas da boa fe, corn remissOes globais e incolores para o Direito

natural e a Etica, levantam, como sempre, mais problemas do q ue os

resolvidos. Acresce que ess2s orientacoes, quando cotejadas corn o pen-

samento de

STAMMLER

e de

EIUCH KAUFMANN,

sic) de um simplismo

ingenuo. No campo da concretizacao da boa

fe,

corn ressalva para algumas

(484)

GIACOMETTI ,

VwR cit., 1,

289-292.

(485)

Exceptue-se A.

SCHUL ER,

Treu und Glauben irn deutVwR

cit ., 401 e 404, p. ex.,

que admite uma proximidade entre a boa fe e a Etica.

(486)

SA MEL I,

Treu und Glau ben im offentl ichen Recht

cit . (1977), 297, 307-309 e 313.

(487)

SA MEL I,

Treu and Glau ben i tn Offentl ichen Recht

cit. 315 ss. e 347 ss..

(488)

FRANcOIS

Prcor, La

bonne foi en dro i t publ ic,

SchJV 111 (1977), 119-197 (136).

(489)

Picot

La bonne foi en droi t publ ic

cit. 142 ss. (177 ss.).

(490)

ERWN

Rucx,

Treu und Glauben in der offent lichets Verwaltung,

FS Simonius (1955),

341-350 (p. ex., 342

3

, onde se di conta que o Schw BG, depois de, no infcio, ter acolhido bem

a boa fe no campo pUblico, comecou a adm itir restricoes). Apontem-se, alem disso, SchwBG

10-Fev.-1928, BG E 54 I (1928), 188-20 7 (188 ss. e 204), onde, embora sem referir , de modo

expresso, a boa

fe,

se admitiu a

clausula rebus sic stantibus,

como condicao ticita, numa qucsdo

entre entidades publicas e SchwBG 13-Dez.-1940, BGE 64 I (1940), 299-316 (30 0, 312 e 313 ),

onde se rejeitou, no entanto, a pressuposicao windscheidiana. Note-se o arcaismo das coloca-

cOes postas pelas dual decisoes, ji no tempo em que foram encontradas.

considerac&s referentes a proteccio da confianca -- a qu al, alem de nada

ter a ver corn metajuridicismos, fora impulsionada, tambem na Suica,

por AA. corn a craveira de

SIMONIUS (

491

) — pouco ou nada se avanca.

Este estado de coisas abre, em regra, as portas da equidade. A regra

funcionou e, por elas, entrou a jurisprud8ncia

(

492

).

Nas obras gerais de Direito administrativo, encontram-se,

apenas, referencias escassas e desalinhadas a boa fe

(

49 3 ). Embora

ela seja ignorada, faltam desenvolvimentos que tratem a sua

natureza, as suas aplicac5es e as suas formulas de concretizacao.

Tal si tuacao 6 surpreendente, pois traduz um a quebra efectiva perante

os estudos realizados em tempos. Poderia ser inOqua se represen-

tasse o confinar da boa fe ao privatismo: o Direito publico contra-

por-lhe-ia, entao, outros principios prOprios. E como nao se

vislumbra que a boa fe, no ambito alargado de aplicacao que the veio

a ser conferido pela evolucao juridica registada nos tihimos cem anos,

esteja indissociavelmente, ligada apenas a valores e representacifies

juridico-privados — provam-no, alias, a literatura e a jurisprudencia

(491)

AUGUST SIMONIUS,

Ube

 

ie Bedeutung des V ertrauensprinzips in der Vertragslehre,

FG BasljuristFak zum SchJT (1942), 235-282.

(492) Cf.

supra ,

39049o,

(493)

Assim,

W MEAIC, VwR

(1970) 2, 1681, 1967 e 2105,

WOLF MACHO.,

Vw R 9

(1974) 1, 122 e 178 — fica-se, em ambo s, sem saber se a boa fe é um principio do Direito admi-

nistrativo e qual o seu papel —ErucissEN/MARTENs,

Das Verwal tungshandeln,

& im m ix / M A R -

TDB,

A11gVwR

8

(1981), 121-300 (146-147) — mencionam a

suppressio

que imputam a boa fe.

Esta orientacao imprecisa quanto a boa fe denotava-se ji em obras antigas; p. ex., W.

jEL-

LINER,

Vw R 3

(1931 ) 31 e 254 — refere a boa fe, conjuntamente corn outras realidades, para

documentar que a indeterminacio conceptual rile, é discricionariedade livre e menciona o terra

da

clausula rebus sic stantibus,

sem tomar posicio;

FL EINER,

Inst . d. deutVwR

8

cit., 56 27

e 200 —

di a boa

fe

como exemplo de inst ituto susceptivel de aplicac

-

o nos D ireitos privado e public°

e afirma, corn laconismo, que ela deve valer no Direito publico; MEvER/Dootow, VwR

4

pnblico, nao menciona a boa fe;

HATSCHEK/KURTZIG,

Vw R

7-8

(1931), 15 — assumem uma posi-

o

semelhante a de

MEYER /DOCHOW.

As referencias mais extensas a boa fe, em obras gerais

de Direito administrativo, sio as de

FORSTHOFF

e de

LANDM ANN/GIERS /PROKSCH. FORSTHOFF,

VWR/AT

8

(1961), 155-159, entende que, apesar de razes de autoridade, apontadas para a nao

vigencia da boa fe, nao deverem ser desconhecidas, a consagracao dela, pela jurisprudenda, leva

sua admissio.

Admitida a boa fe, F. pergunta pelo seu ambito; aponta, designadamente,

as ch. inalegabilidades formais, a

suppressio,

que reconduz ao

venire contra factum propriunl

e temas de interpretacao.

LANDMANN/GIERS /PROKSCH,

AllgVwR 4

(1969), 108-111, que tern a

boa fe por uma das regras mais marcantes do Direito public°, conferem-lhe urn ambito de

aplicacao amplo e discriminado. Nab obstante o cuidado relat ivo posto por estes AA. nas suas

referencias, a incipiencia mantem-se.

392

a escola histdrica as tendencias actuais

§ 14.° A universalizacad da boa fe; o irrealismo metodoldgico

93

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que consagram a boa fe no Direito priblico

eria de esperar que,

entre os tais principios de Direito publico

,

figurasse algum em tudo

semelhante a era. Na verdade, isso nao acontece, aparecendo varios

institutos dependentes da boa fe - abuso do direito,

suppressio,

alteracio das circunstancias, certos deveres de com portament

o

e

proteccio da confianca - tratados sem co nexio entre si. A situaci

o

recurso a boa fe caindo, na falta de concretizacoes, no sentimento

e na equidade (

4 9 4

). Tais falhas sic), porem, muito compensadas pela

profundidade corn q ue o juspublicismo tern tratado outros principio

s

cia do Direito.

VI. A

boa fe conhece uma implantacio significativa, tambem,

no D ireito fiscal (

4 9 5

). Como pano de fundo, deve ter-se presente

que o Direito fiscal mantem ligacoes importantes corn o priva-

tismo (

4 9 6

), que a jurisprudencia tem, no campo tributirio, urn relevo

particular, dada a desconexao das leis e a sua antiguidade, bem

como a s exigencias constitucionais (

4 8

1 e que a producIo jusmeto-

dologica geral, elaborada em ligacao estreita corn a dogmatica civil,

(494)

Assim, em BVwG 25-Jan.-1974, BVwGE 44 (1974), 294-302 (298-299), expli-

cando-se que a boa

fe

nao se limita a formula da

suppressio,

considera-se que a atitude da pessoa

que, tendo ou devendo ter conhecirnento de certo acto, pretenda que de nao the foi com uni-

cado, contraria aquele principio e em BVwG 23-Mai.-1975, BVwGE 48 (1975), 247-251 (251),

reafirma-se o instituto da

suppressio

e o principio geral da b oa fe, apesar da falta de base legal.

(495)

A nivel de obras gerais, d, p. ex.,

GIERSC:H MANN/ZoLLER,

SteuerR

1 (1959),

129-130, KRUSE,

SteuerR IAT

3

(1973), 69 e

TIPRE,

SteuerR

9

(1983), 550.

(496)

Foca-se, assim, a subordinacao, nos diversos campos, do Direito fiscal, aos prin-

dpios crais do Direito - W Hiorrz,

Die Au s legu ng von S t eu e rgese t zen / I nha l t u nd Grenzen

der wir tschaftl ichen Betrachtungsweise

(1958), 37, 43 e 44 e

KRUSE,

SteuerR/AT

3

cit. , 68 - elabo-

rados, tantas yens, no Direito civil, cuja funcao ordenadora a reconhecida - W. HA RTZ ,

Wand lu ngen im S t eu e rrech t u nd im S t eu e rpro ze ss u n t e r d em Eiq f lu s s d e s Gru ndgese t zes ,

JurJb

3

(1962/63), 100-130 (106) e

Steuerrecht und Gesamtrechtsordnung Gedanken fiber Erscheinungen

und E n twick lungen im S teuer r ech t heu te ,

JurJb 10 (1969/70), 48 -82 (53 ss.). Aspectos primordiais

do Direito fiscal, como a obrigacao tributiria ou

a

tipicidade evocam instrumentos operados

no Direito privado.

(497)

Faurisucri

BURCHARDI,

Moglichkeiten der dritten Gewalt, zur Vereinfachung des

Steuerrechts beizutragen,

StuW 1981, 30 4-321 (30 8 e 311), que foca a complicacio e o aperfei-

coamento advenientes da jurisprudencia fiscal; W.

HARTZ,

SteuerR und Gesamtrechtsordnung

cit., 49 e 51 e

Wandlungen im SteuerR

cit., 103 ss., que sublinha o relevo da jurisprudencia face

I

insuficiencia da lei;

CHRISTIAN HERDEN,

Die Entwicklung des Steuerrechts,

NJW 1983, 546-

-554 (54.6-54 7), corn indicacao breve da temitica constitutional-fiscal, sempre actuante.

tern merecido, aos fiscalistas alemies, a maior atencio (

4 9 8 ). Recor-

ae

-se, ainda, que se aspiraciies profundas de justica irrompem,

c o

ntinuamente, no Direito fiscal (

4 9 9 ), ha af, em paralelo, necessidades

prementes de seguranca e previsibilidade, que jogam contra os

conceitos de determinacio dificil, como a boa fe (

50 0

).

Embora sob o condicionalismo geral favorivel apontado, foi a

jurisprudencia que, co rporizando exigencias praticas, acolheu a boa

fe

no dom inio fiscal (

5 0

9. Entre outros, a boa fe foi chamada para

vedar, a Administracio, os comportamentos contraditOrios, de modo

a nao incorrer em

venire con tra fac tum propriun i ,

corn o reflexo

pratico importailte de vincular os servicos as promessas e informaceies

(498)

Confronte-se, p. ex., o teor geral de

HEINRICH BEISSE,

Die wir tschaftl iche Betrach-

tungsweise bet der Auslegung der Steuergesetze in der neueren deutschen Rechtsprechung,

StuW

1981, 1-14.

0

Direito fiscal pode, ainda, ser uma fonte de contributos gerais &els, como,

p. ex., a possibilidade de, dos efeitos advenientes da aplicacao de norrnas fiscais, retirar conclu-

sties de tipo experimental; cf. Wpm/saw V OGEL ,

Steuerrecht liche Theorien auf dem P riffstand

des rechtswissenschaftl ichen Experiments ,

RTh 9 (1978), 317-347.

(499) A doutrina fiscal chama mesmo a atencao para o relevo dos factores eticos no

dominio tributirio; BO GEH O LZ,

Mehr Ethos im B esteuerungsverfahren, FR 1958, 289-290 (290),

sublinha o substracto &lc° da tributacao;

GERH ARD

MArrERN,

S teuerR und S t euerm oral ,

StuW 35 (1958), 257-258 (257) e

Treu und G l auben i m S t euerR / e i n Bei t rag zur Lehre von der

Besteuerungsmoral unter besonderer Beriicks ichtigung der Rechtsprechung

(1958), 1 ss. e 12 ss. e 26,

que entende, de modo repetido, a boa fe fiscal como influx° da Moral; HEINRICH WILHELM

KRUSE, An

der Grenzen von Tress und Gl auben ,

StuW 35 (1958 ), 719-738 (730 ss.).

(500)

Este factor é, em regra, apontado como co ntrariando a boa fe, no £mbito fiscal.

HANS VOGEL, Treu und Glauben im Steuer- und Zollrecht

(1960), 9, con segue, no entanto, retirar

da boa fe urn papel favorivel a seguranca jut-Mica. Assim seri, de facto, na m edida em que

era proscreva os comportamentos contraditOrios.

(sot

) Quanto aos efeitos mais significativos imputados, no sector tributirio, a boa

fe,

c f .

HELMUT MULLER,

Bindung an Auskiinfte und Zusagen der Finanzbeharden

(1973), 48 e

GERH ARD

REffiliaaterH,

Ausk i i 4 te und Z usagen i m Sys t em des Verwal t ungshandel ns

(1967), 125, p. ex..

Alguns exemplos de aplicacao da b oa fe pela jurisprudencia fiscal recente: BFH 4-N ov.-1975,

DB 1976, 803-804 (803), onde se entendeu que a boa fe visava contradiciks de comportamentos;

BFH 5-F ev.-1980, DStR 198 1, 91, onde se defendeu o mesmo entendimento no dominio

alfandegirio, embora sem aplicacao quando o interessado, perante o qual a Administracio

mudou de atitude, soubesse da ilegalidade do primeiro comportamento; FG Dusseldorf 16-Set.-

-1980, D StR. 1981, 625 (so o sumirio), onde se decidiu que, pela boa fe, a Administracio

ficava vinculada por uma informacao dada, ainda que apenas verbal; BFH 25- Ag.-1981,

HFR 1982, 3, onde se

le

que as disposicoes dos servicos fiscais devem ser entendidas segundo

a boa fe; BFH 9-Mar.-1982, HFR 1982, 4 77-478, onde se declarou que uma modificacao na

taxacio, ji efectuada, nab contraria a boa fe quando, antes da im portacao,

o

obrigado omits

0

pedir informaciies.

394

a escola histdrica as tendencias actuais

§ 14.°'A universalizaaTo da boa fe; o irrealistno metodoldgico

95

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que tenham dado (

50 2

), para proibir a chicana ou para explicar a

s

50 3

). A aplicacao,

no D ireito fiscal , da boa fe, desamparada de estudos em profundidad

e

,

levantou dtividas de extensao: ela nao poderia, segundo alguin

a

50 4

), so se justificari

a

50 5

) e nunca teria, de qualque

r

5 0 6

). Com estas res-

triceies, a boa fe mantem-se, no sector fiscal, ganhando uma certa

autonomia (

50 7

). Capaz de munir a justica fiscal corn um instrument

o

50

8),

desde

que

usada corn cautela, a boa fe tern ainda a vantagem de atrair,

para o debate cientifico-tributario toda uma problematica que, sem

(502)

Kiutt. E.

BACHMAYR,

Die Selbstbindung der Verwaltung im SteuerR,

StuW35

(1958), 561-584 (584), onde se diz que a Administracio nao pode, sem mais, modificar as

as suas praxes;

W. HARTZ,

Wandlungen im SteuerR

cit., 108; MArrERN,

Treu u nd Glau ben

i n n

SteuerR

cit., 25;

GIERSCHMANNgoLLER,

SteuerR 1

cit., 129;

TWICE,

SteuerR

9

cit., 550.

0

problema pode ser reduzido dogmaticamente coin a consideracio de que se trata de proteger

a confianca — p. ex.,

REIFENRATH,

Auskiinfte und Zusagen

cit ., 126 ss. — numa visa° ensaiada

muito pela publicistica — p. ex.,

jOHANNES MAINKA,

Vertratienssrhutz im offentl ichen Recht

(1963) 1 ss.. A afirmacio de que a vedado, no Direito fiscal, o

venire contra factum proprium

feita coin uma tranquilidade inexistente no Direito civil. Nao admira, pois, que se levan-

tassem dificuldades.

( 5 03 )

W .

HARTZ,

Die Au s legu ng von S t eu e rgese t zen

cit., 41-42.

(504)

H.

W. K RUSE,

An den Grenzen von Treu und Glauben

cit ., 734.

(59 REIFENRATH,

Auskiinfte und Zusagen cit . ,

111; TIPKE,

Gesetzmassigkeit der Verwal-

tung and Teen und Glauben,

StuW 35 (1958), 737-752 (742) e

Bindung an Zusagen und Auskiinfte,

StuW 39 (1962), 696-716 (715), onde se diz mesmo quc a boa fa so se poderia aplicar

no campo da discricionariedade da Administiacio; H.

V O G E L ,

Treu und Gl auben i m S t euer -

und ZollR

cit., 6.

(

50 6

)

TIME,

Gese t zmass igk e i t d e r V erwa l tu ng u nd Treu u nd Glau ben

cit., 750.

5

9

H. W. KRUSE,

An den Grenzen von Treu and Glau ben

cit., 728, entende que a boa

Fe fiscal d independente da formulacio do § 242 BGB; MATTERN,

Treu

u nd Glau ben

cit.,

26, contesta, tambem, a aplicacao imediata dessa disposicao a questoes fiscais, no que e

acompanhado por H.

V O G E L ,

Treu und Glauben cit., 7.

( 5 0 8 )

0

interesse fiscal pela boa fe atingiu a propria literatura francesa atraves do

livro de

EMMANUEL KORNPROBST,

La

notion de bonne foi / appl ication au droi t f i scal franfais

(1980) cit..

0

A. considers a boa

fe,

sucessivamente, como uma crenca legitima do contribuinte,

como tuna sua coerencia na adm inistraclo dos bens e como a sua lealdade, no sentido primor-

dial da ausencia de dolo —

La not ion de bonne foi

cit ., 65 ss., 141 ss. e 26 7 ss.. Constatam-se,

pois, as limitacaes metodolOgicas da segunda sistematica, coin uma subjectivacao permanente

da boa fe. Essa situacao é normal, dado o estidio em que a boa

fe

se encontra no espaco

juridic° fiances e considerando a nab utilizacao

,

por

KO RNPRO BST,

dos contributos de

outros espacos.

grande justificacio teOrica, tem escapado a ramos juridicos conside-

r

ados menores.

Em Portugal, esse papel duplo seria muito acrescido.

VII. Esta expansio da boa fe fora do campo civil, complemen-

ta

da por uma difusao larga no Direito internacional ptiblico, cujas

es

pecificidades de base levam a dispensar, aqui, uma analise, permite

falar na sua universalizacao. Mais do que urn instituto privado, a

boa fe exprime urn vector geral de todo o sistema juridic°.

A presenca da boa fe nos diversos ramos do Direito nao tern,

a1, sido acompanhada por urn desenvolvimento doutrinario corres-

pondente. As mencOes surgem esporadicas, sem preocupacOes siste-

maticas e carentes, em geral, de referencias substanciais. Nao fora a

sua consagracao jurisprudencial e a boa fe nada m ais seria do que u rn

lugar comum linguistico. A incipiencia cientifica implica, no domi-

nio da aplicacao, uma liberdade que, limitada apenas pelo prOprio

caso concreto, desemboca, corn facilidade, na solucio de equidade.

Este estado de coisas, algo insOlito, recomenda o levantamento

conclusivo da situacao, no Direito civil, da boa fe.

42.

0 progresso do Direito civil coin base na boa fe;

o irrealismo metodologico

I. A expansio da boa fe em areas nao civic, corn inclusao do

Direito

public° material, avesso, por natureza, a aplicacao directa de

vectores privados frontais, teve, como element° galvanizador, o seu

vivo sucesso no Direito civil.

No BGB, a boa fe fora incluida corn o fito de apoiar, a nivel

figurativo, o fenOmeno contratual. 0 estadio da Ciencia do Direito,

aquando da codificacao alema, nao permitira urn aproveitamento da

experiencia comercial anterior, como se viu. Nao obstante e nuns

ritmo que deixou para tras a metodologia juridica, oscilante, de modo

frenetic°, entre urn juspositivismo cerceador e urn metajuridicismo

incontrolivel, desenvolveu-se, corn base na boa fe, toda uma

jurisprudencia civil (

5 0 9

), que ultrapassou em muito as intenceies dos

codificadores.

(509) As form ulas cm que este movimento se consubstancia seri° examinadas na parte

institutional, a propOsito de cada uma das f iguras em jogo. A «conjuntura aka* da boa fe no

396

a

escola histdrica as tendgncias ac tuais

§ 14.° A universaliza0o da boa fe; o irrealistno ntetodologico -

397

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A partir dessa jurisprudencia, sem outro apoio, em regra, d

o

doutrina hostil, surgiram figuras como a culpa na format ao dos

contratos, a violacao positiva do contrato, o exercicio inadmissivel

de direitos — com ramificacoes largas e variadas — e a eficacia

juridica da alteracao das circunstancias. Salvo o campo, tambern

importante, no Direito alemao, dos progressos obtidos em materia

delitual, corn recurso as clausulas respectivas, constantes do BGB (

5 1

0),

pode considerar-se que o avanco do civilismo, a nivel de solucoes

concretas, durante o seculo presente, actuou corn recurso a boa fe.

No Direito civil portugues, foi chamada a atencao (511) para o papel

dessa nocao na maioria das inovaceies substanciais introduzidas pela

codificacao de 1966.

A pressao doutrinaria, que determinou o radicar na doutrina

e, depois, na lei portuguesas, da boa

fe

e das suas concretizacoes

mais notiveis actuou, tambem, na codificacao italiana de

1942.

Desse

modo, contrastando corn uma consagracao magra no dominio do C6digo

italiano de

1865,

a boa fe irrompe, de subito, em cerca de setenta

das disposicoes do novo c6digo (

5 1 2

). 0 sucesso de tal profusao

foi

limitado (

5 1 3 ). Por urn lado, deve ter-se presente o vigor da cultura

juridica italiana subjacente ao

Codice

de

1942

e que assentou mais

Direito civil era dado adquirido no inicio da decada de trinta — cf. o classic° de Junin

WILHELM HEDEMANN,

Die Flucht in die Generalklauseht Eine Gefahr far Recht und Stoat

(1933), 12 — tendo lido batidos, logo no inicio, tendencias expansionistas dos bons costumes

— idem,

6 ss. . As figuras por que ela se espraia, ainda hoje, estavam, anti°, ha muito consa-

gradas na pratica judicial, carecendo, apenas, de debate doutrinirio. 0 fenOmeno assumiu

tais proporcoes que cerca de quinze por cento das sentences do

Reichsgericht

eram, entio,

reportadas a boa fe, alargando-se pelas diversas disciplinas privadas. No que toca aos Direitos

Reais, refira-se

VON DER TRENCK,

Treu und Clauben beim dinglichen Anspruch und Vertrag,

DJ 96 (1934), 1241-1243 (1243).

( 51 0

) Cf.

ERNST VON CAEMMERER,

Wandlungen des Del iksrechts,

FS 100. DJT (1960) ,

1, 49-136 (52 ss.) e

HERMANN WEITNAUER,

Entwicklungsl inien des Haf tungsrechts,

JurJb 4

(1963/64), 214-242; assinale-se que os progressos em causa foram exigidos pelo caricter

fragmentario do Direito delitual alma° —

cf.

CANARIS,

Schutzgesetze — Verkehrspf l ichten-

Schutzeichten,

FS

Larenz/80. (1983), 27-110 (29)—nao sendo necessarios no Direito portugues,

dado o ambito global do art. 483.°/1 e que, quando os progressos em causa se revelam

insatisfat6rios, e ainda a boa fe que se recorre p. ex., vox

CAEMMERER,

Wandlungen

cit.,

56-58.

("I) Cf.

supra,

27.

( 5 1 2 )

RODOLFO SACCO, L a

buona fede nella teoria dei fatti giuridici di diritto privato

(s/d, mas 1949), 12.

( 5 1 3 )

GIUSEPPE STO LFI ,

II principio di buonafede,

RDComm 62 (1964), 163-176 (163 e 165).

num afinar da tradicao romanistica, do que num desenvolvimento das

clausulas gerais, entio por cientificar. Criou-se, por essa via, urn lastro

cuja continuidade, a rningua de um a aprendizagem, despoletavel, sem

d6vida, por lei, mas dependente, na sua efectivagio, de outros factores,

que a conjuntura nao • favoreceu ate a 6ltima, havia de perdurar. Por

outro, e no que pode ser considerado urn reflexo, na pre:96a codificacao,

dessa continuidade cultural, o legislador italiano de 1942 veio consignar

a boa fe a pontos secundarios, deixando-a arredada das duas areas mais

importantes, em termos de consequencias praticas: a do exercicio inadmis-

sivel de posicoes juridicas — tabus° do direitos — e a da alteragao das

circunstancias. No prOprio campo da actuacio das obrigagOes, a boa

fe

vem referida numa teia tal de outras clausulas gerais — o sdever de

diligencia* e o •de correccao* — que a doutrina transalpina, como a seu

tempo sera visto, se tem esgotado na tarefa de as distinguir, enquanto a

jurisprudencia, insiste, serena, na aplicacao do

vinculum iuris

de cariz

romanistico.

Nao pode negar-se urn certo influxo italiano na largueza que, ao

C6digo portugues de

1966,

mereceu a boa fe. D eterminante seria, no

entanto, o contributo juscultural alemio, captado em termos dire ctos.

II. Na

actualidade, as zonas de crescimento do Direito civil,

cujas novidades mais sensiveis se centram na doutrina da confianca,

no controlo judicial dos contetidos contratuais e nos deveres de pro-

teccio, mantem-se conectadas corn a boa fe.

As razoes deste desenvolvimento sao complexas. As alteracOes

da realidade social, face ao envelhecimento prematuro do BGB

— recorde-se que, ainda em projecto, ji the eram apontadas falhas

no dominio social (

51 4

) — tea°, sem dtivida, contribuido para liber-

tar a jurisprudencia, designadamente aquando da grande inflacao

dos anos vinte. Mas se os dados econOmicos sao determinantes de

inovac5es juridicas, des

ao

bastam para explicar as feicoes que, no

concreto, elas venham a assumir; as proprias solucoes de fundo, perante

os problemas, parecem conservar, na HistOria recente, uma panoplia

de hipOteses, numa liberdade socio-cultural que a fatalidade econ6-

mica

nio

destroi. A confirms-lo, surge o espaco jusdoutrinario

( 5 1

') P. ex. Orro

V O N &ma,

Die soziale Aufgabe des Privatrechts

(1889, reimpr. 1948),

2

3. Cf. MAX GUTZWILLER,

Ober Gegenwart und Zukunf t der Privatrechtswissenschaf t

(1927),

6,

HEDEMANN,

Das W irtschaf tsrecht ci t . , 411,

WIEACKER,

Pandektenwissenschaft und industrielle

Revolution

(1966) =

Industriegesellschaft und Privatrechtsordnung

(1974), 55

-78 (72

-3), ERNST

WOLF, Dee Kamp f gegen das BGB,

FS

G. Muller (1981), 863-882 (873 e 874) e

HARALD

XINORRMANN,

Die Antwort des bargerl ichen Gesetzbu chs auf die soziale Frage,

RTh 12 (1981) ,

209-225 (209).

398

a

escola hisdrica i ts tenc lenc ias ac tuais

§- 14.°

A universalizapio da boa fe; o irrealismo metodolOgico

99

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napoleOnico que, em conjunturas similares, nao buscou, numa juris-

prudencia de boa fe, as saidas que uma codificacao, mais velha, nu

m

A andlise histOrico-critica, ji realizada, permite, gracas a teoria

historica dos sistemas, al desenvolvida, uma explicacao. A chave do

enigma reside numa Ciencia do Direito assente numa sistemitic

a

s

,

eles prOprios cataliziveis por rupturas econOmico-sociais, recondu-

zindo-as, em termos particulares, ao riticleo dogindtico essencial do

sistema.

Dispondo, atraves da tradicao de estudo e meditacao do Direito

romano actual, de um modo, no centralizado, de pensar o juridic°,

a actividade judicial admitia a busca de saidas indedutiveis do micleo

sistemdtico. Por certo, as solucoes preconizadas inseriam-se num

determinado contexto juscultural, traduzindo, em termos mais ou

menos distantes, uma reproducao do sistema. Mas tudo isso enca-

deou-se corn as criacoes concretas a nivel de mero pri-entendimento.

Fora as am arras advenientes da insercao sOcio-cientffica do interprete-

-aplicador e a intuicao prefigurante de um consenso final determinado,

considerado Optimo, o sistema recebeu, mais do que impulsionou,

uma aplicacao da boa fe que, ate hoje, nem foi capaz de justificar

cabalmente.

III. Durante a decada de trinta houve, a nivel de intervencao

juspolitica, urn certo ambiente favorivel as clausulas gerais. Na

origem, pode apontar-se o metajuridicismo stammleriano cujos

prolongamentos, substancializados, desde cedo, por RADBRUCH,

corn os seus apelos a «eticizacao* do Direito

(515

) e pelo social-

-romantismo da Constituicao de Weimar, pressupunham flexibi-

lidade na aplicacao do Direito. A linha de KANTOROWICZ, Fucns

e IsAv, a desembocar na critica da subsuncao e no voluntarismo pode-

ria, em teoria, ter reforcado essa tendencia. Relevante, ainda, ter

sido a linguagem heckiana, forte, apesar das suas carencias materiais,

na critica ao juiz-automato. E tudo isto foi coroado pelos juristas

— e muitos foram — que, alinhando pelas bitolas do nacional-socia-

lismo, vieram, nas clausulas gerais, a procurar apoios para

a nova

(

515

) GUSTAV RADBRUCH,

Der M ensch im Rech t

(1927), 14; cf.

GUTZWILLER,

Ober Gegen-

wart und Zukunft der Privatrechtswissenschaft

cit., 9 e 11.

ideologia (

516

),

necessitada de uma codificacao anti-romanistica que

os sucessos histOricos subsequentes acabariam por nao possibilitar.

juiz deveria dispor de urn maior poder, como modo de dar

conteado ao

ahtersprinzip ;

o

Fiihrer,

imagem da ideia concreta

de Direito e de Estado e guarda maxim° da

Constituicao,

exprimia,

dizia-se, o sentir juridico do espirito do povo — a velha locuclo

savignyana foi redescoberta, mas agora corn urn sentido reificado —

a

que os tribunais dariam voz

(

5

 )

Estes factores no intervieram na expansao da boa fe. Aquando

do

a

dvento nacional-socialista, os institutos mais significativos em

que esse conceito se manifesta estavam, ha muito, consagrados pela

jurisprudencia. Acresce que, num fenomeno comum em sociedades

totalitarias, enquadradas em partidos de massas, assentes na propa-

ganda, surge todo urn desenvolvimento linguistico sem expresso

no real que, muitas vezes, visa mascarar. Se, como informa hoje

WIEACKER, foi possivel, no Direito privado, ainda que a troco de

cedencias linguisticas, preservar o essencial, ha que ter presente as

limitacoes de uma justica dobrada, corn facilidade, por esquemas

inconcebiveis de composicao extra-judicial e que, quando necessario,

foi directamente inflectida no sentido pretendido pelo poder politico

absoluto

(

518

). Pelo contrario: a fraseologia nacional-socialista s6

poderia, terminado o segundo conflito mundial, ter dificultado a

expansao da boa fe e das suas soluciies, o que, pela sua indepen-

dencia real dessa ideologia, na'o sucedeu.

0 Direito livre documenta-se, na verdade, na boa fe. Pelos

factores apontados, nao 6 de admitir urn influxo seu no desenvolvi-

( 5 1 6)

LUBEN DIILOW,

Die Neugestaltung des Deutschen Bargerlichen Rechts

(1937), 44 ss.

(49),

WIEACKER,

Richtermacht und privates Rechtsverhal tnis ci t . ,

11, 11-12, 15 e 18,

ERNST

WOLF,

Der

Kampf gegen

das BGB

cit., 879 e

MICHEL

&mums,

Die Rechtsordnung des

NS-Staates,

JuS 1982 , 645-651 (649) .

(517)

Estas construct

5es, hoje estranhas, podem confrontar-se, p. ex., em

LARENZ,

Deutsche

Reclaserneuerung

und Rechtsphilosophie

cit., 31 ss.,

Rechts- und Staatsphilosophie der

Gegenwart

2

cit., 139 ss. e

Ober G egens tand und Methode des v o l k is chen R echts denkens

cit., 23 ss.

(25), onde se ch ega a preconizar a atr ibuicao, ao juiz, do poder de corrigir a lei expressa, em

obediencia a factores racicos, e em D ixow

Die Neuges taltung des Deutschen Burgerlichen Rechts

cit., 32. Cf., tambem

JULIUS

BINDER,

Der deutsche Volksstaat

(1934),

max ime

34-35 e

System

der

Rechtsphilosophie

(1937) — apresentado como 2.' ed. da

Philosophic des Rechts

cit ., da

qual diverge muito, porem, no contend° e na forma, constituindo uma obra autonoma — 36

1 7

,

onde se nega o conceito abstract° de pessoa.

( 51 5

) No dominio criminal, os tr ibunais tornaram-se responsiveis por dezenas de milha-

res de condenacOes a 'none por crimes politicos e delitos de opitilio. A cifra e pouco

significativa, face a eventos extra-judiciais conhecidos.

40 0

a escola his torica cis tendencias actuais

§ 14.° A universalizacilo da boa fe; o irrealismo metodologico

0 1

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mento da nocao. Ha construcoes, razoiveis c plausiveis a reflexao,

que granjeiam a animosidade dos sew destinatirios; nesse sentido,

sac) decisivos factores de disfuncionalidade externa, claros na prOpria

locucao «Direito livre», cuja inoquidade, contra o que poderia parecer

para os pensadores integrados na h eranca heckiana, a con traditada.

Num prisma sinepico, o Direito livre, a no ser considerado urn

incidente metodolOgico, foi contraproducente: nenhum juiz seria

capaz, mesmo a nivel de pre-entendimento, de prescindir de represen-

tacoes sistematico-cientificas para, apoiando -se nas coloridas tiradas

fuchsianas, decidir,

contra legern,

em nome da boa fe.

De algum relevo tera lido a jurisprudencia dos interesses (

5

19).

A ela ficou a dever-se a generalizacao da ideia de lacuna e a desele-

gancia de um juiz-autOmato, dedicado, em exclusivo, a uma subsuncao

mecanica. Corn a sua carga positivistica, empenhada, em profun-

didade, em com bater o influxo de factores estranhos no dom inio

juridico, a jurisprudencia dos interesses nao veiculou elementos

materiais susceptiveis de, a boa fe, apontar rumor materiais de concre-

tizacao. Deve-se-lhe,

to

so, urn alargamento das figuracoes manie-

tadas pelo conceptualismo estrito anterior e uma linguagem na qual

um a certa liberdade de mov imentacao decisOria foi possivel. Os

factores jusculturais que provocaram o desenvolvim ento, na terceira

sistematica, da boa fe, deixam adivinhar que, mesm o na ausencia

dos escritos heckianos, o fenOmeno teria conhecido exit°.

IV. As metodologias, oficiais ou desmarcadas, que, desde o

inicio do seculo, acompanharam, no tempo, o desenvolver do Direito

civil, corn base na boa fe, nao esti°, para corn esse evento,

numa relacao de causalidade. 0 neo-kantismo stamm leriano e as suas

superacoes, seja pela via do neo-hegelianismo de

BINDER, E. KAUF-

MANN

e

LARENZ,

corn a subsequente preversio nacional-socialista,

seja atraves das m aterializacoes sudocidentais alemas, nao ditaram,

a m ingua de concretizacoes substantivas, uma evolucao processada

sob o signo da decisao efectiva. Tao pouco o fez o juspositivismo

inicial, contrario a boa fe e desautorizado pelos factos, enquanto

a s

doutrinas psicolOgica e sociolOgica, entregues m ais a leituras da

(

519

) LARENZ,

M e t h L

4

cit., 63-64 e

REIMER SCHMIDT,

Die Bedeutung der Entwicklung

von Wirtschaft and Wirtschaftsrecht fur das k lassische Privatrecht / Eine Skizze,

FS Nipperdey I

(1965), 687-399 (688). Referindo, em geral, a pouca inliuencia da discussio metodo1O-

gica na aplicacio actual,

vide

PAWLOWSKI,

Gedanken zur Methode der Gesetzesauslegung,

AcP 160 (1961), 209-237 (210-211).

realidade do que a sua assunclo, em termos de C iencia do Direito,

passavam ao largo do § 242 BGB. Mais considerada, a juris-

pr

udencia dos interesses e suas sequelas compatibilizou-se corn uma

fenomenologia que, em muito, a ultrapassou desde o inicio; carente

de bitolas materiais, a doutrina de

HECK

deixou, a nivel de lingua-

ge

m, urn certo espaco para o crescer da boa fe. No entanto, nao o

a

mparou. Nem podia faze-lo.

De

STAMMLER

a

SAUER

e de

E. KAUFMANN

a LARENz

— uma

vez que, para ji , nao se cura do s desenvolvimentos metodolOgicos

mais recentes — h ouve contributos importantes para a analise e o

entender da boa fe. A todos se deve recorrer. A progressio da boa

fe nao se lhes deve, contudo: esta ocorreu, de fac to, em termos d e

Ciencia Juridica, mas sem conexao com niveis metodolOgicos.

Nao actuante, em prisma genetic°, sobre a boa fe, a m etodologia

to

pouco o foi, a nivel explicativo. No Direito privado, o dom ino

da boa

fe

e das suas aplicacoes co nstituiria, para a especulacao jusfilo-

sOfica, urn terreno de eleicao onde todas as esperancas sac) possiveis.

Descontadas as linhas escassas, de que acima foi dada conta, as

orientacoes diversas nao recorrem a boa fe para com provar as suas

teses ou, sequer, para se documentarem.

A conclusIo a segura: desde

HECK,

e corn as limitacoes apontadas,

ao

ha, por parte da metodologia juridica, um a influencia constativel

na C iencia do D ireito privado e, dal, na interpretacao-aplicacao:

a boa fe constitui urn ponto sensivel para tal diagnostic°. As

diversas construcoes jusfilosOficas nao curam, por outro lado, de

explicar, em termos capazes, o crescimento do Direito civil corn

base na boa fe, nem a sua expansao nas areas juridicas restantes.

E

o irrealismo metodolOgico.

V. Urn fenOmeno corn a im portancia do irrealismo metod °logic°

tern passado desapercebido nas Teoria e Ciencia d o Direito. Trata-se

de urn dado relevante a comprovar a ciao em que ele assenta.

As causas sac. complexas. A C iencia do Direito, na medida em

que o seja, lida corn questoes concretas e corn a sua solucao efectiva;

a ciao kantiana entre ser o dever-ser retira-lhe, sem que disco os

juristas se apercebam, urn amparo m ais abstracto, acantonado no

segundo dos termos referidos, contra o primeiro, onde a interpreta-

cao-aplicaca° se abriga. A auto-consciencia metodolOgica, presente

na heranca de

SAVIGNY,

encerrou os juristas num campo funcional

possivel, dotado de instrumentacao bastante para, sem contributos de

28

40 2

a escola histdrica as tendencias actuais

§ 14.° A universalizacio da boa fe; o irrealismo tnetodologico

03

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areas diversas, operar e evoluir. A cristalizacao na jurisprudenci

a

tomar posicaes opostas e nao, em substancia, diferentes, corn queda

verbal em voluntarismos varios, mais acentuaram a divergencia entre

a Ciencia viva e os considerandos metodolOgicos. Quando STAM MIER

empreendeu um a actuacao, fe-lo num nivel e numa linguagem que

em pouco tocava ja os juristas. A sua continuacao, pela critica neo-

-hegeliana, agravou o problema: agora, a aprendizagem juridica

comum trio basta ji para aceder ao discurso metodolOgico: reservado

a iniciados, este exige uma aprendizagem especifica.

A separacio en tre ciencias aplicadas e teoricas, a nivel cultural,

corresponde a urn dad o da actualidade, perceptivel na politica e na

prOpria Moral. No dominio juridico, sendo geral, adquiriu, no

espaco da terceira sistematica e da evolucao que se the seguiu,

uma feicao particular: enquanto em Franca, no pantano da exegese,

a Ciencia do D ireito progredia em pouc o, no espaco alemao, dis-

pondo de urn sistema integrado, ela avaacou, contribuindo, por si,

para a divergencia desencadeada pelos pianos jusmetodolOgicos.

0 irrealismo metodolOgico retira a Teoria do Direito a eficacia

que, desde o jusracionalismo, ela nao parou de perder. Cerceia,

tambem, as possibilidades de captar o significado da boa fe,

o que é dizer, do progresso real recente do Direito civil. A falta de

conexaes histOricas agrava o problema: a raiz romanistica da

bona fides

e o impulso por ela recebido na jurisprudencia comercial

do seculo xxx sac. ignorados. Mas porque a boa fe mantem-se,

a nivel juscientffico, como fonte efectiva de solucoes novas, a

impossibilidade cientifica de captar o fenom eno, num retrocesso

gnoseolOgico surpreendente, ocorreu a mitificacao do conceito. Na

falta de um captar da nocio, procedeu-se ao seu arvorar linguistico

em principio todo poderoso, em regra fundamental que tudo domina,

em teor etico-social do Direito ou em cerne imanente de limitacoes

internal de posicaes juridicas (

5 2 0 ). Esta linguagem grandiloquente,

(

52 0

) Urn levantamento destes enunciados grandiosos — que se pode docu mentar, p. ex.,

corn

ENNECCERUS /LEHMANN,

SChU/d/2

15

(1958), 18,

corn

PALANDT/HEINRICHS, BGB

42

(1983),

§ 242, 1,

a), aa)

(206) ou corn

W. WEBER,

Treu u. Glauben

cit., A 1 (1-2), constituindo urn

autentico lugar comum — confronta-se em

ERNST WOLF,

SchuldR/AT

cit., 290-291 e

aTreu an d Glauber' ' , 4Treue* and rTiirsorges in: Arbeitsverlail tnis,

DB 1971, 1863-1868 (1864-

1865), que os considera de conterldo impossivel. A mitificacio da boa

he

fora ji denunciada

por

CARCATERRA,

Bonae fidei iudicia

cit., 158 ss., face is consideracoes comuns sobre a

nocio, no Direito romano.

pitoresca, que domina a literatura

e

os espiritos dos juristas

quando

da boa fe se trate é, quanto ao contetido, profundamente vazia.

A sua prOpria descaracteriza-o de tal modo que impossi-

bilita o retirar de quaisquer solucoes reais. As remissoes para ord ens

ou

s

entimentos extra-juridicos mais acentuam o mito, rematado pela

ideia comum, de que, por inomeaveis implicacaes jusfilos6ficas, a boa

fe,

de

aplicacoes mukiplas e incom portiveis, se torna de estudo dificil

ou impossivel. E entretanto, num remate do divOrcio, os

tribunais

progridem, encontrando solucoes bem reais, corn base na boa fe.

Destas ha que partir para transcender o irrealismo metodolOgico,

cientificar, a nivel superior, as conquistas mais recentes do Direito

civil e pew termo ao anacronismo da mitificacao da bo a fe.

§

24.° 0

dever

de actuar segundo a boa

fe

33

nos

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SEccAo III

A BOA FE COMO REGRA DE CONDUTA

§

24.°

0 DEVER DE ACTUAR SEGUNDO A BOA FE

61.

Reduc5es dogm aticas; 'ambito

I .

0 comportamento das pessoas deve respeitar urn conjunto

de deveres reconduzidos, num prisma juspositivo e numa Optica

histOrico-cultural, a uma regra de actuacao de boa fe. As incursoes

anteriores permitiram detectar esses deveres — e logo o aflorar

dessa regra — no periodo pre-negocial, na constancia de contratos

vAlidos, em situacoes de nulidades contratuais e na fase posterior a

a extinclo de obrigagoes.

Tudo isto operou sem nenhuma deducao a partir da boa fe ou

de quaisquer outros principios centrais: os deveres em causa impu-

seram-se merce de problemas sectoriais ou de teorias parcelares que,

neles, encontram uma base de subsistencia e de expansao.

A

boa

fe

veio a ser utilizada, de modo repetido, para fundamentar, no Direito

positivo, as diversas solucoes propugnadas: a sua consagracao legal,

a sua carga histOrico-cultural

e

a sua disponibilidade davam-lhe,

para tanto, as qualidades requeridas. A existencia efectiva de consa-

gracoes reais, traduzida na aplicacao dos aludidos deveres dispersos,

faculta uma possibilidade histOrica impar de penetrar no contetido

material do vago dever de agir segundo a boa fe.

0 conhecimento dos meandros materiais acolhidos a boa fe,

como regra de conduta, pressupoem uma apreensio juridica do fen6-

meno, o que é dizer, a sua reducao dogmatica. Sob era, perfilam-se

problemas ligados a possibilidade de tratamento unitario do tema,

a genese dos deveres em causa, ao seu regime

c

a sua extensa

o.

I I .

A n ecessidade de, aos deveres acessOrios, manifestados

diversos quadrantes, ser dado um tratamento unitirio foi despo-

letada por

CANARIS,

a prop6sito dos deveres

de proteccio. Viu

-

se

como esses deveres

foram judicialmcnte consagrados, no campo

da

cu lpa in cont rahendo

e no da violacao positiva do contrato

(356).

medida quc se deu a sua

consagracio, os

deveres de proteccao

in

contraliendo

assumirarn natureza legal: fundados na boa fe, nao

havia qualqucr contrato que, sem ficcao, os pudesse originar. Os

deveres de proteccao acessOrios, pelo contririo, podiam, corn como-

didade, ser imputados ao pr6prio contrato que acompanhassem.

Ate

aqui, a diversidacle dogmitica

nao suscitava mais

do que uma

assimetria de

construclo; no primeiro caso, a

violacao levaria

responsabilidade obrigacional extra-contratual, ao passo que no

segundo, o caso stria de responsabilidade contratual pura: mas em

ambos, o regime stria o mesmo, uma vez quc os Cddigos modernos

tratam, dc modo indiferenciado, a responsabilidade obrigacional,

independentemente de saber se, na sua fonte, esti a inobservancia

de obrigacOes contratuais ou legais (

3 57

).

A evolucao posterior demonstaria, porem,

a

nao inoquidade

da variacao dogmatica initial. A separacao sistemitica dos deveres

de

 

proteccao

in contraliendo

c acessorios

levou, noutros pontos que

nao

os tratados, de forma expressa, pela lei, a diversidades de regime.

Assim sucedeu corn a responsabilidade do representante ou do

auxiliar. Pelas regras gerais, no dominio obrigacional, os actos

praticados por representante ou auxiliar repercutem-se, para todos

os efeitos, na esfera juridica do representado ou auxiliado

(

355

).

Na

culpa in contraliendo,

esse esquema levantou chividas. A dou-

trina que, desde

JHERING,

se habituara a tratar a responsabilidade dela

emergente como contratual, entendia que, pelos actos pre-negociais

praticados pelo representante, respondia o representado; a jurispru-

dencia do RG veio, contudo, nessas condicoes, a admitir

uma

res-

ponsabilidade autdnoma do representante (

3 59

). A responsabilidade

(336)

Veja-se a jurisprudencia referida

supra,

547 ss. e 6 04, respectivamente.

(357)

No COd igo portugues jogs o art . 798.°: «O devedor que falta culposamente ao

cumprimento da obrigacio torna-se responsivel...”.

(358)

No Codigo portugues, funcionaram as regras dos arts. 258.° e 800 .°/1.; no BGB

os

s 5

164 e 278.

( 35 9 )

K. M1ELKE,

Die Voraussetzungen der H artung des reeltsgeschaftl ich bes tell ten Stellver-

freers Jiir culpa in con traliendo cit . ,

76-77, que sublinha m esmo a forte oposicSo da doutrina,

a

tal orientacio;

T. STICHT,

Zu r H a f t ing de s V er t re t enen and V crr re t e rs t in s V erschu iden be i

634

boa fe coma regra de conduta

§ 24.°

0

dever de ac tua l s egundo a boa fe

35

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autOnoma deste ocorria, na justificacao das decisoes que, na decad

e

de vinte, primeiro a reconheceram, quando existisse urn interesse

prOprio pessoal na conclusao do contrato e logo na conducao d

a s

respectivas

negociacoes

( 3 6 0

)

.

Esta orientac3o manteve

 

e na

juris-

prudencia do BGH

(

361

).

BALLERSTEDT,

em conhecida investiga

ca

o

n

_

sabilidades entre o representante e o representado; fundamentando

a

culpa in contrahendo

na situacao de confianca gerada,

BALLERSTEDT

distingue

varias situacoes tipicas, nas quais a entrega confiante se

faria para corn o representante, por se ignorar a situacao real deste,

ou para corn o representado; conforme os casos, assim a responsa-

bilidade

(

362

). Corn estas achegas doutrinirias, a responsabilidad

e

prOpria do representante, no dominio da

culpa in contrahendo,

6 hoje

reconhecida

(

363

).

Esta evolucao, particularmente atenta as necessidades da vida e

as final exigencias do sistema juridico, possibili tada pela inexistencia,

no dominio da

culpa in contrahendo,

de soluceies legais dispensadoras

de aprofundamentos, nao se deu a propOsito da violacao positiva do

contrato. A incongruencia nao tardaria.

Em B GH 10-Jun.-1964, discutia-se o que se segue. A A. queria

vender urn predio contra uma renda. Contactou urn agente imobiliirio

que se esforgou por encontrar interessados na compra; suspendeu, porem,

o trabalho. Este viria a ser ietomado por urn irmio dcsse agente, clue'

dirigia uma filial da agenda em causa, e que se podia considerar auxiliar;

estava, alern disso, interessado, pessoalmente, no negOcio. Encontrou uma

compradora e promoveu o negocio so que, por razoes no

determinadas,

Vertragsschluss sowie des Erfiillungsgehilfen aus positiver Vertragsverletzung cit.,

73;

LARENZt

A11gT

3

cit., 557 e

SchuldRIAT

13

cit.,

109-110.

(

36

°) K. MinucE,

Ci r

 

cit., 78; T.

SI1CHT,

Cic

cit., 73;

HILDEBRANDT,

Erklarungshaftul lg

cit., 136. Esta orientacao foi assumida, pela primeira, vez por RG 1-Mar.-1928, JW 1928,

1285-1286 (1286) = R echt 1928, n.° 1035 = RG Z 120 (1928 ), 249-256 (253), apoiada na boa

fe. Mereceu, de imediato, uma an. desfavorivel de

HEINRICH STOLL, JW

1928, 1285-1286,

n.° 3, que explica nao poder, uma pessoa, ser, em simultineo, representante e pane.

(361)

BGH 27-Jul.-1963, NJW 1963, 2166-2168 (2167), p. ex..

(362)

K.

BALLERSTEDT,

Zur Haftung fir culpa in contrahendo bei

Geschaftsabschluss

durch

Stellvertreter

cit ., 507, 508, 512 e 517 ss., p. ex..

( 36 3 )

K.

MIELKE,

Cic

cit.,

maxim

134;

CREZELIUS,

Culpa in contrahendo d es Vert reters

ohne Verfretungstnacht, JuS

1977, 796-799 (797);

EGBERT

Prima,

Uberschreiteit der Vertretungstnach

t

FS R. Reinhart (1972), 127-136 ( 13 5

);

ULRICH MOLLER,

Die Haftung des Stellvertreters bei culpa in contrahendo trod positive Forderunr

verletzung,

NJW 1969, 2169-2175 (2169);

LARENZ,

AllgT

 

cit.,

558.

desistiu-sc de uma garantia real a favor da A.; essa compradora onerou

o predio corn uma divida fundiaria e arrendou-o, a longo prazo, contra

pre-pagamento; depois, suspendeu as suas prestagOes; a A. rescindiu o

contrato e accionou o agente e o auxiliar pclos danos sofridos, alegando

a sua inexperiencia; eles deve-la-iam ter prevenido do perigo em renun-

ciar a garantia real. 0 BGH deu provimento a acgio contra o agente,

por violagio de um dever de esclarecimento a cargo do aux iliar, por que

de

era responsivel; denegou-a, porem, contra o auxiliar em si, afir-

mando que, se na

culpa in contrahendo,

se podia reconhecer uma responsa-

bilidade autOnoma do auxiliar , outrotanto nao sucederia na violagio

positiva do contrato, dada a n atureza contratual dos deveres em jog o

(364

) .

Esta solucao, diz

CANARIS, 6

arbitraria(

3 6 5

). Tem razio: se nunca

tivesse havido urn con trato entre a vendedora e a agencia, mas apenas

n

egociacoes preliminares e, por u ma v iolacao de deveres semclhantes,

o

corressem danos, haveria responsabilidade do agente e do scu auxi-

liar; celebrado o contrato, este iliba-se, piorando, em consequencia,

a situacao da contraparte

(

366

).

Para cvitar situacOes de torcao destc tipo,

C A N A R I S

propOs

uma teoria dos deveres unitarios de proteccio: desdc o inicio das

negociac5cs

preliminares, constituir-se-ia, entre os intervenientes,

um clever especifico de pro teccao, derivado d a si tuacao dc confianca

suscitada e fundado, positivamente, na boa fe; esse dever subsistiria,

corn essa tnesma natureza legal, durante a vigencia do contra to,

podendo sobreviver-lhe, e estendendo-se, ainda, as hipOteses de

nulidade contratual e dc proteccao de terceiro

(

367

). A ideia de

CANARIS ,

nao obstante algumas objeccoes

(

368

), tern tido aceita-

( 36 4 )

BGH 10-Jun .-1964, VersR 1964, 977 = NJW 1964, 2009 = JZ 1964, 654 .

(363

) C. W.

CANARIS,

Haf tung D ri f ter a us posi t iver Forderungsverlezung

cit., 115.

(366)

Outro exempla de incongruencia similar a criado por F.-S

EVANS-VON KRBEE,

Nichterfillungsregebi ouch bei tveiteren Verhaltens- oder Sotgfaltspfikhtverletzung?,

AcP 179 (1979),

83-15 2 (87-88): o vitivo V m andata a advogada A para alienar o seu predio; esta convoca a

nteressada I para uma conferencia, no scu escritOrio, sobre as modalidades do contrato;

na entrada, I escorrega no soallio demasiado encerado e pane uma moo; como variance,

Pk-se a hipotese de a convocataria ter tido lugar depois de efectivada a venda, para esclareci-

mentos subsequentes. Pais bem: no caso-base, a A seria responsivel, por

c i c ,

como representante

Interessada; na variante, a natureza contratual dos deveres envolvidos conduziriam a responsa-

bilidade exdusiva de V.

( 367 )

C. W

CANARIS,

Anspriiche tvegen epositiver Vertragsverletzung* and *Schutzwirkung

fur D ri t te* bei nicht igetz VertKigen

cit., 476, 477 e 478 ss..

(368)

Assign, em SrAuDirmEn/LOwiscu

l2

(1979), prenot. §§ 275-288, u.° 22, defende-se

que o dever unitirio de proteccio, de natureza legal, nao seria contestivel nas hipoteses de

nulidade do contrato; tornar-se-ia, porein, desnecessirio na constIncia dc ulna relacio obriga-

6 3 7

636

boa

omo regra de conduta

S

c 24.0 0 clever do actuar scgundo a boa

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0 aparecimento, corn o vigor

c

o relevo demonstrados, dos deveres

de proteccao, devc ser colocado nos espacos historic° e dogmatic°

pr6

-

prios; quando nao, o fenomeno nao e entendido, podendo ser obje

c

Retenha-se a printeira decisio judicial que detectou deveres de pr

o ._

teccio, fazendo-o, alias,

in contrahendo:

o caso do linoleo

( 3 7 1

), onde urn

comerciante a responsabilizado porquc, por descuido de urn seu empregado,

uma cliente, que pretendia adquir ir l in6leos, a atingida por dois robs

que cairans, ferindo-a. Uln a analise despreconceituada desta factualidade

revela quc o acontecido pouco tern a ver coin o contrato projectado ou

coin a sua preparagao. Uma pessoa ferida por negligencia de outra,

concretiza uma situacao tipica de responsabilidade delitual, enquadrivel,

p. cx., no art.

483.0/1

do C6d. Civil portugues; tirando um aspecto

de

importancia secunda ria relativa, a que se voltara, essa responsabilidad

e

responsabilidade obrigacional, emergente da inobservancia de deveres

especificos.

Nao assim no Direito akmao; a responsabilidade obrigacional

tern, de facto, urna clausula geral: o devedor responde por dolo o u negli-

gencia, pelo §

276 BGB,

pressupondo:se, pois, a presenca previa de uma

relacao obrigacional especifica

(

3 7 2

). Mas a responsabilidade aquiliana

resulta de tres clausulas que, embora gerais, nao cobrem todo o universo

delitual possivel

( 3 7 3

):

responde o agente que, corn dolo ou negligencia,

viole urn direito de personalidade, real ou semelhante — §

823/1 —

que,

nas mesmas condicoes, viole uma norma d estinada I proteccao de outran

( 3 69)

U. MUL L ER ,

r

V

c it. 

TT

c.t.,

OLFGANG THIELE,

Lei-CM/WHO/UV

Cit., 654;

W. GERIIARDT,

Gesetzliches Schutzverhaltnis

cit., 598, LARENZ,

SchuldRIAT

23

cit.,

100 ss. e,

corn

pormenores, MARINA FROST,

oVorver traglichco mid «ver tragliclu, Schutzpfl ichten

(1981),

IllaXinle

212 e 241. Antes de CANARIS, ja era possivel notar alguns passos, nesta direccao, cm

W

W E B E R ,

Trete I t . Glauber

cit., A 770 (306).

( 3 70 )

Esta ideia fora jd expressa em MENEZES CORDEIRO,

A pos-cficacia cit., 0.° 9 ;

procede-se, agora, ao seu aprofundar, corn tuna aplicacio mais lata.

( 3 71)

RG 7-Dez.-1911, RGZ 78 (1913), 239-241.

(372)

PALANDT/HEINRICHS,

BGB

4 2

cit., §

276, 1) (302); LARENZ,

SchuldR/AT

  3 c

it., 267.

( 3 73 )

ERNST VON CAEMMERER,

II/auditor/gm des Deliktsredits,

FS DJT 100 (1960), 2, 4

9-136

eliktsrecht

2

(1979), 36-37 c

MEPTENs 1 Akinch-Komm,

prcnot. §§ 823-8

53,

- § 823/2

--

on que, dolosarnente, provoque

danos, atentando contra

os

bons costumes — §

826.

Por este csquema, um dan o patrimonial, que no

caia no §

823/1

e nao integre uma previa° norm ativa especifica, s6 seria

reparado se fosse

contra bonos mores e ,

ainda entao, havendo dolo

(

3 7 4 ) .

Para akin desta variagio de base, existe outro ponto real de distincao,

no

BGB, entre a

responsabilidade obrigacional c a aquiliana: o regime

cia responsabilidade por actos de auxiliares. Na primeira, o devedor

6 responsivel pelos actos dos que, no cumpritnento, o representem on

auxiliem, como m anda o §

278 BGB (

3 7 5

); na segunda, pelo contrario,

o com itente responde pelos actos dos auxiliares, mas apcnas dentro das

regras da

culpa in e l igendo, i . é ,

podendo ilibar-se, nos termos do §

83111

BGB,

provando que, na escolha dos auxiliares, pos o cuidado neces-

sari°

(3 7

6

). A

luz destas particularidades, entende-se o caso do linoleo:

o RG

teve de julgar violados deveres espccificos de cuidado para, nos

termos do §

278 BGB,

poder responsabilizar o proprietario do estabele-

cimento; se se qued asse pela responsabilidade delitual, cste exonerar-

p

rovando que pusera a diligencia requerida na escolha do empre-

gado. Uma responsabilidade contra este teria poucas possibilidades de

efectivacao econ6mica.

Os deveres de proteccao, na sua genese e na sua evoluclo

c

scndo

eles

in contral tendo,

acess6rios,

post pactum f ini tum,

de proteccao a terceiros

ou subsistentes na nulidade, destinam-se, conic hoje 6 reconhecido, a suprir

as deficiencias do Direito delitual

alma° (

3 7 7

). Na'o consti tuem,

na

versa° aperfeicoada de

C A N A R I S ,

uma formulacio

artificial: a pessoa quc,

a pretext° de um relacionamento negocial on similar, suscite, noutra,

uma en trega confiante, ve nascer deveres especificos de nao lire causar

prejuizo; mas torna-se, seguramente, uma d uplicacao liana nuns sistema

onde o mesmo resultado pratico pudesse, cons comodidade, ser obtido

atraves das regras da responsabilidade aquiliana.

No Direito portugues, as diferencas denotadas no BGB, entre

as responsabilidades obrigacional e aquiliana nao existem. 0 devedor

responde por dolo ou negligencia, quando nao acate os seus deveres

— art. 798.°; o agente, no entanto, respondc de igual modo, sempre

que viole o direito de outrem, sem distincao — art. 483.°/1. Tam-

hem no tocante a responsabilidade por actos de auxiliares, o regime

(374)

Em rigor, seria possivel, a face do Direito alcmao, ensaiar urn alargamento do

S 8 2 3 / 1

do BGB, por modo a obter uma clausula geral de responsabilidade civil semelhante is

napole6nicas. 0 passo nao tern, no entanto, sido efectuado.

(375)

L A R E N Z ,

SCilUld12.

/AT

cit., 273-280.

( 3 76)

Focando a diferenca, ESSER/SCHMIDT,

Schu ldRI AT

5

cit., 2, 47-48.

(377)

Cf. VON CAEMMERER,

W andl ungen d . Del i k sR

cit., 57, falando no alargamento

Indevido da ck,

por forca do § 831 BGB; FRANK PETERS,

Zu r V e l jahru ng de r Anspr i ich t au s

csa

pa i ts contrahendo find positiver Ver tragsver tetz ting,

VersR 1979, 103-111 (111). seetindo o anal

tic

e

vpc teriam surgido para integrar lacunas do Direito delitual.

cao

(

3 6 9

). Na verdade, tern coerencia dognthica e resolve as clu

e s _

toes que se the poem, como e de apreensao imediata.

Vzilida no Direito alemao, a doutrina do dever unitirio

legal de proteccao,

de

CA NAR IS, nao tern aplicacao no Direito p

ot

._

tugues (

3 7 0

).

638

boa fe como regra de conduta

24.° 0 clever de actuar segundo a boa fe

39

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é diferente: o

devedor e responsavel — art. 800.0/1 —Inas o age

nte

responsabilidade, pelo risco, do comitente, sem que este possa exo_

nerar-se corn recurso as rcgras da

culpa in el igendo.

No Direito portugues, existem, por6m, outras diferencas ent

re

as ch. responsabilidades obrigacional e aquiliana (

3 7 8

); tais diferencas,

embora co nsideradas, pela doutrina mais atenta, como insuficientes pa

ra

e (379), been

poderiam justificar a recepcio dos deveres unitarios de proteccao, apura-

dos na doutrina alemi por CANAIUS. Nao e assim. No dominio d

a

tada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso, presume-se

a culpa do devedor — art. 79941; pelo contrario, no dominio delitual,

.ao

lesado incurnbe provar a culpa do autor da lea°, salvo havendo pre-

suncao legal de culpa, — art. 48741. As hipoteses de presuncao legal

de culpa proliferam, alias: arts. 491.0, 492.0, 493.°... No que respeita

ao regime da responsabilidade por actos d e auxiliares, a diferenca

tambem, m uito cscassa, devendo o art. 80041 considerar-se como uma

concretizacio do art. 50041 (

3 8

9; uma U nica e timida diferenca tern sido

apontada entrc os dois preceitos, por alguma d outrina (

3 8 1

): no primeiro

caso, dispensar-se-ia uma relacio de subordinacio entre o auxiliar e o

devedor, relacao essa que, pelo contrario, seria exigida na segunda.

Se bem se atentar, ver-se-a que essa diferenca, a proceder (

3 82

), apenas

revelaria a diversidade prcvisiva de situagoes em que uma mesma figura

de impuracio objectiva de danos 6 usada: no cam po aquiliano, a liberdade

dos intervenientes a total, uma v ez que des deparam c orn deveres gene-

ricos ncgativos, cm principio; no obrigacional, devedor e auxiliares estao

subordinados a obrigacio em si, tornando-se desnecessario exprimir, em

termos normativos, o nexo de imputacao corn recurso a vinculos

subordinativos suplementares. Nio se branda, como exemplo de

diferenciacio, o • caso do representante, que responsabilizaria, pelo

art. 800.0/1, o devedor, mas nao, pelo art. 500. °, necessariamente, o corms-

sario: viu-se como, na ex periencia juridica alema, o ambito de responsa-

bilidade assim conseguido, contra o devedor, levou a jurisprudencia e,

depois, a doutrina, a restringir a aplicacio do § 278, admitindo uma

r

esponsabilidade prO pria do representante em si (

3 8 3

). Em Portugal,

toda

essa complicacio poderia ser afastada, corn com odidade, desde que,

ao caso, se aplicasse o art. 500.° e o 80041.

A face do C Odigo C ivil portugues, as violacoes dos chamados

deveres de proteccao tem urn enquadram ento directo na clausula

geral da responsabilidade aquiliana, emergente do art. 483.0/1 . Como

resulta de toda a casuistica que esti na base da figura, os deveres de

proteccao visarn assegurar que, a coberto de relacoes obrigacionais

ou factores que, corn elas, tenham semelhancas — cada vez mais dilui-

das, alias, pela evolucao subsequente — os intervenientes se inflijam

danos, uns aos outros, nas suas pcssoas ou patrimO nios. Como

de reconhecimento g eneralizado, este ambito nada tern a ver corn os

interesses obrigacionais em si: esti em causa a pro teccao geral asse-

gurada pelo Direito, atraves dos esquemas que, hoje, representam

a velha

Lex Aqui l ia de dam no.

No Direito portugues nao jogam,

em desfavor da saida aquiliana, os meandros da

culpa in e l igendo;

pelo contrario: a aplicacao do regime delitual generic° evita as

confusi5es increntes a necessidade de, cm certos casos, quebrar o vin-

culo de imputaclo, ao representado, por actos do representante.

Perante isto, a Unica alteracao adveniente do adn utir os aludidos

deveres de proteccao estaria no onus da prova: passaria a jogar c on-

tra o devedor, obrigado a demonstrar, em caso de violacao, que

esta nao operara por culpa sua, enquanto que, no cenario aqui-

liano, tal onus estaria a cargo do prejudicado — art. 799°/1 e

487.0/1,

respectivamente. Uma vez assente que os valores em jogo

na violacao dos deveres de proteccao correspondem ao objecto

vicado pela tutela delitual, nao se vislumbra, na alteracao em causa,

qualquer vantagem; pelo contrario: tratando o igual de modo

diferente, era iris introduzir, a titulo gratuito, uma distorcao inexis-

tente a partida. Acresce que a aludida 4vantagem* seria aparente:

ficaria tragada na d ificuldade bem maior, a cargo do lesado-credor,

de provar a existencia dos prOprios deveres de proteccao

(

38 4

).

(383)

Cf. supra, 633-634.

(384)

Discords-se, assim,

de

MOTA

Parro,

Cessao

cit., 411 e

passim,

que admite a trans-

posicao dos deveres de proteccao para o Direito portugues, em concurso, se necessario, corn

a

responsabilidade

aquiliana. Esse A. nao atenta, alias, na supressio entre os dois tipos de respon-

( 3 7 8)

VAZ SERRA,

Responsabi l idade contratual e responsabi l idade ex tracontratual ,

sep.

BMJ

(1959),

Responsobi l idade civi l ,

110 ss., procede a longa enumeracio das diferencas possfveis,

de

que acaba por discordar.

(379)

Recorde-se a linha formada por

PAULO CUNHA, GOMES DA SILVA, PESSOA JORGE

C OLIVEIRA ASCENSAO,

cit.,

sup.

57 5

18 1

, a que tambern se aderiu.

( 3 80 )

MENEZES CORDEIRO,

D.

Obrigaoes

cit., 2, 393.

( 3 81 )

ANTUNES VARELA,

ObrigacifeS Cit., 2

 

, 100-101

3

; PESSOA JORGE,

Pressupostos

cit.,

145-146, mcnos abertamente; MOTA

PINTO,

Cessifo

cit ., 411.

(382)

A esubordinacio» exigida pela imputacio ao com itente nao emerge da lei, sendo

mantida na doutrina —

cf.

MENEZES CORDEIRO,

D.

Obrigapies

cit. , 2, 371 — por razdes de

tradicao. Bastaria a exigencia de urn minimo de liberdade do comitente na escolha do comis-

sario pars integrar a previao legal e satisfazer, do sistema, os vectores em jogo.

640

boa

fa cow regra de conduta

§ 24.°0 dever de actuar segundo a boa

M

41

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IV. A

doutrina do dever

de

proteccao unitario ficou a mein

caminho

( 3 85

). As razocs que levaram ao scu aparccimento e a

o

dade. Uma vez admitidos — e isso ji nao sc discute — des teriam

:

natureza contratual; na fase p6s-eficaz, natureza contratual ou legal,

conforme a sede

( 3 8 6

); na nulidade, supervenientemente apurada,

do pacto, natureza legal recobrada, perdendo a contratual; na pro-

jeccao face a terceiros, por fim, a natureza scria legal ou contratual

consoante sejam alegados contra eles ou por des

c,

no primeiro caso,

ainda conforme a saida encontrada para a chamada eficacia externa

das obrigacoes.

Esta complicacao escusada corresponde a uma fasc pre-sistematic

a

instrumentacao proporcionada, hoje em dia, pela Cien-

cia do Direito, permite pOr cobro a tal incipiencia. Os deveres de

lealdade e de informacao tem uma estrutura unitaria nos diversos

quadrantes por que se manifestant e, assentes na boa fe, tern natureza

legal. Ou, numa optica mais prccisa, face a teoria das fontes das obri-

gagoes: resultam de mero facto juridico — o inIcio de negociacoes,

a existencia dum contrato, v6lido ou invilido, actual ou passado e

a conexao de terceiros COm as obrigacoes — e

n a o

de vontade humana,

considerada como tal. Esta conclusao surge Clara nas hipoteses de

culpa in con trahendo

e de nulidade de contrato onde faltam, salvas

ficcoes,

quaisquer contratos validos, susceptiveis de explicar deve-

res. Mas impoe-se, tambem,

a

analise, no caso dos deveres acessorios

e nas outras projeccoes da figura: a: exigencia duma actuacao de

boa fe deriva do sistema c nao de qualquer vontade das partes, que

mais nao podem do que conformar-se, querendo permanecer no

dominio do juridico.

sabilidadc que o Direito national consagrou — cf.

supra,

575 1 8 1

. Pode ainda informar-se que o

proprio C.

W

CANAR1S,

perante a exposicio do esquelna portugues da responsabilidade

aquiliana, concorda cons a desnecessidade, nesse sistema, dos deveres unitarios de proteccio.

(

3 85

)

Como resulta, alias, da simples ponderacao de BGH 1 0-Jun.-1964, que serviu de

base ao escudo de CANAR1S,

H af t u ng D r i f t er

cit .. De facto, os deveres ai ens causa, cujo trata-

nsento diferenciado na

ric

e

na vpc requeria a reformulacio do tema, nao cram de proteccio,

mas de informacio.

(3 8

9 Para certa doutrina portuguesa — Mom PINTO,

Cessdo

cit., 354-356 e ALMEIDA

C O S T A , Obrigatdes 3

cit.,

269 — que pretende chegar 1 cppf atraves da integracao negocial, esses

deveres teriam natureza contratual.

Uma regra gcral de conduta segundo a boa fe, concretizada em

d

e

veres de inforrnacao c lealdade, comeca a tomar corpo. Ela

nao

6 prejudicada pelo facto

natural

de tais deveres assumirem objectivos

diferentes, nas divcrsas ocorrencias em que se manifestem: na fase

pr

e-contratual, tern escopos imediatos distintos dos revelados na

constancia contratual. Correspondem, no entanto, aos mesmos

vectores.

V. Partindo de deveres dispersos por varios quadrantes, obte-

v

e-se uma certa unidade em torno da sua natureza legal e da ideia

de boa fe. Tern agora interesse estender a indagacao a aspectos

previsivos, isto é, averiguar ate que ponto podem ser concatenados

entre si os factos cuja verificacao desencadeia a constituicio dos

deveres em causa.

Uma tentativa de explicacao poderia residir nas relaceies contra-

tuais

de facto. Esta figura, criacao de HAUPT, foi encontrada a pro-

posit° da

culpa in contrahendo

(

3 8 7

); verificou-se como, nesse dominio,

atraves de H. ML LE e BA LL ERSTED T, ela evoluira para a normativi-

dade da confianca, nos preliminares contratuais. Importa, agora,

considerar o seu ambito explicativo geral.

Em DoLLE,

os «deveres de prestacio extra-legais8 repartiam-se pelos

tres grupos referidos de protecgio, assistencia e manutenglo, de indicgio ,

esclarecimento e comunicaclo e de entrega patrimonial, assentando, os

primeiros, em interpretacio criativa integradora de lacuna, requerida

pela confianca, os segundos, na vontade das partes e na boa fe e, os ter-

ceiros, em ponderacties especificas feitas, no caso concreto, a luz da boa

fe (

3 88

). Este esforco, a que

MLLE

negou o qualificativo de «rely

-

5 e s

contratuais de facto*, mas que, de um prisma material, se coloca na sequen-

cia nitida dos estudos de

HAUPT,

pode, agora, ser apreciado: a parte inte-

grativa da construcio corresponde, afinal, aos deveres de proteccio de

CANARIS,

cuja desnecessidade, no D ireito portugues, deve ser tidy por

assente (

3 8 9

); os deveres de indicacio, esclarecimento e comunicacio

aproximam-se dos de informacio e lealdade, nio se lhes podendo atribuir

natureza negocial; os de entrega patrimonial, por fim, devem ser escla-

recidos.

(387)

Supra,

555 ss..

(388)

H. Dais,

Aussergesetzliche Schuldpflichteu

cit., 73,75, 81, 83, 86,88-89, 90 ss. e 101.

(389)

L A R E N Z ,

Culpa in contrahendo, Verkehrs i thentngspfl icht and gsozialer Kontakt",

MDR.

1

954, 515-518 (517), critics este aspecto por outro prisms: sublinha que a confianca, sd por si,

sent uma ligacio a outros momentos, n'ao poderia elevar a responsabilidade acima do nivel da

delitual.

642

boa

fe

corm regra de conduta

§ 24.°

0

dever t(e actuar segundo a boa fe

43

porem, em declinio. A eficacia dos factos que cla integraria foi

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Urn aspect() significativo das relacocs con tratuais de facto foi

mantido e reelaborado por

LARENZ;

este aprofundou, numa

meira fase, o tema dos com portamentos sociais tipicos, base de situa-

goes de tipo con tratual, mas q ue nao poderiam integrar as classica

l

A orientacao em c ausa conheceu urn stibito influxo jurisprudenti

a

l

atraves de BGH 14-Jul.1956, o celebre caso do parque de estacionament

o

em exploracao, atraves do pagamento de quantias por estacionament

o

teve a palavra. Interposta uma accao para condenacao nas im portancia

s

bunal Federal, considerando a inadequacao de quaisquer dos instrumentos

ji consagrados para solucionar o problema, e citando HAUPT, TASCRE

eLARENZ,entendeu existir, no comportamento do utente, urn facto gerador

de uma relacio contratual de facto, que o obrigaria ao pagamento,

independentemente de qualquer contrato em sentido proprio (

3 9 1

) .

Apareceram outras consagraceles jurisprudenciais no dominio de con-

t r a m s

n u l o s

por falta de forma on que, ate, nunca foram claramente

celebrados, mas a que foram reconhecidos efeitos (

3 9 2 ) .

Esta construclo obteve aplausos de alguma doutrina; entre os

seus meritos, sublinha-se o de, sem ficcoes, solucionar a ocorrencia

inegavel de efeitos contratuais sem contrato (

3 9 3

). Cedo entraria,

(390)

Um; ScbuldRIAT ,

(1953), § 4, II, 27-28.

(391)

BGH 14-Jul.-1956, MDR 1957, 149-151 = BGHZ 21 (1956), 319-334 = NJW

1956, 14764477 = JZ 1957, 58-61 = DB 1956, S17 =

FIKENTSCHER,

ESJ / SchuldRAT

2

(1977), caso 5 (17.24). Esta decisao foi muito comentada• assists as an. de K au.

A U G U S T

BErreamaiin, MDR 1957, 151-153, quanto aos aspectos administrativistas, de A.

B LOMEY ER,

MDR. 1957,153-154, ceptico, de

WIEACKER,

JZ 1957, 61-62, que ye no caso tuna manifestacio

de

vontade contratual c ainda de:

LARENZ,

Sozialtypisches Verhalten all Verpflichtungsgrund,

DRiZ 1958, 245-248 (248), favorivel; H. C.

NIPPERDEY,

Faktische Ver tragsverlui tnissel

MDR

1957, 129-130(130), que opina pela presenca de urn contrato; F.

WIEACKER,

Willenserkldrung and

sozialtypisches Naito ,

FS OL G C elle (1961), 263-286 (265), reservado; cf , desse A., tambem,

a bibliografia referida sobre o problema da tsucessio na (pinta*,

infra,

n.° 72.

(392)

C f . i 1 f r a

  n.° 72.

(393)

C f .

E. BErrt,

fiber sogenannte fak t ische Vertragsverhaltnisse,

FS Lehmann 8

0 •

(1956), 1, 253-270 (270), W.

FLUME,

Das Rechtsgescheift und das relevante Verhalten,

AcP 161

(1962), 52-76 (53, 59, 60, 61 c 75-76),

BODO BORNER,

Fakt ische Vertrdge im Energierecht 1 Ein

Beispiel fur die Aufgaben der tvissenschaftlichen Behandlung eines Sonderrechtsgebietes,

FS Nipper-

dey I

(1965),185-209 (189-190) e, anteriormente, JOISANNES BXstataNta,

Typis ier te Ziv ilrechU

-

o r e / r u i n g d e r D a s e i n u o r s o r g e

(1948),

87

. Tambem

CANARIS,

Atypische faktische Arbeitsverhdltnisse

 

BB 1967, 16 5-170 (170 ), admite a relacio de trabalho de facto como realidade dogmStica

autonoma, embora corn eficacia limitada.

reconduzida seja a vontade das partes, mediante urn alargamento das

eventuandades susceptiveis de representar o exercicio da autonomia

privada

(

394

),

seja a responsabilidade (395)

,

seja a outros elementos,

e

ntre os quaffs a confianca

(396)

.

Nada disto é satisfatOrio. Como se intentou dcmonstrar noutro

nao

ha processo de evitar que surjam efeitos semelhantes aos

contratuais, em conjunturas impossivcis de reconduzir a autonomia

privada, quer por, de todo em todo, faltar a vontade das partes,

quer por, como no caso do parque de estacionamento de Hamburgo,

haver uma vontade clara em contrario (

3 9 7

).

0 Direito portugues, ao exigir, de mod o expresso e inequivoco,

a consciencia da declaracio, para que se produzam quaisquer efeitos

negociais - art. 246.. - num a disposicao que nao tern paralelo no

BGB,

mais dificulta a possibilidade de assentar a autonomia privada em aspectos

puramente funcionais, como qu ereria

RAISER

e, ao que parece,

MOTA

PINTO

(

3 9 8

). Ou,

pelo =nos, numa visa° fun cional estrita que abdique

da imputabilidade, ao sujeito livre e consciente, da vontade dos efeitos

juridico-privados desencadeados.

No espaco alemao, existe uma polemica antiga quanto a saber se,

para a presenca de um a declaracao de von tade negocial, 6 necessiria

a consciencia da declaracio, i. 6, a consciencia de emitir uma declaracao

negocial ou se, pelo contrario, basta a possibilidade de tomar o sentido

do comportamento como o de uma declaracio de vontade, coin

um papel decisOrio, pois, interpretaclo normativa (

3 9 9

). A doutrina

( 3 9 4 )

LUDWIG RAISER,

Vertragsjunktion s tud Ver tragsfieiheit,

FS 100 DJT (1960), 1, 101-

-134 (101 ss., 124 ss., 133), numa posicio aceite por G. S.

RICHTER,

Contr ibloto allo s tudio

del rapporti di fatto nel diritto privato,

RTDPC (1977), 151-204 (194) e por

MOTA PINTO,

Cessdo

cit., 256-261

3

(261) e

D. Obrigacoes

cit., 201.

(395)

E s S E R ,

Gedank en zu r Dogma t ik d e r •

faktischen Schuldverhaniss•,

AcP 157 (1959),

89 ss., que trabalha, tambern, corn a ideia de need° jurldico tacit° -

ob. cit . ,

95; Lucto

Sui cosidet t i rapport i contrat tuali di fa t to

(1965), 109.

(396)

H. Kamm,

Vertrag und sozialtypisches Verhalten 1 Betrachtungen zurn gegenwartigen

Stand von Lehre und Rechtsprechung g egetti iber den sogenannten faktischen Ver trOgett bei tar ifnuiss ig

zu vergutenden Versorgungsleis tungen,

JR 1968, 1 -6 (6). Cf. outras hipoteses em

ESSER/SCHMIDT,

Schu l dRIAT

5

,

1, 112-113, W Tams,

Die Zust imm ung in der Lehre vom Rechtsgeschaft

(1966),

111314 e Rum,

AIIgT,

2

3

(1979), 97-101.

( 3 9 7 )

M E N E Z E S

CORDEIRO,

D.

Obrigactles

cit. , 2, 40-41.

(398)

Cf.

supra, 643

3 9 4 .

(

39

) Cf.

LARENZ,

AligT

5

cit., 320 ss..

§ 24.° 0 lever de actuar segundo a boa fe

45

44

boa fe como- r egr a de condu ta

tem-se pronunciado ora a favor da primeira posicao

Direito alemao, em nom e da m aterialidade cia conceitologia negocial,

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(

400

), ora

segunda (401) .

a

Para indicar os pontos altos das argumentaceies em presenca, refi.„

ram-se

CANARIS

e

BYDLINSRI,

respectivamente. Diz

CANARIS:

quan

do

algu6m nao esti consciente de ter dado uma declaracio negocial,

lugar, em auto-determinagio, a uma relacio juridica (...). Na f

a ha

sabilidade, de um problema da doutrina do negOcio juridico, mas da

doutrina da aparencia juridica*

(402 ). BYDLINSRI,

por seu turno, avail%

a partir do regime da impugnabilidade dos negO cios por erro. Segundo,

o § 11 9/1 BG B, a declaraeao pode ser impugnada por erro «...

quand

o

corn tuna apreciacao razoivel do caso nao a teria emitidos. Como

se ve, o erro, em si, nao di lugar I invalidade; apenas a sua imputaca

segundo bitolas objectivas, permite faze-lo. Pois bem, segundo BYraNsru,

casos do erro da declaracio e de falta da consciencia da declaragi

o

mente, nada quer e o que, negocialm ente, quer algo de diferente

nao

existe, no ponto decisivo, qu alquer diferenca: as consequencias as quaffs

se deve manter adstrito nao foram queridas, end° e ai, pelo interessado;

de

no

estava, emit) e ai, consciente da sua ocorrencia•

(40 3

). A imputgio

da declaraelo, a fazer em termos normativos, decide; nao a sua cons-

ciencia.

0 quadro legal alemao a especifico. Mas sem pre se dirt que, na

oposicao apontada entre

CANARIS

e

BYDLINSICI,

ambos argumentam em

pianos diversos. 0 primeiro, desde que se aceitem os seus pressupostos

— i.

6 ,

os de que o neg6cio juridico, fruto da vontade das pessoas, 6 uma

forma efectiva de auto-determinacao — que nao se ye como recusar,

tern razao: os efeitos que se atribuam a um a ideclaracio* nao-consciente

derivam da eficacia da aparencia e nao da vontade. Mas o segundo tern-na,

tambem: se, nao

obstante o erro, e merce de regras objectivadas de impu-

tacio, uma declaracao produz efeitos, podendo ser impugnada,

haveria distorcao caso, de outro modo, fosse tratada a declaragio sem

consciencia. A consciencia da declaracio deve ser exigida, no proprio

(400) Assisi

as indicacaes dadas

por

LARENZ,

AllgT 5 cit.,

320

3

, onde avultam nome como

os de

WIEACICER, NIPPERDEY

e

OERTMANN;

cf.

CIIIIISTO F KELLMAN N,

Grundproblesne

der Willem'

erklifrung,

JuS 1971, 609-617

(612-613).

( 4 01 ) LARENZ,

Die Aferlsode der Auslegung des Recht sgeschafts / Zugleich ein Beitrag

Theorie der Willenserklarung

(1930),

82, F L U M E ,

AI1gT 2 3

cit.,

450, PALANDT/HEINRICH

4 2

pren. § 116, 4, b (78), e G6Tz

VON CRAUSHAAR,

Der Einfluss des Vertrauens auf die

P r i v a t r o c h t s

-

W i s h i n g

(1969), 63.

( 4 02 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 427-428.

(4

° 3

) BYDLINSKI,

Privatautonomie

cit.,

163;

cf.

KELLMANN,

Willenserklaning cit.,

6 1 3 •

Estes

AA.

slo utilizados, tambem, por

LARENZ,

AllgT

5 cit .,

321, para exemplificar as dull

posic8es.

para que se possa falar no exercicio efectivo da autonomia privada;

a exigencia de igual tratamento a temitica do erro leva apenas a qu e,

e

m certos casos de declaracoes nao c onscientes, se produzam efeitos

em nom e da tutela da aparencia, enquanto que, nas hip6teses de erro

inimpugniveis

,

hi proteccio da confianca e nao autonomia privada

efectiva.

0 legislador portugues cortou em frente, de modo lapida r, assu-

mindo uma defesa completa da autonomia privada: o erro di sempre

lugar I anulagio, desde que recaia sobre urn element° essential cons-

tativel pela outra parte

(40 4

) — art. 247.° — e a consciencia da declaragio

6 exigida, sob pena de nao h aver a producao de qu aisquer efeitos —

art. 246.°.

Neste ponto como noutros, o recurso a contributos jusculturais

estrangeiros deve ter ern coma as especificidades do Direito portugues.

A tais conjunturas,

insusceptiveis

de, num prisma dogm atico,

integrar a ideia de negOcio, mas cujos efeitos desta se aproximam,

pode-se bem chamar, aguardando melhor, de

relacOes

contratuais

de facto. A clas acolhem -se duas situagoes: a dos contratos sociais

tipicos, prOprios do trafego nacional de massas, em que as pessoas

se vio encontrar investidas em ocorrencias contratuais, seja qual for

a sua vontade, apenas por assumirem comportamentos tipificados

que, no -decurso social, a isso conduzem: assim, por exemplo, no

ingresso num transporte pdblico ou nu ma au to-estrada sujeita a

portagem

(

40 5

); e a das situaccies contratuais de facto, como a dos

fomecimentos de servicos essenciais, antes de celebrado o contrato

respectivo, ou da subsistencia de certos efeitos, nao obstante a nuli-

dade ou, ate, inexistencia

dos contratos que the estejam na origem,

como nos casos da sociedade, do trabalho ou da locacio

(

406

).

VI. As

relacoes

contratuais de facto nao podem , no cntanto,

corresponder a situacoes cuja ocorrencia provoque o surgir dos deveres

de actuacio segundo a boa fe

(40 7

). No imago daquelas relaciies

(

4 0 4

) Quanto ao problema do regime portuguos do erro, cf.

supra,

518-522

2 63 .

(4 °

5

) A

posicao de

LARENZ

evoluiu, neste campo, desembocando no negativismo;

c f . MENEZES CORDEIRO,

D. Obrigaciies

cit., 2, 39

53 4

.

(406)

Cf.

SPIROS

Simms,

Die faktischen Vertragsverluilutisse

(1957), 463

ss.,

WOLFGANG

S I E B E R T , Faktische Vertragsverhaltnisse

(1958), 12 ss. e

NIKISCH,

Ober faktische Vertragsverluilinisse,

FS

Mille (1963), 86 ss..

(407)

Matiza-se, no texto, a posicao assumida em

MENEZES CORDEIRO,

D. Obrigafees

tit., 2, 37-39.,

6 6

- boa fe coma regra de conduta

§ 24..

0

clever de actuar segundo a boa fe

47

estrito. Dal que, por h ipOtese em negociaciies delicadas,

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situa-se a ocorrencia de factos que, nao podendo, por raz5es m ateriais

ou juridicas, reconduzir-se a contratos requerem, pelo seu pap

e

l,

a aplicacao do regime contratual. Em termos tecnicos, as relacOe

s

a s

e

Nada disto ocorrc nos factos que levem ao aparecimento dos

deveres filiados na boa

f e :

nao hi lacuna, ji que, embora em termo

s

c 762.°/2; nao hi regime contratual, visto que cstao cm jogo deveres

de ordem legal.

A fon te destcs deveres nao esti na boa

fe,

em boa teoria das

fontes das obrigacoes. A b oa fe apenas norm ativiza certos factos

que, estcs sim, sao fonte: mantenha-sc o paralelo corn a fenorne-

nologia da eficicia negocial: a sua fonte reside nao na norma q ue

mande respeitar os negOcios, mas no prOprio negOcio em si. A enu-

meraclo dos factos-fonte dos deveres de actuar de b oa fe resulta

dos estudos efectuados: o inicio de n egociacoes preliminares, a exis-

tencia de um con trato, ou da sua aparencia, a conexao de terceiro

corn uma ob rigacio ou o desaparecimento de urn negOcio. Todos

eles tem cm comum a verificacio de um relacionar entre duas ou

mais pessoas, atraves duma dinamica que pressupoe uma conjugaclo

de esforcos que transcende o cstrito ambito individual (408%

.

) 0 Direito

obriga, entao, a que, nessas circunstancias, as pessoas nao se desviem

dos propOsitos que, em ponderacao social, cmerjam da situacao

em que sc achem colocadas: nao devem assumir comportamentos

que a contradigam — deveres de lealdade — nem calar ou falsear

a actividade intelectual externa que informa a convivencia human a

— deveres de informacao. Em bora as estrutura e teleologia bisicas

sejam as mesm as, adivinha-se a presenca de concretizacoes diversas,

consoante os factos que Ihes deem origem . Na constancia de urn

contrato, o dever de informacao poderi ser mais intcnso do que

In

contrahenclo ou post pactutn finitum.

Ma s 'testa base, nao se alcanca

a m aterialidade desta fenom enologia. 0 contrato e fonte efectiva

dos deveres contratuais; no entanto, para efcitos de aplicacao da

boa fe — art. 762.°/2 — ele funciona conio mero facto juridico ern

( 4 0 8

) Aflora, aqui, a ideia de relatividade que, de inodo sucessivo, se encontra SOS

sittiaci3es informadas pela boa fé.

se

ntido

O s

deveres

de lealdade e informacao possam ser bem mais intensos

d

o

que na vigencia de urn contrato comum. Os criterios para a

determinglo

material dos deveres de comportam ento devem ser

procurados noutras latitudes.

VII. Pode p6r-se o problema de saber se, por forca da boa fe, sur-

gem deveres especificos fora de situacoes de relacao. A pergunta agudi-

za-se no domino da ch. efickia externa das obrigac6es, redundando,

em apurar se, na base da

bona f ides,

urn terceiro fica adstrito a

nao

violar

urn credit°, ou a nao agravar uma obrigacio. A questio foi

examinada noutro local; as posicoes ai assumidas mantem-se (

4 0 9

), corn

o

aditamento que segue.

A possibilidade de defender os creditos contra terceiros — num a

necessidade ditada, contra o formalismo, pelo proprio sistema juridico

e

pela natureza das coisas e que hoje, por uma via ou por outra, ji

admitida por toda a doutrina nacional (

4 10

) — corn recurso Is ch. clau-

sulas gerais, entre as quais, a boa fe, adveio, no espaco portugues, de uma

recepcio de elementos doutrin4rios e jurisprudenciais alemies. Essa recepcio

nao

teve em conta a diversidade existente entre os dois ordenamentos, a

nivel de responsabilidade civil. No Direito alemio, as

p r e v i s o e s

fragmen-

drias da responsabilidade delitual — designadamente a do § 823/1 BGB,

ji examinado — nao dao cobertura clara aos creditos. Dai a oportuni-

dade, tornada necessaria, de procurar soluc6es corn recu rso a outros

lugares normativos, vindo os bons costumes, havendo dolo — § 826

— a assum ir posiclo pioneira (

4 1 1

). Nib assim no Direito portugues

onde o art. 483.0/1 garante, sem distincOes, a proteccio aquiliana a

todos os direitos subjectivos, corn inclusio dos creditos.

0 sistema portugues de responsabilidade civil, mais aperfeicoado

do que o alma°, assegura a proteccio dos creditos contra terceiros (

4 1 2

) ;

o recurso a boa 16 torn-se dispensavel.

4°9

)

MENEZES CORDEIRO,

D.

Obriga0es cit.,

1, 251 ss. c

D. Reais cit.,

1, 417 ss., corn

bibliografia e jurisprudencia.

(

45 0

) Designadamente atraves do abuso do direito, numa posicab partilhada por

MANUEL

DE ANDRADE, FERRER CORREIA, ANTUNES VARELA C ALMEIDA COSTA.

(

4

  )

R. KRASSER,

Der

Schutz vertraglicher Rechte gegen Eingriffe Driller

(1971), 318;

cf. H. Koziot,

Die Beeintnichtigung frander Forderungsrechte

(1967), 34 ss. e

LARENZ,

SchuldR1 AT

13

cit., 17".

(412) Tem interesse registar como em Franca, na presenca de urn sistema igualmente

amPlo de responsabilidade civil e dada a ausencia de interferZncias jusculturais alernis, neste

1

:

1 s

0

perniciosas, a .responsabilidade do terceiro climplices impeis-se desde os principios do

s

ec. xlx. Em Italia, onde o jogo de influencias é diferente, na decada de setenta deste s6culo

foi possfvel um aproveitamentb luaus consequente do sistema, no sentido, hoje aceite, da pro-

tecsio integral dos creditos.

648

boa

fe

como regra de conduta

Para alert' disso, a boa

fe

nunca deveria ser utilizada em tal con-

§ 24.°

0

dever de actuar -segundo a boa fe

49

em boa fe. Outrotanto sucede na pendancia contratual, na nulidade

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juntura. As seas ji examinadas, bem como a sua base legal

no COdigo Civi l de 1966 — como no BGB — deixam antever

um

ambito limitado a situagoes de relacionamento especifico entre duas ou

mais pessoas. E esse relacionamento especifico que determine os deVere

s

ocorrer. Nao oferece dificuldades reconhecer, em situac5es desse tipo,

caracterfsticas proprias que exijam um tratamento diferenciado, do ponto

de vista material. Nos sistemas que, como o portugues, admitam virias

clausulas gerais, hi todo o interesse em diferencii-las por cam pos mate-

riais distintos, base natural, depois, para regimes proprios.

A boa fe intervem em situaciies de relacionamento especifico entre

as pessoas. Para as pessoas nao relacionadas, ou estranhas ao relacion

ar

4 1 3

) .

62.

0 contend° material; da ponderaciio teleologica a projec-

cao do sistema; controlo do contend° dos contratos

pelo juiz

I. A actuacao de boa fe concretiza-se atraves de deveres de

informacao e de lealdade, de base legal, que podem surgir em situa-

coes diferenciadas, onde as pessoas sc relacionem de m odo especifico.

Esta proposicao, facultada pelas investigacoes anteriores, propicia

uma arrumacao tecnica minima e permite, nessa medida, urn apoio

para o aprofundamento material do tema.

A informacao e a lealdade, por si, pouco dizem. Convertidas

em objecto de deveres, elas deixam por esclarecer os seus tcor e

extensio e designadamente: o que visa a informacao e corn que dili-

gencia deve ser exercida e a que obedece a lealdade e quais os seus

objectivos. Vai-se avancar nesta linha.

Uma primeira constatacao prende-se corn a delimitacao nega-

tiva na aplicacao da boa f6, como regra de conduta. Na fase dos

preliminares, impera, como pano de fundo, a autonomia privada,

a entender como permissao generica de produzir efeitos juridicos,

atraves de propostas e aceitacoes. Essa permissao pode cessar cm

certos pontos, merce de normas especificas, que imponham restric8es

a liberdade de contratacao. Quando isso suceda, as disposicoes

em causa encontram a sua aplicacao normal, nao havendo que falar

( 4 3

) Cf. L Jra

,

n.°

113

do contrato, nos efeitos perantc terceiros corn etc conectados e na

p6s-efickia: a boa f6 no funciona sempre que surjam normas legais

ou convencionais. Como regra de conduta, a boa f6 tern uma natu-

reza supletiva tendencial.

Essa supletividade tern, como contraponto, uma grande extensio.

I\150 6 possivel, em termos abstractos, detcrminar areas imunes

boa fe; eta 6 susceptive dc colorir toda a zona de perinissibilidade,

actuando ou nao consoantc as circunstancias. Impae-se, assim,

a

reflexao, um nivel instrumental da boa fe: cla reduz a margem de

discricionariedadc da actuacao privada, cm fungi° de objectivos

externos.

II. A primeira c mais basica reducao imposta pcla boa fe

livre actuacao privada 6 de ordem juscientifica: imp&uma considc-

racao teleolOgica c nao arbitriria das permissOes cm causa. No

campo da autonomia pr ivada — espaco em jogo na

culpa in contrahendo

— eta obriga a considcrar de modo finalista os comportamentos que

prctendam ocorrcr no scu scio: trata-se de formar ou nao contratos,

de acordo co rn a von tadc dos intervcnientes e os seus intcresses, c nao

de, a seu cobcrto, desencadcar atitudes nocivas. E importante subli-

nhar a manutencio da permissividade: a transformacio dos dircitos

em deveres deriva, historicamente, de tentativas mais ou menos

assumidas de suprimir ou restringir a autonomia individual, base

do jusprivatismo. Da boa fe advem, pois, apenas urn dever generic°,

in6quo mas relevantc, ate para a preservacao da permissao generica

em jogo, de considerar pelo scu escopo os actos concretos de autono-

mia, vedando os que tenham objectivos prejudiciais cstranhos a pro-

ducio de efeitos juridicos, nunca imposta.

A

ponderacao teleolOgica intensifica-sc nos casos em que a per-

missao de agir seja substituida por obrigaceies. Quando estas se

exprimam, em termos linguisticos, de forma descritiva, deve enten-

der-se o seu cumprimento na prossecucao do escopo visado e nao na

mcra conformacao exterior da actividade desenvolvida, corn a

prescrita. A boa fe nao contemporiza, pois, corn cumprimentos

formais; exige, numa atitude metodolOgica particular perante a rca-

lidade juridica, a concretizacao material dos escopos visados. Este

aspecto releva no dominio dos deveres acessOrios, em boa parte des-

tinados a promover a

realizac5o

material das

condutas

devidas, sem

frustrar

o

fim do

credor e sem agravar

a

vinculacio

do devedor;

650

boa fe coma regra de conduta

cal e

, alias

,

o sentido primario do art. 762.°/2 do COdigo Civil,

,§ 24.°0 dever de traitor segundo a boa fe

51

tida, seja injustificada, c deveres de lealdadc quc, uma vez forme da,

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e do prOprio § 242 BGB. A mesma ponderacao teleolOgica leva

a

a

adstritos a corresponder; em paralelo, encerrada, pelo cumpriment

o

lidades a preservar, no relacionamento das partes, os escopos alcan-

cados no processo contratual extinto.

III. A ponderacao teleolOgica das proposicoes juridicas corres-

ponde a urn papel fraco da boa fe. PrOpria de urn estadio juscul-

tural quc tenha superado o formalismo estrito, a necessidade de

promover uma concretizacao material efectiva das situacoes devidas,

e apenas uma pura conformacao cxterna, nao requer, bem vistas

as coisas, a formulacao de principios autOnomos como o da boa fe.

Um a interpretacao conveniente das normas em jogo levaria ao mesm o,

sendo a boa fe apenas uma referencia impressiva, destinada a reforca

r

questa°, como sucede no periodo pro-negocial, a boa fe afirma-se

como locucao Unica destinada a recordar que, ainda ai, é do Direito

da sua Ciencia que se trata.

A boa fe tern papeis mais profundos e relevantes. Tome-se

o caso da interrupcao injustificada das negociacoes: nao ha al —

salva a hipOtese de os preliminares terem sido encetados corn a

intencio inicial de nao concluir, em qualquer circunstancia, um

contrato valido

,

mas tao so de prejudicar a outra parte, alutra em

que, por rigor, o, seu inicio e nao a interrupcao, caiem nas malhas

do art. 227.'11 — um desrespeito pelos escopos da autonomia pri-

vada, que, por definicao, exigem apenas uma orientacao de actos

corn vista a formacao do contrato como possivel e nao como neces-

sario; tao pouco existe uma violacio de urn dever de contratar, que a

boa fe, contra a autonomia privada, nao iria, neste caso, estabelecer;

verifica-se, antes, uma proteccao concedida a confianca da parte que,

perante o comportamento da outra, acreditou, corn justificacao,

no concretizar do contrato projectado e, por isso, suportou danos.

A confianca surge noutras circunstancias: nos contratos nulos, no

prOprio contrato valid°, face aos modos de o entender e aplicar,

na situacio de terceiros e

post pactum finitum.

Trata-se de uma ocor-

rencia potencialmente perigosa; por isso, a boa fe comina deveres de

informacao, que a evitem, em termos preventivos, quando, a

par

-

rervn

o ee

spclito

a pser

pcla confianca criada — ou, se sc quiser, o clever de

nao a facultar — corresponde a urn dado material autOnom o, carreacio

pela boa fe, corn tanta mais oportunidade quanto é certo que essc

papel ja foi identificado na boa fe subjectiva. A concretizacao da

confianca c das iegras que a protejam, fundadas na boa fe, e uma

tarefa juscicntifica complexa, que obriga a lidar corn o conjunto

das suas manifestacoes e corn todo o sistema juridico. Ma, outros

existe

m .

recolhida cm local oportuno mostrou a exis-

A

m

i

 

tencia, a cargo da parte experientc c sabcdora e perante o contratante

debil, dc deveres particulares de informacao, seja in

contrahendo,

seja na pendencia contratual, seja

post pactum f in itum.

Ha, aqui,

urn vector claro no sentido duma justica comutativa, pois a violacao

de tais deveres results clara em conjunturas de injustice objectiva

a que se tenha chegado. 0 Direito nao procura uma igualdade nego-

cial absoluta como regra: basta ver que admite a figura dos negOcios

gratuitos. Mas o desequilibrio deve ser esclarecido c livremente

querido por quem o sofra. Esta necessidade de conhecimento, face

a dcsvantagein, estende-sc as vicissitudes que, supervenientemente,

possam atingir situacoes contratuais ou similares, cm principio esta-

ticas. Desenham-se vectores que, nao correspondendo, em rigor,

a situacoes de confianca, se aproximam de principios gcnericos que

constituem as traves mestras da ordem juridica.

Pode, nestcs termos, dizer-se quc a boa fe projecta, na sua mate-

rialidade, nas varias

situacoes, cm que actue,

na aparencia indiferentes,

a imagcm geral do sistema; assegura que os desenvolvimentos vec-

toriais dos sujeitos nao o ultrapassem mas antes, mantendo-se nas

balizas que ele lhes atribui, se mantenham identificaveis como per-

tencentes ao sistema que os rcconhece.

Dobrando uma seric de regras singulares, a boa

fe

transcen-

deu-lhes a teleologia particular, projectando o sistema material onde

se aplique.

IV. A exist'encia de uma regra de conduta segundo a boa fe

e a

sua evolucao permitem colocar o problema

do controlo do

contelido dos contratos, a efectuar pelo juiz. Tal problema enun-

cia-se como o saber se, e ate que ponto, pode o tribunal, quando

solicitado,

examinar

os clausulados contratuais e corrigir, suprimindo

652

boa fi como regra de conduit.,

ou inodificando, os aspcctos que, face a bitolas determinadas, sejam

24.̂ O. de ver de actuar segundo a boa

k.

1

53

corn uma vocaclo cmancmc para a juridicicladc — um trama quc

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considerados injustos.

0 contend° dos contratos, para alem dos vicios genericos quc

possam

unca foi indiferentc ao Direito. No COdig

o

Civil, regras como as do art. 282.°/1 — negOcios usurarios

o

art. 694.° — pacto comissOrio — e do art. 994.° pacto leonin

o

cxprimem preocupacOes antigas quarto a orientacoes contratuai

s

ou outros semelhantes,

s a c ) modestos: apcnas no primciro se con-

cede ao juiz ulna margem valorativa na apreciacao real da justica

do contrato; Os restantes exclucm a simples possibilidade de certas

elausulas, sem, em concreto, se curar dc saber se clas merecem urn

juizo de desfavor. E mesmo no campo dos ncgOcios usurarios,

a invalidade é abordada mail como vicio na formacao — «...quando

alguem, aproveitando conscientemente a situacao de necessidade,

inexperiencia ou deficiencia psiquica de outrem...* — do quc, coin°

consequencia de uma injustica absoluta.

A primeira codificacao, bem como a prOpria segunda (

4 1 4

),

correspondiam a urn modelo liberal classic° em que o Direito,

confiando em absoluto no jogo livre das vontades

individuais,

numa liberdade entendida, tan como a igualdade, cm sentido formal,

abdicava, de modo voluntario, dc intervencoes nos clausulados nego-

ciais. Este estado dc coisas era reforcado por uma reaccao pendular

aos entraves quc as regulamentaceies complexas dos regimes pre-

-liberais haviam colocado a contratacao livre c que se revelara nociva

a revolucao industrial. Nesse cenario, o juiz limitava-se a conferir

a legalidade formal dos contratos e a sua correspondencia corn a

vontade inicial das partes, indiferentc, por officio, a justcza material

dos arranjos de intercsses por des prosseguidos.

0 funcionamento livrc da autonomia privada, mesmo em perio-

dos histOricos anteriores onde esse principio nao ocupava, no sistema

juridico-privado, o papel primordial que lhe atribuiu o liberalismo,

sempre conduzira a injusticas potenciais. Elas nao suscitaram pro-

blcmas, enquanto

nao

encontraram pela frente uma cultura que, corn

projeccoes juridicas, comecou a encarar, como colectivo — e logo

/414s

j 0

BGB

vein, assim, a ser considerado como o vfilho tardio do liberalism° clissico.

— WIEACKER,

Dns Sozialmodell der k lassischen Privatrechtsgesetzbiither und die Entwirk lung der

modernen Gesellschaft

(1952) =

Indus tr iegesellschaft und Privatrechtsordnung

(1974), 9-35 (cita-se

pelo primeiro local), 16.

(n

si, relevaria dc uma problernatica individual. 0 catalizat, cm

grupos sociais de extensao crescents, de problemas postos pela con-

tratacao livre, obrigou ao perguntar pela efectividade da autonomia

privada. Se, formalmente, ela sc contents corn a inexistencia de

e

ntraves ao seu desenvolvimento, de facto, cla rcquer a possibilidade

de

opcio

efectiva, aquando da celebracao. Tal possibilidade pode

ser frustrada pela ignorancia do contratante, pela sua dcpendencia

econOmica ou outra, por situacoes de monopOlio, pela necessidade

impreterivel de contratar de imediato ou, sirnplesmente, por a con-

traparte Sc rccusar a alterar a proposta on a contraproposta quc tenha

formttlado.

A percepcao colectiva dcste fenOmeno em areas privilegiadas,

cm termos de consciencializacao, provocou fracturas conhecidas;

os Estados, querendo salvar o essential (

4 15

), foram levados a inter-

vir, limitando a autonomia formal, de modo a orientar, em termos

materiais, os contendos dos contratos a celebrar. 0 todo, dobrado

por nivcis de autonomia colectiva, em que se reconhece, como

modo de contrabalancar o poderio de uma das partes, a coligacio

dos contratantes debeis, deu origem ao Direito do trabaiho. Ao

sector laboral, seguiram-se outros Como os da locacio e do urba-

nismo (

4 1 6 ).

Estas intervencoes, num prisma juscultural e cientifico, sao

pouco profundas. As restricoes directas a autonomia privada tra-

duzem a necessidade de uma conforma car) dos contratos corn os

modelos preconizados pelo Estado, por acto directo de soberania

e sem dependencia dc uma busca, no caso, dc justica real, a procurar

atraves da Ciencia do Direito c das suns luzcs. 0 reconhecimento

das autonomia e negociacio colectivas repo= a urn nivc1 superior

a liberdade contratual frustrada, na pratica, a nivel individual, sem

a submetercm ao crivo dos valores sistematicos: a autonomia colec-

tiva vale por si, sem dependencia dos resultados concretos que per-

mita atingir.

Mantem-se em aberto, por isso, a possibilidade de urn controlo

judicial dos contetidos contratuais, independente, por defmicao,

das restricoes

legais especificas a autonomia privada, que possam,

(415)

WIEACKER,

Soziahnodell cit . ,

15.

( 416)

WIEACKER,

Sozialmodell cit . ,

21-22.

6 5 4

boa fe onto regra de conduta

por lei, ser estabclecidas, bem como dos niveis colectivos de neg

o_

24.°0 dever de actuar segundo a boa

f

55

0 ensejo para tais intervencoes era superficial e fraco. Afinal, o

rande problema nos contratos assentes cm cond iciks negociais gerais

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ciac5o que, na pritica, sc tenham feito reconhecer.

V. A colocacao, no Direito privado, do tcina do control°,

pelo juiz, do contetido dos contratos, pressup&o abandono, tam...

b6m no Direito privado, da autonomia, como mcro dogma formal,

c a sua substi tuicao pela rcgra da autonom ia efectiva

(

417

). 0 passo

era, no inicio, dificil, dada a falta da problematica colectiva que jogara

no Direito do trabalho. F oi, no entanto, facultado, atraves das ques-

toes postas pelas condicaes negociais gerais

(418)

.

As condicOes negociais gerais correspondent a urn processo

de formacao iiegocial em que uma pessoa peie a aprovacao de uma

generalidade de outras urn modelo contratual, de que estas nao se

podem afastar, l imitando-se a aceitar ou nao. 0 rccurso a condicOes

negociais gerais, utilizado, em regra, por entidades poderosas, num

prisma economic° c social, e, para mais, conhecedoras profundas

do Direito e dos papeis reais desempenhados pelas diversas cliusulas,

face a parceiros fracos e inexperientes, provoca injusticas que, desde

cedo, levaram os tribunais a intervir

(

419

). Essa intervencao, num

primeiro tempo, cifrou-se cm afastar as clausulas mais g ri tantemente

injustas quando, na celebraclo, o contratante debil nao tivesse podido

delas tomar conhecimento ou, mama evolucao, delas nio tivesse

conhecido, materialtnente ou no seu significado

(

420

).

( 41 7

) Este tema sera retomado a proposito da evolucio do sistema privado.

( 45 2

) Quanto as condicoes negociais gerais (cng), a sua evoluclo tipif icada em quatro

estidios, documentados nas experidncias portuguesa, francesa, italiana e alemd, a sua natureza

e aos seusefeitos, remete-se para

MENEZES CORDEIRO,

D. ObrigacOes cit.,

1, 96-113. Este aspecto

6, aqui, versado apenas para alcancar o team do controlo judicial do contefido do contrato;

nao se curs, pot isso, de outros fen6menos exigidos pela materializacio da autonomia privada,

como o lever de contratar ou a contratacio provocada.

(419)H. Korz,

M u nch

 

ommIAGBG

(1978), intr. n.° 6 (1934); Komi/STORING,

AGBG

 

o m m

(1977),

Intr.

n.° 35 ss. (48 ss.); num primeiro tempo, entendeu-se que, dado 0

principio de liberdade contratual, nao seria possivel o controlo do con tefido; desde logo, porern,

recorreu-se I clausula dos bons costumes e I da boa fe, como m odo de ressalvar o sisteina

em conjunturas inadmissfveis; cf.

SCHMIDT-SALZER,

Ailgemeine Geschaftsbedingungen

2 (1977),

A. 16 ss. (9 ss.) e

ERNST

A. Karam,

Die i iKrises des l iberalen Vertragsdenkens

(1974),

15 e 17. 0 recurso aos bons costumes mantem-se hoje em zonas que n

-

o pressupoem a eke-

tivacio de relacoes especfficas entre as partes, como no domfMo da concorrencia; cf.

BERND

Rue,

Privatrecht and Wirtschaftsordnung Zur vertragsrechtlichen Relevanz der Ordnungsfunktionen

dezentraler Interessenkoordination in einer LVettbewerbswirtschaft

(1978), 102 ss..

(420)

A jurisprudencia francesa ficou-se por este estadio; cf.

MENEZES

D. ()brisk ci t .,

1, 108 e elementos of referidos.

g

reside na injustica possivel de alguma ou algumas das suss clausulas

e nao na forma

da

sua celebracao. Isso em doffs niveis: estivcsse cons-

ciente da prcjudicialidade das clausulas a aceitar, a parte debil pouco

rnais poderia fazer, na mesma, do que submeter-se, pois nem o utili-

zador das condiciies gerais vai, por definicao, alters-las, nevi, por

via de regra, 6 possivel encontrar outro parceiro que nao use condi-

c'Oes semelhantes; houvesse consciencia da liberdade frustrada, a parte

forte nao poderia abdicar do processo: as condicOes negociais

gerais sac) hoje explicadas como factor de racionalizacao e progra-

macao irrenunciaveis, por exigencia das sociedades tecnicas modernas

e nao como puro abuso proporcionado por quaisquer modelos

econOmico-socials

( 4 2 1 ) .

0 controlo judicial efectivo dos contratos obtidos pela utili-

zacio de condicOes contratuais gerais implica uma apreciacao de

merit° face as cliusulas questionadas e nao um confronto de acordo

com o modo de formacao.

VI. A experiencia de ponta, no dominio do controlo do contend°

dos contratos, obtidos atraves de cng,

6

representada pela lei das

condieoes

negociais gerais alerni de 1976

o AGBG

(

422

). 0 cerne dense diploma,

verdadeira codificac5o de toda uma experiencia judicial anterior, assente,

no essencial, na boa fe

(

42 3

),

a constituldo pelo dispositivo dos seus

§§ 8-11 que visam o controlo judicial das cng que

se tornaram

parte de

urn contrato. Esse controlo limita-se, com o regra, as cliusulas que alas-

tern ou complementem os preceitos legais — § 8: recorde-se que o D ireito

(421)

BROX,

AllgSchuldR" ci t .,

11.°

47 (30 ). Para urn apanhado dos varios factores que,

do exterior , condicionam os contratos, segundo orientacoes diversif icadas,

K L A US F .

Rom,

O b e r

ausservertragliche Voraussetzungen des Vertrages,

FS Schelsky (1978), 435

-

80.

(422)

Sobre o aparecimento e sistemitica deste diploma, em vigor desde 1-Abr.-1977 ,

remete-se para

MENEZES CORDEIRO,

D. Obrigalles cit. ,

1, 109-111

24-227, na ed. polic.

de 1978).

(423)

MEDICUS,

AIIgT cit. ,

n.° 398 (139); BRox,

AllgSchuldR" ci t .,

n.° 48 (31-32),

H. GOTZ,

Rechtsfolgen des teiliveisen Verstosses closer Klausel gegen das AGB-Gesetz,

NJW 1978,

2223

-226 (2223);

CANARIS,

Zivilrechtliche Probleme des Warenhausdiebstahls,

NJW 1974, 521-

-528

(526); HORST-DIETHER HENSEN,

Das AGB-Gese tz ,

JA 1981, 133

-

41 (133);

WALTER

Lown, Das

Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Gescheiftsbedingungen (AGB-Gesetz),

JuS

1977, 421-429 (426);

SCHLOSSER /COESTER-WALTJEN/GRABA,

A G B G - K o m m ( G o m a ) ,

S 9 (1977), n.° 12 (208);

ULMER/BRANDNERIHENSEN,

AGBG-IComm

3

(Bambino),

§ pren. §§ 10

e 11 (1978), n.° 3 (232). Cf.

LARENZ,

AllgTs

cit ., 514 e FRA NcEsarstufLEnnteror, La

nuova

le

g g e

tedesca smile condizioni generali di contratto,

sep. Fl 101 (1978), 13.

ORDEIRO,

656

boa Jr corny regra de conduta

§ 24.°

0

clever de actuar segundo a boa fe

57

das obrigackies

é,

por natureza, supletivo; as cliusulas correspondenc

e s

 

como

é

logic°, o apoio do Direito, sem carecer de

recepcio cientifica e cultural que a remissao solene para a boa 16, s6

por si, implica, duas precisties importances: o manter, como bitola de

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um controlo suplementar. Escapam ao controlo as cl iusulas acordadas

directamente pelas partes -estranhas, pois, ao mecanismo das cng

- e as referentes as prestagoes principals em si - nas palavras de LARENZ,

pretendeu evitar-se aos tribunais o terem de proceder a controlos de

precos (424), que integram, alias, o tnicleo indispensivel da autonomia

privada.

A regra fundamental do controlo em causa consta do § 9/1 AGBG:

.Sao

ineficazes nas condicOes contratuais gerais as disposicoes que, contra

as regras da boa f6, prejudiqucm o parceiro contratual do utilizado

r de

forma desproporcionada.. 0 § 9/2 precisa: «Na dtivida,

6

de considerar

urn prejuizo desproporcionado quando uma disposicao: 1. seja incon-

ciliivel corn principios fundamentals da regu laclo legal a que se entendeu

rigo acordar; 2. limite de tal modo direitos ou deveres que rcsultem da

natureza do contrato quc a obtencao do escopo contratual seja posta

em perigo. . As normas do § 9 surgem um tanto vagas, prestando-se a

conjugagao entre a boa fe e o oprejuizo desproporcionado* pela vaguidade

acrescida, a objeccoes criticas

(425

). Compreende, para alem de toda a

decisao, as regras supletivas que, ao caso, teriam aplicacao e o acentuar,

corn o m esmo papel, a teleologia contratual, considerando como criterio

o

tipo contratual normal

(

426

.

Sempre na base de uma rica jurisprudencia anterior, os §§ 10 e 11

AGBG vieram concretizar , numa serie de preceitos, o que, de algum

modo, era j i implicado pela mencao a boa

f e .

No § 10, enumeram-se

cliusulas proibidas nas cng, desde quc, sujeitas a urn juizo de valor do

tribunal, essa proibicao deva ter lugar. Neste juizo de valor intervem,

de novo, a boa fe

(

427

 o que a dizer, as linhas concretizadoras, ja definidas

no § 9/2, atraves das regras supletivas gerais e da ponderagao teleologica

do tipo contratual em jogo. No § 11, a enumeracao atinge, tambem,

urn certo ntimero de cliusulas que, delta vez, sao proibidas em absoluto,

sem necessidade de juizos judiciais nesse sentido

(

428

. As listagens dos

§§ 10 e 11

nio

se aplicam is cng apresentadas a comerciantes, no exer-

cicio da sua actividade, ou a instituicOes de Direito pUblico, nos termos

do § 24/1 do AGBG: entendeu-se que, nesse caso, a limitacao is autonomia

privada poderia ser ex cessiva

(429

; alem de que, em tal eventualidade

nao se verifica, em igual grau, a ignorancia e a inexperiencia que justi-

ficam a proteccio dispensada ao interveniente debil.

0 sentido geral das bitolas em jogo, no conteado dos contratos

obtidos na base de condicoes negociais gerais, c afiancado pelo seu regime:

424)

L A R E N Z ,

AIIgT

5

cit., 515, retomando o relatOrio que acompanhou o projecto de

lei; cf. BRANDNER

Schranken der Inhaltskontrolle

cit., 3. Quanto aos contratos em cujo

conteado ambas as panes tenham tido a possibilidade efectiva de intervir, fora, cm princlpio,

do controlo determinado para os resultantes das cng, GUNTHER STEIN,

Die Inhaltskontrolle

vorfinnulierter Vcrtrage

des al lgemeinen Privatrechts / Zuni Spannungsverhal tnis der Kontrol lverJahren

aufgrund des AGB-Gesetzes mid § 242 BGB

(1982), 44.

( 425)

PETER-CHRISTIAN MOLLER-GRAFF,

Das Gesetz zur Regelung des Rechts der AlIse-

whim Geschigisbedingungen JZ

1977, 245-255 (253); SCHLOSSER /COESTER-WALTJEN/GRAHA,

AGBG-Kamm (GRABA) cit., §

9, n.° 15 (211), chama, a atenclo para a desnccessidade da

referencia a boa fti ai fcita; a sua inclusao deu-se corn a justificacao, nos preparatorios, de que

szrviria a continuidade da jurisprudencia; como explica GRABA , cssa continuidade nao d epende

de preceitos legais. Tens razio; silo obstante, dada a fungi°, acessOria mas efectiva, que a lei

assume no donsinio da pedagogia juridica, as menciks dense tipo obrigam os juristas a estudar

e a praticar a Ciencia quc as implica. As rcferencias feitas

a

boa fe objectiva pelo Codigo Civil

portugues serials), em rigor dispensiveis; e sao fundamentals.

A cstas razoes gerais, hi quc atentar, para decidir da oportunidade e do relevo da remissao,

fcita no § 9/1 AGDG a boa

fe ,

na colocacao historica do preceito e na sua economia.

Como explica STAUDINGER /SCHLOSS ER, AGBG cit. , § 9, n.° 1 (134), o legislador dedicou-se,

nesse diploma, a concretizar e a sistcmatizar o controlo do contetido desenvolvido a partir

do § 242 BGB; tal tarcfa, por definicao, dados os factores ens jogo, ficaria, necessariamente,

incompleta; daf a fatalidade de, junto das enumeracoes constantes dos §§ 10 e 11, anexar ulna

referencia a claussila geral. Cf.

Kdrz Afiinch-Komm

AGBG cit., § 9, n.° 3 (1448) e HENSEN,

AGBG

cit., 137, focando a natureza residual do § 9 em jogo.

A remissao pars a boa 16, feita nos termos gerais do AGBG, pode levantar 0

problema dc saber qual a aplicaclo concretizadora al prevista. PALANDT/HEINRICHS

42

cit.,

AGBG §

9, 1) (2242) inclina-se para a hipotese do abuso do direito, na versao do abuso institu-

clonal -

cf.

quanto a esta nocao e sua critica,

inf ra,

n.° 82. Nao 6. No abuso do direito - ou,

de modo mais lato e correcto, no exercfcio inadmissivel de posicoes juridicas - a boa 16 actua

no ambito de permissoes normativas especificas. No controlo do conteudo contratual, a boa 16,

sem se

integrar num instituto complexo, actua na conduta das partes, desenvolvida em termos

livres na permissio generica de actuacao juridica, o que 6 dizer, de autonomia privada.

(426)

LOWE,

AGBG

cit., 426; SCHLOSSER/COESTER-WALTJEN/GRABA,

AGBG-Komm

(GRABA) c i t . ,

§ 9, n.° 23 ss.

e

30 ss. (215 ss. e 219 ss.); ULMF4BRANDNER/HENSEN,

AGBG-

-Komi (BRANDNER) cit., §

9, n.° 57 ss. e 61 ss. (213 ss. e 215 ss.);

KealMiinch-Komm

AGBG cit., § 9,

n.°

12 e

13 (1453-1454); STAUDINGER/SCHLOSSER, AGBG cit ., § 9,

n.°20 ss.

(142 ss.).

(427)

ULMER/BRANDNER/HENSEN,

AGBG-Komm

3

(BRANDNER)

Cit.,

prenot. §§ 10 e 11,

n.° 6 (233) e HENSEN,

AGBG

cit., 138. Tern o maior interesse a leitura

das

cliusulas

atingidas. Cf., focando a aproximacio corn o § 9/2, PALANDT/HEINRICHS

42

,

AGBG

§ 10 ,

nota previa (2249). Dado, precisamente, o pressupor urn juizo complementar de valor, o § 10

compreende, em comparacio corn o § 11, bastantes mais conceitos indeterminados -

MOLL E R-GRAF F , AGBG ci t. , 25 3 .

(428)

Kocif/STUBING,

AGBG-Komm,

cit., prenot. §§ 8-11 n.° 3 (134), consideram as

cliusulas do § 11 como tendo caricter definidor; as do § 10 te-lo-iam, antes, precisador -

cf.

thatzat/BRANDNER/HENsEN,

AGBG-Komm

3

(BRANDNER) ci t . , prenot. §§ 10 e 11, n.° 4 (232).

(429)

UWE,

AGBG

cit., 426; SCHLOSSER/COESTER-WALTJEN/GRABA,

AGBG-Komm

(ScHLossER) cit., §

24,

n.°

1 (637 e 638); ULMER/BRANDNER/HENSEN,

AGBG-Kortn

3

( B R A N D N E R )

c i t . , § 24,

n.°

7

(626-627).

4 2

658

boa fe como regra de conduta

a clausula viciada a ineficaz, aplicando-se, em sua substituicio, seja

a

§

24.°

0

dever de ac tuar segundo a b oa fe

59

de

actuacio segundo a boa fe implica, seguramente, o de no preju-

r, mediante condicoes negociais gerais, de modo desproporcio-

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contratual em causa, seja, por fim, o que resulte dos esquemas da

gragao

negocial, cede intervem, tambem, a boa fe.

VII. A

lei alemi sobre as condicoes negoc iais gerais, de inte-

resse muito especial por assentar na cod ificacio de uma jurispruden

c

i

a

o papel da boa fe no controlo dos conteticlos contratuais, obtido

sconcretizac3o

da boa 16, colo-

ca-se a bitola de urn certo equilibrio material entre as vantagens

auferidas, gracas ao contrato, pelas partes: nao se admitem prejuizos

desproporcionados. Esta ideia 6, por seu turno, precisada seja atraves

da regulacao legal supletiva, afastada pelo contrato em causa, e tomada

como modelo de equilibrio, seja mediante o cotejo com o tipo con-

tratual corrente, considerando o confronto em termos teleolOgicos.

Este esquema vigora po r lei expressa; quando ela no existia,

funcionava ji, por via da jurisprudencia, assente na clausula geral da

boa f6. Em Portugal, a vigencia desta orientacio 6 possivel, na base

do art. 762.°/2 e, se necessario fosse, na do art. 33 4.° (

4 3 0

): o dever

430

) Em Portugal, a utilizacao da boa

fe

ou

ate de esquemas mais simples, por vezes

possiveis — para controlar o conteudo dos contratos, mesmo quando estejam cm causa cng,

encontra-se num estado co nfrangedor. Isso apesar de, desde Jost

TAVARES,

a doutrina aludir

aos scontratos de adesio* e aos seus perigos, corn remodios destinados a fazer-lhes face;

para urn apontamento de literatura portuguesa sobre o tema, cf .

MENEZES CORDEIRO,

D. Obri-

gacdes cit., 1,

98

11 4

. N4o ha jurisprud8ncia que documente o tema, embora se tenha

conhecimento, a nivel de primeira instincia, de que quaisquer tentativas de sensibilizar o

tr ibunal para a injustica ou o abuso de certas condicoes gerais, tern sido votadas ao

fracasso.

Refira-se, contudo, o ac. antigo do STJ 3-Jul.-1945: uma pessoa celebrara, corn um a seguradora,

urn seguro de rcsponsabilidade por danos advenientes de automcivel; ao faze-lo, pretenders urn

seguro contra todos os riscos; simplesmente, a seguradora exclufra, desse 3mbito

 

nas cng,

os

danos causados a passageiros, em termos que o segundo afirm a desconhecer, dado nao the

terem sido contrapostos, quando solicitara urn seguro geral, e constarern, em letra miOda,

sob o titulo, bem legivel, «apolice pars todos os r iscov

 

; alegou-se, ainda, a boa fe contratual,

nit) obstante nao vir expressa no Cedigo de Seabra. 0 Supremo decidiu nab repreender

tal contrato, considerando que o segurado sabia ler, tivera em mios a apolice, durante

muito tempo e celebrara livremente o contrato — STJ 3-Jul.-1945, ROA 5 (1945), 3-4, 335-

-337 e 341); houve, no entanto, urn voto de vencido, onde se entendeu haver disparidade

entre a vontade do segurado e o contrato alcancado atraves do mecanismo das condicoes gerais.

Em an.,

ACACIO FURTADO,

ROA 5 (1945), 3-4, 343-348 (348), mostra-se surpreendido:

a propria escritura palica pode ser alegada de nulidade, por nao respeitar a

vontade

di

ca

na

do, a contraparte: a desproporca

-

o pode ser determinada, de forma

cOm oda, tomando por bitola a regulacio supletiva normal, consa-

gr

ada na lei ou o tipo contratual normal, atentos os fins deste c os

que o contrato questionado permita obter.

A ligacio desta forma de co ntrolo aos contratos celebrados atra-

ves de condicoes negociais gerais radica, por urn lado, na acu idade

e

special que esse processo formativo, pela sua projeccio social e pela

facilidade de abusos, reveste; por outro, no pensamento jusliberal

que entende intocivel a autonomia privada: os co ntratos so poderiam

ser corrigidos por ter havido falhas na sua celebracao o que, dada a

adeFlo, estaria facilitado. Tudo isto pode ser dobrado pelo reconhe-

cimento, a pessoa que ponha a aceitacio de um a generalidade de

outras as condicoes gerais, de urn dever especial de mo deracio e

equilibrio. Deve-se ter em conta, ainda, o facto de o Direito no

pretender, contra a vontade das partes, o equilibrio: a possibilidade

de con tratos a titulo gratuito demonstra-o; ponto 6 que as partes

disso estejam sabedoras e desejosas.

Corn estas precisoes, no ha rail° definitiva para limitar aos

contratos oriundos de condicoes negociais gerais o controlo do con-

teOdo. A mediacio entre os contratos obtidos por essa forma e os

que advenham de actividades singulares, destinadas, de modo espe-

&lc°, a procura de negOcios particulares, a assegurada pelos con-

tratos pre-formulados

(

431

). Nestes, independentemente da gene-

ralidade que domina o funcionamento das condicoes negociais

gerais, assiste-se ao apresentar, por uma das partes a outra, de um

clausulado rigido, que ela se limita a ac eitar ou a recusar

(

432

.

das partes; as cng, pelo contario, Sao, pelo Suprem o, consideradas inatingiveis. Tern taxa();

o Supremo decidiu mal.

0 problema posto em Portugal pelas cng e pelos abusos registados, a nfveis cads vez

mais extensos, como, p. ex., no comercio autom6vel ou na venda de habitacaes, exigem

uma resposta jurfdica. Na iinpossibilidade de se alcancarem resultados pela disseminacio juscien-

tffica de soluc'Oes assentes na boa fe, justifica-se uma intervencao legislativa cuidada.

(431)

G.

STEIN,

Die Inhaltskontrolle vorformulierter Vertrage

cit., 47, 48, 50 e 53, p. ex..

(432)

G.

STEN,

Die Inhaltskontrolle vorformulierter Vertrage

cit ., 96, 97

-

8, 99, 114

-

15

e 139. Nao interessa examinar corn pormenor os aspectos que, do AGBG podem ser aplicados,

de forma directs, a contratos nit) provenientes de cng e as areas onde se coma necessido recorrer

aos principios gerais. Sobre o tema

vide

STEIN,

ob. e loc. cit . .

660

b o a

fe

como regra de conduta

0 passo seguinte nao oferece dificuldades: os vicios substanciais,

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por um prisma de justica material, nao podem depender de tipifi-

cacoes a operar no m odo de form acao dos contratos, sob pena de se

chegar a estereotipos ou a novos formalismos. A boa fe, como regra

de condu ta, nao adm ite prejuizos graves, infligidos por via contra-

tual, salva a presenca de

animus donandi

ou similar. Este nunca se

presume na h ipOtese de condicoes nego ciais gerais que, por isso, se

sujeitam a um controlo acrescido; em grau menor, sucede outro-

tanto nos contratos pre-formulados; no limite, ocorre em todos.

A

culpa in contrahendo

aparece vocacionada para enquadrar estas hip6-

teses: a pessoa que aceite

-

urn contrato desfavorivel nao foi esclare-

cida, nos prcliminares, com petindo a parte forte e experiente faze-lo.

Mas a regra da conduta segundo a boa fe, é geral.

A concretizacao da boa fe, aqui em jogo, prende-se nao, em

directo, corn a proteccao da confianca, mas corn dados fundam cntais

do sistema, como o equilibrio das prestacoes, que a lei, de modo

expresso, faz intervir na interpretacao negocial — art. 237.° — ou

a producao de efeitos reais, por oposicao a simulacros que inuti-

lizem os escopos pretendidos, face ao tipo contratual eleito.

O co ntrolo do contetido dos contratos revela facetas da boa fe

que se confirmam atraves do estudo de outras das suas aplicacoes

institucionais.

CAPITULO HI

0 EXERCICIO INADMISSIVEL DE POSIOES JURiDICAS

sE c

c 7 . 0

0 ABUSO DO DIREITO

S 25.° PRESSUPOSTOS DOGMATICOS DO ABUSO DO

DIREITO

63.

A previsio legal do acto abusivo; o Direito subjectivo

I.

0 CO digo Civil fere, no seu art. 334.°, determinados actos

como abusivos. Preve, para tanto, o titular que exceda manifes-

tamente, no exercicio d o direito, limites impostos pela boa fe, pelos

bons costumes ou pelo seu fim social ou economic°. 0 elemento

literal exprime urn ambito unificado por parte da previa° — o exer-

cicio do direito e o seu ex cesso manifesto perante certos limites — por

uma qu alificacao, em epigrafe — o abuso — e pela estatuicao — a ile-

gitimidade ou , melhor dizendo, a proibicao; reparte-o, podem, por

tees areas atinentes a previsao: em causa ficam limites impostos pela

boa fe, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econom ic° dos direi-

tos. Do enunciado, por deducao, retira-se que a boa fe e os bons

costumes impoem, ou podem impor, limites ao exercicio dos direitos

e que ester tern, ou podem

ter,

um fim social e economic° o qual, por

seu turno, limita tambem, ou pode limitar, o seu exercicio. Este

Ultimo lim ite a especifico — cada direito tem, ou pode ter o seu fim

social e econOmico; os dois primeiros sao gerais: a boa fe e os

bons costumes nao emergem, na formula legal, de cada direito em si.

§ 28. ° Venire contra faceu

n : proprium

43

os quadros dessa proposigio nos Direitos romano, ingles e alemao,

m

encionando, ainda, o D ireito canonic°, os glosadores, os conciliadores

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§ 28.°

VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM

70.

Os comportarnentos contraditorios e a sua inadmissi-

bilidade

e a evolucao posterior, ate A pandectistica (365 )

.

No Direito romano,

n

ao havia uma regra geral que vedasse o vcfp (

3 6 6

), mas apenas casos

s

ingulares onde esse tipo de comportamento era proscrito (

3 6 7

). De

igual modo, a casuistica canonica existente sobre o terra, mais do

que a urn principio geral de Direito, deve ser imputada aos valores que

informam o D ireito canonic° (

3 6 8

). Os glosadores criaram a formula

.venire contra proprium factum nulli concediturs, embora nem sem pre

a

aplicassem (

3 69

). Ji o Direito ingles, apesar da diversidade que aparenta em

relacio aos Direitos continentais, consagrou, atraves do instituto do

e s t o p p e l

( 3 7 0

) , a proibicao de contrariar o comportamento anterior e que

tern larga aplicacao. No Direito alemio, por fim,

RIEZLER

comecou

por deixar claro que a proibicao de vcfp, ao contrario, por exemplo, da

de contrariedade aos bons costumes, nao constitui um principio que

retire de si pro/3d°, como postulado etico, uma justificac

-

o juridico-

-politica,

e dai tenha pretensio de validade geral. C oloca-se, subjacente

A sua existencia, urn problema de interesses em confiito, que o Direito

pode resolver muito diferentemente (

3 7 1

). 0 BGB

nao

soluciona o

problema corn generalidade, embora se possam apontar preceitos que

vedam comportamentos contraditOrios. A questa() nao pode ser resol-

vida em termos genericos;

RIEZLER,

numa metodologia prepria da ter-

I. A locucao

veni re con tra factum propr ium

traduz o ex ercicio

de uma posicio juridica em contradicio corn o comportamento

assumido anteriormente pelo exercente

(

3 6 0

). Esse exercicio

é

tido,

sem contestacao por parte da doutrina que o conhece, como inadmis-

sive'. A articulacao interna do

veni re con tra factum p ropr ium,

o seu

ambito, a sua fundamentaclo, as suas ligacoes as outras regulacoes

tipicas do exercicio inadm issivel dos direitos e, ate, a sua reconduclo

a

boa fe suscitam, pelo contrario, controversias acesas

( 3 6 1

). A prOpria

inadmissibilidade basica do

venire

no pode afirmar-se regra, a partida.

A situacao do vcfp, na doutrina, apresenta-se insolita, dentro da vasta

claboracao dedicada A boa fe. Por um lado, integra urn sector sugestivo

das actuacoes inadmissiveis, sendo muito citado e corn urn a mbito consi-

derivel (

3 6 2

); por outro, concita urn aprofundamento modesto e cienti-

ficamente insatisfatOrio, tendo sido necessario aguardar as investigagOes

de

CANAR1S,

em 1971, para atraves da sua integraclo na doutrina da

proteccio da confianga, dinarnizar a formula (

3 6 3

).

A presenca do vcfp

na

Ciencia do Direito moderna deve-se A

monografia de

RIEZLER,

publicada no principio do seculo (

3 6 4

). R. traca

( 4 3 3 ) RIEZLER,

Venire contra factum proprium ci t . , 1 ss.,

55 ss., 110 ss., 40

ss. e 43 ss..

respectivamente.

( 4 3 4 )

RIEZLER,

Venire contra factum p ropriurn ci t . , 1;

o A.

documenta a sua afirmacao

atraves da existencia do precariurn,

da possibilidade de revogar a oferta ate a aceitac5o, do

direito de recesso na cessio bonorum,

da condictio

propter poenitent iam

e do poder de renun-

ciar a prossecucio de uma resti tut io in integrutn.

( 4 3 5 )

RIEZLER,

Venire contra factum propriutn

cit ., 4-40; o A. exemplifica

coin

a servidao,

ineficaz por nao ter sido confirmada na sua constituicio, por todos os comproprietirios do

pridio serviente, mas a que aqueles que ji haviam consentido

odem por obstaculo

— 6 — corn a ch.

emaucipatio tacita,

segundo a qual o pater , apesar de nao ter emancipado

a

f ilha do seu poder, nao devia, morta a f ilha, im pugnar o testamento dela, por incapacidack,

se sempre a houvesse tratado como

emancipada —

13 — coin

a exceptio eel venditae et traditae,

muito conhecida, concedida ao comprador contra o vendedor que reivindicasse a coisa

vendida e entregue,-com pagamento do preco, por Niel° formal — 17 ss. — corn

a ratihabi t io

(ratif icacio) da gestio, feita extemporaneamente e, em principio, ineficaz, mas seguida de

accio contra o gestor — 31 — cons a quebra de promessa carecida de eacacia juriclico-

-formal, mas que, causando danos, obrigaria a reparaclo — 32 — e corn a aceitacio de um

cumprimen to de obrigacio invilida por falta de forma, que constituir ia um

factual proprium,

ens termos de nao poder ser contrariado — 38.

( 4 3 6)

RIEZLER,

Venire contra factum proprium

cit ., 42.

( 4 3 7 )

RIEZLER,

Venire contra factum proprium

cit., 43 ss..

R.

aponta, na evolucio subse-

quente, que a expressao

so

apareceu muito esporadicamente na pandectistica.

3

Cf.

ZWEIGERT/KOTZ,

Einf i. d. Rvgl cit.,

2, 301 ss.

( 371

) RIEZLER,

Venire contra factutn proprium ci t . ,

110 ss..

(360)

WEBER,

Teen und G lauber

cit., D 323 (821).

( 3 61 )

CANARIS,

Die Vertrauettshaf tung int deutsche, , Privatrecht

(1971), reimpr. (1981),

287,

WIELING,

Venire contra factuns proprium und Verschu lden gegen sick selbst ,

AcP 176 (1976),

334-355 (33 4) e AK/BGB/TEurn iER, § 242 , n .° 32 (50) .

(362)

P. ex., ESsER/SCIimmT,

SchuldRIAT

5

cit., 1,

49,

FIKENTSCHER,

SchuIdR

6

cit.,

§ 27,

II,

3 (118), BROx,

AllgSchuldR"

cit., n.° 87 (55) e

LARENZ,

SchuldR/AT'

3

cit., 123 e,

quanto a comentarios, p. ex.,

WEBER,

Tres, und Glauben

cit., D 323 (821),

SO ERGEL/SIEBERT

/

/KNOPP,

BGBI°

cit., §

242, is.° 228 (67) e

Rom' Mi inch-Komm c i t . ,

n.° 295 (146).

( 3 63 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit. 287. 0 estudo de

CANARIS

provocaria o artigo de

WIELING,

dc sinal contrario e, depois, a grande reformulacio empreendida por

JURGEN

SCHMIDT,

abaixo analisada.

( 3 64 )

RIEZLER,

Venire contra facing,: proprium / Studien im ro mischen, englischen und deutsche,:

Zivi lrecht

(1912),

cons rec.

apreciativa de

HEINRICH TITZE,

ZHR 77

(1915), 233-242 (241).

7 4 4

exerc ic io inadm issive l de posicoes jurid icas

c e i r a

sistematica e da doutrina posterior a segunda codificagao, passa a

analisar varias situagoes tipicas onde a proibicao de vcfp pode ester

§ 28. ° Venire contra factunt

propriuni

45

De entao para ca, o vcfp

viveu,

na pratica, de referencias em

obras gerais e em com entarios, corn relevancia para o de

STAUDINGER/

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presente. Descobre quatro: 1) 0 negocio juridico invalido 6 cumprid

o

em regra

de tipo potestativo, constitui-se uma situagao juridica; 3) Alguer

n

c r i a

uma aparencia juridica na qual pessoas confiam; 4) A lguem cria um

a

3 7 2

).

0 l ivro de

RIEZLER

teve, nos anos subsequentes ao seu aparecimento,

algum efeito.

LEHMANN

aperfeigoaria dogmaticamente certos contorno

s

sOcios que abandonem sociedades em nome colectivo pelas vinculaciies

emergentes de contratos de fomecimento pendentes

(

373

). L.

afirma que

os comportamentos contraditorios podem ser agrupados numa formula

dupla: ninguem pode fazer valer urn poder em contradigao corn o seu

comportamento anterior , quando este comportamento, a luz d a lei,

dos bons costumes ou da bo a fe, se deva entender como renrincia conco-

mitante ao poder ou quando o exercicio posterior do poder contunda

c o r n

a lei, os bons costumes ou a boa

fe.

Na primeira proposicao,

reunem-se os casos em que urn comportamento determinado

é,

de ante-

ago, inconciliavel corn a man utenglo de urn poder — casos ditos, corn

impropriedade, de remincia tacita; na segunda, ordenam-se as hipoteses

de arguigao de nulidade de um negocio, depois de se ter patenteado a sua

validade, de actuagio da realidade, depois de se ter criado uma aparencia

e

de com portamentos que apenas pelas suas consequencias se vem a

apresentar com o con traditOrios

(

374

). A

construgao de L., sem avangar

muito na v ia de uma concretizagao verdadeira, peca ainda por nao auto-

nomizar o papel da boa

fe,

colocada lado a lado corn a lei e os bons

c o s t u m e s .

Tambem

RUNDSTEIN

dedicaria urn escrito ao vcfp

(375);

trata-se,

mais precisamente, de um artigo sobre Direito frances. Mas sem novi-

dade cientifica: R. analisa um certo ntimero de regulagoes francesas,

muitas de base puramente legal, quc traduziriam, de algum modo,

a

proibigio de vcfp

(

376

) e coteja, a face do Direito frances, as quatro-

ou cinco — situagoes tipicas de vcfp, ponderadas por

RIEZLER (

37 7

).

( 3 7 2 )

RIEZLER,

Venire contra factunr propriunt ci t . , 110

ss. (131-132) e 134 ss.. R. acrescenta

ainda um quinto g rupo de casos, que reconhece nao serem de v cfp, embora corn de se relacio-

nem: o recurso ao prOprio nao-direito que, contrariando os bons costumes, di lugar a m axima

t urpitudinem mats allegans non auditur .

( 3 7 3 )

H EINIUCH LEH MANN,

Die Enthaftung des ausgeschiedenen Gesellschafters der offenen

Hantagese l l schaf t von Verb indl ichke i ten aus schwebenden Lie ferungsvertragen / Zu gle ich e in Bei trag

zur

L e h r e

v o n t

gegensatzl ichen Verhal ten,

ZHR 79 (1916), 57-103.

04

) H.

LEH MANN,

Enthaf tung des ausgeschieden Gesel lschaf ters

cit ., 98.

3 1 5

) S. RUNDSTEIN,

Der Widerspruch mit dem eigenen Verhalten in der Theorie des

franzosisthen Privatrechts,

AbiirgR 43, (1919), 319-379.

( ' )

S. RUNDSTEIN,

Der Widerspruch mit dem eigenen Verhalten

cit., 326-344.

(7

S. RUNDSTEIN,

Der Widerspruch mit dem eigenen Verhalten

cit., 344-379.

/ WEBER"

(

378

), sem progressos ate a decada de setenta.

0 sucesso do vcfp deve-se, por urn lado, a im pressividade da prOpria

formula e a divulgagao do escrito de

RIEZLER;

a sua incipiencia deriva da

complexidad e natural da materia e da vasticlao nela figurada: afinal e em

Ultima analise, como a maioria das situagoes juridicas tom base voluntaria,

nao sera qualquer litigio em que o titular as contrarie, vcfp?

II.

Venire cont ra fac tum proprium

postula dois comportamentos

da mesma pessoa, licitos em si e diferidos no tempo. 0 primeiro

— o

fac tum propr ium — é,

porem, contrariado pelo segundo. Esta

fOrmula provoca, a partida, reaccoes afectivas que devem ser evitadas.

Na linha de investigacao preconizada, h a que comecar por situacaes

singulares redutiveis, eventualmente, ao

venire contra factuni proprium

e indagar da sua v aloracao, a luz do Direito vigente.. Ponderar varios

tipos de

facta propria

coloca um problema de sistematizacio. As ten-

tativas realizadas ate hoje

(

37 9

) nao sao satisfatOrias, quando entendidas

(378)

W.

WEBER,

Treu and Glauben

cit., 821-840. 0 vcfp estendeu-se, corn a boa fe,

fora do D ireito civil, por vezes, ate, indevidamente. Assim,

B E L T Z ,

Treu and Glauben rand die

guten Sitten nach neuer Rechtsauffassung rand ihre Geltung in der ZPO

cit., 79, prop&a sua

transposicio para o Direito processual civil, em 1937; contradi-lo BRumarrEL,

Treu

and Glauben, guten Si t ten and Schikaneverbot ins Erkenntnisverfahren

cit., 119-123, para quem, salvas

as relacaes corn comportamentos extraprocessuais e certas situagoes-limite, as partes devem

conservar, em processo, grande latitude de actuacio. Teri razio. S6 que, tambem n o Direito

civil, nab existe, a partida, uma regra geral de nio-contradicio, como se vai ver.

(379)

Referiu-se,

supra I,

a dassificacio proposta por

RIEZLER e

utilizada, ainda, por

RUNDSTEIN; W. WEBER,

Teen

rand Glauben

cit ., D 326 (823), considera-a como nao exau stiva,

enquanto

CANARIS,

Vertrauenshaf tung

cit., 287 3

, afirma compreender ela proposicoes concreti-

zadoras escassas. 0 pre:Trio

CANARIS

trata o problema pelo prisma do vcfp como caracteris-

tica-base de pretensoes, distinguindo: 1. pretensoes em negocios corn nulidade formal;

2. pretensoes em neg6cios corn ou tras falhas; 3. pretensoes em negOcios interpretados corn erro;

pretensoes em situacaes derivadas da prestacio voluntaria —

Vertrauenshaf tung

cit ., 288-372

—e realiza, nessa base, o maior estudo existente sobre a materia; antes, MERz/Berner

K o m m ,

havia ordenado, no vcfp: 1. a alegacbo inadmissivel do desaparecimento do direito do credor,

causado contra a confianca suscitada; 2. alegacio inadmissivel da invalidade formal; 3.

a sup-

pressio;

4. certos casos de comportamento contraditorio.

MERZ

desenvolve, depois, em especial,

a alegacio inadmissivel de nulidades formais e

a suppressio — Berner Komm

cit., Art. 2,

33

5-343 , 346 ss. e 361 ss., respectivamente.

RoTHIMiinch-Komm

dassif ica as situagoes de

contradicao corn o com portamento anterior cm: 1. comportamentos originadores de confianca,

depois contrariada; 2. comportamentos contraditarios, independentemente da confianca;

3

• suPPrerno — Miinch-Komm cit., §

242, n.° 301-371 (148-162).

STAUDINGER /

SCHMIDT,

BGB

18

Ci t.,

que, das aplicacaes da boa 1

.

6, di urn esquema muito diferente do comum, integra

vcfp, sucessivamente como, sem pre em conjunto corn outros, factor de normal novas para o

7 4 6

exercicio Madmissivel de poskoes juridicas

como verdadeiras sistematizacoes internal do fenomeno. Qualquer

28.° Venire contra factum proprium

47

f

c t

io

n proprium,

em primeira linha, numa de duas situacoes: quando

Iona

pessoa, em termos que, especificamente, nao a vinculem,

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ordenacao corn pretens5cs a sistematica deve transcender puros

aji-

nhamentos empiricos de realidades sortidas. E por rigor metol&

gico, deve evitar-se fazer intervir, na arrumacao dos tipos de

venir

e

riterios que pressuponham a natureza do fen&

meno ou a determinacao do seu ambito, quando estas devam ser

concluidas da sistematizacao engendrada: a inversao seria manifesta.

0 ambito extenso de que o

venire contra facturn proprium

se pode

revestir requer uma delimitacao previa, ainda que empirica e provi-

sOria, do alcance figurativo da fOrmula. Desse modo, só se considera

como

venire contra factinn proprium

a contradicao directa entre a situa-

cao juridica originada pelo

fac tum propr ium

e o segundo comporta-

mento do autor

(380

). Por outro lado, afasta-se, tambem, a partida,

a hipOtese de o

fac tum proprium,

por integrar os postulados da autono-

mia privada, surgir como acto juriclico

(

381

) que vincule o autor

em termos de o segundo comportamento representar uma violack

desse dever especifico; accionar-se-iam, entao, os pressupostos da

chamada respon sabilidade obrigacional e nao os do exercicio inadmis-

sivel de posicoes juridicas

(

382

).

Feitas estas precisoes, ha

venire contra

formar de direitos subjectivos, factor negativo novo na previa:, de surgimento de direitos

subjectivos e factor de normal novas para modificacao de direitos existentes —

STAUDINGER/

/Scsraurn .

, BGBI 2

cit., § 242, n.° 553 ss., 580 ss. e 606 ss.; avance-se ja que J.

SCHMIDT

chega, nos

tres casos, a conclusio da inutilidade do vcfp. Outros autores tratam o vcfp por forma pura-

mente topico-casufstica, sem fazerem arrumacaes nos casos que reconduzam a essa formula,

assim procedeu

SOERCEL/SIEBERT/KNOPP, BGB

1

° Cit., §

242, n.° 228-240 (67-69),

ERMAN/SIRP,

B G B 6

cit., § 242, n.° 79 (470), BGB/RGRK/ALFF

12

cit ., § 242, n. ° 93-119 (29-35) e AK /BGB

/

/TEUHNER Cit . , §

242, n

:

° 31-32 (50-51). Este Ult imo A., exemplificando, opina a incapacidade

de generalizacio dc casos tidos por de vcfp, enquanto

STAUDINCER/SCHMIDT, BGB

1 2 Cit.,

§ 242, n.° 5 54 (188), sublinham uma al. heterogeneidade dos comportamentos contraditorios.

Ambas as afirmacoes sari exageradas: é possivel encontrar tracos comuns nos exem plos de

vcfp que a pratica indica, embora seja preciso pOr de parte, em definitivo, uma metodologia

juridica conceptual-dedutivistica. No que coca, porem , Is sistematizacoes acima apontadas, dove

sublinhar-se que a de

STAUDINGER/SCH MIDT

é, reconhecidamente, uma classif icacio que nada

tern a ver corn a boa fe e, por conseguinte, com o vcfp, como resulta das conexoes existences

mitre as duas realidades; nas restantes, a hesitacao, a nao uniformidade e o empirismo

sao patentes.

(

3 8 0 ) Exdui-se, pois, no fundam ental, a

suppressio,

a actuacio por conta prOpria, a situa-

Cab dita de

to quo que e

a do ch. dolo initial;

quanto ao sentido destas figuras, cuja ponderaclo

a luz do vcfp, uma vez determinado, nao deixara de ser feita, cf.

infra, §§

30.°42.°.

(3st) Mantem-se a dogmatizacio f ixada em

MENEZES CORDER°,

D.

Obrigacoes cit.,

1, 49 ss..

(

3 8 2

) 0 concurso seria possivel, eon termos reais, caso o

venire contra factum proprium

nao tivesse alcance supletivo.

manifeste a intencao de nao it praticar determinado acto e, depois,

o

pratique e quando uma pessoa, de modo, tambem, a nao ficar

especificamente adstrita, declare pretender avancar corn certa actuacao

e

, depois, se negue. Estas hipOteses compreendem sub-modalidades.

A pessoa que manifeste a intencao de nao praticar determinado

acto

e, depois, o pratique, pode ser condenada, em certas circuns-

ancias, ainda quando o acto em causa seja permitido, por integrar o

contetido de urn direito

subjectivo. Pode ordenar-se a vasta casuis-

tica existente em tres grupos.

Num primeiro, o titular-exercente manifesta a intencao de nao

exercer urn direito potestativo, mas exerce

 

.

Assim, em BAG 8-Jun.-1972, discutiu-se o seguinte: um traba-

lhador — o A. — pretende despedir-se; o empregador — os RR.

— opoe-se ao despedimento; urn mes volvido, os RR., alegando o mats

estado da empresa, despedem-no; o

BAG

entendeu haver aqui violas

-

o

da boa fe, por vcfp, uma vez que, aquando do primeiro comportamento

— a recusa — os R R. j i sabiam do mau estado da empresa; nessa

base, os dois comportamentos sio, de facto, contraditorios

(

383).

Em AG Minster, 21-Mar.-1972 decidiu-se haver exercicio inadmis-

sivel do direito por parte do senhorio que, depois de ter afirmado, ao inqui-

lino, a possibilidade de ere permanecer no local arrendado ate certa data

minima veio, antes dela, rescindir o contrato de arrendamento

(384

).

Em OL G K oln, 8-Nov.-1972 decidiu

-

e que o comprador de um

veiculo pesado que aceita, em negociacio, a reparagio de certo vicio, nao

pode, por vcfp, devolver o veiculo contra o preco, alegando o utro vicio

adveniente

(

385

).

(383)

BAG, 8-Jun.-1972, NJW 1972, 1878-18 80 (1879). 0 regime da demincia do con-

trato de trabalho 6, como se ve, diferente do portugues.

(384)

AG Miister , 21-Mar . -1972 , WuM 1975 , 32 .

ROTH,

no

Munch

 

otnin ci t . , §

242,

11.0

301 (148), aponta, como semelhantes, as decisoes AG Hannover, 9-Fev.-1972 e A G K öln,

8

-Mar.-1971. Nio e assim. Na primeira, decidiu-se apenas que celebrado urn arrendamento

por prazo indeterminado, nao pode o senhorio, por forca da regra da boa fe, denunciar

o contrato apenas ties meses e mei° volvidos sobre a sua celebraclo, depois do inquilino ter

realizado certos melhoramentos — WuM 1973, 19; poderi ser urn caso de exercfcio inadmissi-

vel de direito, mas nao de vcfp; a face do art. 334.

0

, a hipOtese seria, alias, de contrariedade ao

8

In social e economic° do direito e

n - a o

de violacio da boa fe. Na segunda, decidiu-se, tambem,

que, celebrado urn contrato similar nao pode, o senhorio, denw acia-lo f indo apenas urn ano.

0

tribunal deixou alias, neste ultimo caso, em aberto a hipotese da violacbo da boa fe, a decidiu

favoravelmente ao inquilino, corn base noutros lugares normativos — WuM 1971, 156-1 57.

(385)

OLG Köln, 8-Nov.-1972, MDR 1973, 314.

0 exerc ic io inadmissive l de p osic l ies jurid icas

No

segundo,

o

titular-exercente indicia nao ir exercer

uni

3 86

) .

748

§ 28-.° Venire contra factum proprium

49

A

sua reconducao ao

venire contra fac tum

p r o p r i

u m

r i : M

 g °

Pe 

a r i m

 i(9)

3 i 8 r i ;

corn vantagem, esclarecer certos casos de

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Em B GH, 23-A br.-1969, urn agente obtivera urn mandato

em

as

indemnizacio por violagio do exclusivo

é

vcfp, ainda quando nao }raj

a

3 87

).

No

terceiro, finalmente, a pessoa age ao abrigo de uma permissao

generica de actuacao e nao de urn direito subjectivo, potestativ

o

ou

comum; nesse ambito — autonomia privada, liberdade de deslo-

cacao, por exemplo — declara nao ir tomar determinada atitude,

mas acaba por assumi-la. Esta hipOtese de

venire contra factum proprium

nao tern sido suficientement

e

esclarecida pela doutrina e pela juris-

prudencia. De facto, ela prende-se corn a possibilidade de constitui-

cao de obrigacoes atraves de comportamentos concludentes (

3 8

8)

ou corn a simples discussao em tomb dos modos de produzir declara-

(386)

Muitos casos que poderiam ser reconduzidos a esta rubrica ganham autonomia

como fenomenos de

suppressio . Urn exemplo curioso, dos poucos em que o

venire contra

fa c t u m propr iu m

foi expressamente reconhecido na jurispruckncia do Codigo Civil de 1966,

6 dado por RL d 17-Jul.-1970, AcRLd 1970, 492-496 (493-494); urn senhorio estimula a insta-

Ina° de um a inch:atr ia domestica no local arrendado e, corn o fundam ento na existencia dela,

move uma accio de despejo.

(387)

BGH 23-Abr.-1969, NJW1969, 1625-1626. A decisio BGH 18-Abr.-1966,

NJW 1966, 14 04-1405, de q ue um agente, beneficiario, tambem, de um a clausula de exclusivo,

nio pode mover pretensoes contra o mandante por violacio do exclusivo, depois de, tendo

cessado a actividade, ter dado a entender que o exclusivo ja nao vigorava, parece integrar antes

uma hipotese de

s u p p r e s s i o .

SOERGEL/SIEBERT/KNOPP,

BG B

13

cit., § 242, n.° 234 (68),

consideram-na, porern, como de vcfp, sendo certo que esses autores, separando a partida as duas

f iguras, acabam, afinal, por proceder a um a aproximacao —

ob. cit . , n .°

281 (81).

Em situacoes de vcfp, quando esteja em causa urn direito subjectivo comum — este tern,

corn frequencia, natureza contratual — o

fa c t u m propr iu m

pode consistir numa interpretacio

erronea do contrato. Pelo que segue. Uma interpretacio erronea do contrato leva, em prin-

cipio, I aplicacio superveniente do verdadeiro regime e, disso sendo caso, ao funcionamento

dos esquemas prOprios da v iQ1a4ao contratual. Havendo erro bilateral, ficaria ainda em aberto

a hipotese da alteracao do contrato por consentimento nnituo, expressa ou concludentemente

manifestado. Pock, no entanto, suceder que nenhuma das saidas acima pre-figuradas seja

aplicivel: por mecessidade etico-juriclica• (CANARIS), urn comportamento assente em interpre-

tacit) inexacta do contrato e perante a qual a contraparte tenha, de algum modo, assentido,

salvaguarda-se por, de outro modo, haver vcfp. Assim,

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 336

SS.,

(388)

Os quais se relacionam, alias, coin a forma de constituicio de obrigacoes ch.

xrelacoes contratuais de f iat 's.; cf .

supra,

555 ss. e 642 ss..

f

r

onterra.

III. A

pessoa que manifeste a intenc'ao de praticar urn acto e,

a

isso, no fique vinculada, integra, normalmente, a previsio de urn

negOcio inexistente ou invalid°.

A

hipOtese mais corrente 6 a

da nulidade. Considerar-se que essa pessoa, caso se retrate, incorre

em

venire contra factum proprium ,

representa uma limitaclo a prOpria

e

statuicao de nulidade, em termos de ponderacao d elicada.

0 agrupamento de

fac ta propr ia

opera, neste campo, corn base

no tipo de nulidade, podendo ser antecedido de classificacao previa

que atenda a natureza do negOcio ferido (

3 9 0

). Tres exemplos,

apenas, tocando a nulidade por contrariedade a lei, a ilegitimidade e a

a

nulabilidade de deliberacoes sociais.

BGH 26-Out.-1955: urn advogado estipula, corn o constituinte,

determinados honorarios de m ontante muito inferior ao prescrito legal-

mente e para valer em caso de exito; a convencio 6 nula por

contrariar a lei; porem, tendo perdido a causa, o advogado reclama os

honorarios legais; o BGH decidiu a improcedencia do pedido por vcfp,

visto a exigencia do advogado contrariar a sua tomada de posicio anterior,

sendo, de acordo corn o § 242 BG B, um exercicio inadmissivel de

direito (

3 9 1

).

OGH BrZ 2-Dez.-1948: urn pai entrega, em vida, a urn filho do seu

primeiro casamento, uma quinta que tinha em comum corn a segunda

mulher, da qual tinha va rios filhos; estes concordaram na altura; bas-

tante tempo volvido, morto o pai, urn dos filhos do segundo casamento

vein impugnar a transmissio, alegando a falta de consentimento formal de

todos os interessados; o BGH decidiu a improcedencia do pedido: entendeu

que o R. ja no podia contar corn o exercicio de cal pretensio,

e que este constituiria exercicio inadmissivel de direitos, contrariando

o § 242 BG B (

3 9 2

).

(389)

Nio se devendo esquecer, a este proposito, a pedra de toque constituida pela neces-

sidade da consciencia da dedaracio, acima enfocada.

( 39 0 )

A doutrina nil) tern, como se viu, elaborado uma sistematizacio satisfatOria.

Vide

WIELING,

V e n i r e c o n t r a

fa c t u m propr iu m

cit ., 339-340.

(391)

BGH 26-Out.-1955, BGHZ 18 (1955), 340-350 (341-343 e 347).

(392)

OGHBrZ 2-Dez.-1948, OGHZ 1 (1949), 279-285 (279, 280 e 284). 0 proprio

OGHBrZ considerou o caso como de

suppressio;

os factos que descreve enquadram-se, porem,

no vcfp; cf.

WIELING,

Venire contra factum proprium

cit., 339-340. Em BGH 11-Jan.-1966,

49

750

exerc ic io inadmissive l de posicoes jurid icas

BGH 21-Abr.-1960 : o director de uma sociedade pretende celebraz,

um contrato corn a propria sociedade, o que a possivel nalguns cas

o3

.

para evitar o contrato consigo proprio, celebrou-se o convenio ar

§ 28.0

Venire contra fac tum proprium

s t i a

relacao bilateral», nas palavras de

TEUBNER (

396

)•

Bin suma:

a

proibicao de

venire contra factum proprium

traduz a vocacao

para a

751

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roes

fiscal; o BGH recusou a hip6tese de, por todos os socios terern

participado na assembleia geral em causa, se entender existir uma deli_

beracao tacita do conselho fiscal; simplesmente, dada a participacio ge

ra

i ,

e

permitir a impugnacio posterior da deliberacie

em causa, por incompetencia do 6rgio implicado

(

393

) .

Pelo relevo pritico que tern e pela delicadeza do prob lem

a

,

deixa-se para rubrica autOnoma a questa.° das nulidades form*

.

venire contra factum

p rop r i u m nao

permitem, de forma algum a, concluir, sem mais, pela

natureza inadmissivel do comportamento contraditOrio. Pelo con-

trario: 6 importante focar a inexistencia, na C iencia do D ireito

actual e nas ordens juridicas por ela informadas, de um a proibicao

gene'rica de contradicao (

3 9 4

). Apenas circunstincias especiais podem

levar a sua aplicacio.

A proibicao de

veni re con tra factum propr ium

tem, a partida,

urn grande poder convincente. Como explica WIEACKER,

«o

principio

do

venire contra factum proprium

radica fundo na justica pessoal a cujo

elemento mais intrinseco pertence a veracidadel (395). Sociologica-

camente, o comportamento contraditOrio configura-se como um

atentado «contra expectativas fundamentais de continuidade da auto-

-representacio que respeitam tambem a identidade do parceiro e a

decidiu-se uma questio semelhante, embora suscitada em torn de urn problema de mcapaci-

dade. Urn pai celebra certo negocio, corn assentimento do filho; algum tempo depois 6 inter-

ditado por dem8ncia serail; mais tarde, o filho vem impugnar o negocio em causa:

o BGH decidiu haver, no pedido feito, atentado 3 boa f6, por violacio da confianca criada,

na outra parte, dado o comportamento dos implicados — BGHZ 44 (1966), 36 7-372 (368 c

371). Repare-se, por fim, numa demonstracio tiara do fern:men° da sobreposicio dos tipos

previsivos de exercfcios inadmissiveis de posicoes juridicas, que ambos estes casos integram, tam-

bem, hip6teses ditas de inalegabilidades

de

vfcios formais.

(393)

BGH 21-Abr. -1960, WM 1960, 803-805 (804 e 805) .

(394)

MEral Berner

-

o m m ,

Art. 2 cit ., n.° 401 (333);

ji

TITZE,

rec. cit. a

RIEZLER,

ZHR 77 (1915), 241.

(395)

WIEACKER,

Preizis ierung

cit., 28; cf.

ERMAN/SIRE,

BGB

6

cit. , § 242, n.° 79

(470),

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 288.

psicolOgica e social da regra

pacta sunt servanda

uispositividade, mesmo n aqueles casos especificos em que a ordem

j

ur

idica estabelecida, por razoes estudadas, por desada ptacio ou

por incompleicao, iha negue. Este ambiente pre-juridico especial-

tante favorivel a admissio do proibir generic° de comportamentos

cuutraditOrios nao deve, porem, fazer perder de vista o resultado real

de tal aceitacio: todos os com portamentos humanos acabariam por ter

acolhimento e proteccao juridicos. Pelo seguinte: o vincular uma

pessoa as suas atitudes faz sentido, em particular, quando tenham

usn

beneficiirio; este, por seu turno, nao poderia recusar as necessirias

contrapartidas. As permiss'oes normativas esgotar-se-iam no primeiro

exercicio e todo o relacionamento social converter-se-ia num

e

dificio rigido de deveres irrecusiveis. A essencia do juridico contra-

diz, por si, tal possibilidade: numa critica classics mas ainda

actual, as tentativas de reducao do D ireito a sociologia, deve ter-se

presente que o D ireito nao sanciona o que esti; tern uma vocacao

efectiva para dirigir, num sentido ou noutro, os com portamentos

human os. Entre os meios disponiveis para isso, e dos mais avancados

pelo prisma da evoluclo social, esti o nao reconhecer relevancia juri-

dica a determinados com portamentos. Assente a admissibilidade de

tal orientacao — e isso, hi que sublinhi-lo, nos prOprios cam pos

etico, psicolOgico e social —nao seria saida correcta aceitar, por norma,

a total irrelevancia juridica de com portamentos que, no entanto,

produziriam efeitos apenas contra o seu autor.

f ac tum proprium

permite decidir de acordo corn o Direito, o qual,

desde

documentam-n o — em que o actuar da proibicao de

venire contra

Hi, contudo, situacties reais — o s exemplos acima indicados

a superacio dos positivismos legalistas mais radicais, nao se

identifica corn cads um a das normas juridicas em vigor.

(396)

AK/BGB, §

242, 11.° 31:

TEUBNER

coloca-se na linha de N.

LUHMANN,

para

quern nio deixa de remeter. Explica N.

LUELMANN

que etoda a auto-representacio obriga —

t6 porque ela representa urn (auto* que seri aproveitado para a identidade. Se se quer ficar o

memo, deve-se permanecer como sempre se mostrous —

Vertrauen

2

cit., 69; tamb6m 90-91.

0 exercicio inadmissivel de posif iks jurid icas

71.

ConstrucCies dogmaticas; apreciacio; extensio excessiva

da figura

§ 28.° Venire contra factum proprium

fraca. 0

venire contra factum

proprium, porque dotado de carga

tica

, psicolOgica e sociolOgica negativa atenta, necessariamente,

752

753

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I.

0 equacionar dogmatic° do

venire cont ra fac tum proprium ,

como e

de esperar perante a incipiencia denotada pela sistematica da

figura

(

397

), apresenta flutuacoes grandes, dobradas por uma imp

re,

cisao de linguagem, que

na.o

facilitam o falar-se em tendencias. Sob

a reserva do desenvolvimento posterior vai, contudo, ordenar-se a

doutrina, distinguindo a reconducao do

venire contra factum proprium

a

boa fe, a confianca, ao negOcio juridic° ou, simplesmente, a su

a

dissolucao.

A afirmacao de que o

veni re con tra factum propr ium e

aplicacao

da boa fé ou, se se quiser, que o assumir de comportamentos contra-

ditOrios viola a regra da observancia da boa

f e , a

comum na dou-

trina

(

398

) e na jurisprudencia

(

399

). Assim apresentada, a justificaCl

o

(397)

Recorde-se que dogmatica e sistematica nao devem ser confundidas: dogmatica

6 a reconduclo de normas e principios de urn espaco juddico aos parametros ou valor's

que o informem; sistematica 6 a ordenacao dessas normas e principios sob um ponto de

vista. Ou, por outras palavras: a sistematica 6, aqui, formal; a dogm atica é uma isistematica.

material.

(398)

Em

RIEZLER,

pela natureza fragmentaria do seu estudo, na parte positiva, escasseiam

as menc6es a boa

fe

— desse A.,

Venire contra factum proprium

cit., 133, 138 e 168,

p. ex.. Mais tarde, elas dominariam o panorama do vcfp; assim

L.

SCHULTZ,

Venire contra

factum proprium im Ri ickerstat tungsrecht,

NJW 1949, 570-572 (571); ERMAN/SIRP, BGB

6

cit.,

242, n.° 79 (470); Ltinnizz/StudK-BGB

2

, § 242, 4,

d)

(141);

Rom' Mi inch -Komm c i t ., §

242,

n .° 93 (29-30) ;

LARENZ,

AllgTeils

cit., 206 e

SchuldRIAT

1 3

cit., 123. Alguns destes AA.,

procedem a precisoes ulteriores.

(399)

Na doutrina actual, o vcfp tern, contudo, uma presenca mais intensa do que

na jurispruclincia. Embora este fenOm eno nit) seja relevado pela literatura, ele deve ser subli-

nhado: boa parte das decisoes judiciais citadas como consagrando, substancialmente, a proi-

bicao de vcfp, nao referem essa expressao, embora nit) deixem de apelar para a boa

fe.

Assim:

RG 28-Nov.-1923, RGZ 10 7 (1924), 357-365 (363) — refere a

exceptio doll;

BGH 12-Jul.-19

5 1

,

BGHZ 3 (1951), 94-110 (93) — recorre a boa fe e aos bons costumes; BGH 2-Mar.-1972,

NJW 1972, 940 -942 (941) — entendeu-se, aqui, nao contrariar a boa

fe

o alegar a falta de

poderes de urn &gaga de

ente

public°, para celebrar urn contrato de empreitada; materialmente,

rejeitou-se haver vcfp indevido; AG Minster 21-M ar.-1972, WuM 1975, 32 — fala ern exerd-

do inadm issivel. Em com pensacao, a inadmissibilidade de com portamentos contradit6rios,

reportada a boa fe, 6 isolada noutras decisties. Assim: BGH 20-Mai.-1968, BG HZ 50 (1969),

191-197 (192 e 196) — o R. alega, em tribunal arbitral, que o processo deveria seguir em

tr ibunal comum; neste, op& a excepcao do compromisso arbitral; OLG ICCiln 8-N ov: 1972,

MDR 1973, 314; BGH 5-Mai.-1977, BB 1977, 919-921 (920) — onde se diz «nem todo

0

comportamento contraditorio 6 inconciliavel corn a boa

fe. Isso

so pode acontecer quando uma

co

ntra a boa fe, conceito portador de representacao cultural aprecia-

tiva e

que, para mais, esti, na tradicao romanistica do

Corpus Iur is

Civilis,

num estado de diluicao que a torna omnipresente. 0 recurso

put°

e simples a uma boa fe despida de quaisquer precis

-

6es torna-se,

perante essa relacao de necessidade, num expediente insatisfatOrio

para a Ciencia do Direito e insuficiente para a pritica juridica:

explica as soluceies encontradas e nao permite, por si, solucionar

c

asos concretos novos. No fundo, a boa fe funciona, ai, como apoio

linguistic° para soluceSes encontradas corn base noutros raciocinios

ou na pura afectividade — ou como esquema privilegiado de con-

seguir amparo numa disposicao legal — a que consagra a boa fe —

para a solucao defendida.

II. Como expressio da confianca, o

veni re con tra factum pro-

prium

situa-se ja numa linha de concretizacao da boa fe. Referencias

incidentals a confianca, no ambito da proibic

-

ao de comportamentos

parte criou uma inevisio de confianca na q ual a outra se pudesse fiar, c o tenha feito, ou quando

o comportamento anterior esteja em contradicao insoltivel corn o posterior*. Esta decisao tern,

como se ye, um interesse doutrinario especial.

Nio faltaram tentativas de transpor o esquema de pensamento pressuposto pelo vcfp

para outras areas juridicas, como, p. ex., o Direito penal. Ponto de partida foi a decisio do

LG Kaiserslautern 14-Jul.-1955, JZ 1956, 182-183: o R. cometera o crime de estupro —

§ 18 2 StGB, na versao em vigor na altura — tendo posteriormente renovado varias vezes as

relacoes corn a ofendida, de catorze anos; em defesa, vem dizer que, na primeira vez, desconhe-

cia a idade da ofendida e, que, nas vezes subsequentes, embora tivesse obtido esse conhe-

cimento, faltava ja o requisito da virgindade, por parte da mesma ofendida. 0 LG Kai-

serslautern nao aceitou este argumento, decidindo que o R . nit , podia recorrer I falta de urn

requisito que de prOprio suprimira.

HANS-JURGEN BRUNS,

Venire contra factum proprium ins

Strafrecht?,

JZ 1956, 147-153, escrito a propOsito desta decisao, sem deixar de levantar algumas

aplaude o que considera como primeira manifestacio de vcfp em Direito penal — 153.

De facto, ocorre, neste caso, uma certa desconformidade na s actuaceies do P. . . , na medida

ern que vem alegar urn comportamento seu desvalorizado, cuja eficacia nit> surte por raz

-

oes

references ao proprio R., para evitar a reprovacao das suas atitudes posteriores. Mas isto

rrao 6 vcfp, pelo menos no sentido comum que the di o Direito privado. Mesmo

processualmente, o R. nao volta was corn os comportam entos assumidos; apenas the di urn

c

eeto enquadramento juridico-penal. 0 caso solucionado pelo LG Kaiserslautern explica-se,

preferencialmente, atraves de instrumentacao penal classica: o P..., numa situacao de crime con-

tinuado, nao beneficia da causa de excusa adveniente da nab consciencia da ilicitude se,

durante a accio, adquiriu essa consciencia.

754

exercicio inadmissivel de posicaes juridicas

contraditOrios, surgiam em

RIEZLER

(400). Seth

preciso agua

r

d

ar

ICHLER

no sentido de, a partir da boa fe, confeccion

ar

/4

0

1

§ 28.° Venire contra factum

proprium

(410). E

R

N I A N / S r i a

,

escrevem que «quando o titular atraves das suas

je

dar

acties

ou pelo seu comportamento, consciente

ou inconsciente,

to provocado que a outra parte se pudesse confiar em si e, tambem,

755

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doutrina juridica da confianca

para dar outra din

-

Lena

°

is

referencias dense tipo.

A l igacio entre o vcfp e a doutrina da confianca tornou-se bast

a n t e

WIEACKER,

no seu conhecido escrito sobre

0

precisar do § 242 BGB, afirma que «...o principio do

venire é

u m a

plicacio das proposicaes da confianca no trafego juridico e nio u

l n a

(402 ). WEBER,

na sua ext

e a s a

e,

anuncia, a prop6sito do vcfp, a regra

d e

que

minguem pode exercer um direito ou tomar uma posicio juridica corn

consequencias, em contradicao corn o comportamento anterior, quando

este justifique a condusio de que nao o iria fazer e de,

rtSa

ocasiio, tenha despertado na outra parte uma de terminada confianca„ (

4

0 3 ) .

MEnz assegura que «no D ireito actual 6 de afirmar o atentado contra a bo

a

fe,

sobretudo quando o comportamen to anterior tenha provocado con-

fianga digna de proteccio legal* (

4

°

4

). SIEBERT/KNOPP

asseveram que,

a proposito de vcfp, «verif ica-se a violacao da boa fe , corn consideracio

pelos costumes do tri fego, sobretudo quando a outra parte pode confiar

numa de terminada situacio juridica ou materia l proveniente do compor-

tamento anterior do titular do direito e actuou na base

disco* (405

).

LENZ

conclui que o principio da proteccao da confianca a uma concre-

t izacio do vcfp

(406). VON CRAUSHAAR

atesta que «0 comando de que nin-

guem deve colocar-se em contradicio corn o seu comportamento tern a sua

origem, fmalmente, na

proteccao

da confiancai

CANA1US,

comecando

por apoiar a afirmacio de

WIEACKER,

acima

transcrita

(

40 8), formula

uma construclo desenvolvida do vcfp baseado na confianga

(

4°9

).

LUHMANN, nao

obstante omitir referencias expressas ao vc fp, associa a

necessidade de identidade do comportamento prOprio corn a con-

*l

e o

tenha feito, end() nao

deve esta ser desiludida. Atentaria contra

a

boa

a

e minaria a confianca no trafego juridico que o titular se

tine incorrer em contradicio corn as suas declaracoes ou compor-

tatnentos anteriore

 

411

). ALFF

afirma que «exercicio inadmissivel do

direito em consequencia de com portamento contradit6rio de um parceiro

num contrato verifica-se, pois, quando a outra parte tenha confiado na

a

t i tude tomada pelo seu parceiro e se tenha a poiado nela de tal maneira

que a adaptagio a uma situacio juridica alterada nao the possa ser

ex

ig

icia, segundo a boa felo (

4 1 2

). Rom exige, para o funcionamento do

v

cfp, que a contraparte tenha, efectivamente , integrado um a previa° de

(41 3

) TEUBNER

tern esse factor, tambem, por decisivo

( 4 1 4 ) .

conftanga

A

reconducao do

venire contra factum proprium

outrina

da confianca revels um estadio elevado nas tarefas ascendentes, da

sistematizacio da casuistica gerada em torno dos comportamentos

c

ontraditOrios, e descendente, da concretizacio da boa fe. 0 trabalho

nio se limita ao ambito do

venire;

outras areas juridicas delicadas e, ate

decada de sessenta, ou ignoradas ou tratadas de modo puram ente

tOpico-empirico, tern sido organizadas corn base nessa doutrina

(415

)

( 4 1 0 )

N. LUHAIANN,

Vertrauen

2

cit., 40-41. Diz L.: cDigno de confianca 6 aquele

que permanece no que, consciente ou inconscientemente, comunicou de si preprio•.

(411)

ERIAANN/SIRP, BGB

6

cit., S 242, n.° 79 (470).

(412)

AuP/BGB/RGRK

1 2

cit., § 242, 11.° 93 (29-30).

413)

Rons/Miinch-Komm cit., §

242, n.° 299 (147). ROTH admite, no entanto,

a possibilidade de haver casos de vcfp que nio se possam reconduzir I problematica da confi-

anca -

idem, n.°

321 (153). Recorda BGH 5-Mai.-1977, BB 1977, 919-921 (920) -

supra,

7523

 

- que admite como contriria i boa a, para alem dos casos que suscitem a confianca,

a contraclicao insolavel de comportamentos. Das outras decisoes citadas por Rom, apenas

BGH 20-Mai.-1968, RGHZ 50 (1969) 192 - o caso da pessoa que faz valer, sucessivamente,

a incompetencia do tribunal arbitral e, uma vez no comum, o compromisso - quadra uma

hip6tese efectiva de .vcfp sem conftanca, em termos claros. 0 facto deve-se a Rom

utilizar urn conceito amplo de vcfp; este foi aqui -

supra,

746 - restringido. Em BAG 14-Dez.-

-

1968, BB 1968, 306, p. ex. - urn trabalhador alega uma norma juridica para pedir uma

mdeinnizacio, quando ele pr6prio viola uma norma - concretiza-se o tipo mais restrito

dm° de to

quoque

e nio urn vcfp.

(4 1 4 )

TEusNER /AK /BGB cit., § 242, n.° 31 (50).

(

41 1

) A conftarKa, sob o epfteto initial, depois abandonado, de .doutrina da aparencio

Ja havia merecido ciclos anteriores de estudos, designadamente no principio do seculo, corn

W

HLLSPACHER, HERBERT MEYER, KRUM...JP/PM

C P. OERTMANN

e , no s eg undo pO s -g uerra , corn

E I C H L E R ,

BALLERSTEDT C STICH :

os prime iros nao t iv eram, con tudo, em l inh a de con ta a nece s sa- .

400)

Venire contra factum proprium

cit . , 167 . RIEZLER ocupa-se, al , do problems da apa-

rencia juridica provocada, mais precisamente da teoria

de

STAUB, muito citada, do comer-

ciante aparente. CoING,

Allgemeine Rechtsgrundscitze in der Rechtsprechung des Reichsgerichts

zum Beet der fguten Sitters*, NJW

1947/48, 213-217 (215) , aproxima tambem o vcfp da

confianca; move-se, porem, no ambito dos bons costumes e nao da boa ff. Nao tern razio.

(4 01 )

EICHLER,

D ie R echts l ehre vom V er trauen

(1951).

(402)

WIEACBER,

Prdzisierung c i t . ,

28.

(403) WEBER,

T r e u and Glaube n

cit., D 323 (821).

(404)

Mmtz/Berner

Ko m m

cit., Art. 2, n. ° 402 (334); tambem n.° 410 (336) e, corn indi-

caceies jurisprudenciais, n.° 431 ss.. (340-342).

(405)

SOERGEL/SIEBERT/KNOPP, BGB

1

° Cit., § 242, n. ° 229 (67).

(406)

K.-H . LENZ ,

Das Ver trauensschutzpr inz ip

(1968), 32.

(407)

VON CRAUSHAAR,

Der Einfluss des Vertrauens auf die Privatrechtsbildung

(1969), 5 6

.

(408) CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 270-271.

(409)

CANAIUS,

Vertrauenshaftung

cit., 287-372.

756

exercicio inadmissivel de posicoes jurfdicas

§ 28.°Venire contra factum

proprium

57

-

A

apreciacao definitiva deve englobar a doutrina em causa, na sua

extensao total

(

41 6

). Algum as consideraceies sao oportunas.

sua aplicacao: a presenca de uma disposicao especifica coin o seu con-

teddo, a aplicacao analOgica — corn inclusao de

analogia iuris

e

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Substituir uma referencia amorfa a bo a fe pela mencao

da confianca nao 6 trocar uma formula vazia por outra similar.

A confianca permite um criterio de decislo: um com portamento nao

pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a

confianca das pessoas. A confianca contorna, ainda, o problema

dogmatico, de solucao intrincada, emergente da impossibilidade juri-

dica de vincular, permanentemente, as pessoas aos com portamentos

uma vez assumidos. Nao 6 disso que se trata, mas tao sO, de

imputar aos autores respectivos as situaceies de confianca, que

de livre vontade, tenham suscitado

(417

).

A

confianca di um criterio para a proibicao de

venire contra

fac tum propr ium .

Mas nao funciona se); mantem-se, basica, a regra

oposta de que falta, nas ordens jurIdicas, urn principio firme de

nao contradicao

(418

), enquanto que, em certos casos, aflora outro vector

que nao o da confianca. A existencia de principios contraditOrios-

neste caso, proibicao de

venire contra factum proprium

e permissao de

contraditoriedade — nao deve confundir: 6 conquista da Ciencia

do D ireito m oderna a possibilidade de oposicoes desse tipo, sem

ruptura do sistema e sem quebra de validade para nenhum dos prin-

cipios em presenca

(

41 9

). Fica em aberto a oportunidade da sua

aplicacao, em cada caso concreto. Utilizando, no

venire contra

f ac tum proprium,

a metodologia apurada por CANARIS no estudo geral

da confianca

(4 2 0

), poder-se-iam apresentar tres linhas tendentes a

ria integracio da confianca no sistema juridic°, excedendo-se nas conclusoes, enquanto os segun-

dos trabalharam corn vis6es demasiado parcelares. S6 no dobrar da decada de sessenta

para setenta surgiram trabalhos envolventes, que tocaram os diversos prismas em jogo;

recorde-se

LENZ

(1968), N.

LITHAIANN

(1968, a primeira edicio),

V. CRAUSHAAR

(1969) e

CANA-

RIS

(1971).

/416,

Infra, §

49.0.

(417) Nesse sentido, a afirmaclo de

WIEACKER

citada

supra,

754 4

°

2

.

( 4 1 °) Cf.

supra

IV, bent como

MERZ

al cit., 750

19 4

.

( 4 1 9 )

CANARIS,

Systemdenken

2

cit., 53 e 115;

DWORKIN,

Is law a sys tem of rules? em Essays

in legal philosophy

(1968), 47 ss.;

MENEZES CORDEIRO,

Da

consti tuictio patr imonial pr ivada,

em Escudos sobre a Const itu icio,

publ.

JORGE MIRANDA,

3, (1979), 365-437 (368) e

D. Reais

cit., 1,

60.

(420)

Veja-se, assim, a concepcio sistemitica a que obedece o livro

Vertrauenshaf tung

cit., de

CANARIS.

disposiOes desse tipo a outros casos, ditos analogos, e a actuacio

directa do prOprio principio em si.

CANARIS

d a

dois passos que nao podem ser acompanhados, a partida:

circunscreve o vcfp ao que cham a de «respondencia pela confianca por

necessidade etico-juridica) e aponta, como base da proibicao de v cfp

021)

.

Como explica

ROTH,

existem

a aludida necessidade etico-jun'dica

situac5es inadmissiveis de vcfp que no se prendem co rn a confianca:

assim, a da pessoa que recorre, sucessivamente, a incompetencia do tribunal

arbitral e ao com promisso arbitral para evitar submeter-se aos arbitros

e ao tribunal comum

(4 22

):

este caso, como se vera, a redutivel gracas

a

interaccio do tipo

to quoque.

Acresce que o vcfp — e o atentado a

confianca tantas vezes implicit° — e com batido por disposicoes legais

precisas e nao apenas pela ch. «necessidade etico-juridican recorde-se,

p. ex., o art. 228.°/1 e o seu equivalente §

145 BGB,

sem correspondencia

nos Cod. Napoleao e i tal iano

(

4 23

) que, estabelecendo um a regra de

irrevogabilidade das propostas contratuais, devem corn vantagem, ser

interpretadas a luz do principio que exprimem . Por outro lado, o vcfp

pode ser objecto de permissio especifica — p. ex., o art. 231141 , sobre

a revogabilidade do testamento. Na derivacao do vcfp existem, pois,

outras referencias que no as proporcionadas por principios totalmente

abstractor como o da «necessidade etico-juridica•. Tambem no se deve

apontar como base do vcfp a aludida mecessidade etico-juridica*, numa

linha presente em

WIEACKER (

42 4

),

e que se liga, de algum modo,

a

tendencia para ver na boa fe urn ch. principio etico-juridico. Numa

manifestagio sectorial dos inconvenientes acarretados por estudos parce-

lares, tal formulacao levanta dificuldades excessivas aos sistemas que, como

o portugues e, com clareza ainda maior, o alemao, consagram

uma

distincao entre bons costumes e boa fe

(4 25

).

( 4 21 )

CANARIS,

Vertrauenshaf tung

cit., 266 ss. e 287 ss..

(422)

Rom

I

M u nch -K omi; c i t . , §

242, n.° 321 ss. (153 ss.) . Cf.

supra,

755

413

. ROTH

nao

se preocupava, porem, em apreciar

CANARIS,

nem apresenta uma concepcio propria da con-

fianca.

(423)

Em Franca, a jurisprudencia tens, contudo, vindo a corrigir a possibilidade de

revogacio, ate 1 aceitacSo, das propostas negociais; cf. RUNDSTEIN,

Der Widerspruch mit dent

eigenen Verhalten

cit., 326. No que coca ao regime do Direito italiano, anote-se que esta sua

particularidade, tao sendo tida em conta, tem provocado equ lvocos na doutrina portuguesa,

quando se trata de determinar a natureza da proposta contratual: transfere-se, sent niais,

a concepcio italiana dita «pre-negociab, assente numa ausencia de efeitos por forca

da

revogabilidade, para o espaco juridico portugues, onde tal revogabilidade nao ex iste.

( 4 2 4 )

WIEACKER,

Prdzis ierung

cit., 28.

(425)

Cf.

infra,

n .° 113.

0 exerc ic io inadmissive l de posic l ies jurid icas

A hipOtese de urn exercicio inadmissivel de direitos postula,

contudo, que a po sicao juridica de cuja actuaca'o se trate nao

seja, directamente, interferida por normas juridicas, ainda qu

§ 28.° Venire 'contra factum proprium

59

d o

n

ecessario para convencer uma pessoa normal, colocada na posiclo

d o

c o

nfiante e do razoivel, tendo em con ta o esforco realizado pelo

758

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e

d

e

as

ven ire con tra fac tum propr ium,

embora possa ser auxiliada e preci

s a

d

a

No essential, a concretizacao da confianca, ela propria concre-

tizacio de um princlpio mais vasto, preve, como resulta da amostr

a _

gem jurisprudential realizada: a actuacao de urn facto gerador de

confianca, em termos que concitem interesse por parte da order(

'

e

fianca gerada — u rn determinado investimento de co nfianca (

4

2 6 )

— de tal forma que a supressao do facto provoque uma iniquidad

e

sem remedio. 0

f a c t u m p r o p r i u m

daria o criterio de impuracao d

a

Esta via, longamente testada por CANm us, fica enriquecida co

rn

muito o vcfp (

4 2 7

). Fique claro, desde ja

 

que 6 possivel alcancarresultados muito satisfatorios no caminho da concretizacio, embora

nao

se ponha a hipotese de subsuncties clissicas lineares. No que toda aos

factos geradores de confianca , ha que distinguir os naturais dos artificiais;

os naturais resultam da na tureza das coisas; os artificiais criacao do

Direito (

42 8

). A proteccio da confianca gerada por estes tiltimos a regulada

expressamente — pense-se nos efeitos do registo — e, por isso, escapa ao

problema aqui em estudo, embora permita paralelos enriquecidores. Os

factos naturais, pelo contrario, devem ser ponderados a base de principios.

O s

principios que, a face do D ireito civil portugues, permitem

detectar a presenca de um facto gerador de confianca podem

ser induzidos das regras referentes as dedaracoes de vontade, tom

relevancia para a normalidade — art.

236.° /1 — e

o equilibrio —

art.

237.°: o

q u a n t u m

de credibilidade necessario para integrar uma

previsao

de confianca, pot parte do

f a c tu m p r o p r i u m ,

6 pois fungi°

( 4 26)

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 338-339

e

510,

p.

ex..

(427)

Cf.

infra, §

49.°.

(428) 

ANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 492.

A distincio remonta a

WELLSPACH

ER

 

Das Vertrauen auf au ssere Tatbestonde im biirgerlichen Recht

(1906), 22 ss. e

58 ss..

uses

rno confiante na obtencao do factor a que se entrega. Obtem-se,

as s

i

tu, o

e

nquadramento objectivo da situacio de confianca. Reque-

re

_ s e

,

porem,

ainda urn elemento subjectivo: o de que o confiante

a

d i

r

a, na realidade, ao facto gerador de confianca. Repare-se, que

b

e

nt poderia suceder, nao obstante a presenca de elementos objectivos

suficientes para justificar a proteccao da co nfianca, que o beneficiario

em potencia,

por razoes especificas, nao tivesse, de facto, confiado

na situacio que se oferecia. Nao cabe, end°, conceder-lhe a

proteccao juridica. 0 Direito portugues di indicacoes importantes

para solucionar, corn facilidade, a configuracao dente elemento subjec-

tivo, visto consagrar, de modo repetido, uma boa fe etica: basta que

o confiante ignore a instabilidade do

fac tum

proprium sem ter desa-

catado os deveres de indagacao que ao caso caibam (

4 2 9

). 0 investi-

mento de confianca, por fim, pode ser sinteticamente explicitado

como a necessidade de, em consequencia do

fa c tum

proprium a que

aderiu, o confiante ter desenvolvido uma actividade tal que o regresso

a

situacio anterior, nao estando vedado de modo especifico, seja

impossivel, em termos de justica. Man ifesta-se, no fundo, aqu i,

mais uma consequencia da natureza subsidiaria da proibicao de

venire contra factum

proprium; outras consequencias prendem-se corn o

afastamento do regime da confianca, sempre que norm as especificas

atribuam, a situacao gerada, quaisquer outros efeitos.

A articulacio destes requisitos entre si nao opera em termos

cumulativos com uns: a falta de algum deles pode ser suprida pela

intensidade especial que assumam os restantes. Neste dominio

como noutros, a concretizacao da boa fe impoe o abandon de subsun-

coes conceptualisticas como m odo de aplicar o Direito. A concate-

nacao elastica em que des se encontram pode ser expressada atraves

da ideia de sistema mO vel, a que se fara oportuna referencia (

4 3 0

) .

O s

requisitos acima a pontados para uma proteccio da confianca,

base de uma proibicao de vcfp, sio reforcados por indicios objectivos

normativos, insuficientes, porem, por si, para uma base juspositiva global

da figura, mas titers, somados aos acima referidos, para a concretizar.

(429)

Cf.

supra,

n.° 50. Este elemento da, ao regime do vcfp, uma elasticidade particular,

Permitindo afastar todos os casos ern que, perante o sistema, a confianca

surja injustificada.

( 43 0 )

Cf.

infra, n.0

119.

760

exerc ic ia inadmissive l de posiOes jurid icas

Deve, assim, entender-se que a protecgao da confianga baseada eni f

a c t o s

e

d

o s

§ 28.° Venire contra factum proprium

61

t i e s

toes deste tipo: pode urn incapaz

venire contra factum pro prium ?

se

houver simulacao, reserva mental, falta de seriedade, falta de

orisciencia ou coaccao fisica, erro, dolo, coaccao moral ou incapa-

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para gerarem credibilidade no meio social. Desta forma, a proteccao

resultante da chamada aquisigao pelo registo predial

(

4 3 1

) requer, Coln

f a c . .

tor objectivo de confianca, a inscrigio previa d o direito que o b eneficia

t

o

0 elemento subjectivo

a

r

i a

traduzido pela exigencia da boa fe. 0

V ia

'

timento de confianca exprim e-se na necessidade, para haver protecgae,

de que o acto praticado pelo beneficiirio o tenha sido a titulo oneroso.

A base legal para uma aplicacao da doutrina da confianca,

no

Direito portugues, por forma a vedar o

venire contra factum proprium,

nas suas manifestacoes mais correntes, reside no art. 334.°, e, d

e

entre os elementos previsivos nele enunciados, na boa

fe.

Apresenta-se, para ji, uma justificagio provisOria. A derivagio

histOrico-dogmatica do art.

334..

demonstrou a sua filiagio na doutrina

da terceira sitematica e da segunda codificagio. Nesse espaco juridico,

a boa fe serve de cobertura a doutrina da confianca em geral e ao vcfp

em particular. Por dual razoes: na falta de d isposigio legal expressa, havia

que recorrer, para dar satisfagao as exigencias eticas, psicologicas e

sociolOgicas inerentes a inadmissibilidade de vcfp a urn preceito disponivel

— o § 242

— e que nao implicasse exigencias incomodas como os

§§ 226

e 826; a distincao, melindrosa quanto ao contetido, entre a boa

fe

e os bons costumes, fez-se, embora sem unanimidade, em torn da ideia

de que, na boa fe, regulam-se relagoes especificas entre pessoas, enquanto

os bons costumes tratam o com portamento geral do sujeito, independen-

temente de relagao

(

4 3 2

); ora essa relagao especifica existe no vcfp.

A introdugao, atraves do Codigo Grego, do art.

334.°

representa mass

do que uma m era transposigao de formula sem conteddo; subjaz-lhe,

como se sabe, um a recepcio real da Ciencia juridica que ele representa,

e, corn ela, um certo sentido da boa fe. As mesmas razoes utilitinas

que, noutras doutrinas, levam a distinguir a boa fe dos bons costumes,

recomendam a adopgao da clivagem acima retratada, para alem da simples

derivacao historica. Finalmente as ideias de credibilidade, de normalidade

e de equilibrio, que norteiam, no caso concreto, o vcfp, estao

a s s o c i a d a s ,

desde o

i u s ro ma n um , a bo n a f i d e s ; é

urn dado cultural importante, a nao

minorar na interpretacio dos preceitos que, na actualidade, a consagram.

IV.

A reconducao laboriosa do

venire cont ra fac tum proprium

a

doutrina da confianca e ao principio da boa

fe

nab a pacifica.

Na

base da sua natureza, coloca-se urn problema de regime, corn

(";) Tem-se em 'mine o regime da aquisicao tabular, referido

supra,

461 ss..

(

43 2

) Recorde-se .HuEcx,

Der Treugedauke

odernen Privatrecht

cit ., 9 ss..

ci

da

de

a

cidental, aquando da producao do

f ac tum proprium?

A dou-

trina a uniforme em tomar a previa° de

venire contra factum propriuni

por meramente objectiva: no se requer culpa, por parte do titular

exercente, na ocorrencia da contradicao

( 4 3 3

).

Nao

se pode, contudo,

it tao

longe nessa via que, ao

f ac tum proprium,

se de mais consistencia

d

o

que ao prOprio negOcio juridico: tambern este, afinal e por m aioria

de razao, suscita, no espaco juridico, confianca digna de proteccao e,

nab obstante, cede perante vectores que, em casos determinados, se

apresentem corn peso maior.

A derivacao da proibicao de

venire contra fac tum proprium

a

partir da boa fe implica a natureza legal dos deveres que,

caso a caso, dela promanem

(

4 3 4

). 0 peso da necessidade, acima

apontada, de nao esquecer uma serie de valores acautelados pela

regulacio dos negocios juridicos leva, no entanto, a que o prOprio

CANAR IS, defensor acerrimo da reconducao dos comportamentos con-

traditOrios a violacao da boa fe e da confianca, admita uma

aplicacao tendencial , embora por analogia, das disposicoes referentes

as declaracoes de vontade, a formacao das previsoes de confianca

(

4 3 5 )

e portanto, ao

f ac tum proprium.

A base da analogia, sempre segundo

CANARIS, estaria em que a respondencia pela confianca se deve

participacio no trafego negocial, desempenhando uma funcao seme-

lhante

(

4 3 6

). Mas sendo o

f a c tum p r o p r ium

urn facto voluntario,

ao qual se aplicam as disposicoes respeitantes as declaracOes de von tade,

era inevitivel o aparecimento de teorias que defendessem, no

venire

cont ra fac tum proprium,

a violacao de situac5es de tipo negocial.

Curiosamente, o inevitivel surgiria apenas atraves de WIEL ING

(437 ) .

WIELING

ye no vcfp a perda de uma posigao juridica propria.

« A

perda do direito deve verificar-se porque o titular comportou-se

de

tal modo que a contraparte teve de concluir pela rentincia. 1st° nao

n

3 3 )

c i t . ,

430r3N

/Mtinch-Kamm cit., § 242, n.° 297 (147) e WIELING,

Venire contra factum

proprium

( 4 34 )

E N N . / L E H M A N N ,

SchuldR

1 5

cit., §§

6, IV

e

236, III, 2,

c)

(33 e 959) — note-se,

Porern, que no primeiro dos lugares citados, ENNAEHM ANN reconduzem o vcfp a boa fe,

e .

no segundo, fazem-no aos bons costumes —e FLUME,

AllgTei l

3

cit., §

10, 3 (124).

( 4 35 )

C A N A R I S ,

Vertrauenshaftung

cit ., 451-452.

(436)

C A N A R I S ,

Vertrauenshaftung

cit ., 452.

(9

7

) WIELING,

Venire contra factum proprium and Verschulden gegen sich seibst

cit. (1976).

762

exercfcio inadmissivel de posicoes jurfdicas

mais do que uma ocorrencia juridica negocial atraves de comporta

m

3 8

). Aos argumentos contrarios de

F L U M E —

6 ism ettto

vel a ficcao de declaracoes de rentincia (

4 3 9

) — e de

CANARIS

r

a

o

pode atribuir ao com portamento do titular-exercente o sentido d

§ 28.°Venire contra factutn

proprium

63

e restantes seguidores da doutrina da confianca, as disposicoes legais

concretas que regulam nulidades, impugnabilidades e ilegitimidades

e

fectivamente, contrariadas por certas manifestacOes de vcfp. A ultra-

passagem da-se, porem, por forca da regra da boa fe e do § 24 2. No

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e to

,

declaracab negocial, por falta de consciencia da declaracio (

4 4 0 ) - _ _ N y rauti

;

contrapae a inexistencia, salvo nalgumas d ecis8es, de ficcao e a d

e s k

e

4 4 1 )

W tern, no entanto, de enfrentar outro problema: a ser, o

fa

c

h

m

;

proprium,

uma rentincia, como evitar a regra da contratualidad

e

da

r e m i s

ao — § 3 97 BGB e art. 863.°R ? (442) W

.

propOe a consagracio

de uma saida

contra legetn:

a propOsito de vcfp, tem-se ultrapass

a

d

o

4 3

); porque rao admitir frontalmente

a possibilidade de perda unilateral de direitos, tarnbem no Direito das obri-

gag5es? (

4 4 4

). Este 6 o ponto fraco do trabalho de W Para

CANAR/S

( 438)

W I E L I N G ,

Venire contra factum propr ium

cit. , 335.

( 439)

F L U M E ,

AligTeil

 

cit. §

10 , 3 , 121 ss . (12 3) .

44

°) CANAIUS,

Vertrauenshaftung

cit. , 427-428.

( 441)

W I E L I N G ,

Venire contra factum

proprium cit . , 335.

( 4 4 2 ) W I E L I N G ,

Venire contra factum propr ium

cit. , 338.

( 443)

P. ex., contorna-se a disposicio referente ao calculo de honorarios devidos

a

advogado — BGH 2 6-Out -1955, BGHZ 18 (1955 ), 347 — a disposicio sobre os requisitos

para transmissees a filhos — OGHBrZ 2-Dez.-1948, OGHZ 1 (1949), 284 — ou as prescriceoes

que distribuern as competencias pelos Orgios societarios BGH 21 -Abr.-1960, WM 1960, 805.

( 444)

Este problema, que nio tern concitado estudos recentes, maraca alguma ponders-

Sao. A sua valoracio, a luz do Direito positivo portugues, nio pode ser feita corn a

linearidade que deriva do art. 863.°/1. A natureza contratual da rem inio era considerada,

j i po r D E R N B U R G / B IE R M A / Y N ,

Pandekten7

cit. 1 §

83 a (188), como m era relfquia do Direito

romano. Te ntando uma justificacio para ena natureza, Corm,

Erlass und Verzicht nach dem

BGB

Gruchot 47 (1903), 22 1-287 (22 9), numa posicio que seria retomada por muitos AA.,

imputa a natureza con tratual da remissio a preopria lOgica das relacoes obrigacionais —

cf. DU CHESNE,

Begr ig und Arten des Verzichtes,

AbilrR 42 (1916), 296-318 (296). Dir-se-ia,

ant ic ), qua, undo uma obrigacao urn relac ionar especff ico entre duas pessoas , qualquer

alteracio desse estado so seria possivel corn a intervencio de ambas. Esta construclo

é puramente dogmaticista e postula, alem disso, a inversio consistence no introdurir

escamoteado da premissa indemonstrada, segundo a qual um a rein.% en tre duas pessoas nlo

pode ser alterada por apenas uma delas. A questio da reminds dos direitos em geral analisa-se

em dois pontos, consoante considerada pelo prisma do renunciante o u pelo do beneficiario

eventual da rendncia. 0 princfpio de que os direitos disponfveis podem extinguir-se

Pal

vontade do seu titular deve constituir regra geral do Direito patrim onial privado. Essa

regra radica fundo nos niveis tecnico e significativo-ideoleogico da jussubjectivacio: por um

lado, sendo o direito subjectivo uma perminio normativa, implica, sob pena de se

converter em dever, a hipOtese da nao-actuacio; por outro, visando-se, por enencia, corn a jig.-

subjectivacio, conceder vantagens aos beneficiirios, tern de se possibilitar a rentIncia para nio

subverter a filosofia do sistema, quando factores extrinsecos, casuals ou provocados — como Ma

,

few.

A limpidez do Direito, a todos os niveis , requer que os deveres se apresentem com o

0 art . 6241 CR, quando garante a propriedade privada e a sua transmiss ib i l idade, coin°

haveria, para des, no fundo, o contradizer directo da lei mas, tao so, urn

fen6meno ha muito conhecido pelos juristas mais comedidos: o de

que urn preceito nio se interpreta nem se aplica sozinho, mas antes

direito, assegura, por maioria de razio, a possibilidade de renancia. Tal com o o exercicio do

direito subjectivo 6 individual, no sentido de corresponder a vontade do seu titular, assim a

re

mincia do direito tenderia a se-lo, se pesasse, apenas, a lOgica da junubjectivacio.

porem, que ponderar a s i tuac io do benef ic i ir io eventual da rent inc ia . No sec tor dos

direitos disponiveis, a m esma logica jussubjectiva que postula a possibilidade de desistencia

de urn direito, inclui a inadmissibilidade de bene ficios nit) requeridos ou, pelo menos, nio rec e-

bidos voluntariamente. Este vector sistematico da jussubjectivacio, pouco focado, transpa-

r

a c e ,

corn c lareza, na estrutura contratual da doacao — art . 940 . ° /1— e na necess idade

de aceitacio na sucessio por morte — art. 2032.°/2, 2046.° e 2 049. °/1, p. ex. . Tais exigencias

sio materiais e nio apenas 16gico-conc eptuais: o beneficiario, seja de rentincia, seja de liberali-

dade, pode ter interesses efectivos, materiais ate, como os que se prendem corn a sua

credibilidade no trafego juridico, em acatar a letra as suas obrigaceies ou em nio aceitar, sem

contrapartida, certos beneficios. Mas este vector nio tern, forcosamente, de ser satisfeito por

naturezas contratuais dos actos implicados: em rigor, basta estender a todos a faculdade de

desistencia de posiOes jussubjectivas, para que o beneficiario possa livrar-se da vantagem

indesejada; o Direito regularia, depois, o destino dos bens repudiados, determinando o seu

regresso ao A. da liberalidade ou — com o acontece necessariamentc na sucessio por morte

— a m a passagem a outras pessoas.

Os codigos civis nio consagram, de modo unitario, a possibilidade de renfmcia ou

desistencia a posicoes jussubjectivas; aparecem , na literatura, largo descricoes das virias

modalidades previstas — H. WALSMANN,

Der Verzicht I Allgemeine Grundlagen einer Verzichts-

lehre und Verzicht im Pr ivatrecht

(1912) , 217-308; para uma enumerac io , Coax,

Erlass und

Verzicht

cit ., 249 — corn tentativas de agrupamento — DU CHESNE,

Begriff und Arten des Ver-

zichts

cit. , 313 ss. (318). Ponderando, sem exaustio, o C6digo Civil, no que toca ao Direito

das obrigagoes e a Direitos Reais, pode isolar-se, urn pouco na linha de D U CHESN E,

tree

grupos de formas expressas de desistencia de posicoes jussubjectivas, atendendo a natureza

das posicaes atingidas. Assim: Extinclo de posicoes potestativas: rejeicio da proposta

contratual — art. 233.°, implicitamente; ren6ncia a prescricao — art. 302.

0

/1 e 2 e , tambem,

530

. ° / 2 e 636 . ° /3; rent inc ia a m eios de defesa , quando sejam potestat ivos — art . 637 .

0

/2;

rentincia posterior aos meios proprios do credor — art. 809.°,

a

contrario;

rentincia ao beneficio

da excussio — art. 640.

0

,

a ;

rentincia as garantias, quando sejam potestativas — art. 867.°;

Extincio de posicoes relativas, obrigacionais ou associativas: renfincia a procuracbo —

art. 365.0/1 e 1179.° — e sua revogacio — art 265.0/2; rejeicio, pelo terceiro, da promessa

a seu favor — art. 447.° /1; rentincia a solidariedade, a favor de urn ou mais devedores

art. 527.0; remincia a meios de defesa quando sejam relativos — art. 637.

0

/2; renfincia

Posterior aos meios proprios do credor, quando sejam re lativos — art. 809.

0

, a

contrario;

remissio — art. 863.° ss.; rerninc ia as garantias, quando sejam relativas — art. 867.

0

; exonera-

dio das soc iedades — art . 1002. ° ; revogacbo do mandato — art . 1170 . ° /1; des istenc ia da

empreitada — art. 1229.0;

c

Extinclo de direitos reais: renimcia a consignacio de renclimentos

765

64

exercicio inadmissivfl de posiciies juridicas

em conj unto corn todos aqueles que, ao caso, tenham aplicacao.

Quando, pois, ocorra uma ilegitimidade, nao deve aplicar-se, isolado,

o artigo que comina a nulidade mas, em simultaneo, o que manda proce-

der de boa

16.

E se o resultado final nao for a nulidade, nao ha que falar

§ 28.° Venire contra facturn proprium

contra a disposicao que, corn pouco vigor e em desconexao corn outros

preceitos, consagra ainda, nalguns c6digos da actualidade, a natureza

c

ontratual da re (

4 4 5

): mantendo os exemplos acima apresentados

e evitando sofismas, rema-se contra os preceitos que estatuiem as conse-

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em saidas

contra legem:

houve, tart so uma aplicagao integral de todos

os preceitos respeitantes ao caso. P ara W ., porem, a solucao implica ulna

complementacao juridica verdadeiramente

contra l egem.

E nao apena

s

— art. 663.

0

/3; rentincia ao penhor — art. 677.°, aplicavel a retencao, pelos arts. 758.0

e

real — art. 867. °; extincio da posse por abandono — art. 1267.0/1, a); rentincia ao direito sobre

muro ou parede comum — art. 1375. °/5; rentincia a comunhao — art. 1411.°; rentincia ao

usufruto — art. 1476.°/1,

e),

aplicivel ao use e habitacio,

ex

vi art . 1485.0; rentincia

servidio, art . 1569.°/1,

d) .

Atente-se, agora, no modo de funcionamento das extincoes citadas.

Nos direitos reais, a renfincia a sempre unilateral, seja por cominacao legal expressa — art. 73(0,

aplicavel arts demais direitos reais de garantia por remissiies legais

sucessivas,

art . 663,0,

677.

0

, 758.° e 759.

0

/3 — seja por cominacio legal implfcita — art. 1411.

0

, aplicavel ao

1375. °/5 — seja por m aioria de razao, nos casos restantes. 0 regime estende-se I propriedade

— MENEZES CORDEIRO,

D. Reais

cit., 2, 783-786;

O LIVEIRA

A S C E N S A O ,

D. Reais

4

cit., 316-317

— e tende a ser explicado pela situacio de independencia em que se encontra o beneficiario do

direito real, face a quaisquer intermediir ios— A. BErroN,

Theorie generale de la renonciat ion

aux droits reels,

RTDC 1928, 280 . Nas posicoes potestativas, a rentincia 6, da mesma forma,

sempre unilateral, seja, tambem, por cominacao legal expressa — art. 265. °/2, 302. °/2 e 640.°/a)

ou implfcita — art. 233.

0

. A generalizacio a todas as posicoes potestativas flirt oferece clvi-

das, pois, tal como nos direitos reais, o direito potestativo nab tern contraparte. 0 regime

da rentincia, nas situacaes relativas, a mais duvidoso. 0 C6cligo determina a natureza con-

tratual da remiss

-

ao, em termos indubitiveis — art. 863.0. Mas a rejeicao, por terceiro,

de promessa a seu favor, corn o efeito prick°

de

exonerar o promitente dum debito

que ji the assistia —444.

0

/1 — e unilateral —447.

0

/2. Do mesmo modo a rentincia I solidarie-

dade — corn o efeito de sujeitar o devedor a uma prestacio menor, dada a natureza das

obrigacoes subjectivamente complexas,

MENEZES CORDEIRO,

D. Obrigaciies cit . ,

1, 384-386

— e

unilateral, como resulta do cotejo entre os arts. 527.° e 864.°. Tambem a rentincia

procuracao e a sua revogacio, a exoneracio de sociedades, a revogaclo do mandato e a

desistencia da empreitada — que liberam as contrapartes dos deveres correspondentes — sac,

unilaterais, como se infere dos arts. 265.

0

/1 e 2, 1002.

0

, 1170.

0

/1 e 122 9. °. As g arantias pessoais,

pelo paralelo corn as reais, pela forma indiferenciada por que a lei, conjuntamente corn

as reais, as refere — art. 867.0 — e pelo fa cto de, em relacao a elas, utilizar, corn clareza, o termo

orenusnciao e nao gremissaco, extinguem-se, tamb6m, de modo unilateral; tal como nas garantias

reais, ha urn beneficiario imediato, que nit) deu o seu assentimento. Pode, pois, conduit-se;

a desistencia 6 uma faculdade geral que acompanha todos os direitos subjectivos disponfveis;

sempre que a lei flirt disponha de outra forma, mesmo nas posicoes relativas, ela funciona

de modo puramente unilateral. Nesse sentido concluiram, alias,

COHN,

Erlass and Verzicht

cit., 287 e WALsEtENN,

Der Verzi ch t

cit., 215.

Todo o sistema tern de ser revisto. Ha, de facto, urn vector derivado da logica

jussubjectiva que im p& a aquiescencia do beneficiario, sempre que the sejam atribuidas

cer tas

vantagens. Mas esse vector traduz-se, apenas, na possibilidade de o beneficiario renunciar, pot

quencias da contraditoriedade a lei, da ilegitimidade e da incom petencia

organica, no seio das sociedades. W. acusa as saidas corn recurso is

boa fe de semearem a inseguranca, por servirem o «contomar incontro-

lado de disposicoes legais) (

4 4 6

). Mas nao: a inseguranca alegada seria bem

major se, no referido contomar, nem houvesse a directriz dada pelo prin-

cipio da boa fe.

V. W procede, ainda, a uma interessante aproximacao entre

o vcfp e a culpa contra si pr6prio (

4 4 7

), resumida como segue.

seu turn, is posicoes que the sejam concedidas, extinguindo os direitos que as exprimam ou

as englobem. Em todos os casos de rentincia, excepto no abandono de coisas 'novels,

como se infere do art. 1318.

0

, em que estas ficam

nullius —na

rentIncia a lino:Weis, da-se

uma reversio pars o Estado, segundo o art . 1345.°, a

fort iori,

o qual tact tern de dar qualquer

assentimento — hi sempre um beneficiario directo; apenas nas obrigacoes comuns, por6m,

a renfincia — rem issio — tem natureza contratual.

Na natureza contratual da remissio, o COdigo cedeu I tradicio cultural romana, tendo

ainda em conta os interesses muito vivos que, nests zona, podem levar o devedor a querer

prescindir da vantagem —

VAZ SERRA,

Remiss io, reconhecimento negativo de div ida e contrato extin-

tivo da relactio obrigacional bilateral,

BMJ 4 3 (1954), 6 . Estes poderiam ter sido salvaguardados

corn a adopcio do esquema italiano — art. 1236 C. it. — o qual postula uma remissio

unilateral, podendo ser recusada pelo devedor —

PERLINGIERI, Il

fenomeno dell'est inzione ?idle

obbligazioni

(1971), 91-92;

TILOCCA,

Remission del debito,

NssDI 15, 402 ss.;

MENEZES COR-

DEIRO, D.

Obrigacdes

cit., 2, 234.

0 vector• jussubjectivo que requer a nao atr ibuicio de beneffcios, sem o assentimento

do interessado, deve ser posto em causa. Isso nit) implica a ruptura do sistema, uma vez que a

faculdade de rentincia se mantem, por igual, no beneficiario. Corresponde, porem, a urn

esmorecer de uma certa feicao radical e fraccionista do jussubjectivismo e permite a consagracio,

corn caricter de generalidade — apesar da tipicidade legal aparente — dos actos unilaterais e

dos contratos a favor de terceiro, de relevo social importante —

MENEZES CORDEIRO,

D. ObrigaitTes ci t. ,

1, 555-562 e 535-538 — em detriment° do ch. principio do contrato, pelo

qual so de mutuo acordo poderiam surgir relac5es voluntarias entre as partes.

0 reconhecimento de que, por regra, as posicoes jussubjectivas se extinguern pela

vontade unilateral do beneficiario e a constatacbo das alteracoes registadas no concatenar

da sistematica baseada no direito subjectivo, reforcada pelo enfraquecimento do ch. principio

do, contrato, leva a admitir, como possivel, a consagracbo de formulas nao contratuais de extin-

cao de obrigacties, ao lado da remiss

-

ao. Requer-se, apenas, que, do contexto, nao seja esta a

figura aplicavel.

("

5

) Toma-se duvidoso, como se viu na nota anterior, que assim suceda, imperiosa-

mente, no C6digo Civil portuguEs.

( 4 4 6)

WIELING,

Venire contra factum proprium

cit ., 342.

(447)

WIELING,

Venire contra factum proprium

cit ., 345-352.

60

766

exercicio inadmiss ivel de posiceies jar idicas

0 Direito civil consagra situageies de encargo (

4 4 8

), i. e, deveres

de

comportamento que, funcionando em bora tambem n o interesse de outr

a n

4

4 9 )

.

§ 28.° .Venire

contra factum proprium

67

trata-se de um a modalidade de adstricao que, nao podendo ser concre-

tizada por via judicial, nao se reduz aos deveres comuns mas que, surgindo

acompanhada de sancOes particulares, tambem nao 6 um a obrigacao natu-

ral. 0 tipo de sancio, ligado, de modo directo, ao comportamento do

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a s ,

o

apesar de nao tao rico, neste aspecto, como o alemao, possibilita algu

n s

ao vendedor o vicio ou a falta de qualidade da coisa, salvo dolo dente;

a dentincia deve ter lugar dentro de certos prazos 916.°/2.

E s e

nao

for feita? Nessa altura, caduca a accao de anulaga o por erro — 917...

Repare-se que o «clever» de denunciar vicios ou falta de qualidades da coisa

vendida, dentro de certo prazo, 6 instituido no interesse do vended or

que, desta forma, nao fica indefinidamente sujeito a que, por tais

falhas, the sejam pedidas contas; ek nao pode, porem, exigir o cumpri-

mento desse *dever* um a vez que a sanclo estabelecida tem natureza

diversa

( 4 5 0 ) .

Ha dtividas quanto a natureza desta figura: segundo a

teoria da vinculacao (

4 5 1

), o encargo seria urn dever juridico de sail*

enfraquecida; a teoria do encargo (

4 52

), dita dominante, entende que

existe aqui uma figura aut6noma: o onerado nao esti adstrito ao

comportamento prescrito, devendo satisfazer o encargo no seu interesse.

Esta Ultima afirmacao nao 6, alias, de subscrever por inteiro: estivesse

em causa, apenas, o interesse do onerado, nao hav eria que falar em encargo

mas em onus (

4 5 3

) . Nao obstante, 6 de acolher a teoria do encargo:

( 448 )

Utiliza-se a express

-

o vencargoo para significar a

Obliegenheit.

Nao se confunda

encargo corn onu s; este — que a doutrina alema recente, num esforco correcto de defirnitacio,

circunscreve ao processo nao traduz urn dever no proprio interesse mas antes, como E sabido,

tuna pen:nisei° na adopt

-

o de certa conduta, cond uta essa, porOm, que deve ser exercida para

obtencio de certa vantagem, facultativa tambem, naturalmente.

(449)

REIMER

SCHMIDT,

Die O bligenheiten

(1953), 10 4 e 314 . A expressio e o seu contetido

foram originados no Direito dos seguros tendo, a partir daf, lido generalizados ao Direito

civil, coerce da investigacio de R.

SCHMIDT;

tambim

LARENZ,

SchuldRIATI

3

cit., 179

e

chuldRis cit . , §

3, II (14).

( 450 )

Outros exemplos de encargos encontram-se nos arts. 921.

0

/3 e 4, 925.

0

/2 e 3 —

estas disposicoes aplicam-se aos demais contratos onerosos, por forca do art. 939. ° — e 1033.%

Urn caso tfpico estaria consignado no art. 229.0/1 , caso o dever de avisar of consagrado,

em vez de estatuir a responsabilidade do proponent; m andasse considerar eficaz a aceitacio

tardia, como faz o § 149 BGB; o C6digo instituiu, assim, apenas um dever comum.

(451)

Defendida por

FIKENTSCIHER,

SchuldR

6

cit, §

16 II 2 b (49).

( 4 5 2 )

Defendida por

LARENZ,

SchuldRIATI

3

cit., 495

2

e AllgTeils cit . , 179, por

WIELING,

Venire contra factum proprium

cit., 347 e por

GituNsrY I

Manch-Komm c i t ., §

254,

n.° 2 (344).

( 453 )

Nao se inverta a questa°, como

WIELING

parece fazer, em

Venire contra faction

proprium

cit., 348, afirmando que o beneficiario nao tem qualquer interesse na concretizacl°

tempestiva do encargo; o interesse do beneficiario esti na constituicio do encargo, embora

atinja um maxima de satisfacbo no caso do nao acatamento.

adstrito, justifica bem a designacao de encargo. A ssentes estas nocaes,

diz-se aculpa contra si proprio* a *culpa* que o D ireito exija, no nao

acatar dos encargos, para a actuaca o das sancoes respectivas; simplesmente

resultando, da *culpa* em causa, uma vantagem im ediata para a contra-

parte, dado o funcionamento dos encargos, nao cabe falar num juizo

de reprovaclo legal associado a certo facto causador de danos (

4 54

) .

A tculpa contra si pr6prio* nao 6, assim, culpa em sentido tecnico;

W. recondu-la a urn vcfp: o onerado, nao acatando, por sua vontade,

o encargo, nao pode, depois, pretender, sem contradicao, exercer, em toda

a plenitude, o seu direito (

4 55

) .

Esta tentativa de

WIELING

de reconduzir a culpa co ntra si prOprico

ao vcfp a um exemplo excelente de como a maleabilidade figurativa lin-

guistica pode, dentro da m esma ordem juridica, cindir fen6menos

pr6ximos ou aproxim ar ocorrencias longinquas. Surgem, porem, difi-

culdades. 0 nao ac atamento de encargos tem a v er, nv essential, pelo

prisma das sancOes respectivas, corn o desrespeito de prazos de caducidade.

Perante estes, W diria simplesmente que o nao exercicio de urn

direito, dentro do prazo de caducidade, 6 uma rentincia unilateral; a ten-

tativa intempestiva de exercicio 6, entao, urn vcfp. Mas, pelo Direito

alemao como pelo portugues, nao se aplica, 3 caducidade, o regime

prOprio das declarageks de vontade — art. 328 .° ss.. A transposicao da

«culpa contra si proprio

,

para o Direito legislado portugues levanta,

tambem, dificuldades. Ao contrario do que sucede corn o BGB e, ainda

este, apenas nalguns casos (

4 56

), o C6digo portugues nao fala, a prop&

silo de encargos, em culpa pr6pria. Retomando o exemplo acima

referido do art. 916.0: se o comprador, tendo conhecimento do vicio,

nao puder, contra sua vontade, denuncia-lo ao vendedor dentro do

prazo legal,

quid iuris?

A

lei classifica o prazo como de caducidade

— art. 917.°; o regime desta 6 rigido, nao prevendo, em geral, solucties

que contemplem o problema focado — art. 328... Sendo assim, 6 de adm i-

tir o decurso dos prazos referidos no art. 91642 como imperturbavel

por ausencia de *culpa propria.•. Naturalmente, se por facto imputivel

ao vendedor ou a terceiro, o comprador nao puder acatar o «clever*

de dentincia, no prazo legal, nao fica indefeso: cabe-lhe a accio de inde-

nmizacio contra o responsivel, podendo mesmo, verificados os pressupostos

respectivos, ser bloqueado, por exercicio inadmissivel p. ex., por vcfp

— a aleggio da caducidade, por parte do vendedor. 0 fink° caso claro

de *culpa contra si proprio*, no C 6digo, seria o do art. 570.0. Essa

(454)

Mantem-se a nor

e

lo de culpa fixada em

MENEZES CORDE/I0,

D. Obrigages

cit.,

2, 30

8. Qualquer outra das versbes em yoga permitia, porim, alcanor resultados similares.

(4

9

WIELING,

Venire contra factum proprium

cit., 349, 351 e 352.

(

456

)Wmmo,

Venire contra factum

proprium cit., 347.

§ 28. ° Venire contra factum proprium

69

inovar, as teses de WIEL ING sobre a negociabilidade do v cfp, e que sera

apreciado de seguida; urn n ivel sistematico onde J.

SCH., a pretext° de

uma geografia nova, altera, de modo informe, uma paisagem que nao

exerc ic io inadmiss i ve l de pos ic5es j ur id i cas

disposicao nao se reporta, porem, nem a culpa ern sentido pr6prio, nern,

proprium (

4 5 7

).

necessariamente, a urn acto humano, b ase minima de qualquer

factum

VI. A tentativa de

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substitui. J. Sur. partira, na sua exposicao sobre boa fe, do pressuposto

de que esta surge de tal forma carecida de concretizacao que nao

ela propria, qualquer criterio de ordenacio interim ( 4 6 2

). Mas este pressu-

posto nao se aplica aos actos negociais ou, pelo menos, J. Sm. nem

justifica nem afirma tal assercao. Ao repartir os casos de vcfp em torn

duma dinamica empirica do direito subjectivo, indiferente ao facto de

ter de repetir-se, quer na pro/36a expressio vcfp, quer nos argumentos

para a sua negocializacao, J. Sof. vai longe d e mais: exagera.

VII. A decislo Ultima sobre a valia da reconducao do

venire

contra factum proprium

ao desrespeito de actos juridicos depende da

posicao assumida quanto aos comportamentos concludentes como

modo de manifestar uma vontade negocial.

0 problema analisa-se em dois pontos: na un ivocidade do prOprio

comportamento em si, capaz de motivar, por isso, a confianca da

contraparte e n a consciencia da declaracao que de, ao comportamento,

o sentido de uma autonomia efectiva. Na falta de tal consciencia,

quaisquer efeitos que se atribuam as atitudes das pessoas nao exprim em

ji a autonomia privada do prOprio mas, tao só, a tutela da confianca

de terceiroS. Viu-se como

WIELING,

intuindo o escolho, se apressou

a afastar a consciencia da declaracao como requisito negocial. Ainda

quando discutido na Alemanha, esse tema foi decidido, no born

sentido, pelo legislador portugues: sem consciencia da declaracao nao

hi exteriorizacao negocial (

4 6 3

). Fazer, dela, depender o

venire contra

f ac tum

proprium, entao assumido como inacatamento de urn negOcio

comum, tiraria, a figura, qualquer interesse e nao corresponderia

dinamica jurisprudential analisada, que ponders a situacao do con-

fiante. Tanto basta para afastar as orientacoes negociais.

A proibicao de ven i re con tra fac tum p ropr i um

representa urn mod o

de exprimir a reprovacao por exercicios inadmissiveis de direitos e

posicoes juridicas. Perante comportamentos contraditOrios, a ordem

juridica nao visa a manutencao do

s t a t us

gerado pela primeira actuacao,

que o Direito nao reconheceu, mas antes a proteccao da pessoa que

teve por boa, corn justificacao, a actuacao em causa. 0

factum pro-

prium

impoe-se nao como expressao da regra

pacta sunt servanda,

(462)

STA UD INGER /SCHMID T, BGB

12

cit., n.° 168 (68).

(463)

Art. 246.9; cf.

supra, 643 ss..

W IELING

teve um certo acolhimento na

l tima edicao do comentario de

STAUDINGER.

Al,

ega,

ucessivamente, que o vcf

.

SCHMIDT

p possa traduzir, com expressio

oa

fe,

ovas previsoes de constituicao de direitos subjec

o

tivos, novas da

pr

egativas

. é

impeditivas — dessa con stituica

visti

o e n ovas previsoees

s

e modificacao de direitos. No primeiro caso,

ser irrelevante

CH MIDT

proclama

co

ara a constituicao de direitos, a nature

J .

SCHMID

contradit6ria

m si dos dois mportamen tos ou o alcangar de previsoes

a

de confianca;

decisiva 6 a formacao, atraves do primeiro comportamento, de urna

adstricao juridica do titular exercente (

4 58

). 0 segundo, que J.

SCHMIDT

xemplifica corn OL G K oln,

8

-Nov.-1972 (

4 59

) , tern a ver corn a don-

ina geral das declaracoes de vontade (

4 8

9. 0 terceiro dispensa i gual-

mente o recurso ao § 242 e ao vcfp: os problemas ai incluidos

sac) explicados, corn vantagem, atraves da doutrina negocial, tal

cl como

ropeie

W IELING (

461

).

Na aparencia, J.

SCH MIDT

segue a linha de WILLING, reconduzindo

a autonomia privada e ao seu poder vinculativo os casos agrupados sob

a sigla vcfp. W. mantem, contudo, uma sisteica ordda

ftingao dos comportamentos contraclitdrios, que e

mit

nriquece, a

ena

lias, corn

em

o acrescento da ch. culpa contra si proprio; permite uma aproximaca

entre fen6menos que, embora redu dveis, pela sua 6ptica, ao Campo m ais

vasto da autonomia privada, tern, ainda, especif icidad

es

em comum.

orn J.

SCHMIDT,

as quesdies reunicias como vc fp repartem-se em tomo

de tuna dinamica descritiva centrada no d ireito subjectivo. Sem projeccao

domitica — nao informa solucoes — e sem papel sistemitico — n ao

agrupa solucoes informadas pela autonomia privada — o vcfp dissolve-se

e desaparece.

A orientacao irnprimid

a

por J.

SCH MIDT

ao

diSSiC0 STAUDINGERS'

omm, no tocante a boa

fe,

exige uma apreciagao global, a fazer

oportunamente. No que respeita ao vcfp, notam-se dois niveis de

desenvolvimento. Urn nivel dogmatic°, em que J.

SCH.

retoma, sem

(457)

0

art.

570.0,

mantido em homenagem

I

velha figura da ecompensacio de

culpasa tern a ver, como ji se havia observado em Mar zEs CoRDEnto,

D.

Obrigacjes cit.,

, 409,

mais corn a delimitacao de danos, i.

é,

corn o saber ate que ponto des devens

ser

imputados ao agente, do que corn juizos de censura a forrnular contra o lesado.

(458)

SuuDINGER/Scitiapz

BGB

12

cit., n.°

560 (189).

A

vinculacio ao primeiro com-

portamento nao depende, naturalmente, da contradicao posterior e, no momento initial, pode

nao haver que falar em confianca.

(459)

MDR.

1973, 314.

(460)

(461)

i

STA UD INGER /SCHMID T,

BGB

12

Cit.

n.°

595-596 (19697).

STAUDINGER/SCHMIDT,

BGB

12

Cit.,

n.°

600-601 (199),

maxima.

770

exercicio inadmissivel de posifaes juridicas

mas por exprimir, na sua continuidade, um factor acautelado p

e l

a

venire

cont ra fac tum proprium

correspondem ao cenirio, acima bo squejado,

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a propOsito da concretizacao da doutrina da confianca. Exceptua-se

urn grupo m arginal de situagoes, em q ue aflora o principio da

materialidade das regulacoes juridicas, conectado, tamb6m, com

a

o quoque.

0 tipo de exercicio inadm issivel de posicoes juridicas,

insito

nos com portamentos contraditOrios

e,

porem, muito extenso. El

e

dade, com dificuldades imaginiveis na obtencao de solucoes novas.

Embora vocacionado para resolver casos concretos, sempre que nao

seja afastado, ele nao pode ter em conta as especificidade

s

de

todas as hipOteses multiplas que, para ele, apelem, deixando, nessa

medida, um espaco largo a decisao do interprete-aplicador. 0 esta-

belecer de linhas dedutivas corn base no

venire contra factum proprium

6, em particular, inviavel. Corn atencao a novos elementos perifericos

constitutivos e enriquecedores do tema em estudo, ha que procurar

tipos mais restritos de regulacoes de actos inadmissiveis e ver em que

medida eles corroboram ou

infiectem

as linhas depreendidas dos

comportamentos contraditOrios.

s 2 9 . °

A INALEGABILIDADE DE NULIDADES FORMATS

7 2 .

0

dado jurisprudencial; necessidade de recurso a ideia

de sistema novel

I .

As ordens juridicas da actualidade vivem, em teoria, domi-

nadas pelo principio da consensualidade na formacao dos actos

ju

ridicos: a simples exteriorizacao da vontade das pessoas, efectuada

por qualquer meio idOneo, 6 suficiente para integrar as previseies

normativas relacionadas corn a autonomia privada. 0 Direito requer,

contudo, em sectores delimitados, formas especificas, normalmente

solenes, para a dimanacao de declaracoes negociais

(464

). Quando a

forma prescrita

no

seja assumida nas declaraceies das partes, o Direito

nega-lhe, salvas excepcoes, o reconhecimento juridico, cominando

a nulidade. Nesse sentido dispeie o art. 220.°. Nao obstante as

apregoadas

justificac5es

da forma legal, quando prescrita — a reflexao

das partes, a facilidade de prova e a pub licidade — o seu desrespeito

nao concita, nos niveis 6tico, psicolOgico e social, a reprovacao

en6rgica que o Direito the conecta. As mesmas

razoes extra-juri-

dicas

que se viu m ilitarem no sentido da proibicao de

venire contra

fac tum propr ium

(465)

incitam, na sociedade, ao cumprimento dos

negOcios livremente celebrados, ainda que sem observancia da forma

legal. A desconsideracao com um pelos valores juridicos associados

a forma

6

agravada pelo arcaismo dos regimes modernos, no tocante

ao sistema da sua prescricao: oneram -se actos de relevo social e

economic° em

regressio, enquanto

outros, da maior importancia,

se mantem consensuais.

Pode, pois, falar-se de pressao sobre o dispositivo legal que

prescreve as nulidades formais. Essa pressao acentua-se por forca

do prOprio regime da nulidade, no que toca a sua alegaca'o:

qualquer interessado pode faze-lo — art.

286. 0

. No

limite uma pessoa

pode, com dolo ate, induzir outra a celebrar urn negOcio sem a forma

(4

 ) Cf.

MENEZES CORDEIRO,

D.

Obtigatiks cit . , 1,

415.

(465

) Cf.

supra, 750-751.

770

0

xercicio inadmissivel de po sifees juridicas

mas por exprimir, na sua continuidade, urn factor acautelado p

e i

a

venire

contra factum

proprium correspondem ao cenario, acima bosquejado,

a proposito da concretizacao da doutrina da confianca. Exceptua-s

e

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materialidade das regulaceies juridicas, conectado, tambern, corn a

boa fe e patente no

to quoque.

0 tipo de exercicio inadmissivel de posicoes juridicas, insito

nos comportamentos contraditOrios é, porem, muito extenso. El

e

dade, corn dificuldades imaginiveis na obtencao de solucoes novas.

Embora v ocacionado para resolver casos concretos, sempre que

nao

seja afastado, ele nao pode ter em conta as especificidades de

todas as hipO teses miiltiplas que, para ele, apelem, deixando, nessa

medida, urn espaco largo a decisao do interprete-aplicador. 0 esta-

belecer de linhas dedutivas corn base no

venire contra factum

proprium

é, em particular, inviivel. Corn atencao a novos elementos perifericos

constitutivos e enriquecedores do tema em estudo, ha que procurar

tipos mais restritos de regulacoes de actos inadmissiveis e ver em que

medida des corroboram ou inflectem as linhas depreendidas dos

comportamentos contraditOrios.

s 29.° A INALEGABILIDADE DE NULMADES FORMALS

7 2 .

0 dado jurisprudencial; necessidade de recurso It ideia

de sistema move

I.

As ordens juridicas da actualidade vivem, em teoria, domi-

nadas pelo principio da consensualidade na formacao dos actos

juridicos: a simples exteriorizacao da vontade das pessoas, efectuada

por qualquer meio idOneo, a suficiente para integrar as previfoes

normativas relacionadas corn a autonom ia privada. 0 D ireito requer,

contudo, em sectores delirnitados, formas especificas, normalmente

solenes, para a dimanacao de dedaracCies negociais

(

464

). Quando a

forma prescrita nao seja assumida nas declaracoes das partes, o Direito

nega-lhe, salvas excepcoes, o reconhecimento juridico, commando

a nulidade. Nesse sentido dispoe o art. 220.0. Nao obstante as

apregoadas justificacoes da forma legal, quando prescrita — a reflexao

das partes, a facilidade de prova e a publicidade — o seu desrespeito

nao concita, nos niveis etico, psicolOgico e social, a reprovacao

energica que o Direito the conecta. As mesmas razoes extra-juri-

dicas que se viu militarem no sentido da proibicio de

venire

c o n t r a

f a c t u m

propr ium

(

465

  incitam, na sociedade, ao cumprimento dos

negOcios livremente celebrados, ainda que sem observancia da forma

legal. A desconsideracao comum pelos valores juridicos associados

a forma

6

agravada pelo arcaismo dos regimes mod ernos, no tocante

ao sisterna da sua prescricao: oneram-se actos de relevo social e

economic° em regressio, enquanto outros, da m aior importancia,

se mantem consensuais.

Pode, pois, falar-se de pressio sobre o dispositivo legal que

prescreve as nulidades formais. Essa pressao acentua-se por forca

do prOprio regime da nulidade, no que toca a sua alegacao:

qualquer interessado pode faze-lo — art. 286.0. No limite uma pessoa

pode,

corn

Bolo ate, induzir outra a celebrar urn negOcio sem a forma

(4 64 )

Cf.

MENEZES CORDER°,

D. Obrigaples cit., 1,

415.

(4 65 )

Cf.

supra,

750-751.

7 7 2 exercicio inadm iss ivel de posicoes jur idicas

9.0 A inalegabil idade de nulidades formals

7 3

prescrita, retirar, da aparencia dal emergente, os beneficios que the

aprouver e, em qualquer momento que the convenha, alegar a

n u l i d a d e .

Desde o antigo Direito romano, todo o progresso juridico

Em termos conceptuais, estas disposicoes e a evolucao que deno-

tam tanto podem representar o enfraquecimento geral das nulidades

formais, como o seu fortalecer nas areas onde, deliberadamente, o legis-

lador nao queira intervir.

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tem operado contra o formalismo, na busca de solucaes materials

verdadeiras

( 4 6 6

)

.

0 combate nao esti ganho, embora se deva reconhe-

cer a possibilidade da permanencia justificada de urn minimo de forma ,

em casos especificos. Entendem-no, pelo m enos, os Codigos, em ter-

mos que no deixam dtividas.

II. As injusticas resultantes, em certos casos, da nulidade

formal, tern levado o Direito a, de urn modo ou doutro, intervir

para minorar o problema. Desaparecido o negocio, as partes no

ficam desamparadas no que, ao seu abrigo, hajam prestado: assistem-

-lhes pretensOes de restituicao, tratadas, em termos aperfeicoados,

com autonomia, pelo art. 289...

0 Direito portugues conhece outros meios de minorar o

ius

s t r i c t u m

das nulidades formais. Assim, a lei exceptua, ao regime d a

forma, boa parte das ch. estipulaceies acessOrias — art. 221.0 ; admite que

o sentido da declaracao possa ter apenas um minimo de correspondencia

no documento requerido pelo regime formal ou, ate, nem ter qualquer

correspondencia — art. 238 .0, 1 / e 2/; aceita a conversio de negocios

nulos, corn viabilidade, pois, de passagem para negocio coin requisitos

formais menos rigorosos (

4 6 7

) — art. 293.0; limita, por fim, em dispo-

siciies extravagantes, as possibilidades de arguicao de certas nulidades

formais ( 4 6 8 ).

(466)

LORENZ,

Das Problem der Aufrechterhal tung formichtiger Schuldvertrage,

AcP 156

(1957), 381-413 (385-398) e Cam,

Form und Bi l l igkei t im modernen Privatrecht,

DNotT 1965,

2 9 - 5 0 ( 2 9 - 3 0 ) .

(467)

Este dispositivo tern o major relevo pritico, no direito portugues, para ressalvar,

em

termos de justica material, negocios nulos por carencia de forma. Assim sucede, designa-

damente, no dominio da alienacio de imO veis, feita por escrito particular: possibilita-se a sua

reducio em contratos-promessa — art. 293.° — e depois, disso sendo caso, a execuclo especifica

d e s t e s — a r t . 8 3 0 . * .

( 4

") A nulidade form al de arrendamentos para com ercio, indastria ou exercicio de

prof ssio liberal, sujeitos a escritura p6blica, so a arguivel pelo locatario — art. 1029.

0

/3,

redaccio do DL n.° 67/75, de 19 d e Fevereiro; o mesmo ocorre corn a nulidade formal

do arrendamento urban para habitacia, sujeito a escrito, — art. 1. °/1 do DL n.* 188/76, de

1 2 d e M a r c o ; c f .

MENEZES CORDEMO,

Arrendameuto,

Enc. Polis (1983). Ficou, pois, legalmente

esclarecido que a enulidadas em causa nestas duas situac5es nao pode ser constatada, de

°Brio, pelo tribunal, nem arguida por qualquer terceiro. Tambem o DL n.° 236/80 , de

18 de Julho, no seu art. 1 .0, ao pretender introduzir urn regime especffico no contrato-promessa

No caso concreto, as apregoadas razoes justificativas da forma

podem mostrar-se salvaguardadas. A soluclo mais perfeita para

suprimir os inconvenientes da nulidade seria, como se adivinha,

a manutencao do acto nulo por vicio de forma, ainda que numa

saida

cont ra legem.

0 que foi tentado, no ambito da segunda

codificacao, atraves da

except io doli.

As disposicoes legais que impoem, nos codigos moderns, a nulidade

por falta de forma — no BG B, o § 125 — nao consentem

excepcees

que nao as previstas na prOpria lei — art. 220... A possibilidade de

recurso I

exceptio doli 6,

porem, em teoria, universal , desde que o

Direito justinianeu aboliu, na realidade, a clivagem entre

bonae f ide i e

stricti iuris iudicia: a exceptio nao tern de constar da formula para

ser actuada; to pouco deve ser inserida em todos os preceitos legais que

possam ser utilizados contra a boa

fe.

0 emprego da

exceptio perante nulidades formais, contrariando,

de modo frontal, a vontade do legislador ( 4 6 9

) nao foi conseguido sem

hesitacoes ( 4 7 0 ). Inicialmente, o RG entendeu que sonde intervenham

prescricties de forma, nao pode, quando essas prescricoes nab devam

conservar o seu sentido de outro modo, ser concedido o recurso I

de compra e venda para h abitacio, tera querido estabelecer uma nulidade formal so arguivel

pelo prornitente-comprador. Esse diploma adesastradoss — ArrruNes

VARELA,

D. das Obrigacdes

4

cit., 270 — entendeu desviar-se da linguagem utilizada pelos DL n.° 67/75 e 188/76; assim,

vem diner que o vicio formal nele tratado n

-

o pode ser arguido pelo promitente-vendedor,

obrigando a uma interpretacio correctiva para se concluir, corn as duvidas inerentes a este

procedimento, que o vicio em causa trio pode ser, tambem, constatado de officio pelo tribunal

ou arguido por qualquer terceiro interessado. Cf. MENEZES CORDEIRO, 0

nova reg i me do

contrato-promessa,

BMJ 30 6 (1981) , n . ° 3 .

(469)

Motive ci t . ,

1, 183: oQuando para negocios singulares se encontre prescrita uma

forma especial, isso basta para considerar que as raz5es para a necessidade da observincia

da forma pesam mais do que a consideracio pelo dever 6tico da palavra dada,. Cf., ainda

Conic,

Formun d Bi l l igkeit

cit., 33 — segundo o qual o legislador apenas quis, no § 242, reforcar

as vinculacoes, tal como fez o art. 1134 do Cod. Napolelo e nao limitar o § 125 —

e D.

REINICKE,

Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener VertrOge

(1969), 29-30, q ue refere a justi-

ficacio de motivos.

( 4 7 0 )

SToRMER, Die sog. exceptio dol i general is gegendber der Berufung auf Formichtigkei t

cit., 20;

WEBER,

Treu und Gl auben cit., D 427 (85 2);

BO EH MER,

Grund1BiirgR

cit., 2, 2, 95;

FLUME,

AllgT cit. , 2

3

  272;

REINICKE, Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrege

cit., 29-30;

HASEMEYER,

Die gesetzl iche Form der Rechtsgeschaf te

(1971), 37; LO RENZ,

Das Prob lem der

Aufrechterhaltung formnichtiger Schuldvertrage

cit., 399.

774

excrcicio inadmissivel de posiccies jurldicas

boa

fev (

4 7 1

), voltando a frisar, pouco depois que •0 Reichsge

r

i e h

t

e

perante prescriceies de forma tern d

e

i

4 7 2

). A doutrina sufragaria, de algum modo, esta orient,

tagio

(

47 3

).

0 RG alterou, depois, as suas teses. Em 15 -Nov.-1907,

§ 29.0 A inalegabilidade de nulidades fortnais

75

III. Verificou

 

e

uma certa evolucao jurisprudential

(

477

), que

corresponderia, alias, a decadencia da

exceptio dolt.

As primeiras deci-

s'oes judiciais que instituiram a inalegabilidade de nulidades form ais

fizeram-no quando o A . causara directamente o vicio na forma e,

(478). De

seguida, porem, veio

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a

embora reconhecendo que, em principio, as disposigoes referentes I form

nao

odem ser contrariadas pela

exceptio doli,

decidiu concede-la ao

R. em accao d e nulidade, por o proprio A. ter induzido o R .

redugio de determinada alteragIo num arrendasnento de coisa produtiva

a escrito

(

4 7 4

). Em RG 28-Nov.-1923 , discutia-se a situagao criada pela

celebracio de um contrato simulado, corn prego, por comp

ra

d

 

de nulidade do contrato dissimulado, por falta de forma; no entanto, fora

de que, como experiencia de transacgoes imobiliirias, ainda que sem o

intent() de gerar uma nulidade, declarara ao R. a juridicidade do

neg6cio, assim celebrado. 0 RG concedeu a

exceptio

(

4 7 5

). Esta decisio

foi modelar em relagab a num erosas outras

(

4 7 6

).

(471)

Cf.

W. W EBER,

Treu and G lauben

cit., D 421 (850).

(472)

RG 7-Jun.-1902, RGZ 52 (1902), 1-5 (3); tratou-se de uma venda de irnOvel na

qual o assentimento do marido fora meramente verbal. Refira-se, tamb6m, RG 7-Jan.-1910,

RGZ 72 (1910), 342-34 3 (343 ), oxide se 18: (A contra-parte contratual que alega a nulidade

faz apenas use do scu direito; quem faz isso nao atenta contra a boa fen e RG 22-Mai.-1913,

RGZ 82 (1913), 299-305, onde, a proposito duma contribuicao durn s6cio, para a sociedade

respective, de um im ovel, sem a forma adequ ada, se decidiu que o recurso a nulidade

em causa nit) atentava contra o § 8 26 - bons costumes - (pots de outra forma tornar-se-ia

insitil, atrav6s

de

urn desvio, o mandamento legal, que exige a observancia de uma forma especial

para determinados contratos e convencoes, - RGZ 82, 304. A argumentacio patente nestas

dues decisOes releva de

um

certo radicalismo superficial: o exercicio de urn direito formal

nio impede o atentado a boa

fe

material, constituindo abuso do direito enquanto, por outro

lado, a aceitacact de restric8es especfficas ao alegar de nulidades formals nao inutiliza

naturalmente, o dispositivo legal que prescreve a forma e a nulidade pela sua inobservincia.

(473)

Vejam-se os AA. e obras cit.

i n f r a

notas 482-485; a doutrina deixou, por6m, sempre

uma pore aberta ao que viria a ser a orientagio posterior do RG.

(474)

RG 15-Nov.-1907, SeuffA 63 (1908), 349-350 (349) = Recht 1907, 1527, n.° 3757--

Gruchot 52 (1908), 1044-1046 (1044-10 45). Cf.

supra, 727

2 9 5

.

(

47

9 RGZ 107 (1924), 357-365 (364-365). Este caso reveste-se de circunstancias parti-

culates, que ajudam a entender as posicoes do RG,

contra legem

e contra a doutrina.

0

=gado simulado estipulava uma venda por 2000 00 R M, quando o preco real fora de

227500 R M. A diferenca - de 2750 0 KM - havia sido paga de antecipado e, por isso, foi o

R. comprador co nvencido de que nio valia a pens induf-la no docum ento notarial. Inutilizar

um contrato, nestas circunstincias, era, de facto, clamoroso, nio sendo crfvel a inexist8ncia

de meios jurfdicos para o obviar. Acresce que a impugnagio em causa teria por objecto

ultimo tirar partido da inflacio muito grande, emirs ocorrida na A lemanha: na restituicio

do que houvera sido prestado, o vendedor-impugnante receberia urn imovel monetariamente

muito valorizado e restituiria urn preco que ji silo corresponderia, em termos reais, ao na

realidade pago. A inflacio co nduziria, alias, a uma serie de impugn acoes desse tipo as quais

0

R G

fez frente corn

a exceptio doll -

A R N D T . ,

Zur

exceptio doll bei Schwarxkiiufen,

DJZ 3

1

depois, pretendeu aproveitar-se dele

a r

equerer-se, apenas, a simples negligencia do A., aquando da

celebracio do contrato

(

479

). Por fim, a alegacio de nulidades

( 1

9 2 6 ) ,

805-806 (805). Numa faceta interessante do problema, que nit) tern sido salientada

p e l a

doutrina -

vide,

contudo, FLUM E,

AllgT cit., 2

3

,

272 - deve, pois, salientar-se que a

jurisprudencia relativa 3 inalegabilidade de nulidades formais tern a sua origem em

situayOes sociais delicadas, que tinham de see resolvidas imperiosamente.

Como se sabe, este caso teria, face ao Direito portugu8s da simu lacio, um regime

RG 21-Mai. -1927, RGZ 117 (1927), 121-127, RG 12-Nov.-1936, RGZ 153

di1 9e

3

e)

n

t 4 e 6 )

;

9-61 (61), RAG 15-Jun.-1938, JW 1938, 2426 e RG 4-Dez.-1942, RGZ 170 (1943),

203-20

Em

(2°o

-m

2

p

e ns,

a

p

aoe

x6.

RG nab aceitou a paralisacbo de nulidades formais causadas por

simulacaes corn o fito de defraudar o fisco. Assim ern RG 19-A br.-1926, LZ 20 (1926),

696-697 (697), entendeu-se, num caso desses, que o A. pretenders atentar contra disposicaes

legais e nit) contra a outra parte; ambas as partes actuaram contra a prescricio legal que

determina a forma, corn consciencia, pelo que nio ha, na alegacao da nulidade, atentado contra

a boa fe. Da mesma maneira, decidiu-se, em RG 21-Jun.-1927, Recht 31 (1927) n.° 2197 (661 ):

focou-se, af, a .necessidade, pars mover a

exceptio,

de o adquirente estar convencido de que,

observara a forma legalmente prescrita.

(477)

SOME' . /SIEBERT /KNOPP,

BGBI° tit., § 242, n.° 340 ss. (95 ss.);

REINICXE,

Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrage

cit. , 30 ss.; Sonstm/HEF Enonn., BGB

11

cit..

§ 125, n.° 23-25 (570 -571); StsunnicEs/Ducies, BGE1

1 2

cit. , § 125, n.° 38-41 (332-334).

(478)

Foi o caso, ja conhecido, de RG 15-Nov.-1907, SeuffA 63 , 258 = Recht 1907,

1527 = Gruchot 52, 1045 . Merece ainda mencio RG 10-Out.-1919, RGZ 96 (1919), 313-316:

a proposito da renovacao de urn contrato de locacio de coisa produtiva, viciado por carencia

de forma legal, fora alegada a nulidade forma l e contraposta a inadm issibilidade desse recurso.

0 R 0 recusaria, neste caso, a inalegabilidade, defendendo que esta so deveria ser concedida

quando o alegante impeca, propositadamente, a concretizacao da forma ou qu ando declare,

I outra parte, a inutilidade da providencia; nio bastaria; pois, a men n egligencia na observincia

das disposic5es legais (315).

(479)

RG 21-Mai.-1927, RGZ 117 (1927), 121-127 (124); a proposito de urns

compra e venda relativa a urns case, alegara-se a nulidade formal do contrato respectivo.

0

RG considerou, at, ser de exigir, por parte da pessoa que se vem opor a alegabilidade

do vicio de forma, o erro sobre a necessidade da formalidadc e, por parte de quern o alega,

que, pelo menos corn negligencia, o tenha causado. Esta linha tem antecedentes daros;

ern

RG 28-Nov.-1923 -

supra,

774

4 7 5-

rescindira-se ja do dolo ou equivalentes para

bloquear uma nulidade formal. Em RG 1-Jul.-1924, Recht 28 (1924), n.° 14 43 (2, 40 7-408),

le -

se 4A culpa propria tambern nit) é necessaria; basta que o A. tenha querido a nib realizacio

da forma escrita c que no tempo subsequente tenha tratado o contrato como validon

o RG decidiu, alias, negativamente a contra-alegacio do A..

776

exercicio inadmissivel de posioies juridicas

formais veio a ser co arctada, independentemente de qualquer culp

a

vimento da nulidade iria atentar contra a boa fe

(480) .

Este desenvolvimento vigoroso da jurisprudencia, alem de

cont

ra

processou-se em certa discordancia com a doutrina. Desde

§ 29:° A inalegabilidade de nulidades formals

77

e

OERTMANN (

48 5

) asseguram, no essential, que o Tribunal do

Reich

colocara a alegacao de nu lidade formal ao nivel das condutas nao permi-

tidas, contrariando, pois, a letra e o espirito da lei. A ocorrincia de

manobras condeniveis, na origem do vicio, apenas permitiria ao lesado

obter uma indemnizacio pelo interesse negativo — o interesse da con-

(486)

;

nunca, porem, validar uma nulidade. Mesmo

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inicio, cham ou-se a atencao para a natureza cogente das disposiceies

que com inam form as necessarias para certas declaracoes negociais

bem com o das que, a inobservancia das primeiras, associam a nulidade.

Havendo dolo ou procedimento similar por uma das partes, corn uma

nulidade formal por resultado, poder-se-ia, quando m uito, chega

r

culpa I

n

contrahendo,

seja por pratica delitual, atentatoria, eventualmente,

dos bons costumes.

Uma reaccio grande por parte da doutrina foi desencadeada

por RG 15-Nov.-1907

(481

): HOENIGER (482), REICHEL (483) , JOSEF (

484

)

(

4

9 RG 12-Nov.-1936, RGZ 153 (1937), 59-61 (60-61) — a proposito de locacao de

coisa produtiva que previa, para depois do fim do contrato, uma clausula de nit) concorrencia

do locatario em relacao ao locador, vem aquele, no final, arguir a invalidade formal;

o RG decidiu ser de admitir a inalegabilidade, porque «esta é tambem dada quando o R., ainda

que sem intencao, assuma uma atitude que, de acordo corn o sentir geral do povo, seja inconci-

liivel

com

um comportamento anterior por ere perpetrados; RAG 15-Jun.-1938, JW 1938,

2426 — aquando da discussio sobre nulidade formal de urn contrato de trabalho

corn

redactor, o RAG decidiu que a excepcao de dolo era de

conceder

perante a alegacio de

nulidade, quando o A., ainda que trio sendo contratante de ma fe, se tenha comportado de

tai modo quc a arguicao superveniente atente contra a boa fe e os bons costumes; esta

decisio mereceu uma an. desfavorivel de MArtirssEN, JW 193 8, 2426-2427; RG 4-Dez.-1942,

RGZ 170 (1943), 203-207 (204-20 5) — corn referencia a nulidade formal de venda de heranca,

o RG entendeu a inviabilidade da alegacio por contrariedade i boa fa, ainda quando nao

t ivesse havido ma intencao por parte do A.

(481 )

Supra,

775478 .

( 4 82 )

H O ENIGER,

Arglist herbeigefiihrte F ormnicht igkeit ,

ZNotV 1909, 673-688 (675).

H. entende que a

e x c e p t i o

so pode ser concedida contra quern alegue nulidade formal quando

o A. que o faca the tenha dado azo atraves de delito. Precisa H.: Os pressupostos pan o

conceito em analise [a

exceptio doll]

sac) duplos: positivamente; que o provocar da n ulidade

formal atraves duma das partes preencha em pleno a previsio de urn delito civil e negativamente,

que a outra parte nio conheca a nulidade formal, trio a silencie e, tambem, nem corn era con-

corde nem a desconheca por negligencia

— idern,

681; tambem

H O ENIGER,

Einrede der

Arglitt

gegen Formnichtigkeit,

ZNotV 1910, 90 7-909.

Reticcnte perante a hipotese de bloquear nulidades formals mostrar-se-ia, ainda,

WEISSLER,

Rechtsprechung in Urkundsachen,

ZNotV 1909, 70-118 (75). Ai, precisamente

a

proposito de RG 15-Nov.-1907, cscreve que t...na simples alegacbo da disposicao legal de

forma nunca pode ser visto urn dolo*.

fano. — do contrato

AA. que,

como

HELDRICH,

concordam corn a jurisprudencia do RG,

distanciam-se deste no que respeita a justificacio

(

48 7

).

IV.

A jurisprudencia do BGH manteve, num primeiro tempo

a

l inha do RG

(

488

). Estendeu-a mesmo a areas antes tidas por imu-

nizadas, como a dos negOcios

post mort em

(

489

).

( 4 83 )

REICH EL,

Zur

Behandlung fornmichtiger Verpfl ichtungsgeschafie,

AcP 104 (1909) ,

1-150; R. explicita, com clareza, quo de urn negocio nulo, nao podem emergir pretens8es de

cumprimento; sendo a nulidade formal, por maioria dc razio nao

é o negOcio viciado

susceptive' de ser feito valer

— ob. cit . ,

2 e 33. Esta situacao nao pode ser entravada pela

exc. doll

ou pela boa fe — ob.

cit.,

40. Concede, do so a

5 1 1 2

interposicio quando uma parte,

de modo contrario a 16 ou aos bons costumes, provoque a nulidade corn dolo e, depois,

procure fazer vale-la —

ob. cit . , 44.

(484)

JosEr,

Arglis tige Herbeifi ihrung der Formn ichtigkeit,

AbingR 36 (1911) , 60-70. Tam-

bem J. foca que apenas o provocar, com delito doloso, da nulidade, pode facultar I outra parte

a excepcio de dolo; doutra forma, o recurso a nulidade formal seria urn comportamento nao

permitido, o que contraria a lei; o causar nulidades nao permite, na falta desses requisitos, mais

do quo a indemnizacio por interesse negativo ou interesse da confianca —

ob. cit.,

68-70,

62-63 e 65.

(

488

) OERSMANN,

Arglis tige H erbeifi ihrung der Formnichtigkeit,

Recht 1914, 8-12. 0., estra-

nhando igualmente quo o recurso a nulidade possa integrar uma hipotese de comportamento

indevido, admite, como margem para a interposicio da

exceptio,

a situacao em que uma das

panes, ji corn o intento de, m ais tarde, arguir a nulidade, tenha dado lugar I sua verif icacio.

(486)

Viu-se

supra,

585 o que pensar delta orientacio, em termos gerais.

( 4 87 )

H ELDRICH ,

Die Form des V er t rages ,

AcP 147 (1941), 89-129 (112).

(488)

Curiosamente, o porno maxim° da evolucio jurisprudential do RG no sentido

da superacio, por via da boa fe, dos requisitos legais de forma, foi alcancado atraves

de uma decide, do OLG Dresden, 22-Mar.-1949, portanto na ender Zona de Ocupacio

Sovietica, hoje DDR , NJ 1949, 256-257 = JR 1950 , 24-25. Fora ecelebrado* urn contrato de

compra e venda de imOvel, mediante a aceitacao duma proposta formulada por carta;

a formalizacio notarial f icou para mais tardc. Nio se realizando esta, o comprador acciona o

vendedor para que faculte a inscricio; o R. alega a nulidade formal. 0 tribunal de apelacao

eat:rider' quo o requisito de forma se prendia a urn forte conceito de propriedade, em especial

fundiiria. Ora c... uma necessidade de proteccio tao extensa e especial da propriedade, perante

uutros direitos, nao E mais sentida no desenvolvimento ulterior do nosso Direito. A proprie-

d

ade tem de aceitar mtiltiplas limitacoes e intervene es, mais ou menos sem proteccbo, na

ordem nova das relaceies econdmicas e sociais. A concepcio jurfclica actual nao se indina ji,

tarab6m, para atribuir I forma um significado decisivo, perante a palavra inequfvoca que

778

exercicio inadmissivel de posico

-

es juridicas

Existe, na Rep. Fed. Alema, corn especificidades nalguns estad

o s ,

urn regime sucessorio especial para a sucessio em bens rtisticos

o regime das quintas ou

Hofeordnung.

Esse regime perm ite, p

a r a

mantendo os restantes simples pretens5es em dinheiro. Compete

a o '

proprietario da quinta determinar, por testamento, de entre os restantes

§ 29.. A inalegabilidade de nulidades formats

779

,-

consideraram

nulo tal contrato, por abuso d e liberdade

de testar; o BGH

confirmou a decislo, abordando o problema pela positiva: dadosos

factos, o Mho R. teria celebrado urn contrato de entrega da quinta

em vida corn o pai, embora sem forma legal, tendo ficado decidido

o seu destino

post mortem

(

49 2

).

Urn

ano volvido, entendeu de novo o

BGH a possibilidade de urn agricultor, atraves do seu comportamento

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o sucessor na quinta, corn inteira liberdade, desde que se trate de pe

s s o ;

corn capacidade de continuar a exploragio. A quinta pod e, tambem, set

entregue ao futuro herdeiro, ainda em vida do titular, atraves de contrato

de entrega de quinta, de natureza formal, a celebrar perante o notario

(

4

90)

.

Em torno deste regime, gerou-se uma jurisprudencia limitativa da forma

legal, corn uma serie de artigos doutrin4rios subsequentes

(

491

). Discu-tiu-se no

BGH

a situagio que segue. Urn agricultor de setenta e quatro

anos, corn nove filhos, deixou o filho terceiro viver na quinta, formar-se

como agricultor e trabalhar nela contra habitaclo, comida e

algum

dinheiro; else filho casou, continuando a viver e a trabalhar na quint

a

pai e filho por causa da direccio da empresa rural; o pai, por document°

notarial, decide, entio, entregar a quinta a um a filha, residents corn o

marido noutro sitio e exigir, do filho, o abandono do local. As instancias

vincula*. Posto o que afasta o § 313 BGB, em nome do § 242 - NJ 1949, 257 = JR 1950,

25.

0

OLG Dresden nio refere a jurisprudenda do antigo RG, embora a pressuponha.

Na' transposicao do RG para o BGH, foi importance a decisio do OGHBrZ,

7-Out.-1948, OGHZ 1 (1949), 217-222. Discutia-se a evendu de uma casa, feita por escrito

particular, quando o ovendedon, arguindo nulidade formal, veio reivindica-la.

0R. alegou

pensar a formalizacio perante o notario como operacio habitual, mu nao obrigatOria,

tendo confiado no A., oficial de polfcia.

0

OGHBrZ entendeu que em casos especiais, de

consequencias insuportiveis para os RR., 6 de bloquear o dispositivo que prescreve dedaracoes

formais, atraves da boa fe - OGHZ 1 (1949), 218-219.

(489)

Sector que, segundo

GERNH UBER,

Formtsichtigkei t und Treu und Glauben ci t . ,

157,

constituira um cfrculo «tabu».

(490)

Kiee/Convc, Erb/2

19

(1978), § 131 (738 ss.; 742

ss.); LANCE/KUCHINEE,

ErbR 2

(1978), § 55 A VII (936 ss., especialmente 941-942);

BARTH O LO MEYCZIIC/SCH LO TER,

ErbRn

(1980), 256;

QUADFLIEC/ WEIRAUCH,

Das Landwirtschaftliche Sondererbrecht gemdss der Novelle

zur Hofeordnung,

FamRZ 1977, 228-235 (233).

(491)

P. ex., R. KRAUSE,

Kann eine formmangelhaf te Verfugung von Todes wegen rechts-

gultig sein?

FamRZ 1955, 161-163; F. J.

GEROCENS,

Zum Missbrauch der Testierfreiheit ins

Landwirtschaftsrecht,

FamRZ 1955, 163-164;

HEINZ HUMBERT,

Die formlose Bestimmu ng des

Hoferben,

NJW1956, 1857-1860;

W1EACKER,

Stillschweigende Hoferbenbestimmung,

DNotZ 1956,

115-125 e

Hoferbenbestsmmung durch schl i issiges oder sozial typisches Verhal ten?

FamRZ 1957,

287-291; SCHULTE,

Formlose Best immung des Hoferben,

RdL 1956, 177-181 e Formlose bauetikhe

Obergabe- und Erbvertrage,

NJW1958, 361-364; Rownza, Zur

formlose Hoferbenbest immunS

in der Rechtsprechung des BGH,

DNotV 1957, 283-295;

H ERMINGH AUSEN;

Formlos bindende

Hofzusagen,

DNotZ 1958, 115-139;

S C H U L T E ,

corn obserraceoes a

H ERMINGH AUSEN,

de no"

Formlose bauerliche. Ubergabe- und Erbvertroge,

NJW1958, 820-821.

duradouro e indubit4vel, independentemente das form alidades legais,

ter indicado a urn dos herdeiros que devia receber a quinta

(

493 ).

Esta orientagio suscitou, por parte da doutrina, porventura maiori-

taria, uma serie de criticas

(

494

), embora tenha merecido, tambem, ade-

saes (

495

). No essential, as criticas radicam no ultrapassar de disposiceies

legais injuntivas, corn a inseguranca subsequente e na dificuldade pratica

de determinar a vontade das pessoas. Este tiltimo aspecto 6 puramente

probatorio; quanto ao primeiro, queda apenas dizer que a natureza

sucessoria

da situacio

nio a

qualitativamente diferente das restantes:

admitida a inalegabilidade, ha que estende-la ate as fronteiras naturals.

(492)

BGH 16-Fev.-1954, BGHZ 12 (1954), 286-308 (287-288, 305-306 e 307-308)

DNotZ 1954, 307-313 (307-308 e 313) = NJW1954, 121 (s6 o sumirio) = RDL 1954,

153-159 (153 e 158).

(493)

BGH 9-Fev.-1955, DNotZ 1956, 134-138 (135 e 137) = FamRZ 1955, 171-172,

corn an. de F. W. Boscx, que chama a atenclo para o perigo de inseguranca resultante da

dews

-

ao (172) =-

 NJW1955,1065-1066, corn an. de G. e D.

REINICKE,

que levantam dificuldades

(1065) = RdL 1955, 109-112 (110 e 112). Os artigos de R.

KRAUSE

e de F. J.

GERCZENS,

C i t .

supra,

778

4 91

, tiveram, como causa imediata, esta decisio. Podem ser confrontadas outras

decisbes em

ROEMER,

Zur fonnlosen Hoferbestimm ung in der Rechtsprechung des BGH ci t . ,

286,

H ERMINGH AUSEN,

Formlos bindenden Hofzusagen ci t . ,

11 5

1

. Antecedentes desta jurisprudencia

constam de ScHum,

Formlose bduerl iche Obergabe- u nd Erbvertnige ci t . ,

361.

(494)

Assim:

ALFRED

PutALo,

an. BGH 16-Fev.-1954 cit.

supra,

779

4 92

, RdL 1954, 193-

-196 -- P. sublinha, ern especial, o desvio em mini° aos prindpios gerais e i liberdade de

indicar o sucessor na quinta,

ob. cit.,

195-196; Farrz

RIEDEL,

Die Rechtsprechung in Landwirt-

schaf tssaehen im Jahre 1954,

JZ 1955, 109-114 (110) - R. aponta a natureza individual da

justica feita;

W1 EACKER,

Prazisierung ci t . ,

29

6 2 , 357 5

e

49

10 1

, focando, sucessivamente, o

ter sido

preferfvel derivar a solucio dos bons costumes, a limitacio ao poder de livre disposicio do

proprietario da quinta e o ultrapassar das funcoes judiciais, perante alterac5es efectivas na ordem

jut-Um; tambem de

WHACKER,

cf . St i l lschweigende H oferbenbestimmung? ci t . ,

1 18

;

HEI

N Z

ie fonnlose Bestimmung des H oferben ci t . ,

que explica, entre outros aspectos, a

falta

de precisio das al. dedaracOes negociais e a subversio introduzida

em

dispOsicbes injuntivas

que, no Direito das sucess5es, determinam formal legais -

ob. ci t .,

1858 e 1859;

ROEMER,

Zurformlosen Hoferbenbest immung in der Rechtsprechung des BGH

dr., 288, apontando, entre outras

objeccoes, a indeterminacio da vontade do titular da quinta.

Cf., tambem, Bosca e

Rumors

cit . supra,

779

93

.

(495)

Assim:

Rtinu.o&ANN, an. BGH 16-Fev.-19)4, tambEm

cit., supra, 779

4 9 2

,

RdL 1954,

311412, satisfeito corn a salvaguarda de um minimo Etico, exigido pela dareza

de intenc6es

das partes -

ob. cit.,

311;

SCH ULTE,

Formlose bduetl iche Ubergabe- u nd Erbvertrdge ci t . ,

que, nao

obstante alguns reparos, frisa a necessidade de nem sempre a justice. material

ser preterida pela

seguranca -

ob. cit.,

364.

/ 0

1

780

exerc ic io inadm issive l de posicoes jurid icos

Em rigor, ficariam a margem apenas contratos corn efeitos pessoais, conk,

o casamento (

4 9 6

) (

4 9 7

).

Outra area ligada, por excelencia, aos negocios

post torten

do

estamento - mereceu a

K E G E L

uma atencio especial. Na base do pro..

blema esta o caso da h eranca dupla, discutida em BGH , 6-Jul. -1965.

Urn pai de sessenta e nove anos pretendia instituir herdeira a sua

§ 29 °A

inalegabi lidade de nul idades for tnais

forrnais

(

50 0

). A superacio definitiva da

exceptio doll

pode conside-

rat_se consolidada, na m edida em que a inalegabil

do

 

lo

d

5 0 1

ade do vicio

formal, embora facilitada, nalguns casos, pelo ),

depende mais da situacio da pessoa contra quem 6 feiA extensao

ta valer a

nulidade, do que dos feitos e

intencoes

do A. alegante (

5

° 2

).

decisoes tern sido

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fazendo ainda pequenos legados. A filha leva urn advogado amigo

presenca do pai; este recusa elaborar, ele proprio, o testamento,

pelo que o advogado, tendo tornado nota, em esquema, da vontad

e

do advogado corn o notirio tardou; chegaram a com binar-se tees encon-

tros, todos adiados, por impedimentos, urn do notirio e doffs do

advogado. 0 pai morre e, em consequencia das demoras, sem testar.

Segue-se, depois, a sucessio legitima, sendo a heranca repartida entre

a Ora e uma sobrinha. 0 advogado enviou, ainda, uma nota de

honoririos. A filha acciona o advogado, pedindo o equivalente a metade

da heranca que perdera corn a negligencia deste. 0 BGH, considerando

ter sido violado urn contrato - entre o pai e o advogado - corn efeitos

protectores a terceiros - a filha - decide tal accio procedente (

4 98

).

Urn caso dcstes da lugar a duplicagio da heranca: o patrimonio deixado

pelo

de cuius e

a indemnizagio correspondente. Hi, pois, que, em

situacoes extremas, possibilitar a libertacao formal dos actos juridicos, d esde

que se mostrem salvaguardados os outros valores em jogo (

4 9 9 ).

Apesar desta expansio, real ou preconizada, em sectores onde,

sem um a justificacio clara, tem dom inado urn formalismo radical,

o BGH restringiu subtilmente a possibilidade de bloquear as nulidades

(496)

Tern, pois, impact() pouco mais do que afectivo a observacio de WmAcm ,

Prazisierung

cit., 49, de que os proprios contratos de casamento poderiam ficar, pela via ini-

ciada, na situacio de serem viaveis sem a forma legal, dada a diferenca qualitativa das

relacoes que implicam.

(497)

As objeccoes levantadas por

HERMINGHAUSEN,

Fonnlos bindende Hofzusagen

at.,

134 e retomadas por

REINICKE,

Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrage

cit., 86, segundo

as quais a pretericio de formas legais poria em causa a posicao de terceiros, nio colhem:

as mesmas disposicoes que protegem os terceiros perante contratos formais a que sio

estranhos - e que nio se confundem corn o registo - funcionariam sempre perante as situa-

coes reconhecidas I margem da forma legal.

(498)

BGH, 6-Jul.-1965, JZ 1966, 141-143 (141 e 142) = NJW 1965, 1955-1958 (1955-

-1956 a 1957), corn. an

.

LORENZ, JZ

1966, 143-145, focando a ausencia de uma clausula de

responsabilidade delitual generica, no Direito alemio, como base de decisio - 145 - e de

EMIT.

Bowan,

Schutzwirkung eines Vertrages zwischen Rechtsanwal t and Erblasser zugunsten der

benachteiligten Erbin?,

MD R 1 966, 468-4 69. 0 contrato corn efeitos protectores de terceiro

pressupbe, por pane de urn ou de ambos os contratantes, deveres de proteccio a favor de

terceiros, radicados na boa fd. Cf.

supra,

619 ss..

(499)

GERHARD KEGEL,

Die lachenden Doppelerben: Erbfolge beim Versagen von Urkunds-

personen,

FS Flume 1 (1978), 545-558 (547-548 e 555).

daqui resultante 6, apenas, aparente. Em varias logo

da equidade

ado

, corn

orn a major clareza, que nao na base

e

de um a justica do caso concreto - que se pode proceder nap apli-

cacio das disposicoes sobre a forma das declaracO es negociais (

5 0 3

);

efeito, atentas as necessidades de seguranca ju ridica (

5 0 4

), justifi-

ca-se apenas em casos extrem os e excepcionais (

5 0 5

).

(500)

Esta evolucao, apesar da sua importancia, riga tem sido suficientemente estu

SOERGEL

dada;

cf.,

porem

LORENZ,

Rechtsfolgen formnichtiger Schuldvertrage,

JuS 1966, 431 e

/14sesimon., BGB

1 2

cit., § 125, n.° 25 (570).

(501)

BGH 3-Dez.-1958, BGHZ 29 (1959), 6-13 = NJW 1959, 626-627 = WM 1959,

273-

BB 1959, 21 5 = DB 1 959, 595 (ssio se refere, nesse (skim° local, o que interessa

p a r a 2 7 5

as inalegabilidades formais); houvera, al, urn documento notarial corn da as inexactas,

devendo-se esse facto a intencio de uma das panes tirar, depois, vantagem sobre a outra; o BGH

concedeu a inalegabilidade, frisando, contudo, que a situacio do R .., na nulidade, seria nio apenas

dura, mas insuportivel.

(

5

9 Adm ite-se, pois, a inalegabilidade mesmo sem a vontade, directa ou necessaria,

de prejudicar a contraparte, no que parece ser a heranca do RG; assim BGH 9-Out.-1970,

NJW 1970, 2210-2212, onde o A. calara apenas algumas circunstancias; cf.

KROGER

-

-Ma/ago

/BGB /RGRKI

2

(1982), § 125 n.° 57 (249).

("3)

BGH 29-Jan.-1965, NJW 1965, 812.815 (81 3) - venda nula de preclio; em an.,

v .

BIEBERSTEIN,

NJW 1965, 1014-1016, di° identifica, porem, devidamente, a clivagem entre

a jurisprudencia do RG e do BGH e toma posiceies criticas; BGH 9-Out-1970, NJW 1970,2211.

("4)

BGH 3-D ez.-1958, BGHZ 29 (1959), 10 - interesse geral; BGH 29-Jan.-196

5

,

NJW 1%5 , 813 - interesse da seguranca juridica; BGH 10 -Jun.-197

7

, NJW 77, 2072-2073 =

= WM 1977, 1144 - celebrada compra e venda de predio corn obrigacio, pelo vendedor, de

proceder a uma construcio, o qua nao constava do docum ento; foca-se, al, as exigencias

6 s i t

da

seguranca; BGH 16-Nov.-1978, NJW 1980, 117-119 (118) - sublinha-se, tambem, a propo

de promessa sem forma efectuada pot urn burgomestre, as necessidades da seguranca. Trata-se,

pois, de urn vector que tern v indo a crescer na jurisprudencia m ais recente.

("5)

BGH 27-M ai.-1957, WM 1957, 883 -886 - trata-se de uma fianca cuja dedaracio

negocial respectiva fora feita por telegrama, o que se considera nao integrar a forma

exigida por lei; decidiu-se nao ser de bloquear a nulidade, por esta medida so poder ocorrer

em

circunstincias

especiais, ausentes deste caso concreto; esta decisio tern a particularidade

de historiar a evolucio jurisprudential do problema - WM 1957, 886; BGH 28-Nov.-19

57

,

WM 1958, 71-74 - outra questio de fianca, ern cuja decisio de rile, obstar a nulidade por

r

ancia de forma legal se frisa a excepcionalidade de tal medida; o BG H acentuou, ainda, que

.

madmissibilidade de alegacio da nulidade formal o corre apenas quando o A., por longo tempo

, nio

,

thsfrute, corn vantagens, do contrato qu e venha, depois, iinpugnar o qua, pot natureza

51

782

783

0 exerc ic io inadm issive l de posicc ies jurid icas

V. A criacao jurisprudencial do Direito

é,

naturalmente,

cisa; a sistematizacao doutriniria tem, para mais, tardado n

este

0 6

). No obstante, o conjunto das decisoes compulsadas,

§ 29.° A inqlegabilidade de nulidades formais

ca

m atencao particular as mais recentes, e os comentarios sobre elas

tecidas pela doutrina permitem firmar aspectos importantes. Primor-

di

a

l e, como foi dito, a posicao da pessoa contra quem se pretende

fazer valer

a nulidade formal. Esta posicao equaciona-se em dois

aspectos (

50 1

): a sua relacao corn o vicio formal e as consequencias

mergentes da nulidade, caso seja declarada. Quanto ao pri-

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ocorre na f ianca (74); BGH 16-Abr.-1962, WM 1962, 575-576 — de novo uma fianca se

m a

x

A

depois de «celebrados o contrato, nab dera mostras de aceitar o debito (576); BG H 29-Jan.-1965"

NJW 1965, 812-815 (813) — so

.

excepcionalmente; BGH 22-Jun.-1973, NJW 1973, 1455.-1457'

— alienacio de urn imOvel por documento privado; o BGH afirma que a nulidade

presente so em casos muito especiais pode ser contornada, o que ocorreu, alias, nesse caso,

dado que o A. aceitara, durance catorze anos, o contrato por eficaz (1456); BG H 16-Nov.-1978,

NJW 1980, 118 — uma excepcao.

(

50 6

) Mais claramente: falta uma sistematizacao doutrinaria na materia, versada ens

termos pouco menos do que tOpicos. Assim:

GERNH UBER,

Forninichtigkeit und Treu und Glauben

cit., limits-se a citar decisoes em apoio das afirmacoes que vai proferindo, sem, delas,

procurar extrair elementos para uma ordenacio dos pontos comuns que as informem; G . dis-

corda, alias, das decisoes que admitem a inalegabilidade das nulidades formais — ob.

cit.,

1 6 4 ,

. ex.;

LO RENZ,

Das Problem der Aufrechterhaltung forinniditiger Scluildvertrage

cit., que centra o

fulcro da questa() na forma em si — e nao na boa f6 — tio pouco procede a urn levantamento

— ob. ci t . , maxime

413, tal como

COMIC,

Form und Billigkeit im modernen Privatrecht

cit.; ambas os

autores tomam posiceies criticas perante a jurisprudencia do BGH e do seu antecessor,

SOERGEL/SIEBERT/KNOPP, BGB

10

Cit., §

242 — que entendem ter a jurisprudencia recente,

i. 6, anterior a 1969, ampliado a fundamentacao das inalegabilidades de vicios formais (1);

ob. cit.,

n.° 345 (96), sem, no entanto, deixar de apontar a linha restritivista da jurisprudencia

— idem,

n.° 346 — fazem, ao estilo do seu tratamento da boa f6, uma seriacio ampla

de casos concretos. Nab obstante o apontar de vectores interessantes como o escopo da

forma —

SIEB ERT / ICNOPP

nbo se reportam, ai, a firths.

GERNHUBER/WIEACRER,

atingindo, embora,

resultados semelhantes —

ob. ci t ., n .°

356 (99) — ou a clivagem, dogm atica alias, entre a culpa

na formacao dos contratos e a ch. limitacio imanente das prescricoes

de

forma —

ob. cit.,

n.° 357 — falta, no seu escrito, urns sistematizacao do dado jurisprudencial que, possivelmente,

nem considerariam viavel; D.

REINICRE,

Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrage

cit„

tents, 41-75, ordenar, de acordo corn determinados criterios, os casos de inalegabilidade.

Apura cinco grupos, alguns subdivididos, em funs

-

o dos factores seguintes: 1.° conhecimento

ou desconhecimento, pelas parses, da necessidade de forma do contrato, tripartido, consoante

ambas, apenas uma ou nenhuma tenham conhecimento dessa necessidade; 2.° cumprimento ou

nab cumprimento do contrato, tr ipartido, tambem, consoante ambas, apenas uma ou nenhuma

tenham cum prido; 3.° impossibilidade de restituicao material das prestacaes; 4.° prescricOes

de forma a favor, apenas, de uma das partes; 5.° outros. Apesar do seu em pirismo, Run-mica

consegue uma pano ramica envolvente e sugestiva dos dados da questio.

Omm ius di, pel°

contrario, urn

tratamento mais marcadamente cientifico ao problema —

Vertrauenshafrung

cit., 274 ss. e 288 ss.. Distingue C. as hipateses de

dolus praeteri tus

— § 25 — e as

de

dolus praesens

que reduz ao

venire contra faction proprium — §

27 —, ambas integradas numa

regra geral de respondencia, pela confianca. A primeira hipOtese daria lugar a ulna

regra muito simples: quem enganar propositadamente o parceiro sobre as necessidades

para

ela

e

ine

iro, deve entender-se a necessidade de boa fe subjectiva por

parte de quem queira fazer valer a inalegabilidade ou seja, de

desconhecimento, aquando da «celebracao» do contrato, da necessidade

formal (

50 8

). A boa fe subjectiva comporta, aqui, deveres de inda-

de forma de urn contrato sujeita-se ao cumprimento dente, ainda quando, em principio,

devesse ser nulo. A simplicidade desvanece-se, porem, se se at inar em q ue a evolucio jurispru-

dencial se processou, contra o requisito do dolo e em que uma col:struck

,

tipo

Joists

p r a e t e r i t u s

deixa na sombra a situacio do beneficiario da inalegabilidade bem como os requisitos

que, a este, dizem respeito.

0

praprio C., aliis, ao entender o

(loins praeteritus

como mero

criterio de im putacao da

respondencia e nio como seu fundamento

Vertrauenshaftung

cit.,

276 — e ao sublinhar a necessidade de enfrentar o problema pela posicio do confiante

— i d e m ,

277 — retira-lhe a eficacia ordenadora. Tem, assim, m ais interesse o segundo termo d a

distincio de

CANARIS,

a que se fara mencio no texto. FortsomER/Miinch-Komm cit., § 125,

n.° 60 (735), declara trio faltarem tentativas de elaboracio de casos tipicos onde se consubs-

tanciaria a possibilidade de inalegabilidade formal, embora pouco mais cite do que

R.EINICRE

e nao refira

CANARIS.

Na sequencia da sua exposicao sobre o problems,

FoRSCH LER

adopta,

corn pequenas alteracems, o esquema de

REINICKE —

Munch -Komm c i t . , §

125, n.° 64-72.

HEPERNIEHL,

ern

SOERGEL/ HEFERMEHL,

BGBli cit ., § 1 25, corn posicaes restr itivas sobre

inale-

gabilidades de vicios formais

b. cit.,

n.° 29 (572)

pesar do fino tratamento do problema

a que procede, ex peie indiferentemente casos

t lpicos e fundamenta95es das inalegabilidades

referidas.

DILCHER, em STAUDINGER/DILCHER12 Cit., §

125, n.° 38 ss. (332 ss.), nao sistematiza

enquanto KitticER-Ntnumm/BGB/RGRK12 cit., § 125, n.° 56 ss. (249 ss.), recorre, corn ampu-

tacbes, a linha de

REINICICE.

Nas obras gerais, por fim, o tema da inalegabilidade das nulidades

formais 6 versado sem preocupacdes de sistematizacio. Sirva de exempla

LARENZ,

AllgT

5

cit., 376-378.

(

5 07

) Embora por forma Trio expressa, esta clivagem 6 pressuposta, de algum modo,

por BGH 10-Jun.-1977, NJW, 2072-73 = WM 1977, 1144.

(

5 °

8

) BGH 29-Jun.-1966, BGHZ 45 (1966), 376-380 (379-380), onde, a prop6sito

de tuna nulidad e partial, se recusou a inalegabilidade por am bas as partes estarem cientes da

mvalidade, quando concluirams a clausula viciada. Este requisito permite afastar, como defini-

tivamente nulos, todos as contratos em que as partes desrespeitaram a form a prescrita pars

2ont

iun

n

rar

92

i

spR

si cch

es 3l

iscais — recordem-se RG 19-Abr.-1926, LZ 20 (1926), 696-697 e RG

(1927),

n.°

2193 (661). RzancxE, no grupo de casos que isolou

em torno do conhecimento ou desconhecimento da nulidade —

Rechafolgen formwidrig abge-

s c h l o s s e n e r

Vertrage

cit ., 41 ss. — conclui pela permanencia da nulidade sem pre que ambas as

Panes conhecam o vicio; a nulidade seria obstada quando a parte alegante tivesse induzido

a out a com eter a falta, ficando em a berto as hipateses de desconhecimento negligence ou nab

784

exerc ic io inadnt i s s i ve l de pps i c i i es j ur id i cas

gaga() e informacao (

5 0 9

) de intensidade acrescida, dada a rigidez das

normas em jogo, e visto o conhecimento generalizado que e

x

i ste

de forma ou a negligencia grosseira prejudicam sempre (

5 1

0) p

o

i s ,

que o contratante corra o risco de ver declarado nulo o seu

§ 29.° A inalegabilidade de nulidades formais

85

todos

presentes. Consciente do problema,

CANARIS

afirma a impossi-

bilidade de firmar uma previa() consistente de inalegabilidades;

os diversos criterios articular-se-iam nos termos de urn sistema

i n O v e l ( 5 1 6 ) .

A concretizacao do

venire contra factum

proprium nas inalegabili-

dades de vicios formais implica, como se ye, distorcoes em dois pontos:

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con-

trato (

5 1 1

). Quanto ao segundo, tern vindo a ser sublinhado, pela

jurisprudencia mais recente, que a inalegabilidade surge justificad

a

quem a actuada, efeitos «nao apenas duros, mas insuportiveis# (512).

Na concretizacao jurisprudencial desta form ula, pode cham ar-se

em aux ilio a construcao de

CAN ARI S (

5 1 3

):

requere-se que a parte

protegida tenha procedido a um «investimento de confianca, fazendo

assentar, na ocorrencia nula, uma actividade importante (

5 1 4

), que a

situacao seja imputivel a contraparte, embora nao necessariament

e

a

titulo de culpa, que o escopo da forma preterida no tenha sido

defraudado; pela negativa, exige-se ainda que nenhuma disposicao

ou principio legal excluam, em concreto, a inalegabilidade e que

nao haja outra solucao para o caso: a inalegabilidade das nulidades

formais teria, pois, natureza subsidiaria (

5 1 5

). Compulsada, contudo,

a jurisprudencia, constata-se que n em sem pre estes requisitos esti()

provocado pela parte que vem, depois, arguir o yid° —

ob. ci t .,

53-54; contra

REINICIE,

observe-se, porem, que a boa fe subjectiva

é,

apenas, urn requisito negativo, no sentido

de, sendo insuficiente para, por si, justificar uma inalegabilidade, bastar, pela ausencia, para

prejudicar qualquer veleidade de manutencao de negocios formalmente nulos. Tambem

GERNHUBER,

Formnichtigkei t und Treu und Glauben

cit., 176,

SOERGEL/FIEFERMEHL, BGB

11

§ 125 , n .° 33 (374) e Knt icEn-NIELAND/BGB/RGR K12 c it . , § 125 , n .° 56-58 (249-250) .

(509) Cf

supra,

759.

( 5 1 0 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit ., 295.

GERNH UBER,

Formnichtigkei t and Treu und Glauben

cit., 172;

FoRscHLERI Manch-

-Komm cit . , §

125, n.° 64 (736).

(512)

BGH 3-Dez.-1958, BGHZ 29 (1959) , 10 = NJW 1959, 627 = WM 1959, 275 =

= BB 1959, 215 = DB 1959, 595; BGH 27-Out.-1967, BGHZ 48 (1968), 398 = NJW 1968,

39; BGH 10-Jun.-1977, NJW1977, 2072 = WM 1977, 1144; BGH 16-Nov.-1978, NJW

1980, 118.

( 5 1 3 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit ., 295-301.

(514)

Cuja frustracao, complementando

CANARIS,

acarrete, para a parte a proteger,

as

consequencias insuportiveis de que fala a jurisprudencia do BGH. P. ex., as situacoes de

pessoas que, confiantes no contrato nulo, abandonaram a habitacao ou o posto de trabalho,

sem possibilidade de recuperacio.

( 5 1 5 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 300-301 ; corn observaccies crfticas, baseadas, porem,

me citacaes que nao conferem, refira-se

STAUDINGER/DILCHER

12

Cit., 5

125, 42 e 43 (3

34

).

requere-se aqui uma boa fe subjectiva com elementos normativos

ligados a exigencias de indagacio e cautela m ais fortes e acrescenta-se,

como factor de relevo, a necessidade de respeito efectivo pelo escopo

que a forma presente pretenderia prosseguir. 0 sistema move

nas inalegabilidades formais torna-se, pois, mais complexo e, como

exprime o dado jurisprudencial, mais necessario, ainda, para o

explicar.

73.

Dificuldades juscientificas; inaplicabilidade ao Direito

portugues; solucio alternativa

I. Apesar do dado jurisprudencial, ainda que explicitado corn

recurso a ideia de sistema m ove , a doutrina encontra dificuldades

para, em nome da boa fe, formular uma regra de restricao as

nulidades fOrmais (

5 1 7

). A partida, deve ser ponderado urn factor

de regime, mas corn a maior importancia dogmatica: no Direito

alemao com o no portugues as nulidades, alem de arguiveis pelas par-

( 5 1 6)

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit ., 301-305. 0 conceito de sistema movel deve-se a

W1 LBURG,

Entwicklung eines beweglichen Systems ins bargerlichen Recht

(1950), 14, p. ex., e foi

precisado por

CANARIS, SyHeMdenket1

2

cit., 74 ss., que faria dole varias aplicaceies em

Vertrauenshaftung

cit ., 301 ss., 312, 373, 3 89 e 529. No essential, diz-se sistema movel aquele

que se ordena em tom b de varias proposicees insusceptiveis de graduacao entre si, mutua-

mente intercambiaveis e susceptiveis de, concretamente, nao actuarem, sem prejuizo para a

identidade do sistema.

VIEH WEG,

Topik und Jurisprudenz

5

cit., 105, considera a ideia de

WILBURG

como integrante do pensamento topico. Nit) tern talk.. 0 tema sera retomado

it fra,

§§ 44.° e 51.°.

( 5 1 7 )

Ji BOEHMER,

Grundbi irgROrd

cit., 2, 2, 99 e

WIEACKER,

Pri tzisierung ci t . ,

29

62 .

t inharn entendido que, nessa jurisprudencia, o BGH fora longe de m ail. Outras observactres

critical constam, p. ex., de

GERNH UBER,

Formnichtigkei t und Treu

und

Glauben

cit., 154, de

LORENZ ,

Das Problem der Aufrechterhaltungformnichtiger Schuldvertrdge

cit., 398-408, corn uma aria-

hse critica da jurisprudencia do RG c do BGH, de

COING,

Form

und

Billigkeit ins modernen

Privatrecht

cit., 35, de

HASEMEY ER,

Die gesetzl iche Form der Rechtsgeschafte ci t . , maxime

294 ss.

e de

LARENZ,

Methodenlehre

4

cit., 383,

Al1gT

5

cit., 377-378 e

SchuldR/A

T

13 cit ., 134-135.

786

exercicio inadmissivel de posicoes juridicas

§ 29.° A inalegabilidade de nulidades formais

87

tes ou por interessados sao, de officio, cognosciveis pelo tribunal (518 )

.

enas

cicio contrario a boa fe, ficam comprometidas: de nada valeria,

ao beneficiario, bloquear a alegacao da nulidade, pela contraparte,

quando, afinal, o prOprio juiz teria, por dever de funcao, d

e a

ja

i que, na chamad a inalegabilidade de vicio formal, se assistiria nao

a

o fazer valer de urn contrato nulo — im possibilidade juridica acen-

tua

da pelo dever funcional do tribunal declarar, de officio, a nulidade

mas sim a actuacao de deveres legais similares aos do contrato malo-

grado

(

52 3

):

a inalegabilidade seria um a sub-hipOtese da proibicao

venire contra factum proprium,

corn a particularidade

de, por

factum

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em

prescrevem formas para certas declaracoes, seja da regra que, a inobser-

vincia dessas disposicoes, associa a nulidade

(

51 9

). Tais disposico

e s

52 0

), sendo duvidoso que a simples superacao

de metodos formais axiomitico-dedutivos na interpretacao e aplica-

cao de proposicoes juridicas permita con torni-las.

As tentativas de reducao dogmitica do problema sao menos

discursos explicativos, mais do que teorias susceptiveis de agrupamento

e classificacao. Para alem d as versoes, já referidas, segundo as quais

haveria que lidar apenas corn um com um ex ercicio inadmissivel

de direitos, deve mencionar-se a doutrina da confianca, o recurso a

saidas negociais e o acentuar da prOpria filosofia inerente as prescri-

goes formais.

A doutrina da confianca traga o tema das inalegabilidades

de vicios formais na orientacao de

CANARIS.

Como este Autor

explica, o Adoloso provoca, na ou tra parte, a impressio de que o

negocio 6 eficaz e assume, assim, a confianca desta: deve responder,

pois, pela situacao de co nfianca obtida»

(

5 2 1

). A concessio de uma

pretensao de cumprimento seria, entao, uma necessidade etico-jurf-

dica

( 52 2

). A base positiva da confianca esti na prescricao geral da

boa fe — art.

334.

°, tambem, para as obrigacoes,

762.

°/2 e §

242 BGB;

515

 Art. 286.0.

(519)

Nesse sentido v5 o observacoes, p. ex., de

GERNH UBER

e de

LARENZ, ob. e loc. cit.

supra, 785

51 7 .

( 5 20 )

MERZ,

Auslegung, Lf ickenerf i il lung and Norm berichtigung / Dargestel l t an den Bei -

spielert der unzuliissigen Berufung auf Formu ngult ikgeit and des Missbrauchs der Verjahrungseinrcde,

AcP 163 (1963), 305-345 (314).

( 5 21 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit ., 277; tambem 289-290. Recorde-se que

CANARIS

cinde o problema das inalegabilidades em respondencia por confianca derivada de compor-

tamentos dolosos —

Vertrauenshaftung

cit., 273 ss. — c de comportamento contraditorio

— e r t r a u e n s h a f t u n g

it., 287 ss. — correspondences aus

dol i prateri tus e praesens.

Sem grande

utilidade.

( 5 22 )

CANARIS,

Vetinnief/Shaftting

cit., 278.

CANARIS

sujeita-se, neste ponto, Is criticas

ji formuladas

supra,

757.

de

/ 5 2 4

proprium, aparecer um contrato formalmente nulo ). Ji se viu

que tal orientacio tern, pelo meno s, o m erito de sistematizar, ainda

que em term os moveis, o dado jurisprudential.

Esta construcao implica, com o se sabe, a aplicacao, ao

factum

proprium,

por analogia, das disposicoes prOprias dos negOcios juridi-

cos

(

52 5

). Fecha-se, pois, o circulo, proclamando que o contrato nulo

6, pela sua natureza voluntiria com o pelos seus regime e efeitos, urn

contrato verdadeiro, ao qual, por razeies que compete aos defensores

do fenOm eno explicar, nao sao apliciveis as disposicoes cominadoras

de fo

peserna

n

v

2

0 1

);

Desenvolve-se, num terceiro vector, o tema do escopo visado

pelas disposicoes que impeiem formas determinadas para certos actos

juridicos, e que foi sublinhado, em especial, por LORENZ e por

C O I N G (

5 2 7

).

Corn base no escopo da prescricio de forma, CO ING isola uma

serie de casos onde a necessidade de forma n

-

o poderia ser afastada. Sao

des: o registo, a forma que visa a proteccio de certos terceiros, os casos

em qu e a lei prescreve, para a nulidade, procedimentos particulares —

como no despedimento — as disposicoes de i.ltima vontade, os actos da

administracio ptiblica e a estatuicio de certas sanceies de tipo especifico (

5 2 8 )

521

) Cf

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit ., 267-268, 279 e 293.

(524)

A reconducio das nulidades formais ao vcfp constava ji de

BOEHMER,

Grund-

burgROrd 2, 2, 96 e 99, de

WIEACKER,

Pazisierung

cit., 28 e

Hoferbenbestimmung durch

schliissiges oder Sozialtypisches

VerhaIten?

cit., 289, de

ARNDT,

Zur exceptio doll bei Schwarzkaufer

cit., 805, de Comic,

Form and Bi l l igke i t im

modernen Privatrecht

cit., 37 e de

LO RENZ,

Rechtsfolgen formnichtiger Schuldvertrage

cit., 436; cf., tambem

STAUDINGERMILCHER, BGB12

Cit.,

§ 125, n.° 40 (333) e

SOERGEL HEFERMEHL,

BG B

1 1

cit., § 125, n.° 32 (573-574).

( 5 25 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 452.

( 5 26) WIELING,

Venire contra factum proprium

cit., 342.

( 5 27 )

LO RENZ,

Das Problem der Aufrechterhaltung formnichtiger Schuldvertrage, maxime

413

e

Rechtsfolgen formnichtiger Schuldvertrage

cit ., 436 e COING,

Focus and Bi l l igkei t im modernen

Privatrecht

cit ., 35 e 48 ss..

( 82 8

)

COING,

Form a nd Bi l l igkei t

im

m o d e r n e n

Privatrecht

cit., 48-50. A enumeracio de

Conic é urn tanto heterogenea, incruindo aspectos como o registo, que n

-

ao se liga a forma

das declaracoes, e a situacio de terceiros, tutelada mesmo perante negocios vilidos.

788

exercicio inadmissivel de poskaes juridicas

II. Tudo isto a

pouco satisfatOrio (

52 9

). 0

venire contra factum

proprium

constitui um tipo nao compreensivo de exercicio inadmis-

sivel de direitos. Como tal, tern grande extensao. Uma parte

importance das inalegabilidades formais 6-lhe, pois, redutivel, corn

a especificidade, apenas, de, ern vez de se inovar so contra a regra geral

da nao v inculabil idade dos com portamentos no destinados, especifi-

29.0 A inalegabi l idade de nul idades formais

89

III. As saidas negociais, tipo

WIELING,

para o problema das

inalegabilidades formais nao se poem, tambem, em termos identicos

aos bosquejados para o

venire cont ra fac tum proprium.

Neste, como

s e

viu, a decisio pela porta negocial depende da natureza a atribuir

aos chamados comportamentos concludentes e do relevo dado a

nsciencia da declaracao (

5 3 1

). Nos negOcios nulos por vicio de forma

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camente, a criar direito, se actuar, tambem, contra as normas que

prescrevem a forma e contra aquelas que associam, ao desrespeito

pelas primeiras, a nulidade. Mas se em muitos casos o alegar nuli-

dades formais 6, de facto,

venire contra factum proprium , isso

no cons-

titui regra absoluta: tenha-se em mente todo o ciclo jurisprudencial

tecido em tomo da «sucessio na quinta onde a inalegabilidad

e

is

atingir terceiros, estranhos, por definicao,

ao factum

proprium. A hip6-

tese pode ser ampliada sem dificuldades. Como nao faria sentido

bloquear a alegaeao duma nulidade pela contraparte para permitir,

afinal, o mesmo efeito, atraves da sua invocaeao per qualquer

terceiro interessado, deve admitir-se uma inalegabilidade geral.

Os terceiros nao praticaram quaisquerfacta

propria.

A

reconducao da

alegac'ao indevida de nulidade formal a proibicao de

venire contra factum

proprium,

so por si, nao explica todo o fenOmeno em jogo. Mas

isso nao perde toda a construcao de

CANARIS.

Ficou assente a viragem

da jurisprudencia mais recente para o tema da proteceao do reu em

accao de nulidade e, portanto, para a necessidade de ponderacao da

sua situ* concreta como forma de valorar se 6, ou nao, de conceder

a inalegabil idade. Con sequentemente, esmoreceu a po sielo do autor,

o que, correspondendo a decadencia da

exceptio doll

atinge, tambem,

o

venire contra factum proprium.

Ora esta atitude equivale, por

excelencia, a indagar do «investimento de confianca* realizado pelo

benefici irio da paralisacao da nulidade e a proteger a sua confianca,

quando h aja bloqueio efectivo dessa nulidade.

A

doutrina da confranca

transcende o

venire contra factum proprium

nos seus e feitos estritos.

A

sua aplicacao as inalegabilidades formais, so possivel dentro d as coorde-

nadas prOprias da sistemitica mO vel proposta por

WILBURG/CANARIS,

representa um avanco considerivel. Uma ponderacao definitiva

tern, contudo, de ser global; far-se-a, por isso,

oportunamente

( 5 3 0 ) .

(us) Outros institutos vem tratados a proposito das nulidades formats, como, p. ex.,

a

culpa in conirahendo.

Embora ela possa, de facto, acompanh ar os efeitos de contratos

corn yid° formal, nao ha que menciona-la a proposito de inalegabilidades, de que se distingue

conceptualmente.

(

5

")

I n f r a , §

49...

eo

salvo o caso pouco mais do que academic° de ser feita uma

declaraeao conscientemente nula e, como tal, conscientemente nao

negocial — e de admitir tal consciencia, sendo ainda certo que des

so dependem de comportamentos concludentes no negociais se as

normas que determinam a form a e prescrevem, para o seu desrespeito,

a nulidade, lhes impuserem tal natureza. Tudo esta, pois, em saber

ate que ponto as normas referentes a nulidade podem ser contor-

nadas por comportamentos negociais: possa uma interpretacao restri-

tiva abrir as portas, em areas formais, a declarac5es que, nao tendo o s

requisitos de forma exigidos, respeitem contudo o espirito da lei, e as

obrigacoes derivadas do acto assim ressalvado tern natureza nego cial ;

demonstre-se, pelo contririo, a impossibilidade dogmitica de tais

restricoes e apenas obrigacoes legais — por muito semelhantes que

sejam a regulacao falhadamente planeada pelas partes — podem em er-

gir, vivas, da nulidade. A solucao depende, em Ultima anilise, do que

for encontrado em sede de normas referentes a forma e a nulidade.

IV. A anilise das disposicoes legais que prescrevem certas for-

mas e, em caso de inobservancia, a nulidade, dada a linearidade das

proposicoes respectivas, recorre, como 6 sabido, a factores teleo-

lOgicos. Trata-se de indagar o escopo preconizado por tais normas:

estando esse escopo assegurado, a aplicacao dessas normas poderia

ceder, sem incorreccao, a de ou tras regras. Estes raciocinios nao estao

claros na doutrina que os preconiza: hi, pois, que deles dar uma

imagem mais precisa antes de proceder a uma apreciacao. A nao

aplicacao das regras referentes a forma pode derivar da sua limitaeao

imanente pela boa fe ou de reducao teleolOgica. Na primeira hip6-

tese, parte-se da ideia de que as normas juridicas nao comportam

interpretacoes e aplicac6es microcOsmicas: é sempre o Direito,

em conjunto, que se aplica. As regras respeitantes a forma funcio-

nam, assim, em simultaneo, corn todas as restantes que, ao caso, se

(

5 3 1

) Supra, 769.

790

exerc ic io inadm issive l de posioks ju rid icas

§ 29.° A inalegabilidade de nulidades formals

91

possam reportar. Se, aparentemente, nao ha m ais nenhum

a nessas

a

e s e n c

;

da boa fe deve entender-se em termos sensatos. Se, como

q

u e r

GERNHUBER

embora acabe, afinal, por apresentar solucCies diversas

— as norm as que prescrevem formas, associando-lhes, em caso d

otendimento, caso fosse propugnado, representaria uma fO rmula

consistente na defesa de inalegabilidades formais. Levantam-se, porem,

obsticulos.

A

analogia tern limites. Em principio, nao a possivel

a a

plicacao analOgica de normas excepcionais — art. 11.° — nem de

normas integrantes de tipicidades taxativas — art. 1306 .°/1 (

5 3 6

).

Subjacente a essa impossibilidade, nao deve apontar-se uma con-

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e

o c o s

erupcao da boa fe (

5 3 2

). A reducao teleolOgica co nsiste em restrin

gir

Distingue-se da interpretacao restritiva porque esta im plica, qu

an

do

aquela ( 5 3 3

); na reducao teleolOgica, pelo contrario, letra e espirito

da norm a sao restringidos em funcao do seu escopo o u, se se quiser,

das suas razoes justificativas. Com o explica

LARENZ:

a reduca

o

esta para a interpretacao extensiva (

5 3 4

). A hipOtese de uma reduclo

teleolOgica das normas referentes a forma nao tem sido considerada,

apesar de, a partida, ela surgir mais convincente do que a sua

l imitacao imanente pela boa

f e .

Para a co ncretizar, bastaria coligir

os escopos visados pela prescricao de forma, de que se recordam :

a defesa contra precipitacoes das partes, a clareza do contetido, a publi-

cidade e o acautelar da posicao de terceiros. Sempre que tais escopos

estivessem assegurados no caso concreto, a pretensao legal ficaria

satisfeita.

A

forma, so po r si, nao se explicaria; a sua pretericao nao

justificaria, de modo algum, a sane ao radical da nu lidade (

5 3 5 ). Este

( 5 3 2 )

GERNH UBER,

Formicktigkeit and Treu and Glauber:

cit., 161. Explica-se af, designada-

mente, que onde existe

ius s tr ictum

o legislador, no conflito entre equidade e outros valores,

tomou posicio a favor dos tiltimos).

( 5 3 3 )

OLIVEIRA ASCENSAO, O

Direitoz cit . ,

379.

( 5 3 4 )

LARENZ,

Methodenlehre

4

cit., 377. Cf

ENN. iNIPPERDEY,

AllgT

15

(1959) § 59,

II

(347-348 ), falando, por6m, em restr icio.

(535)

Ocorre crit icar aqui as posicoes assumidas por HAsobtAvER,

Die gesetz l iche Form

der Rechtsgeschaf te

cit., 307

maxime,

segundo o qual *a nulidade de negOcios formals por falta

de forma 6 expressio da unidade do negocio juridic° e forma*. De facto, como dia

esse A., o neg6cio juridic° 6 forma —

ob. cit.,

21; mas a form a nib 6, isoladamente tornada,

50-

dos factos, ainda que para meros efeitos expositivos ou, como tal, apresentados, tem

efectivamente influxo na sua substancia, nao se conclui que a via de comunicacio utl

-

lizada — oral, escrito particular, escritura publica

nterfira no contetitio. Ou, se se prefenr

,

junclo

dogmaticista derivada de simples jogo logic°, tecido em torno

do principio da identidade ou da nao contradicao — embora esse

jogo tenha consistencia e nao deva, por isso, ser rejeitado de animo

ligeiro; a analogia pressupoe lacuna e, a nivel de normas excepcionais

ou tipicas, por definicao, nao ha lacunas: uma ausencia eventual de

regulacao 6, automaticamente, um a permissao de agir, fonte, por

exemplo, de licitude no cam po do D ireito penal ou de efeitos juri-

genas obrigacionais, no campo do Direito civil (

5 3 7

). Na mesma linha,

a reducao teleolOgica tern lim ites.

A

reducao opera porque existe

uma falha na regulacio aparentemente plena: urn ponto que, por fora

de razoes justificativas diversas, devia ter merecido urn tratamento

diferente e que foi englobado na norma a reduzir (

5 3 8

). A reducao

impossivel nas regulacZies intrinsecamente plenas, isto

6 ,

nas areas

onde o legislador, de mo do declarado, desistindo de tratar o igual,

a ch. *forma legal* das declaracoes nio 6 verdadeira forma negocial mas, do s6, via de

exteriorizacio. Duas condusOes: o mesmo neg6cio pode revestir vir ias formas, sem prejufzo

da regulacio que estabeleca — p. ex., o testament° — e a sancio para o vicio na forma nao

necessariamente, a nulidade — p. ex., as invalidades mistas dos arrendamentos. Uma pretensa

unidade entre forma e negocio nao implica, so por si, a inadmissibilidade de limitacoes, como

como pretende

HASEMEY ER,

Die gesealiche Form der Rechtsgeschafte

cit., 294; tal inadmissibilidade,

a ocorrer, deriva do regime ex trinseco atr ibuido a forma e nao de urn inex istente potential

intrfnseco delta.

( 5 3 6)

OLIVEIRA ASCENSAO,

A t ipicidade dos direitos reais

cit., 58

(537)

Por isso, os actos celebrados em contravencio a tipicidade dos direitos reais sio,

legalmente, convertidos em actos obrigacionais. A concepcio, aqui perfilhada, quanto

Impossibilidade de lacunas — e portanto de analogia — nas areas onde, por imposicao da lei,

imperem regimes de tipicidade taxativa foi defendida em

MENEZES CORDEIRO,

Da

constituicdo

fiscal,

(1977, dact.) e em

D. Reais cit., 1, 462 ss.. A sua extend

° a norm as excepcionais

nio oferece chividas.

(

53 5

) A reduclo teleologica pode, por isso, ser usada na determinacao de lacunas ocultas;

c f .

CANARIS,

Die Feststellung von Liicken im Gesetx

(1964), 82 ss. (83-84); como explica

C A N A z u s ,

Feststellung von Likken

cit., 87, a reducio teleologica aparece associada intimamente

a analogia, uma vez qu e a norma de aplicacio analogica perm ite detectar a necessidade de

reducbo e, em sim ultineo, soluciona a lacuna oculta. Por maioria de ratio, pode associar-se

a reduclo teleolOgica a aplicacio directa de outras normas.

793

0 exercicio inadmisstvel de posicaes jurtdicas

igual e o diferente, diferente, de acordo com a medida da dif

e

_

renca, impOs uma saida uniforme. Ou, se se quiser manter o pri-

mado da teleologia: a finalidade do legislador ao instituir a forma

em

a nulidade, nao a prosseguir os valores de reflexao, seguranca e publi-

cidade atribuidos ao formalismo clissico no d ireito

(

539

). Esses factores

traduzem apenas elementos de politica legislativa, que o legislad

bS

29.° A inalegabilidade de nulidades formals

gracao jurisprudencial, o problema teria, provavelmente, sido classi-

ficado impossivel, pela doutrina

(

540

).

Deve considerar-se como adquirido que, na alegaclo, por parte

do

c

o-contratante ou de terceiro, de uma nulidade formal, nao ha

exercicio de direito nem de posicaso juridica similar

(

541

):

o facto de

ta

l nulidade ser constatavel, de oficio, pelo tribunal, demonstra,

insofismavelmente, o haver, nela, uma situacao externa indisponivel,

792

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or

neste ou naquele caso. A finalidade do legislador foi, simplesmente,

igualizar, sob a forma, todas as declaracoes negociais atinentes a

certos sectores e uniformizar, sob a nulidade, todas as violacOes a

regra anterior. A reducao teleolOgica de normas deste jaez equivale

a violacao do seu escopo. Como tal,

é

impossivel.

A aplicacao dos arts. 220.° e 286.°, bem como de todos

aqueles que, corn primado para o art. 875.°, prescrevam forma

s

V. 0 problema das inalegabilidades de vicios formais carece

de uma revisao de conjunto. 0 desenvolvimento anterior demonstra

uma situacao de aprofundar periferico ainda muito incipiente: certos

casos de inalegabilidades ou determinados aspectos da questa°

encontram-se estudados, sem que as solucoes preconizadas num local

possam, sem mais, aplicar-se noutros. Nio fora a sua efectiva consa-

(539) HAsEritEvER,

Die gesetzliche Form der Rechtsgeschiffte

cit . , 166 e 167, embora para

efeitos nao coincidentes corn. os que figuram no texto, entende que os escopos das prescricoes

sobre forma n ab s5o relevantes. Contra, manifesta-se

K.-H.

BERNARD,

Formbedinft ige Rechts -

ge s c h a f te / h i h a lt s e r mi t tl ung , Wang m i d F as s ung de r U r kunde ne r k l e ir ung

(1979), 34; explica al,

designadamente, que as disposicoes references a forma precisain, como quaisquer outras, de

ser interpretadas e, para isso, a ponderacio do escopo a imprescindivel . Apenas entende os

escopos das prescricaes de forma c omo irrelevantes, quando se trate de apreciar a v al idade

de mu negocio que nao assuma a forma por de determinada —

K.-H.

BERNARD

Formbediirftige

Rechtsgeschajie

cit., 48. E

 

preciso, de facto, distinguir. Quando se tram de ponderar a

interpretaclo das disposicoes legais que cot/linen, formas especificas para negOcios determinados,

cm especial pars verificar o ambito de aplicacao, o escopo da forma 6 um elemento relevante,

como m anda, al ias, o Codigo portugues — art. 221. °. Uma coisa 6, porem, uti l izar o escopo

da prescricio de forma para ver se certos actos s5o ou nib abrangidos e outra

6,

depois

de se ter concluido pela inclusio de actos no am bito formal, ressalvar , em nome da obtencio,

por outra via que nib a da forma legal, dos escopos prosseguidos pela prescricao de

forma, actos com vicio formal. As prescricoes de forma sic) plenas: essa plenitude so se

revela depois de concluida a aplicabil idade das normas que co ntenham.

que transcende conjunceies subjectivas. Acresce ainda, como foi

visto, que as normas implicadas tern natureza plena, insusceptivel

de reduclo teleolOgica. Esta realidade nao deve permitir, contudo,

urn rejeitar apressado das regras atinentes ao exercicio inadmissivel

de direitos, por contrariedade a boa fe, embora obrigue a sua

r

ecol

s

uba

iaclo

;

nte a nulidade havers sempre uma ou mais situacOes

jussubjectivas que, perante tal nulidade, se mantem. Na venda nula,

por exemplo, conserva-se o direito de propriedade do vendedor.

Esta situacao jussubjectiva

é

de exercicio voluntario e, como tal,

sujeita-se a certas regras. 0 dever de officio do juiz nao vai ao ponto

de, por este, substituir a liberdade de actuacao; mas compete-lhe

averiguar se essa liberdade nao a usada por forma a ultrapassar os

limites que o Direito objectivo the comete

(

542

). A posicao subjectiva

initial, presente porque ha nulidade, nao pode ser mais absoluta

do que qualquer outra situacao comum. Por isso, como todas, ela

nao pode ser exercida de modo inadmissivel, ou seja, pelo esquema

do art. 334.°, ela nao deve ser actuada, manifestamente, contra

a boa fe, os bons costumes ou o fim social ou economic° que, ela

(

940

) Explica-se, assim, as dificuldades sentidas pela tematica das inalegabilidades de

vIcios formais na sua expansbo; na pritica, esti circunscrita a Alemanha e a Suica: p. ex.:

Comm,

Form and Bi l l igke i t im modernen Privatrech t ,

40 ss. (45); quanto ao tratamento do pro-

blema da dou tr ina suica, muito aquern do alemio, /vim/Berner

Ko m m

cit., Art. 2, n.° 462-510

(346-361).

(541)

Existe, apenas, o ch. direi to de accio judicial ou, corn exa cticl io maior , a possi-

bilidade de colocacio judicial do problema; esta, sendo generalizada, permite exprimir,

dentro de uma l inha de interaccio funcional entre processo e Direi to material — cf .

TEIXEIRA

DE SOUSA, 0

objecto da sentence; e o casojulgado mater ial (0 es tudo sobre a funcionalidade processual) ,

BMJ 325 (1983), 49-230

(maxime,

216) e

Sobre a teoria do processo dec larat ivo

(1980), 123 ss.

— a supra-jussubjectivacio da realidade subjectiva.

(

942

) Assim, quando o art. 243.°/1 impede o arguir da simulacio, pelo simulador,

contra terceiro de boa fe, visa tutelar o direito deste ou, se se quiser, impedir o exercicio

do direito material do simulador por forma a prejudicar o terceiro em causa, nos termos ja

analisados.

-

796

exercido inachnissivel de posifiies juridicas

contriria a regras juridicas, incluindo a prOpria boa fe, altura em que

ocorre a cu/pa in

contrahendo,

podem, corn facilidade, constituir-

s e

cao — tomaria corpo aquando da alegacao da nulidade, ou do seu

proprio reconhecimento, por officio, pelo tribunal. Tern, entao,

cabimento o arbitrar de uma indemnizacao em especie — art. 562.•

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a situacao do direito

exercido durante urn

S

por,

e-lo or de outra

que, nao tendo sido,

determinado lapso de

forma, se contrariar

e 566../1, a contrario —

que, procurando recon stituir a situacao a qu e

se teria chegado se nao tivesse havido prevaricacao, corresponda,

materialmente, ao cumprimento do contrato nulo, mediante a contra-

prestacao acordada, devida agora a titulo de compensacao necessiria

para evitar enriquecimentos indevidos. Em termos de m era descricao,

pode afirmar-se que, con statando a iniquidade da oco rrencia, o tri-

bunal, embora adstrito as regras plenas da nulidade, tem a possi-

bilidade de, a titulo indemnizatorio, determinar o acatamento do

contrato. As obrigagoes dai derivadas tem, no entanto, origem

na situacao de responsabilidade civil e nao no contrato viciado,

assumindo, por isso, natureza legal. 0 seu regime, no qu e nao tenha

sido inflectido pela sentenca condenatOria, pauta-se pelo do contrato

fracassado, pois essa é a m edida exacta do dano a ressarcir. Tudo

isto pressupoe como assente a assercao, ji demonstrada, de que,

perante conjunturas danosas contratuais, hi, pelo Direito portugues,

que considerar todo o dano provocado e nao, apenas, o chamado

interesse negativo, relegado para a HistOria do D ireito.

A solucao alternativa aqui preconizada para as clissicas inalega-

bilidades formais deve ler-se dentro de um esquema geral que,

aflorando na

culpa in contrahendo

e noutros institutos, como as pro-

prias conversao e reducao dos negO cios, traduz a actualidade do

combate contra o formalismo, num a linha de que quaisquer injusticas

— para o caso, danos ilicitos — tern sempre solucao de Direito, den-

tro ou fora do sistema legal estrito.

§ ,

30.°

A «SUPPRESSIOD E A «SURRECTIO*

74. A «suppressio»;

evolucao jurisprudencial; colocacio dou-

trinaria

I. Diz-se

suppressio

em certas circunstancias,

tempo, nao possa mais

a boa fe.

Pretende introduzir-se o termo

suppressio

para exprimir a

Verwirkung.

Na dou trina portuguesa ji foram utilizados, corn esse efeito, os termos

caducidade (

5 4 5

) e exercicio inadmissivel do direito (

5 4 6

). Mas sem razio:

«caducidade* é a extinclo de um a posicio juridica por decurso de um

prazo a que esteja sujeita e que, nada tendo a ver corn a boa fe,

goza de regime explicito — art. 328 .° ss.; «exercicio inadmissivel do

direito* 6 a expresso consagrada para, no dominio da doutrina da segunda

codificaclo, designar o que em F ranca se diz de «abuso do direito*, embora

em termos mais amplos. Poderiam ser feitas outras tentativas: «decaden-

ciax, «inibicao*, «paralisacao*, precluslo* ou «perda•. Porem, a «decadencia*

6 usada por

AA.

brasileiros com o sentido de caducidade (

5 4 7

), a «inibicIo*

(

3 43

) VAz Sena,

Abuso do direi to ci t . ,

331, que reconhece, alias, a inconveniencia de

tal traducio e

MANUEL DE ANDRADE,

Algumas quest5es ern materia de injsirias graves cit.,

74

3

, quo

constata, tambern, a impropriedade dos termos oparalisacio*, eperda* e oprecluslon cf.

CUNHA

DE

S A ,

Abuso do direito cit.,

65 48

. A expressio gcaducidado surge ainda

na trad. port. cit. de

WIEACRER,

His t . D .

Pr.

Moderno,

596-597, com o sentido de

Verwirkung,

sendo ainda, corn essa

mesma finalidade, usada por CAsTAmmitA

NEVES,

Licaes de introducio ao escudo do D irei to

(1968.69, polic.), 157

20 3

.

(546)

CuNkrA

DE Si,

Abuso do direito cit.,

65.

(547)

tambitn esse o sentido que .ciecadencia• tern no direito italiano; cf. art. 2964-

-2969 do Cod. it.. Apesar disso, a

Vertvirkung

surge, em livros de d outrina italianos, expressa

como

decadenza,

o que nao a correcto.

NABHOLZ,

Verjohrung and Verwirkung als Rechts-

untergangspinde i t folge Z eitablaqfs

(1961), suico, n5o

obstante ser citado na doutrina a

propOsito da

Verwirkung em sentido pr6prio, utiliza o termo como caducidade —

ob. cit.,

72

— e considera-a equivalente a

decadenza

italiana, congratulando-se por, a esta, o C6d. it.. ter

52

798

exercicio inadm iss ivel. de posicOes jur idicas

implica um a ideia de nao possibilidade transitoria de exercicio, tendo

conotagOes tecnicas corn sectores espedficos, como ocorre corn a inibica

o

ou a inibicao do direito de conduzir, p. ex. (

5 4 8

), a o paralisagi

o

,

associa-se ao funcionar de um a excepcio de D ireito material, podend

o

emergente do decurso do prazo ou a outros efeitos igualmente impediti-

.§ 30.° A <

suppressio*

e a ssurrec t ios

99

1Zeichsoberhandelsgericht.

A

questa()

e

squematiza-se desta forma: os

§

§ 346 ss. HGB, na

versao em vigor na altura, permitiam ao

vendedor na compra e venda comercial, havendo mora do comprador

no levantamento da coisa, a sua venda de oficio, atribuindo-lhe,

ainda, uma pretensao pela diferenca do preco (

5 5 0

). A lei nao

fixava, porem, urn prazo para o exercicio destas faculdades. Podia,

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vos, mas sempre determinados e a operda«, para alem de ji ter um

sentido tecnico especifico nos direitos reais (

54 9

), equivale a extincao,

seja ela qual for, de urn direito. 0 recurso a expressties compostas

levaria a introducao de qualquer coisa como «ex tincao de um direito

por exercicio tardio contrario a boa fen o que, sendo incomodo, postula-

ria de imediato o tratar-se de extincao, o qu e nao a certo.

Para o progresso de uma Ciencia, ha que, a realidades autanomas,

atribuir expressoes proprias e a conceitos novos, nominacoes novas, sem

confusao corn factores ji existentes. Fique, pois, aguardado melhor,

uma traducao latina de

Verwirkung,

nao comprometida: a

suppressio.

IL A

suppressio

tern origem jurisprudential. As suas manifes-

tacoes mais antigas deram-se no dominio da venda de did() corner-

cial, a favor do comprador, ficando consignadas em decisoes do entio

dado tratamento expresso nos arts. 2964-2969 —

oh. cit.,

55. A doutrina suica conhece bem,

no entanto, a diferenca, ficil alias, entre as duas figuras. Cf. MERz/Berner

Komm

cit.,

Art. 2, n.° 513 (362). Note-se, contudo, que antes, tambem na Suica, BL UM ENSTEIN,

Verwirkung and Ablauf der Befris tung als Endigungsgriinde von Privatrechten nach modernen

Gesetzen

(1901), tentara firmar, para a

Verwirkung,

urn sentido tecnico preciso que, desta feita,

nada teria, sequer, a ver corn o decurso do tempo, directamente. A

Verwirkung

seria, para

BL UMENSTEIN,

a perda de urn direito associada, pela lei, a determinados comportamentos do

seu titular —

Verwirkung,

cit., 6 — distinta do mero decurso do prazo

— idem,

76.

CAS-

TANHEIRA NEVES,

Questsio-de-facto

cit., 289

3 3

, di, da

Verwirkung,

que nio traduz, uma definiclo

semelhante a esta; n

-

ao indica, porem, as suas fontes. Em livros franceses aparece, tambern,

o termo

dicheance,

como form ula para traduzir o al.

Verwirkung.

(

5 48

) Tendo, nos dois 61timos exem plos, conotacoes punitivas estranhas d

suppressio.

M. DE ANDRADE,

Algumas ques tde s em ma t i r ia de in ja r ia s g raves c it . ,

74

3

, afirma que, na

Verwirkung,

o titular do direito coma-se como que indigno de o exercer, o que se poderia ligar

a

ideia da inibi43o

 

tanto mais que o termo

Verwirkung

surgia, nos antigos §§ 1676 e

1679 do BG B, hoje revogados, corn ease sentido, que nada tern a ver corn a

Verwirkung

na boa

fe;

cf.

KRUCK/vIA NN,

Verwirkung, Besi tzstand, getarnte Au sschulssfrist, Unzluassigkei t der

Rechtsausiibung,

ZHR 104 (193 7), 106-156 (10 7), que estabelece, ainda, a ligacio corn a indigni-

dade sucessoria, § 2333 BG B e

WIPPERMANN,

Die Verwirkung, ein neuer Rechtsbe gri f f

(1934),

2 ss.. 0 proprio M.

DE ANDRADE,

ob. e lot. cit. ,

acaba por utilizar o termo

« p a r a l i s a c i c o ,

que nao se acolhe pelas razaes abaixo apontadas, no texto.

( 3 43

) Significa, al, a saida fortuita de uma coisa do poder material de uma pessoa, tendo,

como consequencia, a extinclo da posse — art. 1267. °/1,

b) —

e a possibilidade de achamento

— art. 1323.°;

cf.

MENEZES CORDEIRO,

D. Reais

cit., 2, 699 e 777.

pois, acontecer que o vendedor, dand o a impressao de se ter desinte-

ressado do contrato viesse, mais tarde, inesperadamente, a actuar as

suas

pretensoes,

de mod o ruinoso para o comprador. Entendeu-se,

bete,

haver ai, em certas circunstancias, uma demora desleal no

exercicio do direito, contraria a boa

fe.

Uma primeira decisio do ROHG, de 8-Abr.-1873, que represents

um caso claro de

suppressio,

nao se reporta, no entanto, ao tema das

vendas de oficio. Discutia-se a situaclo emergente dos factos seguintes:

num con trato de fornecimento, o com prador queixa-se de ma qualidade

do produto: o vendedor envia-lhe um a carta pedindo provas concretas

dos defeitos alegados e afirmando que, ate ter uma resposta, suspendia

os fornecimentos; o comprador no responde; dois anos volvidos,

exige o cumprimento do contrato, nos termos acordados; o ROHG

decidiu que sum tal procedimento a totalmente inconciliavel corn a

boa fe, tal como a requerida no trafego comercial* (

5 5 1

) .

Em R OHG 10-Iun.-1876 decidiu-se perante estes factos: a A. tinha

vendido ao R . urn certo ntimero de acceies, que este nao levantara;

a A. vende-as de oficio e accion a o R. pela diferenca; o tribunal, corn

transito em julgado, recusa a accao por se demon strar que o R. nao

estava, afinal, ainda, em m ora; dois anos volvidos, o A. adquire o

mesm o mim ero e tipo de accoes e, sem sucesso, pede ao R. que as

levante; vende-as, end°, de oficio e acciona-o pela diferenca em

relacio ao prep acordado no contrato inicial. 0 ROHG constata a

ausencia de prazo legal para o exercicio da posicao juridica

em

jogo;

mas acrescenta: «Pode, contudo, existir urn

tal

limite [temporal] atraves

da

consideracao pela bona fides e pela natureza das coisas, o que se verifica

neste caso (

5 5 2

) .

E em ROGH 20-Out.-1877: num contrato de fornecimento,

o A. vende de oficio a mercadoria e acciona o R. comprador pela

( 59

Dispoem, actualmente, os §§ 373-374 HGB; a v enda de (Akio requer, pars alem da

mora do comprador, que se trate de coisas insusceptiveis de dep6sito, que se proceda a licitacio

pablica

e

que esta tenha lugar no sitio do cumprimento —

c e s s r . . u 3 / c A b r A r u s ,

Handel sR

19

(1980), 180-181;

BAUMBACH/DUDEN/HOPT, HGB

24

(1980), § 374, n.° 7-8 (762-766); Wihum.r-

GER /Roraima

/Grosskomm

HG B

3

(1970), §§ 373-374, n.° 40-61 (303-310);

SCHLEGEIBERGER,

HGB

4

(1965), n.° 20-39 e 39 ss. (2042-2048).

(

5 3

9 ROHG 8-A br.-1873, ROHGE 9 (1873), 406-413 (412; cf. , tamb6m 413).

,

552

,

ROHG

10

-

Jun.-

1876,

ROGHE 20 (1877), 335-339 (335 e 33 6).

800

exercicio inadmissivel de posicaes juridicas

diferenca de preps; perde a accao corn transit° em julgado; Um

ano

olvido, o

A.

acciona de novo, o R., desta feita para cumprimento do

contrato; o

ROHG

acentuou que a pretensao de cumprimento do A

emergira, em principio, intacta da primeira accao, perdida apenas por na

o

 

verificarem os pressupostos respectivos; simplesmente, o atraso regis-

tado no seu exercicio prejudica-a em definitivo; o exercicio de urn d ireito.

contratual spode ser limitado no tempo, quan do em tal limite derive d

a

e

§ 30.° A Qsuppressio e

a «surrectim>

01

ela apareceria repetidamente numa serie de institutor singulares, como o

acham ento e a usucapiao. A analise das primeiras deciseies judiciais que

marcara.m a

suppressio

nao revela, porem, tacos culturais e, muito menos,

dogmaticos, coin institutes germanicos antigos; ela surge, pelo con-

tririo, como esquema novo destinado a cnfrentar problemas novos.

Os niveis justificativos verbais, que comportam, remontatn a tradicao

r

o m a n i s t i c a ,

o que

é,

alias, demonstrado pelo recurso a

bona f ides.

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e da natureza das coisas, sempre que o exerci

c

i

o

tificada para a outra partea (

55 3 ) .

Como se calcula, todos estes casos tem em comum alteragoes

substanciais no valor das m ercadorias, que tornavam os pregos acordados,

nos contratos iniciais, ruinosos para os vendedores, no primeiro caso,

e

A orientaclo do ROHG foi confirmada em varies decisoes do

RG

(

55 4

). Alguma doutrina da decada de trinta, na sequencia, em

especial, de

ENDEMANN

( 55 5

) e de

KRAUSE

( 55 6

) pretendeu reportar a

suppressio

ao velho instituto medieval alemao da

Verschweigung

(557)

Pela

Verschweigung —

poder-se-ia dizer ssilenciamento* — quern, perante

o estorvar do seu direito, se calasse durante ano e dia, deveria calar-se

para sempre

(

55 8

); embora esta proposicao nao constituisse regra

g e r a l ,

( 553 )

ROHG 20-Out.-1877, ROHGE 23 (1878), 83-87 (83 e 85).

( 554)

Assim, em RG 8-Nov.-1893, RGZ 32 (1894), 61-65 (62 e 64), entendeu-se ser

inadmissivel uma demora desleal no exercfcio da faculdade de vender de officio, nomeadamente

quando o preco da mercadoria tivesse, entretanto, descido em terinos consideraveis. Decisio

semelhante, corn referencia a

bona fides,

foi tomada em RG 11-Dez.-1895, RGZ 36 (1895),

83-89 (88). Algumas das decisoes acima refer idas vem tratadas em OTTO-WO LFGA NG FISCHER ,

Die dogmatischen Grundlagen der Verwirkung

(1936), 3, ens 'CAR/MANTAS,

Die Verwirkung / EM

Bei trag zur Lehre von den zei t l ichen Schranken der Ausi ibung d er subjektiven Rechte

(1938), 16

— K. considera ROHG 10-Jun.-1876, ROHGE 20 (1877), 336, como a primeira consagracao

da

suppressio,

o que nao é exacto — em POTOTZRY,

Die Verwirkung irn Patentrecht

(1933), 15,

em HELMUT SCHMIDT,

Die Rechtsnatur der Verwirkung

I

Eine kri t i sche Utnersuchung zur Lehre

missbniuchlicher Rechtsausiibung nach heutigen Recht

(1938), 14, em WIPPERMANN,

Die Verwirkung

cit., 5-6 — foca a natureza de criacio jurisprudencial da

suppressio,

embora s6 mention

decisOes do RG e em R. GEIGEL,

Die Verwirkung von Rechtet t durch N ichtausi ibung (Eine

rechtsvergleichende Utnersuchung)

(1938), 14-15.

( 555)

ENDEMANN,

Die

V e r s c h t v e i g e r u n g

des Aufwertungsanspruchs,

DJZ 1928, 693-696

(694), citando o

Sachsenspiegel,

( 556)

HERMANN KRAUSE,

Schweigen

ins Rechtsverkehr Beitrage zur Lehre vom BestsIti -

gungsschreiben, von der Vol lmacht and von der Verwirkung

(1933), 171 ss. (171).

( 5 9

Assim,

OVEREECK,

Verwirkung irn gel tenden Recht

(1934), 34-35 e WIPPERMAN,

Verwirkung

cit., 4; ao sabor da epoca, esta conexao ligava-sea proclamada

necessidade

de

firmar um Direito verdadeiramente alemao, o qual teria sido submerso pelo Direito roman°

da recepcao OVERBECR,

Die Verwirkung

cit., 13.

(

55 8

) KRAUSE,

Schweigen in Rechtsverkehr

cit., 171; OVERBECX,

Verwirkung ci t . , .

34 ;

WIPPERMANN,

Verwirkung

cit., 4. Contra a aplicacio do osilenciamento»

I suppressio,

p. ex. ,

T S C H I S C H G A L E ,

Verwirkung

cit., 44.

III.

Foram, no cntanto, as

perturbac5es econOmicas causadas

pe

la primeira grande guerra e, sobretudo, pela infiacao, que levaram

a

c

onsagracio dogm itica definitive da

suppressio.

No primeiro caso,

registaram-se alteraceies imprevisiveis nos precos de certas mercadorias,

ou dificuldades acrescidas na realizacao de determinados forneci-

mentos

(

55 9

). Em consequencia dessas alteraciies, o exercicio retardado

de alguns d ireitos levava a

situac5es

de desequilibrio inadmissivel

entre as partes

(

5 6 0

). 0 segundo, atraves do chamado direito da

valorizacao monetiria, marcaria, pelas aplicacoes permitidas a

suppres -

sio,

a sua consagracao definitiva

( 56 1

).

A revalorizacao mo netiria conta-se entre os avancos mais signi-

ficativos proporcionados pela boa fe a C iencia do Direito

( 5 6 2

). Na

sua base esta a superacao, por raloes sociais imperiosas, do principio

nominalista, fixado por lei, atraves da pura accao jurisprudencial.

Adm itindo a possibilidade de revalorizacao monetiria, por forca da

inflacao, o RG protege, no essential, a posicao do credor. A

suppressio

vai funcionar como contrapeso dessa proteccao, assegurando, desta

feita, o interesse do devedor

( 5 6 3

):

a boa fe requer, pela equivalencia

das prestacoes e pelo equilibrio das

situac5es

das partes, que se proceda

a reajustamentos destinados a compensar a depreciacao mo netiria;

( 55 6

) Assim em RG 2-Mai.-1919, RGZ 95 (1919), 307-310 (310), dccidiu-se, designada-

mente, corn referencia a boa fe, que o direito extinto por outras vias nao mais poderia

funcionar gse atraves da demora, a situacao economics do devedor se tivesse alterado de modo

tao desfavorivel que o cumprimento a. distancia nao possa ser mais exigido".

( 560 )

Sobre as relacoes emergentes da guerra e a

suppressio,

corn outras indicaceies,

K A R A X A N T A S ,

Verwirkung

cit., 17-18.

( 561)

O.-W. FISCHER,

Verwirkung

cit., 5; H. SCHMIDT, lierWirkting cit., 15; WIPPERMANN,

Verwirkung ci t ., 7; MX0tE, Die Verwirkung

(1935), 14; cf.

WEBER,

Treu m id G lauber ; c i t . ,

D

562 (901); SOERGEL/SIEBERT/KNOPP, BGB

10 , § 242, n.° 286 (82);

TSCHISCHGALE, Verwirkung

Ot.,

7  

L A R E N Z ,

Vertrag und Unrecht, I — Vertrag und Vertragsbruch

(1936), 142-143.

( 562)

RG 28-Nov.-1923, RG 107 (1924), 78-94 = JW1924, 38-43 = DJZ 1924,

58-65. Cf.

Mfra,

n.° 95.

( 563 )

S I E B E R T ,

Verwirkung und

Unzuhissigken

der Rechtsausiibung

cit., 221 ss.; Mk

R E ,

Verwirkun

g cit., 20 ss..

802

exercicio inadmissivel de poskdes juridicas

a mesma boa

fe

exige que as pretensoes de reajustamento, quand

o

b a r n s e j a m e x e r c i d a s n u m p r a z o r a z o i v e l s e m o q u e a t i n g i r i

mon tantes corn que o devedor nao poderia contar

(

564

). Da extensa

jurisprudencia sobre a

suppressio

no direito de revalorizacl

o

(565)

deve salientar-se a preocupacao do juiz em ponderar os interesses'

das duas partes em termos de equilibrio

(

566

) e em apurar

0

30.° A

ouppressio e a scsurrectio

03

Tao (570), ao Processo

(575

) e ao Direito public°

(572

). No entanto,

cl

o v

e

s

ublinhar-se que, apesar de uma aplicabilidade tendencial-

( 2 3 2 4

),

exp5e que a inseguranca limitou

a suppressio

ao Direito da revalorizacio, ao Direito

tra

balho e ao Direito da concorrencia; contra o que se teria m anifestado a doutrina

2325. Justificando, face a tendencias restritivas anteriores, uma aplicacao geral da

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efeito que, nesse equilibrio, tern o decurso do tempo

(

567

).

IV. 0 Ambito da

suppressio

levantou dtividas, num mom ento

initial

(568

). A sua aplicacao em areas especificas do Direito do

comercio, onde a lei omitira a consignacao de prazos especificos,

requeridos pelas conjuncaes de interesses of verificadas ou no dot/If-

ni° da revalorizacao, ela propria uma concretizacao jurisprudencia)

da boa

fe,

estava, de algum m odo, facilitada. Nao assim no utros

sectores juridicos onde a

suppressio

teria de concorrer com forma

s

caducidade e a prescricao. Progressivamente, acompanhando, alias,

o alargar sofrido pela boa fe, a

suppressio

estendeu-se a outros ramos

do Direito; num primeiro tempo, apenas ao Direito da concorrencia

e do trabalho

(569

); depois, aos diversos sectores do Direito pri-

(564)

RG 9-Dez.-1927, RGZ 119 (1928), 231-237 (235) = JW 1928, 488-492 (491),

corn an.

STO LL,

488-491, que aproveita o ensejo para tracar o quadro das situac8es em que a

revalorizacio E rejeitada.

( 5 65 )

MUGEL,

Die Redasprechung des Reichsgerichts fiber die Verwirkung von Aufwertungsan-

spriichen, JW

1930, 1042-1049 (1042).

(566)

RG 11-Jan.-1928, RGZ 118 (1928), 375-378 (377-378) = JW 1928, 650-651 (651).

(567)

RG 26-Nov.-1931, RGZ 134 (1932), 357-359 (358).

( 5 68)

KUCH ENH O FF,

Rechtsverwirkung ausserhalb des Aufivertungsrecht,

DJZ 1930, 1194-

-1196 (1194), afirmando que, se no Direito da revalorizacio,

a suppressio

ji fora reconhecida,

existiriam ainda dtividas fora desse ambito, onde imperaria a prescricao;

KUCH ENH O FF

discorda

de tais drividas, explicando que a regra da boa

fe

6 geral e nao especial.

TEGTMEY ER,

Der

Geltungsbereich des Verwirkungsgedankens,

AcP 142 (1936), 203-232 (203), afirma que, pars as

posiciies restritivas, de qu e, igualmente, discorda,

a suppressio

justificar-se-ia apenas em areas

especfficas, como a da revalorizacio, prO prias, tao so, de epocas corn predornfnio de inse-

guranca economics.

( 5 69 )

WEBER,

Treu und Glauben cit.,

D 562 (901). M Acxs,

Die Verwirkung cit., moxime

48, defende

a suppressio

como urn instituto especifico do Direito de revalorizacio e da concor-

rencia, negando, nomeadamente, a sua extensao ao Direito do trabalho; baseia-se, para tanto,

no estado da jurisprudencia ao tempo em que escreveu (1934). A

suppressio fora tratada, no

ano anterior, no D ireito das patentes, por

P O T O T Z K Y ,

Die Verwirkung im Patentrecht

cit.,

integrado, pelo A., nas regras do Direito da concorrencia —

ob. cit.,

29 ss..

LETZGIM

Ausdehnung oder Einschrankung des Verwirkung von Leistungsanspnichen?

DR 1941, 2324-232

6

o b .

di.,

s

„ p

r

us

io , RG 10-D ez.-1938, RGZ 159 (1939) , 99-108 (105) .

( 5 7 0 )

TEGTMEY ER,

Der Geltungsbereich des Verwirkungsgedankens

cit., 231,

maxime;

da

mu m

eracio of feita, fica dara, porem, a maior aplicario da

s u p p r e s s i o

aos sectores economica-

te mais movimentados. GErso.,

Die Verwirkung

cit. , 72-73, que explica a expansio da

figu

ra pelo dinamismo da b oa fe, que dominaria toda a vida juddica, sublinha serem os

sectores do Direito da valorizacio, do Direito do trabalho e do Direito da concorrencia

apenas zonas de aplicacio mais frequente, mas

1 1 1 0

exdusiva. A doutrina da decada de

auto, na sequencia, sobretudo, de

SIEBERT,

Verwirkung und Unzulassigkeit der Rechtsausiibung

cit.,

que, dando a

s u p p r e s s i o

uma fundam entacio te6rica geral, facultou uma difusio ficil,

vas ampliando o seu domfnio de aplicacbo, embora sem deixar de vincar a sua maior incidencia

nos tres sectores acima apontados; assim, Kastsxstrrss,

Verwirkung

cit., 18-21 e H.

SCHNUDT,

V e r w i r k u n g

cit., 20 ss., sublinhando, como zonas mais significativas, o Direito das marcas,

o Direito das patentes e o Direito dos modelos.

(571)

Embora conhecida hi muito pela jurisprudencia,

a supp ressio,

no Processo

civil, foi objecto de investigacao tardia; o primeiro estudo de conjunto 61he dedicado por

BAIJNIGKRTEL,

Die Verwirkung prozessualer Befugnisse im Bereich der ZPO und des FGG ,

ZZP 67 (1954), 423-451; cf ., of 423-424 e 424

10

.

ALFRED

Roots/THAL,

Vorschldge zum Problem

der Verwirkung des Klagenrechts,

LZ 1932, 581-586 (5 81-582), apesar do tftulo que deu ao seu

artigo, trata a questa° pelos seus aspectos materiais. A

suppressio

em Processo foi, curiosamente,

elaborada primeiro no dominio do Processo penal. Na sua base, coloca-se a dedsio do BGH,

7-Jun.-1951, BGHSt 1 (1951), 284-286; ocorrera o seguinte: no decurso de certo processo do

foro criminal, fora omitida, de modo indevido, a convocaclo de urn defensor para a audicbo

de um perito; com base nisso,

0

R. tenta o recurso de revista; decidiu-se, porem, qu e o R. ace-

deu, desde o infcio, ao relat6rio do perito, tendo podido contrarii-lo; nal° o fazendo, no

decurso do processo, mais nio o poderia fazer, apesar da tempestividade do recurso. Cornea-

tando a

decisio,

JESCHECS,

Die Verwirkung von Verfahrensriigen im Strafprozess,

JZ 1952,

400-40 3 (40 2), mostra-se limitativo, escrevendo: (0 preceito da observancia da boa fe no

processo conduz a inadmissibilidade de revisio por falhas processuais quando, excepcionalmente,

se determine que o recorrente provocou, pela sua prepria actuacio, a falha form al, corn a

mteacio de, mais tarde, basear nisso o recurso. Urn dever de colaboracio a prop6sito da

manutencio dos preceitos processuais atraves do tribunal Lilo respeita, porem, nem ao R. nem

ao seu defensora. Cf., ainda, a noticia de

WERNER

NrEsE,

Die Rechtsprechung des Bundes-

gerichtshofs in Strafsachen,

JZ 1953, 219-224 (221) e o artigo de

WOLFF,

Verwirken der

Verfahrensriige durch den Angeklagten,

NJW 1953, 1656-1658. Mas no Direito portugues, e dada

a existencia de todi uma teia rigida, de prazos processuais, dobrada por urn prazo supletivo

geral — art. 153.° CPC — nao a de introduzir a ideia de

s u p p r e s s i o

processual: os poderes das

partes vac, sendo precludidos ao longo do processo e o recurso a sempre via ind icada para

apreciar irregularidades do tribunal.

(572)

0 alargamento da boa fe ao Direito ptIblico — cf.

supra,

373 ss.; recorde-se, p. ex.,

W.

KNIEPER,

Treu und Glauben int'Verwaltungrecht

cit. (1933), 29 — implicaria a transferencia,

mente global

(

573), a

suppress io

e

sign'

econOmico especial como o Direito

do-se, ai, ainda, nas marcas

(

575

) e

ifi

ativa em zonas de dinamism

o

574),

acentuan-

nas patentes

(576),

em sectores

804

exercicio inadrnissivel de posifiks juridicas •

§ 3 0 . ° A k t suppre ss i o * e a «surre c t i o *

05

para o ambito deste, da problematica conhecida por 4abuso do direito0 - p. ex., K. S

Treu und Glauben ins of fentl ichen Recht

cit., (1977), 315 ss. - corn inclusio da

suppressio

Treu und Glauben

cit., D 741 (948). A transferencia foi, alias

 

facilitada pela relevancia

de

transicao, como o Direito autoral

(

577

), em areas juridicas de

sensibilidade social bastante acentuada, como na locacio

(

578

) e em

s

ectores de relacionamento dificil, como nos contactos corn a antes

chamada Z ona de O cupaclo Soviet ica

(

579

) ou nas relaceies emer-

gentes da guerra ou do im ediato pOs-guerra

(580

). 0 legislador inter-

veio, por outro lado, para evitar a sua aplicacao de modo indesejavel,

) .

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que o tema da revalorizacio monetaria assumiria no Direito publico - TampooR

PRAnN,

Teen und Glauben in der Verwaltungsrechtsprechung

cit. (1933), 13 ss.. Apesar das dificuldades de

sistematizacio proprias Besse sector - M.

BAUMANN,

Der Begriff von Treu and Glau ber: is

offentlichen Recht

cit., (1952), 79 - pode apontar-se o domfnio da revogacio dos act

os

suppressio - .WEBER,

Treu und Glauben

cit., D 744 ss. e D 750 ss. (951 e 952) e

HAUEISEN,

Unzul t issige Reek

s

.

ausiibung und offentlich-rechtliche Ausschlussfristen

NJW 1957, 729-731 (729).

(573)

Assim, as descricoes de

WEBER,

Treu

und Glauben

cit ., D 636 ss. (920 ss.) e de

SO ERGEL /SIEBERT/KNO PP,

BG B

1

° cit., § 242, n.° 303 ss. (86 ss.).

( 5 7 4 )

SIEBERT,

Verwirkung und Unzulassigkei t der Rechtsausi ibung

cit ., 8-25, e 191-198.

Quanto ao exercicio inadmissfvel de direitos, em geral, no Direito da concorrencia,

SIEBERT,

ob. cit.,

158-168. No Direito da concorrencia,

a suppressio

assentou, juspositivamente, na norma

fundamental, compreendida no § 1 UW G: *Quern, no trafego negocial, assuma comportamen-

tos corn o escopo da co ncorrencia, que contrariem os bons costumes, pode ser accionado pars

que se abstenha e indemnizeo. No projecto, muito discutido, de alteracio ao UWG, essa

disposicio manter-se-ia corn a supressio, apenas, da referencia especffica a indemnizacio

- cf.

BAUMBACH/HEFERMEKL,

WettbetverbsR

1 3

(1981), 20. Essa norma provocou urn largo

desenvolvimento jurisprudential - p. ex., v.

GODIN,

WettbetverbsR

2

(1974) , U § 1, n .° 1-293

(1 ss.). Mais tarde, dada a pressio doutrinaria e jurisprudential recebida do Direito civil,

a suppressio

foi imputada, tambem neste sector, a boa

fe - v.

GODIN,

WettbewerbsR

2 cit.,

U §

1, n.° 272 e

BAUMBACH /H EFERMEH L,

WettbetverbsR

1 3

cit., UWG

Einl

n .° 404 (388) .

(575) H.

DRO STE,

Die Verwirkung von: Unterlassungsanspri ichen ins Warenzeichenrecht,

GRUR 1950, 560-567;

DROSTE

faz notar , com certa oportunidade, a natureza demasiado fad

do recurso a boa fe para solucionar problemas dificeis e a necessidade de delimitar

conter o ambito da

suppressio;

no caso das marcas, terra havido urn alargamento da

suppressio

que, de marcas nio usadas, passou a abranger tambern as restantes -

ob. cit.,

560, 561 e 562.

O caso

mais claro de

suppressio

nas marcas traduz a situacao do t itular que, pelo seu comporta-

mento, deixou entender a outras pessoas que de aceitava ou tolerava a utilizacao, por elas, de

marcas similares; cf.

BAUAtBACH /H EFERMEH L,

WettbewerbsRo

cit., UWG

Einl n.°

406 (39

8 )-

0 ac. STJ 11-Dez.-1979, BMJ 292 (1980), 391-394 = RIJ 113 (1980), 283-285, cons

an.

ORLANDO DE CARVALHO,

favorivel -

fuj

113 (1980) , 285-30 1 - e que deu lugar ao a r t igo

de

OEHEN MENDES,

Da

proteccilo do Home contercial estrangeiro em Portugal,

sep. ADI (1981),

tambem favorivel, segundo o qual o n ome comercial estrangeiro nunca usado, em Portugal,

hi mais

de

dez anos e nao conhecido notoriamente, nio tern proteccio, por incorrer no prazo

de caducidade do art . 161.

0

/4 CPI; o problema poderia ter sido encarado, ainda, pelo prisms

da suppressio.

De

OEHEN MENDES

cf, ainda,

Fragen des Benutzungsztvangs ins portugiesischen

Markenrecht,

GRUR/Int 1984, 11-19.

( 5 7 6)

BEIER/WIECZOREK,

Zur Verwirkung ins Patentrecht,

GRUR 1976, 566-573 (566) ,

imputando a figura ao exercicio inadm issivel dos direitos e baseando-a, posit ivamente, na boa

fé prescrita no § 242 BGB. Tambem aqui, no inicio, houve dtividas quanto a possibilidade de

com o sucederia no Direito do trabalho

(

58 1

V. A natureza da

suppressio

suscitou uma das literaturas mais

a

bundantes de quantos temas se prendem corn a area, ji de si

prolixa, da boa f6

(

582

). Nos primeiros tempos da sua consagracao

recurso directo a boa fe do BG B; assists

P O T O T Z K Y ,

Die Verwirkung i tn Patentrecht

cit. (1933),

19; cf., poress, 23 e 25, acabando - 29 ss. - por defender a aplicabilidade, as patentes, do

regime geral da concorrencia.

(577) V.

GAMM

Verwirkung ins Urheberrecht,

NJW 1956, 1780 -1782 (1781), acentuando

as diferencas da

suppressio

no Direito de autor, no das patentes e no das marcas;

L. HEYDT,

Greuzen der Verwirkung im gewerblicheu Rechtsschutz turd Urheberrecht,

GRUR 1951,

182-186 (184), focando a inaplicabilidade da

suppressio

aos casos em que o exercente fique

obrigado a indemnizar - o que implica, pois, a sua natureza suplctiva; H.

KLEIN,

Zinn

Eintvand der Verwirkung, insbesondere ins Wettebewerbs- und Urheberrecht,

JZ 1951, 9-12 (9), subli-

nhando a extensio da

suppressio

a todo o Dircito privado, por ser urn caso de exercicio

inadinissivel, ligado ao § 242 BGB.

(578)

BRUMBY,

Verwirkung ins

Mietrecht,

JR 1951, 590-591; W

WEIMAR,

Verjaltrung

mid Verwirkung ins M ietrecht,

WuM 1974, 249-252 - W . chama a atenclo para a necessidade da

suppressio,

imposta pela boa fé, dada a longs duracio de numerosos prazos de prescricao e a

uao

aplicabilidade desta a direitos potestativos, pelo Direito alma's),

oh. cit.,

250; W.

SCHMIDT-

-FurrERER acentua, corn base na jurisprudencia, aspcctos especificos da

suppressio

na locacio

ens

Die Verj i ihrung und Verwirkung der Attspri iche turf Heizkosten,

BB 1971, 943-944, focando,

tambem, que as posicoes das dual partes presentes podem. set afectadas.

(579)

H.

RABELINC,

No:we Rechtsentivicklung zur Auswirkung ostzonaler Verf i igungen

fiber westliches VentrOgen

&w and

der V erwirkung,

MDR 1951, 715-717; estuda-se, aI, a apli-

cacao da

suppressio

face a actos praticados por entidades sitas na zona lestc, as quais, por

actos de imperio, foram transferidos direitos referentes a bens das zonas ocidentais.

( s s o )

BENKE,

Verwirkung und Griegs- mud

N a c h k r i e g s v e r h o l t n i s s e ,

BB 1951, 405-406.

( 5 81 )

BORRMANN,

Ausschluss der Verwirkung tari f l icher Rechtc,

BB 1951, 1011-1012 .

A lei aleml dos contratos colectivos de trabalho afasta expressamente, no sets § 4/2, 2, a possi-

bilidade de s u p p r e s s i o

de posiceies emergentes desses contratos -

WIEDEMANN/STUMPF, TVG5

(1977), §

4, n.° 349-352 (591-594). E, pois, o reconhecintento legal dessa interessante criacIo

da jurisprudencia. A exclusio da

suppressio

tens, contudo, messno neste doniInio, sido

entendida como exceptional. As pretensoes que ultrapassem o montante f ixado no contrato

colectivo estio-lhe sujeitas, na diferenca; dcfendens-no

BORRMANN, o b .

e loc.

cit.,

e WiEDENIANN/

/Srumpr, TVG 5

cit., n.° 353 (594).

(582)

Assim, so na decada de trinta, e corn referencia, apenas, a disscrtaciks de

doutorarnento, ji foram citados nove livros, de

PO TO TZKY

(1933),

O VERBECK

(1934),

WIPITR-

806

exercicio inadmissivel de posicoes juridicas

jurisprudencial ampliada, a

suppressio

foi objecto, por parte de al

ms

583

). Na base destas posicOes e

s

ti

a

uppressio,

se poderia instituir

(584) ;

este elastro conhecido de resistencia a todas as inovacoes material_

mente justas*

(

585

) foi de pouca dura, dada a realidade insofismivel

da consagracio jurisprudencial. Tentou-se entab, mas sem m

a

jor

§ .30.° A osuppressio» e a «surrectio

07

d

e t

una ficcao clara (

58 8

) que, mesm o na sua dogm atica interna, levanta

ul

na serie de problemas.

0 atribuir, a uma tese, a na tureza de ficcao na o basta, so por si, para

a rejeitar: tal afirmacao deve ser complementada e justificada. Ficcao

6, conscientemente, dar a uma realidade um qualificativo que nao 6

o set. Faltando essa consciencia, nao ha ficcao: ha erro; havendo essa

onsciencia, cabe indagar o porque da transposicao e, perante ele, decidir.

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uppressio

a zonal especificas

(

5 86).

PrOxima, ainda, do negativismo, seguiu-se a defesa da

suppressi

o

como remincia ao direito por parte do exercente

(

587

); trata-se, porem,

MANN (1934), MAcKE (1935),

FISCHER

(1936),

TSCH ISCH GALE

(1937),

GEIGEL

(1938), ICAxitraorrAs

(1938) e H.

SCH MIDT

(1938). Acrescente-se-lhes, ainda, Szocxs,

Die Verwirkung und des Verbot

gegensotzlichen Verhaltens

(1939, dact.).

55 3 )

SIEBERT,

Verwirkung und Unzassigkei t der Rechtsausi ibung

tit., 7-8.

(584

) BEST,

Verwirkung?,

JW 1932, 1801-1805 (1804) - B. comeca por entend er a

suppressio como a

demon, no exerdcio do direito, por mais tempo do que o tribunal

entenda admissfvel, acrescenta parecer justificado que o § 24 2 imponha 'finites temporais

no exerdcio dos direitos e, depois de frisar o perigo da inseguranca, rem ata que, do atraso, so

pode emergir a caducidade, a prescricio ou a excepcio de dolo,

ob.

tit., 1801, 1802 e

1805. Tambem

H AMBURGER,

Zum Begri f

der Verwirkung,

LZ 1928, 1588-1594, tendo sublinhado

a concordlncia de apenas uma pequena parte da doutrina - em 1 928 - e as dtividas manifes-

tadas na jurispruden cia - ate 1 referida data - afirma a desnecessidade da

suppressio -

cit.,

1589, 1590-91 e 1594. 0

mesmo HAMBURGER,

em

Treu und Gl auben

cit . (1930), 84-98,

assume posicOes que, embora muito restritivas, denotam ji uma certa abertura; reconhecendo a

persistencia da sua consagracio jurisprudencial, H. recorda, no entanto, que a

exceptio deli

permitia efeitos similares e que, na utilizaclo da

suppressio,

havia que actuar corn extrema

cautela -

Treu und G lauben

cit., 84 u. e 97. De modo semelhante,

AEPONS ROTH,

Die

Verwirkung des Aufwertungsanspruchs I , JW

1928, 1335-1337, que bate insistentemente na tecla

da inseguranca, se m anifestara contra a

suppressio e

o arbftrio que the imputa, reclamando

medidas legislativas; explica

que o § 242 conduzira I possibilidade de valorizacio e, agora,

o mesmo 5 242 levava ao coarctar dessa possibilidade, em incerteza completa -

o b .

tit.,

1336

e 1337; posicio semelhante a assumida por

CARL BEISLER,

Die Verwirkung des Aufwertungsan-

spruchs II ,

JW 1928 , 1337-1339 , que tern a

suppressio

na conta de ren tincia ticita que nio

convence - ob. ci t . ,

1338. Com

indieac5es diversas,

SIEBERT,

ob. e loc. cit. supra,

806 58 3

.

Note-se, contudo, que a

suppressio

n

-

ao mereceu, apenas, no infcio, a desaprovacio da

doutrina; assim G.

HEINEMANN,

Die Verwirkung als Rechtsvernichtungsgrund, LZ 1928,

935-942, apresenta a

suppressio

como forma nova de extincio de direitos, separa-a da

rentincia e da caducidade, apon ta-lhe os pressupostos e deriva-a da boa fe -

ob. ci t . ,

936.

937 e 939-941 .

( 5 85 )

CASTANHEIRA NEVES,

Questlio-de-facto

cit., 513, a proposito das reticencias postal

por alguns AA. ao

abuso do direito, em nome da seguranca.

(586)

Supra,

802-803

5 6 9

e, especialmente, MAcX E, at cit. .

59

MANIOC,

Das Problem der Verwirkung,

DJZ 1936, 350-360 (359);

FRANKENBERGER

,

an. RG 2-Mar.-1928 , JW 1928 , 2635-2636 (n. ° 2 0) , chama a a tencao para o facto de , na

jurisprudencia da epoca, nem sempre estar Clara uma diferenca entre

suppressio

e renuncia.

c

As acusacoes de ficcio sae, pois, na sua maioria, acusaciies de erro na

qualificaclo. o que ocorre no caso vertente: a

suppressio

nao

pode,

de facto, ser qual i f icada como remincia, por nao reunir os pressupostos

respectivos. A ponderaclo da metodologia inerente as decisoes que

c

onsagraram a

suppressio

mostra que fal ta uma indagacao das condicOes

que perm it iriam decelar, no t itular exercente, uma vontade de reruincia .

Desde o inicio, a

estudada

a situacio apenas nos seus efeitos objectivos,

sem contemp lacao da vontade dos intervenientes .

E

bem se compreende

esse procedimento: pretender, do puro silencio ou da mera inaccao,

retirar actuagOes negociais, coloca dif iculdades de construcio, teoricas e

praticas que, as dos comportamentos concludentes, somam as inerentes

a uma actuacao que prima,

afinal,

pela ausencia (

5 8 9

). No entanto, ainda

que se alcancasse a nao actuacao do titular como uma manifestacao de

vontade em renunciar, a

suppressio

nao ficaria deslindada: seria necessario

reunir ou acrescentar uma serie de factores, tais como a forma e a

aceitacao

da

contraparte, para que se pudesse fa lar de um a f igura verda-

deiramente n egocial .

Ultrapassadas essas primeiras tentativas, a

suppressio

foi recon-

duzida, corn unaninndade crescente da doutrina

(

590

) e da jurispru-

dencia

(591

) a boa fe. Da boa fe ao exercicio inadmissivel de

(588)

C. BEISLER,

Die Vertvirkung des Aufwertungsanspruchs

II cit., 1338;

DANzza-vANorn,

Die Verwirkung,

DRZ 1932, 74-76 (74);

TSCH ISCH GALE,

Die Rechtsnatur der Verwirkung

cit. , 33.

( 589)

Em geral,

CANARIS,

Scitweigen

i n s

Rechtsverkehr als Verpj l ichtungsgrund,

FS

Wilburg (1977 ), 77-97. C. faz depender o problema, entre outros, da consciencia da decla-

rack), que dificilmente poderia ser ponderada na

suppressio.

( 590)

Como mero exemplo ,

BEIER / WIECZO REC,

Zur Verwirkung im Pa ten tr ech t

cit.,

566, DkrzEs-VArtorrl,

Die Verwirkung

cit. , 74 e

Die Verwirkung infolge verzegerter Gel tendtna-

chung eines Rahn,

DJZ 1936, 1455-1462 (1462),

0.-W. FISCHER,

Verwirkung

cit., 29,

K A R A N K A N T A S ,

Verwirkung

cit. , 15 e 48, H. KLEINE,

Zum Einwand der Verwirkung

cit., 9,

NARITOMI,

Die .Verwirkung im japanischen Recht,

NJW 1958, 492-493 (492) e W. WEImmt,

Verj ohrung und Verw i rkung i m Mi e t recht

cit., 249.

( 591)

A boa fe vinha referida pe la jurisprudencia, a proposito da

suppressio,

ainda

antes do aparecimento do BGB; assim ROHG 8-Abr.-1873, ROHGE (1873), 412-413, ROHG

10

-Jun . - 1876, ROHGE 20 (1 877) , 336 , ROHG 20-Out . -1877, ROHGE 23 (1878) , 85 e RG

11-Dez . - 1895, RGZ 36 (1895) , 88; mantem-se no t ide das relacees at ingidas pela Grande

808

exercicio inadmissivei de posicoes juridicas

direitos por demora do titular vai, no entanto, urn caminh

o que

592

). Nessa linha ensaiou-se, primeiro, a

excepti

o

9 3

).

A

except io

corresponde, porem, a uma regulaclo demasiado

fluida do problems para permitir uma concretizacao minima; acarreta,

alem disso, desvantagens ja sumariadas

( 594

). Mais sucesso teve, p

ur

uppressio a

proibicao de

venire contra factuni

proprium:

o

titular do direito, abstendo-se do exercicio durante

§ 30.' A

«suppressio e a ..surrectio

 

09

urn

certo

lapso de tempo,

criaria,

na con traparte,

a

representacao

de

quc esse direito nao mais seria actuado; quan do, supervenientc-

te

mente, viesse agir, entraria em contradicao (

5 9 5

). 0 sucesso do

apelo

ao

venire contra factum propriunz

deve ser conjugado corn a tese de

SIEBERT,

sobre a

suppressio .

SIEBERT

defendcu que a

suppress io ,

privada de autonom ia verdadeira, era apenas uma sub-hipOtese de

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Guerra — RG 2-Mai.-1919, RGZ 95 (1919), 310 — c e constantemente referida aquando

da

suppressio

no Direito da revalorizacio — RG 9-Dcz.-1927, RGZ 119 (1928), 235 =JW

1928, 491; RG 11-Jan.-1928, RGZ 118 (1928), 378 = JW1928, 651; RG 2-Mar.-1928,

JW1928, 2635; RG 30-Jan.-1931, RGZ 131 (1931), 225-236 (232); RG 26-Nov.-1931-,

RGZ 134 (1932), 35 8. Sedimentada a refere'ncia a boa fe como fundament° jusposit ivo da

sup-

pressio,

cla manter-se-ia ate a actualidadc. Assim, como exemplos: RG 4-Jun.-1937, RGZ 155

(1937), 148-154 (152) — ligado, ainda, a questens de revalorizacio monetaria; RG 10-Dez.-1938,

RGZ 159 (1939), 99-108 (104-105) —

suppressio

de pretens8es de restituicao do enriqu ecimento

;

orn

an. favoravel de

BEITZKE,

idem,

162-163 —considera

a

suppressio

cons() manifestacao do exercicio inadmissivel de direitos, por contrariar a boa EC ;

BGH 3-Dcz.-1957, DB 1958, 193 —

idem;

BGH 31-Jan.-1963, BGHZ 39 (1963), 87-96 (92-93)

— accita a regra da

suppressio

por exercicio tardio contrario a boa

fi

embora, no caso vertente,

a tail= afastado cm mina° a obrigacao de prestacio de contas, dada a natureza especial

desta; BGH 3 0-Jun.-1976, BGHZ 67 (1977), 56-69 (68) — vines

a suppressio

como modalidade

dc exercicio inadmissivel de direitos, por contrariedadc a boa fe c sublinha a sua apli-

cacao aos D ireitos de A utor; funcionaria ai, por6m, nao perantc o pre:Trio direito dc ut ilizacao

do autor, mas a face de pretenses originadas por violacrses cometidas contra o autor em causa.

Note-se, por fin., quc a propria boa fe c as regras corn ela conectadas constitucm o factor

mais significativo de delimitacio da

suppressio.

Assim, BGH 27-Jun.-1957, BB 1957, 979,

afasta uma hipcitese de

suppressio

por =tender que ela nao deveria funcionar contra o titular

que, por confiar nas contrapartes, nao exercera o sett direito.

( 5 9 2 )

DROSTE,

Die Vertvirkung vont Unterlossungsanspri ichen im Warenzeicheu recht ci t . .

560, chatna, a esse proposito, a atenclo para o facto de minims principiantes recorrerem, corn

facilidade, a boa ft:, para resolver os problemas dif iceis.

(593)

Rccorde-se

H AMBURGER,

Tress und Glauber

cit ., 97; em especial, RosENTRA L.

Vorschldge zum Problem der Verwirkung des K lagerechts

cit., 583.

(594)

Supra,

741. Surgem criticas inexactas ou incorrectas a leitura da

suppressio como

exceptio doll,

que importa afastar. Assisi],

PO TO TZKY,

Die Verwirkung int Patentrccht ci t .,

31,

vem dizer quc, na

exceptio doll,

a violacao da boa fe ocorrcria na formacao do direito,

enquanto quc, na

suppressio,

cssa violacao scria posterior. Mas nao:

P O T O T Z K Y so tern em m ente

o

dolus spccialis ou praeteritus ;

no

gencralis

ou

pracsens,

a violacio da boa fe surge aquando

do exercicio. H. ScHminr,

Verwirkung

cit ., 107, afir ina a natureza poste° alema da

exceptio:

o Direito alemao

nao seria aktionenrechtlich

mas sim

weltanschaulich ;

H.

SCH.

reclamava, alias,

ao sabor do tempo cm que cscreveu (1938) urn novo Direito alemao —

ob. ci t .,

163.

Tambem nao: H. Scx. poc a questa() cm termos quase afectivos, ens vcz de estudar as

possibilidadcs actuais do emprego das

excepciaes materiais

c de, a elas, reconduzir a velha

exceptio doll.

exercicio inadm issivel de direitos

( 596

) por contrariar a boa fe.

0 entendimento da

suppressio como venire contra faction proprium

firmou-se contra a tese de

SIEBERT.

A construcao laboriosa por

ele operada, tendente a reconduzir a

suppressio

ao exercicio inadmis-

sivel dos direitos, ligada, ainda, a ideia da relatividade do contetido

dos direitos subjectivos, scria puramente formal

(597 ):

nao daria, ao

interprete, qualquer criterio m aterial para indagar, concretamente,

hip6teses de

suppressio .

SIEBERT (

598 ) e

os setts seguidores

(

599

) nao

deixaram, porem, de criticar a reducao da

suppressio

ao ven i re con t ra

factutn proprium:

SIEBERT

acentua a possibilidade de o

venire contra

f ac t ion propr i um

nao ter na sua base o exercicio de qualquer direito

e

duvida que o

factum proprium

possa implicar uma mera inactividade;

BENDER

sublinha, como elemento cssencial da

suppressio ,

que nao do

venire contra factuni proprinin,

o decurso do tempo. A tendencia

(595)

Assim, ji as afirmacoes de

BANK,

Zur Lehre von der Verwirkung, JW

1934,

2437-2438, H.

LEH MANN,

Zur Lehre von der Verwirkung,

JW 1936, 2193-2197 (2194 e 2197),

0.-W

FISCHER,

Verwirkung cit . , maxime

52, 5rocxs,

Die Verwirkung und das Verbot gegenoi tzl i -

chen Verhaltetts cit., maxime

30 ss. e 50 ss.,

LETZGUS,

Atudehnung oder Einschrsinkung der Verwir-

kung von Leistungsanspriichen? cit.,

2325 e H.

GUNTHER,

Die gesetzliche Verwirkung der Feiertags-

verguti ing and die terrninologische Erweiterung des Verwirkungsbegriffs int Sinne u nzuldssiger

Rechtsausiibung,

AuR 1957, 17-19 e 42-48 (43) c

Gesctzliches und richterliches Billigkeitsrecht,

unzuldssige Rechtsausi ibung und Vertvirkung in; Arbei tsrecht,

AuR 1957, 169-182, 321-330 e

364-371 (172). CE

ANTON GEISENHOFER,

Die Verwirkung

(1948, dact .) , 33.

( 5 9 6)

SIEBERT,

Verwirkung und Unzulassigkeit der Rechtsausi ibtmg

cit., 172;

SIEBERT

teve

um peso decisivo na doutrina e na jurisprudencia —

GEISENHOFER,

Verwirkung ci t . ,

31 — ate

aos nossos dins. Como meros exemplos:

KLEINE,

Zum Einwand der Verwirkung

cit., 9;

KNORN,

Die Verwirkung des gesetzl ichen Unterhal tsanspruchs,

FamRZ 1964, 283-285 (283) ;

RABELING,

Neuere Rechtsentwicklung zur Auswirkung ostzonaler Verfugungen

cit., 716.

WEIMAR,

V e r j e i l s r m i g

und Verwirkung

cit., 251;

BEIER/WIECZOREK,

Zur

Verwirkung On Patentrecht

cit ., 566; RG 4-Jun.-

-1937, RGZ 155 (1937) , 152 .

( 5 9 7 )

LEHMANN, Zur

Lehre von der Verw irkting ci t . ,

2193-2194;

GEISENHOI'ER,

Verwir-

kung ci t . ,

33.

( 5 9 8)

SIEBERT,

Verwirkung und U nzul t issigkeit der Rechtsausi ibung

at., 183-185.

( 5 9 9 )

B E N D E R ,

Die dauernde ausserordentliche Einrede der unbilligen verspitteten Geltensima.

cluing is allgenteinen biirgerlichets

Rah:

(1944, dact.), 14. Ji anteriormente, entre maims,

1

. z u t E N z ,

Vertrag und Unrecht, 1-Vertrag und Vertragsbruch

(1936), 143-144.

810

exerc ic io inadmiss i ve l de pos iceTes j ur id i cas

posterior de reconduzir a prOpria proibicao

de venire cont ra fac tum

proprium

a urn tipo de exercicio inadmissivel de direitos acabou p

or

uppressio

torna-se uma forma de exer-

cicio inadmissivel de direitos, por

venire contra factum prop rium (600)

.

0 panorama doutrinirio actual sobre a

suppressio

vive dorni-

§ 30.° A osuppressio# e a osurrectio*

11

o segundo factor — o dos indicios objectivos de que nao havers

mais actuagoes — cuja necessidade 6 muito sublinhada (

6 0 6

), mas

de contaido pouco explicitado (

6 0 7

), pode ter, na sua determinacao,

ur

n papel fundamental. Outro aspecto do regime da

suppressio,

focado corn insistencia na doutrina, 6 a desnecessidade de culpa

ou de quaisquer outros elementos ditos subjectivos, por parte do

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nado pela sua reconducao ao exercicio inadmissivel dos direitos

;

noutros, pelo contrario, mantem-se a mediacao do

venire contra factum

proprium (

6 02

).

VI. 0 regime preciso da

suppressio,

tal como

e

hoje entendida,

na sequencia da evolucao acima tracada, nao tern codificacao ficil.

Tendencialmente, pode afirmar-se que todos os direitos subjectivo

s

0 3

) — que a necessario urn

determinado periodo de tempo sem exercicio do direito e que se

requer, ainda, indicios objectivos de que esse direito nao mais seria

exercido (604). 0 tempo sem exercicio a eminentemente variivel,

consoante as circunstancias, para que possa haver

suppressio (

6 05

);

(600)

WEBER,

Treu und Glauben

cit., D 60 2 (911-912).

(601)

Assim,

ERMAN/SIRY,

BG B

6

cit., § 242, n.° 84 (471), Aus/BGB/RGRKI

2

cit.,

§ 242, n.° 136 (38) e Lihasiuxz/StudK/BGB

2

cit., § 242, 4,

f)

(141).

(6 0

9 SOERGEL/SIEBERT/KNOPP,

BGBI° cit., § 242, n.° 281 (81), de forma discreta,

reme-

tendo

para o a.* 228 (vcfp) e, curiosamente, desviando-se do pensam ento expresso por

SIEBERT,

ob. e loc. ci t . supra,

809

598

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 372,

RoTHIMiinch-Komm

cit.,

§ 242, n.° 333 (155) e

LARENZ,

Schu ldRIAT"

cit., 123-124. Boris afirma, contudo,

de

seguida, quo a

suppressio ganha

autonomia no seio dos comportamentos contradit6rios: por

urn lado, os pressupostos de imputacio ao titular tem um peso menor; por outro o investi-

mento de confianca pela contraparte ganha major significado —

Miinch -Kamm c i t ., §

2 4 2 ,

n.° 335 (155-156).

(603)

Entre as excepcaes, apontam-se os direitos quo prescrevem em perfodos curtos

por, no prazo de prescriglo, ser sempre de contar corn o seu exercicio —

LARENZ,

SchuldR/ATI

3

cit., 124 — os direitos legalmente exdufdos da

suppressio —

na RFA, os direitos

emergentes de contratos colectivos de trabalho, cf.

supra,

805

3 8 1

— certos direitos existenciais

dos trabalhadores, como o direito ao salirio —

Rons /Mi inch -Komm c i t . , §

242, n.° 365 (162).

Outros direitos eventualmente nessa situacio e as discussoes travadas em casos duvidosos

nas doutrina e jurisprudencia alemas podem ser confrontados em STAthansicss/SoisinaT, BGB

12

(604)

SrAtnamcss/Sassunr, BGB

1 2

cit. , § 242, n.° 487-503 (167-170).

(605)

No BGB pode falar-se em lapso de tempo flexivel 3 imagem do § 121/1; est

a

comunicacio inexacta, tenha lugar, desde que haja conhecimento do vfcio, sem den

l°ra

ixa, pois, urn

prazo rigido para essa impugnacio — SosaGEL/HErsame

B G 1 3

1 1

cit., § 121, n.° 5 (534),

STAUDINGERMILCHER,

BG B

12

cit., § 121, n.° 4 (290)

e KROGEs-NrELAND/RGRK

1 2 cit., 121, n.° 6 (206).

0 dado jurisprudencial deixa algumas indicacaes embora, por definicio, nao possam

set precisas. Assim, pretensoes sujeitas ao prazo norm al

de

prescricio — trinta anos no BGB,

5 195 — podem incorrer na

suppressio

em onze anos, segundo Hof 18-Mar.-1970, WM

1971, 882-884 (882) — caso de uma depositante de determinados tftulos que deixa passar

onze anos sobre a 6ltima comunicacio recebida do banco e move uma accio de indemnizacio

por eks terem sido remetidos para determinada dependencia; seis anos ou seis anos e tees

meses constituem, porem, lapsos de tempo insuficientes, de acordo corn BGH 22-Mai.-1975,

BauR 1975, 424-427 (427) a BGH, 22-Nov.-1979, NJW 1980, 880-881 (881), respectivamente

— no primeiro caso, o mandante acciona o construtor para a restituicio de certa importbncia

por este recebida em excesso; no segundo, o Estado acciona, tambem, urn construtor para

restituicao de determinada quantia. As relacoes duradouras caiem em

suppressio

num ou dois

anos, conforme M annheim, 29-Nov.-1977, MDR . 1968, 417 e D iisseldorf, 18-Mar.-1971,

MDR 1971, 1013 -1014 (10 14) — trata-se de dois casos de locacio; no primeiro silo fora exercida

a tempo uma pretensio de elevacio de renda; no segundo, uma pretensio de reembolso de

determinadas quantize dispendidas polo locador; em ambos fazem, as sentencas respectivas,

apelo, ainda, aos ch. deveres de lealdade. Os neg6cios importantes, relativos, pot exemplo,

a imoveis, requereriain mais tempo pars incorrer em

suppressio,

nas posiceoes respectivas;

STAUDINGER/SCHMIDT,

BGBI 2

cit., § 242, n.° 4 84 (165-166).

( 606 )

 

RENEE,

Verwirkung und Kriegs- und Nachkriegsverhanisse

cit., 405 — nao basta o

decurso do tempo, antes sendo de ponderar todo o comportamento do titular; DANzEs-VANarri,

Verwirkung

cit., 75 — requer a ponderacio dos interesses de ambas as partes;

GAMM

Verwirkung

im Urheberrecht

cit., 1782 — um a serie de factores, entre os quais a natureza da relacao, fazem

variar as condiciks da

suppressio;

HEINEMANN,

Die Verwirkung ale Rechtsvernichtungsgrund

cit., 939 — cf., tamb6m, 941;

RABBLING,

Neuere Rechtsentwicklung zur Auswirkung ostzonaler

Verfugungen

cit., 716 — foca a necessidade de ponderar os interesses em preset:Ka; RossmrstAL,

Vorschl dge zum Probl em der Verw i rkung des Kl agenreches

cit. , 584-58 5 — para a

suppressio

tens de haver, sem ela, urns situacio abertamente injusta;

WEIMAR,

Verjiihrung u nd Verwirkung

ins Mietrecht

cit. , 250 — silo basta o decurso do tempo; 6 necessirio quo, do conjunto das

circunstlncias presentee, o credor tenha dado ao devedor a impress

-

ao de que mais

(aria vales o d ireito.

(607)

GIUEBELING,

Die Verwirkung prozessualer Befugnisse

cit., 28, analisa, corn merit°,

o condicionalismo a aditar ao decurso do tempo, para que, de

suppressio,

seja o caso, em:

a)

comportamento exterior: o titular

deve

comportar-se como se nao tivesse o direito ou

12

10 mais quisesse exerce-lo; b )

previslo de confianca: a contrapatte confia em que o direito

Silo mais sera feito valor;

c)

desvantagem injusta: o exercicio superveniente do direito

acarretaria, pars a outra parte, urns desvantagem infqua.

812

exercicio inadmissivel de poskJes juridicas

titular nao-exercente (

6 0 8 ). A

suppressio e

prejudicada pela ocorren-

cia dos factores voluntirios que interrompem ou suspendem

decurso dos prazos de prescricao ou de caducidad e, uma vez que

eles destroem a figuracao, por parte do interessado, de que o direito

nao mais seria exercido

(

6 p

9

).

No que toca ao seu relacionament

o

corn

outros remedios juridicos, a

suppressio

é, por fim, apontada como saida

§ 30.° A 4suppressioh e a 4surrectio*

13

co

nstitui, em termos claros,

um fac tum propr ium

(

613

).

Subjaz, contudo,

a esta leitura, a ideia de que o titular exercente nao poderia contradi-

zer-se por ter ficado vinculado ao

fact= proprium.

Trata-se, pois,

de uma saida negocial nao assumida e, por isso, insuficientemente

justificada. 0 aparecimento de orientacoes negociais confessas —

ecorde-se o esforco de WIELING em 1976 — e a critica aberta que

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extraordinziria, insusceptivel de aplicacao sempre que a ordem juri-

(61 0 \

)

ica prescreva qualquer outra solucao

ern, pois, natureza

subsidiiria.

75.

Complementacio da caducidade e da prescricao ou cons-

tituicao

d e

direitos incompativeis?; a IsurrectioD

I. 0 debate em torno da natureza juridica da

suppressio,

centrado

na possibilidade da sua reconducao ao

venire cont ra fac tum proprium,

esmoreceu na doutrina recente

(

611

). porem, cedo de mais.

Por um lado, nao chegou a ser alcancada uma solucao que, por defi-

nitivamente plausivel, desaconselhasse novas investigacaes sobre o

terra

( 6 1 2 ) ;

) por outro, nunca se retirou, da discussao, pelo seu apro-

fundament°, a natureza verdadeira dos valores em jogo.

Numa abordagem superficial, a

suppressio

nao integra, de facto,

o

venire contra factum proprium:

falta, neste, como elemento consti-

tutivo, o factor tempo, enquanto que a pura inactividade no

(608) N A R I T O M I ,

Die Vermirkung,

493, foca, ern especial, a desnecessidade de elementos

subjectivos — dc dolo, de culpa ou de ma fe; tambim de NARITOMI,

Die Verteilung der

Beweislast bei der Verwirkung,

Nip / 1959, 1419; ALFE/BGB/RGR K" c it . , § 242 , n .° 136 (38) .

(609)

STAUDINCER /SCHMIDT, BGB

1 2

cit., n.° 498 (170-171).

(610)

Ji FRIEDRICHS,

Geltungsbereich des Verwirkungsrechts,

JR 1934, 46-47 (47), havia

afirmado que a

suppressio

nab operaria nos direitos corn prazos f ixados na lei; esta afirmacio

so sera de esstender-se exacta nos casos em que, dadas as circunstancias, o prazo deva

ser

considerado curto; HEYDT,

Grenzen der Versvirkung im gewerbl ichen Rechtschutz and

U r h e b e r -

recht cit., 184, exdui, no imbito em que escreve, a

suppressio,

sempre que o violador esteja a

obrigado a indemnizacao.

(611)

Desconte-se

BYDLINSXI,

referido

irfra, 814

6 1 8 e J . SCHMIDT,

referido

infra,

816 ss.;

este Ultimo coloca, alias, o problems cm termos diferentes dos da possibilidade, ou tan,

de recurso so vcfp.

(612)

Os estudos dedicados so problema datani, ainda hoje, praticamente, todos da

dicada de trinta. Acresce que o debate processou-se em bases incorrectas: as de saber se a

suppressio

seria uma proscricao de vcfp ou urn caso de exercfcio inadmissfvel de direitos.

Como a primeira e redurfvel ao segundo, a discussio encerrou-se num cfrculo de superffcie.

r

possibilitam

(614

), permitem colocar o problema numa dimensio

diferente. Desde o momento em que o

venire contra factum

proprium

opere nao na base da alegada vinculacao voluntiria ao comportamento

initial, mas por forca da situacao de confianca suscitada na co ntra-

parte

(

615

), que o Direito entenda dever proteger, desaparece a necessi-

dade de, no

factum proprium,

ler urn comportamento prOprio do titu-

lar exercente.

Factum

proprium

pode, afinal, ser qualquer eventualidade

que, constituindo a base da imputacao, a uma pessoa, de certas conse-

quencias, the seja prOpria. A nao actuacao de urn direito subjec-

tivo

é,

pois, facto prOprio do seu titular. A realidade social da

suppressio,

que o Direito procura orientar, esti na ruptura das

expectativas de continuidade da auto-apresentacao

(616

) praticada

pela pessoa que, tendo criado, no espaco juridico, uma imagem de

nao-exercicio, rom pe, de sail°, o estado gerado. E precisamente

o que se viu ocorrer no

venire contra factum proprium

(

617

). Norteada

a questao nestes termos, o tempo, requerido pelo funcionar da

suppressio,

ganha um a inclinacao diferente. Em qualquer manifestacao

de

venire contra factual

proprium existe, por minimo que seja, urn

lapso entre os dois comportamentos do sujeito. Na

suppressio,

porem; o tempo tern uma segunda projeccao, do maior relevo:

apenas pela sua continuidade pode, o nao exercicio, suscitar

as

expectativas sociais de que essa auto-representacio se m antem. 0 que

é dizer: o decurso do tempo e a expressao da inactividade traduzindo,

como tal, o

fac tum propr ium .

(613)

Cf. BENDER

e

S I E B E R T

Cit.

supra,

809

5 9 9

e 80 9

59 5

.

(614)

Supra,

761 ss..

(615)

Supra,

753 ss. e 769.

(616)

AK/BGB/TEusNER cit ., § 242, n.° 33 (51); KoNDGEN,

Selbstbindung ohne Vertrag

i Zur Haf t ung au s geschaf t sbezogenen Handei n

(1981), 170, cham a, contudo, a atencio para o

facto de que a

suppressio,

gerando uma autorepresentacio corn base numai abstencio,

levantar dif iculdades como atipo de autovinculacioi). Neste ponto, KoNDG EN parece, pois

aproximar-se de safdas negociais.

(617)

Cf.

supra

750-751 e, em especial, N. LIJIIMANN.

63

814

exerc ic io inadmissive l de posicoes jurid icas

A

suppre ss io

pode, pois, considerar-se uma forma d e proscrever

os comportamentos contraditOrios.

A possibilidade de interprerar

a

suppressio

como h ip6tese de

i n a d m i s -

ibilidade

de vcfp foi criticada por Bvrartysiu, em termos diversos dos

classicos. B. poe, como hipotese, o acentuar do exercicio retardado com

o

§ 30.° A “uppressio e a 4surrectio»

qu

e

os

co

mportamentos contraditorios integram um tipo muito

e

ctenso — e logo com pouco contetido — de actuacoes abusivas.

A possibilidade de determinar, na

suppressio,

um tipo regulativo mais

cornpreenswo — corn mats caracteristicas —e logo de major precisio,

nab deve ser esbanjada.

A discussao circular sobre a reconducao da

suppress io

aos

815

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o

a

orientacao perfilhad

a

sua

.

suppressio

nao

seria urn vcfp porque, quando se intentasse urn exercicio tardio, ja nao

haveria direito e, quando o direito tivesse desaparecido, ainda nao teria

havido contradicao de comportamentos; a (mica atitude assumida pel

o

complementacao do seu prOprio pensamento afirmando que «a tinica

possibilidade, logicamente viavel, de formula ao da problematica do

abuso do direito a de que se trata, nele, da descoberta de limites do

direito subjectivo e nao da proibicao de exercicio de urn direito ate

entao existente...* (

6 19

). Estes raciocinios devem ser repelidos, nao tanto

pelos efeitos que acarretam em relacao a

suppressio

o primeiro, sobre-

tudo, faz salientar aspectos interessantes do seu funcionamento, embora

nao

permita conclusoes de essencia — mas por im plicarem uma m etodologia

conceptualistico-dedutivista, inaplicavel a boa fe. 0 vcfp na o traduz um a

contradicao entre com portamentos licitos, ainda que, porventura, o seja:

a contradicao 6 infra-juridica e ocorre entre dois comportamentos

tomados, inicialmente, como puros factos nao juridicos. Havendo

proibicao de vcfp, a contradicao estabelece-se entre o

f a c tum pro pr iwn

— licito — e a tentativa — ilicita — de o desfazer. A ilicitude-contra-

dicao pode consistir na tentativa de exercicio de um direito que ja nao

exista: ilicitude porque nao ha

,

afmal, direito, e contradicao porque essa

nao existencia se prende corn urn nao-exercicio anterior. No se deve,

por outro lado, afiimar que o abuso do d ireito s6 pode adm itir limitacoes

nao aparentes a urn exercicio e, nao, o nao-exercicio, sob pena de

nao

haver direito: a lim itacao pode con sistir na possibilidade de extincio

ou, se se quiser, o eabuso* pode traduzir uma forma nao aparente

de extincao.

II. 0 poder considerar-se a

suppre ss io

como uma forma de evitar

certos

venire contra facta propria

nao deve, automaticamente, enten-

der-se como fatalidade de tal qualificacao exclusiva. Recorde-se

(618)

BYD L INSKI,

Privatautonomie and objek t ive Grundlagen des verpflichtenden Rethtsge-

schaftes

(1967), 186.

(619)

BYDL1NSKI,

Privatautonomie cit . ,

187.

comportamentos contraditOrios ou ao exercicio inadm issivel de direi-

tos encobre uma o utra: a de saber se a

suppress io

veda, como escopo,

o com portamento do titular exercente ou se, pelo contrario, protege,

como fim, a situacao da contraparte. Nao se responda que a prim eira

hip6tese encobre a segunda e vice-versa: nao existe, entre ambas,

uma relacao nem de equivalencia, nem de correspondencia autornatica.

Conform e se encare uma ou ou tra das dual possibilidades, assim

os pressupostos sac

,

diferentes, os regimes, diversos, e o s efeitos, dis-

tintos. Acresce que, ainda quando uma envolva a outra, cada

uma 6 atingida em m edida diferente consoante esteja directamente na

alcada do direito ou, apenas, por via reflexa. Assim, se na

suppress io

pretende evitar-se a ruptura representada pela quebra stibita de u m

nao-exercicio estivel, o Direito ocupar-se-a do comportamento do

exercente, dos seus condicionalismos subjectivos e objectivos e

da necessidade de o nivelar perante regras de justica generalizante;

o decurso do tempo ganha importancia primordial e tende a ser

igualizado. Ha uma complementacao das regras prOprias da pres-

erica° e da cad ucidade o que, n aturalmente, beneficia outras pessoas.

Se, pelo contrario, a

suppress io

visa proteger a situacao da con traparte

— a sua confianca — havera que atentar no condicionalismo interno

e externo que a rod eie: a sua boa fe subjectiva, ou seja, o conhe-

cimento que tenha do direito da contraparte, a impressividade da

aparencia que a iluda e as dimensoes alcancadas pelo seu inves-

timento de confianca; o decurso d o tempo esbate-se e torna-se requi-

suoirregular, perante o objectivo de o adaptar as exigencias de um a

justica individualizadora. Ha a co nstituicao de posicoes juridicas acti-

vas da con traparte beneficiiria que acarretam, por incompatibilidade,

caso e na medida em que esta se de, o prejudicar da situacao

do titular exercente (629.

1 6 2 0 %

Trata-se de uma forma de extincio dos direitos e outras situacoes subjectivas, nao

expressamente tratada na lei, mas por ela pressuposta, e a que se pode chamar de extincio

por constituicao de direito incompativel. Pense-se, por exemplo, nas situavies dos titulares de

direitos sobre coisas em que outrem, por usucapiio ou pot acessio, constituiu direitos de proprie-

dade novos. Cf. MENEZES CORDEL RO,

D. Reais

cit., 2, 787.

816

exerc ic io inadmissive l de posicks jurid icas

III. A

ordenacao da

suppress io

como dispositivo destinad

o

a

complementar as regulacoes legais sobre a influencia do tempo nas

relacOes juridicas foi preconizada por

JURGEN SCHMIDT,

dentro

da reformulacao geral da boa fe, por ele proposta, em 1981

(621).

Na b ase do problema esta a possibilidade de discrepancia entre o

sentido social de uma regulacao juridica e a efectividade social.

§ 30.° A «suppressio* e a «surrectio*

17

Por

surrectio

pretende exprimir-se a ideia com portada pelo termo

alma()

Erwirkung.

A

Erwirkung é ,

ela prOpria, urn neologismo proposto

por

CANARIS,

em 1971

(624\ ,

com sucesso crescents ; foi, p. ex., adoptado

por

LARENZ,

a partir da decima segunda edicao do seu

Schu/dR

(

6 25

)

e, com grande desenvolvimento, por

JURGEN

SCHMIDT,

na decima segunda

edicao do comentario de STAuturiGER (

62 6

) .

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A prolongar-se, o D ireito esforca-se por eliminar a discrepincia,

seja adequando as relacOes facticas a regulacao juridica, seja aceitand

o

o

ainda, por outros institutos, como sejam certos prazos legais e a

usucapiao

(622)

.

0 conjunto das regras destinadas a adequar o direito

efectividade social nao 6 harmonica a face do BG B.

Assim 6. A prescricao reporta-se, apenas, a direitos subjectivos que

integrem a ideia de pretensao, corn exclusao, p. ex., da propriedade, de

direitos imateriais e de direitos potestativos; so pode

ser

feita valer como

excepcio e tern urn prazo rigido. As regras de preclusio dos §§ 121 e 124

— trata-se do exercicio da faculdade de impugnar certos negOcios —

atinge, tao s6, certos direitos potestativos. A usucapiao 6 privativa da

propriedade

(

623

).

d a

Para

JURGEN SCHMIDT,

as regras codificadas quanto ao influxo

efectividade sobre a regulacao juridica constituem, ate pela sua

diversidade,

leges speciales .

Sobre elas, como complementacao do

Direito legislado, ergue-se a

lex generalis,

susceptivel de revestir dois

aspectos: ora faz desaparecer urn direito que nao corresponda

efectividade social — 6 a

suppress io

ora faz surgir um direito

Rao ex istente antes, juridicamente, m as que, na efectividade social,

e r a

tido como presente — 6 a

surrect io .

( 621 )

STAUDINGER/SCHMIDT,

BGB

12

, §

242, n.° 463 ss. (158 ss.). J. Sof.

quaciona,

porem, o problema em termos antiteticos, como figura no texto: para ele, o surgimento de

direitos e, ainda, complementacio das regras que tratam a repercussio do tempo nas situacoes

j u r i d i c a s .

KoNDGEN,

Selbstb indung ohne Vert rag

cit ., 171, atr ibui antecedentes, nessa linha,

a

B Y DLINSKI

e a

SOERGEL/SIEBERT.

(622)

K.

SPIRO,

Die Begrenzung privater Rechte durch Verjahrungs- Verwirkungs- and

Fatalfristen

(1975) —

apud

rec. favorivel de W

HABSCHEID,

AcP 178 (1978) , 334-336 —

atribui a prescricao simplesmente duas fungi:3es: a de proteger o devedor e a de estimular o

credor. Dada a sua extensio, elas tocam, no entanto, o essential do problerna.

( 623 )

STAUDINGER/SCHMIDT, BGB

12

Cit., §

242,

n.°

464-467 (159).

Finalmente, as prOprias

leges speciales

sao susceptiveis de comple-

mentacao pela boa fe: sao as inalegabilidades da prescricao ou do

decurso de certos prazos, por inadmissibilidade do seu exercicio (

6 21

).

IV. 0 quadro preconizado por

JURGEN

SCHMIDT

consegue

uma panoramica integrada de aspectos antes obscuros. Ele prOprio

carreia, porem, elementos importantes para a sua superacao. Vai

defender-se, aqui, que tal quadro nao exprime a essencia da repercussao

do tempo nas situacZies juridicas, que ele corresponde mal ao dado

juridico alemao e que trio se adapta nada ao portugues.

Sendo ponto de partida, para o debate, a possibilidade de

discrepancia entre o sentido social das normas e a efectividade dos

factos, nao a exacto que do Direito promane, com o

lex generalis,

o fazer corresponder o primeiro a segunda. Pelo co ntrario: o Direito

tem vocacao real para interferir no dado sociolOgico, alterando-o.

A discrepancia entre uma efectividade social e a regulacao juridica

correspondente resolve-se, em condicoes normais, a favor da segunda.

E esta

 nao a inversa — a

lex general is.

Quando o D ireito entenda

dar a primazia a efectividade social ha, pois,

lex specialis. Nao

deve, dal

recorrer-se ao conceptualismo facil de afirm ar que, na falta de regu-

lacao especial, cai-se na geral, o que acarretaria, desde logo, a impos-

sibilidade de quaisquer complementac

-

oes e, ao arrepio de meio sect&

de aperfeicoamento juscientifico, a inviabilidade da

suppressio .

Nao

pode, porem, escamotear-se uma inter

-

10o norm ativa prima de manter,

uma vez concedido, o direito subjectivo: a permissao juridica que o

consubstancia, porque permissio, nao implica exercicio necessario

e, porque juridica, nao tolera interferencias exteriores que, do per-

( 624 )

CANARIS,

Vertrauenshaftung

cit., 372. Como se

le

al,

SIEBERT

ja

houvera, inciden-

talmente, utilizado o termo;

foi, porem, C.

quern the deu urn sentido cientifico preciso.

( 625 )

LARENZ,

SChti/dR/AP

2

(1979), § 10.

( 626)

STAUDINGER/SCRMIDT, BGB

12

Cit., §

242, n.° 514 ss. (176 ss.).

( 627 )

SOERGEL/SIEBERT/KNOPP,

BGB1 ° cit ., Cit., § 242, n.° 268 ss. e 275 ss. (78 ss. e

80 ss.); cf

HAUEISEN,

Unzulassige Rechtsausiibung and Offentlich-rechtliche Attsschlussjiisten

cit., 729.

818

exerc ic io inadmissive l do .

posicoes

juridicas

mitido, facam proibido. To pouco deve ignorar-se a condenaoo

natural em que incorre o comportamento nao permitido

:

a

s u a

de o proscrever, associando-lhe consequencias gravosas crescentes

Da eficicia destas proposiceies depende a possibilidade de intervencao*

do Direito na sociedade, o que a dizer, depende o prop •

op n

o

§ 30.° A «suppressi• e a «surrec t io*

19

extraordinirio e, nessa medida, excepcional. Outrotanto sucede

com

a

surrectio

(

629

).

A adaptacao do esquema de

JURGEN SCHMIDT

ao direito portugues

nao

seria possivel. 0 COdigo civil, mais perfeito, neste campo,

do que o BG B, estabelece urn sistema harmonioso de repercussao do

tempo nas situacoes juridicas. Assim, em vez de lim itar a prescricao

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Direito. SO principios contraditorios ou diversos, dotados de

potencialidades normativas muito intensas podem, aqui e ali, quebrar

essa lOgica. Duas co nsequencias, pois: a pura efectividade social,

quando dela nao se desprenda um a norm atividade, nao vai, a titul

o

juridica alcancada, correctamente, pela interpretacao; o influxo da

efectividade social sobre o juridico, quando ocorra, a

lex specialis,

com

o sentido axiolOgico-m aterial, mais do que conceptual, que

esse qualificativo implica. Esse sentido e o da repercussao d o tempo

nas situacoes juridicas.

0 dado juridico alemao sobre a

suppressio

presta-se a equivocos.

Hi que eviti-los, o que nao foi conseguido por

JURGEN SCHMIDT.

0 desenvolvimento, em extensao, da

suppressio,

que a levaria, de

contrapeso equitativo para urn direito de revalorizacao monetiria

conseguido

contra legem,

a forma de extincao possivel em todos os

direitos di, desta, uma ideia de generalidade. M as essa ideia a super-

ficial. Defender, da generalidade, a possibilidade de uma aplicacao

a urn grande m imero de situacoes

é

ter, do fenomeno, uma represen-

(628N .

)

acao quantitativa

generalidade de um regime implica

a qualidade que tenham os valores, por ele propugnados, de, por si ,

estarem presentes, repetidamente, sempre que valores de outra ordem

e, no concreto, mais intensos, nao os afastem. A jurisprudencia da

suppressio

fez, da mesma, uma aplicacao parcimoniosa. Os valores

que ela comporta — e que se discute quais sejam — nao estao pre-

sentes, em primeira linha, na generalidade das situacoes juridicas.

Pelo contrario: eles surgem apenas em c ondicoes especiais afastando

entao, esses sim, valores genericos evidentes ligados a observancia

dos direitos devidamente constituidos e a inexistencia de direitos

quando faltem as previseies de constituicoes normais. A

suppressio

tida, na jurisprudencia e, tambem, na do utrina, como um remedio

(628)

E m esmo nesta perspectiva quantitativa, a generalidade levantaria chividas;

dc

facto, a

suppressio

surge, na pratica, predozninantemente, em certas areas ji referenciadas;

cf . . .supra,

804-805.

pretensoes — § 194 BG B — estende-a, como regra, a todos os

direitos, corn inclusao, pois, dos potestativos e dos imateriais;

apenas os direitos indisponiveis ou as excepceies legais se desviam dessa

regra — art. 29841 . A caducidad e corresponde ao instituir de prazos

especiais — art. 298.0/2 — e tern um regime diferente do da prescricao

—.arts. 328 .° ss. e 300.° ss., respectivamente. Das excepceies

regra da prescricao, a m ais notivel

e

a dos direitos reais de gozo;

a lei sujeita-os, no entanto, genericamente, ao nao uso o qual segue

as regras da caducidade — 298.. /3

(630)

.

que dizer: o Direito

portugues codificou a influencia do tem po nas situacoes juridicas em

termos conclusivos; todos os direitos subjectivos esti° sujeitos ao

tempo, de acordo com regras precisas

(

631

). Nao se poe, por isso,

como tal, urn problema geral de complementacao das regras que,

atraves da repercussao do tempo nas situacoes juridicas, visem adequar

a regulacao normativa as realidades ficticas; qualquer complementacao

teria de ser pontual. Acontece, porem, que o regime firmado pelo

legislador portugues quanto a prescricao, a caducidade e ao nao u so

e

pleno, no sentido, acima firmado, de nao comportar reducoes

teleologicas

(

632

). Ou seja: ao dimanar as normas respectivas, foi

escopo patente do codigo o nivelar, em torno de regras uniformes,

a

penalizaca'o pelo nao exercicio e nao o perm itir, no caso concreto,

uma busca individualizadora de justica

(

633

). A natureza extensiva

do regime, corn reserva de lei para os casos que requeiram tra-

(629)

P. ex.,

LARENZ,

SchuldR I AT

cit., 132.

( 630)

MENEZES CORDEIRO,

D.

Reais

cit., 2, 790 e 793, quanto a interpretacio desse pre-

ceito, no sentido apontado no texto.

(631)

Corn inclusio do proprio direito de propriedade, contraditando a sua por vezes

alegada perpetuidade com o caracteristica essential;

MENEZES CORDEIRO,

D . Reais

cit., 2, 896-897.

(632)

Su pra ,

791.

( 6 33 )

As justificacUs classicas da prescricao — p. ex., DIAs

MARQUES,

Prescript& exalt-

tiva

(1952), 11 ss. e

SPIRO

Cit.,

supra,

81 6

6 2 2

— tern a ver com escopos de politica legislativa

que, historicamente, levaram a consagracio do inst ituto e nao corn o fim objectivo e actual que

ressalta da lei; ou melhor: as justifica:c0es classicas em causa fa° prosseguidas, em primeira linha,

atraves da uniformizacio apontada no texto.

30.° A «suppress io* e a «su rrectio*

21

tamento diferenciado — art. 298.0/1 — atestam-no e a natur

e z a

0

ainda que pontuais, a repercussao do tempo nas situacties juridical,

tal qual emerge da regulacao civil

(

634

).

A isso acresce que a boa

fe,

vocacionada para intervir n

a s

Chega-se, assim, por uma via independente, a

conclusoes

para-

Wa

s as alcancadas no estudo do

ven ire con tra fac tum propr ium

(

6 3 7

).

Nao

apenas coincidencia.

VI.

Estabelecida a vantagem m etodolOgica em considerar a

suppressio

pelo prisma do seu beneficiario ha que, nessa linha, deter-

820

exerc ic io 4nad missive l de p osic3es jurld icas

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635

), nao se liga, directamente, a problernatica

do tempo n as situagoes juridicas: esta

é

entendida de modo absoluti-

zado, isolada, so reflexamente atingindo as contrapartes.

V. Cabe, pois, examinar a segunda via: a de, na

suppressio,

se pretender apenas proteger a situacio da contraparte. Urn aspecto

sintornitico, que nao tern sido sublinhado, prende-se corn a irregu-

laridade dos lapsos de tempo requeridos pela jurisprudencia para a

sua verificacao

(636). Procurasse a

suppressio

penalizar o nao exercicio,

num esforco para defesa da justica generalizante, e a tendencia seria

para a uniformidade: o nao exercicio seria urn desvalor em si

mesm o e todos os nao-ex ercicios se assemelham. Pelo co ntrario,

a irregularidade dos

4prazop

indicia uma justica individualizadora que,

do nao-exercicio, retem a projeccao na contraparte. As circunstancias

determinantes do tempo requerido prendem-se, pois, corn o bene-

ficiario da

suppressio .

Elas devem inforrnar uma situacao tal que o

exercicio retardado do direito surja, para a contraparte, como injus-

tica, seja, em sentido distributivo, por the infringir uma desvantagem

desconexa na panoramica geral do espaco juridico, seja, em sentido

comutativo, por the acarretar um prejulzo nao proportional ao bene-

ficio arrecadado pelo exercente, tendo em conta a distribuicao normal

a operar pelo direito implicado. A chave da

suppressio

esta, pois, na

alteracao registada na esfera da contraparte, perante o nao-exercloo.

Protege-se a confianca desta, em que nao h avers mais exerciaos;

a bitola pode ser procurada no sentido que

o

destinatirio normal

daria ao nao exercicio — art. 236.0/1.

(634) No Direito alem3o seria provavelmente possivel, atraves de uma interpretacio

adequada das normas fragmentarias que integram o BGB, chegar a conclusoes semelhautesi

o problema raiz) tem ocupado a doutrina germinica, mas nao tem de ser aqui reso1vid°-

(

6 3 9

Cl.

supra, 760.

(

6 3 6

)

Cl.

supra, 811605.

minar-lhe os efeitos.

A doutrina alema

nao

tern dado este passo por razoes que se

prendem, provavelmente, corn uma tradicao juscultural ligada a dece-

nios de consagra* jurisprudential da

suppressio,

que cabe preservar.

Quando trata da

surrectio,

JURGEN SCHMIDT

nao deixa, porem, de apon tar

como sua manifesta* primeira a vantagem conferida a outra parte pelo

funcionamento da

suppressio

(638).

Elsa man ifesta*, acrescenta J. ScH .,

nao a problematica, uma vez que

se ampara na pr6pria

suppressio,

ji consagrada.

Perante urn fenOmeno de

suppressio,

o beneficiario pode encon-

trar-se numa de duas situaceies: ou, tendo-se livrado de uma adstricao

antes existente, recuperou, nessa area, uma permissio generica de

actuacao ou, tendo conquistado uma vantagem particular, adquiriu

uma permissio especffica de aproveitamento, ou seja, um direito

subjectivo. A

surrectio

tern sido utilizada para a co nstituicao

ex novo

de direitos subjectivos

(

639

). Fale-se, ai, de

surrectio

em sentido prOprio

ou estrito. Nao deve, no entanto, operar-se uma autonomizacao

em profundidade da

surrectio

estrita, uma vez que a prim eira possibi-

lidade do beneficiario, portanto a mera recuperacao duma liberdade

de mo vimentos, antes perdida, — cham e-se-lhes a liberacao — the

esta prOxima

(640

). Englobando esta Ultima pode, pois, falar-se de

uma

surrectio ampla.

VII. Equacionando os requisitos da

surrectio,

JURGEN SCHMIDT

remete, praticamente, para a

suppressio

(

641

):

exige-se urn certo lapso

(637)

Cf.

supra,

752.

(638)

STAUDINGER/SCHMIDT,

BGB" cit ., § 242, n.° 514 (1 76).

(639)

E a posh* patente em

CANARIS,

Vertraueruhafiu tig

cit., 372 e

LARENZ,

SchuldR I AT'

3

t•,

132. Esses AA. nao defendem, contudo, expressamente, que a

surrectio

so possa

Implicar direitos; repare-se que a comum, em Direito, falar-se em direitos subjectivos pars

des

ignar genericamente, situacifies vantajosas para as pessoas.

(640)

SCH MIDT,

ob.

e

loc. cit . supra, 8216

35 .

( 64 1 )

STAUDINGER /SCH MIDT,

BGB'

2

Cit., §

242, n.° 517-520

(177) .

822

exercicio inadmiss tvel de

posioies juridicas

de tempo, por excelencia variivel, durante o qual se actua uma

situacao juridica em tudo semelhante ao direito subjectivo que vai

surgir; requer-se uma conjuncao objectiva de factores que concitern,

em nome do Direito, a constituicao do novo direito; impoe-se

a

surrect io .

Mais preciso,

CANARIS aponta

(642): a

presenca de uma previsao de confianca,

a imputacao da situacao a criar — uma vez que a

30.° A

4suppressio* e a .surrectio

23

Em BG H 2Q-D ez.-1971 decidiu-se a questa() levantada pela pessoa

que, tendo construido uma casa corn urn emprestimo ao abrigo de

r

egulamentacao que s6 o autorizava para venda com o habitagio prOpria,

o arrendara corn obrigagao de venda , ao locatario. Mais tarde, a regula-

mentacio a alterada, desaparecendo essa exigencia. Nao obstante, o BGH

entendeu que, por exigencia da boa fe, a transferencia devia ter lugar (

6 4 6

) .

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surrect io

de uni

a titulo de culpa ou de risco, a boa fe subjectiva do beneficiirio,

no sentido de este ter, pelo menos como provivel, a regularidad

e

da

situacao fictica subjacente e ausencia de quaisquer outras soluciies

impostas pelo Direito, como sejam obrigacoes de indemnizar ou de

restituir enriquecimentos. Tal como a propOsito das previsoes de

confianca, patentes no fenomeno do

venire contra factutn proprium,

ester factores nao sac), em absoluto, necessirios; o seu funcionamento

processa-se dentro das regras, ji definidas, da sistemitica move (

6 4

3).

Como exemplos jurisprudenciais de

surrectio

em sentido estrito tem

sido apresentadas algumas decisoes judiciais que nem sempre surtem,

corn grande evidencia, o efeito pretendido. Refiram-se, no entanto, as

mais claras.

Em BGH 17-Jan.-1966 discutia-se a situacao criada por, numa

sociedade, durante mais de vinte anos se ter, corn o acordo unanime

de todos os socios, procedido a uma distribuicio de lucros no correspon-

dente ao pacto social. Este so poderia ser alterado corn certas formali-

dades, o que nunca foi feito. 0 BGH, atentas as circunstancias,

entendeu que a distribuicao nao official deveria ser mantida para o

futuro (

6 4 4

) .

Em BayObLG 16-Jun.-1971 tratou-se o problema posto pelo use

de titulo nobiliirquico, ao abrigo do Direito antigo, aplicavel ao caso,

mas corn presenca concomitante de principios actuais. Uma familia bavara

acabara por se transferir para a Rtissia; os seus descendentes vieram,

muito mais tarde, requerer o titulo (duque de Leuchtenberg), em termos

contestados. 0 BayObL G decidiu que, no h avendo, nos interessados,

qualquer ligacao a Baviera, nao surgira qualquer confianca digna de

pro teccao

( 64 2 )

CANAIUS,

Vertrauenshaftung

cit., 372-373.

LARENZ,

por seu turno, que too, alias,

uma rem issio generica para

CANARIS,

refere, em especial, a necessidade de condicoes muito

ponderosas para que possa haver

surrectio — SchuldRIAP

3

cit., 132.

(643)

Supra,

759.

(644)

BGH 17-Jan.-1966, WM 1966, 159-160.

(645)

BayObLG 16-Jun.-1971. BayObLGZ 21 (1971), 204-217 (205-206 e 216).

A aplicacao dos requisitos, deslindados para a

surrectio

estrita, a

surreal°

ampla, o que d dizer, a

suppressio ,

tornam-na bastante mais

clara e consistente: a

suppress io

desenha-se como uma consequencia

da formacio, por

surrect io

ampla, de situacao incompativel com a

atingida; por outro lado, apaga-se, em definitivo, o tempo, como

requisito autOnomo (

6 4 7

).

76.

Reformulacao; o problema a face do codigo c ivil; o acOr-

dao do STJ, de 26 de Marco de 1980

I .

0 desenvolvimento anterior permite afirmar a necessidade de

uma reformulacao global da

suppressio ,

em termos de conclusio.

Embora indi rec tamente, CANARIS e JUR GEN SCHMIDT deram ele-

mentos que, sendo aproveitados, facilitam essa tarefa. 0 primeiro

apresenta o conceito de

surrect io

e afina-lhe os requisitos. 0 segundo

tenta defender a

suppress io

e a

surrect io

como complementacOes

ao que, por comodidade de

expressao,

se tern chamado de repercussao

do tempo nas situaciies juridicas. 0 caminho iniciado por CANARIS

pode desenvolver-se da forma seguinte: na

suppressio ,

no esti em jogo

a extincao gratuita do direito do titular nao-exercente, mas antes

o beneficio reconhecido a contraparte; apura-se, assim, a ideia de

surrectio

ampla a qual se aplicam os factores isolados por CANARIS,

na Optica da sistemitica move . A via tri lhada por JURGEN SCHM IDT

explora-se pela negativa: chamando a atencao para as normas que

(646)

BGH

20-Dez.-1971, NJW 1 972, 536-537. E m decisoes antcriores como, por ex.,

RAG

12-Dez.-1934, ARS 23 (1935), 37-43, an. favorivel de

HUECK,

1 0 C .

ci t . ,

42-43 z RAG

27-Jun.-1944, ARS 47 (1944), 221-224 — onde, respectivamente, se ncgou urn direito osurgidc,

,,

alegado corn base em convencio ticita e urn direito a provisoes entregues a urn representante-

-viajante — esti menos clara a ideia de surgimento possivel corn base na boa fe.

(

6

9 JURGEN SCHMIDT

mantem-no, como se viu.

Hi,

no entanto, que

ter

em conta o

facto de esse A. pretender imputar a

suppressio

e a

surrectio

a

necessidade de complementar as

normas references 1 prescricio e 3 caducidade.

(645) .

824

exercicio inadmissivel de posiroes juridicas

regulain o tempo nas situacoes juridicas, ScHmarr permite constatar,

afinal, a natureza plena das mesmas; estas tornam-se, deste modo,

insusceptiveis de reducao teleolOgica e, por isso, de complementaca

o

.

0 fenOmeno da

suppressio ,

traduzido no desapareciment

o

de

posicoes juridicas que, nao sendo exercidas, em certas condigoe

s ,

durante determinado lapso de tempo, nao mais podem se-lo, sob

§ 30.° A 4suppressio»

e a «surrect io» 25

II . Estas conclusOes

alicercam-se na jurisprudencia alema

e nas

c

onsideracOes que, sobre ela, a doutrina foi tecendo. Serao aplicaveis

ao Direito portugues?

0 ambiente juridico-cultural

do

Direito privado portugues

e

favorivel a uma resposta positiva. Recorde-se que o COdigo

Civil de 1966 operou, em aspectos fundamentais, uma recepcao de

formulas alemas, corn incidencia particular na boa fe; sublinhe-se que,

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pena de contrariar a boa fe, corresponde a uma forma invertida de

apresentar a realidade. A

suppress io

é, apenas, o subproduto da for-

maclo, na esfera do beneficiario, seja de um espaco de liberdade onde

antes havia adstricao, seja de urn direito incompativel corn o do

titular preterido, seja, finalmente, de urn direito que vai adstringir

outra pessoa por, a esse mesmo beneficiario, se ter permitido actuar

deste modo, em circunstancias tais que a cessacao superveniente da

vantagem atentaria contra ab oa

f e .

0 verdadeiro fenOmeno em jogo

o da

surrect io ,

entendida em sentido amplo. E nesta que devem ser

procurados requisitos. Estes, ainda que aproveitando as investigagoes

de CANARIS, devem ser ampliados de modo a adaptarem-se

extensao verdadeira do problema englobando, pois, quer a

surrect io

propriamente dita, quer a liberacao. Assim, o beneficiario tern de

integrar uma previsao de confianca, ou seja, deve encontrar-se numa

conjuntura tal que, objectivamente, urn sujeito normal acreditaria

quer no nao exercicio superveniente do direito da contraparte, quer

na excelencia do seu prOprio direito. Subjectivamente, ele deve estar

de boa fe, no sentido de nao ter consciencia de prejudicar outrem

e de ter acatado os deveres de indagacao que, no caso, ocorressem.

Esta situacao deve ser imputivel ao prejudicado pela

surrect io ,

seja

porque este, em directo, the deu lugar, seja porque ela acompanha, corn

concomitancia, outras

situacoes relativas ao

mesmo prejudicado, em

termos tais que fazem surgir a ideia de risco. No concreto, algum ou

alguns destes requisitos podem faltar, desde que os restantes assumam

uma intensidade tal que supram a sua ausencia: integram urn sistema

move]. A

surrect io ,

por fim, nao deve ser afastada por normas

especificas ou por outros principios que, pontualmente, se the

sobreponham e e supletiva, no sentido de postular a inaplicabilidade,

ao caso em causa, de quaisquer outros remedios que satisfacam a

necessidade juridica imperiosa que ele visa contemplar. A base legal

da

surrect io

reside no preceito que mande actuar de boa

f e .

no tocante ao exercicio inadmissivel de direitos, esse fenOmeno foi

particularmente claro, embora tenha operado corn a mediacao

do COdigo grego; acentue-se, por fim, que uma transposicao de

formulas

pressupoe, para ser coerente,

a aprendizagem da Ciencia

que lhes esteja subjacente, isto é, implica uma verdadeira

recepcao.

As especificidades do Direito portugues reforcam, ainda, a aplica-

bilidade, a sua luz, das concepcoes tecidas em torno da

suppress io

e da

surrect io .

Como foi focado, o Direito portugues firma urn regime de

repercussio do tempo nas situacoes juridicas que, mais claramente

ainda do que o alemao

( 6 4 8 ) ,

veda, por plenitude, a sua complemen-

tacio. A

suppressio ,

como form ula da repercussio do tempo, ainda que

dificultada pelo aditamento de outros requisitos, nao tem possibili-

dades de singrar.

Importa rejeitar desde ji, embora a questa° tenha de ser retomada

em termos genericos, a eventual defesa de uma

suppressio

baseada na neces-

sidade, posta pelo art.

3 3 4 . 0 ,

de no ultrapassagem, no exercicio dos direi-

tos, de forma m anifesta, dos limites postos pela fungi() social e econ6-

mica dos direitos em causa. 0 raciocinio falacioso seria qualquer coisa

como: a ordem juridica, ao conceder, um direito, fá-lo, naturalmente,

corn a funcao social e econOrnica de que de seja, de facto, exercido:

no o sendo, passa-se o limite posto por essa fungi°, extinguindo-se o

direito. Este esquema no proc ede por tres razoes.

Em

primeiro lugar,

porque uma extinc

ao arquitectada nestes termos postula uma efectiva

reciticao teleolOgica da regulaclo referente aos efeitos do tempo sobre as

as situacoes juridicas; viu-se qu e isso nao 6 posslvel. Seguidamente,

porque a funcao social e econOmica dos direitos — e o que, a essa

formula, se abrigue (

6 4 9

) — 6, por n atureza, igual para todos os direitos

da mesma especie. Ora a

suppressio

varia, no seu funcionamento,

consoante as circunstancias de cada caso. Por fun, porque o remedio

indicado para o direito, alegadamente

no

exercido em contradicao

649)

Cf.

supra,

819.

649)

Infra, n .°

115.

826

exercicio inadmissivel de, posiciies juridicas

coin a fling

-

4'o social ou econornica corn que tivesse sido concedido, seria

nao a sua extincao, mas o seu exercicio por terceiro, em nome e p

ot

650.

A

surrect io ,

pelo contrario — e, assim sendo, a

suppressio ,

mas ape..

nas como subproduto e corn urn sentido diferente do habitual

6,

de form a directa, pressuposta pelo

art. 334.°,

nalgumas das suas

§ 30 . ° A 4su ppress io * e a esurrec t io » 27

exercente e, concomitantemente, que sejam ampliados — ou mesmo

direitos da contraparte. Ainda por forca do abuso do

s d e i r e c i r t i o e m —

pode o titular exercente incorrer em vinculacoes, como corres-

pectivo do direito surgido

na

esfera da c ontraparte.

0 C Odigo civil admite, pois, pelo art. 334.°, em mera ponde-

racao dedutiva, a

suppressio

e a

surrect io .

0 que

nao

admira,

tuna vez que esse resultado foi conseguido no Direito alemao,

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manifestacoes. Quando o art.

334.°

considera ilegitimo determinados

exercicios postula, automaticamente, a existencia de beneficiario

s :

este nao dever ter lugar

(

651

 

A lei nao distingue o tipo de beneficio

positivo implicado na vantagem, formulada pela negativa, como

«nao poder ser atingido por actos ditos abusivos*. Por imperativo

logic°, no entanto, esse beneficio sera ora a recuperacao de uma

liberdade generica de

actuacao

onde antes faltava, isto 6, onde antes

havia adstricao, ora a formacao de uma perm issio especifica de apro-

veitamento onde antes existia ou, apenas, uma permissao gene-

rica

(652

) ou, ate, uma adstricao. Em regra, estas alteraceies norma-

tivas conduzem, tao so, ao ampliar de posicoes jussubjectivas ji pre-

sentes na esfera do beneficiario, isto 6, a acrescentos feitos no contetido

dos seus direitos e, na Optica do titular exercente, as restricaes

correspondentes nos direitos que nao devam ser exercidos de modo

abusivo. Quando, porem, o beneficiario incorra numa vantagem

especifica e autOn oma, h a, para ele, um direito subjectivo novo:

ocorre um fenOmeno de

surrect io .

Paralelamente, sendo esse d ireito

novo urn direito relativo, adstringe-se a contraparte a urn dever.

Da m esma forma, o titular-exercente pode, por forca das regras que

vedam o abuso do direito, ver um direito seu de tal forma

coarctado pela restricao ou, simplesmente, incom patibilizado corn

um nov o direito surgido na esfera da contraparte beneficiaria, que caiba

falar de uma v erdadeira extincao.

0 art. 334.° permite pois que, por forca do abuso do direito,

sejam restringidos — ou m esmo se extingam — d ireitos do titular

( 6 5 0

) MENEZES CORDEIRO,

D. Reais

cit ., 2, 820-822, corn uma enum eracio exemplifica-

t iva de outras sanclies possfveis, m as sempre peculiares.

661

) Possibilita-se, assim, tambem um a proteccio refiexa; historicamente, no entanto,

o abuso firmou-se, corn nitidez, contra uma pessoa, a favor de outra.

/652

,

)

A permissio genE rica — p. ex., a autonom ia privada e a liberdade de actuacao

material — nao di, ao contrario da especffica, lugar a direitos subjectivos em sentido proprio.

Cf.

MENEZES CORDEIRO,

D. Obrigailes cit., 1, n.°'

16-17.

corn apetrechos norm ativos bem inferiores aos proporcionados pelo

l

e

gislador de 1966.

Esta

problematica nab se prende com as ch. sancoes pelo abuso

do direito. Q ualquer sancao postula situagOes materiais previas cuja

violacao vise impedir ou remediar . E irnportante sublinhar que, ana-

liticamente, o papel do abuso do direito nao se limita, apenas, a urn dever

informe de nao abusar ou a urn direito, tambem informe, a que nao se

abuse. Recordem-se algumas decisoes celebres relativas ao abuso d o

direito. A construcio de um a chamine falsa para tirar o dia ao predio

vizinho 6 abusiva

(

653

):

o beneficiario ye ampliar o seu direito de

propriedade, acrescido da faculdade d e beneficiar da luz natural vinda do

predio vizinho; a contraparte ye limitar o seu direito de propriedade,

nao podendo construir chamines falsas. A proibicao, imposta pelo pai

a um filho, de v isitar o tfunulo da mae, situado no castelo daquele, 6 abu-

siva

(

654

)::,o filho tern urn direito de visitar o tumulo e o pai o dever de

tolerar a intromissao; o nao assumir, por parte do construtor, das medidas

necessarias para precaver os interesses comuns dos moradores 6 abusivo

(

655

):

os moradores tem um direito a que tais medidas sejam tomadas e o

construtor tern o clever de o fazer.

Esta experiencia na repressao do abuso, que se estende por mais

de urn seculo 6, assim entendida, esclarecedora no sentido pratico efectivo

propugnado pelo instituto. Nas decisoes respeitantes a

suppressio,

o vector

positivo, i. é,

constitutivo de posicOes juridicas favoriveis novas do abuso

do direito fica mais claro ainda: nao sf trata, de modo algum, de

penalizar pessoas, numa operacao punitiva estranha, em absoluto, ao espi-

rito do Direito civil, mas a ntes de a:segurar vantagens, tidas por justas;

estas poderao, depois, inutilizar posicOes adversas, corn elas inco mpativeis.

Na jurisprudencia directamente ilustrativa da

surrectio

em sentido res-

trito

(

656

), nota-se a particularidade, quase linguistica, de se abordar

decisoriamente o tema pelo prisma do beneficio a atribuir, em vez de

( 6 33 )

C. Imp. Colmar, 2-Mai.-1855, D 1856, 2, 9-10.

(634)

RG 3-Dez.-1909, RGZ 72 (1910), 251-255.

(655)

Casslt 15-Nov.-1960, Fl 1961, 1, 256-261.

(656)

Recordem-se BGH 17-Jan.-1966, WM 1966, 159-160, BayObLG 16-Jun.-1971,

BayObLGZ 21 (1971) , 204-217 e BGH 20-Dez.-1971, NJW 1972, 536-537.

828

exerc ic io inadru issive l de poskiks jurid icas

§ 30.° A «suppressio» e a «surrectio*

29

o

fazer pela porta das inibicoes corn isso conseguidas.

E

importante, n

e s t e

campo como noutros, surpreender, sob os esquemas comunicativos

formais, os aspectos materiais em jogo.

III. Resta aclarar, dentro da logica interna do art. 334

. .,

urrectio

e a

suppressio.

A

experiencia jurispru-

dencial que esta na base dessas figural demonstrou o lidar-se, nelas,

factos, a

A.

teve de executar obras de reparacao e de revestimento, com

um dano global de 237 800 500, mo ntante da indemnizacio que, judi-

c

ialmente, vem exigir ao R.

Perante estes elementos, o Supremo decidiu a aplicacao do art. 334. °.

As obras de dem olicao do R. foram causa efectiva dos danos sentidos

pela A.: nao foram levados a cabo corn as precaucoes necessarias.

0

R. ((exerceu o seu direito, movendo-se ao abrigo do disposto no

art. 1305.° do COdigo Civil. Excedeu, porem, os direitos. que a lei the

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corn um a justica individualizadora, que pondera as circunstancias

especificas de cada caso concreto, no que tenham de particularizador.

Exclui-se assim, que exista aqui uma aplicacio da fun cio social ou

econOm ica que tenha presidido a atribuicao dos direitos envolvidos:

este factor, como se frisou, conecta-se corn todos os direitos da

mesma especie os quais, tendo fungi() identica, revelam a intencio

normativa de uma justica generalizadora

(

657

).

To

pouco os bons

costumes tern utilidade: eles esdo vocacionados para valorar situacoes

isoladas, independentemente, pois de relacao

(

658

). Todas as situacoes

ditas de

suppressio

ou de

surrectio

implicam dois sujeitos relacionados

entre si, em termos cujo equilibrio o direito pretende assegurar.

S u p -

pressio e surrectio

operam con tra o titular de urn direito por este no

dever, no seu exercicio, exceder os lim ites impostos pela boa fe

(

659

) .

0 Codigo exige ainda que o excesso seja manifesto: visa, corn isso,

vincar a ji aludida natureza extraordiniria dessas medidas.

IV. Urn caso nitido de surgimento em sentido estrito, tal como foi

deslindado por

CANARIS,

a

dado pelo acordao do STJ de 26 de Marco

de 1980

( 6 6 0

)

.

Julgou-se, ai, corn base nos factos que seguem, sintetizados.

A A. a proprietiria de urn predio composto de casa com quatro

pavimentos e quintal.

0

R. adquire urn predio vizinho, tambern edi-

ficado, e pratica, riele, obras de demolicao. V isava, com isso, construir

um novo edificio, recuado de 35 m 2, segundo o al inhamento imposto

pela Camara Municipal. Os edificios contiguos tinham, na situacao

initial, uma parede com um ate ao primeiro andar e, dal para cim a, duas

paredes justapostas, uma de cada casa. Por

forca

do recuo requerido na

construcao do edificio novo, o edificio da A. ficou corn uma parede

exposta ao tempo. Em consequencia da dem olicao ocorreram, na casa

da A., determinados danos; esses danos foram aumentando, sobretudo

por forca de infiltracoes na parede exposta.

0

R., antes da accao,

prometera mandar reparar os danos, o que nao fez. No termo destes

(657) Cf.

supra,

825.

(658) Cf.

infra, n.°

113.

(659) CI

supra,

824.

(660)

RTJ 114 (1981), 35-40.

facultavas. E o acOrdao cita, a esse proposito, o art. 334.0. F ocando o

facto de o R. haver prometido reparar os danos, o que nao fez, o acordao

considera, no R ., urn gcomportamento

anti juridico

capaz de determinar

a obrigacao de indemnizar*

(661).

V. Antes de apreciar criticamente esta peca judicial, a todos os

titulos notivel e premincio feliz dum activar definitivo das potencialidades

contidas no COd igo de 1966, cabe fazer algumas consideracEies sobre

tecnica de decisao judicial, nomeadamente quand o se trate de concretizar

disposiceies altamente genericas, como o art. 334.°, ou os valores ai

contidos. Mais importante do que a construclo teOrica — essa vem depois

é

a colocacao do problema, i. é, o isolar, numa massa de factos, qual,

exactamente aquele — ou aqueles — que carece de uma traducio a nivel

juridico. Ha, pois, um pre-entendimento da causa sem o qual

nao

s e

pode falar de quaisquer aplicacties

(662).

Assim, no caso da chamine

falsa de Colmar, o tribunal Os o dedo no problema e decidiu bem; mal

sabia que estava a fundar a teoria do abuso do direito — cuja expresso

demoraria meio seculo a aparecer — e que ainda hoje agita a doutrina.

Tambem nas decisoes que fundaram a

suppressio

( 6 6 3

) e a

surrectio (

6 6 4

),

nao hou ve, nas instancias judiciais respectivas, qualquer ideia geral do

significado teorico das decisoes tomadas. M as elan nao foram puramente

intuitivas. Do con junto conhecido da ordem juridica, os juizes isolaram

o que.nio se coadunava satisfatoriameate corn os elementos doutrinirios

i i d

d iu  

existentes — evitando, pois, uma decisio errada — e, a face do sistema,

édecn

bv

m

ti

ema

entido material conveniente e logo justificado.

0

consenso

Nao

e,

pois, de estranhar que o

STJ,

ao decidir, em 26 de Marco

de 1980, nao tenha mencionado a

surrectio,

neologismo corn que se

pretende designar a

Erwirkung,

cla propria uma expresso nova na doutrina

alema, embora corn urn contetido conhecido pela jurisprudencia.

0

essen-

tial nao esta nas qualificacoes, que com pete a doutrina, paulatinamente,

i t trabalhando, m as antes na fma percepgao do juridico, adequado ao

momento juscultural vivido.

(661)

RI.J 114 (1981), 37-39 e 39-40.

(662)

Cf. EssER,

Vorverstdndnis 2

cit., 137 e H.J. Koos,

Zur Rat ionalitd t richterlichen

Entscheidens cit.,

197 ss.. Cf.

supra,

37 ss..

( 663)

Recorde-se ROHG 8-Abr.-1873, ROHGE 9 (1873), 412.

(664)

Recorde-se BGH 17-Jan.-1966, WM 1966, 160.

54

830

0 exercicio inadmiss ivel de poskaes jur idicas

A materia de facto sobre que se debruca o acordio cornpreende

elementos que permitiriam trilhar uma de tees vias: a responsabilidade deli-

tual, o

venire contra factuin proprium

e a

surrectio (

6 6 5

).

A responsabilidade

delitual resultaria de, na demolicao, o R. ter actuado corn negligencia, pro-

vocando, por actuacao directa — trepidacoes, material projectado, p

an

,

cadas — danos no edificio da A.. Aplicar-se-ia, entao, o art. 483.0/1, por

violagao da propriedade. Embora alguns factos constantes do relatorio

do ac6rdio deixem antever danos causados desta forma (

6 6 6

), des teat)

§ 30.° A «suppressioo e a ourrectio

31

agora desaparecido ?

0

Codigo C ivil , nao obstante compreender uma

regulacao extensa e aperfeicoada das relacoes de vizinhanca, nao con-

templa,

e

xpressamente, esta hip6tese

(668 

• Ha

que ponderar o problema,

i face dos principios gerais. Urn edificio contiguo a urn outro traz-lhe

desvantagens, mas, tambem, alguns beneficios. Destes avulta uma

proteccao, seja pela maior estabilidade do conjunto, seja por deixar

a

parede sobreposta ao abrigo do tempo. A vantagem 6, alias,

reciproca e comprova-se, no caso do acordlo, pelas desvantagens que, da

partida, nenhum dos vizi-

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sido consumidos pela situagio de exposicao em que ficou o edificio d

a

venire contra factum proprium

resulta de o R. ter prometido

reparar os danos e de ter faltado.

0

Supremo

fez

bem em nao

deixar de valorar este aspecto que, ainda quando o R. nao estivesse ji em

falta, seria bastante para concluir pela violacao da boa

1 6

preconizad

a

no

art. 334. °. A o prometer essas reparagiSes, o R., para mais nas condicOes

em que o fez, criou, na A., a conviccao de que assim seria. Integrou-se,

pois, uma previsio de confianca, imputivel ao R.,

e

corn boa 1

.

6 subjectiva

da A., convicta de ser esse o seu direito. Corn b ase nessa previa:), a A. fez

o investimento de confianca requerido por

CANARIS

e por JURGEN

SCHMIDT:

nao tomou, ela propria, as medidas imediatas de reparacao,

acabando por faze-lo apenas mais tarde, quando os danos eram subs-

tancialmente maiores, quer pela progressio das infiltracoes, quer pelo

encarecimento dos materiais e da mao de obra. Esta situagao, mesmo

na ausencia de uma verdadeira obrigagao contratual que tenha advindo

da «promessa* do R., di origem a uma obrigacao legal, fundada

positivamente, na boa f6 e corn o conterido do

fac tum proprium,

cuja

proibicao de contradicao resulta, como se viu, no Direito portugues,

do art. 334.° ( 6 6 7

). Tambern esta via ficou consumida no conjunto da situa-

cao: por urn lado e independentemente do

f a c tum pro pr i um,

o R. ji

estava, como se vai ver, vinculado a d eterminadas reparacoes, antes de

ter feito a «promessan por outro, o

f a c tum pro pr i um

reportava-se aos

danos existentes num momento recuado, altura em que eram apenas uma

fraccao do que atingiriam no fim.

Fica, pois, a .hip6tese da

surrectio.

Repare-se que a essencia do pro-

blema reside, nao ern accoes directas do R. contra o edificio da A.,

mas em de nao ter tornado medidas necessirias para defender esse

edificio da situacao de exposicao a que ficou sujeito pela demolicao c,

depois, pela construcao recuada: o grosso dos danos parece, afmal,

obra

das infiltracoes; mas todos des resultam de se ter retirado o edificio

contiguo. Tinha a A. urn direito a proteccao que the era assegurada

pelo edificio contiguo, em termos tais que, sendo de dem olido pelo seu

proprietirio, caberia a este tomar medidas que substituissem o amparo

(665)

Uma quarta possibilidade, a de terem sido violados deveres de seguranca no trafego.

vem suscitada por

ANTUNES VARELA,

an. a STJ 28-Mar. -1980, RIJ 114 (1981) , 40-41 e

72-79 (77). Sera exam inada

infra,

VII ss..

(666)

RLJ 114 (1981), 38.

(667)

Cf.

supra,

760.

demolicao, derivaram para o edificio da A ..

A

nhos tern direito ao beneficio assim recolhido; a possibilidade de se

constituir urn direito desse tipo, corn conteirdo real — o que 6 viivel,

na forma da servidao — nao vem considerada nos autos nem pode ser

ponderada, por falta de elementos. A permanencia dessa situacao, em

termos objectivos de reconhecimento ficil, a de molde a suscitar a

confianca, neste caso, da A.. Ela nao tern de se preocupar corn a sua parede

justaposta, pois, a do edificio contiguo da-lhe proteccao: e o investimento

de confianca. A situacio a imputivel ao R. a dois titulos: o edificio

protector era dele e a demolicao foi operada por de. Nestas cond igoes,

destruir o edificio contiguo sem tomar as precaucoes para proteger

a casa vizinha, excede manifestamente os limites impostos pela boa f6:

hi, na linguagem do C Odigo, abuso do direito. Analiticamente, a boa fe,

em conjunto corn os factos acima alinhados, levou a que surgisse, na

esfera da A., urn direito a proteccao, a cargo do R., o qual, havendo

demolicao, se traduz no d ever de tomar as precaucoes necessarias para

que, ern consequencia do desaparecer do predio contiguo, ocorram

danos no edificio subsistente (

6 6 9

)

art. 3m.

..

A base legal desta solucao 6 o

VI. 0

acOrdio do STJ de 26-Mar.-1980 foi anotado, na RL J, por

ANTUNES VARELA.

A anotagio 6 importante, por dugs raz'Oes: por urn

lado, traduz mais urn apoio doutrinirio (

6 7 0

) no sentido da aceitacao, nos

creditos, de uma proteccao contra terceiros, o mais nao seja atraves

da figura do abuso do direito (

6 7 1

); por outro porque, partindo dos

arts. 492.° — danos causados por edificios ou outras obras — 493.°

— danos causados por coisas, animais ou actividades — 502.° — danos cau-

sados por animais — 13 47.° — instalacoes prejudiciais e dever de inde-

(668)

Art. 1346.° ss.; cf.

MENEZES

Coananto,

D. Reais cit. ,

1, 590 ss..

(669) Outra leitura possivel seria a de que, em consequencia do

facto

econtiguidade*,

teriam surgido deveres m6tuos tendentes a evitar que, da supresslo repentina do facto, causada

por ulna pessoa, derivem danos.

doutrina da enormatividade dos factos', cuja ponde-

7

acio dogmitica, pela necessidade reconhecida da reducio dos problems, passa pelo sistema.

(

6 7 °

) Neste momento, e contrastando coin o panoram a doutrinario portugues ainda

vevido M poucos anos, pode falar-se ji em unanimidade em torno de uma proteccao

a

largada dos creditos. t de esperar, tambem, a sensibilizacio da jurisprudlncia para esta

threctiva tiara do Direito vigente.

(

6 7 1

) ArrrumEs

VARELA,

RIJ 114 (1981), 76, 2.' col..

832

exerc(cio inadmissivel de posiceies juridicas

mnizar por danos dal em ergentes —

1348.

°— dever semelhant

e por

f

or

350.°

— ruina de construcao — e

1352.°

— obras defer

) . . .

sivas das Aguas — o seu Autor vem defender, a face do Direito portugues

s

urn dever geral de prevencao do perigo, sempre que um a pessoa crie

0 1

;

mantenha uma situacao especialmente perigosa

(

672

) .

0 dever geral de prevengio do perigo representa uma transposicau

feliz da doutrina dos deveres de seguranca no trafego ou, em terminologia

mais recente, dos deveres do trafego

(

673

). Essa doutrina tern a

s u a

§ 30.° A gs tippress io*- e a tsurrectio*

3 3

deriva de duas decisoes do

Reichsgericht,

tomadas no principio do

seculo. Na primeira, foi condenado o proprietario de uma arvore

podre que caiu num caminho publico, causando danos num edificio

do A.; o RG considerou, a esse propOsito, que o § 836 do BGB

nao

c

ompreende uma

,

norma singular, m as antes urn principio geral ja

conhecido pelos romanos

(

676

). Na segunda, foi condenada uma comuna;

tunas escadas ptiblicas nao tinham sido devidam ente limpas de neve e de

gelo, vindo um a pessoa cair nelas

(677

) .

.

seguem tres

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674

) no Direito penal, corn base no §

3

67/12

StGB, segundo o qual 6 punido aquele que, gem estradas, caminhos o

u

circulem pessoas, deixe pocos, caves, fossas, aberturas ou escarpas de tal

modo escondidas ou descuidadas que possa, dal, haver perigo para

outrem*

(675

). No Direito civil, a historia actual dos deveres do trafeg

o

( 67 2 )

ANTUNES VARELA,

RI-) 114 (1981), 77-79 (79).

(673)

Portanto,

Verkehrspfl ichten em

vez de

Verkehrssicherungspflichten;

LARENZ,

que uti-

lizava a segunda express

-

o em

Schu ldR1BT

1 1

(1977), § 72, I,

d)

(541), mudou para a primeira

em

Schu ldR1BT

1 2

(1981), § 72, I,

d)

(611) — esta ed.

trio

estava ainda publicada ao tempo em

que

ANTUNES VARELA

escreveu a anotacao a STJ, 28-Mar.-1981 : na base da alteracio esti o

estudo decisivo de

CHRISTIAN VON BAR,

Verkehrspflichten

1

Richterliche Gtfahrsteuerungsgebote

im deu tsche,: Deliktsrecht

(1980), 43 ss., que mostra ser a expressao antiga demasiado restritiva,

sendo, ainda, de assinalar outros escritos, como o de

HANS-JOACHIM

M E R T E N S ,

Verkehrspflichten

mid Deliktsrecht Gedanken zu einer Dogmatik der Verkehrspftichtverletzung,

VersR 1980,

397-408 e o de Eruct

STEFFEN,

Verkehrspflichten im Spannungsfeld von Bestandssschutz and

Handlungsfieiheit,

VersR 1980, 409-412; por Ult imo,

CANARIS,

Schutzgesetze — Verkehrspf l ichten

— Schutzpflichten cit., 77 ss..

Os deveres do trafego ja eram, contudo, mencionados na

jurisprudencia, hi muito. Em Portugal, onde nao existe nenhuma tradicio a preservar, 6 de

aceitar a terminologia proposta por Arirrums

VARELA.

(674)

Embora corn antecedentes romanos; cf. C. v.

BAR,

Verkehrspfl ichten ci t. ,

6 ss..

(675)

V. BAR,

Verkehrspfl ichten ci t. ,

11 ss. A doutrina penal contemporinea trata este .

tema na categoria dos crimes omissivos. Requer-se, no que agora interessa, a eidstencia de norma

que mande praticar o acto omitido

— J EscH Ea t iLe ipzKomml°

(1970) , p renot . § 13, n .° 83

(43) e RUDO LPHI/SK/StGB

4

(1982), prenot. § 13, n.° 10 (5) — o que a dizer, de deveres de

actuacio concretamente violados. Para que, em geral, se possa considerar a odstencia de

determinados deveres de actuacio, sob cominacio penal, a necessiria a presenca de urn fimda-

mento juridico especial que implique, para o agente, a imposicao juridica de defender certos

bens jurIdicos, i. 6, que de esteja na itsituacao de garantea; este requisito dispensa-se Pars

0 5

sdelitos omissivos preprios* os quais, postulando disposicoes legais expressas e nao incluindo,

na previsao, o resultado, tem cobertura juridico-penal imetliata — JEscHEat/LeipzKom m

f . idem,

prenot. § 13, n.° 84 (45) e R UDOLPHI/SK/StGB

4

cit., prenot.

§ 13, n.° 8-9 (4-5). De entre virias situacoes de garante possiveis, saliente-se a de proteges

b e n s

juridicos alheios de perigos que provenham do imbito pr6prio do agente, ou por de

controlado. Distinguem-se, aqui, tres subgrupos: a) a situacao de garante derivada de

actuagio previa do agente — p. ex., o condutor que, num acidente, poe em perigo a vida

de

outrem deve providenciar assistencia adequada; 6) a situacao emergente de fontes de Peril '

sob controle do agente

JESCHECK,

LeipzKomml° cit., §

13, n.° 35 (69), estabelece,

As linhas de evolucao mais recentes do institute

rumos, todos ligados ideia de prevencao do perigo e ao alargam ento da

proteccio requerida corn esse escopo

(678

). Passou-se de perigos prOprios

de locais ptiblicos, documentados nas decisoes acima referidas, para riscos

atinentes a sitios privados, quando seja de prever a intromissao de

pessoas no local perigoso

(

679

) . Numa segunda l inha, estendeu-se a res-

ponsabilidade a danos negligentemente causados por terceiros, mas em

conexao corn o ambito do garante

(

680

). Finalmente, os deveres de segu-

rano chegaram a cobrir perigos provocados pela actuacio dolosa de

terceiros sobre a coisa do respondente

(

681

). Os deveres de prevencao

do perigo tern ex tensao consideravel.

a ligacio corn os deveres d e seguranca no trafego civis; p. ex., o proprietir io de urn predio

arrendado deve cuidar da iluminacao n as escadas, para que ninguern se f ira;

c)

a situacao

originada por relacoes de autoridade — p. ex., o professor deve assegurar a nao pritica de

actos criminosos, pelos alunos, durante as aulas. Seguiu-se, aqui, a ordenacio de JESCHECK/

1LeipzKommlo ci t. ,§

13, n.°30-45 (66-72); cf. tambem, Rtroormu /SK/StGB

4

cit., § 13, n.° 24 ss..

Retenha-se, no tocante a situacao de garante por forca de fonte de perigo controlada pelo

agente, a necessidade de haver, de facto, perigo em jogo e nao danos corn outra origem

qualquer.

(676)

RG 30-Out.-1902, RGZ 52 (1903), 373-379 (374 e 379). Quanto a origem

jurisprudential da figura,

mas SCM

especificar, cf.

LOTHAR VOLLMER,

Haftus igsbefiv iende Uber-

tragung von V erkehrss icherungspfl ichten,

JZ 1977, 371-376 (371).

(677)

RG 23-Fev.-1903, RGZ 54 (1903), 53-60 (53 e 58-59).

(678)

V.

BAR,

Verkehrspflichten

cit., 46 ss.. Cf., corn linhas diversas, H.-J.

MARTENS,

Verkehrspflichten

cit., 401 ss..

(679)

Assign BGH 9-Mar.-1959, VersR 1959, 467-469 (467 e 468), condenou o

responsive por urn predio em mina, junto a via pablica; nao foram tomadas precauceies,

de modo que um transeunte, de noise, tendo-o penetrado ligeiramente, caiu num respiradouro.

(680)

Foi o caso conhecido de RG 19-Jun.-1914, RGZ 85 (1915), 185-189 (185 e 187-

-188): o fregues de um cafe jogava as cartas; chegou, depois, urn grupo de joveps que

iniciou uma partida de bilhar; a mesa de bilhar estava colocada a pequena distancia das

mesas normais; o fregues veio, assim, a apanhar corn urn taco de bilhar na cabeca,

ficando permanentemente diminuido; foi condenado o proprietirio do local por nao ter dado,

as mesas, uma disposicao de que nao resultasse perigo.

(681)

BGH 16-Set.-1975, VersR. 1976, 149-151 (149 e 150); acontecera o seguinte:

durante a noite, desconhecidos furtaram uma grelha de quarenta e sete quilos que tapava uma

claraboia de urn armazein sobre o qual se podia transitar; de manna cedo, uma senhora

cal

pela abertura assim exposta, ferindo-se corn gravidade; a entidade propriet iria do armazem

834

exercicio inadmiss ivel de posicoes jur idicas

Descritivamente, os deveres de prevencao do perigo com preende

ni:

o

instrucao;

b)

deveres de actuagao sobre o foco do perigo, tais com

o

escolha criteriosa de pessoas que lidem corn o perigo e de vigilancia,

deveres de organizacao — num a empresa, p. ex., onde haja perigos

deveres de formagao e de participacao — o exemplo do tecnico que deve

manter os seus conhecimentos actualizados para prevencao do perigo e

§ 30 ° A

«suppressio* e a «surrectio*

35

VII. A recepcao de um dever de prevengio do perigo, elaborado

nas condicoes acima esbocadas, merece todo o apoio da doutrina e da

jurisprudencia portuguesas. Corresponde, tal como afirma

ANTUNES

VARELA,

ao sistema geral que se depreende de varias disposicoes do COdigo

Civil — mais rico, alias, neste campo do que o BGB — e integra-se no

movimento geral da recepclo da doutrina da segunda codificacao,

coroado pelo legislador de 196 6. Sublinhe-se, porem, uma diferenca

entre o sistema portugues e o alemao, a ter em conta na recepcio

desta doutrina. No BGB , a consagracao dos «d everes do trafego*, por via

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da pessoa que, no podendo controlar o perigo, deve prevenir entidades

competentes deveres de cuidado — p. ex., a cargo do expedidor de

arma de c ap — e de assistencia — similares, mas reportados a pessoas;

p. ex., deve-se evitar incitar a participacao d e urn activista, particular-

mente excitivel e agressivo, numa manifestagao, quando seja de

esperar incidentes (

6 82

) .

No qu e toca a con stituicao destes deveres, pode apontar-se a criacao

ou manutencao de urn perigo, a proteccio da confianca — esta tambem

factor de perigos —, a possibilidade de controlar o perigo e a

ponderaclo das utilidades ligadas a fonte do perigo (

6 83

). Do jogo destes

factores retira-se, sem dificuldade, a pessoa a cargo da qual se formam

os deveres em causa.

Sublinhe-se, por fim, a nivel geral, que os deveres do trafeg

o

e desenvolvimento da responsabilidade por omissio, a inclusio da

responsabilidade do Estado no ambito civil e a transferencia da 16gica

fundam ental da responsabilidade pelo risco para a responsabilidade por

negligencia, corn o alargamento proporcionado pelo desvalor insito

nests Ultima situacao

(684)

Em qualquer dos casos, o factor essencial

desta fenomenologia

é,

sempre, a situacao de perigo

(

685

).

foi condenada, por violaclo dos deveres do trafego, que exigiriam a tomada de precaucoes

para evitar o ocorrido.

(682)

Esta enumeracio a retirada de

V. BAR,

Verkehrspflichten

cit., 83-100, que procede

a larga ilustracao jurisprudencial. Uma enumeracio alfabetica pode ser confrontada ern

PALANDT /THOMAS, BGB

42

(1983), § 823, 14 (855 ss.); algumas indicacoes veem-se em

DualscHAR/AK/BGB (1979) , § 823, n .° 25-29 (931-932) e em

LARENZ,

SchuldRIET

12

cit.,

615 ss..

(683)

V.

BAR,

Verkehrspliieliten

cit ., 112-128. MERIENs/Miinch-Kotnni, § 823 (1980),

n.° 185-188 (120 2-1204), aponta como previsoes de deveres de prevencSo do perigo, o domInio

de um determinado am bito material, a abertura ou organizacio de trafego, a criacao de uma

fonte particular de perigo e situacOes particulares ligadas a profisseies ou a funcoes perigosas.

(684)

V.

BAR,

Enuvicklung and rechtsstaatliche Bedeutung der Verkehrs(sicherungs)flichten,

JZ 1979, 332-337 (332), retomado por

MERTENsIMunch-Komm, §

823 cit. , n.° 182 (1201).

(

68 3

) P. ex., DusiscatR/AK/BGB, § 823 cit., n.° 7 (928), PALANDT/THOMAS,

BG B

42

cit., § 823, 8 (850),

MERTENsIManch-Konon §

823 cit., n.° 183 (1201),

LARENZ,

SchuldRIBT ,

p. ex., 612 e v.

BAR,

Verkehrspflichten

cit., p. ex., 113 ss.. Em abono pode,

ainda, sitar-se

ANTUNES VARELA;

basta atinar na expressio, por ele proposta, de odever de

prevencao do perigos para designar o fenomeno no espaco juridico portugues.

jurisprudencial, visou, alem dos objectivos ji apontados, enfrentar dois

escolhos tecnicos: a inexistencia de uma clausula geral de responsabilidade

civil (686) e a nao consagracao de urn dever generic° de actuacao.

No COdigo Civil, o panorama a diferente: o art. 483.°/1 comma a

responsabilidade civil a todas as violacoes culposas de direitos; nao é,

portanto, necessario, ao contrario do alemao, encontrar deveres especificos

de nio o fazer, para conseguir uma aplicacao capaz das regras da

responsabilidade. No tocante a consagracao de urn dever generic° de

actuagao, o paralelo entre os dois sistemas a m ais nitido: o art. 486.°

claro ao requerer, para a responsabilidade por omissao, a violacao

de um dever de agir. 0 c lever geral de prevencao do perigo, de natureza

legal, integra essa necessidade.

A situacao de responsabilidade criada pela violacao do clever de

prevencao do perigo distingue-se, dogmaticamente, da imputagao pelo

risco porque exige a culpa — ainda que sob a forma de negligencia

— ao c ontrario da segunda; e, a m anter-se a distincio entre responsabili-

dades obrigacional e delitual (

6 87

) ela corresponde a primeira (

6 88 ) , uma

vez que postula a violacao de deveres especificos — obrigacoes — e no

do dever geral de respeito, pressuposto no art. 48341. Quer isto dizer

que, perante a violacao desse dever, presume-se a culpa do obrigado,

nos termos do art. 79941 o qual, como se sabe, respeita, tambem,

a s

obrigacoes legais. Materialmente, no entanto, a d iferenca sensivel entre a

imputacao por violacao do dever de prevencao do perigo e pelo r isco

reside em que, na primeira, ha a situacao de perigo efectivo, enquanto

na segunda se trata, so, de risco. Toda a diferenciacao de regimes apontada

deriva de um a qualificacao inicial assente neste ponto. 0 elemento perigo

deve, pois, ser mantido muito claro. 0 facto de a lei cominar, por certos

perigos, a responsabilidade pelo risco — p. ex., 134 8.°/2 — traduz apenas,

nessas ocasiOes urn

concurso de regimes: o impu tado deve prevenir o

(686)

P. cx., MERTENs/Mancli-Komm, prenot. §§ 823-853, n.° 3 (1109) e

BERNHARD

MoSCHEL,

Der'Schutzbereieh des. Eigentums nach § 823 I

BGB,JuS 1977, 1-6 (1); cf .

MENEZES

CO RDEIRO , A pds-eficdcia cit., n.°

9 c supra

636-637.

(687)

0 que no deve ser feito a face do Direito portugues, sem prejuizo de se ter em

conta a Unica diferenca de regimes — o onus da prova da culpa — que subsiste, praticamente,

dessa antiga distincio —

cf. supra,

573

1 8 1

e 638.

(688)

Este aspecto nio rein silo focado na doutrina alma embora tenha ai um a impor-

tancia ainda maior do que na portuguesa.

836

exercicio inadmissivel de posicaes juddicas

perigo, nos termos conhecidos; se o nao fizer,- corn culpa, responde

pelos arts. 483. ° /1 e 486.0; fazendo-o, mas havendo, nao obstante, danos,

responde pela disposicao espedfica que determine a imputacio pel

o

s c o .

VIII.

Pode aplicar-se o dever geral de prevencio do perigo aos facto

r

6-Mar .-1980? ANTUNES VARELA

assim o entende,

escrevendo 4um a vez aceite no nosso Direito esse principio geral

segundo o qual a pessoa que cria ou mantem uma situacao especial

31.°

4TU QUOQUE*

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de perigo tem o dever juridico de agir, tomando as providencia

s

censura havera a fazer a decisao do Supremo. A fundamentacao d

o

689)

.

Mas

nib.

A subtileza do ac6rdio — e isso the di todo o interesse

— reside, precisamente, em que os d anos nao derivaram d o perigo ine-

rente a demolicao em si, i. é, embora tenham sido consequencia

necessiria da demolicao, surgiram, de im ediato, devido a situaclo de

exposicao em que ficou o predio da A., e nao pela actuacao directa, sobre

o bem da A., dos efeitos conexos a demolicao

(

690

). Deve-se ter ainda

presente que, a assim nao ser, a solucao seria ficil e dispensaria, tambem,

o recurso ao d ever geral de prevenca'o do perigo. A pessoa que realize

uma demolicao sem precaucoes, causando, com isso, danos a outrem,

responde pelo art. 492.°/1: a norma que penalize os efeitos da ruina

de construe

-

ao por vicio ou defeito de conservacao atinge, por maioria

de rail°, a demolicao propositada sem precaucoes

(6 9 1

) . 0

cerne da ques-

tao

gira em

torno de qualquer perigo — elemento fundamental e

imprescindivel, como se viu, do s deveres do trafego, transpostos para a

doutrina portuguesa corn o termo, de aplaudir, ddever de prevencio

do perigo, — mas antes de saber ate que ponto o titular de uma constru-

cab que, pela natureza das coisas, dava apoio a edificio contiguo deve,

em caso de demolicao, substituir, de algum modo, o apoio que vai remover.

Uma resposta a esta questa° s6 pode ser dada pelo exercicio inadm issivel

dos direitos — o abuso do direito — pela boa fe e pelo instituto da

s u r r e c t i o .

A chave esta, no Direito portugues, no art. 334...

0

Supremo decidiu bem.

(689)

ANTUNES VARELA,

Rij

114 (1981),

79, 2.' col..

( 69 0) A

subtileza nao escapou, alias, a

ANTUNES VARELA,

tot. Cit.,

75, 1.'

col.. Refe-

re-se, al, tambem, a utilizacao de ferramentas inadequadas. Caso estas tenham causado

danos, o caso 6 de responsabilidade comum, i . 6, nao haveria que recorrer nem a urn dever

de prevencio do perigo nem ao abuso. Este aspecto, como se viu, tern, no entanto, sido

consumido no essencial dos danos im plicados, causados pela exposicao ao tempo do edificio

da

A.

( 691) 0

proprio art. 483.°/1 bastaria, para obter a solucao. Uma busca na jurisprudencia

alema sobre «deveres do trafego*, muito rica no campo das constnigoes de edificios, nab

compreende exemplos compariveis aos do acOrdao, como 6 natural. Cf. , p. ex. , Mxx xENs/

/Munch -Komm c i t ., §

823, n.° 204 (1211) e

PALANDT/THOMAS, BGB

42

Cit., §

823, 14 (85 5 ss. ).

77.

Generalidades; o atu quoque» contratual; natureza

I. A formula

tu quoque

traduz, corn generalidade, o aflorar de

uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma juridica no

poderia, sem abuso, exercer a situacao juridica que essa mesma norm a

the tivesse atribuido

( 692

). Est em jogo um vector axiolOgico intui-

tivo, expresso em brocardos com o

turpitudinem suam allegans non auditor

ou equi ty mu s t come wi th c lean hands .

A sua aplicacao requer a maior

cautela. Fere as sensibilidades primarias, Ctica e juridica, que uma

pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem

o seu acatamento. Nio 6 liquido, contudo e sempre a

priori,

que urn sujeito venha eximir-se aos seus deveres juridicos alegando

violacoes perpetradas por outra pessoa.

Nenhum a das codificacoes compreende uma con sagracao expressa

e de alcance geral da fOrmula

t u quoque

693

.

As

varias mencoes

existentes

tanto podem, axiomaticamente, traduzir o aflorar de uma

regra geral subjacente, como exprimir desvios a urn principio inverso.

No C6cligo Civil,

a regra-mae do

tu

quoque tern consagracoes disper-

ses multiplas. 0 beneficiario da condicao nao pode aproveitar-se da sua

verificacao quando, contra a boa fe, a tenha provocado; o prejudicado nao

pode, da mesma

forma,

beneficiar da nao verificacio quando, contra a boa

(692)

Na formulacao mais generica, ainda, de

T E U B N E R ,

Gcgenseitige Vertragsuntreue I

I Rechtsprechung and Dogmatik zum Ausschluss von Recker; oath eigenem Vertragsbruch

(1975),

1, tu

quoque,

exprimiria a regra pela qual

Ilperante

violacoes de normas, as possibilidades de

sang

-

a° sao limitadas para aquele que perpetrou, ele prOprio, violacoes de normas". 0 alcance

da formula pode ser restrito a aspectos contratuais — portanto I regra de que, queue seja

infiel ao contrato, nao pode, em principio, derivar direitos da violacao, praticada pela

contraparte ao mesmo contrato —

LORENZ,

Der Tu-quoque-Einivand bent Rucktritt der

selbst vertragsuntreuen Partei gegen Vertragsverletzung des Gegners,

JuS 1972,

311-315 (311).

Tern

interesse, contudo, introduzir o alcance am plo da form ula, embora a jurisprudencia a tenha

consagrado no campo contratual..

( 69 3 )

RIEZLER,

Beruf i tng auf

eigenes Unrecht,

JhJb 89 (1941), 177-276 (193), limitado

embora a alegacao de f lick° prOprio.